Módulo 5 - Narcisismo

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AULA 1

Narcisismo, em psicanálise, representa um modo particular de relação com a


sexualidade. É um conceito crucial no seu desenvolvimento teórico. O
narcisismo é um protetor do psiquismo e um integrador da imagem corporal,
ele investe o corpo e lhe dá dimensões, proporções e a possibilidade de uma
identidade, de um Eu. O narcisismo ultrapassa o auto-erotismo e fornece a
integração de uma figura positiva e diferenciada do outro.

Em 1899 Paul Näcke introduziu pela primeira vez o termo “narcisismo” no


campo da psiquiatria. Para Närcke seria um estado de amor por si mesmo que
constituiria uma nova categoria de perversão.

Provavelmente a primeira menção pública de Freud do termo “narcisismo” se


encontra na nota de rodapé acrescida à segunda edição de Três Ensaios sobre
a Teoria da Sexualidade (o prefácio traz a data de dezembro de 1909). Ernest
Jones relata que em uma reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena, a 10
de novembro de 1909, Freud havia declarado que o narcisismo era uma fase
intermediaria necessária entre o auto-erotismo e o amor objetal.

Em maio de 1910 no livro “Leonardo” Freud fez uma referencia


consideravelmente mais extensa ao narcisismo. Depois se seguiram à análise
do Caso Schreber (1911) e Totem e Tabu (1912-1913).
Em 1914 Freud lança seu artigo “Sobre a Introdução do Conceito de
Narcisismo”. Esse artigo é um de seus trabalhos mais importantes, podendo
ser considerado como um dos fatores centrais na evolução de seus conceitos.

Nesse texto é traçada uma nova distinção entre “libido do ego” e “libido
objetal”; e é introduzido os conceitos de ‘ideal do ego’ e do agente
autoobservador (que constitui a base do que veio a ser descrito como superego
em o Eu e o Isso em 1923.
Elia (1992) diz que do ponto de vista da impelência clínica da produção
teórica freudiana, foram as psicoses que produziram a teoria do sujeito
implicada na teoria do narcisismo.

Freud (1914) diz que a necessidade de discutir sobre um narcisismo primário


normal surgiu quando se fez a tentativa de incluir o que era conhecido como
demência precoce (Kraepelin) ou da esquizofrenia (Bleuler) na hipótese da
teoria da libido – denominados por Freud de parafrênicos.

Freud acreditava que na esquizofrenia a libido afastada do mundo externo é


dirigida para o ego e assim dá margem a atitude que pode ser denominada de
narcisismo, mas esse seria um narcisismo secundário, superposto a um
narcisismo primário. Freud propõe que há uma catexia libidinal original do
ego, parte da qual é posteriormente transmitida aos objetos, mas que
fundamentalmente persiste e está relacionada com as catexias objetais.

Jung, junto a Eugen Bleuler em Zurique vinha se dedicando às psicoses; e


suas pesquisas o levaram a produzir uma teorização enfraquecedora da teoria
freudiana da sexualidade. Jung propunha retirar o caráter sexual da libido,
que passaria a significar a energia psíquica geral.

Houser (2006) diz que a saga de Narciso (um herói devorado de amor por um
objeto que não é outro senão ele próprio) leva a pensar no narcisismo como
uma relação imatura, auto-centrada, erotizada, mais que sexualizada, detida
em uma contemplação especular do idêntico ao “Si-mesmo” do sujeito. Mais
o narcisismo também promove a constituição de uma imagem de si unificada,
perfeita, cumprida e inteira, que ultrapassa o auto-erotismo primitivo para
favorecer a integração de uma figuração positiva e diferenciada do outro, e,
sobretudo, do outro em seu estatuto sexuado.

Luciano Elia (1995) define o narcisismo como o processo pelo qual o sujeito
assume a imagem do seu corpo próprio como sua, e se identifica com ela (eu sou
essa imagem). Implica o reconhecimento do eu a partir da imagem do corpo
próprio investida pelo outro.

Freud desenvolve o conceito de narcisismo metaforizando o mito de Narciso,


jovem que se apaixona por sua imagem refletida nas águas de um rio. A
introdução do conceito do narcisismo traz grandes modificações à
metapsicologia de Freud, uma vez que foi preciso repensar o funcionamento
psíquico, já que o eu passa a ser uma instancia passível de investimento
libidinal.

Porém, a partir deste momento, Freud coloca de uma vez por todas a teoria
da sexualidade como propulsora do funcionamento do aparelho psíquico,
sendo possível, inclusive, entender as psicoses, já que o eu se torna, também,
objeto de investimento.

As primeiras referências ao narcisismo, presente em sua obra, datam de


1910, em nota acrescentada ao texto “Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade”, reformulando a concepção de conflito psíquico. Seguindo em
1910 de central no entendimento da Clínica Psicanalítica da
Contemporaneidade.
“Leonardo da Vinci”, 1911 em o caso Schreber, 1913 em Totem e Tabu. Em
1914 escreve o artigo “Sobre o narcisismo: uma introdução”, introduzindo o
narcisismo como um conceito e ampliando o que havia dito até então. Mesmo
diante de todos os impasses que o conceito do narcisismo trouxe à teoria de
Freud, é através dele, que se torna possível a percepção de dificuldades da
construção subjetiva dos indivíduos na atualidade.

Sendo assim, se torna um conceito central no entendimento da Clínica Psicanalítica


da Contemporaneidade.
Segundo Jordão (2011), Freud constrói toda concepção metapsicológica de
sua teoria sob os pressupostos básicos da noção de sexualidade do aparelho
psíquico e do recalque, observado nas pacientes histéricas atendidas por ele,
assim reuniu sob o termo “neurose de transferência” o que concebia como um
campo de atuação eficaz da psicanálise.

O perfil da clientela atendida por Freud foi de grande importância, uma vez
que o desenvolvimento da psicanálise se deu inicialmente a partir da pratica
clinica com as histéricas, e mais tarde com os neuróticos obsessivos.

Porém, é quando Freud tenta compreender também as psicoses a partir dos


preceitos psicanalíticos que começam a se produzir revisões e inovações em
sua visão metapsicológica. É dessa empreitada que nasce o conceito de
narcisismo. Freud atesta a aplicabilidade da teoria sexual também às psicoses,
firmando a sexualidade como propulsora do funcionamento do aparelho
psíquico. Porém, mesmo partindo da psicose,Freud não se limita, abrange o
tema do narcisismo também às neuroses.

Segundo Drubscky (2008), as primeiras menções ao narcisismo feitas por


Freud datam de 1910 em nota acrescentada ao artigo “Três Ensaios sobre a Teoria
da Sexualidade” (1905).
Nesse momento, Freud reformula a concepção de que os conflitos psíquicos
eram caracterizados pela oposição entre as forças das pulsões sexuais do ID
e o eu consciente, uma vez que o eu passaria a ser um objeto de investimento
libidinal. Freud parte das observações da esquizofrenia, da vida mental de
crianças e dos povos primitivos para desenvolver o conceito do narcisismo.
Segundo ele, enquanto na esquizofrenia há uma retirada da libido do mundo
externo para o eu, na neurose a libido retirada dos objetos externos será
investida nos objetos da fantasia.
Embora essa retirada da libido ocorra durante toda a vida, considera a
existência de um narcisismo primário que estrutura-se a partir das relações
com aqueles que circulam o bebê, normalmente os pais. O narcisismo
primário é uma herança do narcisismo perdidos dos pais e a criança viria a
ocupar esse lugar – “Sua Majestade o Bebê”. Em consequência desta relação,
as primeiras escolhas objetais do bebê são derivados de suas primeiras
experiências de satisfação

No narcisismo secundário há um retorno dos investimentos feitos sobre objetos


externos ao eu.

Freud dá à libido um caráter móvel, permitindo que seja possível ao mesmo


tempo o investimento no eu e em objetos externos, na mesma medida em que
permite a retirada dos investimentos externos com retorno da libido ao eu.
(DRUBSCKY, 2008)

Freud então introduz de forma implícita os conceitos de eu ideal e ideal do eu


para explicar o que acontece com a libido nesse retorno.

Coloca o eu ideal como sendo o estado narcísico de onipotência na infância,


inerente ao narcisismo primário, na medida em que a noção de ideal do eu é
colocada como uma instância diferenciada que dita um modelo ao qual o
sujeito procura seguir. Vale lembrar que o eu ideal não é uma fase a ser
superada, mas aparecerá no adulto quando este se aproximar de seu ideal do
eu, correspondente às exigências externas – lei.

No ano de 1915, Freud dá um importante passo em sua obra, em seu texto


sobre o destino das pulsões, considera a agressividade (ódio) como anterior
ao amor.

O bebê nos primeiros meses de vida é indiferente ao mundo externo, se algo


prazeroso lhe é apresentado, introjetra-o como sendo seu.
Da mesma forma que expulsa o que sente como desprazeroso. Assim, a
agressividade se mantém em intima relação com as pulsões de
autoconservação. (DRUBSCKY, 2008)

Em “Luto e melancolia” (1917), descreve o processo posterior à perda do


objeto que podem ocorrer de duas formas muito parecidas: o luto ou a
melancolia. Com a perda do objeto, o sujeito se desinteressa por tudo a sua
volta, porém na melancolia, há diminuição da auto-estima e
autorecriminação.

Na melancolia a perda do objeto resulta na identificação com este, e ao invés


da libido deslocar para outro objeto, retorna para o eu.

Assim, o eu se torna vazio, ocorre à perda do eu identificado narcisicamente com


o objeto perdido. (DRUBSCKY, 2008)

Durante o desenvolvimento do conceito, Freud se viu frente a um impasse.

Segundo Jordão (2011), Freud parte dos conhecimentos da medicina para


chegar às leis básicas do funcionamento psíquico humano, no entanto
demonstra que o ser humano está ligado à uma dialética particular, estando
dividido em porções conflitantes fruto de desejos, variadas verdades e
sentimentos ambivalentes que habitam o ser.

Toma a linguagem como aquela que denuncia o sujeito em conflito.

Segundo Jordão (2011), a neurose se configura como o encontro de vários eus


que lutam entre si em busca de uma unidade, em que o sujeito faz um acordo
com sua neurose, e os conflitos nela envolvido, em troca de uma unidade.

A ideia de unidade é essencial para a constituição subjetiva de qualquer


sujeito, e através do estudo do narcisismo há a possibilidade de se assinalar
as dificuldades em sua construção subjetiva. Sendo assim, a clínica
psicanalítica, tendo em vista a subjetividade humana, assume então,
importância e posição privilegiada neste estudo.

Sem duvida o conceito do narcisismo é de importância fundamental, sendo


um dos pilares da Psicanálise, uma vez que organiza o desenvolvimento
psicossexual do sujeito levando em conta as diferentes energias psíquicas e
formas de investimentos possíveis.

Assim, configura-se como um conceito de grande importância no


entendimento da Clínica Psicanalítica da Contemporaneidade, que atende
cada vez mais sujeitos com lacunas em sua construção subjetiva.
AULA 2
O CONCEITO DE NARCISISMO

Em Psicanálise, narcisismo representa um modo particular de relação com a


sexualidade. Luciano Elia (1995) define o narcisismo como o processo pelo
qual o sujeito assume a imagem do seu corpo próprio como sua, e se identifica
com ela (eu sou essa imagem).

Narcisismo é um conceito da psicanálise que define o indivíduo que admira


exageradamente a sua própria imagem e nutre uma paixão excessiva por
si mesmo.

O termo é derivado de Narciso, que segundo a mitologia grega, era um belo jovem
que despertou o amor da ninfa Eco.

Mas Narciso rejeitou esse amor e por isso foi condenado a apaixonar-se pela
sua própria imagem refletida na água. Narciso acabou cometendo suicídio por
afogamento. Posteriormente, a mãe Terra o converteu em uma flor (narciso).
Estando relacionado com o auto-erotismo, o narcisismo consiste em uma
concentração do instinto sexual sobre o próprio corpo.

Os indivíduos narcisistas são frequentemente fechados, egocêntricos e solitários

De acordo com Freud, o narcisismo é uma característica normal em todos os


seres humanos. Está relacionado com o desenvolvimento da libido (com o
desejo sexual, eros).

Na linha psicanalítica de Freud, o narcisismo como perversão sexual é uma


fixação de uma fase de transição da infância, em si normal. Está
correlacionado, em parte com a homossexualidade e o exibicionismo, entre
outras características da conduta sexual.

O narcisismo se transforma em patologia, ou seja, passa do estado normal


para o doentio, quando entra em conflito com ideias culturais e éticas,
tornando-se excessivo e dificultando as relações normais do indivíduo no
meio social.

De acordo com os estudos de Freud, o narcisismo pode ser dividido em duas


etapas: narcisismo primário (fase auto-erótica) e o narcisismo
secundário(quando o indivíduo desenvolve o ego e consegue se diferenciar
- os seus desejos e o que o atrai - do resto do mundo).

O narcisismo é um protetor do psiquismo e um integrador da imagem


corporal, ele investe o corpo e lhe dá dimensões, proporções e a possibilidade
de uma identidade, de um Eu. O narcisismo ultrapassa o autoerotismo e
fornece a integração de uma figura positiva e diferenciada do outro.

O Narcisismo não leva apenas à patologia, ele também é um protetor positivo


do psiquismo. Um narcisismo “que promove a constituição de uma imagem
de si unificada, perfeita, cumprida e inteira”. (Houser, 2006, pág. 33).
Ultrapassa o autoerotismo para fornecer a integração de uma figura positiva
e diferenciada do outro.

O narcisismo está envolvido na estruturação do eu, unificando as pulsões


parciais e auto eróticas. O que permite essa relativa unificação da
fragmentação pulsional é o investimento libidinal da imagem do sujeito,
como objeto privilegiado. Desta maneira, existiria um momento mítico,
posterior ao autoerotismo, que precederia o investimento do objeto como
diferente do sujeito, que seria o narcisismo.
Embora ainda não nos seja possível traçar com exatidão suficiente uma
característica deste estádio narcisista, na qual as pulsões sexuais, até então
dissociadas, se reúnem numa unidade investindo o eu como objeto,
vislumbramos desde agora que a organização narcisista nunca é totalmente
abandonada. Um ser humano permanece narcisista em certa medida mesmo
depois de ter encontrado objetos externos para a sua libido (Freud [1913]
2006: 92)

O investimento libidinal do eu é fundamental para a sua preservação. No ano


seguinte, no célebre artigo “Uma introdução ao narcisismo” (1914), Freud
aprofunda esta perspectiva e introduz o narcisismo como um conceito que é,
sem dúvida, um dos pilares de sua teoria.

A grande novidade é a formulação que admite a existência simultânea de uma


libido do eu e uma libido do objeto. Esta formulação acarretou problemas
para a teoria até então vigente; uma vez que o eu também passou a ser objeto
de investimento libidinal, isto é, ele deixou de ser uma instância
libidinalmente neutra no conflito psíquico.

Freud distingue dois tipos de narcisismo: narcisismo primário e narcisismo


secundário.
O NARCISISMO PRIMÁRIO

Freud em 1914 fala que o “eu” não é inato e que resulta de uma nova ação
psíquica que se faz como um acréscimo ao auto-erotismo. Essa nova ação
psíquica é o narcisismo.

Narcisismo não é igual a auto-erotismo, pois uma unidade comparável ao ego


não existe desde o início, ele tem que ser desenvolvido; os instintos
autoeróticos se encontram desde o início.
Freud postula que um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais –
ele próprio e a mulher que cuida dele – o que leva a considerações de um
narcisismo primário em todos, o qual, em alguns casos, pode manifestar-se
de forma dominante em sua escolha objetal

Freud (1914) diz que o grande encanto de uma criança reside em grande medida em
seu narcisismo, seu auto-contentamento e inacessibilidade.

Para Freud o desenvolvimento do ego consiste em um afastamento do


narcisismo primário e dá margem a uma vigorosa tentativa de recuperação
desse estado. Esse afastamento é ocasionado pelo deslocamento da libido em
direção a um ideal do ego imposta de fora, sendo a satisfação provocada pela
realização desse ideal.

Le Poulichet (1997) diz que o que vem a perturbar o narcisismo primário é o


Complexo de Castração. É através dele que se opera o reconhecimento de
uma incompletude que desperta o desejo de recuperar a perfeição narcisista.
O narcisismo secundário se define como o investimento libidinal da imagem
do eu, sendo essa imagem constituída pelas identificações do eu com as
imagens dos objetos.

O primeiro modo de satisfação da libido seria o autoerotismo conceituado como o


prazer que o órgão retira de si mesmo; essas pulsões, de forma independente,
procuram cada qual por si, sua satisfação no próprio corpo. Nesse período, ainda não
existe uma unidade comparável ao eu, nem uma real diferenciação do mundo.

Em seu texto de 1914, sobre o Narcisismo, Freud destaca a posição dos pais
na constituição do narcisismo primário dos filhos. Freud fala que o amor dos
pais aos filhos é o narcisismo dos pais renascido e transformado em amor
objetal. O Narcisismo primário representaria de certa forma, uma espécie de
onipotência que se cria no encontro entre o narcisismo nascente do bebê e o
narcisismo renascente dos pais.

O narcisismo primário é uma herança do ideal narcísico dos pais. A criança viria
ocupar o lugar daquilo que ficou perdido na vida dos pais.

Cabe a ela recuperar para eles todos os privilégios que estes foram obrigados
a renunciar, e a realizar os sonhos e projetos nos quais eles fracassaram.

Este lugar, no qual os pais costumam colocar o filho, Freud chamou de “Sua
Majestade, o Bebê”.

Como consequência desta relação, os primeiros objetos sexuais eleitos pela


criança são derivados de suas primeiras experiências de satisfação, em geral,
vividas com as pessoas que cuidam dela, sua mãe ou substituta.

O NARCISISMO E A CONSTITUIÇÃO DA NOÇÃO DE “EU”

Num primeiro momento, o ego (eu) para Freud era o ego (eu) da psicologia
corrente. Com o conceito de narcisismo Freud (1914) propôs a constituição
do ego (eu) a partir de ser ele o objeto da pulsão. O narcisismo seria o
momento organizador das pulsões parciais, permitindo a passagem do
autoerotismo para o investimento libidinal de um objeto exterior.
Em Freud o Eu (ego) não existe desde de o início, deve se constituir através de
um ato pelo qual o eu identifica-se com a imagem de seu corpo, imagem que
assume como sua, e mais ainda, como sendo ele próprio(Elia, 1995).

Embora o bebê humano não tenha condições neurológicas para dominar a


organização de seu esquema corporal (ainda não pode coordenar seus
movimentos) pode reconhecer-se no espelho. O conhecimento, a organização
do próprio corpo, vem do exterior. Leite (1992) diz que haverá uma primazia,
uma antecipação do psicológico sobre o fisiológico, e é assim que se
constituirá a estrutura do sujeito humano.

Elia (1995) diz que é contra o estilo freudiano a tradução de Ich por Ego, e
porta as marcas do positivismo cientificista na linguagem. Ich é “Eu”, e o
sentido que ele assumirá em Freud será devido à subversão de seu sentido na
teoria e não ao uso de uma palavra incomum.

Antes da Introdução do Narcisismo (1914) o “EU” é uma massa ideacional


consciente cujo principal objetivo é conservar a vida e reunir o conjunto de
forças que, no psiquismo, se opõe à sexualidade (Elia, 1995). É a sede das
pulsões de auto-conservação (pulsões de vida) e é o pólo defensivo do
psiquismo, interessado em conservar a vida.

Mas desde as Neuropsicoses de Defesa (1894), com a ênfase do conceito de


defesa (ato e função do eu) Freud rompe com a concepção neurologizante e
passiva do eu. Elia (1995) diz que por essa relação com a conservação da vida
(com afastamento/oposição ao sexual) a noção de Eu está aprisionada ao
discurso psicobiológico.

Freud ainda não havia elaborado uma teoria do eu consistente, que o concebesse a
partir de uma perspectiva rigorosamente pulsional

O eu poderia ser definido como o resumo do esforço de viver, trincheira de


um desejo, no máximo, natural – o desejo de viver e manter-se vivo, campo
natural da vida, conexo porém oposto ao sexual, este perverso – polimorfo,
subversivo, voltado para o gozo e para o prazer, mais que para a vida(Elia,

1992, p. 117).
Elia (1992) diz que antes do conceito de narcisismo o Eu estava situado diante
dos investimentos pulsionais (uma pulsão sexual, sem sujeito, oriunda do
inconsciente), defendendo-se, recalcando, produzindo e administrando
conflitos, mas não entrava enquanto instancia subjetiva, como efeito do
circuito pulsional.

Com a introdução do narcisismo anuncia-se o risco da totalização da pulsão


na esfera do sexual. A libido é sempre sexual, consistindo o narcisismo
precisamente na sexualização do Eu, sua erotização. Mas para Freud o sexual
é não-todo. O narcisismo destitui o estatuto pulsional das pulsões do Eu ou
de auto-conservação.

Freud (1914) chega ao questionamento da necessidade de diferenciar uma


libido sexual de uma energia não-sexual das pulsões do Eu, se o Eu tem um
investimento primário da libido. Freud ficou diante do que fazer com as
antigas pulsões (não-sexuais) do Eu, de autoconservação.

Elia (1992) lembra que diluir os interesses egóicos e autoconservadores do


Eu na libido narcísica equivaleria a totalizar a experiência subjetiva em torno
do sexual, excluindo da teoria o que escapa a significação sexual.

Elia (1992) enuncia que a posição teórico-clínica e ética de Freud sobre a sexualidade
pode ser resumida em duas proposições complementares: (1) A sexualidade para a
psicanálise é absoluta; (2) A sexualidade para a psicanálise é não-toda (não diz todo
o sujeito).

O termo absoluta atribuído à sexualidade na psicanálise quer exatamente


expressar que nenhum sujeito, e nenhum fenômeno do sujeito escapa às
incidências do sexual, como tal articulado por Freud ao desejo inconsciente.
E o caráter não-todo do sexual em Freud visa precisamente a expressar a
impossibilidade de que a incidência do sexual recubra a totalidade da
subjetividade, lhe seja co-extensiva

Com a introdução do narcisismo Freud altera seu esquema pulsional anterior,


postula a existência de uma só pulsão, a pulsão sexual, a libido, que passa a
ter o Eu como uma de suas localizações possíveis.

Elia (1992) lembra que agora também o Eu é um dos alvos da libido, tanto
quanto os demais objetos, mas não do mesmo modo. O Eu é irredutível ao
mundo dos demais objetos e assume a força suficiente para constituir uma
libido de natureza distinta, a que Freud dá o nome de libido narcísica. Não há
assim, uma só libido e dois pólos de investimento (o Eu e os objetos), há duas
libidos: o Eu, de um lado, constituindo a libido narcísica; e os outros objetos,
do outro, constituindo a libido objetal.

Em 1920 Freud introduz o “Além do princípio do prazer”. Nessa obra ele


estabelece uma nova teoria pulsional, a dualidade entre pulsões sexuais (ou
Eros, ou pulsões de vida) e pulsões de morte (Thanatos, pulsão de destruição).
As pulsões de auto-conservação são subsumidas pelas pulsões de morte,
como pulsão parcial dessas últimas na medida em que o esforço do Eu para
viver não terá outro objetivo se não o de garantir que venha a morrer.
Diz que a pulsão de morte define é o para além da sexualidade e do princípio
do prazer. Ele diz que trata-se de afirmar a exclusividade do sexual, mas ao
mesmo tempo circunscrevê-lo impedindo sua plenificação.

O sexual é não-todo, não se fecha numa totalidade, contendo, nos seus confins
, uma dimensão de furo, de impossibilidade radical e estrutural de
significação. Nem tudo poderá ser significado, nem tudo fará sentido, nem
tudo será recalcado no inconsciente, e portanto nem tudo será recordável na
experiência analítica. No lugar do não recordável, do não-interpretável, Freud
coloca a compulsão de repetição: em vez de recordar, o sujeito repete, em ato,
o que não pôde se tornar inconsciente recalcado .

NARCISISMO SECUNDÁRIO

No caso do narcisismo secundário há dois momentos: primeiro o


investimento nos objetos; e depois esse investimento retorna para o seu (ego).
Quando o bebê já é capaz de diferenciar seu próprio corpo do mundo externo,
ele identifica suas necessidades e quem ou o que as satisfaz; o sujeito
concentra em um objeto suas pulsões sexuais parciais, há um investimento
objetal, que em geral se dirige para a mãe e o seio como objeto parcial.

Com o tempo, a criança vai percebendo que ela não é o único desejo da mãe,
que ela não é tudo para ela; “sua majestade, o bebê começa a ser
destronado. Essa é a ferida infligida no narcisismo primário da criança. A
partir daí, o objetivo consistirá em fazer-se amar pelo outro, em agradá-lo
para reconquistar o seu amor; mas isso só pode ser feito através da satisfação
de certas exigências; a do ideal do seu eu.” (Nasio, 1988, pág. 59).

O narcisismo secundário resulta no retorno ao eu dos investimentos feitos sobre


objetos externos:
Atribuímos ao indivíduo um progresso quando passa do narcisismo ao amor
objetal. Mas não acreditamos que toda a libido do eu passe para os objetos.
Determinada quantidade de libido permanece sempre junto ao eu, certa
medida de narcisismo persiste mesmo quando o amor objetal é altamente
desenvolvido. O eu é um grande reservatório do qual flui a libido destinada
aos objetos e para o qual ela retorna, proveniente dos objetos.

A libido objetal foi inicialmente libido do eu e pode ser outra vez convertida
em tal. (...) Como ilustração desta situação podemos pensar em uma ameba,
cuja substância viscosa desprende pseudópodes, prolongamentos pelos quais
se estende a substância do corpo, os quais, contudo, podem retrair-se a
qualquer momento, de modo que a massa protoplásmica seja restaurada
(Freud [1917] 2006. 131).

Um forte egoísmo protege contra o adoecimento, mas, no final, precisamos


começar a amar para não adoecer, e iremos adoecer se, em consequência de
impedimentos, não pudermos amar. (FREUD, 1914, p. 106)

AULA 3
NARCISISMO E COMPLEXO DE ÉDIPO

As relações entre narcisismo e complexo de Édipo São apresentadas as


relações entre complexo de Édipo e narcisismo, enfocando os textos escritos
entre 1923 e 1925, que mais especificamente tratam da questão do Édipo. São
eles: A organização genital infantil (1923), O sepultamento do complexo de
Édipo (1924) e Algumas conseqüências da diferença anatômica entre os sexos
(1925). Também são apresentadas as colocações sobre o Édipo que aparecem
em textos mais tardios - Sobre a sexualidade feminina (1931) e Esboço de
psicanálise (1938). Freud escreve sobre a sexualidade na infância tomando
desde as organizações pré-genitais da libido. Aborda a sexualidade desde o
período anterior ao complexo de Édipo, o começo e desfecho do Édipo, o
período de latência, até a conformação sexual final no adulto. Embora Freud
atribua ao complexo de Édipo a função de dar acesso à genitalidade, daí a
fase fálica ser sua contemporânea, Laplanche e Pontalis ressaltam a
importância de não querer fazer coincidir o período pré-edipiano com o pré-
genital, pois “pode haver uma atividade genital satisfatória sem Édipo
consumado, e também que o conflito edipiano pode ocorrer em registros
sexuais pré-genitais.” Pode-se dizer, que para Freud, pode haver atividade
genital satisfatória antes do Édipo porque a criança pode perceber e mexer
nesta zona ainda no período pré- edipiano, mas este mexer não têm nenhum
conteúdo psíquico. Contudo, na fase fálica, já no Édipo, o mexer na genitália
ganha um conteúdo psíquico. Freud assinala que o período préedipiano
compreende o momento da ligação primária entre mãe e criança, sendo o
apego à mãe o resumo desta relação. O primeiro objeto erótico da criança
seria o peito, tomado como objeto de amor por satisfazer a necessidade de
nutrição. Trata-se de um investimento libidinal originariamente narcisista, já
que a criança não distingue o seio como um objeto externo, como um outro,
mas sim como fazendo parte dela mesma. Desta forma, pode-se inferir que
Freud faz corresponder um investimento originalmente narcisista com um
narcisismo presente no indivíduo desde o início, quando o organismo mantém
um tipo de relação com o objeto. Mas nessa relação o objeto é concebido
como parte do próprio sujeito, o que põese de acordo com a hipótese de um
narcisismo primário. Esta concepção de narcisismo leva a perda da distinção
entre narcisismo e autoerotismo. Quando a criança faz a distinção do seio
como objeto externo, toma como o objeto a mãe que alimenta e cuida.

Tem-se então, a mãe como primeiro objeto de amor para meninos e meninas.
Freud assinala que isso ocorre porque as condições primordiais de eleição de
objeto são idênticas para ambos. Mas a entrada no Édipo é diferente para cada
um, pois a menina entra no Édipo em sua forma invertida, ou seja, tendo como
objeto o progenitor do mesmo sexo para depois colocar sua libido sobre o pai
e rivalizar com a mãe.

Enquanto o menino mantém a mãe como seu objeto e rivaliza com o pai. Com
a entrada no Édipo ocorre a plena escolha de objeto a partir de identificações
e investimentos de objeto características desse período. O Édipo marca a
instauração do primado do falo e mostra seus efeitos na construção da
personalidade sobre a constituição das diferentes instâncias, principalmente o
superego e o ideal do ego, pois com o Édipo o indivíduo interioriza as
exigências e interdições. Freud considera que esta relação primária com a mãe
é marcada por metas sexuais de natureza passiva e ativa.

As primeiras vivências sexuais seriam de natureza passiva, pois a mãe


amamenta, alimenta, limpa e veste a criança. Mas apenas uma parte da libido
permanece ligada e obtém satisfação destas experiências, a outra parte se
volta contra, na forma de atividade: …se mostra de maneira inequívoca uma
rebeldia contra a passividade e uma predileção pelo papel ativo.

A atividade sexual da criança até a mãe se apresenta seguindo a seqüência


aspirações orais, sádicas e fálicas, e é caracterizada segundo a zona erógena
que se encontra dominante. São as fases libidinais do desenvolvimento que
caracterizam a natureza das relações com a mãe. A fase fálica seria marcada
pelo direcionamento à mãe de moções passivas e ativas. As moções ativas se
expressam pela masturbação do clitóris. Pelas moções passivas a menina
percebe a mãe como sedutora - a mãe que limpa é a mãe que seduz. Freud
nota que as moções ativas sofrem mais os efeitos da frustração que as passivas
e, por isso, a libido as abandona com mais facilidade. Freud conclui que: …
a mãe inevitavelmente desperta em sua filha a fase fálica o que, nas fantasias
dos anos posteriores, o pai apareça tão regularmente como o sedutor sexual.
Freud considera que na fase fálica a menina nota que o menino possui um
pênis superior ao seu (o clitóris) e conseqüentemente se decepciona com a
mãe, considerada a responsável pela miséria do seu pequeno órgão e, como
conseqüência, por seu desejo.

A decepção com a mãe leva a menina a vivenciar a inveja do pênis e como


conseqüência o complexo de masculinidade. Se comporta como um menino
por achar que tem um pênis ou que vai receber um.Quando a menina aceita a
castração, reprimi a masculinidade até então adotada e assim suspende sua
masturbação e numa atitude de feminilidade passiva, toma o pai como objeto.
Substitui o desejo de ter um pênis pelo desejo de dar um filho ao pai. Sobre o
complexo de castração Freud assinala: É, portanto, com o conhecimento da
castração que a menina abandona sua masturbação e seu objeto – a mãe.
Freud assinala que na menina a castração marca a entrada no complexo de
Édipo.

Freud assinala que a menina passa por uma fase do complexo de Édipo
negativo, com a vivência de “inveja do pênis”, antes de ingressar no positivo.
Segundo Freud, as duas formas – positiva e negativa - coexistem no Édipo, o
que possibilita entender a atitude ambivalente para com ambos os pais. O
complexo de Édipo positivo marcaria a masculinidade no menino e a
feminilidade na menina

No menino, a entrada no Édipo se dá diferente da menina; ocorre na sua forma


positiva e sem troca de objeto. Ele continua com a mãe como objeto e rivaliza
com o pai. A atitude edipiana pertence à fase fálica em que um interesse
narcísico no genital – o falo – leva-o a ser investido com libido.

Na fase fálica do desenvolvimento sexual que ocorre contemporaneamente ao


complexo de Édipo, o menino percebe seu genital e passa a examiná-lo.

Nesta fase a criança a acredita que o falo é o único órgão genital existente.
O menino vê a falta de pênis, mas desmente a diferença procurando fazer com
que se encaixe em suas expectativas. A princípio não crê na ameaça de
castração, mas quando esta percepção torna-se significativa passa a temer a
perca de seu próprio pênis. Freud assinala: A falta de pênis é entendida como
resultado de uma castração, e agora se apresenta ao menino a tarefa de lutar
contra a ameaça da castração a sua própria pessoa. ...só se pode apreciar
corretamente o significado do complexo de castração se se leva em conta sua
gênese no primado do falo.
A reprovação da masturbação por parte dos pais que cuidam da criança ativa
o complexo de castração e põe fim à masturbação. Tem-se que a organização
genital fálica do menino se fundamenta a raiz da ameaça de castração.
Enquanto que o complexo de Édipo do menino termina devido ao complexo
de castração, o da menina é possibilitado e introduzido por este último.

Na menina a castração marca a entrada no complexo de Édipo, enquanto que


no menino seu desfecho. A ameaça de castração vivenciada pelo menino leva
seus investimentos libidinosos a serem resignados, dessexualizados e
sublimados. Como resultado da fase sexual governada pelo complexo de
Édipo, como resíduo das primeiras identificações e eleições de objeto e da
repressão do desejo, nasce o superego que se fundamenta como formação
reativa frente a estas eleições. Assim, como resultado mais universal da fase
sexual governada pelo complexo de Édipo, se pode supor uma sedimentação
no ego, que consiste no estabelecimento destas duas identificações,
unificadas de alguma maneira entre si. Esta alteração do ego recebe sua
posição especial: opõe-se a outro conteúdo do ego como ideal do ego ou
superego. O que significa dizer que o superego se fundamenta como instância
pela interiorização das exigências e das interdições parentais e exerce sua
função inibitória, contrapondo-se ao ego e tentando dominá-lo, sob a forma
consciência moral.
Em O ego e o id Freud nota que a partir das identificações, as quais tomam
lugar dos investimentos do id, que se formam o ego e o superego. Portanto o
narcisismo do ego ocorreria num momento em que o complexo de Édipo já
se encontra instalado, um narcisismo secundário posterior aos investimentos
objetais do Édipo. Mas na realidade o complexo de Édipo não servia para
completar a passagem do narcisismo para a escolha de objeto? Pode-se dizer
que isso também, pois, na medida que Freud concebe a existência de um
narcisismo primitivo, o Édipo completaria a passagem deste para a escolha
objetal.

A teoria do narcisismo foi uma das principais contribuintes para a ‘virada’


dos anos 20. O narcisismo surge na psicanálise quando Freud conclui que o
ego é investido de libido. Algumas dificuldades surgem a partir de sua
introdução, mais especificamente no que se refere a manter o conflito
psíquico como um conflito entre pulsões, o que Freud se esforça para
conseguir. Diferentes questões e exigências explicativas e, por conseqüência,
tentativas de solução do impasse surgem. Como alterações conseqüentes do
narcisismo tem-se: alteração na noção de ego, introdução das duas novas
instâncias, o novo dualismo pulsional.

O esforço em manter um dualismo entre pulsões, mesmo frente às


dificuldades acrescentadas pela descoberta de que o ego também é objeto da
libido, faz com que Freud só abandone o primeiro dualismo, quando já havia
trabalhado um outro para tomar seu lugar.

Esse esforço de Freud compreende a tentativa de atingir no plano teórico, sem


deixar de lado a experiência clínica, mas indo além dela, as explicações
relacionadas ao funcionamento e gênese de diversos conceitos. Entre eles, e
de interesse fundamental, está o de narcisismo, quer normal, quer patológico.
O narcisismo caminharia desde a normalidade até a patologia, do sonho à
psicose. O narcisismo do sonho mostra-se essencial, pois a realização do
desejo por via sonho colabora para que o sujeito não ‘busque’ um tipo de
realização de desejo que envolva um comprometimento do ego, como por via
alucinação psicótica. Concebido como normal porque uma dose de
narcisismo deve sempre estar presente. Mas o investimento de objeto é
imprescindível para a vida, porque com um forte narcisismo todo ao sadismo
seria enviado para o ego, como se verifica no padecimento subjetivo nas
psicoses, no sofrimento que se vê na melancolia.

No narcisismo o ego recebe a libido não apenas como expressão da pulsão de


vida, mas também como expressão da pulsão de morte, pois o amor e o ódio
pelo objeto voltam-se ao ego, ou seja, a ambivalência para com o objeto se
apresenta 112 também com relação ao ego próprio. Esta admissão leva Freud
a conceber as duas novas instâncias da personalidade.

O narcisismo primitivo seria abandonado porque o ego tenta afastar de si a


expressão da pulsão de morte presente na libido. A volta sobre si do
narcisismo não leva a satisfação plena, por isso os sintomas psicóticos
correspondem a uma tentativa do ego de restabelecer a relação objetal e assim
enviar os componentes sádicos para o objeto. Mantém-se em aberto que
estado é o narcisismo primário, se há ou não um narcisismo primitivo, se
trata-se ou não de um estado anobjetal e se o autoerotismo existe como fase
ou apenas como modo de obtenção de satisfação, porque não se sabe que
unidade está presente a princípio e serve de reservatório da libido.

Por isso Freud alterna entre um e outro ponto de vista e não se pronuncia a
este respeito de modo que acaba havendo uma incompatibilidade entre suas
colocações. Portanto, Freud apresenta quando escreve sobre o narcisismo, da
mesma forma que procede para com outros conceitos, hesitações, correções,
abandono e retomada de posições. Acaba por não fornecer uma solução, mas
indica caminhos a serem seguidos.
A importância desse conceito deve-se, principalmente, ao fato dele exigir de
Freud explicações teóricas que colaboram para a reestruturação do esquema
psíquico proposto pela psicanálise. Pode-se dizer que Freud não apresenta
uma solução para um fechamento do conceito, mas aponta a tendência por
assumir um narcisismo primitivo e originário no sujeito, cujo protótipo é a
vida intra-uterina. O autoerotismo acaba por desaparecer enquanto fase,
limitando-se a ser um tipo de comportamento sexual em que o sujeito obtém
satisfação recorrendo ao seu próprio corpo apenas. A distinção entre
autoerotismo e narcisismo se perde, pois este passa a ser entendido como
estando presente desde o princípio. Portanto, o que esse estudo nos leva a
concluir é que o conflito essencial, presente desde o início, é aquele que
coloca, por um lado, a posição narcísica primitiva, e, por outro, a
“necessidade” de um investimento para o objeto que assegurará a
sobrevivência daquele que acabou de nascer. Se o investimento permanecesse
exclusivamente narcisista, impedindo o sujeito de se voltar para o objeto
vital, o sujeito seria conduzido à morte.

Somente por meio do abandono de uma posição exclusivamente narcisista é


que a vida do sujeito, totalmente dependente do objeto, é assegurada. Para o
sujeito inicia-se uma longa e silenciosa luta, em que todos os esforços se
voltarão para a distinção entre o “reflexo” da realidade e a realidade, entre o
desejo e o objeto do desejo. Se o sujeito não é invadido pelo fluxo pulsional,
mantendo-se capaz de considerar a realidade, o ego pode enriquecer-se
através da identificação com o objeto – suporte primitivo de identificação.
Caso contrário, Narciso transporá o mito, e ao confundir sua imagem com o
seu reflexo no espelho, atualizará, no nível individual, a tragédia de quem se
dissociou do corpo e ignorou a realidade na busca da realização de um desejo
impossível.
AULA 4

O NARCISISMO EM KLEIN

Para Melanie Klein as relações de objeto existem desde o início da vida,


refutando a idéia de narcisismo primário de Freud, pois não considera
processos anobjetais.

Para Klein no vínculo narcisista há uma identificação do ego com o


objeto idealizado interno, o que permite dissociar e negar o objeto
persecutório externo. A estrutura narcisista é instável, pois é produzida por
uma desintegração ou dissociação do ego, e conserva o perigo diante da
ameaça persecutória negada (Bleichmar e Bleichmar, 1992).

Na teoria kleiniana o interesse puramente narcisista é uma atitude


agressiva em relação ao objeto; existe uma intenção de agredir, por inveja ou
por ciúme, que é expressa pelo narcisismo. Quando o sujeito é narcisista em
seus interesses, sempre haverá alguém que sofrerá com isso. A resolução do
narcisismo é realizada pelo interesse e amor em proteger os objetos externos
e internos.

A renúncia ao desejo narcisista é resultado da posição depressiva, quando


se opta por deixar de lado os interesses pessoais narcisistas em favor do
parental e por amor aos objetos.

NARCISISMO EM LACAN

O narcisismo corresponde ao investimento do eu pela libido que, neste


ato constitui-se como libido narcísica. Lacan assinala que este investimento
se faz sobre a imago do corpo próprio, no que ele concebeu como estagio do
espelho, e que esta imago não pode ser da mesma ordem da imagem dos
objetos a serem investidos pela outra libido; para Lacan, na anterioridade
lógica do narcisismo não há investimento objetal possível. Não há relação de
objeto que não pressuponha o narcisismo (o que se evidencia pela
impossibilidade de que haja relação eu-objeto antes da constituição do eu) .

Por volta dos seis meses de idade o bebê reage jubilosamente diante da
percepção de sua própria imagem no espelho. Para Lacan o bebê tem uma
representação fantasmática do corpo, na qual este aparece fragmentado (a
imago do corpo fragmentado continua a se expressar durante a vida adulta
nos sonhos, delírios, e processos alucinatórios). A imagem no espelho
antecipa para o lactante a coordenação e integridade que não possui naquela
etapa da vida (Bleichmar e Bleichmar, 1992).

Na experiência do espelho o sujeito se identifica com algo que não é; ele


acredita ser o que o espelho lhe reflete, acaba se identificando com um
fantasma, é uma ilusão da qual procurará se aproximar.

Em Lacan o estágio do espelho não é apenas um momento no


desenvolvimento do ser humano; é uma estrutura, um modelo de vínculo que
operará durante toda a vida.

O espelho situa a instância do eu, ainda antes de sua determinação social,


em uma linha de ficção. O Eu aí constituído é o ego ideal, diferente do ideal
de ego. O ego ideal é uma imago antecipatória prévia, o que o sujeito não é
mas deseja ser. É uma imagem mítica, narcisista, incessantemente perseguida
pelo homem (Bleichmar e Bleichmar, 1992).

O ideal do ego surge da inclusão do sujeito no registro simbólico.

Na conferencia “A agressividade em Psicanálise” Lacan enuncia que a


agressividade, como vivência essencialmente subjetiva, surge de encontro
entre a identificação narcisista, da qual o indivíduo é portador, e as fraturas,
às quais esta imago está submetida (Bleichmar e Bleichmar, 1992).
O estágio do espelho traz a reflexão sobre a intersubjetividade humana.
O olhar do outro produz no sujeito sua identidade, por reflexo. Através do
olhar do outro, o sujeito sabe quem ele é, e nesse jogo narcisista, se constitui
a partir de fora.

Lacan retoma a reflexão hegeliana da Fenomenologia do Espírito,


especifica a Dialética do Senhor e do Escravo.“Nada irrita mais do que a
intenção do outro de sair do jogo, pois tropeça no que sou”. Lacan considera
a pulsão de morte como expressão do narcisismo.
BIOGRAFIAS

Freud, S. (2010). Introdução ao narcisismo. In. Obras completas (Paulo


César de Souza, trad., Vol. 12). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho
original publicado em 1914).

Freud, S. (2010). Mal-estar na civilização. In. Obras completas (Paulo César


de Souza, trad., Vol. 18). São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho
original publicado em 1930).

Kaufmann, P. (1996). Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de


Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em
1993).

Rancière, J. (2009). O inconsciente estético. São Paulo: Ed. 34. (Trabalho original
publicado em 2001).

Roudinesco, E. & Plon, M. (1998). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1997).

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