Luciana de Paula Assis Ferriani - O Direito Ao Esquecimento
Luciana de Paula Assis Ferriani - O Direito Ao Esquecimento
Luciana de Paula Assis Ferriani - O Direito Ao Esquecimento
PUC - SP
São Paulo
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA
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________________________________
Dedico este trabalho aos meus pais Fabio e
Marília, a quem sou muito grata pelo afeto e
devoção. Ao meu querido Adriano, pelo
amor, carinho e apoio. E aos meus filhos
Mateus e Beatriz, a razão da minha
existência.
Agradecimento Inicial
A gratidão que devo a algumas pessoas, que, cada uma a seu modo prestaram
grande contribuição para que este trabalho fosse concluído, não poderia deixar
de ser consignada. Assim agradeço:
À professora Dra. Maria Helena Diniz, de quem tive o privilégio de ser aluna
durante os cursos de graduação, mestrado e doutorado. Suas aulas sempre foram
inspiradoras e despertaram o meu interesse para o tema. Foi minha orientadora
de forma precisa e com total disponibilidade.
Ao meu marido Adriano Ferriani, ao meu irmão Fabio de Paula Assis Junior,
aos meus familiares e aos meus amigos por todo o apoio e paciência.
ponderação.
ABSTRACT
in Brazilian law, but it has sparked the interest of the legal community. Recent
decisions on the matter handed down by the Superior Court of Justice and also
the Federal Supreme Court in Brazil have attracted attention. This paper situates
addresses the issue of the conflict between the right to be forgotten and other
personality rights. Also discussed are various problems inherent to the topic that
generate conflicts, both apparent and actually existing, between what the
Brazilian Civil Code and Federal Constitution prescribe and the ancillary
foreign, as well as the jurisprudence, criticisms and suggestions are offered. For
a full understanding of the matter, it was also necessary to discuss the topics of
the right to the truth and the right to memory, to establish a parallel with the
delineating the situations where the right to be forgotten may or may not be
applied.
Key words: be forgotten, truth, memory, personality rights, human dignity, clash
conflitto fra il diritto all´oblio e gli altri diritti della personalità. Si analizzano
di fatto fra ciò che prescrive il Codice Civile brasiliano, la Costituzione Federale
del diritto alla verità e del diritto alla memoria per poter tracciare un parallelo
delimitare le situazioni nella quali il diritto all´oblio potrà o non potrà essere
applicato.
Parole chiave: oblio, verità, memoria, diritti della personalità, dignità dell´essere
3
Nota da autora.
1. Direitos da personalidade.
6
Carlos Roberto Gonçalves, Direito civil brasileiro, volume 1, parte geral, 12ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2014, p.184.
7
Vicenzo Roppo. Diritto privato, 4ª ed., Torino: G. Giappichelli Editore, 2014, p. 177.
8
Adriano de Cupis, Os direitos da personalidade, 2ª ed., Trad. Afonso Celso Furtado Rezende,
São Paulo: Quorum, 2008, p. 38.
9
Antônio Chaves, Lições de direito civil: parte geral, volume III, São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1972, p. 168.
6
20
Flávia Piovesan, Temas, cit., p. 58.
21
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 56.
22
Rubens Limongi França, Instituições de direito civil, São Paulo: Saraiva, 1988, p 1026.
23
Jorge Miranda, Manual de direito constitucional: direitos fundamentais, tomo IV, 3ª ed.,
Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 62.
24
Carl Schmitt, Teoría de la Constituición, Trad. Francisco Ayala, Madrid: Alianza Editorial,
1996, p. 179.
9
25
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 57.
26
José Castán Tobeñas, Los derechos del hombre, 4ª ed., Madrid: Reus S.A., 1992, p 30.
27
Francisco Amaral, Direito, cit., 291.
10
28
Antonio Carlos Morato ilustra a relação entre os direitos da
personalidade, os direitos e garantias fundamentais e os direitos humanos da
seguinte forma:
33
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 284-285.
34
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 60.
35
Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 7.
36
Elimar Szaniawski, Direitos da personalidade e sua tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1993, p. 95.
37
Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 3ª ed., trad. Maria Cristina De Cicco, Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 55.
12
violados.
A Constituição Federal menciona alguns direitos da personalidade de
forma expressa, como no artigo 5º, X:
"Namensrecht
Wird das Recht zum Gebrauch eines Namens dem Berechtigten von
einem anderen bestritten oder wird das Interesse des Berechtigten
dadurch verletzt, dass ein anderer unbefugt den gleichen Namen
gebraucht, so kann der Berechtigte von dem anderen Beseitigung der
Beeinträchtigung verlangen. Sind weitere Beeinträchtigungen zu
besorgen, so kann er auf Unterlassung klagen"48.
" Schadensersatzpflicht
(1) Wer vorsätzlich oder fahrlässig das Leben, den Körper, die
Gesundheit, die Freiheit, das Eigentum oder ein sonstiges Recht eines
anderen widerrechtlich verletzt, ist dem anderen zum Ersatz des daraus
47
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 66.
48
Tradução livre: "Direito ao nome: o titular do direito de uso de um nome pode obrigar terceiros
a cessar o seu uso sem autorização, podendo intentar uma ação inibitória".
15
"1 If a person’s use of his or her name is disputed, he or she may apply
for a court declaration confirming his rights.
2 If a person is adversely affected because another person is using his or
her name, he or she may seek an order prohibiting such use and, if the
user is at fault, may bring a claim for damages and, where justified by
the nature of the infringement, for satisfaction"50.
52
Pedro Cardoso Correia da Mota Pinto (Os direitos de personalidade no Código Civil de Macau,
in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v 76, 2000, p. 250) comentou
sobre a proteção dos direitos da personalidade em moldes tão avançados naquela região: "É claro,
todavia, que não basta a consagração num texto legal de um conjunto de direitos para que se
possa afirmar que a personalidade humana se encontra adequadamente protegida na prática, como
o exigem quer a compreensão portuguesa dos direitos, liberdades e garantias, quer as mais fundas
intuições morais que constituem hoje património comum dos países que pretendem ser
reconhecidos pela Humanidade como civilizados. Das palavras à realidade vai, na verdade, uma
distância por vezes tragicamente inultrapassável, como dolorosamente nos lembram os ainda
recentes acontecimentos em Timor. Se, porém, a consagração desenvolvida, no Código Civil, de
um conjunto de direitos de personalidade puder, ainda que de forma ténue, contribuir para uma
prática social e jurídica em que a personalidade humana seja efectivamente respeitada, não só
pelos particulares, esse será, com certeza, um dos legados aos residentes de Macau que os
civilistas portugueses poderão futuramente encarar com orgulho".
17
53
Orlando Gomes (Introdução ao direito civil, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 149)
define os direitos da personalidade como os direitos considerados essenciais à pessoa humana, a
fim de resguardar a sua dignidade, para que sejam evitadas práticas e abusos atentatórios.
Na lição de Maria Helena Diniz (Curso, cit., p. 135 e 136): "o direito da personalidade é o direito
da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a
privacidade, a honra etc.".
Antônio Chaves (Lições, cit., p. 168) explica os direitos da personalidade como o mínimo
necessário para a própria personalidade.
Segundo Adriano de Cupis (Os direitos, cit., p. 24), os direitos da personalidade são essenciais a
todos os indivíduos e sem eles não seria possível a existência da pessoa como tal.
54
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1025.
55
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 281.
56
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 29.
18
suas qualidades mais importantes, como explica José Castán Tobeñas 57 . Ele
pondera que deve-se estabelecer diferenciação entre o conceito de personalidade e
o direito da personalidade: enquanto a personalidade é a possibilidade abstrata de
se ter direitos, os direitos da personalidade são faculdades concretas inerentes a
todo aquele que tem personalidade58.
Em muitos dos conceitos mencionados acima, percebe-se a qualidade de
direitos subjetivos que se atribuem aos direitos da personalidade. No entanto, esta
posição, que hoje parece pacífica, nem sempre foi compreendida desta forma. A
discussão acerca da natureza dos direitos da personalidade foi desencadeada porque
a doutrina antiga não os considerava como direitos subjetivos, mas mero efeito de
direito objetivo e uma reação do ordenamento contra a lesão59.
Entretanto, este posicionamento não prosperou, visto que, conforme já
mencionado, a personalidade jurídica é um atributo do ser humano e por isso
merece proteção. Além de quê, o sujeito tem a faculdade de defender os valores
essenciais da personalidade e deve ser protegido das possíveis agressões60.
Na definição de Goffredo Telles Junior61, os direitos subjetivos são as
permissões dadas por meio de normas jurídicas, para fazer ou não fazer alguma
coisa.
Maria Helena Diniz62 vê os direitos da personalidade como um direito
subjetivo justamente porque deve ser exigido "um comportamento negativo de
todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial".
57
José Castán Tobeñas, Derecho civil español, común y foral. Tomo primero. Introducion y parte
general. Volumen segundo. 15ª ed. Madrid: Reus S.A., 2007, p. 321.
58
José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p. 325.
59
Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 26.
60
Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 27.
61
Goffredo Telles Junior, Direito quântico, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 307.
62
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.
19
1.3. Terminologia.
68
Tradução livre: "Garantia de privacidade".
69
Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da
personalidade, cit., p. 14.
70
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1025.
71
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 59.
72
Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 24.
73
José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p.325.
21
74
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 30.
75
Gilberto Haddad Jabur, Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre
direitos da personalidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 98.
76
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, cit., p. 229.
77
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1026.
78
Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 29.
79
Gilberto Jabur, Liberdade, cit., p. 99.
22
84
Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 41-44.
85
Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia, cit., p. 55.
86
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 39.
24
87
Maria Helena Diniz, Compêndio de introdução à ciência do direito, São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 54-60.
88
Maria Helena Diniz, Compêndio, cit., p. 60-63.
89
Miguel Reale, Direito natural, direito positivo, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 3.
90
Miguel Reale, Lições, cit., p. 313.
91
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p 133.
92
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.
25
98
Art. 4º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro: Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
No mesmo sentido, Gilberto Haddad Jabur (Liberdade, cit., p. 116), que afirma que os direitos da
personalidade devem ter um conteúdo mínimo imprescindível à satisfação dos interesses
essenciais do homem e encontram seu principal fundamento no direito natural.
99
Orlando Gomes. Introdução, cit., p. 152.
100
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287.
27
que permita alcançar as situações que não forem previamente tratadas por lei101.
O artigo 12, caput, do Código Civil diz que
109
Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da
personalidade, cit., p. 18.
110
José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7ª ed.,
Coimbra: Almedina, 2003, p. 396.
111
José de Oliveira Ascensão, Direito civil: teoria geral, volume 1, Coimbra: Coimbra Editora,
2000, p. 87-88.
112
Sobre o assunto, Pedro Cardoso Correia da Mota Pinto (Os direitos de personalidade, cit., p.
218), analisando o Código Civil de Macau, infere que "o direito geral da personalidade não
resolve de uma penada os complexos problemas de aplicação e delimitação práticas.
Designadamente, o direito geral de personalidade carece de uma delimitação clara, tendo os seus
limites que ser precisados, desde logo, porque a proteção de uma pessoa pode contender com o
livre desenvolvimento da outra". O Código Civil de Macau, em seu artigo 67, protegeu
expressamente o direito geral da personalidade: "Artigo 67. (Tutela geral da personalidade): 1.
Todos os indivíduos têm direito à proteção contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a
pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso,
com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. 3. As
medidas referidas no número anterior poderão ser requeridas como providências cautelares, nos
termos da lei de processo".
113
Este é o posicionamento de Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 26-27.
30
114
Pietro Perlingieri, Perfis, cit., p. 154.
115
Pietro Perlingieri, Perfis, cit., p.155-156.
116
Para Orlando Gomes (Introdução, cit., p. 152), os direitos da personalidade são absolutos,
extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, vitalícios e necessários.
117
Maria Helena Diniz (Curso, cit., p. 134) apresenta um rol maior de características.
31
extinguem por não serem usados. Impenhoráveis, por não serem passíveis de
penhora. Inexpropriáveis, porque não podem ser retirados da pessoa, enquanto ela
viver118.
Com relação à característica da indisponibilidade, é relevante ressaltar
que a indisponibilidade é relativa, porque certos direitos podem ser, efetivamente,
objeto de cessão. É o que ocorre com o direito da imagem, geralmente na
publicidade, com o direito autoral, na divulgação ou comercialização da obra, e
com o direito à integridade física, que admite cessão gratuita119.
O Código Civil simplificou o rol de características, limitando-o à
irrenunciabilidade e à intransmissibilidade, além de estipular a impossibilidade de
limitação voluntária, conforme artigo 11120. Não obstante tal limitação, o presente
estudo parte da premissa, pelas razões já expostas, de que os direitos da
personalidade são inatos e fundados no direito natural; logo, não são exaustivos.
Assim, não ostentam a característica da taxatividade.
A ausência da taxatividade é admitida por vários doutrinadores121. Maria
Helena Diniz122 afirma que os direitos da personalidade são ilimitados porque não
são um número fechado e, portanto, "não se resumem eles ao que foi arrolado
normativamente, nem mesmo se poderá prever, no porvir, quais direitos da
118
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 135-136.
Francisco Amaral (Direito, cit., p. 285-286) também caracteriza os direitos da personalidade
como intransmissíveis, absolutos, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e
extrapatrimoniais. Porém, acrescenta que são inerentes à pessoa e inseparáveis do titular.
119
Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 57.
120
O artigo 11 do Código Civil diz: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária”.
121
Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 49) enfatiza que os direitos da personalidade têm um
rol não taxativo e sempre será possível o abrigo de novos direitos.
Anderson Schreiber (Direitos da personalidade, cit., p. 16) destaca o rol aberto dos direitos da
personalidade e afirma que a ausência de previsão no Código Civil faz estimular o debate sobre
novas esferas de realização da pessoa humana.
No mesmo sentido, Silmara Juny de Abreu Chinellato, Código Civil interpretado, cit., p. 69.
122
Maria Helena Diniz, Curso, cit. p. 136.
32
123
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 139.
124
Francesco Alcaro, Diritto privato, 2ª ed., Firenze: Walters Kluwer, 2015, p. 103.
125
Este é o posicionamento de Vincenzo Roppo (Diritto privato, cit., p. 178), ao afirmar que
novos direitos da personalidade podem ser criados mediante construção da jurisprudência.
126
José de Oliveira Ascensão, Direito civil, cit., p. 88.
33
127
Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 153-154.
128
Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1029-1030.
129
Esta mesma classificação é observada por Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 138-139.
34
No mesmo sentido, Francisco Amaral. Direito, cit., p. 295.
Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 115) também classifica os direitos da personalidade em
três grupos, mas fez uma pequena alteração e os divide em direitos físicos, psíquicos e morais.
130
Silmara Juny de Abreu Chinellato, Código Civil interpretado, cit., p. 68.
131
Sobre a classificação de direitos da personalidade de caráter moral. Carlos Alberto Bittar, Os
direitos, cit., p. 115.
132
Francisco Amaral. Direito, cit., p. 285.
35
da pessoa jurídica.
O nascituro tem os seus direitos assegurados, nos termos do artigo 2º do
Código Civil, o que não implica em que ele tenha personalidade jurídica, mas
admite a expectativa de seu nascimento com vida. Assim, o nascituro também é
considerado titular dos direitos da personalidade. E mais, é possível afirmar que há
direito da personalidade desde a concepção, seja natural ou até mesmo a assistida,
em razão do primado direito à vida133.
Cabe destacar também que alguns direitos da personalidade podem
ultrapassar a vida da pessoa natural, pois a pessoa já falecida ainda mantém alguns
destes direitos. É o que acontece com o direito ao corpo, à imagem, à honra e o
direito moral do autor. São os chamados direitos da personalidade post mortem134.
Com relação à pessoa jurídica, é importante observar que a doutrina há
muito tempo já admite a atribuição de alguns dos direitos da personalidade a ela –
outros são compatíveis apenas com as pessoas naturais, tais como a vida, a
integridade física e o corpo. O Código Civil brasileiro, em seu artigo 52, previu a
aplicação dos direitos da personalidade, no que couber, às pessoas jurídicas135, tais
como o direito ao nome, à imagem ou à honra.
Veremos oportunamente que o direito ao esquecimento pode ser
atribuído também às pessoas jurídicas.
133
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287.
134
Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287.
135
Segundo Sílvio de Salvo Venosa (Código Civil interpretado, São Paulo: Atlas, 2010, p. 24), a
equiparação feita pelo artigo 52 do Código Civil deve ser analisada apenas sob o prisma
indenizatório, uma vez que "a pureza dos direitos da personalidade não se adapta a quem não é
pessoa natural".
36
138
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito, cit., p. 225.
139
Antonio Carlos Morato (Quadro geral, cit., p. 141) menciona que é muito conhecida a
passagem em que Adriano de Cupis dedicou sua obra Direitos da Personalidade a Mussolini para
que ela não fosse censurada.
140
Para Luís Roberto Barroso (A dignidade, cit., p. 64), a dignidade da pessoa humana funciona
como justificativa moral e como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais.
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (Dignidade, cit., p. 80), a dignidade da pessoa humana,
fundamento do estado democrático de direito, foi embasada no direito natural, mas de qualquer
forma dotada de total eficácia normativa.
38
recebem141.
Neste mesmo sentido, podemos afirmar que a dignidade da pessoa
humana possui valor universal, em razão da afirmação histórica dos direitos
humanos142. Ou, conforme a lição de Maria Helena Diniz143, "os direitos humanos,
decorrentes da condição humana e das necessidades fundamentais de toda pessoa
humana, referem-se à preservação da integridade e da dignidade dos seres humanos
e à plena realização de sua personalidade".
Assim, é possível concluir que os direitos da personalidade são a
concretização da dignidade da pessoa humana e podem ser reconduzidos a tanto,
uma vez que têm origem na ideia de proteção das pessoas144.
Serão destacados, a seguir, alguns direitos da personalidade positivados
na Constituição Federal de 1988, além de outros direitos fundamentais que se
relacionam com o direito ao esquecimento.
147
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 151.
148
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada e liberdade de informação: possibilidades e
limites, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 71.
40
com aqueles.
149
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 147.
150
Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Ligia Coelho Mathias, Aspectos da
responsabilidade civil sob a perspectiva do direito à imagem, in Rosa Maria de Andrade Nery;
Rogério Donnini (Coords.), Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui
Geraldo Camargo Viana, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 369-379.
151
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 78.
152
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 85.
41
156
Miguel Reale, Direito natural, cit., p. 31.
157
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 106.
158
Anderson Schreiber, Direito civil e constituição, São Paulo: Atlas, 2013, p. 28-29.
47
"(...) a obra que, como o nome indica, abrange textos onde se pretende
narrar, total ou parcialmente, com um grau razoável de sistemacidade e
completude, a vida de uma pessoa, ou aspectos específicos da mesma, do
ponto de vista espacial ou temporal. Diz-se não autorizada porque não
conta com a autorização expressa ou tácita do visado, prescindindo da
sua colaboração e pretendendo subtrair-se aos seus pedidos ou ditames.
De um modo geral, estas biografias incidem sobre pessoas públicas,
tendo por isso interesse público e suscitando o interesse do público".
proibidos de circular, por força de ações judiciais movidas por familiares dos
retratados, como é o caso do jogador de futebol Garrincha, dos cantores Noel Rosa
e Raul Seixas e até do cangaceiro Lampião.
O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal devido a ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 4815/DF) dos artigos 20 e 21 do Código Civil, proposta
pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), sob o fundamento de
que os referidos artigos estariam em confronto com os preceitos constitucionais da
liberdade de manifestação de pensamento, da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, previstas no artigo 5º, IV e IX da Constituição
Federal, além do direito à informação, previsto no artigo 5º, XIV, e de que a
continuidade da proibição de obras importaria em censura.
A Ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, decidiu, em seu voto,
pela procedência da ação e foi acompanhada por unanimidade pelos demais
Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O julgamento ocorreu no dia 10 de junho de 2015, no seguinte sentido:
- A Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer espécie de censura, não podendo
ser o direito à liberdade de expressão cerceado pelo Estado ou por particular;
- O direito de informação abrange a liberdade de informar, de se informar e de ser
informado. Por tal razão, as pessoas podem receber livremente as informações
sobre temas de interesse da sociedade e sobre os indivíduos cujas ações públicas
alcançarem sua esfera do direito de saber e aprender sobre assuntos relacionados;
- A autorização prévia para a biografia estabelece uma censura particular. O
recolhimento de obras é censura judicial;
decisão foi justamente o artigo 20 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
manteve a decisão. O curioso é que pelo menos 60 mil livros foram vendidos, e o conteúdo
integral da obra pode ser encontrado com facilidade na internet. Posteriormente o cantor fez um
acordo com o autor do livro, que se comprometeu a não mais publicá-lo. Após a decisão do STF
permitindo a publicação de biografias, com base na liberdade de expressão, o autor do livro
afirmou que pretende escrever um novo livro sobre o cantor.
50
- Caso ocorra algum erro, este deverá ser corrigido em conformidade com o direito,
e não com a supressão de liberdades conquistadas. Para tanto, se for o caso, está
assegurado o direito de resposta e à reparação de danos;
- A liberdade de expressão é constitucionalmente garantida e não pode ser anulada
por outra norma constitucional, mesmo sob o argumento de proteção de outro
direito constitucional, ou seja, a inviolabilidade do direito à intimidade, à
privacidade, à honra e à imagem;
- A aplicação do balanceamento dos direitos envolvidos há de conjugar todos eles;
e, no caso em questão, por se tratar de pessoas públicas, prevaleceu a liberdade de
expressão e a proibição da censura.
Assim, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação direta de
inconstitucionalidade, para dar interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil,
sem promover redução de texto, declarando inexigível a autorização prévia do
biografado, de coadjuvantes ou de seus familiares (no caso de pessoa falecida ou
ausente), tanto nas obras literárias como nas audiovisuais, com embasamento nos
direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação
artística e de produção científica.
Ressalte-se que a decisão reafirmou o direito à inviolabilidade da
intimidade, da privacidade, da honra e da imagem, conforme o artigo 5º, X, da
Constituição Federal, ao estampar que, em caso de erro, está assegurado o direito
de resposta e de reparação dos danos.
Conforme explicam Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria
Ligia Coelho Mathias162:
163
Disponível em http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117559, Acesso
em 20/09/2015.
53
pretéritas, praticadas na vida particular167, mas há, ainda, uma outra vertente do
direito ao esquecimento: a da vítima ou familiares da vítima de um crime ou evento
danoso, que também não querem mais se lembrar do fato, por este causar dor,
transtorno ou angústia.
A proteção do direito ao esquecimento baseia-se na reabilitação criminal,
que confere ao criminoso, após dois anos de cumprimento da pena ou extinção da
punibilidade, o direito de ter seus dados referentes ao crime apagados dos cadastros
competentes. Ora, se o criminoso tem este direito, com mais razão ainda devem a
vítima e seus familiares ter o mesmo direito de não mais serem lembrados do
evento.
De qualquer forma, o direito ao esquecimento não deve ser visto apenas
como uma tutela voltada para criminosos ou suas vítimas. Tudo aquilo de que a
pessoa não quiser mais ser lembrada, por fazer parte de seu passado e não
corresponder mais ao seu presente, pode ser amparado no direito ao esquecimento.
Outra perspectiva relativa ao tema é a de não se poderem perpetuar
informações sobre os indivíduos, mesmo as informações verdadeiras e positivas,
independente de terem sido notórias ou não, caso seja esta a vontade do seu
titular168. E a proteção não se restringe aos fatos sigilosos. Pelo contrário, devem
ser protegidas todas as informações que ampliem a divulgação e causem o
despertar da memória. Assim, fatos que foram amplamente divulgados no passado,
mas que no presente já estão adormecidos, devem ser protegidos pelo direito ao
esquecimento.
167
De Plácido e Silva, Vocabulário, cit., p. 478.
168
Tatiana Manna Bellasalma e Silva e Ricardo da Silveira e Silva, Direito ao esquecimento na
era virtual: a difícil tarefa de preservação do passado, in Thaís Aline Mazetto Corazza e Gisele
Mendes de Carvalho (org.), Um olhar contemporâneo sobre os direitos da personalidade,
Birigui: Boreal, 2015, Edição Kindle, Posição 3644.
55
172
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento: luzes e sombras,
in Renato de Mello Jorge Silveira (org.), Estudos em homenagem a Ivette Senise Ferreira, São
Paulo: LiberArs, 2015, p. 79.
173
Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, direito ao esquecimento é anterior à internet,
Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-mai-22/direitos-fundamentais-tema-moda-direito-
esquecimento-anterior-internet, Acesso em 27/10/2015.
174
Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015.
57
São inúmeras as situações que uma pessoa pode ter o desejo de suprimir
da sua lembrança, obstando, para tanto, a sua divulgação, pois é por meio do nome,
da imagem e de escritos que ela poderá ter devassada a sua intimidade ou
175
Pablo Dominguez Martinez, Direito ao esquecimento: a proteção da memória individual na
sociedade da informação, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 83.
176
François Ost, O tempo do direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 163.
177
Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral: uma polêmica, São Paulo: Companhia das
Letras,1998, p. 47-48.
178
René Ariel Dotti, O direito ao esquecimento e a proteção do habeas data, in Teresa Arruda
Alvim Wambier (coord.), Habeas data, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 300.
58
privacidade179.
De qualquer forma, o direito ao esquecimento não é uma proposta para se
apagar ou alterar o passado, mas para se criar um obstáculo à exploração
inconveniente de fato pretérito que não tenha mais nenhuma atualidade ou interesse
de disseminação no presente.
O direito ao esquecimento já foi reconhecido no Brasil e também em
outros países, como a Itália, Espanha e Argentina, Estados Unidos, França e
Alemanha, através das expressões: diritto all'oblio (em italiano); derecho al olvido
(em espanhol); right to be forgotten ou right to oblivion (em inglês); droit à l'oubli
(em francês); recht auf vergessenwerden (em alemão). Outras expressões que
procuram explicar o mesmo assunto são: direito de ser deixado em paz e também
direito a ser esquecido.
Podemos conceituar o direito ao esquecimento como a faculdade, de que
dispõe o titular de um fato pessoal, de obter a remoção dos dados a ele
relacionados, em razão do decurso de tempo, uma vez que a divulgação daqueles
dados atinja os seus direitos da personalidade. Trata-se de uma faculdade, pois
caberá ao titular decidir se o assunto continua a ser divulgado ou não – desde que o
evento se refira a particulares e que não exista qualquer interesse público. E há
pessoas que vão optar pela memória, mesmo quando se tratar de um evento
embaraçoso ou desagradável.
Ou seja, uma notícia pode ter sido publicada no passado de forma
legítima mas, com o passar do tempo, ter se tornado desnecessária e sem interesse
público, e assim o que era legítimo no passado poderá deixar de ser legítimo no
179
René Ariel Dotti (O direito ao esquecimento, cit., p. 308) utiliza alguns exemplos: "O artista
ou o cientista famoso que não quer ser lembrado de uma condenação que sofreu em determinada
fase de sua vida; a escritora de sucesso que procura esconder os poemas escritos na adolescência;
o empresário que jamais gostaria que lembrassem de um protesto de título lavrado contra si há
muitos anos; a mulher que é casada e mãe procura ocultar dados comprometedores do passado,
quando posava nua para revistas e fazia programas por dinheiro".
59
direito ao esquecimento.
Certamente o assunto provocou maior debate após o Enunciado 531,
aprovado pela VI Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, que
trouxe o tema à tona, e também após dois julgamentos proferidos pelo Superior
Tribunal de Justiça em acórdão relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, que
serão objeto de análise em capítulo próprio. Além da decisão do Tribunal de Justiça
Europeu contra o site de buscas Google, que também será analisada oportunamente.
Os seguintes doutrinadores brasileiros debateram sobre o tema do direito
ao esquecimento:
Maria Helena Diniz185 refere-se ao direito ao esquecimento como um
direito da personalidade, citando, como exemplo, o antigo detento em
ressocialização tentando reescrever sua história.
Maria Celina Bodin de Moraes e Carlos Nelson Konder186 diferenciaram
o direito ao esquecimento do conceito tradicional de direito à privacidade e o
definiram como o direito à autodeterminação informativa, conferindo a cada uma
das pessoas um real poder sobre as suas próprias informações e dados.
Anderson Schreiber187 explica que o direito ao esquecimento assegura a
possibilidade de discussão do uso de fatos do passado, especificamente a forma
como serão lembrados, mas que, após a ponderação com o interesse público, nem
sempre prevalecerá o esquecimento.
Otávio Luiz Rodrigues Junior188 abordou o direito ao esquecimento em
diversos aspectos e afirma que trata-se de direito radicado nos direitos da
185
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.
186
Maria Celina Bodin de Morais; Carlos Nelson Konder, Dilemas de direito civil-constitucional:
casos e decisões, Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 287.
187
Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, cit., p. 174.
188
Otavio Luiz Rodrigues Junior, Brasil debate direito ao esquecimento desde 1990, Disponível
em http://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-direito-esquecimento-1990,
Acesso em 03/09/2015.
62
personalidade, que transita entre o direito do consumidor e o direito penal, mas com
grande ligação com o prazo de armazenamento de dados individuais. Mas pontifica,
afirmando que, com o atual desenvolvimento da tecnologia, dificilmente se
alcançará o exercício pleno do direito ao esquecimento.
Ingo Wolfgang Sarlet189 ensina que o direito ao esquecimento tem como
ideia central a pretensão de pessoas físicas e jurídicas de que certas informações
não sejam mais divulgadas, de modo que o acesso por parte de terceiros seja
impedido ou ao menos dificultado, a fim de se proporcionar um esquecimento no
corpo social. Quanto às pessoas físicas, as informações são aquelas ligadas ao seu
direito de personalidade, e relativamente às pessoas jurídicas, são as informações
quanto ao seu bom nome e imagem.
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco190, no mesmo sentido,
afirmam que o direito ao esquecimento é a consequência natural da aplicação dos
princípios gerais da liberdade de expressão. Assim, se uma notícia for lesiva e não
corresponder a um interesse público, ou então se for uma notícia antiga e lesiva,
que não corresponda mais a exigência atual de informação, elas não deverão ser
divulgadas191.
No campo do direito alienígena, temos alguns exemplos de autores a
examinar o direito ao esquecimento. Especialmente na Europa o tema ganhou
destaque após a decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o Google.
A doutrina italiana considera o direito ao esquecimento uma categoria
189
Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015.
190
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 96.
191
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao esquecimento, cit., p. 92-93)
explicam o direito ao esquecimento como "o direito de uma pessoa a não ver publicadas notícias,
já legitimamente veiculadas, concernentes a vicissitudes que lhe dizem respeito, quando entre o
fato e a republicação tenha transcorrido um longo tempo. (...) Garantir o esquecimento não
significa esquecer os fatos em si, mas dar a possibilidade, mediante a não reproposição dos fatos
do tempo passado, à pessoa tutelada pelo direito em objeto de exercer a sua autodeterminação por
meio da natural mudança de ideia, da sensibilidade, do costume e dos modos de vida".
63
192
C. Massimo Bianca, Istitusioni di diritto privato, Milano: Giufrè, 2014, p. 102. Tradução
livre: "o direito ao esquecimento protege suas informações pessoais, sua imagem ou dados
pessoais do passado que deverão ser atualizados ou excluídos".
193
Francesco Alcaro, Diritto, cit., p. 100.
194
Fernando Bocchini e Enrico Quadri, Diritto Privato, Torino: G. Giappichelli Editore, 2014, p.
295. Tradução livre: "o direito ao esquecimento será reconhecido se tiver passado um certo
tempo e se houver sido eliminado qualquer interesse público real no conhecimento de situações e
eventos".
195
Autoridade que responde pela proteção de dados na Itália e o órgão a que se deve recorrer de
forma administrativa. A orientação do Garante, em síntese, dá-se nos seguintes termos: A
existência de um interesse público justifica a publicação de uma notícia e sua disseminação nos
motores de busca. Se houver interesse histórico, ela será mantida em um arquivo online. Porém,
64
algum tempo pela doutrina e também pela jurisprudência. Mas certamente tomou
uma proporção muito maior após o célebre processo envolvendo o Google
Espanha, julgado pelo Tribunal de Justiça europeu e que será analisado em capítulo
próprio.
198
Miguel Urabayen escreveu, em 1977, acerca do direito ao
esquecimento. O autor enumerou alguns direitos da personalidade decorrentes da
vida privada e incluiu o esquecimento, junto com o nome, a imagem, a voz, a
intimidade, a honra, a reputação e a própria biografia.
Pere Simón Castellano entende que o direito ao esquecimento pode ser
fundamentado em outros institutos que têm o tempo como fator preponderante, tais
como a anistia, a prescrição, o usucapião, o cancelamento de antecedentes penais e
a responsabilidade civil fundada na culpa199.
Por outro lado, Artemi Rallo200, que dissertou sobre o assunto, afirma que
o direito ao esquecimento não existe:
201
A Lei orgânica espanhola 15/1999 cuida da proteção e tratamento de dados e prevê o seguinte,
no seu artigo 4, item 5:
"Los datos de carácter personal serán cancelados cuando hayan dejado de ser necesarios o
pertinentes para la finalidad para la cual hubieran sido recabados o registrados. No serán
conservados en forma que permita la identificación del interesado durante un periodo superior
al necesario para los fines en base a los cuales hubieran sido recabados o registrados.
Reglamentariamente se determinará el procedimiento por el que, por excepción, atendidos los
valores históricos, estadísticos o científicos de acuerdo con la legislación especifica, se decida el
mantenimiento integro de determinados datos". Disponível em
https://www.agpd.es/portalwebAGPD/canaldocumentacion/legislacion/estatal/common/pdfs/201
4/Ley_Organica_15-1999_de_13_de_diciembre_de_Proteccion_de_Datos_Consolidado.pdf,
Acesso em 28/11/2015.
202
A Lei 78-17 está disponível em
https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000886460#LEGIARTI
000031932124, Acesso em 26/01/2016.
203
Hubert Bitan, Droit et expertise du numérique, Paris: Wolter Kluwer, 2015, p. 317. Tradução
livre: "o direito ao esquecimento pode ser definido como o direito que qualquer indivíduo tem de
solicitar que seus dados pessoais sejam excluídos porque são inapropriados, desrespeitosos ou
prejudiciais à sua reputação".
Latifa Chelbi (Droit à l'oubli numérique: la loi informatique et libertés et le projet de règlement
européen, in David Dechenaud, Le Droit à l'oubli numérique, Bruxelles: Larcier, 2015, p.111)
acrescenta: o direito ao esquecimento é a garantia de retirada ou impedimento de publicação de
dados pessoais, após o decurso de tempo.
67
"le droit à l'oubli pourrait être défini comme le droit dont dispose un
individu de solliciter que les données le concernant nommément et
permettant son identification soient supprimées car inappropriées,
irrespectueuses et/ou néfastes s'agissant de sa réputation numérique".
213
Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-out-21/direito-esquecimento-garantido-turma-
stj-enunciado-cjf, Acesso em 29/10/2015.
214
Pablo Dominguez Martinez, Direito ao esquecimento, cit., p. 80.
72
sociedade215.
215
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 49.
216
Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p 38 e 39
217
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
73
resgatá-los. Por outro lado, se preferir esquecer, terá a sua disposição este que é um
direito da personalidade.
232
O artigo 5º, XLII, da CF/88 diz: "a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei". O inciso XLIII diz: "a lei
considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por
eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". E o
inciso XLIV: "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático".
233
François Ost, O tempo do direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 180.
Apesar disso, Sidney Agostinho Beneti entende que a imprescritibilidade de certos crimes é
incongruente e, citando Francisco Rezek (Apud Sidnei Agostinho Beneti, A Constituição e o
sistema penal, in Revista dos Tribunais, Vol. 704, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.
296-309.), afirma sua perplexidade diante da opção da Constituição Federal pelo afastamento de
um dos direitos mais importantes adquiridos pela sociedade, que é o direito ao esquecimento dos
delitos por meio da prescrição, ao determinar que certos crimes são imprescritíveis.
83
6.1. Brasil.
uma situação que já havia sido superada, reacendendo uma imagem de chacinador e
instigando o ódio social, ferindo o seu direito à paz, ao anonimato, à privacidade
pessoal, e que os prejuízos também atingiram seus familiares. Não mais conseguiu
emprego e teve de se mudar do bairro em que residia, com medo de ser morto por
justiceiros ou traficantes da região. Por estas razões, pleiteou indenização.
O juiz de primeiro grau julgou o pedido improcedente porque entendeu
preponderar o interesse público da notícia sobre evento traumático da história
nacional. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em grau de apelação,
reformou a sentença e concedeu indenização, com base na manifestação de vontade
do autor da ação de prosseguir no esquecimento, no valor de R$ 50.000,00.
Posteriormente, em sede de embargos infringentes, o mesmo tribunal aplicou o
direito ao esquecimento, nos termos da seguinte ementa:
jornalístico sobre casos criminais célebres. Não teria havido qualquer invasão de
privacidade ou intimidade porque os fatos já eram públicos e amplamente
discutidos na sociedade, e porque o programa tratou de narrar os acontecimentos
como ocorridos e deixou claro que o autor foi inocentado dos crimes. Alegou,
também, ser incabível a aplicação do direito ao esquecimento, por este ser
incompatível com o dever de informação.
O Superior Tribunal de Justiça manteve o julgamento do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro e reconheceu expressamente o direito ao esquecimento.
Destaque-se o fato de que neste julgamento foi discutida a atuação do
Superior Tribunal de Justiça em matéria constitucional, visto que, conforme
examinado acima, um dos fundamentos do direito ao esquecimento é o princípio da
dignidade da pessoa humana, além da sua comparação com o direito à imagem e
também da ponderação com outros preceitos constitucionais, tais como a liberdade
de expressão e o direito à informação. Deu-se a discussão porque se poderia
questionar se o julgamento desta matéria não seria de competência exclusiva do
Supremo Tribunal Federal. Entretanto, não é. O Superior Tribunal de Justiça cuida
de matéria infraconstitucional, mas a sua análise jamais poderá ser isolada da
Constituição Federal. A discussão sobre os preceitos constitucionais deu-se, neste
caso, de forma transversal, e por esta razão o Superior Tribunal de Justiça é
competente para tal julgamento. Reproduzindo os termos do relator do caso: "o
atual momento de desenvolvimento do direito, é inconcebível a análise encapsulada
dos litígios, de forma estanque como se os direitos civil, penal, processual,
pudessem ser ’encaixotados’ de modo a não sofrer ingerências do direito
constitucional". E finaliza: "não sendo defeso ao STJ - aliás, é bastante
aconselhável - que, admitido o recurso, aplique o direito à espécie, buscando na
própria Constituição Federal o fundamento para acolher ou rejeitar a violação do
88
240
Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, Trad. Virgílio Afonso da Silva, 2ª ed., São
Paulo: Malheiros, 2011, p. 100.
96
241
Ingo Wolfgang Sarlet, Do caso Lebach ao caso Google vs. Agencia Espanhola de Proteção de
Dados, Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-05/direitos-fundamentais-lebach-
google-vs-agencia-espanhola-protecao-dados-mario-gonzalez, Acesso em 03/09/2015.
242
René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 90-91.
243
Miguel Urabayen, Vida privada e informacion, cit., p. 124.
97
local. Em 1937, o jornal The New Yorker publicou notícia relatando a vida daquele
jovem que não mais revelava seus antigos êxitos, para levar uma vida isolada num
bairro pobre, cheio de manias e taras. Sidis ficou inconformado com a publicação e
ingressou com ação de reparação de danos. Neste caso concreto, o Tribunal
entendeu que havia interesse público na notícia e decidiu pela liberdade de
imprensa. Willian Sidis morreu logo após perder a causa244.
No Canadá, especificamente em Quebec, existe um caso de 1889, o caso
Goyette versus Rodier, em que já se discutiu o direito ao esquecimento. A Corte
Superior de Quebec reconheceu o direito ao esquecimento ao considerar que o
jornal Le Violon cometeu erro de fato ao reavivar certas acusações contra Odilon
Goyette após um largo período de tempo desde a ocorrência. O direito ao
esquecimento foi reconhecido com base no princípio da responsabilidade civil.
Assim, até hoje, o entendimento da doutrina local é de que recordações de
acontecimentos passados, inexistindo interesse público, podem ocasionar dano à
vida privada de terceiros, e de que a responsabilidade nasce com a disponibilização
do acesso em massa a informações sobre pessoas e sobre fatos a elas relacionados.
Exige-se que, com o passar do tempo, uma informação que no passado teria sido
atual, caia no esquecimento e no anonimato245.
Na França, o direito ao esquecimento foi consagrado, em julgamento de
1983, pelo Tribunal de Grande Instância de Paris. Trata-se do caso Filipachi versus
Cogedipresse. A decisão diz o seguinte:
246
A decisão foi transcrita por François Ost, O tempo do direito, cit., p. 171.
99
uma crescente busca pela vida privada de pessoas anônimas. O público passou a ter
uma curiosidade muito maior acerca de informações de particulares em razão da
proliferação das redes sociais.
É comum que uma pessoa não queira mais ser lembrada de algo que, com
a velocidade da internet, poderá persegui-la pelo resto de sua vida. As novas
tecnologias permitem alcançar o passado das pessoas que até então se encontrava
preso apenas na memória individual. Essa propagação indiscriminada de notícias
pode gerar uma série de transtornos247.
Certamente é bastante complicado implementar algum meio de
fiscalização ou controle neste âmbito, uma vez que existe uma série de empecilhos
técnicos para se barrar esta disseminação. Sites de busca como Google, Yahoo,
Altavista e Bing apenas direcionam para outros sites, nos quais as notícias são
efetivamente veiculadas. São ferramentas desenvolvidas para auxiliar na procura de
informações armazenadas na internet, permitindo que uma pessoa solicite o
conteúdo de acordo com um critério específico, mediante o uso de palavras ou
frases, e seja direcionada para diversos sites.
O presidente-executivo do conselho do Google já afirmou, em um evento
na Universidade de Nova Iorque, ocorrido em maio de 2013, que a internet
247
Maria Celina Bodin de Morais e Carlos Nelson Konder (Dilemas, cit., p. 287) dissertam sobre
os problemas enfrentados com o uso das novas tecnologias digitais: "um desafio que, grandes e
pequenos, enfrentam milhões de pessoas em todo o mundo: a melhor forma de viver nossas vidas
em um mundo onde a internet grava tudo e não se esquece de nada - onde todas as fotos online,
atualização de status, Twitter e posts em blogs por e sobre nós não pode ser armazenada para
sempre. Com sites como Facebook LOL Moments, que coleta e compartilha embaraçosas
revelações pessoais de usuários do Facebook, fotos em situações difíceis e bate-papos online
voltam para assombrar as pessoas meses ou anos após a foto. Os exemplos se multiplicam
diariamente: o da garota britânica, que foi demitida de seu emprego em um escritório por ter
escrito no Facebook que estava totalmente entediada, o psicoterapeuta de 66 anos de idade,
canadense, que tentou entrar nos Estados Unidos, mas foi barrado na fronteira - e
permanentemente impedido de visitar o país - depois de ser objeto de pesquisa de um guarda de
fronteira na internet que descobriu que o terapeuta tinha escrito um artigo em uma revista de
filosofia, descrevendo suas experiências com LSD 30 anos atrás".
101
248
Disponível em, http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/05/1274141-a-internet-precisa-de-um-
botao-deletar-diz-eric-schmidt-do-google.shtml, Acesso em 26/12/2015.
249
Juan Antonio Gallo Sallent, El derecho al ovido en internet: del caso Google al big data,
Estados Unidos: Createspace, 2015, Edição Kindle, Posição 106.
250
Tal conceito foi formulado após decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o site Google,
que será examinada mais adiante.
251
De acordo com Sallent (El derecho al ovido en internet, cit., Posição 215), o direito ao
esquecimento digital tem "el corpus del derecho a la proteción de datos y el ánima del derecho a
la intimidad". No mesmo sentido Alejandro Touriño (El derecho al olvido y a la intimidad en
internet, Madrid: Catarata, 2014, p. 140) conceitua o chamado derecho al olvido como "derecho
102
"Utilização da informática
1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados
que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização,
e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei.
2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições
aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e
utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade
257
Disponível em http://www.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/60000-
64999/64790/texact.htm, Acesso em 28/11/2015.
258
Disponível em http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/P-8.6/index.html, Acesso em 28/11/2015.
106
administrativa independente".
259
O artigo 18.4 da Constituição espanhola diz: 4. "La ley limitará el uso de la informática para
garantizar el honor y la intimidad personal y familiar de los ciudadanos y el pleno ejercicio de
sus derechos".
260
A Constituição da Holanda prevê o mesmo em seu artigo 10.
261
A Grécia tem previsão similar no artigo 19 A de sua Constituição.
262
Daniel Sarmento, Liberdades comunicativas e direito ao esquecimento na ordem
constitucional brasileira, Disponível em
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/2/art20150213-09.pdf, p. 46, Acesso em 30/11/2015.
263
Nos termos das Considerações Iniciais, de número 2, da Diretiva 95/46: "Considerando que os
sistemas de tratamento de dados estão ao serviço do Homem; que devem respeitar as liberdades e
os direitos fundamentais das pessoas singulares independentemente da sua nacionalidade ou da
sua residência, especialmente a vida privada, e contribuir para o progresso económico e social, o
desenvolvimento do comércio e o bem-estar dos indivíduos".
107
264
Disponível em, http://europa.eu/rapid/press-release_IP-12-46_pt.htm, Acesso em 26/12/2015.
265
O direito ao esquecimento consta do artigo 17 da proposta com a seguinte redação: "O artigo
17º confere ao titular dos dados o direito a ser esquecido e ao apagamento. Desenvolve e
especifica mais detalhadamente o direito de apagamento consagrado no artigo 12º, alínea b), da
Diretiva 95/46/CE, e prevê as condições do direito a ser esquecido, incluindo a obrigação do
responsável pelo tratamento que tornou públicos os dados pessoais de informar os terceiros sobre
o pedido da pessoa em causa de apagamento de quaisquer ligações para esses dados, ou cópias ou
reproduções que tenham sido efetuadas. Este artigo integra igualmente o direito à limitação do
tratamento em determinados casos, evitando o termo ambíguo de bloqueio". Disponível em
http://ec.europa.eu/justice/data-protection/document/review2012/com_2012_11_pt.pdf, Acesso
em 26/12/2015.
108
266
Disponível em, http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-6321_pt.htm, Acesso em
26/12/2015.
109
matriz está localizada nos Estados Unidos, se defendeu com base na Primeira
Emenda da constituição americana. Já na Alemanha, o tribunal de Hamburgo
inicialmente concluiu, em 2008, que a menção dos nomes em artigos de arquivo
violavam os direitos de privacidade dos autores. O fundamento foi uma decisão de
1973, segundo a qual as pessoas têm o direito de não terem suas condenações
publicadas após o cumprimento da pena. Por esse motivo, os editores do Wikipedia
alemão retiraram os nomes do website. Mas, em 2009, a Corte Constitucional
Alemã reverteu a decisão sob o argumento de que tal ato era uma restrição à
liberdade de imprensa estabelecida na constituição, e que os dois assassinos teriam
de aceitar um certo grau de intromissão em suas privacidades. A decisão foi tomada
levando em conta o alto custo que o Wikipedia teria por ser obrigado a remover as
informações de todos os arquivos inseridos no website. Após a decisão, o
Wikipedia alemão voltou a inserir os nomes dos dois em seu conteúdo268.
Esta decisão não poderia ser proferida atualmente, diante da
jurisprudência formada pelo Tribunal de Justiça europeu e também da alteração da
Diretiva 95/46, à qual a Alemanha é país vinculado. A decisão é absolutamente
contrária ao direito ao esquecimento. Os indivíduos cumpriram suas penas e
portanto teriam o direito à ressocialização, que jamais será completada se os dados
continuarem circulando na internet. Assim, configurou-se a violação a um direito
da personalidade, pois, neste caso, os fatos já teriam perdido a atualidade. Foram
crimes cometidos quase vinte anos antes. Deveria ter sido reconhecido o direito ao
esquecimento.
268
Laura Ferola, Riservatezza, oblio, contertualizzazione: come é mutata lídentità personale
nell'era di internet, in Franco Pizzete, Il caso del diritto all'oblio, cit., p. 216.
111
269
Disponível em, http://www.conjur.com.br/2014-jun-26/google-comeca-remover-links-buscas-
europa, Acesso em 29/10/2015.
270
Disponível em, http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/o-direito-de-ser-esquecido-e-um-
bem-que-pode-fazer-mal/, Acesso em 29/10/2015.
271
Disponível em, http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/07/1662342-franca-ordena-
google-a-aplicar-direito-a-ser-esquecido-em-todo-o-mundo.shtml, Acesso em 29/10/2015.
272
Disponível em, http://www.conjur.com.br/2015-jul-30/pedido-direito-esquecimento-global-
desproporcional-google, Acesso em 29/10/2015.
273
Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/o-direito-de-ser-esquecido-e-um-
bem-que-pode-fazer-mal/, Acesso em 29/10/2015.
114
desejo do Sr. Mario Costeja González, de ser esquecido, acabou não se realizando.
Ele teve seus dados apagados na Europa, mas não em outros países, dado o alcance
da rede global, e a dimensão que o julgamento tomou fez com que o assunto tivesse
divulgação no mundo todo. O nome dele continua aparecendo nos sites de busca e a
sua execução por dívidas passou a ser conhecida mundialmente.
Porém, tal notoriedade deu-se em razão da originalidade da decisão.
Espera-se o mesmo não aconteça em relação a novos pedidos de supressão de
dados.
país, com o intuito de remover dados, não têm tido sucesso por causa da
preponderância da liberdade de imprensa e de expressão, garantida pela primeira
emenda.
Evidentemente, no Brasil, as liberdades descritas acima também são
garantidas. São fundamentos do Estado Democrático de Direito. No entanto, em
nosso sistema jurídico, tais liberdades encontram limites e estes vêm justamente
dos direitos da personalidade, tais como o direito à privacidade, à intimidade, à
imagem e à honra, além do direito ao esquecimento, que é o objeto deste estudo.
Estes acabam contendo as liberdades de expressão e de imprensa, com base no
princípio da dignidade da pessoa humana, que também é fundamento do Estado
Democrático de Direito. E em caso de colisão entre eles, deve-se aplicar o critério
da ponderação.
Nos Estados Unidos, ao contrário, não são impostos os limites dos
direitos da personalidade. Assim, naquele país, os resultados obtidos em sites de
busca como o Google estão protegidos, em razão da preponderância da liberdade de
expressão e de imprensa.
Além disso, também derivada da primeira emenda à Constituição norte-
americana, foi aprovada uma lei denominada Communications Decency Act. Foi a
primeira a tratar dos serviços de provedores de Internet e entrou em vigor no dia 8
de fevereiro de 1996. De acordo com o previsto em sua seção 230, os provedores
de internet não têm responsabilidade sobre publicações promovidas por outros
sites, consolidando-se assim a isenção de responsabilidade dos provedores de
serviços, considerados apenas intermediários, ou seja, aqueles que apenas
disponibilizam informações de terceiros.
A seção 230, alínea c, item 1, diz o seguinte: "Treatment of publisher or
speaker: No provider or user of an interactive computer service shall be treated as
the publisher or speaker of any information provided by another information
117
content provider"277.
Desta forma, também em razão da Communications Decency Act, os
resultados de busca obtidos no Google e em outros motores similares estão
protegidos e não podem ser atingidos. Há exceção, de acordo com a mesma lei, na
hipótese de obscenidade, difamação, fraude ou incitação ao crime.
Percebe-se que o direito norte americano vem tratando do assunto de
forma completamente diferente dos países da Europa. Desta forma, ainda que um
conteúdo seja suprimido na Europa, por enquanto o mesmo conteúdo pode ser
facilmente encontrado nos Estados Unidos.
Um dos motivos das claras diferenças entre os tratamentos dados à
proteção de dados na Europa e nos Estados Unidos é a própria origem do direito de
cada um dos continentes. Enquanto na América do Norte adota-se o sistema de
common law, baseado mais na jurisprudência, em diversos países da Europa as
normas positivadas têm um peso maior, constituindo-se numa das legislações mais
restritivas e protetoras da privacidade 278 . Com isso, a discussão sobre a
globalização de tratamento de dados na internet torna-se bastante tormentosa.
Outro aspecto sobre o conteúdo online, nos Estados Unidos, é a questão
de relacionamentos e carreiras. Três das principais empresas de recrutamento
pessoal confirmaram que já recusaram diversos candidatos por causa do que
encontraram na internet279. Certamente isto não ocorre apenas naquele país.
Outro ponto que merece destaque é o combate ao terrorismo. Os Estados
Unidos vêm empregando medidas que violam a privacidade de cidadãos
americanos e não americanos, incluindo autoridades de outros países, mediante
acesso direto a sistemas e perfis de usuários de internet no Google, Microsoft,
277
Tradução livre: "Nenhum provedor ou usuário de um serviço de informática interativo será
considerado como editor ou autor de uma informação fornecida por outro provedor de conteúdo".
278
María Álvarez Caro, Derecho al olvido en internet, cit., p. 85.
279
Maria Celina Bodin de Morais; Carlos Nelson Konder, Dilemas, cit., p. 294.
118
282
Daniel Sarmento, Liberdades, cit., p. 47.
283
Foi com base no Marco Civil da Internet que uma recente decisão proferida pela 1ª Vara
Criminal de São Bernardo do Campo, no dia 17 de dezembro de 2015, conseguiu tirar do ar por
algumas horas o aplicativo WhatsApp, que propaga mensagens instantâneas e é responsável pela
proliferação de informações pessoais dos usuários. O fundamento da decisão teria sido o fato de o
aplicativo não ter acatado ordem judicial de divulgar dados de um suposto criminoso. No entanto,
a decisão foi cassada em poucas horas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu ser a
multa pecuniária mais eficiente do que o bloqueio. Assim, o serviço foi restabelecido logo depois.
O aplicativo WhatsApp pertence ao Facebook, a mais famosa rede social do planeta, desde que
foi comprado em fevereiro de 2014. A curiosidade do caso é o fato de o presidente executivo do
Facebook e fundador ter dado uma declaração sobre o bloqueio ocorrido no Brasil: "Este é um
dia triste para o país. Até hoje o Brasil tem sido um importante aliado na criação de uma internet
aberta. Os brasileiros estão sempre entre os mais apaixonados em compartilhar suas vozes online.
Estou chocado que nossos esforços em proteger dados pessoais poderiam resultar na punição de
todos os usuários brasileiros do WhatsApp pela decisão extrema de um único juiz. Esperamos que
a justiça brasileira reverta rapidamente essa decisão. Se você é brasileiro, por favor faça sua voz
ser ouvida e ajude seu governo a refletir a vontade do povo".
120
284
Nos termos do artigo 19 do Marco Civil da Internet:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de
aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para,
no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível
o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1o A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara
e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do
material.
§ 2o A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos
depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais
garantias previstas no art. 5o da Constituição Federal.
§ 3o As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos
disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem
como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet,
poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4o O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado
o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os
requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação.
121
"(...) 3.
O
provedor
de
pesquisa
é
uma
espécie
do
gênero
provedor
de
conteúdo,
pois
não
inclui,
hospeda,
organiza
ou
de
qualquer
outra
forma
gerencia
as
páginas
virtuais
indicadas
nos
resultados
disponibilizados,
se
limitando
a
indicar
links
onde
podem
ser
encontrados
os
termos
ou
expressões
de
busca
fornecidos
pelo
próprio
usuário.
4. A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não
constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de
pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art.
14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das
buscas.
5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo
virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à
identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação,
ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda
que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente
divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é
que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de
computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa.
6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu
sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou
expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto
específico, independentemente da indicação do URL da página onde este
estiver inserido. (...)"
286
A propósito, a apresentadora Xuxa já ingressou com inúmeras ações, em razão de um passado
que prefere esquecer. Mais um exemplo de ação, e neste caso ela obteve êxito, foi contra o jornal
O Dia, tendo o jornal sido condenado ao pagamento de danos morais. O motivo foi a capa do
jornal com a notícia "Xuxa vai a leilão" e uma foto da apresentadora seminua. Na realidade a
notícia era sobre um jornaleiro que estava leiloando uma revista de nudez antiga em que a
apresentadora aparecia nua. Xuxa alegou que desde que assumiu o comando de programas
infantis nunca mais fez fotografias de nudez. O juiz entendeu que a apresentadora é "uma senhora
de bem, de vida discreta e cuja atividade gera empregos, rendas para o erário público, recreação
infantil e salutar". E completou: "Como se vê, não seria (parece faltar aqui uma palavra: lícito?
razoável? justo?) deixar de reconhecer lesão ao seu direito de personalidade, sem responsabilizar
a parte responsável". Disponível em http://www.conjur.com.br/2007-set-
26/dia_condenado_pagar_15_milhao_xuxa, Acesso em 30/11/2015.
124
287
Trata-se do processo nº 1025167-51.2014.8.26.0506, Disponível em
http://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=E200055P30000&processo.foro=506&dad
osConsulta.localPesquisa.cdLocal=&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcesso=
UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=ALFINO+AGAPTO+DE+SOUZA&paginaConsul
ta=1 , Acesso em 25/11/2015.
288
Refere-se ao processo nº 1057541-77.2014.8.26.0100, Disponível em
http://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=2S000D5WV0000&processo.foro=100&d
adosConsulta.localPesquisa.cdLocal=1&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcess
o=UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=Casem+Mazloum&paginaConsulta=1, Acesso
em 25/11/2015.
126
Conforme foi frisado acima, o enunciado não tem força legislativa, mas
já é um primeiro passo para o reconhecimento no direito brasileiro.
Existem também dois projetos de lei sobre o assunto tramitando
paralelamente na Câmara dos Deputados.
O primeiro projeto de lei, de nº 7.881/2014, de autoria do deputado
Eduardo Cunha, dispõe sobre a remoção de links de mecanismos de busca da
internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados. O projeto tramita
na Câmara dos Deputados e aguarda parecer do relator da Comissão de Defesa do
Consumidor. Segundo o artigo 1º do projeto:
289
Disponível em
http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1295741, Acesso
em 15/12/2015.
128
292
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
130
ao público em geral.293
No caso de outras mídias, como o rádio e a televisão, a medida cabível é
a proibição da divulgação da notícia, que pode dar-se mediante supressão de alguns
trechos, imagens e nomes ou com a suspensão da notícia inteira ou então de todo o
programa. Os obstáculos desta medida são os mesmos abordados acima. Poderá
colidir com outros direitos fundamentais e ainda ensejar a acusação de censura da
notícia294.
As medidas judiciais cabíveis para se obter a restrição da publicação ou
da circulação da mídia impressa, ou então a proibição da divulgação da notícia ou
restrição do conteúdo de programas de rádio ou televisão, conforme visto, são as
inibitórias.
A tutela inibitória tem como principal fundamento a Constituição Federal
de 1988, que prevê, no artigo 5º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito". Apenas este dispositivo constitucional já
seria suficiente para amparar a medida. Mas, para o caso, o novo Código de
Processo Civil prevê, em seu artigo 497, parágrafo único, o seguinte:
"Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o
juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará
providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático
equivalente.
Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir
a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é
irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de
culpa ou dolo".
293
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
294
Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p.
563-596.
131
Fica claro assim que, para a contenção da divulgação de uma notícia, seja
qual for o meio de veiculação, é imprescindível a concessão da tutela antecipada de
urgência. Se o titular do direito ao esquecimento aguardar o resultado final da ação,
a informação já terá atingido o público e a ação de nada lhe servirá. Portanto, estão
evidentemente presentes os chamados fumus boni iuris e o periculum in mora.
Neste caso, a tutela provisória de urgência não se dará contra o dano, mas
contra um ato ilícito em iminência de ser praticado ou então já praticado. Daí,
conforme explica Fredie Didier Junior296: "cabe a parte demonstrar o risco de que o
295
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual civil, vol. 2, 10ª ed., Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 598.
296
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599.
132
ou, então, cursar independente delas.298 Para tanto, deverá restar demonstrada a
ocorrência do dano.
A reparação do dano poderá dar-se por meio do ressarcimento em
dinheiro e também mediante ressarcimento específico, com o restabelecimento da
situação anterior ao dano299.
Se o dano se efetivar, no caso de violação do direito ao esquecimento,
dificilmente será possível o restabelecimento da situação anterior. A mera retirada
da notícia, recolhimento de exemplares, apagamento de dados digitais, em tese não
são suficientes para trazer o titular ao seu estado anterior. Então, neste caso, o mais
indicado é o oferecimento do direito de resposta300, assegurado pelo artigo 5º, V, da
Constituição Federal, que prevê seja este proporcional ao agravo sofrido301.
O direito de resposta, na concepção de Gilmar Mendes e Paulo Gustavo
Gonet Branco, é uma reação ao uso indevido da imprensa em geral e apresenta uma
clara natureza de desagravo. É um meio de proteção da imagem e da honra do
indivíduo que se acrescenta à pretensão de reparação de danos morais e
patrimoniais provenientes do exercício inadequado da liberdade de expressão302.
Como a violação do direito ao esquecimento pode causar danos à honra e
à imagem do indivíduo, na sua ocorrência caberá também o direito de resposta, e
este não será uma medida alternativa ao direito de indenização, que poderá ser
298
A propósito, o julgamento proferido pelo STJ reconhecendo o direito ao esquecimento de
pessoa acusada injustamente pela Chacina da Candelária (Recurso Especial ), examinado acima,
manteve decisão em que a TV Globo foi condenada a pagar R$ 50.000,00, pelos danos morais
sofridos pelo autor, após a exibição do Programa Linha Direta retratando o crime e citando o
nome do autor.
299
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599.
300
Sobre o direito de resposta vide David Cury Neto, Tutela civil do direito ao esquecimento, São
Paulo, PUC/SP, Dissertação de Mestrado, 2015, p.183.
301
No
dia
11
de
novembro
de
2015,
a
Presidente
da
República
sancionou
a
Lei
13.188/2015
303
Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível em
http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=verdade, Acesso em 26/11/2015.
304
Sócrates (Apud Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas, Trad. Roberto Cabral de
Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, Rio de Janeiro: Nau Editora, 2002, p. 140) discorreu
sobre a verdade. Para o filósofo, não valeria a pena falar a não ser que se quisesse dizer a
verdade, sendo a fala um exercício da memória e não de poder.
305
Segundo Platão (A República, Trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001, p. 319), a verdade deve estar constantemente sendo alcançada. Não é
algo concreto ou material, mas algo pessoal, e somente Deus pode conhecer o verdadeiro.
306
Na visão de Aristóteles (Metafísica, Trad. Leonel Vallandro, Porto Alegre: Editora Globo,
1969, p. 64-107), a verdade não pode ser atingida completamente, mas também não é possível
afastar-se completamente dela. Sendo a filosofia a ciência da verdade, somente é possível
conhecer o verdadeiro por meio da causa. A definição clássica aristotélica de verdade prevê o
seguinte: "verdadeiro é dizer que o que é, é, e o que não é, não é; e assim, quem afirma que uma
coisa é, ou que não é, estará dizendo uma verdade ou uma falsidade".
307
Para São Tomás de Aquino (As virtudes morais, Trad. Paulo Faitanin e Bernardo Veiga,
Campinas: Ecclesiae, 2012, p. 903-1025) a verdade pode ser comparada com a felicidade, sendo
137
esta a contemplação perfeita da suma verdade. Além disso, a verdade e o bem devem ser
incluídos reciprocamente porque a verdade é um bem do intelecto.
308
Hannah Arendt (Entre o passado e o futuro, Trad. Mauro W. Barbosa, São Paulo: Perspectiva,
2014, p. 325) conceituou a verdade como aquilo que não se pode modificar, e apresenta uma
metáfora sobre o tema: "ela é o solo sobre o qual nos colocamos de pé e o céu que se estende
acima de nós".
309
Michel Foucault (A verdade, cit., p. 8) também discorreu sobre a verdade ao dizer que o
sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto tem uma história e
certamente que a verdade tem uma história.
310
Immanuel Kant, Crítica da razão pura, Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique
Morujão, Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2001, p. 119.
311
Immanuel Kant, A metafísica dos costumes, Edson Bini, São Paulo: Edipro, 2003, p. 271.
138
uma verdade da qual uma pessoa de algum modo possa se aproximar. E concluiu:
"a verdade é mais plena de fatalidade do que o erro ou a ignorância, e impele as
forças com as quais se trabalha no esclarecimento"312.
O dever da verdade também foi abordado por Giorgio Del Vecchio313,
que, assim como Kant, também tratou da mentira, mas se aprofundou nas situações
em que a mentira é permitida. Afirma que todo sistema ético tem como um dos
principais preceitos o dever de veracidade, ao lado de outros, como a caridade e a
justiça. Obviamente, a mentira é condenável no campo da ética porque viola o
dever de veracidade. Entretanto a mentira é aceita em algumas situações
excepcionais, como por exemplo, para evitar uma violência atual ou injusta, ou
ainda nos casos de guerra ou jogos. O autor cita como exemplo de mentira
aceitável, no campo da ética, uma conhecida piada: "aquele sábio que,
encontrando-se com um louco na torre, onde estava fazendo observações
astronômicas, e ameaçado de ser precipitado do alto, lhe assevera que é capaz de
algo mais difícil – saltar de baixo para cima – conseguindo com tal subterfúgio
descer sem estorvo e evitar o perigo"314.
E prossegue afirmando que, no que diz respeito ao direito, certamente o
dever da verdade também está presente, mas só assume forma concreta, com as
respectivas sanções civis e penais, nos casos específicos e nas situações em que a
mentira causa dano a outrem. Por isso, os artifícios utilizados para enganar o
próximo são condenados tanto na moral como no direito315. E, finaliza, viver com
verdade significa "respeitar o espírito". A mentira se contrapõe à verdade, mas o
312
Friedrich Nietzsche, A vontade de poder, Trad. Marcos Sinésio Pereira Fernandes Rio de
Janeiro: Contraponto, 2008, p. 243.
313
Giorgio Del Vecchio, A verdade na moral e no direito, Trad. Francisco José Velozo Braga:
Editorial Scientia e Ars, 1955, p. 29-38.
314
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 39.
315
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 50-78.
139
silêncio não. Muitas vezes, este será digno de maior virtude do que a palavra, e
também uma forma apropriada para a procura da consciência de cada um.
Numa concepção contemporânea, Habermas316 cuida da verdade como
algo indissociavelmente conectado ao conceito de conhecimento. A verdade é uma
propriedade que não pode ser perdida pelas proposições porque uma afirmação bem
fundamentada pode se evidenciar falsa. Por isso, a proposição verdadeira deverá sê-
lo para qualquer pessoa317.
Realmente não é simples conceituar ou definir a verdade. É algo
complexo, que varia de uma pessoa para outra, de uma sociedade para outra, de um
período para outro. É um assunto debatido por tantos filósofos, mas percebe-se que
está intimamente ligado ao conceito de razão e conhecimento.
Fernando Pessoa318, em seu Livro do Desassossego, tratou da verdade
como um conceito multifário:
"Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que tinham
se zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa do porque
tinham se zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as
suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era
que um via uma coisa e o outro outra, ou que um via um lado das coisas
e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como
316
Jürgen Habermas, A ética da discussão e a questão da verdade, Trad. Marcelo Brandão
Cipola, São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 59-60.
317
Peter Häberle (Os problemas da verdade no estado constitucional, Trad. Urbano Carvelli,
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 123-128) entende ser a verdade um valor cultural e
indispensável para o Estado constitucional, sendo a busca da verdade algo possível e que
pressupõe a não violência, a tolerância, a cultura, a proteção à natureza e às gerações futuras.
Para Robert Alexy (Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria
da fundamentação jurídica, Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva, 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense,
2011, p. 110-139) a verdade não pode ser considerada uma relação problemática entre o
enunciado e o mundo, mas serve para equiparar as proposições normativas e as não normativas.
Há de se destacar, ainda, a posição de Lenio Luiz Streck (Compreender direito, como o senso
comum pode nos enganar, volume 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 203 e 204), que
afirma ser ultrapassado conceituar a verdade com a subjetividade dos antigos filósofos, pois isso
apenas limitaria as possibilidades da verdade com representações ou conteúdos da consciência,
ignorando-se a realidade em que estamos inseridos.
318
Fernando Pessoa, Livro do desassossego, Salvador: Nostrum Editora, 2013, p. 191-192.
140
Assim, conclui-se que um mesmo fato pode ser visto por uma pessoa sob
uma perspectiva e visto por outra pessoa sob perspectiva diferente. Todos podem
ter razão, daí a chamada "dupla existência da verdade".
319
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 56 e 72.
141
"Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus
324
Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: parte geral, São Paulo: Atlas, 2011, p. 527.
325
O artigo 167, § 2º, do Código Civil diz o seguinte: "Ressalvam-se os direitos de terceiros de
boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado".
326
Além disso, o novo Código de Processo Civil define como litigante de má-fé aquele que
alterar a verdade dos fatos, nos termos do artigo 80, II.
143
327
Apud Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 59.
328
O artigo 388 do novo Código de Processo Civil diz: "A parte não é obrigada a depor sobre
fatos:
I - criminosos ou torpes que lhe forem imputados;
II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo;
III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu
companheiro ou de parente em grau sucessível;
IV - que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III".
329
Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 153-154.
330
Sobre a prova testemunhal há de se destacar os seguintes artigos do novo CPC:
Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou
suspeitas.
§ 2o São impedidos:
I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o
144
O direito à verdade assegura que toda pessoa pode receber e ter acesso às
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos
determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,
sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento".
334
Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 58-63.
335
Lenio Luiz Streck, O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém?, Disponível
em http://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-consciencia-
seguranca-alguem#_ftn1_6301, Acesso em 01/12/2015.
146
336
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito fundamental à memória e à verdade,
Curitiba: Juruá, 2013, p. 39.
337
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 40.
338
Jürgen Habermas, Conhecimento e interesse, Trad. José N. Heck, Rio de Janeiro: Guanabara,
1987, p. 306.
339
Neste sentido é o conceito de verdade histórica de Andrés Gil Domínguez (Constituicion y
derechos humanos: las normas del olvido en la República Argentina, Buenos Aires: Ediar, 2004,
p. 97), que ainda tece alguns exemplos de verdade histórica que, segundo o autor, não podem ser
negados, tais como: o holocausto, a II Guerra Mundial, a Revolução de Cuba, a morte de JFK.
147
344
Marco Antonio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi, Resgate, cit., p. 58, 60.
345
Segundo François Ost (O tempo do direito, cit., p. 52), a memória é a primeira forma de tempo
jurídico qualificado: "a memória que recorda que há o dado e o instituído (...) acontecimentos que
contaram e ainda contam são suscetíveis de conferir um sentido à existência coletiva e aos
destinos individuais. Instituir o passado, certificar os fatos ocorridos, garantir a origem dos
títulos, das regras, das pessoas e das coisas: eis a mais antiga e a mais permanente das funções do
jurídico. Na ausência dessas fundações, despontaria o risco de anomia, como se a sociedade
assentasse em alicerces transitórios".
346
Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 66.
347
Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 101) também aponta o direito à memória e à verdade
como direito da personalidade, e afirma que, apesar de não ter sido explicitado pelo legislador
constitucional, ele vem se consolidando como forma de expressão da justiça de transição, em
razão da apuração dos crimes cometidos pela repressão política durante a ditadura militar
brasileira.
149
348
Norberto Bobbio, O futuro da democracia, uma defesa das regras do jogo, Trad. Marco
Aurélio Nogueira, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 7.
349
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 53.
150
nome do povo, não podendo estes ficar limitados ao interesse pessoal dos agentes
públicos. Desta forma, os assuntos de interesse da nação devem ter publicidade
integral350.
O artigo 37, caput, da Constituição Federal351 aponta os princípios que
baseiam a administração pública, e um deles é o princípio da publicidade, referido
acima. Este garante que a administração pública deve, de forma obrigatória, prestar
contas de seus atos, possibilitando mais uma vez a realização da verdade e da
memória352.
O habeas data, garantido pelo artigo 5º, LXXII, da Constituição
Federal353, é, também, uma das formas de instrumentalização do direito à verdade e
à memória, uma vez que assegura o conhecimento dos registros pertencentes ao
impetrante, constantes em entidades governamentais ou de caráter público.
Além da Constituição Federal, existem outras normas previstas no direito
brasileiro em que o direito à verdade encontra amparo, ainda que de forma
implícita.
O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, proíbe a publicidade
enganosa, sendo este um de seus mais importantes preceitos, previsto no seu artigo
37354.
350
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 57.
351
O artigo 37, caput, da Constituição Federal diz o seguinte: "A administração pública direta e
indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte".
352
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 61.
353
O artigo 5º, LXXII, da Constituição Federal prevê: "conceder-se-á habeas data: a) para
assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a
retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo".
354
O artigo 37 da Lei 9078/90, diz o seguinte: "É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário,
inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir
151
ferramentas para garantir aos Estados a busca do direito à verdade, nos seguintes
termos:
"El derecho a la verdad ha surgido como respuesta frente a la falta de
esclarecimiento, investigación, juzgamiento y sanción de los casos de
graves violaciones de derechos humanos e infracciones al DIH por parte
de los Estados. Es a través de los esfuerzos para combatir la impunidad
que los órganos del sistema han desarrollado estándares regionales que
dan contenido al derecho a la verdad, y los Estados y la sociedad civil
han desarrollado enfoques e iniciativas para implementarlos en una
amplia gama de conceptos. Asimismo, el derecho a la verdad constituye
uno de los pilares de los mecanismos de justicia transicional. ".357
357
Item 4 do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: "Direito à verdade na
América", disponível em http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Derecho-Verdad-es.pdf,
Acesso em 20/12/2015.
358
Item 8 do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: "Direito à verdade na
América", disponível em http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Derecho-Verdad-es.pdf,
Acesso em 20/12/2015.
153
359
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República estima o número de cerca de
20.000 pessoas torturadas no regime ditatorial. Disponível em
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/12/10/de-pau-de-arara-a-cadeira-do-
dragao-comissao-da-verdade-lista-20-metodos-de-tortura.htm, Acesso em 28/12/2015.
O número final de torturados não foi divulgado pela Comissão Nacional da Verdade do Brasil.
Esta priorizou os casos de mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. No
entanto deixou de dizer quais e quantas pessoas foram torturadas. Apenas listou genericamente
como as torturas ocorriam e a sua forma de execução. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1562171-relatorio-nao-trouxe-numero-de-
torturados.shtml, acesso em 28/12/2015.
360
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1562171-relatorio-nao-trouxe-
numero-de-torturados.shtml, acesso em 28/12/2015.
154
361
Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível em
http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=anistia, Acesso em 27/12/2015.
362
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia: as leis internacionais e o caso brasileiro,
Curitiba: Juruá, 2009, p. 49, 51.
363
A anistia não pode ser confundida com a imunidade. Esta tem objetivo meramente político,
não se tratando nem de esquecimento nem de perdão. Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos,
Anistia, cit., p. 62-64.
364
Federico Maria D'Ippolito, Diritto, memoria, oblio nel mondo romano, Napoli: Satura, 2010,
p. 68.
365
Na realidade Cicerone utilizou como argumento um acontecimento do ano de 403 a.C. em que
trinta tiranos foram depostos do poder.
366
Federico Maria D'Ippolito, Diritto, memoria, oblio, cit., p. 68-71.
155
A anistia é vista por muitos autores como algo perigoso, pois em nome
da paz social conduz ao esquecimento e à negação da memória, podendo se
transformar em um mecanismo de impunidade.
Analisando a questão, Paul Ricoeur 367 descreve a anistia como um
esquecimento comandado e ensina: "a fronteira entre o esquecimento e o perdão é
insidiosamente ultrapassada na medida em que essas duas disposições lidam com
processos judiciais e com a imposição de pena; ora a questão do perdão se coloca
onde há acusação, condenação e castigo; por outro lado, as leis que tratam da
anistia a designam como um tipo de perdão".
O artigo 1º da Lei da Anistia preceitua o seguinte:
368
O artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal prevê o seguinte: "a lei considerará crimes
inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".
369
Luciana Carrilho de Moraes, Verdade e justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 87.
157
371
Celso Antonio Bandeira de Melo, Imprescritibilidade dos crimes de tortura, in Inês Virgínia
Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de
transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 138.
372
Celso Antonio Bandeira de Melo, Imprescritibilidade, cit., p. 138.
159
373
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 607.
374
Flávia Piovesan, Direito Internacional, cit., p. 209-210.
161
378
Os preceitos constitucionais que estariam sendo violados, segundo a ADPF 320 são:
artigo 4º, III; artigo 5º, § 2º; e artigo 7º, da ADCT.
379
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 600-601.
380
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 602.
164
Supremo Tribunal Federal, ter sido em outro sentido, ela ainda não transitou em
julgado, apesar de ser anterior à outra decisão, aquela proferida pela Corte
Interamericana sobre o caso Gomes Lund. Logo, ainda há tempo para que o
Supremo Tribunal Federal anule a lei de anistia brasileira e reconheça o julgado da
Corte Interamericana. O único inconveniente de tamanha demora é o fato de que
muitos dos causadores das barbáries ocorridas na ditadura brasileira já faleceram ou
encontram-se em estado de senilidade. Mas a punição, mesmo que tardia, ainda
pode acontecer. Assim, neste caso, a memória poderá prevalecer sobre o
esquecimento.
385
Rogério Gesta Leal, Verdade, memória e justiça no Brasil, responsabilidades compartidas,
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 58.
386
Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 59.
166
387
Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 208.
388
Rogério Gesta Leal (Verdade, cit., p. 59, 60) apresentou uma série de mecanismos para o
resgate da memória..
167
389
Jaime Pennbaker, Memoria Colectiva de Processos Culturales y Politicos, apud Rogério
Gesta Leal, Verdade, cit., p. 70.
168
394
José Adércio Leite Sampaio e Alex Luciano Valadares de Almeida, Verdade e história: por
um direito fundamental à verdade, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi
(Coords.), Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo
Horizonte: Forum, 2009, p. 255.
395
José Adércio Leite Sampaio e Alex Luciano Valadares de Almeida, Verdade e história, cit., p.
255.
396
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 66.
170
direitos humanos nas igrejas cristãs; Violações de direitos humanos dos povos
indígenas; Violações de direitos humanos na universidade; Ditadura e
homossexualidades; Civis que colaboraram com a ditadura; e A resistência da
sociedade civil às graves violações de direitos humanos. Finalmente, o volume III
relata os mortos e desaparecidos políticos397.
A principal recomendação é que as Forças Armadas assumam
responsabilidade, inclusive juridicamente, pelos atos cometidos durante os regimes
militares. A comissão também quer o fim das polícias militares, a proibição de atos
que comemorem o golpe de 64 e a revogação da Lei de Segurança Nacional. O
relatório da comissão ressalta, ainda, que os autores dos crimes devem ser julgados:
"Prevalece o dever jurídico do Estado de prevenir, processar, punir e reparar os
crimes contra a humanidade, de modo a assegurar o direito à justiça e à prestação
jurisdicional efetiva."
Quanto à revisão da Lei da Anistia, que chegou a ser cogitada pelos
integrantes do grupo, esta não foi incluída no relatório.
Trata-se de um trabalho notável – por disponibilizar para a sociedade o
contexto histórico, a estrutura do Estado ditatorial, a institucionalização da tortura,
as vítimas e os autores das violações – que ouviu mais de 1.000 testemunhas. A
Comissão Nacional da Verdade nomeou individualmente 377 suspeitos de crimes,
dos quais 196 ainda estão vivos, com idade média de 82 anos398. Mas as Forças
Armadas até hoje se recusam a reconhecer oficialmente as violações dos direitos
humanos, e alguns militares simplesmente não aceitam a Comissão Nacional da
Verdade, além de a criticarem duramente.
397
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade está disponível em
http://www.cnv.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=571, Acesso em
27/12/2015.
398
Disponível em http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/comissao-da-verdade-
responsabiliza-377-por-crimes-durante-ditadura.html, Acesso em 28/12/2015.
172
399
Disponível em, http://www.pucsp.br/comissaodaverdade, acesso em 20/10/2015.
400
Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 199.
401
Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, cit., p. 481.
174
"o fantasma nazista(...), tendo por fim, com sua fantasia de super-homem,
atingir a pureza da raça ariana e a vitória na guerra, lembrando um
período da história que todos preferem esquecer, pelas feridas que
causou, levantando, por fim, questões religiosas, éticas, científicas,
filosóficas e jurídicas".
402
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 56.
403
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 57.
175
circunstância criminosa404.
As decisões tomadas no Tribunal de Nuremberg se tornaram a base do
direito internacional para a proteção dos direitos humanos, passando a ser
considerados, a partir de então, crimes contemplados pelo direito internacional os
crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade405.
Certamente, o julgamento serviu de aviso e, obviamente, foi amplamente
divulgado, com o intuito de que aqueles males não voltassem a ocorrer. Além
disso, serve para perpetuar a construção de uma memória coletiva para toda a
sociedade e também para as futuras gerações, que não viveram naquele período
mas que têm e devem ter conhecimento de toda a desgraça causada.
Os campos de concentração foram a base material do crime de genocídio,
que não se constituiu apenas em crime contra um grupo nacional, étnico ou
religioso, mas um crime contra a humanidade, por ser uma recusa da diversidade ou
pluralidade, sem nenhuma justificativa. Trata-se, por excelência, do mal406. Daí a
promulgação da Declaração Universal de 1948.
Todos preferiríamos esquecer, mas, neste caso, a memória é fundamental
para que estas e outras barbaridades não aconteçam novamente.
Conforme examinado acima, a partir da Declaração de 1948 são adotados
diversos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos,
especialmente em relação à universalidade, indivisibilidade e interdependência
destes. A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera o
entendimento da Declaração de 1948 em muitos aspectos, mas também o estende,
renova e amplia. Foi subscrita por 171 Estados e prescreve em seu parágrafo 5º:
"Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados.
404
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 58.
405
Celso Lafer, Direitos humanos: um percurso no direito no século XXI, 1, São Paulo: Atlas,
2015, p. 87.
406
Celso Lafer, Direitos humanos, cit., p. 12-13.
176
407
Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 201.
408
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 94.
409
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 63.
410
É o que ocorre por exemplo com restos do antigo muro que dividia a cidade e que ainda são
expostos, ou torres da polícia que serviam de guarda e impediam a fuga de cidadãos, que ainda
continuam na cidade e servem para despertar a memória coletiva. Além disso, o antigo cárcere
da polícia em Berlim foi transformado num museu das práticas daquela polícia secreta.
177
anistias gerais em favor dos opositores dos governos, e também dos governantes e
de seus agentes, que praticaram crimes contra a humanidade. Foram anistias
concedidas pelos próprios ditadores como condição para que se retirassem. Todos
esses países passaram por um período de transição e pelas ditas comissões da
verdade. Ao contrário do que se viu após o Holocausto, conforme relatado acima,
os governantes não foram punidos de imediato, mas por intermédio das tais
comissões.
Serão examinados aqui os casos de comissões da verdade de alguns
países da América Latina, após as violações de direitos humanos. São eles
Argentina, Chile e Peru.
Entretanto, registre-se que inúmeros outros casos de violação de direitos
humanos, com a subsequente constituição de comissões da verdade, ocorreram em
outros países da América do Sul, da América Central, da África do Sul, em Serra
Leoa, na antiga Iugoslávia, entre outros.
Certamente haverá outros casos de violação de direitos humanos no
futuro, como também é certo que acontecem no presente. Os atuais conflitos na
Síria são apenas um exemplo de violação de direitos humanos na atualidade. E o
que se espera é a punição cabal, a restauração da verdade e a preservação da
memória.
Com relação à América Latina, vejamos:
A Argentina sofreu dois golpes de estado militares que resultaram em
regimes autoritários duradouros. O primeiro em 1966, interrompido em 1973. O
segundo em 1976, que se estendeu até 1983. Este último foi considerado o regime
ditatorial mais violento de toda a América Latina. Provocou o desaparecimento
forçado e a morte de cerca de 30.000 pessoas, num período chamado de "guerra
suja".
Conforme já examinado, a Corte Suprema de Justiça argentina reconhece
178
411
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 35.
412
Por exemplo, a Escola de Mecânica do Exército, local onde funcionou a repressão política,
que torturou e matou várias pessoas. Foram encontrados restos mortais de torturados, enterrados
no pátio da escola. Para preservar a memória, salas de tortura continuam intactas, inclusive com
algumas correntes.
413
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 64.
414
Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 606.
415
As Mães da Praça de Maio (Madres de Plaza de Mayo) são mulheres que se reuniam na Praça
de Maio, em Buenos Aires, para exigir notícias de seus filhos desaparecidos durante a ditadura
militar na Argentina. Ainda hoje, as mães realizam manifestações na Praça de Maio, em frente à
Casa Rosada, com o objetivo de manter o desaparecimento de seus filhos na memória de todos os
argentinos.
179
O Chile também teve a sua ditadura militar, que teve início com um
golpe militar ocorrido no ano de 1973. O regime autoritário durou 17 anos e o país
foi governado por um único homem: Augusto Pinochet.
Tal como no Brasil e na Argentina, o regime ditatorial do Chile também
matou e sequestrou milhares de pessoas. Os militares fizeram uso de tortura e
morte contra os opositores do regime. Durante anos o Chile viveu sob censura,
tortura, sequestros e homicídios. Calcula-se um número de 35.000 vítimas de
violação de direitos humanos, das quais cerca de 30.000 foram torturadas, 2.200
foram executadas e cerca de 1.200 continuam desaparecidas.
Em 1990 terminou o regime autoritário, com a eleição direta de Patrício
Aylwin. O Presidente eleito criou, no mesmo ano, uma Comissão Nacional de
Verdade e Reconciliação, com um prazo de nove meses para investigações. As
principais funções da Comissão foram as seguintes: formar um quadro sobre
violações de direitos humanos, antecedentes e circunstâncias; individualizar as
vítimas e encontrar seus paradeiros; recomendar medidas de reparação e
reivindicação necessárias; recomendar medidas legais e administrativas cabíveis416.
A Comissão chilena teve um grande número de colaboradores, tais como
organismos nacionais e internacionais de direitos humanos, além de Universidades,
estudantes de direito e assistentes sociais. O resultado das investigações foi um
informativo com algumas recomendações: reparação pública da dignidade das
vítimas; constituição de medidas de bem-estar social; pensão de reparação;
declaração de morte dos desaparecidos; ratificação de tratados internacionais de
direitos humanos; dar continuidade às investigações417.
Desta forma, em 1992, o governo do Chile criou a Corporação Nacional
de Reparação e Recomendação, com o objetivo de cumprir e executar as
416
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 35.
417
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 36.
180
recomendações mencionadas.
Uma das medidas de preservação da memória no Chile foi a criação de
diversos memoriais 418 sobre o período de repressão. Estes são modelo para o
mundo inteiro neste quesito, embora Augusto Pinochet não tenha sido efetivamente
punido, pois, mesmo afastado do governo, conseguiu um cargo de senador vitalício,
o que lhe garantiu imunidade. Porém, acabou preso na Inglaterra, em 1998, e, após
um longo período de prisão domiciliar, foi extraditado para o Chile no ano de 2000.
Como manobra para evitar a prisão, alegou insanidade mental e renunciou ao cargo
de senador vitalício em 2002. Faleceu em dezembro de 2006.
Atualmente existe movimentação no Chile, incluindo a própria presidente
Michele Bachellet, no sentido de se revogar a lei de anistia local, para possibilitar a
punição dos colaboradores de Augusto Pinochet.
O Peru passou por um período, compreendido entre as décadas de 1960 e
2000, que alternou alguns golpes militares e governos democraticamente eleitos.
Um golpe militar em 1968 instalou um governo militar que se manteve no poder
até 1980.
Entretanto, os acontecimentos mais relevantes foram a criação, durante a
década de 1980, de movimentos terroristas, como o Sendero Luminoso e o
Movimento Revolucionário Túpac Amaru, que passaram a atuar no país com
violência.
Em 1990 Alberto Fujimori foi eleito Presidente da República, por eleição
direta, e, em 1992, mediante o chamado "autogolpe", dissolveu o Congresso
Nacional e passou a governar de forma autoritária.
Tanto os movimentos de guerrilha como o governo autoritário de Alberto
418
A Fundação Ford financiou um projeto denominado Arquivo Oral, que consiste em um banco
de dados com o testemunho de vítimas do regime militar. Este arquivo é aberto ao público, desde
o ano de 2010. Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 76.
181
419
Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 37.
182
420
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 59.
421
François Ost, O tempo do direito, cit., p. 60.
183
422
Paul Ricoeur, A memória, cit., p. 141.
423
Segundo Daniel Sarmento (Liberdades, cit., p. 15.), memória coletiva é "a construção social
feita de informações, mitos e narrativas socialmente compartilhadas que integram a cultura e
proporcionam um sentido de identidade de pertencimento, que é extremamente importante para a
vida dos indivíduos". Para o autor, trata-se de direito fundamental previsto no artigo 216 da
Constituição Federal. Conforme o artigo 216 da Constituição Federal: "Constituem patrimônio
cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico".
424
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 97.
425
Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao esquecimento, cit., p. 97) ainda
explicam: "o direito ao esquecimento não é orientado a cancelar o passado, mas a proteger o
184
presente. Não impede a garantia de justiça, a revelação da verdade, a cultivação da memória
histórica e a reparação ética, política e econômica das vítimas".
426
Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 60-61.
Segundo Edson Luis de Almeida (A anistia e os crimes contra a humanidade, in Doutrinas
essenciais de direitos humanos, vol. 6, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 157-176.), em
comentário sobre a teoria da memória: "Podemos identificar três movimentos conflituosos e
paradigmáticos na memória política em transições de regimes autoritários para democracias
novas: o esquecimento, a punição e a desculpa. O esquecimento ocorre principalmente por meio
das leis de anistia, momento no qual é proposto que as instituições políticas apliquem a amnésia
social. Porém, incapaz de apagar as histórias de violência, o esquecer gera o recalque e, a
depender do caso, mais violência, criando anomalias nas democracias novas ou renovadas. Sua
contraposição é a punição que funciona como uma espécie de vingança. A punição remete à
retomada do processo político passado, trazendo à tona os sentimentos e emoções vividos e não
encerrados. Há também a desculpa, em geral estruturada em comissões de verdade, nas quais se
185
jurídica nascida pela prática de tortura geradora de danos morais nas instalações do
DOI-CODI, ou seja: "relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática
de ato ilícito, gerador de danos morais".
A Ministra Relatora, Nancy Andrighi, em seu voto, posicionou-se pela
procedência do recurso, e um dos fundamentos foi justamente o direito ao
esquecimento, além da conhecida lei de anistia. Segundo a relatora, anistiar é
esquecer e perdoar, não se admitindo a existência do meio perdão. A Ministra
invocou o direito ao esquecimento nos seguintes termos:
429
O artigo 1º da Lei 12.528/2011 diz o seguinte: "É criada, no âmbito da Casa Civil da
Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e
esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade
histórica e promover a reconciliação nacional".
430
O artigo 21, parágrafo único, da Lei 12.527, diz o seguinte: "As informações ou documentos
que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes
públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso".
188
431
Otávio Luiz Rodrigues Junior, Direito ao esquecimento, a culpa e os erros humanos,
Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-11/direito-comparado-direito-esquecimento-
culpa-erros-humanos, Acesso em 03/09/2015.
432
Viktor Mayer-Schönberger, Delete, cit., p. 195-196.
189
esquecimento.
Com relação ao direito ao esquecimento, o que se pretende tutelar é
apenas o interesse particular, sem alcançar o interesse público.
Diversamente das já citadas biografias não autorizadas, em que prevalece
a liberdade de expressão, o interesse público envolvido prevaleceu na decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal, examinada no tópico anterior.
No entanto, o voto da Ministra Cármen Lúcia concluiu pela necessidade
de se harmonizar o direito à liberdade de expressão com o direito à privacidade, à
honra e à imagem, afirmando que a transgressão destes direitos obrigará à
reparação mediante indenização433.
Portanto há uma notável diferença entre a hipótese citada acima e o
direito ao esquecimento.
A proteção ao direito ao esquecimento não deve destinar-se a apagar o
passado. Pelo contrário. A história deve sempre ser preservada. No entanto, aqueles
fatos relativos a um particular, sem qualquer interesse público ou relevância social,
não devem ser rememorados sem a autorização de seu titular, seja qual for o meio
de divulgação.
Cabe, assim, o sopesamento com os outros direitos da personalidade,
para se estabelecer, caso a caso, qual deles deve prevalecer – o que se dá mediante
aplicação do critério da ponderação434, que será analisado no próximo capítulo.
433
A Ministra afastou a pretensão da Associação Nacional de Editores de Livros (ANEL), de
excluir a responsabilidade civil na hipótese de violação de direitos da personalidade em
biografias.
434
Neste sentido as palavras de Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao
esquecimento, cit., p. 99): "É necessário ponderar a tutela do direito ao esquecimento com a
liberdade de informação, procurando um ponto de equilíbrio entre o direito de narrar os
acontecimentos e de informar os membros da sociedade e o fundamental direito de cada um a não
ver prejudicada a natural evolução da própria personalidade com uma nova difusão de notícias
que repropõem uma identidade cristalizada e não evoluída no tempo e, portanto, frequentemente
não mais correspondente ao atual papel do indivíduo na sociedade. Ponderação que deverá ser
efetuada mediante o exame dos interesses em conflito em relação ao fundamento dos princípios
190
colidentes, isto é, a dignidade da pessoa humana e sempre em concreto, jamais em abstrato".
435
Assim, nas palavras de María Álvarez Caro (Derecho al olvido en internet, cit., p. 132-133):
"(...) este derecho finalmente reciba y en cómo se perfilen finalmente las excepciones y
limitaciones al mismo, para preservar de forma efectiva otros derechos igualmente dignos de la
máxima protección, como son la libertad de expresión, la protección de la salud pública, la
seguridad ciudadana o el uso de la información para fines periodísticos o literarios, entre otros".
436
Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 150.
191
437
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Antinomia, in Rubens Limongi França (Coord.), Enciclopédia
Saraiva do direito, volume 7, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 14.
192
441
Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito privado, Trad. Vera Maria Jacob de Fradera
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 317.
442
Humberto Ávila, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 14ª
ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 160.
194
Está visto que a ponderação é uma técnica de grande utilidade e que deve
ser empregada na hipótese de conflitos normativos, mas deve-se aplicá-la com
cautela, de forma que não ocorram distorções jurídicas e que não sirva de
subterfúgio para que o juiz decida conforme o seu puro arbítrio.
Para que a ponderação seja aplicada de maneira correta, o julgador deve
observar etapas, que serão discutidas mais adiante. Mas, antes de abordá-las, outro
ponto merece ser destacado. Cabe uma ressalva sobre o texto do novo Código de
Processo Civil, que, aparentemente, preceitua a ponderação para o caso de colisão
entre toda e qualquer norma. Entretanto, existe o entendimento de que só se pode
aplicar a técnica nos casos de colisão entre princípios, e não para toda e qualquer
norma, como prescreve o dispositivo.
Na análise de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery446:
448
Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos, cit., p. 316-317.
Robert Alexy (Teoria, cit., p. 90) define os princípios como: "mandamentos de otimização, que
são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida
devida da sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas".
Virgílio Afonso da Silva (Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, 2ª ed.,
São Paulo: Malheiros, 2010, p. 64) ensina que o princípio é mandamento de otimização porque
garante direitos ou impõe deveres prima facie. Regras são "normas que garantem direitos e
impõem deveres definitivos".
449
Humberto Ávila, Teoria dos princípios, cit., p. 64.
198
454
O princípio da dignidade da pessoa humana já foi amplamente debatido neste trabalho, mas é
preciso também destacar o artigo 8º do novo Código de Processo Civil, que determina que: "Ao
aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência". Antonio Junqueira de Azevedo
200
(Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana, in Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, Volume 97, 2002, p. 107-125) explica que os direitos da
personalidade são consequência da dignidade da pessoa humana, que prescreve o respeito aos
pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária, como requisitos indispensáveis para
o desenvolvimento da personalidade e a procura da felicidade.
455
Maria Helena Diniz, Conflito, cit., p. 27.
456
Anderson Schreiber, Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da
reparação à diluição dos danos, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.146.
201
irá prevalecer no caso; a recomposição da ponderação, que acarreta a revelação de regras sobre a
preferência apontada nos elementos sopesados, que devem ter uma pretensão de validade.
461
Robert Alexy, Teoria, cit., p. 100-103.
203
463
Airton Portela, Manual de direito constitucional, vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p.
263.
464
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit.,
p. 285.
465
Há de se destacar o posicionamento de Luís Roberto Barroso (Liberdade de expressão versus
direitos da personalidade: colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação in, Ingo
Wolfgang Sarlet (org.), Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas
aproximações, cit., p. 98-99), que entende que o interesse público é algo muito mais amplo, pois
fatos verdadeiros obtidos por meios lícitos, noticiados em veículos de imprensa de época, ou que
constam em registros policiais ou judiciais, fazem com que as pessoas envolvidas tornem-se
personalidades públicas. Para o autor, em tais situações, deverá prevalecer a liberdade de
expressão e de informação em relação aos direitos da personalidade.
Não podemos concordar com a posição descrita porque, segundo este raciocínio, a liberdade de
expressão seria absoluta, e o direito à privacidade e o princípio da dignidade da pessoa humana
não teriam nenhuma aplicação. Todos são princípios constitucionais com a mesma importância.
Para que um tenha prevalência frente ao outro deve-se aplicar a ponderação em cada caso
concreto. Logo, não há interesse público em toda notícia ou informação publicada de maneira
205
lícita. Se estas se referirem a pessoa comum e o fato houver perdido a atualidade, não haverá
interesse público.
466
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit.,
p. 285.
467
Massimiliano Mezzanotte, Il diritto all'oblio, cit. p. 116.
468
Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, 3ª
ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 76.
469
Ricardo Luis Lorenzetti (A arte de fazer justiça, Trad. Maria Laura Delaloye, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 75) explica o raciocínio para a elaboração do critério da
ponderação, quando ocorre o confronto com a privacidade das pessoas públicas: "o ponto de
partida é que a pessoa tem uma vida privada que deve ser protegida. Se for um caso envolvendo
um funcionário público, pode enfraquecer a proteção da privacidade para permitir a crítica e
206
envolvido.
Concluindo, o direito ao esquecimento pode ser invocado pelo particular
para evitar a violação de direito da personalidade. O Código Civil, em seu artigo
11, proclama a não taxatividade dos direitos da personalidade, e o direito ao
esquecimento se enquadra nesta categoria. Está, assim, elucidado que o direito ao
esquecimento é uma forma de direito da personalidade que ainda não encontra
norma expressa na legislação brasileira. Mas existem outros direitos da
personalidade que também não foram ainda positivados e nem por isso perdem esta
qualidade ou primazia. O aplicador do direito deve evitar a violação dos direitos da
personalidade, quaisquer que sejam eles, tanto os positivados como os não
positivados. O direito ao esquecimento é um corolário do direito à felicidade e por
isso também deve ser respeitado, desde que observados os limites acima
desenvolvidos. Uma ofensa aos direitos da personalidade, segundo Rosa Maria de
Andrade Nery significa "uma quebra da unidade da natureza humana. (...) é a
quebra da harmonia do todo. É a falta de qualquer das partes que constituem o
todo"470. E isso, evidentemente, deve ser evitado a qualquer custo.
470
Rosa Maria de Andrade Nery, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 285.
208
ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco
de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o
nome, a marca, a imagem ou o direito ao esquecimento de pessoa física
ou jurídica identificada ou passível de identificação.
(...)". (grifo e inserção da autora)
coletividade.
Estas são as modificações que julgamos imprescindíveis para que o
direito ao esquecimento possa ser aplicado com eficácia no direito brasileiro.
212
Conclusão.
uma vez que estes são inerentes a ela. No entanto podem ser também titulares de
direitos da personalidade as figuras do nascituro, da pessoa já falecida e também a
da pessoa jurídica. Os direitos da personalidade estão presentes desde a concepção,
em razão do direito à vida. Alguns subsistem mesmo em relação a pessoas já
falecidas. E outros são atribuídos, no que for compatível, também às pessoas
jurídicas. Desta forma, o direito ao esquecimento pode ser reconhecido também
para as pessoas já falecidas e para as pessoas jurídicas.
5. Alguns direitos da personalidade foram previstos na Constituição
Federal de 1988, com base na dignidade da pessoa humana, e se relacionam com o
direito ao esquecimento. São o direito à privacidade, à intimidade, à honra e à
imagem. Mas o direito ao esquecimento se destaca dos demais porque é uma figura
autônoma com características próprias: diz respeito apenas aos fatos do passado
que perderam a sua atualidade.
` 6. O direito ao esquecimento também pode relacionar-se com alguns
direitos fundamentais, como o direito de informação, a liberdade de expressão e a
livre manifestação de pensamento. Todos estes são pressupostos do Estado
Democrático de Direito, mas, ainda assim, podem sofrer limitações provindas dos
direitos da personalidade e especificamente do direito ao esquecimento. Os direitos
assim conflitados deverão ser submetidos ao sopesamento, para que se determine
aquele que deverá preponderar.
7. O Código Civil de 2002 tratou dos direitos da personalidade de forma
genérica: não mencionou todas as suas categorias, deixando esta tarefa para a
doutrina e para a jurisprudência. Os artigos 20 e 21, que tratam, respectivamente,
da imagem e da privacidade das pessoas, foram objeto de questionamento, porque
havia interpretação no sentido de que não se poderiam publicar ou exibir biografias
sem a prévia autorização das pessoas biografadas. A questão foi resolvida em
julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal
214
Federal, que decidiu pela dispensa da anuência prévia dos biografados, a qual
poderia ser considerada uma forma de censura. Não houve redução de texto dos
artigos. Caso a biografia viole direitos da personalidade, estarão assegurados o
direito de resposta e também a reparação de danos.
8. A questão das biografias não autorizadas não pode ser confundida com
a pretensão do reconhecimento ao direito ao esquecimento porque este diz respeito
a interesses particulares que já estão adormecidos e não despertam mais o interesse
público, ao contrário das biografias, em que prevalece o direito de informação e a
liberdade de expressão, justamente porque há o interesse público. Mas, de qualquer
forma, deverão ser coibidos os abusos contra direitos da personalidade.
9. O direito ao esquecimento é a faculdade de que dispõe o titular de um
fato pessoal de obter a remoção dos dados a ele relacionados, em razão do decurso
de tempo. É direito da personalidade e tem as mesmas características dos demais.
Tem como origem a ideia de privacidade, mas foi desenvolvido como categoria
autônoma porque diz respeito a certos fatos antigos que devam ser destacados e
esquecidos.
10. O Enunciado 531, aprovado pela VI Jornada de Direito Civil do
Conselho de Justiça Federal em março de 2013, dispõe que a tutela da dignidade da
pessoa humana inclui o direito ao esquecimento e tem como justificativa os danos
provocados pelas novas tecnologias de informação.
11. A Constituição Federal de 1988 não tratou expressamente do direito
ao esquecimento, mas direitos e garantias que não foram referidos também são
assegurados pela Carta Magna. Além disso, o princípio da dignidade da pessoa
humana também origina direitos não positivados. É o que ocorre com o direito ao
esquecimento.
12. O Código Civil também não cuidou explicitamente do direito ao
esquecimento, mas seu artigo 12 prevê que outras espécies de direitos da
215
suprimida.
21. Foi aprovada proposta de alteração da Diretiva 95/46 para inserção
expressa do direito ao esquecimento. Esta deverá entrar em vigor no início de 2018
e alcançará os países membros da União Europeia e os prestadores de serviços
locais, mesmo que estrangeiros.
22. Ao contrário dos países da Europa, os Estados Unidos não acolhem
pedidos para se apagarem dados digitais com base no direito ao esquecimento
porque, naquele país, há uma preponderância da liberdade de imprensa e de
expressão, em relação aos direitos da personalidade.
23. O Brasil não admite a possibilidade de apagar dados da internet pela
via administrativa, mas existem decisões neste sentido na jurisprudência. A
legislação brasileira cuida apenas de forma parcial do uso da internet e do controle
de dados pessoais. Existe previsão limitada do assunto no Código de Defesa do
Consumidor, na Lei de Acesso à Informação, na Lei do Habeas Data e no Marco
Civil da Internet. Nenhum destes diplomas legais trata expressamente do direito ao
esquecimento.
24. O projeto de lei 1.676/2015, que está tramitando na Câmara dos
Deputados, prevê o direito ao esquecimento, com a possibilidade de retirada de
conteúdo digital de veículos de informação e de sites de busca por via
administrativa, desde que não haja interesse público na manutenção do conteúdo.
Se aprovado, será a primeira lei brasileira a tratar do tema.
25. O titular do direito ao esquecimento pode exigir a cessação de
ameaça ou lesão de seu direito, além de reclamar perdas e danos, como ocorre em
relação a qualquer outro direito da personalidade. Pode-se utilizar a tutela inibitória
para impedir a divulgação de uma notícia do passado que não tenha mais
importância no presente ou pelo menos sobrestar a sua divulgação. Podem ser
utilizadas medidas de urgência, como a tutela antecipada, e a aplicação de multa
218
cominatória. Para tanto deve ser demonstrado o risco da ocorrência de ato ilícito.
Se a violação do direito ao esquecimento levar à consumação do dano ao titular,
caberá ainda a tutela ressarcitória específica e também a exigência do direito de
resposta de forma proporcional ao agravo sofrido.
26. A verdade poderá se confrontar com o direito ao esquecimento,
especialmente quando se tratar do direito à memória e à verdade histórica. Este
assegura que toda pessoa tenha acesso às informações de interesse público, com o
direito de buscar o passado valendo-se da conservação ou transmissão de dados que
abranjam patrimônio cultural da coletividade. É um direito da personalidade
garantido pela Constituição Federal e está amparado em diversos tratados
internacionais subscritos pelo Brasil, incluindo a Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
27. Questões históricas relevantes, como o Holocausto e as ditaduras
ocorridas na América Latina, envolvem diversos crimes contra a humanidade,
como a morte, o desaparecimento de pessoas e a tortura, os quais jamais deverão
ser esquecidos, pois a preservação da memória e da verdade histórica são uma
forma de evitar que ocorram novamente.
28. Em geral, os países da América Latina tiveram um período de
transição, entre o final de seus regimes ditatoriais e a instalação de regimes
democráticos, em que vigoraram leis de anistia e crimes contra a humanidade não
foram julgados. A Argentina é uma exceção, porque a lei de anistia local foi
anulada e os acusados de crimes contra a humanidade puderam ser julgados. Os
demais países instalaram comissões da verdade para preservação da memória, mas
não houve punição.
29. No Brasil a Lei de Anistia foi considerada constitucional, e também
aqui os culpados não foram punidos. A anistia é um instrumento utilizado em nome
da paz social, mas conduz ao esquecimento e à negação da memória. É o
219
esquecimento jurídico de uma infração penal, mas, aplicada em nome da paz social,
acaba ensejando o perdão e pode transformar-se em mecanismo de impunidade.
30. O direito ao esquecimento jamais poderá apagar fatos históricos. Visa
apenas a proteger a memória individual e não pode ser aplicado às graves violações
de direitos humanos. Crimes de guerra, crimes políticos, torturas ou massacres não
podem ser esquecidos, porque existe um interesse público na preservação da
história e da memória coletiva.
31. A liberdade de expressão e o direito de informação podem colidir
com diversos direitos da personalidade, inclusive com o direito ao esquecimento.
Mas deve-se buscar o equilíbrio entre todos estes direitos, pois todos coexistem e
nenhum deles pode ser considerado absoluto. A cada caso concreto, deve-se aplicar
o sopesamento para se estabelecer qual deve prevalecer. A ponderação é o critério
que se deve utilizar no caso de antinomia entre princípios. A técnica foi
reconhecida pelo artigo 489, § 2º, do novo Código de Processo Civil.
32. O direito ao esquecimento deve ser considerado um princípio, pois,
embora não positivado, pode ser extraído de princípios constitucionais ligados à
privacidade e especialmente à dignidade da pessoa humana. É uma categoria
autônoma de direito da personalidade, porque diz respeito a fatos antigos que
perderam a atualidade e que causam um sofrimento absolutamente desnecessário,
por despertarem eventos que estavam adormecidos no passado.
33. A ponderação deve ocorrer em etapas. A primeira é a verificação do
estado de tensão entre o direito ao esquecimento e outros princípios. A segunda é a
busca de uma solução intermediária que não traga prejuízo a nenhum princípio. Se
não for possível, aplica-se a ponderação propriamente dita, ou seja, o sopesamento
entre cada um dos princípios em estado de tensão até que se encontre a solução
final.
34. O princípio da preferência do interesse público sobre o privado serve
220
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