ZERWES Diego. Desbravando Quarup Sete Quedas

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P O D C A ST 1

TRANSCRIÇÃO DO PODCAST Roteiro, pesquisa e apresentação


DESBRAVANDO: QUARUP SETE QUEDAS Diego Zerwes
2

Z58d ZERWES, Diego Henrique


Desbravando Quarup Sete Quedas / Roteiro, pesquisa e
entrevistas por Diego Henrique Zerwes – 2016.
162 f. : il., 30 cm.

Formato: PDF
ISBN 978-65-00-21923-4

1. Meio ambiente. 2. Avaliação de riscos ambientais 3.


Fontes de energia: economia. 4. Festivais de arte. 5.
Indígenas. I. Título.

CDD 333.79
CDU 504.06

Mario Borges – Bibliotecário - CRB 9/1909/PR.

Índice para catálogo sistemático:


1. Fontes de energia: economia 333.79
2. Administração do meio ambiente: Planejamento ambiental 504.06

Distribuição gratuita. O livro pode ser impresso, distribuído e compartilhado sem


moderação.
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DIEGO HENRIQUE ZERWES FERREIRA


Roteirista, pesquisador e entrevistador

MARCELO WEBER MACEDO


ROGÉRIO GULIN
MAURO MICHELLOTO BRAGA
FRANCISCO CARLOS REHME – CHICHO
JOSÉ ROBERTO DE VASCONCELOS GALDINO
Entrevistados

ANA PAULA MÁLAGA CARREIRO


Produtora

LUCAS TORMENA MAFFINI


Técnico de som

TÚLIO VIEIRA BORGES


Editor de som

José Eduardo Carreiro


Fotografias

LILIANE GREIN
Projeto Gráfico e Diagramação

ISBN: 978-65-00-21923-4

PROJETO REALIZADO COM RECURSOS DO PROGRAMA DE APOIO E INCENTIVO


À CULTURA - FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, PREFEITURA MUNICIPAL DE
CURITIBA E DO MINISTÉRIO DO TURISMO
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Apresentação
05
Capítulo 01
07
Capítulo 02
59
Capítulo 03
111
CRÉDITOS E REFERÊNCIAS
160
LIVROS e DISSERTAÇÕES
161
AGRADECIMENTOS
161
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Este livro se materializa a partir da gravação do podcast


do projeto Desbravando: Quarup Sete Quedas,
aprovado pelo Edital nº 038/2020, da Fundação
Cultural de Curitiba, Prefeitura Municipal de Curitiba e
do Ministério do Turismo. A ideia básica é trazer, em
transcrições, o conteúdo original dos três capítulos do
podcast, disponível online.

Sete Quedas era a maior queda em volume d’água do


mundo e hoje, quando se trata de quedas submersas,
ainda é a maior. Seu desaparecimento foi causado,
basicamente, pela criação da usina hidrelétrica de
Itaipu. Itaipu, inaugurada em 1982, foi um projeto
faraônico do governo militar do Brasil. O tamanho
megalomaníaco da hidrelétrica custou ao país muito
mais que os bilhões de dólares investidos.

Para Itaipu funcionar, o Rio Paraná precisou ser


represado, alagando uma área três vezes maior que a
Baía de Guanabara, consumiu material suficiente para
construir um prédio de mil andares ou a infraestrutura
para uma cidade de 5 milhões de habitantes. O
alagamento do então caudaloso Rio Paraná subiu
aproximadamente 170 quilômetros à montante, se
afastando do seu leito secular e: atingiu a fonte de
6

renda de mais de 42 mil pessoas, inutilizou 111 mil


hectares de um dos solos mais férteis do país, matou
milhares de animais e silenciou a maior queda de água
do mundo: as Sete Quedas de Guaíra.

O festival Quarup Sete Quedas surge nesse contexto:


milhares de pessoas se deslocam do Brasil inteiro
para uma despedida coletiva, em protesto silencioso
pelo crime que estava prestes a ser impetrado. Elas
acamparam no extinto Parque Nacional das Sete
Quedas e por três dias inteiros puderam apreciar
a paisagem, ver e ouvir os espetáculos artísticos,
comungar com a natureza e, infelizmente, se despedir
das quedas.

O grupo, encabeçado pelo movimento Adeus, Sete


Quedas não estava ali pensando em impedir o
alagamento, ninguém tinha a ilusão de que havia uma
solução. Por outro lado, o festival se configura como
um marco ambientalista, pensando em um futuro mais
digno para um país que precisa, desesperadamente,
cuidar de sua Mãe Terra.
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Olá. Você está ouvindo o podcast Desbravando: Quarup


Sete Quedas. Estamos contando a história do acampamento
feito no Parque Nacional das Setes Quedas, em Guaíra no
Paraná, em 1982, em protesto contra o alagamento da
então maior queda em volume de água no mundo. O
podcast tem uma estrutura divida em 3 capítulos, nos
quais serão abordados: a história megalomaníaca
de Itaipu, os aspectos políticos que levaram à sua
construção, a consequente criação do lago de Itaipu,
que expulsa colonos e indígenas de suas terras, inunda
111.332 hectares de uma das terras mais férteis do
país, alaga um dos principais pontos turísticos do Brasil:
as Sete Quedas de Guaíra, hoje a maior queda d’água
submersa do mundo. Vamos tentar entender o que
foi esse festival de artes, chamado Quarup, que levou
milhares de pessoas para o extinto Parque Nacional
de Sete Quedas e como, com a chegada das águas
represadas do rio Paraná, as quedas foram silenciadas
para sempre.

Esse é o capítulo 1. Eu sou o Diego Zerwes, roteirista e


apresentador.

Esse podcast é um PROJETO REALIZADO COM


RECURSOS DO PROGRAMA DE APOIO E INCENTIVO À
CULTURA – FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, DA
PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA E DO MINISTÉRIO
DO TURISMO.
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Em 5 de novembro de 1982, fruto de sete anos de


construção, sob a devastação de 111MIL 332 hectares
de terra fértil e sob o desalojamento de mais de 42
mil pessoas, as comportas das barragens da Usina de
Itaipú foram abertas. Foram necessários apenas 14
dias para que as águas cobrissem por completo, 170
km rio acima, as Sete Quedas do Rio Paraná, em Guaíra.

Estamos hoje aqui com o historiador e professor José


Galdino e o geógrafo Francisco Rehme, o Chicho. Os
dois estiveram no Quarup Sete Quedas.

Antes de a gente falar sobre a Itaipu, gostaria quem


você se apresentassem. Quem são vocês?

GALDINO: quem começa? Pode ser eu mesmo?

CHICHO: por favor. Claro, pode ser sim.

GALDINO: eu sou o professor José Roberto de


Vasconcellos Galdino, formado em história na federal,
com mestrado na UFSC, sou professor e coordenador
do curso de bacharelado em História na UEPG.
milito desde os anos 80 no movimento estudantil, no
movimento ambientalista, e participei da movimentação
de Sete Quedas viverá, do Quarup, do Acampamento.
Eu tenho mais trabalhado com a questão indígena e
com a questão quilombola no Paraná Como objetos de
pesquisa. A gente esteve lá em Sete Quedas e pode
falar um pouco sobre essa questão. Eu acho que é isso,
basicamente.
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CHICHO: eu sou o Francisco Carlos Rehme, mas sou


mais conhecido como Chicho. Eu leciono Geografia,
atualmente no ensino médio, já são 37 anos. Em
1982 estava estudando na Universidade Federal do
Paraná, no curso de Geografia, onde me formei alguns
anos depois. Tive o prazer e o sofrimento, que é uma
mistura de sentimentos impressionante, de participar
do acampamento ecológico, do movimento artístico,
cultural e espiritual chamado Quarup Sete Quedas.
Desde então, a partir de lá, depois tive a especialização
e mestrado na área de Geografia Ambiental, pela
Federal do Paraná e sigo nesse campo da educação,
basicamente.

APRESENTADOR: maravilha. Vamos começar aqui.


Antes de a gente tentar entender qual foi o caminho
percorrido para a construção da Usina de Itaipu, acho
que podemos começar essa conversa falando um
pouco sobre a megalomania de Itaipu. O autor Juvêncio
Mazzarolo, em seu livro A Taipa da injustiça, afirma que
tudo relacionado à Itaipu era grandioso.

E vamos ouvir um trecho do livro de Mazzarollo.

A barragem foi erguida a 20 quilômetros da foz do


Rio Iguaçu, 190 quilômetros abaixo de Sete Quedas.
Sua altura máxima, no ponto sobre o leito natural do
rio, é de 196 metros, equivalente a um prédio de 69
andares, e seu comprimento é de 7.760 metros. O
dique apresenta dois segumentos: o eixo central, que
consumiu 12 milhões de metros cúbicos de concreto,
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o que daria para construir mais de 200 estádios do


porte do Maracanã, ou um prédio de 1000 andares, ou
moradios para 4 milhões de pessoas, ou 6 pirâmides
como a de Quéops; e a barragem de entroncamento,
que mistura 12,5 milhões de metros cúbicos de rocha
5,1 milhões de metros cúbicos de terra.

Bem, Itaipu é algo realmente absurdo. Queria fazer


uma pergunta bem objetiva: precisava de tudo isso?

CHICHO: bom, havia um espírito dessa megalomania


de Itaipu, mas essa megalomania era característica,
digamos assim, do próprio modelo do regime de
governo, que já se prorrogava por mais de uma
década. Naquela altura, quando começam as obras de
Itaipu, são identificadas na rodovia Transamazônica, na
ponte Rio-Niterói, em uma série de outras hidrelétricas
e complexos hidrelétricos que foram construídos,
mais ou menos nesse tempo e na opção pelo modelo
rodoviário. A gente poderia fazer uma listagem
aí de situações, mas essa ideia da grandiosidade
marqueteira da época. Da infância, lembra muito dos
álbuns de figurinha e aquela onda toda de colocar
sempre o Presidente General, Presidente com as suas
estrelas nos ombros. Na primeira página circundado de
bandeiras, de diversos símbolos nacionais e ministros
e tudo mais e aquilo tudo era absolutamente uma
formação ideológica na mentalidade da juventude. A
Itaipu vem nesse caldo, eu suponho. E nesse embalo
agora, mas pensando do ponto de vista da geração de
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energia, existem uma série de estudos e para Itaipu


também havia, de que você pode ou poderia ter feito
uma série num sistema com mais de uma hidrelétrica,
associadas, e cujo impacto sobre, por exemplo, as Sete
Quedas, que é o nosso tema central, mas poderiam ter
outras implicações em relação às terras alagadas. Tudo
seria menor. Agora não teria aquela que, por alguns
anos, não muitos, foi a maior hidrelétrica em potencial
gerado. É bom lembrar que ela logo vai ser superada
então pela Hidrelétrica das 3 gargantas no rio Yantze,
na China. E do ponto de vista ambiental, é indiscutível,
incalculável, é algo incompreensível, é irreparável a
perda das Sete Quedas.

GALDINO: beleza, posso meter a colher? Eu acho que


é isso mesmo. Você tem uma ditadura civil militar, que
foi implantada nos anos 60, e que precisava construir
um discurso do Brasil, do milagre brasileiro. O Brasil
era o país que crescia muito em termos econômicos,
o PIB,outras coisas claro que a dívida externa também,
que iriam estourar lá na frente. Então você tem o Brasil
que vai para frente, todo um projeto da ditadura de
criar uma ideia, não só interna como externa, claro que
interna era importante, mas externa também, para
o mundo, para você suavisar o regime ditatorial com
essa ideia do Brasil que está se construindo. O Brasil
do progresso. Brasil que constrói transamazônica
Perimetral norte, ponte Rio-Niterói, que você já citou.
E principalmente Itaipu. Angra 2. As usinas nucleares,
Brasil também queria ter o potencial nuclear, inclusive
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fez pesquisa de bomba atômica e começou a trabalhar


com urânio na usina de Angra. Então, tudo isso está
em um modelo, no mesmo no mesmo envelope que
traz toda essa coisa que você começou a colocar da
megalomania, porque era importante dizer: o Brasil
constrói a maior ponte, a maior hidrelétrica, maior isso,
maior aquilo, para você criar uma unidade internamente.
Também existe essa ideia de ideologia, de criar uma
identidade nacional, baseada no civismo. Colocar todo
mundo pensando: Ame-o ou deixe-o, que é copiado
da ideologia fascista do Mussolini, da Itália. Ame-o ou
deixe-o foi transporto para o Brasil para criar uma
identidade que ninguém pode questionar. Brasil, ame-
ou o deixe-o estava lá nos carros. Em tudo quanto que
é carro com aquela bandeirinha, meio que seguindo
um pouquinho da tal da pátria armada que nós temos
hoje. Então essa essa ideia de construir Itaipu, ela vai
superar todas as outras possibilidades, como o Chicho
já falou aí, de construir várias usinas. E nós tivemos
infelizmente a reprodução disso, mais recentemente,
com Belo Monte também. Então é um modelo que
acaba, a pressão pelas Fontes de energia é muito maior
do que a as necessidades ambientais dos animais, dos
seres humanos, dos povos tradicionais, que habitam
esses territórios. No caso aqui todos os indígenas,
agricultores, no caso lá de Belo Monte, a mesma coisa.
Você passa por cima. Isso em todos os projetos que a
gente tem no Brasil de lá para cá, eu acho que a essa
coisa permaneceu infelizmente. Com a mineração nas
14

Minas Gerais, pelo Brasil afora, você tem essa mesma


coisa aí de sempre. E quem sofre é o rio, os peixes, os
animais, a floresta e as populações tradicionais. Hoje
a gente pode falar nisso, na época não podia porque
tinha censura. Em pleno regime o Juvêncio Mazzarollo
foi questionado e virou preso político por causa disso,
questionando exatamente de um ponto de vista
contrário a esse. Que foi enviado goela abaixo das
pessoas. Esse projeto aí do Brasil grande potência, do
Brasil grande, da ideia de megalomania, de integração.
Por isso que a Amazônia entra. Nós estamos sofrendo as
consequências do desmatamento até hoje, das frentes
de expansão, estão destruindo Rondônia, Mato Grosso,
Tocantins, Maranhão, Bahia, nessa mesma insanidade
de um agronegócio, da monocultura, do veneno e da
destruição da floresta, com a pecuária, com agrotóxico,
acho que é uma coisa meio em comum que a gente
tem naquela época. Mas Itaipu acho que era a coroa
de tudo isso, porque acho que representa a maior obra,
que foi construída nesse momento no mundo. Mesmo
você citando as 3 Gargantas, até hoje eu acho que ela
não gerou a energia que Itaipu chegou a gerar em algum
momento. Ela foi sendo elevada e não sei se até hoje
ela já superou Itaipu na produção de energia. Mas lá é a
mesma desgraça também, na China.

APRESENTADOR: se eu não me engano, esse valor foi


ultrapassado em 2014. A usina da China ultrapassou,
mas a Itaipu ultrapassou de novo. Então a chinesa ela
tem mais potencial mas não é utilizado ainda.
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CHICHO: e na Venezuela também tem uma muito


grande. A Hidrelétrica De guri, que é outra gigantesca.
Enfim, todas essas obras aí mencionadas e essa política
de grandes empreitadas ela é sempre em cima da
questão da economia. A economia, acima de tudo,
como a gente vê isso aplicado, inclusive, de maneira
errônea, até na questão da saúde, hoje no momento
da pandemia. Mas a ideia da economia: como se esse
produto interno bruto, que cresce, vai tornar o Brasil,
por um tempo, por um tempo, entre as 8 ou 9 primeiras
no mundo, no PIB mundial. Como se isso fosse
distribuído de forma mais ou menos igualitária, quando
na verdade, o que vê é uma discrepância vez maior.
Uma distância cada vez maior entre uma minoria, muito
minoria, que concentra a riqueza, e a maioria. Quer
dizer, o prejuízo das terras, da questão dos animais,
que José Galdino mencionou, da questão ecológica e
tudo mais, o prejuízo é coletivo. E o enriquecimento
parece bastante privatizado, vamos dizer que é para
um grupo minoritário. Isso não só cabe à Itaipu, mas
a uma série de outros mencionados pelo professor
Galdino, e inclusive na atualidade, inclusive nos tempos
atuais.

GALDINO: isso chega a ser isso chega a ser constante


na história brasileira. Você tem um projeto de
enriquecimento cada vez maior, de uma minoria
usando mão-de- obra escrava, depredando, é
destrutivo sempre. É concentrador da propriedade,
concentrador da riqueza, da exploração, ao máximo
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da população, originária, indígena, e depois africana,


que foi trazida para cá e produziu a riqueza e nunca
teve acesso a essa riqueza, não teve acesso nem a
cidadania. E você tem uma elite que sempre está se
apropriando dessa riqueza, o caso da construção de
Itaipu: ela vai servir para as grandes empresas, São
Paulo, principalmente, que é polo do dito progresso,
que nunca é questionado. Esse progresso que você
está enfatizando, que é sempre de uma minoria, quem
ganhou com café, quem ganhou com a produção do
café no norte do Paraná, e destruição de toda a floresta
Atlântica? Quem ganhou com a produção da mineração
nas Minas Gerais? Quem ganhou com a produção
de açúcar no nordeste? Sempre foi, desde o Brasil
colonial até hoje, uma concentração da propriedade,
da riqueza, da terra, de tudo, na mão dessas mesmas
elites que nunca querem largar a peneira.

APRESENTADOR: maravilha. Eu vou propor agora para a


gente seguir um... sei que a história não se conta assim,
mas fiz uma espécie de cronologia para a gente entender
como foi esse passo a passo para a construção de Itaipu.
Vou fazer uma leitura aqui. Ela é basicamente baseada
no livro do Juvêncio Mazzarollo, esse jornalista que,
inclusive, foi o último preso político, ele é considerado
o último preso político do Brasil. Os primeiros estudos
para a construção de uma hidrelétrica, utilizando os
recursos do Rio Paraná, acontece entre 1956 e 1960.
E o primeiro esboço acontece efetivamente 1961 com
Jânio Quadros. Haveria um desvio do Rio Paraná antes
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de chegar no Paraguai por meio de um canal de 30


km, começando antes das Sete Quedas e terminando
depois. E o Paraguai obviamente não gostou, porque o
Brasil ignorava um acordo travado logo após a Guerra
do Paraguai que afirmava que o Rio Paraná pertenceria
aos dois países. Então o Brasil não poderia utilizar
esse rio de forma unilateral. Já em 1962, João Goulart
chama o presidente ditador Alfredo Stroessner para
uma reunião. E eles fizeram esse acordo de que uso
do Rio seria feito mediante o consentimento mútuo
dos dois países. Mais para frente, já na década de 70, a
Argentina vai entrar na história também, assinando um
documento. Esse próximo tópico trata de uma questão
até engraçada. Porque o João Goulart tinha uma ideia
de usar tecnologia e financiamento soviético para a
construção dessa hidrelétrica. As grandes vantagens
seriam a taxa de juros de 4% ao ano e o compromisso
da União Soviética fazer grandes importações de
produtos brasileiros como forma de pagamento.É
muito fácil imaginar que a ideia desagradou e muito
ditador Alfredo Stroessner, que acabou refutando esse
desejo. Já nessa época havia uma ideia de desmonte
da Eletrobras. Os irmãos Otávio Marcondes Ferraz, que
era membro do conselho de administração da Light,
e Mariano Marcondes Ferraz, que era representante
da general Electric no Brasil, gostariam muito que a
Eletrobras fosse gerida pela iniciativa privada, pois, de
acordo com eles, essa iniciativa privada saberia utilizar
melhor a exploração energética. E o João Goulart,
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que era nacionalista como Vargas, não gostaria de


ver essas empresas estrangeiras participando da
economia brasileira.

Esse é um recorte, uma espécie de linha do tempo,


até 1964 antes de ser instaurada a Ditadura Militar no
Brasil. E eu queria que vocês comentassem a partir
dessas informações básicas.

CHICHO: no caso do da reclamação do Paraguai,


digamos assim, a gente tem situações no mundo,
inclusive nos dias de hoje, em relação a esses riscos
chamados de rios transfronteiriços quando eles não
pertencem a um país, mas dividem dois ou mais países.
Por atravessar em território de vários países, ou por
estarem justamente demarcando fronteira, como
é caso nesse trecho de Guaíra à Foz do Iguaçu, na
fronteira Brasil Paraguai. No caso do Nilo, por exemplo,
que antes de chegar no Egito vai cruzar o Sudão e
outras outras países da África do norte. Ou mesmo
o Jordão, do território de Israel, mas as nascentes
estariam parte no Líbano parte na Síria, que vai fazer
com que Israel, no final do século 20, na metade final
do século 20 vá forçar a barra e ocupar os territórios
que outrora pertenceria, em tese, seria destinado aos
palestinos. Você vai ver que é um verdadeiro conflito,
seja diplomático, às vezes até mais além do que isso, até
as vias de fato, guerra que envolve a questão da água.
Água que não é justamente só para abastecimento
das cidades e das populações rurais, mas há toda essa
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questão relacionada à geração de energia, por exemplo,


irrigação e tudo mais, conforme cada área, cada
região. Qual é a sua necessidade maior? E o Paraguai
nesse caso faz esse reclame. E o interessante que a
Argentina vai se preocupar depois também porque, eu
me recordo até, não lembro quem era o autor, mas eu
me lembro quando estudante ainda, na universidade,
e, portanto, era no meio daquela década de 1980, que
alguém publica, se eu não estou enganado, um livro
com o nome de A bomba Itaipu, alguma coisa assim,
que defende uma tese que a Itaipu, além de uma
geradora de energia de hidroeletricidade teria sempre
a possibilidade, se fosse o caso, de ser utilizado como
uma bomba, de uma forma bélica, no sentido de fazer
com que a vazão da água rio abaixo,à jusante, e isso,
invadiria, ocuparia toda a área industrial da Argentina
e uma das áreas mais densamente povoadas: Santa
Fé, Rosário, a grande Buenos Aires, porque fica
exatamente rio abaixo agora. Eu não sei se isso foi uma
discussão, mas isso tudo deveria estar rondando, sem
dúvida, a mentalidade dos gestores da época. né toda
essa questão política.

GALDINO: o Paraguai eu acho que era um país que,


desde a guerra do Paraguai foi destruído. Era um país
que não tinha muita força política, então o Brasil achava
que podia fazer qualquer coisa com o Paraguai. Mas
como a gente tem aí a reclamação lá do Stroessner, que
já estava anos no poder, eles acabam tendo que aceitar
o tratado que já existia que divide o rio nas duas partes
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dos dois países. E a gente está em plena guerra fria


também, então tem que lembrar disso quando você
falou da questão da União Soviética construir uma
possível usina hidrelétrica.Isso jamais seria admitido,
apesar de não ter o regime militar, em 1962, a gente
teve a primeira tentativa de golpe e os militares eram
todos pró Estados Unidos, desde a Segunda Guerra
Mundial, quando a gente tem essa história da ideologia
de segurança nacional do Brasil ter um pacto militar
com os Estados Unidos e tal. Então isso não poderia
ser deixado de lado, eles não conseguiriam fazer esse
tipo de implantação a partir de um... mesmo se fosse da
China. Talvez hoje até fosse mais aceito mas também
era difícil. A China tem capacidade hoje de construção
de usina hidrelétrica também no mesmo nível do
Brasil daquela época e da União Soviética. A questão
da guerra fria acho que é um componente importante
nesse contexto. A questão da Argentina, você bem
lembrou, eu também lembro disso. A preocupação
deles é se o Brasil quisesse, no caso de uma guerra,
abrir as comportas e alagar metade daqueles estados
do norte da Argentina e mais um pedaço. Porque é
todo o chaco que continua ali, é uma região baixa que
seria alagada até a foz do Rio da Prata, até Buenos
Aires etc. Então tinha essa preocupação. Por isso a
Argentina acaba entrando também como parceira na
negociação, porque tinha essa preocupação, nessa
época, ainda de uma certa rivalidade um pouco maior
inclusive com a Argentina.
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CHICHO: Exatamente. Bem lembrado.

APRESENTADOR: maravilha. Então vamos seguir: em


1965 há uma tensão entre Brasil e Paraguai porque
o Brasil invadiu uma área que não era claramente
demarcada, o que gerou uma série de protestos do
povo paraguaio. Pelo que consta no livro de Juvêncio
Mazzarollo, o povo paraguaio chegou a ir para as ruas
nessa oportunidade. E quem precisou intervir para para
resolver, para acalmar os ânimos, foi o Departamento
de Estados dos Estados Unidos né. E os chanceleres
dos dois países, Brasil e Paraguai, se encontram em Foz
Iguaçu. Eles decidiram que decidiriam mais tarde essa
questão dos limites, bem como a exploração das águas.
E esse fato curioso que eu realmente não imaginava
quem era. Em 1966, esse cara, que é chefe da Divisão
de Fronteiras do Ministério de Relações Exteriores
do Brasil, ninguém, nada mais, nada menos, que
Guimarães Rosa. É ele quem tece o primeiro acordo,
essa aproximação bem delicada entre os dois países e
que sela a Ata de Itaipu, um documento mesmo. Ele que
morreu um ano depois, em 67, foi ele quem fez essa
essa costura. E é a partir dessa data, principalmente no
começo dos anos 70, que os projetos para utilização
das águas do Rio Paraná, como fonte de energia,
começam a ficar mais práticos e assim as coisas vão
ser decididas mesmo. Em 1967 é criada a Comissão
Técnica Brasileiro Paraguaia para justamente investigar
utilização dos recursos hídricos.
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Em 1970 foram levantadas 10 possibilidades


preliminares, das quais sobraram duas. A primeira
uma única barragem no local chamado de Itaipu, que
é a pedra que canta, em Tupi Guarani, e a segunda
opção seria com duas usinas: uma Itaipu e outra em
Santa Maria, 150 quilômetros rio acima. Em 1973, essa
data é bem importante, na qual o então presidente
também do Brasil, Emílio Garrastazu Médici e o
presidente do Paraguai, Alfredo Stroessner os dois
ditadores assinaram o Tratado de Itaipu. A partir daí,
os congressos dos dois países fazem a aprovação
de Itaipu. E é fundada a Itaipu Binacional. Em 1974,
finalmente, tem a instalação do primeiro canteiro de
obras. E o início efetivo das obras, apenas em 1975.
E é nesse ano que que Brasil, Argentina e Paraguai
assinam um documento acordando com o uso da bacia
que é comum os 3 países . então esse basicamente foi
o caminho até a construção de Itaipu e o consequente
alagamento e silenciamento das barulhentas quedas de
Guaíra. É a partir de1975 que começam as obras que
vão terminar finalmente em 1982 e acabar alagando
as Sete Quedas. Acho que a gente pode fazer alguns
comentários a partir dessas informações.

CHICHO: Você estava comentando das tensões que


existiram em certo momento, na década de 60 ainda,
aquilo que você mencionou,1965. Eu estou recordando
aqui também que ainda nos dias de hoje nós temos, de
vez em quando, envolvendo aquilo que chamamos de
brasiguaios. O fato é que boa parte das terras férteis
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paraguaias são propriedades de ruralistas brasileiros,


principalmente para a produção de soja, em geral. E
parte dos trabalhadores também são de procedência
brasileira. Enfim, essa questão toda ainda persiste,
é marcante nos dias de hoje. Quer dizer, há toda
uma situação que remonta àquela lembrança, que o
professor José Galdino comentou agora há pouco, que
é desde a Guerra do Paraguai. A submissão, de certa
forma, que o Paraguai acabou forçado pelo Brasil e os
outros dois cisplatinos, Argentina e Uruguai naquele
momento. E quem sabe agora quando a gente ouve,
recentemente, os paraguaios estão fazendo compra
em Foz do Iguaçu com uma valorização maior da
moeda em relação à nossa. E a nossa moeda um caos
total na economia. Quem sabe a gente agora possa
ser o Paraguai do Paraguai, como disse alguém, não
recordo agora quem disse isso.

GALDINO: só um pequeno comentário também em


relação a isso. A gente tem duas ditaduras, e quem
vem apaziguar é o dono do quintal da América Latina,
os Estados Unidos. O árbitro sempre é a grande
águia norte-americana. Então, vem e apazigua e na
verdade, claro, que o Stroessner era um ditador e tinha
pouquíssimo poder com relação à ditadura brasileira,
que, em termos populacionais e econômicos, em
termos de tamanho em termos de tudo, o Paraguai não
tinha nenhum tipo de poder nessas negociações. Tanto
que eles tiveram que fazer negociações posteriores
com relação ao preço. Até agora, atualmente, teve uma
24

discussão da questão do preço, do pagamento, da


energia. O Brasil compra a totalidade, porque que eles
não usam. Eu acho que 80, 90 % da energia gerada é
para vir para o Brasil, de Itaipu. E o que resta fica com
eles. O que é importante é desse início é você colocar
o início das obras em 1974, 1975, o canteiro de obras
e vai até o fechamento das comportas em 1982, mas
continua tendo obras até 1985, então acho que durou
uns 10 anos de construção. E nesse processo a gente
teve 32 mil operários. Oque significa isso para a cidade
de Foz do Iguaçu? Esse bolo de gente trabalhando
naquele lugar, pensando em habitação, em alimentação,
em arruamento, luz. O que acontece depois quando
acaba isso? É uma discussão importantíssima que
dá para fazer também. Depois que acaba, o que é
que se faz com essa situação? Algumas pessoas são
incorporadas, viram uma parcela a cidade de Foz de
Iguaçu. Há um aumento de criminalidade etc. E eu
acho que o outro tópico importante que advém disso,
que você está começando a falar aí, é com relação às
grandes empreiteiras que construíram, nesses 10 anos,
Itaipu. Aquilo que a gente fala da corrupção, em 2015,
2016, 2017, 2018, com Odebrecht etc. Naquela época
foi o início dessas grandes empresas, com o apoio da
ditadura militar, no início de construção dessas grandes
obras e que elas enriqueceram fabulosamente e foram
produzir inclusive na África. Foram para Angola, foram
para Moçambique, foram para vários países da África
construir hidrelétricas, rodovias etc. Coisa que a China
P O D C A ST 25

está fazendo hoje. E foram para outros países. Tem


gente que critica o governo porque financiou pelo
BNDS obras em outroS países. Em plena ditadura
militar, o Brasil foi o primeiro país que apoiou o governo
marxista de Angola, porque, pragmaticamente, queria
ganhar dinheiro lá. Essas empresas foram ganhar
dinheiro. Tem a Mendes Júnior, Camargo Corrêa,
Andrade Gutierrez e toda a corrupção que foi gerada
por isso. São as grandes empresas que tinha na época
que dividiram a construção entre si, de todas essas
obras que a gente já citou aqui anteriormente também.
E qual era o custo inicial projetado, qual foi o custo final.
Eu tenho aqui, posso citar depois, dados interessantes
e a gente pode falar um pouquinho mais sobre essa
questão da corrupção.

CHICHO: então quer dizer que tinha corrupção no


tempo dos governos militares? É que a gente às vezes
escuta alguns buchichos mais recentes, da mídia
oficial,como se não existisse naquele tempo. Enfim, na
disciplina militar não cabia isso.

GALDINO: tem um livrinho famoso de um brasilianista


chamado Kurt Mirow chamado “A ditadura dos cartéis”,
onde ele começa a contar sobre esses cartéis das
grandes empresas, que começam a produzir a dita cuja
da corrupção. Todas as obras tiveram um custo, uma
previsão de custo, e elas foram... Itaipu, por exemplo,
foi dez vezes mais cara do que o custo inicial. Fora que
ela triplica. Os dados do Estadão aqui, o custo triplica
26

com a rolagem da dívida porque foi feito empréstimo. O


Banco Mundial deitava e rolava no Brasil, emprestando
dinheiro para a prefeitura de Curitiba, para o governo
brasileiro, todos os governos. Para construir obras, que
eram financiadas, faziam um estudo e eram financiados
pelo Banco Mundial e depois eu ficava devendo para
sempre. Tanto que o Brasil se tornou o maior devedor,
o país que tinha a maior dívida externa do mundo
nessa época.

CHICHO: e a gente imaginava quando estudante,


jovem estudante, no ensino básico, por exemplo, que
era impossível pagar a dívida externa. Eu me lembro,
era a nossa mentalidade. Isso aí vira uma bola, uma
avalanche cada vez maior, cada vez mais cara.

GALDINO: a rolagem da dívida é a chamada bola. E o


Brasil não pagou, e como a Argentina em uma época
disse que não ia mais pagar e o Brasil também disse
que não ia mais pagar.

APRESENTADOR: maravilha. Vocês acham que a gente


pode já caminhar para as expropriações. Talvez seja o
momento, já que você mencionou sobre Itaipu, Galdino,
de trazer mais trazer mais algumas coisas sobre Itaipu.
Tem uma matéria que recentemente foi feita para o
Intercept, pelo repórter Mauri Konig, sobre as casas de
prostituição de Foz do Iguaçu.

GALDINO: sim. É um documentário de 6 minutos. Você


quer que fale sobre ele?
P O D C A ST 27

APRESENTADOR: eu acho que seria legal, já gente já


está falando de Foz do Iguaçu. Depois a gente trata das
expropriações.

GALDINO: certo. Como eu pontuei a corrupção eu só


falo aqui sobre isso e dou uns dados e já falo sobre o
documentário, que se chama Os filhos de Itapu. Que
foram lá porque era as mães eram prostitutas e os
operários eram os pais. Eles não tinham pai. Na, verdade
não foram registrados, foram filhos registrados sem pai.

Só para falar da questão da corrupção. O custo


planejado era 1,3 bilhão de dólares e o custo final foi
13 bilhões. Dez vezes mais.E os recursos captados e
a rolagem financeira da dívida externa, daquilo que
eu fale,i que é o empréstimo do Banco Mundial e do
banco Interamericano etc. A rolagem vai para 27 ou
30 bilhões de dólares. Isso está no jornal OEstado
de São Paul. Então aí eu já dá para ter uma ideia de
como você faz um discurso, mas na prática, quando
você vai pegar e fazer as contas lápis... E de 1976 para
frente,e que teve a crise do petróleo, o Brasil começou
a se endividar, começou a ter esses problemas e teve
inflação. E a ditadura vai cair exatamente por isso.
Que é a época da chamada redemocratização. Aquele
governo que exaltava tanto o Brasil grande, o Brasil
potência, aí você vê que o Brasil era um dos países mais
endividados do mundo e tinha toda essa corrupção,
que foi registrada neste livro, A ditadura dos cartéis,
inclusive tem um diplomata brasileiro, o José Jobim, que
28

fez essa negociação aí entre as autoridades paraguaias


e brasileiras. Ele se aposentou. E foi substituído por um
outro chanceler, chamado Ramiro Saraiva Guerreiro.
Na posse, Jobim falou que estava escrevendo suas
memórias para o Ramiro. Os dois diplomatas né, na
posse mesmo, todo mundo falando no microfone.
Ele falou que tinha um assunto explosivo, que era a
denúncia de superfaturamento na construção da Usina
de Itaipu. Na verdade, aconteceu mesmo. E ele tinha
essa documentação comprovando, na casa dele, em
uma mala. Pouco tempo depois, uma semana depois,
em março de 1979, ele aparece morto, na época do
governo Figueiredo. E o corpo foi encontrado com
sinais de uma corda de nylon, enforcado no pescoço,
lá no Rio de Janeiro, simulando como se tivesse sido
um suicídio. E a documentação que existia na casa dele
desapareceu simplesmente, sumiu do mapa. Então até
hoje ninguém sabe o que o cara ia denunciar, que tipo
de documentação que ele tinha. Por ele ter participado
das negociações, ele devia ter muito acesso a essa
documentação. Então a gente tem exemplos bem
concretos desse processo, de como que essas obras
eram feitas. Quantas pessoas a gente nem falou aqui,
quantas pessoas morreram na construção da ponte
Rio-Niterói, na construção da usina de Itaipu, porque
naquela época a segurança do trabalho era meio
levada assim em banho-maria.

Dando um pulinho ali para aquilo que você falou, a


construção de Itaipu controlava tudo na cidade. Aquilo
P O D C A ST 29

que eu falei, que vieram 32 mil operários. E o que


você faz com um monte de homem sozinho, no fim
da semana, no fim do mês, quando recebe o salário.
O que eles vão fazer? Vão beber e vão atrás de mulher.
Em Foz do Iguaçu foi criado um bairro chamado Três
Lagoas e lá tinha cerca de 10 mil mulheres em casas de
prostituição. E o estado controlava e lucrava com elas,
davam a liberação através da polícia. Elas tinham uma
carteirinha com foto, tinham médicos que faziam exame
de saúde nas mulheres. Elas ganhavam a carteirinha
para poder trabalhar, com foto e tudo, como se fossem
bailarinas. O que acontecia é que no fim do mês o
pessoal saía da obra ia gastar o dinheiro nessas casas.
E o que acabou acontecendo foi isso, o Mauri que você
citou, em 2018 ele fez um vídeo: os filhos de Itaipu. Que
são os filhos sem pai. Foram registrados nessa época,
a partir de 1975, 4.280 crianças, nascidas sem o nome
do pai. No vídeo, ele entrevista mulheres que foram
donas dessas casas de prostituição e as mulheres que
foram prostitutas. Algumas delas moram até hoje em
Foz do Iguaçu, foram entrevistadas e citaram esse
processo todo e também operários. Operários que
trabalhavam foram entrevistados e diziam: no fim de
semana a gente ganhava o dinheiro ia lá ou no fim do
mês ia lá na casa e gastava uma grana. E daí o fulano
lá teve filho com a mulher, depois sumiu. Às vezes, o
cara nem sabia que era o pai ou sabia e não ia assumir
o processo todo. Esse é um documentário curto, de
6 minutos. E veja que a polícia arrecadava grana e
30

comprava viatura armamento, fardamento, tudo com


o dinheiro que vinha disso. O sexo era um negócio
que também tinha uma espécie de gerenciamento,
intermediado pela construção da usina de Itaipu. Uma
coisa muito interessante.

APRESENTADOR: esse comentário cobre bem essa


questão. Achei ótimo.

CHICHO:muito interessante. Eu não conhecia essa


história. E me lembrava da obra , de uma ou duas obras
de Mario Vargas Llosa, que ele menciona também sobre
os trabalhos de mineiros, de mineradores lá no Peru
e madeireiros. E toda essa questão dessa instituição
oficial da prostituição como uma atividade econômica,
com esse vínculo oficial do governo. E não precisamos
pensar tão longe, lá na Amazônia peruana, também aqui
do lado em Foz do Iguaçu. E isso certamente se repete
hoje em dia. Agora outro detalhezinho, só aproveitando
a fala do professor Galdino. Esses anônimos operários
das construções das obras, e aqui vamos voltar para
Itaipu: quantos morreram e o cimento que é jogado
em cima. Acabou. A obra não podia parar etc. Aí a
gente lembra daquele poema, se eu não me engano
do Bertold Brecht, que é exatamente dos anônimos
construtores das grandes obras. Mas a gente aprende
na escola e acaba repetindo, os heróis, os faraós...

GALDINO: são os sem história e os sem nome

CHICHO: isso mesmo. Poxa vida, como isso é presente


nos dias de hoje.
P O D C A ST 31

GALDINO: os famosos barrageiros. Os caras construíam


uma usina, terminava aquela, e iam para outro lugar
construir outra, ou para abrir estrada ou construir
a ponte Rio-Niterói. Daqui a pouco o cara já era
contratado por uma empreiteira, porque tinha, além
dessas grandes empresas, tinham empreiteiras que
contratavam esses caras, era a mão de obra que vinha
do Brasil inteiro. E que vem morar em Foz do Iguaçu
e quando acaba a construção, uma parte fica, outra
parte vai atrás de um de uma nova construção, uma
grande construção. Só uma outra coisa que eu esqueci:
muitos daqueles filhos que foram registrados ali pelas
mães foram dados para criar por outras famílias.
Porque as mães eram prostitutas e não poderiam nem
ter condição de ficar com o filho. Então muitas delas
deram os filhos para outras famílias. Sabe-se lá se
essas crianças sabem dessa história.

APRESENTADOR: maravilha. Acho que vamos seguir


em frente, então. Eu vou fazer a leitura de mais um
texto aqui, sobre as expropriações. Acho que é um
ponto super importante, antes de a gente chegar até
Sete Quedas.

Então esse foi basicamente o caminho até a construção


de Itaipu e o consequente alagamento e silenciamento
das barulhentas Sete Quedas de Guaíra. Mas nesse
meio tempo, quem sofreu foram os colonos e indígenas,
sendo expulsos de suas terras e especificamente
no caso dos colonos a dificuldade de ter os valores
referentes às desapropriações pagas de maneira justa.
32

Eu vou trazer aqui alguns tópicos bem enfatizados no


livro de Guiomar Germani, chamado “Expropriados.
Terra e água: o conflito de Itaipu”. Eu quero salientar
que esse livro da Guiomar surge como uma dissertação
de mestrado da autora e dá a base aqui, pelo menos
para pesquisa, desse podcast. Então eu queria
agradecer também a Guiomar pelo material. Tem
fotografia dela no livro, no Trevo da vergonha, que a
gente vai falar daqui a pouco, queria agradecer ela
porque é um material super bom e vale muito a pena
a leitura. Vale lembrar que as decisões governamentais
para a construção de Itaipu funcionaram de maneira
unilateral. Todas essas decisões aconteceram a nível
de Governo Federal. Eram eles quem decidiam, não
tinha muito papo, não tinha conversa. Nós vamos ver
isso também nos outros episódios nos outros capítulos
deste podcast. E mesmo o Paraná não teve muita,
enquanto estado, para tentar argumentar, nem nada.
Tudo acontece dentro do Paraná: Foz do Iguaçu, Guaíra

Mas basicamente área comprometida com o


reservatório de Itaipu, com o Lago de Itaipu, é de
111 mil alqueires. A Guiomar considera essa área
como uma área de conflito, e abrangeu 8 cidades do
Paraná que são Guaíra, Terra Roxa, Marechal Cândido
Rondon, Santa Helena, Matelândia, Medianeira, São
Miguel do Iguaçu e Foz do Iguaçu. Eu queria citar que,
por exemplo, Guaíra perdeu 10% de seu território,
Marechal Cândido Rondon, 17%; Santa Helena, 31%,
é maior atingida nesse sentido; São Miguel do Iguaçu,
21%; e Foz do Iguaçu, 26%.
P O D C A ST 33

Então quando se decide isso, quando se decide que


Itaipu vai existir e vai ter a inundação, são feitos estudos.
E a Itaipu fala, isso em 75, que até 1978 todas as
expropriações seriam resolvidas, os posseiros seriam
pagos. Seriam pagos também aqueles que tinham a
documentação da Terra, mas de fato quem começou
a ser pago, em primeiro lugar, eram os grandes
proprietários. Esses ganharam o dinheiro rápido e
uma das questões essenciais é que esse pagamento
ele não foi feito assim: ah, vamos juntar esse grupo e
resolver. Não, resolvia um caso aqui, um caso ali. Ou
seja, burocratizava.

GALDINO: negociação individual.

APRESENTADOR: isso mesmo, porque é justamente


para pagar o mínimo possível. E em um primeiro
momento, o povo estava tranquilo porque, no fim das
contas, eles acreditavam no governo. O povo pensa:
o governo vai ser justo com a gente, o governo vai
pagar o que o que é justo. Mas aos poucos eles foram
começando a perceber que não era bem assim, e a
própria Itaipu começou a perceber que esses colonos
estavam inseguros. Então, antes de abrir aqui para a
gente comentar, eu vou colocar os principais problemas
enfrentados, que são elencados no livro da Guiomar.

Itaipu havia prometido que até 1978 todos estariam


indenizados, e teriam condições de ir se colocando
na nova área adquirida. Não aconteceu. O preço
era baixo e seus critérios eram desconhecidos, da
mesma maneira como usina foi concebida, e esse é
34

um comentário meu. A Itaipu não entregava nenhum


documento ou laudo de avaliação. Itaipu afirmava
oficialmente que isso acontecia, mas, de fato, não
acontecia. Os proprietários nunca sabiam ao certo
quanto Itaipu estava oferecendo pela sua terra, sua
casa, seu pomar e outras benfeitorias. E as indenizações
eram individuais e salteadas, cada colono decidia e
discutia individualmente com Itaipu se aceitava ou não
a proposta apresentada. Isto é, cada coluna enfrentava
individualmente a máquina montada pela Itaipu, o
que o colocava numa posição super desfavorável.
Então essas são as primeiras questões, que fazem
com que os colonos depois se reúnam, se juntem, e
façam assembleia, que façam manifestações na porta
de Itaipu, em Foz do Iguaçu, mas antes de chegar lá,
vamos deixar vocês falarem sobre esses aspectos.

GALDINO: é um monte de coisa.

CHICHO: vem aqui a ideia do seguinte: a comparação


de forças é muito desparelha: Itaipu Binacional contra
cada pequeno colono. Nessa hora, pequeno colono
porque os grandes você disse que já logo, inicialmente,
rapidamente foram indenizados. A comparação do
pequeno colono das terras vermelhas e férteis –
porque não era qualquer solo, aquele solo era de
excelente qualidade – e os indígenas então, os Imbirá
Guarani ali da reserva de Ocoí, foi bastante afetado.
Nossa, até hoje estão esperando então a indenização.
Que é isso? Poxa vida. Estou lembrando aqui que no
P O D C A ST 35

Rio Uruguai, faz pouco tempo, não lembro quando


exatamente, eu digo pouco tempo para uns 20 anos
aí. Na divisa Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a
hidrelétrica de Itá, se eu não estou enganado, ali na
região do município de Marcelino Ramos,o perto de
Piratuba, em Santa Catarina. Lá houve também toda
uma questão de alagamento, até com características
meio parecidas com Itaipu porque ali também é
um cânion. O rio Uruguai estava encaixado em um
cânion, e a água cobriu o primeiro, preencheu toda
aquela profundidade dos paredões da falha geológica
para depois extravasar. Aqui também o pessoal tem
reclamado que não houve a reposição dos valores
devidos e abandono dos que moravam na cidade. Os
que optaram por ficar, ficaram praticamente isolados
e sem assistência. Sem assistência de infra-estrutura,
à medida que muita gente sai, a infra-estrutura fica
depreciada e abandonada. Então a situação se repete
em escalas diferentes, evidentemente, comparando
uma com a outra. Mas o problema é muito similar.

GALDINO: e tem consequências até hoje, aquilo que foi


feito na época. Eu tenho bastante coisa para falar sobre
isso aí, eu não sei se eu vou falando, entremeando aí,
num bate-papo com vocês. Você citou lá os dados
dos municípios. É interessante colocar esses 111 mil
hectares são só do lado brasileiro. 111 mil hectares
significa 42.444 pessoas e 8.272 propriedades.
Então era, pelo menos, 8 mil e tantas negociações,
desapropriações. Vamos dizer que cada propriedade
36

dessa é uma negociação individual e que depois com


a articulação com a igreja, que eu acho que é um
elemento importante para ser colocado. Já existia o
CIMI e a igreja católica criou a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), em 1975, lá em Goiânia. E em 1976, ela
foi instalada no Paraná. Como esses colonos eram
descendentes de italianos e alemães, que foram ocupar
o sudoeste, eles eram muito religiosos, ligados à igreja
católica. A igreja vai lá e começa a dar apoio e articular
uma organização desses desapropriados, desses
colonos aí do Oeste do Paraná. Então a participação da
igreja católica na organização deles é muito importante
nesse processo, para a gente entender tudo o que
vem como consequência disso depois. Inclusive do
movimento sem-terra que vai surgir lá nesse contexto
aí do movimento dos atingidos por barragens. Então
você colocou lá que as desapropriações começam a
ser questionadas em 1978 e a primeira assembleia
tinha 1.500 pessoas a segunda já 2.000 pessoas lá em
Santa Helena. Antes de ter o acampamento do trevo.
Quer dizer, tudo isso vem no rodo da organização, que
passou a ser coletiva, e eles começaram a demandar
uma desapropriação de um valor de forma coletiva e
não mais individual e isso dava força para eles. E eles vão
partir para a organização desse acampamento, quando
eu acho que já em 1980, 60% já estava desapropriado, e
1300 famílias ainda não estavam desapropriadas. E são
essas que vão partir para o acampamento do Trevo da
Vergonha, que durou 54 dias. E aí teve um aumento de
P O D C A ST 37

40% do valor das indenizações, isso é importante: eles


conseguiram 80% das reivindicações que demandaram
para a Itaipu. Então foi um movimento que teve um
sucesso, é importante nesse nesse contexto que você
estava colocando.

A partir dali eles se organizaram e é o que dá início ao


movimento dos agricultores sem-terra do Oeste do
Paraná, que era chamada de MASTRO. E lá no sudoeste
do Paraná, dois anos depois, eles criaram ou MASTES,
que era um movimento dos agricultores sem-terra do
sudoeste do Paraná. Mas esse é um outro processo,
posterior. Na esteira disso vem a fundação do MST, lá
em Cascavel. Em 1984 tem origem o MST no primeiro
encontro nacional, em Cascavel. Aí é criado o MST,
com o nome Movimento dos Trabalhadores sem Terra.
E em 1985 eles fazem o primeiro congresso aqui em
Curitiba, inclusive eu participei lá no antigo Cine Vitória,
hoje o Centro de Eventos. Foi o primeiro Congresso do
MST. Tudo isso veio nessa fieira aqui da organização
que a igreja começou a fomentar, teve um apoio, acho
que é importante nesse processo da Comissão Pastoral
da Terra. Ela fazia parte da CNBB, fazia parte de vários
órgãos da CNBB e ela teve um apoio super importante.
Não sei se você quer comentar alguma coisa, Chicho,
depois eu quero falar dos índios também, aí eu tenho
bastante para falar.

CHICHO: estou aqui aprendendo e anotando tudo.


É maravilhoso. E que saudades do tempo da igreja
atuando dessa maneira.
38

GALDINO: a época das sebes, da igreja comprometida


com as comunidades.

APRESENTADOR: Inclusive a igreja luterana também


esteve presente. Inclusive, no livro do Juvêncio
Mazzarollo, quem faz a abertura do livro é um pastor
que teve muito presente nessa região.

GALDINO: Gernote Kirinus. Depois foi Deputado


Estadual do Paraná, conheci ele pessoalmente.

APRESENTADOR: e também o pastor Werner Fuchs.


Werner Fuchs escreve o prefácio do livro de Juvêncio.
São os dois.

GALDINO: eles eram de uma igreja de esquerda,


progressista na época.

APRESENTADOR: sim. E eles fomentaram também essa


reivindicação. Eles tinham um determinado acesso
com a Itaipu. E a Itaipu, diga-se de passagem, nunca ia
conversar. Mandava advogados, contanto que o Costa
e Cavalcanti, general que era presidente da Itaipu e
nunca atendeu a população. E quando iam informar o
que tinham decidido, eles mandavam um documento
impresso na mão dos colonos. Não tinha um porta-voz,
era o comportamento típico.

GALDINO: o Kirinus foi um dos organizadores também.


Participou da da CPT. Ele era um dos caras que fazia
reunião com os agricultores, visando organizar eles. Eu
não lembro se ele era de Toledo, ou de Rondon. Acho
que de Rondon.
P O D C A ST 39

APRESENTADOR: inclusive nesse Trevo da Vergonha, os


colonos estavam indo até Itaipu. Estavam indo até a sede da
Itaipu, em uma carreata e foram impedidos pela polícia. É
engraçado, a Guiomar conta no livro que eles construíram
barracas para eles e a polícia e os seguranças da Itaipu
estavam debaixo do sol, torrando. E o que eles fizeram?
Construíram barraca para a polícia, esses manifestantes.
Aí a Itaipu contratou uma barraca mais profissional para
polícia e seguranças. Porque o clima não era de violência.
Eles estavam apenas se manifestando. Nunca teve um
incidente. E eles conseguiram essas reivindicações, 54
dias depois. Se for tudo bem, se a gente puder passar
para a remoção da tribo Guarani. Tem um trecho do livro
do Juvêncio Mazzarollo que eu gostaria de ler. Acho que a
partir daí vocês podem fazer os comentários.

Eu gostaria de trazer um trecho do livro “A taipa da


injustiça: esbanjamento econômico, drama social, e
Holocausto tecnológico de Itaipu. O autor é Juvêncio
Mazzarollo.

Entre as características dos povos indígenas está


a de serem avessos e mesmo terem aversão ao
progresso nos moldes da civilização dos que eles
chamam genericamente de “brancos”. Mas essa
resistência não os torna imunes aos efeitos do tal
progresso, desenvolvimento econômico, devastação
do meio ambiente – essas coisas dos “brancos”. Ao
contrário, indefesos, os índios tornam-se facilmente e
frequentemente vítmas do progresso que não buscam,
mas que também não são capazes de impedir.
40

Na margem esquerda do Rio Paraná, no interior de


Foz do Iguaçu, encontravam-se um grupo de índios
guaranis que teriam suas terras alagadas pela represa
de Itaipu. Eram cerca de 25 famílias do grupo Avá-
Guarani, também conhecido como Xiripá, que habitava
a área entre os rios Ocoí e Jacutinga. A tribo vinha
sendo pisoteada, encurralada e espoliada há décadas
pelo avanço dos colonizadores brancos, até que, com
o advento da Itaipu, tiveram de abandonar tudo e ir
para outro lugar. Era o último reduto remanescente da
região do povo guarani, que, séculos atrás, construíra
uma história de grandeza, heroísmo e tragédia. Através
dos tempos, múltiplas vicissitudes impuseram aos
guaranis a migração, a dispersão, o extermínio.

CHICHO: bem interessante porque você colocou a bola


na marca do pênalti pro cara chutar e fazer o gol das
reduções jesuíticas. Que é um polêmico. Olhando com
os olhos de hoje, inclusive, mas é polêmico porque
na questão de você tirar o indígena possibilidade de
escravização por parte dos Bandeirantes paulistas, ou
dos encomenderos espanhóis, de um lado, mas ao
mesmo tempo toda essa questão da catequização,
da maneira com a qual ocorria, sobretudo naqueles
tempos. Você fica pensando : qual foi a vantagem do
Guarani nisso? Enfim, é complicado toda essa análise
nos tempos de hoje mas temos que fazer, sem dúvida.

Eu estava pensando o seguinte: nesse jogo de forças


aí que menciona as tratativas dos colonos e apoio
P O D C A ST 41

das igrejas, eu lembro que era contemporâneo


aproximadamente a isso, havia o caso da reserva de
Mangueirinha onde o cacique Ângelo Kretã brigava
judicialmente aqui em Curitiba, e uma hora ou outra
ele sempre vinha pra cá.

GALDINO: anos 70.

CHICHO: início dos anos 70...

GALDINO: no final dos anos 70...

CHICHO: mas o fato vai culminar então no final dos 70.

GALDINO: em 1979 ele morre.

CHICHO: assassinado.

GALDINO: em um desastre que é chamado de


assassinato.

CHICHO: era essa a questão: a terra da reserva com


uma faixa ilegal de uma gleba do grupo Slaviero, onde
havia grande concentração dos pinheirais, a maior
concentração de pinheirais do mundo, ainda hoje.

GALDINO: 8 mil hectares.

CHICHO: ele acabar, nessa luta, ele acabou sendo


assassinado em um acidente forjado. Na estrada, vindo
para Curitiba, se não estou enganado. Enfim, então
é mais um fato semelhante. Não tem relação direta
com a Itaipu, mas tem a ver com essa questão do
dito progresso dos brancos, na linguagem indígena.
42

Faz pouco tempo eu os dois livros do Krenak, o mais


recente “Ideias para adiar o fim do mundo”. E ouvi no
Roda-Viva esta semana, na segunda-feira, a fala dele.
Exatamente essa ideia: a compreensão de progresso é
outra, completamente outra. E lembrando que o povo
dos Krenak, do Ailton Karnak que é o grande líder local,
também sofreu recentemente, direto com o problema
de Mariana. Daquela represa, daquela barragem de
resíduos de minério de ferro que se rompe e inunda
aquela área, inclusive na bacia do rio Doce, onde está
a aldeia do Krenak. É uma situação inglória, vamos
dizer assim. Os Guaranis tem uma história aqui no
Paraná, uma história marcante. Não só no Paraná, mas
Paraguai e depois em outros estados do sul do Brasil
e parte da Argentina, Uruguai. É basicamente a língua
falada, sobretudo aqui nessa região.

GALDINO: essa parte que eu entendo um pouquinho,


é interessante falar, porque eu fiz um artigo, eu vou
mandar para você, para o Diego, sobre os usurpação
dos territórios indígenas do Paraná no período
colonial até o início do século. Ele traça assim, muito
sucintamente, todo esse processo. Eu conheci o Angelo
Kretã, e também participei da manifestação quando ele
foi assassinado, na igreja do Guadalupe, atrás da antiga
rodoviária.

CHICHO: isso. Eu estava lá também.

GALDINO: eu era do DCE e fiz o discurso. Eu tenho aqui


até hoje. E esse aqui é o cartaz da manifestação, do ato
P O D C A ST 43

público, pro Mangueirinha Indígena, pela devolução da


Terra dos índios. Escrita com um vermelho um sangue
caindo. E aqui está o mapa lá da terra que você falou,
dos 8 mil hectares na área do meio, a área Guarani a
área Kaingang. Mas isso aqui merecia outro podcast,
não é?

CHICHO: isso é fantástico. Faz 45 anos que eu não vejo


isso. Do símbolo aí escrito aí com fundo de sangue, de
vermelho.

GALDINO: e o filho dele mora aqui numa aldeia, perto


Curitiba, o Romancil Kretã, é uma liderança uma
liderança da organização dos índios do sul do Brasil.
Ele foi cacique Mangueirinha também, mas teve que
sair de lá por brigas internas.

Mas voltando à questão que nos interessa mais de


perto, os índios estavam aí a 3 mil, 4 mil anos atrás. E os
Guarani os mais na região do Rio Paraguai e na região
do litoral, e os Imbirá são mais do litoral, aquela região
do Rio Paraná são os Inhandeva, ou aquilo que o que o
Diego falou, o Avá-Guarani Xiripá, que é a denominação
que eles usam para eles mesmos. E todo o território
da Argentina, uma parte da Bolívia, do Paraguai e uma
parte do Brasil fazia parte da grande nação dos Guarani.
Eles transitavam pelo caminho do Peabiru, em busca da
Terra Sem males e essa história toda de migrações, em
busca de um lugar onde eles não tenham sofrimentos.
Aí chegam os espanhóis e os portugueses e aí vem a
criação de Assunción. No Paraná eles estão no litoral e
44

vão demorar muito mais tempo para chegar lá naquela


região. Tem os encomenderos que exploram a mão
de obra indígena, e os jesuítas que vão criar as três
reduções jesuítas, nos rios Paraná e Paranapanema,
Tibagi, Ivaí, Piquiri, Iguaçu. Isso dura pouco tempo.
Dura de 1611 até 1630, quando eles são destruídos
pelos Bandeirantes que vem de São Paulo apresar os
índios, que já tinham sido reduzidos, tirados do seu
território tradicional, levados para os aldeamentos,
chamado missão jesuítica ou redução jesuítica. Eles
são reduzidos e são usados como mão de obra pelos
padres. Então vão criar gado, vão explorar erva-mate
e os jesuítas vão ganhar dinheiro com isso. Então tem
um processo aí, há uma espécie de proteção deles,
posterior, dos jesuítas, mas nessa época os jesuítas
estão explorando essa mão de obra indígena.

Depois eles fogem para a Argentina, para o Paraguai,


para os Sete Povos das Missões e lá eles vão ser
destruídos pela guerra, tanto da aliança entre
portugueses e espanhóis, lá no Rio Grande do Sul,
chamado a história de Sepé Tiaraju e os Sete Povos das
Missões. Mas antes disso tem a história deles fugindo,
os que não são apresados, são dezenas de milhares,
4 mil fogem pelo rio Paranapanema, vai até Sete
Quedas e adentra o território paraguaio. Vai fugir dessa
pressão dos Bandeirantes e esse território é meio que
abandonado por um certo tempo.

Até o dia em que o progresso branco começa a entrar de


novo e se preocupar com esse território. Primeiro com
P O D C A ST 45

os produtores de erva-mate argentinos e paraguaios,


que exploraram toda a região Oeste, que era cheia
de aldeamentos indígenas, até pelo menos o início do
século 20 tinham várias aldeias desses Guarani que
transitavam Paraguai-Brasil. Para eles, não tinha essa
fronteira. Essa fronteira foi criada posteriormente pelos
nossos governos. E eles transitavam nesse processo.
No século 20, vai conjuminar com a criação de Foz do
Iguaçu e depois de Guaíra, que é praticamente em cima
de onde foi a antiga Ciudad Real del Guairá, de de 1530
e alguma coisa. Aí todas essas populações vão começar
a ser exploradas por isso. E quando vêm os imigrantes,
tanto de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, nos
anos 40 e 50, lá pro Oeste e Sudoeste, os índios de
novo vão ter o seu território ocupado, pela expansão,
de novo, do migrante nacional, que faz com que eles
comecem a transitar e ir para a direção do Paraguai de
novo. Começam a perder os seus territórios tradicionais
outra vez. E com a construção de Itaipu, isso acaba
chegando naquilo que o Diego começou a falar ali, a
gente deu um monte de volta, para chegar nessa parte.
Que é importante, hoje eles tentam voltar para ocupar
território no Paraná, e o pessoal fala: mas você é um
índio paraguaio. Mas se vocês vieram aqui nos anos
40, com todo apoio dos governos etc, da igreja, nós
estávamos aqui a 3 mil anos 4 mil anos atrás. Então
como que se vem dizer agora que a gente é paraguaio.
Esse discurso é feito até hoje porque não conhece a
história, não estuda história disso.
46

Então quando Itaipu começou a ser construída, Ocoí


era uma dessas poucas aldeias que tinha restado ali na
foz do Ocoí, que vai desaguar no Paraná e que era uma
aldeia bem grande. Aí a usina iria ocupar quase que a
maioria do território e eles foram tirados dali e foram
levados para a nascente do rio e criaram uma aldeiazinha
bem pequenininha chamada Tekohá Añetete, hoje,
ou é Ocoí, eu não lembro. E aí, os índios começaram
a brigar para ter outros territórios demarcados. Eles
foram expulsos não, foram nem desapropriados, não
tiveram nem indenização. E aí começaram a ocupar por
exemplo, áreas no Parque Nacional do Iguaçu e foram
obviamente tirados de lá também. Então há toda uma
série de conflitos que começa lá nessa época e que vem
até hoje. Hoje há dezenas de acampamentos no Oeste
de povos guaranis, que são originários desses mesmos
povos. Eles sabem onde eram as terras antigas, onde
eram os cemitérios, onde eram os territórios sagrados
deles. Estão lá brigando com os governos. Só em Terra
Roxa tem uns quatro acampamentos em e Guaíra tem
pelo menos oito ou mais. São acampamentos que estão
do lado do lixão, sem nenhuma estrutura de água, de
nada, tentando lutar para demarcar um território que
antigamente, um tempo atrás, já tinha sido deles.

Então vejo que essas coisas vão se misturando nesse


processo todo, e aí, é óbvio que a construção de Itaipu
propiciou um problema muito maior para os Guarani,
que também não ganhavam nada com isso. Então
tiveram que se contentar lá, ficar atolado um monte de
P O D C A ST 47

gente dentro de um território pequenininho. Depois


disso eles foram conquistando outros territórios. Hoje
tem mais terras indígenas demarcadas oficialmente,
meia boca, no caminho final para serem demarcadas
em vários municípios desses ali. E eles foram se
dividindo, se concentrando, ocupando essas terras.
Antigamente, até um tempo atrás, os Guarani nunca
lutaram, ao contrário dos Kaingang, que sempre
lutaram pela demarcação do território nos anos 70,
aí entra Mangueirinha que você citou. Os Guarani
achavam que tudo era deles, então não precisavam
brigar para ter demarcação de uma terra indígena.
Hoje, mais recentemente, eles pensam: se eu não
vou marcar nada, eu vou ficar com nada, vou perder
tudo. Porque os brancos vão ocupando tudo. O que
eles fizeram? Começaram a se preocupar com essa
ideia de demarcar um pedaço de Terra para eles
também. Isso é uma coisa, que como acontece lá no
Mato Grosso do Sul, aqui no Paraná está acontecendo
com os Guarani também, são ameaçados. Aconteceu
um suicídio essa semana, de indígenas lá Oeste do
Paraná. Eles são ameaçados, os caras não querem
vender nada para eles, não dão emprego, eles só
têm atendimento do Ministério público e de ou uma
outra ONG lá da universidade, da Unioeste. Eu tenho
uns amigos lá que apoiam a causa indígena. O resto
da população, pela disseminação do preconceito,
de estereótipo, pela mídia, eles acabam sendo vistos
sempre de forma preconceituosa pela maioria da
48

população também. E tem o trabalho da Comissão da


Verdade, que eu não posso esquecer de falar, que foi
feito no Brasil inteiro, aqui no Paraná também foi feito
uma Comissão da Verdade, e tem uma parte que ela
trabalha sobre isso que eu estou falando aqui agora.
Tem um documento grande que tem mapas, inclusive
onde se situam as antigas aldeias – pela fala dos mais
velhos, eles sabem localizar onde eram as aldeias mais
antigas – mostrando de onde eles foram expulsos,
antes de Itaipu e depois Itaipu também. Então eles
estão lá brigando até hoje, para ter essa demarcação
dessas terras. Nesse documento tem um mapa, que eu
tenho ele aqui também, que mostra esses aldeamentos
tradicionais de terras tradicionais desses indígenas.

Claro que eles circulavam, eles vinham para o litoral


em busca da Terra Sem Males, depois voltavam
para lá, migravam pelo caminho do Peabiru ou não,
também, para ir até São Paulo, sul de São Paulo, até
Iguape, Cananéia, toda essa região. Eles circulavam no
século XIX já e no século XX também. E hoje tem lutas
de demarcação de territórios em cima desta desses
lugares em que eles foram se misturando. Inclusive que
os Kaiowa, que vem do Mato Grosso do Sul, também
pelo norte do Paraná, com a expansão da cafeicultura,
você começa a ver que tudo se mistura. Eles são
expulsos o tempo inteiro, no norte do Paraná também
foram expulsos. Pela destruição da mata Atlântica e
a expansão da cafeicultura, virou um mar de café, aí
entra a ideia de progresso. Progresso de quem? Quem
criou os famoso boias-frias? De onde surgiu?
P O D C A ST 49

CHICHO: exatamente. Um detalhezinho só daquele


episódio que você menciona, da fuga dos índios que
estavam tentando sair em função da chegada dos
Bandeirantes, isso também dá um episódio bacana
para ser comentado. Pelo o que traz o texto do
padre Montoya, era talvez um dos últimos jesuítas a
sobreviverem, e se mantiveram lá. Eles descem com
umas 700 jangadas lotadas de indígenas e tudo mais. E
vão desviar Sete Quedas.

GALDINO: aí eles saem do rio e entram no Paraguai.

CHICHO: exato. E isso é uma epopeia, não é? Que


expedição é essa?

APRESENTADOR: resumindo. O que Bandeirantes


fizeram com os índios é mais ou menos parecido com
quem a Itaipu por com eles 400 anos depois quase.

CHICHO: olha. Comparação perfeita.

GALDINO: inclusive teve a queima de casas indígenas


e tem fotografia. Os trabalhadores de Itaipu, a serviço,
está com um carro, olhando, de braço cruzado, e as
casas desses indígenas lá sendo queimadas, dizendo:
isso aqui não é mais de vocês, vão embora procurar
outro lugar. E tem fotografia.

APRESENTADOR: eu acho que a gente foi longe demais,


mas eu achei super oportuno . Achei ótimo mesmo,
super oportuno.
50

GALDINO: historiador tem essa mania de querer ir, voltar,


voltar. Para fazer uma ligação que na verdade existe,
mas é bem complexa. São coisas muito complexas que
tem uma temporalidade de longa duração.

APRESENTADOR: e é uma repetição , não é?

GALDINO: sim, e se reproduz hoje na Amazônia, se


reproduz hoje em vários estados brasileiros, onde
os índios têm a sua terra cercada pelo agronegócio.
Você tem uma área preservada de floresta, com a
biodiversidade fantástica e ao redor só fazenda de
gado ou de agrotóxico, de soja, levando o agrotóxico
para envenenar peixes nos rios que eles usam, com
água limpa, que ainda existe. Está acontecendo hoje
no Xingu, está acontecendo hoje no Tocantins, no
Mato Grosso, no Acre, Rondônia, aquilo que foi feito,
que destruiu 80% de cobertura florestal ou mais,
sendo feito em outros lugares hoje, e a gente não
percebe a destruição e o que significa isso. Você só vê
a cidade, prédio, progresso, quanta gente, aumentou a
população. Mas isso é feito em cima de uma destruição
e as pessoas vão morar na favela. As pessoas não têm
acesso uma casa digna, não tem acesso a um salário
digno, a um trabalho digno, uma comida digna, não
tem acesso a nada.

APRESENTADOR: uma última pergunta, o Rio Ocoí


deixou de existir e foi totalmente alagado?

CHICHO: não.
P O D C A ST 51

GALDINO: tem um pedacinho dele, onde está


exatamente justamente a terra indígena, perto da
nascente? Antes a terra era mais para o lado do Rio
Paraná, e hoje ela veio mais para nascente.

CHICHO: rio acima. O que mudou ali foi morfologia do


rio não. Grande parte do curso, o rio é pequeno não
passa 6 ou 10 quilômetros de extensão. Mas ele fica
muito mais largo porque, com a subida das águas a
partir da barragem rio acima, ele também avança pelo
afluente nesse caso o rio Ocoí.

GALDINO: eles estão à beira do lago.

CHICHO: exatamente. Então essa é a alteração, mas o


rio existe.

APRESENTADOR: ele funciona de acordo com a


barragem?

GALDINO: a barragem é como se fosse a maré. Se


você está usando mais água, ela diminiu. Acho que
deve ser assim.

CHICHO: deve afetar, sim.

APRESENTADOR: legal, então finalizando esse episódio.


O nosso próximo episódio a gente vai tratar sobre as
questões geográficas que envolvem ali a região de
Guaíra, das Sete Quedas, do Rio Paraná, entender
o comportamento dele, por que as Sete Quedas são
inundadas pela represa, pelo represamento do Rio
52

Paraná, da Itaipu. E logo após a gente vai tratar sobre o


festival do Quarup. Quem vai participar desse episódio
e o Chicho, o Rogério Gulin e o Mauro Braga, que
estiveram lá. O Galdino também, que está aqui com
a gente. Eu queria um comentário pra gente fechar
esse capítulo sobre o Quarup. Lembrando, ele foi um
festival de de artes que funciona como uma espécie
de despedida, um dos movimentos que organiza foi
o Adeus, Sete Quedas. uma despedida. Sete Quedas
que seis meses depois deixam de existir. E o objetivo
desse movimento não tem a intenção de parar a Itaipu,
porque isso já estava decidido e ninguém lutava mas
contra isso. O objetivo é para trazer essa discussão
para o futuro, para que isso não acontecesse de novo.
Então, eu queria um comentário do Galdino, o Chicho
vai falar com a gente no próximo episódio, falando
todos os detalhes de como foi o Quarup Sete Quedas.

GALDINO: o que a gente consegue lembrar, não


é? É um pouco disso que você falou, Diego. Eu era
estudante na universidade, igual ao Chicho. A gente
fretou um ônibus para ir para lá, com barraca, fazer
um acampamento, um monte de gente que a gente
conhecia, outros não. Mas era pessoas que militavam
no movimento estudantil movimento de defesa da
Amazônia, o movimento ambiental. E próprias pessoas
que organizaram, o Frederico Fullgraf, que hoje é um
jornalista que está na Alemanha, também cineasta, ele
também militava no movimento ambientalista aqui. Não
sei se era SPVS ou um desses aí. A gente foi lá imbuído,
P O D C A ST 53

eu fui para conhecer porque eu também não conhecia


Sete Quedas. Então a gente ficava contemplando
aquilo, pensando que não ia existir mais. A gente estava
fazendo uma festa triste e dá para dizer, se tem alguma
palavra que dá para dizer, é que era uma junção de
manifestação contrária, mas daquilo que já estava
estabelecido, que a gente não tinha força nenhuma para
lutar contra esse tipo de pressão né de do governo. Em
plena ditadura militar, ainda meio que decadente, mas
ainda com seu poder. Então eu lembro muito assim
dessa coisa: a gente está circulando, conversando com
as pessoas, ouvindo os grupos de música tocando e
tal. Era para ter a passeata que acabou não tendo, mas
a gente ficava o tempo inteiro, eu pelo menos, fiquei
mais o tempo inteiro no acampamento ou então a
gente estava lá na nas Sete Quedas, olhando. Tem um
Monte de fotos do Teddy e do Marcelo, eu também
na barraca. A gente tirava umas fotinhos com aquelas
maquininhas bem brega que a gente tinha, tentando
fotografar e Sete Quedas ,aquela coisa fantástica que a
gente sabia que não ia ter mais. Isso foi depois daquele
desastre que tinha caído as pontes. Então tinha áreas
que você não podia ir mesmo. Acho que era limitada
à tua visão das Sete Quedas. Não era igual como era
antes. Se não me engano, você não podia em todas
as áreas que existiam antes. Então, é uma coisa que a
gente lembra, vão fazer 40 anos né? No ano que vem
vão fazer 40 anos. É um tempão danado, a gente estava
lá brigando, militando, era uma coisa mais de denúncia
54

mesmo. Eu acho que tem tudo a ver com a poesia que


Carlos Drummond fez. “Sete quedas por nós passaram
e não soubemos amá-las. E todas sete foram mortas e
todas as sete somem no ar”. É um poema fantástico.
Era muito o que a gente estava sentindo. Ele conseguiu
dizer isso na poesia, era o que a gente estava sentindo,
olhando, você sabe que não pode fazer nada né? É o
rodão do progresso, do progresso avassalador que
vem e vai passando por cima de todos os valores que
questionam os valores, das pessoas que pensam um
pouco além, com um pouco mais de profundidade
no que representa essa ideia de grandes construções
tecnológicas, como se fossem resolver a questão dos
problemas do país. Quando na verdade não trazem
riqueza, elas ampliam a pobreza, intensificam.

Adeus a Sete Quedas


Carlos Drummond de Andrade.
Sete quedas por mim passaram,
E todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
A memória dos índios, pulverizada,
Já não desperta o mínimo arrepio.
Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes,
Aos apagados fogos
De ciudad real de guaira vão juntar-se
Os sete fantasmas das águas assassinadas
P O D C A ST 55

Por mão do homem, dono do planeta.


Aqui outrora retumbaram vozes
Da natureza imaginosa, fértil
Em teatrais encenações de sonhos
Aos homens ofertadas sem contrato.
Uma beleza-em-si, fantástico desenho
Corporizado em cachões e bulcões de aéreo contorno
Mostrava-se, despia-se, doava-se
Em livre coito à humana vista extasiada.
Toda a arquitetura, toda a engenharia
De remotos egípcios e assírios
Em vão ousaria criar tal monumento.
E desfaz-se
Por ingrata intervenção de tecnocratas.
Aqui sete visões, sete esculturas
De líquido perfil
Dissolvem-se entre cálculos computadorizados
De um país que vai deixando de ser humano
Para tornar-se empresa gélida, mais nada.
Faz-se do movimento uma represa,
Da agitação faz-se um silêncio
Empresarial, de hidrelétrico projeto.
Vamos oferecer todo o conforto
Que luz e força tarifadas geram
56

À custa de outro bem que não tem preço


Nem resgate, empobrecendo a vida
Na feroz ilusão de enriquecê-la.
Sete boiadas de água, sete touros brancos,
De bilhões de touros brancos integrados,
Afundam-se em lagoa, e no vazio
Que forma alguma ocupará, que resta
Senão da natureza a dor sem gesto,
A calada censura
E a maldição que o tempo irá trazendo?
Vinde povos estranhos, vinde irmãos
Brasileiros de todos os semblantes,
Vinde ver e guardar
Não mais a obra de arte natural
Hoje cartão-postal a cores, melancólico,
Mas seu espectro ainda rorejante
De irisadas pérolas de espuma e raiva,
Passando, circunvoando,
Entre pontes pênseis destruídas
E o inútil pranto das coisas,
Sem acordar nenhum remorso,
Nenhuma culpa ardente e confessada.
(“assumimos a responsabilidade!
Estamos construindo o brasil grande!”)
P O D C A ST 57

E patati patati patatá...


Sete quedas por nós passaram,
E não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
E todas sete foram mortas,
E todas sete somem no ar,
Sete fantasmas, sete crimes
Dos vivos golpeando a vida
Que nunca mais renascerá.
58
P O D C A ST 59
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APRESENTADOR: Olá. Você está ouvindo o podcast


Desbravando: Quarup Sete Quedas. Estamos contando
a história do acampamento feito no Parque Nacional
das Setes Quedas, em Guaíra no Paraná, em protesto
contra o alagamento da então maior queda em volume
de água no mundo. Esse é o capítulo 2. Então, se
você ainda não ouviu o primeiro, recomendamos que
você ao capítulo 1. Eu sou o Diego Zerwes, roteirista e
apresentador.

Neste episódio iremos conversar com os professores


de geografia Francisco Rehme, o Chicho, e Mauro Braga
(que também é músico) para entender um pouco mais
sobre a geografia que cerca o Rio Paraná e as razões
pelas quais Sete Quedas sumiu do mapa. No segundo
bloco deste mesmo capítulo, o violeiro e professor
Rogério Gulin.

Oi, Chicho e Mauro.

CHICHO: Tudo beleza.

MAURO: Tudo ótimo, Graças a Deus.

APRESENTADOR: Antes de a gente começar com o


Quarup e as questões geográficas que envolvem a
região, gostaria que vocês se apresentassem, falassem
um pouquinho de vocês, quem são vocês hoje.

CHICHO: Eu vou começar, então, Mauro. Eu me chamo


Francisco Carlos Rehme, sou mais conhecido como
Chicho. Sou professor há 30 e, tem que fazer as coisas,
P O D C A ST 61

mas uns 37 anos devem ser. E antes de ser professor,


uns dois anos anos, tive o prazer e a dor de ter estado
diante das Sete Quedas, que não eram sete, mas sete
vezes sete, ou mais do que isso, acompanhando esse
momento histórico e emocionante que foi o Quarup.
Eu sou professor de geografia, atualmente trabalhando
no Ensino Médio, especialmente a última turma do
Ensino Médio, que é a terceira série. Sou muito ligado
em geografia física, na natureza, no meio ambiente, na
música, que é projetada pela natureza. Sejam as águas
que cantam ou o vento que sopra as flautas desse
planeta. É isso.

MAURO: eu sou Mauro Michelotto Braga, sou professor


de geografia aposentado, pesquisador e trabalho com
edição e produção de material de geografia, inclusive
fazendo sociedade com o Chicho que acabou de falar
com vocês. Sou músico há muitos e muitos anos.
Também tive esse prazer e desprazer simultâneo de ter
estado nas Sete Quedas, no Quarup, na despedida dela,
já tinha estado anteriormente lá e tive na despedida
também, na cerimônia de despedida das Sete Quedas.
E confesso que carrego essa dor ainda até hoje, porque
é uma ferida aberta. Sete Quedas é uma ferida aberta,
dá uma dor no coração até hoje. Estou muito a fim de
conversar com vocês porque essa temática ambiental
é uma das minhas preferidas.

APRESENTADOR: ótimo, muito legal. Chicho, você


acabou de falar sobre a pedra que canta.
62

CHICHO: olha aí, Itaipu.

APRESENTADOR: Itaipu, não é (Itaipu, em tupi guarani,


significa pedra que canta). Esse é um jeito ótimo
de começar. Porque a gente está aqui falando do
desaparecimento das Sete Quedas, que é justamente
por conta do surgimento de Itaipu.

CHICHO: com certeza. Que podia ser, então, “a pedra


que cantava”, no passado. Que deixou de cantar, que
foi emudecida.

APRESENTADOR: exatamente. Eu queria entender


um pouco mais, eu pesquisei, entendi um pouco, mas
queria ouvir de vocês dois, que são geógrafos, sobre
a região de Sete Quedas. Como que esse rio chega a
aproximadamente 150km, represados a 150km lá em
Foz do Iguaçu, ele sobe e acaba com as Sete Quedas,
que, se não me engano, está em uma altitude bem
elevada também.

CHICHO: sim. Bom, em primeiro lugar, é interessante


talvez mencionar um detalhe: era muito comum, talvez
hoje menos, mas era muito comum, em 1970, 1980,
enfim, se confundir as Sete Quedas com as Cataratas
do Iguaçu. Na mídia, eu me lembro de personalidades,
na mídia esportiva por exemplo, transmitindo um jogo
de futebol em Foz do Iguaçu, e comentando assim
absurdamente, talvez por falta de informação. Estamos
aqui diante das cataratas, das quedas do Iguaçu, que
por sinal não desapareceram com a Itaipu. Ou seja,
P O D C A ST 63

misturando tudo. Vamos iniciar por aí dizendo que


as Cataratas do rio Iguaçu ficam, como diz o nome,
no Iguaçu, na verdade, a uns 20, 25 quilômetros ou
um pouco menos que isso, posso estar enganado,
da foz do rio Iguaçu, no Rio Paraná. Esse rio Iguaçu,
que nasce aqui em Curitiba, Piraquara, Quatro Barras
e atravessa o Paraná inteiro para desembocar no rio
Paraná. As quedas chamadas de Salto do Guairá ou
Salto das Sete Quedas do Guairá, se localizavam – que
triste falar no passado – no rio Paraná, a montante de
Foz do Iguaçu ou da foz do Iguaçu. Ou seja, o que quer
dizer à montante? É rio acima, é contra a correnteza,
é subindo o rio em direção da nascente. Você agora
há pouco comentou que são cerca de 150, 170
quilômetros aproximadamente rio acima das cataratas
e do ponto em que se estabeleceu a barragem e a
usina hidrelétrica. Ao se represar essas águas, o que vai
acontecer? As águas vão se encaixando nas paredes,
nas margens, nas barrancas do rio e vai subindo e vai
transbordando. Esse é um dos grandes problemas,
por sinal, socioambientais de um represamento de
uma usina hidrelétrica ou de uma barragem para outra
função, que é exatamente a água que transborda. A
água vai subindo. Acontece que o rio Paraná, nesse
trecho entre Guaíra e próximo de Foz do Iguaçu, ele
está encaixado em um cânion entre dois paredões
rochosos basálticos e as águas tiveram, primeiramente,
subir, ultrapassar essas paredes para daí transbordar
nas suas margens. Quando a gente olha de cima, em
64

uma imagem aérea, ou vê no mapa, a pessoa pode


analisar e chegar a conclusão que o represamento, a
área represada em si, não é proporcionalmente tão
grande quanto o potencial energético gerado pela
hidrelétrica. Isso se você comparar, por exemplo, com
Sobradinho, no rio São Francisco, que é um lago artificial
maior, muitas vezes maior, ou Balbina no Amazonas,
lá perto de Manaus, nem se fala. Geração de pouca
energia, nem dá conta da Zona Franca de Manaus e no
entanto o lago que se criou é maior que o de Itaipu. Isso
se deve, então, ao relevo. Ao estar ocupando a área do
canion, essas águas foram avançando, foram subindo,
e chegaram, inclusive, nas imediações da Ilha Grande,
que é onde fica Guaíra, onde fica a foz do rio Piquiri,
onde ficavam os saltos, as quedas, cujo volume,
cuja vazão, você mencionou aí, tinha um destaque
mundial extraodinário.

MAURO: Posso complementar, Chicho?

CHICHO: Claro, por favor.

MAURO: Já colocando um pouco de política na coisa,


havia muitos estudos para a produção de energia
elétrica, hidrelétrica, naquele local. Muitos projetos,
muitos estudo. Na época, o regime militar escolheu
o único que chegava até Sete Quedas. Porque eles
tinham aquela ambiçãode fazer a maior hidrelétrica
do mundo. Essa, na época, era uma das gritas de nós,
ambientalistas, nisso. Tudo, vocês querem construir
uma hidrelétrica, aproveitar essa geografia local para
P O D C A ST 65

produção de energia. Mas não precisa destruir as Sete


Quedas. Ela poderia ser um poquinho menor e Sete
Quedas estariam lá, preservadas, até hoje. E um outro
detalhe que eu lembro, quando criança, a primeira
vez que eu fui a Sete Quedas. A gente chegava lá em
Guaíra e eles chamam, os moradores locais, chamam o
rio Paraná lá de Paranazão. Porque efetivamente você
quase não enxerga a outra margem do rio. A divisa ali
com o Mato Grosso é absurdamente grande e com o
Paraguai. E você não enxerga de tão largo que é o rio.
E ele vinha com aquele volume de água extremamente
grande e largo. E ele caía em um cânion, como disse o
Chicho. E tinha o que, Chicho, uns 200 metros de queda.

CHICHO: não, não. É menos. Essa parte que você fala


do Paranazão, da largura que você não enxerga a outra
margem são 5 quilômetros, o rio estava ali pronto para
cair no cânion. Então, o trecho onde ficam as ilhas do
arquipélago. Onde está a Ilha Grande.

MAURO: imagina, são 5 quilômetros de largura de um


rio caindo no cânion...

CHICHO: 90, Mauro, 90 metros. 100 metros.

MAURO: Meu Deus do céu.

CHICHO: Então você imagina essa vazão toda. Como


você coloca, como a natureza coloca um volume
todo d’água assim e enfileira, entrouxa, encaixota nas
paredes do cânion.
66

MAURO: Por isso que o barulho era absurdamente


ensurdecedor. Era muito forte o barulho. Aquela
quantidade de água passando era um troço muito grande.

CHICHO: é isso. Creio que a gente poderia talvez entender


porque é que tem aquele cânion. Porque tem aquela
fratura, aquela falha no rio. Não sei se seria o caso.

APRESENTADOR: Acho que a gente pode falar, sim.

CHICHO: porque a questão, a história, esse cânion que


ali se encontra, ele é na verdade é uma falha geológica,
é um fraturamento na crosta terrestre, nessa parte da
América do Sul. Ele tem a origem disso é de 130, 160
milhões de anos passados, que os geólogos chamam de
período Cretáceo. O Cretáceo é o último período da Era
Mezozóica, que é aquela era em que a fama ficou com os
dinossauros. Os dinossauros ainda viviam nesse tempo,
por mais uns, deveriam por mais uns 60 milhões de
anos, 70 milhões, até desaparecerem de uma maneira
fantástica, ao que tudo indica pela colisão meteorítica,
mas isso não vem ao caso agora. Mas, enfim, naquele
período Cretáceo, o que está havendo? A gondwana,
que é um super continente, que envolve atualmente o
que seria a América do Sul, África, Antártida, Austrália,
Ilha de Madasgacar, Península Arábica, Índia, tudo
isso constituia um continente e ele começa a rachar,
mais ou menos nesse tempo. As tensões tectônicas do
interior do nosso planeta, o fluxo de magma que viaja
na camada chamada Manto, que está abaixo da crosta
P O D C A ST 67

terrestre, faz com que, aos poucos, haja uma trinca,


uma rachadura, na altura do litoral brasileiro, litoral
africano. E isso se reflete, repercute, nas imediações
de um lado e de outro. E é isso que vai abrir fendas
ao longo do interior do Paraná, por exemplo. Como a
gente tem ali o cânion do rio Tibagi, como a gente tem
alguns tantos outros cânions nos Campos Gerais, no
Paraná. E como tem no caso do rio Paraná, que é o
que nos interessa agora, lá na divisa como Paraguai
e o Mato Grosso do Sul. Então, essa fratura é por
onde já extravasou, por dezenas de milhões de anos,
quase consecutivos, magma em tamanha quantidade
e toneladas de metros cúbicos, que forrou o solo, a
superfície do Paraná da época. Hoje, se alguém perfurar
a rocha basáltica para tntar encontrar, digamos, algum
recurso mineral, por exemplo, a água do Aquífero
Guanari, que está confinada abaixo disso, tem alguns
trecho em Guarapuava, Cascavel, por ali, que vai ter
que perfurar mais de 500 metros de rocha. Essa rocha
é o antigo magma vulcânico, derramado por milhões
de anos, que solidificou e virou rocha. E por alguma das
fissuras como essa por onde o rio Paraná foi mais tarde
se encaixar e por onde ele foi continuando o processo
erosivo do rio, aproveitou a falha, um elemento natural
da falha geológica e continuou o processo de erosão
com a força das águas, alimentadas pelas águas da
chuva e que formam o curso fluvial. Então, é mais ou
menos essa a história geológica da presença do rio
Paraná e o porque das Sete Quedas naquele local.
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APRESENTADOR: então, resumindo, foram centenas


de milhares de anos...

CHICHO: em que foram forjadas as quedas

APRESENTADOR: e que em 10 anos o governo militar


na época, conseguiu fazer com que desaparecesse.
Basicamente é essa a história

MAURO: sem necessidade, repito. Eles poderiam ter


feito uma usina hidrelétrica de grande porte na região,
sem destruir as Sete Quedas. Mas eles queria fazer a
maior do mundo

APRESENTADOR: inclusive, eles tinham alguns projetos,


alguns anos antes, para fazer a captação da água do rio
antes das Sete Quedas. Eles fariam um desvio no leito
do rio, para pegar um tanto da água, não a água inteira,
as quedas não iriam acabar. E iria acabar embaixo das
Sete Quedas. Vocês acham que têm mais algumas
características que a gente possa falar?

CHICHO: eu acho que tem, vai mais para o campo


da história, do turismo, do ambientalismo. Antes,
digamos, da eclosão dos movimentos ambientalistas
e tal. O Mauro é mais conhecedor e especialista no
assunto, mas eu poderia talvez situar em 1972 com
a Conferência de Estocolmo, que é mais ou menos a
espoleta mundial, que vai devagzinho começando.
Queria começar, depois você me confirma se é isso,
Mauro, mas eu queria vir um pouquinho, quase que
P O D C A ST 69

um século antes, mil oitocentos e setenta e pouco.


Vocês estão lembrados que nós temos uma rua em
Curitiba com o nome de Engenheiros Rebouças, é até
engraçado porque o nome da rua é plural, são duas
pessoas. Acho que é única rua, pelo menos da cidade
de Curitiba e das cidades brasileiras que tem dois
homenageados. O André, e esqueci o nome do outro.
Perdão. Enfim, onde eles tinham a proposta muito
interessante, isso depois de ter construído, de ter
ajudado a construir a ferrovia Curitiba – Paranaguá, de
ter planejado. Que era possibilitar um deslocamento a
partir do rio Iguaçu, de barco, como se fazia ao final do
século XIX e comecinho do século XX, você navegava
mais ou menos ali de Porto de Amazonas, por isso
que é porto, Porto Amazonas, pertinho de Campo
Largo, Palmeira, até as imediações de Foz de Iguaçu,
até perto das cataratas, de onde o turista que passasse
com essas embarções. Eu fico imaginando que na
época deviam ser embarcações do tipo daquelas do
Mississipi, das tradicionais do Mississipi, ou do São
Francisco, as barcarolas do São Francisco. E ali ele
desembarcando em Foz, pegaria um trem de Foz do
Iguaçu a Guaíra. Aí esse turista teria a observação das
Cataratas do Iguaçu e depois das Sete Quedas. Não
sei, talvez até para compará-las, para ver qual é a mais
bonita. E eu confesso até hoje eu não sei qual. Vi ambas
e cada qual tinha sua beleza, sua maravilha. Mas, enfim,
então havia já projetos, inclusive, do ponto de vista
rentável, econômico. Então veja a época que estamos
70

falando, 1880. O Brasil ainda estava no final do período


Imperial. Ainda escravocrata, partindo para começar a
fase da República. E já havia gente pensando nessas
possibilidades. Então as decisões são tomadas muitas
vezes por ufanismo, sem noção, por megalomania.
Aliás, era uma tradição, Transamazônica, Ponte Rio-
Niterói. Sempre a maior, a maior. A maior besteira do
mundo. Aliás, nós já perdemos. A maior hidrelétrica do
mundo é uma hidrelétrica chinesa: Três Gargantas, do
rio Yangtze.

ENTREVISTADOR: só complementando aqui, Chicho.


Os irmãos Rebouças são André e Antônio.

CHICHO: muito bem. Não sei qual deles tinha esse


projeto.

ENTREVISTADOR: Foram os primeiros engenheiros


negros do Brasil

CHICHO: Inclusive. Que legal. Que legal

MAURO: que bacana isso. Só aproveitando o gancho


da questão do movimento ambientalista. Eu sempre
trabalhava com os alunos, quando trabalha esse tema,
que o ambientalismo moderno era fruto da corrida
espacial na década de 60, que o homem teve que sair
do planeta e olhar o planeta de fora.

CHICHO: bacana

MAURO: para perceber a fragilidade de tudo o que


P O D C A ST 71

a gente tem aqui. E os primeiros, vamos dizer assim,


o grupo que se notabilizou por discutir, por começar
a discutir essa temática ambiental, foi chamado de
Clube de Roma, em 1968, inclusive até a Conferência
de Estocolmo, que você citou, Chicho, em 1972, ela é
uma consequência já das primeiras ações, do primeiro
documento escrito do Clube de Roma. Nessa década de
70, a partir da Conferência de Estocolmo é que começam
a surgir os primeiros movimentos ambientalistas, as
primeiras ONGs. Eu acho que você deve lembrar,
Chicho, também, e a gente era criança na época,
adolescente, a gente deve lembrar que como chamava
a atenção o tipo de ativismo ambiental desenvolvido por
aqueles ambientalistas do Greenpeace, por exemplo,
que foi uma das primeiras ONGs mundiais, na luta, por
exemplo, contra a pesca de baleias, essas coisas todas.
Eles enfiavam aqueles botinhos de borracha na frente
dos barcos baleeiros. Era uma novidade. Nos anos 70,
era uma novidade. Eu diria que em 82, quando as Sete
Quedas foram exteminadas, foram assassinadas, isso já
estava um pouco mais forte. Mas não dá para comparar,
obviamente, com o tipo de nível de ambientalismo
e ativismo ambiental que nós temos na atualidade.
O grande boom no Brasil, vamos dizer assim, para a
questão do ativismo ambiental vai acontecer 10 anos
depois do fim das Sete Quedas, que é na Eco 92, que
foi no Rio de Janeiro, que foi quando a coisa pegou mais
forte mesmo. Mas efetivamente já tinha um movimento
embrionário e crescente naquele período, sim.
72

CHICHO: E as artes se reuniam nisso, não é, Mauro?


Aliás, sempre. Porque você tava comentando aí que o
começo do Clube de Roma é em 68. Eu pensei na hora:
pô, que ano foi esse 68.

MAURO: é. 68 é um ano...

CHICHO: 69, 70, o psicodelismo. As revoluções culturais


extraordinárias. Até hoje é o que eu mais gosto de ouvir,
em termos de música. É essa época. São os Mutantes, os
Rolling Stones, os Beatles dessa época. E vai por aí afora.

APRESENTADOR: maravilha. Posso chamar o Gulin?

CHICHO: claro.

MAURO: com certeza.

MAURO: Salve, Gulin.

GULIN: oi, Maurão. Beleza?

MAURO: Tudo tranquilo.

CHICHO:. E aí, Gulin. Como você está?

GULIN: beleza. Tudo bem.

APRESENTADOR: A gente está aqui agora também


com o violeiro, Rogério Gulin, que é professor também.
Rogério.. como você prefere que a gente te chame:
Rogério, Gulin?

GULIN: Gulin está bom. É como geralmente as pessoas


me conhecem. Meus amigos me chamam de Gulin.
P O D C A ST 73

APRESENTADOR: então você pode se apresentar pra


gente, então? Falar quem é você hoje. O que você faz
da vida.

GULIN: sou violeiro. Dou aula de viola, trabalho com o


Terra Sonora e Viola Quebrada e tenho uma carreira
de viola solo, como compositor de música instrumental
para viola.

APRESENTADOR: Inclusive, a trilha que a gente vai usar


aqui são as músicas do Gulin.

MAURO: que maravilha.

APRESENTADOR: só pra deixar explícito. Eu vou falar


aqui mais um trecho agora, contextualizar um pouco,
daí vocês entram. Vou fazer uma leitura aqui.

Vamos falar agora um pouco sobre a mobilização


para o acampamento. Como vimos no capítulo
anterior, houve muita luta e persistência dos colonos
expropriados pela Itaipu. O Quarup Sete Quedas se
enquadra nessa persistência contra os desmandos
do governo militar, mas foi, por outro lado, mais um
evento de protesto voltado aos problemas futuros
do que uma tentativa clara de impedir a abertura das
comportas de Itaipu. Antes de perguntar qual é a visão
de vocês, Chicho, Mauro e Gulin, trago uma notícia de
9 de março de 1982.

Jornalista Cley Scholz, para o Estado do Paraná:

“Quando umas das maiores belezas naturais do país


74

é destruída em nome do “progresso”, está na hora de


parar e pensar nos rumos que a evolução tecnológica
está tomando, e a quem interessa de fato, um projeto
como Itaipu, responsável pela destruição de Sete
Quedas, expulsão de milhares de colonos e dos últimos
índios Guaranis. Isto sem falar em outros frutos desta
mesma evolução, como armas e usinas nucleares, e
outras “maravilhas da tecnologia”.

APRESENTADOR: eu queria saber: o objetivo do movimento


foi justamente um contropamento ao movimento
tecnocrata, e os governos militares do Brasil e Paraguai vão
levar em conta apenas as vantagens de se ter uma usina
hidrelétrica, sem se preocupar muito com as questões
sociais e ecológicas. Mas não era apenas a construção de
uma hidrelétrica, era a maior hidrelétrica do mundo. Eu
tenho a impressão, vendo de fora e pesquisando, que essa
decisão já estava tomada. Não tinha mais como reverter
essa situação do... talvez esse protesto seja voltado para
frente, eu tenho essa impressão.

MAURO: posso começar? É que é assim, eu diria.. você


tocou em ponto muito importante aí. Primeiro, até
para os mais jovens que não viveram sob períodos
ditatoriais, e que infelizmente até algumas pessoas
que não viveram ficam saudosistas em relação àquilo
que não viveram. Uma coisa absurda, mas enfim.
Uma das características é essa, a gente não tem em
um período como esse, a gente não tem a opção de
efetivamente reverter uma decisão que foi tomada.
P O D C A ST 75

Acho que em nenhum momento se percebeu, ou


pelo menos na minha lembrança, não lembro, não me
recordo, de ter em alguma momento ter tido esperança
de reverter o processo. A instância decisória estava tão
acima da gente, que a gente não via essa possibilidade.
Eu lembro quando, alguns anos antes, eu comecei a
ouvir rumores, que a gente começou a ver uma notícia
no jornal aqui, um rumor ali: eles vão destruir Sete
Quedas para fazer uma usina. A gente achava que
era brinadeira. Não é possível. E quando a gente viu
que era sério, que a decisão já tinha sido tomada, que
era isso mesmo, a gente fica muito de mãos atadas.
Eu sinto assim, pelo menos, o sentimento que eu tive
no Quarup, indo pra lá, foi realmente uma cerimônia
de despedida. A gente estava se despedindo de algo
que estava acima das nossas forças e evitar, como se
tivessem decretado o fim do mundo e a gente tivesse
dando tchau um pro outro. Alguma coisa assim. Isso
é lógico, isso que você falou tem muita importância.
Tenho a impressão que o Quarup Sete Quedas é uma
semente para ativismos futuros, sim. Mais ou menos
essa sensação resgatar dentro da tua pergunta.

APRESENTADOR: legal. Acho que é por aí mesmo. Eu


vou engatar aqui. Isso não estava no roteiro. Mas a tua
fala trouxe uma... tem uma reportagem sobre quando
o Figueiredo foi visitar as Sete Quedas, quando ele foi
se despedir, foi uma coisa

MAURO: bizarra
76

CHICHO: acho que foi nesse momento, eu tinha lá


18 anos, eu acho, que eu aprendi o que era lágrima
de crocodilos, aí eu entendi o que eram lágrimas de
crocodilo. Não sei se vai aparecer na reportagem. Se
não aparecer, eu conto aqui.

ENTREVISTADOR: Então, para complementar essa fala,


vou trazer mais uma notícia do jornalista Cley Scholz
para o jornal o Estado do Paraná. Não encontrei a data
desta notícia.

O presidente João Figueiredo ouviu ontem apelos


emocionados para que tentasse evitar o fim das Sete
Quedas, durante a visita que fez ao extinto parque
nacional. “É uma pena mesmo que isso tenha de acabar”,
disse Figueiredo, “estou usando camisa preta em sinal
de luto”. “Se eu salvar Sete Quedas”, continou, “o que
vou fazer com aquela obra lá em Foz do Iguaçu, que já
custou tanto dinheiro ao país?” para o ministro César
Cals, a inundação dos saltos decorre do “progresso que
se impõe”. O general Otávio Medeiros disse apenas: “O
que é que nós vamos fazer...”. E Leitão abreu afirmou
que a decisão de formar o lago de Itaipu “é muito antiga
e já foi bem discutida”.

APRESENTADOR: vale lembrar que Leitão Abreu virou


ministro do STF, foi indicado pelo governo militar, só
que isso é uma aberração. Isso o que ele fala. Porque,
tudo bem, é uma ideia “antiga”. Mas é uma ideia que já
foi “bem discutida”, não é bem isso.
P O D C A ST 77

MAURO: foi tudo, menos discutida.

APRESENTADOR: exatamente. Não teve um debate


aberto. Teve uma decisão unilateral do governo do
Brasil. Basicamente é isso. Isso engata com o que o
Chicho falou. Vamos voltar para o festival.

CHICHO: só um detalhe sobre as lágrimas de crocodilo.


É porque eu me lembro do Jornal Nacional, não
lembro do momento exato, acho que as águas estava
subindo, começando a subir, isso levou alguns dias,
para completar toda a formação do lago. O presidente
estava em Foz do Iguaçu, Guaíra, não sei onde. E
aparece na câmera, um zoom, de uma lágrima em sua
face. E já naquela época eu já tinha sacado uma ironia
em tudo isso. Agora, o nome do ministro da energia, o
sobrenome era propício. Piada pronta. Cesar Cals.

MAURO: Imagina o Macaco Simão a esta altura. Iria


adorar o nome

CHICHO: com todo respeito, é claro.

APRESENTADOR: vamos falar agora do festival, vou começar


com uma notícia, aí já tem uma pergunta para vocês.

Seguimos com Cley Scholz para o jornal O estado do


Paraná, em 9 de março de 1982.

Seguindo Iossef Sirotski, “um dos idealizadores e


organizadores do evento, [...] o festival reunirá os
principais nomes do atual pensamento ecológico
do Brasil e Exterior, jornais alternativos, músicos
78

independentes e figuras conhecidas como o escritor


Fernando Gabeira – que inclusive se propôs a ajudar
no que for possível – e os músicos Jorge Mautner, e
Itamar Assunção.

A comissão organizadora conseguiu buscar apoio de


entidades paranaenses: “Comissão Pastoral da Terra,
Conselho Indigenista Missionário, Associação de Defesa
e Educação Ambiental, Associação Nacional de Apoio ao
Índio, Federação dos Produtores Teatrais, Associação
dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos [...]”.

A ideia é inspirada no ‘Quarup’, festival indígena onde


o cacique morto é enterrado, mas ao mesmo tempo
sua vida é perpetuada. ‘O pai, Cacique é Sete Quedas.
Ele morre, mas nós, a sua tribo, ficamos mais fortes, e
lutamos para que coisas como estas não aconteçam
mais’. O movimento Adeus Sete Quedas, explicam os
organizadores, é uma cerimônia de adeus, um requiém
ao gigante crucificado, um ‘Quarup’ ao cacique morto,
onde cada um prestará a sua homenagem a seu jeito,
com sua criatividade: ‘que o músico musique, que o
cantor cante, o fotógrafo fotografe, o cineasta filme, o
ator encene, o poeta poete. Teremos então um festival
de artes. Que o historiador rememore e registre, o
ecólogo compreenda, o tecnólogo, o cientista social, o
filósofo, o político reflitam.

“Resumindo: propõe-se um festival de Arte e Ciência/


Quarup, onde todos serão protagonistas, tecido na
geografia de Sete Quedas”
P O D C A ST 79

APRESENTADOR: essa é a matéria do jornalista Cley


Scholz, muitíssimo bem escrita. Antes de a gente falar
dessas questões do festival em si, da arte. Eu queria
perguntar para vocês. Como vocês ficaram sabendo do
Quarup? Bom contextualizar também, 1982 não tinha
internet, não tinha whatsapp, SMS, você tinha, olhe lá,
um telefone em casa. Como vocês se mobilizaram, e
como vocês foram para lá?

GULIN: a gente era uma turma em Curitiba, era muito


mais seguro andar à noite. Tinha uns grupos, a gente
vivia aquele final do flower power, da época hippie, que
a gente pegou. E era uma coisa boca a boca, eu acho
pelo mesmo. A gente foi com um monte de amigos,
fomos de ônibus. E como o Mauro falou foi realmente
uma despedida. Como eu fiquei sabendo, eu não
lembro, foi o lance do boca a boca. E a maioria dos
amigos foi de barraca. Da minha parte, acho que foi
isso. A gente tinha até trabalho para tocar em bar, a
gente até cancelou por causa do festival.

MAURO: foi bem isso mesmo, não é? A gente, as galeras,


as turminhas se conheciam muito, principalmente
na área da música e das artes. Não só músicos, mas
outros artistas, pessoal que trabalhava em teatro, a
gente conhecia muito esse pessoal e estava sempre
em contato. E realmente eu não consigo lembrar de
onde tenha ouvido falar sobre o festival. Mas, logo que
soube, a gente quis participar e se envolver. Eu escrevia
diário nessa época e a gente acabou saindo daqui de
80

Curitiba, na quinta-feira, 22 de julho, à noite. Foi uma


frota de ônibus. Eu acho que o Gulin tenha ido nesse
grupo também.

GULIN: Isso realmente não lembro como foi.

MAURO: no Centro Cívico ali. Estamos que nem nos


anos 60. Porque se você lembra, você não esteve lá.
Estou lembrando por conta desse diário. Então no
dia 22 à noite, os ônibus saíram do Centro Cívico ali.
Fomos em uma galera. Eu me lembro que no ônibus
que eu estava, tinha uma galera do Blindagem, tinha
a Rita Pavão, que dançava, tinha um estúdio de dança.
Inclusive ela dançou nas Sete Quedas. E teve até um
detalhe interssante. O collant que ela usava arrebentou
na hora que estava dançando e o seio ficou à mostra.
E ela não perdeu nem um pouco do pique, continuou
dançando sem problema nenhum. Foi uma coisa muito
legal. Foi super profissional. E no meu caso, a gente
não estava escalado para tocar no festival. Fomos
para curtir, de barraca. Mas, no fim das contas, surgiu
a oportunidade para tocar e acabamos tocamos. Mas
isso é assunto para daqui a pouco. Mas foi bem como
o Gulin falou.

CHICHO: sabe o que eu acho? Por exemplo, eu acredito


que a gente tenha visto naqueles panfletos na Reitoria.
Porque ali rolava tudo de comunicação.

Toca da Raposa.
P O D C A ST 81

Isso, por ali. Nas escadarias, nas rampas. Esse grupo


todo que o Gulin se referiu ali, talvez algumas centenas
de pessoas que viviam em uma certa Curitiba cultural,
alternativa. Acabavam se encontrando ali perto do
Guaíra, da Reitoria, do Café dos Estudantes, dos
barzinhos, eu acho que foi rede social da época, aliás
uma rede social, diga-se de passagem, muito mais tête-
à-tête, muito menos virtual, foi assim, de boca a ouvido

APRESENTADOR: E esse mural, pelo menos na Reitoria,


ainda existe, não saiu de moda. É claro, tem outros
jeitos, mas o mural da Federal ainda existe.

GULIN: eu falei do cartaz. Mas realmente não me


lembro, mas na minha cabeça parece que existia um
cartaz com propaganda do festival. Mas, realmente,
não vou apostar nessa altura do campeonato.

APRESENTADOR: Mas são quase 40 anos já, são 39


anos. É bastante.

GULIN: É isso. Curitiba era muito mais segura. Você


andava com os amigos. Claro que tinha o lance da
polícia.

MAURO: eu ia falar isso.

GULIN: Era o final da repressão militar e a polícia


pegava pesado.

MAURO: a quantidade de geral. Mão na parede.

GULIN: mas a gente tocava nas ruas, nas praças,


82

se encontrava. A turma do Ahú, o Betinho, o Polaco,


o Chico, o Bittencourt. Era seguro andar em Curitiba
nas madrugadas. Foi muito legal essa época. Tinha o
perrengue da repressão da polícia.

MAURO: fazia fogueira, não é, Gulin? Entrava em


terreno baldio, de madrugada, acendia uma fogueira e
tocava viola entre amigos. Não tinha problema nenhum

GULIN: A gente levava os aparelhos de som lá na concha


do Athlético. Ligava de madrugada lá. Era bem bacana.
Saiu até um grupo, a gente fez o Banco de Praço.

MAURO: eu lembro.

GULIN: a Detinha cantou, Paulinho branco, Iuri, Belmiro,


essa época...

MAURO: o Alves...

GULIN: o Alves era o nosso Frank Zappa cantor.

MAURO: figuraça...

GULIN: então foi mais ou menos isso, era uma época


muito boa. Diferente do que é. Como o Diego falou, a
gente nem tinha telefone em casa. Era o princípio do
telefone.

CHICHO: as memórias são em preto e branco. Isso que


eu acho engraçado. As cores não existiam

GULIN: era maluco mesmo.


P O D C A ST 83

APRESENTADOR: Vou para mais um trechinho


aqui. Inclusive, a estimativa do jornal, antes de vocês
chegarem lá, é que teriam 5 mil pessoas, mas depis
esse número foi atualizado. Estima-se que foram 2 mil
pessoas que foram. É bastante gente

MAURO: 2000 só?

APRESENTADOR: sim.

MAURO: Eu acho que tinha mais.

CHICHO: tinha umas 10 mil, umas 8 mil.

MAURO: eu sempre pensei que era em torno de 10


mil pessoas. Curiosa essa estimativa porque, inclusive,
muita gente me perguntava na época do Chá da Serra,
qual era o maior público para o qual o Chá da Serra
tinha tocado. E a gente sempre pensava que tinha sido
Sete Quedas. Porque tinha muita gente lá quando a
gente tocou. E era no meio da tarde, e de noite tinha
mais gente ainda, porque de tarde o pessoal estava
disperso. Gente tomando banho no rio pelado. Tipo
woodstock, gente passeando pelas quedas e no final
da tarde para a noite era a hora que concentrava mais
o show. E tinha muita gente. Me surpreendo com esse
número de 2 mil pessoas só. Eu achava que era em
torno de 10 mil, pelo menos.

APRESENTADOR: é uma coisa que eu posso investigar


mais a fundo e trazer para o próximo episódio.
84

MAURO: só de Curitiba foi muita gente. Mas foi gente do


Brasil inteiro. Tinha gente de várias outras localidades.
Não sei qual é a impressão do Chicho e do Gulin, mas
acho que tinha mais de 2 mil pessoas lá.

GULIN: de número, assim, eu não me lembro. Mas tinha


muita gente. E só da nossa turma, de pessoas próximas,
foram 50, 100 pessoas, no mínimo. Foi a galera toda.
Foram pouquíssimas pessoas que não foram daqui. No
mínimo, umas 500 pessoas de Curitiba. Daí pra mais.

CHICHO: e tinha gente de diversos lugares do Brasil,


principalmente do Sul do Brasil. Rio grande do Sul,
Santa Catarina, pessoal de Florianópolis, da Banda
Engenho, eu me lembro. Associado a eles, tinham mais
pessoas.

APRESENTADOR: Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco,


Manaus, isso está bem documento nos jornais.

A banda Engenho, segundo meu diário, tocou na sexta-


feira, dia 23. Foi um show que apreciei pra caramba.
São muito bons

CHICHO: Lagoa da Conceição

Aliás, eu acredito que aquela filmagem, muito esquisita,


que foi engraçado aquilo, não é? Posso contar a
história, Diego? O Chicho e eu elaboramos material
didático, como já falei. E ele estava procurando material
sobre Sete Quedas, para colocar no livro didático. E
ele se deparou com a reportagem da RPC, na época
P O D C A ST 85

TV Paranaense. E contando a história de Sete Quedas.


Mas não foi uma reportagem feita na época. Foram
uns 10 anos depois. Eles estava contando a história.
E tem algumas cenas. E não é que o Chicho me achou
no meio da plateia, com um zoom? É muito rápido, é
um frame de imagem, é muito rápido. Mas, sem dúvida
nenhuma, era eu. Mais alguns brothers que estava
em volta. Mas achei muito engraçado, não é possível
que me acharam lá em Sete Quedas em 1982. Parece
aquele túnel do tempo.

APRESENTADOR: muito bom, hein. Voltando aqui. Eu


vou perguntar um pouco sobre a infraestrutura que
vocês tiveram lá. Tem uma nota do jornal também, mais
uma vez o Cley Scholz. Inclusive quero agradecer aqui
publicamente o Cley Scholz, quem eu não conheço. Mas
ele tem uma pasta no Pinterest com recortes de jornal
da época, que ele escreveu. Umas matérias não são
dele, mas a grande maioria era. Ele era correspondente
do jornal O estado do Paraná em Foz do Iguaçu na
época. Então, ele fez esse acompanhamento muito
de perto e mantém esses recortes de jornal. Se você
pesquisar Quarup Sete Quedas, Festival Sete Quedas
no google, vai aparecer, provavelmente, em uma das
primeiras opções lá essa série de imagens do Cley
Scholz. Então vamos para a notícia dele.

A Prefeitura de Guaíra se encarregou, após muita luta


dos organizadores do festival, do fornecimento de
água e instação de sanitários para os participantes.
86

O restante, desde a programação para os três dias


até a divulgação, está sendo organizada em forma de
mutirão, já que o Movimento Adeus Sete Quedas conta
com simpatizantes em diversas cidades brasileiras e até
no Exterior. No início deste mês, a empresária Karola
Lauterbach, organizava, em Berlim Ocidental, uma festa
para arrecadas fundos para o acampamento ecológico.

CHICHO: que legal

APRESENTADOR: e era isso mesmo, tinha banheiro


mesmo, ou tinham que se virar?

CHICHO: tinha, sim. Isso eu lembro. A gente também


não era exigente, não é? A gente vivia sempre que
dava feriado, a gente vivia no rio Nhundiaquara, no rio
Ipiranga, ali na Prainha, perto do Porto de Cima, uns 3
km à pé. Ou descemos de trem na Engenheiro Lange.
Vivia acampando, dormia em cima de pedra. Ali era
ótimo. Mas estava frio. Me lembro que a madrugada
era fria. Dava aquela amplitude térmica. De dia , dava
30 graus e de madrugada dava 10. Tinha um cobertor
que os amigos, Maurão era um deles, chamavam
de “tomara que amanheça”, veja se isso é nome de
cobertor. Mas era perfeito. Era isso mesmo. Falando
em infraesetrutura. Acho que tem uma coisa que o
Mauro vai contar melhor, como é que um piano, não
tinha piano, e a banda, no caso do Chá da Serra, era
estruturada com base no piano. Então, como é que foi
trazer um piano até o palco? Mas isso eu deixo com ele,
porque ele vivenciou isso diretamente.
P O D C A ST 87

MAURO: tinha banheiro, lugar para pôr barraca, tinha


palco, tinha som, mas não tinha piano. Quando pintou
a oportunidade, na verdade, eu não tenho clareza
como surgiu a oportunidade pra gente tocar lá. Mas
eu sei que começou ali, alguém chegou: dá pra se
inscrever para tocar. Não querem fazer um show. E
a banda não estava completa. O Chá da Serra estava
sem o guitarrista naquele dia. E o Chicho, que era o
percusionista, não tinha levado nada das percussões
dele também. E nós estávamos sem instrumento. Mas
estava conosco o meu tio, falecido, muito querido,
Paulinho Michellotto.

GULIN: o Paulinho Michellotto.

MAURO: muito amigo do Gulin. A gente conversou com


o Paulinho: vamos fazer umas músicas tuas e umas do
Chá que dê pra fazer, a gente faz junto lá. Então foi
uma coisa meio de improviso. E aí fomos ver, não tinha
piano. Cara, mas sem piano vai ser complicado, porque
a gente precisava muito de um piano acústico. Não é
como hoje que tem esses teclados que faz de tudo
quanto é coisa. Eu saí por Guaíra, eu não lembro quem
foi comigo, não sei como, mas a gente saiu por Guaíra
batendo na porta das casas e conseguimos emprestar
um piano de uma pessoa lá. Arrumamos uma Kombi,
botamos o piano em cima da Kombi, inclusive eu
lembro que na trajetória da casa do sujeito até o palco
do Quarup Sete Quedas, eu fui tocando piano na
carroceria da Kombi. O pessoal da cidade tava achando
88

aquilo muito esquisito: o que que esse cabeludo está


tocando piano em cima da Kombi. Coisas do Quarup. E
no fim das contas, o piano foi parar em cima do palco
e o Chá da Serra tocou. Inclusive, no começo, no nosso
show ali, na parte em que a gente tocou, no começo
a gente estava com problemas técnicos, tentando
organizar alguma coisa. Enquanto não equalizava as
coisas, o Paulinho Michellotto e a Detinha resolveram
puxar a música do “sapo não lava o pé”. Enquanto
tava aquecendo ali. Toda aquela galera começou a
cantar junto “O sapo não lava o pé” e a “Sapa não lava
a pá”. E todas as vogais. Foi muito divertido. O início
do negócio. E marcou, foi uma coisa muito marcante,
aquela participação do Paulinho Michellotto, tinha até
foto dele com a Detinha, com a cara de quem estava
cantando a música do sapo, antes de a gente começar
o show. Isso foi muito legal.

CHICHO: devia ser “o lagarto não lava o pé”. Porque o


que tinha de largato naquelas rochas, pelo amor de
Deus. Você lembra disso ou não? Dos lagartos nas
pedras.

MAURO: muito muito. Eu fiz a minha despedida pessoal


das Sete Quedas, naquela época o walkman era uma
novidade. Tinha um amigo nosso, não sei quem tinha,
acho que era o Gláucio, o batera do Chá, que tinha um
walkman. E ele tinha uma fita com o primeiro disco
solo do David Gilmour, guitarrista do Pink Floyd, era um
disco que foi lançado em 1977. Muito bom, eu tenho
P O D C A ST 89

aqui, por sinal. Eu me lembro que saí pelas pinguelas,


porque as Sete Quedas era um negócio fascinante,
porque você passava por cima delas, aquelas pinguelas
que a gente atravessava, além de dar medo, mas é uma
coisa absurda, o contato com a natureza. Por isso que
eu até, Chicho comentou lá no início, que não saberia
dizer se gostava mais de Foz do Iguaçu, das Cataratas
do Iguaçu, ou das Sete Quedas. Eu sempre preferi
as Sete Quedas por causa disso, porque você estava
andando no meio das trilhas e ouvindo aquele barulho
enorme das águas. E o rio estava passando do teu lado.
Se chegava na pinguela, aí você atravessa por cima
dele, era um troço meio maluco, eu fiquei andando por
várias horas, eu diria, com aquele walkman e ouvindo
o Gilmour e eu sentava naqueles paredões, assim, saía
das trilhas e fui sentar nos paredões, naqueles paredões
com o rio passando lá embaixo. E uma das cenas, por
isso que me lembrei disso, Chicho, eu estava sentado
em um paredão desses. Um sol muito forte. Ouvindo
aquilo. Tinha um lagarto bem do meu lado. Parecia
que os dois estavam tomando sol no paredão, com os
pés para baixo. O lagarto certamente não estava com
os pés pra baixo. Eu estava. E eu morro de medo de
altura. Então não sei como eu estava. Não devia estar
muito certo da cabeça naquela hora ali. Com certeza.
Mas, enfim, são histórias do Quarup.

GULIN: legal. Você falando agora, vão me voltando


imagens da época. A cidade de Guaíra, a gente
chegando. E essa coisa da estrutura, eu não me lembro
90

de nada, assim. Eu me lembro de estar acampado em


barraca, e o pessoal que tocava, que fez o show, é uma
geração um pouco mais para frente da nossa, que o
pessoal que está indo para os 70 anos. O Blindagem. A
gente tinha 20 anos na época, então tinha aquela coisa
efervescente do que vai ser na vida e tal. Então, foi a
lembrança da, e um pouco antes, o lance do acidente,
que foi uma coisa catastrófica, com imagens e tal. Então
foi uma coisa sinistra também, não é? E realmente essa
estrutura que o Mauro falou como era, aquelas coisas,
aquelas pontezinhas, hoje dia seria inviável hoje em dia,
pensando na magnitude das Sete Quedas. Era uma
coisa fantástica. Realmente, as memórias vão avivando
um pouco.

APRESENTADOR: eu tiha conversado com o Chicho


outro dia, o festival foi em julho, a ponte caiu em janeiro.

CHICHO: foi antes

GULIN: foram 6 meses antes

APRESENTADOR: foi em janeiro. O Chicho tinha me


contado uma história boa. Do culpado.

CHICHO: sim. Engraçado que até alguns anos atrás,


isso faz uns 2 ou 3 anos atrás, ou um pouco mais
que isso. Nossa, como é que pode ter acontecido
tudo isso. Inclusive, uma das coisas que eu pensaria
é: eu tinha absoluta convicção que jamais atualmente
permitiriam destruir uma Sete Quedas, e eu confesso
P O D C A ST 91

que em 2021, eu tenho dúvidas se não iriam arranjar


um pretexto, colocar um juiz no STF, não sei onde, não
sei onde, que acabariam permitindo um horror desse.
Eu só iria dizer o seguinte: a história, não sei se vocês
lembram, Mauro e Gulin, no noticiário, eu lembro
porque meu assistia o Jornal Nacional sagradamente,
era impressionante e eu acompanhava. E aí, eu me
lembro que quando caiu a ponte, dois, três dias depois
começaram a procurar o culpado. Claro que o culpado
era o IBDF, que depois vai virar IBAMA. E que não tinha
manutenção. O rompimento foi dos cabos de aço da
ponte. Mas o culpa apresentado, dois dias depois, era
um índio coitado, um cabloco miscigenado, entre o
índio e o branco, enfim, ali da região, que aparece sem
saber explicar direito, mas que jogaram pra ele a ideia
de que ele catava os pisos da ponte para fazer lenha,
para queimar na fogueira. Ora, a coisa não aconteceu
porque pedaço da base.

MAURO: arrebentou.

CHICHO: uma mentira deslavada. Na época não existia


fake. Mas isso foi o que ralou. Então até se desfazer
essa história, não deixava alguém poder explicar isso,
por exemplo. Era essa a versão e acabou, na voz do Cid
Moreiro, com todo respeito. Valia para o Brasil todo.
Essa história que eu estava lembrando.

MAURO: e esse acidente foi no último final de semana


em que estava aberto, um dos últimos finais de semana
que estavam aberta. Foi depois do Quarup, não é? Se
não me engano, foi isso.
92

CHICHO: foi antes

MAURO: foi antes do Quarup?

APRESENTADOR: foi.

GULIN: foi antes.

CHICHO: foi em janeiro, Quarup foi em julho e em


outubro, não sei que data de outubro, é que o Itaipu,
que as águas de Itaipu cobriram as Sete Quedas.

APRESENTADOR: se eu não me engano, foi a última


semana de setembro, foi a visitação, inclusive isso vai
aparecer no terceiro capítulo, que Guaíra na época
tinha uma população de 30 mil habitantes. 40 mil
pessoas foram no último dia de visitação ao Parque
Nacional. 40 mil pessoas. Tinham quilômetros de fila
para as pessoas entrarem.

MAURO: aquelas pinguelas deveriam estar lotadas. A


primeira vez que eu passei naquelas pinguelas eu era
criança. Foi a primeira que eu fui. Eu fui três vezes para
Sete Quedas. A primeira vez eu era bem criança. Bem
pequenininho, tinha fotos, eu nem lembro direito. Mas
eu tinha um tio que era famoso por beber demais, e
ele tinha o sadismo, de quando a gente estava no meio
da pinguela, ele começava a chacoalhar a pinguela,
eu bem pequenininho. Meu pai e minha mãe ficavam
loucos com ele. Eu devia ter uns 3 ou 4 anos, meu irmão
uns 7, a gente tava agarrado naquele troço, morrendo
de medo. Imagina. Mas dava medo mesmo de passar
P O D C A ST 93

naquelas pinguelas, dava muito medo, sim. E quando


caiu, teve um cara que mergulhou para salvar gente.

CHICHO: sim, teve um herói.

GULIN: sim, eu me lembro.

CHICHO: Diego, você chegou a ver Monty Python, Em


busca do cálice sagrado?

APRESENTADOR: sim

CHICHO: aquela cena na ponte, ali, no final, é mais ou


menos as mesmas pontes de Sete Quedas.

MAURO: sim.

APRESENTADOR: inclusive essas pontes têm bastante


registros, meu sogro, o Eduardo, ele esteve lá em 1982,
se não me engano, antes do Quarup, mas acho que foi
antes até da ponte ter estourado. E ele tem algumas
fotos lá, essa nossa conversa, vai virar transcrição
depois, para um pequeno livro, com a conversa e vão
ter algumas fotos lá também. Parece que é um troço
super bonito.

CHICHO: ponte suspensa.

MAURO: já que o clima está descontraído. vocÊs têm


certeza então que a queda dessa pinguela foi antes do
Quarup?

GULIN: foi antes, tenho certeza.


94

MAURO: então quando a gente esteve no Quarup, já


tinha uma pinguela a menos lá, é isso?

CHICHO: foi consertada.

MAURO: ah, ela foi consertada. Que gozado, na minha


cabeça sempre alimentei a ideia de que foi ao contrário.
Que o Quarup tinha acontecido... então quando
houve o Quarup não estava mais tendo visitação,
porque quando eles fecharam, eu lembro que o
acidente foi um pouco antes de fecharem as visitação,
justamente quando tinha essa super população de
gente lá visitando.Eu devo estar me confundindo,
provavelmente.

CHICHO: pode ter sido controlado, logo depois fechou,


mas quando a gente foi não estava para o Quarup.

MAURO: é mesmo

APRESENTADOR: eu achei a notícia aqui. Foi em 17 de


janeiro de 1982. Seis meses antes.

MAURO: olha só, minha cabeça está me enganando


mesmo.

APRESENTADOR: eles consertaram a ponte. Era uma


ponte de acesso e foi devido à superlotação. O negócio
ia arrebentar mesmo

MAURO: já pensou?

CHICHO: morreram umas 30 pessoas, por aí.


P O D C A ST 95

APRESENTADOR: eu vou olhar aqui.

MAURO: não sei se morreu tudo isso, ou morreu?


Acho que não chegou a 30. Mas a pinguela caiu com
muita gente.

CHICHO: poxa vida.

MAURO: é que ela arrebentou. Não arrebentou no


meio. Arrebentou na ponta. Aí ela veio e bateu no
paredão. Tanto que ficou muita gente pendurada na
pinguela, no paredão.

GULIN: tipo Indiana Jones.

MAURO: meu Deus do céu. Que loucura.

CHICHO: procurar o herói e o vilão. Tem que ser. Essa


é a linha maquiavélica.

APRESENTADOR: eu encontrei aqui na wikipedia. Tem


um trechinho sobre isso. Vou ler aqui para a gente

Devido à superlotação, em 17 de Janeiro de 1982,


ocorreu a queda da ponte Presidente Roosevelt, que
dava acesso ao Salto 19, tendo como consequência a
morte de 32 pessoas

MAURO: 32 pessoas, meu Deus.

CHICHO: salto 19. Salto 19 dá um bom nome para uma


banda, vocês que toca ainda.

MAURO: é verdade
96

APRESENTADOR: e 6 pessoas sobreviveram, e essa


informação diz que era um pescador. Esse herói era um
pescador (informação corrigida no capítulo 3). Esses
pescadores que foram deixando de existir também.

CHICHO: e os guaranis, que você se referiu ali no


começo, eram os imbirá-guarani, da reserva do
Ocuí, daquela região da margem do rio Paraná. Hoje
acho que é Santa Terezinha de Itaipu, onde eles se
estabeleceram originalmente

APRESENTADOR: então vamos voltar de novo do


festival. Vocês lembram do clima, apesar de ser uma
despedida, uma coisa triste, era uma um clima de festa,
não é?

CHICHO: muita paz, claro que a impressão é muito


pessoal também. Mas o ambiente... isso faz a gente
associar com Woodstock,ou com aquele perído hippie,
porque a tendência era uma coisa, era muita gente,
mas tudo em um astral legal, não sei se a gente é muito
saudosista quando começa a comparar com tempos
atuais. Eu sei que rolou um ambiente muito legal. O
clima ajudou. O clima meterológico ajudou também,
não é? Céu aberto e tudo mais.

APRESENTADOR: eu tenho mais um trecho aqui, eu


vou ler:

O festival contou com uma programação bem extensa


voltada às artes. O jornal O Estado do Paraná, na época,
P O D C A ST 97

divulgou a programação completa. No dia 23 de julho


de 1982, uma sexta-feira e primeiro dia do Quarup, a
programação divulgada era essa.

- Recepção, inscrição e montagem do acampamento

- Palco livre para a música, artes cênicas, ginástica,


exposições, pinturas, esculturas.

- Dança ecológica do estúdio Rita P avão

- Apresentação das entidades presentes

- celebração de um fragmento da “Missa da Terras Sem


Males”, de Pedro Tierra e Pedro Casaldaliga.

- Apresentação musical e cênica do grupo Os Tapes,


cujas tochas foram atiradas nas quedas).

MAURO: me lembro disso

Para o segundo dia, a programação foi um pouco


mais extensa. Na parte da tarde, houve um Painel de
reflexão e debates”. Várias instituições participaram
do acampamento como um todo, principalmente
nesses momento de discussões e reflexões. Estavam
presentes: Movimento Adeus Sete Quedas, Associação
Gaúcha de Proteção do Ambiente Natural e Fernando
Gabeira. Em outra mesa, mais tarde, para discutir Terra
e Energia, participaram a Comissão Pastoral da Terra,
Comissão de Justiça e Paz, Associação dos Agrônomos,
Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul 2 da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
98

Um dos grandes eventos do sábado, também, foi a


caminhada silenciosa dos manifestantes. Mas já vamos
voltar nisso. Vai ser o próximo tópico. O Chá da Serra,
que é a banda do Mauro e do Chicho, vocês tocaram,
não é, a gente já conversou aqui antes, que o Chicho
não tinha levado a percussão dele, mas foi nesse
sábado à tarde a apresentação.

MAURO: foi no sábado à tarde, sim. Eu não sei


exatamente que horário exatamente. Isso não tem
aqui no meu diário, mas a apresentação foi sábado à
tarde. Nós tocamos algumas músicas com o Paulinho
Michelotto e outras que eram do Chá da Serra. Foram
uns 30 minutoso de apresentação, mais ou menos. Foi
um show rápido, foi muito bacana. E eu lembro disso
que você citou, lembro da cerimônia na sexta-feira à
noite, você perguntou agora há pouco sobre o clima.
Eu acho que além desse clima de paz que o Chicho fez
referência, acho que tinha introspecção, sabe? Tinha
um sentimento mesmo de despedida. Parece que o
pessoal estava... claro, tinha todo o tipo de pessoas ali,
e tudo. Mas, em geral, a gente sentia que havia esse
clima meio de consternação, um pouco de triteza, um
pouco de instrospecção pelo o que estava rolando.
Porque não foi simplesmente um show musical.

CHICHO: quase um pedido de perdão.

MAURO: cada pessoa que subia naquele pauco


falava alguma coisa. E fazia uma reflexão dentro do
que podia, fazia um protesto, alguma coisa assim, e a
P O D C A ST 99

própria cerimônia do Quarup feita com os indígenas,


com os guarani, foi muito bonita e tudo. Eu lembro.
Essa caminhada silenciosa que foi coletiva, eu fiz a
minha pessoal com o walkman, que eu já falei. Mas teve
a coletiva´também. Então eu lembro desses detalhes
todo. Foi muito bacana também.

APRESENTADOR: eu queria perguntar para o Gulin,


você já tocava na época. Você estava estudando.

GULIN: eu já tocava, a gente estava formando esse


grupo, O Banco de Praça, já tocava em uns bares em
Curitiba. Lá a gente não tocou. A gente foi em uma
turma e assim, realmente, de shows, essas partes,
eu não lembro nada. Eu lembro de ter visto, mas de
memória fotográfica eu não tenho nada. Eu lembro de
estar na pedra, como o Mauro falou, despedida, de estar
olhando, era uma espécie de cânion e as cachoeiras,
isso eu me lembro bem, as pontas, e caminhar pelos
matos também. O episódio maluco: a gente estava em
uma turma no mato. E apareceu uma macaco. “Poxa,
que macaco bonitinho”, e de repente começou a juntar
uma macacada em cima de nós, a gente estava em uns
10. Esses macacos estava apavorados. Eles sabiam
que iam morrer, entendeu? Eles sabiam e atacaram a
gente. Quando a gente viu tinham uns 100 macacos,
uns macacos enormes. A gente saiu correndo do meio
do mato. Isso está muito claro na minha cabeça. Essa
coisa de ver esses bichos que sabiam que iam morrer.
E depois, eu me lembro de uma reportagem de quando
100

foi alagado. Que começaram o alagamento da represa,


de ambientalistas salvando bichos de barquinho no
meio da lagoa. Tirando cobras, mas eu sentia esse
terror nesse bando de macacos. Foram 10, 15 pessoas
correndo.

APRESENTADOR: se eles soubessem, eles fariam isso


mesmo, não é? Para evitar. É um bom modo de ver
essa ação deles.

GULIN: ele abriu os dentes para nós. Parecia aquela


coisa de filme. Foi maluco. A nossa amiga, a Aninha,
chegou e disse: “olha que macaco bonitinho”. Ele abriu
aquele dentão e a gente se mandou. Foi um negócio
impressionante. Eu lembro de estar na barraca, de
assistir ao festival, das músicas. Como o Mario Trojan,
ele era um cara que trabalhava na secretaria, depois
organizou vários festivais que a gente viajou. Ele foi
diretor do Teatro Guáira, não sei se ele está vivo ainda. E
também tem a Rita Pavão. A gente estava com 20 anos.

CHICHO: a Rita já faleceu, não é?

GULIN: a Rita já faleceu faz tempo.

CHICHO: já faz tempo

MAURO: você sabe que, dois anos depois do Quarup, eu


tive uma namorada que era bióloga e ela não participou
diretamente dessas ações de salvamento lá no resgate.
Mas ela conheceu pessoas que participaram. E ele me
contava, ela era muito ativista ambientalista, ela me
P O D C A ST 101

contava na época sobre essas operações que foi uma


das coisas que ela presenciou. A bicharada tentando
se salvar, enquanto o lago subia. Eu nunca coloquei os
pés em Itaipu. Eu não consigo. Já estive nas Cataratas
do Iguaçu, já me convidaram. Eu não consigo colocar
o pé naquele troço lá. Mas conheço por algumas
pessoas que foram, que tem algum tipo de vídeo
que passam lá no início, mostrando. Nesse vídeo,
eles enaltecem as operações de salvamento, que os
animais foram retirados antes do alagamento, não sei
o que. A história que minha ex-namorada contava era
completamente diferente.

CHICHO: era impossível.

MAURO: as cobras, ela dizia assim: Mauro, eles pegava


as cobras tentando sobreviver, tentando boiar, naquela
água subindo, e iam colocando dentro de cestos e
logicamente que quando o cesto estava cheio de
cobra, aquelas cobras que estava da metade pra baixo,
já estavam mortas por conta do peso das que estava
em cima. Então, tinha coisas desse tipo, que elas
presenciaram ali, sabe. Diz que foi muito triste. Foi uma
situação muito complicada. Então, essa história do Gulin,
sobre os macacos, só ilustra bastante esse conto.

APRESENTADOR: inclusive, vamos tratar disso no


terceiro capítulo. Mas, um mês antes, quem estava
fazendo a catalogação dos animais que viviam na região
era a Prefeitura de Curitiba, por meio do zoológico e a
UFPR (na verdade, era a Caps, e não a Federal). Então,
102

a Itaipu tinha um centro de salvamento e eles fizeram


uma operação chamada Mymba Kuera (pega bicho, em
tupi). Um mês antes, um mês antes. Menos de um mês
antes. Nem a Itaipu estava fazendo isso. E é exatamente
isso que Mauro falou.

CHICHO: uma perspectiva parecida com essa foi a


questão arqueológica também. O professor Igor Chymz,
creio que ainda esteja trabalhando com o pessoal
do doutorado em arqueologia, ele fazia o resgate de
toda a tradição pré histórica, depois na época das
missões jesuíticas. Ele encontrou um monte de sítio
arqueológico. Só que tudo a toque de caixa. Obvio
que você não faz um resgate muito menos histórico,
arqueológico, nem da fauna. Quem tiver asas vai tentar
voar, que tiver patas, vai tentar escapar. Não tem jeito

GULIN: até peixe morreu.

APRESENTADOR: os peixes, isso também vai no terceiro


capítulo. Tem a questão dos cascudo. Ele vive na pedra,
da pedra. Tem matéria, tem foto, Joel Petroski é o
nome do fotógrafo, do Estado do Paraná. Tem foto dos
cascudos no meio da água, no meio do lodo. Aí quem fez
a festa foram os moradores que estava por ali, quando
começou a subir. O pessoal tirava o cascudo de dentro
da água, porque ele já estava morrendo. Acho que a
gente já tem mais de uma hora aqui conversando. Eu
vou trazer mais um pouco da passeata. Vamos voltar
para passeata, vou ler mais uma notícia do Estado do
Paraná, está sem data, mas acredito que seja na semana
P O D C A ST 103

que tenha sido o Quarup Sete Quedas. Inclusive, Mauro,


a quantidade de participantes no jornal. E realmente é
esse número. A gente pode tentar fazer uma apuração
mais precisa do que esses números divulgados na
imprensa na época.

A passeata programada pelo movimento “Adeus Sete


Quedas” para hoje a noite, que sairia do acampamento
ecológico em direção ao centro de Guaíra, foi proibida
pela Polícia Militar. Para fazer o percurso seria
obrigatória a passagem pela frente do quartel da 5ª Cia
de Fronteira, o que gerou a proibição. Os organizadores
se decidiram, então, por uma caminhada silenciosa em
direção às quedas, mas somente até a primeira ilha,
onde há espaço para os participantes se reunirem. A
concentração será logo após a ponte do Salto 19, que
caiu em janeiro passado, fazendo 29 vítimas fatais. Há
quem seja contra a caminhada temendo novo acidente.

APRESENTADOR: então, essa é a notícia da passeata


que seria um protesto, mas foi proibido, então o
pessoal decidiu fazer uma caminhada silenciosa.

MAURO: eu lembro dessa caminhada, e talvez uma das


discrepâncias em relação da questão do número de
pessoas, porque vocês falaram agora há pouco que o
parque estava aberto enquanto rolou o Quarup. Talvez
eles tenham estimado os participantes do Quarup
com base nesses eventos especificamente, mas
certamente muita gente que também estava visitando
o parque aproveitava e ficava lá ouvindo os shows. E
104

provavelmente também o que acontecia é que nessas


passeatas, que ele estima 2 mil pessoas, pelo que você
estava falando. Não estava todo mundo, porque muita
gente que vai para esses eventos, e eu já fui para muitos
deles, não vai pelo teor do evento em si, vai para curtir as
pessoas, ou só para ver shows, ou só pela farra. Ou vai se
embebedar e ficar embaixo de árvores. Cada um tem suas
motivações e ainda mais um lugar como aquele, aberto,
cheio de lugares para você explorar ali, tenho certeza que
você mantinha assim o público total do Quarup indo na
passeata, se foi metade, ou menos da metade do pessoal
que tava ali no Quarup, na passeata, eu acho muito
razoável imaginar dessa forma. Então, eu me lembro de
participar dessa passeata, mas sinceramente não lembro
do número de pessoas. A gente ia em trilhas, em picadas,
vai saber quanta gente tinha por ali. Isso é meio parecido,
de certa maneira, com Forum Social Mundial, eu estive
em algumas edições e o pessoal também faz esse tipo
de estimativa, tem tantas mil pessoas, mas a circulação
de gente é muito grande. Tem gente que mora na
cidade e vai lá, depois não está lá no evento x ou y, ou na
passeata de abertura ou no encerramento. Então, é difícil
contabilizar exatamente quantas pessoas participaram
do movimento, não é? Mas eu acredito, sinceramente,
pela experiência, ainda bato na tecla de que foram mais
do que está sendo noticiado.

APRESENTADOR: eu acho bem importante esse tipo de


contestação tua. Acho que é bem válida. A gente está
usando um meio só, um jornal, inclusive é uma pena
P O D C A ST 105

que a pandemia do jeito que está. Porque eu pretendia


fazer uma pesquisa mais extensa em outros jornais, na
Bbilioteca Pública do Paraná. Mas com tantos lugares
fechados, eu usei uma boa parte uns livros, mais sobre
a questão política e das desapropriações para ajudar,
que é o primeiro capítulo. Mas acho importante esse
tipo de contestação. Inclusive eu não sei, mas hoje em
dia, quando tem evento, quando tem manifestação,
quem faz esse tipo de contagem é a Polícia Militar.

MAURO: eles usam a área, quantas pessoas que cabem


em determinada área. Eles fazem um cálculo.

APRESENTADOR: eu não sei se, em se tratando de


período de ditadura militar, é muito fácil manipular os
números.

MAURO: com certeza esses números foram maquiados.


Ali não tinha como fazer por área. O pessoal estava
disperso. Era um parque enorme. O único lugar em
que as pessoas se reuniam, era na frente do palco. Que
aí se tinha o palco e as pessoas se reuniam por ali, mas
quantos estava ali, qual a porcentagem que estava lá
que estava na frente do palco?

APRESENTADOR: ótimo. Muito bom isso. Alguém quer


falar mais alguma coisa sobre a passeata, sobre essa
caminhada silenciosa?

CHICHO: só queria dizer que o silêncio, estou pensando


nisso agora, na época acho que não. A maneira foi
106

interessante, no fundo, porque era uma forma de


respeito também, não é? De respeito e, ao mesmo
tempo, quase que uma conversa tua com a tua própria
alma e direto com todo aquele ambiente, que não
eram só as quedas. Mas todo aquele conjunto formado
pelas quedas d´água, pelas rochas vulcânicas, com
centenas de milhões anos de existência, com a floresta
que compunha todo aquele cenário e tudo aquilo
iria desaparecer e os macacos que foram citados.
Engraçado que quando o Gulin estava comentando,
me veio a lembrança porque eu estava caminhando
com um grupo mais separado e eu me lembro, agora,
como se alguém tivesse dito: “Cara, teve uns macacos
que atacaram um grupo ali, é melhor cair fora daí”.

MAURO: você está brincando.

CHICHO: agora me lembrei do relato. Até tenha sido o


grupo que o Gulin estava. Quando você comentou, isso
me ligou a outra coisa. Então eu acho que o silêncio
fez juz e como se a gente também ficasse junto com
o silêncio das águas que, por tanto tempo, cantavam,
apesar Itaipu, em tupi-guarani, querer eternizar isso.

MAURO: e assim, pensando, só para complementar,


que nos moldes dos padrões de hoje, de segurança
desses lugares, nossa, Sete Quedas era um lugar super
perigoso. Eu fico imaginando nos padrões de hoje. Eles
iriam, talvez, feito um monte de modificações lá, para
tornar aquilo mais seguro. Naquela minha despedida
particular com o walkman, e acabei de ver aqui no
P O D C A ST 107

meu diário, Gulin, que o walkman era do Bittencourt.


Eu achei que era do Gláucio, mas o walkman era do
Bittencourt. Encontrei aqui essa situação. Eu lembro,
assim, que o fato de eu ter sentado na beira de um
penhasco, com os pés pra fora, hoje me dá um arrepio
porque, como eu te falei, eu tenho medo de altura.
Se eu fiz isso, qualquer pessoa poderia ter feito. Se
você se enfiou no meio do mato, tinha macaco que te
atacou, certamente lá tinha cobra, um monte de coisa.
As pinguelas perigosas como eram. Não era um lugar
pra você mandar teus filhos ir passear, passar um fim
de semana em segurança. Eu achava isso maravilhoso,
porque você estava efetivamente na natureza.

APRESENTADOR: ótimo. Muito bom. Então acho que a


gente pode já indo em direção do final. Inclusive, estava
no roteiro, eu queria comentar sobre o pessoal vindo
de vários lugares do Brasil, a gente já conversou sobre
isso, não é. E isso que o Chicho falou é interessante
porque o lugar ali se ouvia a 30 quilômetros de
distância o barulho das quedas e com o alagamento o
que restou, mesmo, foi o silêncio.

CHICHO: sepultaram as águas.

APRESENTADOR: uma pergunta, acho que vale para o


Chicho também, para os dois que compõem. Mauro
e Gulin, se essa época, se essa vivência influencia, ou
influenciou vocês na composição, ou talvez na vida
também. Eu não sei, para mim, há esse clima de paz,
um clima de companheirismo no ar. Eu não sei, eu não
108

vivi isso, mas me parece que isso existia. Queria saber


se isso reflete em vocês hoje, se o festival, se essa visita,
de alguma maneira influencia vocês, a obra de vocês.

GULIN: claro, essa época aí que a gente já falou era


o final da ditadura, a gente pegou além da polícia, a
gente vizia Polícia do Exército na rua, então a gente
andava fugindo e foi a volta dos festivais. A gente
gostava do Zed Zeppelin, do Pink Floyd, mas não
tinha visto vídeo dos caras. Então a gente curtia os
festivais. Teve o Festival de Camboriú, antes em 70 e
poucos, teve um em Cambé, mas depois do Quarup,
teve dois ou três Águas Claras. Mas no Quarup essa
coisa do respeito, realmente, já era uma, embora a
gente sendo jovem, tinha essa coisa da despedida, foi
uma coisa para presenciar a música, mas uma coisa
de despedida mesmo. Era o Adeus, 7 Quedas. Uma
coisa triste mesmo, no fundo. A gente viveu isso e ver
aquela magnitude tudo e ver ela ser destruída pelo
homem, assim, sem necessidade, realmente eu acho
que impactou minha vida dali para frente. Com certeza.
Com certeza uma coisa muito forte.

MAURO: eu tenho pra mim que é aquela coisa de


olhar em respectiva e ter orgulho de ter estado lá.
Eu gosto da ideia de ter estado lá. De ter feito parte
disso. Assim como, guardada as devidas proporções,
um jovem estadunidense, hoje veterano, “eu estive
em Woodstock, eu estive entre aquele meio milhão
(de pessoas)”. Na verdade, as coisas tèm um certo
P O D C A ST 109

parentesco, mas são bem diferentes, porque


Woodstock era apenas música. E aqui tem toda uma
simbologia de luta mesmo, ambientalista e tudo. Mas
o fato de ter estado lá, realmente... eu acho que me
apaixonei por essa questão ambientalista e depois,
inclusive, trabalhei muito na vida com isso, por conta
daquilo, sabe? Para a questão do ambiente, e também
para a questão também do direcionamento crítico,
para um pensamento crítico. Eu não admitia, como
que pode um grupo de pessoas se apoderar de um
país e fazer o que fizeram e a sociedade aceitar aquilo.
Então, eu me tornei muito, eu já estava, a minha base
de formação vem muito da Teologia da Libertação,
meio sempre voltado para a esquerda e tudo, eu lutei
muito, na época, nesse final da ditadura militar, pelo
fim da ditadura, aquilo deu muito fôlego para aquele
movimento Diretas já dois anos depois. O Quarup
Sete quedas trouxe essa bagagem para nos dar força.
E assim, como compositor, como musicista, eu tenho
uma música que eu compus dois anos depois, estava
viajando pelo Brasil e lembrando do Paraná, que se
chama “Saudade me ensinou”, que fala sobre coisas
do Paraná. E um dos versos da música fala sobre Sete
Quedas, que foram sepultadas. Também tive o prazer
de gravar com o Blindagem a música que eles fizeram,
chamada inclusive Adeus Sete Quedas, no disco Cara
ou cora. Participei com eles. Foi um prazer grande. Acho
que a temática ambiental marca sempre assim. Tem o
que você vai colocar na tua vida como compositor, o
110

Gulin que é compositor sabe disso, que não faça parte


do que você viveu. A gente é uma coletânea. Acho que
aquele sofrimento coletivo de quem estava lá marcou.
Marcou, sim. Com certeza.

CHICHO: estava pensando aqui o acampamento do


Quarup foi uma escola. Uma escola para a vida da
gente. Engraçado que às vezes a gente não pensa
nisso. Quando você faz essa pergunta, Diego, e a gente
pensa: “Putz, não é que é verdade”. O relacionamento
de coleguismo de companheirismo, de solidariedade,
de respeito com os outros, rolava e às vezes você não
se dava conta, porque era a coisa mais normal do
mundo. Que bom. Que bom que era assim, não é? Podia
continuar assim. Mas eu tinha pensado o seguinte:
para vocês músicos, sobre tudo, tenho certeza que na
composição do Mauro e do Gulin, a natureza é a base
musical, não é. Quantos sons da água batendo nas
rochas, seja no cânion do Rio Paraná em Sete Quedas,
seja em Guaraqueçaba, a água batendo no Costão,
que tem provavelmente muito a ver com o ritmo do
Fandango, eu não entendo, mas acredito que sim. A
natureza é a mestre, é o Beethoven planetário. Não sei.
Eu acho que tem tudo a ver com isso. A natureza, o
acampamento, a ecologia e a música.
P O D C A ST 111
112

APRESENTADOR: Olá. Você está ouvindo o podcast


Desbravando: Quarup Sete Quedas. Estamos contando
a história do acampamento feito no Parque Nacional
das Setes Quedas, em Guaíra no Paraná, em protesto
contra o alagamento da então maior queda em volume
de água no mundo. Esse é o último capítulo. Então,
se você ainda não ouviu o primeiro nem o segundo,
recomendamos que volte ao capítulo 1. Eu sou o Diego
Zerwes, roteirista e apresentador.

Neste episódio continuaremos conversando sobre o


Festival Quarup Sete Quedas e sobre o fechamento da
barragem em Itaipu, a consequente subida do Rio Paraná
e todos os estragos causados pelo então segundo maior
logo do mundo, o lago de Itaipu. Participam comigo o
artista e criador Marcelo Weber e o professor Francisco
Rehme, o Chicho, que também participou dos outros
dois episódios.

Este podcast é realizado COM RECURSOS DO PROGRAMA


DE APOIO E INCENTIVO À CULTURA – FUNDAÇÃO
CULTURAL DE CURITIBA, DA PREFEITURA MUNICIPAL DE
CURITIBA E DO MINISTÉRIO DO TURISMO.

Antes da gente chegar até o dia 13 de outubro de 1982,


o dia derradeiro, em que as comportas da unisa de Itaipu
foram fechadas e as quedas de Guaíra começaram a ser
submersas, vamos voltar ao acampamento. E antes de
voltar ao acampamento, eu vou pedir para o Chicho fazer
a leitura dos textos que ele escreveu enquanto esteve lá
no acampamento Quarup Sete Quedas.
P O D C A ST 113

CHICHO: Olá, gente. Novamente aí com vocês, o maior


prazer. Ainda bem que a gente escrevia. Não sei por
que a gente escrevia naquela época os diários. Diários
de bordo. Porque, do contrário, não lembraria desses
detalhes, as palavras, digamos assim, e algumas ideias
que ali ficaram registradas

A beleza dos saltos do rio Paraná, como das matas


carregadas de lagartos e borboletas, eu realmente não
pude compreender como tal fascinação , dentro de
alguns meses (20 de outubro, 13 de outubro) ficassem
submersas sob as águas de lago artificial e predador.

Negra água crepuscular. Rochas basálticas esculpidas


pela água artesã. O homem mergulha na água e no
tempo: remonta uma ação, uma purificação do mesmo
bicho homem de doze, quinze mil anos atrás. Lua, que
agora vejo como uma ponta de unha perdida no espaço.
Essa lua, que está começando a crescer, lembra um barco
empinando, singrando os mares espaciais.

APRESENTADOR: depois de ler isso aí eu queria que esse


trecho entrasse nesse início de terceiro e último capítulo.
Obrigado, Chicho, por compartilhar com a gente.

CHICHO: o prazer é meu bem agradeço aí a oportunidade


também.

APRESENTADOR: Marcelo, você que ainda não foi apresentado


os nossos ouvintes. Você pode falar quem é você?

MARCELO: Sim. Então, eu sou Marcelo Weber. Trabalho


114

com arte, sou marceneiro, trabalho com manualidades e


sou educador também. Trabalho, escrevo também e sou
um grande leitor. Nasci em 64 então, na altura do Quarup
eu estava com 17 anos e iria fazer 18 anos no final do ano.
E esse movimento foi o primeiro de um país que estava
ainda respirando os odores de uma ditadura. Então teve
um papel muito importante. Na minha compreensão
do da realidade do mundo que em que a gente estava
vivendo, não é? Foi sair de dentro de um de um contexto
e se colocar num contexto maior. Que eram das de
geopolíticas brasileiras e tudo mais, não é? Mas eu fui lá
para o movimento (Adeus, Sete Quedas), sim, então eu
estou aqui para talvez contribuir com o meu testemunho,
embora a memória não ajude muito e eu não tomava
nota no caderninho Igual ao Chicho.

APRESENTADOR: Antes de fazer as outras perguntas, eu


vou contextualizar um pouco. Quero trazer a citação da
pesquisadora Ana Paula dos Santos em sua tese “Lago de
memórias: a submersão das Sete Quedas”.

“Sete Quedas compreendia um conjunto de cataratas


que tornava Guaíra uma cidade de grande potencial
turístico, mas que foi submerso nas águas da represa de
Itaipu, juntamente com 680 quilômetros quadrados de
terras férteis localizadas em território paranaense. Hoje
considerada a maior cachoeira submersa do mundo,
Sete Quedas situava-se a cinco quilômetros do centro
da cidade.O encanto da beleza natural que as Sete
Quedas proporcionavam aos turistas, numa caminhada
P O D C A ST 115

de 2500 metros1, era realmente algo fascinante, que


motivava a inspiração poética para quem a conhecia. Para
muitos, percorrer os arriscados caminhos que levavam às
cachoeiras era de fato um passeio inesquecível, repleto de
emoções, numa visão que permitia contemplar a paisagem
da mata virgem e transpor várias pontes pênseis.

As sete principais quedas d’água totalizavam 114 metros


de altura, fazendo com que os sons das águas que se
precipitavam sobre suas rochas pudessem ser ouvidos
a até 32 quilômetros de distância da cidade. Famosa por
seu imenso volume de água e seus vários arco-íris, Sete
Quedas era parte do Parque Nacional das Sete Quedas,
que compreendia uma área de 144.000ha. Criado em 30
de maio de 1961 pelo presidente João Goulart, o Parque
Nacional foi extinto em 04 de julho de 1981 pelo presidente
João Figueiredo, através do Decreto nº 88.071, tendo em
vista a futura formação do lago de Itaipu e conseqüente
submersão de parte do referido parque nacional”.

APRESENTADOR: vocês que estiveram lá, que viram


as quedas com os próprios olhos, como que vocês
descreveriam as Sete Quedas?

MARCELO: para mim, a Foz do Iguaçu, hoje, que a gente


tem as Cataratas do Iguaçu é uma menina né uma criança
perto do que era Guaíra. A presença do som da água era
constante. Era alto, ele todo dominava. Eraum mantra
mesmo. Há uma coisa, uma espiritualidade que aflora
nessa nessa situação. Você vê a natureza dominando
pelo som constantemente. É indescritível. Eu senti isso
116

depois. Quando voltei muitos anos depois às Cataratas


do Iguaçu eu fui convidado e fiquei sozinho com mais
uma pessoa lá. Não tinha turista lá eu passei o dia lá em
uma passarela das Cataratas. É uma coisa nos toma e nos
coloca em um estado que eu nem sei te dizer mais.

CHICHO: Diego, faltou mencionar ali na apresentação


do Marcelo uma série de outras profissões, atribuições
e grandes tons que o Marcelo é. Eu diria assim, como
Leonardo da Vinci. Não sei se eu já tinha falado isso para
ele. Mas o da Vinci, Júlio verne.

APRESENTADOR: dos pinheirais.

CHICHO: dos pinheirais do século 20, 21. Mas o seguinte:


eu achei bem bacana quando você comentou, Marcelo,
em mantra e espiritualidade. Porque, cara, eu acho que
caiu, assim, perfeitamente. Você tem alguma diferença
muito muito forte e tem várias com as Cataratas de Iguaçu,
mas eu disse até no último episódio que o ambas são
maravilhosas mas são diferentes né? Mas diferença talvez
crucial é a ideia de natureza bruta, indomável, era essa a
sensação. Apesar das passarelas, apesar das trilhas, mas
eu diria que isso quase, me permita aqui, era quase um
arranjo razoável da obra humana com a natureza. É como
eu vejo, e talvez seja muita ilusão minha, mas eu acho
que a ferrovia por exemplo Curitiba Paranaguá, quando
ela cruza a Serra do mar, quando ela fica encravada ali
no meio da Serra, e quando você, de longe, la do Salto
dos Macacos, por exemplo, você vê o trem costeando o
Marumbi. Eu acho que aquilo tudo se completa eu acho
P O D C A ST 117

que a beleza também, apesar de tudo, na obra humana.


Mas no caso, então de Guaíra, eu tenho impressão que
você se sente assim, envolvido totalmente envolvido, era
sonoro. Não só a sonoridade das águas, mas dos insetos,
da passarada. Só faltava as pedras falarem mesmo, não é?
Talvez as pedras cantavam é através do ruído das águas
batendo nelas, martelando nelas, há milhões e milhões
de anos. Mas é genial eu gostei.

MARCELO: É isso mesmo. É o som das águas batendo nas


pedras. O som, eu não sei, ele acaba sendo predominante
mesmo. Então as pessoas também se entregam sabe
elas não têm como resistir a aquilo ali. Bom, quando eu
cheguei, já tinha bastante gente. Porque o movimento na
verdade acaba sendo tardio. O Quarup vem depois, na
verdade, do próprio “Adeus, Sete Quedas”. Na verdade
ele se cola em cima. A ideia de Quarup nasce aqui em
Curitiba mesmo. Também com um antigo conhecido
meu, o Ribas Lange, Roberto. Falecido Roberto que talvez
o nosso ambientalista mais atuante nessa década, na
formação de parques, na luta pela preservação e pela
formação de parques, cujo nome hoje é associado hoje ao
de Saint Hilaire, contempla uma área ali no Quaraguaçu,
ali um grande parque Alexandra. Então, o festival já não
aconteceu como festival. Aconteceu com Blindagem,
tinha teatro também, eu acho que era a Rita Pavão.

CHICHO: Isso. Inesquecíveis.

MARCELO: só que esse, é claro, não é, foi um negócio


muito que dava para ver claramente que estava sendo
118

sempre tudo muito monitorado pelos militares. Os


militares em cima com a preocupação de que esse
movimento pudesse virar uma coisa maior, não é?

APRESENTADOR: inclusive, a Polícia Federal esteve lá. Eu


acredito que tinha 40 agentes, se eu não me engano eu
não sei se estavam infiltrados. Eu li isso hoje.

MARCELO: Então você veja, tinha muitas pessoas,


famílias simples que não estavam indo para o festival
dentro daquele ambiente heterógeno. Porque, eu sei lá,
mas foram mais de 30, 40 mil pessoas que perderam as
suas terras. Esse grupo heterógeno, que era composto
ali de colonos, mas na sua maior parte por vários grupos
indígenas que foram transplantados ali para... até para
Ilha da Banana. Ilha do Bananal. Enfim, lá acabou se
cristalizando ali como se fosse num espectro de pedra, no
que acabou se refletindo em vários setores da sociedade
implicadas nesse festival. Então uns como meros turistas
e outros acabavam mesmo indo com o mero turista
comprando a ideia, não é? E sentindo afim com a ideia
do movimento das coisas da revolta que a população
tinha contra essa obra que que foi imposta, não é?
Como muitas outras, como quase todas do período da
ditadura. Você veja esse período que quer mostrar que
o Brasil é pujante que o Brasil é grande que constrói.
Ponte Rio-Niterói, Angra dos Reis, Itaipu, foram sempre
obras que nunca foi consultada a opinião pública. Nunca
foi feita nenhuma avaliação profunda dos impactos que
isso tinha. Por que? Porque era decisão de um governo
P O D C A ST 119

que era autoritário. Essas são as grandes vantagens do


período militar que hoje se tenta resgatar. Como se isso
fosse solução para o país entender melhor o que estava
o que se passou pelo Brasil nesses anos em termos de
corrupção, do crescimento da dívida externa, a construção
de obras faraônicas para satisfazer o nosso complexo de
inferioridade diante do mundo. Mostrar que o Brasil é um
país do primeiro mundo e que o Brasil é um país líder da
América Latina e etc., com vários tipos de ufanismo. Que
só levam a uma arrogância e à destruição. Então, acabou
que esse movimento ganhou isso sabe com Roberto,
com a Teresa Urban. Eles intelectualizaram uma coisa
que era o movimento do adeus Sete Quedas que foi uma
coisa de revolta de colonos ali de Guaíra, que começaram
a perceber que eles estavam perdendo o negócio deles,
que eles iam perder as terras, a própria cidade perderia
o turismo e o resto perderam suas terras.

APRESENTADOR: Marcelo. Alguns desses pontos aí


que você falou por último que a gente vai ver logo na
sequência. Vai ter vai ter essa discussão aqui. Eu queria
agora perguntar para você que você tem umas histórias
boas de lá, não é? Por exemplo.

MARCELO: Eu fui com Teddy. E fui com o Teddy Ariel

CHICHO: saudoso Teddy.

MARCELO: com o Galdino.

APRESENTADOR: Galdino que é o nosso entrevistado do


primeiro capítulo.
120

MARCELO: a gente foi, se eu não me engano, foi de ônibus


por Bauru. Não, não foi por Bauru. Foi por Foz do Iguaçu
mesmo, fui por aqui. Eu acho que eu voltei por São Paulo.
Quando saí, daí eu voltei para São Paulo não sei por que
eu acabei indo para São Paulo. Mas no acampamento,
a gente tinha, por exemplo, um grande painel que a
gente escrevia mensagens. A gente desenhava, era todo
mundo escrevendo contra a destruição das Sete Quedas.
Eu mesmo vi a truculência da polícia. A gente tinha que
comprar comida em Guaíra, então geralmente alguém
tinha carro e daí juntava quem precisava e o carro ia
sempre cheio de gente, pra comprar comida. E na volta
a gente pegava essa fila para entrar no parque, tinha
portão e na nossa frente tinha um bug com um senhor –
para mim na época um senhor, talvez seja até mais novo
que eu hoje –, mas ele tinha um cabelo comprido com
rabo de cavalo e ele foi arrancado de dentro do bug pelo
cabelo pelo policial e eu vi que ele não tinha falado nada.
Ele, policial fazia sinal para avançar e eu acho que ele não
conseguia engatar a primeira, não sei, deu alguma coisa
lá. E aí o policial arrancou ele do carro e começou a bater
com o cassetete e eu saí do carro e eu segurei o policial.
Então, eu tive também algum problema. Porque daí me
cercaram e daí a gente foi preso e interrogado e tudo mais.
Mas também tinham outras testemunhas então o negócio
ficou por ali também. Mas eu não resisti ver uma pessoa
mais idosa, sei lá, apanhando violentamente por nada.

E aí nós fazíamos comida e daí no meio do acampamento,


você imagina, tinha professor da universidade, tinha
P O D C A ST 121

ambientalista, tinha os hippies malucões e tinha os


índios. O que acontecia? Os índios traziam uma paca
do mato para a gente assar tudo? Trouxeram uma paca
um. A gente assou a paca, que era comida deles. E o que
morreu de paca afogada no próprio lago, hein? Até peixe
morreu afogado.

APRESENTADOR: sim nós vamos chegar lá. Tem uma outra


coisa aqui. Quase 40 anos após o Quarup Sete Quedas,
eu imagino que você, Marcelo, se considere cozinheiro,
entre tantas outras coisas que a gente falou. Você tem
livro de receita e tudo. Diante disso, queria perguntar se
você já cozinhava na época, a gente estava falando disso
agora. Tem uma história que vocês compraram um boi
inteiro para cozinhar, para fazer churrasco?

MARCELO: não, a gente ganhou o boi. Mas foi muita


gente, como tinham esses colonos que que já tinham
saído, e alguns ainda estavam em processo de saída,
só sei que a gente ganhou, eles trouxeram um boi não
para presentear ali o festival. Então tá, vamos fazer um
churrasco. Aí foi aparecendo muita gente para comer o
boi. Então, eu via que assim: chegou uma hora que tinha
as patas do boi, que tinha a cabeça e aquilo foi virando:
uns faziam depois um picado um cozido, o mocotó. Só sei
que a gente comeu uma variedade de carnes de tudo que
é jeito, de toda maneira, preparada pelos índios também,
experimentando esse boi que foi fragmentado mas ele
foi quase inteiro assado no mesmo dia assim, sabe? Ele
lembra o boi de sacrifício.
122

APRESENTADOR: eu queria saber se tem mais alguma


questão que envolva o acampamento. Acho que vão
aparecer mais coisas daqui para frente, mas a próxima
coisa que eu queria discutir é a chegada das águas já,
quando começam a chegar às águas em Sete Quedas.
Não sei, se tiver mais alguma coisa, acho que pode ser
agora, se encaixar depois, a gente pode falar depois
também, não tem problema.

MARCELO: ah, você diz em relação ao acampamento?

APRESENTADOR: é.

MARCELO: no acampamento aconteciam, por exemplo,


muitas caminhadas. Acho que as pessoas sentiam que
iam perder aquilo, então tentavam tirar o máximo proveito
daquilo. Então, a gente caminhava muito. Descia, tomava
banho também. Tinha uns lugares ali que formavam
uma uns remansos e a gente tomava banho. E foi muito
músico para lá que a gente não tem nem registro desses
caras, sabe? Porque, assim, você andava, você via grupos,
pessoas com violão, cantando. E coisas muito boas assim,
profissionais até, mas formando pequenos círculos nesse
acampamento que tinha um grupo há muito tempo ali e
os outros sendo turistas, renovando ali, vindo acampar
mais gente, até que também proibiram a entrada lá. E um
tanto eles resolveram barrar mesmo a entrada, limitar.
Não sei se 5 mil, não me lembro quantas pessoas.

APRESENTADOR: isso é uma questão bem interessante


porque os meios de comunicação divulgam o número de
P O D C A ST 123

2 mil participantes. E o Mauro, no nosso último capítulo,


ele questionou isso. Ele falou que a impressão, acho que
o Chicho também concorda, era que tinha mais gente. 2
mil pessoas seria pouco perto que tinha lá.

MARCELO: essa confusão que a gente faz, porque


também algumas pessoas montaram barraquinhas para
venda de produtos, já que tinha muita gente acampada. E
como vendendo água no sinaleiro. Você tem um caminhão
caído na estrada, aparece gente bebendo água. Lá, como
tinha muita gente acampada, muita gente de Guaíra
montou barraca também para vender, para atender essa
demanda de turista que ia chegando. O festival, talvez,
tivesse 2 mil pessoas intencionadas inicialmente a fazer
um festival. Só que ele aconteceu com muito mais gente,
que eram esse grupo de teatro. E as pessoas ficavam
porque depois, à noite, acontecia teatro e festival de
música. Da tarde em diante já tinha um palco montado
e muitas vezes acontecia, “Ah, eu sei tocar”. Não foi uma
coisa montada e que foi só para alguns shows. Não. O
palco ficou lá, então tinha gente tocando o tempo inteiro.

CHICHO: deixa eu só que inclui outra coisinha também.


A gente vivenciou muita coisa com os olhos e com os
demais sentidos.Olfato, audição. Se tivesse por exemplo
na época a facilidade de fotografar, que a gente tem hoje,
via digital. Por um lado, a gente capturava muito mais
imagem. Eu não tenho uma foto, caramba. É porque
era complicado, você tinha que comprar rolo de filme
36 poses, era caro e aí tinha que mandar revelar. E
124

você perdia parte das fotos com excesso de luz. Enfim,


sobretudo que não era bom nisso. Mas, por outro lado,
eu acho que a gente hoje em dia também bate um monte
de imagens, captura um monte de imagens e depois não
vê. Eu digo o seguinte: acho que foi uma sequência de
caminhadas, como lembrou Marcelo, de banhos de Rio
naqueles remansos, de muita música, de muito teatro,
de muita dança e isso tudo acabou ficando gravado no
nossa o cérebro mesmo, como registro.

MARCELO: É, por exemplo, apareceu lá, eu me lembro,


apareceu um cara, não sei se ele era boliviano, ou
equatoriano. E ele fazia pintura corporal, foi a primeira
vez que eu vi um monte de mulher nua, pintada com as
Sete Quedas no corpo. Ele fazia pintura no corpo inteiro
e, nossa, era uma fila de mulher para pintar. Eu acho que
talvez ali tenha despertado minha veia artística, só que eu
não derivei para esse lado. Mas ele pintava as mulheres.
Então, era uma coisa irreverente era uma coisa que
mexia com estatutos de pudor, morais. Tinha sempre
uma conotação de transgressão, ou seja, de encontro
também com a liberdade. Além de misturar esses sons
da natureza, ainda a gente via, de certa maneira, uma
manifestação da liberdade, de uma sociedade possível,
de uma sociedade diferente daquela que a gente só
estava vendo até agora.O movimento também tinha essa
conotação para mim, assim, ou pareceu, com as mulheres
pintadas nuas, o próprio teatro,uma das peças eram
mulheres nuas, eram homens nus. Também se falava na
época, me lembro bem, estava na onda o teatro do Boal,
P O D C A ST 125

então tinha um cenas pesadas. Com certeza né era tudo


foi tudo muito bem registrado pelo SNI, você devia ter
chamado alguém do SNI para fazer essas entrevistas não
nós. O cara ia poder dizer muito mais.

CHICHO: mas eram rupturas de padrões. Isso com


certeza.

APRESENTADOR: e não é a toa que alguns jornais da


época chamaram o festival de Woodstock ecológica.

MARCELO: sim. E aí, você veja, a gente vinha ali com 16,
17 anos desde os 12 e 14 anos vivendo com o irmão mais
velho, irmã mais velha que ouvia rock and roll. Aí você
conhecia o movimento de Woodstock. Então a gente
se sentia mesmo fazendo a nossa história. Fazendo a
nossa história com o rock, com as coisas, e juntava tudo,
juntava uma evidente, de ódio ao governo militar, que era
justamente a causa da morte de Sete Quedas, juntava uma
coisa tão icônica com isso, com toda a nossa é coleção de
ideias e de valores que a gente vinha acompanhando e se
identificando como jovem.

APRESENTADOR: então eu acho que eu vou passar


para o próximo item aqui. E conforme as coisas vão
aparecendo a gente pode adicionando, vocês ficam à
vontade para parar.

Foi no dia 13 de outubro de 1982 que as comportas da


Itaipu foram fechadas e aí teve o início do represamento
do rio Paraná e o consequente alagamento das Setes
Quedas de Guairá.
126

Em 14 de outubro de 1982, no jornal Folha de São Paulo:

Exatamente às 5 horas e 45 minutos de ontem, a Itaipu


Binacional iniciou o fechamento das comportas da usina
que Brasil e Paraguai constroem juntos, no Rio Paraná.
Oito minutos após, a operação estava concluída, sem
nenhum imprevisto.

Já nas primeiras horas da manhã, a assessoria de


relações públicas da empresa anunciava o fechamento,
em lacônico comunicado, esclarecendo que data e
hora foram decididas por haver o Rio Paraná atingido
condições requeridas para a operação e haver sido
completada a preparação necessária.

Em cerca de 12 dias o Rio Paraná, represado, terá


alagado 101 mil hectares de terras, boa parte férteis,
em 8 municípios da região oeste do Paraná, além dos
alagamentos que provoca na margem paraguaia. Também
desaparecerão Sete Quedas, na cidade de Guaíra.

E agora outra notícia, agora do jornal O Estado do Paraná,


do dia 14 de outubro de 1982, notícia de Cley Scholz.

Começa a formação do lago de Itaipu. Paraná fica menor

Rojões anunciaram ontem, às 11 horas da manhã, o êxito


da “operação fechamento do Rio Paraná” e os operários
subiram até o alto da barragem para assistir o início da
formação do lago de Itaipu, que dentro de 15 dias será
três vezes maior que a Baía de Guanabara. A operação
fechamento começou anteontem às 17 horas com a
P O D C A ST 127

interdição da área próxima à estrutura de desvio, por


onde o Rio Paraná passou a correr desde 1978. Cerca de
250 técnicos foram mobilizados até às 5h45min, quando
as comportas começaram a baixar. Oito minutos depois,
o rio Paraná deixou de correr e suas águas começaram
a ser represadas. Com o fechamento das comportas do
canal de desvio, o Rio Paraná já havia subido cerca de 36
metros acima de seu nível até a tarde de ontem. Dentro
de um ou dois dias, quando o rio começa a sair de seu
leito secular e invadir os campos onde antes havia
vastas plantações de trigo e soja do lado brasileiro, e
florestas virgens na margem paraguaia, o enchimento
será bem mais lento.

APRESENTADOR: algumas pessoas, eu li, elas


falaram que esta terra, eu não sei se foi um discurso
proposital, meio de propaganda, para dizer que essa
era uma das áreas mais férteis do país, essa área
alagada que foi perdida?

CHICHO: Diego, era Terra Roxa né, aquele solo é


popularmente chamado Terra Roxa até por um erro
de tradução ou de audição, uma vez que quem trouxe
essa denominação foram os italianos quando chegaram
ao interior de São Paulo para substituir a mão-de-obra
escrava e, na hora de avançar plantio de café e tudo
mais, encontravam aquele solo e diziam “Terra rossa”.
Essa “rossa” significa vermelho. Mas ela é derivada do
basalto, decomposição dessas rochas vulcânicas, ricas
em ferro, que dá elevada fertilidade. Tanto que áreas
128

vulcânicas atuais, que têm atividade vulcânica hoje, como


lá no Havaí, nas ilhas havaianas, ou nas Filipinas ou em
tantos outros lugares são geralmente locais muito bons
para agricultura. É a grande contradição: como é que
tanta gente mora perto de vulcão? Claro ela te garante
a prosperidade, a sobrevivência, que seja. Então, pode
acontecer um evento? Pode. Mas pode ser que passe
gerações e gerações sem que o vulcão entre em atividade.
Mas no caso, então, o solo é derivado desse processo aí
de intemperismo sobre uma rocha de origem vulcânica.
Por isso é um solo rico.

APRESENTADOR: e vocês acompanharam essa subida


das águas por jornal, por televisão?

CHICHO: eu me lembro no noticiário, acho que eu


comentei na outra parte também. Inclusive na ocasião
em que o presidente teria se emocionado. O presidente
era João Batista Figueiredo, na época da conclusão, teria
se emocionado com isso. Eu até comentei dizer que eu
vi a lágrima correr ou a câmera fez isso, apenas mostrou
isso com destaque. E eu disse: agora já sei o que que é
lágrima de crocodilo. Porque isso é falso.

MARCELO: depois, como a gente como tinha passado


por lá, a gente queria saber né? Ver, saber. Então a
televisão passou bastante imagens do lago subindo, mas
mostrando sempre como uma nova beleza, nós temos o
maior lago do mundo, sei lá, ou um dos maiores lagos.
Quantas vezes a matéria já não tocava mais no assunto de
Sete Quedas. Agora era uma outra coisa. Era uma outra
P O D C A ST 129

beleza, uma beleza construída ali com um sepultamento.

APRESENTADOR: Com o silêncio que o Chico falou no


Capítulo 2.

MARCELO: sim

APRESENTADOR: o silêncio que era barulho.

MARCELO: é o calar-se das cachoeiras.

APRESENTADOR: eu encontrei uma entrevista com


o então engenheiro florestal da Itaipu binacional, ele
era responsável pela parte brasileira. É um engenheiro
florestal, inclusive ele deu várias entrevistas, ele falava
muito com a imprensa na época. O nome dele é Arnaldo
Carlos Muller e ele foi entrevistado pelo Estadão em 18
de novembro de 2012, é uma entrevista recente. Se eu
não me engano, ele sai vários anos depois da Itaipu. Ele
fica um tempo na Itaipu depois das Sete Quedas. E o
entrevistador pergunta para ele assim :

Qual o impacto sobre o ecossistema foi o mais difícil de


ser evitado?

Arnaldo responde: naturalmente aflora a questão de Sete


Quedas. Sobre esse impacto, porém, havia muito pouco
a fazer. Fizemos coletas de plantas da área rupestre das
rochas de Sete Quedas, mas foi mais para registro. O
salvamento foi tentado, mas com resultados pífios. Ao se
formar o reservatório, descobriu-se que nas fendas das
rochas havia centenas de morcegos muito pequenos,
que escaparam da inundação e invadiram as casas de
130

Guaíra, causando um pânico que durou três dias entre os


moradores. Esse foi um impacto que não havíamos previsto.

CHICHO: as pragas do Egito. Vai passar não vai passar na


Record. Ops, não pode falar essas coisas. TV biblíca.

MARCELO: eu me lembro depois quando eu voltei. De


novo, teve uma organização aqui, que eu não participei,
que era de voluntários para resgate de animais. Mas eu
tenho uma amiga, duas amigas que foram na época,
uma já era estudante de veterinária. Elas foram para
lá participar desses resgates, mas o resgate era quase
insignificante, por que: o que acontece? No momento,
você imagina, várias ilhas desaparecendo ao mesmo
tempo ou com espaço de tempo de meia hora, de uma
hora, então eles tinham que, com o remo, empurrar os
animais que vinham tentando subir na lancha porque
já estava cheio de animais, que não dava mais para
carregar. Então você via a em cima de árvore macaco com
onça, tudo junto, desesperados porque não tinha... isso
que ela me registrou e que eu imaginei muito verossímil.
Porque era bem possível que realmente você precisava
de um contingente muito grande estrutural, para atender
essa fuga do animal que não percebe e de repente tá
com as pernas molhadas e daí que começa a debandada
de veados. Muitos chegavam cansados numa ilha que
ia desaparecer daqui a meia hora, então eles ficavam
nadando a esmo até se afogar.

APRESENTADOR: aproveitando já esse assunto, um


material relativamente longo aqui para a gente tratar
P O D C A ST 131

aqui, aproveitando essa tema que o Marcelo puxou.


Esse aspecto importante que é a documentação das
espécies de animais ameaçados pela subida das águas.
Essas informações saíram no jornal estado do Paraná
em 21/09/82. Vale a pena repetir a data. Foi apenas
na semana do dia 21/09/82, menos de 1 mês antes de
começar o alargamento, que entidades começaram a
documentar as espécies de animais que vivem no Parque
Nacional de Sete Quedas. Esse trabalho não foi pela
Itaipu, foi feito por zoólogos e veterinários patrocinados
pela CNPq pela prefeitura de Curitiba e o número de
espécies que eles acharam foi.

252 aves, 1600 insetor,126 de peixes. E voltando aqui


ao Arnaldo Muller, ele conta que em alguns aspectos
era um trabalho para inglês ver, o trabalho ambiental de
Itaipu, uma vez que o general Ernesto Geisel, presidente
na época em que ele começou a trabalhar na Itaipu,
que foi em 1975, Geisel eu não era simpático à ideia de
preservação ambiental. Falar em proteger o verde era
uma espécie de poesia para os militares, ou seja, era algo
que não existia olha.

CHICHO: não cabe no cassetete a questão de preservação


ambiental e nem poesia. Ou vice-versa não cabe em
preservação ambiental e poesia cacetete. Mas, tudo bem,
é só uma observação.

MARCELO: isso mesmo, Chicho, vai se revoltando.

APRESENTADOR: eu vou continuar aqui porque a gente


já vai chegar numas coisas bem legais pra gente discutir.
132

A Itaipu, então, lançou, conforme as águas foram subindo, a


operação Mymba Kuera, que em guarani, signifca “pega bicho”.

“Como foi realizado o trabalho na área que seria usada


como reservatório?

Nossa equipe tinha cinco ou seis pessoas. Procuramos


analisar a área que seria desmatada e toda a parte
histórica que seria inundada. O diretor dizia que não
tinha dinheiro para grandes ações, então desenvolvemos
um sistema de resgate de fauna chamado mymba-kuera
(“pega-bicho”, em guarani), além dos refúgios biológicos.

De que forma foi feito este resgate?

Na medida em que o reservatório foi enchendo, fomos


resgatando o máximo que conseguimos entre Sete
Quedas de Guaíra e Itaipu. Tínhamos cinco bases, com
cinco a sete barcos cada uma, e recolhíamos o que estava
ao alcance (oficialmente, foram mais de 36 mil animais
resgatados). Apenas de cobras venenosas eram cerca de
2,4 mil. Boa parte foi enviada de caminhão ao Instituto
Butantã.”

APRESENTADOR: Então, não foi uma coisa que foi feita


com uma antecedência com, inclusive tem mais uma
notícia da Folha, aqui que eu já vou ler abaixo. Não foi
uma coisa que eles estava realmente preocupados.

MARCELO: deprimente, deprimente. Eu me lembro que


a gente um dia fez um choro coletivo Me perguntaram,
“vamos chorar todo mundo”?
P O D C A ST 133

CHICHO: Sete Quedas de lágrimas ou muito mais que


sete, né?

MARCELO: então, aí também tem uma coisa interessante


porque quando saiu o movimento Sete Quedas um
slogan que era com sete gotas de sangue do lado.

CHICHO: eu lembro, lembro. Era um símbolo muito legal.

MARCELO: e daí o que que eu fiz? Na época, eu estava


aprendendo serigrafia e eu fiz muitas camisetas.

CHICHO: tem que reviver isso aí, tem que fazer uma nova
edição.

MARCELO: nossa, você não acredita. Na verdade não foi


serigrafia, eu cortei uma radiografia e fiz um stencil e aí
aplicava a tinta vermelha em todo ele: Adeus, Sete Quedas.

CHICHO: eu quero uma camiseta nova, com aquele


símbolo a gente encontra aí internet.

MARCELO: eu me lembro direitinho como é que era o


símbolo, porque eu redesenhei. Eu redesenhei eu me
lembro exatamente como era: um 7 grande escrito Adeus
em letra grande do lado do 7, formando uma pirâmide, e
aí 4 lágrimas.Formando uma pirâmide do lado assim.

APRESENTADOR: muito bom. Eu vou seguir com uma


notícia do jornal estado Paraná, sem data, mas é perto
dessa data aí do dia 13 de outubro de 1982, do Cley Scholz.

“Rio já começa a sair do leito


134

Um gato doméstico que quase morreu afogado foi


umdos primeiros animais capturados pela operação
“Mymba Kuera” (pega-bicho, em guarani) desencadeada
na área que está sendo alagada pelo reservatório de
Itaipu. As águas do rio Paraná comaçam agora a exceder
as barrancas do rio para iniciar o alagamento de 1.350
quilômetros quadrados, num trecho de 170 quilômetros
quadrados que vai de Foz do Iguaçu a Guaíra.

Saindo da cota 109 no dia 13, a água subiu rapidamente


nos primeiros três dias e já atinge hoje a cota 170. Fora
do Canyon, o nível subirá cada vez mais lentamente, e
quando atingir a cota 180, na próxima segunda-feira
ao entardecer, Guaíra começara a assistir o trágico
desaparecimento dos Saltos de Sete Quedas. A partir de
então, o reservatório estará subindo cerca de 2 metros
por dia, e ao longo das duas margens, 190 homens
treinados desde 1980 estarão trabalhando na operação
Mymba Kuera, 17 lanchas e dois helicópteros dão apoio
à operação.

Ontem à tarde, a Itaipu ainda não sabia informar o


número exato de animais capturados na operação
Mymba Kuera, já que as equipes estão trabalhando em
regiões diferentes. No refúgio ecológico do Bela Vista, no
fundos da Vila C, um dos primeiros animais capturados
foi um gato doméstico, além de 2 ouriços, 3 lagartos, 22
aranhas, uma jiboia e 2 cobras menores”.

Eu queria salientar aqui que esse Refúgio Ecológico do


Bela Vista ainda é mantido pela Itaipu. Esse refúgio ainda
P O D C A ST 135

existe e se trata hoje de um Centro Ambiental. Eles fazem


reprodução em cativeiro e várias outras coisas assim
para ajudar o meio ambiente.

MARCELO: uma salva de Palmas para eles.

APRESENTADOR: finalizando aqui, tem mais dois trechos


aqui daí a gente comenta eles como um todo.

CHICHO: tem um detalhe só, a parte da arqueologia,


do resgate. Lógico que foi mais científico, talvez, mas
também foi feito à toque de caixa.

APRESENTADOR: maravilha já vamos chegar lá.

CHICHO: ah, então beleza.

É um trecho da matéria da Folha de São Paulo no dia


14 de outubro de 1982, um dia após o fechamento das
comportas.

“Animais salvos

Aparentemente não há nenhuma preocupação da


Binacional com efeitos secundários da inundação. Apenas
uma grande equipe – homens e equipamentos – está
espalhada ao longo das margens do rio, para a operação
de resgate de animais, que devem ser afugentados com
o subir das águas. Estes animais serão levados para
refúgios biológicos de Itaipu, nas margens brasileira e
paraguaia. Diversas ilhotas – algumas temporárias – se
formarão, com o alagamento, e nestes locais também
atuarão equipes de resgate”.
136

APRESENTADOR: é exatamente isso que eu acho que


o Marcelo falou agora há pouco. Essas ilhotas que vão
se formando, mas água vai chegar e vai acabar com elas
também.

MARCELO: e muitas acabavam de maneira simultânea.


Não tinha tempo salvar. Você imagina as águas subindo
quilômetros rapidamente dentro dos banhados. Então
os animais vão subindo na árvore que estava mais perto.
Então chegava numa região que tinha várias árvores com
muitos macacos e esse resgate aí, em números, para
uma área dessa, meu Deus, isso aí não é nada.

CHICHO: é insignificante

MARCELO: é insignificante.

É inclusive há uma notícia também do estado do Paraná,


que diz que as cobras, que muitos animais não morreram
por conta de ficarem afogados. Mas a água espantou
as cobras. E conforme as cobras iam saindo, elas iam
atacando outros animais, então teve gente que perdeu
um tanto de gado, outros animais morreram em outro
lugar, mas por ataque de cobras. Porque elas se sentiram
ameaçadas, estavam sob estresse.

CHICHO: bem interessante isso. Isso é etologia.


Comportamento dos seres vivos.

APRESENTADOR: então eu vou seguir com a última


notícia sobre os animais. Também mais uma matéria do
Cley Scholz, para o estado do Paraná no dia 23/10/82
P O D C A ST 137

Ontem, um agricultor da região de Itavó esteve no refúgio


ecológico do Bela Vista para verificar se o cavalo capturado
esta semana não era o seu, e, como não era, calcula-se
que ainda existia mais um cavalo perdido na área do
reservatório. Com a captura de um veado, no início da
semana, falta apenas uma capivara para completar a
lista dos animais exsitentes na margem brasileira do
reservatório. Como a capivara é um animal que nada
muito bem, é possível que nenhuma delas se deixe
capturar. Por outro lado, até agora já foram resgatados
na margem brasileira do reservatório um total de 22
tamanduás, animais que não eram esperados em tão
grande número. “Um já seria visto com surpresa”, afirmou
o engenheiro ambiental Arnaldo Muller, coordenador da
operação MYMBA KUERA e chefe do Departamento de
Meio Ambiente da Itaipu Binacional.

APRESENTADOR: então até esse dia 23 de outubro,


a Itaipu capturou cerca de 4653 animais nas margens
brasileiras e 2039 animais nas margens paraguaias.

CHICHO: se ele ficou, se o engenheiro florestal ficou


admirado com o número de tamanduás que foram
resgatados, imagine a biodiversidade que foi afogada.
Que existia e que foi afogado.

APRESENTADOR: há relatos também de vacas que eles


tiveram que tirar. Eles tiveram que fazer uma limpeza
depois. Quando eles foram abrir as comportas antes de
abrir as comportas para dar um pouco de vazão. Eles
tinham que te retirar vacas inteiras.
138

MARCELO: antes das comportas, no estreito dela, tem


um sistema de correntes, com cabos de aço para conter
isso. E a área inundada, as árvores têm que ser retiradas
também, porque elas viram uma matéria que vai oferecer
perigo para as turbinas. Então essa parte das correntes
eles tinham que limpar quase diariamente por conta
da quantidade de animais mortos e de árvores, que
depois, anos depois ainda apareciam boiando. O tronco
se soltava do fundo e vinha para a superfície? Então são
coisas desmedidas que também não tinham sido nem
um pouco planejadas. Como é a desses governos que a
gente conhece, de as coisas a atropelos.

APRESENTADOR: e sendo que era uma coisa que estava


sendo construída há 7, 8 anos. A primeira obra efetiva
foi em 75. Em 1982 isso aconteceu, eles tiveram muito
tempo para planejar. Eu tenho outro tema interessante
aqui que a gente pode trazer também que é sobre a
mudança do rio.

MARCELO: onde era, por exemplo, a garganta do diabo,


talvez ali seja a grota mais funda? Ali hoje se pesca com
linha de mais de 500 m de profundidade. No meio tem
região que é de águas profundas quase. E o rio, ele se
assemelha muito ao que acontece no Salto Mucunã, no
Uruguai com a Argentina.

CHICHO: não conheço esse. É no Rio Paraná, ou no Rio


Uruguai?

MARCELO: é no Urugua, ele cai de lado, ele vem de uma


P O D C A ST 139

plataforma. Ele cai de lado em uma escarpa, formando


várias cachoeiras.

CHICHO: que legal.

MARCELO: é um pouco isso. Então, do lado brasileiro


ele é um lado mais baixo, um lado mais seco mesmo. O
lado paraguaio lado de floresta. Também porque lado
brasileiro já tinha sido muito mais amainado pelos colonos.
Mas você tinha muito ainda aquela coisa dos capões de
Mato em campos. Como acontece nos Campos Gerais,
ao redor você tinha muitos Campos naturais. E esses
Campos chegavam numa parte mais alta e formavam
aqueles capões.

CHICHO: isso.

MARCELO: bom, o Chicho sabe melhor do que eu como


é que ficou o rio, ele perdeu essa...

CHICHO: nossa, ele mudou totalmente a vazão, a


configuração dele, porque essa característica de despejar
tudo naquele estreito cânion, onde formavam-se suas
diversas quedas para daí se transformar numa superfície
muito mais ampla e homogênea é uma alteração total.
Eu não entendo muito de biologia, aliás, nada, mas eu
suponho que os peixes que faziam em trechos do Rio
Paraná aquele processo do processo todo da piracema,
coisa parecida, só podem ter tido gravíssimas gravíssimas
alterações. Não só lá como em qualquer outra hidrelétrica,
de um modo geral.
140

APRESENTADOR: é. Tem uma notícia, inclusive essa


vai ser uma foto que vai estar no livro que vai ser feito
depois, em que há uma poça d’água, dessa água que
subiu, com vários cascudos dentro, porque muda a
oxigenação da água, muda a pressão. E esses cascudos
estão acostumados a morar nas pedras e se alimentar
nas pedras. E esses peixes ficaram totalmente perdidos
estavam sendo pescados com as mãos pelos moradores
de Guaíra.

MARCELO: sim. Porque imagina a mudança da água,


imagina o quanto se oxigena a água com uma queda
dessa. Então muda totalmente a natureza da. São
animais que vão ter que se adaptar ou procurar outra
região. Morrer. O nome do salto que eu vejo que é muito
parecido com Sete Quedas, é Moconá. Santo Moconá.
São 2 quilômetros de parede. E do outro você vê como se
fosse uma de plataforma mesmo. Porque há um desnível
de altitude entre a margem esquerda e margem direita.
Você vê nessas fotografias aéreas uma foto do salto
Moconá e dá para ter uma ideia desse resort de água
que despenca de lado de uma margem.

CHICHO: interessante. Vou procurar isso aí.

APRESENTADOR: aproveitando para falar do rio tem


uma essa notícia também.

No dia 15/10/1982, já 2 dias depois do fechamento das


comportas. E o título o Mauro falou no último capítulo
que Rio Paraná é chamado de Paranazão. Então o Cley
P O D C A ST 141

Scholz escreve para o Estádo do Paraná.

O PARANAZÃO NÃO É O MESMO

De Cley Scholz

A cidade está agitada. Na margem dos rios Paraná e Iguaçu


os curiosos estão em toda parte. O clima é de expectativa
durante o enchimento do reservatório de Itaipu. Com o
representamento do rio Paraná, é o Rio Iguaçu que está
suprindo os 5 mil metros cúbicos de vazão estabelecidos
no acordo assinado entre Brasil, Paraguai e Argentina. No
marco das Três Fronteiras, onde os rios se encontram a
situação é inversa ao normal: o “Paranazão” sempre foi
mais forte, passando com suas águas barrentas sem se
misturar ao Iguaçu, que tinha que pedir licença e, quase
que represado, descer aos pouquinhos.

Agora o Rio Paraná, no trecho entre a foz do Iguaçu e a


barragem de Itaipu, não passa de um remanso de água
suja. O iguaçu desce rápido e nervoso, com pressa de
manter o caudal mínimo em Posadas, na Argentina. Agora
é ele quem represa o “Paranazão”, que já não é mais o
mesmo; e nem voltará a ser. Depois que o rio passa a
correr pelo vertedouro da barragem de Itaipu, suas
águas serão tão limpas como as do Rio Iguaçu, já que,
no reservatório, as águas estarão sujeitas ao processo de
decantação, assim como acontece com o Rio Iguaçu nas
barragens de Salto Osório, Salto Santiago e Foz do Areia.

CHICHO: o que, por sinal, acaba diminuindo o tempo


de vida das hidrelétricas, das barragens. Esse problema,
142

uma espécie de assoreamento que vai acontecendo no


fundo no leito das represas. Deposição do sedimento.

APRESENTADOR: e isso tem a ver com essa pergunta


que eu vou fazer pra vocês?

Parece que a Itaipu foi responsável foi a responsável por


grandes mudanças ambientais e ecológicas. Ela mudou
a maneira como um Rio como o Paraná se comporta,
desalojou milhares de pessoas, que são cerca de 44 mil
pessoas desalojadas. E milhões de animais. A energia
gerada por ela compensou minimamente todo o prejuízo?

MARCELO: olha, eu acho que nenhuma hidrelétrica


compensa, a não ser que fosse uma hidrelétrica natural
que não tivesse que fazer reservatório. O uso de
hidrelétricas inteligentes, que aproveitam as vertentes, as
quedas naturais, seria a única forma você poderia falar
de energia limpa. Porque se ela já sacrificou um tanto
de animais e talvez tenha feito desaparecer algumas
espécies. Como de morcegos e andorinhas em Foz do
Iguaçu. Por exemplo, lá nas Quedas do Iguaçu tem o
registro daquelas paredes da cachoeira que tem uma
andorinha que só tem ali. Eu acho um contrassenso falar
em energia limpa atribuindo isso à hidrelétrica.

CHICHO: aliás, muito interessante você falar disso


porque há uma ideia incorreta de que a hidroeletricidade
é exatamente a ideia da energia limpa. Ela pode não gerar
os gases estufa embora até isso o represamento, quando
mantém as árvores no interior...
P O D C A ST 143

MARCELO: submersas...

CHICHO: exato. Liberando metano. Mas digamos que


tenha sido feito uma limpa antes, mas, cá entre nós,
isso não ocorre vamos dizer. Aí, nem assim ela pode
ser considerada limpa, porque ela também altamente
impacta. Toda forma de geração de energia é impactante.
O que tem que ser ver o que é menos prejudicial, o que
é mais adequado para cada realidade, para cada local.
Agora, realmente não precisava ser desse jeito. Não
precisava eliminar, por exemplo, Sete Quedas. Teriam
alternativas.

MARCELO: vários estudos ali já mostram que era bem


possível ter feito, 6, 7, 8 pequenas hidrelétricas em caixas,
em rios com caixa de água bem mais profunda, cujo
alagamento ia ser muito menor. Oproblema é você pegar
toda uma planície que está ali, ligando desde o Pantanal
até o norte ele dessa região do Paraná, tudo uma
plataforma só, que era muito baixo. Então a área inundada
é descomunal. É o tamanho do litoral paranaense todo aí.
Para mim, não dá para se falar em energia limpa. Entra
dentro desse projeto de um governo que queria vender
e fazer propaganda da coisa grande, do Brasil grande, da
potência. Custasse o que custasse e a quem custasse. Foi
uma ideia de um Brasil desenvolvido que teve um preço
em todos as esferas da sociedade.

Quer ver uma coisa aqui, eu vou trazer uma comparação


aqui, talvez você nem use, mas só a título da nossa
conversa aqui.Uma hidrelétrica na Espanha, há poucos
144

anos atrás, durante 20 anos da construção dessa


hidrelétrica, foram transplantadas as Oliveiras que iam
ser mortas afogadas.

CHICHO: olha só.

MARCELO: Oliveiras com mais de 1400 anos. E aí a


empresa que que resgatou essas Oliveiras, ainda hoje ela
vende Oliveira de 1400-1500 anos. O governo espanhol
deu de presente para a Rainha da Inglaterra uma dessas
Oliveiras. Ela está plantada lá no Jardim do palácio inglês.
Também todo o levantamento arqueológico, porque
você imagina: Guairá é o primeiro assentamento de
missionários né espanhóis e eles trazendo tantos índios,
que ficaram na região depois que esses missionários
foram embora, depois que missiones acabou. Então, há
muitos índios que estavam ali que não eram da região,
mas que estavam ali desde de 1500...

CHICHO: 1590, mais ou menos.

MARCELO: isso.

CHICHO: as primeiras reduções em 1620.

MARCELO: 1632 é a redução de Guaíra e dois anos


depois, ali no rio...

CHICHO: Uruguai

MARCELO:... não. No rio Ivaí, no norte do Paraná, o Tibagi,


o Paranapanema, redução de Pocoré, todas às margens
do do Paranapanema. E todas regiões que também
sofreram com alagamentos também.
P O D C A ST 145

CHICHO: várias, várias.

MARCELO: hoje, se procurar no instituto arqueológico do


Paraná, a gente eu não sei o que a gente tem. Eu acho
que quase não teve a presença de arqueólogos, não é?

CHICHO: esse é o próximo tópico, Diego?

APRESENTADOR: exatamente, Chicho, podemos engatar aí.

CHICHO: então, eu comentava com vocês antes, quando


estávamos combinando esse encontro, que eu estava na
universidade, justamente tendo aula, eu creio que foi no
ano seguinte, 1983, o segundo ano no curso Geografia.
Esse é um negócio muito massa, muito bacana, na
Universidade Federal do Paraná, que você ampliava o
número de disciplinas optativas. E eu fiz arqueologia. Não
me lembro qual era o segundo nome que vinha, mas,
enfim, era o professor Igor Chmyz na condução dessa
aula. Então, vindo de Itaipu, dos resgates ali na área que
foi alagada, e ele vinha trazendo direto as informações. Às
vezes, ele ficava uma semana fora. Depois vinha e trazia
os dados. Professor Igor contava das cobertas de material
paleolítico, dos povos pré-históricos, com material à base
de instrumentos de pedra. Depois cacos de cerâmica nos
povos um pouco mais recentes. E, finalmente, uma coisa
que eu me lembro até hoje, ele levantou a sobrancelha
para contar, ele era mais tímido, mas ali ele se empolgou.
Olha: nós achamos umas coisas que deve ser sinal,
vestígio, daquele porto, daquela cidadezinha portuária
chamada Ontiveros, que consta no mapa do Ulrich
Schmidl e no mapa do Aleixo Garcia, até você me corrigiu
146

aqui que era Aleixo Garcia era o nome dele. São mapas
do século XVI e que ninguém sabia mais nada nesses
lugarejos que nunca mais apareceu. Então marcava lá
Ontiveros, marcava Ciudad Real del Guairá, que ficava
exatamente na travessia das Sete Quedas, ali perto, às
margens do caminho do Peabirú, e marcava a Vila Rica
de Espírito Santo, no Rio Ivaí. Eram 3 vilarejos espanhóis,
onde havia uma certa administração, tanto do ponto
de vista civil militar, como também episcopal. E depois
15 reduções jesuíticas mato a dentro, na beira dos rios.
Então as descobertas ali seriam sensacionais se tivesse o
tempo que o Marcelo comentou, daquela hidrelétrica na
Espanha, que as Oliveiras foram salvas. Imagina se tivesse
feito isso aqui, que potencial tem. Enfim, algum resgate
arqueológico acabou acontecendo ali, sim.

APRESENTADOR: inclusive, eu vou ler uma notícia aqui


da Folha de São Paulo do dia 14/12/82.

Localizados 237 sítios arqueológicos em Itaipu

Curitiba

Pesquisadores do Departamento de Psicologia e


Antropologia da Universidade Federal do Paraná, em
trabalho de salvamento arqueológico realizado em toda a
região abrangida pela hidrelétrica de Itaipu, conseguiram
localizar 237 sítios arqueológicos constituídos de antigas
aldeias independente das aldeias indígenas. A equipe
coordenada pelo professor Igor Chmyz começou as
pesquisas paralelamente ao início das obras da usina e
P O D C A ST 147

encerrou a busca somente minutos antes da abertura


das comportas para a formação do Lago, numa operação
que durou mais de 7 anos. Segundo o professor Chmyz,
nessas aldeias antigas permaneceram elementos ligados
à vivência daquele povo, num período que vai até meados
do século passado, já então marcado pela presença do
caboclo, produto da miscigenação do índio com o branco.

Milhares de quilômetros de terras foram palmilhados


pelos pesquisadores, que contaram com a participação
de membros do corpo docente (graduados e graduandos)
e estagiários de cursos nos quais havia a disciplina
Antropologia. O salvamento foi realizado em solo
brasileiro e o material coletado, de “valor inestimável”,
segundo o professor Chmyz, deverá ser guardado em um
museu a ser instalado pela Itaipu Binacional no município
de Santa Helena.

APRESENTADOR: essa é até uma boa pergunta, saber se


isso ainda se mantém. Esse trabalho, até ele foi começado
antes, quando começaram as obras. Ótimo, mas não seria
o caso também do governo dispor de mais orçamento,
envolver outras universidades para fazer uma pesquisa
mais abrangente e mais profunda?

CHICHO: quantos arqueólogos temos trabalhando de


fato? Que infelizmente é mais uma área absolutamente
abandonada, não por falta de qualidade e competência,
nosso pessoal tecnicamente é excelente nisso. O Igor é
um exemplo.
148

MARCELO: é falta de articulação. Na arqueologia


você tem essa falta de articulação entre o governo e o
compromisso... Na Europa, as construtoras não começam
uma obra em nenhum lugar se não tiver primeiro o aval
do Departamento de Arqueologia. Aqui não existe isso.
Agora você pega o litoral de Santa Catarina, você imagina
os grupos humanos que existiam ali, de Florianópolis
para baixo e para cima e indígenas. Eu conheço pedreiros
que fazem obras lá, em prédios de Camboriú, e eles têm
coleções de ponta de flecha. Eles vendem ponta de
flecha. Um dos lugares do mercado negro, de material
arqueológico, é Santa Catarina. Se você colocar, procurar
no ponta de flecha no Maketplace, no OLX, e outras coisas
aí, você vai ver o quanto se vende em Santa Catarina.

APRESENTADOR: Inclusive no Farol de Santa Marta há


vários sambaquis gigantes. São coisas lindas e eu até
visitei no verão do ano retrasado.

MARCELO: eu falei para você levar uma pá.

APRESENTADOR: sim, e eu não levei. Mas a gente até estava


receoso de andar, mas, sério, tinha marca de motocross em
cima dos sambaquis. Agora 2020, que foi no ano passado,
tem gente andando de Motocross em cima de sambaquis
históricos de, não sei, Chicho, 5 mil anos.

CHICHO: mais. Tem sambaquis com mais de 8 mil anos.

MARCELO: eu acredito que tenha sambaquis com mais


de 120 mil anos.
P O D C A ST 149

CHICHO: Poxa vida.

MARCELO: aí é outra questão né, Chicho. Eu acho que


falta esse compromisso, essas ligações, da universidade
estar muito mais presente, muito mais participativa,
com muito mais empregos, se a gente tivesse uma
política preservacionista, de preservação do patrimônio
histórico do patrimônio natural também. Empregos
para setores. E você vê como é a destruição do próprio
caminho do Peabirú. Essas reduções indígenas que a
gente vê lá na região do Paranapanema. Eu entrei agora
procurando onde é a localização em fotos aéreas, e aí
mostra muito bem a plantação de soja chegando dentro
do próprio reduto. A desses vestígios, a pressão sobre
eles é imobiliária é a do agronegócio. Nos anos 70, foi a
grande da grande briga dos arqueólogos contra as usinas
produtoras de cal, que viam nessas minas de concha a
matéria-prima para fazer cal para construção civil. A gente
tem exemplos de muita briga, assassinatos, o próprio
padre Rambo lá da sede Unisinos, que foi o grande
arqueólogo jesuíta, que trabalhou em Santa Catarina, o
Rio Grande do Sul e Paraná.

CHICHO: padre Rohr.

MARCELO: padre Rohr, Rambo. Andava de jipe


denunciando essas usinas produtoras de cal, que destruiu
tudo. Inclusive ele embargou a obra de construção do
aeroporto de Florianópolis, que era em cima de um sítio
arqueológico muito extenso. Padre Rambo foi o Marco
Polo do sul Brasil. Ele esquadrinhou os três estados aqui
150

do sul, de jipe, indo a todos os recantos. Fez mais de 140


mil quilômetros aí nessa região, andando, pelos cálculos.

CHICHO: poxa vida.

MARCELO: e foi ele que tirou a santinha lá da pedra da


santinha em Florianópolis, sabe o Costão do Santinho. Lá
tinha uma pintura na parede que parecia uma pintura
rupestre, meio um entalhe rupestre, que era um círculo
com um ponto no meio e um palito para baixo, dois
braços e duas pernas, igual a capa do U2, The Cure, não
me lembro que banda tinha essa bola com um ponto no
meio e pernas. Aí aquilo começou a ser cultuado pelo
povo ali, acendiam um vela para essa figura, porque
diziam que é uma figura de uma Santa. Ele ficou com
raiva e foi lá e roubou a pedra, cortou a pedra e deu
sumiço nela. Ela permaneceu ali no Museu do Homem no
Colégio Catarinense um tempo e depois deram sumiço
na tal da pedra do Costão do Santinho.

APRESENTADOR: Já indo para o encerramento desse


nosso último episódio é vamos voltar com a entrevista
de Arnaldo Muller para o Estadão em 18/11/2012. O
entrevistador pergunta:

Como foram tomadas as decisões mais drásticas e


polêmicas como a inundação de Sete Quedas?

Arnaldo Müller responde: Itaipu tinha quatro projetos


prévios de viabilidade: econômico, ambiental, hidrológico
e geológico. O de meio ambiente foi feito por Robert
P O D C A ST 151

Goodland (conselheiro ambiental do Banco Mundial por


23 anos) e concluiu que Sete Quedas não tinha grande
relevância turística. A prova apresentada é de que havia
apenas dois hotéis pequenos em Guaíra, com dez leitos
cada um. Quando entrei, as decisões principais já tinham
sido tomadas.

APRESENTADOR: então essa decisão, ela já vem antes do


próprio engenheiro, Arnaldo Muller. Essa desculpa é uma
desculpa super pífia. A gente vê no decorrer dos anos,
perto de 82, a quantidade de visitas que Guaíra recebeu.

CHICHO: a questão é perguntar, por que só tinham dois


hotéis com dez leitos cada um? Por que a divulgação
Sete Quedas era muito menor do que das Cataratas
do Iguaçu, por exemplo? Talvez porque essa divulgação
também fosse interessante para que, a partir de uma
certa época, nos anos militares, fosse a menor possível
para não alardear. Estou chutando aqui possibilidades.

APRESENTADOR: eu acredito que sim, Chicho. Justamente


porque o investimento estava sendo feito em Itaipu.

CHICHO: claro.

APRESENTADOR: não está centrada em Itaipu, não.


É em Foz do Iguaçu ,por conta da Itaipu. A cidade fica
gigantesca.

CHICHO: a população de Foz do Iguaçu cresceu umas


quatro, cinco, vezes pelo menos em 10 ou 20 anos depois
e durante o período de construção e alguns anos depois.
152

A situação de Foz do Iguaçu era 25, 30 mil, habitantes


na década de 70. Hoje ela é uma das seis, sete, mais
populosas do estado com mais de 200 mil habitantes,
300 mil habitantes quase. Ela deu um salto. Guaíra não.
Guaíra continua com 30 mil habitantes.

APRESENTADOR: Exatamente. Exatamente essa notícia


que eu vou ler agora, da Folha de São Paulo do dia
21/11/2017, que é uma matéria especial sobre os 35
anos da decadência de Guaíra não é.

O acontecimento (alagamento das Sete Quedas) arrasou


a economia local, dependente do turismo, e teve como
consequência o encolhimento da cidade nas décadas
seguintes. Passados 35 anos, ela ainda tenta se reerguer.

Hotéis e restaurantes faliram, lojas fecharam, e muitos


habitantes migraram para outras localidades. A população
da cidade, segundo moradores, chegava a dobrar em
finais de semana devido ao turismo. Sem Sete Quedas,
muitos ficaram sem ter o que fazer e foram embora.

Os saltos deixaram de existir devido à construção da


hidrelétrica de Itaipu, que inundou totalmente o local.

A agonia do fim do atrativo já era sentida em 1973, quando


foi assinado o tratado de Itaipu, com o uso do potencial
hidrelétrico do rio Paraná. Em 13 de outubro de 1982, a
cidade viveu um autêntico luto, com o fechamento das
comportas de Itaipu e o início do alagamento da região
das quedas.
P O D C A ST 153

Enquanto em 1970 Guaíra tinha 32.876 habitantes,


segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), dez anos depois, já com Itaipu em construção,
caiu para 30.012. Em 2000, reduziu mais (28.659).

Neste ano, atingiu 32.974 e voltou a ter a população de


35 anos atrás.

APRESENTADOR: Digamos que Guaíra tenha parado


no tempo com a submersão das quedas. Ela vivia
basicamente do turismo, e como falou o engenheiro
florestal da Itaipu, Arnaldo Muller, o estudo feito pela
diretoria da binacional não achava que o potencial da
cidade não era suficiente para inviabilizar a obra. É mais
uma vez a história da falta de discussão e das decisões
unilaterais feitas pelo governo militar.

CHICHO: poderia ter eventualmente ter algum fórum de


discussão, mas a decisão já estava tomada.

APRESENTADOR: sim.

CHICHO: era só para fazer de conta.

MARCELO: precisava ter o aval de técnicos comprados


para tudo. Quer dizer, não iam aceitar um algo contrário
aquilo que eles já queriam fazer. Foi só um enfeite né
para satisfazer os setores.

CHICHO: não foram os professores Lange, nem o


professor Bigarella que assinaram esse relatório de
impacto do meio ambiente.
154

MARCELO: não não. Foi um cara do Banco Mundial e


outras coisas. É lamentável isso. E ainda me lembro que se
tinha muito aquela ideia de que a população era dividida.
E achavam no começo, ah, não, isso vai gerar emprego.
A ideia de que gera emprego. Mas é para a construção.
Como nas cidades fantasmas lá, como a gente vê em Foz
do Areia, vilas inteiras abandonadas construídas para dar
emprego por 20 anos, 8 anos, 15 anos, que é o tempo da
construção não é?

APRESENTADOR: Antes de a gente em partir para o


encerramento, eu apurei mais algumas informações
sobre a queda da ponte pênsil no dia 17/01/82, que a
gente discutiu no último capítulo. O herói de Guaíra, na
verdade, não era um pescador, como a gente comentou.

CHICHO: ah, é?

APRESENTADOR: não. Ele era um corretor imobiliário


chamado João Lima Morais, mas olha o apelido dele: João
Mandi.Era um nadador e ele mergulhou e tem cenas
inclusive tem um mini do meu Paraná, se eu não me
engano é da década passada ainda, mas é muito legal e
muito interessante. Para quem tiver interesse é só digitar,
Sete Quedas, Itaipu, RPC, que aparece. E ele conseguiu
salvar 5 mulheres e um homem. Ele entrou, pulou no Rio,
está filmado porque tinha um cinegrafista amador.

CHICHO: Diego, é nesse filme do Meu Paraná que


aparece aquela cena dos caras assistindo os shows e o
Mauro aparece em um zoom, ali no detalhe.
P O D C A ST 155

APRESENTADOR: eu assisti.

CHICHO: e você reconheceu ele?

APRESENTADOR: eu reconheci ele, com uma bandana


na cabeça.

CHICHO: isso, isso.

APRESENTADOR: eu queria saber se vocês têm mais


algumas considerações, se vocês querem fazer um
fechamento.

MARCELO: um encerramento? Acho que aquilo que eu


estava querendo comentar ali em poucas palavras, que é
que lição a gente pode tirar disso. É a gente está diante
de um conjunto de fatores e de documentos que teriam,
assim, uma força de reflexão, de provocar reflexões, sobre
o os próprios sistemas de governo. E a gente conseguir
combater um pouco aquilo que ainda não aconteceu com
o “Brasil nunca mais”, nem com o processo da própria
anistia, que acabou sendo um acordo de silêncio tácito
entre o torturador e a torturada. Você, que é criminosa,
por ser, sei lá, subversiva, está perdoada, mas também
não fala nada do estuprador. A anistia foi um pacto entre
o estuprador e a estuprada para que se silenciasse uma
história de um período em que a gente tem em Guaíra,
nesse caso das Sete Quedas, um exemplo material
para reflexão sobre os custos, sobre esse projeto
governamental faraônico, que enterrou o Brasil numa
dívida externa gigantesca. O próprio Rio Grande do Sul
156

até hoje paga sua dívida ao estado. Impagável, são dívidas


impagáveis. E uma dívida externa na qual eu cresci e nós
estivemos acostumados durante tanto tempo. Ver o FMI
emprestando trilhões para construções dessas obras,
que entram no mesmo escopo, para mim, que a obra
de Angra dos Reis. “Temos que ter uma usina nuclear
e também temos que ter uma usina hidrelétrica que é
maior do mundo”. E toda uma parafernália de alucinações
que, hoje, em uma sociedade civil, numa sociedade
democrática e que fosse realmente levado aos debates
do âmbito científico, essas obras não saíram, essas obras
não aconteceriam. Mas a gente vê até hoje, agora, por
exemplo, com a vontade da construção do Porto de
Pontal do Paraná, a gente vê a mesma atitude. Técnicos
comprados, são profissionais sem ética, minimizando
os impactos ambientais de um porto dentro da entrada
da baía de Paranaguá, para que se toque adiante uma
obra que se quer por uma vontade de interesses de
minorias, de interesse de multinacionais. Usando um
discurso de que isso dá emprego para a cidade, você
ganha uma população. Não é nem uma questão de fazer
um plebiscito porque o plebiscito é capaz de de você ver
que a população realmente quer aquilo, porque acha que
aquilo é desenvolvimento, porque aquilo é progresso,
que aquilo traz emprego. Eu acho que essas discussões
têm que levar muito mais em consideração uma opinião
formada a partir do conhecimento técnico e teórico.

APRESENTADOR: isso vale para hoje em dia também.


P O D C A ST 157

MARCELO: é, vale para agora, nessa construção, nesse


problema. Valeu há 4 anos para a construção de Belo
Monte. Os conflitos. Então, quer dizer, a história não
mudou. Mesmo num governo democrático. Não precisa
ser um governo militar. Lógico que esse governo militar
levou a coisa sem discutir muito, porque ele tinha
autoridade do fuzil. Mas, de qualquer maneira, mesmo
num governo democrático, conseguiu se implantar
Belo Monte. Fazendo dividir a opinião pública, também
fraudando laudos.

CHICHO: eu seguiria pela linha também do raciocínio do


Marcelo e, talvez, também destacando exatamente que
essa história das Sete Quedas, e de sua submersão e
desaparecimento de todas as belezas que compunham
todo o conjunto do cenário, ela é um pouco – um pouco,
não –, ela é muito o retrato do Brasil. Porque nós temos
um potencial, tanto de história e pré-história da história
arqueológica, da história atual, contemporânea e recente,
enfim e também sobretudo de ambientes, diferentes
diversidade de ecossistemas nos seus diversos biomas
que são impressionantes. Mas as escolhas realizadas no
passado e perigosamente num presente, muito presente
agora, em cima de áreas como esse Marcelo citou,no
Porto de Pontal, podemos citar aí a questão da Angra,
que de uma região de Angra dos Reis, que se cogita
fazer a Cancun do Brasil. Como se Cancun fosse um
exemplo... pode ser exemplo de turismo de financeiro
para um grupo seleto, mas apenas isso. Nesse sentido
é que temos, enfim, toda essa diversidade e as escolhas
158

muitas vezes são feitas para privilegiar uma minoria, um


grupo extremamente minoritário, enquanto o coletivo
se encanta com a flautista de Hamelin, e que vai caindo
no abismo, pensando que está indo para o paraíso do
progresso, acaba sendo ficando com grande prejuízo.

APRESENTADOR: essa é a história de Sete Quedas, não é?

CHICHO: essa é a história de Sete Quedas com o flautista


de Hamelin.

APRESENTADOR: eu gostaria de agradecer vocês dois


pela participação nesse episódio. Muito obrigado.

Eu queria agradecer também a todos os participantes do


projeto. Eu vou citar a ficha técnica aqui, para ser justo
por todos.

Agradecer também à Fundação Cultural de Curitiba, a


Prefeitura de Curitiba pelo edital da Lei Aldir Blanc.

O idealizador o pesquisador e entrevistador sou eu,


Diego Zerwes, a produtora é a Ana Paula Málaga, o
técnico de som Lucas Maffini o editor e o Túlio Borges
e os participantes são: Francisco Rehme, o Chicho, José
Galdino, Marcelo Weber, Mauro Braga e Rogério Gulin.

E o projeto gráfico é da Liliane Grein.

Sete Quedas levou centenas de milhares de anos para ser


formada pelas forças próprias da natureza. Uma miríade
de rochas esculpida pelo movimento natural da terra, em
conjunto com a violenta descida das águas do rio Paraná.
P O D C A ST 159

A natureza dispensa o uso de milhares toneladas de


cimento, ferro, máquinas ou homens . Mas esses homens,
de modo vil e grotesco, podem (ou podiam) forjá-la, a
seu bel prazer. A natureza perece, assim, não por sua
própria lógica, mas pela intervenção humana. E Sete
Quedas pereceu diante da megalomania de um governo
ditatorial e em nome do progresso. O homem, espécie
que a destruiu, é a mesma que, há quase 40 anos, se
encontra privada de apreciá-la.

E tal qual as turbulentas águas do rio Paraná que desciam


pelas Sete Quedas de Guaíra foram silenciadas, nós
ficamos por aqui em silêncio e deixamos você, ouvinte,
em quieta solitude. E damos aqui, com quase 40 anos de
atraso, o nosso Adeus, Sete Quedas.
160

C R É D I TO S e
REFERÊNCIAS
O podcast, que dá base para esse livro, buscou como fontes
de informações jornais da época, livros, documentários
e vídeos jornalísticos. Pretendia-se fazer uma vasta
pesquisa em periódicos da época, mas a pandemia e a
consequente restrição de circulação em lugares públicos,
como bibliotecas, impediu esse trabalho físico. Por outro
lado, encontramos uma série de materiais bibliográficos
online. Abaixo:

Reportagens do jornal O Estado do Paraná. A maioria


das notícias foi escrita pelo repórter Cley Scholz, a quem
somos muito gratos pela excelente cobertura jornalística.

Reportagens do jornal Folha de S. Paulo, que mantém um


acervo digital de suas edições impressas.

Áudio da TV Paulo Freire, com a narração do poema


“Adeus, Sete Quedas”, de Carlos Drummond de Andrade.

Informações da reportagem do programa Meu Paraná,


da RPC, sobre o desaparecimento das Sete Quedas.
P O D C A ST 161

L I V RO S e
D I S S E RTA Ç Õ E S
GERMANI, Guiomar. Expropriados. Terra e água: o conflito
de Itaipu. Salvador: EDUFBA – ULBRA: 2003.

MAZZAROLO, Juvêncio. A taipa da injustiça. São Paulo:


Edições Loyola, 2003.

SANTOS, Ana. Lago de memórias: a submersão das Sete


Quedas. Dissertação (Mestrado em História) Universidade
Estadual de Maringá. Maringá, 133p., 2006.

AG R A D EC I M E N TO S
Agradeço à Fundação Cultural de Curitiba e à Prefeitura
Municipal de Curitiba pela abertura do edital.

Agradeço a toda equipe que trabalhou no podcast:


produtora Ana Paula Málaga Carreiro; as consultorias ao
técnico de som Lucas Maffini; editor de som Túlio Borges;
designer Liliane Grein, e aos entrevistados: Chicho
Rehme, José Galdino, Marcelo Weber, Mauro Braga e
Rogério Gulin.
162

PROJETO REALIZADO COM RECURSOS DO PROGRAMA DE APOIO E INCENTIVO


À CULTURA - FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, PREFEITURA MUNICIPAL DE
CURITIBA E DO MINISTÉRIO DO TURISMO

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