Artigo - Medo e Mito
Artigo - Medo e Mito
Artigo - Medo e Mito
narrativas mitológicas1.
RESUMO
Este artigo tem como objetivo fazer um comentário acerca do emprego do medo
dentro de narrativas mitológicas. Iniciando com uma análise acerca do conceito de
mito e suas funções na sociedade e avançamos com uma leitura acerca do medo e
suas características tanto coercitivas quanto reforçadoras sob um viés psicológico.
Observamos que tais características atuam de forma fundamental dentro da estrutura
mitológica, tanto na função de perpassar a cultura e impor regras sociais, através do
medo coercitivo, quanto na função catártica e lúdica do mito, através do medo
excitante. Conclui-se portanto que o emprego do medo dentro narrativas mitológicas
não se dá de forma arbitrária mas de um modo basilar às composições para que estas
alcancem suas funções.
* Palavras chaves: Mito, medo, vida social, ...
APRESENTAÇÃO
Seja o homem um animal racional, um animal político, um ser de linguagem ou
qualquer outra descrição que lhe possa ser atribuída, a contação de histórias vem
acompanhando a humanidade desde suas origens até a atualidade. Histórias que
saem de relatos pragmáticos e mergulham em uma fantasia exagerada, que
independente de ser considerada como realidade ou ilusão, atraem, fascinam e
comunicam. Mas, o que são exatamente essas histórias que chamamos de mitos?
Qual a sua função na vida social?
Desde os contos infantis narrados pelos Grimm, passando pelas tragédias
gregas até os contos orientais cheios de espíritos vingativos, por que nos
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surgiram (por exemplo, por que o arco-íris aparece ou como a
constelação Orion chegou ao céu), e porque rituais e cerimônias
começaram e por que eles continuam. (778)
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mitologia em volta da casa, os símbolos que são à ela atribuídos, a mitologia e
histórias construídas em seu entorno.
Para Campbell os mitos ensinam significado. A mitologia explica, fortalece,
estabiliza e eleva a vida de uma existência mundana para uma imbuída de significado
eterno.
Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de
significação, através dos tempos. Todos nós precisamos contar
nossa história, compreender nossa história. Todos nós precisamos
compreender a morte e enfrentar a morte, e todos nós precisamos
de ajuda em nossa passagem do nascimento à vida e depois à morte.
Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno,
compreender o misterioso, descobrir o que somos. (O poder do mito)
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Quando estamos na presença (ou na iminência) de algo que nos ameaça a vida
nosso corpo inicia o “protocolo” de um conjunto de reações à qual nomeamos
geralmente como medo: uma descarga de adrenalina percorre nosso organismo
preparando o corpo para um pico de atividade física, a pressão arterial aumenta, o
metabolismo acelera, os brônquios pulmonares são expandidos, a respiração
aumenta de frequência, as pupilas são dilatadas facilitando a visão para ambientes
escuros, a coagulação sanguínea fica mais rápida assim como a atividade cerebral.
Ao mesmo tempo, o corpo fica mais alerta, boa parte do nosso sangue se dirige aos
músculos maiores, como as pernas, a fim de ter energia suficiente para escapar se
necessário enquanto alguns processos, como a digestão, reduzem seu desempenho
para direcionar a energia dispendida, o próprio sistema imunológico interrompe suas
tarefas porque o cérebro não considera seu trabalho essencial. Todo o corpo se
prepara em milésimos de segundos para fugir ou atacar.
Dessa forma, o Medo tem a função de garantia da vida uma vez que ele nos
afasta e nos dá ferramentas para superar a ameaça, seja de um perigo imediato ou
previsto. Com o desenvolvimento do organismo e o aumento da complexidade do
meio com o qual interage, os perigos deixaram de ser apenas contextos de ameaças
físicas iminentes, ser excluído de um grupo ou comunidade pode ser uma ameaça tão
perigosa à existência quanto dormir sem abrigo em uma floresta hostil. O medo
adaptou-se a isso, ampliando suas guardas às ameaças de cunho psicológico e social.
Comumente o medo atua como um alarme para fugir ou evitar uma situação:
uma vez que sentimos medo de uma rua, iremos evitá-la sempre que possível, se
temos medo da fúria de alguém, tendemos a evitar encontrar com essa pessoa ou a
emitir qualquer comportamento que colabore para que a pessoa permaneça calma.
Nosso instinto de preservação nos orienta a evitar nos expor à situações de
risco sendo o medo seu principal agente de contingência. Ele é rápido e eficaz, porém
as vezes esse “alarme de perigo” é acionado mesmo em situações em que não nos
encontramos em um risco real, quando tomamos um susto com um barulho alto ou
algo similar nosso corpo se prepara para a fuga iniciando todas as respostas de medo,
o cérebro, entretanto, rapidamente identifica pelo restante do contexto que nos
encontramos em segurança e libera uma alta carga de outros hormônios para acalmar
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o corpo do estresse causado pelo medo. Endorfina e dopamina preenchem o
organismo dando uma sensação de alivio e prazer.
Devido a esse jogo hormonal, muitas pessoas procuram se colocar em
situações de medo controlado como assistir filmes de terror ou mesmo praticar
esportes radicais. O próprio dia das bruxas em muitos países é um dia dedicado ao
medo, por outro lado, a cultura de sentar em roda e contar histórias geralmente
aterrorizantes é algo que por gerações permeiam como um costume de comunidades
mais rurais.
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Contos de Catarse costumam utilizar essa característica para fazer o ouvinte
acompanhar a viagem da personagem sentir o medo primordial e superá-lo, ficando
com a sensação de euforia e satisfação. Mesmo em histórias nas quais o personagem
não goza de um momento de superação, compreender-se como um indivíduo à parte
que não está subjugado às tragédias do personagem já traz ao ouvinte a satisfação
da segurança.
CONCLUSÃO.
Observamos que o os mitos se utilizam dos recursos do medo para acessar e
influenciar os indivíduos em suas emoções mais básicas e primitivas. Como recursos
pedagógicos, eles amedrontam para controlar o comportamento social, como recursos
lúdicos eles nos impactam revivendo terrores, nos arrastando ao submundo e nos
tirando de lá.
A leitura das histórias mitológicas, ainda hoje, evocam discussões e reflexões
em grande parte porque aquilo que nos assusta nos deixa alarmados e bem vimos
que nosso “protocolo de segurança” é bem treinado para lidar com o que nos assusta.
Então precisamos conversar sobre aquilo, entende-lo, analisar se aquilo do que
falamos é de fato uma ameaça.
O que nos amedronta recebe nossa atenção, e os mitos usam bem isso.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
CAMPBELL, Joseph.O poder do mito / Joseph Campbell, com Bill Moyers, tradução
de Carlos Felipe Moisés. - São Paulo: Palas Athena, 1990