A FAIANCA FINA INGLESA DOS
SITIOS ARQUEOLOGICOS
HISTORICOS BRASILEIROS
Paulo Tadeu de Souza Albuquerque!
Jango Nery Velozo?
RESUMO
Este artigo enfatiza a importdncia do estudo da faianga fina inglesa na datagéo
relativa de sitios histéricos brasileiros. Apresenta uma breve sintese da histéria e do
desenvolvimento das técnicas de decoragio utilizadas e seus motivos decorativos,
principalmente dos séculos XVIII e XIX. Lista marcas e patentes, seus fabricantes
suas datas.
Palavras-chave: Faianga Fina, Processo de Manufatura, Padres Decorativos
ABSTRACT
This paper emphasizes the importance of the english's faiance fine as a mean
of relative datation of historicals-arqueologicals sites in Brazil. It sinthesizes briefly the
history and tecnical development of the manufacturing of faiance in england. It
describes the technics and the patterns of decoration mainly in the XVII and XIX
centuries. It presents a roll of the marks and patents, its manufacturers and its dates.
Key words: Faiance Fine, Manufacturing Process, Decorative Patterns
Entre os diversos artefatos e materiais dos sitios arqueolagicos
histéricos no Brasil, aparece a faianga fina inglesa ou creamware. Tal tipo
de louga vem sendo encontrada em todos os sitios histéricos.
Surge no Forte de Obidos, no Estado do Para, em Belém no Paré,
em Sao Luiz do Maranhio e no Sitio do Tamancio.
Foi também encontrada no Cearé, no Forte do Farol e em Aracati.
No Rio Grande do Norte foi registrada na Fortaleza dos Reis Magos, em
Natal, em Vila Flér, Goianinha, S40 José do Mipibu, Arés, Nésia Floresta,
1 Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
2 Bolsita do CNPq.CLIO Arqueolégica N° 9 - 1993
Extremoz e Macaiba. Na Paraiba, foi registrada no Forte de Santa
Catarina.
Em Pernambuco as lougas surgem no Recife, Olinda, Pesqueira,
Ttamaracd, Igaracu, Jaboatiio, Cabo, Vitéria, Rio Formoso, Petrolandia,
Gravat4, Caruaru, Fazenda Nova e diversos outros sitios. Foi também
encontrada em Alagoas e na Bahia.
Em Minas Gerais as loucas estio presentes em varias cidades
histéricas, no Estado de Goids, no Espirito Santo e no Rio de Janeiro. Nos
diversos sitios arqueoldgicos historicos do Estado de Sao Paulo também
ha registros do aparecimento da louga inglesa. Finalmente, no Rio Grande
do Sul, tais lougas fazem parte do conjunto de materiais encontrados em
diversos sitios missioneiros.
Em todos os sitios arqueolégicos historicos, nos diversos estados
brasileiros, a faianga inglesa aparece com maior ou menor variacaio de
padrdes e em diferentes periodos histéricos. Esta presenca constante
enfatiza a importancia de seu estudo, podendo ser usada como unidade
cronolégica. O estudo de seus padrdes e motivos decorativos e o
conhecimento das técnicas de sua fabricagéo pode fornecer datacio
relativa para ocupacao dos sitios em que sejam encontradas. Ademais, a
pesquisa acerca de sua incorpora¢&o ao mercado consumidor, permitira
visualizar um conjunto de aspectos sociais, econdmicos e culturais
refletidos pela sociedade formadora dos sitios.
A produgio da faianga fina inglesa se desenvolveu no condado de
Staffordshire, sudeste da Inglaterra. No século XIV, varios mosteiros da
regido ja produziam ceramica. No século XVI muitos desses mosteiros j4
estavam estabelecidos na regido norte de Staffordshire, conhecida pelo
nome de Potteries, perto de Burslem, a qual seria, mais tarde, o centro
ceramico do condado. O condado era rico tanto em carvaéo quanto em
‘barro, ambos fundamentais para industria ceramica. O chumbo, também
necessario ao fabrico, podia ser obtido em Lawton Park. A produgao local
era voltada para os artigos de uso doméstico, como canecos, tigelas,
jarros, candelabros e outros utensilios, bem como telhas para construsao.
Em 1539, Henrique VIII, opondo-se a Roma, fecha os mosteiros
da Inglaterra. A arte da olaria, entretanto, nfo se perde. Havia sido
ensinada a auxiliares nao religiosos, os quais continuariam a producio
ceramica para o consumo local,
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Até que a base econdémica da regio fosse centrada na mineragao
do carvao, no século XVII, a principal atividade era agricultura, e muitos
artesios, buscando ajudar no sustento da familia, costumavam ter,
geralmente em.suas casas, pequenas Olarias.
O norte de Staffordshire é formado por pequenas cidades, entre as
quais Tunstall, Etrutia e Brownhills, as quais , atualmente, formam uma
86, Stoke-upon-Trent. Em muitas pegas da faianca denominada Flow Blue,
encontram-se Os nomes ou as iniciais dessas cidades, nos carimbos com
que marcavam as pegas.
Em 1600, quando da divisdo das terras da coroa em aforamentos,
os arrendatérios das terras de Burslem e Tunstall tornaram-se
independentes. Essas terras eram divididas em pequenos lotes e no muito
apropriadas para agricultura. E a partir de ent&o que cresce o nimero de
fornos ¢ olarias na regiao. Jé em 1616, verifica-se o primeiro registro legal
da atividade de oleiro. Os fornos ainda eram pequenos, na prépria casa do
camponés e o barro e 0 carvao eram retirados dos arredores imediatos. A
produc&o era bastante nistica, e consistia em alguns vasos, cachimbos,
bergos para presentear nubentes, recipientes para o transporte de
mercadorias até a feira, etc,
A técnica de confecgdo das pegas consistia em dividir o barro em
rolos, em cima de uma tébua, cortando-os em seguida em fatias, que eram
ent&o trabalhadas em formas de bolas. Essas eram levadas ao torno, onde
0 oleiro dava-thes a forma desejada.
A segunda etapa de fabricagao iniciava-se com a secagem. Depois
de secas, a8 pegas eram pintadas com uma mistura de barro com
consisténcia de xarope. A variagéo na aplicagéo da pintura criava
diferentes padrdes. Uma vez findo o trabalho de pintura, po de chumbo
era peneirado sobre as pegas para que, apds a queima, ficassem com o
aspecto vidrado.
A terceira e ultima etapa consistia na condugao das pegas ao forno.
Eram colocadas em cima de uma superficie de argila refrataria no intuito
de protegé-las das chamas. Cada pega era separada da imediatamente
superior por trés pequenas pegas triangulares, deixando marcas no
vidrado, conhecidas como "stillmarks". A queima demandava 24 horas,
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mais 10 horas para que as pegas esfriassem e finalmente eram retiradas do
forno e ficavam disponiveis para a comercializagao.
Em 1690, aproximadamente, os irma&os John Phillip e David Elers,
de origem germfnica, vieram da Holanda para trabalhar na regiao.
Consigo trouxeram uma nova técnica - a Off Salt Glazing. Consistia em
jogar sal sobre as pecas, enquanto ainda no forno. O vapor do cloreto de
sodio reagia e formava 0 Acido cloridico, o qual deixava-sobre as pecas
uma camada de vidro de silicato de sddio. Tal processo de vitrificagao
continua atualmente em uso. A chegada dos irmfos Elers, em
Stanffordshire, é considerada por alguns como 0 ponto de partida para a
grande e moderna industria ceramica que se desenvolveu na regiao. Apds
eles, os utensilios produzidos tendem a perder sua caracteristica artesanal
€ se aproximar da preciso fabril.
A medida em que 0 velho método caseiro, dos fornos no fundo do
quintal comeca a mudar, a demanda de pecas mais sofisticadas exigira o
desenvolvimento de moldes. E desta época, 1693, a obtengao por Aaron
Wedgwood, de seu registro como fabricante de faianga. A partir de 1730,
aproximadamente, os moldes passatam a ser esculpidos em alabastro
transportado de Derbyshire.
O segredo do "gésso de Paris" & trazido da Franga por Ralph
Daniel, nos idos de 1745. Até ent&o, a louga chinesa, de qualquer tipo, era
importada e fazia concorréncia com os ceramistas de Stanffordshire. A
solugo encontrada pelos oleiros ingleses foi a criagio de moldes, nos
quais era despejado um barro de consisténcia pastosa, resultando em pegas
mais delicadas e de melhor efeito decorativo.
John Astbury, em 1720, adiciona silex moido ao barro branco de
Devonshire e consegue queima-lo a uma temperatura mais alta. Aliando-se
a nova técnica, Enoch Bloth, de Tunstall, desenvolve um precipitado
fluido que emprestava uma cor creme a louga. A técnica consistia em
mergulhar a pega na solug&o, depois de queimada, e tornat a leva-la ao
forno para amalgamar o vitrificado.
Em 1761, Josiah Wedgwood adiciona Feldspato 4 pasta branca
desenvolvida por Ralph Daniel, criando a técnica da faianga fina (faience
Fine, faience anglaise) que passou a ser conhecida como Creamware. Este
tipo era suavemente vitrificado e mais duravel que a faianca anteriormente
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