Blockhain

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B LO CKCH A I N

WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 1


BLO CKCH AIN
WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Direção editorial: Luciana de Castro Bastos

Diagramação e Capa: Daniel Carvalho


Igor Carvalho

Todos os livros publicados pela Expert Editora


Digital estão sob os direitos da Creative Com-
mons 4.0
https://br.creativecommons.org/

A regra ortográfica usada foi prerrogativa do autor.

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Commons 4.0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

SOUZA, Wallace Fabrício Paiva.


BLOCKCHAIN E A CAPTAÇÃO PÚBLICA DE RECURSOS: um comparativo
entre IPO e ICO à luz das normas da CVM - livro eletrônico - Belo Horizonte,
2020: Editora Expert.
ISBN: 978-65-992633-4-7 .
483 páginas

1. Direito Empresarial. 2. Sociedades Anônimas 3. Mercado de Valores


Mobiliários. 4. Investimentos. 5. Blockchain. I. I. Título.

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA
Dr. Eduardo Goulart Pimenta
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFMG e PUC/MG

Dr. Rodrigo Almeida Magalhães


Professor Associado da Faculdade de Direito da UFMG e PUC/MG

Dr. João Bosco Leopoldino da Fonseca


Professor Titular da Faculdade de Direito da UFMG

Dr. Marcelo Andrade Féres


Professor Associado da Faculdade de Direito da UFMG

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WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Prof. Dr. Eduardo Goulart Pimenta
PUC Minas

Prof. Dr. Rodrigo Almeida Magalhães


PUC Minas

Profa. Dra. Taisa Maria Macena de Lima


PUC Minas

Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto


Faculdades Milton Campos

Profa. Dra. Sabrina Torres Lage Peixoto de Melo


Newton Paiva

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA
Wallace Fabrício Paiva Souza

Doutor em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica


de Minas Gerais; Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade
de Direito Milton Campos (bolsista CAPES); Especialista em Direito
e Processo Civil pela Faculdade de Estudos Administrativos de
Minas Gerais; Graduado em Direito pela Faculdade de Direito
Milton Campos, onde recebeu a medalha de ouro “Professor João
Milton Henrique - Professor Wilson Chaves”; Advogado; Professor
Universitário; Idealizador e Coordenador Acadêmico do Dinamus
Educacional.
https://www.wallacesouza.adv.br

Belo Horizonte, Dezembro 2020

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WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Para Cleuza e Clara,
por todo apoio e carinho de sempre!
AGRADECIMENTOS

Neste momento de finalização de um Doutorado, como


afirmei também no final do Mestrado, há que se destacar a sua
importância, afinal o Brasil possui menos de 10 (dez) doutores para
cada 100.000 (cem mil) habitantes, então é um desafio e uma honra
enorme chegar aqui, sendo fundamentais alguns agradecimentos.

Primeiramente, agradeço a Deus, sem Ele nada seria possível.

Agradeço, também, a toda minha família e amigos,


principalmente a minha mãe Cleuza e minha namorada Clara,
que deram todo o apoio necessário para que eu chegasse neste
momento.

Destaco, ainda, a importância da PUC Minas, com todos seus


funcionários e Professores, em especial o meu Orientador Professor
Dr. Eduardo Goulart Pimenta, que me acompanhou desde a seleção
do Doutorado no final do ano de 2016 até aqui, passando por todo
o desenvolvimento da pesquisa. Tenho muita admiração pelo
Professor e pessoa que é.

Por fim, agradeço ao Centro Universitário Newton Paiva,


que teve um papel fundamental no financiamento deste projeto,
concedendo bolsa parcial pelo período de 3 (três) anos em
decorrência de convenção coletiva de trabalho com o Sindicato dos
Professores do Estado de Minas Gerais – SINPRO/MG.

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Como quer que isso se desenvolva, a
história do blockchain continuará a ser escrita
bem depois de você terminar de ler este livro,
assim como a história da web continuou a ser
escrita bem depois de sua invenção inicial.
Mas esta é a parte interessante do futuro do
blockchain: você é parte dele. [...] Se o blockchain
ainda não te chocou, garanto que o fará em breve.
(MOUGAYAR, 2017, p. xxiv/xxvii)

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RESUMO

O mercado de capitais possui extrema relevância por ser


alternativa na captação de recursos para uma companhia, ocorrendo
emissões públicas de valores mobiliários, mediante mobilização da
poupança popular. Utilização de recursos próprios e financiamento
bancário podem ser inviáveis, e o mercado de capitais pode ser
bem efetivo com as Initial Public Offerings (IPOs). Além disso, esse
mercado possui como pressuposto a tutela do crédito, com estímulo
do fluxo de relações econômicas. O seu funcionamento tem como
instituições fundamentais os órgãos reguladores, sendo a Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil, com a finalidade de fiscalizar,
normatizar, disciplinar e desenvolver o referido mercado. Ocorre
que, na prática, não é tão simples o acesso ao mercado, sendo
dificuldades mencionadas pelos próprios empresários os custos,
burocracia e questões estruturais. Porém, com a modernização
tecnológica, notadamente com a blockchain, surgiu a possibilidade
de se captar recursos públicos em um sistema distribuído,
estabelecendo a confiança entre os agentes do mercado sem um
intermediário financeiro centralizando a transação. A blockchain
é uma metatecnologia que surgiu para viabilizar a criptomoeda
Bitcoin e ganhou inúmeras funções com atuações em Apps como
Spotify, Uber e Airbnb. E uma dessas possibilidades são as Initial Coin
Offerings (ICOs), captações públicas de recursos com a emissão de
ativos virtuais (tokens ou coins), em favor do público investidor. E
surgem dois questionamentos: os ativos virtuais emitidos em uma
ICO podem ser caracterizados como valores mobiliários? Isso
atrairia para uma ICO toda a regulamentação de uma IPO, inclusive
com atuação do terceiro confiável que contradiz os princípios
da blockchain? Sabe-se que esses institutos são processos de
captação de recursos públicos com pressupostos diferentes, de

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forma que esta pesquisa se proponha, assim, a analisar a base
de cada uma para traçar um comparativo entre elas, verificando
a atual regulamentação da CVM sobre o tema e consequências
para a caracterização de uma ICO como IPO ou não. Para o seu
desenvolvimento, iniciou-se com o estudo do mercado de valores
mobiliários no direito brasileiro, destacando-se a oferta pública.
Após, passou-se para a análise da blockchain, dos criptoativos e
da reinvenção dos serviços financeiros com foco na ICO. Por fim,
fez-se o comparativo entre ICO e IPO, ressaltando a posição da
CVM e perspectivas no Legislativo sobre o tema. No que tange à
blockchain, citam-se como referências principais para a pesquisa
as obras de William Mougayar (2017), Don e Alex Tapscott (2016),
Chris Burniske e Jack Tatar (2019), e, sobre o mercado de valores
mobiliários, foram fundamentais os livros editados pela própria CVM,
além de autores como Eizirik, Gaal, Parente e Henriques (2011). Para
o desenvolvimento do trabalho, houve predominantemente análise
de evolução do entendimento, com completa revisão bibliográfica
das obras sobre valores mobiliários, blockchain e criptoativos.
Verificou-se que a CVM não impede a negociação de criptoativos,
mas exige sua participação quando há a caracterização de valores
mobiliários, com todo o regramento próprio de uma IPO. Entende-se
que as inovações tecnológicas devem estar alinhadas à segurança
dos investidores e integridade do mercado.

Palavras-chave: Direito Empresarial. Sociedades Anônimas.


Mercado de valores mobiliários. Investimentos. Blockchain.

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ABSTRACT

The capital market is extremely relevant because it is an


alternative in raising funds for a company, with public emissions of
securities taking place, through the mobilization of popular savings.
The use of own resources and bank financing may not be viable, and
the capital market can be very effective with Initial Public Offerings
(IPOs). In addition, this market assumes as premise credit protection,
stimulating the flow of economic relations. Regulatory bodies that
are fundamental to its operation are, in Brazil, the Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), with the purpose of inspecting, regulating,
disciplining and developing that market. It happens that, in practice,
access to the market is not so simple, with difficulties mentioned by
the entrepreneurs themselves as: costs, bureaucracy and structural
issues. However, with technological modernization, notably with the
blockchain, the possibility of raising public funds in a distributed
system arose, establishing trust between market agents without
a financial intermediary centralizing the transaction. Blockchain is
a metatechnology that emerged to make Bitcoin cryptocurrency
feasible and gained numerous functions with performances in Apps
such as Spotify, Uber and Airbnb. And one of these possibilities are
Initial Coin Offerings (ICOs), public fundraising with the emission of
virtual assets (tokens or coins), in favor of the investing public. And two
questions arise: can virtual assets issued in an ICO be characterized
as securities? Would this attract to an ICO all the regulation of an IPO,
including the performance of a trusted third party that contradicts
the principles of blockchain? It is known that these institutes are
public fundraising processes with different assumptions, so this
research proposes, thus, to analyze the basis of each one to draw
a comparison between them, verifying the current CVM regulation
on the subject and consequences for the characterization of an ICO

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as an IPO or not. For its development, it began with the study of the
securities market under Brazilian law, with emphasis on the public
offering. Afterwards, it went on to analyze blockchain, cryptoassets
and the reinvention of financial services with a focus on ICO. Finally,
a comparison was made between ICO and IPO, highlighting the
CVM’s position and perspectives in the Legislative on the subject.
Regarding the blockchain, the works of William Mougayar (2017),
Don and Alex Tapscott (2016), Chris Burniske and Jack Tatar (2019)
are mentioned as main references for the research, and, on the
securities market, the books edited by the CVM were fundamental,
as well as authors such as Eizirik, Gaal, Parente and Henriques (2011).
For the development of the work, there was predominantly analysis
of the evolution of understanding, with a complete bibliographic
review of the works on securities, blockchain and cryptoassets. It was
found that the CVM does not prevent the trading of cryptoassets,
but requires its participation when there is a characterization of
securities, with all the rules specific to an IPO. It is understood that
technological innovations must be aligned with investor safety and
market integrity.

Keywords: Business Law. Anonymous society. Securities


market. Investments. Blockchain.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANBIMA Associação Brasileira das Entidades dos -


Mercados Financeiro e de Capitais

Art. Artigo

B3 Brasil, Bolsa, Balcão

Bacen Banco Central do Brasil

BaFin Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht

BBF Bolsa Brasileira de Futuros

BCE Banco Central Europeu

BM&F Bolsa de Mercadorias e Futuros

Bovespa Bolsa de Valores de São Paulo

CC/02 Código Civil de 2002

CC/16 Código Civil de 1916

CETIP Central de Custódia e Liquidação Financeira

de Títulos Privados

CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988

CMN Conselho Monetário Nacional

CVM Comissão de Valores Mobiliários

DAO Descentralized Autonomous Organization

DLT Distributed Ledger Tecnology

DNS Domain Name Servers

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DOA Organizações Autônomas Distribuídas

EGEMs Emissores com Grande Exposição ao Mercado

FAQ Frequently Asked Questions

Fiemg Federação das Indústrias do Estado de Minas

Gerais

IBGC Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

ICO Initial Coin Offering

IPO Initial Public Offering

ITCMD Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e

Doação

M&A Mergers and Acquisitions

MFCap Mercados Financeiros e de Capitais

ON Ordinária

OPA Oferta Pública de Aquisição

PE/VC Private Equity / Venture Capital

PIB Produto Interno Bruto

PN Preferencial

PwC PricewaterhouseCoopers

QIBs Qualified Institutional Buyers

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SPB Sistema de Pagamentos Brasileiro

STO Oferta de Security Token

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PREFÁCIO

A tecnologia, fruto da inteligência e curiosidade humana, é


uma constante na História.

Desde os primeiros artefatos para caça e preparo dos


alimentos, há inúmeros exemplos de criações intelectuais que
revolucionaram, em regra para melhor, a existência no planeta.

Imprensa, mecanismos de navegação, máquinas a vapor,


automóveis, câmeras fotográficas e instrumentos de gravação
musical são apenas alguns exemplos destes notáveis momentos
de evolução intelectual da Humanidade.

O século XX trouxe, porém, um novo tipo de tecnologia.


São criações intelectuais capazes de expandir, em muito, sua
original finalidade para abarcarem, literalmente, uma infinidade de
atividades e utilidades.

O computador e a internet são, sem dúvida, os dois maiores


exemplos destas criações, às quais se costuma chamar de
metatecnologias.

O blockchain é, acreditem, a primeira metatecnologia


essencialmente criada no Século XXI e não são poucos os que
afirmam – entre os quais me incluo - que ela será capaz de influenciar
o quotidiano e a vida humana de modo análogos ao que a internet e
o computador fizeram e ainda fazem.

Com tal potencial, os estudos jurídicos não podem deixar de


se preocupar com tal realidade, e o presente trabalho, resultado do
doutoramento do autor, assumiu, com sucesso, os riscos de analisar
um dos vários pontos de encontro entre blockchain e Direito.

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A clareza do texto, sem deixar de lado a análise profunda da
bibliografia e dados existentes, demonstram a seriedade com que
o autor tratou do tema, justificando plenamente sua consulta e uso
como referência.

Vale também ressaltar que, ao publicar o resultado de suas


pesquisas através de uma editora aberta ao livre acesso, Wallace
Fabrício Paiva Souza assume também, a seu modo, aspecto
particularmente marcante na criação de seu objeto de estudo: o livre
compartilhamento das conclusões e do conhecimento adquirido.

O Programa de pós-graduação em Direito da PUCMINAS


orgulha-se de apresentar, aos acadêmicos e estudiosos em geral,
trabalho de tal qualidade e atualidade.

Belo Horizonte, Dezembro de 2020.

Eduardo Goulart Pimenta

Professor Adjunto de Direito Empresarial – UFMG e PUCMINAS

Doutor e Mestre em Direito Empresarial – UFMG

Procurador do Estado de Minas Gerais

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Capítulo 1
INTRODUÇÃO...........................................................................................................22

Capítulo 2
O MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS NO DIREITO
BRASILEIRO..............................................................................................................28

2.1 REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO............ 47

2.2 A COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS........................................58

2.3 BOLSA DE VALORES E MERCADO DE BALCÃO.............................66

2.4 PRINCIPAIS AGENTES DO MERCADO DE CAPITAIS.................... 75

2.5 ESTUDO PRÁTICO DAS COMPANHIAS MINEIRAS E O


MERCADO DE CAPITAIS....................................................................................88

Capítulo 3
A OFERTA PÚBLICA NO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS.96

3.1 OFERTAS PÚBLICAS DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES (OPAS)........ 106

3.2 OFERTAS PÚBLICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE VALORES


MOBILIÁRIOS........................................................................................................118

3.2.1 TIPOS DE OFERTAS PÚBLICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE


VALORES MOBILIÁRIOS..................................................................................122

3.2.2 COMO FAZER OFERTAS PÚBLICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE


VALORES MOBILIÁRIOS..................................................................................132

3.2.3 AS RESPONSABILIDADES POR PARTE DOS OFERTANTES E

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CUSTOS....................................................................................................................145

Capítulo 4
A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN..................................................................... 160

4.1 A MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA COMO PRESSUPOSTO


PARA A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN E IMPACTOS NA ESFERA
JURÍDICA................................................................................................................ 166

4.2 A CRISE DE 2008 E A ORIGEM DA TECNOLOGIA BLOCKCHAIN


PARA O BITCOIN..................................................................................................178

4.3 O CONCEITO E FUNCIONAMENTO DA BLOCKCHAIN..............189

4.4 PRINCÍPIOS DA BLOCKCHAIN.............................................................. 206

4.4.1 INTEGRIDADE NA REDE....................................................................... 207

4.4.2 PODER DISTRIBUÍDO............................................................................ 209

4.4.3 VALOR COMO INCENTIVO..................................................................210

4.4.4 SEGURANÇA...............................................................................................212

4.4.5 PRIVACIDADE.............................................................................................214

4.4.6 DIREITOS PRESERVADOS....................................................................218

4.4.7 INCLUSÃO................................................................................................... 220

4.5 MULTIPLICIDADE DE FUNÇÕES E DESAFIOS PARA A


IMPLEMENTAÇÃO...............................................................................................221

4.6 BLOCKCHAIN E A REDUÇÃO DE CUSTOS DE AGÊNCIA EM


SOCIEDADES ANÔNIMAS.............................................................................. 236

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Capítulo 5
CRIPTOATIVOS.....................................................................................................257

5.1 VALIDADE E SEGURANÇA DOS DOCUMENTOS ELETRÔNICOS


..................................................................................................................................... 265

5.1.1 CRIPTOGRAFIA...........................................................................................272

5.1.2 INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS................................277

5.1.3 ASSINATURA DIGITAL........................................................................... 285

5.2 A SISTEMÁTICA DOS CRIPTOATIVOS................................................291

5.2.1 CRIPTOMOEDAS....................................................................................... 293

5.2.1.1 BITCOIN.....................................................................................................300

5.2.1.2 ALTCOINS.................................................................................................308

5.2.2 CRIPTOCOMMODITIES E CRIPTOTOKENS..................................314

Capítulo 6
REINVENTANDO OS SERVIÇOS FINANCEIROS: UM ESTUDO DA
INITIAL COIN OFFERING (ICO)...................................................................... 320

6.1 BANCOS E BLOCKCHAINS.......................................................................333

6.2 O MODELO DISTRIBUÍDO DA BLOCKCHAIN NA ATIVIDADE


EMPRESÁRIA........................................................................................................ 344

6.3 SMART CONTRACTS...................................................................................352

6.4 INITIAL COIN OFFERING (ICO)...............................................................357

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6.5 CROWDFUNDING.........................................................................................373

Capítulo 7
PONTOS DE CONTATO E DIVERGÊNCIAS ENTRE ICO E IPO.......381

7.1 ICO COMO IPO?.............................................................................................391

7.2 ICO VS. IPO.......................................................................................................401

7.3 ATOS NORMATIVOS DA CVM E BANCO CENTRAL................... 407

7.3.1 DELIBERAÇÃO CVM N. 680 DE 2012.............................................408

7.3.2 NOTA DA CVM, DE 11 DE OUTUBRO DE 2017............................ 411

7.3.3 FAQ DA CVM, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2017...........................415

7.3.4 COMUNICADO DO BANCO CENTRAL N. 31.379 DE 2017....418

7.3.5 DELIBERAÇÃO CVM N. 785 DE 2017.............................................. 420

7.3.6 OFÍCIO CIRCULAR Nº 1/2018/CVM/SIN DE 2018.................421

7.3.7 DELIBERAÇÃO CVM N. 790 DE 2018............................................. 424

7.4 PERSPECTIVAS DE REGULAMENTAÇÃO........................................ 426

7.4.1 PROJETO DE LEI N. 2.303 DE 2015.................................................. 426

7.4.2 PROJETO DE LEI N. 2.060 DE 2019................................................. 428

7.4.3 PROJETOS DE LEI N. 3.825 E 3.949 DE 2019...............................431

Capítulo 8
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 435

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 444

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Capítulo 1

INTRODUÇÃO

A realidade empresarial é extremamente complexa e o


Direito Empresarial vem passando por inúmeras transformações,
notadamente por conta da modernização tecnológica. Esse ramo do
Direito, por atender aos agentes econômicos e ao mercado, terá um
papel direto no desenvolvimento econômico, pois as suas normas
podem ser um estímulo ao empreendedorismo como podem frear
o avanço. Inclusive, trata-se de uma categoria história, de modo
que se cria e se renova diariamente por exigências e circunstâncias
históricas.

Dentre todos os temas que envolvem o Direito Empresarial,


o mercado de capitais se destaca por ser alternativa na captação
de recursos para uma companhia, para que consiga desenvolver
sua atividade e crescer. Trata-se de um sistema de distribuição
de valores mobiliários, sendo constituído pelas bolsas de valores,
sociedades corretoras e instituições financeiras que possuem
autorização. É esse mercado que possui o potencial de permitir as
companhias que captem recursos não exigíveis para o financiamento
de seus projetos ou para postergar o prazo de suas dívidas, o que
se dá por meio da emissão pública de valores mobiliários, mediante
mobilização da poupança popular.

Ora, é possível a utilização de recursos próprios ou


financiamento bancário, mas nem sempre haverá essa viabilidade,
uma vez que a companhia pode não ter recursos próprios, ou as
condições para um empréstimo no banco são extremamente

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onerosas. Então, o acesso ao mercado de capitais será bem mais
efetivo, e essa captação de recursos será via Initial Public Offerings
(IPOs).

Uma abertura de capital no mercado de valores mobiliários,


além de ser uma excelente opção para o empresário adquirir recursos,
ainda terá a vantagem de ter mais projeção e reconhecimento
no mercado da companhia, com uma maior exposição da marca
e criando a possibilidade dos funcionários, por exemplo, serem
acionistas e terem a sensação de dono.

Considerando a referida importância, esse mercado possui


como pressuposto a tutela do crédito, com estímulo do fluxo de
relações econômicas. Ressalta-se que esse mercado tem como
figura de destaque no Brasil a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), que exercerá o papel de órgão regulador, com a finalidade de
fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o referido mercado,
sendo um terceiro confiável.

O papel da CVM será de proteger os investidores de


volatilidades e desvalorizações em função de vendas realizadas por
conta das ofertas. Notam-se inúmeras regras, inclusive, não sendo
um procedimento fácil, simples e barato de se fazer. Os custos
de abertura de capital sempre são lembrados quando se analisa
o desestímulo aos agentes para entrar no mercado de valores
mobiliários.

Para fazer uma oferta, há uma série de exigências, que


levam a gastos com comissões pagas aos participantes, honorários
advocatícios, serviços contábeis e de auditoria, taxas de registro,
dentre outros. Logo, notam-se inúmeras vantagens, mas também
várias dificuldades, principalmente para a grande massa dos
empresários, que são pequenos e médios. Eles alegam custos,
burocracia e questões estruturais. Ocorre que a tecnologia tem

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apresentado soluções para captação de recursos de outras formas,
principalmente para os empresários de pequeno e médio porte e
para as startups que sequer foram constituídas ainda.

A modernização tecnológica trouxe a blockchain, que surgiu


para viabilizar a criptomoeda Bitcoin, após a atmosfera criada
em 2008 com a crise financeira que ocorreu. Uma desconfiança
crescente gerou a necessidade de alternativas. Mesmo com
a blockchain surgindo para viabilizar o Bitcoin, ela apresentou
inúmeras outras funções. Pode-se falar que é semelhante à internet,
que foi criada para interligar laboratórios de pesquisa e adquiriu
infinitas funções na atualidade. No caso da blockchain, criam-se
novas possibilidades de realizar transações, armazenar dados e
mover ativos, sendo apenas o começo. Citam-se como exemplos a
sua atuação em Apps como Spotify, Uber e Airbnb.

Entender a blockchain não é uma tarefa fácil. Além de suas


capacidades tecnológicas, ela carrega um arcabouço filosófico,
cultural e ideológico. Pode-se dizer que é uma continuação da
história da internet e, de forma bem simplificada, trata-se de uma
tecnologia que grava transações permanentemente, que serão
somente atualizadas sequencialmente formando um rastro de
registros.

No que tange à captação pública de recursos, objeto deste


trabalho, a blockchain a viabilizou em um sistema distribuído,
estabelecendo a confiança entre os agentes do mercado sem um
intermediário financeiro centralizando a transação, isto é, sem a
necessidade de um terceiro confiável como a CVM. E isso se dá
mediante as Initial Coin Offerings (ICOs), captações públicas de
recursos com a emissão de ativos virtuais (tokens ou coins), em favor
do público investidor.

Todavia, órgãos reguladores do mercado de capitais, como

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a CVM, vêm entendendo que os ativos virtuais emitidos em uma
ICO podem ser caracterizados como valores mobiliários, nos termos
da Lei n. 6.385/76. Surge o questionamento: isso atrairia para uma
ICO toda a regulamentação de uma IPO, inclusive com atuação do
terceiro confiável, o que contradiz os princípios da blockchain? Sabe-
se que esses institutos são processos de captação de recursos
públicos com pressupostos diferentes, de forma que esta pesquisa
se propõe, assim, a analisar a base de cada uma para traçar um
comparativo entre elas, verificando a atual regulamentação da CVM
sobre o tema e consequências para a caracterização de uma ICO
como IPO ou não.

Para se atingir o objetivo geral de se fazer um comparativo


entre a IPO e ICO à luz das normas da CVM, tiveram-se como
objetivos específicos analisar o mercado de valores mobiliários e a
abertura de capital, compreender a IPO e a regulamentação da CVM,
notadamente as Instruções Normativas, compreender a tecnologia
blockchain, analisar os criptoativos e as ICOs propriamente ditas, e
revisar os autores especializados sobre os temas trabalhados.

Os dois pilares da pesquisa, então, foram o mercado de


valores mobiliários, notadamente a abertura de capital, e a blockchain
no que tange à ICO. Sobre o mercado de valores mobiliários, foram
fundamentais os livros editados pela própria CVM e suas instruções
normativas e deliberações, além de autores como Nelson Eizirik,
Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de Freitas Henriques.
Quanto à blockchain, citam-se como referências principais para a
pesquisa as obras de William Mougayar, Don e Alex Tapscott, Chris
Burniske e Jack Tatar.

A metodologia aplicada ao longo da pesquisa consistiu


predominantemente na análise de evolução do entendimento,
com uma completa revisão bibliográfica das obras que tratam

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sobre valores mobiliários, blockchain e criptoativos, o que se torna
primordial para se fazer o comparativo entre institutos relacionados
aos citados temas. Além disso, o Direito Empresarial implica um
estudo histórico comparativo do desenvolvimento das várias formas
dos seus institutos no tempo e no espaço, o que foi fundamental para
compreender o atual contexto econômico com base no impacto da
tecnologia blockchain.

Para o seu desenvolvimento, iniciou-se com o estudo


do mercado de valores mobiliários no direito brasileiro, sendo
importante verificar o seu contexto com a regulamentação, a
CVM e os principais agentes de mercado de capitais, porém não
se esquecendo da prática, das dificuldades que as companhias
encontram para acesso o mercado de capitais. Após, aprofundou-se
sobre a oferta pública no mercado de valores mobiliários, trazendo
todos os pressupostos para o estudo da IPO.

Passando para o segundo pilar, veio o estudo da tecnologia


blockchain em si, trazendo-se a evolução tecnológica até a
blockchain que surgiu no contexto da crise de 2008, os seus
princípios, funcionamentos, desafios, multiplicidade de funções e
impacto na redução de custos de agência em sociedades anônimas.
Fez-se necessário um estudo dos criptoativos (criptomoedas,
criptocommodities e criptotokens) e as questões pertinentes para
sua validade e segurança. Estabelecidos os pressupostos, passou-
se para a análise das Initial Coin Offerings (ICOs), destacando-se o
contexto de reinvenção dos serviços financeiros com a tecnologia.

Por fim, houve o comparativo entre ICO e IPO, com uma


análise dos atos normativos da CVM e do Banco Central sobre o
assunto, perspectivas regulatórias no órgão de Poder Legislativo
e o caso alemão de autorização de uma ICO por parte do órgão
regulador do mercado de capitais. No caso brasileiro, verificou-se

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que a CVM não impede a negociação de criptoativos, mas exige
sua participação quando há a caracterização de valores mobiliários,
com todo o regramento próprio de uma IPO. Entendeu-se que as
inovações tecnológicas devem estar alinhadas à segurança dos
investidores e integridade do mercado.

Notou-se que há muitos desafios e dúvidas, mas isso ocorreu


também com a internet, e hoje se vê o enorme potencial que adquiriu.
Em relação à blockchain, há o mesmo nível de incerteza hoje, com
inúmeras vantagens, mas inúmeros riscos também. Como foi dito
na Dissertação de Mestrado deste autor, como a internet tem como
fator principal o conhecimento, não se vê limites para a economia
por ela criada, então que este autor e o leitor possam continuar
acompanhando as evoluções que ainda estão por vir.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 27
Capítulo 2

O MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS NO


DIREITO BRASILEIRO

O Mercado de Valores Mobiliários, um dos pressupostos


para a posterior comparação entre a Initial Coin Offerings (ICO) e a
Initial Public Offerings (IPO), tem como pressuposto o estudo do
Sistema Financeiro, essencial para se compreender a sociedade
econômica moderna. E, embora este trabalho seja eminentemente
jurídico, é fato que precisará abordar alguns aspectos econômicos,
considerando a interseção entre Economia e Direito.

Nas economias modernas, como se verifica no dia a dia,


os desejos de consumo das famílias estão acima da capacidade
econômica, de modo que haja a escassez dos recursos. As famílias,
empresários e o governo, denominados como agentes, possuem
ações que, embora sejam individuais, estão interligadas e impactam
o todo. Verifica-se a seguinte relação:

De um lado, as famílias oferecem os insumos


necessários para a produção das empresas, como
o trabalho, o capital e os imóveis, em troca dos
rendimentos do salário, juros, lucros e aluguéis, o
que em conjunto formam a renda dessas famílias.
Com essa renda, as famílias adquirem os produtos
e serviços ofertados pelas empresas. O governo,
por sua vez, recolhe impostos e taxas dessas

BLO CKCH AIN


28 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
famílias e empresas, e devolve para a sociedade
em forma de projetos sociais ou serviços básicos
não ofertados pelas empresas. (COMISSÃO, 2019,
p. 27)

Nesse contexto, pode ocorrer de uma família não consumir


toda a sua renda e resolver poupar parte, e outra família resolver
gastar mais do que tem, pelas mais diversas razões. Idem ocorre
com os empresários e o governo, que podem precisar fazer
investimentos mais elevados, gastando mais do que possuem. Os
agentes, então, podem ser superavitários e deficitários, tornando-
se preciso que haja um fluxo de recursos entre eles, o que é
viabilizando pelo Sistema Financeiro. Pode-se conceitua-lo, assim,
como um “conjunto de instituições e instrumentos que viabilizam o
fluxo financeiro entre os poupadores e os tomadores de recursos na
economia” (COMISSÃO, 2019, p. 29).

E o Sistema Financeiro tem um impacto direto no crescimento


econômico de um país, uma vez que quem quer investir encontra
alguém que precisa de recursos, de modo que haverá uma geração
de emprego e renda, girando a economia. Ocorre que com o passar
do tempo, esse Sistema Financeiro teve que ficar mais complexo,
em função das necessidades do mercado, segmentando em
quatro grandes mercados: monetário, de câmbio, de crédito e o
de capitais, de modo que os três primeiros podem ser explicados
resumidamente da seguinte forma:

Mercado Monetário: as transferências de


recursos a curtíssimo prazo, em geral com prazo
de um dia, como aquelas realizadas entre as

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 29
próprias instituições financeiras ou entre elas
e o Banco Central, são realizadas no chamado
mercado monetário. Trata-se de um mercado
utilizado basicamente para controle da liquidez
da economia, no qual o Banco Central intervém
para condução da Política Monetária. [...]

Mercado de Câmbio: é o mercado em que são


negociadas as trocas de moedas estrangeiras por
moeda nacional. Participam desse mercado todos
os agentes econômicos que realizam transações
com o exterior, ou seja, têm recebimentos ou
pagamentos a realizar em moeda estrangeira.
Esse mercado é regulado e fiscalizado pelo Banco
Central do Brasil, que dele também participa para
execução de sua Política Cambial.

Mercado de crédito: é o segmento do mercado


financeiro em que as instituições financeiras
captam recursos dos agentes superavitários e
os emprestam às famílias ou empresas, sendo
remuneradas pela diferença entre seu custo de
captação e o que cobram dos tomadores. Essa
diferença é conhecida como spread. Assim, as
instituições financeiras nesse mercado têm como
atividade principal a intermediação financeira
propriamente dita. Em geral, são operações de
curto e médio prazo, destinadas ao consumo ou
capital de giro das empresas. As operações são
usualmente formalizadas por contratos, como,
por exemplo, cheque especial, conta garantida
e crédito direto ao consumidor, e as instituições
financeiras assumem o risco de crédito da

BLO CKCH AIN


30 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
operação. (COMISSÃO, 2019, p. 31)

Especificamente sobre o mercado de valores mobiliários,


citam-se Eizirik, Gaak, Parente e Henriques (2011, p. 8), que dizem
ser a função econômica essencial do mercado de capitais permitir
aos empresários que captem recursos não exigíveis, que não serão
considerados empréstimos como no mercado de crédito. Como
regra, as instituições terão que remunerar os investidores caso haja
lucro no investimento. Por isso se trata de um mercado de risco.
Nas palavras dos citados autores (2011, p. 8): “a companhia não está
obrigada a devolver os recursos aos investidores (exceto no caso
de debêntures ou de comercial papers, que também integram o
mercado de capitais), mas, isto sim, a remunerá-los na forma de
dividendos”.

Logo, os investidores não possuem garantias quanto ao


retorno dos investimentos, o que depende dos resultados do
empresário. Além disso, embora se trate de um mercado de risco, as
ações possuem liquidez, podendo ser transformadas em dinheiro,
principalmente quando se admite a negociação no mercado de
capitais.

E o mercado de capitais também possui outras características,


assim resumidas por Eizirik, Gaak, Parente e Henriques (2011, p. 9):

1) conciliação do interesse do poupador de


oferecer recursos a curto prazo (quando os
valores mobiliários são dotados de liquidez) com
a necessidade da empresa emissora de obter
recursos de médio e longo prazos;

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 31
2) transformação dos montantes de capital, de
sorte que pequenos e médios montantes de
recursos, aportados por diferentes poupadores,
convertem-se, por ocasião da subscrição de
valores mobiliários, em grandes e consolidados
montantes de capital;

3) transformação da natureza dos riscos,


ao permitir que se transforme uma série de
investimentos de alto risco individual, de longo
prazo e sem liquidez, em investimentos com
maior segurança e prazos mais curtos;

4) maior agilidade do processo de transferência


dos recursos, uma vez que os valores mobiliários
(ações, debêntures, etc.) são padronizados e
aptos a circularem em massa;

5) obtenção de um maior volume de informações


homogêneas sobre a oferta e demanda de
recursos.

E no mercado de capitais, haverá dois seguimentos: primário


e secundário. O mercado primário será o foco deste trabalho,
uma vez que é nele que ocorrem as emissões públicas de novos
valores mobiliários, mediante a mobilização da poupança popular.
Nele que ocorre a captação pública de recursos, de modo que as
entidades emissoras poderão os utilizar em seus empreendimentos.
No mercado secundário, por sua vez, não se emitem novos títulos,
sendo as operações realizadas entre os poupadores, garantindo a
liquidez dos valores mobiliários.

BLO CKCH AIN


32 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Mas o que seriam os valores mobiliários? Esse é um ponto
importante para se falar do mercado de valores mobiliários.
Inicialmente, quando se busca no Direito Europeu, verifica-se uma
distinção entre valores mobiliários stricto sensu e lato sensu, sendo
os primeiros os instrumentos clássicos, enquanto os segundos se
tratavam de mecanismos de difícil conceituação jurídica. Atualmente
esses valores mobiliários lato sensu foram substituídos pelo termo
instrumentos financeiros. Segundo A. Barreto Menezes Cordeiro
(2018, p. 128),

a substituição do termo vm lato sensu pelo de


if não surgiu, por fim, como uma necessidade
prática ou jus-científica. O DVM conviveu durante
longos séculos com a dicotomia vm stricto sensu
e vm lato sensu e poderia ter continuado a fazê-lo:
pense-se no caso elucidativo do Direito estado-
unidense, onde o termo clássico security não só
conservou o seu domínio conceitual e linguístico,
como a sua extensão extravasa o campo de
aplicação do conceito europeu de financial
instrument. O mesmo se verifica no Brasil, onde
o conceito de vm conserva toda a sua plenitude.

O termo valores mobiliários possui origem francesa, sendo


utilizado pela primeira vez numa acepção mais próxima de hoje
numa lei de 1798. No Direito Europeu, encontra-se uma definição
primitiva na Recomendação n. 77/534, de 25 de julho de 1977, da
Comissão Europeia: “Todos os títulos transacionados ou susceptíveis
de serem transacionados num mercado organizado” (CORDEIRO,
2018, p. 135). Com a Diretriz n. 89/298, de 17 de abril de 1989, há

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 33
uma nova definição:

Valores mobiliários: as acções e outros valores


negociáveis equiparáveis a acções, as obrigações
com um prazo de pelo menos um ano e os outros
valores negociáveis equiparáveis a obrigações,
bem como quaisquer outros valores negociáveis
que permitam adquirir tais valores mobiliários
mediante a subscrição e troca. (CORDEIRO, 2018,
p. 135)

A compreensão do que seja valor mobiliário, então, pode


ser trabalhada no aspecto normativo e abstrato, como bem explica
Eduardo Goulart Pimenta (2017, p. 112). No aspecto normativo, valores
mobiliários são “todos os títulos que, uma vez indicados em lei, são
suscetíveis de serem negociados ao público, através do mercado”.
Se a legislação o trouxer como valor mobiliário ele será assim
considerado. No Brasil, destaca-se o art. 2º da Lei n. 6.385/1976, que
traz o rol dos valores mobiliários, o qual foi reformulado incluindo
instrumentos contratuais, sendo importante sua transcrição:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime


desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de
31.10.2001)

I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;


(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e


certificados de desdobramento relativos aos

BLO CKCH AIN


34 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
valores mobiliários referidos no inciso II; (Redação
dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

III - os certificados de depósito de valores


mobiliários; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de
31.10.2001)

IV - as cédulas de debêntures; (Inciso incluído


pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

V - as cotas de fundos de investimento em


valores mobiliários ou de clubes de investimento
em quaisquer ativos; (Inciso incluído pela Lei nº
10.303, de 31.10.2001)

VI - as notas comerciais; (Inciso incluído pela Lei


nº 10.303, de 31.10.2001)

VII - os contratos futuros, de opções e outros


derivativos, cujos ativos subjacentes sejam
valores mobiliários; (Inciso incluído pela Lei nº
10.303, de 31.10.2001)

VIII - outros contratos derivativos,


independentemente dos ativos subjacentes; e
(Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

IX - quando ofertados publicamente, quaisquer


outros títulos ou contratos de investimento
coletivo, que gerem direito de participação, de
parceria ou de remuneração, inclusive resultante
de prestação de serviços, cujos rendimentos
advêm do esforço do empreendedor ou de
terceiros. (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de
31.10.2001)1
1 Os parágrafos do citado dispositivo ainda trazem:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 35
Érica Gorga (2013, p. 258/263) coloca que, originalmente, os
títulos de crédito englobavam os valores mobiliários, sendo gênero
e espécie. De acordo com a doutrina italiana, por exemplo, as ações
seriam títulos de crédito impróprios e as notas promissórias títulos
de crédito próprios. Havia uma confusão entre os institutos.

Ary Oswaldo Mattos Filho (1985, p. 34/35), inclusive, traz que


a diferença nas características entre títulos de crédito e valores
mobiliários exigiria uma categoria conceitual própria e independente
para os valores mobiliários. Os títulos de crédito seriam títulos
de emissão restrita ou de quantidade relativamente pequena,
gozavam de literalidade da obrigação e de autonomia do direito dos
sucessivos credores, e a relação obrigacional originalmente incutida
na cártula somente poderia ser alterada com o consentimento
das partes envolvidas. Os valores mobiliários, por sua vez, seriam

“§ 1º Excluem-se do regime desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) (Vide
art. 1º da Lei nº 10.198, de 14.2.2001)
I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal; (Redação dada pela Lei nº
10.303, de 31.10.2001)
II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures.
(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
§ 2º Os emissores dos valores mobiliários referidos neste artigo, bem como seus
administradores e controladores, sujeitam-se à disciplina prevista nesta Lei, para as
companhias abertas. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
§ 3º Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir normas para a execução do disposto
neste artigo, podendo: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
I - exigir que os emissores se constituam sob a forma de sociedade anônima; (Inciso incluído
pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
II - exigir que as demonstrações financeiras dos emissores, ou que as informações sobre o
empreendimento ou projeto, sejam auditadas por auditor independente nela registrado; (In-
ciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
III - dispensar, na distribuição pública dos valores mobiliários referidos neste artigo, a partici-
pação de sociedade integrante do sistema previsto no art. 15 desta Lei; (Inciso incluído pela
Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
IV - estabelecer padrões de cláusulas e condições que devam ser adotadas nos títulos ou
contratos de investimento, destinados à negociação em bolsa ou balcão, organizado ou não,
e recusar a admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões. (Inciso in-
cluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)
§4º É condição de validade dos contratos derivativos, de que tratam os incisos VII e VIII do
caput, celebrados a partir da entrada em vigor da Medida Provisória no 539, de 26 de julho de
2011, o registro em câmaras ou prestadores de serviço de compensação, de liquidação e de
registro autorizados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários.
(Incluído pela Lei nº 12.543, de 2011)”

BLO CKCH AIN


36 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
títulos de massa, sendo possível que a relação obrigacional original

fosse alterada sem o consentimento de todos os credores; a


relação cartular não é literal; e resultam de um contrato afetando a
autonomia do título de crédito.

E no citado art. 2ºda Lei n. 6.385/1976 verifica-se isso


claramente, pois há institutos que se adequam a ambas as
categorias, mas há institutos que são somente valores mobiliários,
não sendo títulos de crédito. E se destaca o inciso IX do referido
dispositivo, que traz uma cláusula aberta.

Dessa cláusula aberta se extrai o aspecto abstrato dos


valores mobiliários, referindo-se a características comuns a todos
os valores mobiliários.

Há ordenamentos jurídicos que trazem a definição normativa


como taxativa, com a França, mas não é o caso do direito brasileiro
e estadunidense. Menciona-se inclusive o “Howey Test”, que seria
utilizado para verificar se um título seria valor mobiliário ou não. Por
esse teste, extraem-se características comuns desse instituto.

Segundo a definição Howey, os valores mobiliários possuem


como característica uma “transferência de bens suscetíveis de
serem avaliados monetariamente e que possam ser usados como
contribuição para determinado empreendimento econômico”,
sendo que a finalidade é o lucro e o resultado todos adquirentes
participarão (PIMENTA, 2017, p. 114/115).

Um ponto de destaque dos valores mobiliários é que haverá


uma variabilidade e incerteza quanto ao lucro que se almeja, sendo
que em outros investimentos se sabe quanto e quando irão ganhar.
Aqui, até o momento de liquidar os direitos do título, ele é incerto e
inexigível.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 37
Outro elemento importante é a dependência do esforço ou
competência de terceiros. O investidor não terá uma participação
ativa. Além disso, há algumas características não essenciais, como
“a não destinação ao uso ou consumo, a inexistência de critério de
avaliação único e de preço mínimo de revenda” (PIMENTA, 2017, p.
116).

Antes de se verificar o impacto da modernização tecnológica


no mercado de capitais nessa parte introdutória, cita-se Mattos Filho
(1985, p. 41/47), quem apresentou diversos critérios para caracterizar
um valor mobiliário. Embora não seja necessária a concomitância
de todos os critérios, bastando a maioria deles, são os seguintes:

(1) contribuição para o investimento, realizada em


dinheiro, bens ou serviço; (2) empreendimento
comum traduzido pela existência de interesse
comum no sucesso do empreendimento; (3)
expectativa de lucro, que pode se manifestar
através de juros, dividendos ou qualquer forma
de acréscimos real ao montante inicialmente
aplicado, devendo ser compreendido em
sentido lato como benefício econômico
proveniente de contrato de investimento de
risco, independentemente de ser distribuído
ou não, fixo, ou variável; (4) caracterização do
empreendimento, prevalecendo a substância do
negócio jurídico e seu fundamento econômico
sobre a forma; (5) contrato de risco caracterizado
por possibilidade de perda econômica,
dependente de ação ou inação do tomador do
capital total ou parcialmente; (6) falta de controle

BLO CKCH AIN


38 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
do investimento por parte do investidor; (7) a
materialização do valor mobiliário não necessita
provir necessária e automaticamente em um
título ou de um título, podendo nem chegar a se
corporificar em um título; (8) falta de especialização
que coloca o investidor em situação desfavorável
no contrato de investimento por não conhecer
necessariamente o mercado em que está
investindo seus recursos, sendo o administrador
detentor do conhecimento especializado.

Mattos Filho (1985, p. 47), sobre o risco de investimento em


valor mobiliário, faz uma diferenciação com o risco comercial. No
primeiro, o investidor assume um risco de financiador, enquanto
no segundo o risco provém de eventual falta de pagamento, “que
não decorra de investimento, mas de aquisição para consumo ou
transformação e revenda”. No investimento comercial, o investidor
toma posse do bem para explorar o negócio, enquanto no
investimento em valor mobiliário, a exploração é feita por terceiro.

Por essa definição, então, uma nota promissória não será valor
mobiliário se for dada em garantia para a compra de um bem, mas
será se for para financiar um investimento empresarial. O principal,
para não ter dúvidas no direito brasileiro, é analisar as seguintes
características extraídas do inciso IX do art. 2º da Lei n. 6.385/1976:
oferta pública2; título ou contrato de investimento coletivo; direito
de participação, de parceria ou de remuneração; e esforço do
empreendedor ou de terceiros. Preenchidos esses requisitos, será

2 Veja-se o §3ºdo art. 19 da Lei n. 6.385/1976: “Caracterizam a emissão pública: I - a utilização


de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao
público; II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados,
agentes ou corretores; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto
ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 39
valor mobiliário. E isso é importante, porque delimitará a competência
da Comissão de Valores Mobiliários, como bem destaca Érica Gorga
(2013, p. 263).

Em suma, podem-se trabalhar as lições de Modesto


Carvalhosa (2015, p. 49):

Os valores mobiliários são direitos negociados


em massa no mercado de capitais, geralmente
representados por títulos ou contratos. Essa
característica de negociação em massa implica
a proteção jurídico-administrativa na colocação
dos direitos junto ao público investidor. Daí a
competência e a jurisdição administrativa da
Comissão de Valores Mobiliários, advindas da Lei
n. 6.385, de 1976, com as sucessivas alterações
ocorridas. O conceito de valor mobiliário extrapola
o de título de crédito, pertencendo a uma outra
categoria jurídica, tendo função diversa. O que o
caracteriza é a sua emissão e negociação com a
finalidade de tornar-se objeto de investimento
por parte dos seus tomadores, mediante os
diversos mecanismos próprios do mercado de
capitais.

Definidos os valores mobiliários, deve-se verificar como


o mercado de capitais sofrerá inúmeros impactos com a
modernização tecnológica. O mundo se encontra em uma nova
fase do desenvolvimento humano, na qual se fala, por exemplo, em
big data, que seriam

BLO CKCH AIN


40 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
tendências tecnológicas que proporcionam uma
nova abordagem na manipulação de grandes
conjuntos de dados, cuja informação não pode
ser processada por meio de ferramentas ou
mecanismos tradicionais, a fim de permitir
tomadas de decisão mais precisas e eficientes
(GONTIJO, 2018, p. 576).

Trazendo também as importantes lições de Adalberto Simão


Filho e Germano André Doederlein Schwartz (2018, p. 222), o termo
Big Data descreve uma tecnologia apropriada de captura, mas não
só isso, representando também “o crescimento, a disponibilidade e
o uso exponencial de informações estruturadas e não estruturadas
que caminham pela internet no âmbito da liberdade de expressão”.
Com isso, torna-se possível desenvolver os mais variados
negócios, seja monetizando dados, seja identificando padrões e
comportamentos, ou seja, incentivando o consumo de determinado
produto ou serviço.

De forma até assustadora,

o sistema Big Data possibilita o cruzamento de


dados numa velocidade e precisão espantosa,
cujas consequências em seus resultados são
inúmeras como contribuir para localização de
hábitos de consumo, conhecimento de grupos
de pessoas propensas a sofrer moléstias
custosas, detecção de jovens com maior
probabilidade de incidir em crimes, verificação

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 41
de hábitos religiosos e, ainda, a localização por
geolocalizadores. [...] O uso desta ferramenta em
políticas de geomarketing é intenso e hostil a
ponto de acabar por dirigir o usuário a certa linha
de consumo ou estabelecimento, pelo simples
fato de se ter acesso prévio ao local onde o
mesmo se encontra. O usuário não percebe
que está sendo influenciado na sua tomada de
decisão quando verifica publicidades que se
relacionam a produtos ou serviços ao seu redor.
(SIMÃO FILHO, SCHWARTZ, 2018, p. 222)

Veja bem, o acesso ao mercado de capitais pode ser via


internet, de modo que a tecnologia com a evolução que está
ocorrendo pode ampliar bastante os investimentos nesse mercado,
inclusive mudando o perfil de investidor. Inclusive, basta abrir a rede
social Instagram e verificar inúmeros perfis destinados a quem quer
começar a investir com muitos acessos, curtidas e comentários.

Cita-se, por exemplo, o sistema das corretoras Home


Broker, que permite o acesso de qualquer pessoa à plataforma
de negociação eletrônica da BM&FBOVESPA via Internet. Como
se extrai do Portal do Investidor (COMISSÃO, 2020), as principais
vantagens desse sistema são:

- Acesso às cotações on line. O investidor pode


ter acesso às cotações (preços) das ações,
porém, com algum atraso (cerca de 15 minutos).
Assim, é recomendável que o investidor compare
as cotações existentes em outras corretoras, em
função do lapso de tempo que pode ocorrer
entre uma divulgação e outra;

BLO CKCH AIN


42 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
- Recebimento, com maior rapidez, da
confirmação das ordens executadas;

- Resumo financeiro de todas as operações


executadas e suas respectivas notas de
corretagens;

- Agilidade e praticidade no cadastramento e


no trâmite de documentos, sendo, também
recomendável, que o investidor procure a
corretora para se cadastrar como cliente;

- Possibilidade de consulta em casa ou no


escritório das posições financeiras e de custódia;

- Envio de ordens imediatas ou programadas, de


compra e venda, no Mercado à Vista (lote padrão
e fracionário) e no Mercado de Opções (compra e
venda de opções);

- Acompanhamento imediato da carteira.

Há muito que se explorar nesse mercado e as possibilidades


de crescimento são inimagináveis. O contexto atual é de tamanha
importância que se convencionou falar em Quarta Revolução
Industrial3, que envolveria a revolução dos negócios baseados
em dados, “com potencial de modificar por completo o processo
tradicional de geração de valor de uma companhia” (SIMÃO FILHO,
SCHWARTZ, 2018, p. 224), também consistindo na implantação da
Internet das Coisas – IdC. Nesse contexto, haverá uma convergência

3 A primeira Revolução Industrial seria a provocada pelo surgimento da máquina a vapor, a


segunda teria surgido em função das linhas de montagens industriais, e a terceira com o de-
senvolvimento das pesquisas e indústrias voltadas para a robotização das indústrias. A quar-
ta, então, seria em função das tecnologias que estão alterando a forma de viver das pessoas
nas mais variadas áreas. (SIMÃO FILHO, SCHWARTZ, 2018, p. 222)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 43
das tecnologias dos mundos digitais, físico e biológico, alterando as
relações entre as pessoas, profissionais ou pessoais.

Quanto à Internet das Coisas, Simão Filho e Schwartz (2018,


p. 225) citam o principal pressuposto para este trabalho: a tecnologia
blockchain, citando-a como:

gerador de soluções para aplicações como de


registros de movimentações com o concurso de
um banco de dados que viabiliza a implantação
de um livro contábil que possibilita a realização
de transações financeiras de diversas naturezas,
de forma direta entre os interessados e as
plataformas digitais como ambientes com
capacidade de oferecer serviços a um custo
marginal de acesso.

A tecnologia blockchain será melhor detalhada mais a frente,


focando-se neste momento em como as inovações tecnológicas
irão alterar significativamente o mercado de capitais. Atualmente,
boa parte dos investimentos se dá em plataformas de trading
focadas em algoritmos. Como bem explica Bruno Miranda Gontijo
(2018, p. 578),

essas plataformas automatizadas utilizam


programas de computador, que seguem
determinadas regras previamente definidas
no contexto da estratégia de investimento
mais adequada ao usuário, cujo conjunto de
parâmetros norteiam de forma objetiva como
devem ser feitas as operações. As negociações

BLO CKCH AIN


44 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
são feitas, portanto sem que o investidor precise
companhar instantaneamente os gráficos ou
noticiários econômicos do mercado.

Com isso, desde a década de 90, as negociações de alta


frequência vem aumentando cada vez mais, sendo que a velocidade
nas ordens de compra possuem um impacto direto nos resultados,
o que torna a regulamentação mais complexa também. A Securities
and Exchange Comission (SEC), inclusive, tem-se utilizado de big
data para identificar movimentações não habituais e suspeitas.
Na abertura do Big Data in Finance Conference de 2016, Kara Stein
(SECURITIES, 2016), comissária da SEC, afirmou que o risco para os
reguladores de dirigir uma carruagem na era do Tesla – no momento
em que você está saindo do estábulo, o piloto automático de todos
os outros terá passado por você. Em função disso, a SEC possui um
centro de análise e detecção de abuso de mercado.

O grande problema é que nem todos terão esse banco


de dados, que serão mantidos pelas grandes corporações, então
a utilização de big data no mercado de capitais pode trazer uma
enorme assimetria informacional. Pode-se dizer que

a preocupação se funda, principalmente,


na hipótese de, em algum momento,
determinados buscadores de conteúdo na
internet, desenvolvedores de certos softwares
ou corporações que administram grandes redes
sociais, notadamente os maiores detentores
de informações e dados pessoais atualmente,
decidirem atuar no mercado de capitais,

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 45
diretamente ou pelo lançamento ao público
de alguma plataforma de análise do mercado.
Tendo como referência esse aspecto, é preciso
avaliar como será o tratamento dessas atividades
frente às informações e aos comportamentos
que as referidas instituições têm acesso, de
forma privilegiada, em razão do serviço público
que prestam a seus usuários. (GONTIJO, 2018, p.
585)

Ou ainda que as grandes redes sociais não atuem, mas que


alguém consiga se apropriar dos dados e fazer o uso disso pode
ter um impacto em larga escala. Aqui, cita-se o documentário do
Netflix “Privacidade Hackeada”, dirigido por Jehane Noujaim e Karim
Amer, em 2019, que trouxe o caso em que a Cambridge Analytica
coletou os dados de 87 milhões de usuários do Facebook com a
finalidade de direcionar publicidade e influenciar o comportamento
de eleitores, sendo o caso principal tratado a eleição do Presidente
dos Estados Unidos da América Donald Trump. Nesse caso, “o
Facebook finalmente foi punido com uma multa gigantesca. A
companhia foi condenada pelo Federal Trade Comission (FTC)
e terá de pagar US$ 5 bilhões por ter usado de maneira indevida
informações” (WAKKA, 2019).

Satoshi Nakamoto, ao criar a moeda Bitcoin, já se atentou a


isso, evitando ao máximo dados pessoais. Há uma expressão que
circula no mercado que é bem representativa sobre o tema: “dados
são o novo petróleo” (RIPARI, 2019), e há quem diga que são até
mais valiosos que ele, por permitirem qualquer atividade desde que
o empresário esteja na sua posse. Fato é que grandes companhias
hoje utilizam “essas informações como diferencial competitivo,

BLO CKCH AIN


46 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
buscando realizar análise de ‘sentimentos’ para traçar certas
tendências e atividades do segmento em que atuam” (GONTIJO,
2018, p. 589).

Percebe-se, então, que os dados podem ser utilizados


para prever o comportamento do mercado e a manipulação de
informações pode ter sérias consequências. Torna-se importante
uma análise da regulação do Mercado de Capitais Brasileiro.

2.1 REGULAÇÃO DO MERCADO DE CAPITAIS


BRASILEIRO

Julya Sotto Mayor Wellisch, na obra “Direito do Mercado de


Valores” Mobiliários (2017), elaborada pela própria Comissão de
Valores Mobiliários, traz interessante reflexão sobre a origem da
palavra “regulação”, tão importante para este trabalho. Segundo
a autora (COMISSÃO, 2017, p. 48), o termo “regulação” surgiu no
século XVIII, referindo-se a uma bola de ferro que era uma peça que
controlava o equilíbrio da pressão nas máquinas a vapor, evitando
sua explosão. Posteriormente, esse termo também apareceu no
século XIX na Biologia, representando a função que mantém o
balanço vital nos seres vivos, e, no século XX, como algo geral que
preserva o equilíbrio de um modelo com fenômenos complexos.
Na história, encontram-se modalidades de autorregulação, como
no caso das corporações de ofício, e heterorregulação, como no
caso do Estado regulando a atividade econômica.

Mas o que seria “regulação”? Baldwin, Cave e Lodge (2012, p.


2-3) trazem três acepções para a palavra, quais sejam:

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 47
a) um conjunto específico de comandos
normativos, que envolve um agrupamento de
regras coercitivas editadas por órgão público
criado para esse fim específico;

b) uma influência estatal deliberada, abrangendo,


assim, toda ação estatal destinada a influenciar o
comportamento social ou econômico;

c) formas de controle social ou de influência


econômica, nas quais todos os mecanismos
capazes de afetar o comportamento humano são
determinados por regras de natureza estatal ou
não.

Logo, não se encontra na palavra “regulação” apenas a


acepção de comandos normativos, abrangendo também outros
atos, como os de cunho executório. Para fins deste trabalho, fala-se
em “regulação” como uma “atividade de cunho tipicamente estatal,
a qual, não obstante, deve ser, necessariamente, complementada
pela atividade privada de autorregulação, ou seja, por aquela erigida
pela própria coletividade dos agentes de mercado” (COMISSÃO,
2017, p. 49).

“Regulação”, como bem define Vital Moreira (1997, p. 36),


tem o efeito de “alterar o comportamento dos agentes econômicos
(produtores, distribuidores, consumidores), em relação ao que eles
teriam se não houvesse regulação, isto é, se houvesse apenas as
regras do mercado”.

Embora Adam Smith sempre seja lembrado como o


pensador que não reconhecia a necessidade do Estado intervir na
Economia, sendo essa intervenção inútil e até com efeitos nocivos, é

BLO CKCH AIN


48 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
válido lembrar que até ele reconheceu uma importância do Estado
no caso de bancos, considerando seu caráter especial. Segundo o
autor (1996, p. 328),

sem dúvida, tais regulamentos podem ser


considerados sob certo aspecto uma violação da
liberdade natural. Todavia, tais atos de liberdade
natural de alguns poucos indivíduos, pelo fato de
poderem representar um risco para a segurança
de toda a sociedade, são e devem ser restringidos
pelas leis de todos os governos; tanto dos
países mais livres quanto dos mais despóticos. A
obrigação de erguer muros refratários, visando a
impedir a propagação de um incêndio, constitui
uma violação da liberdade natural, exatamente
do mesmo tipo dos regulamentos do comércio
bancário aqui propostos.

De toda forma, com a “Teoria do Bem Estar”, a intervenção do


Estado na Economia passou a ser considerada necessária, uma vez
que o mercado poderia apresentar falhas de mercado, e o Estado
atuaria com “tributos, subsídios, incentivos, regulação, ou mesmo
atuação direta como agente econômico, de forma a promover um
nível superior de bem estar social” (COMISSÃO, 2017, p. 52).

Essa intervenção estatal, inclusive, encontra fundamento


na Constituição de 1988 nos arts. 173 e 1744. Sendo assim, o Estado
4 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade
econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...] Art. 174. Como agen-
te normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as fun-
ções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público
e indicativo para o setor privado. (BRASIL, 1988, Arts. 173 e 174, caput)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 49
regulará e fiscalizará o mercado de valores mobiliários, efetivando os
princípios da liberdade econômica e da livre iniciativa com a defesa

dos interesses sociais. Como ato normativo primário, que retira o


fundamento da Constituição, encontra-se a Lei n. 6.385/1976, que
traz como competência da Comissão de Valores Mobiliários, ente
da Administração Pública Indireta, o poder de “regulamentar, com
observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional,
as matérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades
por ações” (BRASIL, 1976, Art. 8º, I). E aí se fala em atos normativos
secundários, que serão tão importantes nessa intervenção estatal.
Não é possível se fazer lei para tudo, principalmente considerando
o atual contexto do Congresso Nacional, então o órgão de Poder
Executivo ganha força na sua regulamentação, respeitado o
princípio constitucional da separação dos poderes.

Julya Sotto Mayor Wellisch (COMISSÃO, 2017, p. 55) bem


explica:

o alargamento cada vez maior da atuação


normativa do Poder Executivo é consequência
inexorável da transformação do próprio Estado
de Direito, que abandonou o papel de mero
garantidor do status quo que lhe era atribuído
pela doutrina liberal de outrora, para assumir
funções de agente transformador das atividades
social e econômica, por meio, inclusive, da
criação de empresas estatais (welfare state)
e, posteriormente, deixando de ser agente
econômico para passar a exercer funções de
órgão regulador e fomentador da economia

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50 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
(neoliberalismo). Assim, a intervenção do
Estado sobre as atividades econômicas, embora
dependa essencialmente de expressa disposição
legal, mormente quanto ao estabelecimento
de finalidades e princípios gerais, merece ser
disciplinada por meio de normas administrativas
reguladoras, que denotam maior autonomia
e agilidade para a regulação da complexa e
dinâmica realidade social subjacente.

Disso decorre a competência reguladora da Comissão de


Valores Mobiliários prevista na Lei n. 6.385/76, observado o próprio
dinamismo das relações por ela reguladas. Quando se fala no Direito
Empresarial, é importante destacar algumas características, como
rapidez, “informalismo”5 e dinamicidade, pois

o exercício da atividade empresarial impõe meios


céleres e eficientes para a concretização das
transações, sem abrir mão da tão cara segurança
jurídica. [...] As transações empresariais são
dinâmicas por natureza e ao direito empresarial,
na dimensão dessa realidade, cabe conformá-
las e regulá-las eficientemente simplificando a
5 Coloca-se “informalismo” entre aspas, uma vez que na verdade se trata de um formalismo
mitigado. A princípio, poderia se pensar que a formalidade seria um empecilho para a dinâ-
mica e celeridade que as atividades comerciais exigem, mas ela é de extrema importância
para o desenvolvimento e o aprimoramento das relações comerciais (ARAÚJO, 2010, p. 283).
Segundo Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo (2010, p. 284), “a forma não significa
necessariamente complexidade. A forma também pode ser simples. E são dos esquemas
formais mínimos e simples, predeterminados e de prévio conhecimento das partes, que se
vale a prática comercial, assim se provendo a certeza da existência do direito e a segurança
da sua ulterior realização”. Verifica-se, então, que a formalidade tem um papel importante
notadamente no Direito Empresarial, embora muitas vezes se pense ser um atraso para o
ordenamento jurídico. Aqui a formalidade é importante para dar agilidade e não pode ser
exagerada, senão contraria a dinamicidade característica do Direito Empresarial.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 51
negociabilidade. (FERNANDES, 2015, p. 35)

A Comissão de Valores Mobiliários atua sobre um mercado


de complexidade técnica e constantes mudanças, e a dependência
do órgão de Poder Legislativo poderia trazer consequências graves
para a eficiência e confiabilidade que o mercado exige. Mencionam-
se, inclusive, as finalidades das atribuições do Conselho Monetário
Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários:

I - estimular a formação de poupanças e a sua


aplicação em valores mobiliários;

II - promover a expansão e o funcionamento


eficiente e regular do mercado de ações, e
estimular as aplicações permanentes em ações
do capital social de companhias abertas sob
controle de capitais privados nacionais;

III - assegurar o funcionamento eficiente e regular


dos mercados da bolsa e de balcão;

IV - proteger os titulares de valores mobiliários e


os investidores do mercado contra:

a) emissões irregulares de valores mobiliários;

b) atos ilegais de administradores e acionistas


controladores das companhias abertas, ou de
administradores de carteira de valores mobiliários.

c) o uso de informação relevante não divulgada


no mercado de valores mobiliários.

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52 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
V - evitar ou coibir modalidades de fraude
ou manipulação destinadas a criar condições
artificiais de demanda, oferta ou preço dos
valores mobiliários negociados no mercado;

VI - assegurar o acesso do público a informações


sobre os valores mobiliários negociados e as
companhias que os tenham emitido;

VII - assegurar a observância de práticas


comerciais equitativas no mercado de valores
mobiliários;

VIII - assegurar a observância no mercado, das


condições de utilização de crédito fixadas pelo
Conselho Monetário Nacional. (BRASIL, 1976, Art.
4º)

Destaca-se que no Direito Empresarial não se deve premiar


a ineficiência. Os atos normativos não devem evitar que as pessoas
façam maus negócios, isto é, o pressuposto do mercado de valores
mobiliários deve ser que “o investidor é adulto o suficiente para, uma
vez adequadamente informado, tomar as decisões econômicas
que julgar mais convenientes, de acordo com o seu próprio perfil e
interesse” (COMISSÃO, 2017, p. 58).

É de extrema importância a tutela do crédito. Como explicado


por Paula Forgioni (2009, p. 90), o direito que não protege o crédito,
desestimula o fluxo de relações econômicas, comprometendo todo
o funcionamento do mercado. É claro que não se protege o crédito
apenas para legitimar uma supremacia dos mais fortes sobre os
mais fracos, mas sim para proteção da preservação do mercado.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 53
Além disso, diferentemente dos contratos de trabalho e de
consumo,

nenhuma interpretação de um contrato


empresarial será coerente e adequada se retirar
o fator erro do sistema, neutralizando os prejuízos
(ou lucros) que devem ser suportados pelos
agentes econômicos, decorrentes de sua atuação
no mercado. Regra geral, o sistema jurídico não
pode obrigar alguém a não ter lucro (ou prejuízo),
mas apenas a agir conforme os parâmetros da
boa-fé objetiva, levando em conta as regras, os
princípios e as legítimas expectativas da outra
parte (agir conforme o direito). Não fosse assim e
o sistema jurídico [i] estaria cometendo equívoco
metodológico bastante semelhante ao da análise
microeconômia clássica, porque anularia ou
desconsideraria o necessário diferencial entre
os agentes econômicos ou [ii] desestimularia as
contratações. (FORGIONI, 2009, p. 93)

Não se deve, então, neutralizar os efeitos de um erro para


o empresário apenas para proteger o mais fraco na relação. Seria
premiar a ineficiência. Ao Estado, então, por meio da Comissão de
Valores Mobiliários, “caberia apenas assegurar a divulgação de
informações suficientes e adequadas para que ele, o investidor,
pudesse livremente tomar a sua decisão de investimento”
(COMISSÃO, 2017, p. 65).

A proteção do investidor se dá pela informação, estando


na lei n. 6.385/76 a atribuição de “assegurar o acesso do público
a informações sobre os valores mobiliários negociados e as

BLO CKCH AIN


54 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
companhias que os tenham emitido” (Art. 4º, VI) e de expedir normas
aplicáveis às companhias abertas sobre “a natureza das informações
que devam divulgar e a periodicidade da divulgação” (Art. 22, §1º,
I). Há também uma série de registros exigidos perante o órgão
regulador, visando a uma maior confiabilidade ao mercado, como o
art. 16 da citada lei que traz a necessidade de prévia autorização da
CVM o exercício das seguintes atividades:

I - distribuição de emissão no mercado (Art. 15, I);

II - compra de valores mobiliários para revendê-


los por conta própria (Art. 15, II);

III - mediação ou corretagem de operações com


valores mobiliários; e

IV - compensação e liquidação de operações


com valores mobiliários.

Mas isso contraria o modelo capitalista adotado quando se


fala no princípio constitucional da livre iniciativa? Para responder
a pergunta é sempre válido lembrar que não se deve considerar
a Constituição de 1988 somente liberal ou somente social. Como
explicado por João Bosco Leopoldino da Fonseca (1995, p. 80), a
Constituição de 1988 trouxe um rompimento com o período político
anterior, propiciando uma ideologia caracterizada por forte viés
social, tanto que a nova Constituição foi apelidada por Ulisses
Guimarães de “Constituição Cidadã”. Mas é fato que a referida
Constituição busca um equilíbrio entre o Estado Liberal e o Estado
Social, garantindo a liberdade econômica com restrições para que
essa não seja predatória de direitos fundamentais, podendo-se falar

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 55
em um Estado do Bem-estar Social (LOPES, 2006, p. 33/34). Inclusive,
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa encontram-se
como fundamentos da República e como fundamentos da ordem
econômica, nos mesmos dispositivos constitucionais6.

O Direito Empresarial, então, está inserido num contexto de


conjugação dos valores da livre iniciativa e dos direitos fundamentais,
sendo possíveis restrições às ambas por meio da ponderação na
aplicação dos princípios constitucionais. Logo, o Estado pode sim
intervir na Economia de forma constitucional, e isso acaba sendo
importante em um mercado que possui a participação de emissores
de valores mobiliários e de seus administradores, auditores
independentes, underwriters, analistas de valores mobiliários, as
agências de classificação de risco, agentes fiduciários, corretoras
e distribuidoras de valores mobiliários, bancos de investimento,
agentes autônomos de investimento, instituições administradoras
e gestoras de fundos de investimento, entidades administradoras
de mercados organizados de valores mobiliários (de bolsas de
valores e de balcão organizado), das entidades de compensação e
liquidação de operações com valores mobiliários e das instituições
custodiantes e depositárias centrais.

Trazendo as lições de Eizirik, Gaak, Parente e Henriques


(2011, p. 22),

a proteção aos investidores é basicamente


provida mediante normas que regulam a
6 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Mu-
nicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fun-
damentos: [...] IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;” (BRASIL, 1988, Art. 1º, IV).
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, obser-
vados os seguintes princípios [...]” (BRASIL, 1988, Art. 170, caput).

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56 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
conduta dos emissores de valores mobiliários
e dos intermediários financeiros. Com relação
aos emissores, as normas visam especialmente
a exigir a prestação plena e acurada das
informações necessárias à avaliação dos valores
mobiliários ofertados e coibir os comportamentos
ilegais ou abusivos dos administradores e
acionistas controladores. Já com relação aos
intermediários financeiros, objetivam as normas,
principalmente: coibir práticas de manipulação
do mercado; eliminar conflitos de interesses;
impedir a discriminação entre seus clientes; e
promover tratamento adequado às necessidades
financeiras dos clientes.

A regulação é importante, para que o mercado funcione


com eficiência. Com a regulação, os emissores de títulos apresentam
mais informações do que apresentariam se ela não existisse. Isso
tem um impacto direto no melhor processo de formação de preços
em tomada de decisões mais racionais (EIZIRIK. GAAK; PARENTE;
HENRIQUES, 2011, p. 22).

Em síntese, regula-se para maior eficiência na determinação


das cotações dos valores mobiliários, na alocação de recursos
e nas operações entre os investidores. Para isso, é importante
uma legislação de disclosure, com o princípio da transparência
das informações, e a repressão ao insider trading. Além disso, é
importante que haja regras para o funcionamento dos agentes
do mercado e a agência reguladora, no caso a CVM, que terá um
papel fundamental ao estipular as regras de funcionamento, mas
nem sempre o órgão terá possibilidade de resolver os problemas

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 57
inerentes ao mercado.

2.2 A COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A Lei n. 6.385/1976 institui em seu art. 5º7 a Comissão


de Valores Mobiliários – CVM, sendo uma entidade autárquica
em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com
personalidade jurídica e patrimônio próprios. Destaca-se a
autoridade administrativa independente, ausência de subordinação
hierárquica, e autonomia financeira e orçamentária, o que será
fundamental para o exercício de suas funções.

Como se extrai do art. 6º da referida lei, a CVM “será


administrada por um Presidente e quatro Diretores, nomeados pelo
Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal,
dentre pessoas de ilibada reputação e reconhecida competência
em matéria de mercado de capitais” (BRASIL, 1976, Art. 6º).

Dentre suas finalidades, importante transcrever o art. 4º da


lei:

Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a


Comissão de Valores Mobiliários exercerão as
atribuições previstas na lei para o fim de:

I - estimular a formação de poupanças e a sua


aplicação em valores mobiliários;

7“Art. 5º É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime es-


pecial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios,
dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica,
mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária. (Re-
dação dada pela Lei nº 10.411, de 26.2.2002)” (BRASIL, 1976, Art. 5º)

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II - promover a expansão e o funcionamento
eficiente e regular do mercado de ações, e
estimular as aplicações permanentes em ações
do capital social de companhias abertas sob
controle de capitais privados nacionais;

III - assegurar o funcionamento eficiente e regular


dos mercados da bolsa e de balcão;

IV - proteger os titulares de valores mobiliários e


os investidores do mercado contra:

a) emissões irregulares de valores mobiliários;

b) atos ilegais de administradores e acionistas


controladores das companhias abertas, ou de
administradores de carteira de valores mobiliários.

c) o uso de informação relevante não divulgada


no mercado de valores mobiliários. (Alínea
incluída pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

V - evitar ou coibir modalidades de fraude


ou manipulação destinadas a criar condições
artificiais de demanda, oferta ou preço dos
valores mobiliários negociados no mercado;

VI - assegurar o acesso do público a informações


sobre os valores mobiliários negociados e as
companhias que os tenham emitido;

VII - assegurar a observância de práticas


comerciais equitativas no mercado de valores
mobiliários;

VIII - assegurar a observância no mercado, das

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condições de utilização de crédito fixadas pelo
Conselho Monetário Nacional. (BRASIL, 1976, Art.
4º)

Trata-se de uma Comissão criada nos moldes da Securities


and Exchange Comission – SEC, que desempenha papel semelhante
no mercado de valores mobiliários dos EUA. Ambas são decorrentes
“da necessidade de presença do Poder Público na intensa e
constante fiscalização e disciplina de tão delicado, interdependente
e importante mercado” (PIMENTA, 2017, p. 100), de modo que
a existência do “terceiro confiável” aumente a credibilidade do
mercado. Inclusive, isso é claramente observado no contexto de
criação explicado por Eduardo Goulart Pimenta (2017, p. 101):

a SEC foi instituída em 1934, por meio do


Securities and Exchange Act, como resposta à
quebra da bolsa de Nova York, em 1929. A CVM,
por sua vez, veio em razão da necessidade de
melhor regramento e fiscalização do mercado
acionário brasileiro, combalido que estava em
virtude de uma série de condutas especulativas
e fraudulentas praticadas no início da década de
1970, conhecidas com encilhamento.

Com isso, a CVM possui uma série de atribuições,


principalmente de poder regulamentar, com vários atos normativos
que serão fundamentais para o estudo aqui proposto, de fiscalizar
os atos no mercado de valores mobiliários, e de punir eventuais
infrações praticadas. É válido destacar que pouca eficácia teria

BLO CKCH AIN


60 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a CVM se ela não tivesse esses poderes, sendo importante o art.
9º da Lei n. 6.385/76, que traz uma série de possibilidades para a
atuação da CVM8. Além disso, menciona-se a sua função consultiva
também.

Como afirmado por Celso Luiz Rocha Serra Filho (COMISSÃO,


2017, p. 81), “a Lei conferiu à CVM os meios materiais e institucionais
necessários ao cumprimento de sua missão”. Mas quem está sujeito
à atuação da CVM? O art. 1º9 fixou os destinatários, sendo os agentes
e operações orientadas para a negociação pública no mercado de
valores mobiliários.

8 “Art 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2º do art. 15, poderá:


I - examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos, inclusive progra-
mas eletrônicos e arquivos magnéticos, ópticos ou de qualquer outra natureza, bem como
papéis de trabalho de auditores independentes, devendo tais documentos ser mantidos em
perfeita ordem e estado de conservação pelo prazo mínimo de cinco anos: a) as pessoas na-
turais e jurídicas que integram o sistema de distribuição de valores mobiliários (Art. 15); b) das
companhias abertas e demais emissoras de valores mobiliários e, quando houver suspeita
fundada de atos ilegais, das respectivas sociedades controladoras, controladas, coligadas
e sociedades sob controle comum; c) dos fundos e sociedades de investimento; d) das car-
teiras e depósitos de valores mobiliários (Arts. 23 e 24); e) dos auditores independentes; f)
dos consultores e analistas de valores mobiliários; g) de outras pessoas quaisquer, naturais
ou jurídicas, quando da ocorrência de qualquer irregularidade a ser apurada nos termos do
inciso V deste artigo, para efeito de verificação de ocorrência de atos ilegais ou práticas não
eqüitativas; II - intimar as pessoas referidas no inciso I a prestar informações, ou esclareci-
mentos, sob cominação de multa, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no
art. 11; III - requisitar informações de qualquer órgão público, autarquia ou empresa pública;
IV - determinar às companhias abertas que republiquem, com correções ou aditamentos,
demonstrações financeiras, relatórios ou informações divulgadas; V - apurar, mediante pro-
cesso administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do
conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais parti-
cipantes do mercado; VI - aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as
penalidades previstas no Art. 11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal. § 1º Com o
fim de prevenir ou corrigir situações anormais do mercado, a Comissão poderá: I - suspender
a negociação de determinado valor mobiliário ou decretar o recesso de bolsa de valores;
Il - suspender ou cancelar os registros de que trata esta Lei; III - divulgar informações ou
recomendações com o fim de esclarecer ou orientar os participantes do mercado; IV - proibir
aos participantes do mercado, sob cominação de multa, a prática de atos que especificar,
prejudiciais ao seu funcionamento regular. [...] § 6º A Comissão será competente para apurar
e punir condutas fraudulentas no mercado de valores mobiliários sempre que: I - seus efeitos
ocasionem danos a pessoas residentes no território nacional, independentemente do local
em que tenham ocorrido; e II - os atos ou omissões relevantes tenham sido praticados em
território nacional.” (BRASIL, 1976, Art. 9º)
9 “Art. 1º Serão disciplinadas e fiscalizadas de acordo com esta Lei as seguintes atividades:
(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) I - a emissão e distribuição de valores mo-

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 61
A CVM se destaca pela sua especialidade. O Direito
Empresarial deve ser bastante dinâmico e rápido para tentar
acompanhar as mudanças no mercado, e não depender do
Processo Legislativo no Congresso Nacional gera uma eficiência
enorme. Eizirik, Gaak, Parente e Henriques ressaltam inclusive que
a intervenção do Estado na ordem econômica tem que ser rápida
e eficaz, sendo importante a descentralização da Administração
Pública para a criação de entes especializados como a CVM.

Poderia ser criticada a competência normativa da CVM em


função do princípio da separação dos “poderes”, mas se sabe que as
funções típicas de cada órgão de Poder não são funções exclusivas
e todos realizam todas as funções, embora determinadas funções
sejam predominantes. Isso inclusive é basilar na teoria do Direito,
podendo ser citados autores como Dimitri Dimoulis e Dalmo de
Abreu Dallari sobre a finalidade da separação dos “poderes”:

seu objetivo fundamental é preservar a liberdade


individual, combatendo a concentração de poder,
isto é, a tendência ‘absolutista’ de exercício do
poder político pela mesma pessoa ou grupo de
pessoas. A distribuição do poder entre órgãos
estatais dotados de independência é tida pelos
partidários do liberalismo político como garantia
de equilíbrio político que evita ou, pelo menos,
minimiza os riscos de abuso de poder. O Estado
biliários no mercado; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) II - a negociação e
intermediação no mercado de valores mobiliários; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de
31.10.2001) III - a negociação e intermediação no mercado de derivativos; (Redação dada
pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) IV - a organização, o funcionamento e as operações das
Bolsas de Valores; (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) V - a organização, o fun-
cionamento e as operações das Bolsas de Mercadorias e Futuros; (Redação dada pela Lei
nº 10.303, de 31.10.2001) VI - a administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários;
(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) VII - a auditoria das companhias abertas;
(Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) VIII - os serviços de consultor e analista de
valores mobiliários. (Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)” (BRASIL, 1976, Art. 1º)

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62 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
que estabelece a separação dos poderes evita
o despotismo e assume feições liberais. Do
ponto de vista teórico, isso significa que na base
da separação dos poderes encontra-se a tese
da existência de nexo causal entre a divisão
do poder e a liberdade individual. A separação
dos poderes persegue esse objetivo de duas
maneiras. Primeiro, impondo a colaboração e
o consenso de várias autoridades estatais na
tomada de decisões. Segundo, estabelecendo
mecanismos de fiscalização e responsabilização
recíproca dos poderes estatais, conforme o
desenho institucional dos freios e contrapesos
(DIMOULIS, 2008, p. 145-146)

o sistema de separação de poderes, consagrado


nas Constituições de quase todo o mundo, foi
associado à ideia de Estado Democrático e deu
origem a uma engenhosa construção doutrinária,
conhecida como sistema de freios e contrapesos.
Segundo essa teoria os atos que o Estado pratica
podem ser de duas espécies: ou são atos gerais
ou são especiais. Os atos gerais, que só podem
ser praticados pelo poder legislativo, constituem-
se na emissão de regras gerais e abstratas, não
se sabendo, no momento de serem emitidas,
a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder
legislativo, que só pratica atos gerais, não
atua concretamente na vida social, não tendo
meios para cometer abusos de poder nem para
beneficiar ou prejudicar a uma pessoa ou a um

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 63
grupo em particular. Só depois de emitida a norma
geral é que se abre a possibilidade de atuação
do poder executivo, por meio de atos especiais.
O executivo dispõe de meios concretos para agir,
mas está igualmente impossibilitado de atuar
discricionariamente, porque todos os seus atos
estão limitados pelos atos gerais praticados pelo
legislativo. E se houver exorbitância de qualquer
dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder
judiciário, obrigando cada um a permanecer nos
limites de sua respectiva esfera de competência.
(DALLARI, 2016, p. 217)

Logo, a competência normativa da CVM está em total


conformidade com o Direito. Inclusive, já antes da Constituição
de 1988 se encontravam outros entes da Administração Pública
com competência normativa, como o Banco Central e o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Obviamente, estará
sujeita ao princípio da legalidade, mas isso não significa dizer que
sua função normativa seja delegação do Legislativo, uma vez que
todos os órgãos de Poder a possuem.

Por fim, ainda se destaca a função de amicus curiae (“amigo


da corte”), nos termos do art. 31 da Lei n. 6.385/7610. Mesmo sem
ser parte em um processo judicial, a CVM pode ser intimada para
contribuir com subsídios fáticos e jurídicos. Isso tem por fundamento

10 “Art. 31 - Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competên-
cia da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer
parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação. (Incluído
pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978) § 1º - A intimação far-se-á, logo após a contestação, por man-
dado ou por carta com aviso de recebimento, conforme a Comissão tenha, ou não, sede ou
representação na comarca em que tenha sido proposta a ação. (Incluído pela Lei nº 6.616, de
16.12.1978) § 2º - Se a Comissão oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, será intimada
de todos os atos processuais subseqüentes, pelo jornal oficial que publica expedientes fo-

BLO CKCH AIN


64 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a constatação de que a contribuição de terceiros
– em geral especializados na matéria debatida
nos autos – é particularmente importante em
processos cuja repercussão alcance determinada
ou determinável coletividade como, por exemplo,
o conjunto de agentes econômicos que operam
no mercado de valores mobiliários. (PIMENTA,
2017, p. 107)

A CVM terá um papel importante na manutenção da


segurança e credibilidade do mercado de valores mobiliários,
considerada sua especialização na área. Todavia, a CVM não terá
legitimidade para postular medidas processuais reparadoras ou
preventivas, podendo apenas interpor recursos, quando as partes
não o fizeram. Contudo, a Lei n. 7.913/1989 autoriza que a CVM
solicite ao Ministério Público a postulação em juízo11.

Estabelecidos os pressupostos quanto ao funcionamento do


Mercado de Valores Mobiliários no direito brasileiro, com o estudo
rense ou por carta com aviso de recebimento, nos termos do parágrafo anterior. (Incluído pela
Lei nº 6.616, de 16.12.1978) § 3º - A comissão é atribuída legitimidade para interpor recursos,
quando as partes não o fizeram. (Incluído pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978) § 4º - O prazo para
os efeitos do parágrafo anterior começará a correr, independentemente de nova intimação,
no dia imediato aquele em que findar o das partes. (Incluído pela Lei nº 6.616, de 16.12.1978)”
(BRASIL, 1976, Art. 31)
11 “Art. 1º Sem prejuízo da ação de indenização do prejudicado, o Ministério Público, de ofício
ou por solicitação da Comissão de Valores Mobiliários — CVM, adotará as medidas judiciais
necessárias para evitar prejuízos ou obter ressarcimento de danos causados aos titulares de
valores mobiliários e aos investidores do mercado, especialmente quando decorrerem de:
I — operação fraudulenta, prática não eqüitativa, manipulação de preços ou criação de con-
dições artificiais de procura, oferta ou preço de valores mobiliários; II — compra ou venda de
valores mobiliários, por parte dos administradores e acionistas controladores de companhia
aberta, utilizando-se de informação relevante, ainda não divulgada para conhecimento do
mercado ou a mesma operação realizada por quem a detenha em razão de sua profissão ou
função, ou por quem quer que a tenha obtido por intermédio dessas pessoas; III — omissão
de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua
prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa.” (BRASIL, 1989, Art. 1º)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 65
da sua regulação e da CVM, passa-se à análise da Bolsa de Valores
e do Mercado de Balcão.

2.3 BOLSA DE VALORES E MERCADO DE BALCÃO

O Direito Empresarial é uma categoria histórica. Antônio


Menezes Cordeiro (2007, p. 41), inclusive, estabelece que, para
se compreender o Direito Empresarial, é fundamental conhecer
as suas origens, a sua evolução e o seu papel, de modo que,
“como (boa) disciplina jurídico-privada, ele apresenta-se fruto de
condicionamentos histórico-culturais complexos”. Por isso, faz-se
uma breve análise do histórico da Bolsa de Valores para melhor
compreensão. Além disso, como exposto por Alfredo Rocco (2003,
p. 94/05), o estudo científico do Direito Empresarial exige “um estudo
histórico-comparativo do desenvolvimento das várias formas dos
institutos do direito comercial no tempo e no espaço”.

A estrutura que envolve a emissão de ações por companhias


e a negociação em bolsa de valores teve sua origem no século XVI
na Holanda, e no Brasil tem-se a data de 1852 para as bolsas de
valores criadas no Rio de Janeiro e em Salvador. Em São Paulo,
a bolsa foi criada em 1890, que foi fechada no ano seguinte por
conta da política financeira do “Encilhamento”, mas em 1895 houve
a criação da Bolsa de Títulos de São Paulo. Em 2000, a Bovespa
(Bolsa de Valores de São Paulo) se tornou a principal bolsa do país.
(COMISSÃO, 2019, p. 233)

Com o tempo, surgiram novos valores mobiliários, e novas


bolsas e registradoras foram criadas no Brasil, como ocorreu com
a CETIP – Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos
Privados, e com a BM&F – Bolsa de Mercadorias e Futuros.

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66 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Sobre a CETIP, como se extraía do seu próprio site, ela era

uma companhia de capital aberto que oferece


serviços de registro, central depositária,
negociação e liquidação de ativos e títulos. Por
meio de soluções de tecnologia e infraestrutura,
proporciona liquidez, segurança e transparência
para as operações financeiras, contribuindo para
o desenvolvimento sustentável do mercado e
da sociedade brasileira. A empresa é, também,
a maior depositária de títulos privados de renda
fixa da América Latina e a maior câmara de ativos
privados do país. (CETIP, 2016)

Em números, a CETIP englobava mais de dezessete mil


clientes, mais de cinco milhões de pessoas com investimentos
registrados e sete milhões de registros de gravames por ano (CETIP,
2016). A BM&F, por sua vez, foi criada em 1986 para ser o principal
ambiente de negócios com contratos de mercadorias e derivativos.
Ambas tinham a liderança nos mercados em que atuavam. Nos anos
2000, CETIP, Bovespa e BM&F se tornaram sociedades anônimas de
capital aberto e suas ações passaram a ser negociadas na Bovespa
(COMISSÃO, 2019, p. 234).

Pode-se fazer a seguinte linha do tempo, com base na


cronologia da estrutura patrimonial da Bolsa apresentada pela
Comissão de Valores Mobiliários (2019, p. 235):

- 1934: há a Bolsa Oficial de Valores de São Paulo, vinculada


à Secretaria de Finanças do Estado de São Paulo, com corretores
oficiais de fundos públicos nomeados pelo governo;

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 67
- 1967: passa a se chamar Bovespa - Bolsa de Valores de São
Paulo, deixando de ser oficial;

- 1984: criação da CETIP (sem fins lucrativos);

- 1986: CETIP inicia suas atividades e há a criação da BM&F –


Bolsa Mercantil e de Futuros (Bovespa era a instituidora);

- 1988: CETIP passa a operar o Sistema Nacional de


Debêntures;

- 1991: BM&F passa a se chamar Bolsa de Mercadorias e


Futuros;

- 1997: acordo entre a BM&F e a BBF – Bolsa Brasileira de


Futuros, do Rio de Janeiro;

- 1999: unificação das operações de pregão;

- 2007: desmutualização12 da BOVESPA e da BM&F;

- 2008: fusão entre BM&F e BOVESPA dá origem a


BM&FBOVESPA, e há a desmutualização da CETIP.

- 2017: Fusão entre BM&FBOVESPA e CETIP dá origem a B3.

Como se nota, então, atualmente há a B3 – Brasil, Bolsa e


Balcão, decorrente da fusão das companhias BM&FBOVESPA e
CETIP, formando uma das maiores bolsas do mundo. E sendo a
principal instituição brasileira de intermediação para operações do
mercado de capitais, ela “desenvolve, implanta e provê sistemas
para a negociação de ações, derivativos de ações, títulos de renda
fixa, títulos públicos federais, derivativos financeiros, moedas à
vista e commodities agropecuárias” (COMISSÃO, 2019, p. 237/238).

12 “Associações civis sem fins lucrativos são entidades de benefício mútuo destinadas a pro-
porcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios. Ao deixar de ser
uma associação, a Bolsa promoveu a sua desmutualização e consequente transformação em
sociedades por ações” (COMISSÃO, 2019, p. 236).

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68 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Além disso, registra os gravames e contratos de financiamento de
veículos.

Considerando sua área de atuação, estará sujeita à regulação


da CVM e do Banco Central. Inclusive, sendo ainda uma entidade
autorreguladora, por meio da BSM Supervisão de Mercados13
e, como se extrai da Instrução Normativa 461 de 2007, a B3 deve
estabelecer o que for necessário para que haja a fiscalização por
parte da BSM.

No grupo B3, são negociados títulos e derivativos de renda


fixa e variável, em mercados à vista ou futuro (para liquidação em
data futura), destacando-se que:

derivativos são basicamente opções, contratos a


termo, contratos futuro e swap, que podem ser
baseados sobre ações, commodities, moedas,
taxas de juros, índices, dentre outros. Os títulos
negociados à vista são os que conferem
propriedade ou titularidade como ações,
cotas de fundos, debêntures, CRI, CRA, títulos
representativos de aplicações financeiras etc.
(COMISSÃO, 2019, p. 240)

Além disso, operações feitas entre particulares podem ser


posteriormente registradas na B3 também, visando a uma maior
segurança e transparência. Mas como se dão as negociações na
13 Como se extrai do site da BSM Supervisão de Mercados (https://www.bsmsupervisao.com.
br/quem-somos), ela “é uma empresa integrante do grupo B3 e constituída para realizar, com
autonomia administrativa e orçamentária, as atividades de supervisão dos mercados admi-
nistrados pela B3 via: monitoramento das operações, das ofertas e dos negócios realizados
nos ambientes de negociação; supervisão dos participantes do mercado com mediação de
diálogo e ressarcimento de prejuízos (Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos - MRP); apli-
cação de ações disciplinares aos que cometem infrações às normas” (2020).

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 69
bolsa de valores? Tanto no mercado primário, como no secundário,
em regra, divide-se em três fases: pré-negociação, negociação
e pós-negociação, e a B3 presta serviços que abrange todas as
etapas. Explica-se da seguinte forma as três fases:

Pré-negociação (Pré-trading): fase que abrange a


análise de risco, parametrização dos contratos e
ativos que serão listados e, ainda, a prestação de
informações como os sinais de cotação.

Negociação (Trading): ocorre quando os


investidores, representados pelas Corretoras
ou Distribuidoras, enviam ordens de compra e
venda para o pregão eletrônico - sistema de
negociação. Para que a efetivação desse negócio
seja concluída, é necessária uma terceira fase,
conhecida como pós-negociação.

Pós-negociação (Pós-trading): ocorre com as


seguintes etapas da compensação, liquidação e
custódia (guarda dos ativos). (COMISSÃO, 2019, p.
245)

O serviço de depósito também é realizado, compreendendo


as atividades “de guarda, do controle de titularidade e de tratamento
dos direitos relacionados, tais como recebimento de dividendos e
bonificações, resgate, amortização ou reembolso, e exercício de
direitos de subscrição” (COMISSÃO, 2019, p. 248). Haverá uma central
depositária, na qual haverá todas as informações pertinentes aos
investidores.

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70 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Por fim, destacam-se também os segmentos de
listagem destinados à negociação de empresários que adotem,
voluntariamente, práticas de governança corporativa e disclosure,
sendo que isso vai além do que determina a legislação.

Essas regras

ampliam os direitos dos acionistas, melhoram a


qualidade das informações usualmente prestadas
pelas companhias e, ao determinar a resolução
dos conflitos por meio da Câmara de Arbitragem
do Mercado, em alguns casos obrigatória,
oferecem aos investidores a segurança de uma
alternativa mais ágil e especializada em caso de
litígio. Este novo ambiente de gestão profissional
faz com que o investidor veja os segmentos de
listagem diferenciados como um criador de
valor na empresa, influenciando positivamente
os resultados que espera obter com seu
investimento. (COMISSÃO, 2019, p. 250)

Com isso, fala-se em um “Novo Mercado”, no qual há a


proibição de emissão de ações preferenciais, devendo todas as
ações ser com direito de voto, dentre outras regras14. Mas por qual

razão assumir todas essas regras? Citam-se, como benefícios, com


14 Conforme se extrai do site da BM&F Bovespa (2020), “Conheça algumas regras do Novo
Mercado relacionadas à estrutura de governança e direitos dos acionistas: o capital deve ser
composto exclusivamente por ações ordinárias com direito a voto; no caso de alienação do
controle, todos os acionistas têm direito a vender suas ações pelo mesmo preço (tag along de
100%) atribuído às ações detidas pelo controlador; Instalação de área de Auditoria Interna, fun-
ção de Compliance e Comitê de Auditoria (estatutário ou não estatutário); em caso de saída da
empresa do Novo Mercado, realização de oferta pública de aquisição de ações (OPA) por valor

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 71
base na obra de Juliano Lima Pinheiro (2014, p. 198), permitir aos
investidores maior transparência nos processos, o que reduz o risco,
melhoria da imagem institucional, valorizando as ações, aumento da
liquidez com aumento das emissões, e aumento da competitividade
do empresário no mercado, fortalecendo o mercado de capitais no
Brasil num todo.

Além do Novo Mercado, a Bolsa ainda criou dois níveis


diferenciados. Então, há o Mercado Tradicional, Nível 1, Nível 2 e o
Novo Mercado, nessa crescente de obrigações. Cita-se o seguinte
comparativo elaborado pela Comissão de Valores Mobiliários (2019,
p. 252):

Nível 1:

- As empresas listadas no segmento Nível 1 devem


adotar práticas que favoreçam a transparência e
o acesso às informações pelos investidores.

- Para isso, divulgam informações adicionais às


exigidas em lei, como por exemplo, um calendário
anual de eventos corporativos.

- O free float mínimo de 25% deve ser mantido


nesse segmento, ou seja, a empresa se
justo, sendo que, no mínimo, 1/3 dos titulares das ações em circulação devem aceitar a OPA ou
concordar com a saída do segmento; o conselho de administração deve contemplar, no mínimo,
2 ou 20% de conselheiros independentes, o que for maior, com mandato unificado de, no máxi-
mo, dois anos; a empresa se compromete a manter, no mínimo, 25% das ações em circulação
(free float), ou 15%, em caso de ADTV (average daily trading volume) superior a R$ 25 milhões;
estruturação e divulgação de processo de avaliação do conselho de administração, de seus
comitês e da diretoria; elaboração e divulgação de políticas de (i) remuneração; (ii) indicação
de membros do conselho de administração, seus comitês de assessoramento e diretoria estatu-
tária; (iii) gerenciamento de riscos; (iv) transação com partes relacionadas; e (v) negociação de
valores mobiliários, com conteúdo mínimo (exceto para a política de remuneração); divulgação
simultânea, em inglês e português, de fatos relevantes, informações sobre proventos e press
releases de resultados; divulgação mensal das negociações com valores mobiliários de emissão
da empresa pelos e acionistas controladores.

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72 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
compromete a manter no mínimo 25% das ações
em circulação no mercado.

Nível 2:

- Neste segmento, as exigências são maiores


do que no Nível 1. Além daquelas citadas
anteriormente, devem ser observadas:

- O segmento de listagem Nível 2 é similar ao


Novo Mercado, porém com algumas exceções.
As empresas listadas têm o direito de manter
ações preferenciais (PN). No caso de venda
de controle da empresa, é assegurado aos
detentores de ações ordinárias e preferenciais
o mesmo tratamento concedido ao acionista
controlador, prevendo, portanto, o direito de
tag along de 100% do preço pago pelas ações
ordinárias do acionista controlador.

- As ações preferenciais ainda dão o direito de


voto aos acionistas em situações críticas, como a
aprovação de fusões e incorporações da empresa
e contratos entre o acionista controlador e a
empresa, sempre que essas decisões estiverem
sujeitas à aprovação na assembleia de acionistas.

Há que se falar ainda na Bovespa Mais, que surgiu com a


finalidade de desenvolver o mercado de ações brasileiro. Como
afirmado por Eduardo Goulart Pimenta (2017, p. 95), ela veio para
ser a “porta de entrada” no mercado de valores mobiliários. Há

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 73
companhias que possuem a intenção de se colocar no mercado,
mas se fizessem de uma vez não teriam sucesso, ou teriam um risco
elevado, então no segmento Bovespa Mais haverá uma gradação
até efetivamente se estruturarem para emitir ações em bolsa.

Haverá a listagem sem oferta e a companhia terá até sete


anos para realizar a Initial Public Offering (IPO). Além disso, serão
isentas da taxa de análise para listagem de emissores e recebem
desconto progressivo na anuidade, sendo total no primeiro ano.
Ainda há o Nível 2 no Bovespa Mais, de modo que terá algumas
exceções quanto ao Bovespa Mais:

as empresas listadas têm o direito de manter ações


preferenciais (PN). No caso de venda de controle
da empresa, é assegurado aos detentores
de ações ordinárias e preferenciais o mesmo
tratamento concedido ao acionista controlador,
prevendo, portanto, o direito de tag along de
100% do preço pago pelas ações ordinárias do
acionista controlador. As ações preferenciais
ainda dão o direito de voto aos acionistas em
situações críticas, como a aprovação de fusões
e incorporações da empresa e contratos entre o
acionista controlador e a empresa, sempre que
essas decisões estiverem sujeitas à aprovação
na assembleia de acionistas. (COMISSÃO, 2019, p.
253)

Há que se falar, ainda, nos índices presentes na Bolsa, que


mostrarão a valorização de um determinado grupo de ativos ou

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74 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
derivativos com o passar do tempo. Eles indicam variações de
preços do mercado, são parâmetros para avaliação e são a base
para a criação de instrumentos derivativos. Haverá regulamentações
para cada índice e cada um terá sua finalidade. Como se verifica,
alguns objetivam “fazer uma média geral do mercado, outros de
determinado setor da economia, ou ainda medir, por exemplo,
o desempenho das menores empresas que estão na bolsa, de
fundos imobiliários listados, de uma cesta de commodities etc.”
(COMISSÃO, 2019, p. 256).

Não há aqui o objetivo de trabalhar cada índice15, mas o


objetivo de mostrar que é tudo devidamente regulamentado,
existindo entes centrais que estabelecem todas as regras de
atuação no mercado. Vistas as regras principais, passa-se à análise
dos principais agentes do Mercado de Capitais.

2.4 PRINCIPAIS AGENTES DO MERCADO DE


CAPITAIS

Um ponto importante para análise sobre o Mercado de


Capitais é saber quem atua nele, sendo chamados de agentes do
Mercado de Capitais, podendo citar, a priori, emissores, investidores,
integrantes do sistema e prestadores de serviço.

A Lei n. 6.385/1976, que dispõe sobre o mercado de valores


mobiliários, traz em seu art. 15:

Art. 15. O sistema de distribuição de valores


15 Caso haja o interesse do leitor em analisar cada índice, recomenda-se o link: <http://www.
b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/#8AE490CA646C889901648B34FB2C527B> do site
da B3.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 75
mobiliários compreende:

I - as instituições financeiras e demais sociedades


que tenham por objeto distribuir emissão de
valores mobiliários:

a) como agentes da companhia emissora;

b) por conta própria, subscrevendo ou comprando


a emissão para a colocar no mercado;

II - as sociedades que tenham por objeto a


compra de valores mobiliários em circulação no
mercado, para os revender por conta própria;

III - as sociedades e os agentes autônomos que


exerçam atividades de mediação na negociação
de valores mobiliários, em bolsas de valores ou
no mercado de balcão;

IV - as bolsas de valores.

V - entidades de mercado de balcão organizado.


(Incluído pela Lei nº 9.457, de 5.5.1997)

VI - as corretoras de mercadorias, os operadores


especiais e as Bolsas de Mercadorias e Futuros; e
(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

VII - as entidades de compensação e liquidação


de operações com valores mobiliários. (Inciso
incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

A lei ainda menciona outros, como as companhias abertas,


administradores de carteiras e custodiantes de valores mobiliários,
auditores independentes, consultores e analistas de valores
mobiliários. Destaca-se, obviamente, a Comissão de Valores

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76 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Mobiliários como ente que irá fiscalizar, normatizar, disciplinar e
desenvolver o mercado de valores mobiliários. Além da CVM, terão
um papel de regulamentação e fiscalização o Conselho Monetário
Nacional e o Banco Central do Brasil. (COMISSÃO, 2017, p. 300)

Utilizando, então, a própria classificação da CVM (2017,


p. 301), citam-se os seguintes agentes principais que merecem
considerações aqui:

- Emissores de Valores Mobiliários;

- Investidores;

- Entidades Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários;

- Mercados Regulamentados de Valores Mobiliários;

- Câmaras de Compensação e Liquidação, Depositários


Centrais, Custodiantes e Escrituradores de Valores Mobiliários;

- Administradores de Carteiras de Valores Mobiliários;

- Analistas de Valores Mobiliários;

- Consultores de Valores Mobiliários;

- Agentes Autônomos de Investimentos;

- Agentes Fiduciários;

- Auditores Independentes; e

- Agências de Classificação de Risco de Crédito.

Inicialmente se destacam os emissores de valores


mobiliários, sendo os mais comuns as companhias abertas e os
fundos de investimento. Sabe-se que as emissões podem ser
públicas ou privadas, sendo que as primeiras exigirão registro na

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 77
CVM, nos termos dos arts. 19 e 21 da Lei n. 6.385/7616.

Sobre as companhias abertas, distingue-se quanto às


fechadas, uma vez que naquelas se admite a negociação no
mercado de valores mobiliários nos termos do art. 4º da Lei de
Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76), encontrando o mesmo
conceito também no art. 22 da Lei n. 6.385/76: “Considera-se
aberta a companhia cujos valores mobiliários estejam admitidos à
negociação na bolsa ou no mercado de balcão”.

Como citado na obra de Alfredo Lamy Filho e José Luiz


Bulhões Pedreira (2017, p. 98),

a distinção tem origem no fato de que, embora


o modelo de companhia tenha sido inventado
como instrumento para captar poupanças no
mercado, difundiu-se, em todas as economias de
livre empresa, a utilização do tipo de companhia
sem valores negociados nos mercados de
capitais, e, a partir do século XX, foi reconhecida
pelas leis sobre companhias após a intervenção
do Estado nos mercados de capitais para regular
a distribuição de títulos mediante oferta pública e
a circulação dos valores mobiliários.

Modesto Carvalhosa (2015, p. 48) destaca que no plano


contratual, há também uma diferença entre as companhias

16 “Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem
prévio registro na Comissão. [...] Art. 21. A Comissão de Valores Mobiliários manterá, além do
registro de que trata o Art. 19: I - o registro para negociação na bolsa; II - o registro para ne-
gociação no mercado de balcão, organizado ou não. (Redação dada pela Lei nº 9.457, de
5.5.1997) §1º - Somente os valores mobiliários emitidos por companhia registrada nos termos
deste artigo podem ser negociados na bolsa e no mercado de balcão. §2º O registro do art. 19
importa registro para o mercado de balcão, mas não para a bolsa ou entidade de mercado de
balcão organizado. (Redação dada pela Lei nº 9.457, de 5.5.1997)” (BRASIL, 1976, Arts. 19 e 21).

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78 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
abertas e fechadas no que tange à organização e no que tange ao
funcionamento da sociedade. A estrutura de uma companhia aberta
é mais complexa do que a fechada, além de possuir um sistema
especial de publicidade e revelação dos resultados. A lei ainda
estabelece “uma série de controles estatais sobre a organização e
o funcionamento da companhia aberta, em face de seu interesse
nitidamente institucional”.

A regulamentação de registro como companhia aberta é a


Instrução Normativa da CVM n. 400 de 2009, que “dispõe sobre o
registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação
em mercados regulamentados de valores mobiliários”.

A companhia aberta terá que cumprir uma série de


exigências, como divulgar informações sempre atualizadas e, nos
termos da referida instrução, o emissor pode requerer o registro
na CVM nas categorias A ou B, sendo que a primeira autoriza
“a negociação de quaisquer valores mobiliários do emissor em
mercados regulamentados de valores mobiliários”, enquanto a
segunda autoriza

a negociação de valores mobiliários do emissor


em mercados regulamentados de valores
mobiliários, exceto os seguintes valores
mobiliários: I – ações e certificados de depósito de
ações; ou II – valores mobiliários que confiram ao
titular o direito de adquirir os valores mobiliários
mencionados no inciso I, em consequência da
sua conversão ou do exercício dos direitos que
lhes são inerentes, desde que emitidos pelo
próprio emissor dos valores mobiliários referidos
no inciso I ou por uma sociedade pertencente ao

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 79
grupo do referido emissor. (BRASIL, 2009)

Quanto aos fundos de investimento, nos termos do art. 3º


da Instrução Normativa n. 555 da CVM, trata-se de “uma comunhão
de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à
aplicação em ativos financeiros”. O art. 4º complementa que pode ser
constituído sob “a forma de condomínio aberto, em que os cotistas
podem solicitar o resgate de suas cotas conforme estabelecido
em seu regulamento, ou fechado, em que as cotas somente são
resgatadas ao término do prazo de duração do fundo”. O fundo de
investimento não terá personalidade jurídica.

Outros que atuam no mercado de valores mobiliários são os


investidores, que “são as pessoas, físicas ou jurídicas, que acessam
o mercado para negociar valores mobiliários de emissores, por
meio das entidades integrantes do sistema de distribuição ou
privadamente” (COMISSÃO, 2017, p. 303). Inclusive, uma mesma
pessoa pode ser investidora e emissora, e a CVM tem como um dos
princípios a proteção dos investidores, citando a Instrução Normativa
539, que dispõe logo em seu art. 1º: “as pessoas habilitadas a atuar
como integrantes do sistema de distribuição e os consultores de
valores mobiliários não podem recomendar produtos, realizar
operações ou prestar serviços sem que verifiquem sua adequação
ao perfil do cliente”. Os arts. 9º-A e 9º-B definem como investidores:

Art. 9º-A São considerados investidores


profissionais: I – instituições financeiras e
demais instituições autorizadas a funcionar
pelo Banco Central do Brasil; II – companhias
seguradoras e sociedades de capitalização; III

BLO CKCH AIN


80 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
– entidades abertas e fechadas de previdência
complementar; IV – pessoas naturais ou jurídicas
que possuam investimentos financeiros em
valor superior a R$10.000.000,00 (dez milhões
de reais) e que, adicionalmente, atestem por
escrito sua condição de investidor profissional
mediante termo próprio, de acordo com o Anexo
9-A; V – fundos de investimento; VI – clubes
de investimento, desde que tenham a carteira
gerida por administrador de carteira de valores
mobiliários autorizado pela CVM; VII – agentes
autônomos de investimento, administradores
de carteira, analistas e consultores de valores
mobiliários autorizados pela CVM, em relação
a seus recursos próprios; VIII – investidores não
residentes.

Art. 9º-B São considerados investidores


qualificados: I – investidores profissionais; II
– pessoas naturais ou jurídicas que possuam
investimentos financeiros em valor superior
a R$1.000.000,00 (um milhão de reais) e que,
adicionalmente, atestem por escrito sua
condição de investidor qualificado mediante
termo próprio, de acordo com o Anexo 9-B; III –
as pessoas naturais que tenham sido aprovadas
em exames de qualificação técnica ou possuam
certificações aprovadas pela CVM como
requisitos para o registro de agentes autônomos
de investimento, administradores de carteira,
analistas e consultores de valores mobiliários, em
relação a seus recursos próprios; e IV – clubes de

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 81
investimento, desde que tenham a carteira gerida
por um ou mais cotistas, que sejam investidores
qualificados.

Considerando a classificação trazida, a CVM limitará o


acesso de investidores que não sejam qualificados a investimentos
de maior risco, dispensando também a verificação da adequação
do produto, serviço ou operação.

Há que se falar também nas entidades distribuidoras de


títulos e valores mobiliários. Quando se fala em distribuição pública
de valores mobiliários, refere-se ao conjunto de atos que colocam
os valores mobiliários no mercado por meio da aproximação de
quem quer investir e quem quer receber recursos, o que é feito
por instituições habilitadas. De acordo com o art. 2º da Instrução
da CVM n. 505, essa intermediação “é privativa de instituições
habilitadas a atuar como integrantes do sistema de distribuição, por
conta própria e de terceiros, na negociação de valores mobiliários
em mercados regulamentados de valores mobiliários”, dependendo
de autorização do Banco Central do Brasil. São exemplos de
instituições: bancos de investimento e corretoras e distribuidoras
de títulos e valores mobiliários.

No mercado de capitais, são de suma importância os


mercados regulamentados de valores mobiliários. Observada a
Instrução da CVM n. 461, os mercados regulamentados de valores
mobiliários são os mercados organizados de bolsa e balcão e os
mercados de balcão não-organizados. Dispõe o art. 3º da citada
Instrução que o mercado organizado (bolsas de valores, de
mercadorias e de futuros, e os mercados de balcão organizado) será
“o espaço físico ou o sistema eletrônico, destinado à negociação ou
ao registro de operações com valores mobiliários por um conjunto

BLO CKCH AIN


82 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
determinado de pessoas autorizadas a operar, que atuam por conta
própria ou de terceiros”. Nos termos do art. 4º, se o negócio não
for realizado ou registrado em mercado organizado, considera-se
em mercado de balcão não organizado a negociação de valores
mobiliários.

Sobre as Câmaras de Compensação e Liquidação, elas são


importantes para garantir que os recursos de um investidor cheguem
ao emissor, ao passo que o investidor receba o título que comprove
seu investimento, sendo um exemplo a Central Depositária da B3
S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão.

Quanto aos Depositários Centrais, Custodiantes e


Escrituradores de Valores Mobiliários, como trazido pela Comissão
de Valores Mobiliários (2017, p. 313),

as atividades de depositário central, custodiante


e escriturador de valores mobiliários foram
reguladas por meio da edição, em 20 de
dezembro de 2013, das Instruções CVM nº 541
(‘Instrução CVM 541’), 542 (‘Instrução CVM 542’) e
543 (‘Instrução CVM 543’). Conforme comunicado
da CVM, estas normas (e as atividades nelas
reguladas) têm por finalidade assegurar que
‘os valores mobiliários negociados no mercado
brasileiro – e seus respectivos lastros – de fato
existem, que eles se encontram disponíveis para
negociação e que, uma vez adquiridos, eles
pertençam ao investidor que os tenha adquirido’,
mediante o estabelecimento de ‘uma cadeia
de obrigações e de responsabilidades que
envolve os escrituradores, os custodiantes e os

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 83
depositários centrais.

Na Lei n. 6.385/76, está disposta a atividade de administração


de carteiras de valores mobiliários de terceiros, estando
regulamentada na Instrução CVM 558. Dispõe o seu art. 1º:

a administração de carteiras de valores


mobiliários é o exercício profissional de
atividades relacionadas, direta ou indiretamente,
ao funcionamento, à manutenção e à gestão de
uma carteira de valores mobiliários, incluindo a
aplicação de recursos financeiros no mercado de
valores mobiliários por conta do investidor.

O registro de administrador de carteiras de valores mobiliários


pode ser requerido na categoria de administrador fiduciário, que
exerce as atividades relativas ao funcionamento e manutenção de
uma carteira de valores mobiliários, e na de gestor de recursos,
que autoriza gerir uma carteira de valores mobiliários, aplicando
recursos no mercado, bem como prestar serviços de consultoria
(COMISSÃO, 2017, p. 318).

Dando sequência nos principais agentes do mercado


de capitais, falam-se agora nos analistas de valores mobiliários,
regulamentados pela Instrução CVM n. 483. De acordo com o art. 1º,
“analista de valores mobiliários é a pessoa natural que, em caráter
profissional, elabora relatórios de análise destinados à publicação,
divulgação ou distribuição a terceiros, ainda que restrita a clientes”.

Trata-se de uma atividade diferente daquela do administrador

BLO CKCH AIN


84 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
de carteira ou do consultor, uma vez que

o analista se comunica com um público (mesmo


que seja um público restrito de clientes), mediante
a emissão de relatórios de análise, enquanto o
administrador e o consultor se relacionam com
cada cliente de forma individual e customizada,
realizando ou recomendando investimentos
conforme o interesse específico daquele cliente.
(COMISSÃO, 2017, p. 323)

O Consultor de Valores Mobiliários, regulado pela Instrução


CVM 592/2017,

é a pessoa física ou jurídica que presta serviços


de orientação, recomendação e aconselhamento,
de forma profissional, independente e
individualizada, sobre investimentos no
mercado de valores mobiliários, cuja adoção e
implementação sejam exclusivas do cliente. A
atividade do consultor tem foco no cliente, na
identificação de suas necessidades, interesses,
objetivos, preferências e perfil de risco, de
modo a oferecer um aconselhamento mais
adequado e personalizado, orientando melhor
os clientes sobre investimentos no mercado
de valores mobiliários, as classes de ativos e
valores mobiliários (como mercado de ações,
debêntures, fundos de investimentos, COE entre

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 85
outros) ou títulos e valores mobiliários exclusivos,
ou mesmo no que se refere aos prestadores
de serviços no âmbito do mercado de valores
mobiliários (como a seleção de gestores) e
outros aspectos relacionados. A atividade de
consultoria de valores mobiliários, porém, não
envolve a adoção e nem a implementação das
recomendações oferecidas. É o cliente quem
decide se irá efetivar as recomendações e de
que forma. No entanto, o consultor, as entidades
integrantes do sistema de distribuição de valores
mobiliários (corretoras, distribuidoras ou bancos)
e seus clientes em comum podem estabelecer
canais de comunição e ferramentas que permitam
executar as orientações e recomendações com
maior agilidade e segurança. (COMISSÃO, 2020)

Há o agente autônomo de investimentos, regulamentados


pela Instrução CVM 497, que será

a pessoa natural, devidamente registrada perante


a CVM que, atuando como preposto e sob a
responsabilidade de uma instituição integrante
do sistema de distribuição de valores mobiliários,
presta serviços de: (i) prospecção e captação
de clientes; (ii) prestação de informações a
respeito dos produtos e serviços oferecidos
pela instituição que o contratou; e (iii) recepção
e transmissão de ordens de negociação para os
sistemas de negociação. (COMISSÃO, 2017, p. 327)

BLO CKCH AIN


86 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Os agentes fiduciários, regulamentados pela Instrução
CVM 583, por sua vez, representam os interesses dos credores
de emissoras de valores mobiliários, dependendo de autorização
do Banco Central do Brasil. Há que se falar ainda nos auditores
independentes, para aumentar o grau de confiança nas
demonstrações contábeis por parte dos usuários. Como se extrai
das Normas Brasileiras de Contabilidade NBC TA 200 (R1),

o objetivo da auditoria é aumentar o grau de


confiança nas demonstrações contábeis por
parte dos usuários. Isso é alcançado mediante
a expressão de uma opinião pelo auditor
sobre se as demonstrações contábeis foram
elaboradas, em todos os aspectos relevantes,
em conformidade com uma estrutura de
relatório financeiro aplicável. No caso da maioria
das estruturas conceituais para fins gerais, essa
opinião expressa se as demonstrações contábeis
estão apresentadas adequadamente, em todos
os aspectos relevantes, em conformidade com
a estrutura de relatório financeiro. A auditoria
conduzida em conformidade com as normas de
auditoria e exigências éticas relevantes capacita
o auditor a formar essa opinião.

Por fim, as Agências de Classificação de Risco de Crédito,


regulamentadas pela Instrução 521 CVM. Nos termos do art. 1º,
considera-se como tais “pessoa jurídica registrada ou reconhecida

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 87
pela CVM que exerce profissionalmente a atividade de classificação
de risco de crédito no âmbito do mercado de valores mobiliários”. E
classificação de risco de crédito seria a atividade de “opinar sobre a
qualidade de crédito de um emissor de títulos de participação ou de
dívida, de uma operação estruturada, ou qualquer ativo financeiro
emitido no mercado de valores mobiliários”.

Após a análise dos principais agentes do mercado de


capitais, notou-se que todos estão sob a supervisão da CVM e Banco
Central, ou seja, o mercado de capitais possui como pressuposto
a existência de um terceiro confiável que regulamenta, fiscaliza e
supervisiona todas as negociações que ocorrem, inclusive com
poderes disciplinares. Superados os pressupostos do mercado de
capitais, passa-se a uma análise prática no mercado de capitais,
demonstrando que os empresários não o utilizam da forma eficiente
como se espera.

2.5 ESTUDO PRÁTICO DAS COMPANHIAS MINEIRAS


E O MERCADO DE CAPITAIS

Os custos de abertura de capital e manutenção de uma


companhia aberta são identificados como um dos fatores que
desestimulam a entrada no mercado de capitais. A título de exemplo,
verificam-se gastos com comissões, honorários advocatícios,
serviços contábeis, taxas, dentre outros.

Este trabalho tem como pano de fundo um contexto que irá


atingir muito os empresários em breve, mas ainda não é possível
precisar como e quando isso ocorrerá. Então, como far-se-á um
comparativo entre a captação pública de recursos perante à CVM
e via blockchain, é importante ver o contexto de empresários no

BLO CKCH AIN


88 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
mercado de valores mobiliários e, para fixar uma região, escolheu-se
Minas Gerais. Para isso, baseia-se no estudo realizado pelo Instituto
Mineiro de Mercado de Capitais, denominado como “Gestão,
Governança e Mercado de Capitais: um estudo sobre empresas
mineiras” (2015).

O referido estudo foi realizado em parceria com a Federação


das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o Ibmec e a
BMF&Bovespa, e o objetivo foi investigar o nível de desenvolvimento
em gestão e governança de cinquenta companhias mineiras de
capital fechado, bem como seu potencial de inserção no mercado
de capitais. Havia sido feito um estudo anterior no ano de 2007 e não
há nenhum estudo mais recente até a apresentação deste trabalho.

Partiu-se da constatação de que a participação de Minas


Gerais no mercado de capitais brasileiro está aquém do potencial
da unidade da federação, considerando sua importância em
outras áreas. Trazendo alguns dados para se entender o contexto
de Minas Gerais, importante para a pesquisa, o estado conta com
aproximadamente 20 milhões de habitantes, com uma superfície
do tamanho da França (INSTITUTO, 2015, p. 5). À época, atuavam

no estado mais de 514 mil empresas, sendo 9.181


de médio porte e 2.257 empresas de grande porte17.
No ranking das 500 maiores empresas da Revista
Mercado Comum, identifica-se a existência
de 223 empresas com receita operacional
líquida anual acima de R$100 milhões. O PIB
estadual e o valor da produção industrial estão
em terceiro lugar no país, com destaque para a
17 Adotou-se a classificação do IBGE por número de colaboradores, considerando-se: a) Micro:
com até 19 empregados; b) Pequena: de 20 a 99 empregados; c) Média: 100 a 499 empregados;
e d) Grande: mais de 500 empregados.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 89
pauta de exportações, que o classifica como o
segundo maior exportador do Brasil. Ademais,
o estado conta com um ambiente positivo para
o desenvolvimento de negócios, oferta de
mão de obra competitiva, energia abundante,
proximidade aos principais centros de consumo
do Brasil, o melhor sistema educacional do país,
dentre outros fatores. (INSTITUTO, 2015, p. 5)

Como se nota, Minas Gerais tem uma posição de destaque


no cenário nacional, entretanto ocupa tão somente o quinto
lugar no número de sociedades empresárias listadas na bolsa.
E, considerando o ranking das cem de melhor classificação na
BM&FBOVESPA em 2015 em termos de liquidez e participação em
pelo menos 70% dos pregões ocorridos nos doze meses anteriores,
Minas Gerais apenas esteve presente com seis (INSTITUTO, 2015, p.
6). Observou-se que o mercado de capitais é pouco utilizado nessa
região.

As sociedades empresárias que colaboraram com a


pesquisa eram constituídas sob a forma de sociedade anônima de
capital fechado ou de sociedades por cotas de responsabilidade
limitada, sendo todas com sede em Minas Gerais e com atuação
predominante em setores de indústria e transformação civil. Elas
responderam perguntas divididas em cinco grupos: 1) perfil da
empresa (identificação, constituição e número de funcionários);
2) informações financeiras (receita líquida, participação em
exportações, dificuldades e fontes de financiamento); 3) informações
de governança (estrutura de propriedade e de organização, sistema
de auditoria externa e processo sucessório); informações de gestão

BLO CKCH AIN


90 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
(planejamento estratégico, processo orçamentário, oportunidade
e ameaças); e informações de mercado de capitais (intenção de
abertura de capital, percepção de vantagens e dificuldades trazidas
pela abertura de capital e política de divulgação de informações).
No que tange ao último quesito, somente 20% das respondentes
manifestaram interesse na abertura de capital. (INSTITUTO, 2015, p.
11/12)

Os resultados da pesquisa foram:

- Embora 10 empresas (20% do total) tenham


respondido positivamente quanto à intenção
de abertura de capital, apenas 6 (12%) foram
classificadas como tendo alta probabilidade de
abrir capital nos próximos 5 anos. Ou seja, 4 das
10 empresas que se manifestaram dispostas a
abrir capital não foram classificadas pela análise
discriminante no grupo com alta propensão à
abertura de capital.

- Um total de 11 empresas (22% da amostra)


afirmaram ter intenção de contar com recursos
de PE/VC [Private Equity e Venture Capital] nos
próximos 5 anos. Contudo, a análise discriminante
classificou apenas 8 empresas (16% da amostra)
como pertencentes ao grupo com alta propensão
ao uso desse tipo de capital. Apenas 6 empresas
do grupo que manifestaram a mesma intenção
foram, de acordo com a análise discriminante,
classificadas como pertencentes ao grupo de
alta propensão ao uso de recursos PE/VC. Isso
significa que, a aplicação desta técnica indica que

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 91
duas empresas que responderam negativamente
quanto à intenção de usos destes recursos têm
elevada probabilidade de fazê-lo nos próximos
anos.

- A análise das fontes de financiamento das


empresas confirma a visão de que tanto a abertura
de capital quanto o uso de recursos de PE/VC
podem ser entendidos dentro de um processo
de diversificação das formas de captação de
recursos pelas mesmas.

- Embora as respostas ao questionário da


pesquisa sugiram que as empresas da amostra
têm caminhado na direção da implementação
das boas práticas de Governança Corporativa,
ainda há esboço de melhoria, sobretudo no
que diz respeito ao papel do Conselho de
Administração como instância de determinação
e monitoramento das estratégias corporativas
e à divulgação de informações relevantes
stakeholders.

- As empresas mineiras pesquisadas e em


condições de acessar o mercado de capitais
já aplicam importantes práticas de gestão, tais
como a vinculação do orçamento anual ao
planejamento estratégico e a integração das
estruturas de gestão de processos e controles,
contribuindo para o gerenciamento adequado de
riscos e para a adoção de respostas tempestivas
às mudanças de ambiente econômico.

- Os objetivos estratégicos mais citados nas

BLO CKCH AIN


92 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
respostas com foco na expansão da produção e
no aumento da eficiência denotam maturidade
das empresas e apontam o mercado de capitais
como fonte apropriada de financiamento.
(INSTITUTO, 2015, p. 45/46)

Destacam-se as dificuldades da área financeira com relação


à captação de recursos mencionadas na pesquisa (INSTITUTO,
2015, p. 26/27): acesso a capital de giro em condições de prazo
e custo adequados; acesso a financiamentos de médio e longo
prazo em condições de prazo e custo adequados; dificuldades na
estrutura de garantias para captação de recursos; insuficiência de
controles financeiros e contábeis para atender as exigências do
mercado financeiro; dificuldade de acesso e relacionamento com
instituições e instrumentos do mercado financeiro; e resistência
e/ou desconhecimento em relação ao acesso a instrumentos
financeiros do mercado de capitais. Restou claro que as sociedades
empresárias entendem que abrir capital é muito importante, mas
as principais fontes de financiamento continuam sendo: geração
de caixa próprio, financiamento institucional e aporte de capital dos
próprios sócios.

Um ponto interessante é que as empresas apontaram como


uma das maiores dificuldades do processo de abertura de capital
os custos, a burocracia e o tamanho do mercado investidor, mas a
BMF&Bovespa afirmou em estudo que “os custos de abertura de
capital e de manutenção da empresa como sociedade anônima de
capital aberto são bastante reduzidos, podendo ser absorvidos ao
longo do tempo” (INSTITUTO, 2015, p. 38).

Embora a Comissão de Valores Mobiliários, a BM&FBovespa


e o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores estejam se

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 93
empenhando para auxiliar pequenas empresas a acessarem o
mercado de capitais, Leonardo Pereira, ex presidente da CVM, que
cumpriu mandato até 14/07/2017, menciona “a falta de cultura de
mercado de capitais como uma barreira que precisará ser enfrentada
para se abrir novas possibilidades de financiamento a esse setor da
economia nacional” (ALMEIDA, 2016). Tanto é que “a experiência tem
demonstrado que ao buscarem formas de se financiar as pequenas
e médias empresas utilizam primeiro recursos próprios, seguidos
por crédito bancário e somente depois ao mercado de capitais”
(ALMEIDA, 2016).

Ora, como se verificou na pesquisa em Minas Gerais, as


companhias que poderiam abrir seu capital para otimizar os seus
resultados não fazem o acesso ao mercado de capitais de forma
efetiva. O problema é cultural também. E no Brasil ainda há que
se mencionar a quantidade de pequenas e médias “empresas”. O
começo para ligar esses pequenos empreendimentos ao mercado
de capitais é fazer com que o conhecimento sobre um mercado
que é tão restrito chegue aos menores empreendimentos,
facilitando as formas de acesso, uma vez que até para os grandes
empreendimentos brasileiros isso é difícil.

Em outra oportunidade, este autor criticou o Projeto de Lei


n. 4.303, que pretende a criação do Regime Especial da Sociedade
Anônima Simplificada. Ela seria uma via de direito para que as
pequenas e médias “empresas” pudessem acessar ao mercado
de capitais, mas não se viu esse projeto como solução. Não
há dúvidas de que as pequenas e médias “empresas” ocupam
posição de destaque para a economia brasileira, considerando a
grande quantidade presente no Brasil. Certo também é que, com
a abertura de capital, as empresas auferem muitas vantagens,
como facilidade na obtenção de recursos para planos de expansão,
diluição do risco entre vários sócios, liquidez para o patrimônio

BLO CKCH AIN


94 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
dos acionistas, aumento da capacidade de endividamento, melhor
imagem institucional da empresa, melhor solução para o problema
da sucessão no caso das “empresas” familiares e profissionalização
na administração da “empresa” em função da maior transparência
de suas operações. Então é preciso encontrar uma via de dar mais
efetividade para o acesso das sociedades anônimas brasileiras ao
mercado de capitais.

Estabelecidos esses pressupostos, passa-se à análise da


oferta pública no mercado de valores mobiliários.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 95
Capítulo 3

A OFERTA PÚBLICA NO MERCADO DE VALORES


MOBILIÁRIOS

O art. 4º da Lei n. 6.404/76, como já trabalhado, diferencia


uma sociedade anônima aberta de uma sociedade anônima fechada
“conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não
admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários”, de
modo que se forem negociados no mercado de valores mobiliários
será uma companhia aberta. Mas, para isso, é preciso que haja o
registro perante a Comissão de Valores Mobiliários, não bastando o
registro na Junta Comercial.

O primeiro passo para abrir o capital é se registrar como


companhia aberta na CVM, órgão responsável pela regulação
do mercado de valores mobiliários brasileiro, como já trabalhado
em tópico anterior. Será solicitada também a autorização para
realização de vendas de ações ao público, denominada como
distribuição pública de ações. No caso de ser a primeira, fala-se na
Oferta Pública Inicial, no inglês Initial Public Offering – IPO.

Além disso, a companhia solicitará o pedido de listagem


na Bolsa de Valores ou no Mercado de Balcão Organizado para
que utilize esse ambiente de negociação. Conceito básico para
prosseguir no estudo é trazido pela própria Comissão de Valores
Mobiliários (2019, p. 210) em obra própria:

BLO CKCH AIN


96 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a distribuição realizada pela companhia pode
ser primária (ações serão emitidas, ou ‘criadas’,
e em seguida vendidas aos investidores),
secundárias (ações que já eram de algum
sócio, normalmente sócios-fundadores, serão
vendidas aos investidores), ou mista. A diferença
básica é que na distribuição primária o dinheiro
da venda irá para o caixa da companhia, pois é
ela quem está emitindo e vendendo as ações,
enquanto na distribuição secundária o dinheiro
vai para o sócio que está vendendo as ações,
não para a companhia. Independentemente de a
distribuição ser primária ou secundária, ao fazê-
la a companhia amplia seu quadro de sócios. Os
compradores das ações, ou investidores, passam
a ser parceiros e proprietários de uma parte da
empresa.

Mas se questiona: por que abrir o capital? Na bolsa há


companhias listadas desde 1910 (COMISSÃO, 2019, p. 211) e, dentre
os benefícios que uma companhia pode ter, cita-se o acesso ao
capital para o financiamento de projetos de investimento. Ora, é
possível desenvolver projetos com os recursos gerados pelo próprio
negócio, reinvestindo o próprio lucro, mas isso limita bastante as
possibilidades. A companhia também pode recorrer ao capital
de terceiros, como um empréstimo bancário. Porém, se utilizado
em excesso esse recurso, há o aumento da “vulnerabilidade da
empresa aos humores da economia e a expõe a um maior nível
de risco. Como consequência, o custo do financiamento é maior,
podendo, em alguns casos, inviabilizar o negócio” (COMISSÃO,
2019, p. 211/212). Inclusive, quem dita as regras para esse contrato

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 97
será a instituição financeira e nem sempre será possível também. A
abertura de capital, então, surge como boa opção.

Quando se fala em abertura de capital, há “o financiamento


por meio da emissão de ações, ou seja, do aumento do capital
próprio e admissão de novos sócios. É uma fonte de recursos que
não possui, teoricamente, limitação” (COMISSÃO, 2019, p. 212).
Sempre será possível atrair novos investidores com interesse em
financiar bons projetos. Como demonstrado na primeira parte deste
trabalho, o mercado de valores mobiliários é uma excelente opção
para o empresário, uma vez que a

abertura de capital usualmente representa uma


redução de risco e de custo de capital para a
empresa. Os recursos dos sócios investidores,
da mesma forma que o dinheiro que o próprio
empresário colocou no empreendimento no início
das atividades, não têm prazo de amortização
ou resgate. Também, diferentemente de
empréstimos, não exigem um rendimento
pré-definido: o retorno dos investidores (na
forma de dividendos, por exemplo) depende
do desempenho da empresa. Além do
financiamento de novos projetos e expansão dos
negócios, a abertura de capital pode também
ser utilizada para aquisições, que podem ser
realizadas com diversos objetivos: ganhos de
escala; diversificação e complementação de
linhas de produto, clientes e regiões de atuação;
oportunidades como concorrentes subavaliados
/ mal administrados; e interesse em ativos

BLO CKCH AIN


98 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
específicos utilizados por outra organização.
(COMISSÃO, 2019, p. 212)

Dessa forma, sem descapitalizar a atividade, é possível


captar recursos. Outro ponto importante da abertura de capital é a
liquidez patrimonial que ela pode proporcionar, ou seja, haverá “a
possibilidade de empreendedores e/ou seus sócios transformarem,
a qualquer tempo, parte das ações que possuem na empresa em
dinheiro” (COMISSÃO, 2019, p. 212), seja no momento da abertura de
capital seja no futuro. Isso é bastante válido no contexto brasileiro
com muitas sociedades empresárias familiares, de modo que nem
sempre os sucessores querem continuar na gestão, logo a abertura
de capital vem como uma possibilidade de efetivar o princípio da
preservação da empresa.

Há ainda a vantagem de ter mais projeção e reconhecimento


no mercado da companhia, já que a abertura de capital é importante
para maior exposição da marca e cria a possibilidade dos
funcionários, por exemplo, serem acionistas e terem a sensação de
dono. Por fim, menciona-se ainda a utilização da abertura de capital
para reestruturação financeira.

As companhias fechadas e abertas são distintas, então, não


somente pelo aspecto formal, mas também pela natureza das
relações que nela se estabelecem. E abrir ou não o capital passa
por uma decisão estratégica, como foi trabalhado. Inclusive, para se
ter as vantagens citadas,

controladores e administradores não apenas


abrem mão de boa parte da maior liberdade de
que dispõem nas fechadas como ficam, eles e

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 99
a companhia de modo geral, sujeitos a alguns
regimes institucionais diferenciados, em especial
no que tange (i) ao regime de utilização de
informações consideradas importantes para os
demais participantes do mercado (regime que
se corporifica nas obrigações de full disclosure
e na vedação ao insider trading); e (ii) às regras
de oferta pública, destinadas a proteger os
investidores em situações que possam afetar a
liquidez dos títulos (deliberação de fechamento
de capital ou alienação do poder de controle)
ou aplicáveis por força da dinâmica do mercado
e das operações que nele se podem realizar
(no caso das ofertas de aquisição de controle).
(FINKELSTEIN; PROENÇA, 2014, p. 140)

Obviamente, não é simples todo esse processo. Inclusive,


recorda-se do estudo “Gestão, Governança e Mercado de Capitais:
um estudo sobre empresas mineiras” (2015), feito pelo Instituto
Mineiro de Mercado de Capitais, em parceria com a Federação
das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), o Ibmec e a
BMF&Bovespa. O objetivo da pesquisa foi investigar o nível de
desenvolvimento em gestão e governança de 50 companhias
mineiras de capital fechado, bem como seu potencial de inserção
no mercado de capitais, e se verificou que as “empresas” mineiras
fazem pouco uso do mercado de capitais para financiar as
operações e investimentos, embora a economia mineira seja forte
se comparada ao restante do país.

As companhias analisadas afirmaram que as maiores


dificuldades do processo de abertura de capital são os custos, a

BLO CKCH AIN


100 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
burocracia e o tamanho do mercado investidor. Embora quando
se estude abertura de capital fiquem evidentes as suas vantagens,
este trabalho não pretende se distanciar da realidade prática, por
isso se analisou a realidade mineira em tópico anterior.

Mas o que seria a oferta pública, principal objeto deste


tópico? Como trazido pela Comissão de Valores Mobiliários (2019,
p. 214),

oferta pública de distribuição, primária ou


secundária, é o processo de colocação, junto
ao público, de certo número de títulos e
valores mobiliários para venda. Envolve desde
o levantamento das intenções do mercado em
relação aos valores mobiliários ofertados até
a efetiva colocação junto ao público, incluindo
a divulgação de informações, o período de
subscrição, entre outras etapas.

Como as ofertas públicas envolverão a captação de poupança


pública, está no âmbito de atuação da CVM, sempre visando a uma
participação dos investidores de forma mais justa, com igualdade
e transparência. Nos termos da legislação brasileira já trabalhada,
não poderá haver emissão pública de valores mobiliários sem
registro prévio na CVM, e este ponto se torna de suma importância
para o posterior debate quanto à captação pública de recursos via
blockchain, que em tese não teria a participação da CVM.

No caso da CVM, há a Instrução n. 400, de 29 de dezembro


de 200318, que regula

18 A Instrução CVM n. 400, de 29 de dezembro de 2003, foi alterada pelas Instruções CVM
n. 429/06, 442/06, 472/08, 482/10, 488/10, 507/11, 525/12, 528/12, 531/13, 533/13, 546/14,
548/14, 551/14, 566/15, 571/15, 583/16, 584/17, 588/17, 595/18, 600/18, 601/18 e 604/18.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 101
as ofertas públicas de distribuição de valores
mobiliários, nos mercados primário ou secundário
e tem por fim assegurar a proteção dos interesses
do público investidor e do mercado em geral,
através do tratamento equitativo aos ofertados e
de requisitos de ampla, transparente e adequada
divulgação de informações sobre a oferta, os
valores mobiliários ofertados, a companhia
emissora, o ofertante e demais pessoas
envolvidas. (COMISSÃO, 2003, Art. 1º)

Algumas hipóteses que caracterizariam a oferta pública são


a utilização de listas ou boletins, folhetos, prospectos ou anúncios
destinados ao público; a negociação feita em loja, escritório ou
estabelecimento aberto ao público; a utilização de publicidade, oral
ou escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios
de comunicação em massa ou eletrônicos entre outros, nos termos
do art. 3º da referida Instrução19. Observado o art. 4º, a CVM poderá,
19 “Art. 3º São atos de distribuição pública a venda, promessa de venda, oferta à venda ou
subscrição, assim como a aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliá-
rios, de que conste qualquer um dos seguintes elementos: I - a utilização de listas ou bole-
tins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios, destinados ao público, por
qualquer meio ou forma; II - a procura, no todo ou em parte, de subscritores ou adquirentes
indeterminados para os valores mobiliários, mesmo que realizada através de comunicações
padronizadas endereçadas a destinatários individualmente identificados, por meio de em-
pregados, representantes, agentes ou quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou
não do sistema de distribuição de valores mobiliários, ou, ainda, se em desconformidade com
o previsto nesta Instrução, a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a coleta de intenções
de investimento junto a subscritores ou adquirentes indeterminados; III - a negociação feita
em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público destinada, no todo ou em parte, a
subscritores ou adquirentes indeterminados; ou IV - a utilização de publicidade, oral ou es-
crita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa ou
eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes abertas de computa-
dores e correio eletrônico), entendendo-se como tal qualquer forma de comunicação dirigida
ao público em geral com o fim de promover, diretamente ou através de terceiros que atuem
por conta do ofertante ou da emissora, a subscrição ou alienação de valores mobiliários. §1º
Para efeito desta Instrução, considera-se como público em geral uma classe, categoria ou
grupo de pessoas, ainda que individualizadas nesta qualidade, ressalvados aqueles que te-
nham prévia relação comercial, creditícia, societária ou trabalhista, estreita e habitual, com a
emissora. § 2º A distribuição pública de valores mobiliários somente pode ser efetuada com

BLO CKCH AIN


102 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a seu critério e observando o interesse público (em função dos
princípios do Direito Administrativo por ser um ente da Administração
Indireta), dispensar o registro ou alguns dos requisitos, inclusive
divulgações, prazos e procedimentos.

Salienta-se que as ofertas públicas serão intermediadas por


instituições do sistema de distribuição de valores mobiliários, como
corretoras ou bancos de investimento. O investidor, para participar
de uma oferta pública, tem que ser cadastrado em uma dessas
instituições.

Haverá uma série de etapas indispensáveis para o registro


de distribuição pública de valores mobiliários, tais como:

- Protocolo do pedido de registro da operação na


CVM;

- Formação do consórcio de instituições que vão


coordenar e distribuir a operação;

- Estabelecimento de garantia (se houver);

- Conteúdo da oferta, incluindo lote e forma de


precificação;

- Distribuição do prospecto preliminar e definitivo


(material publicitário);

- Coleta, junto aos investidores, de intenções e


reserva (quantidade e preço máximo);

- Recebimento de reservas (quando contemplado


no prospecto e no anúncio de início de
intermediação das instituições integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários
(“Instituições Intermediárias”), ressalvadas as hipóteses de dispensa específica deste requisi-
to, concedidas nos termos do art. 4º”. (COMISSÃO, 2003, Art. 3º)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 103
distribuição);

- Divulgação do período de distribuição;

- Resultado da oferta, incluindo o preço final da


ação;

- Publicação do Anúncio de Início de Distribuição;

- Publicação do Anúncio de Encerramento da


Distribuição. (COMISSÃO, 2019, p. 216/217)

As ofertas públicas podem ser classificadas em IPO (Oferta


Inicial) e Oferta Subsequente (follow on). Diferenciando a oferta inicial
da subsequente, esta ocorre quando a companhia já tem o capital
aberto, já tendo realizado uma primeira oferta antes, enquanto
aquela é a primeira oferta pública, quando se abre o capital. No
que tange à classificação entre primária e secundária, esta envolve
não a emissão de novos títulos, enquanto aquela sim. No caso da
primária,

operação conhecida como “emissão de ações”, os


recursos dessa venda são destinados ao caixa da
empresa e as ofertas são chamadas de primárias,
constituindo um aumento de capital social. Neste
caso, os recursos serão utilizados pela própria
companhia para, por exemplo, ampliar seus
negócios, criar novas unidades de negócio ou
mudar seu perfil de endividamento. (COMISSÃO,
2019, p. 217)

Importante, no que tange às ofertas públicas, o estudo do

BLO CKCH AIN


104 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Prospecto que, nos termos do art. 38 da Instrução CVM n. 400/2003,

é o documento elaborado pelo ofertante em


conjunto com a instituição líder da distribuição,
obrigatório nas ofertas públicas de distribuição de
que trata esta Instrução, e que contém informação
completa, precisa, verdadeira, atual, clara,
objetiva e necessária, em linguagem acessível,
de modo que os investidores possam formar
criteriosamente a sua decisão de investimento.

Com esse documento, o investidor poderá tomar a sua


decisão, considerando as perspectivas e planos da companhia,
a situação do mercado no qual ela atua, os eventuais riscos e o
quadro administrativo. No Anexo III da referida Instrução há até um
modelo padronizado para a elaboração do Prospecto, que deverá
ter informações relativas ao emissor e à oferta propriamente dita.

Sendo oferta primária ou secundária, haverá a fixação do


preço, o que em regra se dá pelo processo de bookbuilding, por
meio

do qual o preço de lançamento de uma oferta


pública é determinado, levando em consideração
a demanda dos investidores institucionais. Este
procedimento permite que o emissor tenha
uma percepção antecipada da receptividade da
oferta pelo mercado, fixando, assim, um preço
adequado para os valores mobiliários ofertados.
(COMISSÃO, 2019, p. 219)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 105
Considerando a modernização tecnológica, esse processo
pode se dar via internet. Por meio de um sistema eletrônico, os
investidores analisam os pontos de seu interesse e enviam suas
ofertas de interesse de compra.

Um outro pressuposto para o trabalho, até para evitar a


confusão com os institutos que serão aqui comparados, é a oferta
pública de aquisição de ações, também conhecida como OPA.
Dessa forma, feita essa contextualização, passa-se a uma análise
mais detalhada sobre as ofertas públicas.

3.1 OFERTAS PÚBLICAS DE AQUISIÇÃO DE AÇÕES


(OPAS)

Inicialmente, fala-se na Oferta Pública de Aquisição de


Ações, chamada de OPA. Ela é “a oferta na qual um determinado
proponente manifesta o seu compromisso de adquirir uma
quantidade específica de ações, a preços e prazos determinados,
respeitando determinadas condições” (INSTITUTO, 2019, p. 219).
Com esse procedimento, todos os acionistas de determinada
sociedade terão, em igualdade de condições, a possibilidade de
alienar as ações de sua propriedade (EIZIRIK; GAAL; PARENTE;
HENRIQUES, 2011, p. 569).

Nos termos da Lei de Sociedades Anônimas, há OPAs


que serão obrigatórias, tais como no caso de cancelamento de
registro de companhia aberta, de aumento de participação de
acionista controlador que impeça a liquidez de mercado das ações
remanescentes e de alienação de controle. Mas em outros casos
elas podem ser voluntárias, tão somente pela vontade do ofertante
de realizar a aquisição por oferta pública.

BLO CKCH AIN


106 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
De toda forma, as OPAs devem observar procedimentos
estabelecidos pela CVM, sendo “sempre dirigida indistintamente
aos titulares de ações de mesma espécie e classe daquelas que
sejam objeto da OPA e deve ser realizada de maneira a assegurar
tratamento equitativo a todos os destinatários” (INSTITUTO,
2019, p. 220). Haverá a participação de uma instituição corretora,
distribuidora ou instituição financeira com carteira de investimentos,
que se responsabilizará pelas informações fornecidas ao mercado.

Diferenciando de uma Oferta Pública de Distribuição de


Valores Mobiliários, aqui o objetivo será uma oferta de compra,
e não de captação de recursos. Sendo assim, uma das maiores
preocupações de uma OPA é justamente a proteção aos acionistas
minoritários de companhias abertas, de modo que haverá um
conjunto de requisitos e obrigações para o ofertante, com a
finalidade de se evitarem abusos.

Nem todas as ofertas serão registradas perante a CVM,


mas ainda assim serão fiscalizadas pela autarquia, que pode até
suspender ou cancelar o procedimento em caso de irregularidades.
Essa decisão será tomada da seguinte forma:

A CVM decide com base em análises


circunstanciadas das áreas técnicas,
gerências e superintendências envolvidas,
geralmente a Superintendência de Registro de
Valores Mobiliários, em pareceres da antiga
Superintendência Jurídica, atual Procuradoria
Federal Especializada, cabendo a palavra final
ao Colegiado, última instância administrativa
que decide os casos concretos, uma vez que
inexiste recurso ao Conselho Recurso do Sistema

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 107
Financeiro Nacional ou ao Ministério da Fazenda.
Além disso, a CVM pode se basear em normativos
de outra natureza, inclusive internacionais,
códigos de boas práticas e auto-regulação, além
das disposições estatutárias específicas de cada
companhia, como as denominadas ‘pílulas de
veneno’. (COMISSÃO, 2017, p. 750)

As “pílulas de veneno” mencionadas derivam do inglês


poison pills, e nada mais são que dispositivos previstos em estatutos
sociais para dificultar e até inviabilizar a aquisição do controle da
companhia. Embora no Brasil seja comum um controlador definido,
no direito norteamericano são comuns as companhias com controle
disperso. As informações de forma igualitária serão importantes
para que os investidores tomem suas decisões.

Nos termos da Instrução da CVM n. 361 de 2002, outro


princípio que se extrai da regulamentação de uma OPA é a
vinculação presumida de interesses, nos termos do seu art. 3º, §2º:

Presume-se representando o mesmo interesse


de outra pessoa, natural ou jurídica, fundo ou
universalidade de direitos, quem: a) o controle,
direta ou indiretamente, sob qualquer forma, seja
por ele controlado ou esteja com ele submetido a
controle comum; ou b) tenha adquirido, ainda que
sob condição suspensiva, o seu controle ou da
companhia objeto, ou seja promitente comprador
ou detentor de opção de compra do controle
acionário da companhia objeto, ou intermediário

BLO CKCH AIN


108 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
em negócio de transferência daquele controle.

Com essa presunção de interesses, tenta-se determinar


atuações concertadas, mas é válido destacar que nem todo acordo
de acionista, por si só, ensejará comunhão de interesses, devendo-
se analisar o caso concreto.

Quanto ao destinatário da OPA, deve ser a coletividade


indeterminada, ou seja, deve ser dirigida,

de forma indistinta, a todos os titulares de ações


da companhia objeto, sendo permitido à oferta
abranger apenas ações de determinada espécie
ou classe, sendo dessa forma destinada apenas
aos seus detentores, desde que possibilite
a todos estes detentores a adesão à oferta,
independentemente da quantidade de ações
almejada. (COMISSÃO, 2017, p. 751)

Em caso de OPA parcial, que não envolva a totalidade das


ações de emissão da companhia (ou de uma mesma classe e
espécie), a oferta deverá observar o rateio proporcional. O importante
é que haja um tratamento igualitário, de modo que haja condições
equivalentes para os destinatários. “Não é permitido ao ofertante
estabelecer condições melhores para determinada parcela das
ações visadas, em detrimento das demais ações da mesma classe
e espécie” (COMISSÃO, 2017, p. 752), independente da vantagem
que o ofertante entenda existir.

Fala-se, também, em uma divulgação simétrica e tempestiva

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 109
de informações, de modo que seja

assegurado aos detentores das ações visadas o


fornecimento das mesmas informações acerca
da oferta, em bases suficientes e completas,
incluindo os elementos necessários para a
tomada de decisão quanto ao aceite, ou não, da
referida OPA de forma igualitária e informada.
Nos termos da regulamentação, o ofertante é
responsável pelas informações fornecidas à CVM
e ao mercado, respondendo pela sua veracidade
e, consequentemente, pela prestação de
informações falsas, imprecisões ou omissões em
caso de danos causados à companhia objeto, aos
seus acionistas e a terceiros, seja por culpa ou
dolo. (COMISSÃO, 2017, p. 752)

Para auxiliar o ofertante na oferta e garantir a veracidade,


qualidade e suficiência das informações fornecidas à CVM, haverá a
intermediação obrigatória por sociedade corretora ou distribuidora
de títulos e valores mobiliários ou por instituição financeira com
carteira de investimento. Com isso, entende-se que há uma maior
proteção do mercado. Inclusive, haverá o dever de sigilo do ofertante
até sua divulgação, para que não haja desrespeito à igualdade.
Destaca-se a Instrução da CVM 358, de 2002, que dispõe no ser art.
8º:

BLO CKCH AIN


110 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Cumpre aos acionistas controladores, diretores,
membros do conselho de administração, do
conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções
técnicas ou consultivas, criados por disposição
estatutária, e empregados da companhia, guardar
sigilo das informações relativas a ato ou fato
relevante às quais tenham acesso privilegiado
em razão do cargo ou posição que ocupam, até
sua divulgação ao mercado, bem como zelar para
que subordinados e terceiros de sua confiança
também o façam, respondendo solidariamente
com estes na hipótese de descumprimento.

A própria Lei de Sociedade Anônima, Lei n. 6.404/1976, traz no


seu art. 260 que “até a publicação da oferta, o ofertante, a instituição
financeira intermediária e a Comissão de Valores Mobiliários devem
manter sigilo sobre a oferta projetada, respondendo o infrator pelos
danos que causar”.

Há outras exigências também nos termos da regulamentação


da CVM, notadamente a Instrução 358, como divulgação obrigatória
e imediata de fatos relevantes (quantidade, preço, condições,
dentre outras características), necessidade de se contratar laudo
de avaliação das ações, o que é obrigatório se tratar de OPA
formulada pela própria companhia, pelo acionista controlador,
administrador ou pessoa a eles vinculada, exceto em se tratando de
OPA por alienação de controle, e vedação ao ofertante de transferir
à companhia os custos e despesas decorrentes do lançamento e
liquidação da oferta.

Ressalta-se que a OPA pode servir a variadas finalidades,


podendo ser citadas as seguintes, com base na obra “Direito

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 111
do Mercado de Valores Mobiliários” (2017), de autoria da própria
Comissão de Valores Mobiliários:

a) OPA para Aquisição do Controle de Companhia Aberta;

b) OPA por Aumento de Participação do Acionista Controlador;

c) OPA pela Transferência de Controle de Companhia Aberta


(tag along);

d) OPA para Cancelamento de Registro de Companhia Aberta


(ou “Fechamento de Capital”);

e) OPA para Conversão de Categoria de Registro como


Companhia Aberta;

f) OPA Auto-Regulação para Saída de Segmento Especial de


Negociação;

g) OPA Concorrente;

h) OPA Voluntária; e

i) OPA com Permuta de Valores Mobiliários ou Outros Ativos.

A fim de que seja possível a diferenciação para a oferta


pública de distribuição de valores mobiliários, seguem alguns
detalhes importantes sobre algumas OPAs em especial.

A OPA pode ocorrer para aquisição do controle de companhia


aberta e, com base no art. 254-A, §1º, Lei de SA,

entende-se por transferência de controle


a mudança relevante, ou seja, a efetiva
transferência, direta ou indireta, da totalidade
ou de parte das ações que integram o bloco de

BLO CKCH AIN


112 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
controle da companhia objeto, inclusive de ações
vinculadas a acordos de acionistas, e de valores
mobiliários conversíveis em ações com direito a
voto, cessão de direitos de subscrição de ações
e de outros títulos ou direitos relativos a valores
mobiliários conversíveis em ações que venham
a resultar na alienação do controle acionário da
companhia. (COMISSÃO, 2017, p. 768)

Quando se fala em controle acionário, o mais importante


não é o número de ações, mas sim o direito de voto que assegure
a maioria nas deliberações societárias. A legislação brasileira
não define o que seria acionista controlador, mas declara que “o
poder de controle emana dos direitos permanentes de sócios,
que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais e
que efetivamente use esse poder para dirigir as atividades sociais”
(COMISSÃO, 2017, p. 769).

A OPA também pode ser por aumento de participação do


acionista controlador; devendo sempre ser realizada quando o
acionista controlador, ou pessoas a ele vinculadas ou que atuem
em conjunto, “adquiram, por outro meio que não uma OPA, ações
que representem mais de 1/3 (um terço) do total das ações de cada
espécie e classe em circulação”, observado o art. 26 da Instrução
Normativa CVM 361.

A OPA pela transferência de controle de companhia aberta


(tag along) envolve a transferência do poder de controle, sendo
regulamentada pela Lei de SA, normas da CVM e no estatuto social
da companhia, podendo eventualmente haver acordo de acionistas,
observando-se os seguintes termos:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 113
quando a transferência do controle acionário
ocorrer por meio de aquisição privada, e não
mediante escalada acionária ou oferta pública, o
artigo 254-A da Lei das S.A. obriga o adquirente
a realizar uma oferta pública de compra
da totalidade das ações com direito a voto
remanescentes, com vistas a lhes assegurar, ao
menos, 80% do valor do preço praticado no(s)
negócio(s) da transferência do controle, podendo
o estatuto social, o acordo de acionistas ou a
simples vontade do adquirente, elevar este valor
mínimo. Também a Instrução CVM 361 determina
que terão direito de exigir a participação na
referida OPA, as ações com direito a voto, que
seja pleno e permanente, por disposição legal ou
estatutária. (COMISSÃO, 2017, p. 772/773)

No estatuto social ou mediante acordo de acionistas,


também é possível atribuir a ações sem direito de voto, o direito
de participar da OPA. Trata-se do “direito conferido aos acionistas
minoritários de ofertar a venda de suas ações ao acionista adquirente
na eventualidade de transferência ou alienação do controle da
companhia objeto” (COMISSÃO, 2017, p. 773). É importante destacar
que a atuação da CVM será casuística, sendo a análise de cada
transferência específica, dada a complexidade do tema.

Quando se fala em cancelamento de registro de companhia


aberta (ou “fechamento de capital”), deve ocorrer uma OPA pelo
acionista controlador ou pela companhia. Isso irá possibilitar que
os acionistas minoritários consigam vender suas ações no âmbito
da OPA ou que decidam permanecer na companhia que será de

BLO CKCH AIN


114 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
capital fechado. É importante a manifestação deles como uma
forma de proteção dos seus interesses.

A regulamentação para a OPA de cancelamento de registro


de companhia aberta ou fechamento de capital está nos arts. 16
e seguintes da Instrução da CVM 361. Extraindo as principais
características, verifica-se que o ofertante deverá definir o preço de
forma justa, observando o §4º do art. 4º20 da Lei de SA e o art. 8º, §1º21
da mesma lei. Nos termos da citada instrução, “acionistas titulares
de mais de 2/3 (dois terços) das ações em circulação deverão
aceitar a OPA ou concordar expressamente com o cancelamento
do registro”.

Na OPA concorrente, o ofertante faz concorrência com outra


OPA já existente. Nos termos da Instrução Normativa 361 CVM,

como critério de validez da OPA Concorrente,


a oferta deverá ser lançada ou ter o respectivo
registro solicitado em até 10 dias antes da data
prevista para a realização do leilão da OPA com
que concorrer, por terceiro que não o ofertante
daquela oferta, ou parte vinculada a ele, e por
preço mínimo de 5% superior ao da OPA a que
20 Art. 4º, §4º: “O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado so-
mente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou
a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a
totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de
avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou com-
binada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado,
de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mer-
cado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores
Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art.
4º-A.” (BRASIL, 1976)
21 Art. 8º, § 1º “Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado,
com a indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados e ins-
truído com os documentos relativos aos bens avaliados, e estarão presentes à assembléia
que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que lhes forem solicitadas.” (BRA-
SIL, 1976)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 115
concorrer. Ademais, considerando-se o aspecto
de competição desta modalidade de oferta, e
visando proteger os envolvidos na oferta inicial
e na oferta concorrente, as manifestações ou
ordens de venda que já tenham sido firmadas
em relação à aceitação da oferta inicial serão
consideradas nulas e, por consequência, sem
efeito. Nesse sentido, caberá ao acionista
minoritário ofertado se manifestar, aceitando a
oferta que for de seu interesse. (COMISSÃO, 2017,
p. 780)

A OPA voluntária, que visa à aquisição de ações de uma


companhia não está sujeita a registro perante a CVM, pela sua
natureza voluntária. Essa OPA poderá ter como objeto a aquisição
da totalidade ou apenas parte das ações. Caso ocorra a modalidade
parcial, “todos os titulares de ações em circulação devem receber
tratamento equitativo, tendo a faculdade de aceitá-la. Assim, haverá
rateio proporcional entre os destinatários aceitantes.” (COMISSÃO,
2017, p. 777).

A OPA com permuta de valores mobiliários ou outros


ativos, por sua vez, precisará do registro perante a CVM, sendo
uma modalidade na qual a realização do pagamento pelas ações
a serem adquiridas será por meio de outros valores mobiliários.
Inclusive, pode ser uma OPA mista, de modo que os destinatários
da oferta possam escolher o modo de liquidação. Por uma questão
de segurança, será exigido do ofertante que apresente, de forma
específica,

BLO CKCH AIN


116 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a relação da permuta no que se refere a
quantidade, espécie e classe de valores
mobiliários que serão trocados, bem como
todos os seus direitos inerentes a eles e aqueles
concedidos estatutariamente, além de exigir a
apresentação do histórico de negociação dos
referidos valores mobiliários nos 12 meses que
antecederam a OPA e informações sobre a
companhia emissora dos valores mobiliários.
(COMISSÃO 2017, p. 785)

O que se pretende demonstrar com esse detalhamento é o


regramento bem definido. Inclusive, Eduardo Goulart Pimenta (2017,
p. 44) fala numa estrita legalidade para a sociedade anônima:

Inegável, porém, que a sociedade anônima é


disciplinada por uma legislação extremamente
rígida, detalhada, complexa e que deixa
pouquíssimas lacunas em assuntos importantes
para serem preenchidas pelos atos constitutivos
da sociedade. O rigor da legislação do anonimato
se impõe também na sua aplicação. Assim, vigora
na sociedade anônima a estrita legalidade, em
termos similares aos encontráveis no âmbito da
Administração Pública. Desta forma, quando a lei
das sociedades anônimas prescreve uma conduta
aos sócios, administradores, controladores e
demais envolvidos com a organização societária
não lhes é permitido adotar conduta diversa. As
normas da lei do anonimato são em sua maioria

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 117
de ordem pública.

A justificativa para essa estrita legalidade, semelhante à


encontrada no âmbito da Administração Pública, é a possibilidade
de captação de recursos das mais variadas pessoas. Como afirmado
pelo autor (2017, p. 44), “a massa dos acionistas será composta por
pessoas que não terão e nem pretenderão ter qualquer contato
direto com a gestão do empreendimento (sleeping partners)”. Como
não terão poder de gestão, a legislação zela pela integridade do
capital investido.

Modesto Carvalhosa (2015, p. 48), no mesmo sentido, dispõe:


“essa ingerência do Poder Público sobre as companhias abertas
funda-se no princípio da tutela do interesse coletivo representado
pelo investimento da poupança privada em valores mobiliários
emitidos por aquelas”. A companhia, em função das suas atividades,
deve “submeter-se a uma permanente disciplina normativa”.

Passa-se agora à análise das ofertas públicas de distribuição


de valores mobiliários.

3.2 OFERTAS PÚBLICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE


VALORES MOBILIÁRIOS

O principal objeto deste trabalho é o comparativo entre a


Initial Public Offering (IPO) e a Initial Coin Offering (ICO) e neste tópico
haverá o estudo específico das ofertas públicas iniciais. Antes
de adentrar nelas, fala-se genericamente nas ofertas públicas
de distribuição de valores mobiliários. Serão estudadas aqui as
etapas desse processo e a regulamentação com os deveres,

BLO CKCH AIN


118 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
responsabilidades e restrições aos agentes.

Quando se fala em ofertas públicas de distribuição de valores


mobiliários, trata-se de “um mecanismo para acesso ao capital e
para conferir liquidez aos valores mobiliários, funcionando como
alternativa a modalidades privadas de captação como empréstimos
bancários e financiamentos diretos” (COMISSÃO, 2017, p. 788). O
mercado de capitais será o meio de captação de recursos para que
a companhia possa desenvolver sua atividade.

A referida oferta pública, porém, pode ocorrer também para


alienação de valores mobiliários detidos por acionista da companhia
e nesse caso o que for captado será destinado a ele. Independente
se para a companhia ou para um acionista, haverá a necessidade de
prévio registro na CVM.

Como já citado aqui, a Lei n. 6.385/1976 traz em seu art.


2º o rol de valores mobiliários submetidos ao regime dessa lei e
à regulação da CVM, sendo um rol exemplificativo, como se extrai
da expressão “quaisquer outros títulos ou contratos de investimento
coletivo” do inciso IX.

Aqui se destaca o art. 19 da Lei n. 6.385/1976 e o art. 3º da


Instrução Normativa 400 da CVM, nos seguintes termos:

uma oferta pública de distribuição se configura


pela venda, promessa de venda, oferta à
venda ou subscrição, assim como a aceitação
de pedido de venda ou subscrição de valores
mobiliários, quando (i) se utilize de lista ou
quaisquer documentos destinados ao público
em geral; (ii) haja procura de investidores por
meio de empregados, agentes, corretores ou

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 119
outras pessoas que façam essa intermediação,
conforme previstas na regulamentação; (iii) seja
feita negociação em qualquer estabelecimento
aberto ao público; ou, ainda, (iv) se utilize de
meios de publicidade que atinjam o público em
geral e irrestritamente. Excluem-se do conceito
de público em geral todos aqueles que tenham
prévia relação comercial, creditícia, societária ou
trabalhista, estreita ou habitual, com o emissor
dos valores mobiliários, conforme ressalvado no
parágrafo 1º do artigo 3º da Instrução CVM 400.
(COMISSÃO, 2017, p. 789)

Para ser uma oferta pública, então, não pode ser restrito
aos acionistas da companhia, mencionando aqui o Parecer de
Orientação da CVM n. 32, de 30 de setembro de 2005, que dispôs
que “o uso da Internet como meio para divulgar a oferta de valores
mobiliários caracteriza tal oferta, via de regra, como pública [...] uma
vez que a Internet permite o acesso indiscriminado às informações
divulgadas por seu intermédio”. Esse entendimento é facilmente
extraído do inciso IV do art. 3º da Instrução Normativa CVM 400:

Art. 3º São atos de distribuição pública a venda,


promessa de venda, oferta à venda ou subscrição,
assim como a aceitação de pedido de venda ou
subscrição de valores mobiliários, de que conste
qualquer um dos seguintes elementos: [...] IV - a
utilização de publicidade, oral ou escrita, cartas,
anúncios, avisos, especialmente através de
meios de comunicação de massa ou eletrônicos

BLO CKCH AIN


120 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
(páginas ou documentos na rede mundial ou
outras redes abertas de computadores e correio
eletrônico), entendendo-se como tal qualquer
forma de comunicação dirigida ao público em
geral com o fim de promover, diretamente
ou através de terceiros que atuem por conta
do ofertante ou da emissora, a subscrição ou
alienação de valores mobiliários.

Observado o §2º do citado dispositivo, a distribuição


pública de valores mobiliários deve, como regra, ser efetuada
com a intermediação das instituições que integram o sistema de
distribuição de valores mobiliários. De acordo com a situação,
haverá requisitos específicos dispostos pela CVM, sempre visando
à proteção do público investidor. Há uma preocupação para que a
decisão dos participantes seja consciente e que os pedidos sejam
atendidos em igualdade de condições. (COMISSÃO, 2017, p. 790)

Nos termos do art. 4º da Instrução Normativa CVM 400, de


acordo com a casuística, pode a CVM dispensar certos requisitos
ou até o próprio registro da oferta, mas quem dirá isso é a CVM que
também reconhece que,

diante da dinâmica do mercado de capitais e


eventuais necessidades específicas, deve haver
a possibilidade de serem dispensados certos
requisitos, ou mesmo o registro da oferta, com
base em um julgamento subjetivo decorrente de
pedido formulado pelo ofertante e pela instituição
intermediária. Esse julgamento e decisão levarão

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 121
sempre em conta o interesse público e a proteção
do investidor, além de certas condições especiais
da oferta, conforme previstas no artigo 4º,
parágrafo 1º da Instrução CVM 400, como (i) valor
unitário dos valores mobiliários e o valor total da
oferta; (ii) plano de distribuição; (iii) jurisdições
envolvidas e respectivos procedimentos; (iv) no
caso das ofertas de permuta, as características
da referida oferta; e (v) público alvo. (COMISSÃO,
2017, p. 790)

Viu-se que a regra é a participação da CVM, mas eventualmente


é possível a dispensa do registro ou o seu deferimento automático,
desde que “sempre observados o interesse público, a adequada
informação e a proteção ao investidor” (BRASIL, 2003, Art; 4º). Cita-
se como exemplo a dispensa de registro para oferta pública de
distribuição de ações da Administração Pública que não objetive
colocação junto ao público em geral e que seja realizada em leilão
organizado por entidade administradora de mercado organizado
nos termos da lei de licitações, e se for de lote único e indivisível de
valores mobiliários. No caso de registro automático, citam-se como
exemplo notas promissórias e debêntures simples e se realizadas
por empresa de grande exposição ao mercado.

Importante a análise dos tipos de ofertas públicas de


distribuição de valores mobiliários.

BLO CKCH AIN


122 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
3.2.1 TIPOS DE OFERTAS PÚBLICAS DE
DISTRIBUIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Iniciando o estudo pelas Ofertas Públicas de Distribuição


de Valores Mobiliários com registro prévio na CVM, regulamentada
pela Instrução CVM 400, sabe-se que são destinadas ao público em
geral, atingindo os investidores dos mais variados tipos e gerando
um cuidado da CVM.

Como se extrai da Instrução CVM 539, os investidores


podem ser divididos em: profissionais, qualificados, e demais
investidores (“varejo”). E dessa divisão os participantes do mercado
falam em investidores institucionais (profissionais e qualificados) e
não institucionais (os de “varejo”). Como todos poderão participar
da oferta de valores mobiliários, “há uma grande preocupação e
zelo por parte do órgão regulador para a concessão de registros”
(COMISSÃO, 2017, p. 791).

Em função dessa preocupação, os arts. 7º e seguintes da


Instrução CVM 400 detalharão os pressupostos, de modo que
haja a necessidade de uma série de documentos, como contrato
de distribuição, contrato de empréstimo, prospecto de distribuição
pública, aviso e anúncios ao mercado, ou seja, aquilo que a CVM
entender pertinente.

Caso a oferta tenha por objeto a constituição da emissora,


a emissora esteja em fase pré-operacional, ou os recursos sejam
destinados preponderantemente a investimentos em atividades
ainda não desenvolvidas pela emissora, observado o art. 32 da
Instrução CVM 400, deverá o pedido de registro de oferta pública
ser instruído com o estudo de viabilidade econômico-financeira.
Isso se faz necessário pelo risco ser maior. Além disso, sendo a

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 123
primeira distribuição de ações do emissor,

a própria Instrução restringe a distribuição


e negociação apenas entre investidores
qualificados, em mercados regulamentados,
pelos primeiros dezoito meses contados do
encerramento da oferta. Não obstante tal
restrição expressa, quando se tratar da primeira
oferta da companhia, resta sempre ao ofertante e
à instituição intermediária líder avaliarem os riscos
envolvidos e restringirem a distribuição apenas a
investidores com maior sofisticação que possam
analisar adequadamente esses riscos e tomar
uma decisão de investimento mais ponderada.
(COMISSÃO, 2017, p. 794)

Destaca-se que caso seja um emissor frequente, há a


possibilidade de participar do Programa de Distribuição, nos
termos do art. 11 da referida Instrução, de modo que a companhia
já deixe estruturada ofertas públicas futuras. Também haverá um
processo mais abreviado para as companhias consideradas EGEMs
– Emissores com Grande Exposição ao Mercado. Nos termos da
Instrução CVM 480, art. 34, para ser considerada como tal deverá
atender aos seguintes requisitos:

I – tenha ações negociadas em bolsa há, pelo


menos, 3 (três) anos;

II – tenha cumprido tempestivamente com suas

BLO CKCH AIN


124 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
obrigações periódicas nos últimos 12 (doze)
meses; e

III – cujo valor de mercado das ações em circulação


seja igual ou superior a R$ 5.000.000.000,00
(cinco bilhões de reais), de acordo com a cotação
de fechamento no último dia útil do trimestre
anterior à data do pedido de registro da oferta
pública de distribuição de valores mobiliários.
(BRASIL, 2009, Art. 34)

Inclusive, há o conceito de procedimento simplificado de


análise e registro da Instrução CVM 471. Em função de um convênio
realizado com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiro e de Capitais (“ANBIMA”), ela realiza uma análise prévia
de ofertas sujeitas a registro perante a CVM, de modo que os prazos
sejam reduzidos. A concessão do registro será da CVM, mas a
entidade autorreguladora realiza uma análise prévia do processo e,
com isso, reduz aproximadamente duas semanas no prazo usual de
registro (COMISSÃO, 2017, p. 795).

A Instrução CVM 400 permite também que haja consulta


sobre a viabilidade da oferta, “devendo esta consulta não exceder de
50 (cinquenta) investidores e ter critérios razoáveis para o controle
da confidencialidade e do sigilo, caso já tenha havido a contratação
prévia de instituição intermediária pelo ofertante” (BRASIL, 2003, Art.
43).

No caso de oferta pública com esforços restritos22, a


22 Instrução CVM 476 - Artigo 1º. Serão regidas pela presente Instrução, as ofertas públicas
de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos. §1º Esta Instrução se aplica exclu-
sivamente às ofertas públicas de: I – notas comerciais; II – cédulas de crédito bancário que
não sejam de responsabilidade de instituição financeira; III – debêntures não-conversíveis ou
não-permutáveis por ações; IV – cotas de fundos de investimento fechados; V – certificados
de recebíveis imobiliários ou do agronegócio; VI – letras financeiras, desde que não relacio-

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 125
regulamentação se encontra na Instrução CVM 476. O ato normativo
apenas se refere a alguns valores mobiliários, sem mencionar
sobre a emissão ou o tipo societário do emissor, pode ser inclusive
sociedades que não sejam companhias. O diferencial é que não se
exigirá registro prévio perante a CVM e a justificativa é simplificar,
estando inserida no contexto pós crise de 2008:

a norma em questão surgiu em 2009, pós crise


internacional decorrente do subprime, como
forma de permitir que as companhias buscassem
crédito via mercado de capitais de forma mais ágil
e sujeitas a exigências mais brandas do que as
da Instrução CVM 400. Para isso, a CVM analisou
a experiência internacional, em especial a dos
Estados Unidos. Uma vez que o órgão regulador
busca proteger o investidor e o mercado, a análise
prévia para concessão de registro de oferta é uma
forma de garantir que o público em geral tenha
acesso a informações fidedignas com a realidade
do emissor e que haja total transparência para
uma tomada de decisão de investimento.
Contudo, a CVM constatou que ofertas em outros
países direcionadas para investidores mais
sofisticados e com maior capacidade de análise
de riscos (os chamados qualified institutional
nadas a operações ativas vinculadas; VII – certificados de direitos creditórios do agronegócio;
VIII – cédulas de produto rural-financeiras que não sejam de responsabilidade de instituição
financeira; IX – warrants agropecuários; X – certificados de operações estruturadas; XI – os
seguintes valores mobiliários, desde que emitidos por emissor registrado na categoria A: (a)
ações; (b) debêntures conversíveis por ações; e (c) bônus de subscrição, mesmo que atribuí-
dos como vantagem adicional aos subscritores de debêntures; XII – debêntures permutáveis
por ações, desde que tais ações sejam emitidas por emissor registrado na categoria A; XIII
– certificados de depósito de valores mobiliários mencionados neste parágrafo; e XIV – cer-
tificados de depósito de valores mobiliários no âmbito de Programa BDR Patrocinado Nível
III. (BRASIL, 2009)

BLO CKCH AIN


126 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
buyers - QIBs, ou investidores institucionais
qualificados) dispensavam essa análise prévia e
registro de oferta pelo órgão regulador dado que
tais investidores já teriam capacidade suficiente
para fazer uma análise criteriosa e prévia antes
de uma tomada de decisão de investimento.
(COMISSÃO, 2017, p. 796)

Então, a CVM dispensou de registro as ofertas públicas


de distribuição de certos valores mobiliários se direcionados
exclusivamente a investidores qualificados, alterando posteriormente
para profissionais, e cumprindo outros requisitos. Mas o que seriam
investidores profissionais e qualificados? O conceito de investidores
profissionais se encontra na Instrução CVM 539 da seguinte forma:

Art. 9º-A São considerados investidores


profissionais:

I – instituições financeiras e demais instituições


autorizadas a funcionar pelo Banco Central do
Brasil;

II – companhias seguradoras e sociedades de


capitalização;

III – entidades abertas e fechadas de previdência


complementar;

IV – pessoas naturais ou jurídicas que possuam


investimentos financeiros em valor superior a
R$10.000.000,00 (dez milhões de reais) e que,
adicionalmente, atestem por escrito sua condição

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 127
deinvestidor profissional mediante termo próprio,
de acordo com o Anexo 9-A;

V – fundos de investimento;

VI – clubes de investimento, desde que tenham


a carteira gerida por administrador de carteira
devalores mobiliários autorizado pela CVM;

VII – agentes autônomos de investimento,


administradores de carteira, analistas e
consultores devalores mobiliários autorizados
pela CVM, em relação a seus recursos próprios;

VIII – investidores não residentes.

Art. 9º-B São considerados investidores


qualificados:

I – investidores profissionais;

II – pessoas naturais ou jurídicas que possuam


investimentos financeiros em valor superior
a R$1.000.000,00 (um milhão de reais) e que,
adicionalmente, atestem por escrito sua condição
de investidorqualificado mediante termo próprio,
de acordo com o Anexo 9-B;

III – as pessoas naturais que tenham sido


aprovadas em exames de qualificação técnica ou
possuamcertificações aprovadas pela CVM como
requisitos para o registro de agentes autônomos
de investimento,administradores de carteira,
analistas e consultores de valores mobiliários, em
relação a seus recursospróprios; e

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128 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
IV – clubes de investimento, desde que tenham
a carteira gerida por um ou mais cotistas, que
sejaminvestidores qualificados. (BRASIL, 2013)

São exemplos de outros requisitos para a oferta pública com


esforços restritos a declaração do investidor de que está ciente
que não há registro na CVM, o dever de diligência da instituição
intermediária e demonstrações financeiras auditadas pela CVM
divulgadas na internet.

É importante trazer a restrição dos regulamentos do Novo


Mercado e dos Níveis 1 e 2 de governança corporativa da B3 S.A.
Segundo eles,

a companhia listada em algum desses segmentos


deve realizar esforços de dispersão acionária
no contexto de ofertas públicas de distribuição
de valores mobiliários, tais como assegurar
a todos o acesso à oferta ou destinar 10% da
oferta a investidores pessoas físicas ou não
institucionais. Referidos esforços de dispersão,
contudo, não poderão ser realizados no contexto
de uma oferta de ações sob a Instrução CVM 476
que somente pode ser dirigida a investidores
profissionais. De forma a compatibilizar as regras
acerca dos esforços de dispersão constantes
dos regulamentos dos níveis diferenciados de
governança corporativa com as características da
oferta pública de ações sob a Instrução CVM 476,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 129
a B3 divulgou, em 30 de outubro de 2014, o Ofício
Circular 072/2014-DP, no qual estabelece no item
5 outras regras a serem observadas no contexto
de uma oferta pública inicial (IPO) ou subsequente
(follow-on) de distribuição de ações sob a
Instrução CVM 476. Adicionalmente, a B3 finalizou
um processo de revisão dos regulamentos de
Novo Mercado e Nível 2, concluído em junho de
2017. Após votação pelas companhias abertas,
aprovou-se unicamente o novo regulamento
do “Novo Mercado”, que foi aprovado pela CVM
em Decisão do Colegiado de 05 de setembro de
2017 e deverá ter a conclusão do seu processo
de aprovação divulgada em breve pela B3 e início
de sua vigência provavelmente no início de 2018,
após a referida divulgação. Dentre as alterações
desse novo regulamento, encontra-se a previsão
de que a dispersão acionária passa a ser aplicável
apenas para as ofertas realizadas via Instrução
CVM 400, o que significa que as ofertas de
esforços restritos via Instrução CVM 476 estarão
dispensadas do cumprimento desse requisito.
(COMISSÃO, 2017, p. 802/803)

Há que se falar ainda na distinção entre as ofertas primárias


e secundárias, de modo que as primárias ocorrem quando há a
emissão de novos valores mobiliários pela companhia, enquanto as
ofertas secundárias consistem na alienação de valores mobiliários
já emitidos e que possuem titulares que irão entregar para outros
investidores, como no caso de um acionista alienar suas ações
para um terceiro. Na primária, os recursos vão para a companhia,

BLO CKCH AIN


130 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
enquanto na secundária os recursos vão para o investidor que fez
a alienação. Não necessariamente uma oferta será primária ou
secundária, podendo ter uma parte de cada.

Na oferta primária, então, haverá um aumento de capital da


companhia, que não necessariamente será subscrito e integralizado
por acionistas da companhia, considerando que o art. 17223 da Lei de
SA permite que não haja o direito de preferência. Além disso, se o
acionista for pessoa vinculada à oferta, ele não poderá acompanhar
o aumento do capital, para que não haja um aumento na assimetria
informacional da oferta. Obviamente, deve ter um efetivo interesse
social para o aporte de capital, uma vez que os acionistas que
não acompanharem o aumento na proporção da sua participação
perderão poder24.

O prospecto informará onde a companhia irá investir os


recursos provenientes da oferta primária. Caso não seja cumprido,
pode haver infração grave, sendo uma medida para proteger o
investidor. Fundamental entender agora como fazer uma oferta
pública de distribuição de valores mobiliários.

23 “Art. 172. O estatuto da companhia aberta que contiver autorização para o aumento do ca-
pital pode prever a emissão, sem direito de preferência para os antigos acionistas, ou com re-
dução do prazo de que trata o §4º do art. 171, de ações e debêntures conversíveis em ações,
ou bônus de subscrição, cuja colocação seja feita mediante: I - venda em bolsa de valores ou
subscrição pública; ou II - permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle,
nos termos dos arts. 257 e 263. Parágrafo único. O estatuto da companhia, ainda que fechada,
pode excluir o direito de preferência para subscrição de ações nos termos de lei especial
sobre incentivos fiscais.” (BRASIL, 1976, Art. 172)
24 Importante o art. 55 da Instrução CVM 400: “Art. 55. No caso de distribuição com excesso
de demanda superior em um terço à quantidade de valores mobiliários ofertada, é vedada a
colocação de valores mobiliários em controladores ou administradores das Instituições Inter-
mediárias e da emissora ou outras pessoas vinculadas à emissão e distribuição, bem como
seus cônjuges ou companheiros, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 2º grau.
Parágrafo único. A vedação do caput não se aplica às instituições financeiras contratadas
como formador de mercado, desde que o direito de subscrever e a quantidade máxima de
valores mobiliários a ser subscrita, se houver tal limitação, estejam divulgados no Prospecto”.
(BRASIL, 2003, Art. 55)

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 131
3.2.2 COMO FAZER OFERTAS PÚBLICAS DE
DISTRIBUIÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Este trabalho tem como foco principal o comparativo entre


a captação pública de recursos nos moldes da CVM e com base
na tecnologia blockchain, então fundamental entender como se faz
uma oferta pública de distribuição de valores mobiliários perante a
CVM.

Primeiramente, a companhia precisará requerer um registro


de emissor à CVM, observando os requisitos da Instrução CVM
480. Com isso, terá que cumprir uma série de requisitos, visando à
divulgação das suas informações ao mercado. Dentre os deveres
informacionais, citam-se a apresentação de:

(i) Formulário Cadastral, o qual contém as


informações básicas sobre o emissor, como
endereços, dados de contato, empresas de
auditoria independente contratadas, jornais em
que são divulgadas as informações de interesse
dos acionistas e titulares de valores mobiliários,
responsáveis na área de relacionamento com
investidores, entre outros; (ii) Formulário de
Referência, documento bastante extenso que
traz de forma detalhada todas as características
do emissor, tanto societárias quanto econômicas

BLO CKCH AIN


132 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
e financeiras, apresentando informações
sobre o setor de atuação da companhia, grupo
econômico em que a companhia se insere,
fatores de risco da companhia e de seu mercado,
administradores da companhia e respectivas
remunerações além de suas experiências
prévias, discussão dos administradores sobre
as demonstrações financeiras da companhia
e resultados obtidos, operações com partes
relacionadas, histórico da companhia e detalhes
sobre os seus negócios, controle acionário e
participações societárias relevantes, valores
mobiliários emitidos e em vigor, entre outros; e
(iii) demonstrações financeiras anuais contendo
parecer de auditor independente e informações
financeiras trimestrais com revisão especial
ou limitada, dentro dos prazos ali previstos.
(COMISSÃO, 2017, p. 808)

Importante relembrar a diferença da categoria A da B, que


são as categorias nas quais o emissor pode requerer o registro na
CVM, nos termos do art. 2º da Instrução CVM 480, de 2009. Como
se extrai do citado dispositivo, “o registro na categoria A autoriza
a negociação de quaisquer valores mobiliários do emissor em
mercados regulamentados de valores mobiliários”. O registro na
categoria B, por sua vez,

autoriza a negociação de valores mobiliários


do emissor em mercados regulamentados de
valores mobiliários, exceto os seguintes valores

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 133
mobiliários:

I – ações e certificados de depósito de ações; ou

II – valores mobiliários que confiram ao titular


o direito de adquirir os valores mobiliários
mencionados no inciso I, em consequência da
sua conversão ou do exercício dos direitos que
lhes são inerentes, desde que emitidos pelo
próprio emissor dos valores mobiliários referidos
no inciso I ou por uma sociedade pertencente ao
grupo do referido emissor.

Logo, se a companhia tiver o registro na categoria A, poderá


fazer a emissão e negociação de quaisquer valores mobiliários em
mercados regulamentados. Naturalmente, o registro na categoria B
exigirá uma divulgação de menos informações. Caso a companhia
pretenda emitir ações para negociação na bolsa de valores, também
precisará do registro perante a B3, o que se dá por meio do pedido
de listagem de emissor e do pedido de admissão à negociação
dos valores mobiliários. Nesse pedido, a companhia informará o
segmento que se pretende registrar.

Há ainda a possibilidade de um registro adicional para adesão


aos segmentos diferenciados de governança corporativa da B3:
“Novo Mercado”, “Nível 1”, “Nível 2”, “Bovespa Mais” ou “Bovespa Mais
Nível 2”. Nesse contexto se destaca o Código ANBIMA de Regulação
e Melhores Práticas para as Ofertas Públicas de Distribuição e
Aquisição de Valores Mobiliários, que dispõe no seu art. 7º:

Art. 7º - No exercício de suas Atividades, as

BLO CKCH AIN


134 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
instituições participantes devem: [...] IX. Participar
apenas de Ofertas Públicas no mercado primário
e secundário de ações, debêntures conversíveis
em ações ou bônus de subscrição quando
as emissoras de tais Ofertas Públicas tiverem
aderido ou se comprometido a aderir no prazo
de 6 (seis) meses, contado do primeiro anúncio
de distribuição, pelo menos ao Nível 1 ou ao
Bovespa Mais, conforme o caso, das “Práticas
Diferenciadas de Governança Corporativa”
da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros -
BM&FBovespa, observado o parágrafo 2º deste
artigo. As instituições participantes devem
ainda incentivar essas emissoras a adotar
sempre padrões mais elevados de governança
corporativa;

Os segmentos diferenciados, como já explicado aqui,


tiveram o objetivo de elevar o nível de governança corporativa das
companhias brasileiras, de modo que tenha mais exigências que a lei
de mercado de capitais, mas o que garante também mais benefícios.
A lei, por meio do incentivo, busca uma conduta diferenciada desses
agentes. Dentre os direitos assegurados e exigências, podem ser
citados: tipos de açõe que podem ser emitidas (apenas ordinárias
ou adicionalmente ações preferenciais), percentual mínimo de
ações em circulação, composição do conselho de administração,
direitos dos acionistas em caso de venda de controle acionário,
adesão à Câmara de Arbitragem no Mercado da B3, dentre outras
(COMISSÃO, 2017, p. 811).

Outro registro que pode ser exigido da companhia é o

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 135
registro no mercado de balcão organizado. Mas independente
desses registros adicionais, deve-se observar a Instrução CVM
400. No Anexo II da citada Instrução encontram-se uma série de
documentos, dentre os quais se destacam:

(i) o contrato de distribuição, celebrado entre a


companhia, eventuais acionistas vendedores
e os bancos coordenadores; (ii) o contrato de
estabilização de preços e/ou de garantia de
liquidez, celebrado entre a companhia, eventuais
acionistas vendedores, o agente estabilizador
e corretora de valores; (iii) o pedido de reserva
e o boletim de subscrição e/ou contrato de
compra e venda de ações, conforme o caso, a
ser assinado pelos investidores adquirentes dos
valores mobiliários; (iv) o prospecto da oferta;
(v) o aviso ao mercado e os anúncio de início e
encerramento da oferta, a serem divulgados ao
mercado; dentre outros. (COMISSÃO, 2017, p. 813)

Sobre os citados documentos, menciona-se que o contrato de


distribuição é o documento que consta todas as responsabilidades
das partes envolvidas. O contrato de estabilização de preços é
para a contratação de um agente estabilizador para garantir um
melhor controle de preço pós-oferta. Principalmente em caso de
IPO (oferta pública inicial de distribuição de ações), é importante
a estabilização, porque “uma volatidade excessiva logo após o
início de negociação pode prejudicar a imagem da companhia e
a manutenção do investimento feito pelos investidores de longo
prazo” (COMISSÃO, 2017, p. 824). Quanto ao pedido de reserva e o

BLO CKCH AIN


136 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
boletim de subscrição/contrato de compra e venda, ocorrem para
formalizar os investidores adquirentes que tiveram a sua reserva
atendida. O aviso ao mercado e anúncios são instrumentos de
divulgação. Mas o documento mais importante é o prospecto da
oferta,

uma vez que esse documento contém todos


os detalhes da oferta, do emissor (inclusive
incorporando por referência outros documentos,
como o Formulário de Referência e as
demonstrações financeiras do emissor), fatores
de risco da oferta e dos títulos ofertados, e serve
como o principal documento a ser considerado
pelos investidores para uma tomada de decisão
de investimento fundamentada. (COMISSÃO,
2017, p. 814)

Feito o registro perante a CVM, passa-se à análise do regime


de colocação dos valores mobiliários ofertados nas ofertas públicas
de distribuição de valores mobiliários, que pode ser com garantia
firme ou melhores esforços de colocação.

Quando se fala em garantia firme, ainda se subdivide


em de colocação e de liquidação. A garantia firme de colocação
é a obrigação dos coordenadores da oferta de colocar uma
determinada quantidade de valores mobiliários para investidores.
Caso não encontrem uma quantidade suficiente para adquirir os
valores mobiliários, os próprios coordenadores da oferta terão que
adquirir. A garantia firme de liquidação, por sua vez, é a obrigação,
que cada coordenador pode prestar de forma não solidária, “de

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 137
honrar quaisquer ordens de investimento prestadas por investidores
durante o processo de coleta de intenções de investimento que não
sejam confirmadas na data de liquidação” (COMISSÃO, 2017, p. 815).

O regime de melhores esforços de colocação, diferentemente


da garantia firme, é a obrigação dos coordenadores da oferta em
fazer o melhor, sem garantia de adquirir os valores mobiliários
ofertados caso não encontrem investidores. É válido destacar que
uma oferta pode ser mista quanto ao regime de colocação.

Um ponto principal de como fazer a oferta é ressaltar a


publicidade. Deverá haver o aviso ao mercado e anúncios de início e
encerramento, sendo obrigatórios em meios eletrônicos. É possível
que haja a divulgação em jornais de grande circulação a critério
da companhia, mas é importante destacar que isso gera um custo
elevado, então se deve analisar casuisticamente o interesse.

Tudo que for pertinente à divulgação da oferta e direcionado


ao público em geral forma o material publicitário, que possui
regulamentação na Instrução CVM 400, Ofício-Circular/CVM/SRE/
Nº 1/2009, Ofício-Circular/CVM/SRE/Nº 1/2013 e Ofício-Circular
Nº 1/2017/CVM/SRE. Sobre esse material, torna-se fundamental a
leitura dos arts. 50 e 51 da Instrução CVM 40025.
25 “Art. 50. A utilização de qualquer texto publicitário para oferta, anúncio ou promoção da
distribuição, por qualquer forma ou meio veiculados, inclusive audiovisual, dependerá de
prévia aprovação da CVM e somente poderá ser feita após a apresentação do Prospecto
Preliminar à CVM § 1º Considera-se aprovada a utilização do material publicitário, caso não
haja manifestação da CVM, no prazo de: I – 10 (dez) dias úteis, contado da data do protocolo
do material publicitário, para as ofertas públicas de distribuição de cotas de fundos de inves-
timento; e II – 5 (cinco) dias úteis, contado da data do protocolo do material publicitário, para
as demais ofertas. §2º O material publicitário não poderá conter informações diversas ou in-
consistentes com as constantes do Prospecto e deverá ser elaborado em linguagem serena
e moderada, advertindo seus leitores para os riscos do investimento. §3º O material mencio-
nado neste artigo deverá fazer referência expressa de que se trata de material publicitário e
mencionar a existência de Prospecto, bem como a forma de se obter um exemplar, além da
advertência em destaque com o seguinte dizer: “LEIA O PROSPECTO ANTES DE ACEITAR A
OFERTA”. §4º A CVM, inobstante ter autorizado a utilização do material publicitário, poderá, a
qualquer momento, por decisão motivada, requerer retificações, alterações ou mesmo a ces-
sação da publicidade. §5º Não caracterizam material publicitário os documentos de suporte
a apresentações oferecidas a investidores, os quais deverão, no entanto, ser encaminhados

BLO CKCH AIN


138 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Como se nota no art. 50 da Instrução CVM 400, “qualquer
forma de texto publicitário para fins da oferta, anúncio ou promoção
da distribuição, por qualquer forma ou meio veiculados” será
considerado material publicitário, encaixando-se aí o “spot de rádio”,
que é um filme publicitário. É importante destacar que se for um
vídeo meramente institucional para promoção da companhia não
será considerado material publicitário para fins de oferta, não se
exigindo o registro perante a CVM.

A exigência no que tange ao material publicitário, mais


uma vez, leva em conta os mais variados investidores que podem
atingir e, para garantir uma menor assimetria informacional, todos
os investidores devem ser estimulados de forma adequada,
conhecendo a companhia e sabendo os riscos (ou pelo menos com
essa possibilidade). Para isso, o material deverá ter uma “linguagem
serena e moderada, advertindo seus leitores para os riscos do
investimento” (BRASIL, 2003, Art. 50, 2º), além de deixar claro que se
trata de um material publicitário e advertir o leitor que ele deve ler o
prospecto antes de aceitar a oferta em letras “garrafais”.

Os investidores institucionais ainda contam com a


apresentação de roadshow:

Tão logo a oferta é lançada, após a divulgação


do aviso ao mercado, começa o processo
de coleta de intenções de investimento ou
bookbuilding. Durante essa etapa da oferta,
à CVM previamente à sua utilização. Art. 51. Poderá ser especificamente admitida a utilização
de material publicitário antes da apresentação do Prospecto Preliminar, desde que destina-
do a campanha educativa do público alvo, em distribuições destinadas a investidores não
familiarizados com o mercado de valores mobiliários, observado o procedimento previsto no
art. 50. Parágrafo único. A utilização de material publicitário na forma do caput dependerá de
aprovação prévia da CVM, presumindo-se deferida caso não haja manifestação contrária no
prazo de 10 (dez) dias úteis, contado do protocolo na CVM do respectivo pedido.” (BRASIL,
2003, Arts. 50/51)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 139
os coordenadores e a companhia realizam as
apresentações de roadshow, onde explicam aos
investidores institucionais acessados todas as
características da companhia, seus negócios, a
oferta propriamente dita e os riscos envolvidos. O
material utilizado nessas apresentações devem
guardar consistência com o teor das informações
constantes do prospecto e demais documentos
da oferta. (COMISSÃO, 2017, p. 818/819)

Concluído o processo de coleta de intenções de investimento,


denominado como bookbuilding, haverá o processo de precificação.
Embora se tenha uma faixa indicativa com o processo que já
foi realizado, ele não é vinculativo. De toda forma, a precificação
deve observar os critérios objetivos apresentados no prospecto,
mas haverá uma margem de discricionariedade por parte dos
coordenadores para que eles busquem os objetivos da oferta para
a companhia. Nos termos do §3º do art. 33 da Instrução CVM 400,

O líder da distribuição, com expressa anuência da


ofertante, organizará plano de distribuição, que
poderá levar em conta suas relações com clientes
e outras considerações de natureza comercial ou
estratégica, do líder e do ofertante, de sorte que
as Instituições Intermediárias deverão assegurar:

I - que o tratamento aos investidores seja justo e


eqüitativo;

II - a adequação do investimento ao perfil de risco


de seus respectivos clientes; e

BLO CKCH AIN


140 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
III - que os representantes de venda das
instituições participantes do consórcio de
distribuição recebam previamente exemplar do
prospecto para leitura obrigatória e que suas
dúvidas possam ser esclarecidas por pessoa
designada pela instituição líder da distribuição.

Além disso, fundamental a observância do art. 170 da Lei de


SA já citado aqui, para quem não haja uma diluição injustificada na
participação acionária dos acionistas que já estavam na companhia.
Outra disposição importante é o art. 55 da Instrução CVM 400,
que exclui da oferta investidores institucionais que forem pessoas
vinculadas se houver excesso de demanda acima de um terço das
ações inicialmente ofertadas. Caso sejam as pessoas vinculadas
investidores não profissionais terão que cumprir uma série de
requisitos estabelecidos na Deliberação CVM 476, de 2005, para
que não sejam excluídos:

O conjunto de providências a seguir tem sido


considerado como suficiente pelo Colegiado: o
deslocamento da data de término dos pedidos
de reserva efetuados por pessoas vinculadas
para data que anteceder, no mínimo, sete dias
úteis ao encerramento da coleta de intenções
de investimento (bookbuilding), restringindo-se
sua participação na oferta à parcela (tranche)
destinada aos investidores não institucionais e
sujeitando-as às mesmas restrições que a estes
são impostas (como limites quanto ao valor do
pedido de reserva, restrições à sua participação

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 141
em uma única instituição intermediária, condições
de desistência que não dependam de sua única
vontade e sujeição ao rateio em caso de excesso
de demanda, entre outras).

Na oferta, pode ser verificado que o interesse dos investidores


é maior do que o previsto inicialmente, podendo haver um aumento
da oferta. Para isso, colocar-se-á um lote suplementar (greenshoe)26
ou um lote adicional dos valores mobiliários (hot issue)27.

Feita a distribuição dos valores mobiliários, ocorrerá a sua


liquidação física e financeira. Destaca-se que a distribuição pode ter
ocorrido nos termos da oferta base, aumentada em até 20% pelo
lote adicional de ações (hot issue) ou em até 15% pelo exercício da
opção de lote suplementar de ações (greenshoe), e isso refletirá
no prazo de liquidação. No primeiro caso, se dará em até três dias
úteis contados do início da oferta, enquanto no segundo caso será
contado do greenshoe.

Se todas as ações estiverem depositadas nos serviços de


custódia da B3, ela

inicia o processo de liquidação mediante


débito das ações custodiadas e lançamento
26 Instrução CVM 400: “Art. 24. O emissor ou o ofertante podem outorgar à instituição inter-
mediária opção de distribuição de lote suplementar, a ser exercida em razão da prestação
de serviço de estabilização de preços dos valores mobiliários objeto da oferta, nas mesmas
condições e preço dos valores mobiliários inicialmente ofertados, até um montante pré-de-
terminado que constará obrigatoriamente no Prospecto e que não poderá ultrapassar 15%
(quinze por cento) da quantidade inicialmente ofertada. Parágrafo Único. A instituição inter-
mediária deverá informar à CVM, até o dia posterior ao do exercício da opção de distribuição
de lote suplementar, a data do respectivo exercício e a quantidade de valores mobiliários
envolvidos.” (BRASIL, 2003, Art. 24)
27 Instrução CVM 400: “Art. 14, §2º A quantidade de valores mobiliários a serem distribuídos
poderá, a critério do ofertante e sem a necessidade de novo pedido ou de modificação dos
termos da oferta, ser aumentada, até um montante que não exceda em 20% (vinte por cento)
a quantidade inicialmente requerida, excluído o eventual lote suplementar de que trata o §
1º.” (BRASIL, 2003, Art. 24)

BLO CKCH AIN


142 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
de mensagens em sistema do Banco Central
informando os bancos liquidantes e os
custodiantes dos investidores institucionais
a respeito dos valores a serem depositados
por eles. Por conseguinte, as instituições
participantes da oferta (bancos coordenadores,
coordenadores contratados e corretoras)
deverão transferir os recursos recebidos dos
investidores para uma conta de liquidação,
sendo que os investidores institucionais poderão
transferir os recursos diretamente à B3. Caso
alguma instituição participante da oferta ou,
ainda, investidor institucional deixe de efetuar
a referida transferência, os coordenadores
deverão, no limite da sua garantia firme de
liquidação, efetuar um depósito adicional de
recursos de forma a honrar a distribuição nos
montantes indicados à B3. Após, e atendidos os
critérios previstos no contrato de distribuição, a
B3 transferirá para a companhia e/ou acionistas
vendedores, nesse mesmo dia, o produto da
colocação das ações, aplicando-se as deduções
cabíveis (ex.: remuneração dos coordenadores).
Ocorrendo a liquidação, os valores mobiliários
são efetivamente transferidos para a propriedade
do investidor que os adquiriu no contexto da
oferta pública. (COMISSÃO, 2017, p. 826)

A liquidação do lote suplementar terá um procedimento mais


simplificado, sendo o prazo para exercício da opção de colocação
de lote suplementar de 30 dias aproximadamente, a partir do início

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 143
da negociação.

Tudo feito, publica-se o anúncio de encerramento, com todas


as informações relevantes. Vale salientar que nem sempre tudo
ocorrerá da melhor forma possível, podendo haver a necessidade
de modificação, revogação, suspensão e cancelamento da oferta.

Nos termos do art. 25 da Instrução CVM 400, havendo


“alteração substancial, posterior e imprevisível nas circunstâncias
de fato existentes quando da apresentação do pedido de registro
de distribuição”, acarretando uma elevação dos riscos, a CVM
pode acolher o pedido de modificação ou revogação. Obviamente
ninguém será prejudicado, sendo restituídos os investidores que já
pagaram algum valor ou sendo exigida a confirmação do interesse
no caso de modificação.

Quanto à suspensão ou cancelamento, dispõe o art. 19 da


Instrução CVM 400:

Art. 19. A CVM poderá suspender ou cancelar, a


qualquer tempo, a oferta de distribuição que:

I - esteja se processando em condições diversas


das constantes da presente Instrução ou do
registro; ou

II - tenha sido havida por ilegal, contrária à


regulamentação da CVM ou fraudulenta, ainda
que após obtido o respectivo registro.

§1º A CVM deverá proceder à suspensão da


oferta quando verificar ilegalidade ou violação de
regulamento sanáveis.

BLO CKCH AIN


144 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
§2º O prazo de suspensão da oferta não poderá
ser superior a 30 (trinta) dias, durante o qual a
irregularidade apontada deverá ser sanada.

§3º Findo o prazo referido no § 2º sem que


tenham sido sanados os vícios que determinaram
a suspensão, a CVM deverá ordenar a retirada da
oferta e cancelar o respectivo registro.

§4º A rescisão do contrato de distribuição


importará no cancelamento do registro. (BRASIL,
2003, Art. 19)

Mais uma vez se destaca o papel de terceiro confiável da


CVM, que protegerá os investidores de eventual descumprimento
de suas regulamentações. Encerrado os principais detalhes do
procedimento para se fazer uma distribuição de valores mobiliários,
destacam-se algumas responsabilidades por parte dos ofertantes,
bem como dificuldades encontradas para a oferta de distribuição
de valores mobiliários.

3.2.3 AS RESPONSABILIDADES POR PARTE DOS


OFERTANTES E CUSTOS

A CVM, com base na Instrução CVM 400, busca sempre


que a oferta permita uma tomada de decisão consciente por
parte dos investidores, principalmente considerando que eles
podem não ser qualificados. Para isso, os ofertantes terão uma
série de responsabilidades de modo que a CVM verifique a oferta
principalmente no que tange às informações.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 145
O pedido de registro, como já afirmado, envolve uma série
de documentos, estando todos discriminados no Anexo II da citada
Instrução28, sendo inclusive um rol aberto. O art. 56 da Instrução ainda
traz a responsabilidade do ofertante “pela veracidade, consistência,
qualidade e suficiência das informações prestadas por ocasião do
registro e fornecidas ao mercado durante a distribuição”. Continua o
dispositivo em seu parágrafo primeiro:

A instituição líder deverá tomar todas as cautelas


e agir com elevados padrões de diligência,
respondendo pela falta de diligência ou omissão,
para assegurar que:

I - as informações prestadas pelo ofertante são


verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes,
permitindo aos investidores uma tomada de
decisão fundamentada a respeito da oferta; e
28 A título de exemplo, citam-se alguns documentos presentes na Instrução CVM 400: “DO-
CUMENTOS E INFORMAÇÕES EXIGIDOS PARA O REGISTRO: 1. contrato de distribuição de va-
lores mobiliários [...]; 2. contratos de estabilização de preços e/ou de garantia de liquidez, se
houver, que deverá ser objeto de aprovação da CVM; 3. outros contratos relativos à emissão
ou subscrição, inclusive no que toca à distribuição de lote suplementar, se houver; 4. modelo
de boletim de subscrição ou recibo de aquisição [...] 5. um exemplar da minuta do Prospecto
Definitivo ou um exemplar do Prospecto Preliminar e, quando disponível, um exemplar da
versão final do Prospecto Definitivo, que conterão, no mínimo, as informações exigidas pela
CVM (Anexo III); 6. cópia da deliberação sobre a aprovação de programa ou sobre a emis-
são ou distribuição dos valores mobiliários tomada pelos órgãos societários competentes do
ofertante e das decisões administrativas exigíveis, com todos os documentos que fizeram
ou serviram de base para as referidas deliberações, bem como dos respectivos anúncios de
convocação, se for o caso; 7. minuta do Anúncio de Início de Distribuição, o qual deve conter,
no mínimo, as informações previstas no Anexo IV; 8. minuta do Anúncio de Encerramento
de Distribuição, contendo, no mínimo, as informações previstas no Anexo V; 9. modelo do
certificado de valores mobiliários ou cópia do contrato com instituição prestadora de serviço
de valores mobiliários escriturais, se for o caso; [...] 10. escritura de emissão de debêntures
e do relatório emitido por agência classificadora de risco, se houver; 11. declaração de que
o registro de companhia aberta está atualizado perante a CVM, se for o caso; 12. prova de
cumprimento de todas as demais formalidades prévias em virtude de exigências legais ou
regulamentares para a distribuição ou emissão dos valores mobiliários, que não decorram
desta Instrução; 13. comprovante de pagamento da taxa de fiscalização, nos termos da Lei nº
7.940/89; 14. declaração prevista no item 2.4 do Anexo III; [...] 15. outras informações ou docu-
mentos exigidos pela CVM em regulação específica. (BRASIL, 2003, Anexo II)

BLO CKCH AIN


146 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
II - as informações fornecidas ao mercado
durante todo o prazo de distribuição, inclusive
aquelas eventuais ou periódicas constantes
da atualização do registro da companhia e as
constantes do estudo de viabilidade econômico-
financeira do empreendimento, se aplicável, que
venham a integrar o Prospecto, são suficientes,
permitindo aos investidores a tomada de decisão
fundamentada a respeito da oferta. (BRASIL,
2003, Art. 56, §1º)

Destaca-se que o líder da distribuição deve “participar


ativamente, em conjunto com o ofertante, na elaboração do
Prospecto (art. 38) e na verificação da consistência, qualidade e
suficiência das informações dele constantes” (BRASIL, 2003, Art. 37,
VII). Os coordenadores obrigatoriamente conduzirão um processo
de legal due diligence, no que tange aos aspectos jurídicos, e de
business due diligence, com relação aos negócios.

A Instrução CVM 400 é bem detalhada, dispondo sobre o


prospecto:

O conteúdo do prospecto é previsto nos artigos


38 e seguintes e, ainda, no Anexo III, todos da
Instrução CVM 400, os quais indicam as seções
a serem descritas no documento e o tipo de
informações a serem prestadas, que deverão ser
completas, precisas, verdadeiras, atuais, claras,
objetivas e necessárias, em linguagem acessível,
de modo que os investidores possam formar

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 147
criteriosamente a sua decisão de investimento.
Nesse sentido, o prospecto não poderá omitir
fatos relevantes ou conter informações que
induzam ao erro do investidor, e deverá conter,
entre outros, dados e informações sobre (i) a
oferta; (ii) os valores mobiliários objeto da oferta e
os direitos que lhes são inerentes; (iii) o ofertante;
(iv) a companhia emissora e sua situação
patrimonial, econômica e financeira; (v) terceiros
garantidores de obrigações relacionadas com
os valores mobiliários objeto da oferta, caso
aplicável; e (vi) terceiros que venham a ser
destinatários dos recursos captados com a
oferta. Adicionalmente, a CVM poderá requerer
informações adicionais que julgar adequadas
para a análise do documento pelos investidores.
(COMISSÃO, 2017, p. 830)

O Anexo III, como afirmado acima, elenca as seções que


devem constar no prospecto da oferta, sendo uma parte do ato
normativo bem detalhada, sendo importante ressaltar os fatores
de risco, que estarão tanto no prospecto como no formulário de
referência. O investidor deve receber a informação não só dos
pontos favoráveis do investimento, mas também os desfavoráveis.
E os pontos desfavoráveis não devem ser escritos com eufemismos,
devendo ser detalhados de forma direta. Caso um fator de risco não
descrito ou não detalhado venha a ocorrer no futuro, será possível
pedir o ressarcimento dos danos causados. Os fatores de risco são,
na prática,

BLO CKCH AIN


148 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
uma apólice de seguros em benefício da
companhia, pois não há restrições à venda de
valores mobiliários de emissão de companhia
com severos problemas financeiros ou sujeita
a riscos importantes, contanto que esses
problemas e riscos sejam claramente descritos,
sem qualquer mitigação de sua gravidade, no
prospecto da oferta. (COMISSÃO, 2017, p. 832)

Outro ponto que se destaca é a necessidade de descrever


os negócios da companhia, colocando inclusive os principais
concorrentes, clientes e efeitos de eventual regulação estatal. Além
disso, os administradores devem analisar a situação financeira
e os resultados da companhia, o que deve ser condizente com
as demonstrações financeiras devidamente auditadas. Enfim,
o prospecto deve conter tudo que possibilite uma tomada de
decisão livre e consciente. Caso a oferta seja distribuída também no
exterior, fala-se na Offering Memorandum ou Offering Circular, se não
houver registro em órgão regulador estrangeiro, e em Prospectus,
se registrada perante a Securities and Exchange Commission dos
Estados Unidos da América. Independente do nome que se dê,
terão a mesma finalidade devendo constar as mesmas informações
de forma equivalente.

Nesse contexto, a companhia terá inclusive que contratar


escritórios de advocacia para o já citado processo de legal due
diligence, com a análise perante os mais variados ramos do Direito,
como trabalhista, tributário, ambiental, administrativo, além do
empresarial. Nessa fase,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 149
os escritórios de advocacia envolvidos (em geral
quatro escritórios para operações globais –
sendo dois voltados para aspectos da legislação
brasileira e dois voltados para questões de
direito estrangeiro – ou dois escritórios para
operações puramente locais – sendo um
assessorando a companhia e outro assessorando
os bancos coordenadores) enviam uma lista
de legal due diligence em que solicitam uma
extensa relação de documentos da companhia
(como contratos financeiros, certidões judiciais,
cópias de processos, documentos societários,
alvarás e quaisquer instrumentos para analisar
a regularidade de seus negócios, relação de
empregados e acordos com sindicatos, etc).
Dado que na maioria das vezes os documentos
solicitados são referentes não apenas à
companhia emissora mas também outras
sociedades de seu grupo econômico, como
controladores, controladas e coligadas, esse
processo pode ser bastante complexo para a
companhia que, por vezes, precisa realizar um
grande esforço para conseguir levantar em
tempo hábil todos os documentos e informações
solicitadas pelos escritórios envolvidos, a fim
de atender as exigências feitas na lista de due
diligence. (COMISSÃO, 2017, p. 834/835)

Após a análise de toda a documentação, os escritórios

BLO CKCH AIN


150 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
irão emitir um parecer legal (legal opinion), que será importante
para garantir segurança aos bancos coordenadores de que esses
atenderam ao requisito legal do art. 56 da Instrução CVM 400.

Contudo, como se observou, nem tudo é questão jurídica,


de modo que haverá o back up, podendo os advogados exigir
documentos adicionais para comprovação das informações,
como relatórios internos ou estudos feitos por especialistas. Caso
sejam informações de natureza contábil e financeira que não serão
analisadas pelos advogados e sim por auditores independentes,
fala-se no circle up. Esses auditores irão emitir uma carta conforto
(comfort letter). Com isso,

os bancos coordenadores, cada qual de posse


de uma via da legal opinion de cada escritório
de advocacia envolvido na oferta, do dossiê de
back up e, ainda, de uma via da carta conforto
emitida por cada auditor independente, podem
comprovar que agiram com elevados padrões
de diligência para assegurar que todas as
informações existentes nos prospectos e
formulário de referência eram verdadeiras,
consistentes, corretas e suficientes para permitir
uma decisão fundamentada de investimento por
cada investidor. (COMISSÃO, 2017, p. 837)

Há que se falar ainda no período de silêncio (quiet period),


previsto no art. 48 da Instrução CVM 400, embora o dispositivo
não tenha essa expressão. De acordo com ele, os envolvidos na
oferta devem limitar-se na revelação de informações para terceiros,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 151
havendo restrições até que a oferta pública seja divulgada ao
mercado, como limitar a revelação de informação relativa à oferta
ao que for necessário para os objetivos da oferta, advertindo os
destinatários sobre o caráter reservado da informação transmitida,
restrições até a divulgação do anúncio de encerramento de
distribuição e abstenção de manifestação na mídia sobre a oferta.
Como regra, o período de silêncio se inicia desde quando a oferta
foi decidida ou projetada, exceto no caso de “manifestações na
mídia, o período de silêncio se inicia a partir do 60º (sexagésimo) dia
que antecede o protocolo na CVM do pedido de registro de oferta
ou desde que a oferta foi decidida ou projetada, o que ocorrer por
último” (COMISSÃO, 2017, p. 838). No caso de bancos coordenadores,
o referido período se inicia no momento de sua contratação. Com o
anúncio de encerramento, encerram-se os prazos:

no dia da solenidade de lançamento dos papéis da


oferta na bolsa e em qualquer momento posterior,
qualquer discurso dos diretores ou de terceiros,
ou ainda entrevista que seja concedida, deverá
sempre ser feita com total cautela, em linguagem
moderada, serena e alinhada com todas as
informações divulgadas durante o roadshow e no
prospecto, sem quaisquer menções ao sucesso e
à demanda da oferta. Somente após ter sido feita
a divulgação do anúncio de encerramento é que
termina o período de silêncio. (COMISSÃO, 2017,
p. 839)

Caso haja o desrespeito ao período de silêncio, pode haver


penalidades, como multas pecuniárias, a suspensão da oferta

BLO CKCH AIN


152 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
e a necessidade de divulgação de novos documentos, como
apresentação de novo prospecto se for o caso. O cronograma da
oferta, inclusive, pode ser alterado, o que poderia trazer prejuízos
para a ofertante. Vários processos administrativos perante a
CVM já foram instaurados para apuração de eventual quebra do
período de silêncio, destacando que as limitações não importam
silêncio absoluto, de modo que as divulgações consideradas
obrigatórias e costumeiramente feitas (propagandas, por exemplo)
podem e devem permanecer, havendo apenas o cuidado de não
haver detalhamento da oferta que não conste na documentação
apresentada.

E se ocorrer um fato novo durante o período de silêncio?


Nesse caso, “deve haver uma divulgação imediata de fato
relevante alertando a respeito, eventualmente com divulgação de
novo prospecto contendo a referida informação, se necessário”
(COMISSÃO, 2017, p. 841), de modo que possa também ter alteração
no cronograma.

Além do quesito informacional, também haverá restrições à


negociação de ações durante a oferta, para garantir que não haja
manipulação do preço da oferta, valendo essa restrição inclusive
para instituições do mesmo grupo financeiro das participantes.
Importante a leitura do art. 48, inciso II, da Instrução CVM 400,
atentando-se às inúmeras exceções29. Vale ressaltar que essas
29 Instrução CVM 400 – Art. 48, II - abster-se de negociar, até a divulgação do Anúncio de Encer-
ramento de Distribuição, com valores mobiliários do mesmo emissor e espécie daquele objeto da
oferta pública, nele referenciados, conversíveis ou permutáveis, ou com valores mobiliários nos
quais o valor mobiliário objeto da oferta seja conversível ou permutável, salvo nas hipóteses de:
a) execução de plano de estabilização devidamente aprovado pela CVM; b) alienação total ou
parcial de lote de valores mobiliários objeto de garantia firme; c) negociação por conta e ordem
de terceiros; d) operações claramente destinadas a acompanhar índice de ações, certificado
ou recibo de valores mobiliários; e) operações destinadas a proteger posições assumidas em
derivativos contratados com terceiros; f) operações realizadas como formador de mercado, nos
termos da regulamentação aplicável; g) administração discricionária de carteira de terceiros; h)
aquisição de valores mobiliários solicitada por clientes com o fim de prover liquidez, bem como
a alienação dos valores mobiliários assim adquiridos; i) arbitragem entre: 1. valores mobiliários
e seus certificados de depósito; ou 2 índice de mercado e contrato futuro nele referenciado; e j)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 153
restrições também se aplicam para os segmentos do “Novo
Mercado”, “Nível 1”, “Nível 2”, “Bovespa Mais” e “Bovespa Mais Nível 2”.

As ofertas públicas de distribuição de ações ainda podem


ter acordos celebrados por lock-up letters. Como regra, os agentes
envolvidos não poderão, por determinado prazo, oferecer, empenhar,
anunciar intenção de venda, ou realizar outras operações similares
com relação às ações detidas pelas pessoas que assinaram o
contrato, sendo uma manifestação da autonomia privada.

Mais uma vez, o papel da CVM será de proteger os investidores


de volatilidades e desvalorizações em função de vendas realizadas
por conta da oferta. Notam-se inúmeras regras, inclusive, não sendo
um procedimento fácil, simples e barato de se fazer. Os custos
de abertura de capital sempre são lembrados quando se analisa
o desestímulo aos agentes para entrar no mercado de valores
mobiliários.

Para fazer uma oferta, como se verificou ao longo deste tópico,


há uma série de exigências, que levam a gastos com comissões
pagas aos participantes, honorários advocatícios, serviços contábeis
e de auditoria, taxas de registro, dentre outros. Com base em
trabalho escrito por Ary Oswaldo Mattos Filho, Viviane Muller Prado,
Marcos Galileu Dutra e Ezequiel Fajreldines dos Santos (2020), que
verificaram levantamentos do Núcleo de Mercados Financeiros e
de Capitais (MFCap/FGV Direito-SP), buscou-se analisar os custos
descritos nos prospectos, que possuem um item direcionado aos
custos.

Inicialmente, verifica-se que em regra as ofertas públicas de


ações possuem valor expressivo, de modo que poucas visaram à
arrecadação de valores inferiores a R$500.000.000,00 (quinhentos
operações destinadas a cumprir obrigações assumidas antes do início do período de vedação
decorrentes de: 1. empréstimos de valores mobiliários; 2. exercício de opções de compra ou
venda por terceiros; ou 3. contratos de compra e venda a termo. (BRASIL, 2003, Art. 48, II)

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154 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
milhões de reais), como se verifica no gráfico abaixo (MATTOS
FILHO; PRADO; DUTRA; SANTOS, 2020):

Os citados autores (2020) destacam:

Há poucos lançamentos que buscaram arrecadar


valores inferiores a que 500 milhões de reais.
Entre esses, apenas três foram menores do que
R$ 100 milhões. O IPO da Nutriplant, em 2008,
movimentou R$ 20 milhões e contou com a
presença de apenas oito investidores. Os outros
dois casos referem-se à abertura de capital da
Senior Sol (R$ 57 milhões, em 2013) e Patagonia
(R$ 76 milhões, em 2007). Essas duas empresas
fazem parte do segmento do Bovespa Mais, cujo
escopo é o ingresso de empresas de menor porte
no mercado de capitais. Entretanto, conforme
os valores dos IPOs demonstram, não há uma

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 155
grande procura por esse segmento de listagem.

A partir de 2014, houve a possibilidade da trabalhada oferta


pública com esforços restritos (Instrução CVM 476), e em 2019 os
valores captados por meio dessa modalidade foram até superiores
ao das ofertas tradicionais, conforme gráfico a seguir (MATTOS
FILHO; PRADO; DUTRA; SANTOS, 2020):

Analisando os custos totais das ofertas públicas que


seguiram a regulamentação da Instrução CVM 400 encerradas a
partir de 2017, de acordo com os prospectos divulgados, observou-
se que os custos das ofertas variam entrem 4 (quatro) e 6% (seis por
cento) do valor captado, conforme gráfico abaixo (MATTOS FILHO;
PRADO; DUTRA; SANTOS, 2020):

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156 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Como se verifica, as ofertas menores tiveram um custo
proporcionalmente maior. Cita-se como exemplo o caso das ofertas
da Petrobrás e da Prinner:

no caso da oferta secundária promovida


pela Petrobras em junho de 2019, o custo da
operação foi R$ 138 milhões, o que representou
2% dos R$ 7.3 bilhões arrecadados. No IPO da
Prinner (coordenado pela estreante XP como
coordenadora única da oferta) e no valor de R$
200 milhões, o custo foi de R$ 15,6 milhões, isto é,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 157
7,8% do valor da oferta. (MATTOS FILHO; PRADO;
DUTRA; SANTOS, 2020)

Como consequência, haverá poucas ofertas com valores


menores. E como se dividem esses custos? Apresentam-se
comissões, tributos e despesas com serviços jurídicos e auditoria,
sendo divididos em regra da seguinte forma (MATTOS FILHO;
PRADO; DUTRA; SANTOS, 2020):

Na abertura de capital, então, nota-se um custo maior que


nas ofertas subsequentes, o que é esperado por conta de toda
organização que se exige para abrir o capital. E além dos citados
custos, há outros inúmeros de manutenção de um empresário junto

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158 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
com o risco inerente à atividade empresária. Nota-se como serão
importantes alternativas para redução dos custos de abertura de
capital, principalmente para o pequeno empresário. Os avanços
tecnológicos serão peças chaves nessa mudança e um exemplo
que pode interferir nisso é a tecnologia blockchain, que se passa a
analisar no próximo capítulo.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 159
Capítulo 4

A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN

Segundo Eduardo Goulart Pimenta (2019, p. 499), “confiar é


acreditar que aquilo que foi prometido por alguém será cumprido.
Refere-se ao grau de crença – fidúcia – na realização da conduta
futura pactuada. O que foi prometido será cumprido.” E a confiança
é essencial para o mercado, onde se darão as trocas de bens e
serviços.

Ocorre que há uma falta de confiança entre os contratantes,


sendo o contrato um dos principais instrumentos para mobilização
de riqueza no mercado. Fala-se em informações assimétricas,
desiguais. Obviamente há outros problemas no mercado que
elevam os custos de transação, mas se foca aqui na confiança que
é o ponto chave para as novas tecnologias aqui trabalhadas.

Especificamente sobre a assimetria de informações,


importantes as lições de Gregory N. Mankiw (2020, p. 364/365), que
afirma:

‘Eu sei algo que você não sabe’. Essa provocação


é comum entre crianças, mas também traduz
uma verdade profunda a respeito de como as
pessoas interagem umas com as outras em
algumas situações. Em muitas situações da vida,
uma pessoa sabe mais do que outra sobre o que
está acontecendo. Uma diferença de acesso a

BLO CKCH AIN


160 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
conhecimento relevante é chamada informação
assimétrica. Os exemplos disso são muitos. Um
trabalhador sabe mais que seu empregador
sobre quanto esforço despende em seu trabalho.
Um vendedor de carros usados sabe mais que
o comprador sobre a verdadeira condição do
carro. O primeiro caso é um exemplo de ação
oculta, enquanto o segundo é um exemplo
de característica oculta. Em cada caso, a parte
que não tem conhecimento (o empregador,
o comprador do carro) gostaria de ter as
informações relevantes, mas a parte informada
(o trabalhador, o vendedor do carro) pode ter um
incentivo para ocultá‐las.

Mas quem atua na área empresarial não se surpreende com


essa assimetria de informações, sendo ela inclusive característica
dos contratos empresariais. Paula Forgioni (2009, p. 66/69), quando
trabalha os vetores de funcionamento dos contratos empresariais,
traz a característica da racionalidade limitada, isto é, “ao contratar,
a parte não possui todas as informações existentes sobre a outra,
sobre o futuro e sobre a própria contratação; diz-se, assim, que sua
racionalidade é limitada”.

As habilidades humanas de cognição não são infinitas e “as


partes não conseguem prever todas as contingências futuras no
momento que se vinculam ao contrato” (FORGIONI, 2009, p. 66), o que
contraria a economia clássica. O agente econômico é maximizador
de ganhos, age com racionalidade, porém com limitações, e por
isso há essa preocupação por parte das novas tecnologias.

Segundo Gregory N. Mankiw (2020, p. 365/367), há o risco

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 161
moral (ação oculta), que seria a tendência de alguém apresentar
comportamento desonesto ou indesejável e a seleção adversa
(informação oculta), que seria a tendência de que um conjunto de
atributos não observados se torne indesejável para o desavisado.
Esse estudo é importante porque gera a necessidade de ter cautela
na atuação mercadológica, pois

quando algumas pessoas conhecem mais que


outras, o mercado pode falhar ao colocar seus
recursos em seu melhor uso. As pessoas que
têm carros usados de alta qualidade podem
ter dificuldade para vendê‐los, porque os
compradores têm medo de ficar com um abacaxi.
Pessoas saudáveis podem ter dificuldade para
conseguir seguro‐saúde de baixo custo, porque
as seguradoras as colocam na mesma categoria
das pessoas que têm problemas de saúde
significativos, porém ocultos. (MANKIW, 2020, p.
369)

E, caso haja algum problema, a “solução”30 é ingressar no


órgão de Poder Judiciário, advindo outros inúmeros problemas. O
primeiro deles é que a atuação do Judiciário, como bem destaca
Eduardo Goulart Pimenta (2019, p. 501), será repressiva, atuando
após o descumprimento contratual, por exemplo, e não antes,
de forma preventiva, o que seria o ideal. Quando se contrata no
mercado o objetivo mais racional é esperar o cumprimento, senão
não se justifica a contratação. Dentre outros problemas decorrentes

30 Coloca-se a palavra “solução” entre aspas, porque solução seria aquilo que resolve a
questão, e não necessariamente há algo que tenha essa consequência.

BLO CKCH AIN


162 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
do Judiciário, cita-se a morosidade, custo e a insegurança jurídica
gerada pelas decisões controversas.

Fato é que o mercado exige alternativas para aumentar


a confiança entre as partes e uma das formas é obter o máximo
de informações possíveis antes de realizar determinado negócio.
Como explicado por Paula Forgioni (2009, p. 60/64), se o empresário
contrata é porque entende que o negócio trará mais vantagens do
que desvantagens e, caso decida contratar, deve estar ciente de
que haverá custos de transação, como o fato de ter que buscar o
máximo de informações já mencionado.

Custos de transação seriam os custos para se valer do


mercado e eles são inversamente proporcionais à tutela do crédito,
de modo que quanto maior a confiança existente no mercado,
menores os custos de transação. Como um círculo virtuoso, “a
proteção da legítima expectativa aumentará o grau de segurança
e de previsibilidade do mercado; o resultado será a diminuição dos
custos de transação e, portanto, a catalisação do tráfico” (FORGIONI,
2009, p. 99). Porém, a confiança não é adquirida de imediato, de
forma que à medida que mais negócios sejam feitos diminuam os
custos de transação nesse aspecto.

Trazendo a definição de Eduardo Goulart Pimenta (2012, p.


4922), é possível dizer que eles “consistem naquilo que se precisa
pagar ou de que se deve abrir mão para constituir, manter, proteger
ou transferir os direitos e deveres decorrentes de uma relação
contratual”. O referido autor (2017, p. 43) também diz:

Custos de transação – ou custos de contratação


– representam aquilo que dispenderam ou
deixaram de ganhar as partes de um contrato

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 163
com o objetivo de constituí-lo ou executá-lo.
São os custos que os contratantes enfrentam
para elaborar, manter e fazer cumprir o contrato.
A importância dos custos de transação se
tornou evidente a partir do seminal trabalho
de Ronald Coase e hoje é fundamental para a
análise econômica do Direito pois, conforme se
depreende do denominado Teorema de Coase,
quanto maiores forem os custos da transação,
menores serão as chances das partes chegarem
a contratar.

Nota-se, então, que é caro diminuir o risco, mas é preciso


contratar. Assumir ou não os riscos? Para tentar diminuir essa dúvida,
há os denominados terceiros confiáveis, que se apresentam como
“alguém capaz de reduzir a assimetria de informação causadora da
perda de confiança entre contratantes” (PIMENTA, 2019, p. 503).

Dentre esses agentes geradores de confiança, cita-se a


Bolsa de Valores, os bancos, agências de viagens, operadoras de
cartão de crédito, Ebay, Pay Pal, e os tabelionatos, por exemplo.
E se torna interessante para os terceiros confiáveis agirem assim
porque agem em escala, de modo que obtenham as informações
com menos custos que o particular. Como a atividade dele é essa,
a especialização permite uma eficiência maior. Um particular não
consegue ter domínio em todas as áreas e necessariamente terá
demandas em diversas ao longo da vida, seja por escolha ou
necessidade. Além disso, consegue distribuir os custos entre os
usuários.

Mas o terceiro confiável acaba com o problema da confiança?


Não! Como salienta Eduardo Goulart Pimenta (2019, p. 504/505),

BLO CKCH AIN


164 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a ação destes terceiros confiáveis não extingue
o problema da confiança, mas, ‘apenas’, desloca
seu foco. Deixa de ser relevante crer na índole do
outro contratante, mas passa a ser fundamental,
para todos que ali atuem, a credibilidade do
terceiro confiável que funcione naquela transação.
Constata-se, assim, uma característica comum a
todos estes terceiros confiáveis: eles atuam como
‘centralizadores da confiança’ naquele mercado,
concentrando, em suas operações, a crença de
todos os contratantes daquele setor, quanto ao
cumprimento futuro das obrigações contratadas
entre eles.

Os terceiros confiáveis, como alerta o autor (2019, p. 505), são


obrigados, por lei ou contrato, a desempenhar a função de reduzir
a assimetria informacional, protegendo o mercado contra intenções
ou condutas ocultas. Em função disso, faz-se necessário tratar
sobre a relação de agência que surge, entre o terceiro confiável que
será um agente e os principais que estão contratando. Por exemplo,

como impedir que um banco realize


empréstimos com grau de risco superior ao nível
de segurança para seus depositários? Como
evitar que um aplicativo de transporte flexibilize
demasiadamente seus critérios de seleção
de motoristas, em detrimento da segurança
dos clientes? É possível assegurar que um
site de intermediação de compra e venda de
criptomoedas não se aproprie indevidamente do

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 165
dinheiro de seus clientes? (PIMENTA, 2019, p. 506)

Com isso, haverá os custos de agência, que são os custos


para monitoramento da conduta do agente, de modo a evitar que
o agente “passe a perseguir, no desempenho de suas funções, não
o interesse do principal – que é sua obrigação legal ou contratual –
mas, sim, seus objetivos próprios” (PIMENTA, 2019, p. 506).

Embora o terceiro confiável seja importante em vários


aspectos, será que a tecnologia já consegue resolver suas falhas,
criando alternativas? É fato que o sistema centralizado possui
alguns problemas como o risco do comportamento oportunista, o
fato de que eventual comportamento oportunista impacte todos
os contratantes do mercado no qual o terceiro atue, os custos
de monitoramento e manutenção do terceiro confiável, pois uma
Comissão de Valores Mobiliários ou um Banco Central geram custos
(PIMENTA, 2019, p. 507). Então, importante falar em descentralização
para minimizar esses custos, o que ocorre com a blockchain.

4.1 A MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA COMO


PRESSUPOSTO PARA A TECNOLOGIA BLOCKCHAIN
E IMPACTOS NA ESFERA JURÍDICA

Para se entender a tecnologia blockchain, é fundamental


entender o seu contexto de criação. Inicialmente se fala em
blockchain do Bitcoin, uma vez que a tecnologia surgiu para viabilizar
a citada criptomoeda, mas hoje se amplia de forma surpreendente
as suas funções.

Fazendo breve retrospectiva sobre o avanço da tecnologia,

BLO CKCH AIN


166 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
sabe-se que a revolução das telecomunicações não é tão antiga,
sendo algo recente o denominado espaço virtual, que “é o resultado
da utilização crescente das telecomunicações em associação aos
computadores, o que possibilitou o desenvolvimento de redes
de comunicação e de computadores” (ROHRMANN, 2005, p. 1). E,
nesse ambiente de comunicação, há a possibilidade de vários atos,
sendo muitos jurídicos.

Embora o telégrafo tenha sido inventado em 1835, iniciando


o espaço virtual, os primeiros computadores digitais surgiram
tão somente na década de 1940, sendo o primeiro computador
comercial lançado no mercado em 1951 e, conforme Jerry Kang,
citado por Rohrmann (2005, p. 2), tinha aproximadamente 18.000
(dezoito mil) válvulas e pesava cerca de 18 (dezoito) toneladas.
Os microprocessadores vieram somente em 1971 e
logo após os microcomputadores, sendo fundamentais para
a popularização do uso da computação, e “a ligação de um
considerável número de computadores pessoais à base instalada
de redes de telecomunicações levou à grande expansão das redes
de computadores, entre elas a Internet” (ROHRMANN, 2005, p. 1).
A internet, assim, é um exemplo da rede ampla de computadores,
podendo ir além das fronteiras dos países.
Como explica Jean Jacques Erenberg (2003, p. 5),

internet é uma palavra que vem da expressão


inglesa ‘INTERaction or INTERconnection between
computer NETwork’ (interação ou interconexão
entre redes de computadores). Designa uma
ampla rede formada por inúmeras redes menores,
conectadas entre si, a fim de compartilhar
informações e/ou recursos computacionais.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 167
A internet nasceu para trocas de informações militares
e científicas, de modo que, inicialmente, interligava somente
organismos governamentais, centros de pesquisa e universidades.
Não se permitia o uso comercial.
A ideia da conectividade entre computadores veio da Guerra
Fria. A União Soviética tinha colocado em órbita o satélite artificial
Sputnik, e os Estados Unidos queriam fazer frente a isso. Preocupado
em manter uma comunicação ainda que ocorresse uma guerra
nuclear, buscaram a evolução da tecnologia de computadores. E a
ideia era justamente que houvesse rotas alternativas de transmissão
de informações se o Pentágono fosse destruído. (ERENBERG, 2003,
p. 7)
Como principais conceitos estruturais da internet, citam-se a
comunicação não hierárquica, falando-se em rede, e a comutação de
pacotes de informação. Por conta disso, fala-se que é virtualmente
impossível destruir todas as rotas de informação, já que as ligações
entre os computadores são emaranhadas como uma teia, que, ainda
se obstruídas algumas vias, consegue-se chegar ao destinatário por
outras. (ERENBERG, 2003, p. 5)
O ano de 1969 pode ser considerado o ano de nascimento
da internet, quando ocorria a conexão entre quatro computadores
instalados em universidades dos EUA. Em 1988 já havia cerca de
cem mil computadores nessa rede e foi quando surgiu o primeiro
“verme de internet”, que seriam os denominados “vírus” de hoje.
(ERENBERG, 2003, p. 9)
O ingresso formal do Brasil na rede mundial de computadores
se deu em 1990. É interessante que, no Brasil, não se encontra
uma definição jurídica de internet, mas a Lei n. 9.472/97 a classifica
como “serviço de valor adicionado”, observado o art. 6131, isto
31 “Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de teleco-
municações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas
ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se
seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os

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168 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
é, “uma atividade de recursos tecnológicos para agregar valor,
pelo acréscimo de informações multimídia, aos impulsos eletro-
eletrônicos que se destinam à comunicação à distância” (ERENBERG,
2003, p. 6/7).
Erenberg (2003, p. 5) traz os sete conceitos básicos sobre a
internet, destacando-se o seguinte:
1) a internet é um meio e não um fim em si mesma;
2) a internet permite que o usuário acesse diferentes e
distantes locais num curto espaço de tempo;
3) ninguém controla a internet;
4) não há uma autoridade central na internet;
5) a internet é centrada em pessoas e não em governos;
6) a internet é para todos; e
7) a internet possui uma cultura própria.
Dentre os inúmeros serviços prestados na internet, podem
ser citados: troca de mensagens, troca de arquivos, competição
entre pessoas (como disputas em jogos); conversação em tempo
real; busca e disponibilização de informações (ERENBERG, 2003,
p. 6). Ressalta-se que hoje a internet é “eminentemente pública,
aberta e interativa” (ERENBERG, 2003, p. 12) e sua evolução parece
não ter fim.
Segundo pesquisa publicada pelo Portal G1 (LAVADO, 2019),
“o número de brasileiros que usam a internet continua crescendo:
subiu de 67% para 70% da população, o que equivale a 126,9
milhões de pessoas”. Na citada pesquisa, revelou-se que metade
da zona rural já está conectada no Brasil. Inclusive, cita-se uma
importante matéria que, embora seja de 2017, mostra a importância
da tecnologia para a população e como a curva do seu impacto é
ascendente: no Brasil, 92% dos lares têm celular, mas apenas 66%
direitos e deveres inerentes a essa condição.
§ 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para
prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito,
regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras
de serviço de telecomunicações.” (BRASIL, 1997, Art. 61)

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 169
têm esgoto tratado. Veja trecho da matéria:

Os dados mais recentes da Pnad Contínua,


divulgados nesta sexta-feira pelo IBGE, mostram
que o acesso à tecnologia móvel avança mais
rápido do que a universalização do saneamento
básico. Em 2016, enquanto 92,3% ou 63,8 milhões
dos lares brasileiros tinham pelo menos um
morador com telefone celular, apenas 66% ou
45,6 milhões de famílias tinham sua rede geral
ou fossa ligada à rede, ou seja, contavam com
tratamento de esgoto. (COSTA, 2017)

Mas como funciona a internet? Como explica Rohrmann


(2005, p. 3/4), a todo computador ligado na Internet é atribuído
um único endereço conhecido, que é o denominado IP, o número
de identidade de localização do computador na rede. E quando
se digita um domínio (por exemplo: www.wallacesouza.adv.br), o
computador faz referência a um IP específico que corresponde à
página. Existem computadores ligados à rede que armazenam os
endereços IP e seus correspondentes nomes de domínio, sendo
esses computadores chamados de DNS – Domain Name Servers.
É importante destacar que a comunicação de dados se dá
de uma forma diferente de uma ligação telefônica, por exemplo.
Numa ligação telefônica comum, quando a conversa se estabelece
o circuito se fecha, falando-se numa comutação por circuito. Na
comunicação de dados pela internet, por sua vez, há a comutação
por pacotes, isto é, o circuito não fecha, porque os dados trocados
são transformados em pacotes que trafegam por rotas variadas
ao longo da rede. Não há, na comunicação pela internet, apenas
um caminho para os pacotes. Além disso, por serem divididos em

BLO CKCH AIN


170 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
pacotes, fica mais fácil a transferência.
Como consequência da internet, também surgiram os
primeiros textos jurídicos sobre o assunto, notadamente em função
dos conflitos de jurisdição no espaço virtual, porque uma pessoa
poderia praticar atos jurídicos em websites de outros países. Sendo
assim, começou-se a falar no Direito da Internet.
E um dos principais aspectos da internet foi permitir a
chamada “virtualização da economia”, uma vez que se tornaram
possíveis operações comerciais e bancárias, em tempo real, mesmo
sem a presença física da pessoa no país onde a operação está
sendo realizada. (ROHRMANN, 2005, p. 8)
Em 1996, houve um importante estudo de Pierre Lévy
(p. 17/18), cuja obra diferenciou os conceitos de virtualização e
desrealização, pois a virtualização envolve a criação da realidade,
e não sua negação, isto é, o virtual é real. Com a virtualização,
apenas se muda o eixo de gravidade, ou seja, surgem novos e
diferentes problemas. E nesse contexto entra o Direito Virtual para
regulamentar toda essa nova situação que a internet criou.

Inicialmente pensou-se em utilizar o direito do mundo físico


para as relações do ambiente virtual, mas a internet cria comunidades
próprias, alheias e separadas do mundo físico, como explica
Rohrmann (2005, p. 12). E em função dessa ideia de comunidade
da internet, surgiu a primeira corrente teórica do Direito Virtual, que
propunha um direito próprio para a rede. Inicialmente, houve uma
corrente libertária, mas se tinha a crença de que o mundo virtual
não precisaria do Direito, sendo contrária ao uso da força pelo
Estado no ambiente da internet, o que é totalmente inviável. De toda
forma, “pode-se resumir a teoria libertária em sua própria essência:
a negação da autoridade do Estado em ambiente eletrônico
‘desprovido de territorialidade’ e dotado de uma ‘soberania própria’”
(ROHRMANN, 2005, p. 21).

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 171
Tendo em vista essa corrente, outra corrente surgiu: a da
Escola da Arquitetura da Rede,

pregando a necessidade de o Estado determinar


a natureza tecnológica do espaço virtual para
que se possa regulamentar, por meio do direito,
o mundo online e, desta forma, evitar-se que
alguém do mercado determine um controle
maior sobre a rede, pelo tipo de programação, de
forma alheia à vontade do Estado. (ROHRMANN,
2005, p. 22)

O espaço virtual é um lugar onde as pessoas também vivem,


e que segue o código dos programas de computador. Segundo ele,
o ambiente virtual evoluiria. Explica Carlos Alberto Rohrmann (2005,
p. 24):

a teoria seria a de que a beleza do espaço


virtual, inicialmente dotado de uma arquitetura
de programação aberta e livre, estaria sendo
substituída, aos poucos, por um mundo online
onde as forças do mercado, atendendo às
demandas e às vontades do comércio e das
grandes empresas, passariam a determinar a
qual o tipo de controle e de normatização a
Internet estaria sujeita. Em outras palavras, ao
invés de uma utopia da liberdade, o espaço
virtual transformar-se-ia em um local dotado de
uma arquitetura de maior controle, destinada a
atender às necessidades do comércio. E, desta
forma, o comportamento das pessoas no espaço

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172 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
virtual estaria determinado e normatizado pela
arquitetura prescrita pelos entes comerciais
em atendimento aos seus interesses, e não aos
interesses da maioria das pessoas.

Embora possa se ter essa impressão, é importante ressaltar


que não se entendia que a arquitetura da rede seria determinada
pelos entes privados. Até se afirmava que a ausência de intervenção
estatal seria nociva, de modo que o Estado deveria intervir guiando
o que seria feito na internet, como com programas de computador
filtrando o conteúdo (ROHRMANN, 2005, p. 24). Mas essa corrente
também não é perfeita, pois podem ocorrer abusos, como no caso
de uma empresa manipular essa filtragem.

Além dessas duas correntes, também se fala na “corrente do


direito internacional”, que vê o espaço virtual como um “ambiente
internacional”, considerando que uma pessoa consegue transitar
entre jurisdições apenas com um clique (ROHRMANN, 2005, p.
27). Embora isso se mostre melhor que a corrente libertária, ainda
considera a internet como um mundo novo, fazendo-se uma
“analogia entre o espaço sideral, o fundo do mar e o espaço virtual
como sendo todos insuscetíveis de apropriação exclusiva por parte
de um Estado e, consequentemente, encarados como ‘propriedade
ou patrimônio da humanidade’” (ROHRMANN, 2005, p. 30).
Todavia, como explicado por Carlos Alberto Rohrmann (2005,
p. 30), o conceito de “patrimônio da humanidade” possui pouca
precisão, pois patrimônio está intimamente ligado a uma pessoa, e
humanidade sequer é dotada de personalidade jurídica.
Outra proposta que se relaciona à “corrente do direito
internacional” foi a de um direito virtual análogo ao Direito Marítimo,
colocando a pessoa sujeita à sua jurisdição de residência e sob as
leis do Estado onde navega na rede. Importante ressaltar também

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 173
que tratados internacionais podem ter um papel relevante no
Direito Virtual, como um que regulasse os documentos digitais que
trafegam pela rede. Todavia, ainda assim, esse mercado pode ser
mais efetivado com normas domésticas. (ROHRMANN, 2005, p.
31/33)
Dessa forma, vem a corrente tradicionalista, contrapondo-se
às correntes até aqui estudadas que se opunham à possibilidade
de aplicar o direito tradicional às relações no ambiente virtual. Com
mais aceitação nos tribunais inicialmente, alegava que a internet
não seria muito bem um mundo à parte, de forma que se aplicaria
as regras do mundo físico mesmo. É claro que poderiam existir
eventuais dificuldades, mas elas também estão presentes quando
se julgam fatos do mundo físico. (ROHRMANN, 2005, p. 34)
Fato é que “não há atos praticados dentro do espaço virtual
que estejam fora do alcance de todas as jurisdições constituídas”
(ROHRMANN, 2005, p. 38). Exemplos disso podem ser quaisquer
ações que envolvam condenações a páginas de internet que
desrespeitem alguma legislação, como vender algo que é proibido
em determinado local, mas não em outro. Rohrmann (2005, p. 38)
cita a condenação pelos tribunais franceses da Yahoo! Inc., que
fez um leilão virtual de um ordenamento nazista no qual franceses
deram lances. Embora norte-americanos pudessem dar lances, os
franceses não poderiam, de modo que a companhia foi multada.
Então, estabelecida a corrente tradicionalista como a melhor
para o Direito Virtual, não pode haver o pensamento de que a internet
é um mundo sem lei, no qual se pode tudo. No Brasil, inclusive, foi
criado o Marco Civil da Internet, a Lei 12.965, de 23 de abril de 2014,
que “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso
da Internet no Brasil”, sendo denominada como “Constituição da
Internet”.

Como bem lembrado por Cássio Augusto Barros Brant (2014,

BLO CKCH AIN


174 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
p. 7), o Marco Civil da Internet veio num momento importante para
o Brasil,

que sofreu invasão nos sistemas informáticos,


por parte dos Estados Unidos, o qual sob o
argumento de defender a sua segurança nacional
invadiu sites do governo brasileiro, violou e-mails
de representantes políticos e acessou dados
sigilosos de empresas brasileiras, entre outras
violações de privacidade. O assunto foi noticiado
por todo o mundo e chocou a sociedade em
geral.

Ora, se o governo brasileiro passou por isso, quem dirá um


cidadão comum, ou seja, a internet precisava de uma segurança
maior no âmbito da legislação interna brasileira. Como a maior
parte das legislações, recebeu críticas e elogios, sendo contínuos
os debates sobre os temas que nela estão presentes.

Para este trabalho, importante destacar “o reconhecimento


da escala mundial da rede”, preceituado no art. 2º da referida
lei32. Esse é um problema para se fazer uma legislação, como já
demonstrado no histórico do Direito Virtual e suas correntes. Como
trazido por Cássio Augusto Barros Brant (2014, p. 51), “a internet
é de domínio comum e permite a ligação entre os mais variados
países, portanto, não se subordina a nenhum estado soberano”. A
Lei 12.965/04 trata, então, do uso da internet no Brasil. Continua
explicando o autor (2014, p. 53):
32 “Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberda-
de de expressão, bem como: I - o reconhecimento da escala mundial da rede; II - os direitos
humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais;
III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre
concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede.” (BRASIL, 2014, Art.
2º).

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 175
o reconhecimento da rede mundial de
computadores como fundamento deixa bem
claro a despretensão da legislação no que tange
a solucionar conflitos de ordem internacional,
mas também de compreender que o assunto
é abrangência muito maior que uma mera
legislação interna pode conduzir, sendo apenas
uma norma de alcance nacional. Neste aspecto,
tal inciso apesar de óbvio aos olhos da maioria dos
doutrinadores, verifica-se sua coerência visto que
a não soberania dos países sobre a rede mundial
de computadores é a realidade concreta desta
ferramenta de comunicação e o Brasil reconhece
tal fato, deixando em termos explícitos que este
instrumento não pode ser conduzido em uma
visão de controle estatal. Há uma gama de países
que são envolvidos e, portanto, o assunto é de
ordem mundial, ou melhor, internacional.

Jean Jacques Erenberg (2003, p.15/16) afirma, sem medo


de errar, que a internet “gerou a semente de uma nova economia,
na qual o conhecimento, a informação e o tempo passam a ser
valores tão importantes quanto a matéria-prima e a capacidade de
produção”. Inclusive, ao observar pesquisas da Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, estimou-se que em
2005 (há mais de 15 anos) o comércio eletrônico já movimentou um
trilhão de dólares (ERENBERG, 2003, p.15).

E, por essa nova economia depender de conhecimento,


não há limites de crescimento, não se esgotando com o uso como
ocorre com a matéria-prima. Outro aspecto relevante é que

BLO CKCH AIN


176 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a criação de inúmeros novos postos de trabalho
diretos e indiretos, o recolhimento de grandes
somas em tributos, a utilização das novas
tecnologias em benefício da coletividade, dentre
outras situações diretamente vinculadas à
existência de mais e novas empresas criadas para
existir em função da internet, poderão contribuir
para a redução das desigualdades sociais,
tornando-se ponto de apoio de todo um novo
capitalismo, mais socialmente justo. (ERENBERG,
2003, p.15)

Logo, verifica-se que o mercado como um todo será afetado,


e não só quem tem um maior poder de compra. Há benefícios
facilmente identificáveis que a internet trouxe, como facilitação do
acesso à educação, à saúde e às informações, além da interação
entre as pessoas sem limites de espaço e tempo. (ERENBERG,
2003, p.15/16)

Todavia, sempre há o outro lado da moeda, que são os riscos


e desafios também criados. Conquistar o consumidor, por exemplo,
não será difícil, mas o manter fiel será bastante complicado
considerando que os benefícios são para todos os empresários.
A internet permite que tudo seja mais volátil, rápido. Alerta Jean
Jacques Erenberg (2003, p.16):

No meio disso tudo, exsurge a face assustadora


da nova economia, acenando com revezes como
a possibilidade de ampliação das distâncias
sociais entre os que podem e os que não podem

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 177
estar em contato permanente com as novas
tecnologias (sejam indivíduos, empresas ou
nações), a utilização impune de práticas abusivas
(lesivas à livre concorrência e/ou ao consumidor),
a facilidade de burla ou manipulação das
legislações locais, a extrema dependência de
tecnologias que exigem investimentos estatais
(de que serve toda a alta tecnologia da Internet
diante de um ‘apagão’?), a impossibilidade de
serem criadas regras jurídicas com a mesma
rapidez em que evoluem as relações pessoais
e comerciais, a ausência de intimidade dos
operadores da lei com os novos conceitos...

Ressalta-se, então, que muitas perguntas ainda não foram


respondidas, mas é fundamental este estudo para entender
o contexto que o Direito se encontra e como serão as futuras
regulamentações. Estabelecidos esses pressupostos, pode-se
voltar à análise da origem da tecnologia blockchain.

4.2 A CRISE DE 2008 E A ORIGEM DA TECNOLOGIA


BLOCKCHAIN PARA O BITCOIN

O nascimento da tecnologia blockchain remonta a 2008,


ano em que ocorreu a maior crise econômica global desde a crise
de 1929. Como explicado por Tarcisio Teixeira e Carlos Alexandre
Rodrigues (2019, p. 11/16), nos anos anteriores à crise, houve uma
série de empréstimos hipotecários irresponsáveis nos Estados
Unidos. Como se sabe,

BLO CKCH AIN


178 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
empréstimos foram concedidos a mutuários
‘subprime’ (clientes bancários com históricos
de crédito ruins), sem avaliação adequada
de risco de inadimplência, ou pior, ignorando
deliberadamente tais riscos, por uma razão
simples: estes empréstimos eram concedidos
a juros mais altos, e contavam com a garantia
dos imóveis. Tais empréstimos eram então
posteriormente utilizados como garantias de
títulos (supostamente) de baixo risco, uma vez que
garantidos por hipotecas. Os títulos afinal gerados
por esta engenharia toda restaram conhecidos
como obrigações de dívidas garantidas (no
original em inglês, collateralised debt obligations
- CDOs), que foram então classificados por grau
de risco, conforme maior ou menor exposição
à inadimplência. Após tais classificações
(rating), investidores adquiriram as reputadas
como mais seguras, confiando, por exemplo,
em classificações de crédito ‘AAA’ atribuídos
por agências como a Moody’s e a Standard &
Poor’s. Ocorre que as agências de classificação
mantinham contratos com os próprios bancos
emissores que criavam as CDOs e, portanto,
suas classificações não eram isentas. Todo este
panorama resultou em grandes prejuízos a todos
os que confiaram nestas instituições financeiras,
pois se tornou difícil vender as CDOs, ainda que
a preços menores, ou mesmo utilizá-los como
garantia para financiamentos. Em outra ponta,
a concessão desenfreada dos empréstimos
hipotecários (loan mortgages) acarretou a

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 179
inadimplência de grande parte destes contratos,
gerando uma onda de baixa de valores também
dos imóveis, pelo excesso de oferta resultantes
da execução das garantias. Constatou-se, afinal,
que os ‘terceiros confiáveis’ do sistema financeiro
não eram tão confiáveis assim. (TEIXEIRA;
RODRIGUES, 2019, p. 12/13)

Em suma, foi a “bolha imobiliária”, como ficou conhecida


a crise, uma vez que a especulação imobiliária dos EUA levou a
uma supervalorização dos imóveis que veio desacompanhada da
capacidade financeira das pessoas, de modo que as hipotecas não
garantiriam tanto assim os negócios.

Mas é possível detalhar um pouco mais sobre as causas


dessa crise. Como destaca Henrique Perlatto (2019, p. 16), “o fim do
século XX e o início do século XXI denotaram o marcante impacto
que a financeirização da economia representava para fins de PIB
nos países ‘desenvolvidos’”. Chomsky (2017, p. 50/51), inclusive,
citado por Perlatto (2019, p. 16), “aponta que, de 1950 a 2010, o setor
industrial americano, que representava no primeiro marco 28% do
PIB frente a 11% do setor financeiro, no segundo já demonstra a
virada - 11% relativo ao setor industrial contra 21% do financeiro”. E
isso demonstra o porquê de tanto impacto no mercado global em
face dessa crise.

Se pudessem ser elencados os motivos que possibilitaram


a crise, pode-se falar em um aspecto macroeconômico e outro
microeconômico. Quanto ao primeiro, fala-se no custo do crédito,
que era muito barato, com juros baixos. Em função disso, as pessoas
aumentaram suas dívidas, houve um boom de crédito. Quanto ao
segundo, fala-se no desconhecimento dos riscos por parte dos

BLO CKCH AIN


180 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
consumidores. Isso aliado a uma política de desregulamentação
levou a bolha criada a estourar. Explica Henrique Perlatto (2019, p.
16/19) que:

A grande proeza dos financistas bancários da


época, com a desregulação em curso, foi a
criação de uma nova forma de securitização,
na qual o interesse dos bancos não ficaria mais
a cargo do adimplemento da parte tomadora. A
criação de produtos chamados subprime, que
consistiam na venda de títulos de securitização,
garantiria retorno caso o bem segurado fosse
lesado. Nesse sentido, se os empréstimos não
fossem quitados, os bancos já teriam recebido
pelos títulos alienados, terceirizando seu próprio
risco. Ocorre que, caso houvesse um aumento de
inadimplência, os bancos, que operam com base
na reserva fracionária, ficariam em uma situação
de extrema complexidade, visto que havia um
risco real de insolvência (que se materializou). [...]
A facilitação da concessão de crédito, portanto,
gerou uma especulação sem precedentes no
setor imobiliário - tendo sido registrado um
aumento de 194% no período compreendido
entre 1996 e 2006.

Sobre o tema, importante matéria veiculada no El País em


07 de agosto de 2017, de autoria de Sandro Pozzi, quase dez anos
depois, a qual se extrai o seguinte trecho:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 181
O colapso dos mercados foi tão drástico que
obrigou o Federal Reserve (Fed, o Banco Central
dos EUA) — e o Banco Central Europeu (BCE)
— a injetar centenas de bilhões de dólares e
a baixar as taxas de juros. Os bancos centrais
entraram em águas nunca antes navegadas de
política monetária e fiscal. Foram medidas de
choque que não chegaram à raiz do problema:
os bancos estavam infectados por produtos,
criados por matemáticos financeiros, que se
baseavam em créditos oferecidos a pessoas
que apresentavam renda incompatível com as
prestações, passado recente de inadimplência,
falta de documentação adequada, ou mesmo a
devedores sem patrimônio, trabalho ou renda.
Eram hipotecas podres porque eram concedidas
a pessoas que tinham trabalhos ‘podres’: más
condições sanitárias, falta de seguro médico
e violações à legislação, como pagamento
abaixo do mínimo legal. Enquanto o mercado
habitacional crescia irracionalmente, parecia um
negócio rentável. Só que há dez anos explodiu
a crise de liquidez e de confiança na solvência
das entidades, provocando a maior depressão
desde a Segunda Guerra Mundial. [...] Foi a pior
calamidade financeira desde 1930. Durante seus
19 meses de duração mais de 8,7 milhões de
empregos foram perdidos, mais de metade dos
adultos passaram pela perda do emprego ou
por corte no salário ou tiveram que trabalhar em
tempo parcial. O consumo e o PIB encolheram
devido à escassez de crédito e ao aumento do

BLO CKCH AIN


182 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
custo dos empréstimos. O S&P 500, índice das
ações mais valorizadas dos EUA, perdeu metade
de seu valor. (POZZI, 2017)

E por que se trata disso neste trabalho? Considerando essa


crise de confiabilidade no sistema financeiro à época, Satoshi
Nakamoto (2008) criou uma solução para conter eventuais arbítrios
da soberania estatal, que controlava a indústria financeira, causando
muita repercussão em Wall Street33. Em tese, como explica Henrique
Perlatto (2019, p. 23), Nakamoto devolveu “poder monetário para
o ‘povo’ por meio da criação de um sistema de confiança que
não depende de intermediários, a blockchain”. Ao contrário das
moedas tradicionais, como Real, Dólar e Euro, criou-se uma moeda
descentralizada, abrindo o sistema financeiro tradicional.

Trata-se da Bitcoin, que foi a moeda criada nesse contexto,


como um movimento revolucionário denominado Cypherpunk.
Nesse contexto,

Cryptocurrencies are completely different from


currencies like the Dollar, Euro or Yen, which
are controlled by governments and national or
global financial organizations. There is, however,
an exchange rate between a cryptocurrency
and national currencies. The idea of creating a
peer-to peer transaction network using existing
internet infrastructure has its origins in the open
society movement that began to discuss privacy
of communication and anonymity on the net as
33 Recomenda-se o documentário da Netflix “Banking on Bitcoin” sobre o tema, sendo que
ele será melhor explorado neste trabalho mais a frente.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 183
principles and basic rights for users. Starting as
mailing lists like the Cypherpunk-mailing list in the
1990s, different groups of activists experimented
with technologies enabling communication
without using centralized services, organizations
and bypassing federal control. Projects like Phil
Zimmermann’s PGP (Pretty Good Privacy) and
TOR (The Onion Router) have their origins in the
Cypherpunk movement. (OPPITZ; TOMSU, 2018,
p. 548-549).34

Esse movimento denominado Cypherpunk já existia na


década de 90, em São Francisco, quando Eric Hughes, Timthy C.
May e John Gilmore reuniram criptógrafos e hackers. Havia o estudo
de matemática e criptografia, que nada mais é que a ciência da
escrita em código, já utilizada em guerras35 anteriormente e que
será melhor trabalhada aqui também por ser um dos pressupostos
para a blockchain. A matemática e a criptografia seriam aliadas à
filosofia de privacidade e respeito à liberdade individual na internet.
(CAMPOS, 2018, p. 13)

Para entender esse movimento de suma importância para

34 Em tradução livre: “As criptomoedas são completamente diferentes de moedas como o


dólar, o euro ou o iene, que são controladas por governos e organizações financeiras nacio-
nais ou globais. Existe, no entanto, uma taxa de câmbio entre uma criptomoeda e moedas
nacionais. A ideia de criar uma rede de transações ponto a ponto usando a infraestrutura
existente da internet tem suas origens no movimento da sociedade aberta que começou
a discutir a privacidade da comunicação e o anonimato na rede como princípios e direitos
básicos para os usuários. Começando como listas de discussão como a Cypherpunk na dé-
cada de 1990, diferentes grupos de ativistas experimentaram tecnologias que permitem a
comunicação sem usar serviços centralizados e contornam o controle federal. Projetos como
o PGP (Pretty Good Privacy) de Phil Zimmermann e o TOR (The Onion Router) têm sua origem
no movimento Cypherpunk” (OPPITZ; TOMSU, 2018, p. 548-549).
35 Sobre o tema, recomenda-se o filme “O jogo da imitação”, dirigido por Morten Tyldum,
de 2015. O filme conta a história da equipe montada pelo governo britânico para quebrar o
Enigma, o famoso código que os alemães usam para enviar mensagens aos submarinos. A
criptografia teve um impacto enorme na condução da guerra.

BLO CKCH AIN


184 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
tudo que está sendo discutido aqui, cita-se parte do Manifesto de
um Cypherpunk, para após se comentar. Veja-se:

Privacy is necessary for an open society in the


electronic age. Privacy is not secrecy. A private
matter is something one doesn’t want the whole
world to know, but a secret matter is something
one doesn’t want anybody to know. Privacy is the
power to selectively reveal oneself to the world.
[...] We cannot expect governments, corporations,
or other large, faceless organizations to grant
us privacy out of their beneficence. It is to their
advantage to speak of us, and we should expect
that they will speak. To try to prevent their speech
is to fight against the realities of information. [...]
We the Cypherpunks are dedicated to building
anonymous systems. We are defending our
privacy with cryptography, with anonymous
mail forwarding systems, with digital signatures,
and with electronic money. Cypherpunks write
code. [...] The Cypherpunks are actively engaged
in making the networks safer for privacy. Let us
proceed together apace.36 (HUGHES, 1993)
36 Em tradução livre: “A privacidade é necessária para uma sociedade aberta na era eletrôni-
ca. Privacidade não é sigilo. Um assunto privado é algo que não se quer que o mundo inteiro
saiba, mas um assunto secreto é algo que não se quer que ninguém saiba. Privacidade é o
poder de se revelar seletivamente ao mundo. [...] Não podemos esperar que governos, corpo-
rações ou outras organizações grandes e sem rosto nos concedam privacidade em benefício
de sua beneficência. É vantajoso para eles falarem de nós, e devemos esperar que falem.
Tentar impedir seu discurso é lutar contra a realidade da informação. [...] Nós, os Cypherpunks,
nos dedicamos a construir sistemas anônimos. Estamos defendendo nossa privacidade com
criptografia, com sistemas de encaminhamento de correspondência anônima, com assinatu-
ras digitais e com dinheiro eletrônico.
Cypherpunks escrevem código. [...] Os Cypherpunks estão ativamente envolvidos em tornar
as redes mais seguras para a privacidade. Vamos prosseguir juntos rapidamente.” (HUGHES,
1993)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 185
Nesse sentido, os Cypherpunks promoveram ações
judiciais contra o Governo dos Estados Unidos alegando a
inconstitucionalidade de medidas de controle de dados e liberdade
de expressão, e tiveram êxito em inúmeras. Desse movimento
surgem estudos que foram aproveitados para o surgimento
do Bitcoin, inclusive a primeira pessoa (Hal Finney) a receber
uma transação de Bitcoin feita por Nakamoto fazia parte desse
movimento. (CAMPOS, 2018, p. 14)

Mas outra dúvida surge: quem era Satoshi Nakamoto? Já se


sabe das inspirações para a criação da Bitcoin e todo o movimento
por trás aliado à crise de 2008, que gerou impactos em todo o
mundo não apenas no que tange ao financeiro, mas também
quanto à confiança das instituições. Nesse momento, Nakamoto
organizou tecnologias já existentes e viabilizou algo inovador: um
sistema de dinheiro digital, com a substituição do terceiro confiável
por um protocolo matemático baseado em criptografia. (CAMPOS,
2018, p. 16)

O seu whitepaper foi divulgado em 31 de outubro de 2008 e a


primeira transação de Bitcoin ocorreu em 2009, mas até hoje não se
tem certeza de quem seja Satoshi Nakamoto. Sabe-se que o nome
na verdade é um pseudônimo, podendo ser homem, mulher ou um
grupo de pessoas. Como explicado por Amanda Bastiani (2019), há
uma busca incansável para descobrir quem é Satoshi Nakamoto,
havendo “muitas figuras do ecossistema de criptoativos, que não
se conformam e fazem questão de revelar o verdadeiro criador da
principal criptomoeda do mercado”.

Com essa busca, surgiram alguns suspeitos, de modo que


serão citados cinco aqui: Dorian Nakamoto, Hal Finney, Nick Szabo,
Craig S. Wright e um grupo. O primeiro, Dorian Nakamoto, foi
noticiado como o verdadeiro criador do Bitcoin em 2014, mas negou

BLO CKCH AIN


186 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
inúmeras vezes ser Satoshi Nakamoto. Hal Finney, por sua vez, atrai a
suspeita por ter sido o primeiro a receber uma transação de Bitcoin.
Inclusive, ele morava perto do suspeito anterior, mas sempre negou
também. Nick Szabo é conhecido como inventor do conceito de
smart contracts37, que são peças fundamentais para o Bitcoin como
meio de pagamento e, embora sempre falasse sobre criptomoedas
desde a década de 90, ficou sem falar no seu blog nos seis meses
seguintes à criação do Bitcoin. Craig S. Wright admitiu em 2016 ser
Satoshi Nakamoto, mas nunca houve uma prova definitiva nesse
sentido. Por fim, há a suspeita de ser um grupo, podendo ser
inclusive os quatro suspeitos citados. Ou não. (FOXBIT, 2019)

Para encerrar este tópico, importante deixar bem clara a


diferença entre Bitcoin e blockchain. Considerando a confusão que
se faz, Emília Malgueiro Campos (2018, p. 20/22) até destina uma
parte de sua obra com esse tema:

As transações realizadas na Rede Bitcoin são


processadas e registradas em um banco de
dados semelhante a um livro contábil virtual,
contínuo, que é o blockchain, e que cada
componente da rede possui uma cópia em seu
computador, formando uma rede distribuída.
Assim, no Blockchain da Rede Bitcoin é possível
verificar todas as transações já realizadas, desde a
primeira em 2009, pois os registros são contínuos,
públicos e rastreáveis. Nesse sentido, Bitcoin é o
token nativo da Rede, enquanto Blockchain é o

37 Destina-se o tópico 6.3 deste trabalho para a análise dos smart contracts, mas já se des-
taca que se encontram na doutrina outras denominações, como “contratos inteligentes” e
“contratos autoexecutáveis”, sendo considerada mais adequada por este autor a última, con-
siderando suas características.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 187
banco de dados onde são realizadas e registradas
as transações realizadas.

Quando se analisa o whitepaper de Satoshi Nakamoto (2008),


não se encontra a palavra blockchain, embora descreva a base de
dados na qual serão registradas as transações:

We propose a solution to the double-spending


problem using a peer-to-peer network. The
network timestamps transactions by hashing
them into an ongoing chain of hash-based proof-
of-work, forming a record that cannot be changed
without redoing the proof-of-work.38

O nome blockchain veio posteriormente. E se fala também


em “blockchain do Bitcoin”, porque cada criptoativo possuirá
sua própria blockchain, com características diferentes. Antes de
adentrar no funcionamento da blockchain, importante representar
graficamente o surgimento do Bitcoin para melhor compreensão,
sendo a linha do tempo que se segue elaborada por este autor com
base nas informações de Amanda Bastiani (2019):

Estabelecida a diferença entre blockchain e Bitcoin,


considerando que a tecnologia blockchain foi fundamental para
viabilizar o Bitcoin, faz-se necessário entender como ela funciona.

38 Em tradução livre: “Propomos uma solução para o problema do gasto duplo usando uma
rede ponto-a-ponto. A rede marca a hora nas transações codificando-as numa cadeia conti-
nua de provas-de-trabalho baseada em hash, formando um registo que não pode ser altera-
do sem refazer a prova-de-trabalho.” (NAKAMOTO, 2009)

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188 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
4.3 O CONCEITO E FUNCIONAMENTO DA
BLOCKCHAIN39

Como já foi explicado neste trabalho, a internet trouxe


inúmeras mudanças para o mundo e, como não poderia ser diferente,
para o Direito também, considerando que ele tem um papel direto
na permissão da convivência. Porém, ainda há muitos pontos que
é preciso melhorar. Em inúmeros lugares, os direitos mais básicos
ainda são violados, como liberdade nas suas mais variadas facetas,
privacidade, informação, dentre outros. Emília Malgueiro Campos
(2018, p. 2) bem explica:

A facilidade de acesso à informação possibilitada


pela Internet deixa cada vez mais claro que
parcela considerável dos governos age de forma
obscura em relação a inúmeros aspectos das
vidas de seus cidadãos, desrespeitando seus
interesses. Ouvimos notícias e denúncias de
fraudes todos os dias, que vão desde eleições
até contas públicas. O modelo centralizado
de governança e poder demonstra cansaço e,
efetivamente, parece ter iniciado um caminho
sem volta rumo a uma inevitável mudança.

39 Sobre o funcionamento da blockchain, recomenda-se um curso gratuito oferecido pelo


Centro SENAI de Tecnologias Educacionais: “Desvendando a Blockchain”. O curso tem por
objetivo apresentar a tecnologia da Blockchain, propiciando ao aluno a obtenção da base
conceitual desta tecnologia, seu funcionamento e os benefícios que ela proporciona para o
mundo dos negócios. Nele se adquire as seguintes capacidades técnicas: descrever o que é
a Blockchain, seus componentes, e em que contexto está inserida; analisar a Blockchain em
funcionamento; e identificar as aplicações suportadas pela tecnologia da Blockchain. O curso
está disponível no seguinte link: https://online.sp.senai.br/curso/87241/483/curso-desven-
dando-a-blockchain.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 189
E quando se fala no surgimento do Bitcoin, há um
rompimento com esse modelo centralizado. Ora, a rede Bitcoin
surgiu de forma distribuída, de livre acesso e resistente à censura,
o que será fundamental em garantir uma maior autonomia para as
pessoas, sem tanta dependência de um organismo centralizador.
Atualmente, praticamente tudo que se precisa fazer tem um agente
centralizador envolvido.

Mas o que seria uma rede distribuída? Para essa resposta


utilizam-se os seguintes diagramas trazidos por Emília Malgueiro
Campos (2016, p. 3):

Na figura A se vê uma rede centralizada (centralized), com


um único centro de controle e poder, de modo que todos os
participantes da rede estejam conectados ao centro, mas nenhum
esteja conectado entre si. Todo o controle emana do centro. Em
função disso, se o centro tiver algum problema toda a rede fica

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190 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
comprometida, uma vez que “os participantes não se comunicam
entre si e não possuem uma cópia das informações detidas pelo
órgão centralizador” (CAMPOS, 2018, p. 4). Inclusive, pode-se pensar
essa figura no âmbito da política, pois se tudo está concentrado em
uma pessoa especificamente, e essa pessoa não pode se candidatar,
o partido naturalmente terá toda sua campanha prejudicada, já que
a figura central não está mais disponível.

Na figura B se vê uma rede descentralizada (decentralized)


ou multi-centralizada, já que possui centros de poder e controle,
de modo que os participantes também não se comunicam entre
si, mas há mais de um centro. A rede não é tão vulnerável quanto a
demonstrada na figura A, mas ainda assim não seria o ideal.

A figura C, por sua vez, já mostra uma rede distribuída


(distributed). Aqui há efetivamente uma descentralização, mas sem
múltiplos centros como em B. Nesse formato, “não há um centro
de poder, os participantes estão conectados entre si e todas as
informações estão distribuídas entre eles, já que cada um possui
uma cópia de todas as informações da rede” (CAMPOS, 2018, p. 4).
Ainda que a maioria dos participantes fosse atacada, se restasse
um já haveria cópia de todas as informações. Nota-se que não há
órgãos centrais responsáveis por garantir confiança, como uma
instituição financeira ou um banco.

Então, toda a análise da tecnologia blockchain deve partir


do contexto de uma rede distribuída. Destaca-se que este trabalho
não tem a pretensão de fazer uma análise da blockchain como um
especialista em desenvolver de softwares faria, até porque, como
afirma Christiano Vítor de Campos Lacorte (2006), “apesar de o
processo parecer complicado, a sua utilização é bastante simples,
uma vez que a complexidade é, via de regra, encoberta pelos
programas de computador, que realizam as operações e informam

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 191
os resultados”.

De toda forma, é importante entender como funciona a


tecnologia blockchain, trazendo os aspectos pertinentes ao universo
jurídico que embasam as suas inúmeras vantagens aqui citadas
e todo o seu potencial de transformação na economia. William
Mougayar (2017, p. 1) afirma bem no começo da sua obra:

Entender blockchains é difícil. Você precisa


entender sua essência antes de estimar
seu potencial. Além de suas capacidades
tecnológicas, os blockchains carregam um
arcabouço filosófico, cultural e ideológico que
você precisa entender também. A menos que
você seja um desenvolvedor de software, os
blockchains não são um produto que você
simplesmente liga e usa. Eles possibilitarão a
utilização de outros produtos sem que nem ao
menos você saiba que existe um blockchain por
trás deles, assim como você não conhece as
complexidades que estão por trás do que está
atualmente acessando na web.

Para entender o funcionamento da blockchain, é importante


revisitar o whitepaper de Satoshi Nakamoto (2008), que trouxe a
fundação do Bitcoin. William Mougayar (2017, p. 2/3) apresenta de
forma bem didática um resumo da pesquisa, a qual se transcreve
para explorar posteriormente:

BLO CKCH AIN


192 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
• Uma versão puramente peer-to-peer de dinheiro
eletrônico permitiria que pagamentos online
fossem enviados diretamente de uma parte a
outra sem passar por uma instituição financeira.
• Uma terceira parte confiável não é necessária
para prevenir gastos duplos.
• Propomos uma solução ao problema dos gastos
duplos com o uso de uma rede peer-to-peer.
• A rede cria transações com data e hora,
criptografando-as em uma cadeia progressiva a
partir de modelos de prova-de-trabalho (proof-
of-work), formando um registro que não pode ser
modificado sem refazer a prova-de-trabalho.
• A cadeia mais longa não serve somente como
prova de sequência de eventos testemunhados,
mas também como prova de que veio do maior
conjunto de poder computacional. Enquanto
a maior parte do poder computacional for
controlada por nós que não estão cooperando
com o ataque à rede, ela gerará a cadeia mais
longa e passará à frente dos ataques.
• A rede por si mesma requer uma estrutura
minimalista. Mensagens são transmitidas da
melhor maneira possível, e nós podemos deixar
e voltar à rede conforme desejarem, aceitando
a cadeia mais longa de prova-de-trabalho como
uma prova do que aconteceu enquanto estiveram
fora.

Em suma, a tecnologia blockchain permite transações e


interações eletrônicas peer-to-peer, sem instituições financeiras
para garantir a segurança, sendo que ela virá da prova criptográfica
e da rede, sem uma instituição unificada. Com isso, o Bitcoin se
tornou possível, mas sempre se frisa que inúmeras situações se
tornaram possíveis também. Mas o que é a blockchain? É possível
trazer uma definição técnica, corporativa e legal. No que tange à
definição técnica, blockchain é “base de dados de back-end que
mantém um registro distribuído abertamente” (MOUGAYAR, 2017,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 193
p. 4). Trazendo uma definição corporativa, é “rede de trocas para
valores em movimento entre partes” (MOUGAYAR, 2017, p. 4). E a
definição legal diz que blockchain é “um mecanismo de validação
de transações que não requer apoio de intermediários” (MOUGAYAR,
2017, p. 4). A blockchain possuirá capacidades nessas três esferas,
sendo uma continuação da história da internet, por isso se trouxe
aqui um pouco da modernização tecnológica, origem da internet e
impacto no Direito.

Como se sabe, a internet foi desenvolvida em 1983, mas foi


a World Wide Web (WWW) que permitiu que informações ficassem
disponíveis de forma aberta e instantânea para todas as pessoas
que tivessem acesso à internet, e isso teve um impacto enorme.
Acredita-se, inclusive, que o crescimento da blockchain será mais
rápido:

Em meados de 2016, 47% da população mundial


de 7,4 bilhões de pessoas tinham acesso à
internet. Em 1995, esse número era menor do que
1%. Apenas em 2005 a web alcançou um bilhão
de usuários. Em contraste, o uso de celulares
aumentou mais rápido, ultrapassando o número
de telefones fixos em 2002, e a população
mundial em 2013. Falando em websites, em 2016,
o número total deles chegou a mais ou menos
um bilhão. Muito possivelmente, os blockchains
crescerão de diversas maneiras, e se tornarão
tão facilmente configuráveis quanto lançar
um website no Wordpress ou Squarespace.
(MOUGAYAR, 2017, p. 5)

BLO CKCH AIN


194 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
A blockchain surge em um contexto com elevado número
de usuários da internet e elevado número de telefones celulares,
facilitando o seu potencial. No Brasil, inclusive, como já citado, há
mais casas com acesso a celulares do que esgoto tratado. Ora, é
claro que o acesso tem que crescer bastante ainda, por ter muitas
pessoas excluídas, mas o contexto de surgimento da blockchain é
com um enorme potencial de crescimento.

Outra dúvida que pode surgir é porque no trabalho ora se fala


blockchain e ora se fala blockchains, como já se falou blockchain do
Bitcoin. A blockchain não é uma nova versão do protocolo de rede da
internet e não é também uma nova internet. Há quem defendesse
que seria melhor uma blockchain só, para facilitar a propagação
como ocorreu com a internet, mas

a blockchain é parte banco de dados, parte


plataforma de desenvolvimento, parte viabilizador
de rede, então, consequentemente, precisamos
de muitas instâncias e variações dela. Como uma
camada acima da internet, as blockchains podem
ter muitas formas de implementação. Eles
podem ser vistos como camadas de confiança,
um mediador de troca, uma conexão segura,
um conjunto de capacidades descentralizadas e
muito mais. (MOUGAYAR, 2017, p. 5)

Como a internet levou um prazo para a sociedade entender


seu potencial, é normal que o mesmo ocorra com a blockchain.
Os Bitcoins, inclusive, praticamente não apareceram nos primeiros
anos.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 195
Para entender o funcionamento da blockchain, é importante
diferenciar web, internet e blockchain. A web só existe por conta
da internet, ela possibilita que informações fiquem disponíveis na
internet para acesso em todo o mundo. A web, então, torna a internet
mais útil. A blockchain também precisa da internet, mas quanto à
web pode estar vinculada ou não. Se não tiver vinculada, fala-se na
blockchain nativa, se tiver misturada, é a blockchain híbrida. Além
disso, poderá ter versão pública e privada também, como a internet.
(MOUGAYAR, 2017, p. 7/8)

A blockchain, então, é considerada como uma metatecnologia,


sendo feita de várias tecnologias e gerando impacto em várias delas.
Para sua viabilização, existe um conjunto de computadores e redes
com base na internet. Mas por que ele não pode ser considerado
apenas como uma nova tecnologia? Segundo Mougayar (2017,
p. 10), “ele é um tipo de tecnologia que desafia outros softwares
existentes, pois tem o potencial de substituir ou complementar
práticas existentes. Em essência, é uma tecnologia que modifica
outras”.

Outra forma de entender a blockchain também trazida pelo


autor (2017, p. 11/13) é vê-la como “uma tríade de combustão dos
campos de conhecimento de 1) teoria dos jogos; 2) ciência da
criptografia; e 3) engenharia de software”. Cada um isoladamente
já é estudado, mas a blockchain tem o potencial de reunir em um
campo só.

Iniciando com a Teoria dos Jogos, bem explicada na obra


“Análise Econômica do Direito” de Ejan Mackaay e Stéphane
Rousseau (2020, p. 43/44), que gera interesse para as ciências
sociais (ciência econômica, ciência política, sociologia antropologia,
filosofia e direito) e estuda interações entre seres humanos. Com
essa teoria, há o estudo de modelos matemáticos de conflito e

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196 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
cooperação entre tomadores de decisão racionais e inteligentes.

Veja o que dizem também Armando Castelar Pinheiro e Jairo


Saddi (2005, p. 157/158):

A aplicação da Teoria dos Jogos ao Direito,


ainda do ponto de vista da escola de Direito &
Economia, baseia-se numa abordagem distinta
da comumente utilizada na formação clássica
do Direito romano, e é importante ficar atento a
essa diferença. Tome-se, por exemplo, a tradição
clássica da legalidade. Para o jurista, o próprio
princípio da legalidade estabelece o alcance
conferido pela lei, que, por sua vez, obedece a
determinados princípios e limites, conjugando os
meios e os fins, e que deve ser respeitado por todos.
Segundo essa abordagem, o que não é legal nem
pode ser sancionado não interessa ao Direito. Já
pela Teoria dos Jogos, os comportamentos não
são ditados, mas sim influenciados pela norma
legal, visto que, em certas circunstâncias, pode
ser racional ir contra ela. Além disso, a lei pode
permitir mais de um tipo de comportamento, e
a escolha de qual será seguido pode depender
da interação entre os indivíduos. De acordo com
esse enfoque, a lei funciona mais como condição
básica e necessária do que como condição
suficiente para definir o comportamento humano,
sobretudo se considerarmos que o fenômeno
jurídico é sempre mais amplo e abrangente que a

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 197
mera letra da norma.

A Teoria dos Jogos se relacionou com a blockchain, uma


vez que na sua origem ela buscava resolver o Problema dos
Generais Bizantinos, para proteção de potenciais sabotadores. Veja
o problema:

O problema dos generais bizantinos trata sobre


as armadilhas e desafios que existem ao tentar
coordenar ações de comunicação dentro de uma
rede cujos pares não são totalmente confiáveis.
Foi proposto em 1982 por Marshall Pease,
Robert Shostak e Leslie Lamport, e desde então
virou um problema bastante visto em aulas de
computação, e tido por muitos como algo sem
solução. Um breve resumo: o problema mostra
uma situação hipotética de batalha, onde dois
generais planejam atacar uma cidade. Cada
um deles tem um exército acampado em uma
montanha, tendo um vale separando os dois.
Eles precisam trocar mensagens, mas a única
forma de fazê-lo é através do vale – o qual
está cercado de forças inimigas, sendo pouco
provável que um mensageiro não seja capturado
lá. O problema em questão está em conseguir
achar uma maneira de chegar a um consenso
para resolver o problema. Uma das soluções
propostas é a de nomear um dos generais como
líder, cabendo a este a responsabilidade de
avisar o segundo general sobre a hora do ataque.

BLO CKCH AIN


198 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
O problema é conseguir chegar a um algoritmo
que permita a ambos concluir, de forma correta
e inequívoca, ‘vamos atacar na hora marcada!’
Um exemplo da falta de solução do problema é:
o primeiro general pode começar enviando uma
mensagem ‘Ataque às 09:00 em 4 de agosto’. No
entanto, uma vez enviada, o primeiro general não
tem ideia se o mensageiro entregou ou não. Essa
incerteza pode levar o primeiro general a hesitar
a atacar, devido ao risco de ser o único atacante.
Isso gera um problema que mesmo um número
infinito de confirmações não conseguiria eliminar.
Esse sempre foi o calcanhar de Aquiles das redes
descentralizadas. (ROCHA, 2017)

Fato é que se um trair e o outro atacar sozinho, esse terá


insucesso e fracassará. Para solucionar o problema, precisaria
de algo que mitigasse qualquer ação de generais não éticos. E a
blockchain do Bitcoin resolve essa situação. William Mougayar
(2017, p. 12) explica:

Isso é conquistado à medida que você cumpre


um processo de verificação do trabalho que
foi realizado ao construir essas mensagens, e
limitar o tempo requerido para ver mensagens
alteradas e a fim de garantir que sejam válidas.
Implementar uma ‘Tolerância às Falhas
Bizantinas’ é importante porque ela começa com
o pressuposto de que você não pode confiar em
ninguém, e ainda garante que a transação foi

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 199
feita com segurança, baseada na confiança da
rede durante sua viagem, enquanto sobrevive a
ataques em potencial.

A confiança já estará embutida na rede e consequentemente


não precisa mais de uma autoridade central para fazer o papel
de terceiro confiável. E outro aspecto que será importante para o
funcionamento da rede é a criptografia. Ainda será melhor trabalhada
aqui, mas trazendo uma explicação bem simplificada, a criptografia
envolve os conceitos de hashing, chaves e assinaturas digitais.
Fazendo uma metáfora, a criptografia “é mais ou menos como seu
endereço. Você pode publicá-lo, mas ele não dará informações
sobre como sua casa é por dentro. É preciso uma chave privada
para entrar em uma casa privada” (MOUGAYAR, 2017, p. 13).

Por fim, a blockchain também está diretamente relacionada


ao campo de conhecimento da engenharia de software. Os
engenheiros de software serão aqueles que desenvolverão os
softwares com a aplicação de tecnologia, e a blockchain perpassa
por programação, banco de dados, plataformas, ou seja, a área de
trabalho desses profissionais. Como disse Mougayar (2017, p. 13), “os
engenheiros de softwares estão se deliciando com a combinação
dela com a inovação da teoria dos jogos, para produzir construtos
gerais de blockchain, em que uma incerteza aparentemente está
mitigada com uma certeza matemática”.

Resumindo, a blockchain vai muito além das criptomoedas.


Ela permite transações sem que haja intermediários. Nela, é
possível trocar informações confidenciais, firmar contratos, transferir
dinheiro, rastrear produtos, tudo com veracidade, segurança,
privacidade e redução de tempo e custo. Com isso, ela tem atraído
tanto a atenção, sendo usada por pessoas físicas e jurídicas em

BLO CKCH AIN


200 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
redes públicas e privadas. Mas como a blockchain funciona?

Para responder a pergunta anterior, é claro que um trabalho


predominantemente jurídico não tem a condição de uma análise
técnica de tecnologia da informação e nem é o objetivo deste
trabalho, então se buscará o entendimento do funcionamento da
blockchain naquilo que seja pertinente ao universo jurídico. E os
juristas, como já dito, não precisam se preocupar, uma vez que a
tecnologia funciona por si só, de modo automático. Para a construção
dessa noção do funcionamento da blockchain, importante o já citado
Curso de Aperfeiçoamento Profissional “Desvendando a Blockchain”,
oferecido pelo Centro SENAI de Tecnologias Educacionais (2020).

Por exemplo, você compraria um veículo ou um imóvel


pela internet? Caso adquira um apartamento, isso pode ser feito
via blockchain em 10 (dez) minutos sem a intermediação de
banco, imobiliária e cartório. Inúmeros são os casos de fraude em
plataformas como OLX e Mercado Livre, o mesmo se aplicaria
aqui?40

Caso essa transação fosse feita via blockchain, todas as


informações, como as do vendedor, comprador e do bem seriam
validadas e confirmadas por vários usuários (chamados de
mineradores), os quais garantiriam a autenticidade das informações.
Haverá um registro digital que ficará arquivado em todos os
computadores da rede. A título de curiosidade, “a Ucrânia foi o
primeiro país a usar a tecnologia blockchain na comercialização de
imóveis” (CENTRO, 2020).

40 Caso o leitor pesquise no Google algo semelhante à “fraude na OLX e Mercado Livre”,
encontrará inúmeras notícias sobre o assunto. Por exemplo, em 20 de fevereiro de 2020, Na-
thália Larghi, do Portal Valor Investe publicou a seguinte notícia: “O Procon-SP notificou as
empresas WhatsApp, OLX, Zap e Mercado Livre por conta de um novo golpe que circula no
aplicativo de mensagens. Na estratégia, os fraudadores monitoram esses sites de venda e
entram em contato com um internauta que esteja anunciando algo. Na ligação, os golpistas
pedem para que esse vendedor informe um código que será recebido por meio de mensa-
gens SMS a fim de confirmar que ele realmente é o anunciante daquele produto”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 201
Sendo uma rede distribuída, todos os usuários estarão
conectados, não existindo um servidor central que controla e registra
as transações. Por isso se fala peer-to-peer (ponto a ponto), pois
qualquer computador (chamado de nó) pode receber informação
de outro nó e a validar. Por exemplo:

O usuário Anderson deseja transferir 2


criptomoedas para o usuário Paulo. O usuário
Anderson transmite uma solicitação diretamente
ao usuário Paulo. Essa solicitação é também
comunicada a toda a rede. Um dos nós verifica o
saldo de Anderson para validar a transação. Em
seguida, disponibiliza a informação na rede, que
deve ser confirmada por pelo menos 51% dos
nós para que, então, a transação seja concluída.
Essa transação ficará armazenada em todos
os computadores da rede. Caso alguma parte
conteste a operação, haverá muitas pessoas (ou
registros) que poderão comprovar a transação.
Portanto, não há uma administração central.
Todos são clientes e todos são servidores, o que
torna difícil fraudar o sistema, pois, para alterar
um registro, seria necessário invadir a maioria dos
computadores da rede e não apenas um servidor.
(CENTRO, 2020)

E uma questão importante para a segurança é que haverá


uma sequência de registros, formando uma linha do tempo que não
poderá ser alterada. Como os registros são em sequência, a rede
continua registrando no momento em que eles acontecem. A rede

BLO CKCH AIN


202 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
distribuída da blockchain terá um livro-razão público, denominado
como ledger ou livro contábil imutável, que é o local onde são feitos
os registros de transações. Qualquer evento na rede blockchain
terá um registro digitalmente assinado garantindo a autenticidade
da transação. E assim vão formando uma rede de blocos que são
encaixados, por isso o nome blockchain (cadeia de blocos).

O processo de registro, então, dar-se-á na seguinte ordem:

1) Solicitação: o comprador demonstra o interesse na compra


de algo, solicitando o bem do vendedor;

2) Transmissão Rede Distribuída: a solicitação será transmitida


para validação aos vários nós da rede, que são os mineradores;

3) Mineração de dados: os nós verificam todas as informações,


validando ou não a negociação. Essa é a mineração. Porém haverá
uma competição, pois as informações são protegidas por chaves
criptográficas e receberá um incentivo (criptomoeda) quem
decodificar e disponibilizar primeiro. Destaca-se que computadores
mais rápidos e eficientes terão vantagem;

4) Solução: o primeiro computador que resolver o cálculo


disponibilizará o bloco com a solução e os demais nós checarão
tudo para validar a solução;

5) Validação: com a validação, o bloco será encaixado na


cadeia, de modo permanente e imutável. Cada novo bloco contém
dois códigos chamados hash, um com informações do bloco anterior
e outro que será utilizado pelo próximo bloco a ser encaixado. Isso é
importante, porque o novo bloco ao ser encaixado sempre confirma
também todos os blocos anteriores, então quanto mais antigo o
bloco, mais seguro ele é. Logo, para falsificar um bloco tem que
alterar toda a cadeia de blocos;

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 203
6) Conclusão: a transação é concluída e fica registrada no
bloco na rede blockchain.

Em suma,

pode-se definir Blockchain como um registro


de informações em um livro-razão público
composto por uma rede P2P (peer-to-peer ou
ponto a ponto) e um banco de dados distribuído
e descentralizado. Em uma rede P2P, todos
compartilham dados e podem assumir funções
diferentes. Alguns computadores ou usuários são
chamados de nó. Toda informação lançada em
um sistema que utiliza a tecnologia Blockchain é
difundida entre todos os nós da rede de forma
criptografada. O banco de dados é constituído
por blocos que, juntos, formam uma cadeia.
Cada bloco possui informações ou transações e
cada modificação ou nova informação inserida
é registrada em um dos blocos da cadeia. Esse
histórico de informação cria o livro-razão. Os
blocos são formados por hashs que são ligados
ao bloco anterior, funcionando como links com
os blocos anteriores até o bloco inicial, também
conhecido como bloco gênesis (o bloco que deu
origem à cadeia). A hash é formada como uma
chave criptografada, o que confere ao sistema
segurança quanto à informação registrada.
(CENTRO, 2020)

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204 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Os itens que compõem o funcionamento da blockchain são:
transação (registro digital, sendo a solicitação da transação), bloco
(conjunto de transações validadas), hash41 (compilam os dados) e
ledger (livro-razão, sendo um livro contábil). Especificamente sobre
a transação, veja o esquema a seguir retirado do Curso de
Aperfeiçoamento do Centro SENAI de Tecnologias Educacionais
(2020):

Considerando dados reais, veja o exemplo (CENTRO, 2012) a


seguir:

41 Para saber como funciona essa transformação de mensagem em hash, recomenda-se o


site https://passwordsgenerator.net/sha256-hash-generator/. Basta inserir mensagens que
serão criadas hashes. Se houver modificação no texto, a hash também modifica.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 205
Os algoritmos do hash são importantes porque não é
possível descobrir os dados originais por um hash, garantindo a
confidencialidade dos dados originais. E quando se fala na saída
representada no exemplo, se for um hash comumente usado (SHA-
256), haverá 2256 possibilidades de valores, ou seja, 115.792.089.237
.316.195.423.570.985.008.687.907.853.269.984.665.640.564.039.457.5
84.007.913.129.639.936 possíveis valores. Logo, isso aumenta ainda
mais a segurança.

Ainda é importante trabalhar alguns conceitos, como a


criptografia, fundamental para o funcionamento da blockchain,
mas ela será trabalhada em momento posterior mais oportuno.
Superadas, então, as breves noções sobre o funcionamento da
blockchain naquilo que é pertinente para este trabalho, estudam-
se os princípios que norteiam a tecnologia em questão.

4.4 PRINCÍPIOS DA BLOCKCHAIN

Com o surgimento da blockchain do Bitcoin em 2008, surge uma


nova era digital, com a combinação de engenharia computacional,
matemática, criptografia e economia comportamental. E embora
Satoshi Nakamoto não tenha falado expressamente sobre os
princípios do projeto, Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 60/85)
detalharam os princípios implícitos, de acordo com o whitepaper
de Nakamoto (2008), o que será importante para entender os
conceitos básicos daquilo que os autores denominam como
revolução blockchain. Passa-se, então, à análise dos princípios, para
posteriormente se analisar a multiplicidade de funções que deles
decorrem.

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206 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
4.4.1 INTEGRIDADE NA REDE

Pelo princípio da integridade na rede, a confiança será


intrínseca, isto é, não decorre de um terceiro que a atestará, e sim
do próprio processo na rede distribuída. Segundo esse princípio,

os participantes podem trocar valores


diretamente, com a expectativa que a outra
parte irá agir com inteireza. Isso significa que
os valores da integridade – honestidade nas
próprias palavras e atos, consideração pelos
interesses dos outros, responsabilidade pelas
consequências de suas decisões e ações, e
transparência na tomada de decisões e iniciativas
– estão codificados em direitos de decisão,
estruturas de incentivo e operações, de modo
que agir sem integridade seja impossível ou custe
muito mais tempo, dinheiro, energia e reputação.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 61)

Na internet, há o problema do gasto duplo, uma vez que um


arquivo, como uma foto, pode ser mandado ao mesmo tempo para
várias pessoas, mas no âmbito do dinheiro isso não pode ocorrer,
porque o dinheiro não pode estar em mais de um lugar ao mesmo
tempo. Para evitar o risco de se mandar o mesmo dinheiro para vários
lugares, como poderia ocorrer com a emissão de cheques sem
fundo, há terceiros que fazem essa conferência, como instituições
financeiras, de cartão de crédito ou o próprio governo. O problema
que isso pode demorar dias e até semanas.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 207
E esse foi o avanço de Satoshi Nakamoto, pois “a rede registra
a primeira transação em que o proprietário gasta uma moeda
específica e rejeita subsequentes gastos dessa moeda, eliminando
assim um gasto duplicado” (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 62).
Além disso, a rede blockchain é pública, de modo que todos possam
ver todas as transferências que estão ocorrendo. Para Nakamoto,
foi importante desintermediar os poderes dos bancos centrais e
eliminar a ambiguidade e interpretações conflitantes. Segundo Don
e Alex Tapscott (2016, p. 62), “deixe o código falar por si mesmo.
Deixe a rede chegar ao consenso algoritmicamente sobre o que
aconteceu e gravar criptograficamente na blockchain”.

Com isso, não é preciso confiar na outra parte, pois a confiança


é intrínseca e não extrínseca. Não serão necessárias entidades para
verificar a identidade das pessoas, garantindo suas reputações, pois
haverá uma plataforma que garante a confiança nas transações e
mantém a informação gravada com imutabilidade.

E isso gera um impacto nas mais variadas áreas:

As implicações para as atividades sociais,


políticas e econômicas são surpreendentes. Não
é apenas sobre quem se casou com quem, quem
votou em quem, quem pagou quem, é sobre
todo o esforço que requer registros confiáveis e
operações asseguradas. Quem possui isso? Quem
detém os direitos desta propriedade intelectual?
Quem se formou na escola de medicina? Quem
comprou armas? Quem fez esses tênis da Nike,
este dispositivo da Apple, ou esta fórmula inicial?
De onde vêm esses diamantes? A confiança
é a condição essencial da economia digital, e

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208 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
uma plataforma para a colaboração em massa,
segura e confiável, tem muitas possibilidades
para um novo tipo de organização e sociedade.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 62/63)

Pelo princípio da integridade na rede, então, verifica-se que o


armazenamento de dados é fundamental para garantir a segurança.
Na web, como regra, as informações são maleáveis e a data e hora
da publicação não são tratadas como algo essencial. Na blockchain,
por sua vez, os dados são permanentemente registrados, desde o
momento da sua geração, de modo que seja preservado na sua
totalidade.

4.4.2 PODER DISTRIBUÍDO

O princípio do poder distribuído diz que

o sistema distribui poder através de uma rede


ponto a ponto sem nenhum ponto de controle.
Nenhuma parte isolada pode derrubá-lo. Se
uma autoridade central conseguir desligar ou
desconectar um indivíduo ou grupo, o complexo
ainda sobreviverá. No caso de mais da metade da
rede tentar dominar o conjunto, todo mundo verá
o que está acontecendo. (TAPSCOTT; TAPSCOTT,
2016, p. 65)

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 209
Esse princípio no qual a blockchain se baseia vem para
resolver o problema da internet que deixa o poder em grandes
instituições. Ora, poderes centrais acabam se sobrepondo aos
usuários, de modo que o consentimento dos usuários pouco
importe para robustas alterações no sistema. E com a tecnologia
blockchain “não há negociação por baixo do pano. Cada ação
ou transação é transmitida através da rede para verificação e
validação subsequente. Nada passa por uma terceira central; nada
é armazenado em um servidor principal” (TAPSCOTT; TAPSCOTT,
2016, p. 66). Não haverá um Banco Central ou uma Reserva Federal
controlando, por exemplo, a emissão de moedas.

4.4.3 VALOR COMO INCENTIVO

De acordo com o princípio do valor como incentivo,

o sistema alinha os incentivos de todos os


participantes. O Bitcoin ou algum símbolo de valor
é essencial para esse alinhamento e correlativo
de reputação. Satoshi programou o sistema
para recompensar aqueles que trabalham nele,
e pertencem àqueles que têm e usam seus
símbolos, de forma que todos cuidem deles.
Uma espécie de último Tamagotchi, o Blockchain
é um ninho de ovos globalmente distribuído.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 65)

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210 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Hoje há uma concentração de poder nas grandes
corporações, de modo que os usuários da internet e do sistema
financeiro sejam explorados, uma vez que compensa riscos
excessivos. Quando se cita a crise de 2008, analisando-se dez
anos depois, é válido ressaltar que nenhum dirigente respondeu na
justiça pela crise. Veja-se notícia do Portal G1 (por France Presse),
de 14/09/2018:

Phil Angelides aponta o dedo para muitos dos


homens mais poderosos do mundo. Ele enumera
executivos que fizeram a economia global entrar
em colapso, deixaram milhões de pessoas
desesperadas e geraram traumas que ainda
pesam sobre a política dos Estados Unidos. [...]
Depois de dez anos e de bilhões de dólares em
multas a bancos, ninguém foi julgado ou preso.
Foi como se os bancos ‘tivessem feito infrações
em massa, mas sem que aparentemente
nenhum banqueiro estivesse envolvido’, disse.
‘Acho que não há dúvidas de que a falta de
responsabilidade pela crise financeira corroeu
a política do país’, afirmou. Um relatório de 2016
do jornal The Wall Street Journal apontou que de
156 processos penais e civis abertos após a crise
contra dez dos maiores bancos de Wall Street,
apenas em 19% foram identificados responsáveis.
Entre eles, apenas 47 eram membros da diretoria.
[...] Pesquisadores dizem que o desastre de 2008,
o resgate de entidades e a falta de julgamentos

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 211
de responsáveis deixaram uma marca na
população - reduzindo a confiança no governo
e deixando eleitores polarizados e furiosos.
Washington mobilizou bilhões de dólares para
salvar cada setor que provocou a crise. Mas,
fora de Wall Street, o resto dos Estados Unidos
sofreram penúrias dramáticas. O índice de
suicídios disparou conforme devedores perdiam
suas casas em todo o país. Cerca de 10 milhões
de americanos ficaram sem trabalho. [...] Nos
anos após a crise, as investigações de executivos
da Goldman Sachs e Lehman Brothers e outras
entidades não levaram a lugar algum.

Para resolver esse problema na rede baseada em blockchain,


Satoshi considerou que as pessoas agem sim de forma egoísta, e
isso não seria um empecilho para as transações ali feitas, porque
haverá incentivos adequados para colaborar de forma eficaz. O
mau comportamento, a traição, tem um custo financeiro que não
compensa, logo os agentes do mercado irão cooperar.

4.4.4 SEGURANÇA

Outro princípio chave para a rede blockchain é a segurança.


Como explicam Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 70),

medidas de segurança estão incorporadas na


rede sem nenhum ponto de falha, e fornecem

BLO CKCH AIN


212 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
não só confidencialidade, mas também
autenticidade e aceitação a todas as atividades.
Qualquer pessoa que queira participar deve
usar criptografia – não há possibilidade de não
usá-la – e as consequências do comportamento
imprudente são apartadas para o sujeito que se
comportou de modo imprudente.

Com esse princípio, busca-se resolver problemas de


invasão, fraude, dentre outros que comprometem a segurança do
indivíduo na sociedade. Ora, como trazido neste trabalho, com base
na obra de Cássio Augusto Barros Brant (2014, p. 7), até a República
Federativa do Brasil sofreu invasão nos sistemas informáticos. Sites
do governo brasileiro, e-mails de representantes políticos e dados
sigilosos do Brasil foram violados. Se imaginar os riscos que um
cidadão comum corre são enormes. Inclusive, em 14 de agosto de
2018, foi promulgada a Lei Geral de Proteção de Dados, Lei n. 13.709,
que

dispõe sobre o tratamento de dados pessoais,


inclusive nos meios digitais, por pessoa natural
ou por pessoa jurídica de direito público ou
privado, com o objetivo de proteger os direitos
fundamentais de liberdade e de privacidade e
o livre desenvolvimento da personalidade da
pessoa natural.

Infelizmente hoje os consumidores não sabem quando terão


seus direitos violados por vazamento de dados ou fraudes. Em

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 213
notícia de 16 de janeiro de 2020 do Estadão, de autoria de Bruna
Arimathea, verificou-se que os golpes via WhatsApp afetaram mais
de 8 (oito) milhões de pessoas em 2019. E “se a próxima fase da
revolução digital envolve comunicação em dinheiro diretamente
entre as partes, então a comunicação precisará ser à prova de
hacking” (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 71). No caso da blockchain,
essa segurança é garantida com a criptografia, que será melhor
explicada quando forem trabalhados os criptoativos.

4.4.5 PRIVACIDADE

Há que se falar ainda no princípio da privacidade. De acordo


com esse princípio,

as pessoas devem controlar seus próprios dados.


Ponto. Os cidadãos devem ter o direito de decidir
o quê, quando, como e quanto compartilham com
os outros sobre suas identificações. Respeitar
o direito à privacidade de alguém não é, na
verdade, o mesmo que respeitar sua privacidade.
Precisamos fazer ambas. Ao eliminar a obrigação
de confiar nas outras pessoas, Satoshi eliminou
a necessidade de conhecer as suas verdadeiras
identidades a fim de interagir com eles. ‘Falei com
muitos engenheiros e cientistas da computação,
e todos me disseram: certamente, conseguimos
incorporar a privacidade na arquitetura de dados,
no design de programas. Claro que podemos’,
contou Ann Cavoukian. (TAPSCOTT; TAPSCOTT,

BLO CKCH AIN


214 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
2016, p. 73)

Quando se fala em privacidade, importante trabalhar a vida


privada na contemporaneidade, para entender como esse princípio
é importante para a blockchain. Para isso, utiliza-se a obra de Daniel
Augusto Gontijo Bueno (2015, p. 113/132) que trabalhou o tema com
foco na autonomia privada frente aos direitos da personalidade.

Na Constituição, no art. 5º, X, encontra-se o seguinte


dispositivo: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e
a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação”. Além disso,
encontra-se no Código Civil o art. 21: “A vida privada da pessoa
natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará
as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato
contrário a esta norma”, e no Marco Civil da Internet o art. 3º, II: “Art. 3º
A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
[...] II - proteção da privacidade”. Há regulamentação, mas será que é
eficiente? Esse é um ponto que Satoshi Nakamoto pensou, uma vez
que com a blockchain

o você virtual conseguiria proteger suas


informações particulares dando apenas a
informação necessária em qualquer trabalho de
troca social ou econômica sob o seu comando, e se
certificando que você receba uma compensação
por qualquer um dos seus dados que tenham
valor para outras partes. É uma mudança a partir
do big data para os dados privados. Chame isso
de litte data. (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 77)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 215
No sistema criado por Satoshi, não há a exigência de nenhuma
identificação, de modo que não se forneça dados pessoais, hoje
tão importantes. Inclusive, Clive Humby, matemático especializado
em ciência de dados, citado por César Ripari (2019), disse: “Data is
the new oil”, que traduzindo de forma livre seria “Dados são o novo
petróleo”. E os dados possuem uma enorme vantagem, porque
estão disponíveis em larga escala.

Na blockchain não ocorre o que pode ocorrer com cartões


de crédito, por exemplo, centrados na identidade. Se um banco de
dados é violado, milhões de nomes e endereços são apropriados
por pessoas que não deveriam ter as informações. A título de
exemplo, considerando recentes violações: 15 milhões de dados da
T-Mobile, 76 milhões de dados da JP Morgan Chase, 80 milhões
de dados da Anthem Blue Cross Blue Shield, 145 milhões de dados
do eBay, 70 milhões de dados da Target e 77 milhões de dados da
Sony, dentre outros (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 74/75).

Então, é preciso fazer um estudo sobre a privacidade


regulamentada no direito brasileiro em face das novas tecnologias.
De fato, a privacidade está bastante vulnerável com a web, e a
blockchain parece mitigar o risco de violação ao direito à privacidade.
Segundo Daniel Augusto Gontijo Bueno (2015, p. 130),

a divulgação de dados pessoais e de informações


que interferem diretamente na vida íntima das
pessoas, muitas vezes de formas não autorizadas,
são situações que se tornam cada vez mais
comuns no chamado ‘espaço virtual’. Pela
ausência de regulamentação específica, incumbe

BLO CKCH AIN


216 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
ao Poder Judiciário aplicar as normas e princípios
atualmente em vigência para tentar solucionar
os impasses travados, no entanto, conforme
exemplificado, a ausência de norma específica
pode resultar em decisões desproporcionais e
com grandes possibilidades de atingir pessoas
alheias à relação sub judice. É importante ressaltar
que o desenvolvimento dessas tecnologias
precisa ser acompanhado por uma alteração na
postura das pessoas, em especial os usuários da
internet, que devem tomar precauções e evitar
a disponibilização de dados pessoais, tendo
sempre em mente as possíveis consequências
dessa divulgação. Portanto, é possível concluir
que diante de todo esse contexto apresentado,
a necessidade de uma intervenção legislativa
se mostra imprescindível, como realizado na
Europa através da Diretiva n. 2009/136/CE. No
entanto, a realização de políticas e programas de
conscientização, pelo Poder Executivo, também
nos parece necessária para evitar que conflitos
surjam.

Embora, como citado, haja tentativas no sentido de proteger


a privacidade das pessoas, não se pode confiar em políticas de
conscientização e efetividade de normas somente, então Satoshi
Nakamoto reduziu o problema com a forma de funcionar da rede
blockchain.

Sobre o tema, recomenda-se o documentário da Netflix


“Privacidade Hackeada”. Nele, conta-se o caso de 240 milhões

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 217
de pessoas que tiveram informações hackeadas para criar perfis
políticos no contexto das eleições americanas de 2016, trabalhando-
se inclusive com um direito comparado.

4.4.6 DIREITOS PRESERVADOS

De acordo com o princípio dos direitos preservados, tem-se


que

direitos de propriedade são transparentes


e executáveis. Liberdades individuais são
reconhecidas e respeitadas. Mantemos essa
verdade para ser autoevidente que todos nós
nascemos com certos direitos inalienáveis que
devem e podem ser protegidos. (TAPSCOTT;
TAPSCOTT, 2016, p. 77).

No âmbito da internet, houve a necessidade de confiar em


intermediários para que as transações fossem realizadas, de modo
que eles podem negar ou adiar uma operação, demorar no repasse
do dinheiro que a ele é transferido, dentre outros problemas. É
claro que esse problema não é da internet, mas de um sistema
centralizado.

A título de exemplo, citam-se os bloqueios de cartão de


crédito sem prévio aviso do cliente. Como regra, isso pode se
dar obviamente pelo não pagamento da fatura, mas pode se dar
porque o banco entendeu que sua compra foi incomum, como

BLO CKCH AIN


218 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
“uma compra em uma loja online duvidosa, em um estabelecimento
muito diferente do usual ou uma compra um pouco mais alta
mesmo que não seja pessoal, em comércio eletrônico em outro país
por exemplo, podem alarmar a operadora do seu cartão de crédito”
(UNUM, 2019). Ora, este autor mesmo já teve inúmeros transtornos
porque teve seu cartão de crédito bloqueado em uma sexta-feira
à noite por tentar comprar um livro que viria da Espanha para o seu
Mestrado, conseguindo resolver somente quatro dias depois.

Como destacado por TAPSCOTT e TAPSCOTT (2016, p. 78),


houve direitos que foram “pisoteados, não só os de privacidade e
segurança, mas também os de liberdade de expressão, reputação e
igual participação. Os sujeitos poderiam anonimamente nos censurar,
difamar e bloquear com pouco custo ou risco para si mesmo”. Os
cineastas, por exemplo, foram extremamente prejudicados, uma
vez que há a possibilidade de download gratuito em sites piratas,
com difícil rastreamento.

No caso da tecnologia blockchain, as transações possuem


um registro cronológico, sendo toda transação em tese imutável
e irrevogável. É de extrema importância, porque a blockchain não
permite que se negocie algo que você não seja dono,

quer se trate de bens imobiliários, propriedade


intelectual ou direitos pessoais. Igualmente
não somos capazes de trocar o que não está
autorizado a ser negociado em nome de outra
pessoa exercendo uma função de agenciamento,
talvez como um advogado ou um gerente de
empresa. E não conseguimos sufocar a liberdade
de expressão, assembleia e religião dos cidadãos.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 78)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 219
E isso afasta o poder de uma autoridade central, que não
existirá. O consenso da rede não pode ser substituído. Nesse
contexto, importantes os smart contracts, que serão mais detalhados
ainda neste trabalho.

4.4.7 INCLUSÃO

Por fim, o princípio da inclusão, que dispõe que “a economia


trabalha melhor quando ela funciona para todos. O que significa
reduzir os obstáculos à participação. Isso constitui criar plataformas
para o capitalismo distribuído, não apenas um capitalismo
redistribuído” (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 81).

Como já explicado aqui, boa parte da população está


excluída do acesso à internet e do sistema financeiro em si. Se forem
somadas as pessoas sem conta bancária no “top 10” dos países com
mais pessoas sem conta bancária, de acordo com a Forbes (2018),
chega-se a um número de quase um bilhão de pessoas, ou seja, só
considerando os dez primeiros países da lista42.

Satoshi Nakamoto, assim, pensou em um sistema no qual


qualquer pessoa com um celular pode participar da economia,
seja comprando ou vendendo, sem exigência de conta bancária,
prova de cidadania, documentos, endereço ou moeda local estável.
É fato que sem o princípio da inclusão, como funciona o mercado
financeiro, é privilegiado aquele que tem condições para pagar
um suborno, porque o sistema permite que isso ocorra. Inclusive,
42 10 países com mais pessoas sem conta bancária: 1. China – 224 milhões; 2. Índia – 191
milhões; 3. Paquistão – 99 milhões; 4. Indonésia – 96,6 milhões; 5. Nigéria – 62,7 milhões; 6.
México – 58,7 milhões; 7. Bangladesh – 57,9 milhões; 8 Vietnã – 49,3 milhões;. 9. Brasil – 48,4
milhões; 10. Filipinas – 46 milhões (FORBES, 2018).

BLO CKCH AIN


220 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
relembram-se as investigações de executivos que contribuíram
para a crise de 2008 e que não chegaram a lugar algum.

Enfim, mantendo o mesmo posicionamento de Don Tapscott


e Alex Tapscott (2016, p. 84),

acreditamos que a tecnologia do blockchain


poderia ser uma ferramenta importante para
proteger e preservar a humanidade e os direitos
de cada ser humano, um meio de comunicar a
verdade, distribuindo prosperidade e – como
a rede rejeita as transações fraudulentas –
recusando aquelas células cancerígenas
precoces de uma sociedade que pode crescer
para o inimaginável.

Os próprios autores dizem ser uma afirmativa ousada, mas


afirmam que com esses princípios é possível que a economia e
instituições sociais sejam dignas de confiança. Vistos os princípios,
passa-se à multiplicidade de funções da blockchain.

4.5 MULTIPLICIDADE DE FUNÇÕES E DESAFIOS


PARA A IMPLEMENTAÇÃO

Como se sabe, qualquer mudança traz uma enorme


resistência por parte da sociedade. E a blockchain tem uma
peculiaridade por ser uma metatecnologia. Como já dito, “ela afeta
outras tecnologias e ela própria é feita de várias delas” (MOUGAYAR,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 221
2017, p. 10). Ao examinar a blockchain, verificam-se inúmeros pedaços,
tais como banco de dados, aplicação de software, conexão entre
computadores, pessoas para acessá-lo, dentre outros. A blockchain
desafia outros softwares existentes por substituir ou complementar
práticas existentes e o principal: desafia a função e a concentração
de poder das instituições financeiras.

William Mougayar (2017, p. 18) reforça bem que a blockchain


“não é um item, uma coisa, uma tendência ou uma característica.
Ela é muitas coisas em uma, algumas delas trabalham juntas,
e outras, independentemente”. Quando se trabalha com a web,
podem ser citadas como funções ser uma rede, plataforma de
transações, meio, mercado e ainda há o aspecto da mídia social.
Quando se fala em blockchain, Mougayar (2017, p. 19) destaca dez
propriedades: criptomoeda digital, infraestrutura computacional,
plataforma de transação, banco e dados descentralizado, registro
contábil distribuído, plataforma de desenvolvimento, software de
código aberto, mercado de serviços financeiros, rede peer-to-peer e
camada de serviços confiáveis.

No que tange à criptomoeda digital, essa função é uma das


principais da blockchain, estando diretamente relacionada ao seu
surgimento, para viabilizar a moeda Bitcoin. Em regra, a criptomoeda
será “um estímulo econômico para viabilizar as operações e a
segurança da blockchain” (MOUGAYAR, 2017, p. 19). Por isso estar
no começo, há uma volatilidade no preço das criptomoedas, mas
aumentando sua aceitação haverá uma natural estabilização.

Fora da blockchain, uma criptomoeda funciona como


qualquer outra moeda, mas aqui ela

pode ter um papel de ‘produção’ para compensar

BLO CKCH AIN


222 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
mineradores que ganham recompensas quando
validam transações. Também pode ter um papel
de ‘consumo’ ao pagar uma pequena taxa para
gerar um contrato inteligente (por exemplo, XRP,
da Ripple, ou BTC, do Bitcoin). Esses incentivos
e custos existem para prevenir o abuso da
blockchain. Em um caso mais avançado, o
token pode ser usado como uma unidade de
valor interno, por exemplo, em Organizações
Autônomas Distribuídas (DOAs). (MOUGAYAR,
2017, p. 20)

Sobre a infraestrutura computacional, a blockchain também


é uma abordagem de “design de software que une um número de
computadores que obedecem ao mesmo processo de ‘consenso’
para liberar ou gravar as informações que eles detêm, e em que
todas as interações relacionadas são verificadas por criptografia”
(MOUGAYAR, 2017, p. 20).

A blockchain ainda é uma plataforma de transação, uma vez


que ela tem o potencial de validar transações com ativos digitais,
por isso ainda serão trabalhados aqui os criptoativos. Como se viu,
sempre que há um “consenso”, há a gravação de uma transação em
um bloco, e essas transações podem ser grandes ou não. Às vezes
não há um incentivo para uma pequena transação pelo seu custo, o
que não ocorre na blockchain.

Sobre o funcionamento da blockchain, ela permite que haja


armazenamento de dados, exercendo o papel de banco de dados
descentralizado. Como se sabe,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 223
qualquer um pode verificar se você incluiu
aquela informação porque o repositório possui
sua assinatura, mas somente você (ou um
programa) pode desbloquear o que está dentro
dele, pois somente você possui a chave para
aqueles dados. Então a blockchain se comporta
como um banco de dados, exceto parte da
informação armazenada, o ‘cabeçalho’, é pública.
(MOUGAYAR, 2017, p. 22)

Mougayar (2017, p. 22) destacou na sua obra que essa não


é a melhor das funções da blockchain, mas ressaltou que “os
desenvolvedores de software devem descobrir como eles podem
reescrever suas aplicações para tirar proveito das capacidades de
transições de estado da blockchain”. Inclusive isso está diretamente
relacionada a sua função de plataforma de desenvolvimento, já que
não está fechada, incluindo tecnologias para construir novos tipos
de aplicações. E, com o potencial de software de código aberto,
permite que a inovação possa acontecer colaborativamente, em
cima do software inicial.

A blockchain ainda pode ser um registro contábil distribuído,


de modo que não haja uma dupla contagem, o que tem um papel
fundamental, por exemplo, na redução dos custos de transação
de companhias. Além disso, há uma enorme funcionalidade no
mercado de serviços financeiros, podendo se dar em blockchain
derivativos, opções, swaps, investimentos, empréstimos, entre
outros.

Em continuidade às funcionalidades da blockchain, um dos


pressupostos para sua funcionalidade é o fato de ser uma rede
peer-to-peer, descentralizada. No seu funcionamento,

BLO CKCH AIN


224 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
qualquer usuário pode contatar e fazer
transações com outro instantaneamente, não
importa onde estejam no universo, nem a hora.
Não há necessidade de um intermediário para
filtrar, bloquear ou atrasar uma transação entre
dois ou mais usuários, ou entre nós que estejam
consumindo uma transação. Qualquer nó na
rede pode oferecer serviços baseados em seu
conhecimento de transações em qualquer outro
lugar naquela rede. (MOUGAYAR, 2017, p. 24)

Por fim, trata-se a blockchain de uma camada de serviços


confiáveis. A confiança está presente nas transações, dados,
serviços, processos, identidade, negócios e contratos. Ora, são
inúmeras funcionalidades, mas algo completamente diferente de
tudo que já existiu. Com isso, é natural que haja resistência. É válido
destacar que isso também ocorreu com a internet:

Sim, há muitos desafios e dúvidas, mas tivemos


pontos cegos e incertezas similares durante
os primeiros anos da internet, de 1994 a 1998.
Voltando de 15 a 20 anos, as percepções mudaram
sobre ela. Houve uma aceitação de que quase
nada seria impossível com ela. Escolha qualquer
coisa. Há uma solução ou opção relacionada
com a web, e esse nível de penetração de
mercado era impensável naqueles três anos. Em
relação aos blockchains, há o mesmo nível de

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 225
excitação e ceticismo hoje. A internet se mostrou
uma ferramenta maravilhosa, porque os grupo
animados ganharam dos céticos. Mas isso não
aconteceu à toa, por puro entusiasmo, ou apenas
com o tempo. Aconteceu, porque, desde o início,
os participantes conseguiram identificar os
desafios para a comercialização da internet e, um
por um, os resolveram, assim as barreiras ficaram
cada vez menores, e as oportunidades ficaram
maiores e mais possíveis de atingir. (MOUGAYAR,
2017, p. 67)

Mas quais os desafios para a implantação da blockchain?


Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 301/328) trazem em sua obra
os dez desafios de implantação. Como sempre se alertou neste
trabalho, o Direito Empresarial tem como característica básica
buscar a dinamicidade do mercado, em prol de uma maior eficiência
nas transações. Isso, porque as mudanças do mercado são muito
rápidas e caso o Direito Empresarial não acompanhe, haverá uma
defasagem de proteção do mercado. Ora, a blockchain já é uma
realidade, de modo que seus obstáculos sejam importantes para
uma melhor regulamentação do Direito, se necessária.

Então, neste tópico, serão evidenciados possíveis


impedidores da tecnologia blockchain, o que também faz parte da
pesquisa, que é o estudo dos prós e contras. A primeira dificuldade
que a blockchain irá encontrar é que poucos possuem o devido
conhecimento para operar nessa tecnologia. Como afirmam Don
Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 302/303),

BLO CKCH AIN


226 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a maioria das pessoas tem apenas um vago
entendimento da criptomoeda bitcoin, e não
muitos ouviram falar da tecnologia blockchain.
Você, leitor, está entre os poucos com visão de
futuro. O Bitcoin evoca imagens que vão desde os
esquemas de pirâmide, de lavagem de dinheiro,
até um Sem-parar financeiro, livre de pedágios
nas rodovias econômicas de valor. De qualquer
forma, a infraestrutura ainda não está pronta para
o horário nobre.

Quando se fala em blockchain, está se falando em algo


bastante novo. Por conta disso, ainda está sujeito a problemas de
capacidade, falhas e exige uma capacidade tecnológica do usuário.
Ora, exige-se “um alto grau de tolerância para códigos alfanuméricos
e linguagem nerd. A maioria dos endereços Bitcoin é simplesmente
linhas de números entre 26 e 35 caracteres, começando com o 1 ou
o 3, o que é bem chato de digitar” (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p.
303/304).

A tecnologia blockchain exige também uma mudança em


outro sentido. Além das pessoas não estarem acostumadas aos
códigos no dia a dia da web (no Google, por exemplo, você digita
palavras e não um endereço de IP), a sociedade acaba contando
com um ente central que resolverá problemas simples, como
perda de senha, erro de contabilidade, dentre outros problemas. A
liberdade que a blockchain traz exige mais responsabilidade.

Com a blockchain, os usuários possuem mais privacidade,


maior segurança e redução dos custos de transação e a maioria
das pessoas com contas bancárias não possuem cuidados que a
blockchain irá exigir. Como alertam Don Tapscott e Alex Tapscott

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 227
(2016, p. 305/306)

a maioria da população com contas bancárias


não tem o hábito de fazer backup de seu dinheiro
em um pen drive ou um segundo dispositivo,
protegendo suas senhas para que não precisem
confiar na função de redefinição do provedor
de serviços, ou manter essas cópias em locais
separados de modo que, se eles perdessem o
seu computador e todas as suas outras posses
em um incêndio em casa, eles não perderiam o
seu dinheiro. Sem essa disciplina, eles poderiam
muito bem encher seus colchões com dinheiro.

Moedas armazenadas em carteiras perdidas ou de


proprietários que perderam suas senhas não são reembolsáveis,
perdendo o potencial de circulação. Há quem esteja criando
alternativas à blockchain para solucionar alguns obstáculos, como
Ripple e Ethereum, mas aí surgem obstáculos para elas também.
O principal é que somente a rede para o Bitcoin seria realmente
descentralizada43.

Um ponto que demandaria um estudo mais sociológico


em outro trabalho é a questão da blockchain não esquecer, pelos
registros serem imutáveis. Isso poderia gerar alguns problemas

43 Segundo matéria do Portal “Guia do Bitcoin”, de 26 de abril de 2019 e autoria de Diego


Marques, “Tom Vays, um trader de derivativos, analista e criador de conteúdo de mídia social,
utilizou o Twitter para declarar que a Ripple e Ethereum são projetos horríveis, ele também
destacou que o Bitcoin é o único que é verdadeiramente descentralizado. Vays conclui que
o Bitcoin é diferente, pois já é ‘rápido o suficiente, anônimo o suficiente e barato o suficiente’.
‘Hoje seu maior trunfo é o fato de ser o único projeto sem confiança que existe no mundo e
é isso que lhe dá a sua Descentralização & Avaliação Financeira. Os OUTROS são STATUS
QUO’, twittou ele”.

BLO CKCH AIN


228 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
do que se denomina como “direito ao esquecimento”. De fato, a
blockchain permite mais eficiência e reduz o risco de uma transação,
mas se acredita que isso não resolve os problemas porque o ser
humano continua ser humano, mudando apenas os problemas.

Outro obstáculo para a blockchain é o consumo de energia


elétrica em um contexto de desenvolvimento sustentável e
preservação do meio ambiente. Em exemplos comparativos,

as estimativas comparam o consumo de energia


da rede Bitcoin à energia usada por quase 700
casas médias americanas, na extremidade baixa
do espectro, e à energia consumida pela ilha de
Chipre, na parte alta do espectro. Isso é mais de
4.409 bilhões de quilowatts-horas, uma emissão
de carbono do porte do Godzilla, e é planejada.
É o que protege e mantém os nós genuínos.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 308)

É interessante observar que o consumo de energia elétrica


não é somente para o funcionamento das máquinas, mas também
para o seu resfriamento. Inclusive, em pesquisa rápida no Google,
encontram-se várias notícias de incêndios em locais de mineração
de Bitcoins44.

Além dessa questão energética, também tem o descarte


dos dispositivos utilizados que são atualizados com alta frequência,
44 Como exemplo, a seguinte notícia: “Bitcoin: Incêndio destroi mega fazenda de mineração”,
de autoria de Diego Marques, em 01 de outubro de 2019. Segundo a notícia, “um enorme
incêndio atingiu uma grande fazenda de mineração de Bitcoin na China, de acordo com rela-
tórios o fogo destruiu cerca de US$10 milhões de dólares em equipamentos. De acordo com
o especialista em mineração de criptomoedas Marshall Long, que postou fotos do incêndio
nas mídias sociais, o incêndio aconteceu nesta segunda-feira em uma fazenda de mineração
cuja responsabilidade é da empresa Innosilicon”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 229
em função da rápida evolução da tecnologia. Segundo Tapscott e
Tapscott (2016, p. 310), “a maioria dos equipamentos de mineração
tem uma vida útil de três a seis meses”. Obviamente os usuários
da rede estão pensando nesses aspectos, surgindo ideias de
concentrar as máquinas em locais mais frios e a questão da
reciclagem também.

Outro problema da blockchain é a resistência dos governos,


uma vez que perdem poder com a rede distribuída. Surge o
questionamento: como legisladores, reguladores e juízes, que nada
mais são que representantes do Estado, farão com a tecnologia
blockchain?

‘Os tribunais irão entender isso errado. Eles já


começaram a entender errado, aplicando regras
de propriedade intelectual a qualquer coisa que
é intangível. Eles pensam que o aspecto físico
é a linha divisória entre a propriedade virtual e
a propriedade intelectual, e não é’, disse Josh
Fairfield. ‘Não há elemento de propriedade
intelectual, não há nenhuma parte de um
Bitcoin que seja propriedade intelectual, não há
nenhuma centelha criativa de direitos autorais,
não há nenhuma ideia patenteável, não há
nenhuma patente, não há nenhuma marca’. De
acordo com Stephen Pair, da BitPay, ‘A maior
ameaça para o Bitcoin é que ele, em algum
ponto, se torne tão fortemente regulamentado
que um concorrente mais particular e mais
anônimo apareça e todo mundo mude para
isso’. Uma coisa é certa: ‘Qualquer que seja a

BLO CKCH AIN


230 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
questão política particular, se você não entende
a tecnologia e você não entende as implicações,
você está se preparando para o fracasso’, disse
Jerry Brito, do grupo de pesquisa da política
Bitcoin Coin Center. ‘Se você não entender isso,
você pode introduzir a legislação e a política que
irão prejudicar o desenvolvimento da tecnologia.
Nós só queremos que você entenda o que está
fazendo’. (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 312)

Há um ordenamento jurídico e uma análise puramente


econômica não seria correta. Assim como se exige uma análise
econômica para os casos jurídicos, o inverso também se faz
necessário. Como Paula Forgioni (2005, p. 256) explica, o que se
espera é uma complementariedade e não uma substituição ou
oposição entre as áreas de estudo. É preciso que o Estado, ao
mesmo tempo que impeça a utilização da tecnologia para tráfico
de seres humanos, comércio ilícito de drogas, contrabando,
pornografia infantil, terrorismo, falsificação, entre outros casos, não
impeça que os investidores continuem a apoiar o desenvolvimento
da tecnologia.

Outra discussão também trazida por Tapscott e Tapscott


(2016, p. 314/315) é a captura da tecnologia pelos grandes
empresários que a usam para extrair o máximo de valor possível.
O consumidor acaba ficando vulnerável, havendo uma elevada
assimetria informacional, tanto que se discute recentemente a
questão da proteção de dados. Não se critica aqui o papel do Estado
em prestar serviços aos cidadãos e o papel dos empresários em
gerar riquezas, mas a limitação de benefícios que toda a sociedade
poderia ter para, por exemplo, as grandes instituições financeiras se

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 231
manterem no controle.

Nesse contexto, inclusive, é possível trazer as lições de


Hannah Arendt (2007, p. 59/79), na obra “A Condição Humana”.
Segundo a cientista política, deve-se privilegiar aquilo que tende a
permanecer, porque isso realmente gera um impacto positivo em
toda a coletividade. No caso da blockchain, isso fica evidente pelos
efeitos positivos que pode trazer sem a sociedade sequer saber
ao certo quem a criou. E essa é a ideia do modelo distribuído, o
desenvolvimento sem concentrar em determinadas instituições ou
pessoas.

Como afirma Hannah Arendt (2007, p. 67), nas condições de um


mundo comum, “a realidade não é garantida pela natureza comum
de todos os homens que o constituem, mas sobretudo pelo fato de
que, a despeito de diferenças de posição e da resultante variedade
de perspectivas, todos estão sempre interessados no mesmo
objeto”. O mundo deve ter um espaço permanente, transcendendo
a duração da vida e dos homens mortais, e esse ideal possui forte
relação com a tecnologia blockchain aqui estudada.

Superada essa questão, pode-se falar também na diminuição


de empregos. Na reunião anual de 2015 do Fórum Econômico
Mundial na Suíça,

um painel de executivos de tecnologia da


Microsoft, Facebook e Vedaphone discutiram
o impacto da tecnologia nos empregos.
Todos concordaram que, embora inovações
tecnológicas possam perturbar os mercados de
trabalho temporariamente, no geral eles criam
novos e gradualmente mais empregos. ‘Por que

BLO CKCH AIN


232 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
desta vez seria diferente?’, disse Eric Schmidt,
presidente-executivo da Google. (TAPSCOTT;
TAPSCOTT, 2016, p. 320)

Essa substituição de trabalhadores por automatização não é


nova, não surgiu com a blockchain, e também será inevitável. Mas é
importante dizer que novas oportunidades surgem. A web impactou
demais o mercado de trabalho, citando por exemplo os agentes
de turismo e a Decolar.com, os hotéis e o AirBnb, as livrarias e os
E-books, dentre inúmeros outros. Nenhuma foi culpa da blockchain
e ela pode trazer inúmeras vantagens:

No mundo em desenvolvimento, a blockchain


e as criptomoedas poderiam permitir aos
empresários levantar capital, proteger bens
e propriedade intelectual, e criar empregos,
mesmo nas comunidades mais pobres. Centenas
de milhões de pessoas podem se tornar titulares
de microações em novas empresas e participar
do intercâmbio econômico. A tecnologia poderia
melhorar radicalmente a entrega e a implantação
de ajuda, aumentar a transparência de governo,
reduzir a corrupção e estabelecer as condições
para um bom governo – uma condição prévia
para emprego em muitas partes do mundo.
Mesmo no mundo desenvolvido, os efeitos não
são determináveis. Uma plataforma global que
diminui os custos de transação, em particular os
custos de estabelecer um comércio confiável
e criação de riqueza, pode resultar em mais
participantes. Mesmo que essa tecnologia nos

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 233
permita fazer mais com menos recursos humanos,
ainda não temos nenhum caso a temer, retardar
ou parar a caminhada. Em última análise, o que
importa não é se existem novas capacidades, mas
a medida em que as sociedades as transformam
em benefício social. Se as máquinas estão
criando tanta riqueza, então talvez seja a hora de
um novo contrato social que redefina o trabalho
humano e quanto tempo todos nós devêssemos
gastar vivendo. (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p.
320/321)

Por fim, um obstáculo muito presente também é a fala de


que a blockchain será usada por criminosos. Culpar o Bitcoin, por
exemplo, pela ação de criminosos, seria culpar o dinheiro pelo
assalto aos bancos. Um caso que sempre lembrado é o da Silk Road.
De janeiro de 2011 a outubro de 2013, ela permitiu que pessoas
comprassem drogas online, e o Bitcoin seria a moeda de troca.

A sua criação foi atribuída ao físico Ross Ulbricht, que era um


criptopunk, com a intenção de libertar as pessoas das proibições e
do controle do Estado. A Silk Road, assim, permitia interações entre
o livre mercado e pagamentos descentralizados. Como trazido pelo
Portal Criptofácil (CHRYS, 2018),

O primeiro produto comercializado na plataforma


foi o chamado Cogumelo Psilocybin, cultivado
pelo próprio Ulbricht. Quatro meses após o
lançamento, a Silk Road já oferecia 300 diferentes
produtos. Um ano depois, 350 comerciantes

BLO CKCH AIN


234 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
distintos ofereciam seus produtos no site. No
estágio inicial da Silk Road, Ulbricht processava
todas as transações em Bitcoin manualmente. De
cada compra feita, ele levava uma comissão de 2 a
10% do valor dependendo do tamanho do pedido.
Em agosto de 2011, ele recebia cerca de US$30
mil em comissões. Para que os comerciantes
tratassem as transições de forma responsável e
não vendessem produtos de baixa qualidade, um
mecanismo de feedbacks era operado no website
– o comprador poderia classificar o pacote numa
escala de 1 a 5. As avaliações possibilitavam a
exclusão de negociantes inescrupulosos.

Em 5 de junho de 2011, o senador do estado de Nova Iorque


Charles Schumer descreveu o Bitcoin como um dos métodos de
lavagem de dinheiro, iniciando medidas para fechar a Silk Road.
Ulbricht acabou sendo preso por erros como posts em fóruns
abertos que permitiram sua localização. Em maio de 2015, a juíza
Katherine Forest o sentenciou a duas prisões perpétuas, sendo ele
considerado “culpado de tráfico de drogas através da Silk Road,
de conspiração para transportar drogas, de hackear redes de
computadores e de lavagem de dinheiro, bem como de liderar uma
organização criminosa” (CHRYS, 2018).

De toda forma, esse debate é antigo, surgindo perguntas


como a de que a modernização tecnológica seria boa ou ruim.
Talvez não se tenha uma resposta exata e objetiva, sendo necessário
ponderar em vários aspectos, mas fato é que ela já está presente.
Como a história de Lev Temen mostra,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 235
indivíduos e organizações podem usar inovações
para o bem e para o mal, e isso tem sido
verdade em uma ampla gama de tecnologias, da
eletricidade à internet. Yocahi Benkler, autor da
influente obra A riqueza das redes, nos disse: ‘A
tecnologia não é sistematicamente tendenciosa
em favor da desigualdade e da estrutura do
emprego; que é uma função de batalhas sociais,
políticas e culturais’. Embora a tecnologia possa
mudar as empresas e a sociedade dramática
e rapidamente, Benkler acredita que ‘não de
forma determinística, de uma forma ou de outra’.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 328)

Este autor acredita que por mais que haja algumas


desvantagens na tecnologia, ninguém estaria disposto a ficar
sem ela, considerando os avanços em alimentação, medicina,
infraestrutura, dentre outros. Considerando de forma geral, a
história da tecnologia mostra que ela foi positiva e, ainda que
haja resistência à blockchain, ela pode ser extremamente útil para
o desenvolvimento da sociedade. E para destacar um exemplo
específico, falar-se-á sobre a blockchain e a redução de custos de
agência em sociedades anônimas.

4.6 BLOCKCHAIN E A REDUÇÃO DE CUSTOS DE


AGÊNCIA EM SOCIEDADES ANÔNIMAS

Como já abordado neste trabalho, a tecnologia blockchain


tem um impacto na redução dos custos de transação, e Alexandre

BLO CKCH AIN


236 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Couto Silva e Ricardo Villela Mafra Alves da Silva (2018) trabalham
este ponto de forma bem detalhada em sua obra sobre a governança
corporativa das sociedades anônimas. Como afirmam os autores
(2018, p. 697), “nesse tipo de sociedade empresária, registros
contábeis e societários têm grande importância na dinâmica
entre acionistas, administradores, reguladores, autorreguladores,
autoridades públicas, credores e terceiros contratantes”.

A expressão “custos de agência” decorre

da experiência de economistas no estudo da


relação entre agente e principal, no qual a
existência de conflitos exige que se estabeleça
mecanismos para garantir o alinhamento de
interesses. Na sociedade anônima, pode-se
afirmar que as principais relações de agência
são aquelas existentes entre: (i) acionistas e
administradores; (ii) acionistas majoritários
(controladores) e acionistas minoritários (não
controladores); e (iii) conflitos entre acionistas e
terceiros que contratam com a companhia, como
empregados, fornecedores e credores. (SILVA;
SILVA, 2018, p. 705)

É importante este estudo, uma vez que o objeto principal


deste trabalho é a utilização da tecnologia blockchain para captação
de recursos no mercado, seja pela IPO, seja pela ICO. E havendo
uma relação de agência com possibilidade de conflitos de interesse,
haverá custos de transação.

Ora, na dinâmica entre agente e principal, quem toma a

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 237
decisão não é necessariamente quem suporta o risco da decisão
tomada, logo se tornam primordiais mecanismos para mitigar
os conflitos de interesse e eventuais abusos. Além disso, com a
assimetria de informações, torna-se difícil o controle da relação
entre agente e principal. Desse modo,

o papel primordial da lei é conferir acesso a


informações ao agente, assim como os meios
adequados para obtê-las. Ademais, por meio
de estratégias regulatórias e de governança,
cria-se mecanismos de limitação, ratificação e
supervisão das decisões tomadas pelo agente, de
modo a evitar a expropriação dos principais. Pela
estratégia regulatória, estabelecem-se termos
que regem a relação de agência; por outro lado,
pela estratégia de governança, conferem-se
direitos de controle ao principal, que pode eleger
e destituir o agente (no caso de administradores),
iniciar ou ratificar decisões e estabelecer
incentivos que viabilizem o alinhamento dos
interesses do agente com aqueles do principal.
(SILVA; SILVA, 2018, p. 706)

Diferenciando as estratégias regulatórias em regras e


padrões, sabe-se que as regras seriam normas mais rígidas,
aplicadas antes do fato, enquanto os padrões seriam obrigações
mais gerais, dirigindo o comportamento do agente, sendo analisados
posteriormente, depois da decisão.

Na lei que regulamenta as Sociedades Anônimas (Lei n.

BLO CKCH AIN


238 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
6.404/1976) já se encontram tentativas de mitigar os custos de
agência, como o artigo 11545, que impõe ao acionista a obrigação de
votar no interesse da companhia e veda o exercício de voto abusivo

com o fim de prejudicar a sociedade empresária ou acionista.

Inclusive, Eduardo Goulart Pimenta (2017, p. 270/274) faz


importante diferenciação entre o voto estratégico, conflitante e
abusivo. Para se considerar um voto estratégico, é pressuposto
considerar que a sociedade possui um conjunto de sócios que
não possuem paralelismo de interesses sobre as matérias a serem
deliberadas, embora todos visem ao lucro.

Principalmente as sociedades anônimas abertas são


compostas por acionistas com diferentes perfis e objetivos em
relação ao investimento por eles realizado. Há, por exemplo, o
acionista que investe com a mera intenção de especular, enquanto
o de “longo prazo” está preocupado com sua lucratividade. E, como
consequência, esses diferentes perfis refletem nas deliberações,
sendo inegável que o sócio venha agir “estrategicamente” em uma
determinada votação, sendo o voto válido mesmo assim.

Todavia, podem ser citados dois limites ao “voto estratégico”:


voto conflitante e o voto abusivo, sendo ambos inválidos e passíveis
45 “Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-
-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas,
ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa re-
sultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.(Redação dada pela Lei nº 10.303,
de 2001) § 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao
laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprova-
ção de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo
de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. § 2º Se todos
os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital
social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6º do ar-
tigo 8º. § 3º o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de
voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. § 4º A deliberação tomada em decorrência do
voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista
responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vanta-
gens que tiver auferido.” (BRASIL, 1976, Art. 115)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 239
de sanção.

O voto conflitante “é aquele dado quando o ganho do


votante representa necessária e inevitavelmente uma perda para a
companhia” (PIMENTA, 2017, p. 272), sendo importante o §1º do art.
115 da Lei n. 6.404/76:

o acionista não poderá votar nas deliberações da


assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação
de bens com que concorrer para a formação
do capital social e à aprovação de suas contas
como administrador, nem em quaisquer outras
que puderem beneficiá-lo de modo particular,
ou em que tiver interesse conflitante com o da
companhia.

O interesse do sócio, nesse caso, está diretamente oposto


ao da sociedade, de modo que o ganho de um representa a perda
do outro. O sócio ganha com o prejuízo da sociedade, então, ainda
que não haja dolo, não poderá deliberar.

Para Eduardo Goulart Pimenta, não se mostra eficiente


condicionar, no voto conflitante, sua anulabilidade à prova de
efetivo dano, sendo o prejuízo legalmente presumido. Não faz
sentido impor à sociedade, aos sócios ou a terceiro os custos da
comprovação e anulação de um ato que a lei já sanciona a prática.

O voto abusivo, por sua vez, é “aquele no qual o sócio tem


a intenção precípua de causar dano à sociedade, a outro sócio
ou a terceiros” (PIMENTA, 2017, p. 273). Aqui, já se exige para sua
invalidação a prova de que foi dolosamente manifestado para
prejudicar outrem, além da demonstração de efetivo prejuízo.

BLO CKCH AIN


240 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Nos termos do art. 120 da Lei n. 6.404/76: “A assembleia-
geral poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que
deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto,
cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação”, valendo
isso para quando ficar caracterizado o voto conflitante.

No caso de voto abusivo, por sua vez, é necessário que sua


prova seja feita em ação judicial ou arbitral própria.

Verificou-se, então, que o sócio pode utilizar seu voto para


maximizar interesses particulares, mas desde que não haja conflito
de interesses ou orientação direta de causar prejuízo aos demais
sócios, à sociedade ou a terceiros, quando poderá ser anulado, se
for o caso.

Outra disposição da Lei de Sociedades Anônimas refere-se


às transações entre partes relacionadas. O acionista controlador, por
exemplo, pode eventualmente contratar com a companhia, mas,
nos termos do art. 117, §1º, “f”, será modalidade de exercício abusivo
de poder “contratar com a companhia, diretamente ou através de
outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições
de favorecimento ou não equitativas”. Esses negócios “devem
ser necessários ou úteis à companhia, observando as condições
existentes no mercado para contratos da mesma natureza” (EIZIRIK,
2015, p. 696).

Pode ser citado também o §1º do art. 156 da referida lei,


que estabelece: “o administrador somente pode contratar com a
companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que
prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com
terceiros”. Mais uma vez Nelson Eizirik (2015, p. 379) explica que não
poderá conflito de interesse entre o administrador e a companhia,
isto é, “quando ele é portador, em determinada situação, de um
dúplice e contraditório interesse: o social e o particular, sendo que

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 241
um não pode ser atendido sem que o outro seja sacrificado”.

A CVM também se manifestou nos Pareceres de Orientação


n. 34 , de 18 de agosto de 2006, sobre o “impedimento de voto
46

em casos de benefício particular em operações de incorporação e

incorporação de ações em que sejam atribuídos diferentes valores


para as ações de emissão de companhia envolvida na operação”,
e n. 3547, de 1º de setembro de 2008, sobre “deveres fiduciários
dos administradores nas operações de fusão, incorporação e
incorporação de ações envolvendo a sociedade controladora e
suas controladas ou sociedades sob controle comum”.

Há também a vedação de utilização de informações


relevantes não divulgadas no mercado, o que é crime tipificado
no art. 27-D da Lei n. 6.385/197648. O legislador foi bastante claro
ao proibir que o administrador e o controlador utilize informações
privilegiadas não divulgadas ao mercado para negociar valores
mobiliários.

E a tecnologia blockchain? Um dos principais valores que


hoje se tem é a transparência. Embora não seja o objeto principal do
trabalho, importante falar um pouco sobre a governança corporativa
46 Parecer de Orientação CVM n. 34, de 18 de agosto de 2006 – disponível no link: http://
www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/pareceres-orientacao/anexos/pare034.pdf.
47 Parecer de Orientação CVM n. 35, de 1º de setembro de 2008 – disponível no link: http://
www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/pareceres-orientacao/anexos/pare035.pdf.
48 Uso Indevido de Informação Privilegiada (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) Art.
27-D. Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mer-
cado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante ne-
gociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários: (Redação dada pela Lei
nº 13.506, de 2017) Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes
o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei nº 10.303,
de 31.10.2001) § 1º Incorre na mesma pena quem repassa informação sigilosa relativa a fato
relevante a que tenha tido acesso em razão de cargo ou posição que ocupe em emissor de
valores mobiliários ou em razão de relação comercial, profissional ou de confiança com o
emissor. (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017) § 2º A pena é aumentada em 1/3 (um terço) se
o agente comete o crime previsto no caput deste artigo valendo-se de informação relevante
de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo. (Incluído pela Lei nº 13.506, de 2017)
(BRASIL, 1976, Art. 27-D)

BLO CKCH AIN


242 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
para verificar a importância da blockchain. De acordo com a definição
encontrada no site do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
– IBGC, organização sem fins lucrativos que é a principal referência
no Brasil sobre o tema, a governança corporativa

é o sistema pelo qual as empresas e demais


organizações são dirigidas, monitoradas e
incentivadas, envolvendo os relacionamentos
entre sócios, conselho de administração, diretoria,
órgãos de fiscalização e controle e demais partes
interessadas. As boas práticas de governança
corporativa convertem princípios básicos em
recomendações objetivas, alinhando interesses
com a finalidade de preservar e otimizar o valor
econômico de longo prazo da organização,
facilitando seu acesso a recursos e contribuindo
para a qualidade da gestão da organização, sua
longevidade e o bem comum. (INSTITUTO, 2020)

E quando se falam nos princípios básicos de governança


corporativa, citam-se os seguintes:

Transparência – Consiste no desejo de


disponibilizar para as partes interessadas as
informações que sejam de seu interesse e
não apenas aquelas impostas por disposições
de leis ou regulamentos. Não deve restringir-
se ao desempenho econômico-financeiro,
contemplando também os demais fatores

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 243
(inclusive intangíveis) que norteiam a ação
gerencial e que conduzem à preservação e à
otimização do valor da organização;

Equidade – Caracteriza-se pelo tratamento


justo e isonômico de todos os sócios e demais
partes interessadas (stakeholders), levando
em consideração seus direitos, deveres,
necessidades, interesses e expectativas;

Prestação de contas (accountability) – Os agentes


de governança devem prestar contas de sua
atuação de modo claro, conciso, compreensível
e tempestivo, assumindo integralmente as
consequências de seus atos e omissões e
atuando com diligência e responsabilidade no
âmbito dos seus papéis;

Responsabilidade corporativa – Os agentes


de governança devem zelar pela viabilidade
econômico-financeira das organizações, reduzir
as externalidades negativas de seus negócios e
suas operações e aumentar as positivas, levando
em consideração, no seu modelo de negócios,
os diversos capitais (financeiro, manufaturado,
intelectual, humano, social, ambiental,
reputacional, etc.) no curto, médio e longo prazos.
(INSTITUTO, 2020)

Ora, nota-se que é de suma importância um clima de


confiança internamente na sociedade empresária e nas relações
com terceiros para que haja uma governança corporativa, e uma

BLO CKCH AIN


244 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
das grandes vantagens da blockchain é justamente a transparência
e integridade que a tecnologia proporciona. Quando se fala em
conflito de agência, há inúmeros problemas que decorrem da
assimetria informacional entre os principais (acionistas e terceiros
contratantes) e agentes (administradores e controladores), e falta
de transparência tem uma consequência maléfica para os negócios.

Como bem explicam Alexandre Couto Silva e Ricardo Villela


Mafra Alves da Silva (2018, p. 714),

O uso da blockchain em companhias pode


reduzir a assimetria de informações, garantindo
a acionistas e contratantes acesso em tempo
real a informações societárias e contábeis
relevantes da sociedade. Em companhias
abertas, essas informações poderiam ser
transmitidas também a terceiros que possuam
algum interesse relacionados às atividades da
companhia, como contratantes, empregados e
credores. A literatura especializada sugere que
a blockchain pode conferir transparência nos
seguintes aspectos da governança corporativa: (i)
celebração de contratos com terceiros e oferta
de valores mobiliários; (ii) manifestação de voto
em assembleias; (iii) escrituração do registro
de propriedade de ações; e (iv) manutenção de
registros contábeis.

Passa-se, então, à análise de cada aspecto da governança


corporativa que a blockchain pode conferir transparência, o que

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 245
é mais uma das razões que demonstram a importância desta
pesquisa. Primeiramente, sobre a celebração de contratos com
terceiros e oferta de valores mobiliários, importante comentar sobre
os smart contracts, que serão trabalhados em tópico posterior mais
detalhadamente. De toda forma, já se adianta que a sua grande
vantagem é o caráter de autoexecutividade, isto é, uma vez iniciado,
o próprio smart contract asseguraria o cumprimento dos termos
negociais pactuados.

A título de exemplo, os smart contracts podem ser utilizados


“na execução de opções de compra, na transferência de ativos
oferecidos como garantia em financiamentos e nos pagamentos de
bônus a funcionários” (SILVA; SILVA, 2018, p. 714). Outra utilização
para essa tecnologia é um dos objetos principais deste trabalho:
as Initial Coin Offerings, que permitem a oferta de ativos virtuais que
conferem direitos aos seus detentores.

A tecnologia blockchain também pode resolver o problema


de manifestação de voto em assembleias. Inicialmente, destaca-se,
com base na obra de Eduardo Goulart Pimenta (2017, p. 241/245),
que o órgão deliberativo da sociedade, em teoria, nada mais é que
um local onde os sócios manifestam suas opiniões referentes às
atividades da sociedade e seu direito de voto, aprovando ou não as
matérias debatidas e propostas.

Todavia, na realidade brasileira é bem diferente, havendo


uma distância entre o órgão deliberativo societário e a realidade
dos fatos. O princípio da proporcionalidade, por exemplo, faz com
que a participação dos sócios minoritários seja inócua, porque as
votações serão comandadas por quem tenha a maioria do capital
votante. Como afirma Arnaldo Rizzardo (2007, p. 450), pode-se dizer
que não passa de um ato meramente formal.

Como quem tem a maioria do capital votante pode decidir

BLO CKCH AIN


246 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
sozinho praticamente a maioria das votações, não faz sentido o
minoritário participar das deliberações. Além disso, a participação
envolve inúmeros custos, como os decorrentes do deslocamento e
da busca de informação sobre o que será deliberado, porque pode
ser necessário contratar um advogado, por exemplo.

Eizirik (2015, p. 17) menciona em sua obra que se faz uma


análise econômica dessa participação, de modo que valha mais a
pena “manter-se apartado da participação informada nas decisões
coletivas do que nelas se envolver”.

Então, na prática brasileira, os órgãos deliberativos pouco


interferem nos rumos dos negócios sociais, mas há tentativas no
sentido de reverter essa situação. Na Lei n. 6.404/76 e no Código
Civil, por exemplo, busca-se tornar mais relevante o poder do
sócio minoritário, com a exigência de quóruns de instalação ou
aprovação mais elevados, com direito de votação em separado
para a composição de órgãos sociais e voto múltiplo.

Além disso, a evolução da tecnologia também contribui


para a redução de custos permitindo o voto à distância pelo meio
eletrônico e facilita também a busca pelas informações. O art. 133
da Lei n. 6.404/7649, por exemplo, exige que documentos fiquem
49 “Art. 133. Os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês antes da data marcada
para a realização da assembléia-geral ordinária, por anúncios publicados na forma prevista
no artigo 124, que se acham à disposição dos acionistas: I - o relatório da administração sobre
os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; II - a cópia das
demonstrações financeiras; III - o parecer dos auditores independentes, se houver. IV - o pa-
recer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se houver; e (Incluído pela Lei nº 10.303,
de 2001) V - demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia. (Incluído
pela Lei nº 10.303, de 2001) § 1º Os anúncios indicarão o local ou locais onde os acionistas
poderão obter cópias desses documentos. § 2º A companhia remeterá cópia desses docu-
mentos aos acionistas que o pedirem por escrito, nas condições previstas no § 3º do artigo
124. § 3º Os documentos referidos neste artigo, à exceção dos constantes dos incisos IV e V,
serão publicados até 5 (cinco) dias, pelo menos, antes da data marcada para a realização da
assembléia-geral. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) § 4º A assembléia-geral que
reunir a totalidade dos acionistas poderá considerar sanada a falta de publicação dos anún-
cios ou a inobservância dos prazos referidos neste artigo; mas é obrigatória a publicação dos
documentos antes da realização da assembléia. § 5º A publicação dos anúncios é dispensada
quando os documentos a que se refere este artigo são publicados até 1 (um) mês antes da

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 247
disponíveis para o acionista com antecedência mínima de um mês,
embora isso ainda exija uma ajuda especializada para compreensão
dos documentos.

Mesmo com tentativas de fortalecer o órgão deliberativo,


é difícil a efetiva participação num todo e em determinados casos
a lei obriga a participação dos sócios, havendo inclusive um rol
exemplificativo tanto no Código Civil (art. 1.07150), quanto na Lei n.
6.404/76 (art. 12251), de matérias que são competência privativa do
órgão deliberativo.

Embora haja essa realidade diferente no Brasil, é preciso


destacar as vantagens da tecnologia blockchain nas deliberações
dos sócios, uma vez que é uma possibilidade que se apresenta
até para melhorar esse cenário. Dentre as vantagens, citam-se:
facilitação do registro de votos em assembleias, principalmente
em casos de voto à distância, com integridade e transparência e
data marcada para a realização da assembléia-geral ordinária.” (BRASIL, 1976, Art. 133).
50 “Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei
ou no contrato: I - a aprovação das contas da administração; II - a designação dos adminis-
tradores, quando feita em ato separado; III - a destituição dos administradores; IV - o modo
de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; V - a modificação do contrato
social; VI - a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de
liquidação; VII - a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas;
VIII - o pedido de concordata.” (BRASIL, 2002, Art. 1.071)
51 “Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral: (Redação dada pela Lei nº 12.431, de
2011). I - reformar o estatuto social;(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) II - eleger ou
destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto
no inciso II do art. 142;(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) III - tomar, anualmente, as
contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apre-
sentadas;(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) IV - autorizar a emissão de debêntures,
ressalvado o disposto nos §§ 1o, 2o e 4o do art. 59; (Redação dada pela Lei nº 12.431, de 2011).
(Vide Lei nº 12.838, de 2013) V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);(Re-
dação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o
acionista concorrer para a formação do capital social;(Redação dada pela Lei nº 10.303, de
2001) VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias;(Redação dada pela Lei nº 10.303, de
2001) VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua
dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e (Redação
dada pela Lei nº 10.303, de 2001) IX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir
concordata.(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) Parágrafo único. Em caso de urgência,
a confissão de falência ou o pedido de concordata poderá ser formulado pelos administrado-
res, com a concordância do acionista controlador, se houver, convocando-se imediatamente
a assembléia-geral, para manifestar-se sobre a matéria. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de
2001)” (BRASIL, 1976, Art. 122)

BLO CKCH AIN


248 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
proteção na contabilização de votos. Obviamente, precisam ocorrer
alguns ajustes, como o fato da imutabilidade da blockchain em tese
ser contraditória com a possibilidade de alteração de voto permitida
pela Instrução CVM n. 481/2009.

Alexandre Couto Silva e Ricardo Villela Mafra Alves da Silva


(2018, p. 717) assim alertaram:

Não obstante as diversas vantagens que a


blockchain poderia oferecer à dinâmica de
votação em assembleias gerais de companhias,
será necessário adaptar a tecnologia para o
atendimento de determinadas especificidades
referetes ao exercício do direito de voto. Assim,
nas votações à distância, seria necessário prever
a possibilidade de alteração de voto, o que é
permitido pela Instrução CVM n. 481/2009. A
imutabilidade dos registros da blockchain teria
que ser flexibilizada para garantir direito ao
acionista de mudar o seu voto até o momento
da assembleia. Ademais, seria necessário criar
mecanismos que previssem a possibilidade de o
acionista permitir que o seu voto seja manifestado
por outra pessoa, nas hipóteses de representação
do acionista por procurador, obedecendo-se as
exigências da Lei n. 6.404/76.

Nesse sentido, a Accenture (2016), que “é uma empresa líder


global em serviços profissionais, com ampla atuação e oferta de
soluções em estratégia de negócios, consultoria, digital, tecnologia

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 249
e operações”, criou o protótipo de blockchain “editável” para sistemas
corporativos e privados. Segundo os editores, o projeto “atende os
desafios da imutabilidade da blockchain para sistemas proprietários,
incluindo o direito de ser esquecido, erros humanos e ações ilegais”,
mas isso descaracterizaria toda a ideia de Satoshi Nakamoto? São
respostas que ainda não se têm e devem ser acompanhadas.

Outro ponto que a blockchain pode melhorar é a escrituração


do registro de propriedade de ações. Nos termos do art. 100 da
Lei de SA, a companhia deve ter, além dos livros obrigatórios para
qualquer empresário, o livro de Registro de Ações Nominativas,
para inscrição, anotação ou averbação de uma série de dados52. E,
nos termos do §2º do citado dispositivo, nas companhias abertas,
o livro de Registro de Ações Nominativas poderá ser substituído
por registros mecanizados ou eletrônicos, e a blockchain está aí
inserida. Com ela,

o acionista teria conhecimento, de forma


instantânea, acerca da aquisição de um grande
número de ações por um novo acionista, venda
de ações do bloco de controle, aquisição ou
venda de ações por administradores, exercício
de opções de compra, realização de transações
entre partes relacionadas, conversões de valores
mobiliários em ações, dentre outras operações
que podem ter impacto relevante na governança
52 “Art. 100. A companhia deve ter, além dos livros obrigatórios para qualquer comerciante, os
seguintes, revestidos das mesmas formalidades legais: I - o livro de Registro de Ações Nomi-
nativas, para inscrição, anotação ou averbação: (Redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997) a)
do nome do acionista e do número das suas ações; b) das entradas ou prestações de capital
realizado; c) das conversões de ações, de uma em outra espécie ou classe; (Redação dada
pela Lei nº 9.457, de 1997) d) do resgate, reembolso e amortização das ações, ou de sua aqui-
sição pela companhia; e) das mutações operadas pela alienação ou transferência de ações;
f) do penhor, usufruto, fideicomisso, da alienação fiduciária em garantia ou de qualquer ônus
que grave as ações ou obste sua negociação.” (BRASIL, 1976, Art. 100, I)

BLO CKCH AIN


250 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
da companhia. (SILVA; SILVA, 2018, p. 718)

Além disso, poderia ser uma forma de combate ao insider


trading, uma vez que ficarão evidentes as operações de compra
e venda decorrentes de informações privilegiadas. Como explica
Nelson Eizirk (1983, p. 43)

o insider trading é, simplificadamente, a utilização


de informações relevantes sobre uma companhia,
por parte das pessoas que, por força do exercício
profissional estão ‘por dentro’ dos seus negócios,
para transacionar com suas ações antes que tais
informações sejam de conhecimento do público.
Assim, o ‘insider’ compra ou vende no mercado a
preços que ainda não estão refletindo o impacto
de determinadas informações sobre a companhia,
que são de seu conhecimento exclusivo.

Newton de Lucca (2005, p. 20), no mesmo sentido,


estabelece que o insider trading designa transações desleais, por
serem insidiosas, traiçoeiras, sorrateiras, consistindo no

aproveitamento de informações relevantes,


ainda não divulgadas ao público e capazes de
influir nas decisões tomadas no mercado, por
parte de administradores, principais acionistas e

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 251
outros a que elas têm acesso, para negociar com
investidores ignaros dessas mesmas informações.
Se estes últimos tivessem ciência, em tempo
oportuno, daquelas informações privilegiadas, ou
não teriam realizado aquelas operações, ou as
teriam celebrado em condições diversas.

Sem mais dúvidas sobre o conceito do insider trading,


um caso que a blockchain poderia ter alterado e que impactou
diretamente na economia brasileira, por exemplo, é o da JBS. Como
se extrai de notícia à época,

A prisão preventiva de Wesley Batista, presidente


da JBS, é a primeira realizada no Brasil pelo
crime de insider trading - o uso de informação
privilegiada para obter lucros no mercado
financeiro. Segundo a Polícia Federal, a venda de
ações da JBS antes do vazamento da delação dos
controladores evitou um prejuízo potencial de R$
138 milhões aos irmãos Batista. (ÉPOCA, 2017)

Embora haja crítica à vagueza do tipo penal referente ao


insider trading53, fato é que no caso da JBS houve uma movimentação
53 “[...] Teriam os executivos da JBS praticado o crime de insider trading quando, aproveitan-
do-se da informação privilegiada que tinham sobre as denúncias contra o presidente Michel
Temer e o Senador Aécio Neves, compraram uma grande quantidade de dólares no dia ante-
rior à divulgação delas? É difícil fazer uma afirmação conclusiva. Primeiro, porque o tipo penal
é vago – e essa é justamente uma das críticas que fazemos a ele –, permitindo interpretações
diversas sobre os conceitos nele contidos. Segundo, porque a operação em questão foi feita
com dólares, e o art. 27-D da Lei 6.385/1976 fala em ‘negociação (…) com valores mobiliários’”
(RAMOS, 2017)

BLO CKCH AIN


252 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
atípica de ações um dia antes da delação da JBS vazar na mídia,
de modo que os empresários, ao invés de ter prejuízo, tiveram um
lucro enorme por conta da utilização da informação privilegiada.

Por fim, há ainda o impacto na manutenção de registros


contábeis, uma vez que,

além de permitir a detecção e monitoramento


de transações entre partes relacionadas, a
contabilidade em tempo real na blockchain
fornecerá valiosas informações a acionistas,
credores e autoridades governamentais sobre
a saúde financeira da companhia, permitindo
um controle mais efetivo sobre suas operações
e coibindo possíveis abusos por agente. (SILVA;
SILVA, 2018, p. 721)

Porém, isso também pode gerar inconvenientes, como uma


volatilidade do preço de ações em razão de reações impulsivas
de acionistas por conta da contabilidade em tempo real. Algo mal
explicado poderia aumentar ou reduzir drasticamente o preço
das ações, então a mudança também deve ser cultural, para
que os investidores saibam interpretar e agir frente às mudanças
tecnológicas e novos cenários no mercado acionário.

É válido aqui trazer as lições de Don Tapscott e Alex Tapscott


(2016, p. 109/115) sobre o tema, uma vez que desperta a curiosidade
de juristas, que em regra não possuem o domínio da contabilidade,
mas estão cientes que elas possuem enormes impactos jurídicos.

A contabilidade atual possui alguns problemas também,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 253
como o fato de depender dos gestores e, em inúmeros casos, o
gerenciamento nem sempre se dá com integridade. Às vezes o
problema nem é a integridade, mas o erro a que todos humanos
estão sujeitos. Um número errado na planilha pode trazer um enorme
problema para o resultado da contabilidade. Outro problema é
a baixa efetividade nas normas para reduzir fraudes, uma vez
que no comércio moderno há inúmeras formas de se esconder
irregularidades. Por fim, o fato dos métodos de contabilidade
tradicionais não serem efetivos para novos modelos de negócios.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 110)

Os referidos autores (2016, p. 110/111), quando falam sobre o


livro-razão mundial que a blockchain pode proporcionar, explicam
que

hoje, as empresas gravam um debito e um crédito


em cada transação – duas entradas, portanto,
contabilidade de dupla entrada. Eles poderiam
facilmente adicionar uma terceira entrada para o
livro-razão mundial, instantaneamente acessível
para aqueles que precisam ver – acionistas,
auditores ou reguladores da companhia. Imagine
que, quando uma empresa grande, como a Apple,
vende produtos, compra matéria-prima, paga
seus empregados ou faz a contabilidade de ativos
e passivos em seu balanço, o livro-razão mundial
registra a transação e publica um recibo com data
e hora em um Blockchain. Os relatórios financeiros
de uma empresa se tornariam um livro-razão
vivo – auditável, pesquisável e verificável. Gerar
qualquer demonstração financeira em um minuto

BLO CKCH AIN


254 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
deveria ser tão simples quanto uma função de
planilha, onde o clique de um botão lhe dá uma
demonstração financeira imutável, completa,
pesquisável e livre de erro. As empresas podem
não querer que todos vejam esses números, e
assim os executivos poderiam dar permissão
de acesso apenas para reguladores, gestores e
outras partes interessadas.

O questionamento que pode surgir, então, quanto à


publicidade das informações, pode ser resolvido com a criptografia,
de modo que nem todos terão a chave de acesso com o código
para análise dos dados, somente quem deve ter. Outro ponto
fundamental é a imutabilidade dos dados, reduzindo o risco de
fraude. “Se o livro-razão diz que é verdade, então é verdade”
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 112).

Mas isso seria realmente interessante para os empresários?


De acordo com Mornini, um empreendedor citado por Tapscott e
Tapscott (2016, p. 113), “a maioria das grandes empresas (SIC) nunca
iriam querer um registro de contabilidade totalmente transparente
no domínio público ou mesmo facilmente acessível a pessoas com
privilégios especiais, como auditores ou reguladores”. Sabe-se que
as finanças são tratadas como um “segredo de Estado” dentro das
companhias e certo grau de flexibilidade pode ser importante para
eventuais alterações necessárias. Então é preciso argumentar as
vantagens que a blockchain pode trazer, notadamente na redução
de custos de auditorias e simplificação do departamento financeiro.
Se uma companhia mostra o que acontece trimestralmente e outras
de forma instantânea, esta terá uma vantagem no mercado sobre

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 255
aquela.

Obviamente mudanças desse porte não são simples.


Inclusive, quando se busca na teoria do Direito, sabe-se que ele é
produto da política. Dimitri Dimoulis (2011, p. 68) bem explica que
“todas as decisões sobre a oportunidade de criar ou de modificar
uma norma jurídica dependem de avaliações políticas, de ideologias
e interesses expressos pelos partidos políticos”. Quem não possui
poder político não pode criar direito, então caberá aos políticos
trazer a necessidade dessas alterações, ou pelo menos possibilitar
que ocorram por meios das normas jurídicas a serem criadas.

BLO CKCH AIN


256 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Capítulo 5

CRIPTOATIVOS

As Initial Coin Offerings (ICO) dependem do estudo ainda dos


criptoativos num todo, e há uma regulamentação importante da
Receita Federal sobre o tema, que é a Instrução Normativa n. 1.888,
de 3 de maio de 2019. Segundo a sua ementa, a referida instrução
normativa “institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de
informações relativas às operações realizadas com criptoativos
à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB)”. No que
tange a este trabalho, importante a citação do art. 5º:

Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução


Normativa, considera-se:

I - criptoativo: a representação digital de valor


denominada em sua própria unidade de conta,
cujo preço pode ser expresso em moeda
soberana local ou estrangeira, transacionado
eletronicamente com a utilização de criptografia
e de tecnologias de registros distribuídos, que
pode ser utilizado como forma de investimento,
instrumento de transferência de valores ou
acesso a serviços, e que não constitui moeda de
curso legal; e

II - exchange de criptoativo: a pessoa jurídica,


ainda que não financeira, que oferece serviços

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 257
referentes a operações realizadas com
criptoativos, inclusive intermediação, negociação
ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios
de pagamento, inclusive outros criptoativos.

Parágrafo único. Incluem-se no conceito de


intermediação de operações realizadas com
criptoativos, a disponibilização de ambientes
para a realização das operações de compra e
venda de criptoativo realizadas entre os próprios
usuários de seus serviços. (RECEITA, 2019)

Mas qual a natureza jurídica de um criptoativo? Saber a


natureza jurídica é fundamental para saber as suas consequências
legais, então se torna preciso detalhar esse instituto para se entender
qual a sua natureza jurídica. Como bem explica Emília Malgueiro
Campos (2018, p. 25), que traz um conceito bem próximo ao da
citada Instrução Normativa, os criptoativos possibilitam a transação
de valores, sendo ativos ou tokens digitais. Utilizando a criptografia
como base, possibilitam pagamento ou reserva de valor.

Desde o surgimento do Bitcoin, questiona-se se os


criptoativos seriam uma moeda, uma commodity, títulos de crédito
ou um ativo. No Brasil, há um Projeto de Lei que tramita na Câmara dos
Deputados, que pretende definir as criptomoedas como milhagens
aéreas, caracterizando-as como uma forma de pagamento
sob a supervisão do Banco Central. Trata-se do Projeto de Lei n.
2.303/2015, de autoria do Deputado Áureo Ribeiro, atualmente pelo
Partido Solidariedade, cuja ementa é a seguinte: “dispõe sobre a
inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas na
definição de ‘arranjos de pagamento’ sob a supervisão do Banco
Central” (CÂMARA, 2015). Para se entender o conceito de arranjos

BLO CKCH AIN


258 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
de pagamento, a Lei n. 12.865/2013 traz a definição no seu art. 6º,
inciso I:

Art. 6º Para os efeitos das normas aplicáveis aos


arranjos e às instituições de pagamento que
passam a integrar o Sistema de Pagamentos
Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-
se: I - arranjo de pagamento - conjunto de regras
e procedimentos que disciplina a prestação de
determinado serviço de pagamento ao público
aceito por mais de um recebedor, mediante
acesso direto pelos usuários finais, pagadores e
recebedores; [...].

De acordo com a justificação do referido Projeto de Lei, as


denominadas moedas virtuais estão ganhando força e é preciso
uma regulamentação para as transações realizadas por meio
desses instrumentos. Em momento oportuno, esse projeto será
detalhado junto com os demais que buscam a regulamentação
do tema, mas aqui é importante trazer uma tabela que o projeto
utilizou comentando as principais conclusões de um relatório do
Banco Central Europeu em outubro de 2012 (atualizado em 2015), o
qual se transcreve a seguir, mediante tradução livre e adaptação do
Projeto de Lei:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 259
54 55

Riscos Apontados pelo Relatório Comentários realizados pelo


sobre Moedas Virtuais do Banco Deputado Áureo Ribeiro justificando
Central Europeu 54 a necessidade do Projeto de Lei n.
2303/201555
Não impõe um risco sobre a Como bem ressalvado o efeito
estabilidade de preços, conquanto das moedas virtuais sobre a
a criação de moeda permaneça em estabilidade de preços ainda não
um nível baixo” (tradução livre). traz preocupações enquanto estes
mecanismos não crescerem em
relação à economia. Assumindo
ser inevitável que eles realmente
continuem crescendo junto ao
incremento do uso da internet,
cabe monitorar a partir de que
ponto esta premissa deixará de ser
verdadeira.
“Tendem a ser inerentemente Mais uma vez o Relatório do BCE
instáveis, mas não têm o condão faz a devida ressalva de que a
de comprometer a estabilidade desnecessidade de regulação
financeira do país dada a sua imediata depende da (ainda) baixa
conexão limitada com a economia amplitude de adoção dessas
real, seu baixo volume negociado moedas virtuais. Com o crescimento
e a falta de aceitação tão ampla da internet impulsionando as
entre os usuários” (tradução livre). moedas virtuais haverá um natural
incremento de pontos de conexão
com a economia real, podendo
passar a ameaçar a estabilidade
financeira. De qualquer forma, o
Relatório indica que tais esquemas
são inerentemente instáveis, com
elevada volatilidade da sua relação
de troca com a moeda local.

54 Os Relatórios do Banco Central Europeu que se fazem menção neste trabalho podem ser
consultados nos seguintes links: <https://www.ecb.europa.eu/pub/pdf/other/virtualcurren-
cyschemes201210en.pdf> e <https://www.ecb.europa.eu/pub/pdf/other/virtualcurrencys-
chemesen.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2020.
55 Os comentários aqui transcritos podem ser verificados no link: <https://www.camara.leg.
br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=438E8D9E2BB3943860F683354E389A-
BC.proposicoesWebExterno2?codteor=1358969&filename=PL+2303/2015>. Acesso em: 26
mar. 2020.

BLO CKCH AIN


260 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
“Não é regulado no presente Aqui a preocupação é menos
momento e não é supervisionado sistêmica e mais de direito
ou fiscalizado de perto por qualquer do consumidor. Os usuários
autoridade pública ainda que a desses mecanismos estão
participação nesses esquemas inadvertidamente expostos a riscos
exponha os usuários a riscos de financeiros significativos e sem
crédito, liquidez, operacionais e proteção legal alguma.
legais” (tradução livre).
“Podem representar um desafio As moedas virtuais facilitam
às autoridades públicas, dada a atividades criminosas,
incerteza legal por trás destes especialmente lavagem de
esquemas que podem ser utilizados dinheiro.
por criminosos, fraudadores e
pessoas que lavam dinheiro para
realizar suas operações ilegais”
(tradução livre).
“Podem ter um efeito negativo Um esquema que pode ser
sobre a reputação dos Bancos entendido como uma “pirâmide”
Centrais, assumindo que o que acaba
uso de tais sistemas cresce
consideravelmente e que no caso
de um incidente atrair a cobertura
da imprensa, o público pode
perceber o incidente como sendo
causado, em parte, pelo fato de o
Banco Central não estar fazendo
seu trabalho direito” (tradução livre).

O Projeto de Lei n. 2.303/2015 encontra-se em tramitação


sem previsão de votação e em meados de 2019 foi criada uma
nova comissão especial para discutir a regulamentação de moedas
virtuais. Na comissão anterior, encerrada com o final da legislatura
na virada de 2018 para 2019, o relator defendeu a proibição das
criptomoedas, mas o parecer não foi aprovado (CÂMARA, 2019).

Outro problema se encontra em um conflito entre a Receita


Federal e a Comissão de Valores Mobiliários. Para a Receita Federal,
no que tange aos efeitos de tributação, as criptomoedas seriam
equiparadas a ativos financeiros, mas para a CVM não seriam ativos
financeiros, conforme Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, de 12 de

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 261
janeiro de 2018, nos seguintes termos:

Como sabido, tanto no Brasil quanto em outras


jurisdições ainda tem se discutido a natureza
jurídica e econômica dessas modalidades de
investimento, sem que se tenha, em especial no
mercado e regulação domésticos, se chegado
a uma conclusão sobre tal conceituação. Assim
e baseado em dita indefinição, a interpretação
desta área técnica é a de que as criptomoedas não
podem ser qualificadas como ativos financeiros,
para os efeitos do disposto no artigo 2º, V, da
Instrução CVM nº 555/14, e por essa razão, sua
aquisição direta pelos fundos de investimento ali
regulados não é permitida.

Destaca-se que o art. 2º, inciso V, da Instrução CVM 555


dispõe que se entende por ativos financeiros os títulos da dívida
pública e contratos derivativos. Embora haja esse conflito entre
os órgãos da Adminstração Pública no Brasil, juridicamente não
se pode considerar moeda, uma vez que se trata como moeda
apenas a emitida por autoridade governamental, como Real, Dólar
e Euro. Porém, há outras funções que os criptoativos podem exercer
de modo que Emília Malgueiro Campos (2018, p. 27) diz ser mais
adequado definir os criptoativos com uma natureza jurídica híbrida,
uma vez que varia de acordo com a sua utilização. Inclusive, o
Canadá “tributa de forma diferente se o uso da criptomoeda é como
meio de pagamento ou investimento” (CAMPOS, 2018, p. 27).

De fato, os criptoativos são muito diferentes dos institutos já

BLO CKCH AIN


262 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
existentes, de modo que a tecnologia crie situações não pensadas
e que não se encaixam perfeitamente nos modelos tradicionais.
Dentre suas funções, pode-se dizer que os criptoativos podem ser
adquiridos com a função de investimento, para meios de pagamento
e como ativo representativo de direito:

se considerarmos o caso de um usuário que


compra criptoativos e os mantêm esperando
uma valorização para simples realização futura,
por exemplo, a utilização do ativo está se dando a
título de reserva de valor, com intenção de lucro,
indicando a função clara de investimento. Dessa
classificação decorrem consequências para
vários efeitos, vejamos: tratar-se de um ativo com
atribuição de valor, portanto, deve ser declarado
como tal para a Receita Federal, nos termos do
que foi esclarecido no caderno de perguntas e
respostas da Declaração de Imposto de Renda
desde 2016. Como ativo, sua tributação está
sujeita às regras do ganho de capital, quando
da realização, ou seja, venda. Esse tipo de
ativo também pode ser comercializado, doado,
transmitido como herança, sendo que, nesse
caso, também comporá a base para tributação
específica de transmissão de bens por sucessão.
Mas vejamos agora outra hipótese. Um usuário
compra um computador e realiza o pagamento
em Bitcoin. Nesse caso, a função do criptoativo
é totalmente diferente do investimento
mencionada acima, atribuindo a ele outra
característica, não sendo caso de aplicação dos

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 263
mesmos efeitos, principalmente tributários. Para
essa situação, os efeitos decorrentes devem ser
aqueles inerentes à operação de compra e venda.
A ideia aqui é considerar para tratamento jurídico
a função principal do criptoativo na operação,
respeitando-se sua fungibilidade intrínseca. Uma
terceira hipótese é aquela onde o criptoativo
é usado como um ativo representativo de um
direito dentro da rede. (CAMPOS, 2018, p. 27/29)

No último caso, tratando os criptoativos como ativos


representativos de direitos, citam-se a sua utilização para fins de
smart contracts. Conclui-se, assim, que a natureza jurídica dos
criptoativos não é algo fácil de se atingir, mas se deve ter muito
cuidado para não descaracterizar a sua razão de existir, isto é, se
considerar um criptoativo como meio de pagamento seria função
do Banco Central a regulamentação, enquanto se considerar como
investimento caberia à CVM, embora a ideia da blockchain seja
justamente um sistema sem um terceiro confiável, reduzindo os
custos de transação. Verifica-se um problema que ainda não se
tem respostas no ordenamento jurídico, uma vez que o modelo
distribuído não se adequa à realidade atual do sistema financeiro.

Emília Malgueiro Campos (2018, p. 31) defende que deveria


haver uma autorregulamentação para o setor, sem o encaixar no
sistema existente, “dada a especificidade do assunto e mesmo
sua natural incompatibilidade com o sistema financeiro tradicional,
centralizado e monopolista”.

A autora (2018, p. 31/32) ainda diz que a entrada dos grandes


players do mercado financeiro no setor dos criptoativos seria um
efeito não desejado:

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264 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
desde o surgimento do Bitcoin, o ecossistema
vem crescendo com o surgimento de várias
startups e novos modelos de negócios inovadores.
A entrada dos grandes bancos nesse segmento,
com todo seu poderio econômico, parece não
fazer sentido, principalmente ao pensarmos
que se trata de uma tecnologia totalmente
descentralizada, criada para garantir aos usuários
mais autonomia e menos dependência do
sistema financeiro tradicional.

Relembra-se, inclusive, os princípios implícitos da tecnologia


blockchain, destacando-se o “poder distribuído”, pelo qual os
poderes centrais não devem se sobrepor aos usuários, e a “inclusão”,
que dispõe que a economia trabalha melhor quando ela funciona
para todos.

Mais a frente neste trabalho se destacará a questão


da natureza jurídica da ICO, ponto chave para atrair ou não a
regulamentação de um terceiro confiável, notadamente da CVM,
mas antes importante entender a validade dos criptoativos como
documentos eletrônicos.

5.1 VALIDADE E SEGURANÇA DOS DOCUMENTOS


ELETRÔNICOS

Quando se fala em criptoativos, está se falando de


documentos ou registros eletrônicos e, como explica Carlos Alberto
Rohrmann (2005, p. 1), o espaço virtual surge da recente revolução

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 265
das telecomunicações em associação aos computadores. Não há
dúvidas quanto à importância dos documentos físicos, mas é fato
que os documentos eletrônicos hoje movimentam a grande massa
dos créditos.

Inclusive, em outro trabalho (2017), este autor teve a


oportunidade de trabalhar a necessidade de readequação dos
princípios dos títulos de crédito, justamente por conta da evolução
tecnológica que permitiu a imaterialização do instituto. Fábio Ulhoa
Coelho (2010), no mesmo sentido, disse o seguinte:

Não há a menor dúvida. Talvez alguns professores


ou até mesmo doutrinadores não tenham ainda
se dado conta da verdadeira revolução silenciosa
que, há anos, acontece no setor da mobilização de
crédito. Aqueles que tratam o direito cambial como
se o título de crédito fosse ainda um documento
cartular falam, hoje, de casos marginais na
economia - negócios entre amigos ou familiares,
agiotagem, contratos civis de menor valor, coisas
assim. A grande massa dos créditos, hoje em
dia, é constituída, circula e é liquidada mediante
registros eletrônicos. É necessário revermos todo
este capítulo do direito comercial, a começar
pelo próprio conceito de título de crédito, que
Vivante enunciou há quase um século e que se
encontra, atualmente, ultrapassado. Título de
crédito não é mais o ‘documento necessário para
o exercício do direito literal e autônomo nele
contido’; mas, sim, o ‘documento, cartular ou
eletrônico, que contempla cláusula cambial, pela

BLO CKCH AIN


266 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
qual os co-obrigados expressam a concordância
com a circulação do crédito nele contido de
modo independente e autônomo’.

Jean Carlos Fernandes (2015, p. 224) também destaca:

no cenário evolutivo dos títulos de crédito,


nota-se o abandono gradativo da cartularidade
nas operações creditícias de maior vulto.
A viabilização de políticas de crédito para
segmentos econômicos específicos (imobiliário,
agropecuário, financeiro, entre outros)
exigem instrumental mais ágil e eficiente, que
continua sendo os títulos de crédito, porém
desmaterializados.

Há inúmeros trabalhos verificando se as criptomoedas


poderiam ser consideradas títulos de crédito, como o de Augusto
Lacerda Tanure (2018, p. 35), que discorda em função do princípio
da tipicidade, que exige dos títulos de crédito previsão legal. O
importante aqui, todavia, é verificar o impacto da tecnologia na
mobilização de riquezas, principalmente com os documentos
eletrônicos.

Mas o que seria documento? Como explicado por Vicente


Greco Filho (2013, p. 257), ao longo da história se criou uma ideia
de que o documento seria algo escrito e completo, inquestionável,
sendo a única prova válida. Embora se tenha criado também a ideia
de que a escrita é a forma de composição do documento, ressalta-

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 267
se que qualquer representação material também pode adquirir essa
característica (SANTOS, 2002, p. 460).

Sobre documento, importante a definição de Giuseppe


Chiovenda (1998, p. 151), que assim disse:

documento, em sentido amplo, é toda


representação material destinada a reproduzir
determinada manifestação do pensamento, como
uma voz fixada duradouramente. Documentos,
em tal acepção, representam os mais variados
sinais (limites dos prédios; sinalização de
estradas). Como, porém, o meio comum de
representação material do pensamento é a
escrita, os documentos desde longo tempo mais
importantes são os escritos.

Francesco Carnelutti (2004, p. 514) complementa:

documento, em sentido etimológico, é uma coisa


que docet, isto é, que leva em si a virtude de fazer
conhecer; esta virtude deve-se a seu conteúdo
representativo; por isso documento é uma coisa
que serve para representar outra. Por outro lado,
sendo a representação sempre obra do homem,
o documento, mais do que uma coisa, é um opus
(resultado de um trabalho).

BLO CKCH AIN


268 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Então, pode-se concluir que para ser um documento precisa
de um conteúdo e um suporte, sendo o conteúdo a ideia que se
pretende transmitir, o próprio fato, e o suporte o meio utilizado
para que o documento leve o conteúdo (MARINONI; ARENHART,
2004, p. 395). E não há problema nenhum quando se fala em
suporte eletrônico. Como se verificou, a função de um documento
é comprovar um fato e o documento eletrônico tem garantida sua
autenticidade, integridade e validade jurídica. Inclusive, encontra-
se a seguinte definição para documento no Dicionário Brasileiro
de Terminologia Arquivística (2005, p. 73): “unidade de registro de
informações, qualquer que seja o formato ou o suporte”.

Graziella Guerra Bacelete (2011, p. 103), no mesmo sentido


que vem sendo trabalhado aqui, diz:

com o desenvolvimento da informática, passou a


existir a necessidade incipiente de ampliar ainda
mais o conceito de documento, privilegiando
a sua finalidade. Um meio de comunicação tão
revolucionário não pode restar subutilizado em
virtude de entendimentos arraigados e inflexíveis
de antigos dogmas jurídicos. O reconhecimento
da internet como meio hábil para a realização de
atividades comerciais reconhecidas como válidas
e eficazes, sinal inconteste de sua legitimidade
como instrumento de progresso social.

A função jurídica de um documento é cumprida tanto pela


instrumentação escrita quanto por uma mensagem de dados,
eletrônica, falando-se na equivalência funcional, que “implica, em

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 269
suma, a não discriminação das mensagens de dados eletrônicos
em comparação às produzidas tradicionalmente, ou melhor, às
declarações de vontade, verbais ou escritas” (LAWAND, 2003,
p. 42/43). Importante relembrar aqui o art. 5º da Lei Modelo da
UNCITRAL sobre Comércio Eletrônico, da Organização das Nações
Unidas: “Artigo 5 - Reconhecimento jurídico das mensagens de
dados: Não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia
à informação apenas porque esteja na forma de mensagem
eletrônica.” (ONU, 1997).

Antigamente era um problema essa questão do documento


no suporte eletrônico, mas hoje não pode ser mais. Quando se fala
em blockchain, a segurança sempre é questionada, mas, como
será demonstrado aqui, um documento eletrônico também exige
cuidados, como um documento físico.

Superada essa questão, importante definir o documento


eletrônico:

o documento eletrônico é, então, uma sequência


de bits que, traduzida por meio de um determinado
programa de computador, seja representativa de
um fato. Da mesma forma que os documentos
físicos, o documento eletrônico não se resume
em escritos: pode ser um texto escrito, como
também um desenho, uma fotografia digitalizada,
sons, vídeos, enfim, tudo que puder representar
um fato que esteja armazenado em um arquivo
digital. (MARCACINI, 1999)

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270 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
o documento eletrônico, também denominado
de documento digital ou informático, é produzido
por meio da utilização de computador. Ou seja,
é a formação de um documento com o uso de
uma nova tecnologia. Este documento, ainda,
pode ser considerado como aquele que se
encontra inserido e gravado no formato digital, ao
alcance dos envolvidos, apenas com a utilização
do computador e de um programa adequado,
em especial com a assinatura digital, conferindo
segurança e confiança aos dados armazenados.
(BEHRENS, 2007, p. 65)

Obviamente, não se fala aqui em documento digitalizado, que


nada mais seria que a cópia de um documento físico. Além disso,
aqui se fala em uma sequência de bits, e não de átomos (FREIRE
JÚNIOR, 2005, p. 352/353). Só haverá a presunção de integridade
e autenticidade para os documentos produzidos diretamente no
ambiente eletrônico e assinados digitalmente com os certificados
emitidos pela ICP-Brasil, observado o art. 10 da Medida Provisória
de nº 2.200-256:

Art. 10. Consideram-se documentos públicos


ou particulares, para todos os fins legais, os
documentos eletrônicos de que trata esta Medida
Provisória.

56 Destaca-se que a Medida Provisória n. 2-200-2, de 24 de agosto de 2001, está vigente


ainda, uma vez que a Emenda Constitucional que alterou a vigência das medidas provisórias
quando não fossem votadas foi a n. 32, de 11 de setembro de 2001, poucos dias depois. Ve-
ja-se o art. 2º da EC n. 32: “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação
desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicita-
mente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional” (BRASIL, 2001, Art. 2º).

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 271
§1º As declarações constantes dos documentos
em forma eletrônica produzidos com a utilização
de processo de certificação disponibilizado pela
ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação
aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no
3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil.

§2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta


a utilização de outro meio de comprovação da
autoria e integridade de documentos em forma
eletrônica, inclusive os que utilizem certificados
não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido
pelas partes como válido ou aceito pela pessoa
a quem for oposto o documento. (BRASIL, 2001,
Art. 10)

O que tem que ser feito, então, é criar essa impressão de


“materialidade” com os documentos eletrônicos e, nesse contexto,
fundamental a análise de termos como criptografia e assinatura
digital.

5.1.1 CRIPTOGRAFIA

A criptografia é uma ciência que estuda a escrita em código,


bem como os métodos e técnicas de codificar uma mensagem.
Sobre o assunto, Ângelo Volpi Neto (2001, p. 76) coloca que o termo
criptografia vem do grego kryptós, que significa oculto, e grafos, que
significa escrita, isto é, criptografia é a escrita secreta, que oculta
uma informação. Sem o código, não se saberá o conteúdo da

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272 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
mensagem. Como bem explica Teixeira e Rodrigues (2019, p. 37), “ela
nasce da necessidade de se criar ferramentas capazes de proteger
a informação e de prover segurança aos dados armazenados e
transmitidos nos diversos tipos de relações que se utilizam dados
digitais”.

De forma resumida, como explicado por Graziella Guerra


Bacelete (2011, p. 106), “o mecanismo funciona com base na aplicação
de um padrão secreto de substituição dos caracteres, de forma que
a mensagem se torne ininteligível para quem não conhece o padrão
criptográfico utilizado”. Hoje se utilizam conceitos matemáticos
avançados e abstratos, de um modo que se embaralhe os próprios
bits do documento digital.

O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (2012)


define a criptografia como

uma forma sistemática utilizada para esconder a


informação na forma de um texto ou mensagem
incompreensível. Essa codificação é executada
por um programa de computador que realiza um
conjunto de operações matemáticas, inserindo
uma chave secreta na mensagem. O emissor
do documento envia o texto cifrado, que será
reprocessado pelo receptor, transformando-o,
novamente, em texto legível, igual ao emitido,
desde que tenha a chave correta.

Mas como saber se uma criptografia será segura ou não?


Para responder essa pergunta, Régis Magalhães Soares Queiroz e
Henrique de Azevedo Ferreira França (2005, p. 434) estabelecem

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 273
três parâmetros:

(I) identificação/autenticação: verificação


da identidade do remetente da mensagem,
garantindo que ele é realmente quem diz ser.
Além disso, também assegura a integridade
do conteúdo da mensagem; (II) impedimento
de rejeição: que garante que o remetente não
poderá negar o envio da mensagem; e (III)
privacidade: a capacidade de o sistema ocultar o
conteúdo da mensagem de todos que não sejam
o destinatário dela.

A criptografia pode ser de dois tipos: simétrica e assimétrica.


Na simétrica, há uma mesma chave para cifrar e decifrar a
mensagem, sendo chamada de criptografia de chave privada. O
problema dela é que surge certa insegurança, pois os destinatários
devem conhecer a chave que foi utilizada para cifrar a mensagem
e, caso não sejam confiáveis, podem divulgá-la para terceiros ou
até mesmo criarem novas mensagens como se o remetente fosse.
Atualmente, essa criptografia “é mais utilizada em redes fechadas
ou apenas para garantir o sigilo de arquivos pessoais armazenados
em computadores isolados ou em conjunto com outros métodos
mais modernos” (BACELETE, 2011, p. 107).

Assim, um importante avanço foi a implantação da criptografia


assimétrica, criada pelos cientistas de Stanford Whitfield Diffiem e
Martin Hellman, descobridores do algoritmo Diffie-Hellman. Nesse
método, existem duas chaves, sendo uma para criptografar, que é a
chave privada, e outra para decifrar, que é a chave pública. A partir

BLO CKCH AIN


274 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
de um complexo método matemático,

são gerados dois códigos diferentes. Um deles


ficará em poder do proprietário do sistema (chave
privada), que terá exclusividade de uso. O outro
poderá ser distribuído a todos aqueles com quem
o proprietário precisa manter uma comunicação
segura ou identificada (chave pública). Quando
utilizada para assinar documento eletrônico, a
chave privada faz incluir um código numérico
no documento, que é a própria assinatura digital.
Consiste no resultado da aplicação de um
algoritmo matemático ao texto do documento. A
partir daí, somente a chave pública relacionada
àquela chave privada que criou o código
numérico pode decifrá-lo, o que assegura a
origem do documento, desde que garanta a total
preservação da chave privada em sua geração
e armazenamento pela autoridade certificadora.
(BACELETE, 2011, p. 108)

Carlos Alberto Rohrmann (1997, p. 40) complementa:

basicamente, o funcionamento da criptografia


envolve o uso de dois códigos, duas chaves de
criptografia atribuídas a uma mesma pessoa.
A primeira, apenas o proprietário conhece. É a
‘chave privada’. Sua função é a de criptografar a
mensagem que se pretende transmitir. A chave

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 275
pública, por seu turno, será capaz de ‘abrir’,
de descriptografar apenas as mensagens que
foram criptografadas pela chave privada a ela
associada. A cada chave privada de criptografia
existe uma e uma só chave pública associada e,
obviamente, cada par de chaves estará associada
a apenas um usuário, a apenas uma pessoa como
‘proprietária’.

Com esse mecanismo da criptografia assimétrica, como


se verificou, permite-se manter o segredo de uma das chaves e
decifrar a mensagem. Com a chave que decifra, não podem ser
criadas mensagens como se o remetente fosse. Assim, as fraudes
são reduzidas. Ressalta-se que a chave pública também pode ser
usada para criptografar uma mensagem, mas como ela é pública
se perde a garantia de sua origem, embora só o portador da chave
privada possa decifrá-la.

De toda forma, o que importa é que o documento assinado


no sistema da chave pública tem garantida sua integridade, pois
qualquer modificação impossibilita a descodificação, inutilizando o
documento e demonstrando que foi adulterado (BACELETE, 2011,
p. 109).

A relação aqui com os criptoativos é por conta da estreita


relação. A criptomoeda Bitcoin, por exemplo, baseia-se na
criptografia assimétrica, sendo importante a citação de Andreas
Antonopoulos (2017, p. 57):

não é para encriptar (fazê-las secretas)


transações, mas a utilidade dessa criptografia é

BLO CKCH AIN


276 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
sua habilidade em gerar assinaturas digitais. Uma
chave privada pode ser aplicada à impressão
digital de uma transação para produzir uma
assinatura numérica. Essa assinatura só pode
ser produzida por alguém que conheça a chave
privada. Contudo, qualquer pessoa com acesso
à cheve pública e à impressão digital pode usá-
las para verificar a assinatura. Essa propriedade
útil da criptografia assimétrica torna possível
que qualquer pessoa verifique as assinaturas
de todas as transações, enquanto permanece
garantido que só o possuidor da chave privada
pode produzir assinaturas válidas.

O sistema do Bitcoin ainda acrescenta ao texto uma


sequência de números e letras exclusivas à comunicação e, em
seguida, coloca no algoritmo hash (código calculado e aceito pela
rede). A segurança da rede, então, dá-se por conta de cálculos
matemáticos, e isso é revolucionário pela transparência (quem
tem acesso à chave pública e acesso à rede poderá verificar as
transações) e segurança (qualquer alteração será verificada pela
alteração do hash).

5.1.2 INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS

Com o último tópico sobre a criptografia, restou verificado


que quando alguém criptografa uma mensagem com uma chave
privada, a chave pública correspondente pode decifrá-la. Mas se as
partes não se conhecem, torna-se difícil saber quem é o verdadeiro

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 277
proprietário da chave privada correspondente à chave pública.

Sabe-se que a assinatura digital do emitente do documento


garante a autenticidade e a integridade desse documento, mas se
as partes não se conhecem, como garantir que o par de chaves e a
assinatura correspondem realmente ao emitente, não sendo falsa?
Nesse contexto, surge a autoridade certificadora, “uma terceira
parte confiável, responsável por certificar a verdadeira identidade
do proprietário de chave privada utilizada para criptografar a
mensagem” (BACELETE, 2011, p. 109).

Explicando a importância dessa autoridade certificadora,


dizem Augusto Jun Devegli e Aline Sueli de Sales Santos (2003, p.
206):

a criptografia assimétrica baseia-se no uso de


chaves privadas e públicas. Um problema que
surge é a confiabilidade da chave pública: como
se pode ter certeza de que uma certa chave
pública, dita de Alice, é realmente de Alice? A
situação é similar ao caso dos documentos de
identidade: como alguém pode ter certeza de
que uma carteira de identidade é realmente da
pessoa que consta no documento? No caso da
carteira de identidade, ela é emitida por um órgão
idôneo, por exemplo a Secretaria de Segurança
Pública de um Estado, que atesta sua validade.
No caso de uma chave pública, uma autoridade
certificadora emite um certificado digital
atestando que uma entidade detém um certo
par de chaves. No certificado digital constam a
identificação da entidade, sua chave pública, o

BLO CKCH AIN


278 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
período de validade do certificado e a assinatura
da autoridade dando fé ao certificado.

A autoridade certificadora, então, será uma pessoa que


atestará a identidade dos proprietários do par de chaves. No Brasil,
para resolver essa questão, editou-se a Medida Provisória 2.200-2,
de 24 de agosto de 2001, que “institui a Infra-Estrutura de Chaves
Públicas Brasileira - ICP-Brasil, transforma o Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação em autarquia, e dá outras providências”
(BRASIL, 2001, Ementa), sendo a ICP-Brasil “um conjunto de técnicas,
práticas e procedimentos que foram traçados pelo seu Comitê
Gestor com o objetivo de estabelecer os fundamentos técnicos e
metodológicos de um sistema de certificação digital baseado em
chave pública” (INSTITUTO, 2012).

Importante, então, um estudo sobre a referida Medida


Provisória, que segue as tendências da Uncitral da ONU e
regulamenta a questão da segurança dos documentos eletrônicos
no Brasil. O art. 1º dispõe:

Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves


Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir
a autenticidade, a integridade e a validade
jurídica de documentos em forma eletrônica,
das aplicações de suporte e das aplicações
habilitadas que utilizem certificados digitais, bem
como a realização de transações eletrônicas
seguras. (BRASIL, 2001, Art. 1º)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 279
Então, como se verifica, é por meio da ICP-Brasil que um
documento eletrônico obterá a segurança jurídica. Claro que isso
não significa que seja a única forma de validação de documento
eletrônico, mas se seguir os moldes da ICP-Brasil, haverá uma
presunção de validade legal.

Para que tudo isso ocorra, surge a necessidade de se


fazer um certificado digital para o usuário, que em suma é um
arquivo eletrônico contendo as chaves de um agente, que seriam
associadas às informações relativas a essa pessoa (FREIRE JÚNIOR,
2015, p. 357).

Na prática,

o certificado digital ICP-Brasil funciona como uma


identidade virtual que permite a identificação
segura e inequívoca do autor de uma mensagem
ou transação feita em meios eletrônicos, como
a web. Esse documento eletrônico é gerado e
assinado por uma terceira parte confiável, ou seja,
uma Autoridade Certificadora - AC que, seguindo
regras estabelecidas pelo Comitê Gestor da ICP-
Brasil, associa uma entidade (pessoa, processo,
servidor) a um par de chaves criptográficas.
Os certificados contêm os dados de seu titular
conforme detalhado na Política de Segurança de
cada Autoridade Certificadora. (INSTITUTO, 2012)

Dessa forma, uma chave pública é armazenada no


certificado e uma chave privada é sigilosamente guardada pelo
emitente, que poderá utilizá-la, sendo validada com a chave

BLO CKCH AIN


280 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
pública correspondente. A autoridade certificadora faz um papel
semelhante ao de um cartório, quando reconhece firmas em
documentos escritos em papel. (FREIRE JÚNIOR, 2015, p. 358/359)

Com base na tese de doutorado de Aluer Baptista Freire


Júnior (2015, p. 359/368), explicar-se-á brevemente como é o
procedimento para solicitação dos certificados. Recebendo a
solicitação, a Autoridade de Registro tem que analisar os pré-
requisitos para validar a emissão, de modo que solicite à Autoridade
Certificadora a expedição do certificado digital se estiver tudo
conforme as regulamentações. Destaca-se que há vários tipos de
certificados, variando também os seus requisitos. De toda forma,
a Autoridade Certificadora só pode emitir o certificado com o
requerimento da pessoa e a solicitação da Autoridade de Registro.

Emitido o certificado pela Autoridade Certificadora, ela


deve publicá-lo em seu repositório e no Diário Oficial da União,
ressaltando que cada certificado tem um prazo de validade, e
podem ser revogados por motivos como perda ou roubo, com tudo
devendo ser publicado. Estando vencido, a sua utilização é de inteira
responsabilidade do proprietário e, para renovar, deve ser reiniciado
todo o procedimento.57
57 Nesse contexto, a Medida Provisória 2.200-2 dispõe em seu art. 5º e seguintes: “Art. 5º À AC
Raiz, primeira autoridade da cadeia de certificação, executora das Políticas de Certificados e
normas técnicas e operacionais aprovadas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, compete emitir,
expedir, distribuir, revogar e gerenciar os certificados das AC de nível imediatamente subse-
qüente ao seu, gerenciar a lista de certificados emitidos, revogados e vencidos, e executar
atividades de fiscalização e auditoria das AC e das AR e dos prestadores de serviço habilita-
dos na ICP, em conformidade com as diretrizes e normas técnicas estabelecidas pelo Comitê
Gestor da ICP-Brasil, e exercer outras atribuições que lhe forem cometidas pela autoridade
gestora de políticas. Parágrafo único. É vedado à AC Raiz emitir certificados para o usuário
final. Art. 6º Às AC, entidades credenciadas a emitir certificados digitais vinculando pares de
chaves criptográficas ao respectivo titular, compete emitir, expedir, distribuir, revogar e ge-
renciar os certificados, bem como colocar à disposição dos usuários listas de certificados
revogados e outras informações pertinentes e manter registro de suas operações. Parágrafo
único. O par de chaves criptográficas será gerado sempre pelo próprio titular e sua chave
privada de assinatura será de seu exclusivo controle, uso e conhecimento. Art. 7º Às AR, enti-
dades operacionalmente vinculadas a determinada AC, compete identificar e cadastrar usuá-
rios na presença destes, encaminhar solicitações de certificados às AC e manter registros de
suas operações. Art. 8º Observados os critérios a serem estabelecidos pelo Comitê Gestor da
ICP-Brasil, poderão ser credenciados como AC e AR os órgãos e as entidades públicos e as

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 281
E, de acordo com o art. 10 da Medida Provisória 2.200-2,
são válidos os documentos assinados digitalmente no Brasil, seja
no âmbito da ICP-Brasil, sejam emitidos fora da Infraestrutura de
Chaves Públicas. Mas, se for emitido pela ICP-Brasil, haverá uma
presunção de veracidade em relação aos signatários. Embora o §1º
do citado art. 10 faça menção ao Código Civil de 1916, é evidente
que deve ser feita a adequação para o Código Civil de 2002, que
se encontra vigente e assim dispõe no art. 219: “As declarações
constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras
em relação aos signatários” (BRASIL, 2002, Art; 219).

Sobre o §2º,

a opção da MP 2.200 foi dar flexibilidade às


transações comerciais a ponto das partes
elegerem a forma como garantirão a autoria e
a integridade dos documentos eletrônicos. Tal
preocupação faz sentido, pois certas transações
eletrônicas não justificam a aplicação de
um sistema sofisticado de autenticação, ou
certificação, uma compra de um produto de baixo
valor pela internet; o acesso a determinado site
ou consentimento a uma política de privacidade
de algum serviço eletrônico são alguns exemplos
em que não se justificaria a utilização da ICP-
Brasil. O standard mínimo é a possibilidade de
comprovação de autoria e integridade desde que
admitido pelas partes envolvidas. Neste caso, a
validade do documento restringir-se-á às partes,

pessoas jurídicas de direito privado. Art. 9º É vedado a qualquer AC certificar nível diverso do
imediatamente subseqüente ao seu, exceto nos casos de acordos de certificação lateral ou
cruzada, previamente aprovados pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil. (BRASIL, 2001, Art. 5º/9º)

BLO CKCH AIN


282 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
tal qual um instrumento particular físico. (SILVA,
2008, p. 531)

Para encerrar esse tópico, importante uma breve análise do


direito comparado, com base na análise também feita por Aluer
Baptista Freire Júnior (2015, p. 369/393). Na Europa, a primeira lei a
disciplinar o regime das assinaturas eletrônicas foi a lei alemã, por
meio da luKDG, editada em 1997. A autoridade certificadora, como
trazido pelo autor (p. 370), seria “uma pessoa singular ou coletiva
que certifica a atribuição de chaves de assinatura pública a pessoas
singulares”. Como ocorre no direito brasileiro, também se exige
a utilização de uma chave pública e de uma chave privada que
tenham equivalência, sendo que a autoridade certificadora deve ser
autorizada por uma autoridade competente.

Nos Estados Unidos da América, são importantes a Utah


Digital Signature Act-Utah Code e a Lei de Assinatura Digital, sendo
considerada pela doutrina como a mais completa de todas e com a
preocupação de facilitar o comércio eletrônico. Conforme essa lei, a
assinatura digital que usou a chave pública tem presunção de que o
assinante quis autenticar a mensagem e confirmar o seu conteúdo.
Se o certificado foi emitido por uma autoridade devidamente
licenciada e esteja em vigor, haverá a presunção de veracidade. O
documento eletrônico, assim, será tão válido quanto o escrito em
papel.

Na França, desde 2000, está expresso na legislação que o


escrito eletrônico também é dotado de força probante, havendo
uma preocupação com a identificação do autor e a integridade do
documento, como na lei americana. Se seguir as normas francesas,
haverá presunção de garantia e confiabilidade da assinatura.

Em Portugal,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 283
verificou-se que o comércio eletrônico era uma
realidade que afetaria sociedade e meio jurídico,
surgindo deste contexto a necessidade de
regulamentação jurídica. Com fito de criar um
ambiente seguro para transações comerciais
eletrônicas e propiciar segurança tanto para os
fornecedores quanto para consumidores de
produtos adquiridos via web, surge o Decreto-
Lei 290-D/99, de 2 de agosto de 1999, norma
exemplar pois trata com grande propriedade do
tema documento eletrônico e assinatura digital. O
referido Decreto passou por algumas alterações
em virtude do Decreto-Lei 62.2003, o qual
procura compatibilizar o primeiro com diretivas
da Comunidade Europeia. (FREIRE JÚNIOR, 2015,
p. 377)

Uma diferença que pode ser evidenciada para o direito


brasileiro, é que no Brasil há a figura da Autoridade de Registro,
que recebe o pedido e encaminha para a Autoridade Certificadora,
enquanto no direito português o pedido já é feito diretamente à
autoridade certificadora. De toda forma, seguindo o entendimento
francês e americano, há a equivalência entre os documentos físicos
e eletrônicos, desde que respeitados as normas vigentes.

No ordenamento jurídico da Argentina, encontra-se uma


distinção entre “assinatura digital” e “assinatura eletrônica”, embora
muitas vezes usadas como sinônimas. A “assinatura eletrônica”

BLO CKCH AIN


284 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
seria um gênero, sendo que a “assinatura digital” é a assinatura
eletrônica que preenche todos os requisitos legais, garantindo sua
confiabilidade (LORENZETTI, 2004, p. 124). Se constar a assinatura
digital, o documento eletrônico terá a presunção de veracidade,
como nos outros ordenamentos. Interessante na Lei da Firma Digital
argentina a responsabilidade perante terceiros do certificador
emitente de um certificado digital, que é responsável pelos
prejuízos causados pelo descumprimento da lei e eventuais erros
nos certificados emitidos.

Por fim, destaca-se o sistema de Infraestrutura de Chaves


Públicas na Austrália, que foi implementado de forma administrativa,
“tendo como estratégia para utilização um conjunto de serviços
provedores nomeado ICP Gatekeeper, sendo que o diretor de
informações do governo australiano (AIGMO) é considerado a
autoridade gestora do Gatekeeper” (FREIRE JÚNIOR, 2015, p. 390).
Diferentemente do Brasil, na Austrália há esse órgão controlador
que estabelecerá administrativamente todo o procedimento de
certificação.

5.1.3 ASSINATURA DIGITAL

Como explicado por Chiovenda (1998, p. 153), “o escrito,


como ato destinado a reproduzir o pensamento só é perfeito, em
regra, quando traz a assinatura da pessoa que provém”. A assinatura,
então, pode ser um requisito para que um documento exerça sua
função.

Classicamente, a assinatura era o ato de escrever com a


própria mão no rodapé do documento (CARNELUTTI, 2004, p. 515),
mas hoje já é perfeitamente possível falar na assinatura digital,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 285
sendo inclusive um instrumento do dia-a-dia de advogados e
empresários, por exemplo.

O que importa é que o emissor de uma mensagem seja


identificável, pois se o conteúdo não puder ser atribuído a ninguém,
não terá valor jurídico. Segundo Carnelutti (2004, p. 516), são três
as funções da assinatura: identificar o autor, atestar a declaração
do autor e possibilitar a verificação da autenticidade do documento.
A assinatura nada mais é que “uma forma pela qual o autor de
um documento se identifica e manifesta o seu conhecimento e a
sua concordância acerca do conteúdo do referido documento”
(QUEIROZ, 2005, p. 396/397).

Nos documentos físicos, como explicado por Graziella


Guerra Bacelete (2011, p. 114),

a integridade, a autenticidade e a tempestividade


são identificadas no exame do papel que contém
a informação. Feita manualmente, é considerada
praticamente única, pois nela está representada
a individualidade do traço escrito. A correlação
da assinatura autográfica com determinada
pessoa pode ser feita por meio do sistema
de reconhecimento de firma em cartório. E,
ainda, se necessário, é possível realizar perícia
grafotécnica. Dessa conjugação, obtém-se a
garantia sobre a possibilidade e a viabilidade
de identificar-se o autor da assinatura manual,
não obstante ser impossível afastar totalmente
as possibilidades de falsificações. Além disso,
a perenidade e a integridade do conteúdo são
facilmente verificadas, pois estão ligadas ao

BLO CKCH AIN


286 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
papel de uma maneira praticamente indissolúvel
e relativamente difícil de fraudar.

Nos documentos eletrônicos, nos quais não é possível


assinar do modo tradicional, ficava o questionamento de como seria
garantida a sua identificação e integridade. Nesse contexto aparece
a assinatura digital, desenvolvida a partir da criptografia assimétrica
já explicada.

Ressalta-se que não deve ser confundida a assinatura


digital com a assinatura digitalizada, uma vez que essa última não
tem a força probante da primeira. A assinatura digitalizada “é a
reprodução da assinatura de próprio punho como imagem por um
equipamento tipo scanner” (QUALISIGN, 2016), não garantindo a
autoria e integridade do documento eletrônico, pois não existe uma
associação inequívoca entre o assinante e o que foi digitalizado.
Qualquer pessoa sem muito conhecimento em tecnologia consegue
copiar uma assinatura de um documento físico e colar em outro ao
digitalizar.

A assinatura digital, então, não é aquela que está na foto de


um documento físico, por exemplo, ela é

o resultado da aplicação de uma chave particular


em um documento informático, de forma que
quem quiser verificar a sua autenticidade e
dispuser da chave pública, poderá ter certeza da
proveniência do documento daquele que possui
a chave privada, bem como a integridade do
documento pela aplicação da assinatura digital.
(VOLPI NETO, 2001, p. 53)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 287
Assim, enquanto a assinatura manual é identificada pela
grafia, a digital é identificada pelo sistema de criptografia, de modo
que se garante que o documento se encontra íntegro, como foi
criado e enviado. É interessante o sistema da assinatura digital,
pois se for incluído um espaço em branco no texto, por exemplo, a
assinatura fica invalidada. (BACELETE, 2011, p. 115)

Sobre a assinatura digital, importantes as lições de Christiano


Vítor de Campos Lacorte (2006):

O signatário, já com o documento que deseja


assinar digitalmente disponível, acessa um
software de computador que, utilizando uma
função hash, gera um resumo do documento
– deve-se ressaltar que este resumo é único,
ou seja, nenhum outro documento digital pode
gerar aquela sequência numérica gerada pela
função hash (coincidências deste tipo – mesmo
resultado do hash para diferentes documentos,
denominadas colisões – são raras de ocorrer, e
indicam fragilidades dos algoritmos de cifragem;
quanto maior a quantidade de colisões, mais
vulnerável é aquele algoritmo). É por esta razão
que as assinaturas digitais, mesmo que de um
mesmo signatário, serão diferentes para cada
documento assinado, diferente do que ocorre
para a assinatura manuscrita, a qual o subscritor
a repete nos diferentes documentos em que a
apõe.

A seguir, o programa de computador aplica a chave


privada do assinante ao resumo da mensagem,

BLO CKCH AIN


288 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
gerando uma nova sequência de números, que
só pode ser revertida por meio da chave pública
que faz par com a chave privada utilizada – o
resultado desta operação é a assinatura digital.
Os destinatários daquele documento receberão
junto a assinatura e para validá-la utilizarão um
software, que primeiro utilizará a chave pública
do signatário para obter o hash do documento,
e então aplicará uma função hash no documento
recebido e verificará se corresponde àquele
que ele obteve da assinatura: se corresponder,
a autoria e a integridade do documento estão
confirmados, se não corresponder, ou a chave
privada utilizada não é àquela correspondente
à chave pública utilizada, ou o documento foi
adulterado.

Apesar de o processo parecer complicado, a


sua utilização é bastante simples, uma vez que
a complexidade é, via de regra, encoberta pelos
programas de computador, que realizam as
operações e informam os resultados, restando
aos usuários, em geral, apenas instruir quais
documentos desejam assinar ou validar, e conferir
os resultados das verificações das assinaturas.

Para finalizar esse estudo sobre a assinatura digital,


destacam-se as suas aplicações:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 289
são muitas as possibilidades de aplicações da
assinatura digital, dentre elas encontram-se as
seguintes: - comércio eletrônico; - processos
judiciais e administrativos em meio eletrônico; -
facilitar a iniciativa popular na apresentação de
projetos de lei, uma vez que os cidadãos poderão
assinar digitalmente sua adesão às propostas;
- assinatura da declaração de renda e outros
serviços prestados pela Secretaria da Receita
Federal; - obtenção e envio de documentos
cartorários; - transações seguras entre
instituições financeiras, como já vem ocorrendo
desde abril de 2002, com a implantação do
Sistema de Pagamentos Brasileiro - SPB; - Diário
Oficial Eletrônico; - identificação de sítios na rede
mundial de computadores, para que se tenha
certeza de que se está acessando o endereço
realmente desejado; etc. (INSTITUTO, 2012)

Salienta-se que uma assinatura digital não torna um


documento sigiloso, pois ela garante só a integridade e comprovação
da autoria do documento. Todavia, nada impede que a mensagem
que o documento queira transmitir seja criptografada também.

De toda forma, seja documento físico ou eletrônico, deve-se


verificar a autoria e integridade. No caso do documento eletrônico,
a verificação da autoria e integridade é feita pela assinatura digital,
e qualquer alteração após a assinatura a invalida. Isso tem um papel
fundamental no mercado, que evoluiu juntamente com a tecnologia.

BLO CKCH AIN


290 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
5.2 A SISTEMÁTICA DOS CRIPTOATIVOS

A criptomoeda Bitcoin levou a uma revolução dos criptoativos


num todo, surgindo inúmeras blockchains com criptoativos
nativos. Em março de 2017, por exemplo, havia mais de oitocentos
criptoativos, embora o Bitcoin representasse quase 70% do valor
de rede total dos criptoativos. Em segundo lugar vinha o Ether, do
Ethereum (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 31).

Especificamente sobre o Bitcoin, Fernando Ulrich (2014, p.


107) destaca:

embora possa parecer que haja uma dicotomia


entre o Bitcoin e as moedas fiduciárias, em
realidade, é preciso enxergar o Bitcoin não
como mutualmente excludente, mas sim como
complementário às formas de dinheiro hoje
existentes. É verdade que não podemos saber se
o Bitcoin irá perdurar. Não sabemos se sobreviverá
outro ano, ou uma década. Mas arrisco dizer que
uma moeda digital (ou criptomoeda) veio para
ficar.

Ora, o Bitcoin pode realmente perder o valor que tem


hoje, mas como uma forma de dinheiro digital deixou uma “marca
duradoura no ambiente financeiro” (ULRICH, 2014, p. 107).

Além disso, embora sempre se aproxime o conceito de


criptoativos ao de criptomoedas, seria interessante sistematizar os
criptoativos também em criptocommodities (commodities digitais,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 291
oferencendo recursos digitais brutos) e criptotokens (tokens digitais,
oferecendo bens e serviços digitais acabados).

Sobre moedas, sabe-se que elas preenchem três finalidades:


serem instrumentos de troca, reservas de valor e unidades de conta,
sendo que “o próprio formato da moeda, com frequência, tem pouco
valor inerente” (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 32). Há, assim, uma ilusão
de valor que, se compartilhadas amplamente pela sociedade com
autorização estatal, poderão ser medidas para precificar o valor de
outras coisas.

Quando se fala em commodities, o sentido já é diferente,


sendo algo abrangente e comumente pensado como “blocos
de construção em material bruto que servem como insumos
para produtos acabados” (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 32),
sendo exemplos o trigo, petróleo e o cobre. E, considerando a
modernização tecnológica, fala-se hoje em commodities digitais,
cujos exemplos podem ser potência de computação, capacidade de
armazenamento e banda disponível de rede. Caso sejam fornecidas
por uma rede blockchain, serão tratados como criptocommodities.

Além disso, ainda haverá os criptotokens, isto é, bens e


serviços “acabados”, como mídia, redes sociais, jogos, dentre
outros exemplos fornecidos via blockchain. Chris Burniske e Jack
Tatar (2019, p. 32) destacam que “os criptotokens estão no estágio
mais inicial de desenvolvimento, e provavelmente serão os últimos
a ganhar tração, pois exigem que uma infraestrutura robusta
de criptomoedas e criptocommodities seja construída antes de
poderem funcionar de maneira mais confiável”.

Logo, a tecnologia blockchain inclui os criptoativos,


sistematizados como criptomoedas, criptocommodities e
criptotokens. Em séculos anteriores também se teve moeda,
commodities e bens e serviços acabados sendo ofertados, mas em

BLO CKCH AIN


292 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
um ambiente diferente, com menos eficiência do que se tem hoje
com a blockchain. Como se disse sobre os criptotokens, ainda há
muito para se desenvolver.

Importante, então, detalhar um pouco de cada neste tópico.

5.2.1 CRIPTOMOEDAS

As moedas em si não são novidades na humanidade,


uma vez que desde os primórdios da humanidade já havia bens
utilizados como meio de troca. Inicialmente havia o escambo com
bens como sal e gado, mas posteriormente começaram a utilizar
metais na cunhagem de moedas, principalmente pela raridade e
valor econômico. Como bem explicam Tarcísio Teixeira e Carlos
Alexandre Rodrigues (2019, p. 43/44):

evoluiu-se para a utilização de metais na


cunhagem de moedas, em decorrência de sua
raridade e valor econômico, destacando-se,
como se imagina, o ouro e a prata, até por conta
de seu valor intrínseco, de modo que valiam como
moedas emitidas, mas também por serem peças
preciosas por si só, além de serem escassas na
natureza.

Chegou um momento depois que as peças passaram a valer


mais por seu valor extrínseco, isto é, o valor gravado na peça, como
se vê hoje no papel moeda. Então se constata que o dinheiro nada

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 293
mais é que uma convenção humana para servir de meio de troca
universal, já que nem todos produzem tudo que precisam.58

Um ponto principal das moedas hoje em dia é a confiança


que delas emanam. Ora, por qual razão alguém trocaria um carro
por uma determinada quantidade de notas? Isso tão somente se
justifica pela confiança que ele tem nas notas. Segundo o Banco
Central do Brasil,

a utilização histórica do chamado ‘papel-moeda’


inicia-se na Idade Média, como forma de evitar
o transporte destas moedas de ouro e prata,
criando-se o hábito de armazenamento destes
metais preciosos com um ourives, o qual, como
garantia entregava um recibo ao depositante;
como é de se imaginar, estes recibos passaram a
circular, e a serem utilizados eles próprios para a
efetivação de pagamentos, dando origem então
à moeda de papel. No Brasil, são reconhecidos
pelo Bacen como precursores das cédulas
monetárias atuais, os chamados “bilhetes de
banco”, lançados por volta de 1810 pelo Banco
do Brasil, os quais eram preenchidos à mão de
forma assemelhada a um cheque. (TEIXEIRA;
RODRIGUES, 2019, p. 46)

Embora houvesse um tempo que a moeda era atrelada ao


ouro, em 1971 os Estados Unidos encerraram com isso, passando
a emitir moeda com base na credibilidade de cada Estado. E ao
58 Sobre esse tema, recomenda-se a obra do historiador Yuval Noah Harari – “Sapiens: uma
breve história da humanidade”, da Editora L&PM, de Porto Alegre/RS.

BLO CKCH AIN


294 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
invés de “padrão-ouro”, passou-se a falar em “moeda-fiduciária”.
Vale destacar a resistência quanto à moeda virtual, uma vez que
historicamente sempre se pensou em algo materializado, até
porque não existia o mundo virtual. Ocorre que

a moeda que utilizamos já é, quase em sua


totalidade, digital. Conforme dados apresentados
por Harari, a soma de todo o dinheiro no mundo
é de cerca de 60 trilhões de dólares americanos,
enquanto a soma de toda a forma física de
dinheiro (moedas e cédulas) não chega a 6
trilhões de dólares. Assim, mais de 90% de todo
o dinheiro em circulação no mundo não é físico,
e aparece apenas em telas de computadores e
celulares. (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2019, p. 47)

Mas é claro que essa moeda pode ser materializada. O que


se discute aqui é a moeda imaterializada, que já nasce no ambiente
virtual e não pode ser materializada. Essas discussões remontam
à década de 1980, com o já mencionado movimento cypherpunk.
Muitos dizem que as criptomoedas surgiram em 2008 com o paper
de Satoshi Nakamoto, mas na verdade o Bitcoin foi a primeira
criptomoeda que efetivamente teve sucesso.

Como explicado por Benjamin Overture (2017), quando o


paper de Satoshi Nakamoto foi publicado, já havia uma estrutura
muito bem montada, logo nada impede que as criptomoedas
já existissem, inclusive as suas alegações poderiam ser uma
interpretação ou cópia de outra criptomoeda. Além disso, segundo
o autor (2017),

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 295
existem artigos bem mais antigos que visam
métodos computacionais de prova (como é
o caso do Proof Of Work, que é central para a
construção das criptomoedas), então era possível
que as criptomoedas tivessem sido inventadas
antes disso, mas que nenhuma dessas aplicações
tivesse recebido a devida atenção e, portanto,
não caberia ao Bitcoin ser chamado de pioneiro.

Overture (2017) cita, no seu trabalho, sete criptomoedas que


vieram antes do Bitcoin, sendo elas:

a) ECash: David Chaum em 1982 desenvolveu o ECash, que


foi implementado por vários bancos, como o Credit Suisse, mas
acabou falindo em 1998 por conta da perda de espaço para o cartão
de crédito. Ele é considerado como o pai do anonimato na internet;

b) E-Gold: criado em 1996 com o objetivo de transferir a


propriedade de ouro por meio de uma carteira pública, utilizando
do conceito de transações instantâneas;

c) Beenz: em 1990, Charles Cohen tentou criar uma moeda


totalmente digital para compras na internet, havendo um app para
realizar as transações;

d) Flooz: veio em 1999 como concorrente do Beenz, mas


ficou famosa por ter sido utilizada em fraudes de cartões de crédito
e lavagem de dinheiro;

e) B-money: criada em 1998 por Wei Dai, destacou-se uma


vez que seu criador foi uma das primeiras pessoas a entrar em
contato com Satoshi Nakamoto, sendo referenciado no famoso
paper;

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296 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
f) Bitgold: criada por Nick Szabo em 1998, quem considerando
como o inventor dos smart contracts; e

g) RPOW: criada em 2004 pelo criptógrafo Hal Finney.

O Bitcoin pode tersido o compilado de todas, mas independente


disso, importante é trabalhar a evolução das criptomoedas num
todo, que com certeza impactarão definitivamente o mercado
monetário. Quando se fala em moedas em geral, elas “cumprem os
papeis de meio de troca, forma confiável de pagamento, unidade
de conta e reserva de valor” (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2019, p. 56), e
as criptomoedas vêm para preencher esses espaços só que sem
intermediários, como os governos emissores de moedas.

A crítica que surge é que as criptomoedas podem ter uma


alta volatilidade de preço em espaços curtos de tempo. Veja-se
o gráfico a seguir, elaborado pelo Buy Bitcoin Worldwide59, com
acesso em 26 mai. 2020:

Ao analisar o gráfico, em 18 de setembro de 2017 o valor


do Bitcoin era aproximadamente quatro mil dólares, enquanto
em 18 de dezembro de 2017, apenas três meses depois, já era
aproximadamente dezesseis mil dólares. No ano seguinte, já havia
retornado ao valor próximo de quatro mil dólares, o que comprova
a elevada volatilidade. O que se buscam são as stablecoins, ou
moedas estáveis. Dentre os exemplos mais conhecidos, citam-se
os seguintes:

o exemplo mais conhecido é o da criptomoeda


Tether, que se anuncia como uma criptomoeda
onde para cada token emitido (USDT) uma
quantia igual em dólares americanos é

59 O Gráfico do Histórico de Preço do Bitcoin pode ser consultado em <https://www.buybit-


coinworldwide.com/pt-br/preco/>.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 297
depositada em um custodiante, de forma que
cada Tether sempre valerá um dólar. Há também
a proposta da criptomoeda Digx (DGX) em que
cada token pretende representar um grama de
ouro. A controversa moeda venezuelana Petro
seria lastreada pelo Petróleo do país, com cada
Petro (PTR) valendo o equivalente a um barril de
petróleo. (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2019, p. 58/59)

Outra situação importante de se destacar é a Libra, moeda


do Facebook. As stablecoins estão em caráter experimental,
principalmente por desconstruírem a ideia das criptomoedas serem
descentralizadas, mas podem ser o ponto de equilíbrio entre a
tecnologia blockchain e o sistema monetário tradicional.

Quanto à regulação das criptomoedas, a maioria dos países


adota uma postura neutra ou permissiva. Além da dificuldade
de se regular as criptomoedas que se baseiam em um modelo
descentralizado,

como as operações são feitas diretamente por


todo o globo, a simples proibição ou regulação
num país não impede que as negociações se
mantenham em outros, havendo quem defenda
a necessidade de um acordo global para que
qualquer normatização seja eficaz. (TEIXEIRA;
RODRIGUES, 2019, p. 78)

Diante dessas dificuldades, acaba havendo uma falta de

BLO CKCH AIN


298 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
consenso, com países como o Japão que aceitam as criptomoedas
como meio de pagamento, países como Bangladesh que proíbem a
utilização de criptomoedas, e países como o Brasil sem uma política
regulatória definida.

Sobre o assunto, há o site <https://vanillacrypto.com/is-


bitcoin-legal/>, que acompanha o cenário regulatório de ativos
criptográficas em atualização constante. Como trazido no site (2019),
podem ser citados os seguintes países a título exemplificativo:

- Alemanha: criptomoedas são permitidas;

- Austrália: as trocas de criptomoedas na Austrália precisam se


registrar na Austrac, a agência de inteligência financeira australiana;

- Bolívia: há uma posição firme contra as criptomoedas;

- China: em teoria é um país “hostil” para as transações


envolvendo criptomoedas, mas possuem uma participação
importante no mercado de Bitcoins, o que é contraditário;

- Equador: proibição expressa das criptomoedas;

- Estados Unidos da América: foi permissivo como regra,


tratando as criptomoedas como um ativo digital, sendo tributável.
Alguns estados, como Nova Iorque, chegaram a criar leis próprias
sobre Bitcoin;

- França: permite as criptomoedas;

- Índia: o banco central proibiu as instituições financeiras de


trabalharem com trocas de Bitcoin;

- Irã: é relatado que há censuras em sites de criptomoedas;

- Japão: foi o primeiro país a declarar o Bitcoin como moeda


legal

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 299
- Marrocos: o uso de criptomoedas é considerado ilegal;

- México: já houve um período que se proibiram as


criptomoedas, mas hoje as trocas de criptomoedas estão autorizadas
e sob a supervisão do banco central;

- Portugal: não tem regulação sobre o tema;

- Reino Unido: declarou-se o Bitcoin como uma commodity


e não tem planos de regulamentação de criptografia; e

- Suécia: permite as criptomoedas como forma de pagamento


legítima.

Estabelecidos esses pressupostos, passa-se à análise, assim,


do Bitcoin, a principal criptomoeda até então.

5.2.1.1 BITCOIN

O Bitcoin já foi tratado neste trabalho no âmbito do surgimento


da tenologia blockchain, mas neste momento importante uma
análise mais específica dessa criptomoeda. Ela merece um destaque
especial, por ter sido a primeira criptomoeda com uma repercussão
mundial, destacando-se na mídia inclusive. Mas naturalmente, por
ser a primeira, encontrou uma ampla resistência, por mudar a lógica
da moeda, sendo descentralizada e não sendo possível vê-la, tocá-
la ou cheirá-la, como afirmam Chris Burniske e Jack Tatar (2019, p.
35).

Quando se tem um governo envolvido, é mais fácil para a


sociedade aceitar, até porque quando o Bitcoin foi lançado, ele não
tinha valor para se comprar alguma coisa:

BLO CKCH AIN


300 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
A moeda de papel tem valor porque é acordado
mutuamente pelos membros da sociedade que
ela tem valor. É muito mais fácil para a sociedade
concordar com isso com um governo envolvido.
Fazer a sociedade global concordar que algo tem
valor e pode ser usado como moeda sem apoio
do governo e sem uma forma física é uma das
mais significativas façanhas da história monetária.
(BURNISKE; TATAR, 2019, p. 35)

Inicialmente, houve o interesse de investidores que apoiaram


subjetivamente algo pelo seu funcionamento (baseado na ciência
da computação e teoria dos jogos), mas com o tempo começou
a ser considerado um facilitador confiável para negociações via
internet, atraindo mais investidores e especulação. E seu modelo
de emissão teve um papel decisivo na sua valorização.

Os mineradores, quem constrói a blockchain do Bitcoin,


são pagos em novos Bitcoins ao juntarem um bloco na cadeia, da
seguinte forma:

os mineradores – as pessoas controlando os


computadores que constroem o blockchain do
Bitcoin – são pagos cada vez que juntam um
bloco de transações. Eles são pagos em novos
bitcoins criados por uma coinbase transaction que
é incluída em cada bloco. Nos primeiros quatro
anos de vida do Bitcoin, uma coinbase transaction
emitia 50 bitcoins para o minerador sortudo. A
dificuldade desse processo de prova de trabalho

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 301
era recalibrada automaticamente a cada duas
semanas, com o objetivo de manter a quantidade
de tempo entre os blocos em uma média de 10
minutos. Em outras palavras, 50 novos bitcoins
eram liberados a cada 10 minutos, e o grau de
dificuldade era aumentado ou diminuído pelo
software do Bitcoin para manter esse período
de saída intacto. No primeiro ano de circulação,
300 bitcoins eram liberados por hora (60 minutos,
10 minutos por bloco, 50 bitcoins liberados por
bloco), 7.200 bitcoins por dia e 2,6 mihões por
ano. (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 36)

Ocorre que a escassez é algo fundamental para que houvesse


o aumento do valor do Bitcoin. Caso o Bitcoin permanecesse
sendo emitido a uma taxa de 2,6 milhões por ano, ela não estaria
presente. Com isso, ficou estabelecido o block reward halving,
ou seja, ocorreria a redução à metade da recompensa por bloco,
cortando pela metade a quantidade de bitcoins emitidos na
coinbase transaction a cada 210 mil blocos. Em novembro de 2012
ocorreu a primeira redução à metade de recompensa de 50 para 25.
(BURNISKE; TATAR, 2019, p. 36)

E a ideia de Satoshi deu certo, considerando que incentivou


os apoiadores iniciais e com a valorização da criptomoeda
precisariam de menos bitcoins emitidos para as negociações. E a
noção de escassez ainda o fez ser chamado de ouro digital. Vejam-
se os gráficos a seguir sobre a quantidade de Bitcoins retirados
da obra de Burniske e Tatar (2019, p. 37), sobre o cronograma de
fornecimento de bitcoins na visão em curto prazo e em longo prazo,
respectivamente:

BLO CKCH AIN


302 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Dando sequência na análise específica do Bitcoin, com base
na obra de Fernando Ulrich (2014, p. 23/29), já se destacou aqui como
com o Bitcoin se tem menores custos de transação. A possibilidade
de fraude sempre é um argumento contrário, já que não se tem um
terceiro confiável garantindo a operação, porém também há essa

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 303
possibilidade em pagamentos com cartão de crédito, por exemplo.
Sendo um sistema de pagamento não reversível, a criptomoeda
“elimina a ‘fraude amigável’ acarretada pelo mau uso de estornos
de consumidores” (ULRICH, 2014, p. 24), porém ainda há alguns
questionamentos a serem respondidos, sendo um exemplo como
ficaria o direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do
Consumidor no direito brasileiro60.

Outro ponto de destaque também é que o número de bitcoins


é limitado, logo não pode ser manipulado por algum governo,
sendo uma alternativa para investidores que querem fugir da
moeda depreciada local ou de um mercado de capitais fraco. Pode
ser citada como exemplo a Argentina em 2013, cujos investidores
passaram a adquirir Bitcoins em função da elevada taxa de inflação
e rigososo controle do mercado de capitais61.

O Bitcoin também é visto como um estímulo à inovação


financeira:

60 “Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assi-
natura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de forne-
cimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente
por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrepen-
dimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante
o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.” (BRASIL,
1990)
61 Recomenda-se a matéria do Portal Forbes, de autoria de Jon Matonis, veiculada em 27 de
abril de 2013, cujo título é: “Bitcoin’s Promise in Argentina”. Está disponível no link: <https://www.
forbes.com/sites/jonmatonis/2013/04/27/bitcoins-promise-in-argentina/#1ac27c9833d5>,
com acesso em 02 jun. 2020.

BLO CKCH AIN


304 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
uma das aplicações mais promissoras do Bitcoin
é como uma plataforma à inovação financeira.
O protocolo do Bitcoin contém o modelo de
referência digital para uma quantidade de serviços
financeiros e legais úteis que programadores
podem desenvolver facilmente. Como bitcoins
são, no seu cerne, simplesmente pacotes de
dados, eles podem ser usados para transferir
não somente moedas, mas também ações de
empresas, apostas e informações delicadas.
Alguns dos atributos que estão embutidos no
protocolo do Bitcoin incluem micropagamentos,
mediações de litígios, contratos de garantia
e propriedade inteligente. Esses atributos
permitiriam o fácil desenvolvimento de serviços
de tradução via internet, processamento
instantâneo de transações pequenas (como
medição automática de acesso Wi-Fi) e serviços
de crowdfunding. (ULRICH, 2014, p. 27)

Fernando Ulrich (2016, p. 104/105) estabelece um


comparativo interessante dos sistemas monetários, sendo adaptada
ao se colocar um comentário abaixo do ítem com a explicação:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 305
Sobre o comparativo feito por Fernando Ulrich (2016, p. 105),
ele completa:

BLO CKCH AIN


306 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
o Bitcoin é simplesmente uma forma de
moeda superior a todas as demais. Incorpora a
escassez relativa do ouro, aliada à instantânea
transportabilidade e divisibilidade dos substitutos
do dinheiro (especialmente aqueles na forma
digital moderna), prescindindo de inúmeros
terceiros fiduciários – como bancos, casas
de liquidação e entidades interbancárias
internacionais –, eliminando, assim, o risco da
contraparte.

A título exemplificativo, mostra-se um comparativo entre


dois fluxogramas trazidos por Luiz Gustavo Doles Silva (2018, p. 17 e
22) em sua obra, considerando como se dá o pagamento via cartão
de débito e via Bitcoin, respectivamente:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 307
Como já explicado, para que o fluxograma que representa
um pagamento via cartão de débito funcione, haverá uma série
de órgãos estatais, com uma elevada regulamentação e altos
custos de transação. Enquanto isso, para o pagamento via bitcoin,
o usuário da rede fará o papel de proprietário, custodiante e criador
do instrumento financeiro, mas tudo garantido por criptografia.

O futuro ainda tem muito a mostrar considerando a rápida


modernização tecnológica. Inclusive, com o surgimento de outras
criptomoedas.

5.2.1.2 ALTCOINS

Naturalmente com o sucesso do Bitcoin, iniciaram a busca


por aquilo que ficou denominado como altcoins, sendo alternativas
ao Bitcoin. Uma crítica que se fazia a ele era o prazo de dez minutos

BLO CKCH AIN


308 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
em média para que a transação fosse anexada à blockchain. Ora,
numa transação com cartão de crédito, por exemplo, embora o
comerciante demore dias ou meses para receber, o banco autoriza
a transação na hora. No Bitcoin, não haverá esse terceiro confiável
e o consumidor terá que esperar o referido prazo para confirmar a
negociação.

Porém, Satoshi Nakamoto teve como um de seus princípios a


inclusão, sendo que, como já afirmado, a economia trabalha melhor
quando ela funciona para todos. Ele tinha a intenção de reduzir os
obstáculos à participação, de modo que o Bitcoin era um software
open source, “o que significa que desenvolvedores poderiam baixar
todo o seu código fonte e ajustar os aspectos que achavam que
precisavam de mais correção” (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 38). Com
isso, muitas outras criptomoedas foram criadas.

A primeira ramificação do Bitcoin foi o Namecoin, destacando-


se por ter sido o primeiro a programar um DNS (domain naming
service) descentralizado:

O Namecoin surgiu de uma ideia no fórum


Bitcointalk, em 2010, que focava BitDNS (DNS
significa domain naming servisse [serviço de
nomeação de domínio], que opera todos os
endereços web). Em 2013 foi lançado um
serviço chamado NameID, que usa blockchain
do Namecoin para permitir a criação e o acesso
a sites que têm uma identidade Namecoin. O
Namecoin age como o seu próprio serviço DNS, e
oferece mais controle e privacidade aos usuários
Em oposição à maneira típica na qual sites são
registrados através de um serviço controlado

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 309
pelo governo, como o ICANN, um site Namecoin
é registrado através de um serviço que existe
em cada computador da rede Namecoin.
Isso melhora a segurança, a privacidade e a
velocidade. Para ganhar um site .bit, é preciso ter
namecoins, daí a necessidade de se ter um ativo
nativo. (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 39)

Outra altcoin importante foi o Litecoin, desenvolvido pelo


engenheiro de software Charlie Lee, sendo que ele teria um tempo
de transação em média quatro vezes mais rápido que o Bitcoin e
teria um acesso maior a mineradores amadores, uma vez que o
Bitcoin já estava exigindo uma capacidade computacional que
amadores não possuem. A rede do Litecoin é costumeiramente
utilizada para testes do Bitcoin, considerando ser uma fração de seu
valor monetário. (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 40)

O Ripple, criptomoeda criada Ryan Fugger em 2004, é outra


que também se destaca como altcoin, porém recentemente teve
a pior performance considerando as principais criptomoedas em
201962. Curiosamente, ela não tinha mineradores, de modo que
“utilizava um algoritmo de consenso que contava com sub-redes
confiáveis para manter uma rede descentralizada mais ampla para
validadores em sincronia” (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 42). Hoje, não
é muito utilizado por pessoas comuns, e sim por bancos para envio
de pagamentos internacionais em tempo real por meio das redes.

Há que se falar também no Dogecoin, moeda lançada de


brincadeira com um cachorro que virou meme em 2013, sendo que

62 Como se extrai de matéria do Portal do Bitcoin (14/04/2020), de autoria de Decrypt, “Ri-


pple (XRP) é a criptomoeda com pior performance esse ano, diz relatório O XRP encerrou
2019 como a criptomoeda com pior desempenho do ano. Infelizmente, essa tendência per-
sistiu até agora em 2020”.

BLO CKCH AIN


310 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
ele era da raça Shiba Inu. Como diferencial seria a possibilidade de
emitir muito mais dogecoins que bitcoins ou litecoins63. Um dos
seus diferenciais era a finalidade:

a comunidade Dogecoin levantou US$50 mil


via Dogecoin para mandar a equipe jamaicana
de bosled para as Olimpíadas; levantou outros
US$55 mil via Dogecoin para patrocinar um piloto
da NASCAR que correu com o logo do Dogecoin
na Talladega Speedway, Alabana; e levantou
dinheiro para apoiar projetos de água limpa no
Quênia via Doge. (BURNISKE; TATAR, 2019, p.
44/45)

Embora tenha surgido como uma brincadeira, em sete


semanas o seu valor cresceu para US$70 milhões, mas em março
de 2017 já havia caído para US$20 milhões. Um ponto que contribuiu
para sua ascenção foi a elevada valorização do Bitcoin em 2013.

Numa linha diferente, visando mais à privacidade, fala-se no


Dash, Monero e Zcash, outras criptomoedas que também ganharam
espaço:

O Monero é, provavelmente, o mais relevante, com


um modelo de emissão sólido. Embora o Dash
tenha seus méritos, tem origens contestáveis.
Enquanto isso, o Zcash usa um pouco da
criptografia mais avançada do mundo, mas é um
63 Recomenda-se o leitor a visitar o site <https://dogecoin.com/> e verificar o meme do ca-
chorro como símbolo da moeda.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 311
dos criptoativos mais jovens no livro e adequado
apenas para investidores de criptoativos mais
experientes. (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 47)

O Monero decorreu do Bytecoin, que não teve uma


distribuição igualitária, demorando mais de dois anos para vir a
público. Com isso, houve a criação do Monero utilizando a mesma
estratégia, sendo determinante a assinatura de anel:

Ring signature is a more sophisticated scheme,


which in fact may demand several different public
keys for verification. In the case of ring signature,
we have a group of individuals, each with their
own secret and public key. The statement proved
by ring signatures is that the signer of a given
message is a member of the group. The main
distinction with the ordinary digital signature
schemes is that the signer needs a single secret
key, but a verifier cannot establish the exact
identity of the signer. Therefore, if you encounter
a ring signature with the public keys of Alice, Bob
and Carol, you can only claim that one of these
individuals was the signer but you will not be able
to pinpoint him or her. This concept can be used
to make digital transactions sent to the network
untraceable by using the public keys of other
members in the ring signature one will apply to the
transaction. This approach proves that the creator
of the transaction is eligible to spend the amount
specified in the transaction but his identity will be

BLO CKCH AIN


312 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
indistinguishable from the users whose public
keys he used in his ring signatures. It should be
noted that foreign transactions do not restrict you
from spending your own money. Your public key
may appear in dozens of others’ ring signatures
but only as a muddling factor (even if you already
used the corresponding secret key for signing
your own transaction). Moreover, if two users
create ring signatures with the same set of public
keys, the signatures will be different (unless they
use the same private key).64 (TECNOLOGIA, 2020)

Essa possibilidade de criar privacidade nas transações foi


bastante valorizada pelo mercado, sendo a criptomoeda de melhor
performance em 2016. O Dash, também seguia a linha da privacidade,
como já afirmado, preocupando-se também com a velocidade das
transações, porém teve um problema no seu lançamento, de modo
que 1,9 milhão de moedas foram criadas no primeiro dia, o que não
foi acompanhado posteriormente. Por fim, fala-se no Zcash, que foi

64 Em tradução livre, “A assinatura de anel é um esquema mais sofisticado, que de fato pode
exigir várias chaves públicas diferentes para verificação. No caso de assinatura de anel, te-
mos um grupo de indivíduos, cada um com sua própria chave secreta e pública. A afirmação
comprovada pelas assinaturas de toque é que o assinante de uma determinada mensagem
é um membro do grupo. A principal distinção com os esquemas comuns de assinatura di-
gital é que o assinante precisa de uma única chave secreta, mas um verificador não pode
estabelecer a identidade exata do assinante. Portanto, se você encontrar uma assinatura de
anel com as chaves públicas de Alice, Bob e Carol, poderá reivindicar apenas que um desses
indivíduos era o assinante, mas não poderá identificá-lo. Esse conceito pode ser usado para
tornar não rastreáveis as transações digitais enviadas à rede, usando as chaves públicas de
outros membros na assinatura de anel que será aplicada à transação. Essa abordagem prova
que o criador da transação é elegível para gastar o valor especificado na transação, mas sua
identidade será indistinguível dos usuários cujas chaves públicas ele usou em suas assina-
turas de anel. Note-se que as transações estrangeiras não o impedem de gastar seu próprio
dinheiro. Sua chave pública pode aparecer em dezenas de assinaturas de toque de outras
pessoas, mas apenas como um fator de confusão (mesmo que você já tenha usado a cha-
ve secreta correspondente para assinar sua própria transação). Além disso, se dois usuários
criarem assinaturas de anel com o mesmo conjunto de chaves públicas, as assinaturas serão
diferentes (a menos que usem a mesma chave privada).”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 313
lançado em 2016 com nenhuma moeda ainda em circulação, como
ocorreu com o Bitcoin, só que em um contexto de maior valorização
das criptomoedas. (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 50/51)

5.2.2 CRIPTOCOMMODITIES E CRIPTOTOKENS

As criptomoedas de fato possuem um papel principal dentro


dos criptoativos hoje, mas vem ganhando uma importância elevada
as criptocommodities e criptotokens.

Primeiramente, analisando as criptocommodities, o


Ethereum é uma das principais, sendo um “computador mundial

descentralizado no qual aplicações globalmente acessíveis e

BLO CKCH AIN


314 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
sem censura podem ser construídas” (BURNISKE; TATAR, 2019,
p. 53). Pode-se até dizer que é mais tangível em valor que uma

criptomoeda, uma vez que se paga para usar um computador,


sendo um recurso digitalmente tangível.

No que tange ao Ethereum, não se pode deixar de falar de


Vitalik Buterin, também conhecido como Satoshi do Ethereum. O
seu papel foi fundamental, pois viu na tecnologia blockchain algo
muito além de simplesmente fazer negociações com Bitcoins:

o Bitcoin, afinal, ainda era um experimento. Uma


moeda descentralizada era um Santo Graal o
suficiente para Satoshi, e ele não teve que dar
um passo maior que as pernas. Mas Buterin não
estava satisfeito com o Bitcoin como ele era e
tinha aspirações abrangentes para melhorias.
Ele queria um sistema que fosse mais flexível e
que se comportasse mais como um computador
e menos como uma calculadora de débitos e
créditos de balanços de bitcoins. (BURNISKE;
TATAR, 2019, p. 56)

Data-se o Ethereum de 2013, embora ele tenha sido divulgado


somente em janeiro de 2014 na North American Bitcoin Conference.
Para não ter uma vinculação somente à função de moeda, o ativo
nativo do Ethereum não recebeu ao nome a expressão coin (moeda).
Enquanto o Bitcoin é utilizado em regra para transmitir valores
monetários, o Ethereum permitiria a transmissão de informações
entre programas, funcionando da seguinte forma:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 315
o ether é um elemento necessário – um
combustível – para operar a plataforma
de aplicação distribuída Ethereum. É uma
forma de pagamento feita pelos clientes da
plataforma, o ether é o incentivo que assegura
que desenvolvedores criem aplicações de
qualidade (desperdício de código custa mais), e
que a rede permaneça saudável (as pessoas são
compensadas por seus recursos disponibilizados).
(BURNISKE; TATAR, 2019, p. 57)

Assim como na rede do Bitcoin, os mineradores também


eram recompensados por dar suporte à rede, e as transações eram
de informações entre programas e de ethers. Sobre a captação de
recursos inicial para o Ethereum, destaca-se que o público investiu
31.591 (trinta e um mil, quinhentos e noventa e um) bitcoins, o que
era um valor de US$18.439.036 (dezoito milhões, quatrocentos e
trinta e nove, e trinta e seis dólares), equivalendo a US$0,31 (trinta
e um cents) por ether (60.102.216 ethers – sessenta milhões, cento
e dois mil, duzentos e dezesseis ethers). Na época, foi o maior
esforço único de financiamento coletivo, sendo que se tratava de
um produto em funcionamento (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 59).

A rede do ethereum, com base na tecnologia blockchain, foi


ao ar efetivamente em 30 de julho de 2015, quando os mineradores
puderam efetivamente se envolver. Como bem explicam Burniske
e Tatar (2019, p. 59),

BLO CKCH AIN


316 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
investidores de capital de risco geralmente
investem em ideias e em equipes de
desenvolvimento tendo fé de que eles trabalharão
pelo sucesso. O Ethereum democratizou esse
processo para além dos investidores de risco.
Para uma perspectiva sobre o preço do ether
nessa venda coletiva, considere que no início
de abril de 2017 o ether valia US$50 a unidade,
sugerindo retornos de mais de 160x em menos
de três anos. Apenas um pouco mais de 9 mil
pessoas compraram ethers durante a pré-venda,
colocando o investimento inicial em US$2 mil,
que aumentou desde então para mais de US$320
mil.

O Ethereum, após sua criação, viabilizou negócios,


servindo como base para hardwares e softwares65 para aplicações
descentralizadas (dApps). Aqui, fundamental destacar a relação
com o conceito de smart contracts que serão melhores trabalhados
no próximo capítulo.

No que tange aos dApps, eles poderão fornecer um recurso


digital bruto, que será uma criptocommodity, ou um bem ou serviço
digital acabado, que será um criptotoken. Inclusive, eles são
analisados juntos nesse tópico, uma vez que um criptotoken pode
operar dentro de aplicações que são construídas na blockchain
de uma criptocommodity, como ocorre com o Ethereum. Fazendo
uma analogia com a Apple, os Apps utilizam o sistema operacional

65 “O hardware é a parte física de um computador, as peças que o compõem. O monitor,


impressora e o mouse são exemplos de hardware. O software diz respeito aos programas que
fazem com que a máquina funcione, como os aplicativos e sistemas operacionais” (Por Emer-
son Machado. Disponível em: <https://www.diferenca.com/hardware-e-software/>. Acesso
em: 22 mai. 2020).

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 317
da Apple, não construindo seus próprios sistemas operacionais.
Como ocorreu com o Bitcoin, incentivando o surgimento de novas
criptomoedas, o mesmo ocorreu com o Ethereum, incentivando
outros computadores mundiais descentralizados, como Lisk, Tezos,
Waves, dentre outros. (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 62)

No link <https://www.stateofthedapps.com/> é possível


explorar aplicativos descentralizados do Ethereum, e aqui destacar-
se-à a The DAO, que era uma dApp que programava fundo de capital
de risco descentralizado no Ethereum. O seu objetivo era permitir
que os titulares apoiassem projetos e, caso desse certo, no futuro
seriam recompensados por meio de dividendos ou apreciação do
serviço prestado. Sendo assim, captavam recursos. Porém, o sistema
não era tão seguro e houve um ataque em função de uma falha no
software, gerando uma crise nesse sistema e perda de valor, além
da divisão do Ethereum em Ethereum Classic e Ethereum.

Outro exemplo que usa criptotoken é a Augur, sendo


chamado de Reputation (REP). Nessa plataforma, há apostas
em resultados de eventos e haverá pessoas que confirmam os
resultados. Em 2015, no financiamento coletivo conduzido por seu
próprio esforço, levantou mais de US$5.000.000,00 (cinco milhões
de dólares), sendo que Vitalik Buterin a reconheceu como “Uber do
conhecimento” (BURNISKE; TATAR, 2019, p. 67).

Fato é que os criptoativos têm muito a crescer ainda. Em graus


variados, sabe-se que, à medida que vão amadurecendo, o volume
de negociação também vai aumentando. E, dentre os criptoativos
mencionados, sem dúvida as criptomoedas hoje possuem um
destaque especial, embora não signifique que as criptocommodities
e criptotokens não chegarão lá.

Estabelecidos esses pressupostos, passa-se à análise


específica de um dos objetos deste trabalho: a initial coin offering.

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318 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 319
Capítulo 6

REINVENTANDO OS SERVIÇOS FINANCEIROS: UM


ESTUDO DA INITIAL COIN OFFERING (ICO)

Quando se fala no sistema financeiro global, sabe-se que


ele movimenta muito capital, com uma importância enorme. Como
trazido na obra de Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 89), “o
sistema financeiro global movimenta trilhões de dólares diariamente,
servindo a bilhões de pessoas e apoiando uma economia global
de mais de 100 trilhões de dólares. É a indústria mais poderosa do
mundo”.

É fato que a infraestrutura do sistema financeiro precisa


ser modernizada e a blockchain altera consideravelmente os
mecanismos de funcionamento. Os bancos, por exemplo, ainda
emitem cheques e possuem uma estrutura de compensação para
transações que envolvem cartão de crédito com elevados custos
de transação que poderiam ser reduzidos.

Supondo que o leitor queira comprar um café em uma


Starbucks, multinacional dos EUA, com a maior cadeia de cafeterias
do mundo, se optar pelo cartão de crédito, seu dinheiro passará
por vários intermediários até chegar à Starbucks. “A transação
leva segundos para acontecer, mas dias para ser compensada”
(TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 89).

Sobre o cheque, a título de curiosidade, está sendo reduzida


a sua emissão, embora ainda tenha um número expressivo, como
se percebe na seguinte notícia do Portal FEBRABAN (2018):

BLO CKCH AIN


320 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
O avanço expressivo dos canais digitais no setor
bancário provoca mudanças de hábitos nos
consumidores, que têm abandonado os meios
tradicionais de pagamentos ou transações
financeiras para reivindicar - e aderir a - formas
mais ágeis e eficazes de relacionamento com
os bancos. O cheque é um exemplo: em 2017,
o número de cheques compensados no Brasil
caiu para 494 milhões; uma redução de 85% em
relação ao ano de 1995, início da série histórica,
quando foram compensados 3,3 bilhões de
cheques. Na comparação com 2016, a queda foi
de 14% - naquele ano, foram compensados 576,4
milhões de documentos em todo o País.

Embora houvesse resistência de vários autores clássicos de


Títulos de Crédito, é importante destacar que Wille Duarte Costa
(1997, p. 30/31) já dizia em meados dos anos 90:

Apesar da importância dos ditos papeis (títulos


de crédito), nos nossos dias já encontramos
situações que devem ser analisadas e que
modificam a definição clássica. Com o
nascimento do Direito Comercial Virtual, qual
seja o que decorre dos elementos da cibernética,
considerada esta como aquela que tem por
objeto vários estudos, entre eles a programação
de máquinas de computação eletrônica, dos

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 321
sistemas automáticos de controle, a teoria da
informação, o processamento de dados e outros
elementos próprios. Com isso, verificamos, por
exemplo, que a assinatura do próprio punho do
obrigado vem sendo gradativamente substituída.
Hoje, não há mais necessidade de um cheque,
devidamente preenchido e assinado, para sacar
dinheiro em Banco. Basta possuir um simples
cartão magnético ou cartão de crédito e, de
qualquer lugar, a qualquer hora, próximo ou não
do Banco, até mesmo de outra cidade no país
ou no exterior, você poderá sacar valores da sua
conta, sem ter que assinar qualquer documento,
qualquer papel, qualquer título de crédito. A
transferência de valores de uma para outra
pessoa e inúmeras outras operações podem ser
realizadas com os mesmos cartões e até sem
eles, pelo uso de códigos e senhas fornecidas
pelos Bancos. Muitas dessas operações de
crédito são feitas pelos programas (softwares)
chamados ‘home banking’ que são oferecidos
a quem tem computador e um modem nele
ligado. Diante dessa evolução, não podemos
mais desconsiderar o estudo de tais assuntos,
principalmente o que estamos chamando de
Direito Comercial Virtual, que vai dominar os
nossos futuros dias. Seremos, por isso, forçados a
elaborar novas teorias, sobre quase tudo que até
aqui vimos. E isto há de ser agora, pois a evolução
da informática é extraordinária e nada espera.

BLO CKCH AIN


322 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Em função dessa estrutura antiga que ainda é mantida, as
multinacionais possuem inúmeras contas bancárias com moedas
locais em todo o mundo para facilitar suas operações. Como se
extrai da obra de Don e Alex Tapscott (2016, p. 91), “é mais fácil
enviar uma bigorna66 para a China do que enviar dinheiro através do
sistema bancário atual”. E isso é irrazoável, uma vez que o dinheiro
já é digital, não há o envio de paletes de dinheiro quando se faz uma
transferência.

Mas qual a razão então de não se aceitar o novo que é mais


eficiente e reduzirá custos de transação? Pode ser citado o paradoxo
da produtividade, uma vez que a transição reduz a produtividade,
mas se acredita que o principal fator é o interesse de quem está
no comando. Quando se fala em blockchain, um dos princípios de
funcionamento é a inclusão, ou seja, “a economia trabalha melhor
quando ela funciona para todos” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p.
81), devendo-se reduzir os obstáculos à participação.

Porém, quando se analisa o sistema financeiro global, sabe-


se que ele não funciona para todos. Veja-se o seguinte exemplo:

Uma diarista em Los Angeles desconta seu


pagamento em dinheiro por uma taxa de 4%, e
então ela leva seu punhado de dólares em uma
loja de conveniência para enviar para a casa
da sua família na Guatemala, e novamente é
enrolada em taxas fixas, taxas de câmbio e outros
custos ocultos. Uma vez que sua família divide as
notas entre seus muitos membros, ninguém tem
o suficiente para abrir uma conta bancária ou
obter crédito. Eles estão entre os 2,2 bilhões de
66 Bigorna é uma peça de ferro em que se malham e amoldam metais, por isso a ironia, sen-
do mais fácil mandar ferro para a China que transferir dinheiro pelo banco.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 323
pessoas que vivem com menos de dois dólares
por dia. Os pagamentos que precisam fazer são
minúsculos, muito pequenos para a rede de
pagamentos convencionais, tais como cartões
de crédito e débito, onde as taxas mínimas fazem
os chamados micropagamentos impossíveis.
Os bancos simplesmente não veem o serviço a
essas pessoas como uma ‘proposição rentável’,
de acordo com um recente estudo da Havard
Business School. E assim, a máquina de fazer
dinheiro não é verdadeiramente global em escala
e escopo. (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 90)

O sistema, então, funciona bem para alguns que possuem o


controle. Quando se analisa a obra do Nobel de economia Joseph
Stiglitz (2016), verifica-se que

os banqueiros que levaram suas empresas e a


economia global à beira da ruína continuaram
a receber altos níveis de recompensa.
Compensação que de nenhuma forma pode
ser relacionada com contribuição social e muito
menos às suas contribuições para com suas
empresas (nesse caso ambas negativas). Por
exemplo, um estudo focado no Bear Sterns e
Lehman Brothers entre 2000 e 2008 descobriu
que os altos executivos desses dois gigantes
levaram pra casa imensas quantias em forma de
remunerações por performance (estimados em
cerca de US$1 Bilhão para o Lehman e US$1,4

BLO CKCH AIN


324 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Bilhão para o Bear Stearns), que não foram
confiscadas quando as duas firmas entraram em
colapso. [...] A remuneração e a riqueza daqueles
no topo vem, pelo menos parcialmente, às custas
dos outros, justamente a conclusão oposta à
qual emerge da economia do gotejamento.
Quando, por exemplo, um monopólio é bem
sucedido em aumentar o preço dos bens que
vende, isso reduz a remuneração real para todos
os outros. Isso sugere que fatores políticos e
institucionais desempenham um importante
papel influenciando as partilhas relativas de
capital e trabalho.

Quando se foca apenas no Produto Interno Bruto – PIB,


chega-se a uma falsa conclusão em função da desigualdade de
renda, pode-se ter uma falsa ideia de crescimento, sem avaliar
questões de saúde, “justiça”67 e segurança. Para mudar esse cenário
que não atende a todos e privilegia alguns de forma equivocada,
como se notou na crise de 2008, citam-se como solução mais
investimento em bens públicos, governança corporativa, leis
que protejam melhor a concorrência, melhor regulamentação do
sistema financeiro, direitos trabalhistas mais eficientes e impostos
progressivos. Isso, de acordo com o posicionamento de Joseph
Stiglitz (2016), criaria um desempenho econômico mais robusto.

Mas, como já debatido neste trabalho, é interessante mudar?


A resposta depende para quem. A regulação é certa que está

67 Coloca-se “justiça” entre aspas, considerando a obra de Dimitri Dimoulis (2011, p. 85 e 97)
uma vez que “o conceito de justiça é extremamente controvertido e não parece possível dar
uma definição que permita operacionalizá-la para avaliar o caráter justo ou injusto do direito
em vigor. [...] A justiça é um valioso ideal, pelo qual as pessoas lutam e até estão dispostas a
morrer. Mas a justiça é só isso: um ideal abstrato, fluido e mutável”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 325
desatualizada, com normas da época da era industrial. “No estado
de Nova York, as leis de transferência de dinheiro remontam à Guerra
Civil, quando os principais meios para se movimentar dinheiro eram
o cavalo e a charrete” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 90).

Vive-se num mercado com o domínio dos intermediários do


mercado, como os bancos, e com essa posição faltam incentivos
para o aumento da eficiência. A indústria de serviços financeiros
globais está repleta de problemas:

ela é antiquada, construída sobre a tecnologia


de décadas atrás, estando em desacordo com
o rápido avanço do nosso mundo digital, sendo
muitas vezes lenta e pouco confiável. Ela é
exclusiva, deixando bilhões de pessoas sem
nenhum acesso a ferramentas financeiras básicas.
É centralizada, expondo-se a violações de dados,
outros ataques ou falhas totais. E é monopolista,
reforçando o status quo e sufocando a inovação.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 92)

E a tecnologia blockchain tem o potencial de gerar um


impacto enorme no sistema financeiro, uma vez que com ela é
possível verificar a identidade e estabelecer confiança sem um
intermediário financeiro centralizando uma transação. A blockchain
também pode trazer a confiança quando essa for necessária, “ao
verificar a identidade e a capacidade de qualquer contraparte
através de uma combinação do histórico de transações passadas
(no Blockchain), pontos de reputação baseados em análises e
outros indicadores sociais e econômicos” (TAPSCOTT; TAPSCOTT;

BLO CKCH AIN


326 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
2016, p. 92).

Além disso, a blockchain reduz custos, com a rede sendo


“responsável pro autorizar e arbitrar transferências de valores ponto
a ponto de maneira contínua, assegurando que o livro-razão esteja
sempre atualizado” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 93). Em matéria
do Portal Exame de 14 de dezembro de 2018, de autoria de Lucas
Agrela, ressalta-se que os bancos vêm fazendo testes para explorar
esse potencial e que “o Pitaia Bank chega ao mercado brasileiro
como o primeiro ‘banco digital’ que usa blockchain em suas
transações para garantir a integridade e autenticidade dos valores”.

Citado por Lucas Agrela (2018), Abravanel, CEO do Pitaia


Bank, afirma que “Tentar barrar o blockchain é como tentar segurar
o vento com a mão. É uma tendência sem volta”. E todos estão se
abrindo para essa possibilidade, como os próprios bancos:

No começo de dezembro, o Itaú captou 100


milhões de dólares em uma operação inédita
usando blockchain. O banco Santander já tem um
sistema de pagamentos entre países baseado
no blockchain, chamado One Pay FX, para enviar
libras do Brasil ao Reino Unido. O Bradesco e a B3
anunciaram, neste ano, que iniciaram discussões
para o desenvolvimento de uma aplicação em
blockchain. (AGRELA, 2016)

Outro ponto de destaque para a blockchain e a reinvenção


dos serviços financeiros é a velocidade. Hoje, o envio de dinheiro
para outros países leva cerca de 3 (três) a 7 (sete) dias, compras de
ações de 2 (dois) a 3 (três) dias e empréstimos entre bancos cerca

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 327
de 21 (vinte e um) dias. A rede Bitcoin, por sua vez, “leva em média
10 minutos para autorizar e efetuar todas as transações conduzidas
nesse período” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 93).

Além disso, ainda se fala na gestão de risco, reduzindo


inúmeros riscos do mercado financeiro:

O primeiro é o risco de liquidação que é a


ameaça da sua transação ser cancelada
por alguma inconformidade no processo de
liquidação. O segundo é o risco da contraparte
ficar inadimplente antes de executar a transação.
O risco mais importante é o sistêmico, que
considera a soma de todos os riscos de calotes
em um sistema financeiro. [...] Os contadores
poderiam acompanhar a qualquer momento
a situação de cada transação que estivesse
acontecendo e como estariam sendo registradas
na rede. Transações irrevogáveis e reconciliação
financeira instantânea eliminariam um dos
aspectos observados pelas agências de riscos
– o risco de gestores irresponsáveis explorar
brechas e esconder irregularidades. (TAPSCOTT;
TAPSCOTT; 2016, p. 94)

A tecnologia blockchain é de código aberto, e isso é de


extrema importância por sempre poder inovar e melhorar, e um
exemplo é que a blockchain pensada para o Bitcoin já está sendo
utilizada por inúmeros outros ativos financeiros, falando-se em
blockchain para Altcoin, por exemplo.

BLO CKCH AIN


328 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Os autores Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 99)
apresentaram a seguinte tabela com as “oito funções de ouro”,
demonstrando as transformações da blockchain nos serviços
financeiros:

FUNÇÃO O IMPACTO DA PARTE INTERESSA-


BLOCKCHAIN DA

1 Autenticando Identidades Agências de


identidade e valor verificáveis e sólidas, classificação, de
criptograficamente análise de dados
garantidas do consumidor,
marketing, banco
de varejo, banco
de atacados,
redes de cartões
de pagamento,
reguladoras.
2 Movimentando Transferência Banco de varejo,
valor – fazer um de valor em banco por atacado,
pagamento, transferir incrementos muito redes de cartões de
dinheiro e adquirir grandes e muito pagamento, serviços
produtos e serviços. pequenos sem de transferência
intermediário de dinheiro,
irá reduzir telecomunicações
drasticamente o reguladoras.
custo e velocidade
dos pagamentos.
3 Armazenando Mecanismos Bancos de varejo,
valor – moedas, de pagamentos corretoras, bancos
commodities e combinados com de investimento,
ativos financeiros são a guarda segura e gestão de ativos,
reservas de valor. confiável de valor telecomunicações
Um cofre, uma conta reduz a necessidade reguladoras.
de pou-pança ou de serviços
uma conta-corrente. financeiros típicos;
Fundos do mer-cado poupança bancária
monetário ou Títu- e contas-correntes
los de Tesouro. ficarão obsoletas.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 329
4 Emprestando valor – A dívida pode ser governo),
débito em cartão de emiti-da, trocada microempréstimos,
crédi-to, hipotecas, e regulari-zada na crowdfunding,
títulos cor-porativos, blockchain; aumenta reguladoras,
títulos munici-pais, a eficiência, reduz agências de
títulos governamen- o atrito, melhora classificação de risco
tais, títulos o risco sistêmico. de crédito, empresas
garantidos por ativos Os con-sumidores de software de
e outras formas de podem utili-zar sua avaliação de crédito.
crédito. reputação para
acessar empréstimos
de seus pares; o
que é significativo
para um mundo
sem conta ban-cária
e para os empre-
endedores.
5 Trocando valor A Blockchain Investimento,
– especulação, leva o tempo de banco por atacado,
hedging e liquidação de todas operadores de
arbitragem. Ordens as transações de câmbio, fundos
correspondentes, dias e semanas para especu-lativos,
compensação minutos e segundos. fundos de pen-são,
de transações, Essa velocidade e corretagem de va-
gestão de garantias eficiência também rejo, câmaras de
e valorização, criam oportunidades com-pensação,
liquidação e para que as pessoas ações, futu-ros,
custódia. sem conta e acesso bolsas de mercado-
bancário participem rias; corretoras
da criação da de com-modities,
riqueza. bancos cen-trais,
reguladoras.

BLO CKCH AIN


330 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
6 Financiamento e Novos modelos de Bancos de
investimento em um fi-nanciamento ponto investimento, capital
ativo, companhia, a ponto, registro de de risco, jurídico,
startup – valorização ações corporativas auditoria, gestão
do capital, como divi-dendos da propriedade,
dividendos, juros, pagos automa- bolsas de valores,
aluguel ou alguma ticamente por crowdfunding,
combinação meio de contratos reguladores.
autoexecutá-veis.
Registro de títulos
para automatizar
reivin-dicações
de renda e outras
formas de rendi-
mento.
7 Garantindo valor Usando sistemas Seguros, gestão
e gerenciando de reputação, de riscos, bancos
risco – proteja seguradoras irão de atacado,
ativos, lares, vidas, estimas melhor corretagem, câmaras
saúde, propriedade o risco atuarial, de compensação,
empresarial, e criando mercados reguladores.
práticas de negócios, descentralizados
produtos derivativos para seguros.
Derivativos mais
transparentes.
8 Contabilidade O livro-razão Auditoria, gestão de
para valor – nova distribuído fará ati-vos, guardiões
governança auditoria e relatórios dos aci-onistas,
corporativa. financeiros em reguladores.
tempo real,
responsivos e
transparentes,
irá melhorar
drasticamente a
capacidade das
reguladoras para
fiscalizar as ações
financeiras dentro de
uma corporação.

Verificando as oito funções de ouro, é possível entender a


razão de uma atenção maior para a blockchain. Don Tapscott e Alex
Tapscott (2016, p. 98) até denominam um tópico de sua obra como
“das bolsas de valores para bolsas de blocos”. Embora houvesse
uma resistência quanto à blockchain por conta da associação

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 331
a negócios ilícitos, Austin Hill disse: “Wall Street tem de acordar
urgentemente” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 98), referindo-se ao
interesse da indústria financeira em tecnologias blockchain. Outro
caso interessante é o de Blythe Masters, uma das pessoas mais
importantes de Wall Street:

Ela transformou a mesa de derivativos em


commodities do JPMorgan em um rolo
compressor global dando início ao mercado
de derivativos. Depois de uma breve pseudo-
aposentadoria se juntou a uma startup com sede
em Nova York, a Digital Asset Holdings, como CEO.
A decisão surpreendeu a muitos. Ela entendeu
que o Blockchain iria transformar o seu negócio
como a internet transformou outras indústrias: ‘Eu
a levaria tão a sério como você deveria ter levado
o conceito da internet na década de 1990. É um
grande negócio que mudará a maneira como
nosso mundo financeiro opera’. Masters tinha
ignorado muitas das primeiras histórias do Bitcoin,
explorado por traficantes de drogas, aproveitado
por jogadores e ovacionado pelos libertários
como a criação de uma nova ordem mundial.
Isso mudou no final de 2014. Masters contou:
‘Tive um insight, quando comecei a apreciar as
potenciais implicações da tecnologia para o
mundo que conhecia bem Enquanto a aplicação
da criptomoeda na tecnologia de livros-razão
distribuídos foi interessante e teve efeito nos
pagamentos, a tecnologia de banco de dados
subjacente em si tinha decorrências muito mais

BLO CKCH AIN


332 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
amplas’. De acordo com Masters, o Blockchain
poderia reduzir ineficiências e custos, dando a
possibilidade de múltiplas partes contarem com
a mesma informação, em vez de ter de duplicar,
replicar e conciliar. Com um mecanismo para
compartilhar, descentralizar e replicar registros
de transação, o Blockchain é uma ‘fonte de ouro’,
diz ela. (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 98/100)

Outro depoimento importante é o do CEO da NASDAQ


Bob Greifels, que diz ser “um crente da capacidade da tecnologia
Blockchain efetuar a mudança fundamental na infraestrutura da
indústria de serviços financeiros” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p.
100). Com a blockchain, busca-se atingir segurança, redução de
custos, aumento da velocidade e eficiência.

6.1 BANCOS E BLOCKCHAINS

Nesse impacto da tecnologia blockchain nos serviços


financeiros, inicialmente se pode dizer que houve uma resistência
por parte do modelo tradicional, mas seria uma luta impossível,
um caminho sem volta. Nesse sentido, vários bancos já estão
inserindo a blockchain em suas estruturas, embora no momento do
surgimento, quando era ainda a blockchain do Bitcoin, houve muita
resistência.

Um documentário de extrema importância, disponibilizado


pela Netflix, que é um provedor americano de mídia de serviços
e produtora de documentários, séries e filmes, foi o “Banking on

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 333
Bitcoin”. Nele, explica-se a história do Bitcoin e, naturalmente, a da
blockchain, sendo que possuem as origens entrelaçadas, como já
explicado. Segundo Diego Marques (2017), “a narrativa posiciona
o Bitcoin como a única ‘moeda honesta’ em circulação. O filme
contrasta as diferenças entre os sistemas bancários centralizados
e a razão pública no coração do Bitcoin, que remove a necessidade
de uma autoridade central”. O documentário destaca como o Bitcoin
tem o poder de reduzir taxas de remessa e inserir no mercado as
pessoas que ainda não possuem acesso a contas bancárias.

A título de exemplo, uma pesquisa realizada pelo Instituto


Locomotiva mostrou que no Brasil cerca de 45.000.000 (quarenta
e cinco milhões) de pessoas são “desbancarizadas”, isto é, de cada
quatro brasileiros, um não possui conta bancária. E isso é muito ruim
para a economia brasileira, porque tira o acesso ao crédito dessas
pessoas, que não poderão movimentar a economia. Segundo
o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, o Brasil
poderia sair mais rápido da crise econômica pela qual está passando
se os Bancos atingissem mais pessoas. Ele disse:

É muito ruim para a economia brasileira. Ficou


definido na pesquisa que os bancos que operam
no país ainda não falam com uma parcela
significativa da população e que muitas dessas
pessoas que não têm conta em banco são
empreendedores, entre os quais ambulantes e
trabalhadores autônomos, que precisariam estar
mais inseridos na economia formal. (AGÊNCIA,
2019)

BLO CKCH AIN


334 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
As pessoas, sem acesso ao crédito, precisam esperar um
longo período para adquirir produtos, como uma geladeira ou
uma televisão, por não poderem parcelar. Em outra oportunidade,
inclusive, este autor escreveu sobre a importância dos títulos
de crédito. Nas palavras de Tullio Ascarelli (2013, p. 33), “se nos
perguntassem qual a contribuição do direito comercial na formação
da economia moderna, outra não poderia talvez apontar que mais
tipicamente tenha influído nessa economia do que o instituto
títulos de crédito”. Afinal, o crédito, que tem como pressupostos os
conceitos de confiança e tempo, está diretamente relacionado ao
desenvolvimento econômico de uma sociedade.

Como explicado por Jairo Saddi (2007, p. 17), “um dado país
não consegue se desenvolver sem um amplo e estável mercado
de crédito”. Diz ainda que “desenvolvimento econômico sustentável
de longo prazo que permita o combate à pobreza, depende de um
mercado de crédito crescente que inclua a todos” (SADDI, 2007, p.
17). João Eunápio Borges (1971, p. 9) diz que os títulos de crédito
tiveram um papel mais importante que

todas as minas do mundo para o enriquecimento


das nações. Por meio deles, o direito consegue
vencer tempo e espaço, transportando com
facilidade bens distantes e materializando no
presente – atualizando-as – as possíveis riquezas
futuras.

O que se pretende aqui é reforçar que o crédito circular


de uma forma segura é fundamental para o desenvolvimento da
economia. E, com a modernização tecnológica, formas ainda mais

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 335
fáceis de se transmitir crédito com segurança foram criadas, como
cartões de crédito e débito e transferência eletrônica de disponíveis
(TED’s).

Reforçando mais uma vez o princípio da blockchain da


inclusão, “a economia trabalha melhor quando ela funciona para
todos. O que significa reduzir os obstáculos à participação. Isso
constitui criar plataformas para o capitalismo distribuído, não apenas
um capitalismo redistribuído” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p. 81).
Ora, quando se analisa o atual cenário do sistema bancário brasileiro
(AGÊNCIA, 2019), significa que seis em cada dez “desbancarizados”
são mulheres, sete em cada dez são negros ou pardos, quase nove
em dez estão nas classes econômicas C, D e E, que em regra são
menos conectados e mais informais no trabalho e, quando se analisa
o grau de instrução, seis em cada dez “desbancarizados” possuem
apenas ensino fundamental ou nem isso. Outro dado importante,
é que a pesquisa apurou que somente 24% dos entrevistados
recorreram a bancos ou financeiras para obter um financiamento ou
empréstimo. Muitos utilizam a compra de forma “fiada” ou recorrem
a parentes e amigos. Conclui-se, então, que a blockchain pode ser
fundamental nessa transformação.

Há muitas críticas para os bancos, com toda certeza, mas


é fato que eles trazem uma relativa segurança. A formalidade,
inclusive, tem um papel importante no mercado, permitindo
dinamismo e rapidez nas transações, o que poderia ser, a princípio,
contraditório. A necessidade de certeza no direito e segurança na
sua realização faz com que sejam criados institutos que satisfaçam
essas exigências (ASCARELLI, 2013, p. 35). Os títulos de crédito já
mencionados, por exemplo, são importantes meios de prova.

Na Constituição atual, o princípio da segurança jurídica,


embora não esteja expressamente previsto, é considerado um

BLO CKCH AIN


336 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
princípio constitucional com amparo no inciso XXXVI do art. 5º, com
a seguinte redação: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada” (BRASIL, 1988, Art. 5º, XXXVI).
Sendo assim, é dotado inclusive de caráter de cláusula pétrea, em
função da disposição do art. 60, §4º, IV: “Art. 60. [...] §4º Não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...]
IV - os direitos e garantias individuais.” (BRASIL, 1988, Art. 60, §4º,
IV). A segurança jurídica é uma das balizas para tudo que esteja
relacionado ao direito, seja relações entre o Estado e o cidadão,
seja entre os próprios cidadãos, falando-se no direito à segurança
jurídica (MOREIRA, 2010, p. 12).

Adentrando no conteúdo da segurança jurídica, fala-se em


duas dimensões: objetiva e subjetiva, sendo que a primeira refere-
se a valores externos que protegem o cidadão, enquanto a segunda
protege o próprio cidadão. Segundo José Davi Cavalcante Moreira
(2010, p. 12/13),

na dimensão objetiva, a proteção é oposta pelo


cidadão ao Estado, sendo o cidadão protegido
contra as mudanças na política estatal hábeis a
prejudicar ou fragilizar seu direito à estabilidade,
à previsibilidade que lhe permite planejar seus
passos sem que sofra mudanças bruscas, sendo,
em temos simples, uma parcela do direito à
segurança, nesse caso, segurança político-
institucional. Na dimensão subjetiva, a proteção
é oposta pelo cidadão aos seus pares, sendo a
proteção da confiança depositada nos negócios
jurídicos e direitos em geral de que não serão, por
exemplo, os contratos, ou qualquer outra relação,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 337
alterados de modo a afetar o patrimônio jurídico
já consolidado. Aqui o princípio da segurança
jurídica suporta os particulares, assegurando
aos atos praticados sob certa regulamentação
não serão afetados por outra que advenha, seria
possível falar num direito à estabilidade conferido
aos cidadãos.

Cármem Lúcia Antunes Rocha (2004, p. 168), assim, define


segurança jurídica na “garantia da estabilidade e de certeza dos
negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão
que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica esta se
mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se
estabeleceu”.

A princípio, poderia se pensar que a formalidade seria um


empecilho para a dinâmica e celeridade que as atividades comerciais
exigem, mas ela é de extrema importância para o desenvolvimento
e o aprimoramento das relações comerciais (ARAÚJO, 2010, p. 283).

Segundo Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo (2010,


p. 284),

a forma não significa necessariamente


complexidade. A forma também pode ser simples.
E são dos esquemas formais mínimos e simples,
predeterminados e de prévio conhecimento das
partes, que se vale a prática comercial, assim se
provendo a certeza da existência do direito e a
segurança da sua ulterior realização.

BLO CKCH AIN


338 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Verifica-se, então, que a formalidade tem um papel importante
notadamente no Direito Empresarial, embora muitas vezes se pense
ser um atraso para o ordenamento jurídico. Relacionando com os
institutos que permitem a segurança das transações mercantis,
como explicado por Pontes de Miranda (2001, p. 48), por serem
munidos de valor documental, somente podem ser atacados por
provas claras, terminantes e concludentes. E direito incerto é direito
ineficaz, então essencial a segurança.

Tullio Ascarelli (2013, p. 36) explica:

essa certeza e a segurança são postas em ação


através do processo de simplificação analítica
do pressuposto de fato, que Rudolf Von Ihering
ilustrou em páginas decisivas. É realmente um
processo de simplificação analítica o documento
legitimador no exercício do direito; é pelo
mesmo motivo que a promessa contida no
título se divorcia do destinatário e que o direito
incorporado no título se torna independente
da relação fundamental e, em alguns títulos,
absolutamente abstrato. A par da simplificação
da espécie jurídica está o formalismo jurídico,
que domina em matéria e em títulos de crédito,
impondo formas rigorosas para a constituição,
a transferência e o exercício do direito. Os que
julgam ser o formalismo jurídico um fenômeno
que só ocorreu no direito primitivo, não anotaram,
talvez, o renascimento de formalismo que se pode
observar no direito moderno e, especialmente,
no direito comercial.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 339
E onde que entra a blockchain nessa questão? Os bancos
de fato possuem um papel de dar mais segurança às transações
bancárias, mas isso significa que somente eles podem dar essa
segurança? Como mostrado no citado documentário da Netflix, o
Bitcoin remove a necessidade de uma autoridade central, ou seja,
garante segurança sem a atuação dos bancos de forma centralizada.
E é preciso também ampliar o acesso das pessoas ao sistema
bancário, o qual é bem restrito como se verificou na pesquisa do
Instituto Locomotiva (2019). Então por que a resistência? Todos esses
questionamentos são necessários para entender o conflito inicial
entre bancos e quem apoia a blockchain, o que vem mudando.

Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 101) afirmam que


“bancos e transparência raramente andam de mãos dadas”. Isso,
porque a assimetria informacional é pressuposto para os atores
financeiros terem uma vantagem na competição. E a blockchain
envolve um sistema transparente, de modo que os bancos tenham
uma dificuldade de permanecer com suas políticas fechadas.

Uma solução que se propôs foram as blockchains


permissionadas, também denominadas como privadas. Na
ideia originária da blockchain, qualquer pessoa poderia acessá-
lo e interagir com ele, mas na permissionada há a exigência de
certas credenciais particulares, que nem todos terão acesso. Em
comparação, as transações serão somente de quem for membro
da comunidade, isto é, tiver com a credencial, o que facilita o
monitoramento dos reguladores. A ideia é que não se corra o risco
de se transacionar e até criar uma dependência com um fornecedor
desconhecido. Porém, isso fere a neutralidade da blockchain.

Fato é que em 2015 alguns dos principais bancos do mundo,


como JP-Morgan, Credit Suisse, Goldman Sachs, State Street, UBS,
Royal Bank of Scotland, BBVA, Barclays e Commonwealth Bank of

BLO CKCH AIN


340 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Australia, reuniram-se com a finalidade de colaborar em normas
comuns para a tecnologia blockchain, sendo apelidado esse
grupo de Consórcio R3, o qual recebeu inúmeros outros bancos
posteriormente.

Como se extrai do próprio site do R3,

Working alongside the world’s leading financial


institutions, R3 made a conscious decision to
leverage blockchain technology to solve real
business problems in both complex and highly-
regulated markets. We recognized that there
wasn’t a blockchain platform on the market
that could solve them, so we built one from the
ground up. That’s Corda. In 2016, R3 launched
Corda as an open source blockchain platform
with the support of a vibrant community of
organizations and developers. In 2018, we
launched Corda Enterprise, which harnesses the
core elements of Corda open source and fine-
tunes them to meet the service and network
infrastructure requirements of today’s highly
regulated industries. Today, R3 has transformed
from a bank consortium to an enterprise software
firm whose customers continue to reap the
benefits of the vibrant communities we have
built around the Corda platform. Both builders
and explorers benefit from two interoperable and
fully compatible distributions of Corda.68
68 Em tradução livre: “Trabalhando ao lado das principais instituições financeiras do mun-
do, a R3 tomou uma decisão consciente de aproveitar a tecnologia blockchain para resolver
problemas reais de negócios em mercados complexos e altamente regulamentados. Reco-
nhecemos que não havia uma plataforma blockchain no mercado que pudesse resolvê-los,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 341
Ora, os bancos buscam rever alguns pressupostos para a
blockchain, de modo que se adapte aos seus interesses. Mas ainda
não há todas as respostas. Por exemplo, como ficaria o papel dos
reguladores, sendo que a blockchain por si só já funciona como
uma regulamentação, considerando a redução de riscos e aumento
da transparência nas negociações. O R3 mostra que os bancos não
querem perder seu domínio e isso pode atrapalhar o crescimento da
tecnologia blockchain, que possui as mais diversas possibilidades
para se desenvolver. Com ela, há os benefícios da “compensação
instantânea, a interoperabilidade global, os altos níveis de segurança
e a quase isenção de custo das transações. Ela beneficia a todos,
seja você uma pessoa ou um negócio” (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016,
p. 107). Mas é importante o leitor ter em mente que, com grandes
grupos investindo nesse sistema, por qual razão eles iriam querer
ampliar para toda população e perder o controle?

Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 107) trazem um


comparativo bem sugestivo: “A Netflix não foi inventada pela
Blockbuster. O iTunes não foi inventado pela Tower Records. A
Amazon não foi inventada pela Barnes & Noble – você captou a
ideia”. Mais a frente os autores (2016, p. 108) continuam: “As três
grandes redes de TV não propuseram o Youtube, as três grandes
montadoras não apareceram com o Uber, e as três grandes redes
de hotéis não surgiram com o Airbnb”. Uma desvinculação com os
bancos pode ser importante:

então construímos uma desde o início. Aquele é Corda. Em 2016, a R3 lançou o Corda como
uma plataforma blockchain de código aberto com o apoio de uma comunidade vibrante de
organizações e desenvolvedores. Em 2018, lançamos o Corda Enterprise, que aproveita os
principais elementos do código aberto do Corda e os ajusta para atender aos requisitos de
infraestrutura de serviço e rede dos setores altamente regulamentados de hoje. Hoje, o R3
transformou-se de um consórcio bancário em uma empresa de software empresarial cujos
clientes continuam a colher os benefícios das comunidades vibrantes que construímos em
torno da plataforma Corda. Tanto os construtores quanto os exploradores se beneficiam de
duas distribuições interoperáveis totalmente compatíveis da Corda”.

BLO CKCH AIN


342 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Emissão de bens fungíveis, como ações,
obrigações e moedas no Blockchain e construir
a infraestrutura necessária para escalá-la e
torna-la comercial não requerem o currículo
de um banqueiro. [...] Você não precisa de toda
herança da infraestrutura ou instituições que
compõem Wall Street hoje... Não apenas você
pode emitir esses ativos no blockchain, mas pode
criar sistemas onde eu possa ter uma transação
atômica instantânea, onde eu poderia ter ações
da Apple na minha carteira e eu quero comprar
algo de você. Com essa plataforma posso entrar
em uma única transação atômica (i. e., todos ou
nenhum) e usar minhas ações da Apple para lhe
enviar dólares. (TAPSCOTT; TAPSCOTT; 2016, p.
107)

Obviamente não é tão fácil viabilizar essa plataforma. Os


bancos, inclusive, têm alegado se tratar de alto risco a blockchain
e, como afirmam Tapscott e Tapscott (2016, p. 108), “talvez sua
relutância decorra do medo de apressar a sua própria morte”, ou a
necessidade de uma urgente mudança e adequação em face de
todas as novas possibilidades que estão surgindo, notadamente em
função da blockchain. Haverá uma alteração profunda na atividade
empresária, a qual passa a ser trabalhada no próximo tópico.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 343
6.2 O MODELO DISTRIBUÍDO DA BLOCKCHAIN NA
ATIVIDADE EMPRESÁRIA

A plataforma blockchain Ethereum foi um importante


passo para mostrar o potencial da tecnologia blockchain, que vai
muito além dos bitcoins. Menciona-se, inclusive, a Consensus
Systems (ConsenSys), importante no desenvolvimento do software
Ethereum, que permite os smart contracts. Destacando mais uma
vez o Ethereum, tem-se que ele

é como o Bitcoin, em que o ether motiva uma


rede de pares a validar transações, proteger
a rede e chegar a um consenso sobre o que
existe e o que ocorreu. Entretanto, ao contrário
do Bitcoin, ele contém algumas ferramentas
poderosas para ajudar desenvolvedores e outros
a criar serviços de software, que vão desde
jogos descentralizados até bolsa de valores.
(TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 124)

O objetivo é encontrar alternativas para o modelo tradicional


que poderia ser mais eficiente, e a ConsenSys é aqui citada por fugir
da regra, seguindo a holacracia, pautando-se na colaboração ao
invés da hierarquia. Como se extrai do seu próprio site, veja-se:

Since forming, we have built blockchain


developer tools that have been adopted across
the Ethereum ecosystem. We have incubated and

BLO CKCH AIN


344 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
accelerated Ethereum startups that are launching
products across industries, from finance to supply
chain to law. And we have deployed real-world
Enterprise Ethereum solutions that are helping
corporations, governments, and NGOs secure
their IT infrastructure, optimize workflows, and
unlock new blockchain-based business models.
ConsenSys AG is headquartered in Switzerland,
with a presence in over 30 countries around the
world. We are dedicated to transforming the
world’s digital architecture into a more open,
inclusive, and secure Internet of value, what
many are calling Web 3.0. The first phases of the
Web allowed users to digitize information and
interact online. Web 3.0 is now enabling everyone
from local communities to global enterprises to
transact with efficiency, transparency, and most
importantly, trust.69

Na ConsenSys, todos os membros participaram na definição


dos projetos, sendo palavras-chave agilidade, transparência e
consenso. O funcionamento se dá da seguinte forma:

69 Em tradução livre: “Desde a sua criação, criamos ferramentas de desenvolvedor de block-


chain que foram adotadas em todo o ecossistema da Ethereum. Incubamos e aceleramos as
startups da Ethereum que estão lançando produtos em diversos setores, do setor financeiro
à cadeia de suprimentos e à lei. E implantamos soluções Enterprise Ethereum do mundo
real que estão ajudando corporações, governos e ONGs a proteger sua infraestrutura de TI,
otimizar fluxos de trabalho e desbloquear novos modelos de negócios baseados em block-
chain. A ConsenSys AG está sediada na Suíça, com presença em mais de 30 países ao redor
do mundo. Dedicamo-nos a transformar a arquitetura digital do mundo em uma Internet de
valor mais aberta, inclusiva e segura, o que muitos chamam de Web 3.0. As primeiras fases da
Web permitiram aos usuários digitalizar informações e interagir online. Agora, a Web 3.0 está
permitindo que todos, das comunidades locais às empresas globais, realizem transações
com eficiência, transparência e, o mais importante, com confiança”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 345
identificar o trabalho a ser feito, distribuir a carga
entre as pessoas com vontade e capacidade de
fazê-lo, acordar seus papéis, responsabilidades e
compensações, e depois codificar esses direitos
em um ‘acordo autoaplicável explícito, detalhado
e inequívoco, que pode servir como a cola
para manter todos os aspectos de negócio do
nosso relacionamento junto’, esclareceu [Lubin].
Alguns acordos pagam por desempenho, outros
distribuem um salário anual em ether, e outros
ainda são mais como ‘pedidos de participação’
com recompensas ligadas à conclusão da
tarefa, como escrever uma linha de código. Se
o código passa no teste, então a recompensa é
automaticamente liberada. ‘Tudo pode ser visível
e devidamente transparente. Os incentivos são
explícitos e granulares’, explicou. (TAPSCOTT;
TAPSCOTT, 2016, p. 127)

Nota-se que a tecnologia blockchain pode ter um papel


fundamental na gestão de uma atividade econômica, participando
do gerenciamento de projetos, contratação de pessoas,
desenvolvimento de softwares, remuneração e financiamento,
sendo um instrumento importante de governança.

Mas o que pode atrair mais o empresário é a diminuição do


custo, uma vez que os intermediadores se tornam desnecessários.
Fato é que a tecnologia blockchain está rearquitetando o ambiente
corporativo e, embora ainda não se tenham respostas sobre até que
ponto a inteligência artificial pode chegar, a evolução ocorrerá.

BLO CKCH AIN


346 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Esperava-se que essa mudança ocorresse com o início
da internet, mas a estrutura das grandes corporações ainda
permaneceram hierarquizadas. Pode-se questionar, assim, por qual
razão a blockchain teria um impacto nessa estrutura? Por tudo que
aqui foi trazido, sabe-se que a blockchain pode ”distribuir poder,
aumentar a transparência, respeitar a privacidade e anonimato
do usuário, e incluir muito mais pessoas que podem pagar muito
menos do que aquelas que já foram atendidas” (TAPSCOTT;
TAPSCOTT, 2016, p. 130), mas ainda se estranha o fato da internet
não ter impactado tanto na estrutura das companhias no que tange
à hierarquização.

Com base na obra de Ronald Coase (2017), ganhador do


Prêmio Nobel, há três tipos de custos na economia: custos de
pesquisa (relativo à busca de informações), coordenação (relativo
ao arranjo para que tudo funcione de forma eficiente) e contratação
(relativo aos negócios com terceiros). Sendo assim, uma companhia
iria expandir até o ponto que o custo para algo dentro da companhia
ultrapassasse o custo de realizar algo fora.

E a internet naturalmente teve um impacto na redução de


custos em toda a economia:

ela fez cair os custos de pesquisa, por meio de


navegadores e da World Wide Web. Também
caíram os custos de coordenação com o uso
do e-mail aplicativos de processamento de
dados, como ERP, redes sociais e computação
em nuvem. Muitas empresas se beneficiaram
da terceirização de unidades, como o serviço
ao cliente e a contabilidade. Comerciantes
envolveram os clientes diretamente, chegando

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 347
a transformar consumidores em produtores
(‘prosumers’). Planejadores de produto, em razão
da contribuição coletiva, produziram inovações.
Fabricantes alavancaram grandes redes de
abastecimento. (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p.
130)

Contudo, como bem descrito por Don e Alex Tapscott (2017,


p. 131), os conselhos de administração continuam compensando os
seus executivos de forma irrazoável, e isso se viu bem na crise de
2008, com os executivos recebendo altos valores em um sistema
que ruiu.

O questionamento é se o atual complexo industrial está


gerando somente riqueza ou prosperidade também. Nota-se
inclusive uma concentração de poder e riqueza em conglomerados
e até monopólios. Quando se analisa exemplos recentes de sucesso,
nota-se que “a web não veio de monopólios; ela veio da borda. O
Google não veio da Microsoft. O Twitter não veio da AT&T ou, neste
mesmo sentido, do Facebook” (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 132).

E as grandes concentrações acabam afastando esse potencial


inovador da periferia do mercado. E a tecnologia tem um impacto
nisso porque ela tem como base o princípio da inclusão, tirando um
ponto central que dá sustentabilidade a toda uma organização. O
sistema criado é distribuído, de modo que a concentração não se
encaixe, pelo menos em tese. Até quem não tem conta em banco
poderá participar.

Um dos custos que a internet reduziu bem, mas que ainda


permanecem, são os custo de busca, ou seja, como as companhias
encontram as informações que precisam. A internet, por exemplo,

BLO CKCH AIN


348 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
teve um impacto para que houvesse a terceirização de determinadas
atividades, para que pudesse ser realizada com mais eficiência.
Porém, agora se possibilita o World Wide Ledger, que se trata de
um banco de dados descentralizados, de modo que a busca não
será por currículos ou links de publicidade, mas por históricos de
transações, com registros comprovados pelo sistema. Por exemplo,
para adquirir determinada descoberta, você terá a informação
de quem a fez, de quem já a comprou, o valor investido, dentre
inúmeras informações que irão variar com o caso.

E a pesquisa na internet e na blockchain serão diferentes,


sempre lembrando que a blockchain se trata de uma metatecnologia,
cujo um dos pressupostos é a internet, mas não só ela. Na blockchain
você terá a opção pelo anonimato ou pela transparência total, e em
um contexto que a transparência é um valor isso será importante. É
fato que os profissionais de matemática serão bastante disputados
no mercado, uma vez que toda a segurança da blockchain tem
como pressuposto a matemática.

Outra diferença que se destaca é que a internet permite apagar


ou alterar dados, enquanto na blockchain haverá a imutabilidade,
então uma conduta criminosa, por exemplo, de um executivo estará
em seu registro para sempre70. Como afirmam Don e Alex Tapscott
(2016, p. 136), “enquanto a informação na internet é abundante,
confiável e perecível, no Blockchain ela é escassa, inviolável e
permanente”. Sendo multidimensional, a companhia poderá buscar
candidatos em todo o mundo para prestar determinados serviços,
principalmente em contextos que uma estrutura física se torna
desnecessária.

70 Desse aspecto podem ser extraídas inúmeras discussões, como o caso de haver uma
decisão judicial ordenando a retirada de determinado registro, em função, por exemplo, do
direito ao esquecimento, ou de um erro judiciário. Enfim, ainda são muitas perguntas para
esse aspecto da imutabilidade.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 349
Fazendo um comparativo entre o que a blockchain pode
fazer com o que o LinkedIn permite atualmente:

empresas como a ConsenSys estão


desenvolvendo sistemas de identidade em
que as perspectivas de emprego ou potenciais
contratantes irão programar seus próprios
avatares pessoais para divulgar informações
pertinentes para os empregadores. Eles não
podem ser hackeados como um banco de
dados centralizado. Os usuários são motivados
a contribuir com informações para seus próprios
avatares, porque eles o possuem e controlam,
sua privacidade é completamente configurável,
eles podem monetizar seus próprios dados. Isto
é muito diferente de, digamos, LinkedIn, um
banco de dados central controlado, monetizado
– e ainda não totalmente seguro – por uma
corporação poderosa. (TAPSCOTT; TAPSCOTT,
2016, p. 137)

Os custos de contratação também serão alterados pelos


smart contracts feitos via blockchain. As companhias nada mais são
que os contratos e relacionamentos, e melhorar os custos com maior
efetividade no cumprimento dos contratos será um fator importante
para direcionar melhor os investimentos, já que a confiança será
garantida internamente, e não por um terceiro.

Não se entende aqui que a atividade econômica organizada


irá acabar, mas se entende que os seus limites serão redefinidos,

BLO CKCH AIN


350 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
de modo que serão mais flexíveis no que tange à burocracia.
Tratando-se de uma rede aberta, as companhias podem “criar
acordos engenhosos e autoexecutáveis com novas classes de
fornecededores e parceiros antes improváveis” (TAPSCOTT;
TAPSCOTT, 2016, p. 161). A empresa automobilística é um exemplo,
considerando que recebe peças de vários locais para montar os
automóveis, de modo que com apenas uma consulta na rede será
possível descobrir a credibilidade de um fornecedor. Via aplicativos
descentralizados (DApps) será possível verificar como fornecedores
foram classificados e como honraram seus compromissos. Além
disso, será possível “microagendar mercadorias para que sejam
entregues ‘just in time’. Nenhum estoque será necessário”.

Traçando um paralelo com o tópico anterior, o modelo


distribuído irá romper as atuais funções dos serviços financeiros.
“Novos entrantes e incumbentes similares podem construir novas
arquiteturas de negócios que podem inovar melhor, criar mais valor
a um custo menor, transferindo e habilitando produtores a participar
da riqueza que eles criam” (TAPSCOTT; TAPSCOTT, 2016, p. 168).

A tecnologia blockchain pode ter um impacto importante


na produção entre pares, conferindo segurança e confiabilidade
em produtos como o sistema operacional Linux e a Wikipédia, que
não são de propriedade de ninguém, sendo uma produção social.
Será possível, além disso, garantir com mais seguranças os direitos
de propriedade intelectual, incentivando o desenvolvimento.
Ora, um registro digital de uma obra de arte, por exemplo, dará
autenticidade para uma eventual transação. Verifica-se, assim, que
a blockchain mudará a organização de uma atividade econômica
em vários aspectos, principalmente na relação entre fornecedores,
consumidores, colaboradores e internamente na gestão.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 351
6.3 SMART CONTRACTS

Os smart contracts, também denominados como “contratos


autoexecutáveis” ou “contratos inteligentes”, possuem sua primeira
referência em Nick Szabo, criptógrafo e advogado, que em um
artigo datado de 1996, quando ainda não se imaginava o potencial
da blockchain que foi exposta para o mundo tão somente em 2008
com o Bitcoin.

Inicialmente, seguindo o mesmo entendimento de Roppo


(2001, p. 56), destacou que “na economia moderna, é o contrato, acima
de tudo, que cria a riqueza”. Para Szabo (1996), a revolução digital
foi essencial para potencializar os contratos, surgindo instrumentos
que por meio de protocolos matemáticos as partes cumprem as
promessas. Tarcisio Teixeira e Carlos Alexandre Rodrigues (2019, p.
107), inclusive, falam em um “contrato sem qualquer participação
humana, sem falhas e sem riscos”.

Trazendo uma definição clássica de contrato,

é a convenção, pacto ou acordo para execução de


algo sob determinadas condições entre as partes
contratantes. A vida moderna, com o avanço da
tecnologia nos obriga a ampliar as relações entre
as pessoas, praticando atos jurídicos através de
convenções recíprocas, geradoras do contrato.
Contrato, portanto, é ato jurídico em que duas ou
mais pessoas se obrigam ou convencionam, por
consentimento recíproco, a dar, fazer ou não fazer

BLO CKCH AIN


352 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
alguma coisa, verificando, assim, a constituição,

modificação ou extinção do vínculo patrimonial.


(JUNQUEIRA, 2006, p. 27)

Com a modernização tecnológica, passaram a ser feitos de


forma eletrônica, notadamente na modalidade de adesão, e os smart
contracts começaram a ser pensados. A lógica dos smart contracts
é a aplicação dos preceitos “if...then”, ou seja, se algo ocorrer, a sua
consequência deverá ocorrer, e ocorrerá. Os códigos irão garantir a
confiança, de modo que

esses programas funcionam em conjunto com


uma rede blockchain e podem ser configurados
para implementar transações mais complexas
entre partes, atuando como um ‘agente’
independente que obedecerá às vontades
determinadas em seu código-fonte. (SILVA;
SILVA, 2018, p. 703)

Os smart contracts são autoexecutáveis, não dependendo da


boa-fé ou da vontade das partes para que seja cumprido, então não
se exige um terceiro para garantir o cumprimento das obrigações,
como o Judiciário. Um exemplo prático desse tipo de contrato pode
ser o condicionamento do pagamento à confirmação de entrega da
mercadoria por um GPS.

O e-commerce tradicional ainda depende de um terceiro


confiável, que por meio de um custo aos contratantes garantirá que

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 353
o produto seja entregue e o pagamento realizado. Sem esse terceiro
de confiança, ainda é possível fazer uma transação, uma vez que ele
não é um requisito de existência e validade. Interessante exemplo
é trazido por Teixeira e Rodrigues (2019, p. 115), considerando uma
programação não tão complexa:

com o advento da chamada ‘Internet das Coisas’,


é possível que máquinas, como geladeiras ou
televisores, para ficarmos nos exemplos mais
corriqueiros, sejam pré-programadas para
adquirir produtos via internet (por exemplo, a
geladeira, percebendo a falta de leite no seu
interior, se comunicaria diretamente com o site
do supermercado parceiro do fabricante, e faria
o pedido, a ser debitado de um cartão de crédito,
com o produto sendo entregue sem a participação
do consumidor). Embora pareça óbvio que
uma contratação dessas deva ser previamente
autorizada pelo consumidor, tecnologicamente
o negócio jurídico é possível de ser concretizado
desta forma – e nem se trata de um estágio muito
avançado de programação.

Obviamente, terá o cuidado de se preencher os requisitos de


validade do art. 104 do Código Civil (agente capaz que manifestará
a vontade, objeto lícito, possível e determinável, e a forma prescrita
ou não defesa em lei). E os smart contracts, por hora, não podem
ser principais, uma vez que dependerão de outro contrato firmado
anteriormente no qual estará presente a vontade do contratante.
Não se sabe se futuramente será possível um smart contract por si

BLO CKCH AIN


354 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
próprio, mas no modelo jurídico atual não será possível.

Mas o que diferencia um smart contract de um contrato


tradicional? O principal ponto é que em um smart contract não
há espaço para a subjetividade, uma vez que haverá um código
previamente estabelecido que aplicará ou não os efeitos do
cumprimento das cláusulas. O grande problema é que o Direito não
é uma ciência exata, que dá para ser programada. Considerando
que se baseia na tecnologia blockchain, haverá irreversibilidade de
dados, mas e se houver uma decisão judicial em sentido contrário?
Será um problema a ser verificado casuisticamente.

Essa é uma reflexão importante, uma vez que os smart


contracts resolvem a questão do inadimplemento e má-fé dos
contratantes, mas gera esse problema não pensado inicialmente.
Embora a Accenture tenha criado o protótipo de blockchain
“editável” para sistemas corporativos e privados, isso descaracteriza
o pretendido com essa tecnologia.

Além disso, os contratos complexos demandariam um


elevado campo para interpretação jurídica, de modo que inviabilizaria
o smart contract no qual não há espaço para a subjetividade. Por
exemplo, caso necessite da análise de dolo e culpa já estaria
prejudicado.

Outro ponto de destaque e que interessa bastante para


este trabalho é a necessidade da utilização do modelo de tokens,
que são a representação digital de ativos virtuais relacionados à
blockchain, garantindo ao seu detentor um direito. Então, quando
o token representar o objetivo final do contrato, seria possível a sua
utilização. Explica-se:

a utilização de um contrato digital para a entrega

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 355
de um ativo digital puro como um Bitcoin, é
facilmente compreendida, pois os polos credor e
devedor podem ajustar cláusulas programáveis,
cuja verificação de sua ocorrência seja objetiva
e não dependa de terceiros, como uma data,
horário ou mesmo entrega de um produto.
Assim, esta situação fática, registrada na
plataforma blockchain se verifica, a transferência
do ativo digital se perfaz automaticamente,
sem participação de qualquer intermediário.
(TEIXEIRA; RODRIGUES, 2019, p. 115)

Logo, não será possível dependendo de fatores externos, por


não poderem ser representados por tokens. Isso, porque nenhum
terceiro será necessário para a prática de atos executórios que
demonstrem a vontade das partes. Exemplos práticos podem ser o
bloqueio de telefone pelo inadimplemento, limitação de velocidade
em veículo, transações que envolvam a transferências de valores,
sendo situações que já ocorrem fora da blockchain, mas com os
smart contracts serão muito mais efetivas.

Á título de exemplo, cita-se a plataforma My Wish71, que


foi criada com o objetivo de facilitar o acesso aos contratos
autoexecutáveis e resolver problemas na economia digital. Essa
plataforma também desmitifica a ideia de que o uso de smart
contracts é complexo e acessível somente àqueles que detêm certo
conhecimento em tecnologia da informação. Como já afirmado
sobre a tecnologia blockchain, aqui se busca entender, mas na
prática os computadores que farão todo o trabalho.

Um dos principais problemas para se fazer um contrato hoje


71 A plataforma My Wish pode ser consultada em: <https://mywish.io/>.

BLO CKCH AIN


356 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
em dia é a falta de informação, a falta de certeza dos seus resultados,
se será cumprido ou não, mas com a ideia dos smart contracts,
que se tornaram viáveis com a blockchain, tem-se a certeza de
seu cumprimento. Exige-se uma máxima tutela do crédito em
prol do desenvolvimento econômico e social, e isso depende da
redução dos custos de transação, o que a blockchain faz de forma
muito bem feita. Essa tecnologia aumenta a confiança existente no
mercado como se explicou, impactando toda a teoria contratual que
é de suma importância para a mobilização de riquezas. Mas como
ela é uma tecnologia que está acontecendo, é certo que muitas
novidades ainda ocorrerão.

A tecnologia tem como fator principal o conhecimento,


portanto não se vê limites para a economia por ela criada, e as ICOs
são um exemplo disso.

6.4 INITIAL COIN OFFERING (ICO)

São comuns notícias sobre as melhores opções de


investimentos, e em regra se falam em ações, imóveis, títulos
públicos, enfim, há várias opções de investimento. Mas recentemente
houve uma novidade nesse “cardápio”, como afirmam Isac Silveira
da Costa, Giovana Treiger Grupenmacher e Viviane Muller Prado
(2018). E a novidade são as Initial Coin Offerings (ICOs).

O contexto de criação remete ao ano de 2015, mais


especificamente a semana de 17 de agosto. Don e Alex Tapscott
(2016, p. 118) relatam bem esse período:

a semana de 17 de agosto de 2015 foi feia: o

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 357
mercado acionário chinês quebrou, o S&P 500
teve seu pior desempenho em quatro anos, e
analistas financeiros em todos os lugares estavam
falando de outra desaceleração econômica
global e possível crise. IPOs tradicionais foram
retirados do mercado, fusões paralisadas, e o
Vale do Silício foi ficando nervoso sobre a sua
supervalorização de seus unicórnios queridos, as
empresas privadas avaliadas em mais de 1 bilhão
de dólares.

Os citados autores utilizam inclusive a palavra “carnificina”72.


Nesse contexto se destacou a Augur, com uma campanha de
financiamento coletivo diferenciada e de muito sucesso. Somente
na primeira semana, mais de 3,5 mil pessoas de diversos países,
como Estados Unidos, China, Japão, França, Alemanha, Espanha,
Brasil, África do Sul, englobando praticamente todos os continentes,
contribuíram para esse financiamento. E o diferencial era que não
havia regulador, corretagem, banco ou advogados. Segundo Don e
Alex Tapscott (2016, p. 118), tratava-se do “IPO do Blockchain”, que
são as ICOs.

As Initial Coin Offerings, assim, são para levantar fundos


por meio da tecnologia distribuída da blockchain, com a emissão
de tokens de valor na companhia. No caso da Augur, aqueles
que investiram poderiam decidir em quais mercados de previsão
a atividade vai abrir. Outro exemplo, até mais importante, foi o já
mencionado aqui Ethereum, que fez uma venda para seu público
do ether, o token nativo. Verifica-se que a blockchain pode ampliar
consideravelmente o acesso aos mercados de capitais.
72 A título de exemplo, veja-se a seguinte notícia veiculada no Estadão em 24/08/2015, de
autoria de Paula Dias e Cláudia Violante: “China causa pânico nos mercados, derruba Bolsa e
leva dólar para o maior nível desde 2003”.

BLO CKCH AIN


358 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
É fato que as ICOs, seguindo os princípios da blockchain,
contribuirão de forma relevante para alterar o modelo de combinação
entre investidores com empreendedores, que é feita pela indústria
dos serviços financeiros. Corretores, banqueiros de investimento,
advogados mobiliários terão seus papeis ameaçados e já estão se
movimentando para evitar isso:

ao integrar os IPOs do Blockchain como novas


plataformas para troca de valor, como a Circle,
Coinbase (a startup de troca de Bitcoin mais bem
financiada), Smartwallet (uma central de ativos
globais para todas as formas de valor) e outras
empresas emergentes, esperamos que uma
central virtual de troca distribuída emerja. A velha
guarda está tomando conhecimento. A NYSE
investiu na Coinbase e a NASDAQ está integrando
a tecnologia blockchain ao seu mercado privado.
Bob Greifeld, CEO da NASDAQ, está começando
em pequena escala, usando o Blockchain para
‘agilizar a manutenção dos registros financeiros,
enquanto os torna mais barato e mais preciso’,
mas, evidentemente, a NASDAQ e outras
operadoras têm planos maiores. (TAPSCOTT;
TAPSCOTT, 2016, p. 120)

Sendo algo novo, gera um medo pelos eventuais riscos que


se podem ter. Então importante iniciar com o conceito das Initial
Coin Offerings: “emissão primária de títulos de participação ou,
entao, títulos de legitimação de direitos de uso de um produto ou
serviço que virar a ser (ou já é) prestado por uma empresa” (COSTA,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 359
GRUPENMACHER, PRADO, 2018, p. 794/795). Inclusive se deve tomar
cuidado na trudução de Initial Coin Offerings, recomendando-se
“oferta inicial de criptoativo” e não “oferta inicial de moeda”, uma vez
que as ICOs estão relacionadas a criptomoedas, criptocommodities
e criptotokens, conforme a sistemática dos criptoativos analisadas
no capítulo anterior.

Para se ter uma noção da evolução das ICOs quando


surgiram, veja-se o gráfico abaixo, elaborado pela Smith + Crown
Intelligence, em 1 dez. 2016, que ilustra as ICOs desde janeiro de
2013, sendo que as linhas em vermelho demonstram as ICOs
individuais e as quantias que elas levantaram, enquanto as barras
em azul a quantia cumulativa levantada em um ano. Conforme se
extrai do gráfico, o financiamento cumulativo de ICOs era de US$236
milhõs para o ano:

BLO CKCH AIN


360 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Em 2017, as ICOs captaram aproximadamente US$3,7 bilhões
em escala mundial, como se extrai de matéria veiculada pela Forbes
no referido ano (BARNETT, 2017).

Mas como fazer uma ICO? Com base principalmente na obra


de Chris Burniske e Jack Tatar (2019, p. 270/ 272), que detalham o
procedimento para se fazer uma ICO, verifica-se que o primeiro passo
é fazer o anúncio, que pode ser das mais variadas formas, como por
meio de uma conferência por redes sociais. É importante que se
tenha um material escrito com todas as informações pertinentes
para a análise dos investidores, definindo toda a estrutura da venda
coletiva inicial, bem como um fácil e transparente contato com a
equipe fundadora.

Nesse momento, pode não haver ainda uma blockchain em


funcionamento, sendo somente a busca para viabilizar a ideia, o
que eleva o risco dos investidores. Burniske e Tatar (2019, p. 270)
destacam que sendo uma ideia, “como resultado, a integridade e
a história anterior da equipe fundadora e deliberativa são o mais
importante, pois é a investigação temática de se essa ICO supre as
necessidades do mercado e dos negócios”.

Após esse momento, haverá uma estruturação e


sincronização da ICO, definindo as datas de início e fim que são fixas.
Salienta-se que em regra haverá um bônus para quem investir no
início, como forma de incentivo. Além disso, pode-se estabelecer
uma quantia mínima e máxima que se busca, para que se atinja o
objetivo evitando uma especulação elevada. Na oferta espera-se
que haja a exposição de como o ativo será distribuído e como os
fundos levantados serão usados.

Iniciada a venda coletiva, os investidores fornecem fundos


para a ICO encaminhando criptoativos, como Bitcoins. Em função
disso, receberão um criptoativo em retorno pelo seu investimento.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 361
O monitoramento das ICOs se dará por sites online, como a Smith +
Crown, do qual se extraiu o gráfico acima.

Obviamente, como toda novidade, há inúmeras críticas ao


modelo ICO, principalmente no que tange às inúmeras moedas que
surgiram. De toda forma, ainda não se tem um consenso sobre as
suas vantagens e desvantagens.

Pensando em um exemplo prático, pode-se utilizar o caso


de um fotógrafo que deseja vender seus trabalhos via internet
para portais de notícias de todo mundo, como citado por Costa,
Grupenmacher e Prado (2018, p. 795). Pelo modelo tradicional, ele
enviará seus arquivos e depois receberá seus royalties pelas vendas
realizadas, sem controle algum.

Porém, com a possibilidade desse novo modelo ICO,


pode haver uma plataforma de compra e venda de fotos, e as
transações são realizadas em tokens, que foram ofertados aos
usuários para fins de desenvolvimento da plataforma. Com ela em
funcionamento, os usuários podem oferecer tokens em troca do
serviço. A plataforma terá uma taxa de adesão e para licenciar cada
foto, tomando providências de registro da propriedade intelectual.
Cada transação será registrada com a tecnologia blockchain, de
modo que o fotógrafo tenha um controle envolvendo as transações
de forma imediata, ou seja, não fica sob o controle de um terceiro.
Com os tokens recebidos, poderá converter em alguma moeda ou
permanecer usufruindo da plataforma. Ocorre risco de fraude? Sim,
como no modelo tradicional, mas se a plataforma identificar haverá
a indenização com tokens também. O diferencial é que aqui os
dados das transações não são centralizados, e sim compartilhados
por todos. E quanto ao valor dos tokens,

BLO CKCH AIN


362 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
havendo adoção em massa a esses serviços
por usuários dessa rede social que aproxima
fotógrafos de seus clientes, os tokens podem
passar a ter um relevante valor de troca, além do
valor de uso decorrente dos serviços oferecidos
pela plataforma. O desenvolvimento de um
mercado secundário pode depender da limitação
do número de tokens emitidos pela plataforma
que, deliberadamente tornando-os escassos, cria
uma sensação de exclusividade que fomenta a
troca entre seus clientes. Outra possibilidade para
que haja um mercado secundário é o direito de
participação nos lucros, cumulado com o direito
de consumo de produtos e serviços. (COSTA,
GRUPENMACHER, PRADO, 2018, p. 797)

A Kodak, por exemplo, foi uma das que lançou uma


criptomoeda para buscar recursos no mercado: a Kodakcoin,
anunciando uma ICO em janeiro de 2018 (VIEIRA, 2018). À época,
o valor de suas ações chegou a quase quadruplicar, passando de
US$3,10 para US$11,55 por um período. A ideia era justamente o
exemplo citado, criando uma plataforma para o gerenciamento de
direitos autorais de fotógrafos.

E quanto às ICOs surgem dúvidas semelhantes as que


surgiram com o Bitcoin: o Estado deve intervir? Como regulamentar?
Há uma associação por parte da comunidade entre o mundo virtual
e fraudes. Como apontado por Renato de Mello Jorge Silveira (2018,
p. 110), que trabalha as fronteiras penais das moedas virtuais,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 363
uma provável explicação de repulsa, temor e
ojeriza tida pelas moedas virtuais talvez seja
encontrada no fato de que, em sua pequena vida,
já serviram elas para inúmeras e reconhecidas
condutas criminosas. Tratou-se, entre outros,
de eventos como os conhecidos mercado de
assassinos; ou o caso da Silk Road, do chamado
Dread Pirate Roberts.73

Quando se trabalha o âmbito penal, é muito comum se falar


da deepweb e da Darknet, e o surgimento de ambas é muito próximo
da criação do Bitcoin, o que pode ser uma das razões para essa
associação. Obviamente, lembra-se que a tecnologia blockchain
trabalha como um livro-caixa criptografado, com o registro de tudo,
enquanto a deepweb é um conteúdo da internet não indexado pelos
mecanismos de busca e darknet um nome genérico para a rede
que permite compartilhamento de dados de maneira anônima e
criptografada (SILVEIRA, 2018, p. 101).

Esse problema, inclusive, também foi enfrentado em


outra oportunidade no que tange aos títulos de crédito. À época,
questionava-se a questão das duplicatas virtuais e a associação
a duplicatas simuladas, porém se nota que o crime do art. 172 do
Código Penal74 tem redação de 1990, muito antes da existência da

73 Na sua obra, Renato de Mello Jorge Silveira (2018, p. 110/114) explica que houve uma
associação do Bitcoin com o mercado de assassinos da deepweb, uma vez que os pagamen-
tos em regra eram feitos com Bitcoins pela promessa de anonimato. Mas anonimato não se
confunde com sigilo total e irrastreabilidade. A mesma associação ocorre com o caso da Silk
Road, sendo seu criador Ross Ulbricht, com o codinome Dread Pirate Roberts, fez com que
surgisse um mercado anônimo de compra e venda de drogas, no qual se utilizava Bitcoins.
Falava-se até que era o e-Bay das drogas.
74 “Duplicata simulada. Art. 172 - Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corres-
ponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado. (Redação
dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
(Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá
aquêle que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas. (Incluído
pela Lei nº 5.474. de 1968)”. (BRASIL, 1940, Art. 172)

BLO CKCH AIN


364 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
duplicata virtual, cuja fundamentação legal a doutrina atribui ao art.
8º, parágrafo único, da Lei 9.492/199775. (SOUZA, 2017)

Compreendida a lógica das ICOs, passa-se a uma análise


mais profunda dos tokens, que podem ser de três tipos: equity
tokens, utility tokens e híbridos:

os equity tokens conferem direitos patrimoniais


de participação nos lucros ou, ainda, direitos
de influencia a gestão da empresa (direitos
políticos). Os utility tokens permitem o consumo
de produtos ou serviços no âmbito da rede de
usuários, assemelhando-se a pontos em um
programa de milhagens ou de vouchers – quando
certa empresa oferece uma quantidade de tokens
a seus clientes mediante pagamento de um valor
reduzido para, no futuro, esses tokens serem
apresentados para o consumo de certo produto
ou serviço. Adicionalmente, pode haver tokens
híbridos, que mesclam características de equity
tokens e utility tokens. (COSTA, GRUPENMACHER,
PRADO, 2018, p. 803)

Há quem divida os equity tokens naqueles que efetivamente


garantem uma participação na gestão da atividade empresária (equity
tokens propriamente ditos) e aqueles que focam na distribuição de
lucros (security tokens). (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2019, p. 99)

75 Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das Duplicatas Mercantis e de Pres-


tação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira
responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a
mera instrumentalização das mesmas. (BRASIL, 1997, Art. 8º, parágrafo único)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 365
Ao adquirir os tokens, eles terão valor de uso, de modo
que possam ser consumidos posteriormente, ou valor de troca,
podendo ser negociados. Mas como garantir que as ofertas
realizadas sejam efetivamente cumpridas, com o investimento
dos recursos arrecadados? Aí entra a tecnologia blockchain. Na
rede compartilhada, os tokens poderão ser acessados diretamente
pelos investidores por meio de suas chaves privadas (baseando-
se na criptografia), ou por meio de uma exchange onde se deu a
negociação. Nesse aspecto pode se questionar a segurança, uma
vez que o investidor fica “nas mãos” da exchange que terá todos
seus dados e pode simplesmente desaparecer.

Um conceito que se torna importante é o de wallet. Em um


sentido amplo, será “a designação gráfica por meio da qual cada
usuário da rede compartilhada visualiza seu saldo, gerencia suas
chaves públicas e privadas (associadas à criptografia das transações)
e realiza operação” (COSTA, GRUPENMACHER, PRADO, 2018, p.
806). O saldo de tokens estará armazenado no livro razão distribuído
(distributed ledger), de modo que na wallet ficarão as chaves que
dão acesso ao livro. Caso haja a perda das chaves, não se consegue
acessar o livro e nem transferir para outros usuários os tokens. A
responsabilidade do seu endereço (address) é do investidor.

O problema de segurança, então, não está na tecnologia


blockchain, e sim nas exchanges que podem ser alvo de hackers
ou da má-fé dos gestores. Cita-se o ataque que a NiceHash
sofreu em 2017, cuja estimativa de perda foi de aproximadamente
US$60 milhões (BLOOMBERG, 2017). Eventuais discussões
de responsabilidade podem passar pelo Direito Internacional,
dificultando a possibilidade de ressarcimento.

Inclusive, aqui serão utilizados os já trabalhados smart


contracts, possibilitando a redução dos custos de agência:

BLO CKCH AIN


366 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
(i) entre terceiros contratantes (stakeholders) e a
companhia, reduzindo ou até mesmo eliminado
a possibilidade de descumprimento oportunista
de contratos; e (ii) entre acionistas minoritários
e acionistas controladores, ou entre acionistas e
administradores, no que diz respeito à execução
de direitos garantidos por valores mobiliários
(quando ofertados por meio de initial coin
offerings). (SILVA; SILVA, 2018, p. 715)

Vale a mesma crítica de não abrir espaço para transações


alternativas por serem autoexecutáveis, uma vez que a companhia
será forçada a cumprir o contrato, mas se trata também de proteção
para os investidores, por outro lado.

De fato, as coisas não são fáceis para as ICOs, notadamente


pela resistência nos órgãos reguladores do mercado de capitais.
Inclusive, em matéria do The New York Times, de autoria de Nathaniel
Popper (2017), destacou-se o posicionamento de Joseph Grundfest,
que era comissário da SEC na década de 1980 e agora é professor
de direito e negócios em Stanford. Segundo ele, “ICOs represent the
most pervasive, open and notorious violation of federal securities
laws since the Code of Hammurabi [...] It’s more than the extent of
the violation, it’s the almost comedic quality of the violation.”76.

Outra importante nota veio da Organização Internacional das


Comissões de Valores (2018), no seguinte sentido:

76 Em tradução livre, “As ICOs representam a violação mais difundida, aberta e notória das
leis federais de valores mobiliários desde o Código de Hamurabi [...] É mais do que a extensão
da violação, é a qualidade quase cômica da violação”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 367
There are clear risks associated with these
offerings. ICOs are highly speculative investments
in which investors are putting their entire invested
capital at risk. While some operators are providing
legitimate investment opportunities to fund
projects or businesses, the increased targeting of
ICOs to retail investors through online distribution
channels by parties often located outside an
investor’s home jurisdiction -- which may not be
subject to regulation or may be operating illegally
in violation of existing laws -- raises investor
protection concerns. There have also been
instances of fraud, and as a result, investors are
reminded to be very careful in deciding whether
to invest in ICOs.77

Por outro lado, também há países apoiando as ICOs inclusive


como forma de captar recursos para políticas públicas. Cita-se como
exemplo a “ICO guidelines in Estonia”, elaborada pela Comistar
(MIKK, 2016).

No que tange à regulamentação, cada país tem


regulamentado de uma forma, como ocorreram com as
criptomoedas. Como se extrai da obra de Emília Malgueiro Campos
(2018, p. 100/105), China e Coreia do Sul proibiram as ICOs nos seus

77 Em tradução livre: “Existem riscos claros associados a essas ofertas. As ICOs são investi-
mentos altamente especulativos em que os investidores estão colocando todo o seu capital
investido em risco. Embora algumas operadoras estejam oferecendo oportunidades legíti-
mas de investimento para financiar projetos ou negócios, o aumento da segmentação de
ICOs para investidores de varejo por meio de canais de distribuição online por partes fre-
quentemente localizadas fora da jurisdição local do investidor – que pode não estar sujeito
à regulamentação ou estar operando ilegalmente em violação das leis existentes – levanta
preocupações com a proteção dos investidores. Também houve casos de fraude e, como
resultado, os investidores são lembrados de serem muito cuidadosos ao decidir se investem
em ICOs ”.

BLO CKCH AIN


368 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
territórios, os EUA possuem regras restritas principalmente quando
se trata de equity tokens e Canadá, Austrália, França e Singapura
caminham no mesmo sentido dos EUA. Do outro lado, a Suíça tem
sido favorável para a realização de ICOs, sendo o cantão de Zug
chamado de Crypto Valley.

Um problema que surge é à qual jurisdição a ICO estará


subordinada, considerando a possibilidade de captação de recursos
em âmbito mundial? A princípio, será adotada a legislação da sede
da ofertante, ou seja, no caso do Brasil se a companhia tiver sede
aqui e for constituída de acordo com a legislação brasileira, nos
termos do art. 1.126 do CC/0278. Todavia, em determinados países
nos quais for ocorrer a oferta pública, pode ser exigido o registro
perante a autoridade de valores mobiliários local. Emília Malgueiro
Campos (2018, p. 101) alerta:

dentro da estratégia de divulgação e


marketing de um ICO, é importante analisar a
regulamentação dos países onde se pretende
realizar a divulgaçao e oferta pública de venda
de tokens, principalmente quando têm natureza
de valor mobiliário, ou seja, do tipo equity, pois tal
fato pode implicar na necessidade de obtenção
de autorização das autoridades de valores
mobiliários locais.

Importante, então, conhecer um pouco da legislação


estrangeira para posterior aprofundamento ao se comparar com as
IPOs. No caso dos EUA, a SEC se manifestou sobre ICOs no caso da
78 Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que
tenha no País a sede de sua administração. (BRASIL, 2002, Art. 1.126)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 369
“The DAO”, Descentralized Autonomous Organization, entendendo
que havia um descumprimento da legislação em vigor. No Relatório
n. 81.207, de 25 de julho de 2017, ficou estabelecido os tokens DAO
seriam valores mobiliários, por preencherem os requisitos do Teste
de Howey e, dessa forma, deveria ter sido submetido a registro e
aprovação da SEC. Essa classificação é importante para verificar
se será tratada como uma abertura de capital ou não. Sendo
considerada como valores mobiliários, se não tiver o registro e
aprovação da SEC, ela poderá determinar sua suspensão.

O Brasil segue a mesma linha, de modo que se a ICO


representar oferta pública de valores mobiliários, deverá se
submeter à regulamentação da CVM. Destaca-se, ainda, o caso da
Alemanha, que se encontra a frente do Brasil, uma vez que lá já
houve autorizações do órgão regulador do mercado de capitais para
captação de recursos públicos via blockchain. No Brasil, embora a
CVM já tenha se manifestado suspendendo captações públicas de
recursos, não houve nenhuma autorização de ICO. No caso alemão,
a Autoridade Federal de Supervisão Financeira da Alemanha (BaFin
Alemão Bundesanstalt für Finanzdienstleistungsaufsicht) já chegou
a autorizar a Black Manta Capital Partners para usar sua plataforma
de Oferta de Security Token (STO) (ZMUDZINSKI, 2019).

Segundo o site da própria BaFin (2020), ela atua no interesse


público, sendo seu principal objetivo “garantir o bom funcionamento,
estabilidade e integridade do sistema financeiro alemão”. Sob sua
supervisão de solvência,

a BaFin ajuda a garantir a capacidade dos bancos,


instituições de serviços financeiros e empresas
de seguros de cumprir suas obrigações de
pagamento. Através de sua supervisão de

BLO CKCH AIN


370 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
mercado, a BaFin também aplica padrões de
conduta profissional que preservam a confiança
dos investidores nos mercados financeiros. Como
parte de sua proteção ao investidor, a BaFin
também busca impedir negócios financeiros não
autorizados.

E, em 19 de agosto de 2019, a Black Manta Capital Partners


anunciou que sua entidade com sede em Berlim, na Alemanha,
recebeu licença para sua plataforma de STO. O pedido havia sido
feito nove meses antes e, com o deferimento, ela poderá oferecer
serviços regulamentados de corretagem via blockchain. Adrian
Zmudzinski (2019) explica:

Em sua plataforma, a empresa representa os


direitos de um ativo como tokens gerenciados por
contratos on-chain. Este sistema supostamente
permite um novo acesso a capital para pequenas
e médias empresas, projetos imobiliários, startups,
mercados ou fundos de commodities e novo
acesso a investimentos para novos investidores.

Além disso, o órgão regulador alemão aprovou um título


imobiliário baseado em Ethereum da companhia de emissão de
títulos Fundament Group, sendo o primeiro security token apoiado
pela BaFin, como traz Adrian Zmudzinski (2019):

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 371
A empresa supostamente permite que seus
clientes retirem e depositem fundos em Ether
(ETH) e euros. Por último, o lançamento especifica
que a empresa se concentra em propriedades
localizadas em grandes centros urbanos na
Alemanha, incluindo Berlim, Hamburgo, Rostock,
Jena e Fulda. As autoridades alemãs também
mostraram uma abertura em relação à blockchain
e à criptomoeda. Em um comunicado recente,
o banco central observou que os benefícios
potenciais do Libra do Facebook não devem ser
suprimidos, apesar da incerteza regulatória e dos
potenciais riscos.

Nota-se, então, um papel diferenciado da BaFin, como órgão


regulador do mercado financeiro, em apoiar as citadas operações.
Inclusive, em 2 de março de 2020, a BaFin publicou um documento
detalhando como as criptomoedas são tratadas de acordo com a
legislação alemã, sendo destinado para todos aqueles que estejam
relacionados às criptomoedas, incluindo exchanges, serviços
financeiros ou bancos.

Andrey Shevchenko (2020) traz alguns destaques do citado


documento, como o fato dos tokens de segurança não serem
considerados valores mobiliários de acordo com a lei alemã, mas
se exige a observância da regulamentação da União Europeia sobre
o assunto. Todavia, qualquer pessoas que queira prestar serviços
financeiros na Alemanha dependerá de aprovação da BaFin.

Por fim, cita-se mais um exemplo interessante do órgão


regulador alemão, trazido por Veronika Rinecker (2020). Segundo
ela, a BaFin determinou que os caixas eletrônicos de Bitcoin na

BLO CKCH AIN


372 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Alemanha precisam de licença. Como informado, “os negócios
relacionados a criptomoeda, como exchanges, custodiantes e
provedores de carteira, precisarão de uma licença emitida pela
BaFin”.

Verifica-se, assim, um tema de extrema relevância, que já


está trazendo inúmeros impactos no mercado e que tende a crescer
cada vez mais, sendo necessário aprofundar no próximo capítulo.
Antes, importante tecer alguns comentários sobre o crowdfunding
que também pode aparecer no que tange à captação de recursos
via blockchain.

6.5 CROWDFUNDING

Um conceito que se torna importante quando se trabalha a


captação de recursos e que pode ter uma ligação com a tecnologia
blockchain pelo uso da internet é o crowdfunding, assim definido
pelo Banco Mundial (BEST et al, 2013): “crowdfunding is an Internet-
enabled way for business or other organizations to raise Money in the
form of either donations or investments from multiple individuals”79.

Atualmente, existem cerca de 30 plataformas eletrônicas de


investimento participativo registradas na CVM, e segundo o estudo
realizado pelo Banco Mundial (BEST et al, 2013),

The crowdfunding market is in its infancy,


especially in developing countries, but the
potential market is significant. It is estimated that
79 Em tradução livre: “O crowdfunding é uma maneira habilitada pela Internet para empresas
ou outras organizações arrecadarem dinheiro na forma de doações ou investimentos de vá-
rios indivíduos”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 373
there are up to 344 million households in the
developing world able to make small crowdfund
investments in community businesses. These
households have an income of at least US$10,000
a year, and at least three months of savings or
three months savings in equity holdings. Together,
they have the ability to deploy up to US$96 billion
a year by 2025 in crowdfunding investments. The
greatest potential lies in China, which accounts for
up to US$50 billion of that figure, followed by the
rest of East Asia, Central Europe, Latin America/
the Caribbean, and the MENA region.80

Destaca-se, então, o fato da previsão de valor para o ano de


2025 ser de US$96 bilhões somente em países em desenvolvimento.
Sem dúvidas, isso não seria possível sem a internet e até se fala
no crowdfunding como um desdobramento do crowdsourcing, que
“consiste na alocação do trabalho de terceiros pela internet, uma
vez que seus usuários passam a ter a possibilidade de prestarem
seus serviços a outros” (FINKELSTEIN, 2018, p. 820). Dessa análise,
são extraídas as seguintes características do crowdfunding: apelo
ao público, ocorre no âmbito da internet, é para financiamento
de alguma atividade e tem como forma de realização a pequena
contribuição por um número elevado de pessoas.

80 Em tradução livre: “O mercado de financiamento coletivo está em sua infância, especial-


mente nos países em desenvolvimento, mas o potencial do mercado é significativo. Estima-
-se que existam até 344 milhões de famílias no mundo em desenvolvimento capazes de fa-
zer pequenos investimentos de crowdfunding em empresas comunitárias. Essas famílias têm
uma renda de pelo menos US$10.000 por ano e pelo menos três meses de poupança ou três
meses de poupança em participações societárias. Juntos, eles têm a capacidade de implan-
tar até US$96 bilhões por ano até 2025 em investimentos de crowdfunding. O maior potencial
está na China, que responde por até US$50 bilhões desse valor, seguida pelo restante do les-
te da Ásia, Europa Central, América Latina/Caribe e Médio Oriente e Norte da África (MENA)”.

BLO CKCH AIN


374 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Maria Eugênia Reis Finkelstein (2018, p. 822) traz em sua obra
uma tabela comparativa sistematizando as diferentes formas de
crowdfunding, a qual se copia na íntegra:

FORMA OBJETO HÁ LEGISLAÇÃO?


Doação Utilizada por quem Não.
vise promover
projetos filantrópicos, No entanto, a depender
como ações sociais, do valor, pode haver
esportivas e/ou incidência de ITCMD.
educacionais.
Retribuição Utilizada por Não
empreendedores
que tenha como
finalidade viabilizar a
produção de produtos
ou sérvios, como a
produção de filmes,
pesquisas, ingressos
de shows
Empréstimo Empreendedores que Consulta pelo BACEN.
possuem o intuito de
(crowdfunding obter empréstimos
financeiro financeiros. A maior
plataforma em
funcionamento
no Brasil é a BIVA,
que atua como
correspondente
bancária.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 375
Participação / Usada por Instrução CVM n. 588.
Investimento empreendedores,
pessoas jurídicas,
(equity crowdfunding) que buscam uma
alternativa de
financiamento das
atividades de sua
empresa nascente,
dando, em troca do
investimento efetuado
pelos investidores,
uma participação
naquela.

A CVM (2020), naturalmente, focou suas atenções no


crowdfunding com a finalidade de investimento81, trazendo a
seguinte definição:

Crowdfunding de investimento é captação de


recursos por meio de oferta pública de distribuição
de valores mobiliários dispensada de registro,
realizada por emissores considerados sociedades
empresárias de pequeno porte (nos termos
da ICVM 588) e distribuída exclusivamente por
meio de plataforma eletrônica de investimento
participativo. As plataformas eletrônicas nas
quais esses valores mobiliários são distribuídos
devem ser regularmente constituídas no Brasil,
além de registrada e autorizada pela CVM. As
ofertas serão realizadas exclusivamente por meio
de página na internet, programa, aplicativo ou
meio eletrônico que forneça um ambiente virtual
de encontro entre investidores e emissores nos
81 No link <http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/menu/regulados/plataformas_de_
crowdfunding/ anexos/plataformas_eletronicas_de_investimento_participativo.pdf> é pos-
sível verificar as plataformas de crowdfunding registradas na CVM. Acesso em: 16 jun. 2020.

BLO CKCH AIN


376 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
termos da ICVM 588.

O equity crowdfunding, assim, torna-se opção de captação


de recursos para o pequeno empreendedor, uma vez que as
formas tradicionais de captação de recursos são direcionadas para
as sociedades de grande porte, com registro perante a CVM. Vale
ressaltar que ele encontrava entraves regulatórios, uma vez que a já
trabalhada Instrução CVM 400 exigia o registro perante a CVM para
que houvesse financiamento participativo de investimento, mas
com a Instrução CVM 588 não restou mais dúvidas, autorizando “a
oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de
sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa
de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento
participativo” (BRASIL, 2017, Art. 1º).

Inclusive, essa forma de captação de recursos já ocorria,


então foi importante a Instrução CVM 588 para que houvesse uma
normatização dando mais segurança jurídica. Embora ela seja de
2017, Maria Eugênia Reis Finkelstein (2018, p. 825) traz como primeiro
exemplo de equity crowdfunding um caso de 2014:

O primeiro caso de equity crowdfunding no Brasil


data de 2014, promovendo o financiamento da
empresa Broota Brasil Serviços de Investimento
Coletivo Ltda. – ME (‘Broota Brasil’). O Broota
Brasil foi fundado por Frederico Rizzo, através
do efeito em rede de um financiamento coletivo
(equity crowdfunding). De acordo com seu site
institucional, o Broota é composto por um grupo
de jovens que buscam inovar e facilitar conexões,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 377
possibilitando que novas ideias prosperem.
Como deflui do site da empresa, o Broota
presta serviços de tecnologia, fornecendo uma
plataforma online na internet para a captação
de recursos no âmbito do crownfunding. Sua
proposta é democratizar o acesso às melhoes
organizações inovadoras e de impacto, por isso, a
plataforma viabiliza a captação de investimentos
para startups de modo público ou privado.

Logo, observa-se que a Instrução CVM 588 trouxe algumas


novidades, mas substancialmente o crowdfunding já vinha
ocorrendo. Para ocorrer sem registro a oferta pública de distribuição
de valores mobiliários por sociedade empresária de pequeno porte,
devem ser respeitados os seguintes requisitos:

I – existência de valor alvo máximo de captação


não superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de
reais), e de prazo de captação não superior a 180
(cento e oitenta) dias, que devem ser definidos
antes do início da oferta;

II – a oferta deve seguir os procedimentos


descritos no art. 5º desta Instrução;

III – deve ser garantido ao investidor um período de


desistência de, no mínimo, 7 (sete) dias contados
a partir da confirmação do investimento, sendo
a desistência por parte do investidor isenta de
multas ou penalidades quando solicitada antes
do encerramento deste período;

BLO CKCH AIN


378 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
IV – o emissor deve ser sociedade empresária de
pequeno porte nos termos desta Instrução; e

V – os recursos captados pela sociedade


empresária de pequeno porte não podem ser
utilizados para:

a) fusão, incorporação, incorporação de ações e


aquisição de participação em outras sociedades;

b) aquisição de títulos, conversíveis ou não,


e valores mobiliários de emissão de outras
sociedades; ou

c) concessão de crédito a outras sociedades.


(BRASIL, 2017, Art. 3º)

Mas o que seria uma sociedade empresária de pequeno


porte? De acordo com o art. 2º, III, da Instrução CVM 588 que traz
as definições, seria a sociedade empresária constituída no Brasil e
registrada no registro público competente, com receita bruta anual
de até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais). Esse valor será
apurado com base no exercício social encerrado no ano anterior
e, caso não tenha operado doze meses no ano anterior à oferta,
o limite será proporcional ao número de meses nos quais houve o
exercício, desconsiderando as frações de meses.

Obviamente, quando se tratar de doação ou o retorno do


capital se der por brindes, recompensas ou bens e serviços, não
será considerada como oferta pública de valores mobiliários o
financiamento captado na internet, não incidindo a Instrução CVM
588.

No caso aqui trabalhado, o investimento se dará como

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 379
empréstimo, podendo ser o crédito convertido em participação no
capital social investida em casos como de aquisição de controle
por terceiros ou se houver transformação para sociedade anônima
antes do vencimento da dívida, ou o investimento também pode
se dar na forma de contrato de investimento coletivo, com o
investimento ingressando na sociedade como capital, de modo
que o investidor será remunerado com base no desempenho do
empreendimento. Maria Eugênia Reis Finkelstein (2018, p. 827)
sugere a forma da sociedade em conta de participação, como forma
de limitar o risco dos investidores. Caso haja uma má administração,
a responsabilidade dos investidores estará limitada ao capital
investido.

Embora se entenda que a segurança jurídica aumenta com


a normatização, é importante destacar aqui a tecnologia blockchain
que será importante para redução de riscos dos investidores. E não
só a blockchain como a própria modernização tecnológica. Deve-se
encontrar o equilíbrio entre a proteção dos investidores e o fomento
da atividade. Uma regulamentação excessiva visando à proteção
dos investidores pode ser um desestímulo ao empreendedorismo.
Como bem explica Rodrigo Rocha Feres Ragil (2018, p. 857),
“a imposição de excessivas restrições visando à proteção de
investidores não pode superar os incentivos ao fomento do Equity
Crowdfunding, sob pena de comprometer o florescimento de um
‘novo’ mercado de valores mobiliários brasileiro”.

Por isso neste capítulo tratou-se da reinvenção dos serviços


financeiros, uma vez que a tecnologia vem alterando a captação
pública de recursos, sendo fundamental fazer um comparativo
entre ICO e IPO.

BLO CKCH AIN


380 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Capítulo 7

PONTOS DE CONTATO E DIVERGÊNCIAS ENTRE


ICO E IPO

Estabelecidos todos os pressupostos para um comparativo


entre a Initial Coin Offering (ICO) e Initial Public Offering (IPO), é
possível analisar os seus pontos de contato bem como estabelecer
perspectivas para o futuro próximo. Embora sejam institutos
diferentes, pode haver uma interseção, de modo que autores falem
inclusive no ICO como IPO da blockchain.

É o caso de Don Tapscott e Alex Tapscott (2016, p. 118/120).


Como já trazido e explicado neste trabalho, os dois autores utilizam
a expressão “IPO da blockchain” para fazer referência à ICO,
determinando-a como um modo de levantar fundos via blockchain
ao emitir tokens, títulos de criptografia ou algum valor na empresa.

Fato é que a IPO está no âmbito das ofertas públicas de


distribuição de valores mobiliários, sendo “um mecanismo para
acesso ao capital e para conferir liquidez aos valores mobiliários,
funcionando como alternativa a modalidades privadas de captação
como empréstimos bancários e financiamentos diretos” (COMISSÃO,
2017, p. 788). O mercado de capitais será o meio de captação de
recursos para que a companhia possa desenvolver sua atividade.
Enquanto isso, a ICO se baseia na tecnologia blockchain, cujo
pressuposto é um sistema distribuído. Há uma diferença substancial
na forma de se fazer cada uma, como verificado nos tópicos 3.2.2 e
6.4 deste trabalho.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 381
Para uma IPO, inclusive, visando ao seu sucesso, a preparação
deve ocorrer bem antes da própria IPO propriamente dita:

as ofertas públicas iniciais mais bem-sucedidas


são as realizadas por empresas que adotam boas
práticas de Governança Corporativa bem antes
da realização efetiva do IPO e que conseguem
aproveitar as chamadas ‘janelas de mercado’.
Essas empresas em geral têm um processo
relativamente tranquilo de abertura de capital, e
sua transição para a condição de Companhias de
Capital Aberto é rápida. (PWC, 2011, p. 54)

Retomando brevemente de forma esquemática o


procedimento de uma IPO, é preciso fazer o registro de Companhia
de Capital Aberto na CVM, observado o seguinte esquema (PWC82,
2011, p. 55):

82 “PwC” refere-se à PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda., que atua há 103 anos no Brasil na
prestação de serviços em auditoria e asseguração, consultoria tributária e societária, consul-
toria de negócios e assessoria em transações.

BLO CKCH AIN


382 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Em regra, junto com o pedido de registro acima mencionado,
faz-se também um pedido de autorização para realizar a distribuição
pública de ações, o que é regulamentado pela Instrução CVM 480
já trabalhada. Para isso, é importante destacar a existência de pelo
menos três anos de demonstrações financeiras auditadas, de modo
que se possa fazer o seguinte esquema (PWC, 2011, p. 58):

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 383
Logo, observa-se aí um prazo de pelo menos três anos caso
haja uma preparação para a realização da oferta. Caso a oferta
dos títulos inclua mercados internacionais, ainda se deve atentar à
legislação do mercado internacional.

Passando para a IPO propriamente dita, o prazo será de


aproximadamente três a seis meses (PWC, 2011, p. 60):

O que se destaca é a atuação de perto da CVM, ou o órgão de


controle do país em que se fará a abertura de capital, como a SEC nos
EUA. Como se observa, não é algo simples, mas a motivação para
se fazer uma IPO vai além da necessidade de captação de recursos,
há um aumento da visibilidade da companhia para o mercado e
os clientes, possibilitando uma perenidade da companhia pelo
seu crescimento. Inclusive isso gera uma repercussão para toda
a economia do país, uma vez que um mercado de capitais forte e
com muitas movimentações indica um país em crescimento. Haverá
os dois lados da mesma moeda, de modo que podem ser citadas

BLO CKCH AIN


384 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
vantages e desvantagens de uma IPO.

Como vantagens da abertura de capital uma maior visibilidade


de mercado, redução dos custos de captação, facilitação de
operações de fusões e aquisições (M&A - Mergers and Acquisitions),
e possibilitar processos sucessórios na companhia. Houve uma
pesquisa realizada pela PricewaterhouseCoopers Brasil (2018, p. 11)
com vinte e sete companhias abertas no Brasil, chegando-se ao
seguinte resultado:

Dentre as desvantagens, menciona-se o custo de uma IPO,


que pode ser dividido em dois momentos: custos de abertura de
capital e de operação como companhia aberta. De acorco com
um estudo também realizado pela PricewaterhouseCoopers Brasil
(2018, p. 13),

os custos da oferta variam muito dependendo do


valor captado. No mercado brasileiro, os custos
em média variam entre 2,5% a 5,6% do valor
total da oferta, enquanto nos Estados Unidos os
custos variam em média entre 4% e 11,7% do valor
total da oferta. Os custos recorrentes associados

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 385
à operação como companhia aberta variam de
acordo com o mercado no qual a empresa atua,
principalmente porque cada país tem legislação
e regras específicas a serem cumpridas. A maioria
dos participantes no Brasil (66% das empresas
pesquisadas) afirma ter um custo de operação
como companhia aberta menor do que US$400
mil anualmente, enquanto no mercado norte-
americano a maior parte das empresas (67%)
afirma ter um gasto anual entre US$1 milhão e
US$1,9 milhão.

Mas o que seriam exatamente esses custos? Quando se


falam nos custos de abertura de capital, há custos diretamente
atribuídos à oferta, como honorários dos coordenadores da oferta,
advocatícios e taxas de registro, e há custos organizacionais, como
auditoria e revisão dos relatórios, laudos de avaliação, tributação,
elaboração de novos contratos, estatutos e regulamentos. E nos
custos de operação como companhia aberta, haverá custos como
para implementar sistemas e processos de relatórios financeiros,
planos de remuneração dos executivos, honorários de assessores
jurídicos e contábeis, divulgação de resultados, dentre outros (PWC,
2018, p. 13).

Inclusive, um ponto importante para se destacar é que em


regra quanto maior o valor da oferta menor serão os custos como
percentual do valor ofertado, o que se representa conforme o gráfico
a seguir elaborado pela PricewaterhouseCoopers Brasil (2018, p. 15):

BLO CKCH AIN


386 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
E as ICOs devem se sujeitar às normas acima estabelecidas?
Esse é um questionamento importante, uma vez que a ICO se baseia
na tecnologia blockchain que tem como pressuposto a ausência de
um terceiro confiável, papel da CVM no Brasil quando se faz uma
IPO, ou da SEC nos EUA.

Quando se faz uma pesquisa sobre ICOs, encontram-se na


web várias propostas de criação de ICOs de forma rápida, simples
e com baixo custo, algo inimaginável para uma IPO. Quando se
analisa o site da Ardor (2020), por exemplo, há a promessa de “uma
plataforma que forneça maneiras rápidas, fáceis, econômicas e
escaláveis de usar blockchain”.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 387
Fazendo o mesmo caminho que se fez aqui com a IPO, falar-
se-á brevemente sobre como fazer uma ICO, esquematizando e
introduzindo a comparação que será feita. Como toda captação de
recursos, deve-se verificar inicialmente se ela realmente terá uma
utilidade, ou seja, analisar o mercado para verificar se realmente
o público-alvo estará disposto a investir83. Posteriormente,
será necessário verificar eventual regulamentação sobre ICO,
considerando que nem todos os países a permitem, como já
exemplificado aqui. Ainda há uma certa insegurança no que tange
às ICOs e a posição dos governos.

Outro ponto de perigo com a ICO é a possibilidade de


fraudes, como ocorreu no caso Shopin nos EUA, de modo que a
SEC multou seu CEO por fraudar investidores na ICO, sendo os
valores estimados em US$42 milhões. O CEO, de nome Eran Eyal,
teria realizado oferta de valores mobiliários de forma fraudulenta e
sem registro (MESSARI, 2019).

Embora a possibilidade de fraude não seja exclusividade de


uma ICO, é um fato que vem gerando uma preocupação do mercado,
tanto que já há dicas na web de como identificar uma fraude.
Ezequiel Gomes (2018), por exemplo, do Guia do Bitcoin, afirma ser
importante conferir as informações da ICO, principalmente no que
tange ao whitepaper e descrição. Caso haja falta de informação
essencial pode ser um indicativo de fraude, como também a falta
de um cronograma ou um cronograma que não seja dentro de
possibilidades reais. No mesmo sentido, as descrições técnicas
não podem ser somente um emaranhado de palavras, tudo deve
ter um significado preciso. Outros indicativos de fraude podem ser
a possibilidade de se colocar dinheiro sem um limite e quando os
desenvolvedores são anônimos, sem transparência.
83 Atualmente o mercado de criptomoedas possui uma elevada concorrência. Em consulta
ao site CoinMarketCap <https://coinmarketcap.com/all/views/all/> na data de 21 jun. 2020,
encontraram-se cerca de 1800 (um mil e oitocentas) criptomoedas.

BLO CKCH AIN


388 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Dando continuidade, ao estar com a ideia, verificar se o
projeto é viável faticamente e juridicamente, é preciso criar um
token:

quando se trata de plataformas blockchain


usadas para emitir tokens para ICOs, o mercado
realmente não é tão competitivo. De acordo com
os dados do ICOWatchList, 81,7% dos projetos
usam a plataforma Ethereum, enquanto os
outros 9% optam por desenvolver suas próprias
plataformas de blockchain personalizadas.
Existem, é claro, outros serviços como Waves,
Stratis ou Hyperledger, mas até mesmo sua
participação combinada no mercado é de apenas
3,7%. (COINTELEGRAPH, 2020)

Considera-se a criação do token relativamente fácil,


considerando que as plataformas fazem isso. Escolhida a plataforma,
como a da Ethereum, será feito o documento com a descrição
detalhada de todo o projeto e se lança um website84 com todas as
informações, como a equipe de responsáveis. É interessante que
haja um cronograma com tudo que já foi feito e a previsão do que
será realizado, sendo inclusive a sua falta um indicativo de fraude.

Feito isso, o próximo passo será investir em relações


públicas e marketing, com a participação nos principais fóruns de
84 Segundo o Portal Cointelegraph (2020), o site perfeito para uma ICO deve incluir: formu-
lário de inscrição, vídeo de apresentação, roteiro (o que, quando e como você vai fazer), des-
crição de sua ICO, equipe (fotos de alta qualidade, biografias curtas, links de redes sociais),
cobertura da imprensa (fotos, links para artigos e publicações, vídeos de apresentações e
palestras), descrição do seu produto, casos da vida real, documentos (termos e condições,
legais, livro branco, etc.), parceiros, consultores, investidores iniciais, e forma de contato. Caso
o projeto seja global, a tradução para as principais línguas também é importante.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 389
criptomoedas e grupos de redes sociais, ressaltando que o público
de uma ICO pode ser diferente de uma IPO. Assim, está preparado
para o lançamento, que será ao vivo, com a duração variando de
acordo com a sua ICO. Inclusive, citam-se algumas ICOs que foram
consideradas bem sucedidas: Mastercoin (agora Omni Coin), que
durou um mês, levantando cerca de US$750 mil em Bitcoins; Stratis,
que durou 36 dias, arrecadando quase US$ 600 mil;

Ethereum, que durou 42 dias, arrecadando US$18 milhões;


NXT, que durou mais de 51 dias, arrecadando US$14 mil; e
Waves, que durou 49 dias, arrecadando mais de US$16 milhões
(COINTELEGRAPH, 2020).

Durante todo o processo será importante ter uma equipe de


segurança da informação para acompanhar tudo e evitar ataques
de hackers. Feita a ICO e captado o recurso, parte-se para o
desenvolvimento do projeto e que irá agregar valor ou não ao token.

Ora, procedimento bem mais fácil que uma IPO a princípio.


Mas embora se venda uma ideia de que as ICOs são uma forma
bem simples de se captar recursos, verificou-se que não é bem
assim. Inclusive, o Portal Cointelegraph Brasil que fez um Guia de
como lançar uma ICO (2020) disse:

apenas um pequeno aviso antes de


prosseguirmos: hospedar um ICO de sucesso
do zero será bastante caro. São necessários
aproximadamente US$60.000 para o lançamento
de uma campanha desse tipo, mas esse número
pode variar dependendo do projeto e de seus
objetivos. Além disso, lançar uma campanha da
ICO consome muito tempo. Na maioria dos casos,

BLO CKCH AIN


390 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
a fase de engajamento pré-público, que inclui
todos os processos anteriores ao primeiro grande
anúncio, leva cerca de seis meses a um ano. A
fase de engajamento pós-público, que inclui
tudo o que acontece entre o primeiro anúncio
e a venda real de tokens, normalmente leva
cerca de três meses. Este período de tempo é
muitas vezes considerado longo o suficiente para
chamar a atenção do público e curto o suficiente
para o público não esquecer o projeto.

Por enquanto, vejam-se a ICO e a IPO como processos de


captação de recursos com pressupostos distintos, mas como já
afirmado pode haver uma interseção entre elas, o que se passa a
analisar no próximo tópico.

7.1 ICO COMO IPO?

ICO e IPO são formas de captação de recursos, mas há uma


interseção entre elas. A IPO está interligada à Lei n. 6.385/76, que
regulamenta o mercado de valores mobiliários, e no seu art. 2º não há
um rol taxativo definindo os valores mobiliários, como já trabalhado
anteriormente85. Em regra, os criptoativos serão contraprestações
pelo trabalho dos mineradores pelas validações na blockchain,
mas eventualmente podem se enquadrar como valores mobiliários,
atraindo a regulação de uma IPO?
85 Relembra-se aqui o inciso IX, incluído no art. 2º pela Lei 10.198/2001: “IX - quando oferta-
dos publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem
direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de
serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” (BRASIL,
1976, Art. 2º, IX).

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 391
Quando se trabalhou a sistemática dos criptoativos, falou-se
sobre os criptotokens86, mas não se pode confundir com o token
que é um dispositivo físico, utilizado para assinaturas digitais se
assemelhando a um pen drive. Tarcísio Teixeira e Carlos Alexandre
Rodrigues (2019, p. 98) trazem a definição de criptotokens aqui
utilizada: “uma representação digital de ativos virtuais relacionados
à blockchain, que garante ao seu detentor um direito, que varia
conforme o modelo de negócio e projeto da empresa emissora,
sem qualquer intervenção de terceiro”.

E se fez uma importante distinção no tópico 6.4 entre os


criptotokens, que podem ser: equity tokens (divididos entre equity
tokens propriamente ditos e security tokens), utility tokens e
híbridos: Enquanto os primeiros conferem direitos patrimoniais de
participação nos lucros ou, ainda, direitos de influência na gestão da
empresa, os outros permitem o consumo de produtos ou serviços
no âmbito da rede de usuários.

Essa divisão é importante porque é a partir dela que os


órgãos reguladores do mercado de capitais, como a CVM e a SEC,
estão fundamentando a necessidade de regulamentação da ICO.
Sugere-se para este momento, então, as características trazidas por
Tarcísio Teixeira e Carlos Alexandre Rodrigues (2019, p. 99/100):

a) Utility Tokens, também chamados de tokens de utilidade,


não envolvem forma de participação societária ou rendimentos,
dando ao investidor somente acesso a funcionalidades na
blockchain. Assemelham-se a licenças de uso ou mesmo créditos
para uso no sistema;

b) Security Tokens, também chamados de token de


investimento, garantem ao investidor uma forma de remuneração
86 Como bem explicado por Tarcísio Teixeira e Carlos Alexandre Rodrigues (2019, p. 97), po-
de-se traduzir “token” como sinal, símbolo ou ficha, mas o sentido real abrange um pouco de
cada uma dessas traduções.

BLO CKCH AIN


392 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
sobre o capital investido. Esse é o tipo de token que o órgão
regulador do mercado de capitais entende que seria valor mobiliário
por se assemelhar ao tipo previsto no inciso IX do art. 2º da Lei n.
6.385/76; e

c) Equity Tokens, também chamados de tokens de


participação, são as representações de ativos virtuais, gerando
direito de participação nos resultados do empresário (como
dividendos de ações) ou direitos políticos numa companhia (como
direito de voto em assembleia).

Obviamente, o token não estará restrito a apenas uma


categoria, de modo que possa ser híbrido, como já tratado, mas o
mais importante neste momento é entender se ele pode ser tratado
como um valor mobiliário. Caso o token seja um valor mobiliário, é
possível falar em um ICO como IPO e atrair a regulamentação da
CVM, o que não se defende aqui.

Nesse ponto, importante analisar a interpretação da


Suprema Corte dos Estados Unidos da América sobre o caso
SEC vs. Howey. Nele, a Howey in the Hills cultivava frutas cítricas
e vendia frações da propriedade do terreno que seria gerenciado
por uma outra companhia, que cobrava pelo serviço de cultivo,
colheita e comercialização das frutas. A prestação do serviço era
disciplinada por contratos de longo prazo, podendo terceiros ser
contratados, mas a propaganda era de que a Howey teria a melhor
capacidade técnica, obtendo alta adesão. As pessoas investiam não
para ter o produto em espécie, e sim para obterem lucro, de modo
que a colheita nem poderia ser comercializada pelo investidor
sem anuência da contratada. A Suprema Corte dos EUA, assim,
considerou como um contrato de investimento, de modo que se
costumou chamar de Howey Test a avaliação de um valor mobiliário.

A forma, como a denominação dada pelos contratantes,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 393
pouco importará para a caracterização ou não como um contrato de
investimento, havendo um conceito jurisprudencial para tal, trazido
por Érica Gorga (2013, p. 267):

um contrato de investimento é entendido como


‘the placing of capital or laying out of Money in a
way intended to secure income or profit from its
employment’87. O caso Howey elabora a definição
de contrato de investimento da seguinte
maneira: ‘an investment contract for purposes of
the Securities Act means a contract, transaction
or scheme whereby a person invests his money in
a common enterprise and is led to expect profits
solely from the efforts of the promotes or a third
party, it being inmaterial whether the shares in the
enterprise are evidenced by formal certificates or by
nominal interests in the physical assets employed
in the enterprise’88.

Em suma, o Howey Test busca identificar: investimento em


dinheiro, empreendimento em comum, expectativa de remuneração
ou lucro e dependência de esforço alheio. Gorga (2013, p. 267/268)
complementa que é fundamental a identificação da motivação de
quem contribui com o montante financeiro: se há o interesse em
comprar uma mercadoria para consumo pessoal ou se o objetivo é
de obter lucro por meio da ação de um terceiro. Se for o último caso,
87 Em tradução livre: “colocação de capital ou distribuição de dinheiro de maneira a garantir
renda ou lucro de seu emprego”.
88 Em tradução livre: “um contrato de investimento para os fins da Lei de Valores Mobiliários
significa um contrato, transação ou esquema pelo qual uma pessoa investe seu dinheiro em
uma empresa comum e é levada a esperar lucros apenas com os esforços da promoção ou
de um terceiro, sendo imaterial se as ações na empresa são comprovadas por certificados
formais ou por interesses nominais nos ativos físicos empregados na empresa”.

BLO CKCH AIN


394 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
será um indicativo de contrato de investimento, logo “tal é o sentido
da análise da substância econômica da operação: olhar além
das características formais de determinada operação visando-se
compreender o real interesse dos agentes econômicos ao realizar o
investimento”, dando a devida regulamentação para o caso.

O problema nas ICOs é que caso seja considerada como IPO,


haverá uma fiscalização da entidade responsável pela regulação do
mercado de valores mobiliários, com uma longa lista de condições a
ser atendida, taxas legais, atraso na inovação e uma reestruturação
das ideias por trás das ICOs de sistema distribuído.

Embora se verifique que não seja a tendência nos órgãos


reguladores, aqui se defende que uma ICO não pode ser tratada
como uma IPO e uma das razões é que não há possibilidade de
simplesmente encaixar essa nova tecnologia com pressupostos
complementamente diferentes no modelo tradicional.

Quando se analisa uma ICO, verifica-se que ela possui como


pressupostos uma lógica completamente diferente do mercado de
capitais. Como já trabalhado, a confiança na tecnologia blockchain
é distribuída, isto é, não há um ente centralizador de dados e a
confiança é atingida na rede de usuários do sistema, na matemática
e na criptografia. Além disso, destaca-se sua origem, decorrendo
da necessidade de conter eventuais arbítrios da soberania estatal.

Na blockchain, e consequentemente na ICO, não haverá um


centro de poder, com todos os participantes conectados entre si. E
atrair a regulamentação da CVM para esse modelo distribuído seria
contrariar a sua essência. Logo, não se pode trazer a natureza jurídica
de valor mobiliário para os criptotokens independentemente de sua
funcionalidade. Ora, não há possibilidade de algo que o pressuposto
seja justamente a ausência de um terceiro confiável ser espécie de
algo que dependa de um terceiro confiável, que no caso é a CVM.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 395
Buscar a natureza jurídica é verificar a essência, a afinidade
com uma categoria jurídica maior, e aqui se verifica o caso de uma
nova natureza jurídica, que não se encaixa em algo já existente. Por
isso se trabalha a blockchain como algo tão revolucionária.

Inclusive, quando se analisa a legislação pertinente às


sociedades anônimas se verifica uma estrita legalidade, e o perfil
daquele que irá captar recursos via ICO é completamente diferente
do porte de uma sociedade anônima, de modo que simplesmente
tratar a ICO como IPO pela semelhança de ser uma captação de
recursos no mercado demonstraria algo disparatado. Outro ponto
de destaque é que o perfil dos agentes de uma ICO não se enquadra
nos agentes do Mercado de Capitais relacionados no item 2.4 deste
trabalho.

Essa questão se torna de extrema importância porque altera


os custos de uma ICO. Por exemplo, com a regência do mercado
de capitais, deve ocorrer o registro de oferta pública de valores
mobiliários conforme as normas da CVM no Brasil. Chris Burniske e
Jack Tatar (2019, p. 273) destacam até que

um esforço conjunto do Coinbase, do Coin Center,


do ConsenSys e do Union Square Ventures, com
a assistência legal da Debevoise & Plimpton LLP,
produziu um documento chamado ‘Um Quadro
da Lei de Títulos para Tokens Blockchain’. É
especialmente importante para a equipe por
trás de uma ICO utilizar esse documento com
um advogado para determinar se uma venda de
criptoativos se enquadra na jurisdição da SEC. A
SEC deixou claro em julho de 2017 que alguns

BLO CKCH AIN


396 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
criptoativos podem ser considerados valores
mobiliários.

Adere-se a ICO com expectativa de lucro ou para acesso a


uma utilidade final via blockchain? Esse documento terá um quadro
para pontuar a ICO, para verificar sua aplicabilidade como um título
e a regulação decorrente da sua classificação. Isso é importante até
para o investidor também, uma vez que se tiver os indicativos de
que será considerado como um valor mobiliário e a companhia não
está considerando isso há um risco elevado para o investimento.

Esse documento também fornece as boas práticas para uma


ICO, devendo-se responder as seguintes perguntas:

1. Há um whitepaper publicado?

2. Há um mapa de desenvolvimento detalhado


que inclui os pormenores de todas as finanças
apropriadas pelo caminho?

3. Ele usa um blockchain aberto e público, e o


código está publicado?

4. Há precificação clara, lógica e justa na venda


do token?

5. Fica claro quanto do token foi atribuído à


equipe desenvolvedora e como esses tokens
serão liberados? Liberá-los ao longo do tempo
mantém os desenvolvedores emprenhados e
protege contra o controle centralizado do token.

6. A venda do token se promove como um

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 397
investimento? Em vez disso, ele deveria ser
promovido por sua funcionalidade e caso de uso,
e incluir avisos adequados que o identifiquem
como um produto, e não um investimento.
(BURNISKE; TATAR, 2019, p. 274)

Nos Estados Unidos, importante destacar mais a fundo o caso


“The DAO”, organização irregular criada na blockchain da Ethereum,
que só existia virtualmente, sem sede, sem personalidade jurídica,
sem administradores reais, como destacam Teixeira e Rodrigues
(2019, p. 102):

Os criadores da DAO configuraram, via smart


contracts, uma ‘organização’ para executar
determinados contratos (e ao final transferir
criptomoedas, os tokens nativos do sistema) sem
qualquer intervenção humana, num experimento
que reputaram revolucionário: o objetivo da
startup era levantar capital (por meio da troca de
DAO tokens por tokens Ethereum) para investir em
projetos de tecnologia que seriam previamente
avaliados por um comitê e subsequentemente
colocados em votação para detentores do Token.
Estes últimos poderiam votar (proporcionalmente
ao montante do token detido) para determinar
quais os projetos receberiam os recursos
angariados, tudo sem intervenção humana
direta, por meio dos smart contracts que alocaria
as criptomoedas aos destinatários. Em poucos
meses, os organizadores do DAO conseguiram

BLO CKCH AIN


398 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
levantar um montante próximo a 150 milhões de
dólares.89

No caso, seguiu-se todo o procedimento de uma ICO, mas


a SEC no Relatório n. 81.207, de 25 de julho de 2017, estabeleceu
que os tokens DAO seriam valores mobiliários, logo a ICO seria uma
oferta de valores mobiliários. De acordo com a SEC, embora não
houve o investimento de dinheiro, houve uma contribuição de valor
por meio do Ether, o que era trocado por DAO tokens. Além disso,
havia claramente a expectativa de lucro, considerando que “todos
os materiais promocionais da DAO enfatizavam que o objetivo
era criar uma entidade com fins lucrativos, que teria que financiar
projetos em troca de um retorno sobre o investimento original nos
tokens” (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2019, p. 103). E a expectativa de
retorno dependia da gestão de terceiros.

A SEC, assim, em 25 de julho de 2017, divulgou uma nota


para a imprensa constando o seguinte:

The SEC’s Report of Investigation found that


tokens offered and sold by a “virtual” organization
known as “The DAO” were securities and therefore
subject to the federal securities laws. The Report
confirms that issuers of distributed ledger or
blockchain technology-based securities must
register offers and sales of such securities unless
a valid exemption applies. Those participating
in unregistered offerings also may be liable for

89 Um dos problemas já tratados aqui neste trabalho foi a invasão por hackers que desvia-
ram parte dos investimentos arrecadados, o que contribuiu para a divisão da blockchain do
Ethereum.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 399
violations of the securities laws. Additionally,
securities exchanges providing for trading in these
securities must register unless they are exempt.
The purpose of the registration provisions of the
federal securities laws is to ensure that investors
are sold investments that include all the proper
disclosures and are subject to regulatory scrutiny
for investors’ protection.90

No Brasil, a CVM caminhou no mesmo sentindo, também


entendendo que certas operações de ICO podem se caracterizar
como operações de valores mobiliários. Á título de exemplo, no caso
da Deliberação 790, de 28 fev. 2018, entendeu a CVM que os tokens
ofertados pela Hash Brasil teriam a natureza de valores mobiliários,
logo deveriam se adequar à legislação do mercado de capitais.
Foram aplicados os mesmos princípios do caso SEC vs. Howey. No
caso da Niobium, por sua vez, como houve a utilização apenas de
utility tokens (sem natureza de valores mobiliários), afastou-se a
competência da CVM, como se verificou no Momorando n. 19, de
27 dez. 2017.

Em momento posterior, haverá o devido aprofundamento


nos atos normativos da CVM, mas neste momento é importante
trabalhar as principais diferenças entre IPO e ICO, uma vez que
nesse tópico se trabalhou o fato de órgãos reguladores do mercado
90 Em tradução livre: “O Relatório de Investigação da SEC constatou que os tokens oferecidos
e vendidos por uma organização ‘virtual’ conhecida como ‘The DAO’ eram valores mobiliários
e, portanto, sujeitos às leis federais de valores mobiliários. O Relatório confirma que os emis-
sores de títulos baseados em tecnologia de contabilidade distribuída ou blockchain devem
registrar ofertas e vendas de tais títulos, a menos que uma isenção válida se aplique. Os parti-
cipantes de ofertas não registradas também podem ser responsabilizados por violações das
leis de valores mobiliários. Além disso, as bolsas de valores que negociam esses valores mo-
biliários devem ser registradas, a menos que estejam isentas. O objetivo das disposições de
registro das leis federais de valores mobiliários é garantir que os investidores sejam vendidos
em investimentos que incluem todas as divulgações adequadas e estão sujeitos a escrutínio
regulatório para a proteção dos investidores”.

BLO CKCH AIN


400 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
de capitais tratarem eventualmente a ICO como IPO, embora seja
um posicionamento que este autor discorda, como já explicado.

7.2 ICO VS. IPO

Antes de passar para as regulamentações da CVM,


importante distinguir de forma mais detalhada uma ICO de uma IPO,
considerando que as duas são formas de captação de recursos no
mercado.

Inicialmente, como diferença, destaca-se o perfil daquele


que busca o investimento. Em regra, uma IPO é para uma companhia
que está consolidada no mercado e quer ampliar o seu capital,
enquanto uma ICO em regra é para jovens que buscam capital
para um negócio novo e nada consolidado, sendo um argumento
para não se tratar ICO como IPO, justamente porque não é possível
aplicar a legislação de uma companhia aberta que pretende fazer
uma captação pública de recursos para um empresário que está
iniciando suas atividades em algo complementamente novo e nada
consolidado. É óbvio que esse perfil pode mudar e não é absoluto. O
Portal Cointelegraph, inclusive, faz uma metáfora interessante: “a IPO
é o proprietário de uma empresa de equipamentos de jardinagem
com 40 anos de idade e a ICO é um nerd de computadores de 18
anos construindo seu supercomputador na garagem de seu pai”.

As IPOs são para sociedades anônimas, disciplinadas “por


uma legislação extremamente rígida, detalhada, complexa e que
deixa pouquíssimas lacunas em assuntos importantes para serem
preenchidas pelos atos constitutivos da sociedade” (PIMENTA, 2017,
p. 44). Fala-se até numa estrita legalidade, similar ao âmbito da
Administração Pública.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 401
As ICOs, por sua vez, encontram espaço no âmbito das
startups, por exemplo, ou seja, algo nada consolidado e fora do
mercado de capitais. Como definido por Anna Fonseca Martins
Barbosa (2017, p. 15), startup é “uma denominação importada da
língua inglesa que quer dizer, de forma literal, uma empresa que
está no início, isto é, que acabou de ser criada”. A autora, citando
Steve Blank (2017, p. 16) mostra que uma atividade só deixa de ter
essa classificação após passar por três estágios:

1. Pesquisa: momento em que ‘o objetivo da startup


é buscar um modelo de negócios repetível e
escalável. Normalmente, requer várias tentativas
e pivotagem até encontrar o product/market fit
– combinação perfeita entre o seu produto e seu
público.’

2. Construção: quando uma startup atinge por volta


de 40 pessoas e então precisa se transformar em
um negócio que consiga escalar consumidores/
usuários/pagantes na mesma medida em que
permite que a empresa (i) atinja um fluxo de caixa
positivo e (ii) gere usuários a uma taxa que possa
ser monetizada.

3. Crescimento: a companhia já atingiu liquidez


(fez um IPO - Initial Public Offering - foi comprada
ou se fundiu para se tornar maior) e o seu
crescimento é um processo repetível.

Logo, observa-se que IPO é no momento que já está mais


a frente na sua história, então a ICO surge como uma opção para

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402 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
quem não está nesse momento, o que não impede de se fazer
também após o crescimento. Independente se IPO ou ICO, o objetivo
daquele que está investindo é que o negócio cresça e gere lucro.

Além da diferença daquele que está buscando o recurso, há


diferenças substanciais também nos requisitos, como já trabalhado.
A IPO é para oferta de ações de companhias, sendo um ambiente
fiscalizado pela CVM e regulamentado por normas como a Lei n.
6.404/76 e Lei n. 6.385/76, com vários agentes atuando no mercado
de capitais, como visto no tópico 2.4 deste trabalho. Haverá uma
divulgação robusta de informações, destacando o Portal do Bitcoin
(2018):

o material registra desde a situação financeira


da companhia até os direitos garantidos aos
acionistas (como dividendos), passando por
potenciais riscos do negócio – na seção Fatores
de risco o investidor encontrará uma lista de
possíveis adversidades. Se a companhia que
emitiu as ações depende de licitações públicas,
isso deve ser avisado ao investidor. O mesmo
vale para o caso de o negócio ser altamente
dependente da figura de seu fundador.

Uma IPO pode demorar e, como destaca o Portal


Cointelegraph (2020), será preciso ter “advogados, bancos e
paciência”.

Enquanto numa IPO são ofertadas ações de uma companhia,


numa ICO, por sua vez, há uma infinidade de possibilidades, como
criptomoedas, frações do direito de uso de um App, dentre outras. É

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 403
interessante observar que o token é como se fosse uma embalagem
contendo algo e, ao investir, é adquirida a chave para abrir essa
embalagem. O Portal do Bitcoin (2018) destaca:

ao contrário do que acontece nos IPOs, não


há regras que limitem a variedade de ativos
ofertados, as informações prestadas, a segurança
do mercado secundário ou a responsabilidade
dos agentes que participam da operação. A
liberdade, contudo, dá dinamismo ao mercado.
Atualmente, permite que startups de tecnologia
captem recursos rapidamente, fugindo de
financiamentos que lhe sairiam mais caro.

As ICOs, como regra, não terão um histórico, e o que


respalda o projeto é um livro branco, chamado de whitepaper.
Pode parecer uma loucura investir em algo assim, mas é o risco,
inerente ao investimento. As ICOs aumentam a responsabilidade
do investidor, uma vez que caberá a ele avaliar se a estrutura que
lhe foi apresentada merece o investimento ou não, lembrando que
a blockchain tem como pressuposto a ausência de um terceiro
confiável, como é a CVM na IPO.

Na IPO foi dito que se precisa de advogados, bancos e


paciência. Aqui na ICO serão essenciais programadores e internet.
E para investir em uma ICO basta internet, enquanto para se investir
em uma IPO pode ser necessária uma corretora, principalmente se
for um investimento para um empresário estrangeiro.

Outra diferença é quanto ao destino dos recursos captados.


Na IPO, a companhia irá informar o destino desses recursos, e os

BLO CKCH AIN


404 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
investidores poderão acompanhar o andamento do negócio por
meio da apresentação dos balanços, por exemplo. Na ICO, por sua
vez, irá variar de acordo com o que ficar estabelecido no whitepaper.
Mais uma vez, fica a critério do investidor seguir ou não com o
investimento, até porque com o investimento numa ICO não se
garante a propriedade do projeto, com inúmeras possibilidades de
se colher os benefícios.

Com o exposto, pode-se concluir que uma IPO é mais segura


que uma ICO? Em tese, sim. Mas isso não significa que uma IPO
está isenta de risco e que as ICOs não possuem segurança. Deve-
se analisar caso a caso se o investimento é bom ou não. A título de
exemplo, podem ser citados grandes empresários que possuíam
um nome forte no mercado e passaram por crises: Blockbuster,
BenQ-Siemens, Enron, Lehman Brothers, Varig e Kodak. Algumas
sequer resistiram.

Veja-se a seguinte tabela de prós e contras elaborada pelo


Portal Cointelegraph (2020) e adaptada por este autor:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 405
Independente se ICO ou IPO, aquela que está captando
recursos deve estar ciente que o mercado mudou. Antônio Celso
Ribeiro Brasiliano (2015) descreve quatro características do mercado
atual e que não podem ser esquecidas: volatilidade, incerteza,
complexidade e ambiguidade:

• Volatilidade: indica o ritmo acelerado de


mudanças que vem ocorrendo com a capacidade
de impactar toda a sociedade.

• Incerteza: denuncia a falta de previsibilidade,


visto que, em um ritmo acelerado de mudanças,
não é possível assumir que o conhecimento
sobre determinada questão esteja completo e
acabado. Assim, fica cada vez mais difícil levantar
cenários futuros com base em acontecimentos
passados.

• Complexidade: deixa evidente que, por estarmos


em um mundo totalmente globalizado, existem
inúmeros fatores que influenciam o mercado
e as decisões que devem ser tomadas. Em um
contexto de mudança e inovação constantes, o
mercado se torna cada vez mais complexo.

• Ambiguidade: provoca divergência de


interpretação na leitura dos fatos, incerteza de
conceitos novos, ansiedade perante informação
sempre provocadora. A ambiguidade aumenta
o potencial de erros de leitura, gerando falta de
ação, confusão entre causa e efeito e a ausência
de clareza.

BLO CKCH AIN


406 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
O surgimento das ICOs demonstra bem as características
desse mercado atual.

Ocorre que nesse tópico se analisou as diferenças com


base nas características, mas será necessário verificar como a CVM
e Banco Central estão regulamentando, principalmente a CVM,
considerando que ela pode alterar os requisitos para uma ICO, por
exemplo, modificando toda sua essência.

7.3 ATOS NORMATIVOS DA CVM E BANCO CENTRAL

Como já analisado, o ordenamento jurídico brasileiro é


formado por um escalonamento normativo, estando no topo a
Constituição da República de 1988, falando-se do ponto de vista
jurídico na supremacia da Constituição. Dela, decorrem os atos
normativos primários, que retiram seu fundamento da Constituição,
como as leis em sentido amplo que estão no art. 59 da Constituição91,
sendo exemplos a Lei n. 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades
anônimas, e a Lei n. 6.385/76, que dispõe sobre o mercado de valores
mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. E dessas leis,
ainda decorrem os atos normativos secundários e atos jurídicos,
o que se extrai do art. 8º, inciso I, da Lei n. 6.385/76: “Compete à
Comissão de Valores Mobiliários [...] regulamentar, com observância
da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias
expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações”.

E neste tópico o objeto de estudo será justamente atos


normativos, jurídicos e notas expedidos pela CVM no que tange

91 “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição;


II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI
- decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a
elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.” (BRASIL, 1988, Art. 59)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 407
às ICOs e um Comunicado do Banco Central sobre o tema,
selecionando-se os seguintes para o debate:

- Deliberação CVM n. 680 de 2012, de 24 de julho de 2012;

- Nota da CVM, de 11 de outubro de 2017;

- FAQ da CVM, de 16 de novembro de 2017;

- Comunicado do Banco Central n. 31.379, de 16 de novembro


de 2017;

- Deliberação CVM n. 785, de 19 de dezembro de 2017;

- Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, de 12 de janeiro de


2018;

- Deliberação CVM n. 790 de 2018, 28 fevereiro de 2018.

Passa-se às suas análises, pois.

7.3.1 DELIBERAÇÃO CVM N. 680 DE 2012

A Deliberação CVM n. 680, de 24 de julho de 2012 foi a


primeira vez que a Comissão de Valores Mobiliários efetivamente
se manifestou sobre as criptomoedas, analisando uma atuação
irregular no mercado de valores mobiliários por parte de pessoa
não autorizada, no caso o Sr. Leandro Marciano César, por meio
do Grupo de Investimento Bitcoin. Houve acusações de que
estaria oferecendo publicamente administração de carteira de
valores mobiliários e aplicação em veículos de investimento, sem a
autorização da CVM.

BLO CKCH AIN


408 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Como a atividade de administração de carteira de valores
mobiliários e a oferta pública de cotas de fundos de investimento
dependem de prévia autorização da CVM, o que não ocorreu, a
CVM determinou a suspensão do procedimento na forma do art. 20
da Lei n. 6.385/76, uma vez que a emissão foi considerada ilegal.

Sendo assim, a deliberação da CVM foi nos seguintes termos:

I - alertar os participantes do mercado de valores


mobiliários e o público em geral sobre o fato de
que:

a. o Sr. LEANDRO MARCIANO CÉSAR não está


autorizado por esta Autarquia a exercer quaisquer
atividades no mercado de valores mobiliários;

b. o Sr. LEANDRO MARCIANO CÉSAR, por


não preencher os requisitos previstos na
regulamentação da CVM, não pode prestar
serviços de administração de valores mobiliários,
bem como não pode ofertar publicamente,
constituir, nem administrar fundo de investimento
ou qualquer outro tipo de investimento em
valores mobiliários;

II – determinar ao Sr. LEANDRO MARCIANO CÉSAR


a imediata suspensão da veiculação no Brasil de
qualquer oferta de serviços de administração de
valores mobiliários e de investimento em fundo
de investimento ou em outro valor mobiliário,
alertando que a não observância da presente
determinação o sujeitará à imposição de multa
cominatória diária, no valor de R$ 5.000,00 (cinco

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 409
mil reais), sem prejuízo da responsabilidade pelas
infrações já cometidas antes da publicação desta
Deliberação, com a imposição da penalidade
cabível, nos termos do art. 11 da Lei nº 6.385,
de 1976, após o regular processo administrativo
sancionador; e

III – que esta Deliberação entra em vigor na data


de sua publicação. (BRASIL, 2012)

Em função da possibilidade de multa diária de R$5.000,00


(cinco mil reais), houve a suspensão por parte de Leandro Marciano
César da oferta de criptomoedas por meio do Grupo de Investimento
Bitcoin. Destaca-se que ele também era proprietário da Mercado
Bitcoin, vendida em 2013 para um grupo gerido por Rodrigo Batista.
Em matéria da Revista Época Negócios (2017), relatou o seguinte
sobre essa negociação:

Até agora, a única decisão da CVM sobre bitcoin


havia ocorrido de 2012, quando suspendeu a
oferta do fundo Grupo de Investimento Bitcoin.
A oferta estava sendo realizada por Leandro
Marciano César, que foi ameçado com multa
diária de R$ 5 mil caso continuasse com a oferta
irregular. À época, Marciano Cézar era dono da
Mercado Bitcoin, que seria vendida em 2013 a
outro grupo e hoje é a segunda maior corretora
de bitcoins do país, tendo respondido por 34,5%
dos R$ 6,43 bilhões movimentados em bitcoins
no Brasil este ano, segundo o site ‘bitValor’.

BLO CKCH AIN


410 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
O que se destaca, então, é que a CVM não impediu a
negociação de criptomoedas, mas sendo caracterizada a oferta
pública nos termos do §3º do art. 19 da Lei n. 6.385/7692, entendeu
que deveria ter o registro do agente do mercado perante a autarquia,
para ser autorizada a realizar as ofertas, o que não ocorreu.

7.3.2 NOTA DA CVM, DE 11 DE OUTUBRO DE 2017

Em 11 de outubro de 2017, a Comissão de Valores Mobiliários


emitiu uma nota sobre as Initial Coin Offerings (ICOs), diante do
avanço das operações que vinham ocorrendo ao redor do mundo
como já mencionado neste trabalho. A CVM (2017) veio, por meio
dessa nota, dizer que está acompanhando as ICOs e “buscando
compreender benefícios e riscos associados, seja por meio de fóruns
internos, como o Comitê de Gestão de Riscos – CGR e o Fintech
Hub, ou de discussões no âmbito internacional, como em trabalhos
desenvolvidos pela IOSCO”, que conta com representantes de
mais de cem países, sendo o principal fórum para as autoridades
reguladoras do mercado de capitais.

A CVM na nota destacou que se deve buscar um equilíbrio


entre o estímulo ao empreendedorismo e a introdução de
novas tecnologias no mercado de capitais com a segurança dos
investidores e integridade do mercado. Sendo assim, destacou os
riscos decorrentes das ICOs em oito itens na citada nota93.
92 Relembrando: Art. 19, “§ 3º - Caracterizam a emissão pública: I - a utilização de listas ou bo-
letins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; II - a
procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou
corretores; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou
com a utilização dos serviços públicos de comunicação.” (BRASIL, 1976, Art. 19, §3º).
93 “1. Podem-se compreender os ICOs como captações públicas de recursos, tendo como
contrapartida a emissão de ativos virtuais, também conhecidos como tokens ou coins, junto
ao público investidor. Tais ativos virtuais, por sua vez, a depender do contexto econômico de
sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, podem representar valores mobiliá-

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 411
Inicialmente, tratou-se de conceituar as ICOs, definindo-as
como “captações públicas de recursos, tendo como contrapartida
a emissão de ativos virtuais, também conhecidos como tokens ou
coins, junto ao público investidor”. Dependendo do contexto de
emissão e direitos conferidos aos investidores, pode se caracterizar
como um valor mobiliário, nos termos do art. 2º da Lei n. 6.385/76,
que traz o rol exemplificativo dos valores mobiliários.

rios, nos termos do art. 2º, da Lei 6.385/76. 2. Nesse contexto, a CVM esclarece que certas
operações de ICO podem se caracterizar como operações com valores mobiliários já sujeitas
à legislação e à regulamentação específicas, devendo se conformar às regras aplicáveis. In-
correm na mesma situação companhias (abertas ou não) ou outros emissores que captem
recursos por meio de uma ICO, em operações cujo sentido econômico corresponda à emis-
são e à negociação de valores mobiliários. 3. As ofertas de ativos virtuais que se enquadrem
na definição de valor mobiliário e estejam em desconformidade com a regulamentação serão
tidas como irregulares e, como tais, estarão sujeitas às sanções e penalidades aplicáveis. A
CVM alerta que, até a presente data, não foi registrada nem dispensada de registro nenhuma
oferta de ICO no Brasil. 4. Por outro lado, há operações de ICO que não se encontram sob a
competência da CVM, por não se configurarem como ofertas públicas de valores mobiliários.
5. A CVM esclarece que valores mobiliários ofertados por meio de ICO não podem ser legal-
mente negociados em plataformas específicas de negociação de moedas virtuais (chamadas
de virtual currency exchanges), uma vez que estas não estão autorizadas pela CVM a dispo-
nibilizar ambientes de negociação de valores mobiliários no território brasileiro. 6. Quanto à
participação de potenciais investidores em operações de ICO, alerta-se para os seguintes ris-
cos inerentes a tais investimentos (em especial no que diz respeito a emissores ou ofertas não
registradas na CVM): a. Risco de fraudes e esquemas de pirâmides (“Ponzi”); b. Inexistência de
processos formais de adequação do perfil do investidor ao risco do empreendimento (suita-
bility); c. Risco de operações de lavagem de dinheiro e evasão fiscal/divisas; d. Prestadores
de serviços atuando sem observar a legislação aplicável; e. Material publicitário de oferta que
não observa a regulamentação da CVM; f. Riscos operacionais em ambientes de negociação
não monitorados pela CVM; g. Riscos cibernéticos (dentre os quais, ataques à infraestrutura,
sistemas e comprometimento de credenciais de acesso dificultando o acesso aos ativos ou
a perda parcial ou total dos mesmos) associados à gestão e custódia dos ativos virtuais; h.
Risco operacional associado a ativos virtuais e seus sistemas; i. Volatilidade associada a ativos
virtuais; j. Risco de liquidez (ou seja, risco de não encontrar compradores/vendedores para
certa quantidade de ativos ao preço cotado) associado a ativos virtuais; e k. Desafios jurídicos
e operacionais em casos de litígio com emissores, inerentes ao caráter virtual e transfron-
teiriço das operações com ativos virtuais. 7. A CVM recomenda aos potenciais investidores
que se deparam com anúncios de ICO, como forma de evitar o risco de fraude, verificar no
site da Autarquia se o ofertante é emissor registrado na CVM ou se a oferta foi registrada ou
dispensada de registro. Além disso, a Autarquia, por meio de seus canais de atendimento ao
investidor, encontra-se à disposição para receber denúncias e reclamações sobre possíveis
irregularidades em tais operações. 8. Os investidores devem avaliar atentamente as carac-
terísticas de tais operações, de forma a identificar sinais indicadores de irregularidades, tais
como: altos retornos garantidos, pressão para participar das transações imediatamente, ofer-
tantes ou ofertas não registradas na CVM, ausência de requisitos mínimos para a participação
em tais operações, entre outros”. (BRASIL, 2017)

BLO CKCH AIN


412 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Logo, seguindo a mesma linha da SEC nos EUA, a CVM
esclareceu que as operações de ICOs não serão necessariamente
tratadas como operações de valores mobiliários, mas caso se
caracterizem como tais deverão observar a legislação específica.
Uma companhia ou outro emissor que capte recurso via ICO deve-
se atentar a isso então, para verificar se haverá a competência da
CVM para a regulamentação ou não.

Caso a oferta seja enquadrada na definição de valor mobiliário


e não esteja conforme a legislação específica, será considerada
irregular, como ocorreu na Deliberação CVM n. 680, de 2012. Até o
momento, não há nenhuma oferta de ICO no Brasil que foi registrada
ou que teve sua dispensa de registro perante a CVM, e CVM à época
já deixou isso registrado em negrito na sua nota inclusive.

Outro ponto de destaque foi que a CVM não autoriza a


negociação de valores mobiliários em plataformas específicas de
negociação de moedas virtuais (virtual currency exchanges ou digital
currency exchanges). Com se extrai do Portal Cointelegraph,

a cryptocurrency exchange, or a digital currency


exchange (DCE), is a web-service that provides
its customers services for the exchange of virtual
currency into various assets, such as fiat or other
digital currencies. The platforms usually work
solely online, providing transactions in electronic
forms and taking fees for them, though there are
also some brick-and-mortar businesses that use
traditional payment methods. Debit and credit
cards, postal money orders and other kinds
of money transfers are accepted to make an
operation using a DCE. Generally, transactions

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 413
are made between bank accounts and, only in
rare cases, a customer can withdraw their money
in cash by using special ATMs. Recently, some
decentralized cryptocurrency exchanges have
been established which operate using prepaid
smart contracts, rather than digital currencies.94
(COINTELEGRAPH, 2020)

Com a preocupação referente à segurança dos investidores


e integridade do mercado, a CVM também listou uma série de riscos
inerentes aos investimentos que se utilizam de ICOs, podendo ser
citados: riscos de fraudes e esquemas de pirâmides, com lavagem
de dinheiro e evasão fiscal, inobservância da legislação, ambiente
não regulamentado e não fiscalizado pela CVM, riscos cibernéticos,
como ataque de hackers, falta de liquidez nos ativos virtuais e
desafios jurídicos e operacionais se houver a necessidade de
ingressar em juízo.

A CVM recomenda que o investidor verifique se um eventual


ofertante está registrado na CVM, como a sua oferta, se está
registrada ou foi dispensada. Além disso, ressalta que possui canais
de atendimento para receber denúncias e reclamações. Deve-se ter
atenção a indicativos de fraudes, como altos retornos garantidos,
pressão para participação na oferta, entre outros.

94 Em tradução livre: “Uma troca de criptomoeda, ou uma troca de moeda digital, é um ser-
viço da web que fornece serviços a seus clientes para a troca de moeda virtual em vários ati-
vos, como moeda fiduciária ou outras moedas digitais. As plataformas geralmente funcionam
exclusivamente on-line, fornecendo transações em formulários eletrônicos e cobrando taxas
por elas, embora também existam algumas empresas físicas que usam métodos tradicionais
de pagamento. Cartões de débito e crédito, vales postais e outros tipos de transferências de
dinheiro são aceitos para fazer uma operação usando um DCE. Geralmente, as transações
são feitas entre contas bancárias e, apenas em casos raros, um cliente pode sacar seu di-
nheiro em dinheiro usando caixas eletrônicos especiais. Recentemente, foram estabelecidas
algumas trocas de criptomoedas descentralizadas que operam usando contratos autoexecu-
táveis pré-pagos, em vez de moedas digitais”.

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414 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
7.3.3 FAQ DA CVM, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2017

A CVM, em função até da nota emitida em 11 de outubro de


2017, criou em 16 de novembro de 2017 um Frequently Asked Questions
(FAQ) – “Perguntas Frequentes”. Seguindo o mesmo caminho da
nota anteriormente emitida, afirmou que está acompanhando as
operações de ICO que estão ocorrendo para saber os benefícios
e riscos. Considerando a sua competência em decorrência da Lei
n. 6.385/76, entendeu por bem prestar os esclarecimento via FAQ.

Inicialmente, trouxe o conceito de uma Initial Coin Offering


(ICO), definindo da seguinte forma:

Podem-se compreender os ICOs como captações


públicas de recursos, tendo como contrapartida
a emissão de ativos virtuais, também conhecidos
como tokens ou coins, em favor do público
investidor. Tais ativos virtuais, por sua vez, a
depender do contexto econômico de sua emissão
e dos direitos conferidos aos investidores, podem
representar valores mobiliários, nos termos do art.
2º da Lei 6.385/76. Os ICOs vêm sendo utilizados
como uma estratégia inovadora de captação
de recursos por parte de empresas ou projetos
em estado nascente ou de crescimento, muitos
ainda em estado pré-operacional, o que enseja
um componente de risco por si só. (COMISSÃO,
2017)

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 415
Segundo a CVM, uma ICO é algo inovador por se utilizar de
meios exclusivamente digitais, com maior facilidade e agilidade
para a captação de recursos, excluindo as fronteiras. Além disso, terá
maior velocidade e precisão dos registros, em função da tecnologia
utilizada, como criptografia, programação lógica, distributed ledger
tecnology – DLT, dentre outras, todas já explicadas neste trabalho.

Posteriormente, a CVM destacou que há mais de um tipo


de ICO, podendo os ativos virtuais emitidos serem caracterizados
como valores mobiliários, por conferirem ao investidor direitos
de participação no capital, por exemplo, ou não serem valores
mobiliários, conferindo ao investidor tão somente “acesso à
plataforma, projeto ou serviço, nos moldes de uma licença de uso
ou de créditos para consumir um bem ou serviço” (COMISSÃO, 2017).

Será de interesse da CVM se o ativo virtual emitido no âmbito


de uma ICO for valor mobiliário, uma vez que assim atrairá o seu
regramento, notadamente a Instrução CVM 400. De acordo com
seu art. 2º, relembrando:

Toda oferta pública de distribuição de valores


mobiliários nos mercados primário e secundário,
no território brasileiro, dirigida a pessoas naturais,
jurídicas, fundo ou universalidade de direitos,
residentes, domiciliados ou constituídos no Brasil,
deverá ser submetida previamente a registro
na Comissão de Valores Mobiliários – CVM, nos
termos desta Instrução. (BRASIL, 2003)

Só não haverá a exigência de registro nos casos dos arts.


4º e 5º da referida instrução, por conta da dispensa de registro

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416 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
ou de requisitos de oferta. Logo, o que de fato importa para um
possível emissor que queira realizar uma ICO, que se caracterize
como valores mobiliários no Brasil, é que ele deverá observar a
regulamentação da CVM, sob pena de estar sujeito às sanções e
penalidades aplicáveis.

No que tange às exchanges de ativos virtuais, que prestam


serviços de negociação, pós-negociação e custódia de ativos virtuais
que não se caracterizam como valores mobiliários, deixou-se claro
que não são autorizadas pela CVM ou Banco Central para prestar
serviços referentes a ativos financeiros. Caso queiram, deverão ter o
devido registro, não havendo dispensa.

Como se observou ao longo do trabalho uma diferença


clássica entre ICO e IPO é que uma ICO terá um whitepaper,
enquanto uma IPO terá um prospecto que é exigido pela CVM na
Instrução 400. Segundo a CVM (2017),

O prospecto é documento essencial em uma


oferta pública e regulamentado pela Instrução
CVM 400, e disponibiliza informações essenciais
padronizadas para que o investidor entenda
a proposta da companhia e tome sua decisão
de investimento. Dentre outras, encontram-
se no prospecto as seguintes informações:
perspectivas e planos da companhia; situação do
mercado em que ela atua; os riscos do negócio
e da oferta; o quadro administrativo da empresa,
bem como informações sobre a oferta em si. Os
chamados whitepapers disponibilizados nos ICOs
não correspondem aos prospectos mencionados.
Além de não terem respaldo da CVM, são mais

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 417
breves, genéricos, não padronizados e compostos
por algumas informações técnicas operacionais
sobre o ICO.

Logo, em tese, o whitepaper não corresponde ao prospecto,


sendo mais simples e não necessariamente observando a Instrução
CVM 400. Inclusive, as ICOs não contam com mecanismos de
governança exigidos para as ofertas que estão autorizadas pela
CVM, como diligências do líder da oferta e do emissor do valor
mobiliário, auditoria independente das demonstrações financeiras,
verificação da regularidade do emissor junto à autarquia, dentre
outras situações que gerariam mais segurança.

A CVM se preocupou, também, em se mostrar atenta aos


outros reguladores internacionais, citando que há reguladores que
adotam uma postura mais restritiva quanto a ICO, chegando até a
proibir, mas não detalhou quais reguladores fazem isso. Mas disse
também que há autoridades que entendem que a legislação do
mercado de capitais deve ser respeitada quando houver emissão
de valores mobiliários.

Por fim, a CVM destacou os riscos associados às ICOs


como na nota que emitiu, alertando os investidores para avaliar
atentamente as características das operações.

7.3.4 COMUNICADO DO BANCO CENTRAL N. 31.379


DE 2017

O Banco Central do Brasil, em 16 de novembro de 2017,


mesma data da FAQ da CVM, emitiu o Comunicado n. 31.379, com

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418 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
um alerta sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e
negociação das denominadas moedas virtuais, considerando que
está ocorrendo um elevado interesse dos agentes econômicos
quanto às moedas virtuais. O problema, segundo o Banco Central, é
que elas não são emitidas nem garantidas por nenhuma autoridade
monetária. Inclusive, destaca-se que para os apoiadores das
criptomoedas isso seria uma vantagem.

Salientou-se, logo no começo do Comunicado, que as


moedas virtuais não “são lastreadas em ativo real de qualquer
espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre
exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu
emissor” (BRASIL, 2017). Devido a isso, há um risco de perda de todo
o capital investido.

Outro ponto de destaque foi a associação das moedas


virtuais às atividades ilícitas, de modo que o Banco Central trouxe
o risco dos seus detentores serem expostos em atividades ilícitas.
Nota-se que o comunicado foi no sentido de não incentivar o
investimento em criptomoedas e mostrar que o Banco Central
não terá responsabilidade caso haja algum problema com o
investidor. Veja a seguinte passagem: “Não há, no arcabouço legal
e regulatório relacionado com o Sistema Financeiro Nacional,
dispositivo específico sobre moedas virtuais. O Banco Central do
Brasil, particularmente, não regula nem supervisiona operações
com moedas virtuais” (BRASIL, 2017).

Ressalta-se que o Banco Central considera diferentes os


conceitos de moedas virtuais e moedas eletrônicas. Estas seriam
“os recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema
eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de
pagamento” (BRASIL, 2017), permitidas pela Lei n. 12.865/13 e com
regulamentação do Banco Central, enquanto aquelas não seriam

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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 419
referenciadas em moedas estabelecidas por governos soberanos.

O Banco Central entendeu que não havia a necessidade


ainda de regulamentação desses ativos, não observando um risco
relevante para o Sistema Financeiro Nacional, mas que ficará atento
e que apoia as novas tecnologias que tornem o sistema financeiro
mais seguro e eficiente.

7.3.5 DELIBERAÇÃO CVM N. 785 DE 2017

A Deliberação CVM n. 785, de 19 de dezembro de 2017


também passou pela ausência de registro perante a autarquia.
Como se verifica em sua ementa, analisou-se a colocação irregular
de contratos de investimento coletivo no mercado de valores
mobiliários sem os competentes registros previstos nos atos
normativos que regulamentam o mercado de capitais.

No presente caso, a CVM constatou que André Luís Paulo


Tomasi Vshivtsev, dono da Hashcoin Brasil, vinha oferecendo em
página da web oportunidade de investimento relacionada a cotas em
grupo de investimento em mineração de Bitcoin, “utilizando-se de
apelo ao público para celebração de contratos que, da forma como
vêm sendo ofertados, enquadram-se no conceito legal de valor
mobiliário” (BRASIL, 2017). A CVM (2017), seguindo o entendimento
que já manifestou inúmeras vezes, destacou:

em face da legislação em vigor, títulos ou


contratos de investimento coletivo que gerem
direito de participação, de parceria ou de
remuneração, inclusive resultante de prestação

BLO CKCH AIN


420 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço
do empreendedor ou de terceiros, somente
podem ser ofertados publicamente mediante
registro da oferta ou de sua dispensa na CVM.

E no caso não houve o registro ou a dispensa de registro


perante a CVM do ofertante nem da oferta em si, configurando
infração à Lei n. 6.385/76. Sendo assim, houve a determinação da
suspensão da oferta, sob pena de multa diária no valor de R$5.000,00
(cinco mil reais), sem prejuízo de eventual responsabilidade de
infrações já cometidas. Como destacado por Alexandre Antunes
(2018), “minutos após a Deliberação nº 785, o site, que tinha somente
dez dias de criação à época, foi desativado e tem hoje apenas um
aviso sobre o cumprimento da decisão da CVM”.

Mais uma vez, a CVM não proibiu o investimento em


criptomoedas, mas determinou que se houver a caracterização
de valores mobiliários, ela possui a competência para fiscalizar e
regulamentar, devendo-se aplicar a legislação referente ao mercado
de capitais.

7.3.6 OFÍCIO CIRCULAR Nº 1/2018/CVM/SIN DE


2018

A Comissão de Valores Mobiliários expediu, em 12 de janeiro


de 2018, o Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN, no qual Daniel Walter
Maeda Bernardo, Superintendente de Relações com Investidores
Institucionais, disse que moedas digitais, criptomoedas, não seriam
ativos financeiros, de modo que sua aquisição direta pelos fundos

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 421
de investimento regulados na instrução CVM nº 555/14 não é
permitida.

A CVM destacou que se vem buscando entender a natureza


jurídica e econômica das criptomoedas como modalidades de
investimento, mas que não se chegou a uma conclusão exata sobre
o tema. Diante dessa indefinição, a interpretação desta área técnica
é a de que as criptomoedas não podem ser qualificadas como
ativos financeiros, nos termos do art. 2º, V da Instrução da CVM 555:

Art. 2º Para os efeitos desta Instrução, entende-


se por: V – ativos financeiros:

a) títulos da dívida pública;

b) contratos derivativos;

c) desde que a emissão ou negociação tenha sido


objeto de registro ou de autorização pela CVM,
ações, debêntures, bônus de subscrição, cupons,
direitos, recibos de subscrição e certificados de

desdobramentos, certificados de depósito de


valores mobiliários, cédulas de debêntures, cotas
de fundos de investimento, notas promissórias, e
quaisquer outros valores mobiliários, que não os
referidos na alínea “d”;

d) títulos ou contratos de investimento coletivo,


registrados na CVM e ofertados publicamente,
que gerem direito de participação, de parceria
ou de remuneração, inclusive resultante de
prestação de serviços, cujos rendimentos advêm
do esforço do empreendedor ou de terceiros;

BLO CKCH AIN


422 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
e) certificados ou recibos de depósitos emitidos
no exterior com lastro em valores mobiliários de
emissão de companhia aberta brasileira;

f) o ouro, ativo financeiro, desde que negociado


em padrão internacionalmente aceito;

g) quaisquer títulos, contratos e modalidades


operacionais de obrigação ou coobrigação de
instituição financeira; e

h) warrants, contratos mercantis de compra e


venda de produtos, mercadorias ou serviços para
entrega ou prestação futura, títulos ou certificados
representativos desses contratos e quaisquer
outros créditos, títulos, contratos e modalidades
operacionais desde que expressamente previstos
no regulamento; (BRASIL, 2014)

Ainda que sejam constituídos fundos de investimento no


Brasil para investir em outros veículos onde as criptomoedas são
admitidas e regulamentadas, haveria riscos de ordem de segurança
cibernética e particulares de custódia, além da possibilidade de
surgir uma lei proibindo sua aquisição ou negociação.

Sendo assim, a CVM concluiu (2018):

Dessa forma, esta Superintendência informa


que todas essas variáveis vêm sendo levadas
em consideração na avaliação da possibilidade
de constituição e estruturação do investimento
indireto em criptomoedas, sem que se tenha

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 423
chegado, ainda, a uma conclusão a respeito
dessa possibilidade. Por fim, diante dessas
circunstâncias, julgamos conveniente que
os administradores e gestores de fundos de
investimento aguardem manifestação posterior e
mais conclusiva desta superintendência sobre o
tema para que estruturem o investimento indireto
em criptomoedas conforme descrito, ou mesmo
em outras formas alternativas que busquem essa
natureza de exposição a risco.

Nota-se na CVM claramente uma posição defensiva contra


os investimentos em criptomoedas.

7.3.7 DELIBERAÇÃO CVM N. 790 DE 2018

A Deliberação CVM n. 790, de 28 de fevereiro de 2018 também


trouxe como tema a colocação irregular de contratos de investimento
coletivo no mercado de valores mobiliários sem o devido registro.
Analisou-se no caso a L. JANISZEVSKI - HASHBRASIL – ME e seu
responsável Leonardo Janiszevski, que vinham oferecendo na
web, inclusive facebook e twitter, oportunidade de investimento
relacionada a cotas em grupo de investimento em mineração de
Bitcoin (“HashBrasil”), sendo que no caso havia a caracterização de
valor mobiliário.

Como se estava negociando contratos de investimento


coletivo que geram direito de participação, de parceria ou
de remuneração, cujos rendimentos advêm do esforço do

BLO CKCH AIN


424 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
empreendedor ou de terceiros, deveria ter o registro da oferta ou
sua dispensa pela CVM, o que não ocorreu.

Com isso, a CVM alertou os participantes do mercado de


valores mobiliários e o público em geral que não havia habilitação
para ofertar publicamente títulos ou contratos de investimento
coletivo relacionados ao caso, por se tratar de pessoa não registrada
como emissora de valores mobiliários, e de oferta pública sem
registro (ou dispensa deste) na CVM. Houve a seguinte determinação:

determinar a todos os sócios, responsáveis,


administradores e prepostos da pessoa jurídica
acima referida que se abstenham de ofertar ao
público títulos ou contratos de investimento
coletivos relacionados à oportunidade de
investimento relacionada a cotas em grupo
de investimento em mineração de Bitcoin
(“HashBrasil”) sem os devidos registros (ou
dispensas deste) perante a CVM, alertando que
a não-observância da presente determinação
acarretará multa cominatória diária, no valor de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo da
responsabilidade pelas infrações já cometidas,
com a imposição da penalidade cabível, nos
termos do art. 11 da Lei nº 6.385, de 1976. (BRASIL,
2018)

Ficou evidente, então, que a CVM entende que é competente


para fazer o papel de terceiro confiável nas relações referentes a
ICOs quando os ativos negociados se encaixem na definição do art.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 425
2º, inciso IX, Lei n. 6.385/7695.

7.4 PERSPECTIVAS DE REGULAMENTAÇÃO

O órgão de Poder Legislativo está se movimentando no


sentido de criar uma regulamentação para os criptoativos, o que
teria um impacto no tratamento das ICOs. Sendo assim, neste
tópico buscou-se analisar os seguintes projetos de lei que estão
em tramitação no Congresso Nacional:

- PL 2.303/2015;

- PL 2.060/2019;

- PL 3.825/2019; e

- PL 3.949/2019.

Passa-se, assim, à análise de cada projeto.

7.4.1 PROJETO DE LEI N. 2.303 DE 2015

O Projeto de Lei n. 2.303, de autoria do Deputado Áureo


Ribeiro, está em tramitação na Câmara dos Deputados desde 2015,
com a seguinte ementa: “Dispõe sobre a inclusão das moedas
virtuais e programas de milhagem aéreas na definição de ‘arranjos
de pagamento’ sob a supervisão do Banco Central”. Possui apenas
95 Relembrando: “Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: [...] IX - quando
ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que
gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de pres-
tação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
(Inciso incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)” (BRASIL, 1976).

BLO CKCH AIN


426 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
quatro artigos e decorreu do destaque que as criptomoedas
ganharam nas operações financeiras. Como se afirmou no projeto, a
ausência de regulamentação gerou uma preocupação.

O primeiro artigo do projeto é para modificação da Lei


n. 12.865/2013, inserindo na lista de arranjos de pagamento as
moedas virtuais, que deverão estar sujeitas à regulamentação do
Banco Central, conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional.

O artigo segundo, por sua vez, acrescenta um dispositivo


na Lei n. 9.613/1998, que é a lei que dispõe sobre os crimes de
“lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores. No projeto, há a
inserção das moedas virtuais e os programas de milhagens aéreas
na lista de atividades às quais os agentes dispensam uma atenção
especial.

O projeto de lei, por fim, dispõe no seu art. 3º que as operações


envolvendo moedas virtuais estarão submetidas, no que couber, às
disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O art. 4º é
sobre a “vacatio legis”, prescrevendo que a lei entrará em vigor na
data de sua publicação.

Como explicado por Júlio César Azevedo (2017), cabem


críticas ao projeto por ter misturado os temas de criptomoedas
com programas de milhagens aéreas. Além disso, o relator
Deputado Expedito Netto se mostrou contrário às operações com
criptomoedas, dizendo que:

o monopólio da emissão de moeda no país


pertence ao BACEN e, portanto, não haveria
como aceitar que outras entidades tenham a
possibilidade de emitir moedas. Dessa forma,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 427
a emissão de moedas virtuais seria atividade
exclusiva do órgão. Todavia, como é cediço,
não há meios de evitar a emissão das moedas
em outros locais do mundo (atualmente, já
existem mais de 1.300 criptomoedas circulando
no mundo) e o relatório aponta a necessidade
de evitar que tais moedas sejam ofertadas à
população. Desta forma, opina pela proibição
de emissão em território nacional, bem como de
vedar a sua comercialização, intermediação e
mesmo a aceitação como meio de pagamento
para liquidação de obrigações no país.

O substitutivo apresentado vai no sentido contrário às


operações envolvendo criptomoedas e se pode dizer que contrário
à tendência mundial.

7.4.2 PROJETO DE LEI N. 2.060 DE 2019

O Projeto de Lei n. 2.060 de 2019, também de autoria


do Deputado Áureo Ribeiro e que está tramitando na Câmara
dos Deputados, “dispõe sobre o regime jurídico de criptoativos”.
Segundo a justificação do projeto, ele tem como finalidade criar um
ambiente para que se insiram no Sistema Financeiro Nacional os
efeitos positivos que a tecnologia blockchain pode trazer, de modo
que a regulação do tema possa trazer benefícios:

BLO CKCH AIN


428 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
os benefícios da regulação para utilização das
Criptomoedas e Tokens Virtuais são diversos.
Essencialmente segura, a tecnologia, quando
fomentada em ambiente regulado, constitui
elemento instrumental à redução de fraudes nas
relações comerciais, dada a imutabilidade de sua
cadeia de blocos de dados. Serve, ademais, por
seu caráter público, ao combate à lavagem de
dinheiro e à corrupção, utilidade que se mostra
premente no atual contexto brasileiro. (BRASIL,
2019, Justificação)

Um ponto importante do projeto é que ele está ciente que


a regulação interna no Brasil não tem o potencial de resolver algo
que tem um caráter supranacional, logo a regulação não pode ser
restritiva a ponto de tentar adequar o novo ao tradicional.

Em contraposição ao projeto anterior, o de 2019 tem como


tema somente os criptoativos, possuindo dez artigos e alterando
leis como o Código Penal, de crimes contra a economia popular e
mercado de valores mobiliários. E os dois principais objetivos da lei
já constam em seu primeiro dispositivo: dispor sobre criptoativos
(ativos utilizados como meio de pagamento, reserva de valor,
utilidade e valor mobiliário), e aumentar a pena para o crime de
“pirâmide financeira”, bem como para crimes relacionados ao uso
fraudulento de criptoativos.

Destaca-se a alteração que o art. 8º do projeto propõe para


a Lei n. 6.385/76, com a seguinte redação:

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 429
Art. 8º. A Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976,
passa a vigorar acrescida do seguinte artigo 28-A:
‘Art. 28-A. A Comissão de Valores Mobiliários pode
dispensar o registro de atividades regulamentadas
nos termos da Lei, com a finalidade de instituir
ambiente de testes de novas tecnologias e
inovações em produtos e serviços no mercado de
valores mobiliários. Parágrafo único. A Comissão
de Valores Mobiliários pode dispensar o registro
previsto no caput deste artigo dentro de limites
e restrições preestabelecidos, observando: I – os
riscos e benefícios de cada autorização; e II – o
estímulo a iniciativas inovadoras ou de médio
ou pequeno porte que visem conferir maior
eficiência, segurança e ampliação do acesso ao
mercado de valores mobiliários.’

Ora, de acordo com o projeto, caso ocorra uma ICO na


qual se caracteriza valor mobiliário, a CVM deve participar. Mas o
projeto é contraditório ao estabelecer no art. 5º que o art. 2º da Lei
n. 6.385/76 será alterado no sentido de afastar do regime da lei que
regulamenta o mercado de valores mobiliários os criptoativos.

Independente das críticas que se podem fazer ao projeto,


mostrou-se um entendimento melhor sobre o assunto em
comparação ao projeto anterior. Segundo Dayana de Carvalho
Uhdre (2019), “deve-se aplaudir a iniciativa legislativa apresentada.
O objetivo de colocar o Brasil no cenário mundial de fomento à
inovação tecnológica não só é louvável como necessário”.

BLO CKCH AIN


430 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
7.4.3 PROJETOS DE LEI N. 3.825 E 3.949 DE 2019

O Projeto de Lei n. 3.825 de 2019, de autoria do Senador


Flávio Arns, tem como ementa: “Disciplina os serviços referentes a
operações realizadas com criptoativos em plataformas eletrônicas
de negociação”, enquanto o Projeto de Lei n. 3.949 de 2019, de
autoria do Senador Styvenson Valentim, tem como ementa:

Dispõe sobre transações com moedas virtuais e


estabelece condições para o funcionamento das
exchanges de criptoativos; e altera a Lei nº 9.613,
de 3 de março de 1998, que dispõe sobre lavagem
de dinheiro, a Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de
1976, que dispõe sobre o mercado de capitais, e
a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define
crimes contra o sistema financeiro nacional.

Os projetos serão analisados aqui em conjunto, porque,


diante da semelhança entre eles, houve requerimento do Senador
Styvenson Valentim para que eles tramitem em conjunto, o que
ainda será analisado. Segundo o Senador (2020),

Entendo que os projetos, objetos do meu


requerimento, têm correlação, pois eles visam,
de forma geral, disciplinar o uso de moedas
virtuais e submeter as empresas intermediárias
de operações à fiscalização do Banco Central,
notadamente para exigir maior transparência

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 431
de suas operações, além de buscar proteger os
recursos dos investidores desse mercado.

Destaca-se no projeto de lei 3.825 o entendimento que vem


sendo observado nas deliberações da CVM, trazendo para ela a
competência para fiscalizar as operações que envolvam criptoativos
que se caracterizem como valores mobiliários. Veja-se o art. 7º do
projeto:

A oferta pública de criptoativos que gerem direito


de participação, de parceria ou de remuneração,
inclusive resultante de prestação de serviços, cujos
rendimentos advêm do esforço do empreendedor
ou de terceiros, submete-se à fiscalização da
Comissão de Valores Mobiliários, nos termos
da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.

Além disso, o projeto traz uma série de obrigações para as


exchanges de criptoativos, como possuir infraestrutura necessária
que garanta a segurança das operações, controlar e manter de
forma segregada os recursos aportados pelos clientes, estabelecer
medidas adequadas contra lavagem de dinheiro e demais crimes
financeiros, adotar boas práticas de governança, e prezar pela
transparência no relacionamento com os clientes.

Disposições semelhantes se encontram no projeto 3.949,


o que inclusive justificou o requerimento para que tramitem em
conjunto. A título de exemplo, citam-se os arts. 6º e 7º:

BLO CKCH AIN


432 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Art. 6º A exchange de criptoativo deve prezar
pela transparência no relacionamento com os
clientes e prestar informações a seus clientes e
usuários sobre a natureza e a complexidade das
operações contratadas e dos serviços ofertados,
em linguagem clara e objetiva, de forma a permitir
ampla compreensão sobre as operações e os
riscos incorridos. Parágrafo único. As informações
mencionadas no caput devem: I – ser divulgadas
e mantidas atualizadas em local visível e formato
legível no sítio da instituição na Internet, acessível
na página inicial, bem como nos outros canais
de acesso à plataforma eletrônica; II – constar
dos contratos, materiais de propaganda e de
publicidade e demais documentos que se
destinem aos clientes e aos usuários; e III – incluir
advertência, com destaque, de que as operações
com criptoativos configuram investimento de
risco, sem garantia do Fundo Garantidor de
Créditos (FGC) ou do Banco Central do Brasil.
Art. 7º A exchange de criptoativos deve possuir
infraestrutura necessária que garanta a segurança
das operações, a confiabilidade e a qualidade
dos serviços prestados, adotando procedimentos
que mitiguem os riscos operacionais envolvidos
na prestação dos serviços. Parágrafo único. O
controle dos riscos operacionais envolve a adoção
de procedimentos para garantir a segurança e o
acesso dos clientes a seus recursos mantidos nas
exchanges de criptoativos.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 433
O que se evidencia em todos os projetos é a preocupação
com as inovações tecnológicas e impactos no mercado financeiro,
principalmente no âmbito criminal, sendo mencionado nos projetos
o crime de lavagem de dinheiro, o que mostra que ainda há uma
associação dos criptoativos à prática de crimes.

Restam aos atuantes e pesquisadores do mercado continuar


verificando os rumos que a economia e o Direito irão levar. A questão
política irá influenciar bastante, e a regulamentação pode não ser
compatível com o sistema distribuído que a blockchain esperava.
Chris Burniske e Jack Tatar (2019, p. 32), inclusive, destacaram que
os criptotokens estão no estágio mais inicial de desenvolvimento, e
“provavelmente serão os últimos a granhar tração, pois exigem que
uma infraestrutura robusta de criptomoedas e criptocommodities
seja construída antes de poderem funcionar de maneira mais
confiável”. Mas quem lida com o Direito Empresarial não se
surpreende com mudanças, afinal o dinamismo do mercado é uma
de suas características principais.

BLO CKCH AIN


434 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Capítulo 8

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento social e econômico de um país é uma das


funções essenciais do Estado, fazendo parte da busca pelo interesse
de toda a coletividade e, quando se estuda o contexto do mercado
de capitais, nota-se uma importância da sua regulamentação,
sendo uma das formas de garantir o seu funcionamento. Direito
e Economia, sem dúvidas, entrelaçam-se, e o Estado faz uso de
instrumentos jurídicos para a condução da Economia, porém o
desenvolvimento econômico não vem apenas de regras jurídicas.

O Estado, atuando de forma indireta no domínio econômico,


é um agente normativo e regulador da atividade econômica, sendo
que no caso do mercado de capitais ganhou enorme relevância
a Comissão de Valores Mobiliários, com inúmeras funções,
como estimular a aplicação de poupança em valores mobiliários,
assegurar o funcionamento regular e transparente do mercado de
capitais, proteger os investidores, evitar ou coibir fraudes. Para isso,
fez-se necessária a atribuição de poderes à CVM, destacando-se
a possibilidade de regulamentar as matérias previstas nas Leis n.
6.385/76 e 6.404/76, que dispõem sobre o mercado de valores
mobiliários e as sociedades anônimas respectivamente.

Contudo, a linha será tênue para estabelecer o equilíbrio


entre a atuação do Estado e a liberdade do mercado. Entende-se
que o Estado surgiu em função do cidadão que aceitou restrições
à sua liberdade para que houvesse uma segurança jurídica e
econômica e nesse aspecto o Direito Empresarial adquire uma

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 435
enorme importância, por ser voltado para os agentes do mercado e
propulsor do desenvolvimento econômico. Por meio dele, o Estado
impacta diretamente em todo o desenvolvimento da sociedade.

Ora, com um estímulo ao empreendedorismo, sempre


dentro dos limites constitucionais com a observância dos direitos
fundamentais, haverá o desenvolvimento social. Com o incremento
da atividade empresária, sendo um dos pressupostos a organização
dos fatores de produção, haverá a geração de empregos e
pagamento de tributos, de modo que os trabalhadores terão
remuneração para reinvestir e crescer outras atividades, enquanto
o Estado terá receita para desenvolver sua finalidade essencial
cumprindo os mandamentos constitucionais. Com isso, haverá o
desenvolvimento.

O Direito Empresarial, para exercer esse importante papel,


precisa ter como pressuposto um funcionamento regular do
mercado, preservação da empresa, boa-fé, e principalmente dois
princípios basilares: estímulo ao empreendedorismo e a máxima
tutela do crédito. Sem o estímulo ao empreendedorismo não haverá
o círculo virtuoso acima mencionado, e sem a proteção do crédito
não se consegue potencializar a atividade empresária. Logo, deve-
se entender até que ponto o Estado pode agir para gerar a máxima
efetividade dos atuantes do mercado.

No presente trabalho, debateu-se justamente esse aspecto.


A Initial Public Offering – IPO tem uma importância enorme na
captação pública de recursos para as companhias abertas, de
modo que se tenha uma fonte de recursos ilimitada para ampliar
os negócios. Destaca-se como vantagem o fato de não depender
dos recursos próprios da companhia nem do mercado de crédito,
cujas instituições determinam todas as regras de um eventual
financiamento. E o Estado atua ditando todas as regras por meio de

BLO CKCH AIN


436 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
atos normativos primários e secundários.

Notadamente pelas instruções normativas da CVM, o Estado


dispõe de uma série de regras para que ocorra uma IPO. Por
exemplo, a companhia deve fazer o registro de companhia aberta
junto à CVM, deve ter autorização para que as ações possam ser
negociadas no mercado de valores mobiliários, deverá fazer um
documento bem detalhado para dar publicidade aos investidores e
estar submetida à fiscalização da CVM. Com isso, toda a burocracia
e o custo para se fazer uma IPO acabam sendo um empecilho para
as companhias. Ao longo do trabalho, inclusive, mostrou-se que as
companhias mineiras que teriam o potencial de acesso ao mercado
de capitais não o fazem alegando como causa os custos. E uma
IPO pela complexidade não atenderia uma sociedade empresária
buscando investidores para iniciar a atividade, como no caso de
uma startup.

De outro lado, surge uma tecnologia revolucionária,


denominada como blockchain. Essa tecnologia, que inicialmente
surgiu para viabilizar a criptomoeda Bitcoin, ganhou inúmeras
funções. Fala-se até nessa tecnologia como continuação da história
da internet. E uma dessas funções foi justamente a captação pública
de recursos, mas não por meio de toda a complexidade da IPO, e
sim via Initial Coin Offering – ICO.

A diferença vai muito além de uma letra na sigla, de modo


que, enquanto a IPO é para companhias bem estabelecidas, a ICO é
para um perfil bem menos consolidado no mercado, sendo pessoas
que se arriscam. Além disso, como bem trabalhado, uma ICO
independe de regulação, tendo como base a tecnologia blockchain
que retira o Estado como ente central das negociações.

O contexto de criação da blockchain demonstra bem


a ausência do Estado, uma vez que se remete a um grupo de

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 437
criptógrafos e hackers que faziam parte dos “Cypherpunks”, que
tinham como base a privacidade na internet. Já se questionava
a ingerência estatal e isso ficou mais forte com a crise de 2008.
Surgiu a pergunta: onde estava o Estado que permitiu tudo isso?
Mostrou-se uma nova forma de se estabelecer a confiança entre os
agentes do mercado sem um intermediário financeiro centralizando
a transação.

Então, é preciso verificar se o Estado intervir na ICO será algo


legítimo ou não, sendo que a sua atuação deve se dar estritamente
nos termos da Constituição, que busca um equilíbrio entre social
e liberal. Quando se fala na tecnologia blockchain, nada mais é
do que algo que grava transações de forma permanente, sem a
possibilidade de alteração em tese, sendo que as informações serão
atualizadas sequencialmente em um rastro de histórico sem fim. E
o seu modelo distribuído garante a segurança sem a necessidade
de um terceiro confiável, logo outra pergunta que pode ser feita é
por que seria necessária a atuação estatal de controle no presente
caso, se a tecnologia do modelo funciona bem com redução dos
custos de transação e garantindo a segurança via criptografia?

Importante destacar que a tecnologia blockchain tem como


pressuposto a ausência de um terceiro confiável, sendo seus
princípios a integridade da rede, o poder distribuído, valor como
incentivo, segurança, privacidade, direitos preservados e inclusão,
reduzindo os obstáculos à participação. É claro que é algo novo
e haverá resistência à mudança, mas é importante lembrar que já
está acontecendo, de modo que seja um caminho sem volta. Ao
longo do trabalho, mostrou-se outros impactos da web no mercado
de trabalho, que também geraram enorme resistência e hoje já são
bem mais tranquilos, como a relação entre os agentes de turismo
e a Decolar.com, os hotéis e o AirBnb, as livrarias e os E-books e os
taxistas e a Uber.

BLO CKCH AIN


438 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
Não se defende aqui que o Estado tenha que estar fora no
novo contexto criado pela blockchain, e sim que ele deve entender
o seu papel e a tecnologia em si, como seus pressupostos, para
compreender que atrair a sua regulamentação é inviabilizar o
seu potencial, notadamente quanto à redução dos custos de
transação. Todavia, as autoridades reguladoras do mercado de
capitais estão tratando ICOs como IPOs quando entendem que
há a caracterização de valores mobiliários na transação. No caso
do direito brasileiro, caso os ativos virtuais ofertados representem
valores mobiliários, nos termos do art. 2º da Lei n. 6.385/76, deve-
se observar o regramento da CVM, notadamente a Instrução CVM
400. Tem-se como fundamento a necessidade de proteção do
investidor. Porém, não se trata da captação pública de recursos por
companhias, além de que se pode questionar até que ponto seria
legítima a intervenção na liberdade para se proteger o investidor.

A CVM traz como inerente às ICOs a possibilidade de fraudes


e pirâmides financeiras, risco de operações de lavagem de dinheiro
e evasão fiscal, risco de liquidez ou operacional. Mas apenas por ter
riscos, considerando que é um investimento, será função do Estado
dizer se o investidor pode ou não investir? A autonomia privada é
conformada à Constituição, mas não havendo nenhuma atividade
ilícita não há razões para o Estado desejar uma intervenção prévia na
vontade do investidor. Além disso, há possibilidade de fraudes com
a atuação do Estado também, tanto que houve a crise de 2008 sob
a sua supervisão, sendo um marco importante para o surgimento da
tecnologia blockchain.

Isso decorre de uma clara confusão de conceitos e este


autor já fez essa análise em outros aspectos, como na aplicação
de Direito do Consumidor em contratos empresariais, o que seria
um erro por não haver a regra da vulnerabilidade como na relação
de consumo. O Direito Empresarial dá proteção aos contratantes,

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 439
mas é uma proteção diferente e adequada à relação empresária.
O erro aqui é algo comum e não cabe uma neutralização por parte
do Estado para proteger uma parte na relação. Isso seria premiar
a ineficiência. Outro exemplo que se pode citar é a aplicação
errônea da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Ora, as pessoas jurídicas surgiram justamente para um estímulo
ao empreendedorismo como forma de redução do risco e, caso
haja uma aplicação exagerada e fora dos limites legais, a proteção
será contrária ao surgimento do instituto, ferindo o princípio da livre
iniciativa presente na Constituição.

É claro que em alguns casos a atuação da CVM pode-se


mostrar inevitável, como nos casos clássicos conhecidos como
Boi Gordo e Avestruz Master. Embora não sejam casos de ICOs,
são casos importantes que a CVM teve que atuar. No primeiro
caso, os investidores tinham como garantia um lucro mínimo após
comercialização de contratos de investimento coletivo, enquanto
no segundo caso havia contratos de compra e venda de avestruzes
com a garantia de recompra dos animais, sendo que em ambos se
tratava de pirâmides financeiras. Mas havia fraudes, e não se pode
presumir fraude em uma ICO tão somente pela não participação da
CVM.

Destaca-se que todo investimento parte de uma


análise de risco e tratar uma ICO como IPO, além de encaixar
algo revolucionário no modelo tradicional, é desestimular o
empreendedorismo, justificando-se com a possibilidade de fraude.
Qualquer atividade empresária terá um risco e a insegurança é algo
inerente ao empreendedorismo, então não caberá ao Estado tentar
aniquilá-la. Além disso, a ICO não é uma substituição à IPO, e sim
algo complementar que atinge empreendedores e investidores
diferentes. Aplicar a uma ICO todo o regramento de uma IPO é
inviabilizá-la e demonstraria desconhecimento quanto às suas

BLO CKCH AIN


440 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
características e pressupostos.

O empreendedorismo não pode se dar somente com recursos


próprios, logo é de suma importância opções para se captar recursos
no mercado. A atividade empresária tem como pressuposto o crédito
em qualquer momento do desenvolvimento da empresa. No caso
de uma ICO, ressalta-se mais uma vez, o crédito estará protegido
sem a existência de um terceiro confiável, diminuindo-se os custos
de transação. Obviamente haverá risco como todo investimento e
atividade empresária, mas não inviabilizará a atividade.

O Estado está buscando uma maior proteção dos investidores


de uma forma inadequada, com uma mistura de peças que não se
encaixam. Pode-se atribuir a confusão ao tratamento que se deu às
ICOs como “IPOs da blockchain”, cuja semelhança é tão somente
possibilitar a captação de recursos, já que os contextos nos quais se
apresentam são completamente diferentes.

Como já afirmado, um desenvolvimento econômico e social,


ambos previstos no programa constitucional, exigem um estímulo
ao empreendedorismo e a máxima tutela do crédito. Cabe ao
Estado gerar um contexto de riscos aceitáveis, para que a Economia
não fracasse, mas no presente caso a autoridade reguladora do
mercado de capitais está ampliando suas atribuições, de modo que
se pretenda exigir de uma atividade pequena o que nem as grandes
conseguem cumprir, retirando a possibilidade de captar recursos
para se desenvolver e iniciar o círculo virtuoso do desenvolvimento
social.

Caso não haja uma intervenção estatal em prol de um


ambiente econômico propício ao desenvolvimento, ela será
prejudicial e não fará sentido, de modo que não haverá o surgimento
de novas relações empresariais. É preciso conhecer os vetores
específicos do Direito Empresarial para sua devida aplicação, para

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 441
que seja estudado com base na sua funcionalidade econômica e
no seu papel na sociedade, superando um tecnicismo que contrarie
sua finalidade.

Quando se trata da regulamentação da CVM, verifica-se que


ela é fundamental em um mercado com pressupostos diferentes de
uma ICO, tanto é que exigir um prévio registro na CVM seria extinguir
o interesse da captação de recursos via blockchain. Esse ramo do
Direito é um instrumento de desenvolvimento social e econômico,
mas isso depende da sua devida aplicação.

Embora a CVM alegue que não tenha o interesse de


prejudicar o instituto da ICO, as suas normas terão o efeito de
desincentivo ao empreendedorismo, e o excesso de burocracia
para uma startup, por exemplo, terá efeito trágico, podendo até
contribuir para atividades ilícitas. Inclusive, não se defende aqui a
sonegação tributária, uma vez que deve ocorrer a declaração para
a tributação das criptomoedas, por exemplo. É importante que haja
clareza nos institutos para a devida regulamentação.

Pode-se até mencionar a Constituição de 1988, que


determina um tratamento diferenciado para o pequeno empresário,
justamente porque exigir o mesmo dele e do grande seria inviabilizar
a atividade. O raciocínio aqui será o mesmo: ICO e IPO se dão em
contextos diferentes, e tratar uma ICO como IPO é colocar um fim
na captação de recursos via blockchain para aquele que não possui
condições de fazer uma IPO, que são companhias em regra bem
estabelecidas no mercado já, e não atividades no início. Sendo
apostas, haverá um risco maior que não cabe à CVM impedir se não
houver violação à lei.

Embora a CVM e a SEC estejam em um caminho contrário ao


aqui defendido, entende-se que a ICO terá a sua segurança garantida
pelos pressupostos da blockchain, como o sistema distribúido

BLO CKCH AIN


442 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
e a criptografia, sem a necessidade de um terceiro garantidor de
confiança como a autoridade reguladora do mercado de capitais,
até porque se tiver essa autoridade no papel de terceiro confiável,
não haverá blockchain nem os seus benefícios. Além disso, defende-
se que não cabe a regulamentação da ICO pela CVM e sequer pelo
Banco Central, uma vez que se trata de um mercado que não se
encaixa nas suas atribuições.

Como era de se esperar, os Projetos de Lei que estão


tramitando sobre o assunto aqui tratado não trouxeram uma devida
regulamentação e em diversos momentos confundiram os institutos,
tratando criptomoedas junto de programa de milhas aéreas, por
exemplo. Os Projetos referentes ao Novo Código Comercial não
trouxeram nada sobre o tema também.

O importante, então, é acompanhar as novidades nos


órgãos de Poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) e verificar os
rumos da atuação estatal nessa realidade econômica que é muito
promissora. Acredita-se que uma regulamentação neste momento,
considerando os projetos em tramitação, não será positiva, e
debater se a blockchain deve ou não ocorrer é algo inócuo, uma
vez que já está acontecendo e alterando a estrutura do mercado. O
papel do Direito Empresarial no presente tema deve se dar de uma
forma prática, sendo um estudo diário e que não finaliza aqui, até
porque se trata de um ramo do Direito cujo dinamismo e rapidez
são características essenciais. Como destacado na introdução
deste trabalho, não há limites para a economia criada pela internet,
então que se acompanhem as mudanças que estão por vir para dar
o devido tratamento jurídico, que gera a tão sonhada segurança
jurídica.

B LO CKCH A I N
WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 443
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estabilização de preços de que trata o § 3º do art. 23 dessa mesma
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fato relevante relativo às companhias abertas, disciplina a divulgação
de informações na negociação de valores mobiliários e na aquisição
de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta,
estabelece vedações e condições para a negociação de ações de
companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado
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n. 361. Dispõe sobre o procedimento aplicável às ofertas públicas
de aquisição de ações de companhia aberta, o registro das
ofertas públicas de aquisição de ações para cancelamento de
registro de companhia aberta, por aumento de participação de
acionista controlador, por alienação de controle de companhia
aberta, para aquisição de controle de companhia aberta quando
envolver permuta por valores mobiliários, e de permuta por valores
mobiliários. Diário Oficial da União, Brasília, 7 mar. 2002. Disponível
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400. Dispõe sobre as ofertas públicas de distribuição de valores
mobiliários, nos mercados primário ou secundário, e revoga a
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461. Disciplina os mercados regulamentados de valores mobiliários
e dispõe sobre a constituição, organização, funcionamento e
extinção das bolsas de valores, bolsas de mercadorias e futuros
e mercados de balcão organizado. Revoga as Instruções 42/85;
179/92; 184/92; 203/93; 263/97; 344/00; 362/02; 379/02; o art. 6º da
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arts. 2º a 7º, caput e §1º do art. 8º, arts. 10, 13, 15 e 16 da Instrução
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WALLAC E FA B R ÍCIO PAIVA SOUZA 451
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BLO CKCH AIN


452 WALLAC E FABRÍ C I O PAI VA S O U Z A
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desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
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