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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

AURÉLIO ADELINO BERNARDO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR LESÃO


AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Curitiba
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

AURÉLIO ADELINO BERNARDO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR LESÃO AOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS

Curitiba
2014
AURÉLIO ADELINO BERNARDO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR LESÃO AOS


DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dissertação apresentada no Curso de


Pós-graduação em Direito do Setor de
Ciências Jurídicas da Universidade
Federal do Paraná, como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Titular José


Antônio Peres Gediel

Curitiba
2014
Bernardo, Aurélio Adelino
Responsabilidade civil do Estado por lesão aos direitos
fundamentais/ Aurélio Adelino Bernardo. – Curitiba,
2014. 187 f.

Orientador: Prof. Dr. Titular José Antônio Peres Gediel


Dissertação (Mestrado em Direito) – Setor de Ciências
Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.

1. Direitos fundamentais. 2. Estado Democrático de Direito.


3. Responsabilidade Civil do Estado.
CDU- XXX.XX/XX
Aos meus pais Adelino de Jesus Bernardo e Nely
Aurélio Maxaieie, por todo amor, pelo sacrifício feito
para garantir a minha formação acadêmica, por
quem sou e por tudo o que alcancei.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida, proteção e bênção.

Ao professor José Antônio Peres Gediel, pela orientação, apoio,


incentivos, confiança, acolhida e principalmente pela amizade.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-graduação em


Direito da UFPR, pelos ensinamentos e pela colaboração recebida durante o
curso.

À Marlene, pela força e encorajamento.

Aos amigos e colegas Dennis e Flor, pela amizade, companheirismo e


pela colaboração recebida durante o curso.

Aos amigos e compatriotas André Mindoso e Acácio Zimbico, pelo


incentivo, amizade e companheirismo.
RESUMO

A presente dissertação subordinada ao tema ``Responsabilidade civil do


Estado por lesão aos direitos fundamentais´´, tem como escopo demonstrar
que no contexto do Estado de direito democrático, caracterizado pela
submissão do Estado ao direito, uma estrutura orgânica baseada no princípio
da separação de poderes, bem como pela promoção e a garantia dos direitos
fundamentais, a responsabilidade civil do Estado desempenha importância
perene na materialização dos Direitos fundamentais, visto que é uma garantia
dos cidadãos ante a conduta e risco inerente à atividade estatal lesiva à
aqueles direitos existenciais. Do axioma da irresponsabilidade do Estado
Absoluto, atualmente, o princípio da responsabilidade do Estado é aceite na
grande maioria dos Estados contemporâneos e os seus pressupostos
evoluíram por forma a abarcar as diversas situações fáticas geradoras de dano
pelos poderes Executivos, Legislativo e Judicial, com o fito de oferecer maior
proteção ao cidadão. Dai que somos defensores, de similar evolução no direito
moçambicano, que se encontra ainda emperrado na responsabilização parcial
do Estado, calcada em elementos subjetivos, bem como na ``soberania´´ de
alguns poderes do Estado. Assim, no direito moçambicano o Estado tem
sempre direito de regresso sobre o seu agente porque a responsabilidade
incide apenas sobre os danos causados por atos ilegais, enquanto que no
direito brasileiro cuja responsabilidade Estatal é objetiva, este goza de direito
de regresso apenas em caso de dolo ou culpa do agente. É recorrente na
prática dos tribunais moçambicanos e brasileiros a utilização de critérios
subjetivos, como as condições econômicas da vítima e do ofensor, bem como o
grau de culpabilidade do ofensor, para aquilatar o valor da indenização do dano
moral, o que abre espaço para flagrantes injustiças. A centralidade do princípio
da dignidade da pessoa humana, erigido à princípio fundante da ordem jurídica
e do Estado torna-o fonte dos direitos fundamentais, que de acordo com o
momento histórico os atualiza. Este fato impõe uma releitura do dano e dos
critérios de quantificação do valor da indenização com ele consentânea,
devendo os critérios supracitados ser abandonados, imperando para efeitos de
reparação a extensão do dano, pois independentemente da situação
socioeconômica, todos somos iguais em dignidade.

Palavras-Chave: Estado Democrático de Direito. Responsabilidade do Estado.


dignidade da pessoa humana. Direitos Fundamentais. Reparação.
RESUMEN

La presente investigación, enmarcada dentro del tema ``La responsabilidad civil


del Estado por daños causados a los derechos fundamentales'', tiene como
objetivo demostrar que, en el contexto del Estado democrático de derecho,
caracterizado por la sumisión del Estado al derecho, una estructura orgánica
basada en el principio de separación de poderes, así como la promoción y
garantía de los derechos fundamentales, la responsabilidad civil del Estado
desempeña importancia perenne en la materialización de los derechos
fundamentales, ya que es una garantía para los ciudadanos frente a la
conducta y el riesgo inherente a la actividad del Estado que lesione aquellos
derechos existentes. Del Axioma de la irresponsabilidad del Estado absoluto,
en la actualidad, el principio de la responsabilidad del Estado es aceptado en la
mayoría de los estados contemporáneos y sus presupuestos han evolucionado
para abarcar las distintas situaciones de hecho que generan daños por el
Poder Ejecutivo, Legislativo y Judicial, con el objetivo de ofrecer una mayor
protección a los ciudadanos. Por lo tanto somos partidarios de una evolución
similar en la legislación mozambiqueña, la cual aún está atascada en la
responsabilidad parcial del Estado, con base en elementos subjetivo, y en la ``
soberanía '' de algunos poderes del Estado. Así, en el derecho de
Mozambique, el Estado siempre tiene el derecho de retorno contra su agente,
porque la responsabilidad se centra sólo en los daños causados por actos
ilegales, mientras que en la legislación brasileña, cuya responsabilidad del
Estado es objetiva, este goza de un derecho al retorno sólo en casos de dolo o
culpa del agente. Es práctica frecuente en los tribunales brasileños y de
Mozambique, el uso de criterios subjetivos, tales como las condiciones
económicas de la víctima y del delincuente, o el grado de culpabilidad del
ofensor, para evaluar el monto de la indemnización por daño moral , lo que deja
espacio para flagrantes injusticias. La centralidad del principio de la dignidad
de la persona humana, elevado a la categoría de a principio fundamental del
sistema legal y del Estado, se convierte en la fuente de los derechos
fundamentales, que de acuerdo a los cambios históricos son actualizados. Este
hecho impone una relectura de los daños y de los criterios para cuantificar el
monto de la indemnización con este producido, debiendo, los criterios
mencionados ser abandonados, imperando para efectos de la reparación, la
extensión del daño, porque independientemente de la situación
socioeconómica, todos somos iguales en dignidad.

Palabras Claves: Estado Democrático de Derecho. Responsabilidad del


Estado. La dignidad humana. Derechos Fundamentales. Reparación.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABREVIATURAS

al. – alínea

art. – artigo

arts. – artigos

Cf. ou Cfr. – confira, conferir ou confronte.

Des. – Desembargador

Desª. Desembargadora

Ex. – exemplo

Id. – idem

Inc. – inciso

Min. - Ministro

n. ou nº - número

Rel. – Relator

Rel.ª – Relatora

T. – Turma

SIGLAS

AG – Agravo de Instrumento

AgRgARESP – Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial

CCB – Código Civil Brasileiro

CCM – Código Civil Moçambicano


CFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CPC – Código de Processo Civil

CRM/2004 – Constituição da República de Moçambique de 2004

ONU – Organização das Nações Unidas

PRM – Polícia da República de Moçambique

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Supremo Tribunal de Justiça


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 4

CAPÍTULO I – DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ......................................... 9

1. A Responsabilidade civil extracontratual do Estado..................................................... 9

2. As teorias que marcaram as fases históricas da responsabilidade civil do Estado


................................................................................................................................................. 12

2.1. Teoria da irresponsabilidade ................................................................................... 12

2.2. Teorias civilistas ........................................................................................................ 16

2.3. Teorias publicísticas ................................................................................................. 20

3. Responsabilidade civil do Estado: uma questão de direito privado ou direito


público .................................................................................................................................... 26

4. As causas excludentes e atenuantes da responsabilidade civil do Estado


aplicadas à lesão aos direitos fundamentais ................................................................... 30

4.1. Culpa do Lesado................................................................................................... 31

4.2. Força Maior e Caso Fortuito ............................................................................... 34

CAPÍTULO II – ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIREITOS FUNDAMENTAIS


E RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ............................................................................... 36

1. Delimitação terminológica: direitos do homem, direitos humanos e direitos


fundamentais ......................................................................................................................... 36

2. A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos


fundamentais ......................................................................................................................... 42

3. Conteúdo e significado da dignidade da pessoa humana ......................................... 48

4. Estado democrático de direito, direitos fundamentais e responsabilidade do


Estado. ................................................................................................................................... 52
CAPÍTULO III – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE
LESÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: PRESSUPOSTOS DA PRETENSÃO
RESSARCITÓRIA .................................................................................................................... 65

1. A conduta lesiva do Estado ensejadora de responsabilidade ............................... 65

1.1. Atividade administrativa lesiva aos Direitos fundamentais ............................ 65

1.1.1. Conduta comissiva lesiva aos Direitos Fundamentais ........................... 67

1.1.2. Conduta omissiva lesiva aos Direitos Fundamentais ............................. 70

1.1.3. O Risco e a lesão aos Direitos Fundamentais ......................................... 74

1.2. Atividade jurisdicional lesiva aos direitos fundamentais ................................. 76

1.3. Atividade legislativa lesiva aos direitos fundamentais .................................... 86

2. O Dano ........................................................................................................................... 89

2.1. O conceito e características do dano patrimonial e do dano moral


indenizável ......................................................................................................................... 90

2.2. O Dano Moral e a Dignidade da pessoa humana ........................................... 96

3. O Nexo causal............................................................................................................. 100

4. A responsabilidade civil objetiva do Estado e a permanência da culpa no direito


moçambicano ...................................................................................................................... 107

CAPÍTULO IV - A REPARAÇÃO DOS DANOS À PESSOA HUMANA: DOUTRINA E A


PRÁTICA DOS TRIBUNAIS MOÇAMBICANOS E BRASILEIROS................................ 113

1. A Organização do Poder Judiciário em Moçambique........................................... 113

2. A reparação dos danos morais ................................................................................ 115

2.1. A Natureza jurídica da Reparação e o problema da quantificação dos danos


à pessoa humana ........................................................................................................... 117

3. A concretização da reparação .................................................................................. 137

4. Teoria da ponderação de princípios: conflitos de direitos fundamentais ........... 142

5. Direito de regresso contra o agente causador do dano ....................................... 147

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 153


BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 157

ANEXO ..................................................................................................................................... 169


4

INTRODUÇÃO

A passagem do Estado liberal para o Estado social, a crise deste e o


crescente aumento dos direitos e garantias individuais, criaram condições para
a gênese do Estado Democrático de Direito, que se orienta, entre outros
princípios, pela dignidade da pessoa humana.

O Estado Democrático de Direito pressupõe uma organização


administrativa, baseada na separação de poderes, no princípio da legalidade e
reconhecimento de direitos e liberdades individuais, e surge como mecanismo
de limitação do poder soberano na relação entre o Estado e o cidadão,
resguardando as garantias, direitos e liberdades fundamentais contra a tirania
ou a ação despótica do poder político. Assim, progressivamente, com o
advento do Estado Democrático de Direito caiu por terra o princípio da
irresponsabilidade do Estado, que se estribava na ideia de soberania da
concepção de Estado Absoluto despótico.

A responsabilidade do Estado é corolário da sujeição de todas as pessoas


públicas e privadas à ordem jurídica, ou seja, o Estado tal como as demais
pessoas jurídicas é um sujeito de direitos e deveres. Assim, diante de um dano
injusto causado pelos seus agentes recai sobre este a obrigação de repará-los.
É nesse contexto, que a maioria das Constituições dos Estados
contemporâneos consagram o princípio da responsabilidade do Estado,
estatuindo a possibilidade de se demandar o Estado, exigindo a indenização
por danos decorrentes de atos (ações ou omissões) dos titulares de órgãos,
funcionários ou agentes, sejam eles atos administrativos (atos jurídicos) ou
atos materiais como, por exemplo, o uso de armas de fogo.

Após a segunda guerra Mundial, foi aprovada a Declaração Universal dos


Direitos do Homem de 1948, reconhecendo e atribuindo proteção internacional
a dignidade da pessoa humana. Inspirados na declaração, grande parte dos
Estados consagrou o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e um núcleo
de direitos e garantias a ele inerente na sua lei fundamental, passando-se da
5

visão universal abstrata dos Direitos Humanos para a positivação concreta nos
ordenamentos jurídicos Estatais.

Neste prisma, subjaz ao reconhecimento tanto no plano nacional, como na


ordem internacional de que todo ser humano tem direitos, fruto da dignidade
patente na humanidade, e que a sua violação ou negação pelo poder público
acarreta a responsabilização do Estado, quer no âmbito do direito interno, bem
como na esfera internacional. Como bem referiu Norberto Bobbio,
hodiernamente, o problema dos direitos fundamentais da pessoa humana já
não é o de reconhecer ou fundamentá-los, mas sim de protegê-los, garantindo
a sua efetiva implementação1.

Contemporaneamente, tem se verificado um aumento de violações dos


direitos e liberdades fundamentais perpetradas por agentes do Estado, e como
consequência algumas ações de responsabilização civil do Estado por tais
violações ofensivas à dignidade da pessoa humana, porém poucos estudos
existem sobre o tema em referência em Moçambique, por isso, dedicaremos a
análise dos seus desdobramentos.

Ao enfrentar o tema em epígrafe, ressaltam problemas recorrentes que


digladiam a doutrina, e que inevitavelmente na nossa abordagem tomaremos
partido, como é o caso do problema liminar da terminologia a adotar, se
responsabilidade civil da administração pública ou do Estado. Seguidamente,
cumpre indagar sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil estatal, ou
seja, se é de direito privado ou público.

Estando em pauta, no presente trabalho, a responsabilidade do Estado por


lesão aos direitos fundamentais, é mister analisar, previamente, qual o
conteúdo e significado da dignidade da pessoa humana. Por outro lado,
importa saber em que condições se pode ensejar Responsabilidade do Estado,
bem como qual a natureza da indenização dos danos morais, e quais os
critérios usados pelos tribunais moçambicanos e brasileiros para a fixação do
quantum indenizatório. Importa, ainda, analisar se o cidadão lesado, em seus

1
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Campus. 1992, pág. 24.
6

direitos fundamentais, poderá demandar diretamente o agente causador do


dano ou só apenas ao Estado.

O regime do Estado Democrático de Direito assenta-se, em tese, na tríplice


reciprocamente interdependente, dos valores da liberdade que implica respeito
pelos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, do poder ou da
autoridade que tendo como fundamento a vontade do povo deve decidir em
prol do interesse coletivo e, por último, a responsabilidade em que o uso
abusivo do poder, bem como da liberdade implica responsabilização pelos
eventuais danos causados2.

Em Moçambique, onde a ideia de democracia é muito recente, tendo sido


implementada há dezenove anos, estes valores ainda não se encontram
consolidados, verificando-se vários exemplos de restrição da liberdade e de
abuso de poder, atuações lesivas aos direitos fundamentais, bem como a
crença de irresponsabilidade dos órgãos do poder público e seus agentes.
Aliado a estes fatores, acresce a fraca consciência jurídica dos cidadãos e a
fraca mentalidade de que os titulares do poder público são servidores, e como
tal estes e as instituições públicas são responsáveis e devem ser
responsabilizados.

Assim, para melhor compreensão e contextualização do tema, tomaremos


como referência o direito vigente na República de Moçambique e na República
Federativa do Brasil, e algumas decisões de tribunais de ambos os países,
embora não se pretenda fazer um estudo de direito comparado, no sentido
clássico da expressão, e sem descurar de outros ordenamentos jurídicos cuja
referência se mostre pertinente à abordagem do tema.

A análise da jurisprudência moçambicana estará centrada na decisão do


processo nº 214/2010-1ª do Tribunal Administrativo de Moçambique, que por
sua importância e ineditismo vem como anexo.

2
QUADROS, Fausto de. Introdução. ``in´´ QUADROS, Fausto de (Cord.). Responsabilidade Civil
Extracontratual da Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1995, pág. 9.
7

Neste contexto, a análise do tema da presente dissertação,


particularmente, enseja dar um singelo contributo ao desenvolvimento do
direito moçambicano, que apesar da consagração constitucional da
responsabilidade civil do Estado, estudos sobre a matéria são praticamente
inexistentes, e salvo raríssimas exceções, a responsabilização do Estado por
danos decorrentes de lesão aos direitos fundamentais é ainda uma utopia, a
ser concretizada. De uma forma geral, a presente dissertação visa dar uma
pequena contribuição para a análise deste remédio constitucional, contra as
condutas dos agentes públicos, lesivas aos direitos elementares da pessoa
humana, a Responsabilidade Civil do Estado.

Cumpre ressaltar, que enquanto no Brasil a responsabilidade do Estado é


objetiva (§ 6º, do art. 37 da CFB/88), em Moçambique ainda é baseada no
pressuposto de existência de culpa do agente do Estado (nº do art. 52 da
CRM/2004).

Como mecanismo conducente à concretização da presente dissertação,


intitulada ``Responsabilidade Civil do Estado por lesão aos Direitos
Fundamentais´´, adotaremos no plano metodológico, a revisão bibliográfica,
bem como o estudo da jurisprudência pertinente.

O trabalho encontra-se estruturado em quatro capítulos, em que no


primeiro será dedicado à análise da responsabilidade civil do Estado em geral,
abordando as teorias que marcaram a sua evolução, passando pelo debate
sobre o ramo a que pertence o instituto da responsabilidade civil do Estado,
bem como a análise das causas de exclusão da Responsabilidade.

No segundo capítulo, dedicar-nos-emos a relação entre Estado


Democrático de Direito, direitos fundamentais e responsabilidade do Estado,
destacando o valor do princípio da dignidade da pessoa humana dentro da
estrutura dos Estados Democráticos de Direito.

No terceiro capítulo, iremos dedicar a análise da responsabilidade civil do


Estado por lesão aos direitos fundamentais, debruçando sobre os pressupostos
da pretensão ressarcitória e a responsabilidade do Estado por atos judiciais e
8

legislativos, e, no quarto e último capítulo, iremos nos ater a Reparação dos


danos à pessoa humana, dando especial enfoque a prática dos Tribunais
moçambicanos e brasileiros, nos quesitos da índole do ressarcimento dos
danos morais, bem como sobre os critérios de quantificação dos danos, e
sobre o direito de regresso contra o agente causador do dano.

Por fim, apresentaremos as ilações finais tiradas do tema em pesquisa, que


apontam para uma evolução do instituto da responsabilidade civil do Estado
por forma a abranger as diversas situações fáticas geradoras de danos, bem
como a necessidade de uma releitura dos critérios de avaliação dos danos
morais à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.
9

CAPÍTULO I – DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

1. A Responsabilidade civil extracontratual do Estado

O Estado tal como as demais pessoas jurídicas é sujeito de direito e


deveres. Assim, sempre que seus agentes violam bens juridicamente tutelados,
quer no âmbito do poder executivo, quer do legislativo ou do judiciário, a este
emerge a obrigação de reparar os prejuízos causados. A abordagem do tema
da presente dissertação se desenvolve a partir da centralidade dos diretos
fundamentais e da tutela desses direitos que deve ser preservada por todos,
sem exceção.

A doutrina digladia-se quanto à denominação a ser dada ao tema, alguns


autores preferem chama-la de ``Responsabilidade Civil da Administração
Pública´´, porque entendem que a maior parte dos casos lesivos à esfera dos
particulares, resultam de atos da Administração Pública e não do Estado como
um ente político3. A respeito da atuação da Administração pública, Juary C.
Silva refere que ``embora sua atividade seja realmente a mais suscetível de
causar danos, não é ela a única a ensejar essa responsabilização 4´´, na
medida em que os atos judiciais e legislativo também podem ser danosos.

Nessa esteira, outros autores preferem empregar a expressão tradicional


``Responsabilidade Civil do Estado´´ por entender que a administração pública
carece de personalidade jurídica, não tem direitos e obrigações na ordem civil,
sendo apenas o Estado, como pessoa jurídica que tem capacidade para

3
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª edição. São Paulo: Malheiros, 1998, pág.
530.
4
SILVA, Juary C. A responsabilidade do Estado por atos Judiciários e Legislativos: teoria da
responsabilidade unitária do poder público. São Paulo: Saraiva, 1985, pág 74.
10

responder civilmente pelos danos causados pelas partes que o compõe


(Executivo, Legislativo e Judiciário) com o fito de exercer suas atribuições5.

Pelo alcance do tema no presente trabalho, examinaremos a


``Responsabilidade civil do Estado´´, pois como refere em nota de rodapé o
Professor Romeu Felipe BACELLAR FILHO ``o rótulo `responsabilidade do
Estado´ abrange toda espécie de responsabilidade: relativa a atividade
administrativa, judicial ou legislativa6´´. Por outro lado, nos ateremos à
modalidade de responsabilidade civil extracontratual, gerada tanto por fatos
lícitos e ilícitos, bem como pelo risco que lesam bens juridicamente tutelados.

Com efeito, entende-se por Responsabilidade Civil Extracontratual do


Estado a obrigação que lhe recai de reparar os danos causados na esfera
jurídica de terceiros, decorrentes de atos lícitos ou ilícitos, comissivos ou
omissivos, materiais ou jurídicos perpetrados por seus agentes, nessa
qualidade7.

Importa aqui, traçar fronteiras entre a Responsabilidade Civil do Estado e o


sacrifício de Direito, por serem figuras afins, mas que não se devem confundir,
na medida em que, no sacrifício do direito a ordem jurídica confere poderes aos
órgãos do Poder público para sacrificar determinados interesses privados,
fazendo incidir sobre este a obrigação de indenizar o titular. Renato ALESSI,
afirma que só se esta em face da figura de responsabilidade do Estado,
propriamente dita, quando um agente do estado viola um direito alheio, visto
que quando não existe violação, mas sim um sacrifício do direito previsto e
autorizado pelo direito, não se cai ao cobro da figura de responsabilidade do
Estado8. Na mesma esteira, o Professor Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO
assinala que

5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: ATLAS S. A, 2003, Pág. 522.
6
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Fórum,
2007, pág. 194
7
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 523.
8
ALESSI, Renato. La responsabilità della pubblica amministrazione. 3ª ed. Milão: Giuffré, 1955, p. 155
11

Não há que falar, pois, em responsabilidade, propriamente dita, quando


o Estado debilita, enfraquece, sacrifica um direito de outrem, ao
exercitar um poder que a ordem jurídica lhe confere, autorizando-o a
praticar um ato cujo conteúdo intrínseco consiste precisa e exatamente
9
em ingressar na esfera alheia para incidir sobre o direito de alguém .

Ora, Bandeira de Mello elucida que o sacrifício de direito, por sua vez,
não se pode confundir com a responsabilidade civil do Estado por fatos lícitos,
pois neste caso o poder conferido ao Estado não tem como escopo último a
lesão a um direito alheio, mas esta decorre de forma indireta, e como corolário
do exercício legítimo do poder outorgado10, ou seja, é atribuído ao Estado um
poder para exercer determinados atos que não visam sacrificar ou debilitar
determinado bem juridicamente tutelado, podendo, no entanto, provocar danos
como mero resultado ou consequência da ação legitima cuja obrigação de
indenizar11 recai sobre o Estado.

É de salientar que a responsabilidade civil do Estado por fatos lícitos


nem sempre foi admitida pela doutrina e pelos ordenamentos jurídicos dos
diversos Estados, pois na sua gênese, a responsabilidade civil do Estado
apenas se centrava em fatos ilícitos, como demonstraremos na análise da
construção histórica desse instituto.

9
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros,
2010, pág. 994
10
Idem, pág. 995.
11
A doutrina italiana faz a destrinça terminológica entre indenização e ressarcimento, reservando
aquela para os casos de sacrifício de direito e esta para o os casos de responsabilidade propriamente
dita, distinção essa não acolhida pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Ob. cit. pág. 995, e
que nos subscrevemos a sua posição. Mais adiante, quando abordarmos a questão do dano
precisaremos a distinção entre indenização e ressarcimento.
12

2. As teorias que marcaram as fases históricas da responsabilidade


civil do Estado

2.1. Teoria da irresponsabilidade

As transformações do Estado, desde o modelo de Estado absoluto,


passando pelo Estado liberal do Direito ao Estado social e a lenta construção
do Estado Democrático de Direito, deixaram marcas no tratamento da
responsabilidade do Estado. Essa questão de índole política se reflete nas
teorias da responsabilidade civil do Estado.

Hodiernamente, é comumente aceite pela doutrina e pela jurisprudência da


grande maioria dos Estados modernos a teoria da Responsabilidade Civil do
Estado por atos praticados pelos seus agentes, porém nem sempre foi assim.

Historicamente, o Estado não podia ser responsabilizado por danos


causados aos cidadãos, por atos dos seus agentes ou órgãos. Esta teoria da
irresponsabilidade do Estado estava alicerçada na ideia de soberania e de uma
concepção absolutista do Estado, segundo a qual o Estado dispõe de poderes
e de autoridade incontestável perante o súbito, que sendo o garante do direito
não poderia errar. Esta concepção de um Estado despótico e absolutista
colocava os monarcas e agentes acima da lei, não podendo ser
responsabilizados por qualquer que fosse o dano causado, com fundamento
em princípios, como o que se usava na Inglaterra, de que o Rei não podia errar
- The King can do no wrong12. Sobre essa visão ilusória se cultuava a
inimputabilidade do poder público.

Vários foram os autores que na segunda metade do século XIX, se


desdobravam em argumentos diversos, defendendo a ideia da
irresponsabilidade do Estado, dentre os partidários desta corrente, destacaram-

12
Cfr. CRETELA JUNIOR, José. O Estado e a Obrigação de Indenizar. São Paulo: Saraiva, 1980, págs. 60-
61.
13

se Richelmann, Bluntschli, Gabba, Manttellini e Saredo, como bem descreve


Amaro Cavalcanti13.

Com efeito, Cavalcanti apresenta os pontos comuns em que se


estribavam os defensores da doutrina em epígrafe, sendo primeiro, o fato de
considerarem que o Estado carece de um dos requisitos básicos de
imputabilidade, o da existência efetiva de vontade, não podendo assim, ser
chamado a responder por atos lesivos de direitos alheios. Esta visão resultava
da noção errônea de que o Estado sendo uma ficção legal, era incapaz de ter
vontade própria14.

Por outro lado, afirmavam que agindo o Estado por meio de


representantes legais (os funcionários), não cabe dentro dos poderes da
representação, o de cometer atos ilícitos, e por isso os danos que possam advir
da prática de tais atos devem ser exclusivamente imputáveis aos funcionários
excluindo-se qualquer responsabilidade do Estado. Aduziam, também, o fato
de não existir no Direito Romano, disposição expressa que admitisse a
responsabilidade por atos lesivos de seus representantes15.

Como se pode depreender, a teoria da Irresponsabilidade absoluta do


Estado assenta-se em dois postulados, na soberania do Estado, que dentro da
ideia de Estado Absoluto, não se aventava qualquer tipo de responsabilidade
do Estado, e na representação, na medida em que, se entendia que não cabe
dentro dela os poderes de praticar atos ilegais, imputando-se tais atos
exclusivamente aos próprios funcionários, bem como pela visão de que sendo
o Estado o criador e exercendo a tutela do Direito não podia atentar contra a
ordem jurídica.

Nesta fase histórica, a irresponsabilidade era um axioma cuja


legitimidade não podia ser posta em causa, e a existência de uma
responsabilidade pecuniária a cargo do patrimônio público era considerada

13
CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade Civil do Estado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1957, Tomo I págs. 147-
160.
14
Idem, págs. 159
15
Idem, págs. 159-160.
14

como um perigoso entrave à liberdade dos serviços, e os administrados só


podiam apelar a uma ação ressarcitória contra o agente causador do dano16.

Os argumentos apresentados pelos principais defensores da teoria da


irresponsabilidade foram ultrapassados pela doutrina, e hodiernamente tal
teoria se apresenta arcaica, não se compaginando com os princípios que
norteiam os Estados contemporâneos, pois sendo este sujeito de direitos
também recai sobre si um núcleo de obrigações, tal como podemos demonstrar
recorrendo à autoridade de CAVALCANTI ao asseverar que

A Teoria da irresponsabilidade do Estado, incondicional, absoluta,


pelos atos dos seus representantes, embora lesivos dos direitos de
outrem, não pode ser a regra do Estado, notadamente do Estado
moderno, dados os princípios sociológicos e jurídicos, sobre os quais
assenta a sua construção. Por mais elevado que seja o conceito que se
queira formar da soberania do Estado, ``summum imperium, summa
potestas´´, semelhante conceito não pode ir até ao ponto de excluir a
ideia de justiça; porque o Estado é antes de tudo, a pessoa de direito
17
por excelência .

De fato, a teoria da irresponsabilidade do Estado só podia vincar antes


da ideia de subordinação do Estado ao Direito, como bem afirma Juarey C.
Silva ``antes de surgir o conceito de Estado liberal e submisso ao direito, seria
prematura a ideia de responsabilizar o poder público por atos dos seus
agentes, ainda que flagrantemente ilegais18´´, o que, evidentemente, não se
admite no cenário jurídico atual.

A Inglaterra e os Estados Unidos da América que secularizavam no seu


direito interno a doutrina da irresponsabilidade do Estado, abandonaram-na,

16
DUEZ, Paul. La responsabilité de la puissance publique. Paris: Dalloz, 1926 V/1 e 2 apud CAHALI, Yussef
Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 21.
17
CAVALCANTI, Amaro. Ob. cit. pág. 163.
18
SILVA, Juarey C. ob. cit. pág. 74
15

respectivamente, pelo Crown Proceeding Act, de 1947, e pelo Federal Tort


Claims Act, de 194619.

Com efeito, a teoria da irresponsabilidade absoluta do Estado não teve


guarida no Ordenamento Jurídico de Moçambique, uma república que nasceu à
25 de Junho de 1975 com a proclamação da Independência e entrada em vigor
da primeira constituição do país.

Apesar da Constituição de 1975 ser omissa quanto a possibilidade de se


responsabilizar civilmente o Estado, visto que no momento histórico, a maior
preocupação do legislador constituinte era o da construção de um Estado novo,
livre de toda a forma de opressão, bem como na consolidação da
independência nacional, o Código Civil de 1966 aprovado pelo Decreto-Lei nº
47344, de 25 de Novembro de 1966 pelo Governo de Portugal e estendido à
Moçambique (na altura Colônia de Portugal) pela Portaria nº 22869, recebido
no ordenamento jurídico pela Constituição de 1975, cuja vigência permanece
até os dias de hoje, já disciplinava a responsabilidade civil do Estado pelos
danos causados por seus agentes, representantes ou órgãos no exercício de
atividades de gestão privada, ou seja, apenas regulava a responsabilidade civil
do Estado por atos de gestão privada, deixando uma lacuna na regulação dos
atos de ius imperi, como detalhadamente analisaremos no próximo ponto.

No Direito Brasileiro, por sua vez, a teoria da irresponsabilidade absoluta


jamais logrou ser consagrada ou mereceu acolhida pela jurisprudência20. Já a
Constituição Republicana de 1891, dispunha no seu artigo 82º sobre a
responsabilidade dos funcionários, resultantes de abusos ou omissões no
exercício das suas funções, e o Código Civil de 1916 veio confirmar e
disciplinar de forma mais clara a questão da responsabilidade do Estado. O
direito brasileiro apesar de profundamente marcado de romanismo, ``temperou-

19
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. pág. 531.
20
BARBOSA, Rui. A culpa civil das Administrações públicas. Pág. 60 ``In´´ Obras Completas, 1948. V.25, t.
5 apud Cretella Junior. Ob. cit. pág. 186 afirma que ``pelo dano causado ao direitos dos particulares, não
hesitou jamais a justiça brasileira em responsabilizar municipalidades, províncias e Estados, o Governo
império, o da República... ´´
16

se continuadamente com os elementos liberais que contribuíram na formação


do pensamento nacional, que, assim, sempre se opôs a tais manifestações de
privilégios regalistas21´´. A assunção da responsabilidade do Estado foi gradual,
sendo inicialmente parcial e subjetiva, como a seguir demonstraremos.

2.2. Teorias civilistas

Os civilistas destacaram-se nessa fase, opondo-se à irresponsabilidade


absoluta do Estado, porém sem com isso pregarem a responsabilidade civil
total do Estado, visto que na base desta teoria estava a categorização de dois
domínios distintos patentes na pessoa coletiva Estado, ou seja, o domínio
público e o domínio privado. Com efeito, é inegável o papel preponderante que
desempenharam, estando na origem da aceitação do princípio da
responsabilidade civil do Estado.

Os partidários dessa teoria distinguiam as formas de atuação da


administração defendendo que só se podia responsabilizar civilmente o Estado
por danos causados por atos de gestão privado, estribando-se em princípios do
direito privado de responsabilidade de terceiro (comitente, representante ou
mandante, etc)22. Com efeito, vislumbra-se desta teoria que na prática de atos
de gestão, o Estado age em igualdade com os particulares, podendo assim,
chamar-se a colação o princípio da responsabilidade civil nas mesmas
condições que um ente privado, desde que havendo culpa do funcionário ou
agente estatal.

Outrossim, rechaçavam a responsabilidade do poder público por donos


causados na prática de atos de império, pois nesses casos o Estado estaria a
agir no exercício da sua soberania, como poder supremo, por isso os atos não

21
Idem
22
Cfr. CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pág. 23.
17

seriam passiveis de qualquer julgamento, e nem de gerar obrigação de reparar,


mesmo quando causassem danos aos súditos.

Cretella Junior ressalta o fato de que apesar da apregoada divisão dos


atos administrativos em atos de império e atos de gestão ter feito carreira na
história do direito francês, enormes são as dificuldades que a doutrina e a
prática encontram para delimitar com precisão o campo daqueles dois tipos23.
Por outro lado, para Amaro Cavalcanti ``partir simplesmente da distinção dos
atos para afirmar a responsabilidade do Estado pelos atos de gestão e sua
irresponsabilidade pelos de império, deixa evidentemente muito a desejar,
como sistema de justiça distribuitiva24´´, mormente porque todos os atos são
atos do Estado e este quer numa, ou noutra forma de atuação é sempre o
Estado, não podendo na prática de atos de império violar impunemente os
direitos dos particulares, sem com isso se submeter ao crivo jurisdicional.

Para CAHALI, essa teoria ``conquanto tenha tido mérito de representar


uma fenda no princípio da irresponsabilidade, acabou sendo descartada em
razão da insuficiência de seus enunciados25´´, bem como, pela dificuldade
prática em distinguir, usando critérios objetivos os atos de gestão dos de
império, visto que várias vezes estes atos apresentam-se intimamente ligados.

A fase em epígrafe era de fundo individualista, assente na


responsabilidade subjetiva em que a obrigação de indenizar era em razão de
danos causados por um procedimento ilícito comissivo ou omissivo, culposo ou
doloso. Quer dizer, era necessário identificar a culpa individual para deflagrar-
se a responsabilidade do Estado, ficando esta teoria muito aquém de dar uma
solução cabal ao problema da responsabilidade civil do Estado, mormente nos
casos de faute de service (Culpa de serviço ou ``falha de serviço´´) quando os
serviços públicos não funcionam, ou funcionam mal ou funcionam atrasados, o

23
CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit. pág. 68.
24
CAVALCANTI, Amaro. Ob. cit. pág. 14.
25
CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pág. 23.
18

que representou um elo entre a responsabilidade tradicional do direito civil e a


responsabilidade objetiva26.

Em Moçambique, a teoria civilistica teve acolhimento no ordenamento


jurídico, visto que o Código Civil de 1966, ainda vigente, remete a
responsabilidade civil do Estado e de outras pessoas coletivas públicas ao
regime de responsabilidade do comitente pelos danos causados pelos seus
comissários, reconhecendo apenas a obrigação de indemnizar nos danos
causados no exercício de atividades de gestão privada27.

A Constituição da República de Moçambique de 199028 veio disciplinar


no artigo 97º a responsabilidade do Estado, estatuindo que ``O Estado é
responsável pelos danos causados por atos ilegais dos seus agentes, no
exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso nos termos da
lei´´, abrangendo assim os atos de império, porém deixado de fora os atos
legais ou decorrentes do risco da atividade administrativa, ou seja, o legislador
constituinte estabelece ainda como requisito para a responsabilização do
Estado a culpa individual do agente. A redação deste artigo foi mantida na atual
Constituição de Moçambique, aprovada em 2004.

26
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. 1002-1003.
27
A redação dada nos artigos 500 e 501 do Código Civil Moçambicano tem a seguinte redação:
Artigo 500º (Responsabilidade do comitente)
1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa,
pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de
indemnizar.
2. A responsabilidade do comitente só existe se o fato danoso for praticado pelo comissário, ainda
que intencionalmente ou contras as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi
confiada.
3. O comitente que satisfazer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de
tudo quanto haja pago, exceto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável
o disposto no nº 2 do artigo 497º.
Artigo 501 (Responsabilidade do Estado e de outras pessoas coletivas públicas)
O Estado e demais pessoas coletivas públicas, quando haja danos causados a terceiro pelos seus órgãos,
agentes ou representantes no exercício de atividades de gestão privada, respondem civilmente por esses
danos nos termos em que os comitente respondem pelos danos causados pelos comissários.
28
Depois da Independência de Moçambique em 1975, a Constituição de Moçambique estabelecia um
regime monopartidário, de orientação marxista-leninista, daí que em 1976 eclodiu uma guerra civil que
durou 16 anos, para a introdução de uma democracia multipartidária, o que culminou com a aprovação
da Constituição de 1990, e posterior assinatura do Acordo geral de Paz em 1992 e a realização em 1994
das primeiras eleições multipartidárias em Moçambique.
19

Um dos pressupostos para deflagrar a responsabilidade do Estado pelos


atos de gestão privada, impostos pelo Código Civil moçambicano, é o de recair
sobre o funcionário ou agente a obrigação de indemnizar, o que tem levantado
dúvidas relativamente à questão de saber se o funcionário ou agente responde
regressivamente em casos em que os danos tenham sido causados sem culpa.
No que concerne a este aspeto, MENEZES LEITÃO entende que para se
ensejar a responsabilidade do Estado exige-se um comportamento culposo do
funcionário ou agente, pois o legislador ao estatuir que afasta-se o direito de
regresso do Estado quando este tiver também culpa, parece pressupor a culpa
do agente, ou seja, não é necessário uma demonstração efetiva de culpa do
comissário, bastando apenas uma culpa presumida29.

Por outro lado, o autor em referência entende ser duvidoso o exercício


do direito de regresso em casos de danos causados pelo risco, pois a
responsabilidade caberia ao Estado visto que usufrui dos benefícios de tal
atividade30. Ora, as Constituições da República de Moçambique de 1990 e de
2004, vem colocar fim a estas questões, estatuindo apenas uma
responsabilidade calcada na culpa do agente, ou seja, em atos ilegais.

No direito Brasileiro, a teoria civilística também vincou. O Código Civil de


1916, que era remarcado pelo contexto individualista, dispunha no artigo 15
que as ``As pessoas jurídicas de Direito público são civilmente responsáveis
por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito
por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano´´, fazendo assim
emergir a responsabilidade das pessoas coletivas de Direito Público em caso
de culpa ou dolo dos seus agentes, este artigo foi reproduzido no artigo 43 do
Código Civil Brasileiro de 2002.

Neste prisma, Clovis Bevilaqua entende que a exigência de que o ato


causador seja um ato ilícito do representante do poder público,`` pressupunha

29
Idem, pág. 365
30
Idem, pág. 365.
20

que o ato seja injusto, ou por omissão de um dever prescrito em lei, ou por
violação do direito31´´. A doutrina de responsabilidade subjetiva, que
pressupunha a existência de dolo ou culpa do agente para emergir a
responsabilidade do Estado foi afastada com o advento da Constituição
Federal Brasileira de 1946 e, contemporaneamente, a Constituição Federal de
1988 seguiu a mesma orientação.

As teorias civilisticas foram sendo ultrapassadas pela grande maioria


dos Estados, com o alargamento da responsabilidade do Estado para o
domínio do Direito público, restando assim, a teoria da responsabilidade sem
culpa como a única compatível com a natureza das pessoas coletivas de direito
público, dada a sua posição e os privilégios administrativos de que o particular
é desprovido32.

2.3. Teorias publicísticas

Nesta fase, a partir da segunda metade do século dezanove, na Europa,


a Responsabilidade do Estado emerge no campo do Direito público incutido de
alguns princípios a ele inerente. José Dias de AGUIAR, entende que constitui
uma ``fase de Direito público, onde se afirma a predominância do direito social,
a que deu impulso e sistematização o notável trabalho da jurisprudência do
Conselho de Estado Francês33´´. A teoria civilista do direito comum foi
ultrapassada pela doutrina, com a noção francesa de faute du service (falha do
serviço), que Paul Duez sistematizou em três modalidades, nomeadamente,
quando este não funciona (culpa in ommittendo), quando funciona mal (culpa in

31
BELAVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Paulo de
Azevedo, 1956 pág. 173
32
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. pág.
33
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11ª ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006,
página 773
21

committendo) ou funciona atrasado34. Esta visão permitiu haver uma


despersonalização da culpa do agente, tornando-a anônima, considerando-se
assim culpa da maquina administrativa ou genericamente acidente de serviço.
A despersonalização da culpa representou uma evolução significativa no
instituto da Responsabilidade do Estado, pois, como sustenta Weida Zancaner
BRUNINI que na doutrina anterior

(...) a necessidade de ocorrência de culpa bem como de


individualização ao agente culpado, tornava frágil o direito do lesado,
sendo que muitas vezes a ação deste era virtualmente impossível, pois
uma vez não dispondo de meios para localizar o agente culpado, tinha
a sua pretensão denegada pelos tribunais, não recebendo portanto
guarida, em muitos casos, a justa pretensão ressarcitória do lesado,
35
que se via privado de remédio legal que sanasse suas perdas .

Depreende-se que, a teoria da faute du service, ante a anterior visão,


veio alargar o âmbito de proteção do cidadão, exigindo-se apenas a culpa
anônima do serviço. Nesta esteira, Aguiar Dias assinala que

a teoria da falta do serviço público, elaborada na frança, pelo conselho


de Estado, como concepção autônoma, se caracteriza, segundo
insigne Paul Duez, pelos seguintes pontos essências: 1. A
responsabilidade do serviço público é uma responsabilidade primária;
2. A falta do serviço não depende da falta do agente. É suficiente
estabelecer a má condição do serviço, o funcionamento defeituoso a
36
que se possa atribuir o dano .

34
DUEZ, Paul. La responsabilité de la Puissance Publique. Paris: Dalloz, 1927, p. 15 apud¸ Bandeira de
Mello, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. p 1005
35
BRUNINI, Weida Zancaner. Da responsabilidade Extracontratual da Administração Pública. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1981, pág. 24.

36
DIAS, José de Aguiar. Ob. cit. pág. 789
22

Recorrendo aos ensinamentos do Professor Celso Antonio Bandeira de


Mello, importa salientar que a faute du service ``não é de modo algum,
modalidade de responsabilidade objetiva...é responsabilidade subjetiva porque
baseada na culpa (ou dolo)...37´´, elemento tipificador da responsabilidade
subjetiva.

O referido autor aponta algumas das prováveis razões para o equivoco


que se tem propalado na doutrina em considerar a faute du service como
modalidade de responsabilidade objetiva, sendo primeiro, a tradução
defeituosa da palavra faute que em francês é tida como culpa, erro ou falha e
não falta (ou ausência), como é inadequadamente traduzida pela doutrina
Brasileira. O outro fator prende-se com o fato de existir presunção de culpa em
casos de responsabilidade por faute du service, uma vez que é difícil
demonstrar que os serviços atuaram abaixo dos padrões exigidos, ou com
negligência, imprudência ou imperícia, quer dizer, culposamente38.

Assim, a presunção da culpa não elide a índole subjetiva da


responsabilidade, pois se a administração pública demonstrar que agiu com
diligência, pericia e prudência estará isenta de responsabilidade, o que não
seria aplicável nos casos de responsabilidade objetiva39.

No entanto, a ideia da responsabilidade do Estado, depois de admitida


no século dezanove, expandiu-se, evoluindo de uma responsabilidade
subjetiva, baseada na culpa, para uma responsabilidade objetiva, alicerçada na
simples relação de causa e efeito entre o comportamento da pessoa coletiva de
direito público e o evento danoso40. Foi ampliada a proteção concedida ao
cidadão, passando a obrigação das pessoas coletivas de direito público
indemnizar, a brotar em razão de procedimento lícito ou ilícito, ou ainda do
risco, desde que produza danos na esfera jurídica dos administrados, bastando
para tal uma mera relação causal entre o comportamento da administração

37
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1003
38
Idem, pág. 1004
39
idem
40
Idem, pág. 1002
23

pública e o evento danoso, ou seja, a responsabilidade passou a ser a título


objetivo na modalidade de risco administrativo.

Assim, a teoria do risco administrativo não exige a culpa do serviço, ou


falha de serviço, nem a culpa do funcionário, bastando à verificação do nexo
causal entre o evento danoso e o resultado lesivo41. Basta que a vítima
demonstre a ocorrência de um dano injusto na sua esfera jurídica em
decorrência da ação ou omissão do Poder Público. O fundamento desta teoria
é o risco ou solidariedade social e o princípio da igualdade em que deve se
repartir por todos os gravames injustos, imposto a apenas um cidadão ou grupo
de indivíduos. Contudo, esta teoria permite a atenuação da responsabilidade,
desde que o poder público demonstre a concorrência de culpa do lesado42.

A responsabilidade civil objetiva da administração foi sendo alargada,


surgindo uma nova modalidade a teoria do risco integral que não admite
qualquer investigação acerca de elementos subjetivos sobre a conduta da
vitima ou do agente, ou das circunstâncias em que se verificou o dano. Assim,
Meirelles ensina que

a teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina de risco


administrativo, abandonada na prática por conduzir a abuso e à
iniquidade social. Por essa forma a administração ficaria obrigada a
indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que
43
resultante de culpa ou dolo da vítima .

O Professor Romeu Felipe Bacellar Filho classifica a teoria do risco


integral como ilimitada e a do risco administrativo, como de responsabilização

41
Neste sentido Meirelles, Heley Lopes. Ob. cit. p. 532, refere que ``na teoria da culpa administrativa
exige-se a falta de serviço; na teoria da culpa administrativa exige-se, apenas, o fato de serviço. Naquela
a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da administração´´.
42
Idem, pág. 532
43
Idem, pág. 533
24

mitigada, pois a responsabilidade civil do Estado é mitiga quando presentes


elementos subjetivos, como seja, a culpa do lesado44.

O Direito moçambicano, não adotou a doutrina do risco administrativo,


nem a do risco integral, permanecendo ainda emperrada nos pressupostos das
teorias civilísticas, visto que é ainda necessária a investigação dos elementos
subjetivos da conduta do agente, ou seja, apenas em caso de dolo ou culpa do
agente é que emerge a obrigação de indenizar, pois a atual Constituição da
República de 2004, estabelece no nº 2 do artigo 58º que ``O Estado é
responsável pelos danos causados por atos ilegais dos seus agentes, no
exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso nos termos da
lei´´.

Ora, importa referir que o termo agente aqui empregue, tal como no
direito brasileiro, é em sentido amplo, abrangendo tanto a funcionários públicos
no sentido técnico da palavra e demais servidores do Estado. Todavia, a
afirmação expressa que a conduta ensejadora de responsabilidade civil do
Estado deve ser ilícita, deixa o administrado numa posição precária, pois os
danos causados por fatos lícitos, bem como pelo risco da atividade
administrativa não cabem reparação, como afirma Menegale ``a
Responsabilidade do funcionário público é o substractum da reponsabilidade
do Estado; onde, de fato, não houver responsabilidade direta do funcionário,
não pode haver responsabilidade indireta do Estado45´´, deixando um grande
espaço para injustiças. Essa situação não se compagina com a fase atual do
instituto em análise, bem como com os ditames do Estado Democrático do
Direito.

No ordenamento jurídico Brasileiro, a doutrina e a jurisprudência


preponderante, defendem a responsabilidade objetiva do Estado como regra,
desde a aprovação da Constituição de 1946 (art. 194), e posteriormente a
Carta de 1969 (art. 105), dita Emenda 1 à ``Constituição´´ de 1967 (art. 105),

44
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 193.
45
MENEGALE. J. Guimarães. Direito Administrativo e ciência da administração. 3ª ed. 1957, pág 109.
25

cujos artigos, correspondem ao atual art. 37, § 6º, no qual se estatui in verbis:
"As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo e culpa". É de salutar a retirada, pelo
legislador constituinte brasileiro, do requisito contido no artigo 15 do Código
Civil de 1916, segundo o qual a ação a responsabilidade incidiria se o
funcionário estivesse ``procedendo de modo contrario ao Direito ou faltando ao
dever prescrito por lei´´, na medida em que afastou a ideia de que o estado só
seria chamado a responder em caso de culpa do agente. Outrossim, o
legislador alargou o âmbito da responsabilidade civil do Estado as pessoas
coletivas de direito privado prestadoras de serviço público.

A Doutrina é mais ou menos unanime quanto a modalidade de


responsabilidade objetiva do Estado vigente no sistema brasileiro. José de
Aguiar Dias entende que a modalidade do risco administrativo é a consagrada
no Direito Brasileiro, tal como no inicio do século passado já advogava o Amaro
Cavacanti46. No mesmo sentido entende Celso António Bandeira de Mello que
considera que, na esteira das constituições anteriores, a constituição de 1988
orientou-se pela doutrina do Direito público e manteve a responsabilidade civil
objetiva, sob a modalidade do risco administrativo, não tendo acolhido a teoria
do risco integral47. Também neste sentido entendem os Professores, Romeu
Bacellar Filho48, Hely Lopes Meirelles49, dentre outros.

Se o debate da mais autorizada doutrina brasileira sobre a modalidade


de responsabilidade civil do Estado adotada pelo legislador constituinte é
pacífico, o mesmo já não se pode dizer relativamente à natureza jurídica da
responsabilidade civil do Estado, que abordaremos no ponto a seguir.

46
DIAS, José de Aguiar. Ob. cit. pág 800 e segs.
47
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 998
48
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. ob. cit. pág. 195.
49
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. pág. 535.
26

3. Responsabilidade civil do Estado: uma questão de direito privado


ou direito público

A grande maioria dos Estados contemporâneos consagra em seus


ordenamentos jurídicos o princípio da responsabilidade do Estado, porém a
doutrina digladia-se quanto à natureza jurídica da responsabilidade civil do
Estado, estando ainda longe de ser um debate assentado, visto que ainda nos
dias em que correm tem alimentado grandes controvérsias entre doutos
doutrinários, uns defendo a regulação da matéria da responsabilidade civil do
Estado, de maneira exclusiva pelo direito civil, e com maior acuidade, outros
defendendo a aplicação exclusiva do Direito Público, ou ainda defendendo a
regulação por ambos os ramos de Direito.

Como facilmente se pode depreender da evolução histórica da


responsabilidade civil do Estado, ela teve a sua origem no âmbito do Direito
Privado, e seu cunho publicístico tem gênese estribada no caso arresto Blanco,
em que o Tribunal de conflito francês, em Fevereiro de 1873, reconheceu a
responsabilidade do Estado, baseada em princípios do Direito Público50. Pese
embora esta evolução da responsabilidade do Estado, algumas ordens
jurídicas, como são os casos da moçambicana e da brasileira, permanecem
numa posição dúbia, regulando a matéria tanto no código civil e nas
Constituições, o que tem alimentado largos debates. Assim, no entendimento
do Professor Romeu Felipe BACELLAR FILHO

A responsabilidade no exercício da função administrativa decorre


diretamente do texto constitucional(...) ainda que o novo código civil
normatize a respeito, a matéria não é própria do Direito Civil (o
conteúdo prevalece sobre a forma, a codificação na Lei Civil não lhe
confere substancia civil) e, mais, a aplicação do Código Civil depende
51
de um juízo em conformidade e adequação com a constituição(...)

50
CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit. 93-94.
51
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o novo Código Civil. Ob. cit. pág. 198
27

O professor Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO assinala que ``um


dos pilares do moderno Direito Constitucional é, a sujeição de todas as
pessoas, públicas ou privadas, ao quadro da ordem jurídica...52´´, quer dizer, as
pessoas coletivas estão subordinadas a todo arcabouço legislativo. No entanto
sem se posicionar, categoricamente, no debate em epigrafe, o referido autor
entende que a responsabilidade do Estado é mais extensa que a aplicada aos
particulares, visto que é regida por princípios próprios, possuindo assim
fisionomia própria, que se compaginam com a singularidade da posição jurídica
do Estado53.

Com efeito, José de Aguiar DIAS defende a regulação exclusiva do


instituto da Responsabilidade civil do Estado pelo Direito público,
particularmente, o direito administrativo, assim de forma categórica afirma que
``a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público é problema do
direito administrativo54´´. O referido autor sustenta a sua posição no fato
daquele ramo de direito apresentar regras especiais relativas à
responsabilidade, bem como fundamentos e justificativas não admitidas no
direito civil. Outrossim, o autor considera o tema melhor situado na
constituição, que no código civil, em virtude deste se destinar,
especificamente, a regular as relações de direito privado55. Sem embargo, as
fronteiras entre o Direito privado e o Direito Público são permeáveis, não sendo
tão rígidas, mantendo por isso, alguns pontos de contato.

Nesta esteira, no entendimento do Professor Romeu Felipe Bacellar


Filho, a matéria da responsabilidade civil do Estado integra o direito
administrativo, porém admite a aplicação subsidiaria do Direito Privado56. É de
convir esta incidência do Direito Privado, ainda que de forma subsidiaria no

52
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 996
53
Idem, págs. 996-997
54
DIAS, José de Aguiar. Ob. cit. pág. 772.
55
Idem, pág. 773
56
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o novo Código Civil. Ob. cit. pág. 195.
28

instituto da responsabilidade civil do Estado, pois a ordem jurídica é uma só, e


como corolário do Estado Democrático de Direito, o Estado deve estar sujeito a
Constituição, as leis e aos princípios gerais do Direito.

Outrossim, a natureza da Responsabilidade Civil do Estado é em si


eclética, como já no inicio do século passado nos ensinava o Professor Amaro
Cavalcanti que as relações ligadas a responsabilidade civil do Estado são,
``públicas, enquanto se referem ao Estado ou ao funcionário; privadas,
enquanto se referem ao valor de danos e lesões de direitos, pertencentes a
indivíduos privados57.´´

No mesmo diapasão, porém, muito incisivo foi Juarey C. Silva ao


asseverar que a responsabilidade civil do Estado entrosa-se ``com todos os
segmentos do Direito onde couber o problema do dano, como antecedente, e o
do ressarcimento, como consequente (...)58. Todavia, Silva realça ``que cada
ramo estudará a responsabilidade civil de acordo com o seu método e enfoque
característico, sem estar vinculado a formulação tradicional59´´. Yussef Said
CAHALI defende a natureza eclética da responsabilidade do Estado, como se
pode constatar ao afirmar que

Fieis ao primado do direito civil como direito comum da tradição


romanística, e convictos de que a divisão do direito visa mais
precipuamente a finalidades metodológicas e didáticas, somos
daqueles que – em posição reconhecidamente não ortodoxa -
continuam entendendo que o instituto da responsabilidade civil do
Estado ainda conserva os vínculos de filiação natural às suas origens
civilísticas; tolera-se, é certo – e em matéria de concessões o direito
civil foi sempre pródigo -, a pretensão dos publicistas em simplesmente
adotá-lo; mas condenamos a voracidade dos administrativistas que
pretendem transforma-lo em filho ingênito do Direito Público,
desconhecendo ou olvidando que os princípios fundamentais que hoje

57
CAVALCANTI, Amaro. Ob. cit. pág. 366.
58
SILVA. Juarey C. ob. cit. pág. 31.
59
Idem
29

remarcam o instituto foram elaborados pelo direito privado comum da


60
responsabilidade civil, a partir do século passado .

Subjaz do pensamento de Cahali que a responsabilidade civil do Estado,


conserva em certa medida, os traços da sua origem civilisticas, não devendo
ser considerado como um instituto nato do Direito Público. igualmente, o
referido autor assevera que o conceito da responsabilidade civil do estado é
unitário, sendo hodiernamente visto em função da pessoa que sofreu o dano,
do que do sujeito causador do dano61.

Por outro lado, afirma que as concepções subjetivas foram sendo


ultrapassadas, dando lugar as concepções solidarias, inspiradas no risco
criado, risco-proveito, da atividade perigosa, do dano injusto, da socialização
do dano o que abriu caminho para a responsabilidade objetiva em todos os
setores do direito62.

Nesse passo Leguina Villa, entende que é incorreto falar de certa


especialidade, quando a responsabilidade recai sobre o Estado, pois no seu
entendimento o que tem variado é a função dada ao instituto ao longo do
tempo pelo direito, em virtude da mudança de contexto social. Defende, por
isso, a inserção do instituto da responsabilidade civil na Teoria Geral do Direito
porque o seu fundamento, finalidades e princípios que lhe informam transcende
os diversos ramos de direito63.

Quanto a nós, somos partidários da ideia de que a divisão do direito em


público e privado, tem escopos didáticos e metodológicos, sendo por isso o
direito uno. O direito constitucional tem fortificado cada vez mais esta ideia de
unicidade, verificando-se com maior acuidade a constitucionalização de
institutos próprios de direito privado, com o fito de conferir-lhes dignidade
constitucional.

60
CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pág. 27.
61
Idem, pág. 28
62
Idem
63
VILLA, Leguina. La responsabilidad civil de la Administración Pública. Madrid: Tecnos, 1970 pág. 117
apud CAHALI, Yussuf Said. Ob. cit. pág. 28
30

No entanto a grande maioria dos institutos, como a família, a propriedade,


não perdem a sua índole privada. Já a responsabilidade civil do Estado, teve a
sua gênese no direito privado, porém foi evoluindo e alargando o seu âmbito,
seus fundamentos e princípios que o regem, transformando-se num instituto
que vai repassando tanto as esferas do Direito Privado, como as do Direito
Público. Contemporaneamente, ganhou um maior e distinto pendor publicístico.
Todavia, são princípios e normas de direito privado que definem o valor e
apuração dos danos sofridos pelos particulares, e princípios e normas do
direito público que em razão da posição do Estado oferecem uma proteção
ampla ao particular.

4. As causas excludentes e atenuantes da responsabilidade civil


do Estado aplicadas à lesão aos direitos fundamentais

Como questão prévia a análise das causas que exoneram o Estado da


obrigação de Indenizar, importa referir que com a aceitação por parte da
doutrina e a consagração expressa da teoria da responsabilidade objetiva do
Estado, em grande parte dos ordenamentos contemporâneos, é de importância
prática e doutrinal residual falar de causas de exclusão da ilicitude, exceto em
ordenamentos como o moçambicano que consagram a responsabilidade
subjetiva.
O comportamento ilícito é aquele que é contrário ao direito (comportamento
objetivamente ilícito) e que pode ser imputável ao agente através de um juízo
de valor que só é possível se a conduta resultar de ato humano, livre e
consciente64.

64
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil.
Coimbra: Almedina, 1995, págs. 63-65.
31

As causas da exclusão da ilicitude quando verificadas descaracterizam o


caráter ilícito da conduta estatal, tronando-a lícita65, enquanto que sob o
auspício da responsabilidade objetiva, estes elementos são irrelevantes, visto
que o Estado responde por danos decorrentes de atos lícitos, bem como por
danos propiciados pelo risco, bastando apenas à verificação do nexo causal
entre o dano e a conduta lesiva. Todavia, elementos subjetivos interessam ao
instituto da responsabilidade do Estado nos casos da ação regressiva contra o
agente causador do dano, bem como quando ocorra culpa do lesado.
Nesta senda, abordaremos as causas excludentes e atenuantes da
responsabilidade do Estado, analisando a sua aplicação nos casos de danos
decorrentes de lesão aos direitos fundamentais.
A doutrina é quase unânime em elencar como causas excludentes e
atenuantes da responsabilidade civil extracontratual do Estado, a força maior e
o caso fortuito e a culpa do lesado66.
Alguns autores consideram o Estado de necessidade como uma causa
excludente da responsabilidade, porém, entendemos nós que nos casos de
responsabilidade objetiva67 não deve pertencer a este grupo, pois trata-se de
uma circunstância que apenas afasta a ilicitude da conduta, permanecendo a
obrigação de indenizar os danos causados por tal conduta, por força do
princípio da igualdade, e da solidariedade social.

4.1. Culpa do Lesado

Nem sempre o resultado danoso se verifica em virtude de fatores exclusivos


imputáveis a conduta do agente do Estado. Em determinadas situações o

65
SAAD, Renan. O ato ilícito e a Responsabilidade Civil do Estado: Doutrina e Jurisprudência. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 1994, pág. 30.
66
Dos autores que elencam tais causas excludentes e atenuantes podemos citar a título de exemplo,
Celso Antonio Bandeira de Mello. Ob. cit. págs. 1023-1025, José Cretella Junior. Ob. cit. pags. 138-148,
Romeu Felipe Bacellar Filho. Direito Administrativo e o novo Código Civil. Ob. cit. pág. 241, dentre
outros.
67
Em Moçambique, como temos vido a referir, o regime é de responsabilidade subjetiva, podendo nessa
caso particular se recorrer ao Estado de necessidade como causa de Exclusão da Responsabilidade.
32

evento lesivo ocorre em virtude de culpa exclusiva da vítima, ou fruto de um


concurso de culpa do poder público e da vítima. Brunini afirma que ``a culpa da
vítima não só pode ser excludente, como também pode ser atenuante da
responsabilidade da administração68´´, contudo, nem todos os autores
consideram a culpa exclusiva da vítima como causa de exclusão da
responsabilidade, como adiante demonstraremos.

No primeiro caso, o comportamento da vítima é que de forma exclusiva dá


azo a ocorrência do dano em sua esfera jurídica, enquanto que no segundo
caso, existem concausas, sendo que o comportamento da vítima influi apenas
em determinada medida para a ocorrência do dano, e a conduta do poder
público em outra medida.

Ora, sendo o evento lesivo imputável exclusivamente à vítima, não existira


nexo causal entre a conduta do estado e o dano, daí que não se poderá falar
de causa excludente de responsabilidade, porque o evento danoso é imputável
única e exclusivamente ao lesado. Neste contexto, para que possamos
considerar determinado fator excludente de responsabilidade implica, prima
facie, a verificação de todos os pressupostos de responsabilização, para
posteriormente descaracterizar a conduta em consequência de fatos ou
circunstâncias excludente.

Esta visão encontra sustentação na lição do Professor Celso Antônio


Bandeira de Mello que considera um equivoco invocar a culpa do lesado para
elidir a responsabilidade estatal, pois ela não é, em si mesma, causa
excludente, pois nestes casos o causador do dano será a suposta vítima e não
o Estado, inexistindo por isso o nexo causal que ensejaria responsabilidade
que poderia ser afastada69.

Alias, Brunini reconhece que o eixo em torno do qual gravita a questão é o


nexo causal70, por isso, para se invocar determinada circunstância como

68
BRUNINI, Weida Zancaner. Ob. cit. pág. 69.
69
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1024.
70
BRUNINI, Weida Zancaner. Ob. cit. pág. 71
33

excludente, torna-se necessário que se preencha todos os requisitos de


responsabilização do Estado, para depois rechaça-la com base na excludente
de responsabilidade.

Assim, a culpa da vitima pode ser invocada como atenuante da


responsabilidade do Estado (eximindo parcialmente a responsabilidade),
quando a vitima, por ação ou omissão, dolosamente ou por negligência,
concorre com a conduta lesiva do poder público para a ocorrência do dano, o
que acarretará repartição proporcional do ônus sofrido71. No mesmo sentido,
entende o professor Romeu Felipe Bacellar Filho que assevera que nos casos
em que o lesado tenha contribuído para a produção do evento lesivo, a relação
causal não se forma por inteiro, dai isentar-se parcialmente o Estado,
respondendo na proporção de sua ação ou omissão72.

Tratando-se de imputação objetiva do Estado, apenas examina-se a


proporção da culpa do lesado, e não do poder público, que responde
independentemente de culpa. Cabe ao poder público demonstrar em que
medida o particular contribuiu para ocorrência do dano, visto que para se aferir
a responsabilidade do Estado basta à existência de nexo entre a conduta do
Estado e o dano.

Com efeito, o grau de culpabilidade do lesado será analisado segundo os


critérios comuns estatuídos no âmbito do direito privado, que geralmente tem
sido o de um homem médio73. Os efeitos atenuantes do concurso de culpas (do
lesado e do poder público) estendem-se aos danos resultantes de lesão aos
direitos fundamentais, onde apesar de afetar valores supremos como a
dignidade da pessoa humana, a responsabilidade estatal será parcial.

71
SAAD, Renan. Ob. cit. pág. 41
72
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o novo Código Civil. Ob. cit. pág. 242-243.
73
Voltaremos a falar da Culpa e do grau de culpabilidade no próximo capítulo da presente dissertação.
34

4.2. Força Maior e Caso Fortuito

Contrastando com a ampla aceitação como causas excludentes ou


atenuantes da obrigação de indenizar, a doutrina diverge quanto à noção e as
diferenças entre força maior e o caso fortuito, sendo que alguns sedimentos os
consideram similares e outros diferentes74.

Para o professor Romeu Felipe Bacellar Filho, a distinção entre caso fortuito
e Força maior não oferece grandes dificuldades, no primeiro o elemento
essencial é a imprevisibilidade. No segundo, o que caracteriza é a
irresistibilidade. O evento, em muitos casos, embora se possa prever, é
inevitável por sua força75. José Cretella Junior acrescenta que o caso fortuito
interioriza-se, é algo interno, enquanto que a força maior implica uma causa
conhecida e externa, contudo irresistível76.

No entanto, SAAD entende que do ponto de vista prático é irrelevante


proceder à distinção entre força maior e caso fortuito, dado que ambos os
fenômenos têm a mesma força exoneratória da obrigação de indenizar77.
Todavia, no âmbito da responsabilidade baseada no risco é mister a distinção e
resulta efeitos práticos importantes, visto que consoante seja força maior ou
caso fortuito pode eximir-se total ou parcialmente a responsabilidade do
Estado.

O caso fortuito, como acima referimos, é marcado pelo seu caráter


imprevisível, é ligado à atividade estatal, podendo em alguns casos configurar-
se o nexo causal, como assevera Celso Antonio Bandeira de Mello ao afirmar
que ``o caso fortuito não é ultimamente invocável, pois, sendo um acidente cuja
raiz é tecnicamente desconhecida, não elide o nexo entre o comportamento

74
Sobre as divergências doutrinárias a respeito dos institutos de Força Maior e caso fortuito, confira-se
CRETELA JUNIOR, José. Ob. cit. pág. 104-105.
75
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o novo Código Civil. Ob. cit. pág. 242.
76
CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit. pág. 105.
77
SAAD, Renan. Ob. cit. pág. 41.
35

defeituoso do Estado e o dano produzido78´´, podendo ter apenas efeitos de


atenuante em casos em que se comprove em parte tal comportamento
defeituoso.

Por outro lado, no caso de força maior o autor em referência, entende ser
acertada a invocação como causa de exclusão da responsabilidade do Estado,
dada irresistibilidade e inevitabilidade do acontecimento natural e cujos
esforços para impedi-los seriam vão79. Neste diapasão, a força maior é uma
causa excludente da responsabilidade civil do Estado, dado o seu caráter
irresistível que torna todo e qualquer esforço para evitar o dano inútil.

Cumpre ressaltar que a Força maior é aplicável para eximir o Estado da


obrigação de indenizar, mesmo em casos de danos decorrentes de lesão aos
direitos fundamentais, pois ainda que seja à dignidade da pessoa humana em
questão, não se pode exigir do Estado responsabilidade, porque o evento
danoso foi irresistível e inevitável.

78
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1025.
79
Idem
36

CAPÍTULO II – ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIREITOS


FUNDAMENTAIS E RESPONSABILIDADE DO ESTADO.

1. Delimitação terminológica: direitos do homem, direitos humanos


e direitos fundamentais

Antes de analisar a relação entre Estado Democrático de Direito, direitos


fundamentais e responsabilidade do Estado, importa estabelecer a delimitação
terminológica entre as expressões em epígrafe, pois vários são os termos que
tem sido usado em diferentes textos legais, bem como por parte da doutrina
para designar os chamados ``direitos humanos´´ ou realidades muito próximas,
tornando-o num conceito ambíguo.

Destes termos destacam-se as expressões ``direitos fundamentais´´,


``direitos do homem´´, ``liberdades púbicas´´, ``direitos públicos subjetivos´´,
``direitos subjetivos´´, ``direitos individuais´´ e ``direitos humanos
fundamentais´´, sendo a Constituição da República de Moçambique e a da
República Federal do Brasil um exemplo arquetípico deste quadro80.

No entanto, iremos nos ater as expressões ``direitos do homem´´,


``Direitos fundamentais´´ e ``Direitos Humanos´´ por serem as mais utilizados e
que mais digladiam a doutrina especializada. Contudo, iremos estabelecer,
ainda que de forma sucinta, as destrinças entre os direitos humanos e alguma
das expressões aqui destacadas, e que marcam em parte o evoluir da proteção
desses direitos inerentes à pessoa humana.

80
A título de exemplo a Constituição Federal de 1988, no artigo 4º, Inc. II usa a expressão ``Direitos
Humanos´´ , e no artigo 5, Inciso LXXI emprega a expressão ``Direitos e liberdades constitucionais´´ e no
§ 1º do mesmo artigo, aplica a expressão Direitos e garantias fundamentais e o artigo 60, § 4º emprega
a expressão ``Direitos e Garantias Individuais´´. A Constituição da República de Moçambique na alínea e)
do artigo 11 emprega o termo Direitos Humanos, no artigo 42 utiliza a expressão Direitos fundamentais,
etc.
37

Peréz de LUÑO assinala que para uma melhor aproximação conceitual


dos direitos humanos, prima facie, devemos considerar os limites dentro dos
quais esta expressão pode ter significado preciso, e por outro lado, estabelecer
suas relações com figuras afins, dentro do uso linguístico da teoria e da
prática81.

Assim, com base nos ensinamentos de LUÑO, podemos referir que ``os
direitos subjetivos diferem dos direitos humanos pelo fato daqueles poderem
desaparecer por via da transferência ou prescrição enquanto que as liberdades
que derivam dos direitos humanos em princípio são inalienáveis82´´.

O autor em referência considera os direitos públicos subjetivos, como


sendo uma categoria histórica ligada ao funcionamento do Estado Liberal, em
que constituíam esferas de atividades privadas contraposta a atividade pública
ou como liberdades limitadoras do poder. No contexto do Estado Social de
Direito passaram a ser considerados, como momentos de exercício de poder
que não se contrapõem, mas sim coexistem, o que levou a substituição dessa
noção por direitos fundamentais, vistos como limitação que a soberania popular
impõe aos órgãos que dependem dela83. Isto é, o conceito de direitos públicos
subjetivos foram superados pela dinâmica econômica e social.

Os direitos individuais são as liberdades civis e os direitos civis, ou seja,


inclui apenas os direitos denominados da primeira geração ou dimensão, como
o direito a vida, à igualdade e à propriedade84. A expressão liberdades públicas
é alvo de critica por não englobar os direitos econômicos e sociais85.

81
LUÑO, António E. Pérez. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constituicion. Madrid: TECNOS,
1995, pág. 29.
82
Idem, pág. 32.
83
Idem
84
RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005, pág. 24
85
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. TOMO. IV. Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p.50-
53
38

Com efeito, SARLET considera as expressões acima aludidas como


``sendo termos genéricos, anacrônicos e em parte, divorciadas da situação
hodierna de evolução dos direitos fundamentais no âmbito do Estado
(democrático e social) de Direito até mesmo em nível do Direito
Internacional86´´.

Outrossim, é mister estabelecer a relação entre a expressão direitos do


homem ou direitos naturais, direitos humanos e direitos fundamentais, até por
forma a justificar o uso da expressão ``direitos fundamentais´´ no tema da
presente dissertação e no capítulo ora em análise. Ambos apresentam um
denominador comum, que se prende com o fato de serem direitos inerentes a
natureza humana. Assim, a natureza desses direitos não pode ser usada como
elemento de diferenciação uma vez que todos são ``direitos humanos´´.

Com efeito, dada à primeira constatação, a positivação ou níveis de


positivação, tem sido comumente usado pela doutrina como critério de
diferenciação.

Os iusnaturalistas consideram que os Direitos Humanos têm a sua


gênese na afirmação dos ideais do direito natural, sendo aquele um
prolongamento deste. No entanto, hodiernamente os direitos humanos
apresentam um rol de direitos mais amplos que os direitos naturais, fruto da
sua evolução histórica, o que torna a equiparação dos Direitos Naturais com os
direitos humanos pouco correta. Todavia, os direitos naturais tiveram bastante
influência na concepção do homem e na construção histórica dos Direitos
Humanos e dos Direitos Fundamentais, visto que estes resultam do
reconhecimento das comunidades estatais daqueles direitos, tendo assim uma
dimensão pré-estatal87.

Neste prisma, os direitos do homem correspondem a ``pré-história´´ dos


direitos fundamentais e dos direitos humanos, sendo Direitos naturais ainda
86
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na prespectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009,
pág. 28.
87
Idem, pág. 30.
39

não positivados quer nas esferas dos ordenamentos jurídicos estatais, quer no
ordenamento jurídico internacional88.

No que tange a expressão ``direitos humanos´´ e ``direitos


fundamentais´´, elas tem muitas vezes sido utilizadas de forma indistinta,
porém existe um grande debate doutrinário em volta da distinção dada a essas
expressões. COMPARATO considera que os direitos fundamentais são os
``direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades, às quais se atribui
o poder político de legislar, tanto o plano interno, como no plano internacional,
ou seja, são direitos humanos positivados nas constituições ou tratados
internacionais89´´.

Depreende-se, que para o referido autor o que caracteriza os direitos


fundamentais é a simples positivação, ou reconhecimento normativo, podendo
esta normatização ocorrer tanto no âmbito interno como no internacional. Com
efeito, parece-nos que o critério de distinção apresenta ainda ambiguidade,
visto que apenas realça o caráter formal ou material dos direitos humanos,
tanto os direitos humanos e os direitos fundamentais podem ser formais
quando reconhecidos nos textos legais, e matérias quando não aparecem de
forma expressa nos textos legais, desde que sejam relativos à dignidade da
pessoa humana.

Neste sentido, Jorge MIRANDA refere que ``as posições jurídicas


subjetivas das pessoas enquanto tais, quando assentes na constituição formal
resultam em Direitos Fundamentais em Sentido Formal ou na Constituição
material donde resultam Direitos Fundamentais em sentido material90´´.

Ora, o jurista hispânico Perez de LUÑO realça a tendência do uso da


expressão direito fundamental para designar os direitos humanos positivados a
nível interno e a expressão Direitos humanos como sendo usada no plano

88
Idem
89
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva.
2001, pág. 56
90
MIRANDA, Jorge. Ob. cit. pág. 7.
40

internacional91. No mesmo sentido entende SARLET, ao referir de forma


peremptória que ``os direitos humanos são os positivados na esfera
internacional e os Direitos fundamentais direitos reconhecidos ou outorgados e
protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado92´´.

Nesta distinção ressalta o fato dos Direitos fundamentais encontrarem-


se circunscrito aos limites espaciais e temporais do direito positivo de um
determinado Estado, servindo como um dos alicerces do Estado Democrático
de Direito.

Com efeito, BARROS nega a dicotomia entre Direitos Humanos e


Direitos Fundamentais, advogando que o instituto é uno, e apenas ocorre uma
abreviação, visto que no entender do referido autor, não se pode por os
Direitos Humanos numa situação deontológica com contornos amplos,
imprecisa e insegura, aparecendo sem tutela ou concreção reforçada,
enquanto aos direitos fundamentais é atribuída uma índole ontológica em com
concreção normativa e reforçada nas Constituições de cada Estado93.

Para este jurista a expressão mais acertada é a de Direitos Humanos e


Fundamentais, visto que apontam a unidade e indissociabilidade entre os
direitos humanos e direitos fundamentais, porém concorda que os Direitos são
ora mais, ora menos fundamentais ou operacionais94. Entendemos nós, que
não existe relação de exclusão ou de separação entre os direitos humanos e
fundamentais, mas sim uma corelação entre ambos, pois todos direitos
fundamentais são direitos humanos. Esta dicotomia surge precisamente, da
necessidade de operacionalizar os direitos humanos para melhor proteger a
pessoa humana.

91
LUÑO, António E. Pérez. Ob. cit. pág. 31
92
SARLET, Ingo Wolfgang. Ob. cit. pág. 30.
93
BARROS, Sérgio Resende de. Direitos Humanos: Paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey,
2003, pág. 39
94
Idem, pág. 47.
41

É neste sentido que o uso das expressões Direitos Humanos e Direitos


Fundamentais surge, no âmbito dessa tentativa de dar maior concretização e
proteção da dignidade da pessoa humana, não implicando uma exclusão ou
separação entre ambos. Neste diapasão, Jürgen HABERMAS esclarece que
``os países fundadores também estavam claros que os direitos humanos(...),
teriam de ser `esclarecidos´ democraticamente, especificados e implementados
no espaço de uma comunidade política95´´.

Ademais, podemos sustentar a nossa posição com base na proposta de


definição dos Direitos Humanos dada por Pérez de LUÑO, segundo o qual
considera

Os Direitos Humanos como um conjunto de faculdades e instituições


que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da
dignidade, da liberdade e da igualdade humana, os quais devem ser
reconhecidos positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível
96
nacional e internacional .

Como facilmente se pode depreender, da definição acima enunciada, os


direitos humanos devem ser positivados não só na esfera internacional como
também concretizados na ordem nacional, ou seja, no ordenamento jurídico
estatal, onde são cunhados de direitos fundamentais, conservando ainda a sua
índole de direitos intrinsecamente ligados à dignidade da pessoa humana, ou
seja, de direitos humanos.

95
HABERMAS, Jürgen. Sobre a Constituição da Europa. São Paulo: Unesp, 2012, pág. 18.
96
LUÑO, António E. Pérez. Ob. cit. pág. 48.
42

2. A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa


humana e os direitos fundamentais

O princípio da Dignidade da pessoa humana surge intrinsecamente


ligado à noção de Estado de Direito Democrático, mormente, após as duas
grandes Guerras Mundiais em que se viveu um dilema axiológico, depois da
experiência dos regimes totalitaristas na Europa, em que as normas do Direito
internacional97, bem como das diferentes Constituições, mostraram-se
insuficientes para garantir proteção cabal aos valores e direitos existenciais da
pessoa humana e uma vida pacífica do homem no mundo. Assim, surgiu a
necessidade de criação de um conjunto de normas e garantias internacionais
institucionalizadas, para assegurar ao homem uma vida baseada na dignidade
e na liberdade.

Em face das atrocidades cometidas durante aquele período histórico, a


comunidade de Estados passou a perceber que a proteção dos direitos
humanos constitui questão de legitimo interesse e preocupação internacional,
transcendendo o âmbito reservado do Estado ou de competência exclusiva
deste98. Neste diapasão, Jürgen Habermas assinala que só no pós-guerra

o conceito filosófico de dignidade humana, que entrou em cena já na


antiguidade e adquiriu em Kant sua acepção válida atualmente, tenha

97
As normas do Direito Internacional se encontravam ancoradas e limitadas a temas tradicionais, como
a representação diplomática, imunidade de jurisdição, determinação de território, bem como no
regramento das soluções de controvérsias. Tinham o seu foco nos Estados enquanto sujeitos do Direito
Internacional, dando ínfima atenção ao cidadão individualmente considerado, que deixou de ser
pertença de um ou outro Estado, para ser cidadão internacional, isto é, do mundo, e com sua dignidade
merecedora de proteção internacional até contra as violações perpetradas pelo Estado de sua
nacionalidade.
98
PIOVESSAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 3ª ed. São Paulo: Max
Limonad, 1997, pág. 31.
43

sido introduzido nos textos do direito das gentes e nas diferentes


99
Constituições nacionais desde então em vigor .

A afirmação da dignidade da pessoa humana como valor a ser tutelado


pelos Estados resulta da necessidade de se adotar uma nova visão, como
sustenta Flávia Piovesan, que se ``a barbárie do totalitarismo significou a
ruptura do paradigma dos direitos humanos por meio da negação do valor da
pessoa como fonte do direito(...) O pós-guerra deveria significar sua
reconstrução100´´.
É nesta esteira que houve a inclusão do valor fundamental da dignidade
da pessoa humana no preâmbulo da Carta das Nações Unidas.
Posteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada à
10 de Dezembro de 1948, perfilha o mesmo ideal, abrindo o seu preâmbulo
reconhecendo que a ``dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e alienáveis constitui o fundamento da
liberdade, da justiça e da paz no mundo´´, e proclama a ``fé nos diretos
fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana´´.
Começa o artigo 1º estabelecendo o princípio de que ``todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos´´.
No entanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
constitui uma plataforma comum de atuação, como explica o Professor
Cançado TRINDADE em sua obra sobre a Proteção Internacional dos Direitos
Humanos, ao referir que a Declaração ``constitui o ímpeto decisivo no processo
da generalização da proteção dos direitos humanos(...) permanecendo como
fonte de inspiração e ponto de irradiação e convergência de direitos humanos a
níveis globais e regionais101´´.
Ora, a Declaração tem o inegável mérito de abrir uma nova página no
Direito Internacional, criando condições para o surgimento de um amplo corpus

99
HABERMAS, Jürgen. Ob. cit. pág. 9
100
PIOVESSAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas
regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006
101
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção Internacional dos Direitos Humanos: Fundamentos
jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, pág. 1
44

de regras, de origens diversas e com diferentes âmbitos de aplicação, bem


como destinatários e beneficiários diferentes, com o fito comum de
salvaguardar a dignidade da pessoa humana. É neste prisma que tal princípio
teve a sua consagração em outros instrumentos internacionais e regionais
como são os casos do Pato Internacional Sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, a Convenção Americana dos Direitos Humanos, Carta
Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, Declaração Islâmica Universal
dos Direitos Humanos, da Declaração dos Direitos do Homem dos Estados
Asiáticos e na carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, criando
assim um verdadeiro ramo especializado do Direito Internacional, o Direito
internacional dos Direitos humanos102.
Dai que Thomas Buergental, conclui que o moderno Direito Internacional
dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra cujo desenvolvimento
pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler
e á crença de que algumas destas violações poderiam ter sido prevenidas se
existisse um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos103.
Neste contexto, a proteção internacional da dignidade da pessoa
humana tinha o escopo de evitar futuras repetições dos horrores dos regimes
totalitários, e proteger o cidadão contra as ações que firam a sua liberdade e
dignidade, mesmo as perpetrada pelo Estado a que pertence, superando os
velhos obstáculo de não-intervenção em assuntos domésticos, na medida em
que o desenvolvimento histórico da proteção internacional dos direitos
humanos superou gradualmente as barreiras tradicionais, entendendo que a

102
O Direito Internacional dos Direitos humanos constitui um conjunto de regras e princípios
internacionalmente consagrados, objetivando garantir a liberdade humana e a dignidade da pessoa
humana. Para RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos: Análise dos
sistemas de apuração de violação dos Direitos Humanos e a implementação das decisões no Brasil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002, p. 25, o mencionado ramo constitui ``(...) o conjunto de direitos e faculdade
que garantem a dignidade da pessoa humana e beneficiam-se de garantias internacionais
institucionalizadas´´. Assim, o direito Internacional contemporâneo humanizou-se, na medida em que se
reconhece e proclama-se que os seres humanos têm direitos na ordem internacional, e que a sua
violação, tanto por ato comissivo ou por ato omissivo, enseja responsabilidade dos Estados
independentemente da nacionalidade das vítimas.
103
BUERGENTHAL, Thomas. Internacional Human Rights. Minnesota: West Publishing, 1988 pág. 17.
45

proteção dos direitos básicos da pessoa humana jamais poderia esgotar-se na


atuação do Estado, ou na pretensa competência nacional exclusiva104.
Esta proteção da dignidade da pessoa humana vem, por um lado limitar
o poder dos Estados, que muitas vezes em nome da lei cometiam graves
violações aos Direitos fundamentais, e por outro lado, vem traçar um ideal
comum a ser perseguido por toda comunidade de Estados por forma a manter
a paz internacional, como bem demonstra RAMOS ao referir que

Em mundo de polaridades indefinidas, a proteção internacional


dos direitos humanos é ingrediente essencial de
governabilidade mundial, servindo de parâmetro comum para
todos os governos da comunidade internacional. A proteção
dos direitos humanos torna-se fator chave para a convivência
dos povos na comunidade internacional. Essa convivência é
possível de ser alcançada graças à afirmação dos direitos
humanos como agenda comum mundial, levando os Estados a
estabelecerem projetos comuns, superando as animosidades
105
geradas pelas crises políticas e econômicas .

Com efeito, a dignidade da pessoa humana e o núcleo de direitos a ela


inerente, surge como o novo guia e luz para a orientação da comunidade
internacional, e que todos os Estados devem promover e proteger,
transformando-se, como afirma PIOVESAN num ``paradigma e referencial ético
a orientar a ordem internacional contemporânea106´´ e constituindo um valor a
ser garantido por todos os Estados, remarcando o constitucionalismo moderno,
e como corolário as diversas ordens jurídicas dos Estados contemporâneo. É
como se projetasse uma vertente do constitucionalismo global, a fim de
proteger direitos fundamentais e de limitar o poder do Estado107.
Nesta senda, em meados do século dezenove teve inicio uma
verdadeira revolução constitucional. A generalidade dos Estados ocidentais,

104
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Ob. cit. pág. 3
105
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional Por violações de Direitos Humanos: seus
elementos, a reparação devida e sanções possíveis. Teoria e prática do Direito Internacional. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, pág. 31.

106
PIOVESSAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas
regionais europeu, interamericano e africano. Ob. cit. pág. 9
107
Idem, pág. 11
46

mormente, os que estiveram sob o jugo dos regimes ditatoriais, bem como na
Europa de leste do período pós-comunista, consagraram nas suas
Constituições o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo o elevado a
valor central e a base de sustentação de um núcleo de direitos da pessoa
humana e de um conjunto de mecanismos processuais de tutela108.
Assim, a Constituição italiana, aprovada à 22 de Dezembro de 1947,
consagrou no artigo 3º que ``todos os cidadãos tem a mesma dignidade
social´´. Mais incisiva foi lei fundamental alemã aprovada em 1949, inicia o seu
artigo 1º afirmando que ``a Dignidade da Pessoa Humana é inviolável...´´. O
mesmo caminho foi seguido pela Constituição grega de 1975 que estatui o
princípio da dignidade da pessoa humana.
Em Portugal, o legislador constituinte estatui a dignidade da pessoa
humana, no artigo 1º da Constituição de 1976, e a eleva a fundamento e pilar
do Estado. No mesmo sentido se manifestou o legislador constituinte espanhol
ao consagrar, no nº 1, do artigo 10 da Constituição de 1978, que a par de
outros princípios a dignidade da pessoa humana é fundamento da ordem
política e da paz social.

Esta contagiante dinâmica manifestou-se nas constituições de alguns


países da América Latina, onde Brasil não foi exceção. Deste modo, a
Constituição Federal do Brasil de 1988, no seu artigo 1º, Inciso III, estabelece
que a Dignidade da pessoa Humana, constitui um dos fundamentos do Estado
Federal, atribuindo-a valor de norma jurídica constitucional de extrema
importância, visto que tal princípio torna-se guia de toda uma comunidade
estatal, desde o poder político ao simples cidadão que deve respeitar a
dignidade patente no outro.
Em Moçambique, apesar da Constituição de 2004 estabelecer na alínea
e), do artigo 11º que a defesa e promoção dos direitos humanos e da igualdade
perante a lei constitui um dos objetivos fundamentais do Estado, e dedicar um
número considerável de artigos aos direitos fundamentais, apenas faz menção

108
BOTELHO, Catarina Santos. A tutela dos Direitos Fundamentais: Avanços e recuos na dinâmica
garantística das justiças constitucional, Administrativa e Internacional. Coimbra: Almedina, 2010, pág.
98.
47

expressa a dignidade da pessoa humana no nº 6, do artigo 48º, como princípio


orientador do exercício do direito de liberdade de expressão e direito de
informação109.
Com efeito, a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana
como valor e a base do Estado é pertinente, pois é fonte de conteúdo dos
direitos fundamentais, como nos ensina Habermas ao assinalar que ``à luz dos
desafios históricos, em cada momento são atualizadas outras dimensões do
sentido da dignidade humana110´´. Neste sentido, Catarina Santos Botelho
afirma que

o valor da dignidade da pessoa humana é perspectivado como a fonte


da qual brotam os restantes direitos fundamentais, que obtiveram
consagração constitucional devido à sua indissolúvel conexão com a
111
pessoa humana, como ser único e irrepetível, dotado de dignidade .

De fato, hodiernamente a dignidade da pessoa humana constitui


princípio orientador das constituições estatais e dos diversos ordenamentos
jurídicos, bem como fundamento dos Estados modernos.

Ora, urge realçar que o respeito à dignidade da pessoa humana, não se


restringe ao seu reconhecimento pelo direito, pois sendo intrinsecamente ligada
a pessoa humana ela é anterior ao Direito112. Este princípio fundamental das
ordens jurídicas democráticas assume perene importância na consolidação e
fundamentação dos Direitos fundamentais.
Analisando o interior do discurso jurídico, Habermas afirma que

a dignidade humana é um sismógrafo que mostra o que é constitutivo


para uma ordem jurídica democrática – a saber, precisamente os
direitos que os cidadãos de uma comunidade política devem se dar

109
O nº 6, artigo 48º, com epigrafe Liberdade de Expressão e Informação refere in verbis: ``O
exercício dos direitos e liberdades referidos neste artigo é regulado por lei com base nos imperativos do
respeito pela Constituição e pela dignidade da pessoa humana´´.
110
HABERMAS, Jürgen. Ob. cit. pág. 14.
111
BOTELHO, Catarina Santos. Ob. cit. pág. 99.
112
Idem, pág. 101
48

para poderem se respeitar reciprocamente como membros de uma


113
associação voluntária de livres e iguais .

Contudo, o reconhecimento da dignidade como princípio ou até mesmo


como regra jus fundamental não reduz a sua dimensão de valor fundamental,
mas visa atribuir maior eficácia e efetividade114, ao núcleo de direito que lhe
são inerentes, isto é, aos direitos fundamentais.
Face ao acima exposto, importa realçar que a Dignidade da pessoa
humana assume crescente importância nos Estados Democráticos de Direito,
dado o seu caráter fundamentador dos direitos fundamentais e de pilar do
Estado. No entanto, indaga-se sobre o seu conteúdo e significado.

3. Conteúdo e significado da dignidade da pessoa humana

A palavra dignidade tem a sua raiz epistemológica do latim dignus, que


significa aquele que merece estima e honra, aquele que é importante; sendo a
sua utilização correspondente sempre as pessoas, mas ao longo da
antiguidade foi referida a espécie humana como um todo, sem que tenha
havido sua personificação115.

São Tomás de Aquino pensou a dignidade sob dois prismas diferentes, a


dignidade como algo inerente ao homem, como espécie; e ela existe in actu só
no homem enquanto individuo, passando desta forma a residir na alma de cada

113
HABERMAS, Jürgen. Ob. cit. pág. 17
114
SARLET, Ingo Wolfgang. Ob. cit. pág. 86
115
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura Civil-Constitucional dos Danos
Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pág. 77
49

ser humano116. No entanto, Kant vê no respeito pelo outro a limitação da nossa


auto-estima pela dignidade da humanidade presente na outra pessoa117.

Como se pode depreender, em Kant a dignidade é uma qualidade


intrínseca e patente em toda a humanidade, visto que, esta qualidade
intrínseca do homem, por pertencer a todos os homens e não a alguns, se
transforma numa qualidade de toda coletividade humana. É neste prisma, que
nas relações intersubjetivas o dever de respeito ao outro é um corolário dessa
qualidade, ou seja, da dignidade da pessoa humana.

A doutrina kantiana realça o valor do homem, fruto da sua dignidade,


que não o permite ser um meio para o alcance de fins externos a ele, mas
apenas pode ser um fim em si mesmo, em virtude da sua dignidade, ele jamais
pode ser usado como um instrumento, pois tem um valor intrínseco, a
dignidade, fato com que o torna sem preço, como se pode vislumbrar da
máxima de Kant ``o Homem é um fim em si mesmo e não um meio, e não se
pode degradar qualquer outro ser humano, reduzindo a um mero meio para os
meus fins118´´.

Outrossim, a dignidade é intimamente ligada à condição humana, por


isso é uma características de todos os homens, porém ela não exclui a
pluralidade, típica dos homens, como refere Hannah ARENDT

a pluralidade humana, como condição básica da ação e do discurso


tem o duplo aspecto de igualdade e diferença, na medida em que se os
Homens não fossem iguais, seriam incapazes de compreender-se
entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e
119
prever as necessidades das gerações vindouras .

116
MORAES, Mária Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo ``in´´ SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado editora, 2006, pág 115
117
KANT, Immanuel. A metafísica dos Costumes. São Paulo: EDIPRO, 2003, pág. 292
118
Idem, pág. 293.
119
ARENDT, Hannan. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2008, pág. 188
50

Somos todos humanos, e como tal iguais em dignidade, porém com


diferenças, típicas da pluralidade da condição humana, o que dificulta a
definição do significado e conteúdo da dignidade da pessoa humana.

Assim, o conteúdo da Dignidade da Pessoa Humana é de tal forma


complexo, que Sarlet, partindo do pressuposto que a dignidade, está ligado à
condição humana, e guardando íntima e complexa relação com as
imprevisíveis e incalculáveis manifestações da personalidade humana, conclui
que as dificuldades de definir o seu conteúdo tronam-se acrescidas120.

Ademais, aliado as diversas manifestações da personalidade humana


de cada indivíduo, encontram-se as diversas manifestações dos grupos, ou
seja, cada grupo adota diversas manifestações culturais, práticas e valores que
aguçam o caráter aberto da dignidade, tornando assim, ainda mais complexa à
tarefa de analisar ou definir o conteúdo da dignidade da pessoa humana.

Neste prisma, tendo em atenção estas manifestações de grupo e de


personalidade, SARLET refere que:

A dignidade da pessoa humana não diverge de outros valores e


princípios jurídicos – de categoria aberta, não poderá ser conceituada
de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que uma definição
desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de
valores que se manifestam nas sociedades democráticas
121
contemporâneas .

O conceito e conteúdo da dignidade da pessoa humana, esta em


permanente processo de construção e desenvolvimento, fruto dos diversos
valores e práticas que a cada época, e de acordo com o lugar vão ganhando
importância e características diferentes. Por estas razões, uma parte da
doutrina entende que a dignidade da pessoa humana, não pode ser vista
120
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma
compreensão jurídico-constitucional necessária e possível ``in´´ SARLET, Ingo Wolfgang(org.), Dimensões
da Dignidade: Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2ª Ed., 2009, pág 15
121
Idem. pág. 24.
51

exclusivamente como algo inerente a condição humana, na medida em que a


dignidade também possui um sentido cultural, sendo fruto do trabalho de
diversas gerações e da humanidade no seu todo, razão pela qual as
dimensões natural e cultural da dignidade da pessoa humana se
complementam no seu todo e interagem mutuamente122.

Assim, como anteriormente citamos Habermas, cada momento


específico da história impõe novos desafios, e de acordo com eles são
atualizados outras dimensões do sentido da dignidade humana 123. Mesmo
entendimento é perfilhado por BOBBIO ao afirmar que ``o que parece
fundamental numa época histórica e numa determinada civilização, não é
fundamental em outras épocas e em outras culturas124´´.

Com efeito, na tentativa de definir o conteúdo e a natureza da dignidade


SARLET propõe conceituar a dignidade como:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano


que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do
Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de
direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato degradante e desumano como venha lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável além de
propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos
destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais
125
seres humanos .

Da noção proposta por Sarlet, destaca-se o fato da dignidade ser uma


qualidade reconhecida aos seres humanos, e dela derivar um núcleo de
direitos e deveres essenciais para a existência do homem, ou seja, um núcleo
de direitos fundamentais.
122
Idem, pág. 28
123
HABERMAS, Jürgen. Ob. cit. p. 14.
124
BOBBIO, Norberto. Ob. cit. pág. 19.
125
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma
compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. Ob. cit. pág. 37
52

Para COMPARATO

A dignidade de cada homem consiste em ser, essencialmente, uma


pessoa, isto é, um ser cujo valor ético é superior a todos os demais no
mundo. O pleonasmo da expressão direitos humanos, ou direitos do
homem, é assim justificado, porque se trata de exigências de
comportamento fundadas essencialmente na participação de todos os
indivíduos no gênero humano, sem atenção às diferenças concretas de
126
ordem individual ou social, inerentes a cada homem .

Face ao acima exposto, pode-se concluir que a dignidade da pessoa


humana é uma qualidade inerente a todos os homens, um princípio aberto que
deve ser definido de acordo com o tempo lugar e o contexto sociocultural.
Todavia, com a constitucionalização deste valor, a dignidade da pessoa
humana, deixou de ser exclusiva manifestação conceitual do campo do direito
natural metapositivo, cujo fundamento ora se buscava na razão divina, ora na
razão humana, para se tornar numa norma jurídica autônoma de grande teor
axiológico, irremissivelmente presa à concretização constitucional dos direitos
fundamentais127 e do Estado Democrático do Direito.

4. Estado democrático de direito, direitos fundamentais e


responsabilidade do Estado.

A criação de uma forma capaz de compatibilizar a soberania do Estado e os


Direitos dos particulares foi sempre um dos principais problemas da teoria
jurídica-política. O Estado de Direito se apresenta como uma formula
conciliadora destas exigências, que prima facie se manifestavam

126
COMPARATO, Fábio Konder. Fundamento dos Direitos Humanos. São Paulo, 1997, pág. 28, disponível
em http://www.iea.usp.br/textos/comparatodireitoshumanos.pdf, acessado em 21 de Junho de 2013.
127
Bonavides, Paulo. Prefácio ``in´´ STARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Ob. cit. pág. 19
53

antagônicas128, na medida em que, de um lado se opunha o poder despótico


soberano do Estado e doutro lado a liberdade e os direitos dos cidadãos.

É neste quadro que importa destacar que, a necessidade de frear o poder


político despótico, garantindo os direitos e liberdades fundamentais dos
indivíduos está na gênese do Estado de Direito. Neste sentido, Pietro COSTA
salienta que o Estado de Direito surge como um mecanismo de limitação do
poder através do direito, com o desiderato de fortalecer a posição dos
indivíduos, tendo como pilares o poder político (a soberania, o Estado), o direito
(o direito objetivo, as normas) e os indivíduos129.

Como se pode depreender, o problema da limitação do poder pelo direito


esteve umbilicalmente ligado à garantia das liberdades individuais
fundamentais, na medida em que a construção do Estado de Direito, num
primeiro momento tinha como escopo criar uma área de não intervenção do
Estado na esfera do individuo, e num segundo momento vai agregar-se a
obrigação positiva do Estado prestar uma classe de direitos que garantam a
justiça social.

Para melhor elucidar esta correlação entre Estado de Direito e os Direitos


Fundamentais e, consequentemente, com a Responsabilidade do Estado
demonstraremos, como na construção histórica deste conceito tal correlação
vem sendo mantida, uma vez que o conceito de Estado Democrático de Direito
deve ser analisado num contexto temporal e circunstancial, pois a cada
momento histórico apresenta as suas exigências de justiça, os seus padrões de
juridicidade, como bem assevera Gomes CANOTILHO ao referir que `` a
historia do Estado de Direito não deve ser compreendida como <<a historia de
um conceito>>, mas como uma história enquadrada na <<história geral das
ideias e das instituições>>130´´.

128
Cfr. LUÑO, António E. Pérez. Ob. cit. pág. 212.
129
COSTA, Pietro. O Estado de Direito: Uma Introdução histórica, pág. 96 ``in´´COSTA, Pietro. DANILO,
Zolo (organizadores). O Estado de Direito: História, teoria, crítica. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pág.
96
130
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992, pág. 353
54

Neste prisma, apesar do conceito e da formulação do Estado Democrático


de Direito ser contemporâneo, o problema que opõe a liberdade ao
totalitarismo, o direito ao poder despótico, desenfreado, transbordante não o é.
Já na Grécia antiga colocava-se o problema da dicotomia Governo – lei131.
Aristóteles na sua obra clássica Política ao abordar as formas de governo,
refere-se à questão da centralidade e da soberania da lei. Criticando o poder
absoluto do monarca, defende o ``império da lei´´ em contraposição ao império
de um homem, na medida em que o domínio da lei (Inteligência sem paixão)
equipara-se ao governo de Deus e da Razão e o domínio do homem a uma
fera132.

Na mesma esteira, porém, com diversidade metódica e filosófica, Platão


defendia a importância da lei nas três formas de governo (monarquia,
aristocracia, democracia), entendendo não ser possível encontrar um governo
que possua a arte de governar, e que possa ser capaz de fazer justiça sem a
lei, ou seja, os soberanos deviam governar segundo as leis133.

Por outro lado, o medievo também é marcado por algumas concepções que
precederam a noção de Estado de Direito, não de uma dicotomia entre poder
político e Lei, mas sim uma situação diversa, que Gomes Canotilho chama de
``liberdade no direito, ou seja, a liberdade que advém de um determinado
estatuto e que havia de conduzir à ideia de liberdade natural do homem134´´.
Nesta época a liberdade provinha de determinado status quo, que o atribuía
direitos e privilégios, não sendo, neste contexto inerentes a condição humana
ou ao individuo enquanto tal. Com efeito, Jorge Reis NOVAIS, assinala que
``tendo em conta a existência de uma jurisdição que tutelava os privilégios de

131
COSTA, Pietro. Ob. cit. pág. 99.
132
ARISTÓTELES. A Política. 4ª ed. São Paulo: ATENA. 1955, págs. 134-135

133
PLATÃO, Político, 301-2 (Platone, Opere, Laterza, Bari, 196, vol. I, pp. 502-3) apud COSTA, Pietro. Ob.
cit, pág. 100.
134
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Ob. cit. pág. 354
55

todos contra todos, com mais propriedade que de Estado de Direito se poderá
falar, relativamente a Idade Média de Estado de Justiça135´´.

Como podemos depreender em face do acima exposto, estas


manifestações representam a pré-história136 do conceito Estado de Direito, ou
seja, momentos que embora ainda não existisse a expressão lexical, se
verificam traços em que encontra no moderno Estado de Direito a sua
materialização ou afirmação137.

No Estado absoluto a vontade arbitrária e transbordante do rei é suprema,


o que vai reduzindo as possibilidades de defesa dos indivíduos contra os
excessos de poder incontrolável do rei, sendo por esta razão o oposto da
construção a que se funda o Estado de Direito. Diante deste quadro, a
Burguesia reagiu ao poder despótico do monarca, com o fito de introduzir uma
limitação jurídica ao Estado de Policia, bem como da racionalização integral da
vida da sociedade e do Estado, em prol da liberdade individual para garantir o
desenvolvimento dos seus empreendimentos econômicos e a obtenção do
lucro, bem como da igualdade com a aristocracia. Reação, que está na origem
do Estado Liberal de Direito138.

Com o advento do Estado liberal, que iniciou com as revoluções americana


e francesa no final do século dezoito, tendo conhecido o seu apogeu durante o
século dezenove e declina na primeira metade do século vinte, cujas principais
características políticas são a adoção do constitucionalismo como técnica de
limitação do poder político, o reconhecimento da existência de direitos do

135
NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2006, pág.
35
136
Só bem mais tarde é que surge a expressão ``Estado de Direito´´, como bem refere Pietro COSTA.ob.
cit. p. 117, que foi ``exatamente na Alemanha que, no decorrer do século XIX, a expressão ``Estado de
Direito´´ sai da ``pré-história´´ e entra oficialmente na história...´´, ou seja, surge a designação como tal.
As duas principais versões do ``Rechtsstaat´´ na Alemanha da primeira metade do século XIX foram
defendidas por Friedrich Julius Stahl e a Robert van Mohl.
137
COSTA, Pietro. Ob. cit. pág. 98
138
NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. pág. 40-45.
56

homem anteriores e superiores ao Estado do qual o Estado deve respeitar, a


proclamação da igualdade jurídica de todos os homens, independentemente de
qualquer outro fator, o império da lei, ou seja, a subordinação do Estado a lei, o
sistema de governo representativo e do parlamentarismo, pratica do liberalismo
econômico, incremento das garantias individuais face ao Estado, a ideia do
Estado de Direito surge estribada, na ideia de legalidade da atividade estatal, e
ideia de realização de justiça, configurando-se assim, mais do que um conceito
filosófico ou jurídico, como um conceito político, um conceito de luta política da
burguesia139, cujo escopo era o de assegurar contra o Estado centralizador um
núcleo de direitos fundamentais interpretados e integrados à luz dos valores
supremos da iniciativa privada, da segurança, da propriedade, e das exigências
de previsibilidade necessárias ao desenvolvimento do sistema capitalista 140 .

Posteriormente a noção de Estado de Direito foi sendo compreendida e


interpretada em termos filosóficos, com pressupostos da construção Kantiana,
de um Estado ético, o qual deve submeter os seus atos a lei (produto da
vontade geral) e respeitar a liberdade ética do individuo141. O constitucionalista
luso Gomes Canotilho, salienta que

O Estado de direito Kantiano concebe-se a prior como um <<Estado de


Razão>>: ele é uma exigência universal da razão porque assegura a
coexistência livre através do direito; este, por sua vez, entende-se
como normatividade racional, dado que a <<razão constitui o único
142
fundamento da legislação positiva>> .

139
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Ob. cit. pág. 355-356.
140
NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. pág. 73.
141
LUÑO, António E. Perez. Ob. cit. pág. 222
142
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Ob. cit. pág. 356
57

Esse Estado era regido pela vontade geral, ou seja, limitado pela razão,
ou simplesmente, como o constitucionalista luso sintetiza, ``um Estado de
Direito Material143´´.

No entanto, esta formulação do Estado de Direito material assentavam-


se em pilares basilares, como o império da lei, ou seja, a administração deve
estar submetida à lei por forma que as suas ações possam ser previsíveis, a
separação de poderes, e os direitos e liberdades fundamentais.

NOVAIS, apoiado na incontornável lição Schimittiana de Estado Burguês


de Direito, considera os direitos fundamentais como o verdadeiro fim da
limitação jurídica do Estado, visto que o Estado é obrigado a promover e
respeitá-los, reconhecendo a sua anterioridade e seu caráter supremo dele,
elevando-os a categoria de limites indisponíveis144.

Neste contexto, as liberdades individuais fundamentais constituíam um


limite negativo a ação do Estado. No que concerne à divisão de poderes como
elemento do Estado de Direito liberal, visa permitir uma racional organização
do Estado, segundo a proposta tripartida de Montesquieu, que tem como papel
a garantia dos direitos fundamentais e o controle dos poderes, bem como a
responsabilização dos órgãos do Estado.

A noção de Estado de Direito Liberal sofreu forte influência do


positivismo jurídico formal, mormente na teoria germânica de Rechtsstaat,
tendo deixado de ser compreendida como um Estado limitado pela razão, para
ser entendido como Estado limitado pelo Direito positivo145, ou seja, o Estado
de Direito Material foi dando lugar ao Estado de Direito Formal.

Este processo de formalização tem o seu inicio na primeira metade do


século XIX na Filosofia de Direito de Friedrich Julius Stahl, fautor da ideia de
que o Estado de Direito é apenas um Estado que age na forma do Direito, um

143
Idem
144
NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. pág. 76-77
145
LUÑO, António E. Pérez. Ob. cit. pág. 222
58

Estado que determina e fixa quais os limites e as linhas da sua atividade, bem
como que estabelece através do direito à esfera livre do cidadão; o Estado
apenas age na forma do direito, que deve ser a sua veste independentemente
do conteúdo da sua ação, não representando nem o fim nem o conteúdo, mas
apenas que, o direito determina a forma de exercício de poder146.

Como se pode vislumbrar, STAHL defende apenas que a ação estatal se


funde na legalidade, isto é, no direito, não na razão. Contrariamente, Mohl
entende que a condição para que um Estado seja considerado, de Direito
torna-se necessário que o direito intervenha, estribada na sua ação de
persecução de um objetivo, a liberdade individual, fator de legitimidade e
medida de ação do Estado147.

A construção da teoria de Estado de Direito formal, de STAHL teve


importantes contributos de Bähr, Gneist, Laband e Otto Mayer, tendo atingido o
seu cume em Kelsen148. Para Kelsen o Estado é um sistema de normas e não
um ente real. É a personificação das normas jurídicas149. Ora, o Estado de
Direito vai significar a centralidade da lei (independentemente de qualquer juízo
axiológico), remetendo, a administração à mera executora pré-determinadas
pela lei considerando esta não como fonte de obrigações e de Direitos 150.

Kelsen introduz a questão da hierarquia das leis como uma das grandes
novidades do Estado de Direito, colocando a norma constitucional como o
ápice do sistema jurídico151. A lei perde o seu caráter absoluto e passa a ser
um degrau intermédio, susceptível de controle por parte da constituição, ou
seja, a sua aplicação deve estar de acordo com o grau superior do
ordenamento jurídico, a constituição152. Esta nova construção teórica e visão

146
STAHL, Frederich J. Die Philosophie dês Rechts, II, Rechts-und Staatslehre auf der Grundlage
christlicher Weltanschauung, Erste Abteilung, Die allgemeinen Lehren und das Privatrecht (Tübingen,
1878, 5ª ed.), Olms, Hildesheim, 1963, pp. 195-6 apud COSTA. Pietro. Ob. cit. pág. 122-123.
147
COSTA, Pietro. Ob. cit. págs. 124-125.
148
Cfr. NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. págs.106-113
149
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ª ed. São Paulo: Martins Fonte., 2006, págs. 316-321.
150
COSTA, Pietro. Ob. cit. pág. 157.
151
KELSEN, Hans. Ob. cit. págs. 214-217.
152
Idem
59

do Estado permitiu superar o dilema da autolimitação do poder do Estado,


como afirma Pietro Costa

A aporia que o Estado de Direito tentou inutilmente superar ao compor


(com a ``teoria da autolimitação´´) o poder ``absoluto´´ do Estado com
a função vinculante (e garantista) do direito... se, contudo, o Estado
coincide com o ordenamento jurídico, vem a cair o termo principal da
aporia: o Estado tem a ver não com o poder, mas com o direito;
resolve-se, antes integralmente no direito, é um sistema de normas e
153
dele exprime (por via de ``personificação´´) a unidade .

Neste sistema de normas, a constituição assume o papel de válvula de


fechamento da noção de Estado de Direito, remetendo as leis a um momento
de aplicação da normas constitucionais. A teoria kelsiana constitui a construção
mais acaba do Estado de Direito liberal Formal, cuja construção deu lugar a um
Estado de legalidade que comporta quaisquer fins e conteúdos, legitimando
toda a ordem vigente, o que culminou com o favorecimento e estabilização de
vários regimes totalitários na Europa154.

No entanto, Kelsen reconheceu posteriormente a limitação da sua


construção, considerando que a expressão Estado de Direito não aplicável a
todos tipos de Estado, independentemente da orientação a que se fundam,
mas sim apenas a um Estado que reúna algumas peculiaridades, como se
pode denotar quando KELSEN afirma que

Se o Estado é reconhecido como uma ordem jurídica, se todo o Estado


é um Estado de Direito, esta expressão representa um pleonasmo.
Porém, ela é efetivamente utilizada para designar um tipo especial de
Estado, a saber, aquele que satisfaz aos requisitos da democracia e da
155
segurança jurídica .

153
COSTA, Pietro. Ob.cit. pág. 155
154
NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. pág. 125
155
KELSEN, Hans. Ob. cit. pág. 346.
60

Todavia, Herman Heller acusa Kelsen de tentar criar uma teoria de


Estado sem Estado156, ele tenta construir uma ``teoria de soberania capaz de
dar conta, ao mesmo tempo, das regras e da autoridade que as institui e as
torna efetivas, sem cair no erro de tornar jurídicamente ``invisível´´ o momento
do poder e da obediência157´´, centrando a soberania no povo.

Neste diapasão, Heller em sua teoria vai pretender livrar o Estado de


Direito das suas hipotéticas individualistas abrindo-a a democracia social,
calcada em direitos não identificados com a liberdade e propriedade158. Os
pontos fulcrais da sua teoria assenta-se no pressuposto de que o normativismo
de Kelsen não vai poder conter o poder se não abandonar-se a forma e ater ao
conteúdo, e as instituições, aos princípios fundadores. Igualmente, o Estado de
Direito deve manter uma relação privilegiada com as Direitas sócias, que
consagram uma intervenção positiva do estado em relação aos sujeitos 159.
Neste prisma, o Estado de Direito ``Social´´ se vincula funcionalmente com
uma classe de direitos, os direitos sociais.

Enquanto, o Estado liberal do Direito estribava-se na ordem econômica,


política e jurídica, tendo a primeira o fito de assegurar a livre iniciativa, a livre
concorrência e a propriedade privada. A segunda visava garantir a separação
de poderes e as liberdades individuais e a ordem jurídica tinha garantir a
centralidade da lei. O Estado Social de Direito surge como necessidade de
intervencionismo Estatal nos campos econômicos, social, pois já não se tratava
apenas de colocar barreiras negativas ao poder do Estado, mas sim de garantir
as liberdades individuais e fixar obrigações positivas no âmbito dos direitos
sociais e econômicos para garantir a justiça social, visto que a livre
concorrência propiciava a existência de grandes desigualdades sociais160.

156
HELLER, Herman. La crisi dela doutrina dello stato, 1926, em HELLER, H. La sovranità ed altri scritti
sulla dotrina Del diritto e dello stato, organizado por PASQUINHO, P., GIUFFRÈ, MILANO, 1987, págs. 31
ss. Cfr também HELLER. H. Dottrina dello Stato, Napoli, 1988, págs. 97 ss apud COSTA, Pietro. Ob. cit.
pág. 168.
157
Idem
158
COSTA, Pietro. Ob. cit. pág. 171.
159
Idem, págs. 169-171.
160
NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. pág. 206-210
61

Neste contexto, LUÑO refere que ``o individualismo, assim como o


apoliticismo e a neutralidade do Estado liberal de Direito, não podia satisfazer a
exigência de liberdade e igualdade reais dos setores sociais economicamente
mais deprimidos161´´. As primeiras manifestações do Estado social de Direito
foram as constituição Mexicana de 1917 e a constituição de Weimar.

O jurista hispânico salienta que o Estado Social de Direito apresenta


como elementos essências, o fato de ser criado e regulado por uma
constituição, e a afirmação e a continuidade dos princípios social e democrático
de Direito que aparecem como dimensão essencial e como valores
indissociáveis do Estado de Direito. Caracteriza-se também pela abolição da
separação entre Estado e sociedade, tendo o Estado à responsabilidade da
transformação social da sociedade162.

Ademais, os Direitos Fundamentais deixam de ter, apenas, a função de


elemento limitador da ação do poder soberano, para se transformar em
elementos de controle da atividade positiva que deve ser orientada para a
participação dos indivíduos, passando a comportar os direitos econômicos,
sociais e culturais, devendo, o Estado social ser regido pelo princípio
democrático, cuja estrutura deve atender as formas plurais de participação dos
cidadãos em processos políticos, econômicos e sociais, mantendo a primazia
do Direito163.

Como se pode vislumbrar, a transformação do Estado em um Estado


Democrático de Direito é fruto de um processo, desde o modelo liberal de
Estado de Direito, do Estado de Direito social até ao Estado Democrático de
Direito, cuja evolução dos direitos fundamentais fez-se no interior das
instituições representativas e procurando de maneiras bastante variadas, a
harmonização entre direitos de liberdade e direitos econômicos, sociais e
culturais164. Assim, para além do princípio da legalidade, da sociabilidade o

161
LUÑO, António E. Pérez. Ob. cit. pág. 223
162
Idem, págs. 226-228
163
Idem
164
MIRANDA, Jorge. Ob. cit. pág. 25.
62

Estado Democrático de Direito aparece indissociável do princípio da dignidade


da pessoa humana.

Subjaz do acima exposto, a interdependência entre o Estado


Democrático de Direito e os Direitos Fundamentais, uma vez que a garantia
dos Direitos fundamentais é condição sine qua non do Estado democrático de
Direito ao passo que os Direitos fundamentais exigem, para a sua
materialização, a estrutura e a garantia do Estado democrático de Direito.

Ganha relevo aqui a lição de Jorge NOVAES ao referir que ``a extensão
exigida pela atual compreensão da dignidade da pessoa humana, os direitos
fundamentais só obtêm cabal realização e proteção em regime
democrático165´´, porque os direitos fundamentais como fins e valor do Estado
de Direito pressupõe garantias que apenas podem ser dadas num Estado
democrático. Por outro lado, os direitos fundamentais constitui dentro do
quadro democrático garantia das minorias contra eventuais desvios da maioria
no poder, assegurando dentre outros aspetos a liberdade de participação166.

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no Estado Democrático de


Direito, é inspirador de toda a política Estatal, é o fundamento e o limite das
ordens jurídicas. Dai que podemos, categoricamente, inferir que os direitos
fundamentais constituem a ``gema´´ da noção de Estado Democrático de
Direito.

É neste quadro que NOVAIS sintetiza dizendo

O Estado social e democrático de Direito – enquanto conceito que


exprime a limitação e vinculação jurídica do Estado com vista a
garantia dos direitos fundamentais do homem e à promoção das
condições do livre e autônomo desenvolvimento da personalidade
individual – acolher e integrar juridicamente as transformações
econômicas e sociais democraticamente decididas e, com tal alcance,

165
NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. pág. 207
166
SARLET, Ingo Wolfgag. A eficácia dos direitos fundamentais: : uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. Ob. cit. pág. 61
63

constituir-se em princípio estruturante da ordem constitucional das


167
sociedades democráticas contemporâneas .

No que tange a responsabilidade do Estado, importa referir que ela,


também, aparece indissociavelmente ligada a noção do Estado Democrático de
Direito, sendo corolário do princípio da legalidade e da separação de poderes,
como bem defende o Professor Celso Antonio BANDEIRA DE MELLO ao
referir que `` a ideia de responsabilidade do Estado é uma consequência lógica
inevitável do Estado de Direito(...) a responsabilidade é simples corolário da
submissão do Poder Público ao direito168´´. Em mesmo sentido, sustenta o
professor Romeu Felipe BACELLAR FILHO ao referir que

a própria noção de responsabilidade do Estado está intrinsecamente


ligada à noção de Estado de Direito. Ao poder Público não é dado
lesionar direitos alheios e, de forma ilegítima, ignorar a ocorrência da
lesão ou a necessidade de reparação (...) deve o Estado indenizar suas
vítimas, por imposição lógica do princípio da igualdade de todos
perante a lei, cânone da Administração Pública, erigindo à categoria de
169
mandamento constitucional .

Outrossim, a responsabilidade de Estado constitui uma das garantias


dos direitos e liberdades fundamentais, visto que o Estado ao se submeter ao
Direito deve respeitar e agir de acordo com o direito, podendo o Estado ser
responsabilizado por danos causados por seus agentes.

Importa referir que, não existe Estado sem sujeição ao Direito, por isso
para que um Estado seja Democrático de Direito, deve ter como um dos seus
postulados a Responsabilidade do Estado pelos danos causados pelos seus

167
NOVAIS, Jorge Reis. Ob. cit. pág. 218
168
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 999.
169
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Responsabilidade civil extracontratual das pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público ``in´´ A & C – Revista de Direito Administrativo &
Constitucional. Curitiba: Juruá, Ano 2, número 9, 2002 págs. 16-17.
64

agentes, a par do estabelecimento e garantia efetiva de direitos e liberdades


individuais fundamentais, a separação de poderes, do princípio da
constitucionalidade, o princípio da legalidade da administração170. A
responsabilidade civil do Estado deve ser um instituto fundamental, de qualquer
regime democrático para a efetiva proteção dos direitos fundamentais.
Do acima exposto, conclui-se, inequivocamente, que um Estado só se
pode considerar verdadeiramente democrático de direito, se paralelamente a
submissão ao império do direito, garantir os Direitos fundamentais e a
possibilidade de responsabilização do Estado por violação de tal núcleo de
direitos pelos seus agentes, cujos pressupostos analisaremos a seguir.

170
MIRANDA, Jorge. Ob. cit. págs. 177-178.
65

CAPÍTULO III – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO


DECORRENTE DE LESÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
PRESSUPOSTOS DA PRETENSÃO RESSARCITÓRIA

1. A conduta lesiva do Estado ensejadora de responsabilidade

1.1. Atividade administrativa lesiva aos Direitos fundamentais

Com vista à realização dos seus fins, não raras vezes, o Estado
intrometesse de forma legitima ou ilegítima na esfera jurídica dos particulares.
Como pessoa jurídica, o Estado manifesta a sua vontade por meio de seus
agentes cuja atuação é suscetível de causar danos aos administrados,
decorrentes do risco ou da prática de atos comissivos, sejam eles matérias ou
atos jurídicos, ou ainda de omissões.

Cumpre ressaltar, que a palavra ``agente´´ aludida tanto no texto


constitucional moçambicano (nº 2, do art. 58) como no brasileiro (§ 6º do art.
37) e aqui referida, deve ser entendida em sentido amplo, englobando todas as
pessoas encarregues de realizar alguma atividade pública, como nos elucida
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao referir que a mesma ``...abrange todas as
categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em
colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam
serviço171´´. Os atos perpetrados por estes agentes vinculam e são imputados
ao ente jurídico personificado Estado, sendo, esta relação entre vontade e ação
do Estado e de seus agentes, uma imputação direta do querer e agir dos
agentes ao Estado no âmbito da relação orgânica, pois mesmo que uma
determinada atividade tenha sido mal realizada pelo agente, entende-se que
assim o Estado quis, ainda que haja querido mal172.

171
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª Ed. São Paulo: ATLAS S. A, 2003, pág. 650
172
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1008.
66

Neste diapasão, Hely Lopes MEIRELLES realça que

o essencial é que o agente da administração haja praticado o ato ou a


omissão administrativa no exercício de suas atribuições ou a pretexto
de exercê-las. Para a vitima é indiferente o título para o qual o
causador direto do dano esteja vinculado à administração; o necessário
é que se encontre a serviço do Poder Público, embora atue fora ou
173
além de sua competência administrativa .

A lei fundamental brasileira no § 6, do art. 37, alargou sobremaneira o leque


de pessoas cuja ação pode comprometer o Estado, englobando as pessoas
jurídicas de direito privado que, sob delegação ou concessão, prestam serviços
públicos, fazendo com que a sua conduta danosa, dê azo à responsabilidade
civil subsidiária do Estado.

O alargamento da Responsabilidade objetiva do Estado aos atos das


pessoas coletivas de Direito Privado demonstra de forma incontestável o quão
consolidado se encontra a responsabilidade do Estado no Brasil, na medida em
que o legislador constituinte alarga a proteção do cidadão, contra o dano
injusto causado na persecução do bem comum por entidades privadas
prestadoras de serviço público. Por outro lado, mais do que uma pretensão
ressárcitoria, revela o reconhecimento da responsabilidade civil como instituto
crucial num regime democrático para a proteção efetiva e a garantia dos
direitos fundamentais dos cidadãos. Diferentemente do Direito moçambicano
que limita a responsabilidade estatal, exclusivamente, aos atos ilegais
praticados pelos agentes públicos.

Com efeito, podemos depreender que a atuação do agente do Estado,


desde que revestido daquela qualidade, seja ela comissiva ou omissiva, ainda
que extravaze os limites de sua competência impostos pelos ditames legais,
violadora dos direitos e liberdades individuais, dos direitos civis e políticos, bem
como dos direitos sociais e econômicos enseja responsabilidade civil do
Estado.

173
MEIRELLES. Hely Lopes. Ob. cit. 535-536
67

1.1.1. Conduta comissiva lesiva aos Direitos Fundamentais

Conforme acima exposto, os Direitos fundamentais assumem hoje perene


importância no Estado Democrático de Direito e a sua tutela assume índole
inegável e inegociável. Apesar do referido patamar na ceara jurídica, várias
são as condutas positivas praticadas pelos agentes do Estado lesivas à
dignidade da pessoa humana. No âmbito da responsabilidade objetiva do
Estado é irrelevante qualquer investigação de elementos subjetivos de culpa ou
dolo, para o ressarcimento dos danos matérias e morais causados pelos
agentes estatais.

Nesse sentido, Celso Antonio Bandeira de Mello realça que, ante às


prerrogativas que o Estado, como sociedade personificada, goza de intervir de
forma unilateral na esfera jurídica dos particulares, há necessidade de ressarcir
o dano injusto, causado por atos comissivos praticados em prol do bem
comum, que especialmente atinge alguns, sem cogitar culpa ou infração ao
direito174.

No direito brasileiro, os atos comissivos ensejadores de


responsabilidade tanto podem ser lícitos ou ilícitos, em virtude da cosagração
da Responsabilidade Objetiva, como bem refere Renan Miguel SAAD que

a responsabilidade civil a partir do momento em que prescinde da


comprovação da culpa, não terá mais como fundamento o ato ilícito. O
seu fundamento será a norma jurídica, consubstanciado pelos
175
elementos do ato, quais sejam: agente, dano e nexo de causalidade .

No entanto, a conduta comissiva do Estado pode constituir em um


comportamento material de um agente do poder público, como por exemplo, a

174
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1011
175
SAAD, Renan Miguel. Ob. cit. pág. 54.
68

tortura de um detento levada a cabo por um agente penitenciário, ferindo o


direito fundamental à integridade física. Por outro lado, a lesão à dignidade
humana pode advir de atos jurídicos expedidos por órgãos públicos, como por
exemplo, um despacho que violando os ditames do princípio da igualdade,
limite a fruição de determinado espaço público, em razão de cor da pele,
condição social, entre outros aspetos.

No que tange ao ordenamento jurídico moçambicano, como referimos no


primeiro capítulo da presente dissertação, o mesmo ainda está ancorado em
pressupostos subjetivos para a responsabilização do Estado moçambicano,
visto que a atual Constituição da República de Moçambique, no nº 2, do seu
artigo 58 estatui que ``O Estado é responsável pelos danos causados por atos
ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do
direito de regresso nos termos da lei´´. Nesta senda, o Estado apenas
responde pelos danos causados por atos comissivos contrários ao Direito, o
que evidencia a fraca evolução do instituto, ante ao olhar impávido e sereno
dos cultores do direito moçambicano, e serve de bitola para aferir o quanto
ainda se tem por consolidar como Estado Democrático de Direito.
Contudo, o nº 1, do artigo supracitado, faz alusão expressa as violações
dos direitos fundamentais, estatuindo que ``A todos é reconhecido o direito de
exigir, nos termos da lei, indemnização pelos prejuízos que forem causados
pela violação dos seus direitos fundamentais´´, é de salutar este destaque dado
as violações dos direitos fundamentais e a preocupação do legislador
constituinte em oferecer maior proteção a tais direitos, porém, esbarra na
exigência de demonstração dos elementos subjetivos na conduta lesiva do
agente.

Ora, é de se superar a teoria subjetiva no Direito moçambicano, na medida


em que pode levar a claras injustiças, devido às dificuldades do cidadão em
demonstrar e individualizar a culpa do agente, bem como nos casos de danos
resultantes do risco administrativo, ou ainda de fatos lícitos que causem
prejuízos à esfera jurídica dos particulares. A respeito de prejuízos causados
por atos lícitos, sem culpa do agente do Estado, José CRETELLA JÚNIOR
entende que
69

o Estado é responsável, porque tais atividades, exercidas em benefício


de todos, trazem implícito o princípio que diz: quem tem as vantagens
deve suportar os riscos. Seria injusto que um só aceitasse os prejuízos
176
que o acaso fez recair sobre ele .

Como se pode vislumbrar, o referido autor suporta a sua posição no


princípio de igualdade, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito,
pois se a vantagem é tirada pela coletividade, os encargos devem ser
suportados por todos os administrados. Por outro lado, o autor se estriba na
máxima latina ubi commuda, ibi incommuda, pois se da prática de determinado
ato o estado retira vantagens cabe a ele suportar os encargos que possam
advir de tal conduta.

Nesta medida, a responsabilidade civil extracontratual do Estado,


segundo Joachim Wolfgang Stein ``assenta-se no respeito à pessoa humana e
aos bens alheios, princípio geral do direito que tende a evoluir no curso do
tempo, para abarcar cada vez mais as situações fáticas geradoras de dano177´´.

Ora, a violação de direitos fundamentais implica a responsabilidade por


fatos ilícitos, dado que a palavra violação em si, implica um ato contrário ao
direito, por isso, a reparação dos danos causados por estes atos, caí ao cobro
da responsabilidade subjetiva178. Todavia, o risco administrativo também pode
propiciar a lesão aos direitos fundamentais, e constituir um fator gerador de
prejuízos à esfera jurídica do particular, daí o alargamento da proteção ao
cidadão e a cosagração da Responsabilidade Objetiva do Estado. Sobre o risco
administrativo, em sede própria, aprofundaremos no presente trabalho.

176
CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit. pág. 109
177
STEIN, Joachim Wolfgang. Revista forense número 264, apud BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Responsabilidade Civil Extracontratual das Pessoas Jurídicas de Direito Privado Prestadoras de Serviço
Público. ``in´´ A & C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional. Ano 2, Nº 9. Curitiba: Juruá,
2002, pág. 16.
178
MIRANDA, Jorge. Ob. cit. pág. 269.
70

A par da conduta comissiva lesiva, a omissão do Estado também pode


causar prejuízos e ensejar responsabilidade civil de Estado, como adiante nos
debruçaremos.

1.1.2. Conduta omissiva lesiva aos Direitos Fundamentais

A concretização do princípio da dignidade da pessoa humana impõe, por si,


uma série de obrigações positivas ao Estado, corolário do triunfo dos direitos
sociais e econômicos que incrementou o leque de deveres que o Estado deve
cumprir com o escopo de garantir uma vida digna, que passa desde o direito a
saúde, ao trabalho, um meio ambiente digno, entre outros.

Não obstante a consagração constitucional, várias tem sido as violações


dos direitos fundamentais por omissão dos agentes do Estado, quer seja
porque os serviços públicos, ao invés de garanti-los, não funcionaram, devendo
funcionar, funcionaram tardiamente.

A doutrina é unanime em reconhecer a responsabilidade do Estado por


omissão, porém digladia-se quanto à teoria de responsabilidade que incide
sobre ela. Alguns autores defendem que tais danos caem ao cobro da teoria
subjetiva e outros da teoria objetiva. Hely Lopes Meirelles destaca-se entre os
defensores da aplicação da teoria objetiva aos danos causados por omissão do
Estado, pois entende que estes se inserem no âmbito dos riscos assumidos
pela administração na consecução dos seus fins, como consequência da
substituição da responsabilidade individual do agente pela responsabilidade
genérica do poder público, cobrindo o risco da sua ação ou omissão179.

Nesta senda, o autor em referência, a título de exemplo, afirma que ``incide


a responsabilidade civil objetiva quando a Administração Pública assume o
compromisso de velar pela integridade física da pessoa e esta vem a sofrer um

179
MEREILLES, Hely Lopes. Ob. cit. pág. 536.
71

dano decorrente da omissão do agente público naquela vigilância180´´. Como se


pode depreender do exemplo em apreço, para Meirelles os danos causados ao
direito fundamental, em virtude da omissão do Estado enseja a
responsabilidade objetiva, bastando para tal a comprovação do nexo causal
entre a omissão e o dano.

Em sentido contrário, destaca-se Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO que


defende a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, visto que só se
pode responsabilizar o Estado por danos causados por omissão quando haja
um dever legal de impedir o evento lesivo, considerando, por isso
responsabilidade do Estado por comportamento ilícito 181. Ademais, o autor
supracitado esclarece que

(...)não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver)


que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia
(culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o
constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as
182
modalidades da responsabilidade civil .

Desta lição, da qual perfilhamos, subjaz a ideia de que a culpa esta


umbilicalmente ligada ao comportamento omissivo, tal como refere José
CRETELLA JÚNIOR

a omissão configura a culpa in omittendo ou in vigilando. São casos de


inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou não se vigia, quando
deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a
responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo
agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como bonus
administrator. Foi negligente. Às vezes imprudente ou até imperito.
Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte;

180
Idem
181
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1013
182
Idem
72

imperito, se não previu a possibilidade de concretização do evento. Em


183
todos os casos, culpa, ligada à ideia de inação física ou mental .

Importa frisar que no âmbito dos direitos fundamentais, por imposição


constitucional o Estado tem a obrigação de respeitar e garantir a sua
efetivação. Se não existisse essa imposição constitucional não seria possível
ensejar responsabilidade do Estado por comportamento omissivo. A este
respeito, Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que admitir-se a
responsabilidade do Estado por omissão, nas hipóteses em que não existe um
dever legal de ação, o Estado estaria erigido a segurador universal, sendo
responsável por todo e qualquer dano que o cidadão viesse a sofrer, visto que,
em princípio, cumpre ao estado prover a todos interesses da coletividade184.

Com efeito, nos casos de conduta omissiva do Estado os danos, tanto


podem ser causados por fatos da natureza ou fatos de terceiro, que podiam ser
evitados ou minorados pelos agentes do poder público caso tivessem agido 185,
porque a omissão do agente estatal é condição e não causa do dano 186. Neste
prisma, Renan Miguel SAAD, assinala que

para se elidir a responsabilidade do Estado, por atos, omissivos, é


necessário provar-se a inexistência do ilícito, ou se demonstrar a culpa
da vítima, ou o advento do fortuito, provando-se, neste caso, que o
187
evento lesivo foi irresistível, inevitável e imprevisível .

Este entendimento corrobora com a ideia, de que a responsabilidade


que derivada de danos causados pela omissão do Estado é subjetiva, ou seja,

183
CRETELLA JUNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. São Paulo: Forense, Volume 8, 1970, pág.
210.
184
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1014-1015
185
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 655
186
Celso Antonio Bandeira de Mello. Ob. cit. p. 1014 esclarece que ``causa é o fator que positivamente
gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o
resultado´´.
187
SAAD, Renan Miguel. Ob. cit. pág. 68
73

o comportamento omissivo deve ser antijurídico. Nesta senda, nos casos de


omissão a culpa é ``presumida´´, na medida em que basta que o poder público
prove que não houve culpa ou dolo, para se afastar a obrigação de
indemnização, o que não ocorreria se a responsabilidade fosse objetiva, em
que basta a comprovação do nexo causal entre o evento lesivo e o dano,
sendo irrelevante se ocorreu por culpa ou dano188. Ocorre aqui uma inversão
de ônus de prova189, aplicável também a faute du service, pois o particular
dificilmente poderia ter meios e conhecimentos necessários para provar a culpa
da administração190.

Assim, nos casos em que a omissão do Estado gera lesão aos Direitos
fundamentais como, por exemplo, a falta de prestação de socorro a um
paciente que se encontra no interior de uma unidade sanitário pública, e que
por tal omissão resulta na morte deste, caberá ao Estado provar que os
agentes da unidade sanitária agiram dentro das imposições legais, ou seja,
cumprindo todos os seus deveres.

Do acima exposto, cabe concluir que nos casos de responsabilidade por


atos comissivos, os danos podem ser causados tanto por fatos lícitos e ilícitos
enquanto que na responsabilidade por omissão do Estado essa vai sempre ser
deflagrada por uma abstenção ilícita do poder público, ou seja, uma violação de
um dever jurídico de agir. Assim, a responsabilidade por omissão do Estado
lesiva aos Direitos fundamentais estriba-se na ilicitude e na culpabilidade do
agente, ou seja, é uma responsabilidade subjetiva.

188
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1015
189
Por regra, quem invoca um direito tem o ônus de provar, todavia dada a natureza do Estado e a sua
complexa máquina, a tutela efetiva do direito do cidadão só será possível mediante a inversão dessa
regra, bastando que o lesado demonstre o nexo causal.
190
Idem
74

1.1.3. O Risco e a lesão aos Direitos Fundamentais

A atividade estatal na consecução do bem comum pode acarretar a


exposição dos cidadãos ao risco de lesão dos seus direitos fundamentais,
devendo tais danos ser assumidos por quem criou o risco, fazendo jus à velha
máxima ubi commoda, ibi incommoda. Tal situação ocorre em hipóteses em
que o poder público condiciona os fatores que propiciam, de forma decisiva, a
ocorrência do dano191. Nas palavras do professor Romeu Felipe Bacellar Filho
nesses casos ``se leva em conta a potencialidades de ações danosas do
Estado, normais ou anormais, lícitas ou ilícitas, aliada ao fator de possível
anormalidade de conduta da vítima e eventos exteriores na determinação do
dano injusto192´´.

Neste prisma, a obrigação de indenizar que na responsabilidade por


omissão funda-se na falta administrativa, nos danos causados por risco
administrativo erige do fato de serviço193, quer dizer, o dever de indenizar
resulta do dano injusto causado na esfera jurídica dos administrados sem que
seja, necessariamente, causado por atos dos agentes públicos, mas apenas
propiciadas por sua conduta, daí a imputação a título de responsabilidade
objetiva ou pelo risco.

A responsabilidade objetiva do Estado, prescindi de qualquer apreciação de


elementos subjetivos (culpa ou dolo), por partir da ideia de que a atividade
estatal envolve o risco de causar danos194. A título de exemplo, nos casos de
transporte ou armazenamentos de substancias nucleares por representar um
risco aos cidadãos, o Estado vai responder por todos os danos injustos que
dessa atividade possa advir a um cidadão ou grupo de cidadãos.

A este respeito, a Constituição Federativa do Brasil estatui no artigo 21º,


Inciso XXXIII, c), a ``responsabilidade civil por danos nucleares independe de
existência de culpa´´. Esta obrigação de indenizar resulta, como assinala

191
Idem, pág. 1018
192
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo e o novo código civil. Ob. cit. pág. 220
193
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. pág. 532.
194
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 646
75

Meirelles, para compensar a desigualdade individual, criada pela própria


administração, devendo todos os outros componentes da coletividade suportar
a reparação do dano, através do erário público, cumprindo assim os cânones
do princípio da igualdade195. Na mesma senda, DI PIETRO é esclarecedora, ao
referir que nos casos de danos propiciados por situação de risco ``a ideia de
culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o fundamento do serviço
público e o prejuízo sofrido pelo administrado196´´.

Como se pode depreender, a responsabilidade do Estado pelo risco funda-


se no princípio da igualdade de ônus e encargos sociais, perante os danos
causados a um cidadão ou grupo de cidadãos, por atividades administrativas
que visa assegurar o bem comum. Assim, a título de exemplo,
independentemente da culpa dos agentes estatais, todos devem arcar com os
danos causados pela violação do direito a vida, resultante da explosão de um
paiol de armamento de guerra, pelo risco que tal acondicionamento efetuado
pelo Estado representa aos cidadãos. O Estado, nesses casos, muitas vezes
não é o autor do dano, mas compõe por ato seu, situação propícia à
eventualidade de um dano197.

Como se pode depreender, a imputação da responsabilidade do Estado, a


título objetivo, é festejada por ampliar a proteção ao cidadão, abarcando danos
causados pelo risco, independentemente de culpa, o que demonstra, mais uma
vez, que a responsabilidade subjetiva do Estado plasmada no Direito
Moçambicano origina flagrantes injustiças198, e não se compagina com o
espírito do Estado Democrático de Direito cujo âmago é a garantia e proteção
dos Direitos fundamentais dos cidadãos.

195
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. pág. 532
196
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 646
197
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Ob. cit. pág. 1019
198
Veja-se, por exemplo, o caso da explosão do paiol das Forças Armadas de Defesa de Moçambique
(FADM), situado no Bairro de Malhazine, na Cidade de Maputo em 28 de Março de 2008, cujas causas
são desconhecidas, em que ceifou vidas humanas, deixou dezenas de feridos e provocou avultados
danos matérias, ficando as vítimas reféns da boa vontade do Estado em apoiar na mitigação dos
prejuízos.
76

1.2. Atividade jurisdicional lesiva aos direitos fundamentais

Como temos vindo a salientar, a responsabilidade do Estado é corolário da


submissão do Estado ao Direito, a sua evolução assumiu diversas nuances
concomitantemente com a afirmação do Estado Democrático de Direito. O
poder estatal caracteriza-se pela unicidade de soberania, de jurisdição, do
ordenamento jurídico e do próprio poder, porém as suas funções são divididas
por órgãos diversos com funções legislativas, executivas e judiciais199. Ao
judiciário, que é o cerne do ponto em epígrafe, cabe solucionar litígios
submetidos a sua apreciação, bem como realizar o controle do poder político.
Por outro lado, constitui importante tarefa do judiciário tutelar os direitos
fundamentais, quer para que não sejam violados, bem como atuando para a
sua efetivação200. Assim, o direito de acesso à justiça constitui em si mesmo,
um direito fundamental e primordial para a concretização dos restantes direitos
existenciais.

A efetivação e materialização dos demais direitos fundamentais, mormente,


os direitos sociais e econômicos reconhecidos e consagrados no pós-guerra,
ficam em grande medida condicionados a concretização do acesso à justiça.
Nesta senda, assinala Boaventura de Sousa Santos que

a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e


a sua expansão paralela à do estado de bem estar social transformou o
direito de acesso efetivo à justiça no direito de charneira, um direito
201
cuja denegação acarretaria a de todos os demais .

199
FACHIN, Zulmar. Responsabilidade Patrimonial do Estado por Ato Jurisdicional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, pág. 153
200
Idem, pág. 155.
201
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça ``in´´ Revista
crítica de ciências sociais, número 21, 1986, pág. 18.
77

É desta forma que o direito de acesso à justiça reveste-se,


inquestionavelmente, de dignidade constitucional não só do ponto de vista
formal, mas também material. A CRM/2004 consagra de forma expressa no nº
1, do artigo 62, inserido no capítulo III, dedicado as Liberdades e Garantias
Individuais, que ``o Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e
garante aos arguidos direito de defesa e direito a assistência jurídica e
patrocínio jurídico´´, no Brasil a CFB/88 estatui o direito de acesso à justiça no
inciso XXXV, do artigo 5º, inserido no título II, dedicado aos direitos e garantias
fundamentais, cristalizando o direito do cidadão ajuizar, exigindo manifestação
do poder judiciário. Esta garantia constitucional a ninguém deve ser negada.

A violação pelo Estado-juiz do direito de acesso à justiça fere o sentimento


de justiça almejado pelo autor de determinada ação judicial, constituindo uma
denegação de justiça.

Segundo Augusto de Amaral Dergint, em sentido amplo, a denegação de


justiça é toda deficiência interna do Poder judiciário, que resulte em uma falta
do Estado no cumprimento do seu dever de proteção judiciária, enquanto que
em sentido estrito consiste na negativa do Estado juiz em prestar tutela
jurisdicional, não oferecendo devida proteção aos direitos de seus cidadãos202.

Neste âmbito, a demora na prestação da tutela jurisdicional pode constituir


uma denegação de justiça, dado que ao Estado incumbe prestar o serviço
judiciário com certo grau de qualidade, com o fito de responder as demandas
num prazo razoável, para por um lado, acautelar todos os feitos úteis da ação e
por outro lado, dar uma resposta aos anseios de justiça do cidadão. Neste
sentido, DERGINT assinala que ``a finalidade do serviço judiciário, que deve
funcionar sem falhas, consiste em garantir a realização do direito objetivo
material, para que impõe-se ao juiz o cumprimento de determinados prazos
fixados pelo direito material203.´´ Assim, a denegação de justiça pode decorrer
de simples falha interna do parelho judicial, ou de culpa ou dolo do juiz.

202
DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994, pág. 189.
203
Idem, pág. 193
78

O dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional dentro dos prazos e


limites preestabelecidos subjaz do princípio da legalidade, pilar do Estado
Democrático de Direito a que toda a ação estatal esta adstrita, daí se exija
responsabilidades do Estado204. José Augusto DELEGADO insurge-se contra
demora na entrega da prestação jurisdicional dizendo

A realidade mostra que não é mais possível a sociedade suportar a


morosidade da justiça, quer pela ineficiência dos serviços forenses,
quer pela indolência dos seus juízes. É tempo de se exigir uma tomada
de posição do Estado para solucionar a negação de justiça por
retardamento da entrega da prestação jurisdicional. Outro caminho não
tem o administrado, senão o de voltar-se contra o próprio Estado que
205
lhe retardou justiça, e exigir-lha reparação civil pelo dano...

Estas situações de denegação de justiça por parte dos órgãos que


deveriam garantir a aplicação do direito e a efetivação dos mesmos pode,
como é evidente, levar o lesado a demandar o Estado nas cortes internacionais
por inércia dos tribunais internos.

Um exemplo arquetípico do que acima referenciamos é o caso 12.310,


sobre violação de direitos fundamentais por morosidade da justiça, intitulado
SEBASTIÃO CAMARGO FILHO, morto à tiro numa violenta operação
extrajudicial de desocupação da fazenda Santo Ângelo. O Estado Brasileiro foi
demandado junto a Corte Interamericana de Direitos Humanos, pois para além
da violação do Direito à vida e demais direitos fundamentais, violou garantias
judiciais e de proteção judicial, visto que identificados os autores das violações,
houve morosidade nas investigações por parte do Estado do Paraná, levando a
que vários crimes cometidos prescrevessem, enquanto o processo criminal
permanecia, ainda, na fase de instrução criminal, ultrapassando os períodos

204
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. São Paulo:
Saraiva, 1984, pág 12. refere que ``o administrado, quando solicita qualquer manifestação (...) da
Administração Pública, o faz tendo em vista as leis vigentes no momento em que requer, e tem o direito
de ver a sua pretensão apreciada, com base nestas leis e dentro dos prazos fixados, ou, na ausência de
determinação de prazos, dentro de lapso de tempo razoável´´ .
205
DELEGADO, José Augusto. 1983, pág. 178 apud DERGINT, Augusto do Amaral. Ob. cit. 197.
79

estabelecidos na lei. A Corte foi peremptória a considerar no seu relatório nº


25/09 que

O Estado tinha o dever de realizar de oficio uma investigação judicial


efetiva destinada a identificar todos os autores das violações, bem
como de julga-los e de a eles aplicar as respectivas penalidades legais,
para cujo efeito deveria promover e incentivar o processo penal até as
suas últimas consequências.

Em face, destas violações a Corte Interamericana, dentre outros aspetos,


recomendou que o Estado Brasileiro reparasse plenamente as famílias de
Sebastião Camargo Filho, no aspecto tanto moral quanto material, pelas
violações dos direitos fundamentais.

A denegação de justiça lesa a prior um direito fundamental, o de acesso à


justiça, podendo causar danos ao cidadão, cujo ressarcimento cabe ao Estado,
por força do princípio da igualdade e da solidariedade em que obriga que toda
coletividade suporte os ônus do comportamento Estatal danoso. A denegação
de justiça, não constitui a única forma que pode acarretar a lesão a direitos
fundamentais.

No cumprimento do serviço judiciário, o Estado-juiz manifesta a sua vontade


por meio de ato jurisdicional, que como qualquer ato jurídico pode estar
inquinado de vícios, sejam eles intencionais ou não intencionais. Neste
diapasão, Fachin considera que ``a falibilidade é uma condição inerente ao ser
humano. Toda pessoa pode, a qualquer momento, cometer erros em suas
atitudes. Não poderia ser diferente em relação ao juiz206´´, mesmo quando
observadas todas as precauções processuais. O erro judiciário pode verificar-
se em qualquer esfera do direito207, representa um equivoco da sentença

206
FACHIN, Zulmar. Ob. cit. pág. 191
207
Em nota Dergint refere que na esfera penal o erro judiciário deve ser tomado de um ponto de vista
amplo, abarcando a prisão preventiva ilegal ou injusta, cujos danos patrimoniais e morais são patentes
DERGINT, Augusto do Amaral. ob. cit. pág. 164
80

judicial, que pode decorrer de culpa, erro (de fato e de direito) ou mesmo
ignorância do magistrado208.

A submissão para apreciação do tribunal coloca, muitas das vezes, diversos


direitos fundamentais em cheque, dentre outros, a liberdade no direito penal, a
propriedade, direitos de personalidade no direito civil, que podem ser atingidos
pelo equivoco do Estado-juiz, causando inúmeros danos materiais e morais.
Edmir Netto de Araujo elenca as situações que frequentemente se verifica em
matéria de erro no ato jurisdicional, como é o caso do dolo do juiz, a culpa do
juiz, nas modalidades de negligência ou imprudência, decisão contrária à prova
dos autos, indução a erro, através de elementos juntados ou não aos autos,
erro na análise das provas, na aplicação do direito cabível, ou até erro
profissional, bem como o aparecimento de fatos ou elementos que venham
contradizer ou anular provas ou elementos relevantes dos autos, e que
influíram decisivamente na prolação da sentença209.

O ideal seria que o Estado, em geral, nunca errasse na sua atuação, e em


especial o Estado-juiz na tomada de decisão, mas se cair no erro, pior será o
particular arcar com os efeitos do erro, sem possibilidade de correção e
reparação. O meio estatuído para fazer face, a estas situações no âmbito do
direito penal é a revisão criminal que têm a força de afastar o princípio da coisa
julgada material, que como adverte FACHIN ``embora imprescindível para o
Direito, há de ceder a outro bem jurídico mais importante210´´. Este remédio
jurídico-processual que permite a reapreciação do caso e correção das
injustiças, ganha maior importância quando a dignidade da pessoa humana
está em cheque. Todavia, a revisão do processo não afasta a obrigação de
reparar os danos causados pelo erro, pois constitui um direito subjetivo do
cidadão, como bem assevera Dergint ao afirmar que

208
Idem, pág. 164.
209
ARAUJO, Edmir Netto de. Responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981, pág. 109
210
FACHIN, Zulmar. Ob. cit. pág. 191
81

A reparação do erro judiciário consiste (...) em verdadeiro direito da


vítima contra o Estado. O dever de repar não se funda, pois em um
imperativo de assistência e solidariedade social. A indenização decorre
não de um dever moral (quando poderia ou não ser concedida pelo
211
Estado ``soberano´´, mas sim de um dever jurídico .

A revisão do processo permite a reintegração dos direitos violados pela


decisão errônea como, por exemplo, a restituição da liberdade, a devolução
dos bens aprendidos, dentre outros casos.

O equivoco do Estado-juiz ou erro judiciário, também se pode verificar em


processos de índole civil, admitindo a lei processual, a revisão da coisa julgada
civil inquinada de vicio, estribando-se na ação rescisória (prevista no Código de
Processo Civil), que é o correspondente civil da revisão criminal212. Outrossim,
no cumprimento da função jurisdicional na esfera civil, o erro judiciário pode
acarretar lesão a direitos fundamentais. DERGINT defende que ``na
eventualidade de ocorrência de um dano, derivado do exercício de tal função
pelo órgão judicial, o Estado (a coletividade pública), que tira proveito (talvez
indireto) da jurisdição civil, deve reparar ao jurisdicionado lesado213´´.

A doutrina diverge quanto à pré-condição para o ressarcimento do erro


judiciário civil, ou seja, se este deve depender de prévia revisão da decisão ou
se independe. FACHIN entende que ``o lesado poderá ajuizar ação de
reparação do dano independentemente de ter havido ou não a rescisão da
sentença danosa. Não pode ser imposta pré-condição a ser preenchida pelo
lesado214´´, enquanto que em sentido contrário entende Juarez Melo da Silva
ao considerar que a reparação do erro judiciário civil é vinculada a prévia
desconstituição da sentença lesiva (e comprovação do erro) mediante a ação
rescisória215. Quanto a nos, é de acolher a primeira posição, cujos argumentos
apresentaremos mais adiante.

211
DERGINT, Augusto de Amaral. Ob. cit. pág. 169.
212
ARAUJO, Edmir Netto de. Ob. cit. pág. 114
213
DERGINT, Augusto do Amaral. Ob. cit. pág. 184.
214
FACHIN, Zulmar. Ob. cit. pág. 201
215
SILVA, Juarey C. ob. cit. pág. 175
82

Podem ocorrer ainda, casos de dolo ou culpa do juiz na prestação


jurisdicional, devendo o Estado ressarcir os danos, com base na teoria
subjetiva, tendo o Estado direito de regresso sobre o juiz. Não havendo dolo ou
culpa do juiz, toda a coletividade vai suportar o ônus, em nome do princípio da
igualdade e da solidariedade, ou seja, impende sobre o Estado a obrigação de
indenizar, sem direito de regresso216, isso à luz do direito brasileiro, enquanto
que na realidade moçambicana não cabe ação de responsabilização do
Estado.

Subjaz do acima exposto que a atividade jurisdicional, como qualquer outra


atividade do Estado pode causar danos aos cidadãos. No entanto, a
responsabilidade do Estado por atividade jurisdicional danosa, sem embargo
da reparação dos danos resultantes do erro judiciário, constituiu o último reduto
da teoria da irresponsabilidade do Estado217.

Vários foram os argumentos usados para sustentar a irresponsabilidade do


Estado por atividade jurisdicional por parte da doutrina, como sejam, a
soberania do poder judiciário, o fato dos juízes terem de agir com
independência no exercício das suas funções, a imputabilidade da coisa
julgada, bem como o argumento de que o magistrado não é funcionário
público218.

No que tange ao argumento, segundo o qual o poder jurisdicional é


soberano, e como tal não se podia admitir a responsabilidade quer do Estado,
bem como do juiz em particular, Edmir Neto de Araujo refere que ``a soberania
é um atributo da entidade `Estado´, de forma una e indivisível, e não de cada
um de seus poderes ou órgãos219´´. O mesmo entendimento é perfilhado por
Dergint que alerta para o princípio da unidade do poder estatal, asseverando
que a soberania é do Estado como um todo, indivisível e inalienável, e não
pode ser tomada de forma independente em suas funções220.

216
FACHIN, Zulmar. Ob. cit. pág. 216
217
CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pág. 593.
218
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 662.
219
Araujo, Edmir Neto. Ob. cit. pág. 136
220
DERGINT, Augusto de Amaral. Ob. cit. pág. 131.
83

Desconstruindo o argumento da soberania, Di Pietro ensina que ela


significa a inexistência de outro poder acima, é una, aparecendo clara nas
relações entre Estados, daí que tanto o Executivo, Legislativo não podem ser
considerados soberanos, porque devem obediência a lei e a constituição 221.
Ora, a soberania é um poder supremo, por isso característica do Estado em si,
pelo que não pode ser usada como argumento para justificar a
irresponsabilidade de um poder em particular, aceitando a de outro (poder
executivo).

No que concerne à independência dos juízes, princípio fundamental para a


garantia de imparcialidade e de obediência ao direito, para FACHIN ``essa
independência não pode interferir na necessidade de o Estado poder ser
responsabilizado pelos danos causados ao jurisdicionado222´´. O fato de o juiz
agir com independência, não legitima que o dano injusto fique sem reparação,
aliás, reforça a ideia de submissão ao direito na tomada de decisão, o que
implica a censura jurídica em caso de atuação danosa.

Relativamente ao argumento de que o magistrado não tem estatuto de


funcionário público, o que torna os seus atos não sujeitos ao crivo do princípio
da responsabilidade do Estado, importa referir que este argumento caí por
terra, pois o juiz ocupa cargo público criado por lei, sendo considerado
funcionário público223.

Ademais, a lei fundamental moçambicana e a lei fundamental brasileira ao


disciplinar a responsabilidade estatal empregaram a expressão ``agente´´ para
precisamente englobar todas as pessoas que prestam serviços públicos, seja
qual for a formula específica de vinculação a estrutura Estatal.

O argumento fulcral apresentado para sustentar a teoria da


irresponsabilidade do Estado decorrente de danos causados por atos
jurisdicionais é o da incontrastabilidade da coisa julgada. Sustentam a
incontrastabilidade da coisa julgada, referindo que a decisão definitiva está

221
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 662
222
FACHIN, Zulmar. Ob. cit. pág. 181
223
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 663
84

incutida de presunção de verdade legal, e admitindo os defeitos da coisa


julgada poderia constituir uma ofensa ao princípio basilar da segurança
jurídica224.

Edmir Netto de Araujo considera este argumento como sendo ``mais


substancial que o anterior, mas igualmente não suficiente para justificar a
imunidade do poder público frente ao prejuízo sofrido por seu administrado em
consequência do erro jurisdicional225´´. Com efeito, no direito brasileiro a força
da coisa julgada como acima referimos, cede em face de alguns instrumentos
de revisão dos processos, como seja, a revisão criminal e a ação rescisória.

Ora, dado o prazo prescricional a que esta adstrita a ação rescisória (2


anos), findo o qual a decisão se torna imutável e definitiva, ou seja coisa
``soberanamente´´ julgada, que solução se pode vislumbrar. Aqui reside o
âmago da questão, visto que do ponto de vista legal a decisão, pese embora
defeituosa e danosa torna-se inatingível. Em face dessa limitação, Araujo
adverte que ``uma coisa é admitir a incontrastabilidade da coisa, e outra é erigir
essa qualidade como fundamento para eximir o Estado do dever de reparar o
dano226´´ injusto sofrido pelo cidadão. Nesta senda, Di Pietro é peremptória a
afirmar que

o fato do Estado ser condenado a pagar a indenização decorrente de


dano ocasionado por ato judicial não implica a mudança na decisão
judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes; a que
ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa
julgada, que permanece inatingível. É o Estado que terá de responder
pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em
227
decorrência do erro judiciário .

224
DERGINT, Augusto de Amaral. Ob. Cit. pág. 136
225
Idem, pág. 138
226
Idem
227
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 663.
85

Neste diapasão, Dergint, bem sintetiza referindo que ``na ação


indenizatória não se busca a desconstituição da sentença lesiva, e não se
vinculam as mesmas partes (mas uma delas ao Estado)228´´. Caí por terra o
argumento da coisa julgada, devendo por isso o Estado ressarcir os danos
causados, como bem conclui Araujo que

apurada a falha determinante do erro no edifício de um procedimento


judicial, se este não mais puder desabar por estar prescrita a
rescisória, deve ser o prejudicado indenizado por esse erro do Estado-
229
juiz, mesmo mantendo-se o julgamento já transitado em julgado .

No direito Moçambicano, o artigo 218º da Constituição disciplina sobre a


responsabilidade do juiz apenas em casos estritamente previstos na lei, ou
seja, dolo ou culpa do juiz. Esta visão é consentânea com a índole subjetiva da
responsabilidade estatal consagrada na constituição, em que individualiza a
culpa ao agente causador do dano. A responsabilidade é adstrita ao juiz,
todavia por via hermenêutica, entendemos nós que, comprovada a culpa ou
dolo do juiz, o cidadão pode demandar o Estado, e este depois poderá exercer
ação de direito de regresso contra o seu agente. Ainda assim, o cidadão
encontra-se numa situação precária, em face ao poder público, na medida em
que os danos causados sem culpa ou dolo do juiz, permanecerão irreparáveis,
e deverão ser suportados pela vitima.

Como temos vindo a afirmar, esta situação não é consentânea com a


evolução doutrinária do instituto em análise, bem como, com o espírito de um
Estado Democrático de Direito.

228
DERGINT, Augusto de Amaral. Ob. cit. pág. 144
229
ARAUJO, Edmir Netto de. Ob. cit. pág. 143
86

1.3. Atividade legislativa lesiva aos direitos fundamentais

A doutrina digladia-se quanto à responsabilidade do Estado legislador, Hely


Lopes Meirelles defende a irresponsabilidade do Estado legislador, estribando-
se no fato de a lei ser um comando geral e abstrato, cujos efeitos repercutem-
se por toda a coletividade, em nome da Soberania, não podendo se indenizar
os danos causados à generalidade de pessoas. Igualmente, afirma que mesmo
diante da possibilidade de uma lei inconstitucional que excepcionalmente atinja
os particulares, a reparação dependeria de demonstração cabal de culpa do
Estado, o que é irrealizável no regime democrático, visto que os agentes
políticos são representantes do povo230. Estes constituem os principais
argumentos, também usados pelos demais fautores da irresponsabilidade do
Estado legislador231.
A este leque de argumentos Cretella Júnior acrescenta a imunidade como
um problema colocado na responsabilidade do Estado Legislador, visto que

se cada parlamentar é protegido pela imunidade, inerente ao cargo, a


qualquer tipo de responsabilidade será também imune o ato emanado
do colégio parlamentar que é síntese da manifestação de vontade de
232
cada um de seus membros .

Cahali adverte que não se pode analisar nesta perspectiva ``já que não
se converte a respeito do ato legislativo como emanação de um poder
soberano, nem se cuida de imputar a cada um dos parlamentares eventual
responsabilidade pessoal pelo enunciado normativo 233´´. Assim, a favor da
responsabilização do Estado legislador Di Pietro responde de forma
paradigmática aos argumentos acima referidos, afirmando que

230
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. 538
231
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág 268.
232
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a Obrigação de indenizar. Ob. cit. 284.
233
CAHALI, Yussuf Said. Ob. cit. pág. 527
87

1. mesmo exercendo parcela de soberania, o legislativo tem que se


submeter à constituição, de modo que acarreta responsabilidade do
Estado quando edita leis inconstitucionais; 2. nem sempre a lei produz
efeitos gerais e abstratos, de modo que o Estado deve responder por
danos causados por leis que atinjam pessoas determinadas, mesmo
que se trate de normas constitucionais; 3.(...) a eleição do parlamentar
234
implica delegação para fazer leis constitucionais .

Juary C. SILVA entende que o princípio de submissão do Estado ao


direito, abrange a qualquer das funções do Estado, não sendo restrita à função
administrativa ou executiva, daí que a função legislativa não pode ser exceção,
quer seja exercida pelo poder legislativo, bem como pelo poder executivo,
dentro dos limites fixados por lei235.

Neste diapasão, os atos legislativos estão adstritos as formalidades


disciplinadas na constituição, o chamado processo legislativo, cujo
apartamento implica a inconstitucionalidade da lei por vício de forma.
Outrossim, o conteúdo do ato legislativo deve se conformar aos ditames da
constituição, respeitando a dignidade da pessoa humana. Assim, se a lei
inconstitucional, acarretar danos aos particulares, dela pode emergir a
responsabilidade do Estado, pois não é lícito ao legislador ordinário violar a
ordem constitucional236. Renan Miguel Saad recorda que a lei inconstitucional
não poderá coexistir em conflito com a lei hierarquicamente superior, dai que
declarada à inconstitucionalidade, a responsabilidade pelos danos causados a
um grupo de particulares é do poder público237.

Evidentemente, pode ocorrer que lei constitucional cause danos a um


determinado grupo de particulares, como afirma Cretella Júnior ``inúmeras
vezes, o ato legislativo, ao invés de dirigir-se a todos de maneira objetiva e

234
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 658
235
SILVA, Juarey. C. ob. cit. pág. 251
236
A tese da responsabilidade do estado por leis inconstitucionais é perfilhada, dentre outros, por
Amaro Cavalcanti. Ob. cit. p. 313, Guimarães Menegale. Ob. cit. p. 50, Cretela Junior Ob. cit. p. 285 e ss,
Juary C. Silva. Ob. cit. p. 292, Yussef Said Cahali Ob. cit. p. 527-531, Di Pietro, Ob. cit. p. 658.
237
SAAD, Renan Miguel. Ob. cit. pág. 80.
88

impessoal, enquadra uma só pessoa ou restrito número de aministrados238´´.


Nesta senda, Marisa Helena de Freitas entende que ``a questão da
responsabilidade estatal por atos legislativos constitucionais reduz-se, portanto,
ao ressarcimento pelo sacrifício imposto a um ou alguns particulares, de forma
especial e desigual239´´, cabendo apenas à demonstração do dano injusto e o
nexo causal.

Com o triunfo da responsabilidade objetiva, ao Estado recai a obrigação


de ressarcir os danos causados aos particulares ainda que por ato lícito, quer
dizer, cabe ao Estado reparar o dano injusto e não necessariamente ilegal.
Nesta esteira, Cretella Júnior conclui que ``se, apesar de todos os cuidados, o
ato legislativo perfeito ocasiona lesão ao direito subjetivo do particular,
precisamente pela responsabilidade ímpar que cerca sua elaboração,
empenhará a responsabilidade civil do Estado240´´.

No que concerne à omissão legislativa, a Constituição Federal Brasileira


prevê remédios como a ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103 §
2º) e mandado de injunção, como recurso sempre que a omissão legislativa
torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º,
LXXI da CFB)241.

Perfilhando o mesmo entendimento, Miguel Renan Saad acrescenta que


``contra a omissão do Estado na sua função legislativa, além do mandato de
injunção e da ação de inconstitucionalidade por omissão, cabe ação de
responsabilidade civil em face do poder público242´´. O autor sustenta a sua
posição no fato da omissão legislativa, que acarreta danos ao administrado,
constituir uma falta impessoal de serviço243.

238
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Pág. 290
239
FREITAS, Marisa Helena D´Arbo Alves de. Responsabilidade do Estado por Atos Legislativos. São
Paulo: Unesp, 2001, pág. 104
240
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. pág. 295.
241
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. pág. 661.
242
SAAD, Renan Miguel. Ob. cit. pág. 82.
243
Idem
89

A constituição de Moçambique em nada refere sobre a responsabilidade


específica por atos legislativos, todavia alínea b), do nº 1 do artigo 5 da Lei
25/2009, de 28 de Setembro que aprova a Lei da Organização da Jurisdição
Administrativa exclui, de forma categórica, do rol de matérias cuja competência
de apreciação cabe a Jurisdição Administrativa ``as normas legislativas e
responsabilidade pelos danos decorrentes do exercício da função legislativa´´.
Este dispositivo, deixa o cidadão entregue a sua própria sorte e a mercê do
Poder legislativo, na medida em que não tendo a ação de responsabilização do
Estado-legislador acolhida nos Tribunais Administrativos, cuja função primordial
é dirimir os contenciosos opondo o Estado e os particulares, também não terá
guarida nos Tribunais Judiciais que liminarmente indeferem ações de
impugnação contra ``atos de ius imperi´´ do Estado. Este dispositivo é uma
ofensa clara ao direito de acesso à justiça consagrado na Constituição da
República e constitui um entrave para a consolidação do Estado Democrático
de Direito.

Nesse passo, como temos vindo a defender e bem refere Juary C. Silva
``que a ampliação da responsabilidade do Estado aos atos judiciários e
legislativos repousa irrecusavelmente na ideia do Estado de Direito, ou melhor,
no ideário global ínsito neste conceito244´´, dai acolhermos e defendermos a
ideia de uma responsabilidade unitária do poder público.

2. O Dano

É doutrina assente, jurisprudência estabelecida e direito consagrado, que o


dano constitui um dos pressupostos para existência da responsabilidade civil.
Sem a existência de dano, não se pode equacionar o problema da

244
SILVA, Juarey C. ob. cit. 279
90

responsabilidade civil, uma vez que não havendo dano, consequentemente,


não existirá o que reparar245.

A simples conduta seja ela ilícita ou inadequada, sem a verificação de um


prejuízo ou dano não pode dar azo à responsabilidade civil, tanto na violação
de outros direitos, como em casos de violação dos direitos, liberdades e
garantias fundamentais, como de forma categórica assevera Jorge Miranda
``não se vê, porém, como possa haver responsabilidade sem prejuízo – e
prejuízo subjetivado246´´. Dai que a atual Constituição da República de
Moçambique, no nº 1, do seu artigo 58, foi incisiva ao referir que ``A todos é
reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei, indenização pelos prejuízos
que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais´´, deixando
claro a necessidade de existência de prejuízos para se chamar a colação o
instituto da responsabilidade civil do Estado. Nestes termos, só se poderá
demandar o Estado quando a sua conduta violadora dos direitos fundamentais
tenha causado danos à vítima.

2.1. O conceito e características do dano patrimonial e do dano


moral indenizável

Jorge Mosset Iturraspe considera o dano como um mal, um contravalor,


que em certa medida se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de
nós algo que era nosso, do qual tínhamos gozo ou tirávamos proveito, que
constituía nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo
ou novas incorporações247.

A noção acima apresentada se mostra bastante ampla, incorporando todo e


qualquer dano patrimonial ou moral que ocorra dentro da esfera jurídica do
particular. Todavia, não é qualquer dano que gera a obrigação do poder público
indenizar, como bem adverte Cahali ao referir que, não basta a simples

245
DIAS, José de Aguiar. Ob. cit. pág. 969.
246
MIRANDA, Jorge. Ob. cit. pág. 268.
247
ITURRASPE, Jorge Mosset. Responsabilidad Civil Del médico. Buenos Aires: Astrea 1985. Pág 21
91

preterição do interesse econômico248 para nascer à obrigação de indenizar249.


O dano indenizável deve apresentar determinadas características essenciais,
como seja, ser certo, específico, anormal e futuro250. Para além das
características elencadas, outros autores acrescentam que o dano deve
representar à lesão a um direito da vitima251.

Ora, ao se exigir que o dano ressárcivel tenha a peculiaridade de ser certo,


significa que o dano deve ser exato, quer dizer, não um simples dano
hipotético, como assinala Santos

...deve haver certeza quanto à própria existência do dano, presente ou


futuro, embora seu montante de indenização ainda seja passível de
determinação. A incerteza não é indenizável, quando não se tem
nenhuma segurança de que vá existir, em alguma medida, não
passando de uma mera possibilidade de dano. Por isso, a simples
ameaça ou o simples perigo de um dano, não é suficiente para a sua
252
configuração .

Nesse passo, o dano certo resultante da lesão aos direitos fundamentais


pelo poder público, pode se repercutir na esfera jurídica do particular de forma
imediata ou frustrando expectativas de ganhos ulteriores, denominando-se
respectivamente, dano emergente (damnum emergens) e lucros cessantes
(lucrum cessans). Fernando Pessoa Jorge aponta que ``o primeiro constitui
uma diminuição efetiva do patrimônio, o segundo representa o não aumento
deste, ou seja, a frustração de um ganho253´´. Na mesma esteira, entende
Santos, ao referir que o dano emergente é o que se verifica quando o prejuízo

248
Na mesma esteira, Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que não é qualquer decréscimo
patrimonial ou um dano econômico que vai gerar a obrigação de indenizar, mas sim um dano em
direito. Responsabilidade Extracontratual do Estado por comportamentos Administrativos ``in´´ Revista
dos Tribunais. Ano 70, vol. 552, 1981, pág. 11- 20.
249
CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pág. 68.
250
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Ob. cit. pág. 128
251
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Responsabilidade Extracontratual do Estado por
comportamentos Administrativos. Ob. cit. pág. 17
252
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral indenizável. 3ª ed. São Paulo: Método, 2001, pág. 79
253
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 377
92

recai sobre um ganho, mola propulsora do empobrecimento, enquanto que


quando a perda diz respeito a uma utilidade esperada, ao impedimento de
aumento de patrimônio ou frustração de ganhos estaremos em face de lucros
cessantes254.

Com efeito, em face do dano certo que gera a obrigação de indenizar, e o


dano eventual, transcorre-se numa zona movediça, e que atualmente vem
gerando calorosos debates, a ``perda de chance´´.

Por outro lado, a doutrina tem vindo a defender que o dano deve ser
especial, ou seja, subjetivado a vítima, ou vítimas ou um grupo de membros da
coletividade, na medida em que se o dano repercutir-se a toda coletividade,
será um sacrifício imposto de maneira igual a todos255.

No que concerne à anormalidade, o resultado danoso devem ser de tal


forma relevante que ultrapasse o mero inconveniente relativo ao funcionamento
dos serviços públicos, impostos por toda vida coletiva256. Nos casos de
violação de direitos fundamentais, a anormalidade é vislumbrada na ilicitude do
ato, sendo por isso passível de ressarcimento.

Igualmente, o dano indenizável deve constituir uma lesão a um direito da


vítima, uma lesão jurídica. Só quem teve um direito violado, tem título jurídico
para demandar indenização257, característica que dispensa muitos comentários
nos danos relevantes a presente pesquisa.

Com efeito, Cretella Junior sintetiza referindo que ``verifica-se no dano,


sempre, o desequilíbrio sofrido pelo sujeito de direito, pessoa física ou jurídica,
atingida no patrimônio ou na moral, em consequência da violação da norma

254
SANTOS, Antonio Jeová. Ob. cit. pág. 75.
255
Cfr. Cretella Junior, José. O Estado e o direito de indenizar. Ob. Cit. pág. 129, BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antônio. Responsabilidade extracontratual do Estado por comportamentos administrativos. Ob.
cit. pág. 19.
256
CRETELLA JUNIOR. O Estado e o direito de indenizar. Ob. cit. pág. 129.
257
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Responsabilidade extracontratual do Estado por
comportamentos administrativos. Ob. cit. pág. 17
93

jurídica por fato ou ato alheio258´´. Subjaz da lição dada pelo autor supracitado,
que a lesão aos direitos fundamentais, podem constituir gravames que se
repercutem no patrimônio (Danos patrimoniais) da vítima ou podem afetar a
esfera extrapatrimonial (danos morais), sendo que os primeiros atingem bens e
interesses capazes de serem avaliados em dinheiro, enquanto que os
interesses atingidos no segundo caso, não são suscetíveis de avaliação
pecuniária259.

Apoiada na teoria da diferença reelaborada por Friedrich Mommsen, Maria


Celina Bodin de Moraes, considera o dano patrimonial como a diferença entre o
patrimônio existente e o que se teria, se não ocorresse o evento lesivo 260. No
entanto, os gravames de ordem patrimonial configura-se em casos que há um
interesse econômico em pauta, qualquer bem capaz de se enquadrar no
universo das riquezas materiais, avaliável tradicionalmente em dinheiro261. O
evento lesivo causa um prejuízo material, na esfera jurídica do particular,
representado uma diminuição real do seu patrimônio, ou frustração de ganhos
futuros.

Outrossim, a par dos danos acima referidos, podem ocorrer danos que
se repercutem apenas na esfera espiritual ou moral do titular de Direito, os
chamados danos morais ou extrapatrimoniais. Contemporaneamente, a
doutrina e jurisprudência brasileira é unanime quanto a reparação dos danos
acima aflorados, mormente com a consagração constitucional, no artigo 5,
incisos V e X, do direito a reparação dos danos morais, resultante de violações
de direitos de personalidade.

No ordenamento jurídico moçambicano, a aceitabilidade do


ressarcimento dos danos morais também é pacífica, e esta matéria mereceu
tratamento no CC que estipula, no número 1, do artigo 496, que ``na fixação da
indenização deve se atender aos danos não patrimoniais que pela sua

258
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. Ob. cit. pág. 128
259
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 373.
260
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 143.
261
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, págs. 14-15.
94

gravidade, mereçam tutela do direito´´, contudo no Direito Romano nem


sempre foi assim.

Historicamente, era inadmissível a reparação dos danos extra-


patrimoniais, com fundamentos na imoralidade em se atribuir valor pecuniário a
dor (pretium doloris), ou a frustração de um direito de personalidade, aliado a
dificuldade de avaliação pecuniária dos danos morais, bem como o número de
titulares do direito de indenização ou o universo do lesado262. A regra lógica
implícita nesta visão, segundo Maria Celina Bodin de Moraes era a de que
aquilo que não é mensurável não se pode indenizar, pois a indenização é
justamente a ``medida´´ do dano263.

Para Moraes, o ponto de viragem na admissibilidade da reparação dos


danos morais prende-se com a mudança coletiva do conceito de justiça,
levando a anuência geral do dano moral, sendo hoje impensável ignora-lo264.
Por outro lado, o argumento de imoralidade em atribuir ``um preço a dor´´ caiu
por terra, com o advento da ideia de que a reparação do dano moral visa
conferir a vítima uma compensação (benefício de ordem material que permite
obter prazeres com o fito de atenuar a dor), e não propriamente uma
indenização que implicaria a reposição do patrimônio ao estado anterior, ou
seja, não constitui num pretium doloris, mas antes numa compensatio
doloris265.

No entanto, Wilson Melo da SILVA conceitua os danos morais como


``lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu
patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo
aquilo que não seja suscetível de valor econômico 266´´. O elemento chave da
noção dada por Silva é a impossibilidade de valoração econômica dos danos
que se repercutem na esfera espiritual da pessoa humana. Na mesma esteira,
Santos entende que o dano moral constitui uma alteração do bem-estar

262
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 147
263
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 146
264
Idem
265
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 147
266
SILVA, Wilson Melo da. O Dano Moral e a sua Reparação. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, pág.
13.
95

psicofísico do individuo, uma alteração desfavorável, a dor profunda que altera


o estado anímico relacionado com a intangibilidade da pessoa humana267.

Analisando o pensamento e prática predominante, Moraes conclui que

a doutrina e jurisprudência dominantes, têm como adquirido que o dano


moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere
direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que
individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade
profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais,
268
entre outros .

Apesar deste pensamento dominante, os danos morais não se podem


determinar apenas tendo em conta a índole dos direitos violados ou lesados,
dada a fronteira próxima de repercussão do evento lesivo, tanto na esfera
espiritual, como na esfera patrimonial do lesado, isto é, a lesão a direitos
personalíssimos pode originar para além dos danos morais, outros de natureza
patrimonial, assim como a lesão de direitos patrimoniais são susceptíveis de
causar danos morais. Neste contexto, Ramón Daniel Pizarro e Horacio Roitman
advertem que o conceito de dano moral deve ser determinado tendo em conta
o resultado, a consequência ou repercussão do evento danoso, seguindo a
mesma lógica usada na definição do dano patrimonial ressárcivel 269. Não se
deve ater ao bem que incide a violação, mas essencialmente a natureza do
prejuízo final270.

Assim, as violações dos direitos fundamentais perpetradas pelo poder


público podem ocasionar ônus na esfera patrimonial do cidadão, bem como na
esfera espiritual, ferindo a sua dignidade. Aprofundaremos, no ponto a seguir, a
relação entre o dano moral e a dignidade da pessoa humana.

267
SANTOS, Antônio Jeová. Ob. cit. pág. 100
268
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 157
269
PIZARRO, Rámon Daniel; ROITMAN, Horacio, El Daño moral y la persona juridica ``in´´ Revista de
Derecho Privado Y Comunitario. Daños a la Persona. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, volume 1, 1995, páginas
222
270
SILVA, Wilson da Silva. Ob. cit. pag. 14
96

2.2. O Dano Moral e a Dignidade da pessoa humana

A proteção jurídica da dignidade da pessoa humana é o reflexo da


humanização do direito contemporâneo em face do direito anterior, ou seja,
resulta do processo de ``despatrimonialização´´ do direito, termo cunhado por
Pietro Perlingieri271.

No âmbito da responsabilidade civil, anteriormente, o patrimônio


representava a força motriz de toda necessidade de proteção e reparação de
danos injustos, como assinala ITURRASPE ``a preocupação estava centrada
no patrimônio e não na pessoa272´´, dai que o autor considera o enfoque
humanista do direito atual uma mudança revolucionaria273.

Uma das principais barreiras que a ampliação da proteção de danos à


pessoa (que se limitavam a vida e a honra) enfrentou ao longo do tempo, foi a
concepção de dano como lesão de um direito subjetivo, que devia estar
plasmado em norma legal, e elencadas para garantir o ideal de segurança
jurídica274. Com a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana
como fundamento de toda a ordem jurídica, o homem passa a ser visto pelo
Direito na sua dimensão completa, não apenas física, mas em corpo e espírito.

A dimensão a que se refere à dignidade em si, que como no capítulo


anterior demonstramos, a torna aberta e com conteúdo não definível de forma
fixista, levou a Maria Celina Bodin de Moraes a considerar o princípio

271
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao Direito Civil Constitucional. 3ª ed. São Paulo:
Renovar, 2007, pág. 33.
272
ITURRASPE, Mosset. El Daño fundado en la dimension Del hombre em su concreta realidad. ``in´´
Revista de Derecho Privado Y Comunitario. Daños a la Persona. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, volume 1,
1995, página 11.
273
Para o referido autor, a visão anterior era restrita e empobrecida, limitada e castrada em muitas
vertentes, sendo que agora é o momento da contemplação da pessoa humana no seu todo, numa
vertente mais enriquecida, não apenas na visão do homem não sua dimensão ou capacidade de
produzir riquezas (idem).
274
Idem, págs. 11-12.
97

constitucional da dignidade, como uma cláusula geral de tutela da pessoa


humana, dispensando desta forma a enumeração taxativa ou exemplificativa
dos direitos de personalidade275. De fato a concretização do princípio dignidade
envolve uma série de situações jurídicas e fáticas existenciais, que se impõe
por força da complexidade e pluralidade da personalidade humana, e por esta
razão MORAES adverte

...tampouco há que se falar apenas em ``direitos´´ (subjetivos) da


personalidade, mesmo se atípicos, porque a personalidade humana
não se realiza somente através de uma complexidade de situações
jurídicas subjetivas, que podem se apresentar..., sob as mais diversas
configurações: como poder jurídico, como direito potestativo, como
interesse legitimo, pretensão, autoridade parental, faculdade, ônus,
276
estado .

A tutela do princípio da dignidade da pessoa humana deve ser vista de


forma ampla, e não reducionista com hipóteses típicas e isoladas, por forma a
englobar todas as situações de lesão à dignidade, cumprindo a sua função
jurídica de clausula geral de tutela da pessoa humana, pois, como bem
assevera Pietro PERLINGIERI ``o seu conteúdo não se limita a resumir os
direitos tipicamente previstos por outros artigos da Constituição, mas permite
estender a tutela de situações atípicas277´´.

Assim sendo, a lesão à dignidade não se pode reduzir aos direitos


subjetivos tipificados no ordenamento jurídico, mas devem ir mais além, ser
visto na sua completude, atendendo o seu caráter de valor fundamental do
ordenamento jurídico e do Estado Democrático de Direito, tal como
PERLINGIERI realça

275
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. págs. 177-118.
276
Idem, pag. 118.
277
PERLINGIERI, Pietro. Ob. cit. pág. 155
98

A tutela da pessoa não pode ser fracionada em isolados fattispecie


concretas, em autônomas hipóteses não comunicáveis entre si, mas
deve ser apresentada como problema unitário, dado o seu fundamento
representado pela unidade do valor da pessoa. Este não pode ser
dividido em tantos interesses, em tantos bens, em isoladas ocasiões,
como nas teorias atomística. A personalidade é, portanto, não um
direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na
base de uma série de situações jurídicas existenciais, nas quais se
278
traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela .

Com efeito, não pode existir um número limitado de hipóteses (numerus


clausus) inerentes à tutela da dignidade, o que é tutelado é o valor da pessoa
limitado apenas pela dignidade patente no outro279. A lesão à dignidade abarca
uma série de situações existenciais, das quais o juiz não pode ignorar e negar
ressarcimento, quer dizer, tratando-se de uma cláusula geral de tutela da
pessoa humana exige proteção ampla, daí que a lesão à dignidade engendrada
quer, pelo poder público, quer pelo particular, mereça a devida reparação.

Em face da lesão à dignidade da pessoa humana, importa analisar a sua


relação com o dano moral. Para responder a questão, importa primeiro fazer
uma análise do entendimento da doutrina sobre o que caracteriza o dano
moral, por forma a se definir a sua natureza jurídica.

Neste contexto, Wilson Melo da Silva ao abordar a questão de dano


moral, ensina que ``o seu elemento característicos é a dor, tomando o termo
em sentido amplo, abrangendo tanto os sentimentos meramente físicos, como
os morais propriamente ditos280´´. A doutrina ainda ressalta que o dano moral
caracteriza-se pela, humilhação da vitima, sofrimento, sentimento de aflição, ou
seja, o clássico pretium doloris281.

278
Idem
279
Cfr. Idem, pág. 156
280
SILVA, Wilson de Melo. Ob. cit. pág. 14.
281
BUERES, Alberto J.. El Daño moral y su conexion com las lesiones a la estitica, a la sique, a la vida de
relacion y a la persona general. ``in´´ Revista de Derecho Privado Y Comunitario. Daños a la Persona.
Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, volume 1, 1995, página 261.
99

Tomando por base os elementos caracterizadores assentes na doutrina


e na jurisprudência, importa referir que a lesão à dignidade acarreta na vítima
os sentimentos acima referidos, como afirma Maria Bodin de Moraes
``normalmente o que nos humilha, ofende, constrange fere a nossa
dignidade282´´. Ademais, a ofensa que tem como corolário o dano moral,
representa em última análise a lesão à dignidade, dito de outro modo
representa uma violação a clausula geral de tutela da pessoa humana.

Neste contexto, Alberto J. Bueres enfatiza que

o dano moral é sempre um ``dano´´ a pessoa, quer se origine por


lesão a um dano personalíssimo próprio ou de natureza diferente (as
afeições), seja um prejuízo a um bem patrimonial, em definitivo se
deteriora o espírito que é parte da integridade psicofísica (bem
283
extrapatrimonial) .

Como se pode depreender, o dano moral e a dignidade da pessoa


humana representam as duas faces da mesma moeda, sendo a reparação
daquele, contrapartida do princípio da dignidade da pessoa humana 284. É
importante referir que em sentido jurídico estrito, existe os danos patrimoniais e
os danos morais (que face do princípio da dignidade deve englobar tanto os
resultantes de violações de direitos de personalidade típicos e como de
situações jurídicas existenciais atípicas).

Assim, qualquer lesão à dignidade da pessoa humana por agentes do


Estado poderá dar azo à responsabilidade civil do Estado pelos danos daí
resultantes, desde que haja um nexo de casualidade entre a conduta lesiva e o
dano como adiante demonstraremos.

282
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 132.
283
BUERES, Alberto J. ob. cit. pág. 263.
284
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. págs. 129-133.
100

3. O Nexo causal

Para que haja responsabilidade civil extracontratual do Estado por lesão


aos direitos fundamentais, não basta apenas a ocorrência do dano. A doutrina
é unanime em considerar que, é necessário a existência de um liame entre o
resultado danoso e a conduta lesiva do Estado, por forma a emergir a
responsabilização daquele.

A análise do nexo de causalidade mostra-se pertinente, na medida em que


permite demonstrar, por um lado, o fato constitutivo de responsabilidade, e de
outro o problema da extensão do dano285, quer dizer, no primeiro plano
estabelece o liame entre o agente responsável pela conduta e o dano
verificado, no segundo plano quais os gravames que devem ser suportados
pelo agente, autor do fato lesivo. Quando é que, juridicamente, um fato deve
ser considerado causa de um determinado evento danoso.

No âmbito da Responsabilidade Civil, várias foram às teorias que tentaram


explicar o problema da determinação do nexo de casualidade, destacando-se a
teoria da equivalência das condições ou também considerada de teoria da
conditio sine quan non, que parte do conceito de casualidade apresentado por
John Stuart Mill, sendo introduzida no direito por Von Buri, cujas ideias mestres
se resumem no fato de considerar causa de um evento todas as condições,
sejam elas positivas ou negativas que concorrem para a ocorrência do dano,
isto é, qualquer condição que seja essencial para a verificação do dano (sem a
qual o dano não se verificaria), pois todas as condições equivalem-se, o que a
torna não aceitável dado os absurdos que conduziria 286.

Assim, a título hipotético, se um menor baleado numas das pernas por um


agente da policia num ato de puro abuso de poder e de violação de direitos

285
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Responsabilidade Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1996, pág. 333.

286
MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles de. Ob. cit. pág. 340-341.
101

fundamentais, tendo sido prontamente socorrido ao hospital para assistência, e


a mãe ao receber a noticia do infortúnio têm uma paragem cardíaca que lhe
leva a morte. Posteriormente, o filho sabendo da noticia decidi por termo a sua
vida ingerido doses exageradas de medicamentos, sob a égide da teoria da
equivalência o Estado não só seria responsável pelos danos causados pela
bala que atingiu o menor, como por todos os prejuízos ulteriores, pois aquele
fato constitui a condição sem a qual não se verificariam os demais danos, daí
que esta teoria é rechaçada dada sua excessiva latitude do resultado lesivo.

Neste prisma, Antunes Varela ressalta que, para que haja responsabilidade
``exige-se entre o fato e o dano indenizável um nexo apertado do que a simples
coincidência ou sucessão cronológica287´´.

Dadas às limitações da teoria da equivalência das condições, uma nova


solução destacou-se, a teoria da causa próxima com forte influência anglo-
saxônica, cuja ideia basilar prende-se com o fato de considerar como causa do
resultado danoso a circunstância que a precede diretamente, ou seja, a última
condição288. Para os defensores dessa teoria, a verdadeira e única causa do
prejuízo será a que, no conjunto das demais condições, cronologicamente, for
à última antes da verificação do dano, tornando indenizável, sob esta ótica,
apenas os danos diretos, ficando os indiretos sem reparação.

Esta teoria pode conduzir a graves injustiças, pois entre a ação ou omissão
e o dano podem ocorrem outras circunstâncias determinadas por aquele
evento, como afirma Fernando Pessoa Jorge ``o ato humano limita-se muitas
vezes a desencadear outras condições, que diretamente geram o efeito
danoso, e, no entanto, tem de considerar-se o agente responsável289´´.
Voltaremos à análise das críticas a esta teoria mais adiante.

Ante as limitações apresentada por esta teoria, a doutrina procurou fora


desta teoria à solução para o problema do nexo de casualidade, procurando
circunscrever os prejuízos, não a última condição, mas a causa adequada da

287
VARELA, João de Matos Antunes. Das Obrigações em geral. Coimbra: Almedina, Vol. I, 1996, pág. 908.
288
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Obrigações. 6ª edição. Coimbra: Coimbra, 1989, pág. 402.
289
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 391.
102

sua produção. Antunes Varela assevera que ao jurista cabe analisar ``o ponto
de vista em que o direito se deve colocar para selecionar, entre as várias
condições de certo evento danoso, as que legitimam a imposição, ao
respectivo autor, a obrigação de indenizar290´´.

Assim, o conceito de causa será dado na perspectiva jurídica, partindo-se


da premissa de que a causa de um dano deve representar, no caso concreto,
condição necessária ou adequada para produção do dano291, a chamada teoria
da casualidade.

O cerne desta teoria é o fato de considerar que para recair sobre alguém a
obrigação de indenizar, não basta que o evento lesivo seja condição (sine qua
non) do dano, é necessário que, em geral ou em abstrato, o fato seja uma
causa adequada do dano292. Ora, o fato deve ser idôneo para causar o dano
dentro do curso normal das coisas, dai designar-se causa (objetivamente)
adequada do dano293.

Das diversas variantes da teoria da casualidade adequada, a formulação


amplamente preferível pela doutrina é a que considera como causa (adequada)
de um dano, aqueles resultados lesivos que constituem uma consequência
normal, típica e provável do evento constitutivo de responsabilidade 294. No
mesmo sentido, entende Inocêncio Galvão Telles ao assinalar que

a ação que é condição ou pressuposto de um dano deixa de ser, e só


deixa de ser, sua causa, sob o prisma do direito, quando com ela
concorra, para a produção do dano, uma circunstância anômala ou
extraordinária, sem a qual não haveria um risco, maior do que o
295
comum, de o prejuízo se verificar .

290
VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit. pág. 916
291
FARIA, Jorge Leite Areais de Ribeiro de. Direito das Obrigações. Coimbra: Almedina, Volume I, 2001,
pág. 501.
292
VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit. pág. 918
293
Idem
294
Idem, pág. 922
295
TELLES, Inocêncio Galvão. Ob. cit. 406.
103

Importa referir que não é necessário que o ofensor possa prever os


danos para que o evento lesivo seja considerado causa adequada do dano, o
ponto fulcral é que o fato seja causa (objetivamente) adequada da produção do
resultado danoso, segundo os fundamentos acima esmiuçados.

No entanto, é através do exemplo dado por Marteau, em que ``A´´ dá uma


pequena pancada na nuca de ``B´´, mas devido a um problema de calcificação
(que tornou o crânio deste frágil), ``B´´ falece em virtude da pancada, que
Wilson Melo da Sillva sustenta a principal critica, formulada por uma parte da
doutrina, a teoria da causalidade, visto que sob a ótica da teoria da causalidade
adequada, no caso sub judice, o dano morte não seria imputado a ``A´´, apesar
da pancada ter sido condição do dano296. A critica apresentada prende-se com
o fato de Von Kries na sua elaboração da teoria considerar que as
circunstâncias a que o juiz deve ter em conta para que o autor do dano possa
ser responsabilizado devem ser aquelas que o autor conhecia ou devia
conhecer no momento da prática do evento lesivo, ou usando a expressão por
ele cunhada, o ``saber ontológico´´, em que a mergulha no âmbito da culpa,
atribuindo a esta teoria índole subjetivo, tornando-a inaplicável aos casos de
responsabilidade objetiva 297.

Diante desta critica recorrente, num substrato da doutrina, e que persiste


até aos dias atuais, Antonio Lindbergh C. MONTENEGRO muito bem esclarece

Forçoso é reconhecer que se o observador partir da doutrina de Von


Kries, para quem o juiz devia observar apenas as circunstâncias que
eram conhecidas para o agente na ocasião do evento, vai realmente
encontrar a causa e a culpa numa zona cinzenta, de difícil separação.
Ocorre que a causalidade adequada só se firmou no campo do direito
civil, como doutrina de caráter universal, com a contribuição de Thon,
segundo a qual o juiz não fica subordinado às previsões do agente,
para estabelecer que a ação, era adequada para produzir o dano.
Embora a doutrina da adequação considere o agente na ocasião do
evento, segundo o padrão de diligência do homem comum, para

296
SILVA, Wilson Melo. Responsabilidade sem culpa. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1974, pág. 119
297
Idem
104

estabelecer a relação causal, parti-se do princípio de que o fato


298
constitutivo do dano deve ser uma causa (objetivamente) adequada .

Como se pode vislumbrar do acima referido, a imputação é marcada por


critérios objetivos, visto o elemento central é que o evento lesivo seja causa
(objetivamente) adequada para a produção do resultado na medida em que,
sem este elemento, não se estabelece o nexo de causalidade299.

Em Moçambique a questão do nexo de causalidade vem consagrada no


artigo 563º do CC, com a epigrafe nexo de causalidade, estatuindo que ``A
obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado
provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão´´. Tomando este
dispositivo à letra da lei, pode se pensar que o legislador consagrou a teoria da
equivalência das condições, pois pode iludir o intérprete a pensar que quem
deu azo ao evento lesivo teria de suportar toda uma cadeia de danos que
fossem condicionados pela sua conduta.

Contudo, recorrendo ao espírito da lei bem como a uma análise mais


atenta do referido preceito legal, é possível reconstituir o pensamento
legislativo, encontrando um mínimo de correspondência no texto da lei. Neste
contexto, subjaz daquele preceito que o legislador ao empregar o termo
``provavelmente´´, a lei remete a uma questão de probabilidade, o que significa
acolher a tese da causalidade adequada, na medida em que a causa adequada
é aquela que gravando o risco de produção, o torna mais provável300.

Por outro lado, a conclusão de que o código Civil acolhe a teoria da


causalidade adequada, resulta também dos trabalhos preparatórios, que,
releva de modo inequívoco que se quis consagrar naquele preceito a teoria da
causalidade adequada, fazendo-se apelo ao prognostico objetivo 301. Assim,
para VARELA, ``o autor do fato só será obrigado a reparar aqueles danos que
não se teriam verificado sem esse fato e que, abstraindo deste, seria de prever
298
MONTENEGRO, Antônio Lindebergh C. ob. cit. pág. 346
299
Idem
300
Telles, Inocêncio Galvão. Ob. cit. pág. 409
301
VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit. pág. 928
105

que não se tivesse produzido 302´´. É preciso reconhecer que a formulação


usada no texto não é muito feliz, o que pode levar a alguns equívocos, como
acima se referiu.

Com efeito, a solução adotada para a questão de nexo de casualidade


no direito brasileiro é a teoria do dano direto e imediato, ou a chamada teoria
da interrupção do nexo causal, ou ainda teoria da relação causal imediata,
expressamente consagrada no artigo 403 do Código Civil Brasileiro. Esta teoria
implica que entre o evento lesivo e o resultado danoso haja uma relação de
causa e efeito, direta e imediata303.

Uma parte da doutrina304 tem na teoria do dano direto e imediato um meio


termo em face das limitações as teorias da casualidade adequada e a teoria
das equivalências, acima apresentadas. Todavia, Inocêncio Galvão Telles
considera esta teoria como sendo uma ideia tradicional entre os jurisconsultos
ingleses (que deveria se distinguir entre danos diretos e indiretos), defendendo
ser equivalente a teoria da causa próxima305, que sumariamente atrás
apresentamos.

Ora, face à exigência de que sob os auspícios desta teoria, o dano deve
estar adstrito a uma relação de causa e efeito, direto e imediato, em face do
evento lesivo, imaginemos o exemplo hipotético, em que um indivíduo sabota o
sistema de freios de um carro da polícia sem que o motorista em horário de
descanso se aperceba, e depois de retomar ao trabalho cinco horas mais tarde,
devido à perda de freios o mesmo vem a se envolver num acidente,
provocando a morte de todos os ocupantes do carro.

Aplicando, em rigor ou em sua pureza, a teoria do dano direto e imediato, o


individuo que prejudicou os freios apenas seria responsável pelos danos
causados ao sistema de freios do carro, pois constitui o dano direito e imediato
a sua ação. Neste prisma, Galvão Telles, entende que ``não se torna

302
Idem
303
Cfr. SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa. Ob. cit. pág. 128
304
No Brasil destaca-se SANTOS, Wilson. Responsabilidade sem culpa. Ob. cit. págs 118 - 121
305
TELLES, Inocêncio Galvão. Ob. cit. pág. 402
106

necessário que a ação provoque diretamente o dano. Pode provoca-lo só


indiretamente, através de outra ou outras condições ulteriores que com ela
concorram306´´. Outrossim, o autor luso ressalta ainda o fato de não ser
imperioso que o dano se siga imediatamente ao evento lesivo, podendo existir
um intervalo de tempo apreciável entre este e aquele, ou até mesmo
dilatado307.

Diante dessa análise, que bem demonstra as limitações daquela teoria, a


expressão dano direto e imediato tem gerado acesos debates colocando-se a
indagação se o legislador terá empregue por mero equivoco, se tem sentidos
diferentes ou tem idêntico significado, o que tem gerado novas interpretações a
teoria de interrupção do nexo causal308. Do ponto de vista prático, esta teoria
não é seguida na sua pureza, mesmo pelos defensores declarados, na medida
em que para contornarem as suas limitações, adotam outros critérios que
acaba representando o seu formal desmentido dai não ser aceitável309.

Este fato pode facilmente se vislumbra a partir da teoria da


necessariedade, cujo objetivo é interpretar a teoria do dano direito e imediato
ante as ambiguidades terminológicas, como se pode comprovar do
entendimento de Wilson Melo da SILVA, que estribando-se no estudo de direito
comparado sobre a matéria realizado por Agostinho Alvim afirma,

que este, logra, convincentemente, demonstrar que, em todos aqueles


códigos dos diferentes países, onde se acolheram no tocante à
casualidade, os postulados da teoria de Dumoulin e Pothier, a relação
de causa e efeito se estabeleceu, de maneira invariável, entre
determinada causa e o dano, não como consequência da proximidade
ou da imediatez entre uma e outro, mas apenas da necessariedade
que se haveria de verificar sempre, entre esse mesmo dano e essa
310
mesma causa .

306
Idem, pág. 403
307
Idem
308
MONTENEGRO, Antônio Lindebergh C. ob. cit. pág. 342-343
309
Telles, Inocência Galvão. Ob. cit. pág. 404.
310
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa. Ob. cit. pág. 132.
107

Ora, a teoria da necessariedade representa aqui um critério distinto dos


elementos direto e imediato, tornando-se apenas uma camuflagem que a torna
próxima da teoria da causalidade adequada. Neste sentido, Montenegro
ressalta que

no fundo, o conceito de necessariedade, haurido de casualidade


imediata, não é mais do que a noção do fato apto para produzir o dano,
característico da causalidade adequada. Nesta também opera a
interrupção da causalidade, quando um fator anormal ou extraordinário
311
se insere no processo causal...

O posicionamento acima perfilhado aplica-se a responsabilidade civil do


Estado, ora em análise. Nesta esteira, CAHALI considera que ``em função das
circunstâncias do caso concreto, impende considerar se o dano sofrido pelo
particular vincula-se direta e adequadamente ao ato (comissivo ou omissivo)
imputado ao agente da Administração312´´. Por sua vez, Montenegro de forma
categórica e pragmática, conclui que ``não aberra dos princípios afirmar que a
doutrina da causalidade adequada ainda se mostra como a mais indicada no
âmbito da responsabilidade313´´, inclusive à espécie em análise.

4. A responsabilidade civil objetiva do Estado e a permanência


da culpa no direito moçambicano

A responsabilidade objetiva do Estado visa alargar a proteção do cidadão,


abarcando as diversas situações fáticas geradoras de dano ao particular, ou
seja, sendo ela independente de culpa abrange os danos causados por fatos
lícitos e ilícitos, bem como pelo risco. Ela melhor responde aos ditames do
Estado Democrático de Direito.

311
MONTENEGRO, Antônio Lindebergh C. ob. cit. pág. 342.
312
CAHALI, Yussef Said. Ob. cit. pág. 79
313
MONTENEGRO, Antônio Lindebergh C. ob. cit. pág. 346.
108

Apesar da consagração da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado, na


grande maioria dos Estados contemporâneos, a responsabilidade estatal no
ordenamento jurídico moçambicano, como anteriormente referimos, encontra-
se ancorada na responsabilidade subjetiva. Só os danos decorrentes de atos
ilegais dos agentes estatais podem ser reparados pelo Estado.

Ora, o legislador constituinte ao estatuir no nº 2, do artigo 58 do texto


constitucional moçambicano que ``o Estado é responsável pelos danos
causados por atos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções,
sem prejuízo do direito de regresso nos termos da lei´´, impõe como um dos
requisitos para se demandar o Estado que a conduta danosa dos seus agentes
seja culposa, contrária ao direito.

A norma jurídica exerce a função valorativa e imperativa, sendo necessário


para que haja ilicitude, por um lado, um caráter objetivo e por outro um caráter
subjetivo, merecendo de per si a conduta contrária ao direito à qualificação de
ilícita, mesmo não sendo resultante de uma vontade livre e consciente do
agente, todavia, só atinge efeitos plenos, quando esta conduta for voluntaria e
livre, ou seja, o comportamento objetivamente ilegal ou ilícito é
314
simultaneamente culposo . Dai que na Responsabilidade subjetiva exige-se a
demonstração da culpa, pressuposto dispensado na objetiva.

Para Antunes Varela ``a culpa exprime um juízo de reprovabilidade


pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias
específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo 315´´. Analisa-se o
nexo entre a conduta lesiva e o elemento volitivo, ou como Fernando Pessoa
Jorge em lato sensu, muito bem conceitua a culpa como sendo, ``o nexo de
imputação psicológica do ato ao agente316´´, havendo culpa se o ato for
resultado da vontade do agente e a este poder ser psicologicamente
imputável317. Sem destoar desta linha de pensamento, Inocêncio Galvão Telles

314
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 65
315
VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit. pág. 587.
316
JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 65
317
idem
109

assevera que ``a culpa é uma ligação psicológica ou moral (...) entre a conduta
ilícita e o agente, que leva a imputar a primeira ao segundo, para o fim de
submeter aos efeitos sancionatórios que o direito associa aos comportamentos
por ele proibidos318.´´

A vontade do agente pode revestir-se de duas formas diferentes o dolo e a


negligência ou mera culpa (culpa em sentido estrito). José de Aguiar Dias
assinala que a distinção entre ambos corresponde, a estabelecida no direito
romano, entre delito e quase-delito, sendo o delito a violação intencional da
norma de conduta, e quase-delito os casos em que o agente, com negligência
não escusável, e operando sem malicia, comete infração prejudicial ao direito
alheio319.

No direito brasileiro a Responsabilidade Civil do Estado é objetiva ou pelo


risco sendo, por isso independente de culpa, bastando provar o nexo causal
entre o fato e o dano.

No âmbito da Responsabilidade Civil do Estado no ordenamento jurídico


moçambicano, a análise da culpa reveste de grande interesse prático, na
medida em que na graduação da indenização, impõe a lei que o juiz tenha em
atenção o grau de culpabilidade do agente ofensor320, podendo em caso de
mera culpa se fixar o valor da indenização em valor inferior correspondentes
aos danos causados (art. 494º do CCM). Neste contexto, Galvão Telles realça
que ``o dolo é a modalidade mais grave de imputação do ilícito, aquele que o
agente merece mais forte reprovação por maior ser a dependência entre o
evento ilícito e a vontade321´´.

Com efeito, o dolo se desdobra em dolo direto, quando o agente na sua


atuação representa o efeito da sua ação e o deseja como resultado da sua
conduta, dolo necessário quando o agente ainda que não queira diretamente o
fato, previu como consequência necessária da sua atuação (o agente tem
318
TELLES, Inocêncio Galvão. Ob. cit. pág. 340
319
DIAS, José de Aguiar. Ob. cit. pág. 135
320
Analisaremos os critérios de fixação da indenização de forma profunda no 3º capítulo da presente
dissertação.
321
TELLES, Inocência Galvão. Ob. cit. pág. 341.
110

ciência da existência de íntima ligação entre o efeito ilícito e o resultado


pretendido) e por fim a outra modalidade do dolo é o eventual que ocorre
quando o agente representa o efeito ilícito como consequência provável da sua
conduta322.

A mera culpa consiste na omissão da diligência exigível ao agente, em que


por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, o agente não toma as
medidas necessárias para evitar fato ilícito previsto como possível, bem como
quando o agente não usa de toda diligência para prever e evitar a verificação
do ato ilícito323, ou no dizer de Galvão Telles ``traduz-se na omissão de
diligência exigível324´´. Nesta perspectiva, consoante o caso, as variantes da
mera culpa ou culpa em sentido estrito, dividem-se em culpa consciente e
inconsciente. A consciente ocorre quando o agente previu como possível o
resultado ilícito, mas não tomou as diligências necessárias para evitar
enquanto que a culpa inconsciente ocorre quando apesar do efeito ilícito, ser
objetivamente provável e previsível o agente não teve consciência que o sua
conduta teria tal efeito325.
No entanto, na análise da mera culpa coloca-se o problema dos critérios de
avaliação do grau de diligência que é exigível ao agente, em face de um dever
objetivo de cuidado, ou seja, como se afere o comportamento do agente para
se apurar se ele usou ou não de diligência. Pode-se recorrer a dois critérios,
ao comportamento habitual do ofensor ou ao comportamento de um homem
médio. O primeiro critério orienta para a apreciação da culpa em concreto,
enquanto que o segundo orienta para a apreciação da culpa em abstrato326.

A solução adotada pelo legislador ordinário moçambicano foi o critério


da diligência de um homem-médio, ou seja, a diligência padrão dos membros
da sociedade, ou no dizer do romanos, de um bônus pater famílias, como
subjaz do estatuído no número 2, do artigo 487º do CC, em que de forma

322
VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit. pág. 590-592
323
Idem, págs. 593-594
324
TELLES, Inocência Galvão. Ob. cit. pág. 345.
325
JORGE, Fernado de Sandy Lopes Pessoa. Ob. cit. pág. 322-323
326
MENEZES LEITÃO, Luis Manuel Telles de. Ob. cit. 317
111

expressa o legislador estabelece ``A culpa é apreciada, na falta de outro critério


legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do
caso´´. Esta orientação demonstra que o legislador perfilhou o critério de culpa
em abstrato, aplicando-a tanto para a responsabilidade extracontratual como
para a contratual (art. 799º nº 2).

Luis Manuel Telles Menezes de Leitão lembra que ``tradicionalmente,


era estabelecida uma graduação da culpa em três estágios: culpa grave, culpa
leve e culpa levíssima327´´. Assim, com base nos critérios de apreciação em
abstrato a culpa grave corresponde a uma situação em que a conduta do
agente só se verificaria com pessoas especialmente negligente, ou seja, teriam
que ter uma atuação em situação de negligência grosseira, visto que a maior
parte das pessoas diante de mesmos pressupostos agiriam de forma diversa,
enquanto que a culpa leve corresponde a situações em que a conduta ilícita
não seria praticada por um bônus pater famílias, e por último a culpa levíssima
em que a atuação do agente, apenas seria evitada por uma pessoa acima dos
padrões de diligência média328.

Ora, dada sua natureza especial, o Estado manifesta a vontade por meio
de seus agentes, que por incumbência ou sob direção dos órgãos do Estado
executam as atividades materiais. Assim, para se responsabilizar o Estado
pelos atos do seus agentes em Moçambique é necessário que o agente tenha
agido com culpa, numa das modalidades acima afloradas, tendo o Estado
direito de regresso sobre este. Nesta acepção, o Estado assume a posição de
garante da indenização dos particulares lesados, e não tem a oneração do seu
patrimônio com um encargo definitivo, apenas visa suprir os efeitos de
insuficiência econômica do patrimônio do agente causador do dano, escolhido
e orientado pelo Estado, assunto que voltaremos abordar no quarto capítulo da
presente dissertação, quando analisarmos a questão do direito de regresso.

327
Idem, pág. 318
328
Idem
112

A permanência da culpa como um requisito de responsabilização do


Estado moçambicano deve ser superada, por forma a garantir uma efetiva
proteção do cidadão contra os danos causados pelo poder público.
113

CAPÍTULO IV - A REPARAÇÃO DOS DANOS À PESSOA


HUMANA: DOUTRINA E A PRÁTICA DOS TRIBUNAIS
MOÇAMBICANOS E BRASILEIROS

1. A Organização do Poder Judiciário em Moçambique

Cumpre debruçar, ainda que de forma breve, sobre a organização do Poder


Judiciário moçambicano, dada sua estrutura distinta da organização do Poder
Judiciário brasileiro.
Em Moçambique, o modelo de organização do poder judiciário caracteriza-
se por um dualismo assente em duas ordens jurisdicionais distintas e
autônomas, a jurisdição judicial e a jurisdição administrativa, e,
excepcionalmente, pode ser constituída uma terceira jurisdição, a militar que
tem o fito de julgar crimes estritamente militares na vigência do Estado de
Guerra329. Outrossim, existe o Conselho Constitucional, não sendo um
verdadeiro tribunal, tem a função primordial de exercer o controle da
constitucionalidade dos atos normativos.
A jurisdição judicial apresenta uma hierarquia, cujo topo é ocupado pelo
Tribunal Supremo, enquanto que o topo da hierarquia da jurisdição
administrativa é ocupado pelo Tribunal Administrativo330.
A definição das competências das referidas jurisdições estão calcadas,
basicamente, em dois critérios, o da natureza das partes e, mormente, o da
natureza das matérias objeto de dissídio.

329
Esse modelo vem consagrado nos artigos 223 e seguintes da Constituição da República de
Moçambique de 2004, é semelhante ao modelo de organização do poder judicial francês.
330
O legislador constituinte não foi feliz em apenas distinguir órgão supremo da jurisdição
administrativa dos restantes tribunais administrativos, usando as letras iniciais maiúsculas para aquele e
minúsculas para estes, pois, por uma questão de rigor e clareza se devia dar a designação de Superior ou
Supremo Tribunal Administrativo ou Tribunal Supremo Administrativo.
114

Neste prisma, a justiça administrativa tem o escopo de dirimir litígios, que


oponham o cidadão às pessoas coletivas de direito público emergentes de
matérias jurídico-administrativa. Ora, a natureza das matérias objeto de dissídio
é o principal critério adotado pelo legislador moçambicano, na medida em que
excluí da competência da jurisdição administrativa, a apreciação e decisão de
questões de direito privado, ainda que uma das partes seja uma pessoa
coletiva de Direito Público331.
Essa limitação de competência esta assente na classificação dos atos do
Estado em atos de império e atos de gestão, o que tem constituído um entrave
ao direito de acesso à justiça, visto que na prática é difícil, com critérios
objetivos, separar tais atos, pois hodiernamente, as fronteiras entre os ramos
de direito são cada vez mais permeáveis o que têm conduzido a casos de
indeferimento liminar, tanto pela jurisdição administrativa, como pela jurisdição
judicial.
Igualmente, os tribunais administrativos desempenham a função de controle
da legalidade dos atos administrativos, e da aplicação dos regulamentos da
administração pública, bem como o controle das despesas públicas332.
Integram a jurisdição administrativa, o Tribunal Administrativo (supremo), os
tribunais administrativos, os tribunais fiscais e os aduaneiros333.
Como se pode vislumbrar, as matérias atinentes à responsabilidade civil do
Estado por lesão aos direitos fundamentais caem dentro do arcabouço de
competência dos tribunais administrativos.
Com efeito, a jurisdição comum tem competências em matérias civis e
criminais, e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras
ordens jurisdicionais (nº 4, do art. 223º da CRM de 2004). Integram esta
jurisdição, o Tribunal Supremo que é o órgão superior da hierarquia dos
tribunais judiciais (nº 1 do art. 225 da CRM/2004). Na posição hierarquicamente
inferior a este tribunal, encontram-se os Tribunais Superiores de Recurso,

331
Alínea e), do nº 1, do art. 5 da Lei 25/2009 de 26 de Setembro que estabelece a organização da
jurisdição administrativa.
332
Alínea a) e b) do artigo 4 da Lei 25/2009 de 26 de Setembro que estabelece a organização da
jurisdição administrativa.
333
Artigo 3, da Lei 25/2009 de 26 de Setembro que estabelece a organização da jurisdição
administrativa.
115

seguidos dos Tribunais Judiciais de Província e por fim os Tribunais Judiciais


de Distrito334.
É pertinente salientar que a par da justiça formal existem os Tribunais
comunitários que devido ao seu papel na sociedade moçambicana,
caracterizada por grande diversidade étnica e cultural, foram institucionalizados
como instâncias não judiciais de resolução de conflitos no seio das
comunidades locais335.
A organização do Poder Judiciário em Moçambique acima descrita
comporta méritos, dado que a justiça administrativa é especializada, e, em
tese, melhor pode responder a demanda dos cidadãos em litígios jurídico-
administrativos. Todavia, para o cumprimento efetivo das suas atribuições
trona-se imperioso aprimorar a separação dos poderes do Estado, visto que o
Presidente da República é quem nomeia e exonera o presidente do Tribunal
Administrativo (supremo), o que não garante total independência na atuação
dos órgãos de justiça administrativa, que tendem sempre a decidir a favor do
Estado.

2. A reparação dos danos morais

A Responsabilidade Civil do Estado desempenha, essencialmente, a


função de reparação dos danos causados aos cidadãos pelos agentes
públicos. Por isso, verificados os seus pressupostos, cabe ao Estado indenizar
o dano, podendo ser feito no âmbito da administração, mediante acordo entre
as partes, ou poderá ser feita de forma contenciosa, cabendo ao lesado
interpor ação de indenização.

334
Artigo 29, da Lei 24/2007, de 20 de Agosto (Lei de Organização Judiciária de Moçambique)
335
A sua institucionalização ocorreu com a aprovação da Lei 4/92 de 6 de Maio, que reconhece os
Tribunais comunitários e estabelece as balizas da sua atuação.
116

Os danos, que caem ao cobro do tema da presente dissertação,


decorrem da lesão aos direitos fundamentais, podendo os efeitos se repercutir
tanto na esfera patrimonial, bem como na esfera moral do lesado. Nesta
esteira, uma lesão corporal poderá acarretar prejuízos matérias, como o
pagamento das despesas de tratamento médico, perda de remuneração em
virtude da ausência no local de trabalho, dentre outras situações, bem como
prejuízos imateriais decorrente da dor, sofrimento, deformação física, entre
outros. Este fato resulta da assunção de uma visão ampla do homem
(englobando a sua dimensão espiritual), bem como da sua centralidade no
direito336.

A doutrina tem, mais ou menos, assente os critérios de reparação dos


danos matérias ou patrimoniais, dado que a extensão do dano possui caráter
objetivo, bem como, a indenização visa ser satisfeita pelo devedor com o fito de
reintegrar o ofendido na situação patrimonial anterior a verificação do evento
danoso. Ao analisar as características dos danos ressarcíveis, referimos que a
reparação vai englobar tanto o dano emergente como os lucros cessantes,
calcada numa operação aritmética, em que avalia-se em dinheiro o prejuízo
suportado pelo patrimônio, pois todos os bens materiais podem ser avaliados
em dinheiro por integram o patrimônio do lesado como parcelas ativas337.

Com efeito, o dano patrimonial acarreta a ofensa ou diminuição de


determinados valores econômicos. Igualmente, a reparação dos danos
patrimoniais pode consistir em entrega do próprio objeto ou outro da mesma
espécie338, a chamada reparação natural ou pode ser feita em dinheiro nos

336
ITURRASPE, Mosset. El Daño fundado en la dimension Del hombre em su concreta realidad. Ob. cit.
pág. 39
337
MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais. 7ª ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2001, pág. 209
338
Nesses casos, importa ter em atenção o princípio da fungibilidade das coisas para efeito de
substituição por outro do mesmo tipo, qualidade e quantidade, porém nas hipóteses em que a
reparação natural se mostra de difícil uso, mormente quando se trata de bens com algum uso,
tornando-se imperioso a aplicação dos ditames da boa fé e da equidade. Cfr. MONTENEGRO, Antonio
Lindbergh C. Ressarcimento de Danos Pessoais e Materiais. Ob. cit. pág. 205.
117

casos em que não seja possível a reparação natural, dada impossibilidade


objetiva de se restabelecer a situação anterior339.

O dano à pessoa humana acarreta sempre prejuízos extrapatrimoniais.


Carlos Fernández Serrarego adverte que ``o dano moral é só uma das
componentes do amplo espectro de lesões que cabem dentro do conceito
genérico do dano à pessoa humana340´´.

Superado e assente o debate doutrinário sobre a admissibilidade de


reparação dos danos morais341, ganha acuidade, como corolário da sua
característica (não avaliação pecuniária), o debate sobre a natureza da
reparação bem como, sobre os critérios de fixação do quantum indenizatório,
tanto na doutrina como na prática dos Tribunais. É neste prisma, que daremos
primazia a análise da reparação dos danos morais, enfrentando estas questões
capitais do instituto da responsabilidade civil, mormente, nos danos
decorrentes de lesão aos direitos fundamentais.

2.1. A Natureza jurídica da Reparação e o problema da quantificação


dos danos à pessoa humana

A característica indelével do Homem é a dignidade, cuja lesão, a par de


eventuais danos materiais, implica danos morais. Contemporaneamente, é
direito consagrado342 e jurisprudência estabelecida à admissibilidade de
reparação do dano moral. Ela não constitui indenização em si, o valor
monetário arbitrado para a reparação não têm a mesma função que nos danos

339
José de Aguiar. Ob. cit. pág. 986.
340
SESSAREGO, Carlos Fernández. Protección a la persona humana ``in´´ ANDORNO, Luis. CIFUENTES,
Santos, et all. Daño y protección a la persona humana. Buenos Aires: La Rocca, 1993.
341
Cfr. o debate no capítulo 3, ponto 2.1 da presente dissertação
342
A CFB/1988 atribuiu índole constitucional a reparação do dano moral e veio dissipar dúvidas sobre a
sua admissibilidade, estatuindo a sua reparabilidade nos incisos V, X do artigo 5. Na legislação ordinária
a sua previsão vem prevista no artigo 186 do Código Civil de 2002, bem como em outras legislações
especiais, como são os casos do Código de Defesa dos Consumidores e Código de Telecomunicações, em
Moçambique encontra-se previsto de forma expressa no artigo 496 do Código Civil.
118

patrimoniais, que visa deixar o lesado na situação anterior, em que estaria se


não se verificasse o evento danoso, como bem assevera CAHALI

Diversamente, a sanção do dano moral não se resolve numa


indenização propriamente dita, já que indenização significa eliminação
do prejuízo e das suas consequências, o que não é possível quando se
trata de dano extrapatrimonial; a sua reparação se faz através de uma
343
compensação, e não de um ressarcimento .

Na mesma esteira, Clayton Reis muito bem assinala que na reparação


dos danos morais ``a função será meramente satisfativa, ou ainda, uma forma
de compensar o lesado pelos sofrimentos ocasionados pelo agente do ilícito.
Mesmo que não haverá meios de se aquilatar o prejuízo decorrente de
dor...344´´. Todavia, Jose de Aguiar Dias alerta para a posição intermédia da
reparação pois

Se a reparação se tem de fazer em dinheiro, avultam os pontos de


contato entre a indenização e a pena, porque também esta pode se
empregar na satisfação do prejudicado, proporcionando-lhe a solatium,
apaziguamento, e conseguindo alteração do sentimento e da vontade.
Essa função oferece satisfação ao sentimento de justiça e à
personalidade do lesado, e a indenização pode desempenhar um papel
345
múltiplo de pena, de satisfação e de equivalência .

O ordenamento jurídico brasileiro não acolhe de forma expressa a tese


da função punitiva da reparação do dano moral, todavia, na doutrina cresce o
número de defensores dessa função, entendendo que o valor da indenização
não deve limitar-se ao fim meramente compensatória (atenuando o sofrimento
injusto), mas também deve ter o escopo de desestimular o ofensor e prevenir
ofensas futuras346.

343
CAHALI, Yussef Said. 3ª ed. Dano Moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pág. 44.
344
REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, pág. 79.
345
DIAS. José de Aguiar. Ob. cit. pág. 1001.
346
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. págs. 217-219.
119

Deste grupo de doutrinários destacam-se Maria Helena Dinis que


considera de forma expressa que ``a reparação pecuniária do dano moral é um
misto de pena e de satisfação compensatória347´´, sustentando a sua posição
no fato da reparação, por um lado, constituir uma sanção imposta ao ofensor,
com o fito de onerar o seu patrimônio, punindo a violação do bem jurídico da
pessoa, e por outro, atendendo ao fato do dano ser moral, a reparação
pecuniária proporcionará ao lesado uma satisfação que atenue a dor, ou seja,
será uma compensação pelo dano e injustiça sofrida348. No mesmo diapasão,
entende Caio Mário da Silva Pereira ao referir que

Quando se cuida de dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório


acha-se deslocado para a convergência de duas forças: ``caráter
punitivo´´ para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se
veja castigado pela ofensa que praticou; e o ``caráter compensatório´´
para a vítima que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres
349
como contrapartida do mal sofrido .

Por outro lado, Carlo Alberto BITTAR sintetiza referindo que

em sua textura atual, conta a teoria da responsabilidade de danos


morais com componentes centrais que lhe conferem a expressão
necessária para uma efetiva realização de suas funções, a saber: a de
trazer satisfação ao interesse lesado e, de outra parte, inibir
comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer membro da
350
coletividade .

347
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva,
volume 7, 2003, pág. 98.
348
Idem
349
PERREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, pág. 55
350
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998, pág. 247. Favoráveis à mesma tese manifestaram-se Arthur Oscar de Oliveira Deda, Sérgio
Cavalieri, José Carlos Moreira Alves, Paulo Costa Leite, dentre outros. Cfr. Moraes, Maria Celina Bodin
de. Ob. cit. p. 218.
120

Em sentido contrario, entende Wilson Melo da Silva que defende que a


reparação do dano moral apenas visa um efeito compensatório, dando a vítima
uma satisfação pelo dano sofrido351. Outrossim, importantes autores como
Roberto H. Brebbia entendem que, diante do silêncio do direito positivo, não se
pode supor que o valor pecuniário que o autor do dano deve pagar ao lesado
exerça uma função penal352. Esta posição é também defendida por Leslie T.
Hart, que trilhando o posicionamento de Von Thur, salienta que a obrigação de
proporcionar satisfação ao lesado, não constitui uma pena imposta ao autor do
dano, sua finalidade não é acarretar perda ao culpado, senão a de possibilitar
um lucro ao lesionado353.

Relativamente aos danos causados por conduta Estatal ofensiva aos


direitos fundamentais, Rennam Miguel Saad analisando, especificamente, a
matéria, realça o caráter misto da pena pecuniária, e a necessidade de
aplicação de forma efetiva pelo poder judiciário, fixando um valor que condene
o autor do dano, sob pena da violação de valores existenciais se tornar
compensadora354. O agente estatal, autor da conduta lesiva, em ação
regressiva, poderá acarretar com os efeitos da sua ação, por forma a
desencorajar a repetição do mesmo ato.

A natureza mista da indenização em caso de danos morais tem


ganhado espaço na pratica dos Tribunais Brasileiros. Moraes assinala que ``na
jurisprudência do STJ, aderiu-se recentemente a tese do caráter punitivo, em
sua faceta de desestímulo ao ofensor355´´, como se pode depreender da
jurisprudência do referido Tribunal em que o Ministro Luiz Fux em Recurso
Especial Julgado 1109303/RS, julgado em 04 de Junho de 2009, por
Responsabilidade Civil do Estado por morte de militar vítima de homicídio em
quartel, explicita a sua orientação, afirmando que

351
SILVA, Wilson de Melo. Ob. cit. pág. 440
352
BREBBIA, Roberto H. El daño moral. 2ª Ed. Rosario: ORBIR, 1967, pág. 230
353
REIS, Cleyton. Ob. cit. pág. 84.
354
SAAD, Renan Miguel. Ob. cit. pág. 101
355
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 225.
121

(...)se faz necessário observar os princípios da razoabilidade e


proporcionalidade, bem como o valor arbitrado deve guardar dupla
função, a primeira de ressarcir a parte afetada dos danos sofridos, e
uma segunda pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de
evitar que atos semelhantes venham a ocorrer novamente, e, ainda,
definir a quantia de tal forma que seu arbitramento não cause
enriquecimento sem causa à parte lesada (...)

Seguindo o mesmo entendimento o desembargador Paulo Roberto


Lessa Franz, relator do processo de Apelação nº 70037050242 da Décima
câmera civil, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 26 de
Maio de 2011, sobre Responsabilidade Civil do Estado por excessos cometidos
por policiais militares numa abordagem, em seu voto, estriba-se na doutrina
para sustentar a natureza mista da indenização, como se pode denotar ao
referir que

(...)impõe-se que o magistrado atente às condições do ofensor, do


ofendido e do bem jurídico lesado, assim como à intensidade e duração
do sofrimento, e à reprovação da conduta do agressor, não se
olvidando, contudo, que o ressarcimento deve ser suficiente para
recompor os prejuízos suportados, sem importar em enriquecimento
sem causa da vítima. A dúplice natureza da indenização por danos
morais vem ressaltada na percuciente lição de Caio Mário, citado por
Sérgio Cavalieri Filho, em sua obra Programa de Responsabilidade
Civil: “Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil
(v. II, n.176), na reparação por dano moral estão conjugados dois
motivos, ou duas concausas: I - punição ao infrator por haver ofendido
um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do
ofendido uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe
oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer
espécie , seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho
material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em
dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o
desejo da vingança” (in: Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2004, p.108/109...)

De forma categórica, o magistrado supracitado, adota a natureza mista


da indenização com fundamentos calcados na doutrina brasileira. O mesmo
entendimento é perfilhado pelo Relator Desembargador Romeu Marques
Ribeiro Filho, da 5ª Câmera Civil, do mesmo tribunal, no processo de apelação
civil nº 70030409213, julgado em 23 de Abril de 2010, sobre Responsabilidade
122

Civil do Estado resultante de abordagem policial inquinada de abuso de


autoridade, ao afirmar que

O Estado responde objetivamente pelo ilícito praticado pelo agente


público no exercício da função ou em razão dela, Art. 37, § 6º, da CF. A
abordagem feita por policial, em total excesso a um patrulhamento de
rotina, constitui abuso de autoridade, configurando o denominado dano
moral puro, situação que dispensa a prova de prejuízo concreto, uma
vez que os transtornos, a dor, o sofrimento, o constrangimento e o
vexame a que o autor foi exposto prescindem de qualquer outra prova,
além do próprio fato. A fixação do quantum indenizatório deve sopesar
critérios objetivos como a condição econômica das partes, a gravidade
do dano, o grau de culpa, atendendo, especialmente, para o caráter
punitivo-pedagógico inerente a indenização em tais casos, sem
acarretar o enriquecimento ilícito da vítima. O reconhecimento da
indenização somente vai ser eficaz se, além de compensar a vitima
pelo prejuízo suportado, ocasionar impacto no patrimônio do agente
causador do dano, capaz de evitar a reincidência do evento danoso...

Em Moçambique, de forma tácita o Código Civil de 1966, até então em


vigor, acolheu a natureza mista da reparação do dano moral, dispondo por
remissão do nº 3, do artigo 496º que o Tribunal deve fixar o valor da
indenização de forma equitativa, tendo em atenção às circunstâncias descritas
no artigo 494, como sejam, o grau de culpabilidade do agente, a situação
econômica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto.
Subjaz destas disposições, de forma inequívoca, a natureza compensadora e
punitiva da reparação, como bem assinala Jorge Leite Areais de Ribeiro FARIA
ao referir que

Se o caráter sancionatório da compensação se pode ver no atender-se


nela à situação econômica do lesante, a função da reparação da
indemnização propriamente dita pode ainda descortinar-se na medida
em que na fixação da soma compensatória o juiz tem que olhar
356
também a situação econômica do lesado .

356
FARIA, Jorge Leite Areias de Ribeiro. Ob. cit. págs. 492-493.
123

O mesmo entendimento é perfilhado por Antunes Varela ao assinalar


que, no que tange aos danos não patrimoniais, a indenização reveste a dupla
função de, por um lado, reparar de algum modo, os danos verificados na esfera
jurídica do lesado, e por outro, está embutida a ideia de reprovar ou castigar,
no plano do direito privado a conduta do agente357. Acolhendo a mesma
posição, porém mais pragmático, foi Luís Manuel Telles de MEZENES DE
LEITÃO que ao analisar os critérios plasmados no artigo 494º do CCM,
assevera que destes

resulta que a indemnização por danos não patrimoniais não reveste


natureza exclusivamente ressarcitória, mas também cariz punitivo,
assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da
358
vítima, por forma a desagravá-la do comportamento lesante .

O Tribunal Administrativo moçambicano, naquela que foi uma decisão


rara de se ver, em que condena o Estado no processo nº 214/2010- 1ª, por
morte do menor Elias Rute Muianga, vítima de disparo de arma de fogo
efetuado por agentes da Policia da República de Moçambique (PRM), o
coletivo de juízes acolhem, a prior, a função compensatória da indenização ao
entender que os danos morais

sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem, entre


outros bens, o bem estar, no caso dos autos, da requerente e dos
demais familiares do finado, não integram o patrimônio do lesado,
podendo somente ser compensados com a obrigação pecuniária
359
imposta ao infrator, como uma satisfação, e não indenização .

Como facilmente se pode vislumbrar, o Tribunal Administrativo de


Moçambique, no caso sub judice, acolheu, expressamente, a natureza
compensatória da indenização. No que concerne à natureza punitiva da

357
VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit. pág. 630
358
MENEZES DE LEITÃO, Luís Manuel Telles de. Ob. cit. pág 335.
359
Acórdão 89º/2012 do processo nº 214/2010- 1ª, do Tribunal Administrativo de Moçambique. pág. 14
124

compensação, ainda que os juízes não refiram de forma expressa, subjaz da


análise da supracitada decisão, que a mesma se encontra patente na fixação
do montante da indenização, visto que o coletivo dos juízes não descorou das
circunstâncias descritas no artigo 494º do CC (grau de culpabilidade do agente,
situação econômica deste e do lesado) que denotam um caráter misto da
indenização.

Assim, no que tange ao assunto em epígrafe, Sérgio Severo muito bem


indaga ``se não houvesse um caráter punitivo subsidiário, como poder-se-ia
aquilatar o quantum a partir da conduta do agente?360´´ Para em seguida
concluir que, ``parece-nos que a dupla natureza reparatória-preventiva da
satisfação dos danos extrapatrimoniais apresenta-se dominante na doutrina e
presente legislação361´´, que demonstra o igual caminho trilhado pelo Direito
Moçambicano e Brasileiro.

A questão relativa ao caráter punitivo da reparação dos danos morais


pode ser aprofundada com a experiência do sistema da Common Law, relativa
aos danos punitivos (punitive damages), que exprimem a tendência de
condenação de altos valores, como por exemplo, no caso da condenação da
companhia Mc Donald´s a pagar o valor de 2,9 milhões de dólares americanos,
por danos causados a uma idosa de 81 anos de idade, em virtude de ter sofrido
queimaduras de terceiro grau, quando ao dirigir o automóvel, com o café entre
as pernas, derramou sobre elas o café fervente (80 graus centigrados,
reputada excessiva) adquirido numa das lojas da companhia362. Ora, uma das
principais críticas formuladas aos danos punitivos é a sua completa
imprevisibilidade, constituindo para alguns um verdadeiro ``desvario´´363.

Nessa esteira, os danos punitivos na nossa cultura jurídica (romano-


germânica) constitui uma figura situada na zona de penumbra entre o direito
civil e o direito penal, na medida em que tem o fito de punir o agente causador

360
SEVERO, Sérgio. Os Danos Extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996, pág. 191
361
Idem
362
TÁCITO, Caio. Responsabilidade do Estado por dano moral ``in´´ Revista de Direito Administrativo. Rio
de Janeiro: Renovar, vol. 197. jul./set. 1994, pág. 22
363
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 229
125

do dano por meio de uma pena pecuniária a ser paga a vítima364, o que coloca
em risco o escopo primordial do instituto da Responsabilidade Civil que é de
reparar os danos.

Ademais, Moraes adverte para o fato de

ao se adotar sem restrições o caráter punitivo, deixando-o ao arbítrio


unicamente do juiz, corre-se o risco de violar o multissecular princípio
da legalidade, segundo o qual nullun crimen, nulla poena sine lege,
além disso, em sede civil, não se colocam à disposição do ofensor as
garantias substanciais e processuais – como, por exemplo, a maior
acuidade quando o ônus da prova – tradicionalmente prescritas ao
365
imputado no juízo criminal .

A referida autora acentua ainda, o fato da maior parte dos fatos


geradores de danos morais, a que se pode impor um caráter punitivo,
configurarem um ilícito criminal, o que poderia ocasionar uma dupla punição,
dai que defenda o cunho punitivo da indenização apenas em casos
excepcionais (hipóteses particularmente sérias, quando for imperioso dar uma
resposta à sociedade em virtude de conduta ultrajante a consciência coletiva) e
a hipóteses taxativamente plasmadas na lei366.

Quanto à aplicabilidade da função punitiva apenas em hipóteses sérias,


no direito moçambicano a questão é de inicio acautelada pelo legislador ao
admitir apenas a reparação dos danos não patrimoniais que, pela sua
gravidade, mereçam tutela do direito (nº 1, do art. 496 do CC). Como se pode
vislumbrar, os tribunais Moçambicanos antes de entrarem no âmago do
problema da quantificação do montante devido, devem analisar prima facie, o
grau de gravidade do dano extrapatrimonial, por forma a concluir se merece ou
não a tutela do direito. Assim, levanta-se o problema de saber quais serão os

364
DI LAURO, Antonino Procida Mirabelli. La reparazione del danne Allá persona. Camerino-Napoli:ESI,
1993, p. 123 apud MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 258
365
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 260.
366
Idem, pág. 260-263.
126

critérios para a determinação da gravidade de tais danos. Antunes Varela, nos


ensina que

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo


(conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias
de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade
particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro
lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano
deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma
367
satisfação de ordem pecuniária ao lesado .

Transcende dos ensinamentos acima descritos, que o primeiro critério


atende às circunstâncias fáticas de cada caso, enquanto que o segundo as
circunstâncias jurídicas, conquanto o direito, de forma expressa, o proteja. Este
pré-requisito visa, essencialmente, afastar a litigância nos tribunais de meros
aborrecimentos ou transtornos do dia-a-dia. A este respeito Moraes, lança uma
luz clarificadora ensinando que

A distinção só poderá ser feita com base no princípio da dignidade


humana como critério para tal salvaguarda. O que quer que possa, ou
deva, ser reconduzido às instâncias primarias da liberdade, igualdade,
integridade psicofísica e solidariedade, ou de todo e qualquer direito da
368
personalidade, merece especial tutela do sistema jurídico .

Os danos morais constituem lesão à dignidade, como anteriormente


sustentamos, com base nos ensinamentos da autora supracitada ao assinalar
que

normalmente, o que nos humilha, ofende, constrange, o que nos


magoa profundamente, é justamente o que fere a nossa dignidade,
dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação jurídica
subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através

367
VARELA, João de Matos Antunes. Ob. cit. 628.
368
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 303
127

da cláusula geral de tutela da personalidade que foi instituída e tem a


sua fonte na Constituição Federal, em particular e diretamente
decorrente do principio (fundante) da dignidade da pessoa humana
(também identificado com o princípio geral de respeito à dignidade
369
humana) .

O dano moral não é suscetível de avaliação pecuniária, precisamente,


porque atinge a dignidade da pessoa humana que não tem preço, o que
levanta um amplo debate sobre os critérios de fixação da indenização.

Assim, a fixação do quantum indenizatório dos danos morais constitui


um dos principais problemas a ser enfrentados dentro do instituto da
responsabilidade civil, pois a sua impossibilidade de avaliação pecuniária,
faculta ao juiz, em sua atuação, um poder discricionário. Por causa deste poder
do juiz, torna-se difícil descortinar com unanimidade atuações homogêneas na
jurisprudência, no que tange a fixação do valor da reparação, muitas vezes
variando de forma drástica, em situações quase que similares.

No entanto, existem dois métodos de avaliação dos danos morais, como


bem ensina Geneviéve Viney que

No estabelecimento do método de avaliação confrontam-se duas


concepções: uma subjetiva, voltada para a aferição in concreto; e,
outra objetiva , voltada a aferição in abstracto. O método subjetivo -
apreciação in concreto – visa avaliar a satisfação na busca dos
prejuízos reais alegados pela vítima. O método objetivo – apreciação in
abstracto – baseia-se em standards jurídicos, como p. ex., a noção de
homem-médio (bonus pater familiae, résonable man), dados
370
estatísticos, através de tabelas e critérios preestabelecidos .

Os dois métodos acima enunciados, não resolvem de forma cabal o


problema da quantificação dos danos morais, pois ressalta sempre margem
para o poder discricionário do juiz. Contudo, no Brasil existem determinados
critérios usados pelos juízes na fixação da reparação devida, que são

369
Idem, págs. 132-133
370
VINEY, Geneviéve apud SEVERO, Sérgio. Ob. cit. pág. 203
128

amplamente debatidos pela doutrina. Apesar da sua variação na jurisprudência,


Moraes pontua alguns critérios fixos adotados pelos tribunais brasileiros para
reparação dos danos morais, como sejam o critério da extensão do prejuízo, o
critério do grau de culpa e o critério relativo à situação econômico-financeira,
tanto do ofensor quanto da vítima, bem como o critério de razoabilidade, em
substituição ao critério de reparação equitativa371.

Subjaz desses critérios que o juiz ante as provas produzidas nos auto, e
com base na sensibilidade natural do julgador, decidirá, impondo uma reposta
competente a ação lesiva desencadeada, mitigando a responsabilidade em
caso de concurso de culpa, ou ampliando a gravame, baseado em certa
relação entre o fato danoso e o dano que se repercute na esfera jurídica do
lesado372.

Com efeito, no processo de apelação Nº 70055827141, da Décima


Camara Civil do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sobre
responsabilidade civil do Estado decorrente de agressão por policiais militares,
julgado em 29 de Agosto de 2013, o Relator do processo Des. Túlio de Oliveira
Martins em seu voto, de forma categórica, sustenta a sua decisão de dar
provimento ao pedido da vítima

considerando a gravidade do ato ilícito praticado contra a autora que foi


agredida por policial militar, o potencial econômico do ofensor, o
caráter punitivo-compensatório da indenização e os parâmetros
adotados em casos semelhantes, majoro o valor da reparação para R$
10.000,00 (dez mil reais)

O citado magistrado adota em seus critérios de decisão o grau de culpa


do agente e a condição econômica do ofensor. Estes critérios de análise das
condições subjetivas do ofensor, bem como do lesado tem sido de forma
recorrente usado por outros magistrados do referido Tribunal, como se pode
notar no voto do Relator Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, no processo de

371
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 275
372
BITTAR, Carlos Alberto. Ob. cit. pág. 222.
129

apelação nº 70030409213, julgado em 23 de Abril de 2010, sobre


responsabilidade civil do Estado decorrente de abuso de autoridade na ação de
policiais militares, ao referir que

A adequada reparação, em montante compatível com os fatos, passa


pela sua gravidade, pela situação pessoal do demandante, pela
capacidade financeira do réu e pelos prejuízos advindos do ilícito,
razão pela qual fixo o valor em R$ 10.200,00, a ser corrigida
monetariamente desde a sessão e julgamento, e acrescida de juros
legais, a contar do evento danoso.

No STJ, estes critérios também têm sido usados, como se pode ver no
voto do Relator Ministro Sidnei Beneti no AgRg no Recurso Especial Nº
1.367.193 - RS (2013⁄0032207-9) que considera que

No que diz respeito ao pedido de majoração da verba indenizatória,


não obstante o grau de subjetivismo que envolve o tema da fixação da
indenização, uma vez que não existem critérios determinados e fixos
para a quantificação do dano moral, reiteradamente tem-se
pronunciado esta Corte no sentido de que a reparação do dano deve
ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem
constituir, de outro lado, enriquecimento indevido. Em se tratando de
dano moral, cada caso, consideradas as circunstâncias do fato, as
condições do ofensor e do ofendido, a forma e o tipo de ofensa, bem
como suas repercussões no mundo interior e exterior da vítima, cada
caso, repita-se, reveste-se de características que lhe são próprias, o
que o faz distinto de outros.

A par dos critérios acima aflorados, o STJ consolidou o entendimento de


que a fixação do quantum indenizatório deve ter em atenção ao princípio da
razoabilidade e de proporcionalidade, aceitando apenas a revisão do valor, se
encontrar-se em flagrante violação destes ditames, como pode se depreender,
a título de exemplo, do voto do Relator do processo AgRg no Agravo em
Recurso Especial Nº 375.681 - MS (2013⁄0229592-8) o Ministro Luís Felipe
Salomão que afirma
130

é sabido que na esteira da jurisprudência consolidada por esta Corte,


os valores fixados a título de danos morais só poderão ser revistos,
em sede de Recurso Especial, apenas em casos que o valor afronta os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Este constitui um breve panorama da prática dos Tribunais brasileiros,


que ressalta a utilização recorrente de critérios que se prendem com as
condições sociais da vítima e do ofensor.

Como anteriormente referimos, em Moçambique, o Código Civil manda


de forma expressa, que o juiz individualize o quantum indenizatório dos danos
morais que pela sua gravidade mereçam tutela do direito, equitativamente,
tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação econômica
deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso concreto (art. 494
conjugado com o nº 3 do art. 496, ambos do CCM).

O primeiro parâmetro com o qual o julgador se deve valer para fixar o


montante da reparação é o da equidade, ou seja, o juiz deverá fixar a pena
equitativamente. O legislador pretende que a fixação do valor da reparação
seja com base nos ditames de justiça e igualdade, atendendo as circunstâncias
do caso concreto.

Este critério apresenta a vantagem de flexibilidade, o que permiti uma


maior adequação às circunstâncias do caso concreto373. Todavia, para que o
processo de individualização do valor da reparação não se torne em uma
operação arbitrária, mas sim discricionário o legislador estabelece alguns
critérios orientadores, que o julgador deve ter em atenção na fixação do
quantum indenizatório374, como é o caso do grau da culpa e a situação
econômica do ofensor, bem como a da vítima.

Os critérios acima descritos, mormente o grau de culpa e a situação


econômica do ofensor, revelam como temos vindo a sustentar, o caráter misto
da reparação adotado pelo legislador moçambicano, em que para além de
exercer a função compensadora, exerce a função punitiva, reprovando e

373
PERLINGIERI, Pietro. Ob. cit. pág. 174.
374
Idem
131

castigando o autor do evento danoso, que no tema em epigrafe visa castigar e


desencorajar os agentes do Estado da prática de conduta danosa.

Na decisão histórica do Tribunal administrativo moçambicano (Acórdão


nº 89/2012, do processo nº 214/2010-1ª) que tem servido de referência para
nossa análise da jurisprudência moçambicana, o coletivo de juízes deu
primazia a fixação equitativa do valor da indenização e o grau de culpabilidade
do agente, como se pode deduzir da fundamentação da decisão, ao referirem
que deve

no caso dos autos, o montante da referida indemnização deve ser


fixado equitativamente, tendo e, atenção que a responsabilidade se
funda na mera culpa, atendendo-se não só os danos não patrimoniais
sofridos pela vitima, como os sofridos pelas pessoas com direito a
indenização (artigos 494º e 496º, do Código Civil), o tribunal entende
375
fixa-lo em montante igual ao pedido pela requerente .

O tribunal estriba-se no estatuído na parte final do nº 3, do artigo 496 do


CC, que estabelece que em casos de dano morte, podem ser atendidos não só
os danos sofridos pela vítima, como os sofridos pelo conjugue não separado
judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, e na
falta destes aos pais ou outros ascendentes e por último aos irmãos ou
sobrinhos que os representem (pessoas com direito a indenização indicadas
pelo nº 2, do mesmo artigo).

No entanto, desta redação indaga-se se a própria perda da vida


isoladamente considerada constitui um dano cuja reparação confira aos
herdeiros, por transmissão mortis causa, um direito a indenização, ou seja,
será que deve se ater aos danos sofridos pela própria vitima e aos danos
sofridos pelos familiares. A este respeito, após profunda análise dos textos dos
trabalhos preparatórios376 do atual Código Civil vigente em Moçambique, com o

375
Pág. 14 e 15 do Acordão nº 214/2010-1ª do Tribunal Administrativo Moçambicano. Importa realçar
que o valor pedido pela lesado foi de 500.000,00 Mts (quinhentos mil meticais), equivalente a 17000
dolares americanos.
376
Cfr. VARELA, Jõao de Matos Antunes. Ob. cit. págs 634-635.
132

fito de buscar a ratio legis sobre a matéria, Antunes Varela chega a duas
importantes conclusões,

A primeira é que nenhum direito de indenização se atribui, por via


sucessória, aos herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa,
pelos danos morais correspondentes a perda da vida, quando a morte
da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da lesão. A
segunda é que, no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a
indenização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela
vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros
por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e
377
segundo a ordem do disposto no nº 2 do artigo 496º .

O direito à indenização dos danos morais nasce assim na esfera jurídica


dos titulares indicados pela lei. Neste âmbito, o coletivo de juízes do Tribunal
Administrativo, no acórdão que temos vindo a citar, entendeu e bem quanto à
titularidade do direito a indenização por danos morais, decidindo que ``à
requerente cabe o direito à indenização por danos não patrimoniais, uma vez
que é a mãe do menor Elias(...) que perdeu a vida por ter sido baleado através
de uma arma de fogo, de um membro da policia...´´, porém não foi
suficientemente claro sobre a sua posição quanto aos danos sofridos pela
vítima.

Do acima exposto, ressaltam alguns critérios similares usados na


avaliação do valor da reparação pelos tribunais moçambicanos e brasileiros,
em casos de Responsabilidade Civil do Estado por lesão aos Direitos
fundamentais, como é o caso do grau de culpa do agente (elemento subjetivo
relativo à dimensão da culpa do causador do dano), a situação econômica do
ofensor e do lesado. Relativamente à necessidade de olhar as condições
econômicas do lesado, importa lembrar que o entendimento é de inibir o
enriquecimento sem causa deste.

377
Idem, pág. 635.
133

O efeito prático da aplicação deste critério tem sido controverso e


nefasto, acabando por se atribuir maior valor a quem possui uma situação
econômica boa e menos a quem tem uma situação menos favorável378.

A solução desta controvérsia implica repensar estes critérios fixação de


indenização, atribuindo maior ênfase à extensão do dano. A este respeito já
ensinava Pontes Miranda que

A indenizabilidade do dano é na medida em que ele se acha em


relação à causa, ou às concausas, ou à causa de aumento. Tem-se de
considerar o prejuízo que o ofendido sofreu, ou sofreu e ainda vai
sofrer, e o que pode haver lucrado, bem como a sua participação nas
causas do dano ou aumento desse. À base do dever de indenizar está
o interesse do ofendido, isto é, da pessoa cujo patrimônio ou
379
personalidade sofreu o dano .

Como se pode vislumbrar, o autor acima referido chama atenção para


que o epicentro da fixação do montante da reparação seja o prejuízo verificado
na esfera jurídica da vítima, e não as circunstâncias subjetivas inerentes às
condições do ofensor e do lesado.

A ofensa aos direitos fundamentais afeta, essencialmente, a dignidade


da pessoa humana. Neste prisma, a lesão à dignidade não pode de forma
nenhuma ser avaliada com base em pressupostos inerentes a situação
econômica da vítima, na medida em que esta não determinará que a dignidade
de uma pessoa tenha maior valor que a de outra. Assim, tal critério abre
espaço para que em face de existência de condições econômicas desiguais,
seja dado tratamento diferente a violação de um bem idêntico, a dignidade,
pois, como sustentamos anteriormente, somos iguais em dignidade. Nesta
lógica de ideias, PERLINGIERI assinala que

378
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 298
379
MIRANDA, Pontes De. Tratado de Direito Privado. Tomo III. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966, pág. 206
134

especial será o dano ao ouvido de uma esportista ainda que não


profissional que ama nadar ou para quem se deleita a ouvir música;
assim como será especial o dano na perna de quem mora em um dos
380
últimos andares de um prédio sem elevador .

Criticando, a prática dos Tribunais em aquilatar o valor da indenização


com base nas condições sociais das vítimas, Moraes afirma que

Tanto a suposição de que pessoas de classes diferentes ``sofrem´´ em


valores (quantias) diferentes quanto a de que todas as pessoas têm os
mesmos sentimentos (donde concluir que não é cabível especificar-se,
em relação ao caso concreto a indenização) decorrem da errônea
suposição de que é o ``sentimento´´ o que deve ser avaliado. Dai, o
engano profundo em que recaem todas as decisões que se arrogam
conjecturar sobre os sentimentos dos outros e acabam julgando
apenas com base na aparência, isto é com base nas condições
381
econômicas da vítima e ofensor .

É neste prisma, que PERLINGIERI remata concluindo que a avaliação


equitativa do dano moral devia ``prescindir do rendimento individual ou per
capita e concentra-se nas condições que o dano produz nas manifestações da
pessoa como mundo de costumes de vida de equilíbrio e de realizações
interiores382´´, ou seja, deve se centrar no dano em si, e na sua repercussão
na vida da vítima.

Por outro lado, sendo a dignidade da pessoa humana, fundamento do


dano moral e de todo Estado, Moraes sustenta que

ficam desde logo excluídos quaisquer critérios que tenham como


parâmetros as condições econômicas ou o nível social das vítimas, não

380
PERLINGIERI, Pietro. Ob. cit. pág. 174.
381
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 300
382
PERLINGIERI, Pietro. Ob. cit. pág. 174.
135

se coadunando com a noção de dignidade, extrapatrimonial na sua


383
essência, quaisquer fatores patrimoniais para o juízo da reparação .

Neste prisma, ao se erigir a dignidade da pessoa humana à valor central


do ordenamento jurídico, é à luz do qual que se deve fazer uma releitura
normativa de todas as disciplinas da responsabilidade civil384, incluindo os
critérios de fixação da indenização. Assim, a extensão do dano na pessoa da
vítima é que deve ser o critério chave, cujo uso na prática dos tribunais seria
consentânea com o princípio da igualdade, e da dignidade, pilares do Estado
Democrático do Direito.

Ademais, aliado ao princípio da igualdade, constituem um dos


fundamentos da responsabilidade do Estado o da solidariedade, em que
conjugados, impõe a repartição de forma igual por toda a coletividade o ônus
imposto a apenas um indivíduo ou grupo de indivíduos, não sendo, por isso,
justo que em função da situação econômica da vítima, a coletividade reparta
mais em alguns casos, e noutros menos.

A dimensão do dano deve ser vista independentemente do valor vier a


acrescer grandemente o patrimônio do lesado, como bem refere Moraes, ``o
enriquecimento, se estiver servindo para abrandar os efeitos nefastos de lesão
à dignidade humana, é mais do que justificado: é devido385´´.

Outro critério adotado tanto na cultura jurídica brasileira, bem como na


moçambicana, é o do grau de culpabilidade do agente. Este parâmetro não é
compatível com a lógica e a evolução da figura da responsabilidade do Estado.
Contemporaneamente, a responsabilidade do Estado é objetiva, na grande
maioria dos Estados, ou seja, a Responsabilidade estatal não busca os seus
fundamentos em elementos subjetivos, mais na necessidade de oferecer maior
proteção ao cidadão e de se reparar, amplamente, o dano injusto. A aplicação

383
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 306
384
PERLINGIERI, Pietro. Ob. cit. pág. 175
385
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 302
136

daquele critério pode acarretar graves injustiças, podendo a indenização ser


fixada em montante inferior ao que corresponderia a extensão dano.

Nesta senda, Moraes assevera com base na doutrina clássica que

nenhuma relação deveria haver entre amplitude dos danos e a


gravidade da culpa. Nestes casos, então, e com absoluta
independência do grau de culpa do agente, caberia sempre indenizar
toda a extensão do dano, mesmo sendo a culpa levíssima causadora
386
de dano gravíssimo .

O dano injusto causado pela conduta do Estado ainda que despida de


culpa, carece de reparação em toda sua extensão, salvo casos em que
concorre a culpa do lesado, que servirá de atenuante da responsabilidade387.

No ordenamento jurídico moçambicano, onde de forma expressa, o


legislador constituinte estabeleceu o regime de responsabilidade subjetiva do
Estado, e consequentemente, apenas os danos causados pelos atos ilegais
dos agentes estatais podem ser reparados, a avaliação do dano moral com
base naquele critério, é uma verdadeira cratera para ocorrência de flagrantes
injustiças. Não é justo que um cidadão ou grupo de cidadãos, não veja
ressarcido na íntegra o dano sofrido, por um ato que visava à persecução de
interesses coletivos em virtude da culpa do agente público ter sido branda. O
que deve imperar é o critério da extensão do dano, para que não fique lesado o
princípio de reparação dos danos causados a outrem.

386
MORAES. Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 296
387
Para mais desenvolvimentos sobre a culpa do lesado, como atenuante da Responsabilidade
Extracontratual do Estado, vide o primeiro capítulo da presente dissertação.
137

3. A concretização da reparação

Definido o quantum indenizatório que o Estado deve reparar os danos


verificados na esfera jurídica do cidadão, decorrentes da lesão aos seus
direitos fundamentais, é necessário concretizar a reparação, procedendo ao
pagamento do montante fixado na sentença condenatória, ou em outros casos,
cumulativamente, a reintegração do direito violado.

Em tese, num Estado em que a organização política se afirme


Democrática de Direito é de se esperar que o Poder público cumpra
voluntariamente as suas obrigações legais e as decisões condenatórias
advindas do Poder Judiciário, porém nem sempre isso se verifica, ou
verificando-se, é feito de forma morosa.

O não cumprimento voluntário das decisões do Poder Judiciário deve-se


em alguns casos a simples omissão da Fazenda Pública, e a morosidade
ocorre, por vezes, devido às imposições legais. A primeira grande barreira
atinente à concretização da reparação é o princípio de planejamento
orçamental, segundo a qual as receitas públicas e as despesas, bem como os
investimento, se fazem segundo planos que podem ser anuais ou plurianuais,
servindo de instrumento de controle da Administração Pública quanto ao limite
máximo de gastos388.

Neste ponto, pretendemos analisar quais os mecanismos que assistem


ao cidadão ante a omissão do poder público em indenizar o cidadão, que em
devido processo legal de responsabilização do Estado ganhou esse direito.
Deverá apelar apenas ao bom senso do poder público.

O Estado Democrático de Direito impõe a submissão do Estado ao


direito e, como corolário, o respeito das decisões do poder judicial, bem como a
garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. Daí que, é assegurado ao
cidadão o direito de acesso à justiça, com o fito de obter tutela reparatória ou
388
TORRES, Ricardo Lobo. O Orçamento na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, págs. 51-52.
138

preventiva contra o poder público. Todavia, a garantia constitucional de ação


estaria mutilada se não existisse a possibilidade de efetivação e concreção
daqueles julgados por forma a viabilizar ao particular recebimento de quantia
certa resultante de condenação judicial do Estado389.

Ora, a execução da Fazenda Pública é feita em regime diferenciado a


dos particulares. A este respeito Wanderley José Federighi entende que

a fundamentação para a existência de sistema diferenciado de


execução dos seu débitos reside na própria natureza da Fazenda
Pública, como representante da própria Administração Pública, do
próprio Estado (Governo) em juízo, não se podendo permitir que o
erário público – até pelo principio da continuidade da prestação dos
serviços públicos – possa vir a sofrer execução comum com penhora e
390
praceamento de seus bens .

De fato, submeter à Fazenda Pública ao mesmo regime dos particulares


implicaria prejuízos ao interesse público, em que poderiam ficar sem
determinado serviço essencial para a coletividade, por inexistência de meios
para a sua persecução, o que comprometeria sobremaneira a continuidade dos
serviços públicos.

Há quem negue a qualidade ou natureza de execução à aquela que é


movida contra a fazenda391. Para enfrentar a questão, importa prima facie,
estabelecer balizas do que seja processo de execução. Neste prisma, para
Enrico Tullio Liebman o processo de execução constitui um conjunto de atos
com o escopo de alcançar por meio do processo, a efetivação da sanção
imposta392. Já Federighi entende que o processo de execução vai representar
``a relação jurídica, ou modo de tutela jurisdicional, pelo qual o credor
consegue a satisfação de seu crédito, oriundo de título executivo judicial ou
389
VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 1998, pág. 57
390
FEDERIGHI, Wanderley José. A Execução Contra a Fazenda Pública. São Paulo: Saraiva, 1996, pág. 16.
391
ALALIBA. Geraldo. Empréstimos públicos e seu regime jurídico. Revista dos Tribunias, 1973, p. 250 e s.
e FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 6. Ed., 1984, p. 192 são
contrários a natureza de execução propriamente dita a aquela imposta a Fazenda pública.
392
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de Execução. São Paulo: Saraiva, 1980, pág. 4
139

extrajudicial, voltando-se, para tanto, contra o patrimônio do devedor393´´. No


processo de execução contra a Fazenda pública o problema reside no fato de o
Poder Judicial não efetivar e realizar a sanção, independentemente da vontade
do devedor ou contra ela394.

Com efeito, é mister ter uma visão ampla sobre o sentido da efetividade
da atuação do Poder Judicial para se compreender a execução, englobando
todas as medidas tendentes a satisfação do credor, bem como o cumprimento
do julgado como medida executivas395. É neste contexto que apesar das suas
peculiaridades, a ação movida contra a Fazenda Pública, reveste a índole de
execução.

No ordenamento jurídico brasileiro, a questão relativa à execução da


fazenda pública já vinha disciplinada na Constituição Federal de 1934, fruto de
certa pressão popular, visto que por falta de disposições sobre a matéria nas
constituições anteriores, as decisões judiciais ficavam a mercê da vontade dos
titulares dos órgãos de administração e à força política do credor 396.
Posteriormente, veio a ser disciplinada nas Constituições Federais de 1937
(art. 95), 1946 (art. 204), 1967 (art. 112), na emenda Constitucional de 1969
(art.117).

A atual Constituição Federal do Brasil de 1988, não fugiu a regra, e por


forma a concretizar o direito constitucional de ação estabelece o artigo 100º
que ``(...) os pagamentos devido a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em
virtude de sentença judiciária far-se-ão exclusivamente em ordem cronológica
da apresentação dos precatórios, e a conta dos créditos respectivos, proibida a
designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentais e nos créditos
adicionais abertos para esse fim´´.

A disposição constitucional ecoa no Código de Processo Civil, onde nos


artigo 730º e 731º repete parcialmente aquele comando supracitado. Assim,

393
FEDERIGHI, Wanderley José. Ob. cit. pág. 44
394
GRECO FILHO, Vicente. Da Execução Contra a Fazenda Pública. São Paulo: Saraiva, 1986, pág. 39.
395
Idem
396
GRECO FILHO, Vicente. Ob. cit. pág. 33
140

tendo já título líquido de execução, evidentemente, após o impulso


processual397, a Fazenda Pública será citada para opor embargos398 no prazo
de 10 dias (art. 730). Não sendo oferecidos embargos, o juiz requisitará
pagamento por meio do presidente do Tribunal competente, sendo o
pagamento feito na ordem de apresentação de precatório e a conta do
respectivo crédito (inciso I e II, do art. 730).

O precatório (precatoriu(m), precor – pedir, rogar, solicitar) é o ato pelo


qual o juiz requisitará, ao tribunal que caso houvesse recurso o teria julgado
(Tribunal competente), a ordem de pagamento do crédito devido399. Com efeito,
os precatórios judiciais apresentados até ao dia 1º de Julho, deverão constar
do orçamento da instituição condenada, por forma a que seja paga até ao final
do exercício financeiro seguinte (§ 1, do art. 100 da CFB/88).

Greco Filho salienta que, a não inclusão no orçamento pode ser


remediada mediante suplementação de verbas, porém, considera ser
fundamental a sua inclusão para que a Administração tenha planejado tal verba
como despesa certa e necessária, dentro de um orçamento equilibrado e da
previsão global de receita400.

Sendo o credor preterido no pagamento o magistrado que emitiu a


ordem do pagamento poderá ordenar sequestro de quantia necessária para
satisfazer a reparação do dano verificado na esfera jurídica do cidadão. Este
sequestro, segundo Cahali, proceder-se-á sobre as rendas da Fazenda
Pública401. Ora, levanta-se a questão de saber qual a natureza do seqüestro.
Respondendo a esta indagação Greco Filho de forma peremptória afirma que
``tem natureza cautelar porque sua finalidade é recompor a ordem dos
pagamentos e não natureza executiva, as satisfativa, do credor preterido,

397
O impulso processual é dado pela parte interessada, no caso vertente o cidadão que com êxito viu
em sentença judicial o Estado ser condenada a reparar os danos causados em sua esfera judicial.
398
VIENA, Juvêncio Vasconcelos. Ob. cti. pág. 108-109 assinala que os ``embargos não têm a mesma
natureza jurídica de contestação. Não são uma simples ``resposta´´ do devedor. Sua natureza jurídica é
uma verdadeira ação cognitiva desconstitutiva do processo de execução, um instrumento processual
com alma de ação e corpo de ação.´´
399
Idem. Pág. 115-116.
400
GRECO FILHO, Vicente. Ob. cit. pág. 87
401
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. ob. cit. pág. 210
141

porque não se decidi in casu se o credor preterido é o primeiro da fila 402´´,


posição da qual perfilhamos. Importa realçar que as autarquias e demais
pessoas de Direito Público respondem com o seu patrimônio. Ademais, o
seqüestro pode ser requerido por qualquer dos credores preteridos, sem que
seja necessariamente o primeiro da fila.

Em Moçambique, as anteriores constituições vigentes (1975 e 1990) em


nada dispunham sobre a concretização dos julgados contra a Fazenda Pública.
A constituição atual (CRM/2004) seguiu a mesma linha sendo omissa quanto à
questão, limitando-se a referir no artigo 215º que ``as decisões dos tribunais
são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas
jurídicas e prevalecem sobre as demais autoridades´´.

Contudo, a Lei 9/2001 de 7 de Julho (Lei do Contencioso administrativo)


disciplina nos artigos 164º e seguintes, o processo de execução da Fazenda
Pública. O ritual para a concretização da reparação é bem distinto do
estipulado no Direito Brasileiro. Transitada em julgado a decisão condenatória
do Estado moçambicano, este deve adotar ou praticar, conforme o caso, atos
jurídicos ou operações materiais, necessárias à reparação do dano, bem como
a reintegração da ordem jurídica violada403.

Nos casos de pagamento de quantia certa, caso haja falta de verba


orçamental para o cumprimento imediato da sentença, o poder público poderá
fundamentadamente invocar, esta circunstância como causa de inexecução da
sentença condenatória, cabendo a este garantir a inserção da despesa no
orçamento do exercício financeiro seguinte (como subjaz da análise do art. 167
e 168, da Lei 9/2001).

Ora, caso o órgão do Estado não adote medidas conducentes a efetivar


a reparação do dano causado, a justiça administrativa poderá lançar mão a
medidas compulsória que recaem, diretamente, sobre o titular do órgão que
devia ordenar o cumprimento. Esta medida consiste na responsabilização

402
GRECO FILHO, Vicente. Ob. cit. 92
403
Art. 164 da Lei do Contencioso administrativo em Moçambique, Lei nº 9/2001
142

pessoal do titular404 do órgão público, podendo pagar uma multa de 25% a


100% do salário mínimo nacional, por cada dia de atraso no cumprimento da
decisão405. Outrossim, o descumprimento deliberado pelo titular do órgão de
poder público constitui nos termos do número 2º do artigo 179, da Lei 9/2001,
crime de desobediência qualificada.

No que tange à reintegração de determinado direito violado, importa


realçar que as únicas causas legitimas, para o não cumprimento da decisão é a
impossibilidade de execução ou se o cumprimento da decisão acarretar graves
prejuízos para o interesse público (artigo 165, da Lei 9/2001), o que levanta a
questão da ponderação de princípios, e se poderá contrapor no caso sub judice
o interesse público aos direitos fundamentais do cidadão. Enfrentaremos esta
questão no ponto a seguir.

4. Teoria da ponderação de princípios: conflitos de direitos


fundamentais

Como acima referimos, a reintegração de determinado direito violado com o


fito de concretizar a reparação, poderá esbarrar no interesse público, bem
como em determinadas situações, podem ainda existir conflitos de direitos
fundamentais. Diante deste quadro, importa analisar se sempre deverá
prevalecer o princípio da supermacia do interesse público, ínsito naquele
dispositivo legal. E qual a solução em casos de conflito de direitos
fundamentais.

404
É interessante o espírito do legislador que não lança medidas contra órgão ou patrimônio do órgão
que lesou os direitos fundamentais do cidadão, mas sim contra o titular que não cumpre a decisão.
Ademais, esclarece no número 3, do artigo 175 que em casos de órgão colegiais a medida compulsória
não é aplicável aos que votaram a favor do cumprimento, o que demonstra esta ideia de individualizar o
máximo possível a responsabilidade. Diferentemente do que ocorre no Brasil não existe a possibilidade
de se ordenar o seqüestro de valor para cobrir a reparação.
405
art. 175, da Lei do Contencioso administrativo em Moçambique, Lei nº 9/2001
143

Ora, não restam dúvidas que a Administração pública na sua atuação deve
prosseguir o interesse público, que Celso Antonio Bandeira de Mello
influenciado pela doutrina Italiana, principalmente Renato Alessi, distingue em
interesse público propriamente dito, ou designado de interesse primário, e
interesse secundário. Sendo estes relativos ao interesse do próprio aparato
estatal enquanto entidade personificada e aqueles relativos à sociedade como
um todo, são os interesses coletivos que a administração deve prosseguir406.

No entanto, aduz o Professor Romeu Felipe Bacellar Filho que o interesse


público é ``a parcela coincidente de interesse dos indivíduos enquanto
membros da coletividade407´´, que visto deste modo poderá, em grande
medida, levar a confluência entre este e os direitos fundamentais dos cidadãos,
na medida em que, apesar destes terem valor intrínseco independentemente
da dimensão coletiva, a sua promoção e proteção favorece o bem-estar de
toda a sociedade408.

De fato, com a consagração do Estado Democrático de Direito e a elevação


do princípio da dignidade da pessoa humana a categoria de guia de toda
ordem jurídica, a atuação da administração pública deve responder aos
ditames deste, por forma a representar os interesses de toda a coletividade.
Neste sentido, Pietro Perlingieri salienta que o interesse público não pode ser
visto ``como superestrutura burocrática e superindividual, mas como síntese e
atuação equilibrada dos valores das pessoas consociadas na unidade de seus
direitos409´´. Assim, Sarmento assevera que

406
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit. pág. 91-92
407
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A Noção Jurídica de Interesse Público No Direito Administrativo
Brasileiro, ``in´´ BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (orgs.). Direito Administrativo
e Interesse Público: Estudos em Homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, pág. 91.
408
SARMENTO, Daniel. Interesses Públicos vs. Interesses Privados na perspectiva da Teoria e da Filosofia
Constitucional ``In´´ SARMENTO, Daniel (org.). Interesses Públicos versus Interesses Privados:
Desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pág.
81.
409
PERLINGIERI, Pietro. Ob. cit. pág. 285
144

para um Estado em que tem como tarefa mais fundamental, por


imperativo constitucional, a proteção e promoção dos direitos
fundamentais dos seus cidadãos, a garantia destes direitos torna-se
410
também um autêntico interesse público.

Depreende-se, assim, que o interesse público abarca interesses


objetivamente privados como os coletivos, como de forma peremptória afirma
Gustavo Binenbojm ``a expressão interesse público consiste em uma
referência de natureza genérica, a qual abarca a ambos, interesses privados e
coletivos, enquanto juridicamente qualificados como metas ou diretrizes da
Administração pública´´411, que na atmosfera do Estado Democrático de Direito,
passa pela proteção e garantia dos direitos fundamentais.

Apesar de existir, por um lado, esta convergência entre interesse público


e os direitos fundamentais dos cidadãos, por outro, existem situações de
colisão e antagonismos, pois, embora o direitos fundamentais fazem parte do
conteúdo do interesse público, eles não o esgotam, bem como a dimensão
objetiva dos direitos fundamentais pode impor algumas restrições a dimensão
subjetiva, casos em que se vai impor, em prol do interesse público412.

Antes de analisar o tratamento doutrinário destas situações importa,


prima facie, apresentar, de forma sucinta, a distinção entre regras e princípios.
É doutrina assente que os princípios, assim como as regras configuram
normas413. Vários tem sido os critérios usados pela doutrina para distinguir
regras e princípios414, contudo vamos nos ater ao critério qualitativo de
distinção proposto por Alexy. Com base neste critério ensina que

410
SARMENTO, Daniel. Ob. cit., pág. 83.
411
BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do Interesse Público ao Dever de Proporcionalidade:Um novo
Paradigma para o Direito Administrativo ``In´´ SARMENTO, Daniel (Org.). ob. cit. pág. 148.
412
HACHEM, Daniel Wunder. O princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo
Horizonte: Fórum, 2011, pág. 335.
413
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2012, pág. 87.
414
Robert Alexy elenca alguns desses critérios tradicionais usados na tentativa de definir regras de
princípios, como é o caso do critério da generalidade, a determinabilidade dos casos de aplicação,
dentre outros. Ob. cit. pág. 86-90 .
145

os princípios são(...) mandatos de otimização, que são caracterizados


por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a
medida devida de sua satisfação não depende somente das
415
possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas .

Como se pode depreender, os princípios impõem que os fins


determinados pelo comando normativo sejam realizados na maior medida
possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. As possibilidades fáticas
referem-se a circunstâncias reias, enquanto que as possibilidades jurídicas
referem-se aos enunciados normativos que estabelecem limitantes jurídicas,
isto é, as regras e princípios que consagram soluções opostas.

Por outro lado, as regras são normas que apenas podem ser observadas
ou não, pois as regras já comportam as previsões tanto fáticas como jurídicas,
e como tal, quando válidas deve-se cumprir as suas prescrições416. No mesmo
diapasão, Dworkin atribui as regras a lógica de incidência de tudo-ou-nada. Se
os fatos que uma regra enuncia se verificam, então a regra é válida, e deve ser
aceita no caso em que se aplica, ou ela não é válida nos casos em que ela não
contribui em nada para a decisão417.

Em atenção à distinção supra, o conflitos de regras resolvem-se


mediante a introdução de uma exceção. Sendo impossível eliminar tal conflito
por esta via, uma das regras deve ser declarada inválida com base nos critérios
da hermenêutica jurídica418. No que tange a colisão dos princípios a solução
será diversa, será feita mediante sopesamento ou ponderação dos princípios
conflitantes para que possam ser realizados na maior medida possível 419.

Ora, relativamente a nossa indagação, importa realçar que uma parte da


doutrina, como é o caso de Gustavo Binenbojm, entende que ``o
reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído

415
Idem, pág. 90
416
Idem, pág. 91
417
DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 6th ed. Londres: Duckworth, 1991, pág. 39-43.
418
ALEXY, Robert. Ob. cit. págs. 91-92
419
Idem, pág. 93-99.
146

pela constituição inviabiliza a determinação a prior de uma regra de supremacia


absoluta do coletivo sobre o individual420´´. Esta visão encontra-se ancorada na
ideia de que o princípio da supermacia do interesse público constitui uma
cláusula geral de supressão dos direitos fundamentais, como indica Paulo
Ricardo Schier ao referir que a

a assunção prática da supremacia do interesse público sobre o privado


como cláusula geral de restrição de direitos fundamentais tem
possibilitado a emergência de uma política autoritária de realização
constitucional, onde os direitos e liberdades e garantias fundamentais
devem, sempre e sempre, ceder aos reclames do Estado que, qual
421
Midas, transforma em interesse público tudo que é tocado .

Na mesma linha doutrinária Daniel Sarmento afirma que ``não seria


possível instituir por lei, nem muito menos reconhecer, à falta dela, a existência
de uma cláusula geral de limitação dos direitos fundamentais, baseada na
supremacia do interesse público422´´. Ademais, o referido autor considera tal
princípio incompatível com o principio da proporcionalidade, importante
parâmetro de aferição das restrições aos Direitos Fundamentais, na mediada
em que vai otimizar a proteção dos bens jurídicos em confronto423.

No entanto, Di Pietro criticando abertamente os posicionamentos acima


citados, esclarece que desde longa data, a aplicação do princípio da
supremacia do interesse público exige que se observe os ditames do princípio
da razoabilidade, que implica a ponderação adequada entre os meios e fins
(referentes ao interesse público), e mesmo o poder de policia da qual subjaz o
princípio da supremacia do interesse público, caracteriza-se pela necessidade,

420
Ob. cit. pág. 149
421
SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o regime
Jurídico dos Direitos Fundamentais. SARMENTO, Daniel (org.). ob. cit. pág. 218-219.
422
SARMAENTO, Daniel. Ob. cit. pág. 98
423
Idem, pág. 99-100
147

eficácia e a proporcionalidade424. Dai que Hachem refere que não existe ``uma
suposta `cláusula geral de restrição dos direitos fundamentais´, abstratamente
considerada, decorrente do princípio de supremacia do interesse público, que
seria capaz de autorizar toda e qualquer limitação a tais direitos425´´. Assim, na
sua atuação a administração deve agir em respeito à dignidade da pessoa
humana e aos direitos fundamentais, que configuram o núcleo do interesse
público.

O caminho apontado pela CRM/2004 vem estipulado nº 1, do artigo 249


ao estabelecer que ``A Administração Pública serve o interesse público e na
sua atuação respeita os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos´´.
Nesse passo, entendemos nós na concretização da sanção, diante do conflito
entre reintegração de direitos violados e o interesse público deve sempre existir
um sopesamento e ponderação entre os valores envolvidos.

5. Direito de regresso contra o agente causador do dano

Concretizada a reparação do dano sofrido pelo cidadão, o Estado


poderá deflagrar ação regressiva contra o funcionário que deu azo a
responsabilização civil.

No direito brasileiro, nos casos em que o Estado é condenado por danos


decorrentes de lesão aos direitos fundamentais, sem culpa ou dolo dos órgãos
ou agentes estatais, a oneração é imposta ao patrimônio estatal de forma
definitiva. Todavia, verificando-se uma ligação psicológica entre a conduta
danosa e o agente estatal que o praticou (culpa ou dolo), assiste ao Estado
direito de regresso sobre este. Isto decorre por força da consagração de um
regime de responsabilidade objetiva do Estado e subjetiva do agente,
determinado pela Constituição Federal Brasileira no artigo 37, § 6 in verbis:
424
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da supremacia do interesse público ``in´´ BACELLAR
FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (org.), ob. cit. pág. 217.
425
HACHEM, Daniel Wunder. Ob. cit. pág. 336.
148

``As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de


serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade
causarem a terceiros, assegurado direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa´´.

Subjaz como requisitos para verificação do direito de regresso, a


condenação da Fazenda Pública para indenizar o administrado por ato lesivo
do seu agente, bem como que o agente tenha agido com dolo ou culpa,
devendo apurar-se a sua culpabilidade segundo critérios do direito comum426.

No direito moçambicano, como temos vindo a ressaltar, o legislador


adotou a responsabilidade subjetiva do Estado como regra, estatuindo no nº 2,
do artigo 58º da Constituição da República de Moçambique que ``O Estado é
responsável pelos danos causados por atos ilegais dos seus agentes, no
exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso nos termos da
lei´´. A par dos outros pressupostos desta figura, a ilicitude do ato e a culpa do
agente são elementos chave para imputação da responsabilidade ao Estado, o
que torna o agente, sempre, responsável regressivamente.

Pautados os contornos e os pressupostos para se acionar o direito de


regresso contra o agente causador do dano nos dois ordenamentos jurídicos
que tem servido de referência a nossa análise, coloca-se a questão de saber
se o cidadão em que teve a sua dignidade lesada, se o quiser pode optar por
demandar o agente estatal, ou solidariamente o Estado e o agente, ou este
apenas responde perante o Estado em ação de regresso.

O professor Celso Antonio Bandeira de Mello entende que ``o vitimado é


quem deve decidir se aciona apenas o Estado, se aciona conjuntamente a
ambos, ou se aciona unicamente o agente427´´. Assim, só se estaria em face de
Responsabilidade Estatal quando o lesado demandasse o Estado ou de forma
solidária com o agente, como bem assinala Weida Zancar Brunini que

426
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. ob. cit. pág. 215
427
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit. pág. 1034.
149

quando se diz que o administrado, se o quiser pode, apenas e tão-


somente, acionar o funcionário ou então acionar o Estado. Temos ai
duas situações, na primeira não há propriamente responsabilidade do
428
Estado, pois o ressarcimento é logrado pelo direito civil .

No entanto Celso António Bandeira de Mello sustenta que não se


vislumbra do texto do preceito constitucional qualquer impedimento para que o
lesado demande diretamente o agente, pois tratando-se este de sujeito de
direito reponde pelos seus atos ilícitos que violam e causa danos a outrem 429,
no âmbito próprio da responsabilidade civil comum, sem emergir direitos e
deveres na esfera jurídica do Estado. Brunini entende que em face do preceito
constitucional o administrado deve acionar o poder público e não o agente,
visto que este só responde ante a administração se tiver procedido com
culpa430. Todavia a autora admite que no direito brasileiro, nada obsta que o
lesado demande o agente faltoso, porém adverte que ``ariscar-se-ia, assim, a
vítima, a não obter sua indenização, caso o patrimônio do agente não fosse
suficiente para tornar o lesado indene431´´, na mesma esteira entende Bandeira
de Mello que sem hesitação reconhece que

a garantia de reparação do lesado simplesmente através do patrimônio


do funcionário causador do dano não dá ao administrado toda a
proteção necessária para acobertá-lo contra agravos que possam
432
resultar do poder público .

Neste prisma, a ratio do legislador constituinte, tanto de Moçambique


como o da República Federativa do Brasileiro, é de atribuir ampla proteção ao
administrado, colocando o patrimônio estatal como garantia de reparação dos
danos, daí que o estado deve suportar o dano e só depois em ação regressiva
obtém ressarcimento do agente causado. Isso ocorre, porque a consagração

428
BRUNINI, Weida Zancar. Ob. cit. pág. 62-63
429
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit. pág. 1037
430
BRUNINI, Weida Zancar. Ob. cit. pág. 62
431
Idem, pág. 63.
432
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit. pág. 1035.
150

do princípio geral da responsabilidade civil não tem o fito de proteger os


agentes causadores dos danos das demandas dos particulares, mas sim de
tutelar, de forma ampla, os prejuízos causados pelo poder público433.

Face ao acima exposto entendemos que, apesar de não estar vedada a


possibilidade do lesado demandar o agente diretamente, exigindo deste
reparação dos danos causados, o espírito dos referidos preceitos
constitucionais demonstra que o legislador, como afirma Hely Lopes Meirelles,
``separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima; o agente indeniza
o Estado, regressivamente434´´, visto que a conduta lesiva vai ser praticada,
conquanto, o ofensor esteja revestido da qualidade de agente do Estado.
Assim, em inúmeros casos seria difícil ao lesado, desconhecedor de toda uma
maquina burocrática estatal, individualizar a culpa a este ou aquele funcionário.
Esta situação, na cultura jurídica brasileira fica evidente quando se enfrenta o
problema da denunciação à lide. Indaga-se se o Estado deve denunciar a lide
na ação movida pelo lesado, ou esperar que se resolva para que
posteriormente proponha uma ação regressiva para obter ressarcimento do
valor pago por conduta ilícita do seu agente.

O Ministro Luis Fux em seu voto no processo AgRg no Recurso Especial


Nº 1.149.194 - AM (2009/0134655-1) sobre responsabilidade civil do Estado
em que versam os autos agravo de instrumento interposto pelo Estado do
Amazonas, em face da decisão monocrática que, nos autos da ação de
indenização por danos morais ajuizada por Cintia Cristina Albuquerque
Figueiredo, que indeferiu a denunciação à lide da Universidade Federal do
Amazonas e da Fundação de Apoio Institucional Rio Solimões para comporem
a relação processual, referiu que

A denunciação à lide na ação de indenização fundada na


responsabilidade extracontratual do Estado é facultativa, haja vista o
direito de regresso estatal restar resguardado ainda que seu preposto,
causador do suposto dano, não seja chamado a integrar o feito.

433
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit. pág. 1037.
434
MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. pág 539.
151

De resto este tem sido o entendimento pacífico do STJ435. Porém, face a


esta questão, Brunini é expressamente contraria a denunciação da lide pelo
Estado, sustentando que

numa ação impetrada pelo lesado, através da teoria objetiva, mesclar-


se-ia, a nosso ver, na ação que era exclusivamente objetiva, elementos
peculiares à teoria subjetiva, posto haver exame da ocorrência ou não
436
de culpa na relação Estado-funcionário .

Diante desta posição Celso Antonio Bandeira de Mello é categórico ao


afirmar que ``revendo posição anteriormente assumida, estamos em que tem
razão Weida Zancaner ao sustentar o descabimento de tal denunciação 437´´ e
sustenta sua posição nas palavras incisivas da autora ao concluir que

procrastinar o reconhecimento de um legitimo direito da vítima, fazendo


com que esta dependa da solução de um outro conflito intersubjetivo
de interesses (entre Estado e o funcionário), constitui um retardamento
injustificado do direito do lesado, considerando-se que este conflito é
estranho a vítima, não necessário para a efetivação do ressarcimento a
438
que tem direito .

No mesmo sentido, entende Bacellar Filho que, numa análise ao


preceituado no artigo 70, III do CPC brasileiro , considera que não é aplicável a
denunciação da lide em processos que envolvam a responsabilização objetiva
do Estado ou das pessoas jurídicas de Direito Público prestadoras de serviço

435
Confira-se os processos REsp 537.688/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de
2.5.2005; AgRg no Ag 731.148/AP , Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
08/08/2006, DJ 31/08/2006 p. 220; EREsp 313886/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇAO,
julgado em 26/02/2004, DJ 22/03/2004 p. 188, dentre outros.
436
BRUNINI, Weida Zancar. Ob. cit. pág. 64
437
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit. pág. 1042
438
BRUNINI, Weida Zancar. Ob. cit. pág. 65
152

público, estribando-se no fato da constituição apenas exigir como requisito para


o direito de regresso, a comprovação de dolo ou culpa do agente439.

Como se pode depreender, os autores supracitados são unanimes em


aceitar que cabe ressarcir os prejuízos sofridos pelo cidadão da maneira
menos penosa, o que compadece com o espírito do legislador de fazer incidir
primeiro a responsabilidade na Fazenda Pública, e regressivamente no agente.
Ademais, como temos vindo a sustentar a Responsabilidade Civil do Estado
visa garantir tutela do cidadão, em sua dignidade, contra comportamentos
lesivos do poder público, não sendo por isso consentâneo com o espírito do
preceito constitucional a opção em demandar diretamente o agente, nos termos
da responsabilidade civil comum, por danos causados no exercício da atividade
estatal, ou com rigor normativo, revestido da qualidade de agente do Estado.

439
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo. ob. cit. pág. 199.
153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de Estado Democrático de Direito se articula com o objeto da


nossa pesquisa, pois resulta do entrosamento entre a soberania do Estado e os
direitos dos particulares, antes tidos como pertencentes a polos antagônicos. É
inegável que a sua construção exprime a limitação e vinculação jurídica do
Estado e se encontra umbilicalmente ligado à concretização e proteção dos
direitos fundamentais estribados na noção de dignidade da pessoa humana.
Dessa articulação emergem os fundamentos da Responsabilidade Civil do
Estado.

A responsabilidade civil do Estado é, portanto, corolário da submissão


do Poder Público ao direito, e consequente atribuição de uma esfera de direitos
e deveres. Igualmente, constitui uma importante garantia dos cidadãos ante a
atividade estatal lesiva aos seus direitos, no geral, e em particular aos direitos
fundamentais.

A responsabilidade civil do Estado teve a sua gênese no Direito Privado,


mas ganhou novos contornos no Direito Público, onde em face dos privilégios
do Poder Público estabeleceu-se uma proteção especial ao cidadão de índole
objetiva. Todavia, ainda mantém pontos de contato com a sua origem no
Direito Privado, mormente, no que tange ao estabelecimento do nexo causal e
a classificação e avaliação dos danos.

A par disso, dissertamos ao longo do trabalho, que todos três poderes


do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) são suscetíveis de causar danos
injustos a um cidadão ou grupo de cidadãos, por isso, defendemos que a
aplicação da responsabilidade civil do Estado não se deve restringir aos atos
da Administração Pública, mas deve ser extensiva aos atos judiciais e aos atos
legislativos.

Nesse passo, de forma efetiva estariam garantidos os ditames do


princípio da igualdade e da solidariedade que impõe a repartição do ônus a
154

todos os membros da coletividade, evitando que o dano causado no âmbito da


atividade judicial ou legislativa, cujo interesse é geral, seja suportado apenas
por um cidadão ou grupo de cidadãos.

Essa primeira ilação, ainda que evidente na realidade jurídica brasileira,


onde quase que de forma unânime a doutrina aceita, constitui um grande
desafio para os cultores e aplicadores do Direito em Moçambique, que ainda
não ultrapassaram o dogma da responsabilidade subjetiva, nem acolheram a
ideia de que a simples consagração do Estado Democrático de Direito implica a
responsabilização de todos os atos danosos do Estado (administrativos,
judiciais e legislativos), desde que se verifique o liame causal entre estes e o
prejuízo sofrido pelo cidadão.

Esta consideração ganha acuidade, tratando-se de danos decorrentes


de lesão aos direitos fundamentais, na medida em que um dos fundamentos e
princípios orientadores do Estado moderno é a dignidade da pessoa humana,
cuja constitucionalização ocorreu após a segunda Guerra Mundial e a
aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No direito
brasileiro, a dignidade da pessoa humana foi, de forma expressa, erigida à
princípio orientador e um dos fundamentos do Estado Federal (CFB/88, art. 1º,
inc. III) e no caso moçambicano, a sua promoção e defesa constitui um dos
objetivos fundamentais do Estado (CRM/2004, art. 11, al. e).

Ora, a dignidade da pessoa humana é um princípio aberto, e que de


acordo com o momento histórico vai constituir fonte de conteúdo e justificação
dos direitos fundamentais, a sua lesão pode acarretar danos na esfera
patrimonial, bem como na esfera moral.

A jurisprudência moçambicana e brasileira tem sido controversa quanto


à avaliação do dano moral, estando ancorada, em critérios subjetivos de
avaliação, como são os casos do grau de culpabilidade do ofensor, a condição
socioeconômica da vítima e do ofensor, que evidenciam a natureza punitiva e
compensatória da indenização dos danos morais adotada no direito e na
prática dos Tribunais destes dois países.
155

Importa ressaltar, que no âmbito de danos morais decorrentes de lesão


à dignidade da pessoa humana, ater-se à condição socioeconômica da vítima é
criar uma cratera para a ocorrência de flagrantes injustiças, na medida em que
somos todos iguais em dignidade, marca indelével do ser humano, daí que não
se pode atribuir maior ou menor valor indenizatório de acordo com a condição
social da vítima.

Ademais, entendemos que não se deve ater à situação econômica do


ofensor na responsabilidade em apreço, por se tratar do Estado, bem como a
indenização não deve estar calcada no grau de culpabilidade do agente, pois
torna-se injusto reparar minimamente um dano gravíssimo, causado por um
agente apenas porque atuou com culpa levíssima.

A esse respeito, Moraes defendendo a separação entre amplitude de


dano e grau de culpa, afirma que ``com absoluta independência do grau de
culpa do agente, caberia sempre indenizar toda a extensão do dano, mesmo
sendo culpa levíssima causadora de dano gravíssimo 440´´.

Por outro lado, sendo, no caso brasileiro, a responsabilidade objetiva,


basta à demonstração do nexo causal entre a conduta lesiva e o dano, para se
indenizar toda a extensão do dano independentemente do grau de culpa do
agente. Neste diapasão, entendemos que se deve dar primazia a extensão do
dano na esfera jurídica da vítima, e só assim se pode oferecer adequada
reparação a danos decorrentes de lesão a dignidade da pessoa humana.

No entanto, efetuada a reparação pela Fazenda Pública, no direito


moçambicano o Estado tem sempre direito de regresso sobre o agente
causador do dano, dado o caráter subjetivo da responsabilidade, enquanto que
no Brasil, este direito é assistido apenas nos casos de dolo ou culpa do agente
público, dai que tem se entendido que não pode ocorrer a denunciação à lide,
para evitar que se examine em mesmo processo, aspectos de responsabilidade
objetiva e subjetiva.

440
MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. pág. 296
156

Outrossim, depreende-se da presente pesquisa que a responsabilidade


civil do Estado, num regime democrático, é um importante remédio
constitucional contra os danos decorrentes de lesão aos direitos fundamentais,
como se verificou no inusitado acórdão nº 89/2012, do processo nº 214/2010-1ª
da primeira seção do Tribunal Administrativo moçambicano, em que o Estado
moçambicano foi responsabilizado civilmente, pela violação do direito à vida de
um menor, atingido por disparo de arma de fogo efetuado por um agente da
PRM, durante uma manifestação popular.

Contudo, a responsabilidade civil do Estado ainda está longe de ser,


efetivamente, compreendida pelo legislador moçambicano e pela Justiça
Administrativa Moçambicana, bem como pelos cidadãos moçambicanos, em
que muitas vezes, ao invés de lançarem mão ao instituto em apreço para obter
reparação dos danos causados por conduta ilícita dos agentes do Estado,
como em casos de prisões arbitrárias, prisão para além do tempo da
condenação, mortes em presídio, violência policial, restrições ilegais ao direito
de propriedade e outras violações, preferem imputar a falta de sorte ou ao risco
do destino, daí que, se o presente trabalho tiver contribuído, ainda que de
forma singela, para a reversão deste quadro, terá atingido o seu objetivo.

Esse conjunto de considerações aponta para a progressiva


responsabilização civil do Estado e para a superação de novas e antigas
questões atinentes a responsabilidade civil do Estado, com o escopo último de
ampliar a proteção ao cidadão.
157

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ANEXO

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