Conhecimento Subjetividade e Educacao - Paulo Freire e Joel Martins
Conhecimento Subjetividade e Educacao - Paulo Freire e Joel Martins
Conhecimento Subjetividade e Educacao - Paulo Freire e Joel Martins
Objetivos:
No livro Pedagogia do Oprimido (1982, p.79) Paulo Freire escreveu uma frase que
se tornou emblemática da sua maneira de pensar o ser humano e a educação. É a seguinte:
A frase sugere o ser humano como um ser de relações, no mundo, que necessita
construir o conhecimento com sua visão e reflexão próprias, e não como alguém que
simplesmente repete o que o professor exija que seja reproduzido. Esta postura aproxima-se
da postura fenomenológica de reconhecer que o ser humano é capaz de fazer e exprimir a
experiência primeira com os objetos do mundo sem render-se de saída às definições da
ciência e da filosofia. Aproxima-se também daquela postura de sensibilidade e escuta ao
outro que sugere a fenomenologia.
O próprio Paulo Freire reconhece a influência da Fenomenologia na constituição de
seu pensamento:
Minha perspectiva é dialética e fenomenológica. Eu acredito que daqui
temos que olhar para vencer esse relacionamento oposto entre teoria e
práxis: superando o que não deve ser feito num nível idealista. (Freire,
1985, p.85)
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Elydio dos Santos Neto é docente-pesquisador do PPG Educação da Universidade Metodista. É também
Diretor da Faculdade de Educação e Letras da mesma universidade. Autor de “Por uma Educação
Transpessoal” (2006)
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refletem uma síntese inovadora das mais avançadas correntes do
pensamento filosófico contemporâneo, como o existencialismo, a
fenomenologia, a dialética hegeliana e o materialismo histórico. Essa
visão inovadora e seu talento excepcional como escrito em português e
espanhol têm conquistado, com seus escritos iniciais, um amplo
público leitor composto por educadores, cientistas sociais, teólogos e
militantes políticos. (Torres, 1996, p.119)
Embora Paulo Freire não seja um pensador que tenha influências apenas da
fenomenologia, vou apontar a seguir alguns elementos que, a meu ver, marcam a presença
desta forma de ver e pensar a vida em sua postura educacional. É importante que se tenha
presente que quando alguém elabora uma síntese a partir de diferentes visões de mundo é
impossível fazer uma distinção radical na nova visão para indicar exatamente os elementos
originários da mesma. É possível, no entanto apontar para alguns focos que mostram a
influência desta ou daquela corrente. É isto que vou fazer ao tentar mostrar alguns “focos”
fenomenológicos na visão de Paulo Freire:
• A afirmação do homem como um ser de relações que está no mundo, com o mundo
e com os homens;
• Adesão à postura segundo a qual existir é ser capaz de transformar, de produzir, de
decidir, de criar, de recriar, de comunicar-se;
• A visão de que o homem é um ser histórico e inacabado; aberto ao desafio de
recomeçar sempre a partir dos novos desafios que a vida lhe propõe;
• A defesa de que todo ser humano é capaz de ler e dizer o mundo a partir de si
mesmo e de suas experiências. Neste sentido o aprendizado, por exemplo, da língua
escrita potencializa sua capacidade de ler e escrever o mundo;
• A compreensão de que o ser humano é capaz de escutar o outro e de deixar-se
“incomodar” pela visão de mundo do outro e que, por isto, mesmo é capaz de
diálogo;
• A convicção de que o ser humano é um ser capaz de comunhão com os outros seres
humanos e que nesta partilha também aprende a construir respostas para a
existência;
• A recusa em dicotomizar objetividade e subjetividade.
É bem verdade que para Paulo Freire o ser humano também pode distanciar-se das
posturas acima enunciadas e mesmo negá-las. Ao assim proceder, no entanto, estaria
negando sua capacidade de Ser Mais e de existir com expressão de sua autoria e autonomia
no mundo, em relação com os demais seres humanos.
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Menos conhecido do que Paulo Freire, Joel Martins deixou interessante contribuição
para a educação brasileira, a partir de seu pensar fenomenológico. Joel Martins (1920-1993)
graduou-se em Filosofia e Pedagogia pela USP, na década de 1940. Entre 1949 e 1950 fez
Mestrado nos EUA e entre 1951 e 1953, na USP, realizou o seu doutorado em Psicologia
da Educação no campo da psicologia experimental de orientação behaviorista. Entre 1953 e
1954 fez o seu pós-doutorado na Universidade de Michigan, nos EUA, e aí se iniciou a
ruptura com o pensamento behaviorista e a aproximação ao pensamento fenomenológico,
pensamento que marcou de modo especial sua visão de mundo. Foi aluno de Merleau-
Ponty, na Europa, em um curso de Fenomenologia da Percepção (Saviani, 2005, p. 25) e
ajudou a organizar o “Centro de Estudos Fenomenológicos de São Paulo” e a “Sociedade
de Estudos e Pesquisas Qualitativas”. Foi, durante vários anos, professor na PUC-SP de
onde também chegou a ser nomeado Reitor no final de 1992. Faleceu ainda no início de seu
mandato em maio de 1993. Uma de suas obras mais importantes no campo das relações
entre fenomenologia e educação é: Um enfoque fenomenológico do currículo: educação
como poíesis, publicada em 1992, e da qual utilizarei alguns fragmentos para auxiliar a
introdução ao seu pensamento.
É importante começar pela compreensão que este autor tem do homem e da
educação, pois em sua visão conhecimento e constituição de si-mesmo não se dissociam no
processo educativo:
A escola assim emerge não como o espaço da imposição – bancário, diria Freire –
mas como o espaço do estranhamento em relação ao que está sendo estudado e, também,
espaço do diálogo. Nesta concepção é interessante verificar o que significa aprender:
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também, na descoberta do sujeito de que ele na situação de
aprendizagem está vivendo pré-reflexivamente, de forma conflitiva,
diferentes papéis e que existem outros que lhe são preferidos de forma
não ambígua.
Esta visão exige, é claro, educadores que tenham conseguido ir além da perspectiva
tradicional e bancária da educação para perceberem-se, eles próprios, como seres no mundo
que se fazem na e com a história; seres abertos ao diálogo e conscientes da escola como um
lugar de construção de conhecimentos e da constituição do si-mesmo.
Neste momento é interessante olhar para a realidade de nossas escolas e perguntar:
Por que, apesar destas e outras elaborações sugerirem e fundamentarem uma educação
dialógica e propiciadora da constituição da autonomia/autoria, muitas de nossas práticas
configuram-se ainda em mero treinamento e educação bancária? A quem não interessa a
afirmação prática de concepções educacionais como defendem Paulo Freire e Joel Martins?
Estas perguntas, que serão objetos de nossa atenção ao longo deste módulo, devem
permanecer com vocês ao longo deste curso e das práticas que construirão. Servirão como
provocadoras permanentes da consciência de nosso inacabamento e da necessidade de
sempre recomeçar.
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Referência Bibliográfica
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