Disortografia A-Escola-A-Crianca-E-A-Clinica-Psicanalitica
Disortografia A-Escola-A-Crianca-E-A-Clinica-Psicanalitica
Disortografia A-Escola-A-Crianca-E-A-Clinica-Psicanalitica
Léia Priszkulnik
século XX, com o estudo sistemático da criança, através de investigações acerca de seu
desenvolvimento, seu pensamento e sua inteligência. Este enfoque, digamos, educacional
favorece a elaboração de vários testes para a detecção de deficiências instrumentais e de
vários métodos de reeducação destas deficiências.
A partir da década de 40 as investigações sobre os distúrbios de
leitura e escrita desenvolvem-se ora dando ênfase ao aspecto orgânico e à medicação, ora ao
aspecto educacional e à reeducação. Para a descrição e o estudo desses problemas, várias
terminologias são empregadas : “dislexia”, “dislexia específica de evolução”, “dificuldades
específicas de aprendizagem”, “distúrbios específicos de aprendizagem”.
É entre as décadas de 60 e 70 que os estudos dos autores de língua
inglesa e os de língua francesa chegam efetivamente até nós, e a diferença entre eles é
marcante e merece ser destacada. Assim (Priszkulnik, 1993, p. 20-21), a literatura inglesa,
predominantemente organicista, passa a ser difundida entre médicos, psicólogos, pedagogos,
fonoaudiólogos e, rapidamente, a disfunção cerebral mínima (DCM) é adotada no
diagnóstico dos distúrbios de aprendizagem levando ao tratamento através de alguns
fármacos psicoestimulantes; a literatura francesa, predominantemente psicogeneticista, passa
a ser difundida principalmente entre psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, e os vários
estudos da psicomotricidade francesa começam a ser adotados, influindo no diagnóstico que
principia a se preocupar com a gênese das estruturas práxicas, cognitivas e emocionais, e a
valorizar os aspectos qualitativos na hora de examinar o cliente, levando a um tratamento
através das reeducações psicomotoras e/ou psicopedagógicas em clínicas especializadas em
distúrbios de aprendizagem e em outros distúrbios psicomotores.
Esse é o panorama em São Paulo na década de 70, quando começo a
atender crianças com problemas na escola. Porém, com o passar dos anos, o entusiasmo
inicial dos que adotam seja a abordagem organicista, seja a abordagem psicogeneticista,
diminui e várias críticas começam a ser formuladas. Através de várias publicações, fica claro
que o uso dos medicamentos não traz, com freqüência, os excelentes resultados que deles se
esperam, e que as reeducações em muitos casos não conseguem “suprimir” as deficiências
instrumentais detectadas.
No final da década de 70, época em que no meio universitário e
psicanalítico de São Paulo, tem início o estudo da Psicanálise freudiana numa releitura
lacaniana, as críticas aos medicamentos e às reeducações são levantadas a partir da clínica
psicanalítica, cujos fundamentos epistemológicos dão características bem singulares para a
prática clínica. Assim, a abordagem psicanalítica começa a nortear os estudos e as pesquisas
nessa área e, como docente de disciplina e supervisora de estágio da área clínica, junto com
outros colegas docentes, um trabalho singular começa a ser desenvolvido no Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo, trabalho que impõe modificações no atendimento
da criança com distúrbios de aprendizagem, inclusive dos alunos-estagiários.
Para a clínica psicanalítica o que importa é o sentido que o transtorno
tem para a criança e que se insere na trama de uma história marcada pelo desejo inconsciente
do sujeito, e não a história do transtorno ou do corpo anátomo-fisiológico alterado. O
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transtorno, então, é encarado como sintoma que precisa ser apreendido na configuração de
sua elaboração inconsciente e não, simplesmente, suprimido ou corrigido, já que tem um
sentido rigorosamente subjetivo e é portador de uma verdade que precisa ser revelada. A
concepção de cura, então, é bem peculiar, ou seja, ela advém como um desdobramento
possível do processo analítico porque o objetivo primeiro é possibilitar a uma subjetividade
ter acesso à sua verdade, abandonar uma posição “queixosa” frente às experiências do
passado e abrir-se para novos sentidos diante do enigma da existência e da vida.
Em conseqüência do exposto acima, os distúrbios de aprendizagem
passam a ser encarados como “expressões sintomáticas” de conflitos inconscientes que o
cliente não consegue colocar em palavras precisando, então, introduzir o que o interpela e o
faz sofrer através das desordens de comportamento. Este ponto de vista contesta
frontalmente a crença na natureza orgânica de muitos distúrbios porém, em contrapartida,
abre a possibilidade de pesquisá-los e tratá-los através da Psicanálise.
Um aspecto importante a ser destacado, se refere ao diagnóstico. Se é
verdade que nem todas as crianças se beneficiarão de medicamento e/ou reeducação, é
também verdade que nem todas precisarão do processo analítico; assim, o diagnóstico
diferencial é importantíssimo e as entrevistas diagnósticas são imprescindíveis, já que nelas a
atenção está dirigida para um mais-além dos fatos e dos acontecimentos e centrada na
criança com sua história pessoal, familiar e escolar.
Quando o caso é encaminhado primeiro para nós, será necessário, em
primeiro lugar, procurar ter uma apreensão do sentido da queixa trazida para, então, saber
qual a indicação mais adequada. Com isto, não se está invalidando a importância do
medicamento, que em alguns casos será inevitável, nem de uma reeducação, que algumas
vezes precisa ser indicada, mas questionando o momento apropriado deles serem
introduzidos, se o caso assim exigir. Freud (1913, p. 180) ressalta este ponto quando afirma
que “ ... tratamentos combinados para distúrbios neuróticos que têm poderosa base orgânica
são quase sempre impraticáveis; os pacientes afastam o interesse da análise assim que lhes é
mostrado mais de um caminho que promete levá-los à saúde”; é melhor adiar o tratamento
orgânico até que o processo analítico (quando for o caso) avance porque se ele for tentado
primeiro, na maioria dos casos, acaba não tendo êxito.
A complexidade do assunto exige realmente uma investigação
cuidadosa pois, muitas vezes, não se trata de um simples problema de aprendizagem que
necessita de treinamento, reeducação ou medicação. Sabe-se até que vários psicanalistas não
consideram as dificuldades de aprendizagem passíveis de uma abordagem pela Psicanálise.
Entretanto, mesmo Melanie Klein (1923, p. 111-112) considera que o desajeitamento nos
jogos, a “preguiça”, pouco ou nenhum prazer nas lições, falta de interesse por determinado
assunto e em geral, inibição quanto ao estudo e ao ensino em si, podem ser efetivamente
inibições neuróticas e podem ser resolvidas pela análise. Assim, diante de pais que trazem
seus filhos com, digamos, “queixas escolares”, muitas vezes urgentes, mesmo o analista
pode acabar indicando medidas reeducativas, antes mesmo de procurar ter uma apreensão
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS