A Economia Açucareira Do Brasil Colonial - Texto

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A economia açucareira do Brasil Colonial

Prof. Gabriel Soares Predebon


e-mail: [email protected]

A Plantation escravista
Quando estudamos a economia açucareira do Brasil Colonial, o tripé latifúndio,
monocultura & escravidão vem logo à mente. Embora esse esquema seja válido para
as plantações, seria insuficiente para explicar todo funcionamento da economia
canavieira.

De um lado, a cultura da cana de açúcar tem um forte setor agrícola, fundado sobre
o famoso tripé latifúndio, monocultura & escravidão citado no parágrafo acima.
Entretanto, há um outro lado que apresenta características mais fabris, onde se
notabiliza o engenho.

Em função disso, passou-se a utilizar o termo plantation para designar um latifúndio


monocultor em que há o beneficiamento fabril do produto, isto é, transformar a cana
em açúcar para a exportação.

O engenho, na América portuguesa, foi um sofisticado artefato mecânico onde


ocorria todo o processo de transformação da cana em açúcar. Nele trabalhavam
homens livres e assalariados, como os mestres de açúcar, assim como os
escravizados.

Um engenho de açúcar no Brasil Colônia.


O engenho colonial

O açúcar foi o produto escolhido para iniciar, em 1534, a colonização sistemática do


Brasil, visto que havia mercado garantido na Europa e possibilidade de alto lucro
para os portugueses.

Os portugueses já tinham experiência com o açúcar, que produziam nas ilhas


africanas da costa do Oceano Atlântico e na ilha da Madeira.

Portanto, a opção pelo açúcar não se revelou uma escolha muito difícil.

A grande propriedade de produção açucareira acabou denominada engenho,


embora este constituísse apenas um de seus elementos.

A propriedade englobava as terras de plantação da cana-de-açúcar, sua parte


agrícola; e o engenho propriamente dito, que constituía sua parte fabril. Como dito
anteriormente, a esse conjunto chamamos plantation, que substituiu o famoso tripé
latifúndio, monocultura & escravidão.

Engenho de Açúcar. Pintura do holandês Frans Post.

Havia também os trapiches, engenhos menores movidos à tração animal; e as


engenhocas, geralmente dedicadas a produzir rapadura e aguardente (ô coisa boa).
O setor agrícola da plantation era composto por dois setores que se
complementavam: a parte agroexportadora, responsável pela produção da
mercadoria destinada ao mercado europeu; e a parte camponesa, produtora de
alimentos para o mercado interno. Consta que esse setor português era bastante
exercido por escravos casados em lotes de terras que eram concedidos pelos
senhores.

Atenção!

Embora a economia açucareira tenha vivido uma grande crise durante o século

XVII, ela nunca deixou de existir. Em todos os períodos da história do Brasil o

açúcar foi um produto de grande importância econômica. Por isso, devemos ter

uma pulga atrás da orelha quando nos deparamos com a ideia de “ciclos” da
economia colonial, pois as culturas não desaparecem de uma hora para outra,

dando lugar a alguma nova atividade econômica. Elas permanecem e convivem

com essas novas atividades.

A pecuária

A pecuária foi outra atividade econômica de grande relevância na América


Portuguesa, embora subordinada à economia açucareira e à economia mineradora.

O gado foi introduzido na capitania de São Vicente, atual estado de São Paulo. Tomé
de Souza, primeiro governador-geral do Brasil, levou o gado de São Vicente para a
Bahia, pois se provou útil nos trabalhos dos engenhos.

Entretanto, houve muitos conflitos entre plantadores de cana e criadores de gado,


pois os animais comiam a cana. Em função disso, o Rei de Portugal ordenou a
proibição da convivência das duas atividades econômicas.

Como consequência, as atividades pastoris e de criação de gado acabaram por se


fixar nos vastos sertões do Brasil, que ainda eram pouco explorados.

Nota: quando dizemos sertões como na frase acima, não estamos

nos referindo ao sertão nordestino, mas às áreas do interior da

colônia.
A pecuária acabou por prosperar no Sul do América portuguesa, inicialmente nos
Campos de Curitiba, abastecendo as áreas mineradoras de Minas Gerais. A própria
colonização do Rio Grande do Sul se deu em função deste motivo: suprir as
demandas das regiões mineradoras.

No século XVII, a pecuária concentrava-se principalmente na Bahia e em


Pernambuco, com um grande número de fazendas ao longo do Rio São Francisco.

O Escravismo Colonial

No início da colonização do território que viria a se tornar o Brasil, os indígenas


representaram a principal mão-de-obra nas atividades econômicas coloniais.
Gradativamente, foram substituídos pelos africanos, que se tornaram a mão de obra
por excelência da América Portuguesa.

É lugar comum afirmar que os indígenas não foram mais


escravizados após a introdução do escravismo baseado na mão-de-
obra africana. É mentira. Embora em menor escala, os indígenas
nunca deixaram de ser escravizados no Brasil, principalmente no
norte do país.

A gradual substituição da mão-de-obra indígena pela africana se deu por uma série
de fatores: os portugueses possuíam o monopólio do tráfico negreiro e logo trataram
de convencer os proprietários de terra que os africanos eram melhores
trabalhadores que os indígenas. A Igreja, por sua vez, influenciou nesse processo,
pois condenava a escravidão indígena.

Os escravizados africanos foram empregados nas mais diversas atividades


econômicas. Nas áreas de produção açucareira, cuidavam do plantio da cana, da
colheita, do transporte da cana às moendas, das fornalhas e caldeiras nos engenhos.
Escravos em uma fazenda de café na Serra da Mantiqueira, 1885. Fotografia de
Marc Ferrez.

Alguns escravizados trabalhavam no setor fabril do engenho, que funcionava dia e


noite. Às vezes, as moendas operavam de 18 a 20 horas por dia: seu funcionamento
era interrompido apenas para a limpeza do maquinário. Nesse curto período os
escravizados descansavam.

Persistiu durante muito tempo a ideia do escravizado como “coisa”, praticamente


uma mercadoria sem vontade própria ou personalidade. Esta visão tem origem em
uma interpretação marxista da história brasileira. Os estudos sobre a escravidão se
diversificaram nas últimas décadas, acabando por matizar essa visão mais dura
proposta pela historiografia marxista.

Hoje sabemos que os escravizados foram agentes históricos, e buscaram várias


formas de mitigar os sofrimentos advindos de sua condição. Muitas vezes
barganhavam com seus senhores, e inclusive há casos documentados de “greve”
entre os escravizados.

Existiam muitos escravizados que possuíam lotes próprios de terra para cultivar.
Alguns desses foram muito bem sucedidos, chegando mesmo a possuir outros
escravos.
Entretanto, jamais podemos relativizar o sofrimento e a opressão sofrida pelos
escravizados. Embora não devemos considera-los autômatos sem vontade ou
personalidade, também não podemos pensar que tudo ocorreu de forma pacífica. Se
negociavam com seus senhores, algumas vezes com sucesso, essa negociação nunca
ocorria entre iguais. Da mesma forma, os castigos físicos que muitas vezes
resultaram em mortes não podem ser relativizados.

Existe o pensamento corrente que aponta que os escravos trabalhavam somente nas
grandes fazendas, de cana ou de café. Isso também deve ser contestado, pois os
escravizados participaram de todos os setores econômicos da América Portuguesa:
seja nas atividades pesqueiras, na criação de gado, nas manufaturas e trabalhos
informais. Há de se ressaltar que, na mineração e na indústria do ferro, os africanos
contribuíram com novas técnicas.

O tráfico negreiro

As rotas do tráfico negreiro.


O tráfico negreiro teve um caráter internacional: muitas nações participaram dessa
abominável atividade. Ingleses, franceses, holandeses, portugueses e espanhóis, por
exemplo. Os escravos eram trocados nos entrepostos africanos por manufaturas
europeias, tecidos indianos, produtos como fumo e aguardente produzidos na
América Portuguesa.

Embora existisse o exclusivo colonial, que garantia a supremacia dos portugueses


no comércio entre a África e o Brasil, hoje sabemos que a relação entre Salvador e
Angola foi mais intensa do que com Lisboa. O Brasil fornecia açúcar, couros, cavalos,
ouro e outros produtos. Eram trocados por escravizados, marfim, ceras ou esteiras.

No Golfo da Guiné também havia uma intensa relação com o Brasil. Na maior parte
das vezes, o tráfico era exercido por famílias de origem portuguesa e brasileira,
residentes na África, e traficantes instalados no Brasil.

As viagens entre a África e o Brasil eram da mais absoluta falta de humanidade, nas
quais morriam um alto número de escravos.

A presença dos holandeses no Brasil açucareiro

O domínio holandês no Nordeste brasileiro.


Desde a chegada de Cabral, o domínio português sobre sua colônia na América foi
ameaçado por outros países europeus. Nem mesmo a instauração dos governos-
gerais em 1549 ou a implantação do empreendimento açucareiro conseguiram
afastar os estrangeiros.

Durante o período da União Ibérica (1580-1640), período em que Portugal e suas


colônias, devido a uma questão dinástica, foi submetido à Espanha, os estrangeiros
inimigos dos espanhóis voltaram seus olhos para o Brasil, principalmente franceses
e holandeses.

Os franceses, após terem realizado o contrabando do pau-brasil no litoral brasileiro


no início do século XV, fundaram em 1555 uma colônia no Rio de Janeiro, a França
Antártica. Permaneceram no Rio por 13 anos até serem expulsos em 1567 pelo
governador-geral Mem de Sá em 1567. Tentaram estabelecer no Maranhão uma
nova colônia, a França Equinocial. Embora a tentativa tenha fracassado, os
franceses ali fundaram a cidade de São Luís, que viria a ser a capital do estado.

Em relação aos holandeses, também é preciso contextualizar sua invasão ao


nordeste do Brasil. Esse povo fora colonizado por muito tempo pelos espanhóis.
Somente em 1581 alcançaram sua independência. Experientes comerciantes
majoritariamente de confissão protestante calvinista, os holandeses começaram a
competir no comércio com os espanhóis, majoritariamente espanhóis.

Um novo passo na ofensiva holandesa foi a fundação, em 1621, da Companhia das


Índias Ocidentais, destinada a controlar o comércio de açúcar brasileiro e apossar-
se dos domínios ibéricos na costa americana e africana.

Depois de uma tentativa frustrada de invadir Salvador (1624-1625), os holandeses


organizaram uma grande expedição e invadiram a mais rica região da América
portuguesa, a capitania de Pernambuco. Ali eles permaneceram por quase 25 anos.

O domínio holandês na colônia portuguesa estendeu-se desde o litoral do atual


Maranhão até o território que hoje corresponde ao Sergipe. Para administrá-lo foi
nomeado o conde Maurício de Nassau, que permaneceu no cargo entre 1637 e
1644.
O conde Maurício de Nassau.

Preocupado em normalizar a rica produção açucareira, o conde conseguiu a


colaboração de inúmeros senhores de engenho, concedendo-lhes empréstimos que
permitiram o aumento da produtividade. Ele também trouxe artistas e cientistas da
Europa, concedeu liberdade de credo (em uma época em que a Santa Inquisição era
ativa na Europa e na América portuguesa, Recife contou com a primeira sinagoga
das Américas) e modernizou a cidade do Recife.

Nassau, além da modernização do Recife, criou na ilha de Santo Amaro uma cidade
que leva seu nome: Cidade Maurícia. A cidade foi planejada de forma a ter um
traçado geométrico nas suas quinze ruas, além de canais (que eram muito comuns
na Holanda). A intenção de Nassau era construir uma réplica de Amsterdam,
construindo belos prédios e palácios. Para ligar a cidade ao Recife, foram
construídas duas pontes.

As reformas de Nassau são um aspecto muito interessante da presença dos


holandeses no Brasil. A Holanda, em comparação com os demais países europeus da
época, era altamente urbanizada, e essa preocupação com a ocupação urbana do
espaço ficou evidente. Esse tipo de povoamento não era praticado por Portugal.
Vista da Cidade Maurícia, Frans Post, ost, 1657. Coleção pessoal de Jacques Ribemboim

Os últimos aos da administração de Nassau foram marcados por muitas dificuldades


em função da queda do preço do açúcar no mercado europeu. Também houve muitas
perdas de safra por incêndios, pragas, inundações e falências dos senhores.

Apesar das dificuldades vividas por todos, a Companhia das Índias Ocidentais foi
impiedosa na cobrança integral das dívidas, com juros muito altos. Contrário à
medida, Maurício de Nassau entregou o cargo e voltou à Europa.

Com sua saída, aumento o confronto entre os senhores de engenho e a Companhia.


Na região do Maranhão, os holandeses foram expulsos de São Luís. A rebelião atingiu
Pernambuco em 1645. A partir de então surgiu um movimento que expulsou
definitivamente os holandeses, a Insurreição Pernambucana (1645-1654).

Inicialmente, os colonos não contaram com a ajuda do reino de Portugal. Após as


primeiras vitórias do movimento, Portugal enviou reforços e demonstrou apoio à
insurreição. Entre os líderes do movimento, podemos destacar o negro Henrique
Dias, o indígena Felipe Camarão e o senhor de engenho Fernandes Vieira (não, a
Insurreição Pernambucana não aconteceu no Bairro Bom Fim). Os senhores de
engenho entraram na luta, dando força à insurreição.
Os holandeses acabaram por aceitar sua derrota somente quando foi assinada a Paz
de Haia em 1661. Sob mediação da Inglaterra, os holandeses foram obrigados a
reconhecer a soberania portuguesa no Nordeste brasileiro, mas foram indenizados
por sua perda.

Expulsos do Nordeste, os holandeses implantaram as técnicas açucareiras em seus


domínios no Caribe. Através de avanços tecnológicos, passaram a concorrer com
vantagem com o açúcar brasileiro, acarretando uma crise econômica na região
Nordeste. Isso levou a região a perder a supremacia econômica na colônia.

Batalha dos Guararapes, 1758. Do acervo do Museu Histórico Nacional.

Questões de Vestibulares
1. (Fuvest) A produção de açúcar, no Brasil colonial:
a) possibilitou o povoamento e a ocupação de todo o território nacional,
enriquecendo grande parte da população.
b) praticada por grandes, médios e pequenos lavradores, permitiu a formação de
uma sólida classe média rural.
c) consolidou no Nordeste uma economia baseada no latifundiário monocultor e
escravocrata que atendia aos interesses do sistema português.
d) desde o início garantiu o enriquecimento da região Sul do país e foi a base
econômica de sua hegemonia na República.
e) não exigindo muitos braços, desencorajou a importação de escravos, liberando
capitais para atividades mais lucrativas.
2. (Fuvest) Foram, respectivamente, fatores importantes na ocupação
holandesa no Nordeste do Brasil e na sua posterior expulsão:
a) o envolvimento da Holanda no tráfico de escravos e os desentendimentos entre
Maurício de Nassau e a Companhia das Índias Ocidentais.
b) a participação da Holanda na economia do açúcar e o endividamento dos
senhores de engenho com a Companhia das Índias Ocidentais.
c) o interesse da Holanda na economia do ouro e a resistência e não aceitação do
domínio estrangeiro pela população.
d) a tentativa da Holanda em monopolizar o comércio colonial e o fim da dominação
espanhola em Portugal.
e) a exclusão da Holanda da economia açucareira e a mudança de interesses da
Companhia das Índias Ocidentais.
3. (Ufes) A organização da agromanufatura açucareira no Brasil Colônia está
ligada ao sentido geral da colonização portuguesa, cuja dinâmica estava
baseada na
a) pesada carga de taxas e impostos sobre o trabalho livre, com o objetivo de isentar
de tributos o trabalho escravo.
b) unidade produtiva voltada para a mobilidade mercantil interna, ampliada pelo
desenvolvimento de atividades artesanais, industriais e comerciais.
c) estrutura de produção, que objetivava a urbanização e a criação de maior espaço
para os homens livres da colônia.
d) pequena empresa, que procurava viabilizar a produção açucareira apenas para o
mercado interno.
e) propriedade latifundiária escravista, para atender aos interesses da Metrópole
Portuguesa de garantir a produção de açúcar em larga escala para o comércio
externo.
4. (Unirio) A história econômica e social do Brasil Colonial está pontilhada de
crises de abastecimento que podem ser explicadas por:
a) desvio da produção de alimentos para o consumo das tropas e abastecimento do
Oriente.
b) maior atenção e investimento nos setores extrativos da economia colonial,
durante o primeiro século da colonização.
c) predominância dos setores voltados para a produção de exportação.
d) baixa produtividade das lavouras indígenas responsáveis pelo abastecimento das
cidades.
e) constantes ataques de piratas, que paralisavam a importação de gêneros
alimentícios da Europa.
Gabarito:
1. C
2. B
3. E
4. C

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