Harvard Business Review - O Negócio Da Inteligência Artificail

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 14

TECNOLOGIA

O negócio da Inteligência Arti cial


Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee

6 de novembro de 2017

Durante mais de 250 anos, os principais propulsores do crescimento


econômico foram as inovações tecnológicas. O mais importante deles é o
que os economistas chamam de tecnologia com nalidades gerais —
uma categoria que inclui a máquina a vapor, a eletricidade e o motor de
combustão interna. Cada um catalisou ondas de inovações e
oportunidades complementares. O motor de combustão interna, por
exemplo, deu origem aos carros, caminhões, aviões, motosserras e
cortadores de grama, juntamente com megastores varejistas, centros
comerciais, centros de distribuição de transferência direta de carga,
novas cadeias de suprimentos e, quando você pensa neles, subúrbios.
Empresas diversi cadas como a Walmart, UPS e Uber descobriram
formas de alavancar a tecnologia para criar novos modelos de negócios
criativos.
A tecnologia com nalidade geral mais importante de nossa era é a
inteligência arti cial (IA), principalmente o aprendizado de máquina (AM)
— ou seja, a capacidade da máquina de continuar melhorando o próprio
desempenho sem que os seres humanos precisem explicar exatamente
como realizar todas as tarefas atribuídas a ela. Somente nos últimos anos
o aprendizado de máquina tornou-se mais e ciente e amplamente
disponível. Agora podemos construir sistemas que aprendem sozinhos a
realizar as tarefas.

Por que esse é um negocio tão grande? Por duas razões: não sabemos
explicar exatamente como somos capazes de fazer uma série de coisas
— desde reconhecer um rosto até executar um lance inteligente no
antigo jogo de estratégia asiático Go. Antes do AM, essa incapacidade de
articular nosso próprio conhecimento signi cava que não podíamos
automatizar várias tarefas. Agora podemos.

Segundo, sistemas de AM são em geral excelentes aprendizes. Eles


podem chegar a um desempenho super-humano numa grande
variedade de atividades, incluindo detectar fraude e diagnosticar
doenças. Excelentes aprendizes digitais estão sendo implantados por
toda a economia, e seu impacto será profundo.

Na esfera dos negócios, a IA está em posição de causar um impacto


transformacional, na escala das primeiras tecnologias com nalidades
gerais. Embora ela já esteja sendo utilizada em milhares de empresas
pelo mundo todo, a maioria das grandes oportunidades ainda não foi
explorada. Os efeitos da IA serão ampli cados na próxima década, à
medida que manufatura, varejo, transporte, nanças, assistência médica,
advocacia, publicidade, seguros, entretenimento, educação e
praticamente todos os outros setores transformarem seus processos
centrais e modelos de negócio para aproveitar as vantagens do
aprendizado de máquina. O gargalo agora está na gestão, implementação
e criação de negócios.

Exatamente como várias outras novas tecnologias, no entanto, a IA gerou


muita expectativa irrealista. Vemos planos de negócios generosamente
salpicados com referências ao aprendizado de máquina, redes neurais e
outras formas de tecnologia, com pouca conexão com suas reais
capacidades. Simplesmente dizer que um site de encontros “funciona
com IA”, por exemplo, não o torna mais e ciente, mas pode ajudar a
captar fundos. O artigo foca em descrever o verdadeiro potencial da IA,
suas implicações práticas e as barreiras para a sua implantação.

O que a IA pode fazer hoje?


O termo inteligência arti cial foi cunhado em 1955 por John McCarthy,
professor de matemática do Dartmouth College que organizou uma
conferência pioneira sobre o tópico no ano seguinte. Desde então, talvez
em parte por causa de seu nome sugestivo, a área deu origem à maior
parte das fantasiosas reivindicações e promessas. Em 1957, o
economista Herbert Simon previu que os computadores venceriam os
humanos numa partida de xadrez em dez anos — levou 40. Em 1967, o
cientista cognitivo Marvin Minsky disse: “No espaço de uma geração o
problema de criar ‘inteligência arti cial’ será substancialmente resolvido”.
Simon e Minsky eram dois grandes intelectuais, mas eles cometeram um
erro crasso. Por isso, é compreensível que reivindicações decisivas sobre
os avanços futuros encontrem certo ceticismo.

Vamos começar explorando o que a IA já está fazendo e a velocidade


com que está sendo aperfeiçoada. Os maiores avanços ocorreram em
duas grandes áreas: percepção e cognição. Na primeira categoria alguns
dos avanços mais práticos foram em relação à fala. O reconhecimento de
voz ainda está longe da perfeição, mas milhões de pessoas já o utilizam
— por exemplo, com o Siri, Alexa e Google Assistant. O texto que você
está lendo agora foi originalmente ditado para um computador e depois
transcrito com precisão su ciente para torná-lo mais rápido que a
digitação. Um estudo realizado por James Landay, cientista da
computação de Stanford, e colegas mostrou que o reconhecimento de
voz já é cerca de três vezes mais rápido, em média, que digitar num
telefone celular. A taxa de erro, que antes era de 8,5%, caiu para 4,9%. O
que é surpreendente é que essa melhoria substancial não surgiu nos
últimos dez anos, mas só em meados de 2016.

O reconhecimento de imagem também melhorou sensivelmente. Você


pode ter percebido que o Facebook e outros aplicativos já reconhecem
muitos dos rostos de nossos amigos em fotos postadas que o habilitam a
marcá-los com seus nomes. Um aplicativo instalado em seu smartphone
poderá reconhecer praticamente qualquer pássaro na mata. O
reconhecimento de imagem está até substituindo os cartões de
identi cação nas sedes corporativas. Sistemas de visão, como os
utilizados em carros autodirigidos, anteriormente cometiam erros na
identi cação de pedestres à taxa de 1 por 30 quadros (as câmeras
desses sistemas registram cerca de 30 quadros por segundo).
Atualmente eles erram com frequência menor que um em 30 milhões de
quadros. A taxa de erro no reconhecimento de imagens a partir de uma
grande base de dados chamada ImageNet, com vários milhões de
fotogra as comuns, confusas ou completamente esquisitas, diminuiu de
mais de 30% em 2010 para 4% em 2016, nos melhores sistemas (ver
quadro “‘Cachorrinhos ou bolinho’: os progressos no reconhecimento de
imagem”).
A velocidade de aprimoramento aumentou rapidamente nos últimos
anos à medida que uma nova abordagem, baseada em redes neurais
muito amplas ou “profundas”, foi adotada. A abordagem do AM para os
sistemas visuais ainda está longe da perfeição — mas até as pessoas têm
problemas em identi car rapidamente as caras de cãezinhos ou, o que é
mais embaraçoso, ver suas carinhas lindas onde não há nenhuma.

A segunda grande melhoria foi na cognição e resolução de problemas. As


máquinas já venceram os melhores jogadores (humanos) de poker e Go
— realizações que especialistas tinham previsto que levariam, pelo
menos, mais uma década. A equipe do DeepMind da Google usou
sistemas de AM para melhorar a e ciência da refrigeração em centros de
dados em mais de 15%, mesmo depois de terem sido otimizados por
especialistas humanos. A empresa de segurança cibernética Deep
Instinct utiliza agentes inteligentes para detectar um malware, e a PayPal
os utiliza para impedir lavagem de dinheiro. Um sistema usando
tecnologia IBM automatiza os processos de queixa de uma empresa de
seguros em Cingapura, e um sistema da Lumidatum, empresa de
plataformas de ciências, oferece conselhos no momento certo para
melhorar o atendimento ao cliente. Dezenas de empresas estão
utilizando o AM para otimizar estoques e melhorar as sugestões de
produtos aos clientes. A In nite Analytics desenvolveu um sistema de AM
para prever se um usuário clicaria em determinado anúncio, melhorando
a disposição de anúncios online para uma empresa global de artigos de
consumo, e outro para melhorar o processo de busca e descoberta de
uma loja brasileira de varejo online. O primeiro sistema triplicou o
retorno sobre o investimento em publicidade, e o segundo resultou em
US$ 125 milhões de aumento nas receitas anuais.

Os sistemas de aprendizado de máquina não estão apenas substituindo


os antigos algoritmos em muitas aplicações, mas agora são superiores
em muitas tarefas que antes eram mais bem executadas por seres
humanos. Embora os sistemas estejam longe de ser perfeitos, sua taxa
de erro — cerca de 5% — na base de dados da ImageNet está no mesmo
nível ou até melhor que o desempenho dos seres humanos. O
reconhecimento de voz, mesmo em ambientes ruidosos, também está
praticamente igual ao do desempenho humano. Chegar a esse limiar
abre uma vasta gama de possibilidades para transformar as empresas e
a economia. Uma vez que sistemas baseados em IA superarem o
desempenho humano em determinada tarefa, eles terão probabilidade
muito maior de se disseminar com rapidez. Por exemplo, a Aptonomy e a
Sanbot, fabricantes, respectivamente, de drones e robôs, estão utilizando
sistemas visuais aprimorados para automatizar boa parte do trabalho de
guardas de segurança. A empresa de software A ectiva, entre outras, os
utiliza para reconhecer emoções como alegria, surpresa e raiva em focus
groups. E a Enlitic é uma de várias start-ups de aprendizado profundo
que os utiliza para escanear imagens clínicas e ajudar no diagnóstico do
câncer.

Os resultados são impressionantes, mas a aplicabilidade de sistemas


baseados em IA ainda é bastante reduzida. Seu desempenho notável na
base de dados da ImageNet, por exemplo, mesmo com milhões de
imagens, nem sempre se re ete em sucesso similar “na natureza”, onde
as condições de iluminação, ângulos, resolução e contexto podem ser
muito diferentes. Mais basicamente, podemos nos surpreender com um
sistema que entende chinês e traduz para o inglês, mas não podemos
esperar que esse sistema entenda o signi cado de determinado
caractere chinês — nem pensar onde comer em Pequim. Se alguém
executa bem uma tarefa, é natural supor que a pessoa tem certa
competência em tarefas relacionadas. Mas os sistemas de AM são
treinados para executar determinadas tarefas, e normalmente seu
conhecimento não generaliza. A falácia de que a compreensão limitada
do computador implica compreensão mais ampla é talvez a maior fonte
de confusão e exagero nas reclamações sobre o progresso da IA.
Estamos longe de ver máquinas que mostram uma inteligência geral em
diversas áreas.

Entenda o aprendizado de máquina


O mais importante a ser entendido sobre o AM é que sua abordagem é
fundamentalmente diferente de criar um software: a máquina aprende
com exemplos, e não por ser explicitamente programada para
determinado resultado. Essa é uma importante ruptura das práticas
anteriores. Na maior parte dos últimos 50 anos, os avanços na TI e suas
aplicações focaram na codi cação de conhecimento e procedimentos
existentes e em integrá-los às máquinas. De fato, o termo “codi car”
denota o processo doloroso de transformar o conhecimento da cabeça
dos desenvolvedores numa forma que as máquinas possam entender e
executar. Essa abordagem tem uma vulnerabilidade fundamental: boa
parte do nosso conhecimento é tácito, ou seja, não é possível explicá-lo
por completo. Para nós, é praticamente impossível escrever instruções
que habilitem outra pessoa a aprender a andar de bicicleta ou a
reconhecer o rosto de um amigo.

Em outras palavras, todos nós sabemos mais do que dizemos. Esse fato é
tão importante que tem nome: paradoxo de Polanyi, por causa do
lósofo e polímata Michael Polanyi, que o descreveu em 1964. O
paradoxo de Polanyi não só limita o que podemos dizer um ao outro,
mas historicamente impõe uma restrição fundamental em nossa
capacidade de dotar as máquinas de inteligência. Por muito tempo, isso
limitou as atividades que as máquinas poderiam realizar produtivamente
na economia.

O aprendizado de máquina está avançando além desses limites. Nessa


segunda onda da segunda idade das máquinas, as máquinas construídas
por seres humanos estão aprendendo com exemplos e usando feedback
estruturado para resolver problemas sozinhas, como o problema clássico
de Polanyi de reconhecimento de rosto.

Diferentes formas do aprendizado de máquina


A IA e o AM podem ter diferentes formas, mas boa parte de seu sucesso
nos últimos anos foi numa categoria: sistemas de aprendizado
supervisionado nos quais as máquinas recebem uma quantidade enorme
de exemplos da resposta correta para determinado problema. Esse
processo quase sempre envolve um mapeamento a partir de um
conjunto de inputs X, para um conjunto de outputs Y. Os inputs, por
exemplo, podem ser imagens de vários animais, e os outputs corretos
podem ser rótulos para aqueles animais: cachorro, gato, cavalo. Os inputs
também podem ser formas de onda de uma gravação sonora, e os
outputs, palavras: “sim”, “não”, “olá”, “até logo” (ver quadro “Sistemas de
aprendizado supervisionado” ).

Sistemas bem-sucedidos geralmente utilizam um conjunto de dados de


treinamento com milhares ou até milhões de exemplos, onde cada um é
rotulado com uma resposta correta. O sistema pode então ser liberado
para procurar novos exemplos. Se o treinamento for bem-sucedido, as
respostas previstas pelos sistemas serão extremamente precisas.

Os algoritmos responsáveis por boa parte desse sucesso dependem de


uma abordagem chamada aprendizado profundo, que utiliza redes
neurais. Os algoritmos de aprendizado profundo têm uma vantagem
signi cativa sobre as gerações anteriores de algoritmos de AM: eles
otimizam a utilização de conjuntos de dados muito maiores. Os sistemas
antigos melhoravam à medida que aumentava o número de exemplos
nos dados de treinamento, mas somente até certo limiar. Além dele os
dados adicionais não melhoravam as previsões. Segundo Andrew Ng, um
dos gigantes da área, redes neurais profundas não parecem estabilizar
dessa forma: mais dados levam a previsões cada vez melhores. Alguns
sistemas muito grandes são treinados com 36 milhões de exemplos ou
mais. É óbvio que trabalhar com conjuntos de dados extremamente
grandes requer um poder de processamento cada vez maior, e essa é
uma das razões por que sistemas muito grandes geralmente rodam em
supercomputadores ou arquiteturas especializadas de computadores.

Qualquer situação em que você tenha uma quantidade enorme de dados


sobre comportamento e esteja tentando prever um resultado é uma
aplicação potencial para sistemas de aprendizado supervisionado.

Je Wilke, que che a a divisão de relacionamento com o cliente da


Amazon, a rma que os sistemas de aprendizado supervisionado
substituíram amplamente os algoritmos de ltragem baseados na
memória que eram utilizados para fazer sugestões personalizadas aos
clientes. Em outros casos, os algoritmos clássicos para determinar o nível
de estoque e otimizar cadeias de suprimentos foram substituídos por
sistemas mais robustos e e cientes baseados no aprendizado de
máquina. A JPMorgan Chase introduziu um sistema para rever contratos
comerciais. Essa atividade, que costumava consumir 360 mil horas dos
analistas de empréstimos, agora leva alguns segundos. E sistemas de
aprendizado supervisionado já estão sendo usados no diagnóstico de
câncer de pele. Esses são apenas alguns exemplos.
Quando (e se) aprendermos a construir aprendizes não supervisionados
robustos, possibilidades impressionantes se abrirão. Essas máquinas
poderiam analisar problemas complexos de formas novas para nos
ajudar a descobrir padrões — na disseminação de doenças, nas
oscilações de preço de títulos mobiliários do mercado, nos hábitos de
compra dos clientes e assim por diante — que desconhecemos
completamente. Essas possibilidades levaram Yann LeCun, chefe de
pesquisa de IA da Facebook e professor da New York University, a
comparar sistemas de aprendizado supervisionado com a cobertura do
bolo, e o aprendizado não supervisionado com o próprio bolo.

Outra pequena área, mas crescente, é o aprendizado por reforço. Essa


abordagem está integrada em sistemas que dominamos, como os
videogames Atari e os jogos de tabuleiro como o Go. Ele está ajudando a
otimizar o uso do poder de bancos de dados e a desenvolver estratégias
de comércio para o mercado de ações. Os robôs criados pela Kindred
utilizam aprendizado de máquina para identi car e escolher objetos que
eles nunca encontraram antes, acelerando o processo de “pegar e
colocar” nos centros de distribuição de mercadorias para os
consumidores. Nos sistemas de aprendizado por reforço, o programador
especi ca o estado atual do sistema e a meta, lista as ações permitidas e
descreve os elementos do ambiente que restringem os resultados para
cada uma dessas ações. Utilizando ações permitidas, o sistema precisa
descobrir como chegar o mais perto possível da meta. Esses sistemas
funcionam bem quando os humanos podem especi car a meta, mas não
necessariamente como chegar lá. A Microsoft, por exemplo, utilizou
aprendizado por reforço para selecionar manchetes para as novas
histórias do MSN.com “recompensando” o sistema com um escore mais
alto quando mais visitantes clicavam no link. O sistema tentou maximizar
seu escore com base nas regras que seus projetistas impuseram. Isso
signi ca, é claro, que um sistema de aprendizado por reforço otimizará a
meta que você explicitamente recompensar, não necessariamente a
meta na qual você está de fato interessado (como o valor do
relacionamento com o cliente), por isso é fundamental especi car a meta
com correção e clareza.

Faça o aprendizado de máquina funcionar


Há três boas notícias para as organizações que pretendem utilizar AM
atualmente. Primeiro, as habilidades da IA estão se espalhando
rapidamente. O mundo ainda não tem cientistas de dados e experts
su cientes em aprendizado de máquina, mas a demanda está sendo
satisfeita por recursos educacionais online e pelas universidades. Os
melhores, incluindo Udacity, Coursera e fast.ai, oferecem muito mais que
conceitos tecnológicos introdutórios. Eles podem, na verdade, fazer com
que alunos inteligentes e motivados se tornem capazes de criar
aplicações de AM em nível industrial. Além disso, para treinar seu próprio
pessoal as empresas interessadas podem usar plataformas de talento
online como Upwork, Topcoder e Kaggle para encontrar especialistas em
AM com expertise comprovada.

O segundo desenvolvimento bem-vindo é que os algoritmos e o


hardware necessários para a moderna IA podem ser adquiridos ou
alugados à medida que forem necessários. A Google, Amazon, Microsoft,
Salesforce e outras empresas estão disponibilizando poderosa
infraestrutura de AM via nuvem. A competição implacável entre esses
rivais signi ca que as empresas que querem experimentar ou implantar o
AM terão, com o passar do tempo, capacidades cada vez mais disponíveis
e a preços mais baixos.

A última boa noticia, e provavelmente a mais desvalorizada, é que você


pode não precisar de tantos dados para começar a utilizar
produtivamente o AM. O desempenho da maioria dos sistemas de
aprendizado de máquina melhora à medida que lhes são fornecidos mais
dados para trabalhar, por isso parece lógico concluir que a empresa com
o maior volume de dados vencerá. Esse poderá ser o caso se “vencer”
signi ca “dominar o mercado global para uma única aplicação com alvo
em publicidade ou reconhecimento de fala”. Mas se, ao contrário, vencer
for de nido como uma melhoria signi cativa de desempenho, então
cará muito mais fácil obter dados su cientes.

Sebastian Thrun, cofundador da Udacity, observou, por exemplo, que


alguns de seus vendedores eram muito mais e cientes que outros
quando respondiam a questões que eram feitas na sala de bate-papo.
Thrun e seu aluno de pós-graduação Zayd Enam perceberam que os
registros de sua sala de bate-papo eram em essência um conjunto de
dados de treinamento rotulados — exatamente o que um sistema de
aprendizado supervisionado precisa. As interações que levavam a uma
venda eram rotuladas como sucesso e todas as outras eram rotuladas
como fracassos. Zayd usou os dados para prever que respostas os
vendedores bem-sucedidos tinham maior probabilidade de dar a certas
perguntas muito comuns e depois compartilhou essas previsões com os
outros vendedores para estimulá-los a melhorar seu desempenho.
Depois de mil ciclos de treinamento, os vendedores tinham aumentado
sua efetividade em 54% e conseguiram atender o dobro de clientes de
uma vez.

A start-up de IA WorkFusion adota abordagem similar. Ela trabalha com


empresas para obter níveis mais altos de automatização nos processos
de retaguarda do escritório, como pagamento de faturas internacionais, e
concretiza grandes comercializações entre instituições nanceiras. O
motivo pelo qual esses processos ainda não foram automatizados é que
eles são muito complexos. A informação relevante nem sempre é
apresentada da mesma forma o tempo todo (“Como sabemos de que
moeda eles estão falando?”), portanto é necessário interpretar e julgar. O
software da WorkFusion observa as pessoas por trás dos bastidores
enquanto trabalham e utiliza suas ações como dados de treinamento
para tarefas cognitivas de classi cação. (“Esta fatura está em dólares, esta
em ienes, esta em euros…”) Uma vez que o sistema esteja
su cientemente con ante em suas classi cações, ele assume o processo.

O aprendizado de máquina está produzindo mudanças em três níveis:


tarefas e funções, processos de negócios e modelos de negócios. Um
exemplo de reprojeção de tarefa e função é o uso de sistemas de visão
de máquina para identi car potenciais células cancerosas — permitindo
que os radiologistas dediquem mais tempo aos casos realmente críticos,
interajam com os parentes do paciente e coordenem atividades com
outros médicos. Um exemplo de reprojeto de processos é a reinvenção
do uxo de trabalho e layout dos centros de abastecimento da Amazon
depois da introdução de robôs e algoritmos de otimização baseados em
aprendizado de máquina. De modo similar, os modelos de negócios
precisam ser repensados para aproveitar os sistemas de AM que podem
sugerir de forma inteligente músicas ou lmes personalizados. Em vez de
vender canções à la carte com base nas escolhas dos clientes, um
modelo melhor ofereceria uma inscrição numa estação personalizada
que previsse e executasse a música que determinado cliente gostaria de
ouvir, mesmo se a pessoa nunca a tivesse ouvido antes.

Observe que os sistemas de aprendizado de máquina quase nunca


substituem o modelo de negócios, a tarefa ou o processo completos. A
maioria deles complementa as atividades humanas, o que pode agregar
sempre mais valor ao trabalho. A regra mais e ciente para a nova divisão
de trabalho raramente, ou nunca, “entrega todas as tarefas para a
máquina”. Ao contrário, se a conclusão bem-sucedida de um processo
requer dez passos, um ou dois podem tornar-se automatizados
enquanto o resto se torna mais valioso para os humanos executar. Por
exemplo, os sistemas de apoio às salas de bate-papo de vendas na
Udacity não tentam construir um robô que domine toda a conversa. Em
vez disso, ele aconselha aos vendedores humanos como melhorar seu
desempenho. Os humanos permaneceram em seus postos, mas se
tornaram extremamente mais e cientes e efetivos. Essa abordagem é
muito mais viável que tentar projetar máquinas que possam fazer tudo
que os humanos fazem. Em geral leva a um trabalho mais satisfatório
para as pessoas envolvidas e em última instância a melhores resultados
para os clientes.

Projetar e implementar novas combinações de tecnologia, habilidades


humanas e bens de capital para satisfazer as necessidades dos clientes
requer criatividade e planejamento de larga escala. É uma tarefa que as
máquinas não conseguem executar com muita e ciência. Isso torna a
função de um empreendedor ou gestor de negócios uma das atividades
mais recompensadoras da sociedade na era do AM.
Riscos e limites
A segunda onda da segunda idade da máquina vem acompanhada de
novos riscos. Em especial, os sistemas de aprendizado de máquina,
muitas vezes, têm baixo poder de interpretação, o que signi ca que os
humanos têm di culdade de descobrir como os sistemas chegaram às
suas decisões. Redes neurais profundas podem ter centenas de milhões
de conexões, cada uma delas com uma pequena participação na decisão
nal. Como resultado, as previsões dos sistemas tendem a resistir a
explicações simples e claras. Ao contrário dos humanos, as máquinas
(ainda) não são boas contadoras de histórias. Elas nem sempre podem
explicar racionalmente por que determinado candidato foi aceito ou
rejeitado para um emprego, ou um medicamento em particular foi
recomendado. Ironicamente, mesmo quando começamos a superar o
paradoxo de Polanyi, enfrentando um tipo de versão reversa, as
máquinas sabem mais do que podem nos contar.

Isso cria três riscos. Primeiro,


as máquinas podem ter
vieses escondidos, que
surgem não de qualquer
intenção do projetista, mas
dos dados fornecidos para
treinar o sistema. Por
exemplo, se um sistema
aprende quais candidatos a
emprego se devem aceitar
para uma entrevista usando
um conjunto de dados de
decisões tomadas por
antigos recrutadores
humanos, ele pode
inadvertidamente aprender
a perpetuar seus vieses
raciais, de gênero, étnicos ou
outros. Além disso, esses
vieses podem não aparecer
como regra explícita, mas
podem estar embutidos em
interações sutis entre os
milhares de fatores
considerados.

O segundo risco é que, ao contrário dos sistemas tradicionais


construídos com base em regras lógicas explícitas, os sistemas de redes
neurais lidam com realidades estatísticas e não com realidades literais.
Isso pode di cultar, ou impossibilitar, provar com total certeza que o
sistema vai acertar em todos os casos — principalmente em situações
que não foram representadas nos dados de treinamento. A
impossibilidade de veri cação pode ser um problema em aplicações
críticas da missão, como controlar uma usina de energia nuclear, ou
quando estão envolvidas decisões de vida ou morte.

Terceiro, quando os sistemas AM cometem erros, o que é inevitável, pode


ser difícil diagnosticar e corrigir com precisão o que está saindo errado. A
estrutura subjacente que leva à solução pode ser incrivelmente
complexa, e a solução estar longe de ser a ótima caso mudem as
condições sob as quais o sistema foi treinado.

Embora todos os riscos da IA sejam muito reais, o padrão de referência


adequado não é a perfeição, mas sim a melhor alternativa disponível.
A nal, nós humanos temos vieses, cometemos erros e temos problemas
para explicar, de fato, como chegamos a determinada decisão. A
vantagem dos sistemas baseados em máquinas é que eles podem ser
melhorados ao longo do tempo e darão uma resposta consistente
sempre que os mesmos dados forem apresentados.

Isso signi ca que não há limite para o que a inteligência arti cial e o
aprendizado de máquina podem fazer? A percepção e a cognição cobrem
uma boa parte desse território — desde dirigir um carro até prever
vendas ou decidir quem contratar ou promover. Acreditamos que são
excelentes as chances de que a IA, em breve, atingirá os níveis de
desempenho humanos na maioria ou em todas essas áreas. Então, o que
a IA e o AM não terão condições de fazer?

Já ouvimos muitas vezes que “a inteligência arti cial nunca será capaz de
avaliar os seres humanos emocionais, espertos, dissimulados,
inconsistentes — ela é muito rígida e impessoal para isso”.

Não concordamos. Os sistemas AM, como os da A ectiva, já estão no


nível ou além do desempenho humano em discernir o estado emocional
das pessoas com base no tom de voz ou nas expressões faciais. Outros
sistemas podem inferir su cientemente bem, até quando os melhores
jogadores de poker do mundo estão blefando para vencê-los nas
decisões, extremamente complexas, tomadas no campeonato de poker
heads-up no Texas. Ler a sionomia de uma pessoa com precisão é
tarefa sutil, mas não mágica. Requer percepção e cognição —
exatamente as áreas nas quais o AM está atualmente mais forte e se
aprimorando cada vez mais.

Um ótimo ponto para começar a discutir os limites da IA é a frase de


Pablo Picasso sobre os computadores: “Mas eles são inúteis. Eles só dão
respostas”. Eles, na verdade, estão longe de ser inúteis, como mostram as
recentes conquistas de AM, mas a observação de Picasso ainda mostra
certo insight. Computadores são dispositivos para responder perguntas,
não para fazê-las. Isso signi ca que empreendedores, inovadores,
cientistas, criadores e todas as pessoas que sabem quais os problemas a
resolver, oportunidades a agarrar ou novo território a explorar
continuarão sendo essenciais.

Analogamente, existem diferenças enormes entre avaliar passivamente o


estado mental ou moral de uma pessoa e trabalhar com a nco para
mudá-lo. Os sistemas de AM estão se tornando muito e cientes na
primeira tarefa, mas continuam bem atrás de nós na última. Nós,
humanos, somos uma espécie social por excelência. Outros humanos,
não máquinas, são melhores em explorar sinalizadores sociais como
compaixão, orgulho, solidariedade e vergonha a m de persuadir, motivar
e inspirar. Em 2014, a Conferência TED e a XPrize Foundation anunciaram
um prêmio para “a primeira inteligência arti cial que chegasse a esse
estágio e apresentasse uma palestra TED com apelo su ciente para ser
ovacionada de pé pela plateia”. Duvidamos que o prêmio seja concedido
logo.

Acreditamos que as maiores e mais importantes oportunidades para a


inteligência humana na nova era do superpoderoso AM está na interface
de duas áreas: descobrir em quais problemas trabalhar a seguir, e
persuadir muitas pessoas a abordá-los e acompanhar as soluções. Essa é
uma de nição adequada de liderança que está se tornando muito mais
importante na era da segunda máquina.

A divisão de trabalho entre mentes e máquinas é um paradigma que está


desmoronando rapidamente. As empresas presas a ele descobrirão que
se encontram em crescente desvantagem competitiva em comparação
com concorrentes que desejam e são capazes de colocar o AM em
prática em todos os locais onde ele se encaixa e que podem descobrir
como integrar e cientemente suas capacidades com as da humanidade.

Uma era de mudanças tectônicas no mundo dos negócios trazida pelo


progresso tecnológico já está em andamento. Como aconteceu com a
máquina a vapor e a eletricidade, não é o acesso a novas tecnologias em
si, ou até aos melhores tecnólogos, que separa os vencedores dos
perdedores, mas sim os inovadores su cientemente receptivos para ver
além do status quo e vislumbrar novas abordagens e espertos o
su ciente para utilizá-las. Um dos maiores legados do aprendizado de
máquina pode ser a formação de uma nova geração de líderes de
negócios.

Para nós, a inteligência arti cial, principalmente o aprendizado de


máquina, é a tecnologia com nalidade geral mais importante de nossa
era. O impacto dessas inovações nos negócios e na economia re etirá
não só em suas contribuições diretas, mas também em sua capacidade
de permitir e inspirar inovações complementares. Novos produtos e
processos estão sendo produzidos com melhores sistemas visuais, de
reconhecimento de fala, resolução inteligente de problemas e várias
outras capacidades que o aprendizado de máquina pode oferecer.

Alguns especialistas avançaram ainda mais. Gil Pratt, que che a o


instituto de pesquisas da Toyota, comparou a onda atual de tecnologia de
IA à explosão cambriana há 500 milhões de anos, que permitiu o
surgimento de uma enorme variedade de novas formas de vida. Naquela
época, como agora, uma das mais importantes novas capacidades foi a
visão. Quando os animais a adquiriram, ela os capacitou a explorar o
ambiente de forma muito mais e ciente. Isso catalisou um aumento
enorme no número de espécies, tanto de predadores como de presas, e
de variedades de nichos ecológicos que foram preenchidos. Atualmente
esperamos ver uma enorme variedade também de novos produtos,
serviços, processos e formas organizacionais, além de numerosas
extinções. Certamente haverá falhas estranhas, mas igualmente sucessos
inesperados.

Embora seja difícil prever exatamente quais as empresas que dominarão


no novo ambiente, um princípio geral se torna claro: as empresas e os
executivos mais habilidosos e adaptáveis prosperarão. As organizações
que perceberem e responderem com mais rapidez às oportunidades
aproveitarão as vantagens no cenário facilitado pela IA. Por isso, a melhor
estratégia é querer experimentar e aprender o quanto antes. Se os
gestores não estão intensi cando experimentos na área do aprendizado
de máquina, eles não estão trabalhando certo. Na próxima década, a IA
não substituirá os gestores, mas os gestores que adotarem a IA
substituirão os que não o zerem.
_______________________________________________________________________________
Erik Brynjolfsson é diretor da Iniciativa sobre Economia Digital do MIT,
professor de ciências da administração da Faculdade Sloan, do MIT, e
pesquisador associado do NBER (Centro Nacional de Pesquisas
Econômicas).
Andrew McAfee, cientista e pesquisador principal do MIT, estuda os
efeitos das tecnologias digitais nos negócios, na economia e na
sociedade. É coautor, com Erik Brynjolfsson, de Machine, platform, crowd:
harnessing our digital future (2017) e de The second machine age: work,
progress and prosperity in a time of brilliant technologies (2014).

Compartilhe nas redes sociais!

Compartilhar Tweet Compartilhar

Acesso para assinantes

Nome de usuario

Você também pode gostar