Um Passaporte para A Terra Prometida
Um Passaporte para A Terra Prometida
Um Passaporte para A Terra Prometida
Título
Um Passaporte para a Terra Prometida
Coordenação
Fernando de Sousa | Ismênia Martins | Lená Medeiros de Menezes |
Maria Izilda Matos | Maria de Nazaré Sarges | Susana Serpa Silva
Capa
mpfxdesign
Impressão e Acabamento
Publidisa – Publicaciones Digitales, S.A.
Depósito Legal
335167 / 2011
ISBN CEPESE
978-989-8434-09-8
1.ª Edição
PORTO – 2011
CEPESE
Rua do Campo Alegre, 1021/1055
4169-004 Porto
[email protected]
www.cepese.pt
9 INTRODUÇÃO
17 FOREWORD
25 IMIGRAÇÃO NO BRASIL: DISCURSOS EM DISPUTA E PRÁTICAS SELETIVAS
Lená Medeiros de Menezes
43 A I REPÚBLICA E A POLÍTICA DE EMIGRAÇÃO
Miriam Halpern Pereira
55 A EMIGRAÇÃO NO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO (AÇORES). BREVE
ANÁLISE COM BASE NOS REGISTOS DE PASSAPORTES DO TERCEIRO QUARTEL
DO SÉCULO XIX E INÍCIOS DO SÉCULO XX
Susana Serpa Silva
83 A EMIGRAÇÃO AÇORIANA PARA O BRASIL NOS DEBATES PARLAMENTARES DE
MEADOS DO SÉCULO XIX
Carlos Cordeiro
95 DIALOGANDO COM AS MEMÓRIAS EMIGRANTES: UM DESTINO CHAMADO BRASIL
Elis Regina Angelo/Dolores Martin Corner
117 OS PASSAPORTES – DO ENQUADRAMENTO LEGAL À PRÁTICA (1855-1926)
Isilda Monteiro
137 O PARÁ E AS BASES DE SUA LEGISLAÇÃO IMIGRATÓRIA NOS FINAIS DO SÉCULO XIX
Marcos Carvalho
147 RETORNO DOS BRASILEIROS VILACONDENSES – AS DECLARAÇÕES DE NACIO-
NALIDADE (1865-1913)
Adelina Piloto
169 ESTADO PORTUGUÊS REPRESSIVO OU PATERNALISTA? UMA VISÃO DA EMI-
GRAÇÃO PORTUGUESA ATRAVÉS DAS CIRCULARES DO GOVERNO (1948-1974)
Celeste Castro
185 TRANSNACIONALIDADE E LUSO-TROPICALISMO NA ASSEMBLÉIA CONSTITUIN-
TE DE 1946: O LEGISLADOR BRASILEIRO E A IMIGRAÇÃO PORTUGUESA
José Sacchetta Ramos Mendes
193 O PAPEL DOS AÇORES NA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO PARLAMENTAR OITO-
CENTISTA SOBRE A EMIGRAÇÃO
Fernanda Paula Sousa Maia
209 O DISCURSO PARLAMENTAR DA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL
(1855-1858)
Paula Barros
219 O INQUÉRITO PARLAMENTAR DE 1885 E O DISCURSO SOBRE A EMIGRAÇÃO
Conceição Salgado
233 A EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NO DISCURSO PARLAMENTAR PORTUGUÊS APÓS
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1918-1926)
Diogo Ferreira
251 A EMIGRAÇÃO DO PORTO PARA O BRASIL DURANTE A PRIMEIRA GUERRA
MUNDIAL (1914-1918)
Ricardo Rocha
273 “O PARÁ E AMAZONAS SÃO IRMÃOS”: A AMAZÔNIA UNIDA NA CRISE DA BOR-
RACHA E A IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA
Maria de Nazaré Sarges/Wilson Brito Nascimento
287 O NOVO REGIME DE TEMPORALIDADE E A HISTÓRIA MIGRACIONAL
José Jobson de Andrade Arruda
313 IMIGRAÇÃO E CULTURA: RUPTURA COM AS RAÍZES PORTUGUESAS?
Maria Arminda Arruda
343 MARIA PRESTES MAIA: TRAJETÓRIA, POLÍTICA E CULTURA
Maria Izilda Matos
365 A SÃO PAULO DOS IMIGRANTES: PADEIROS E SAQUEIROS NO COTIDIANO
COMERCIAL (1920-1950)
Yvone Dias Avelino
379 PORTUGUESES EM SANTOS VISTOS ATRAVÉS DOS REGISTROS DE ASSOCIADOS
DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE BENEFICÊNCIA DE SANTOS (1879-1889)
Maria Suzel Gil Frutuoso
397 ENFRENTAMENTOS E LUTAS PELA VIDA: PORTUGUESES EM SANTOS NO FINAL
DO SÉCULO XIX (1880-1900)
Maria Apparecida Franco Pereira
415 O REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA DO RIO DE JANEIRO: PADRÃO
EXCELENTE DA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL
António Alves-Caetano
441 UM MITO PARA TODOS OS ITALIANOS DE SÃO PAULO
Alexandre Hecker
453 IMIGRAÇÃO QUALIFICADA NO PÓS-SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: PORTUGUE-
SES E ITALIANOS EM SÃO PAULO
Sênia Bastos
469 À SOMBRA DA LEI. NOTAS SOBRE A POLÍTICA DE EMIGRAÇÃO EM PORTUGAL E
ITÁLIA (1850-1920)
Paulo Cesar Gonçalves
493 L’EMIGRAZIONE ITALIANA VERSO IL BRASILE: TENDENZE E DIMENSIONI
(1870-1975)
Anna Maria Birindelli/Corrado Bonifazi
519 A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA E ITALIANA PARA O BRASIL – UMA ANÁLISE COM-
PARATIVA (1876-1974)
Fernando de Sousa/Isilda Monteiro
535 LA CONFIGURAZIONE DELLA LEGISLAZIONE EMIGRATORIA IN ITALIA ALL’EPOCA
DELLA GRANDE EMIGRAZIONE EUROPEA
Mattia Vitiello
557 AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL E A EMIGRAÇÃO. ENQUADRAMENTO POLÍ-
TICO-DIPLOMÁTICO DA 1.ª METADE DO SÉCULO XX
Paula Marques Santos
573 O ESTUDO DE UN CONCELHO PONTEVEDRÊS: A IMIGRAÇÃO DE COTOBADE AO
BRASIL
Érica Sarmiento da Silva
589 AS “CASAS DE BRASILEIROS” – DOIS EXEMPLOS NO VALE DO SOUSA
Alda Neto
611 CONCLUSÕES
613 CONCLUSIONS
617 RESUMOS/ABSTRACTS
641 SOBRE OS AUTORES
Seminário Internacional
Um Passaporte para a Terra Prometida
(Angra do Heroísmo, 19-23 de Julho de 2010)
Portugal e Brasil mantiveram, ao longo dos séculos, uma relação histórica ímpar,
reforçada nos séculos XIX e XX pelas grandes migrações de portugueses com desti-
no àquele país da América do Sul. A fim de estudar e aprofundar este fenómeno e de
dar um contributo indispensável e, em boa parte, definitivo para o seu conhecimento,
o CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade – desenvolveu,
a partir de 2005, o Projecto A Emigração do Norte de Portugal para o Brasil, que
integrou uma vasta equipa de investigação por nós coordenada. Aprovado e financia-
do pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), este Projecto, cuja primeira
fase terminou em Junho de 2008, foi avaliado por uma Comissão Internacional de
Avaliação, tendo obtido a classificação de “Excelente”.
Tendo como ponto de partida o conhecimento exaustivo da tipologia e das poten-
cialidades das fontes históricas para o estudo da emigração, existentes nos arquivos
portugueses e brasileiros, o referido Projecto apresentou como objectivo central o
levantamento e sistematização da informação relativa aos emigrantes que saíram do
Norte de Portugal com destino ao Brasil. O levantamento da informação, feito, sobre-
tudo, a partir dos livros de registo de passaportes pertencentes aos Governos Civis
(1835-1960), centrou-se nos distritos nortenhos de Viana do Castelo, Braga, Porto,
Aveiro, Vila Real, Viseu e Bragança. Ao fazer a identificação individualizada dos
emigrantes que partiram legalmente para o Brasil, no decorrer dos séculos XIX e
XX, tornou-se possível conhecer, de forma mais rigorosa, o volume dos efectivos
migratórios dos portugueses para esse país a partir do Norte do território nacional e o
perfil do emigrante lusíada.
Em Julho de 2010, foi apresentado pelo CEPESE à FCT um novo Projecto de
Investigação intitulado A Emigração de Portugal para o Brasil. Dinâmicas Demográ-
ficas e Discurso Político, o qual veio dar continuidade ao anterior, alargando os objec-
tivos que constavam daquele. Assim, pretende-se agora alargar a base de dados que
integrará os registos individuais dos emigrantes portugueses para o Brasil (séculos XIX
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Introdução
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Introdução
11
Introdução
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Introdução
13
Introdução
aquela Junta em 1970, destacando as circulares emanadas por estes organismos acer-
ca desta temática.
Já no caso brasileiro, Lená Menezes, focando os inícios do século XX, trata das
políticas da imigração com base em documentação da polícia do Rio de Janeiro.
Marcos Carvalho analisa a legislação de incentivo à imigração, promulgada no
Estado do Pará, nos finais do século XIX.
Na mesma linha de interpretação, Nazaré Sarges, salientando as consequências
da crise da borracha nos territórios paraenses na década de 1910 e 1920, refere que
não só se assistiu a uma convergência entre o Pará e a Amazónia na luta pela defesa
dos seus interesses, como evidencia a necessidade de mão-de-obra para a agricultura,
que levou, por consequência, à chamada de colonos ou imigrantes.
No âmbito da análise da legislação, Paulo Gonçalves opta por uma análise com-
parada sobre a política de emigração em Portugal e na Itália, entre 1870 e 1910.
Ainda neste domínio, a legislação italiana sobre emigração é tema da intervenção
de Mattia Vitielo, a qual se centra nas políticas de migração adoptadas pela Itália na
chamada época da grande emigração europeia.
A comprovar a importância das contextualizações na abordagem e estudo da
emigração, Paula Santos trata das relações Portugal-Brasil e do seu enquadramento
político-diplomático durante a primeira metade do século XX.
No domínio das análises quantitativas destaca-se a comunicação de Ricardo
Rocha sobre a emigração do Porto para o Brasil durante o tempo da Grande Guerra,
época menos propensa a movimentações populacionais.
Por seu turno, e no tocante a tempos mais recentes, Sênia Bastos que trabalhou
uma base de dados de 100 000 emigrantes entrados em São Paulo entre 1947 e 1974,
não só salienta o destaque dos italianos em detrimento dos portugueses, como tam-
bém o facto de estes, enquanto mão-de-obra qualificada, só surgirem, nesta cidade, a
partir dos anos de 1970.
Ainda neste domínio de análise, Erica Sarmento apresenta um estudo sobre o
município galego de Pontevedra, de meados de Oitocentos a meados de Novecentos,
levando-nos a concluir que este gerou também fluxos emigratórios para o Brasil, ao
contrário de outras regiões galegas que preferiram a América de língua espanhola.
Enquanto Corrado Bonifazi analisa um longo período (quase um século) da emi-
gração italiana para o Brasil, Fernando de Sousa apresenta idêntico e profundo estu-
do, relativo à emigração portuguesa para o Brasil, onde se comparam as estatísticas
italianas e portuguesas com as brasileiras.
Noutro campo de estudo diferente, ou seja, no âmbito do quotidiano imigrante,
Yvone Avelino e Maria Apparecida Pereira revivem, respectivamente, o papel dos
padeiros de São Paulo, na primeira metade do século XX ou as lutas diárias pela
sobrevivência dos portugueses em Santos, nos finais da centúria oitocentista.
14
Introdução
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Introdução
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FOREWORD
International Seminar
A Passport for the Promised Land
(Angra do Heroísmo, 19-23 July 2010)
Portugal and Brazil have maintained, over the centuries, a unique historical rela-
tionship, strengthened in the 19th and 20th centuries by the great migrations of Portu-
guese bound for that country in South America. In order to study and deepen this
phenomenon and to make a significant and definitive contribution for its knowledge,
CEPESE – Research Centre for the Study of Population, Economics and Society – has
developed, from 2005 onwards, the Project Emigration from northern Portugal to
Brazil, which involved a large research team coordinated by myself. Approved and
funded by the Foundation for Science and Technology (FCT), this project, whose
first phase ended in June 2008, was evaluated by an International Review Commit-
tee, obtaining the rating "Excellent".
Taking as starting point our exhaustive knowledge of the typology and the poten-
tial of historical sources for the study of emigration existing in the Brazilian and Por-
tuguese archives, this project had as its central objective the gathering and
systematization of information on emigrants who left the North of Portugal to Brazil.
The surveyed information, mainly from passport registration books belonging to
regional governments (1835-1960), focused on the northern districts of Viana do
Castelo, Braga, Porto, Aveiro, Vila Real, Viseu and Bragança. By achieving the in-
dividual identification of legal immigrants who left for Brazil during the 19th and 20th
centuries, it became possible to know more accurately the volume of the Northern
Portuguese migration to this country and the profile of the Portuguese emigrant.
In July 2010, CEPESE submitted to FCT a new research project entitled Emigra-
tion from Portugal to Brazil. Demographic Dynamics and Political Discourse, which
has given continuity to the previous one, widening its objectives. Thus, the aim now is
to include in the database the individual records of Portuguese emigrants in Brazil (19th
and 20th centuries); to survey the Portuguese and Brazilian legislation on emigra-
tion/immigration between 1835 and 1947; to inventory the archives and documentary
sources in Portugal and Brazil on the Portuguese emigration to this country; to
17
Foreword
continue the studies developed around this theme; and to carry out an exhaustive
inventory of sources and bibliography concerning emigration.
In the scope of these two projects developed by CEPESE, several research works
were already completed, and many others are in progress.
Completed works
Emigration from northern Portugal to Brazil (1932-1935) – master's thesis
by Bruno Rodrigues;
Emigration from northern Portugal to Brazil during the Second World
War (1939-1945) – master's thesis by Paulo Amorim;
Emigration from northern Portugal to Brazil on the eve of World War II
(1935-1939) – master's thesis by Silvia Braga;
Emigration from Viana do Castelo to Brazil (1919-1950) – master's thesis
by Susana Oliveira;
Emigration from the district of Porto to Brazil. From the end of the First
World War to the Great Capitalist Crisis (1918-1931) – PhD thesis by
Diogo Ferreira;
The municipality of Vila do Conde and Brazil: emigration and return
(1865-1913) – PhD thesis by Maria Adelina Piloto.
Works in progress
Emigration from northern Portugal to Brazil (1876-1879) – master's thesis
by Joana Martins;
Emigration from the District of Braga (1935-1947) – master's thesis by
Manuela Machado;
Emigration from northern Portugal to Brazil (1852-1876) – PhD thesis by
Bruno Rodrigues;
Emigration in the Municipality of Maia (1948-1974) – PhD thesis by
Celeste Castro;
The contribution of Northeast Trás-os-Montes’ emigrants to the Portugal-
Brazil relations – PhD thesis by Conceição Salgado;
Portuguese Emigration to Brazil through passports registration books of
the Regional Government of Porto (1880-1910) – PhD thesis by Maria
José Ferraria;
Emigration from northern Portugal to Brazil (1855-1876). Practices and
political discourse – PhD thesis by Paula Barros;
Emigration from northern Portugal to Brazil (1834-1851) – PhD thesis by
Paulo Amorim;
18
Foreword
CEPESE is also developing the first contacts in order to build an international re-
search network on the subject of Emigration from Southern Europe to South America –
– REMESSAS, which aims to bring together research centers, institutions and research-
ers that study international migrations between both regions. This network will be
essential to deepen the scientific dialogue between the concerned parties, in order to
create a workspace that allows the exchange of ideas and, by means of the new tech-
nologies, to improve and fundament research on a subject whose contents are too
dispersed, in order to promote a better understanding of the transcontinental migra-
tion flows between Mediterranean Europe and South America.
In the context of these projects, several cooperation agreements were signed with
research institutions in Brazil, in order to establish a research and cooperation dy-
namic between the two countries. In the extent of this cooperation, in 2005 we began
to carry out annual seminars, in which Portuguese, Brazilian and Spanish researchers
have been participating, sharing their knowledge and experiences and discussing the
results from their research. Thus, the following seminars have been organized, al-
ways followed by the publication of the respective proceedings.
International Seminars
A Emigração Portuguesa para o Brasil (Portuguese Emigration to Brazil),
in partnership with FAPERJ, Rio de Janeiro, November 2005;
A Emigração Portuguesa para o Brasil (Portuguese Emigration to Brazil),
in partnership with the University of Porto and University Lusíada of Por-
to, Porto, July 2006;
E/Imigração Portuguesa (Portuguese E/Immigration), in partnership with
the Catholic Universities of São Paulo and Santos, São Paulo and Santos,
September 2007;
Nas Duas Margens: Portugueses no Brasil (On Both Margins: Portuguese
in Brazil), in partnership with the University of Porto, University Lusíada
of Porto and Foundation Dr. António Cupertino de Miranda, Porto, July
2008;
Entre Mares. O Brasil dos Portugueses (Between Seas. The Brazil of the
Portuguese), in partnership with the Federal University of Pará, Belém,
September 2009;
19
Foreword
As mentioned earlier, the sixth edition of this set of seminars, under the title A
Passport to the Promised Land, was held at the University of the Azores, on the cam-
pus of Angra do Heroísmo, and had as main themes the political discourse and legis-
lation related to immigration, the Portuguese emigration to Brazil, both from the
mainland and the Azores, and the comparative analysis between the Portuguese and
the Italian migration to that destination. The quality and diversity of papers presented
in this International Seminar was remarkable, beginning with the rigorous and multid-
isciplinary contribution from Brazilian, Italian, Spanish and Portuguese researchers.
The intersection of all this knowledge – from both sides of the Atlantic – is undoubt-
20
Foreword
edly the best way to deepen the study of population movements and to establish
comparative analyses, enlightening numbers and raising issues that will require, in
the near future, further researches.
This is the unceasing work of the historian and it is always trough this transfor-
mation movement that knowledge is constructed, permanently incomplete and re-
newed, which allows to gradually restrict the territory of the unknown. The diversity
of sources that provided the basis for investigation – passport records, parliamentary
reports and discussions, the press, immigration newsletters, official statistics, police
and health-department documents, iconography, legislation – seen, as we have men-
tioned, in a comparative perspective, certifies the quality of the texts presented in the
book, all of them submitted to referees.
Susana Silva Serpa characterizes the emigration from the district of Angra do
Heroísmo (Azores) in the second half of the 19th century and early 20th century.
The 19th century emigration phenomenon, that in the Azores, as in the mainland,
reached very high levels and was the subject of parliamentary discussion, is studied
by Carlos Cordeiro.
Fernanda Paula Maia also addresses this issue, seeking to demonstrate the impor-
tance of Azorean representatives for the construction of the political discourse about
the emigration flow towards Brazil.
The parliamentary debates on the issue of Portuguese emigration to Brazil are
also the base for the interventions of Diogo Ferreira and Paula Barros, the first one in
the period after the First World War, the late dealing with the political discourse on
this subject in the third quarter of the 19th century.
Likewise, parliamentary inquiries – analysed by Conceição Salgado – namely the
one of 1885, reflect the concern of the political elite to scrutinize the causes of emi-
gration, the profile of the emigrants, the means of transportation and the process of
returning.
The dream of a successful return became, in the Portuguese 19th, century insepa-
rable from the unique figure of the "Brazilian," which Eça de Queirós and other writ-
ers masterfully characterized, materializing their profits in Brazil by means of
luxurious palaces, as Castrália, that marked our built heritage, as Alda Neto explains
in her work.
The role of the State, its concessions or restrictions on emigration was one of the
themes of this Seminar, the subject of several studies about legislation and emigra-
tion policies.
Relevant issues in the approach and understanding of emigration, that is, in the
field of bureaucratic practices and the extent of citizenship, are highlighted by Isilda
Monteiro, as for passports, and Adelina Piloto, with regard to naturalization.
21
Foreword
22
Foreword
Portuguese emigration to Brazil, comparing Italian and Portuguese statistics with the
Brazilian ones.
In a different field of study, the immigrant daily life, Yvonne Avelino and Maria
Apparecida Pereira recover, respectively, the role of São Paulo bakers in the first half
of the 20th century and the daily fights for survival of the Portuguese in Santos in the
late 19th century.
Alexandre Hecker tells us about the political struggles and ideological engage-
ments, highlighting the importance of immigration and the Italian community in São
Paulo where, since the late 19th century, a very intense "Italianism" was experienced.
In turn, Maria Suzel Frutuoso highlights the Portuguese Charity Society of San-
tos and the connection between this institution and the Portuguese immigrants settled
in that city.
António Alves-Caetano covers the first organization of the Portuguese immigrant
community in Brazil, the Portuguese Royal Reading Cabinet, highlighting its impor-
tance for the enhancement of the Portuguese culture.
In the field of micro-history, Izilda Matos presents Maria de Lurdes Cabral or
Maria Prestes Maia, a Portuguese born in Alenquer, immigrant in the city of São Paulo, a
cosmopolitan and cultured woman by the ideas she shared and defended and by the
international contacts she developed as a result of her political leftist commitment.
Also in the field of biographies and social and cultural impact produced by noto-
rious emigrants in their host community or society, Maria Arminda Arruda debates
the influence of immigrants in the important Brazilian modernist movement in gen-
eral, and in São Paulo in particular.
The importance of the immigrant contribution to the promotion and enrichment
of cultural life of host societies is also proven by the researches, based on oral tradi-
tion, of Elis Regina and Dolores Rodriguez, about Azorean immigrants in São Paulo.
José Sacchetta Mendes writes about transnationality and its relation with the Por-
tuguese immigration in Brazil, because, in fact, this promised land comprehends an
immense multiculturality, despite the preference and the greater connection to Portu-
guese immigration that generated the legal concept of Portuguese-Brazilian, reveal-
ing the special status of the Portuguese in Brazil.
In a more theoretical and methodological perspective, José Jobson Arruda re-
flects on the horizons and expectations offered by immigration historiography, in the
wider field of macro-history, globalization and interdependence between past, pre-
sent and future.
One last word to express our gratitude to the University of the Azores, for the
welcoming and the excellent conditions provided for this event. We would also like to
thank the institutions that sponsored and supported this seminar: FCT – Foundation for
23
Foreword
24
IMIGRAÇÃO NO BRASIL: DISCURSOS EM DISPUTA E
PRÁTICAS SELETIVAS
Introdução
Bem sabemos que os deslocamentos humanos são tão antigos como a história da
humanidade, mas defendemos a idéia de que a imigração é fenômeno da modernida-
de, implicando, inevitavelmente, a transposição de fronteiras nacionais. Nesse senti-
do, consideramos que a história da imigração no Brasil teve início com a
transferência da Corte portuguesa, consolidou-se com o término do tráfico de escra-
vos, intensificou-se na década de 1870 e adquiriu o sentido de movimento massivo
ao aproximar-se a virada do século. Para essa expansão concorreu a necessidade da
mão-de-obra no campo, acoplada a discursos e propostas de modernização do país,
baseados na atração da mão-de-obra européia, considerada capaz de promover o
progresso e a civilização1.
1
Não consideramos, aqui, a chegada dos colonizadores portugueses nem os fluxos de escravos negros
deslocados para o Brasil.
2
Segundo o autor, existiriam estrangeiros “conhecidos” e “desconhecidos”, conforme os estranhamentos
colocados em presença. Ver DUROSELLE, 2000: 50.
25
Lená Medeiros de Menezes
3
SERRÃO, 1977: 30-31, 43.
4
SERRÃO, 1977: 43.
5
GIRARDET, 1987.
6
A partir de 1925, somente os portos de Belém, Recife, Salvador, Vitória, Rio de Janeiro, Santos, Para-
naguá, São Francisco e Rio Grande podiam receber imigrantes vindos do exterior.
26
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
“(...) os que, também procedentes diretamente do exterior, devem ter chegado aos por-
tos do Recife, Pará e outros, para onde costuma dirigir-se uma corrente de imigrantes
7
portugueses” .
7
BRASIL. Relatório do MACOP de 1888: 154. Observe-se que, em 1907, essa situação não mudara, visto,
com relação aos outros portos, não ter sido possível “obter os necessários dados, apesar de insistentes pedidos
da Directoria do Povoamento”. BRASIL. Relatório do MIVOP de 1907: 121, apresentado pelo ministro
Miguel Calmon du Pin e Almeida. Disponível na internet em: <www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>. Todos os docu-
mentos de época tiveram sua ortografia atualizada. Grifos nossos.
8
BRASIL. Relatório do MIVOP, 1900:60, apresentado pelo ministro Alfredo Eugenio de Almeida
Maia. Disponível na internet em: <BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
27
Lená Medeiros de Menezes
Gráfico n.º 1
Entrada de imigrantes no Brasil – portos do Rio de Janeiro e Santos (1878-1898)9
250000
200000
150000
E n t r a d a s ( t o t a is )
100000 R io d e J a n e ir o
S a n to s
50000
0
1883 1886 1889 1892 1895 1898
Três aspectos principais podem ser analisados a partir do gráfico acima. Em pri-
meiro lugar, a importância do porto do Rio de Janeiro como local de entrada e locus
privilegiado de distribuição de imigrantes no país, com a projeção do porto de San-
tos, para entradas com destino a São Paulo, a partir, principalmente, da virada dos
189010. Em segundo lugar, a visibilidade da chamada Grande Imigração no contexto
da imigração de massa, processo que conheceu movimentos de ascensão e retração
relativas, explicados tanto por motivações internas quanto externas. As retrações
ocorridas, entretanto, tenderam sempre a possibilitar novos períodos de ascensão,
com determinadas nacionalidades, caracterizando novos movimentos massivos na
virada dos 1900, caso de italianos e japoneses. É possível perceber, por exemplo, que
a partir da década de 1880 os quantitativos de entrada chegaram, em alguns anos, a
triplicar ou quadruplicar, com picos expressivos em 1888 (ano da abolição da escra-
vatura), 1891 (boom da imigração italiana)11, 1893 e 1895.
Nos totais registrados, os portugueses alcançavam sempre percentuais elevados,
representando nunca menos de 20 a 25% do número total de imigrantes que anual-
mente entravam no país. Quando se analisa a distribuição por nacionalidades pelos
diferentes estados da Federação, por outro lado, é possível, observar a preferência
demonstrada, no caso português, pela fixação nas cidades, com projeção extraordiná-
ria da capital, onde eles chegaram a atingir percentuais que ultrapassaram os 50%.
9
Gráfico montado com base nos números consolidados pelos relatórios do MACOP, 1878-1907 e do
MIVOP, 1908-1898. Disponível na internet em: <BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
10
Essa demonstração tem relação direta com os números relativos à expulsão.
11
Nesse ano, entraram pelo porto do Rio de Janeiro e Santos 132 296 italianos, contra apenas 32 549
portugueses e 22 166 espanhóis.
28
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
Gráfico n.º 2
Distribuição das nacionalidades que optaram pela capital brasileira
como destino (1895)12
Port.
Italianos
Esp.
Sirios
Aust.
Franc.
Suiços
Americ.
Ingleses
Russos
Outros
12
O ano de 1895 foi escolhido como exemplo devido aos registros minuciosos do relatório do MIVOP
de 1895, apresentado pelo ministro Antonio Olyntho dos Santos Pires, em Maio de 1896. Disponível na
internet em: <BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
13
Deve ser observado que, em nenhum momento, as autoridades brasileiras debruçaram-se sobre estes
problemas, imputando à própria imigração a responsabilidade pela escalada da contravenção e do crime.
29
Lená Medeiros de Menezes
porém, a distribuição dos imigrantes por local de destino, deparamo-nos com uma
preferência portuguesa pela capital na ordem de 56,60% (gráfico acima).
A perda, pelos portugueses, da posição majoritária nas entradas pelo porto do Rio
de Janeiro, porém, viria a ser revertida a partir da virada do século. Como explica-
ções para essa reversão, contam-se não só o descenso da imigração italiana quanto a
transferência da responsabilidade da imigração para os estados e a concentração, no
porto de Santos, das entradas de imigrantes destinados a São Paulo, conforme pode ser
visualizado no gráfico que se segue, relativo ao ano de 1908, momento no qual a entra-
da de portugueses alcançou o percentual de 48,14% do total (46 216 imigrantes).
Gráfico n.º 3
Distribuição das nacionalidades que entraram pelo porto do Rio de Janeiro (1908)14
Portug.
Alemães
Espan.
Italianos
Austriac.
Holanda
Franceses
Ingleses
Belgas
A presença cada vez maior de estrangeiros nas cidades portuárias – com destaque
para a capital e nas cidades que recebiam refluxos de imigrantes oriundos do campo –
ocorreu pari passu com a explosão das chamadas “doenças das grandes cidades” e,
posteriormente, com problemas vinculados ao aquecimento das reivindicações operá-
rias. Essa “explosão de problemas” tendeu a ser explicada como reflexo da ação de
imigrantes “desordeiros ou estragados”, chegados no contexto da imigração de massa.
Como desdobramento, polarizaram-se os discursos relativos aos benefícios ou male-
fícios trazidos pela imigração: polarização que pode ser sentida desde o final do
Império.
Em um pólo concentravam-se formações discursivas centradas na defesa e incen-
tivo à imigração – basicamente a imigração européia – entendida como caminho
14
Gráfico montado com base nos números fornecidos pelo Relatório do MIVOP de 1908, apresentado
pelo ministro Miguel Calmon du Pin e Almeida. Disponível na internet em:
<BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
30
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
Esses discursos traziam as marcas de um tempo que interditava nas mentes a uti-
lização do negro liberto como trabalhador livre, capaz de promover o progresso do
país, a partir de enquadramentos que opunham habilidades, características e morali-
dade entre as “raças”, segundo os parâmetros evolucionistas e racistas que então se
consagravam.
Mesmo após a Abolição, a defesa da imigração permanecia relacionada à neces-
sidade do progresso. Segundo o ministro Pedro de Toledo, em relatório encaminhado
ao Presidente da República, no ano de 1911, referente ao ano de 1910:
“a imigração e colonização são elementos principais e indispensáveis ao progresso das
nações novas, tendo merecido de minha parte excepcionais cuidados, como poderá V.
17
Ex. verificar pela leitura dos capítulos que neste relatório a tal assunto se referem” .
15
Para aprofundamento do tema ver MENEZES, 2007: 396-414.
16
BRASIL. Relatório do MACOP de 1887. Disponível na internet em: <BGDDP/www.brazil.crl.edu
/bsd/bsd>.
17
Relatório do MAIC de 1911: XXVI. Disponível na internet em: <BGDDP/www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
18 Sobre esta questão, ver MENEZES, 2008: 271-280.
31
Lená Medeiros de Menezes
portuárias. Nesse contexto, para o Chefe de Polícia da Corte, nos idos de 1870, já era
importante
“(...) rememorar não só que a quase totalidade dos crimes contra a pessoa são perpreta-
dos por indivíduos da ínfima classe da sociedade – escravos, estrangeiros, proletários e
desordeiros, vulgarmente conhecidos como capoeiras”.
19
BRASIL. Relatório do Chefe de Polícia da Corte, anexo ao Relatório do MJ de 1870: 20 e 23, apre-
sentado pelo ministro Francisco de Paula de Negreiros Sayão Lobato. Disponível na internet em:
<BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
20
Sobre crime e contravenção no Rio de Janeiro, no que diz respeito tanto aos delitos em si quanto às
teorias explicativas circulantes, ver MORAES, 1921.
21
Sobre prostituição estrangeira e lenocínio, ver MENEZES, 1992; RAGO, 1991; SOARES, 1992. Com
relação ao lenocínio, este só se tornou crime com o Código Penal de 1890, quando o chamado Tráfico de
Brancas já era uma realidade no país.
22
BRASIL. Relatório do MACOP de 1891: 27, apresentado pelo ministro Antão Gonçalves de Faria em
maio de 1892. Disponível na internet em: <BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
32
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
23
Sobre caixeiros, ver, dentre outros, MENEZES, 2000: 164-182.
24
MENEZES, 1996.
25
BRASIL. Relatório do CPCF, 1890/91: 3. Anexo ao RMJNI do mesmo ano, pelo ministro Antonio
Luiz Affonso de Carvalho. Disponível na internet em: <BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>. Obser-
ve-se que, segundo conceituação posteriormente adotada pela ONU, a expulsão destinguia-se da depor-
tação, sendo a primeira destinada aos estrangeiros e a segunda aos nacionais.
33
Lená Medeiros de Menezes
que instituía a deportação do estrangeiro que tivesse perpretado crime contra brasilei-
ros em país estrangeiro, para defender a necessidade de lei incisiva que autorizasse o
governo a deportar estrangeiros, pois, segundo ele,
“(...) a deportação por simples medida administrativa [seria] um ato contrário à consti-
tuição, que de um lado [definia] limitativamente as atribuições do Poder Executivo,
entre os quais não [estava] a de que se [tratava], e de outro [assegurava] a nacionais e
estrangeiros, no mesmo pé de igualdade, a inviobilidade dos direitos individuais”26.
26
Relatório do Chefe de Polícia da Capital Federal de 1893. Anexo ao Relatório do MJNI de 1893 e
1894: A-D-2, apresentado pelo ministro Alexandre Cassiano do Nascimento. Disponível na internet em:
<BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
27
BN/CLR, 1893, Decreto n.º 1566, art. 2.º.
28
BN/CLR, 1893, Decreto n.º 1566, art. 4.º.
34
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
Um primeiro projeto, datado de 1902, foi aprovado na Câmara, mas acabou enga-
vetado no Senado. Cinco anos depois, com reformulações, a proposta transformou-se
no decreto n.º 1 641, de 7 de Janeiro de 1907, que vigiria até o ano de 1921, quando
novo decreto o substituiu. Considerado por muitos juristas como verdadeiro “arrastão”
contra os estrangeiros considerados indesejáveis, a chamada “Lei Gordo” – em lem-
brança ao deputado que a apresentou – propiciou a expulsão de estrangeiros das mais
diferentes nacionalidades e pelas mais variadas motivações.
Explicitamente, o decreto priorizava a expulsão como instrumento de defesa da
ordem, transformando esta no referencial principal das práticas seletivas. Nesse
momento, o movimento grevista já tinha visibilidade na capital brasileira e as primei-
ras bombas já haviam feito sua estréia no cotidiano carioca, tendo sido ouvidas por
ocasião da Revolta da Vacina (1904). Pacificada a cidade, o Chefe de Polícia justifi-
caria a repressão desencadeada contra nacionais e estrangeiros pela necessidade de
“limpar” a cidade, livrando-a das “sobras do arranjo social”; as mesmas “sobras”
que, no caso dos estrangeiros, tornar-se-iam alvo da lei de 190729.
É necessário pontuar que o decreto n.º 1 641 não atingiu, apenas, os anarquistas,
como tornou-se corrente considerá-lo, não se mostrando verdadeira a tese de que
estes teriam sido expulsos sob outras qualificações, tendo em vista que, antes e
depois da lei, muitos libertários foram expulsos sem processo, ao total “arrepio da
lei”30. A então capital brasileira conhecia não só a escalada do crime e da contraven-
ção, quanto estava inserida nas rotas internacionais do “tráfico de brancas”, razão
pela qual a repressão a partir dela desencadeada fez-se multidirecionada.
A partir de 1907, o governo brasileiro podia proibir a entrada de todo estrangeiro
que pudesse ser incluído nos artigos definidores dos delitos passíveis de expulsão. A
saber: “o estrangeiro que, por qualquer motivo compromete[sse] a segurança nacio-
nal ou a tranquilidade pública”31; os estrangeiros contra os quais existisse “a conde-
nação ou processo por tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza
comum”; os imigrantes condenados por tribunais brasileiros “por crimes ou delitos
de natureza comum”; por fim, os que pudessem ser acusados da prática da vagabun-
dagem ou da mendicidade e do lenocínio devidamente comprovados32.
A partir da entrada em vigor da nova lei, todos os estrangeiros presos e incursos
em qualquer das disposições relativas à expulsão, eram submetidos a processos
administrativos (de responsabilidade, portanto, do poder executivo), conduzidos na
esfera policial, com base nos quais era, então, emitida uma portaria de expulsão,
29
Relatório do Chefe de Polícia do Distrito Federal de 1904. Anexo ao Relatório do MJNI, apresentado
pelo ministro J. J. Seabra. Disponível na internet em: <DGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
30
Conferir, por exemplo, as análises consagradas de MARAN, 1979.
31
BN/CLR de 1907, Decreto n.º 1 641, art. 1.º.
32
BN/CLR de 1907, Decreto n.º 1 641, art. 2.º.
35
Lená Medeiros de Menezes
cabendo direito ao habeas corpus, único momento em que o processo era encami-
nhado à Justiça. Esse, entretanto, pela necessidade de contratação de advogado,
impossível para alguns, não foi prática destacada.
Com a lei, o Brasil ajustou-se ao que dispunha o Direito Internacional, segundo o
qual o estrangeiro só podia ser expulso através de lei específica, sujeitando-se a proces-
so. Essa obrigatoriedade, porém, nem sempre foi observada, pois muitos estrangeiros
foram expulsos sem serem processados, conforme comprova documentação encontra-
da no Arquivo Histórico do Itamarati, composta por ofícios confidenciais, sem nume-
ração, que apenas enumeravam nomes de estrangeiros a serem expulsos, com
pedidos de fornecimento de passaportes ao Ministério do Exterior33.
Pondo o foco nos processos movidos contra portugueses por motivações ideológi-
cas e reforçando o que já foi mencionado anteriormente, observamos que os quantitati-
vos existentes demonstram a participação expressiva de portugueses no movimento
anarquista, com atuação destacada nos sindicatos, não se mostrando verdadeira a tese
de seu imobilismo frente a outras nacionalidades, com destaque para italianos e
espanhóis. Esta não era, efetivamente, a realidade conhecida pelo Rio de Janeiro34.
Ainda que tenha sido considerado inconstitucional durante todo o tempo de sua
vigência, o decreto foi responsável pela expulsão “legal” de centenas de estrangeiros.
A tese da inconstitucionalidade repousava no fato da Constituição de 1891, de inspi-
ração liberal, garantir, em seu art. 72.º, a igualdade de direitos para nacionais e
estrangeiros residentes. Dessa forma, a definição do tempo necessário para a defini-
ção do “estrangeiro residente” tornou-se crucial, permanecendo motivo de polêmicas
até 1926, quando uma mudança na Constituição atribuiu ao Executivo o direito da
expulsão.
Em 1907, o prazo de residência foi estabelecido em dois anos. Esse tempo, porém,
foi considerado, por muitos, muito curto para que alguns “indesejáveis” – principal-
mente os anarquistas – pudessem agir. A polêmica possibilitou o surgimento de inúme-
ras propostas para a extensão do prazo, consagradas no decreto n.º 4 247 de 1921,
que expandiu para cinco anos o tempo de permanência necessário para que o estran-
geiro pudesse usufruir das garantias dadas pela constituição.
Acompanhado por outro decreto, de combate específico ao anarquismo, o decreto
n.º 4 247 aprofundou os mecanismos de expulsão, principalmente as ações movidas
contra anarquistas e, posteriormente, contra comunistas-marxistas. As explosões por
dinamite, que caracterizaram a ação das alas mais radicais do anarquismo, já tinha,
então, grande visibilidade, principalmente na capital, sacudida por “onda” de atenta-
dos a padarias no ano de 1920.
33
Ver AHI/SP. Ofícios e Fichas Policiais, Lata 154, Maço 425.
34
No caso dos portugueses, a maior influência era a do anarquismo comunista, ligado a Kropotkin e
Réclus.
36
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
O decreto foi, ainda, responsável pela implantação de práticas seletivas mais apu-
radas de entrada no país, com um intercâmbio de informações permanente com os
outros países, principalmente com os países do cone sul: Argentina, Uruguai e Para-
guai, com cujas polícias tinham estreita colaboração.
Para além do impedimento à entrada de estrangeiro “mutilado, aleijado, cego,
louco, mendigo, portador de moléstia incurável ou moléstia contagiosa grave”;
daqueles que procurassem o país “para entregar-se à prostituição” ou dos que tives-
sem mais de 60 anos, sem possuir renda que lhes permitisse a subsistência, também
ficava impedida a entrada de estrangeiros “perigosos à ordem pública”.
No tocante à expulsão, o decreto estabelecia que podiam ser expulsos estrangei-
ros já expulsos de outro país ou considerados elementos perniciosos à ordem pública
em seus países de origem; autores de atos de violência dedicados a “impor qualquer
seita religiosa ou política” por meios criminosos; indivíduos que, por conta de sua
conduta, pudessem ser considerados nocivos à ordem pública ou à segurança nacio-
nal; os evadidos de outro país, condenados “por crime de homicídio, furto, roubo,
bancarrota, falsidade, contrabando, estelionato, moeda falsa ou lenocínio”; imigran-
tes já condenados no Brasil pelos mesmos crimes.
Consagravam-se, dessa forma, dispositivos orientados para a imposição de políti-
cas restritivas que punham fim efetivo às práticas liberais em termos de políticas
imigratórias. Essas medidas acompanhavam tendências que se consagravam por todo
mundo, nos anos de crise que caracterizaram o entre-guerras, a partir das novas polí-
ticas adotadas pelos Estados Unidos, a partir de 1921, aprofundadas com o United
States Imigration Act de 1924, que proibiu a imigração japonesa para o país.
No Brasil, para além dos decretos de 1921, outras medidas foram, então adotadas,
no sentido do controle e vigilância dos estrangeiros. Dentre elas, o decreto n.º 16 761,
de 31 de Dezembro de 1924, que tornou obrigatório o transporte de todos os passagei-
ros de 2.ª e 3.ª classes, desembarcados no Rio de Janeiro, para a Hospedaria de Imi-
grantes da Ilha das Flores.
Com base nos decretos de 1907 e 1921, centenas de estrangeiros foram impedi-
dos de se fixar no Brasil e centenas de processos de expulsão foram instaurados.
Vários deles contrariavam frontalmente o estabelecido na legislação, servindo de
exemplo ações movidas contra estrangeiros que estavam fixados no país desde a
infância, que eram casados com brasileiras ou que tinham filhos brasileiros, confor-
me comprovam não só os próprios processos quanto denúncias encaminhadas à
Câmara dos Deputados. A maioria deles eram residentes na cidade do Rio de Janeiro,
com grande projeção de portugueses, processados pelos mais diferentes delitos35.
35
AN/SPJ: Módulo 101, PaCOTILHAS IJJ7126 a IJJ7179.
37
Lená Medeiros de Menezes
Gráfico n.º 4
Distribuição dos processos de expulsão por nacionalidade – Brasil (1907-1930)
Port.
Esp.
Ital.
Russos
Franc.
Argent.
Outros
S/nacion.
Gráfico n.º 5
Distribuição dos portugueses processados
por tipificação de delito – Rio de Janeiro (1907-1930)
Roubo
Vadiagem
Lenocínio
Vigarice
Jogos
M.Falsa
Anarquis.
38
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
Com relação à “nova era” iniciada com o movimento que levara Getúlio Vargas
ao poder, o mesmo ministro afirmaria, em seu relatório, que a Constituição de 16 de
Julho de 1934 traçara “os rumos da política imigratória, subordinando-a aos interes-
ses da nossa formação racial, por meio de largo plano de seleção, distribuição, locali-
zação e assimilação do imigrante”37. Esse “largo plano de seleção” viria a se traduzir
na adoção do regime de cotas de entrada.
Sem menções a raças ou nacionalidades, a medida, ao estabelecer cômputos
baseados nos últimos 50 anos de imigração, contemplava as nacionalidades mais
expressivas no país, projetando, portanto, a entrada de indivíduos europeus e brancos
e, no caso do português, de estrangeiros “conhecidos”.
O texto constitucional de 1934, reproduzido, posteriormente, na Constituição de
10 de Novembro de 1937 estabelecia que:
“a entrada, distribuição e fixação de imigrantes no território nacional estará sujeita às
exigências e condições que a lei determinar, não podendo, porém, a corrente imigrató-
ria de cada país, exceder, anualmente, o limite de dois por cento sobre o total dos res-
38
pectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos” .
36
BRASIL, Relatório do MTIC de 1936: 31. Disponível na internet em: <BGDDP: www.brazil.crl.edu/
bsd/bsd>.
37
BRASIL, Relatório do MTIC de 1936: 30. Disponível na internet em: <BGDDP: www.brazil.crl.edu/
bsd/bsd>.
38
BN/CLR. Constituições de 1934, Art.º 121, e de 1937, Art.º 151.
39
Lená Medeiros de Menezes
Conclusões
39
Segundo o ministro, o problema da assimilação deveria prevalecer sobre qualquer outro. Cf. Relatório
do MTIC de 1936: 32. Disponível na internet em: <BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
40
BRASIL. Relatório do MTIC de 1936. Disponível na internet em: <BGDDP: www.brazil.crl.edu/bsd/bsd>.
41
FIORI, 2006.
42
SCHWARTZMAN, 1984.
40
Imigração no Brasil: discursos em disputa e práticas seletivas
Abreviaturas Utilizadas
Fontes e Bibliografia
Bbiliografia
43
WESTPHALEN, BALHANA, 1993.
41
Lená Medeiros de Menezes
MENEZES, Lená Medeiros de, 1996 – Os Indesejáveis. Crime, protesto e expulsão na Capi-
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MENEZES, Lená Medeiros de Menezes, 1992 – Os estrangeiros e o comércio do prazer nas
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SERRÃO, Joel, 1977 – A Emigração Portuguesa. Sondagem histórica (3.ª edição). Lisboa:
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SOARES, Luiz Carlos Soares, 1992 – Rameiras, ilhoas, polacas. A prostituição no Rio de
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leira e a imigração portuguesa”, in SILVA, Maria Beatriz Nizza da, et. al. (orgs.) –
Actas do Colóquio Internacional sobre Emigração e Imigração Portuguesa – sécu-
los XIX e XX. Lisboa: Fragmentos.
42
A I REPÚBLICA E A POLÍTICA DE EMIGRAÇÃO
Introdução
1
A emigração para o Havai, iniciada na Madeira em 1878, foi objecto de um tratado provisório em 1882
(Diário do Governo, 15 de Novembro), na sequência da visita do Rei Kalakua à Corte em Lisboa. Este
tratado esteve em vigor até 4 de Março de 1892 e envolvia também Portugal continental. Esta corrente
emigratória continua a ser mal conhecida, não está discriminada nas estatísticas nacionais, provavelmen-
te por estar integrada no destino dos EUA, aos quais a República do Havai foi anexada em 1898. Estudando
fontes regionais, Sacuntala de Miranda não contempla essa hipótese, considerando que a emigração micae-
lense termina no final do século XIX (MIRANDA, 1999). O surto continental de 1911-1912 parece ser
novidade e marca em qualquer caso um pico, sendo daí em diante este destino cada vez ainda menos
escolhido, até desaparecer nos anos 1920. Aliás, entre 1890-1914, metade dos chegados re-emigravam
para a Califórnia, devido à queda dos salários sob o efeito da vinda crescente de trabalhadores orientais.
Sobre tudo isto ver DIAS, 1981; SILVA, 1996.
2
O Século e O Mundo, dias 22, 23 e 24 de Fevereiro de 1911; revista Brasil-Portugal, 1 de Março de
1911.
43
Miriam Halpern Pereira
Logo a seguir ao advento da República, nos anos 1911, 1912 e 1913, a emigra-
ção, em que continuava a predominar o destino brasileiro, atingiu números assustado-
res, chegando a duplicar em dois anos, entre 1910 e 19123. Tão repentino crescimento
está relacionado em larga medida com a concomitante diminuição da emigração de
Itália para o Brasil, após a proibição da emigração subsidiada naquele país em 1902.
Este fenómeno de substituição de italianos por portugueses traduziu-se por um salto
brutal, mesmo relativamente aos montantes já elevados e em crescimento contínuo
durante os vinte anos anteriores. Só na década de 1960 se repetiria aumento compa-
rável na emigração legal, então até ultrapassado quando adicionado à emigração
clandestina, que nessa época adquiriu proporções muito elevadas, por vezes superior
à saída legal. No início do século XX, este crescimento brutal foi acompanhado do
aumento também da emigração familiar, que se viera avolumando desde a década de
1890, tornando a partida massiva de portugueses uma forte ameaça demográfica e
financeira. O risco de despovoamento ameaçava o futuro de algumas regiões.
Que fizeram os diferentes governos da I República face a esta situação de cala-
midade? O principal contributo da I República residiu no enquadramento jurídico e
administrativo da emigração. A orientação escolhida, como já vinha sucedendo,
visava conciliar a articulação entre o princípio genérico de liberdade de circulação de
pessoas, orientação dominante entre 1870 e a Primeira Guerra Mundial na Europa
ocidental, e a necessidade nacional de contenção e fiscalização da emigração, para
evitar a catástrofe demográfica e tentar canalizar a emigração para as colónias. No
projecto da Constituição de 1911, no artigo 54.º, sobre direitos de liberdade e segu-
rança do indivíduo e da propriedade, definia-se a liberdade de entrada e saída do país
em tempo de paz na alínea 16, invocando-se a necessidade de futura legislação espe-
cífica neste domínio4. Contudo, o debate conduziu a uma alteração significativa. Na
Constituição de 1911 considerou-se desnecessário evocar especificamente a liberda-
de de emigrar, consagrada constitucionalmente desde 1826 (exceptuados o curto
período de vigência da Constituição de 1838, de 1838-1842). Entendeu-se ser sufi-
ciente, caso fosse necessário, a sua ulterior explicitação eventual à luz do artigo 4.º
3
Ano de 1912: 88 929 emigração legal, 95 154 com emigração clandestina, segundo BAGANHA, 1991:
723-739.
4
Diário da Assembleia Constituinte, Projecto lei n.º 3, 6 de Julho, p. 13.
44
A I República e a política de emigração
45
Miriam Halpern Pereira
publicado logo de seguida a 19 de Junho, quando Domingos Leite Pereira já era pri-
meiro-ministro, vieram fornecer um instrumento orientador muito completo e por-
menorizado. Retomando e sintetizando as diversas disposições, tomadas nas décadas
precedentes em leis e portarias avulsas, introduzindo além disso algumas significati-
vas inovações institucionais, este diploma constitui a mais completa lei sobre a emi-
gração publicada em Portugal: é um autêntico código da emigração. Embora tenha
feito parte do surpreendente pacote jurídico de 340 leis, publicado a 10 de Maio de
1919, em 30 sucessivos suplementos do Diário do Governo, pacote jurídico apelida-
do na época de instrumento de propaganda política, esta lei traduz um evidente traba-
lho prévio de preparação e teve uma duração razoável.
O conceito de emigrante e a diferenciação social a ele associada, tão criticados
precedentemente, vai continuar a ser o eixo definidor essencial. No cerne da distin-
ção entre viajantes, isentos de passaportes independentemente da sua proveniência
nacional, como era usual na Europa antes da Primeira Guerra Mundial, e a categoria
de passageiros obrigados à posse de passaporte, encontra-se a definição de emigran-
te. Conceito circunscrito socialmente na legislação, recobre essencialmente o univer-
so de indivíduos de ambos os sexos, detentores de passagens marítimas de 3.ª classe,
mas não exclusivamente. Aqui cabia, é certo, a parcela maior do contingente emigra-
tório. Contudo, nas franjas situavam-se os emigrantes com mais posses, inserindo-se
na categoria de emigrante também determinados tipos de passageiros nacionais de 1.ª
e 2.ª classe ou classes intermediárias (designação dada à 3.ª classe melhorada), que é
interessante especificar. Aqui se situavam os nacionais cujo objectivo era a instalação
permanente noutro país. Constitui um interessante indício da frequente promoção
social que acompanhava o reagrupamento familiar, o facto de também se incluírem
no grupo de passageiros de 1.ª e 2.ª classe ou 3.ª melhorada as mulheres casadas
desacompanhadas dos maridos – que representavam 36% das mulheres migrantes em
1910-1919 –, exceptuando-se apenas os casos de divórcio e separação. Também
estavam incluídos os menores de 14 anos, desacompanhados dos pais ou de tutores –
que representaram 26% nesses anos – e ainda as mulheres viúvas8. Igualmente se
inseriam nesta categoria os homens sujeitos ao serviço militar, com idade inferior a
45 anos.
Havia duas categorias de emigrantes que permaneciam isentos de passaportes.
Em consonância com a continuidade da política colonial monárquica, os nacionais
que se destinassem aos portos de África, submetidos ao domínio colonial português,
continuavam isentos de passaporte, como vinha acontecendo desde 1907. Considera-
va-se esta deslocação equivalente à circulação de pessoas realizada em território
nacional.
8
PEREIRA, 2002: 117.
46
A I República e a política de emigração
9
Em particular: Regulamento aprovado pelo Convénio de 5 de Julho de 1894, art.º 25.º e acordo bilate-
ral de 19 de Janeiro de 1897, evocados no decreto n.º 5 886 de 19 de Junho de 1919, art.º 1.º, alíneas 5, 6
e 7 & 1.º. Em 1923, a falta de mão-de-obra veio a determinar a suspensão da concessão de salvo-
condutos a ceifeiros (Portaria n.º 3 570 de 23 de Maio de 1923).
10
Decreto regulamentar n.º 5 886 de 19 de Junho de 1919 nos anos já referidos.
11
Lei de 10 de Maio de 1919, art.º 4.º, alínea 1.
12
ALVES, 1988; ALVES, et al., 1992.
47
Miriam Halpern Pereira
48
A I República e a política de emigração
15
CAMPOS, 1943 [1925]; REBELO, 1931: 45; PEREIRA, 2002: 84-85; PEREIRA, 1994 [1976]: 212-215.
49
Miriam Halpern Pereira
Considerações finais
16
PEREIRA, 1983: 261-264. O afluxo de remessas foi tão importante do ponto de vista financeiro que o
Estado português instituiu a Agencia Financial do Rio de Janeiro para canalizar as transferências para
Portugal, cuja designação exacta passou a ser Agência Financial contra o Banco de Portugal como Caixa
Geral do Tesouro Português, de 1895 até à sua extinção em 1925. A Agência veio juntar-se ao já impor-
tante circuito bancário privado que se constituíra essencialmente nos anos 1873-1875 (ver PEREIRA,
1983: 257-260). Cálculo e análise das remessas, anuais e mensais, canalizadas pela Agência Financial
entre 1891 e 1924, com base na centena de livros de registos de saques individuais e diários da Agência,
existentes no Arquivo Histórico do Banco de Portugal, em PEREIRA, 2002: 57-78.
50
A I República e a política de emigração
17
BAGANHA, 1999. Excelente síntese sobre a política do Estado Novo nesta matéria. Mas a interpreta-
ção aqui apresentada é da minha responsabilidade, não coincidindo inteiramente com a apresentada pela
autora.
51
Miriam Halpern Pereira
Fontes e Bibliografia
Fontes
Bibliografia
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da Faculdade de Letras – História, II série, vol. V. Porto: Faculdade de Letras da
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“Imigração galega na cidade do Porto: segunda metade do século XIX”. Revista da
Faculdade de Letras – História, II série, vol. IX. Porto: Faculdade de Letras da Uni-
versidade do Porto.
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DIAS, Eduardo Mayonne, 1983 – A Presença Portuguesa no Havai. Lisboa [Separata do
Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, 1].
52
A I República e a política de emigração
53
A EMIGRAÇÃO NO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO (AÇORES).
BREVE ANÁLISE COM BASE NOS REGISTOS DE PASSAPORTES DO
TERCEIRO QUARTEL DO SÉCULO XIX E INÍCIOS DO SÉCULO XX
Introdução
1
MADEIRA, 1999.
55
Susana Serpa Silva
dos distritos de Ponta Delgada e Horta2, como o faremos notar agora, no tocante ao
distrito de Angra do Heroísmo.
Além disso, estamos cientes de que a análise destas fontes, ainda que muito
importante, corresponde apenas a uma parcela do fenómeno e não à sua totalidade,
porque a emigração ilegal ou clandestina era igual ou superior à que seguia pelas vias
oficiais, especialmente nas ilhas mais pequenas e periféricas em relação aos centros
do poder e decisão. Como refere Maria Isabel João, “muitos emigrantes açorianos
não se sujeitavam às formalidades e dificuldades da requisição de passaporte nos
governos civis, demasiado inacessíveis para muitos ilhéus”3. Inacessíveis, de facto,
do ponto de vista geográfico, mas também cultural e económico.
O pequeno e parcial contributo que nos propomos dar relativamente ao estudo da
emigração no distrito de Angra do Heroísmo –, formado pelas ilhas Terceira, Gracio-
sa e S. Jorge –, nos períodos balizados entre 1850 a 1874 e 1917 a 1920, partiu da
análise, por método de amostragem, de registos já digitalizados e disponibilizados
on-line que nos foram gentilmente dados a conhecer pelo Director da Biblioteca
Pública e Arquivo de Angra do Heroísmo4, Dr. Marcolino Candeias Lopes, a quem
dirigimos os nossos agradecimentos. Embora esses registos abranjam um período
que, grosso modo, vai de 1832 a 1920, enfermam contudo de muitas falhas e lacunas
para as quais, de momento, não encontramos explicação. É possível que os livros
existam, mas ainda não tenham sido tratados e disponibilizados em base de dados,
embora também alguns deles se possam ter perdido. A falta de informações para
alguns anos ou décadas, especialmente entre 1881 e 1916, mitigou e limitou a nossa
pesquisa que, então assumimos, se aproxima muito mais de uma estimativa do que
de uma abordagem total e conclusiva.
Por outro lado, não obstante os lapsos, atendendo ao volume imenso de dados
ainda assim apresentados, recorremos, como referimos, a uma amostra que corres-
ponde aos primeiros cinco anos das décadas de 1850, 1860 e 1870, bem como aos
anos de 1917 a 1920, de forma a podermos descortinar, em estudo comparativo, a
existência de eventuais diferenças entre os fluxos emigratórios saídos do distrito de
Angra no terceiro quartel do século XIX e nos inícios do século XX. O objectivo
desta comunicação é apenas o de dar a conhecer, entre outros dados, o número de
passaportes emitidos, o montante de requisitantes, os seus estados civis, médias de
idades, naturalidades e, sobretudo, os destinos escolhidos, de modo a contribuir –, de
forma aproximada e não em termos absolutos –, para o estudo do fenómeno emigra-
tório nas ilhas do distrito de Angra do Heroísmo.
2
SILVA, 2009: 381-400; SILVA, 2010.
3
JOÃO, 1991: 183.
4
Ver www.bparah.pt/Fontes%20Emigração/passaportes.htm.
56
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
5
RILEY, 2003: 147, 150.
6
MADEIRA, 2004: 296.
57
Susana Serpa Silva
Quadro n.º 1
Número de passaportes atribuídos no distrito de Angra do Heroísmo
(1850-1880 e 1917-1920)
Anos Passaportes
1850 152
1851 136
1852 70
1853 106
1854 319
1855 560
1856 406
1857 366
1858 370
1859 200
1860 352
1861 171
1862 381
1863 202
1864 193
1865 386
1866 335
1867 266
1868 321
1869 329
1870 338
1871 434
1872 508
1873 796
1874 656
1875 489
1876 246
1877 622
1878 366
1879 281
1880 622
Sub-total 10 979
1917 484
1918 9
1919 622
1920 1 436
Sub-total 2 551
Total 13 530
58
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
Como também se pode verificar no quadro n.º 1, a tendência geral é para o gra-
dual aumento do número de passaportes por cada ano (salvo algumas excepções),
destacando-se a década de 1870 e o ano de 1880 em que se registaram os valores
mais elevados. Não se pode descurar quanto às causas do crescimento dos fluxos
emigratórios, as explicações relacionadas com as graves crises de subsistências que
assolavam as ilhas, a ruína dos vinhedos que, a partir de 1853, afectou particularmen-
te este distrito, acrescida, na década de 1870, pelo declínio da economia da laranja
que, além da ilha de S. Miguel, atingiu também a ilha Terceira.
Com base em dados avançados por Artur Madeira em 2004, entre 1866 e 1880 a
média anual de saídas de emigrantes açorianos rondava os 2 000 indivíduos, quanti-
tativo este que ascendeu a cerca de 3 700 entre 1880 e 18907. Sendo assim, se nos
ativermos aos valores do quadro n.º 1 e mesmo sabendo que a um passaporte podia
corresponder mais do que uma pessoa, podemos considerar que a emigração saída do
distrito de Angra oscilaria, em média, entre os 15 e os 30% do total do êxodo oficial
insular. De resto, o mesmo historiador concluiu, para o último quinquénio oitocentis-
ta, que segundo as estatísticas das autoridades de Angra este distrito seria responsável
por “cerca de 30% da emigração oficial açoriana”8.
Já no século XX, ainda que em 1917 se verifiquem 484 requisições de passapor-
te, não surpreende a drástica retracção verificada em 1918 se nos ativermos ao
envolvimento de Portugal na Primeira Guerra Mundial, a partir de Março de 1916.
Os Açores – pela sua posição geo-estratégica – seriam igualmente afectados, sobre-
tudo a partir do Verão de 1917 e a conjuntura, no geral, não se afigurava favorável à
emigração. A partir do restabelecimento da paz, a emigração volta a subir avassala-
doramente nos anos de 1919 e 1920, ainda que, como veremos, tomando como hori-
zonte um rumo diferente.
Nas décadas de 1850, 1860 e 1870 o destino preferencial dos requisitantes de
passaporte no distrito de Angra, era, sem sombra de dúvida, o Brasil.
Quadro n.º 2
Destinos dos portadores de passaporte (1850-1874)
7
MADEIRA, 2004: 297.
8
MADEIRA, 2004: 297.
59
Susana Serpa Silva
Gráfico n.º 1
Destinos dos portadores de passaporte (1850-1874)
3500
3000
2500
2000
1850/54
1860/64
1500
1870/74
1000
500
0
Brasil EUA Inglaterra Outros
60
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
da elite social local que iriam, possivelmente, em viagem de recreio e instrução até à
Europa.
Estas explicações remetem-nos, então, para a questão da naturalidade dos porta-
dores de passaporte do distrito no período em estudo.
Quadro n.º 3
Naturalidade dos portadores de passaporte (1850-1874)
Outras Madeira e
Anos Terceira Graciosa São Jorge Continente Estrangeiro
ilhas Ultramar
1850-1854 863 32 36 52 73 4 31
1860-1864 1 508 69 39 81 21 4 23
1870-1874 3 149 104 128 157 39 2 21
Total 5 520 205 203 290 133 10 75
Nota: Sem indicação, 30 titulares de passaportes.
61
Susana Serpa Silva
Quadro n.º 4
Requisitantes ou portadores de passaporte, por género (1850-1874)
Gráfico n.º 2
Requisitantes ou portadores de passaporte, por género (1850-1874)
2500
2000
1500
Masculino
Feminino
1000
500
0
1850/54 1860/64 1870/74
62
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
Entre 1850 e 1854 contabilizamos, à parte, 113 esposas e 235 filhos, dos quais mui-
tos eram meninas ou adolescentes do sexo feminino. Além destes, seguiam outros
parentes, como por exemplo: 32 irmãos, 15 sobrinhos, 15 primos e 8 cunhados, para
além, é claro, de uma dúzia e meia de criados.
Se o volume de emigrantes, por género, é bastante diferenciado, no tocante aos
estados civis, a tendência é semelhante.
Quadro n.º 5
Titulares por estado civil consoante o género (1850-1874)
Masculino
Anos Solteiros Casados Viúvos Sem indicação Total
1850-1854 482 225 16 11 734
1860-1864 743 265 20 10 1 038
1870-1874 1 478 821 33 13 2 345
Total 2 703 1 311 69 34 4 117
Feminino
Anos Solteiras Casadas Viúvas Sem indicação Total
1850-1854 162 101 22 94 379
1860-1864 482 172 41 20 715
1870-1874 766 398 49 42 1 255
Total 1 410 671 112 156 2 349
9
Também nos finais do século XIX, a maioria dos emigrantes saídos por Angra do Heroísmo era solteira
(62%). Ver MADEIRA, 2004: 302.
63
Susana Serpa Silva
Gráfico n.º 3
Médias de idades dos titulares dos passaportes (1850-1874)
600
500
400
1850/54
300 1860/64
200
100
0
< 10 10 a 20 a 30 a 40 a 50 a > 60 S/
19 29 39 49 59 Ind.
10
CORDEIRO, SILVA, 2010: 337-338.
64
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
39. O mais novo emigrante que encontramos contava três meses de idade e o mais
velho somava 77 anos de vida.
Sendo certo que não encontramos quaisquer dados sobre o grau de instrução dos
requerentes de passaporte e que a indicação das profissões era muito rara, acentuan-
do-se um pouco mais na década de 1870 em diante – ainda que de forma pouco
representativa – podemos afirmar que, como no geral do arquipélago, a maioria dos
titulares de passaporte em Angra do Heroísmo era de condição social baixa. Chega-
mos mesmo a deparar com a indicação de que José do Couto de Barcelos e José
Mendes de Sousa eram, ambos, indigentes e conseguimos contabilizar pelo menos 6
expostos e 4 expostas.
No entanto, emigravam para o Brasil alguns padres (no ano 1860 verificamos os
sacerdotes Manuel Francisco de Aguiar Valadão e José da Avé Maria entre os titula-
res) e algumas senhoras distintas pelo uso da expressão Dona, como: D. Florinda
Paim de Meneses e sua filha D. Belmira Paim de Meneses, D. Francisca Augusta de
Sousa da Silva, D. Ana de Sampaio da Silva Carvalho, D. Maria do Nascimento
Alemão, D. Isabel Carlota de Almeida e Canto, entre outras. Aliás, a variedade de
sobrenomes e de apelidos era imensa, retratando famílias de origens humildes, mas
outras de tradição menos modesta.
Quadro n.º 6
Sobrenomes mais frequentes, por ordem alfabética
Aguiar Gaspar
Areia ou Areias Godinho Teixeira
A G N Nunes T
Ávila Gonçalves Toste
Azevedo Goulart
Barcelos
Bettencourt
Borba Oliveira
B H Homem O U
Borges Ormonde
Brasil
Brum
Pacheco
Paim
Coelho
Pamplona Valadão
Corvelo
C I P Parreira V Vaz
Cota
Pereira Vieira
Costa
Pinheiro
Pires
D Dias J Q X
65
Susana Serpa Silva
Quadro n.º 7
Outros sobrenomes que surgem mais de uma vez (por ordem alfabética)
Alemão
Almada Galego
Almeida Gamboa
Alvernaz Garcia
Alves Garrão Tavares
Neto
Amaral Gentil Terra
A G N Nogueira T
Amorim Gil Toledo
Noronha
Andrade Gomes Tristão
Arruda Gouveia
Ascensão Gravito
Avelar Gregório
Azera
Baptista
Barbosa
Barros
Belo
Berbereia Hermogens Ornelas
B H O U
Bertão Horta Ourique
Bezerra
Boaverges
Brito
Bruges
66
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
67
Susana Serpa Silva
Quadro n.º 8
Profissões indicadas nos registos de requerentes de
passaporte com destino ao Brasil (1870-1874)
68
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
(Continuação do Quadro nº 8)
Profissão N.º de vezes indicada
Professor de Instrução Primária 1
Proprietário 3
Sapateiro 3
Trabalhador 59
Vive de sua agência 1
Quadro n.º 9
Embarcações indicadas nos registos de passaportes (1857-1863)
11
RILEY, 2003: 148-149.
69
Susana Serpa Silva
Nos anos indicados partiam autênticas levas de emigrantes nestes navios que, por
mais de uma vez, no mesmo ano, tocavam o porto de Angra do Heroísmo para reco-
lha de passageiros. Não obstante, possivelmente algumas destas e, de certo, muitas
outras embarcações participavam do tráfico ilegal, recolhendo emigrantes durante a
noite e ultrapassando, com grave atropelo das condições de higiene e conforto, a sua
lotação máxima.
12
MENDONÇA, ÁVILA, 2002: 165.
70
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
Quadro n.º 10
Destino apontado em cada passaporte nos anos
de 1917 a 1920 (12 de Janeiro de 1917 a 9 de Julho de 1920)
13
Raúl Brandão cit. por JOÃO, 1991: 190.
14
MENDONÇA, ÁVILA, 2002: 168-169.
15
MIRANDA, 1999.
16
MADEIRA, 2004: 296.
17
MADEIRA, 2004: 301 e ss.
71
Susana Serpa Silva
Gráfico n.º 4
Destino apontado em cada passaporte nos anos
de 1917 a 1920 (12 de Janeiro de 1917 a 9 de Julho de 1920)
1600
1400
1200
1000
EUA
800 Brasil
Outros
600
400
200
0
1917 1918 1919 1920
O quadro n.º 10 e o gráfico n.º 4 demonstram como nos finais da segunda década
do século XX – mesmo antes da chamada era das restricções à emigração que teve
início em 192118 – avultava a emigração para a América do Norte, e neste caso, com
a primazia do estado da Califórnia. No conjunto destes anos a que tivemos acesso,
apenas 6,8% de emigrantes partiu com destino a território brasileiro, sendo ainda o
Rio de Janeiro a principal porta de entrada. Em 1917, por exemplo, dos 26 indivíduos
contabilizados, 19 seguiram para o Rio e em 1920, dos 59 emigrantes com destino ao
território sul americano, 54 dirigiram-se ao Rio de Janeiro, dois à Baía e três sim-
plesmente ao Brasil, quando em 1919 encontramos apenas três com a indicação de
Santos.
Conclusões
18
MENDONÇA, ÁVILA, 2002: 213 e ss.
72
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos
registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
vezes com mais de uma geração e entre os quais se denotam esposas ou filhos já
brasileiros, indiciando possíveis visitas temporárias às ilhas de origem ou proces-
sos de retorno que não resultaram;
exceptuando dois micaelenses, três picoenses, um florentino, cinco espanholas,
um continental e sete brasileiros, todos os demais titulares eram naturais da ilha
Terceira, notando-se, por vezes, a mesma localidade de proveniência. Embora
sem laços de parentesco, as amizades e a vizinhança poderiam influenciar a esco-
lha do destino;
por fim, ainda que muitos portadores de passaporte não tenham a indicação da
profissão, continuam a sobressair os trabalhadores manuais, mas também alguns
proprietários que podem ser um sinal de autênticos processos de “vai e vem”
entre o Brasil e as ilhas.
Quadro n.º 11
Emigrantes do distrito de Angra com destino ao Brasil (Janeiro de 1917 a Julho de 1920)
Est. Naturali-
Anos Indivíduos Idade Profissão Filiação Filhos
Civ. dade
Francisco José Pedro Toste e
42 Lavrador Terceira
Pedro Toste Faustina Cândida Emília, 9 anos
1917 C José de Sousa Francisco, 6
Emília Cân- Rio de anos
33 Doméstica Tomé e Mª Cân-
dida Toste Janeiro
dida Borges
Francisco de António Paim
Maria Teo-
1917 V 67 - Terceira Sousa Martins e da Câmara, 22
dora Paim
Teodora Francisca anos
António José
Manuel
Rebelo e Mª de
1917 Rebelo Men- S 34 - Terceira -
Sto. António
des
Mendes
António Augusto
Manuel Mendes e Fran-
1917 S 32 - Terceira -
Mendes cisca de Aguiar
Fagundes
Jesuína José Coelho
1917 Augusta S 32 - Terceira Alves e Mª Rosa -
Alves Augusta
73
(Continuação do quadro n.º 11)
Est. Naturali-
Anos Indivíduos Idade Profissão Filiação Filhos
Civ. dade
Manuel Manuel Machado Rosa, 13 anos;
Machado 36 Proprietário Bertão e Rosa Mª de Jesus, 8;
Bertão Cândida Albertina, 5;
João, 3 anos;
Dalila, 17 meses
1917 C Terceira
Etelvina da António Machado (os três primei-
Conceição 32 - dos Santos e Mª ros naturais do
Bertão Cândida Mendes Rio e os mais
novos do Rami-
nho)
António José Homem de
1917 Homem de S 37 - Terceira Meneses e Maria -
Meneses Júlia
Joaquim Borges
Garcia ou Joa-
Guilhermina
1917 S 26 - Terceira quim Borges de -
Garcia
Barcelos Romeiro
e Mª Cãndida
Teodoro Ferreira
José Ferreira
1917 S 42 - Terceira da Fonseca e Mª -
da Rocha
do Carmo
Clementina Rio de José André e
1917 S 36 - -
de Jesus Janeiro Rosa de Jesus
José Nunes Vieira
José Nunes Rio de
1917 S 7 - e Rosa Augusta -
Vieira Janeiro
Vieira
António António Gonçal-
Gonçalves 46 ves Fantasia e
Fantasia Catarina Vitorina José, 5 anos;
1917 C - Terceira
José Martins de Iria, 19 meses
Maria dos
38 Borba e Faustina
Santos
Cândida
António do Couto
Francisco do
1917 C 55 Proprietário S. Miguel Mota e Francisca -
Couto Mota
de Jesus
74
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registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
75
Susana Serpa Silva
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registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
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registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
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registos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
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Susana Serpa Silva
Fontes e Bibliografia
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Lima, MATOS, Izilda (org.) – Nas Duas Margens. Os Portugueses no Brasil. Porto:
CEPESE/Edições Afrontamento.
SILVA, Susana Serpa, 2010 – “A Emigração no Distrito da Horta (Açores) por meados do
século XIX”, in SOUSA, Fernando de; SARGES, Maria de Nazaré; MATOS, Maria
Izilda; JUNIOR, Antonio Otaviano Vieira; CANCELA, Cristina Donza (coords.) – Entre
Mares. O Brasil dos portugueses. Belém/PA: Ed.Paka-Tatu.
82
A EMIGRAÇÃO AÇORIANA PARA O BRASIL NOS DEBATES
PARLAMENTARES DE MEADOS DO SÉCULO XIX
Carlos Cordeiro
Introdução
Ao longo do século XIX, a emigração foi um dos temas mais debatidos na socie-
dade portuguesa. Políticos, jornalistas, autoridades locais, membros da hierarquia
eclesiástica e das elites sociais procuravam compreender o fenómeno, não só nas
suas causas socioeconómicas, mas também nas políticas e até nas das mentalidades.
Nesta comunicação interessa-nos verificar como, no discurso parlamentar, a proble-
mática era abordada em termos gerais e, em especial, a oriunda dos Açores e destinada
ao Brasil.
1
MIRANDA, 1997: 136.
83
Carlos Cordeiro
2
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 12 de Fevereiro de 1828, p. 507. Os diários das câmaras
dos deputados e dos pares foram consultados na página da Assembleia da República, disponível na
internet em <http://debates.parlamento.pt/?pid=mc>.
3
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 12 de Fevereiro de 1828, p. 508.
4
O Primeiro Inquérito Parlamentar sobre a Emigração Portuguesa faz um levantamento importante
sobre a problemática da emigração portuguesa em todos estes aspectos. Uma das preocupações funda-
mentais da comissão que elaborou o inquérito referia-se aos contratos de locação que, na sua perspecti-
va, conduziam à “escravidão de facto”: “Não há meio nem modo de restituir o homem a si mesmo, ao
uso dos seus direitos individuais, desde que ele se encontra encadeado entre as malhas flexíveis deste
contrato ambíguo, por um lado, e as sólidas e impenetráveis lâminas das leis do Império, pelo outro”.
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 18 de Fevereiro de 1873,p. 419.
5
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 24 de Abril de 1839, p. 213.
6
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 24 de Abril de 1839, p. 215.
7
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 27 de Maio de 1852, p. 34-35. Em 1836, o deputado
micaelense Manuel António Vasconcelos chamava a atenção para o facto de parte significativa das
produções dos Açores ser remetida para o Continente, onde viviam muitos dos proprietários dos terrenos
agrícolas dos Açores. Ver DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 24 de Abril de 1836, p. 213-214. Em
1861, o deputado Francisco Manuel Raposo Bicudo Correia apresenta, na Câmara dos Deputados, um
projecto de lei sobre a abolição dos vínculos. No preâmbulo, afirma: “E na verdade tão monstruosa é a
84
A emigração açoriana para o Brasil nos debates parlamentares de meados do século XIX
vinculação nas ilhas dos Açores que basta observar que no distrito de Ponta Delgada […] perto de duas
terças partes da sua terra se acham amortizadas. DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 8 de
Julho de 1861, p. 1861. Em 1862, a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo envia também à Câmara
dos Deputados uma representação a pedir a abolição dos vínculos na ilha Terceira. A representação foi
apresentada pelo deputado Menezes Toste. Ver DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 6 de
Junho de 1862, p. 1556. Uma abordagem ao debate sobre a extinção dos vínculos nos Açores pode ser
consultada em CORDEIRO, 1992: 47-52.
8
Ver entre outros, JOÃO, 1991: 48; CORDEIRO, 1992: 39-41.
9
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 21 de Março de 1861, p. 855. Esta intervenção foi
motivada por uma representação enviada pela Câmara Municipal das Lajes do Pico ao deputado.
10
DIAS, 1995: 127-157.
11
Sobre a introdução da indústria do tabaco em S. Miguel, ver DIAS, 1997: 281-312.
85
Carlos Cordeiro
pois, numa situação dramática. Mas, quem mais sofria eram os jornaleiros, na justa
medida em que o desemprego assumia proporções alarmantes. Assim, continuava
Hintze Ribeiro, não restava outro recurso aos estratos mais débeis da população do
que a emigração.
Contrariamente a algumas ideias que circulavam em meios políticos12 e jornalís-
ticos, na perspectiva de Hintze Ribeiro a emigração não se verificava por o povo ir à
procura de riqueza, mas em consequência da falta de trabalho na sua terra:
“A emigração dos Açores, que é mais uma consequência da falta de trabalho do que
propriamente da ambição de riqueza, tem assumido nestes últimos anos um tal incre-
mento que não pode nem deve passar despercebida ante os poderes públicos”13.
12
Ver, por exemplo, a intervenção do ministro dos Negócios Estrangeiros, de que se destaca: “O gover-
no […] luta contra uma grande dificuldade, que é a vontade própria dos colonos. A esperança que todos
têm, quando embarcam para o destino, de voltarem um dia com grandes meios de fortuna cega-os a
ponto de não verem a desgraça em que se vão lanças”. DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 22
de Março de 1854, p. 331.
13
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 3 de Março de 1880, p. 768-770.
14
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 17 de Março de 1884, p. 723.
86
A emigração açoriana para o Brasil nos debates parlamentares de meados do século XIX
Quadro n.º 1
Emigrantes do distrito de Ponta Delgada segundo o deputado
Sousa e Silva e o Anuário Estatístico de Portugal (1875-1882)
N.º de emigrantes
N.º de emigrantes
Anos Anuário Estatístico Outras fontes
(Sousa e Silva)15
de Portugal16
1875 908 908
1876 343 495
1877 837 837
1878 509 509
1879 1 229 905
1880 2 097 1 741
1881 3 238 2 449 2 05617
1882 3 798 3 798 3 96318
Quadro n.º 2
Emigrantes dos Açores segundo o Primeiro Inquérito
Parlamentar sobre Emigração Portuguesa (1866-1871)19
15
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 17 de Março de 1884, p. 723.
16
JOÃO, 1991: 186; MIRANDA, 1999: 33.
17
SEQUEIRA, 1994: 150. Segundo o Diário dos Açores, entre 1 de Janeiro e 9 de Agosto de 1881,
teriam emigrado do distrito de Ponta Delgada 2 148 pessoas: 475 para o Havai, 1 568 para o Brasil e 106
para os Estados Unidos. DIÁRIO dos Açores, 1881 (23 de Agosto de 1881).
18
SEQUEIRA, 1994: 150. Apontam-se dados colhidos em diversas fontes e bibliografia somente para se
destacar a imprecisão das estatísticas da emigração no século XIX, mesmo tendo somente em considera-
ção a emigração legal.
19
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 18 de Fevereiro de 1873, p. 423.
20
MIRANDA, 1999: 61.
87
Carlos Cordeiro
levaria a emigrar antes de atingirem a idade em que só lhes era permitido ausenta-
rem-se do país com o pagamento de fiança21.
Assim, seguiam-se-lhes os irmãos e os pais. Por fim, partiam já famílias inteiras
que procuravam no novo mundo “os meios de um viver frugal, no arroteamento dos
terrenos que aí se lhes proporcionavam e na exploração de outros misteres em har-
monia com as suas aptidões naturais e profissionais”22.
A situação, sobretudo no respeitante à emigração clandestina23, era complexa e
de difícil solução, considerando a complacência e mesmo a conivência de autorida-
des locais, que não controlavam nem fiscalizavam eficazmente o cumprimento das
disposições legais sobre a emigração. É o próprio ministro da Guerra, visconde de Sá
da Bandeira, a reconhecer esta situação: “Quanto à emigração, é uma questão que
tem merecido a atenção do governo. Ali [nos Açores] faz-se uma exportação de indi-
víduos para o Brasil da maneira a mais escandalosa, muito mais porque nela é coni-
vente uma parte das pequenas autoridades locais”24.
Outra reclamação habitual relacionava-se com a incompetência e o desleixo das
representações consulares nas localidades de destino, que nada faziam para refrear o
tráfico da “escravatura branca”. O que acontecia, porém, como lembrava em 1854 o
ministro dos Negócios Estrangeiros, é que o problema não tinha fácil solução. Os
cônsules num país estrangeiro não estavam investidos de qualquer autoridade para
fazer cumprir as leis do seu país e, quando muito, podiam alertar as autoridades para
as situações de ilegalidade25.
Um caso que consumiu horas de debate parlamentar, entre Fevereiro de 1854 e
Abril de 1855, foi o relativo ao patacho português “Arrogante”, que, pela legislação,
estaria autorizado a transportar cerca de 100 passageiros, mas que chegou a Pernam-
buco com 428 emigrantes da ilha de S. Miguel (100 com passaporte). Além da actua-
ção do capitão do navio, também a do cônsul português em Pernambuco é
violentamente censurada num abaixo-assinado com mais de mil assinaturas de portu-
gueses residentes no Recife. Há mesmo a declaração de um passageiro que afirma ter
ido a bordo do navio, à saída de Ponta Delgada, a fim de se despedir de familiares e
amigos, e que, ele e outros que estavam nas mesmas circunstâncias, não foram auto-
21
O visconde de Portocarrero destacava precisamente os efeitos nefastos da lei do recrutamento de 27 de
Julho de 1855 na promoção da emigração, ao exigir fiança para os mancebos que se ausentassem da
idade de 18 aos 20 anos, pois embarcavam antes de atingirem os 18 anos. A extensão da obrigatoriedade
de fiança aos jovens a partir dos 14 anos não solucionara o problema, pois haviam passado a partir antes
dessa idade ou a emigrar clandestinamente. DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 27 de Junho
de 1860, p. 357.
22
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 2 de Julho de 1891. Sobre o recrutamento militar e
emigração, veja-se, por exemplo, ALVES, 1993: 158-173; MONTEIRO, 2007: 99-114.
23
Sobre a emigração clandestina açoriana ver LEITE, 1989: 53-64; SILVA, 2004: 275-293.
24
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 6 de Junho de 1862, p. 1557.
25
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 22 de Março de 1854.
88
A emigração açoriana para o Brasil nos debates parlamentares de meados do século XIX
rizados a desembarcar e tiveram que seguir para Pernambuco26. O certo é que o côn-
sul não foi demitido, pois o governo considerou que não tinha provas suficientes de
ter assumido comportamento irregular27.
O problema assumia grande relevo, na medida em que, ao chegarem ao Brasil,
todas as esperanças numa vida melhor se esfumavam para a esmagadora maioria dos
emigrantes, em especial os que não pagavam as passagens à partida. Ao chegarem ao
Brasil, deixavam de ser, segundo o deputado Lousada, “senhores de disporem da sua
pessoa”, visto que só eram autorizados a desembarcar quando alguém pagasse as
passagens. Os contratos continham cláusulas de tipo leonino e eram, muitas vezes,
assinados em branco ou então já em viagem, quando o emigrante já não tinha qual-
quer possibilidade de escolha28.
Apesar das constantes críticas ao modo como se processava a emigração e às
suas consequências, quer individuais quer sociais, o certo é que o próprio governo
reconhecia a incapacidade para pôr cobro ao “tráfico da escravatura branca”, sobre-
tudo para o Brasil. Tratava-se, aliás, de uma expressão que o governo rejeitava, pois
ninguém era obrigado a emigrar29. O ministro da Fazenda, António José d’Ávila,
confirmava, em 1859, na Câmara dos Deputados, a grande dificuldade em pôr termo
ao “mal da emigração”. E adiantava: “os meios directos e muitas experiências que se
têm feito não têm dado resultado algum; os meios indirectos poderão produzir algu-
ma vantagem, mas também não há-de ser tamanha como se espera”30. Em 1840,
proclamava-se mesmo, na Câmara dos Deputados, que muitos cidadãos portugueses
26
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 16 de Fevereiro de 1854; DIÁRIO da Câmara dos
Deputados, sessão de 13, 15, 22, 27 e 28 de Março de 1854; DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão
de 16 de Junho de 1854; DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 5 de Julho de 1855; DIÁRIO da
Câmara dos Deputados, sessão de 11 e 19 de Abril de 1855.
27
O ministro do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, em resposta a uma intervenção na Câmara dos
Deputados em que o governo era criticado por não ter demitido o cônsul português em Pernambuco,
afirmou que muitas das queixas que se dirigiam ao comportamento do cônsul tinham um objectivo bem
determinado: substituí-lo para dar lugar a outra pessoa interessada. O ministro reafirmava que não tinha
provas concludentes de comportamento irregular do cônsul. DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão
de 11 de Abril de 1855, p. 70-71. Sobre a emigração clandestina açoriana, ver LEITE, 1989: 53-64;
SILVA, 2004: 275-293.
28
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 22 de Junho de 1852, p. 289. Segundo Jorge Alves,
“com os custos de viagem adiantados à partida, para assegurar a emigração dos trabalhadores pobres e
destinados ao trabalho braçal, os colonos vendiam os seus serviços futuros, comprometendo-se a traba-
lhar por um período determinado, que só acabaria quando os créditos do locatário estivessem solvidos,
numa conta sempre acrescida por este e só por ele controlada. Algumas situações particulares, como a
emigração em família, só pioravam a situação, pois implicavam a multiplicação dos gastos (sobretudo
quando se levavam velhos e crianças) sem a contrapartida de ganhos em igual proporção. A morte fre-
quente de um ou mais membros da família bastava para sobrecarregar os restantes, prendendo-os indefi-
nidamente ao mesmo locatário”. Ver ALVES, 1993: 148.
29
DIÁRIO da Câmara dos Pares, sessão de 26 de Abril de 1843, p. 353.
30
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 15 de Fevereiro de 1859, p. 99.
89
Carlos Cordeiro
31
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 14 de Janeiro de 1840, p. 20.
32
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 22 de Novembro de 1843, p. 1689.
33
DIÁRIO da Câmara dos Pares, sessão de 26 de Abril de 1843, p. 354. O visconde de Sá da Bandeira
afirma mesmo possuir jornais em que se anunciam prémios pela captura de emigrantes fugidos das
roças. Ver DIÁRIO da Câmara dos Pares, sessão de 25 de Janeiro de 1843, p. 113.
34
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 26 de Janeiro de 1858, p. 216.
90
A emigração açoriana para o Brasil nos debates parlamentares de meados do século XIX
35
Na perspectiva de Carlos Soares, “o desembarque em massa de açorianos no Rio de Janeiro teve início
quando o tráfico africano clandestino era ainda muito vigoroso”. E o autor adianta: “Aqui desembarca-
dos, os imigrantes lusos não deixavam de sofrer as iniquidades de uma sociedade formada pelo trabalho
escravo. De 1850 a 1872 o principal termo que designava um imigrante português pobre era engajado.
Ao embarcar num «negreiro», um jovem açoriano, geralmente com idade entre os 13 e os 17 anos (a
mesma idade, em média, de um africano importado), «assinava» um contrato com o capitão do navio
pelo qual, em troca da passagem, teria de trabalhar na nova terra com um senhor escolhido pelo capitão.”
Ver SOARES, 1997: 692.
36
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 16 de Fevereiro de 1854, p. 107.
37
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 11 de Janeiro de 1858, p. 80.
38
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 11 de Janeiro de 1858, p. 79.
91
Carlos Cordeiro
39
Ver, por exemplo, o debate sobre as diversas vertentes do problema no DIÁRIO da Câmara dos Depu-
tados, sessão de 16 de Fevereiro de 1854, p. 105-107.
40
Ver, por exemplo, a intervenção do deputado Lousada na sessão de 22 de Junho de 1852. Ver DIÁRIO
da Câmara dos Deputados, sessão de 22 de Junho de 1852, p. 288-289.
41
“Estes vasos já têm sido pedidos por muitas vezes e sem eles é impossível que as autoridades possam
fazer cumprir as leis e regulamentos que se opõem a este tráfico imoral; porque os navios saem dos
portos com os passageiros que obtêm passaporte, mas vão depois receber aos centos pelas praias, e de
outras embarcações que os esperam fora do ancoradouro”. Ver DIÁRIO da Câmara dos Deputados,
sessão de 25 de Junho de 1852, p. 324.
42
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 10 de Maio de 1862, p. 1258. Numa intervenção do
deputado Lousada, em 1852, fica bem expressa a actuação dos engajadores: ”Há muito que notar a
respeito dos que vão aliciados por agentes para esse fim empregados, que a troco de uma moeda que
recebem, vão por vilas e aldeias falando de fortunas imaginárias, para por esse meio fazer avultar o
número de passageiros de um navio de que são corretores, e que falando-lhes da nova Califórnia obri-
gam muitas vezes uma iludida mãe a vender o cordão do pescoço a fim de pagar a passagem do filho no
navio, ou esperar pelo S. Miguel para vender o milho e com ele pagar essa passagem”. Ver DIÁRIO da
Câmara dos Deputados, sessão de 20 de Junho de 1852.
43
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 8 de Março de 1880, p. 770.
44
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 3 de Julho de 1891, p. 28-35.
92
A emigração açoriana para o Brasil nos debates parlamentares de meados do século XIX
Conclusão
Fontes e Bibliografia
Bibliografia
45
O ministro do Reino, Fontes Pereira de Melo, não deixa dúvidas a este propósito, numa intervenção na
Câmara dos Deputados: “Todos sabem que o governo […], em épocas anteriores, tem procurado formar
colónias em Moçâmedes, Moçambique e Tete. Deu instrumentos de lavoura, deu passaportes gratuitos,
comprometendo-se à volta desses mesmos colonos, logo que eles o solicitasse, que autorizou de pronto o
transporte de suas famílias, digo eu, que esta tentativa foi infrutuosa, assim infrutuosas as outras que o
governo tem feito”. DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 30 de Junho de 1860, 580.
46
Fontes Pereira de Melo, enquanto ministro do Reino, enviou a todas as paróquias, para serem divulga-
das nas missas, listas dos mortos no Rio de Janeiro, sobretudo de febre-amarela. Para o caso dos Açores,
o governo pagou aos jornais a publicação dessas listas. DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão de 30
de Junho de 1860, p. 580.
93
Carlos Cordeiro
94
DIALOGANDO COM AS MEMÓRIAS EMIGRANTES:
UM DESTINO CHAMADO BRASIL
Introdução
1
ROCHA, 2001: 75.
2
MEDEIROS, MADEIRA, 2004: 51.
95
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
O que era esperado pelo governo era exatamente o contrário do que se teve em
Portugal. Os Açores, que tinham maior contingente de áreas rurais e consequente-
mente maior número de mão-de-obra na agricultura, buscaram a emigração enquanto
saída porque não era apenas essa a questão do emprego. No arquipélago as coisas
aconteciam de forma mais lenta. Esse plano de fomento trouxe a eles a possibilidade
de migrar ou emigrar e, com amigos e familiares morando em outros países, restava a
decisão de partir ou sobreviver com parcos recursos.
Além do que, com uma sociedade patriarcal, os açorianos tinham na figura do pai
e do homem os indicativos de ocupação/função que definiam o status socio-
econômico e cultural familiar e dependiam de suas conquistas financeiras para a
sobrevivência.
“(...) Como nos ensina a Sociologia, era a posição do chefe de família (homem) que
determinava a posição da família na estratificação social. Não admira, pois, que “os
recursos da família e a sua posição, (ou melhor, a posição do marido-pai) na escala
ocupacional eram por isso assumidos em primeiro lugar como indicadores de pertença
cultural”4.
3
ROCHA-TRINDADE, CAMPOS, 2003: 57.
4
ROCHA-TRINDADE, CAMPOS, 2003: 51.
96
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
5
Henrique de Arruda Soares – Nasceu em 22 de Abril de 1949 em São Miguel, Açores, Portugal. Emi-
grou para o Brasil em 4 de Abril de 1956, com seis anos de idade. Veio para São Paulo com carta de
chamada do irmão para todos os membros da família que ainda estavam nos Açores. Vieram no Navio
Corrientes seu pai, mãe e irmãos: Helena, José, João e Miguel. Entrevista concedida em 7 de Julho de
2008, na Casa dos Açores de São Paulo. Menção às diferenças entre o trabalho exercido nos Açores por
homens e mulheres da família.
6
ROCHA-TRINDADE, CAMPOS, 2003: 100.
7
MENEZES, 2000: 166.
97
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
Os enfrentamentos para esse ato resultaram na construção de uma nova vida, seja
para aqueles que ficaram, seja para os que regressaram.
Para os que ficaram as mudanças também são inquestionáveis, pois revelam uma
sociedade que também teve que se adaptar a uma estrutura em constante transforma-
ção, além das mudanças políticas e administrativas pelas quais o país passava no
período histórico mencionado.
“Apesar da emigração ser a principal variável determinante na evolução demográfica
dos Açores, responsável pelos ritmos de acréscimo e decréscimo da sua população, das
inversões de tendência populacional verificada em algumas épocas, como ainda nas
alterações de ordem estrutural, tanto a nível do equilíbrio entre os sexos ou entre as
diferentes idades, o facto é que a sua presença se faz sentir de um modo muito mais
abrangente em toda a sociedade. Nas características e nas relações sociais, económicas e
culturais da população açoriana a emigração esteve e está bem presente e não pode ser
negligenciada quando se pretende conhecer a sociedade do conjunto do arquipélago ou
de uma das suas partes – ilha, concelho ou freguesia – em qualquer época histórica”8.
8
MEDEIROS, MADEIRA, 2003: 6.
9
ROCHA, 2001.
98
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
Mauritânia (apenas f, segundo estimativa referente a 1978); Santa Fé, China e Gâmbia
(dois em cada pais); Islândia e Malásia (3, também em cada país). Na Argentina estão
radicados 60 000 portugueses, precisamente o dobro dos que vivem na Espanha e em
Luxemburgo. A Venezuela acusava, em 1980, a presença de 140 000; o Uruguai 1 400
10
e a Bolívia, 70” .
O Brasil era o refúgio daqueles que já tinham de certa forma uma inserção via
família, amigos, trabalho ou outra forma qualquer de aproximação da idéia de emi-
grar, as decisões foram sendo tomadas na medida em que os acontecimentos no país
geraram algum desconforto maior, assim se deu o fenômeno emigratório para diver-
sas partes do mundo.
“Eu vim com meu pai, minha mãe e mais meus irmãos: Helena, José, João e Miguel.
Eu vim no passaporte da minha mãe. Foi em quatro de abril de 1956. Eu não sei qual
era o navio, acho que era o Corrientes ou Salta. Levou certo tempo, uns trinta dias,
ficou muito tempo em Lisboa, depois paramos um pouquinho no Rio de Janeiro e
depois chegamos a Santos. Levaram mais ou menos uns trinta, trinta e cinco dias, por-
que paramos um pouco em Lisboa, porque era um navio misto, passageiros e carga.
Então, levou certo tempo até o navio partir de Lisboa/Portugal para Santos/São Paulo –
Brasil, para mim foi algo diferente, porque ainda na vida de infância, na Ilha, não tinha
noção de outro mundo. Ao entrar no navio, daquele porte, foi para mim fantástico e
divertido. Eu não tinha expectativas, até porque, me sentia protegido no meio de todos
os meus irmãos mais velhos. Claro, eu era o caçula… e no meio de meus pais e irmãos,
tinha plena segurança. Com eles, estava protegido. Não vivi nenhum momento de
insegurança na viagem ou na minha infância”11.
10
Portal da Comunidade Luso-Brasileira. Maior população portuguesa ausente do país vive no Brasil.
Disponível na internet em: <http://www.cclb.org.br/boletins/boletins02.htm> (Pesquisa realizada em
21/8/2009).
11
Henrique de Arruda Soares – Nasceu em 22 de Abril de 1949 em São Miguel, Açores, Portugal. Emi-
grou para o Brasil em 4 de Abril de 1956, com seis anos de idade. Entrevista concedida em 7 de Julho de
2008, na Casa dos Açores de São Paulo.
99
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
cartas, chorando e chorando e chorando, inconsolados, então meu pai resolveu vir pra
cá e trazer nós. Grande homem, corajoso, ele era contonero, funcionário público, a
gente recebia abono família que era 50 escudos naquela época, meu pai não precisava
vir pra cá, uma bela casa, a gente tinha vacas, terras, pastos, mas o meu irmão veio pra
cá, meu pai resolveu trazer a gente todos. Veio 5 e 6 com meu irmão que tava aqui já.
Foi cinco e os menores. Foi uma luta, pegar o navio, o Carvalho Araújo em Ponta Del-
gada até Lisboa, Lisboa ficamos 15 dias gastando dinheiro, e a gente precisava tirar os
documentos pra continuar a nossa caminhada até o Brasil aí viemos para o Brasil. Difí-
cil...”12.
O senhor José de Arruda teve outra percepção da viagem, diferente dos irmãos
mais novos, sentia o sofrimento do pai em partir da Ilha em busca de nova vida para
sua família. Ao mesmo tempo em que sentia certo alívio em conquistar uma vida
melhor, tinha o sentimento angustiante de não dar certo, ter que voltar, além de sair
da sua terra, contrariando seus interesses anteriormente definidos.
Desses sentimentos pode-se dizer que quando chegava a hora de partir, todos os
membros da família sofriam. Uns mais, outros menos, ou ainda nem sabiam o que
estava por vir, sabiam sim que iriam embora, mas para onde? Fazer o quê? Estas
eram as questões que permeavam na cabeça das crianças, filhos açorianos que sai-
riam da ilha para outro continente sem saber exatamente o que significava a viagem.
Quantos dias de viagem... Primeiro chegou ao porto e viu aquele navio enorme de
onde sairiam para a nova casa, o novo bairro, os novos amigos, a nova escola. O
irmão mais velho já os aguardava em outro país, era chegada a hora da partida.
Muitos ficavam aguardando serem chamados para mudarem de país. O processo
de emigração acentuava-se no período de 1950, por conta das guerrilhas na África.
Portugal chamava os homens para serem soldados nas colônias e, com isso, muitos
fugiam dos Açores e do Continente para não participaram das possíveis batalhas.
A viagem para o Brasil durava cerca de trinta dias, nesse tempo, as visões, sensa-
ções e sentimentos de cada membro da família possuía conotações totalmente dife-
rentes. Os dois irmãos, Henrique e José, de 7 e 14 anos, têm lembranças distintas dos
fatos que ocorreram durante a viagem e guardam uma “imagem” da representação e
dos acontecimentos que antecederam e os que ocorreram durante a trajetória da famí-
lia na vinda para São Paulo.
A noção de outro mundo, diferente dos Açores, uma ilha no meio do oceano,
água por todos os lados, era algo impensado por Henrique em sua infância. Pensar
12
José de Arruda Soares – Nasceu em 14 de Setembro de 1939 em São Miguel, Açores, Portugal. Emi-
grou para o Brasil em 4 de Abril de 1956, com 15 anos de idade. Veio para São Paulo com carta de
chamada do irmão para todos os membros da família que ainda estavam nos Açores. Vieram no Navio
Corrientes, seu pai, mãe e irmãos: Helena, Henrique João e Miguel. Entrevista concedida em 7 de Julho
de 2008, na Casa dos Açores de São Paulo.
100
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
que essa viagem também seria palco para o processo de imigração açoriana, para a
busca futura das identidades e de elos com o passado, onde ainda se veria em sua
História e as Memórias, de busca pelo incerto, mas necessário, não estava ainda em
suas aspirações.
Durante o século XX o processo emigratório foi marcado pelo caráter familiar,
no qual todos ou alguns dos membros das famílias se deslocavam em busca de
melhores condições de vida e vendiam tudo que tinham para um recomeço. Muitos
ficaram devendo passagens de navio ou emprestavam dinheiro de amigos e familiares
para o deslocamento, não tendo muito sucesso em pensar no retorno que seria dificil-
mente concretizado frente às condições de saída dos Açores e chegada ao Brasil.
Era necessário ter uma “carta de chamada”13 para dar início aos preparativos da
viagem, além de todo processo de mudança, como fariam com a casa, móveis, rou-
pas, animais, pertences entre muitos outros detalhes que precisavam ser pensados
frente à mudança de país.
Além da carta, os emigrantes precisavam ter uma orientação para o trabalho, uma
sequência na qual viriam ao Brasil, teriam emprego, casa, forma de se manter e
serem subsidiados. Isso era feito por outro membro da família ou amigo, para que, se
necessário fosse, esse mesmo indivíduo o devolveria frente às adversidades. “Parale-
lamente à “carta de chamada”, o chamante obrigava-se a lavrar, em um tabelião, a
chamada “Escritura Pública de Manutenção” que dava complemento ao documento”14.
“Sob o ponto de vista institucional, em 1911, interveio uma lei brasileira que em certo
sentido legalizava o uso da Carta de Chamada. Por exemplo, introduzia a obrigação da
chamada para os maiores de 60 anos e os não aptos para o trabalho: Parágrafo único. Os
maiores de 60 anos e os inaptos para o trabalho só serão admitidos quando acompanhados
de suas famílias, ou quando vierem para a companhia destas, contanto que haja da
mesma família pelo menos um individuo válido, para outro invalido ou para um até
dois maiores 60 anos. O único modo para demonstrar que o migrante vinha para estar
com a família e esta estava disposta e apta para sua manutenção era se munir de uma
Carta de Chamada. (...)”15.
13
Nas cartas de chamada, um imigrante já instalado assumia as despesas e responsabilidades pela vinda
de conhecidos e parentes. “Para dar início às diligências para emigrar era necessário ter, em primeiro
lugar, um parente no Brasil. Aí é que entravam em cena os emigrantes que tinham vindo para o Brasil
entre 1910 e 1930, pois era rara, já naquela época, uma família em Portugal que não tivesse um membro
no Brasil. O Consulado era a primeira repartição no estrangeiro a ser procurada para iniciar todo o trâmi-
te necessário ao embarque do emigrante lá na origem, em Portugal. A “carta de chamada”, o primeiro
documento a providenciar. Nela, o chamante, neste caso o parente até o terceiro grau, se responsabiliza-
va não só pela vinda como também pela manutenção, emprego e, em caso do emigrante assim desejar,
até o pagamento da passagem de volta à origem”. Ver ALBINO, 1994: 71.
14
ALBINO, 1994: 71.
15
CROCI, 2008: 13-39.
101
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
A imagem que guardou da vinda para o Brasil foi, em princípio, das ilhas que
avistou no caminho, as águas do mar e as “maravilhosas” lembranças do sentimento
que lhe veio na lembrança. Em nenhum momento falou das dificuldades da viagem,
da comida do navio, dos problemas enfrentados durante a travessia e do que vinha
16
O Decreto n.º 9 081, de 3 de Novembro de 1911, insere novos dimensionamentos ao regulamento do
Serviço do Povoamento. Ver HORN IOTTI, 2001: 522-572. A lei é subdividida em 26 capítulos num
total de 277 artigos; o capítulo XXIII que compreende os artigos de n.º 231 a n.º 238, trata da Hospeda-
ria da Ilha das Flores, do porto do Rio de Janeiro, detalhando as normas de entrada, a permanência e a
saída dos imigrantes da Hospedaria, a única que era financiada e reconhecida pelo Governo Federal.
17
“O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição e
considerando que se faz necessária cessada a guerra mundial, imprimir á política imigratória do Brasil
uma orientação racional e definitiva, que atenda à dupla finalidade de proteger os interesses do trabalha-
dor nacional e de desenvolver a imigração que fôr fator de progresso para o país”. Decreto Lei n.º 7 967
de 18 de Setembro de 1945.
18
Manoel Henrique Farias Ramos – Nasceu em 8 de Maio de 1939 na Ilha Terceira, Açores, Portugal,
chegou ao Brasil em 1957, sozinho. Entrevista concedida à Profa. Dra. Maria Apparecida Pascal, no dia
23 de Outubro de 2006 e cedida para esta pesquisa.
102
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
pela frente. Tinha uma “imagem” do que encontraria no Brasil, em suas leituras
almejava conhecer o país que tinha possibilidades e oportunidades para sua vida.
Como não era muito comum a vinda sem nenhuma indicação, parentesco ou
amigos para encontrar, o Sr. Manoel conta um pouco dessa sua escolha que fez:
“(...) na verdade parentes meus tinha nos Estados Unidos. A escolha que eu fiz para
cá... Não tinha nenhum parente aqui, nem tinha amigos, viu! Na verdade queria muito
vir aqui para o Brasil e tinha lido o livro do Stefan Zweig, Brasil, país do futuro. Eu
fiquei maravilhado aqui, então, eu desci no Rio de Janeiro, era para eu ficar no Rio de
Janeiro porque lá sim tinha um amigo do meu pai, que tinha servido o exército junto
com o meu pai, que era da Confeitaria Colombo, era um dos sócios da Confeitaria
Colombo. Eu fui lá, desci fui lá procurá-lo, fui recebido muito bem, aquela coisa toda e
ele disse: olha, quando você tiver sua documentação arrumada você vem aqui trabalhar
porque tem lugar para você aqui. Exatamente, o meu problema era trabalhar sem
documentação, porque eu tinha vindo como turista, tinha estado como turista e não
tinha documentos. Então, eu tinha um endereço de uma senhora de 80 e poucos anos,
que o marido dela tinha sido amigo do meu avô. Olha só... a esta altura já estou com
67... Aí, eu vim aqui na Rua Vilela, aqui no Tatuapé. Eu cheguei à noite, fiquei tão
desesperado, eu peguei o ônibus Cometa, vim para cá de Cometa, cheguei aqui umas
05h30min da manhã. Às seis horas da tarde aquela garoa de São Paulo, aquele friozi-
nho, era Setembro...”19.
Para a maioria ou quase todos os açorianos que vinham, o trabalho deveria ser algo
concreto, com carta e oficializado em cartório. No entanto, o Sr. Manoel teve sua histó-
ria um pouco diferente dos demais, na tentativa de almejar um emprego e mudar sua
situação, tinha que conseguir casa, emprego e documentação para se manter no Brasil.
As relações de amizade e de companheirismo aconteciam freqüentemente entre
os açorianos, por uma questão de identificação com a causa da imigração e também
pelo fato de serem das ilhas. Essas relações estabeleciam apoio ao trabalho, ajuda
para conseguir emprego e também uma forma de unir os açorianos no bairro, pois,
nessa nova terra, algumas ações de ajuda garantiam também certa “união” de seus
pares. O Sr. Manoel aborda a questão do trabalho que conquistou em sua chegada por
companheirismo de outros açorianos que já viviam nas adjacências da Vila Carrão.
Além do trabalho como artesão no Cotonifício Guilherme Giorgi, a profissão de
açougueiro era comum entre os açorianos. Muitos ficaram conhecidos como açou-
gueiros e montadores de frigoríficos.
19
Manoel Henrique Farias Ramos – Entrevista concedida à Profa. Dra. Maria Apparecida Pascal, no dia
23 de Outubro de 2006 e cedida para esta pesquisa.
103
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
“(...) E sozinho, mas aí... Realmente essa senhora me recebeu muito bem, ela era viúva
já, foi muito bem e 15 dias depois eu fui trabalhar numa escola onde o sindicalista tra-
balhava no escritório central Guilherme Giorgi, lá no Brás. Eu fui trabalhar na cidade e
aí quando eu cheguei, eles estavam 30 e poucos dias trabalhando. Um senhor do açou-
gue lá desceu, soube que eu estava aqui, da Ilha Terceira, José Cardoso Duarte e me
convidou e aí eu fiquei nesse ramo por um bom tempo, uns bons anos. Aí fiquei nesse
ramo, montei uma rede de açougues, o frigorífico, fiquei fazendo junto com Manoel
Medeiros aqui. E agora ele tem fazenda, mas são coisas grandes deixa para ele. E então
foi isso daí (...)”20.
20
Manoel Henrique Farias Ramos – Entrevista concedida à Profa. Dra. Maria Apparecida Pascal, no dia
23 de Outubro de 2006 e cedida para esta pesquisa.
21
“Paschoal Boronheid e Fernand Delcroix, dois empresários belgas, não poderiam imaginar, ao funda-
rem a Paschoal Boronheid e Cia., em 10 de Agosto de 1906, do qual se originou a S/A Lanifícios Miner-
va, que nas mãos de Guilherme Giorgi a empresa fosse alcançar a importância que teve no cenário
industrial do país e ajudar no crescimento e desenvolvimento da Vila Carrão. Em 1911, cria nos fundos
de sua casa uma pequena tecelagem, com oito teares. Em 1920, funda na Rua Cesário Alvim, no Brás, o
Cotonifício Guilherme Giorgi, agora com 21 teares. Nos primeiros anos da década de 1930, adquire uma
área de 570 mil metros quadrados na região do Carrão, e nela começa a ser construído o importante
complexo industrial, que chegou a compreender um conglomerado de empresas. O Grupo não só empre-
gou um enorme contingente no setor têxtil, e chegou a ter 2 800 funcionários, como ajudou na urbaniza-
ção da região, construindo casas para seus trabalhadores. Na década de 1980, o loteamento das moradias
operárias deu origem ao Jardim Têxtil”. Disponível na internet em: <http://www.revistainonline.com.br/
exibe_historia_bairro.asp?texto=36&bairro=8> (Pesquisa efetuada em 15 de Maio de 2009).
104
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
encruzilhada das malhas de solidariedades múltiplas dentro das quais estamos engaja-
dos. Nada escapa à trama sincrônica da existência social atual, e é da combinação des-
ses diversos elementos que pode emergir esta forma que chamamos de lembrança,
22
porque a traduzimos em uma linguagem” .
A maioria dos morados da Vila Carrão veio da Ilha de São Miguel e Terceira e,
praticamente todos os entrevistados fugiram da “guerra”, seja para salvar seus filhos,
seja para impedir a obrigatoriedade de servir. Também buscavam junto a amigos e
parentes trabalho, casa e melhores oportunidades. O “Fazer a América”26 também
fazia parte de seus sonhos.
Das lembranças da viagem ao Brasil, Dona Ida faz uma curiosa descrição sobre
os fatos dos quais se lembra, especialmente sobre o navio:
22
HALBWACHS, 1999: 13.
23
HALBWACHS, 1999: 51.
24
HALBWACHS, 1999: 53.
25
ALBINO, 1994: 70-71.
26
“Fazer a América” era o sonho de muitos emigrantes que buscavam no Brasil e em outros países da
América melhores condições de vida. Ver FAUSTO, 1999.
105
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
“Nós éramos seis irmãos, quatro mulheres e dois homens, meu pai e a minha mãe...
Naquela hora da guerra, tinha guerra na Angola e meu irmão tinha 18 para 19 anos e
para fugir da guerra... Tinha que imigrar. Ficamos 17 dias na Ilha da Madeira, esperan-
do o Giovana C. para gente vir para o Brasil. Era um vapor italiano. Foi à última via-
gem que ele fez com passageiro. Ele estava tão velho... Nós levamos da ilha da
Madeira a São Paulo (a Santos), 17 dias. Muito lento. Então, ele foi para carga depois, era
o que viraria um navio. Vindo por um navio velho... Meu pai não deixava a gente sair
dali, sabe aquela coisa... Era o medo. No navio, o atendimento, pelo que eu lembro era,
não era ruim, mas pra gente as comidas eram muito diferentes. É... Quando a gente aqui
ia comprar mortadela pra comer, meu pai ficava bravo, porque no navio tinha de graça e
ninguém queria. E é uma coisa que marca! Mortadela, eles davam no navio pra gente
comer de lanche e ninguém queria comer a mortadela, nunca vi aquilo... Aí o meu pai
ficava bravo quando a gente queria comprar, porque a gente já tinha acostumado”27.
27
Ilda Maria Salvador dos Reis. Nascida em 22 de Junho de 1939, em São Miguel, Açores, Portugal.
Entrevista cedida pela Profa. Dra. Maria Apparecida Pascal. Chegou ao Brasil em 1952. Foi entrevistada
na Casa dos Açores de São Paulo em 2 de Outubro de 2006.
106
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
Eu achei assim muito quente! Aquele bafo muito quente! Fiquei assim, com uma sen-
sação muito estranha, que não tem explicação. Chegamos em julho, ficamos o mês de
junho na Ilha da Madeira, julho chegamos aqui, mas para mim, tudo era festa, eu tinha
14 anos, mas para mim tudo era festa! O meu pai era bom, minha mãe era boa, então o
28
que queria mais?!” .
Ao mesmo tempo em que ansiava por uma nova vida, uma nova cidade e o que
encontraria no Brasil, Maria viu no navio os problemas que afligiam sua mãe. Não
era apenas a questão de ficar doente como seu irmão mais novo, mas as ansiedades
que via em sua mãe referiam-se ao que encontraria na nova cidade.
O olhar dos que chegam vêem o que lhe agrada ou desagrada, sempre em pers-
pectiva daquilo que já conhecia. O clima, a construção do espaço, as pessoas, são
geralmente as questões mais elucidativas das memórias. Alguns se referem ao cheiro,
aos sabores, às sensações da chegada, outros apenas rememoram fatos que lhes
foram mais latentes.
A geração posterior à que veio dos Açores tem uma narrativa objetiva dos fatos
quando configuram a vinda dos seus antepassados. Ao falar sobre a vinda dos fami-
liares para o Brasil, possuem certa distância dos fatos, sem inserir muita emoção,
pois para eles transforma-se em uma história de deslocamento, ou seja, partiu de lá e
chegou aqui conforme especificado em anos, dias, meses; enquanto fatos cotidianos.
“Na minha família, do lado do meu pai, quem veio primeiro em 52, foi meu avô. Veio
junto com ele os meus tios João, Gilberto, Nicolau e minha Tia Maria. Eles vieram em
quatro filhos prá cá. O restante ficou nos Açores. Aí em 53, veio minha avó com os
outros que ficaram lá. Então, meu pai, veio com a minha avó nessa segunda leva. Mas,
quem veio primeiro foi meu avô. Do lado da minha mãe, quem veio primeiro foi o
irmão mais velho dela. Veio casado de lá, meu Tio Diniz com minha Tia Maria dos
Anjos. Eles eram casados, depois que eles estavam aqui já com casa, com tudo mais,
eles fizeram uma Carta de Chamada prá minha mãe e pro meu Tio Jacinto virem. Só
veio meu Tio Jacinto e a minha mãe. Os meus avós nunca saíram dos Açores. Eles
ficaram e morreram nos Açores. Outros irmãos foram prá outros países: Estados Uni-
dos, Canadá. Então, da parte do meu pai, toda família veio. Da minha mãe, só uma par-
te dela é que veio, só. Só vieram três irmãos”29.
28
Maria Joana Rezende Rodrigues. Nascida em 14 de Junho de 1939, em São Miguel, Açores, Portugal.
Chegou ao Brasil em 28 de Julho de 1953. Foi entrevistada pela Profa. Dra. Maria Apparecida Pascal em
2 de Outubro de 2006 na Casa dos Açores de São Paulo e cedida para esta tese.
29
Entrevista realizada com a Sra. Maria Leonilda dos Reis Jacob, filha de açorianos emigrados na déca-
da de 50. Data: 27 de Junho de 2009 na Casa dos Açores de São Paulo.
107
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
Muitas eram as possibilidades que o Brasil oferecia aos açorianos, além de traba-
lho, união aos demais membros da família e reconstrução de uma vida melhor,
haviam propagandas elaboradas pelas companhias de navios que fomentavam a via-
gem por meio das imagens do Brasil.
Figura n.º 1
Propaganda de navios argentinos que passavam pelo Brasil30
30
List of Shipping Companies and List Of the ships. The ships “Basically, the website shows images of the
front covers of the timetables/sailing lists.” Argentine State Line – (Flota Mercante del Estado) Argentina.
South America – Rio de Janeiro, Santos Montevideo, Buenos Aires. 1955. Disponível na internet em:
<http://www.timetableimages.com/maritime/images/list.htm> (Pesquisa efetuada em 22/8/2009).
108
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
Figura n.º 2
Propaganda de navios para o Brasil (1951)31
31
List of Shipping Companies and List Of the ships. The ships “Basically, the website shows images of
the front covers of the timetables/sailing lists.” SGTM-Société Générale de Transports Maritimes-
France-Sailings July-December 1953. Bretagne and Provence. Ports of Call: Marseilles, Genoa, Mar-
seilles, Barcelona, Dakar, Rio de Janeiro, Santos, Montevideo, Buenos Aires. Called also at Bahia on return
voyages. Disponível na internet em: <http://www.timetableimages.com/maritime/images/list.htm> (Pesqui-
sa efetuada em 21/12/2008).
32
EVANGELHO, 1998. Disponível na internet em: <http://www.comunidadesacorianas.org/> (Pesquisa
realizada em 22/8/2009).
109
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
Figura n.º 3
Companhia Lloyd Brasileiro34
As companhias que vinham ou pelo menos passavam pelo Brasil, desde a brasi-
leira Lloyd, Companhia Colonial Portuguesa (Mousinho, Vera Cruz e Santa Maria), os
navios da Mala Real Inglesa (Alcântara, Amazon e outros), da Companhia Argentina
33
EVANGELHO, 1998.
34
O Lloyd Brasileiro foi uma companhia fundada em 1890. Inicialmente de passageiros, passando para
cargas costeiras e serviços do rio Amazonas. Suas rotas foram expandidas para cobrir o Mediterrâneo,
Norte da Europa, do Sul, América Central e Estados Unidos. No entanto, muitos de seus navios foram
abatidos no início de 1990 e a empresa deixou de funcionar pouco tempo depois. Veja uma das Imagens do
Lloyd Brasileiro. List of Shipping Companies and List Of the ships. “Basically, the website shows images of
the front covers of the timetables/sailing lists”. Disponível na internet em:
<http://www.timetableimages.com/maritime/images/list.htm>. Pesquisa realizada em 22/8/2009.
110
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
DODERO (Salta e Corrientes), até as companhias Itália também com dois navios e a
francesa CGTM com mais dois navios.
As viagens eram longas e cansativas, além do fato de que muitos ficavam doen-
tes durante o trajeto. As crianças geralmente se divertiam porque tudo era diferente
para elas, no entanto, muitas não aguentavam a viagem e acabavam doentes ou até
morriam. Das experiências de viagens dos entrevistados nota-se uma grande diferen-
ça de percepção conforme a idade e o que se esperava da viagem, além das angústias
e aspirações sobre o que estava por vir em nova terra.
Quando comentam como foi a viagem ao Brasil, suas memórias são fragmenta-
das segundo suas respectivas faixas etárias na época, suas percepções sobre o que
seria a viagem na época e principalmente os motivos que fizeram a família emigrar.
Os processos pelos quais passou essa e muitas outras famílias açorianas será o arca-
bouço de questões que permearão as motivações, sendo seu cotidiano e histórias os
responsáveis pela aglutinação do que acontecia nas ilhas e no continente.
“Essas dificuldades explicam, sem eufemismos, a grande vaga emigratória da segunda
metade do século XIX, quando a descida dos fretes da navegação e a exploração de
novos territórios apelaram por mão-de-obra. Então, a população dos Açores, ainda que
em termos populacionais mais não representasse do que 5,7% no total da população
portuguesa (dados relativos ao ano de 1878), sempre figurou com uma participação
superior aos 10% nos contingentes emigratórios portugueses, entre os anos sessenta e
oitenta, ainda que com picos nos anos de 1873 (participaram com 18%), de 1874 (com
17,7%) e de 1877 (com 19,8%). Nos inícios do século XX, entre 1902 e 1916, a emi-
gração mecaelense sempre foi superior à média nacional”35.
Ao longo dos séculos, as ilhas açorianas vêm sendo terras de partida e de chega-
da, num processo contínuo de idas e vindas, desde a emigração para o Brasil, em
diversas ondas, Estados Unidos, Canadá e Bermudas, entre outros muitos destinos,
parece haver uma propensão latente de emigrar36.
Desde o século XVI o fenômeno emigratório faz parte da memória coletiva deste
povo. Seja na colonização do Brasil, seja em outros processos de crise e instabilida-
de, a saída das ilhas parece incorporada não só na história dos Açores, mas também
nas memórias dos que ali vivem e viveram um dia.
Cabe lembrar que não houve um único padrão de deslocamento dos grupos fami-
liares, muitos imigrantes eram chefes de família, vieram bem antes de seus familiares
que ficaram aguardando em Portugal; outros vieram ainda quando crianças ou
jovens, sem a família nuclear; em outros casos, a família nuclear veio junta, mas em
35
EVANGELHO, 1998: 15-16.
36
MEDEIROS, MADEIRA, 2004: 15.
111
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
No Brasil houve para aqueles que permaneceram uma identificação que acabou
transformando o sonho de retorno. Muitos querem retornar para rever a terra natal,
mas quando questionados sobre voltar para viver, relutam em aceitar a idéia.
“Não sei se eu voltaria, eu acho uma vida meia,…até se me ocupar, tiver uma ocupa-
ção, eu acho a gente quando vai passear é uma coisa, pra morar é outra coisa. Até se eu
me ocupasse em alguma coisa. Se eu fosse fazer um trabalho, se eu tivesse trabalhando
e tal eu acho é claro poxa, acha que eu não vou me acostumar na minha Terra, como é
que vai fazer?...Mas de todos esses países que eu vi eu não me acostumaria fora de São
Paulo não!”40.
Com o passar do tempo, a estabilidade e a vida em seu rumo fica difícil uma ten-
tativa de retorno. A terra natal fica “esquecida” ou “adormecida” por conta de outras
questões. A fixação definitiva é uma regra praticamente geral, pois se observa ao
longo dos processos que a emigração familiar tendia a dificultar o retorno, com os
filhos nascidos e sendo educados em outro país, gerava um agravante na decisão de
retornar. Para os que têm sucesso, a tendência a buscar um retorno diminuía ainda
mais. No quadro abaixo elaborado sobre o regresso, têm-se nas razões:
37
DEMARTINI, 2003: 3.
38
BATTISTA, 1993: 40-41.
39
BATTISTA, 1993: 41.
40
Entrevista do Senhor Manoel de Medeiros. Concedida em 3/6/2008 em sua Indústria.
112
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
Quadro n.º 1
Principais razões do regresso41
Razões %
Já tinha atingido os objectivos 38,9
Não conseguiu integrar-se 11,6
Por já estar reformado 0,0
Porque estava desempregado 2,1
Por questões familiares 14,7
Por questões de educação dos filhos 5,3
Porque tinha cá bens 2,1
Por motivos de saúde 11,6
Outras razões 13,7
Total 100,00
“Os açorianos da emigração são hoje, pelo seu número e pela sua diversidade, um vas-
to prolongamento da unidade e da diversidade dos Açores. São continuadores, descen-
dentes, representantes de um conjunto de tradições, de uma língua e de uma cultura –
de que não têm que se envergonhar. Enquanto conhecem a sua língua materna, enquan-
to lembrarem as suas terras e as suas festividades, enquanto conservarem, ainda que só
reminiscências da história do seu povo, estão a constituir uma comunidade autêntica,
assente nos laços de sangue e de cultura”42.
Considerações finais
As formas com as quais cada indivíduo busca suas raízes e como articulam gru-
pos remete-se a uma questão, trabalhada sob a perspectiva da necessidade de se cons-
truir um “ser açoriano”, uma identidade específica, assim: “esparramados pelas
brumas do mar que pontilharam muitas terras, notadamente ao longo dos séculos
XVIII a XX, ilhéus açorianos realizaram a diáspora e passaram a constituir uma
comunidade internacional. Desafiados sim, muitos emigraram, tangidos pela alma
partida, em busca de trabalho, de meios concretos de sobrevivência, para além mar, a
sangrar horizontes, na expectativa de encontros e de reencontros. Foi a saída. Por
onde ancoraram, suas marcas, sua herança cultural buscou espaço, apesar de reveses.
Essa história e suas particularidades, captada não só no aparente tem sido buscada
41
MEDEIROS, MADEIRA, 2004: 77.
42
PIRES, 1978: 17.
113
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
Fontes e bibliografia
Bibliografia
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Quixote.
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chamada dos italianos no Brasil”. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 14, n.º 2.
DEMARTINI, Zeila Brito Fabri, 2003 – “Imigração, Família e Educação”, in V Congresso
Luso-brasileiro de História da Educação. Évora.
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FLORES, Maria Bernadete Ramos, 2000 – Povoadores da fronteira: os casais açorianos
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HALBWACHS, Maurice, 1999 – A memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
nais.
HORN IOTTI, Luiza (org.), 2001 – Imigração e colonização, legislação 1747 a 1915. Caxias
do Sul: Educs.
LOBO, M. E. L., 2001 – Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec.
43
Este artigo foi um trabalho publicado em Comunidades Açorianas, que traz alguns autores portugue-
ses e açorianos discutindo as temáticas insulares e portuguesas em geral. Disponível na internet em:
<http://www.comunidadesacorianas.org/artigo.php?id_artigo=59&idioma=PT> (Pesquisa realizada em
20/9/2009).
114
Dialogando com as memórias emigrantes: um destino chamado Brasil
Documentos electrónicos
AMARAL, Rita – “Festa à Brasileira: sentidos do festejar no país que “não é sério”. Disponível
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CASA DOS AÇORES DE SÃO PAULO. XXXI Festa do Divino Espírito Santo. Disponível na
internet em: <http://casadosacores.com> (Acesso em: 13/1/2007).
EVANGELHO, Judite Toste, 1998 – “Os Açorianos e a Produção Leiteira no Rio de Janeiro
(1860-1937)”. Disponível na internet em: <http://www.comunidadesacorianas.org/>
(Acesso em 22/8/2009).
MARITIME TIME TABLE IMAGES. List Of Shipping Companies. Disponível na internet em:
<http://www.timetableimages.com/maritime/images/list.htm> (Acesso em 21/12/2008).
MARITIME TIME TABLE IMAGES. List Of Shipping Companies. Disponível na internet em:
<http://www.timetableimages.com/maritime/images/list.htm> (Acesso em 22/8/2009).
NOTÍCIAS DE ITAQUERA. Açorianos preservam tradições na região. Disponível na internet
em: <http://www.noticiasdeitaquera.com.br> (Acesso em 13/1/2007).
PORTAL DA COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Con-
selho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo. Disponível na internet
em: <http://www.cclb.org.br/boletins/boletins02.htm> (Acesso em 21/8/2009).
REVISTA IN. Era uma vez um bairro com muitas chácaras. Disponível na internet em:
<http://www.revistainonline.com.br/exibe_historia_bairro.asp?texto=36&bairro=8>
(Acesso em 15/5/2009).
ROCHA, Gilberta Nunes Pavão, 2001 – “A Emigração nos Açores nos séculos XIX e XX. A
necessidade, a solução, a valorização”, in Portos, Escalas e Ilhéus no Relacionamento
entre o Comemorativo do Regresso de Vasco da Gama a Portugal, 2.º volume. Açores:
Comissão Nacional para Comemorações dos Descobrimentos Portugueses/Universidade
dos Açores. Disponível na internet em: <http://www.comunidadesacorianas.org> (Pes-
quisa efetuada em 24/8/2009).
WEBLOG ALENTEJANDO. Manual do Cantoneiro. Disponível na internet em:
<http://alentejanando.weblog.com.pt/arquivo/064798.html> (Acesso em 23/8/2009).
115
Elis Regina Angelo / Dolores Martin Corner
Depoentes
Henrique de Arruda Soares – Entrevista concedida em 7 de Julho de 2008, na Casa dos Aço-
res de São Paulo.
Ilda Maria Salvador dos Reis – Entrevista cedida pela Profa. Dra. Maria Apparecida Pascal,
entrevistada na Casa dos Açores de São Paulo em 2 de Outubro de 2006.
José de Arruda Soares – Entrevista concedida em 7 de Julho de 2008, na Casa dos Açores de
São Paulo.
Manoel Henrique Farias Ramos – Entrevista concedida à Profa. Dra. Maria Apparecida Pas-
cal, no dia 23 de Outubro de 2006 e cedida para esta pesquisa.
Maria Leonilda dos Reis Jacob – filha de açorianos emigrados na década de 1950. Data: 27 de
Junho de 2009 na Casa dos Açores de São Paulo.
116
OS PASSAPORTES – DO ENQUADRAMENTO LEGAL
À PRÁTICA (1855-1926)
Isilda Monteiro
Introdução
1
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 25 de Fevereiro de 1921, p. 4.
117
Isilda Monteiro
2
GREEN, 1999.
3
GREEN, 1999.
4
ALVES, 1994, 123.
118
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
passaportes, quer ao nível do poder político quer da opinião pública com acesso à
imprensa. Com leituras necessariamente diferentes, procuraremos, assim, compreen-
der o que o passaporte representava para o Estado que o exigia e para a população
que, legalmente, não podia passar as fronteiras sem ele, para, dessa forma, averiguar
do impacto, ou não, que a sua exigência em Portugal teve sobre a emigração. Cen-
trando-nos na realidade portuguesa não deixaremos de estabelecer, a esse nível, uma
análise comparativa, necessariamente breve, com a de outros países europeus onde o
fenómeno migratório também se fez sentir no mesmo período.
Utilizaremos como fontes primordiais a legislação produzida pelo poder político, o
discurso parlamentar e a imprensa. Dessa forma, poderemos alargar o nosso campo de
visão do fenómeno migratório, perspectivando-o através de diversos e diferentes ângulos.
119
Isilda Monteiro
120
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
todos, mas apenas para os que supunha serem detentores de uma melhor situação
social e financeira.
O passaporte permanece, assim, como um instrumento essencial da política
migratória portuguesa ao longo da segunda metade do século XIX e das primeiras
décadas do século XX, embora as condições para a sua emissão possam justificar-se
mais ao espírito da época do que à luz de qualquer orientação restritiva15. Contudo, o
debate que frequentemente se produz, aos vários níveis, sobre a sua utilidade no con-
trole efectivo da emigração, permite-nos verificar que era sobretudo a sua função
restritiva que era valorizada e salientada pelos contemporâneos. Silva Ferrão, na sua
obra intitulada Theoria do Código Penal, publicada na década de cinquenta de Oito-
centos, a propósito das penas estipuladas no art.º 225 do Código Penal de 1852 para
os empregados públicos acusados por fraude na emissão de passaportes, tece duras
críticas ao carácter obrigatório do referido documento, sem fazer qualquer distinção
entre os que se destinavam à circulação interna ou além-fronteiras, referindo-o como
uma restrição à livre movimentação dos cidadãos:
“Se o homem não se tormou escravo do território em que nasceu; se as suas pernas se não
movem senão por impulso da sua vontade; e se a protecção legal à sua mais completa liber-
dade no exercício da sua actividade licita é o fim principal do estado social e da sujeição às
leis civis; todas as restricções positivas que prendam ou demorem o homem preso a solo
determinado são contra a natureza, e como taes oppostas à missão do legislador.
Diz-se que as determinações, que parecem oppressivas da actividade de uns, são pro-
tectoras da liberdade de todos, e mantenedoras de um justo equilíbrio, e que, se os
regulamentos de policia têem exigido, em quasi todos os povos, que na transferência,
aliás permittida, dentro ou para fora dos limites de certa localidade, se guardem certas
formalidades, não é senão para que a sociedade tenha conhecimento do movimento
geral da população confiada aos seus cuidados preventivos e repressivos.
Mas ainda que este seja o fim principal e o fundamento com que se costuma justificar o
uso dos passaportes, guias e itinerários, não deixam de ser sempre um vexame para os
povos, porque entorpecem, annullam muitas vezes os movimentos lícitos, indispensá-
veis e urgentes de cada um, em prejuízo da utilidade geral”16.
15
LEITE, 1987: 466.
16
FERRÃO, 1856: 5, 209-210.
121
Isilda Monteiro
17
FERRÃO, 1856: 5, 277.
18
FERRÃO, 1856: 5, 209-210
19
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 14 de Março de 1896, p. 595.
20
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 14 de Março de 1896, p. 604.
122
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
burocrático exigente, não agia como um factor limitador da emigração, mas antes
como um incentivo às fraudes e um empurrão certo na direcção da, essa sim, indese-
jável emigração ilegal. Por várias razões. Como refere o deputado Alberto Pimentel,
em 24 de Julho de 1890, os emolumentos exigidos nos governos civis para se obter
um passaporte justificava algum facilitismo que funcionava, na prática, como um
incentivo à emigração. No seu entender, se os passaportes fossem gratuitos haveria
menos solicitude por parte dos funcionários em os passar21.
Na verdade, como já foi estudado por Costa Leite, o negócio da emigração, em
Portugal, movimentou muitas pessoas que integradas em agências de navegação e de
emigração ou agindo por conta própria, souberam ganhar dinheiro, na segunda meta-
de de Oitocentos e nas primeiras décadas de Novecentos, aproveitando os claros e
escuros de uma legislação complexa. Agindo a coberto da lei ou fora dela, os engaja-
dores eram tidos como os maus de uma fita a que muitos assistiam impotentes para
lhe fazer frente, tornando-se o alvo fácil dos que tinham uma visão redutora da emi-
gração. Mas os engajadores eram apenas mais uns dos que ganhavam com os emi-
grantes e a emigração. Outros havia, entre os quais, como vimos, os funcionários dos
governos civis responsáveis pelo processo de emissão de passaportes.
Ao centralizar, em exclusivo, no governo civil sediado na capital de cada distrito
a emissão de passaportes e ao fazer reverter para os seus funcionários a totalidade ou
parte dos emolumentos pagos pelos potenciais emigrantes, o poder político conferiu-
lhes uma capacidade que nem sempre terá funcionado no sentido pretendido pelo
legislador. Assim, se no Parlamento, em 1857, um deputado dá o seu testemunho
pessoal relativamente à actuação do governador civil do Porto que chamava cada um
dos requerentes de passaporte com destino ao Brasil para “lhes mostrar os perigos a
que se expunham na emigração que tentavam fazer”22, há um outro, José Estêvão,
que, em 1858, defende a gratuidade dos passaportes alegando que com isso, “todas as
portas verdes dos governos civis que têem malas, todos os porteiros, todos os conti-
nuos, emfim todos os que nos governos civis têem ingerência nos passaportes para os
colonos desappareciam d’ali, nenhum d’elles tratava mais de perguntar se havia
algum colono que quizesse passaporte para ir para o Brazil”23. Já no final de Oitocen-
tos, em 1893, um outro deputado, mais contundente, afirma perante a Câmara que os
governos civis estão transformados em verdadeiras agências de emigração, defen-
dendo que os emolumentos devidos pela emissão desse documento não deveriam
reverter nunca a favor dos funcionários24, como complemento de vencimentos bai-
xos, mas a favor do Estado.
21
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 24 de Julho de 1890, p. 1483.
22
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 19 de Março de 1857. Deputado Barão das Lages.
23
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 11 de Janeiro de 1858, p. 80.
24
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 15 de Junho de 1893. Deputado Paulo Cancela.
123
Isilda Monteiro
25
PROGRESSO (O). Lamego. 4 de Maio de 1912, p. 2.
26
Para a região da Alsácia, em França, verifica-se que as autoridades locais (os prefeitos e os seus fun-
cionários) responsáveis pela emissão de passaportes agiam efectivamente como elementos dissuasores
da emigração.
27
FOUCHÉ, 1892: 113.
28
FOUCHÉ, 1892: 118.
124
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
29
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de Maio de 1913, p. 16; Sessão de 27 de Julho de
1922, p. 6. Projecto de lei n.º 74 sobre o Código Administrativo. Contrariamente ao que se verifica em
Inglaterra, onde o Estado só passou a ter o exclusivo na emissão de passaportes na década de cinquenta
de Oitocentos e a sua política, desde então, se caracterizou pela baixa das taxas exigidas. Segundo Fahr-
meier, sob o ponto de vista financeiro, “in Britain the passport system as a whole was a lossmaker” (Ver
FAHRMEIR, 2000: 137).
30
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão 6 de Maio de 1879, p. 1562. Deputado Jerónimo Pimentel.
31
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 15 de Fevereiro de 1881, p. 566; 6 Março de 1882, p.
602-603. Representação dos empregados da secretaria do Governo Civil de Aveiro.
32
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 21 de Fevereiro de 1881, p. 689. Representação dos
empregados da secretaria do Governo Civil de Bragança.
125
Isilda Monteiro
33
Em 1891 são os funcionários do governo civil de Viana do Castelo que dirigem uma representação à
Câmara dos Deputados, manifestando-se contra uma proposta de lei relativa à emigração na parte em
que fazem reverter para o cofre do Estado os emolumentos pela concessão de passaportes (DIÁRIO da
Câmara dos Deputados. Sessão de 25 de Junho de 1891. Representação dos funcionários do Governo
Civil de Viana do Castelo).
34
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 15 de Junho de 1893, p. 18.
35
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 12 de Maio de 1913, p. 15-17.
36
COSTA, 1911: 164
37
ALVES, 1994: 119.
38
ALVES, 1994, 123.
126
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
o debate sobre a emigração, como vimos atrás, foi percebida na própria época e não
era, evidentemente, um exclusivo português. Em França, numa tese de doutoramento
publicada em 1898, sobre a análise da intervenção dos poderes públicos na emigra-
ção, e que teve por base a realidade emigratória em alguns países europeus, Gustave
Chandèze assinala, de uma forma generalizada, que “on peut (…) constater la défa-
veur plus ou moins avouée que les pouvoirs publics attachent á l’émigration”. E, mais
à frente, o referido autor acrescenta que embora a maior parte dos publicistas estejam
de acordo sobre as vantagens da emigração para o país de origem, não se verificava,
na generalidade dos países europeus, o encorajamento da emigração parecendo
“qu’on assiste à regret à ce mouvement d’expansion et que l’on désire l’entraver”39.
Em Portugal, a exigência da obtenção de um passaporte para sair do país é a
grande característica da legislação produzida sobre a emigração, não se distanciando,
na década de cinquenta e sessenta do século XIX, do que ocorria em outros países
europeus. A única diferença é que, a partir daí, enquanto os mecanismos processuais
se tornam, em Portugal, cada vez mais complexos, exigentes e restritivos, em outros
países europeus eles amenizam-se acabando mesmo por ser suprimidos após a déca-
da de setenta de Oitocentos. Ora vejamos. No território português, a Lei de 20 de
Julho de 1855, apontada como a primeira referência legislativa importante produzida
pela monarquia constitucional relativamente à emigração, mantém-se na linha do que
até então tinha sido legislado, introduzindo, apenas, como novidade a preocupação
com as condições de transporte dos emigrantes portugueses. Poucos anos depois, em
1858 (Portaria de 9 de Fevereiro), ficou determinado que a concessão de passaportes
aos potenciais emigrantes deveria depender da apresentação de um contrato de traba-
lho. Essa determinação mantêm-se na legislação produzida sobre emigração em 1863
(Lei de 31 de Janeiro e Regulamento Geral de Polícia de 7 de Abril), que abolia,
finalmente, o passaporte para circulação dentro das fronteiras nacionais, como já
referimos atrás. Com excepção desse facto, trata-se de uma recuperação legislativa,
com pequenas adaptações aos novos tempos40. O mecanismo processual para obten-
ção de um passaporte tornava-se um pouco mais complexo – os menores, mulheres
casadas e funcionários passam a precisar de uma autorização para a sua obtenção,
respectivamente, dos pais, maridos e superiores hierárquicos – visando clara e assu-
midamente restringir a sua saída do país. Como mais complexo e restritivo se vai
tornando, ao logo da segunda metade do século XIX, o acesso aos passaportes para
os cidadãos do sexo masculino devido ao cumprimento das obrigações militares. Pela
sua especificidade, que em parte já tratamos em anterior trabalho41, não nos debruça-
remos aqui sobre essa vertente.
39
CHANDÈZE, 1898: 12-13.
40
ALVES, 1994: 120.
41
MONTEIRO, 2007.
127
Isilda Monteiro
128
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
gratuidade dos passaportes para os portugueses que fizessem das colónias portugue-
sas o seu destino. Uma gratuidade que, em 3 de Março de 1885, o deputado João de
Sousa Machado já apresentara num projecto de lei ao Parlamento, e da qual esperava
grandes resultados relativamente ao redireccionamento da emigração portuguesa48.
No entanto, o passar dos anos veio mostrar que o alcance prático destas medidas
legislativas foi reduzido. O poder de sedução do Brasil continuava forte no final do
século XIX, sobrepondo-se às facilidades e aos apoios governamentais oferecidos
para quem quisesse fixar-se nas colónias. Alguns anos antes, em 1862, Jules Duval,
redactor do Economiste, numa obra publicada sob os auspícios da Academia das
Ciências Morais e Políticas de França, Histoire de l’Emigration européene, asiatique
et africaine au XIX siècle. Ses causes, ses caracteres, ses effets, apresenta-nos uma
perspectiva interessante e fundamentada do fenómeno migratório da época ao nível
mundial. Compreensivelmente distanciado do discurso político crítico da emigração
produzido em Lisboa, nessa altura, Duval dedica algumas páginas a Portugal afir-
mando “l’emigration portugaise n’est pas, à vrai dire, une expatriation. Devenus
riches, les émigrants rentrent volontiers en Portugal avec leurs capitaux, achètent les
belles maisons, les belles terres, se place à la tête dês grands affairres, et font ainsi
concourir leur expérience et leur fortune au progrés du pays”, classificando-o como o
“utile aiguillon de l’ésprit d’entreprise”49. Sobre aquele que considera o legítimo
propósito de a monarquia procurar redireccionar a emigração portuguesa para as
colónias, até então sem grande sucesso, Duval diz que a base de argumentação ao
incentivo dessa política não deve ser a invocação dos prejuízos da emigração para o
estrangeiro, porque ao nível demográfico e da receita pública se terá ganho mais com
o retorno dos emigrantes do que perdido com a sua partida50. Uma ideia que, na altura,
nem todos partilhavam em Portugal, insistindo-se frequentemente no quadro catas-
trofista da emigração portuguesa e sobretudo, daquela que se destinava ao Brasil.
O início do século XX traz consigo nova legislação sobre a emigração e, conco-
mitantemente, sobre a emissão dos passaportes. Enquanto a Sociedade de Geografia
iniciava em Junho de 1905 uma campanha pela abolição dos passaportes e a sua
substituição por um imposto de saída51, preparava-se a Lei de 25 de Abril de 1907
onde se apresenta como novidade o estabelecimento da diferença legal entre emi-
grante e viajante. Contrariando o que a comissão nomeada para estudar a questão da
emigração propusera e que era a supressão da exigência do passaporte, optou-se,
como escreveu o republicano Afonso Costa, pela “revoltante barbaridade de o manter
48
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 3 de Março de 1885, p. 582.
49
DUVAL, 1862: 166.
50
Duval, 1862: 169.
51
PROGRESSO (O). Lamego. 24 de Junho de 1905.
129
Isilda Monteiro
somente para os desventurados”52. Fica então assente que emigrante era aquele que
viajava na 3.ª classe dos paquetes que o levavam ao seu destino e os viajantes eram
todos os que tinham adquirido bilhetes de 1.ª e 2.ªclasses. Se para os primeiros, o pas-
saporte é obrigatório, para os segundos, tal não acontecia, independentemente do destino,
do tempo que pretendiam ficar no país para onde se deslocavam e do que lá pretendiam
fazer. Como escreveu Afonso Costa que combateu no Parlamento estas medidas, “fazer
consistir na prohibição da emigração clandestina e na colheita dos rendimentos dos
passaportes toda a solução do problema migratório, é realmente despresível”53.
Com a implantação da república, o debate sobre a emigração, tão utilizada pelos
republicanos como arma de arremesso contra a monarquia no final de Oitocentos,
continua a ter o seu espaço no Parlamento. A abolição dos passaportes preconizada
por Afonso Costa54 e que o deputado Alexandre Barros apresentou como uma velha
aspiração da classe trabalhadora, considerando que a sua obrigatoriedade em nada
restringia a emigração55, foi referida uma única vez nos trabalhos da Assembleia
Constitucional de 1911, e não foi vertida na Constituição que irá servir o novo regi-
me, sob a forma de direito de livre circulação dos cidadãos. A contradição entre a
consignação desse direito e a obrigatoriedade do serviço militar então recém-
instituída, lembrada oportunamente por um deputado, justificará o seu silenciamento
no texto constitucional definitivo56. Na realidade, a questão militar que justificara na
monarquia uma grande atenção do poder político sobre a emigração e a restrição no
acesso dos cidadãos masculinos aos passaportes, continua na primeira república a
estar no centro das preocupações dos governantes, como se pode verificar pelas Ins-
truções de 25 de Novembro de 1912 que clarificavam a lei atrás referida de 190757.
Compreensivelmente, as preocupações aumentam com a participação na Grande
Guerra – aliás, tal como acontece em outros países europeus que nesse período reto-
mam a imposição dos passaportes –, justificando sucessivas medidas legislativas,
entre 1914 e 1918. Medidas essas que procuravam impedir os homens em idade
jovem ou adulta de saírem legalmente do país com um passaporte na mão58. A sua
utilização como um obstáculo à emigração é claramente assumida por alguns políti-
cos republicanos, como Ferreira da Fonseca, que, em Novembro de 1912, apresenta o
seu projecto de lei, dizendo que se destina a reprimir a emigração, sobretudo das
famílias “encarecendo os passaportes da mulheres e das crianças, sujeitando uns e
52
COSTA, 1911: 165-166.
53
COSTA, 1911: 166-167.
54
COSTA, 1911: 178.
55
DIÁRIO da Assembleia Nacional Constituinte. Sessão de 27 de Julho de 1911, p. 19.
56
DIÁRIO da Assembleia Nacional Constituinte. Sessão de 27 de Julho de 1911, p. 19. Deputado Pádua
Correia.
57
PEREIRA, SANTOS, 2009: 310.
58
PEREIRA, SANTOS, 2009: 310-312.
130
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
59
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 17 de Novembro de 1912, p. 6.
60
PEREIRA, 2009: 327.
61
VILAREALENSE (O). Vila Real. 23 de Janeiro de 1913, p. 2.
131
Isilda Monteiro
62
POVO (O) do Norte. Vila Real. 15 de Junho de 1924, p. 3.
63
MONTEIRO, 2009: 346.
64
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 26 de Março de 1859, p. 212.
65
DIÁRIO da Câmara dos Deputados. Sessão de 14 de Março de 1896, p. 601.
66
POVO (O) do Norte. Vila Real. 27 de Novembro de 1921, p. 2.
132
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
devidos pela emissão do passaporte, que Costa Leite estima em 20% das despesas
totais da passagem67, o requerente tinha, ainda, de pagar aos que se ofereciam para
abonar falsamente a sua identidade “e fazer outras que taes despezas”68. Obter um
passaporte era, afinal, uma dura prova para quem fizera a sua opção por partir em
busca de um sonho.
Conclusões
Fontes e Bibliografia
Fontes
67
LEITE, 1987: 468.
68
PROGRESSO (O). Lamego. 12 de Outubro de 1911, p. 1.
133
Isilda Monteiro
Bibliografia
ALVES, Jorge, 1994 – Os Brasileiros: emigração e retorno no Porto oitocentista. Porto: Ed.
de Autor.
CHANDÈZE, Gustave, 1898 – De l’intervention dês pouvoirs publics dans l’Emigration et
l’immigration aux XIX siècle, Étude historique. Paris: Imprimerie Paul Dupont.
COSTA, Afonso, 1911 – Estudos de Economia Nacional. I. O Problema da Emigração. Lis-
boa: Imprensa Nacional.
DUVAL, Jules, 1862 – Histoire de l’Emigration européene, asiatique et africaine au XIX
siècle. Ses causes, ses caracteres, ses effets. Paris: Librairie de Guillaumin et Ce.
FAHRMEIR, Andreas, 2000 – Citizens and aliens: foreigners and the law in Britais and the
German States, 1789-1870. United Kingdom: Bergham Books.
FOUCHÉ, Nicole, 1987 – Émigration Alsacienne aux Etats-Unis. 1815-1870. Paris: Sorbonne.
GREEN, Nancy, 1999 – “Trans-frontiéres: pour une analyse des lieux de passage”. Anthopo-
logie, n.º 6. Nice. Disponível na internet em: <http://revel.unice.fr/anthropo/sommaire.
html?id=201> (consultado em Dezembro de 2010).
LEITE, J. Costa, 1987 – “Emigração portuguesa: a lei e os números (1855-1914)”. Análise
Social, Vol. XXIII, 3.º. Lisboa: ICS.
LEITE, J. Costa, 1997 – “Os negócios da emigração (1870-1914)”. Análise Social, Vol.
XXXI (136-137). Lisboa: ICS.
MARTINS, Oliveira, 1978 – O Brasil e as Colónias Portuguesas, 7.ª ed. aumentada. Lisboa:
Guimarães Ed.
MONTEIRO, Isilda Braga da Costa, 2007 – “A emigração para o Brasil e a fuga ao recruta-
mento militar”. População e Sociedade, n.º 15. Porto: CEPESE.
MONTEIRO, Isilda Braga da Costa, 2009 – “A imprensa regional como fonte para o estudo
da emigração para o Brasil – Lamego na primeira metade do século XX”, in SOUSA,
Fernando de; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda (orgs.) – Nas Duas Margens: os
portugueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.
134
Os passaportes – Do enquadramento legal à prática (1855-1926)
135
O PARÁ E AS BASES DE SUA LEGISLAÇÃO
IMIGRATÓRIA NOS FINAIS DO SÉCULO XIX
Marcos Carvalho
Introdução
Ao titular este texto como “O Pará e as bases de sua legislação imigratória nos
finais do século XIX”, vale esclarecer que a proposta é parte inicial do estudo de um
percurso para a investigação dos imigrantes portugueses no Pará, nomeadamente em
Belém. Como tal, esta é uma análise preliminar dos seguintes documentos: Lei n.º 223
– de 30 de Junho de 1894, Lei n.º 284 – de 15 de Junho de 1895 e Decreto n.º 13 – de
10 de Outubro de 1895. Esta documentação foi identificada no Arquivo Público do
Pará por ocasião do levantamento das fontes sobre a imigração portuguesa em Belém
(1890-1914) e posteriormente localizada no setor de microfilmagens da Biblioteca
Pública Arthur Viana.
1
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – BRAZILIAN GOVERNMENT DOCUMENTS, Provin-
cial Presidential Reports (1830-1930): Pará, u1027, FALLA 1886, p. 59-61.
137
Marcos Carvalho
A sede da Sociedade teve como primeiro presidente o Barão de Igarapé Miri e foi
instalada no Convento das Mercês, ao que tudo indica em 31 de Janeiro de 1886. No
mesmo local onde antes funcionava o Correio, essa representação passou a apresentar
sessões regulares. Também é importante notar que fez-se ter no mesmo prédio umas
camas e outros preparativos de alojamento para uma pequena quantidade de imigrantes.
No Pará dos primórdios da República (após libertação dos escravos, que ocorreu
a 13 de Maio de 1888, através da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel), havia
uma forte tendência que defendia a mão-de-obra estrangeira como necessária à fun-
dação de colônias e ao desenvolvimento das atividades agrícolas no Estado. Para
Edilza Fontes, “os defensores da imigração européia no Pará, diferente do Estado de
São Paulo, tinham como proposta que os imigrantes fossem pequenos agricultores
para produzirem, principalmente, alimentos para a região urbana de Belém [...]”2.
Isso se comprova pela própria mensagem do excelentíssimo governador do Esta-
do3, Senhor Lauro Sodré, que em 1891, ao pronunciar-se afirmou a preocupação
governamental, nomeadamente com a economia no que tangia às nascentes indús-
trias têxteis e à Criação de um Liceu de Artes e Ofícios com cursos que profissionali-
zassem em áreas de carência profissional no Estado, como o caso da agrimensura,
essencial para questões de terras e colonização4.
A importância do imigrante como colonizador torna-se recorrente com a fala do
imperador D. Pedro I, mesmo que ainda a 3 de Maio de 18295, citado em:
Fala do Imperador de 3 de Maio (de 1829) – Imperial
Fala com que o imperador abriu a Assembléia Geral: “salienta a necessidade de auxi-
liar no desenvolvimento da agricultura do país, através de incentivo a imigração, da
criação de uma lei de naturalização e de um regulamento para a distribuição de terras
incultas”6.
2
FONTES, 2002: 14.
3
Através do Center for Research Libraries, a The Latin American Microform Project (LAMP) em parce-
ria com a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, selecionou uma coleção de documentos do governo
brasileiro a serem digitalizados de microfilmes. A partir de então os documentos são disponibilizados
para consulta via internet. Entre as documentações brasileiras constam as seguintes: Provincial Presiden-
tial Reports (1830-1930), Presidential Messages (1889-1993), Almanak Laemmert (1844-1889) e Minis-
terial Reports (1821-1960)
4
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – BRAZILIAN GOVERNMENT DOCUMENTS, Provin-
cial Presidential Reports (1830-1930): Pará, Mensagem do Governo Lauro Sodré ao Congresso do
Estado do Pará, u2417, MENSAGEM 1891, 10 p.
5
BASSANEZI, 2008.
6
BASSANEZI, 2008: 12.
138
O Pará e as bases de sua legislação imigratória nos finais do século XIX
7
BIBLIOTECA PÚBLICA ARTHUR VIANA / SETOR DE MICROFILMAGENS – Diário Official,
Arquivo 7, gaveta 1 rolo 6, número 896, página 38.
8
IOTTI, 2007: 10.
9
ANDREAZZA, NADALIN, 2000: 40.
139
Marcos Carvalho
para onde iria10. A imigração poderia ser promovida pelo estado ou por particulares
(art. 4.º). Os benefícios podem ser assim agrupados: a) benefícios até a chegada ao
destino final (indenizações das passagens; hospedagem decente; gratuidade no trans-
porte; abrigo decente e farnel para o trajeto da hospedaria até a colônia) e; b) benefí-
cios no destino final (tratamento médico por dois anos; concessão de lote de 25
hectares em um dos núcleos coloniais do Estado; fornecimento de equipamentos e
utensílios; contribuição financeira por até seis meses oferecidos a cada pessoa adulta
limitados a oitenta mil réis por família, trinta mil por pessoa; proteção, auxílio ou
repatriação de viúva ou órfãos que passem por esta situação durante seus dois primei-
ros anos; mata derrubada para início do plantio e casa construída). Ao estipular os
valores do auxílio financeiro isenta o Estado de responsabilidade em se tratando de
uma família com pessoas adultas em número maior11.
Como documentação, o imigrante deveria apresentar comprovante de conduta emiti-
do pelas autoridades policiais e autenticação de veracidade pelo consulado. O que pode
facilitar o entendimento do número de portugueses que não apresentarão passaporte ao
efetivarem seu registro de habilitação perante o Consulado de Portugal no Pará.
Em seu art. 5.º discorre sobre os possíveis destinos dos imigrantes: em fazendas,
mediante contratos com particulares (que no art. 6.º fala da subvenção da imigração a
particulares ou associações) ou em núcleos coloniais do Estado (que foi criado pela
Lei n.º 284 de 15 de Junho de 1895).
A fiscalização dos contratos subvencionados ficava a cargo governamental sendo
que os contratadores gozariam de benécies nas Estradas de Ferro12 quando transpor-
tassem cargas (isso reforça a idéia estatal de colônias produtoras de gêneros abaste-
cedoras da população da capital) e equipamentos ou utensílios necessários aos
trabalhos agrícolas.
Ainda prevê questões de suporte estruturais necessários para iniciar atividades da
política paraense de imigração, como por exemplo, uma hospedaria para triagem dos
estrangeiros que para cá viessem.
A redação do art. 10.º condiciona a introdução dos imigrantes: nele fica determi-
nada a criação dos núcleos coloniais e a definição da hospedaria.
10
A legislação procurava com isso impedir a presença daqueles que não se sujeitaram aos trabalhos das
lavouras do sul do país ou andavam de Estado em Estado gozando em cada um deles dos favores estatal
e que não quisessem se fixar no Pará.
11
O valor individual do auxílio para cada pessoa adulta (de trinta mil) e o teto máximo mensal por famí-
lia (de oitenta mil) nos leva a deduzir que poderia aí ser uma forma de preferir uma família imigrante
basicamente com pai, mãe e filho(s) e no máximo algum parente adulto.
12
Faz referência aos usuários e os burgos agrícolas atendidos pela Estrada de Ferro de Bragança, que
ligava esta localidade a capital do Estado, Belém.
140
O Pará e as bases de sua legislação imigratória nos finais do século XIX
Emenda: Cria dez núcleos coloniais em diversos pontos do Estado (do Pará)14.
Essa lei é parte da concretização da política oficial do Estado para a imigração.
Muito embora não tivesse cumprido o prazo estipulado no art. 11.º da lei n.º 223, de
30 de Junho de 1894, que limitava há seis meses o prazo para que o governo realizas-
se a localização, identificação e discriminação de lotes nos núcleos coloniais15.
Ao determinar onde seriam estabelecidos estes núcleos no art. 1.º, apenas o
núcleo situado nas proximidades do município de Alenquer ficou com localização
aproximada na redação que diz “Um local que for mais conveniente, à estrada deno-
minada ‘Lauro Sodré’, da cidade de Alemquer até Santo Antonio, em direcção aos
Campos geraes um local mais conveniente”16.
Mapa n.º 1
Localização dos núcleos coloniais
Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/brasil-mapas/imagens/mapa-do-para.gif
13
BIBLIOTECA PÚBLICA ARTHUR VIANA / SETOR DE MICROFILMAGENS – Diário Official,
Arquivo 7, gaveta 1 rolo 8, número 1 173, página 567.
14
Em nível de Legislação Federal, o Decreto n.º 528, de 28 de Junho de 1890, estabelecia a criação de
núcleos coloniais para atendimento e alocação das correntes imigratórias, permitindo que os núcleos fossem
criados tanto em terras devolutas das esferas públicas (União ou Estado) quanto em terras de particulares.
15
Na mensagem apresentada ao Congresso do Estado do Pará em 1 de Fevereiro de 1896, o Governador
dr. Lauro Sodré lamenta a lentidão do andamento dos núcleos coloniais.
16
Lei n.º 284, de 15 de Junho de 1895, que criou dez núcleos coloniais em diversos pontos do Estado (do Pará).
141
Marcos Carvalho
17
BIBLIOTECA PÚBLICA ARTHUR VIANA / SETOR DE MICROFILMAGENS – Diário Official,
Arquivo 7, gaveta 1 rolo 8, número 1 176, página 567.
18
BIBLIOTECA PÚBLICA ARTHUR VIANA / SETOR DE MICROFILMAGENS – Diário Official,
Arquivo 7, gaveta 1 rolo 9, número 892, página 700-701.
19
Em 1878 foi instalada a primeira Hospedaria de Imigrantes. Estava localizada no bairro de Santana,
em São Paulo. Recebeu o mesmo nome do bairro a qual estava localizada e funcionou até Junho de 1880.
142
O Pará e as bases de sua legislação imigratória nos finais do século XIX
20
A hospedaria de São Paulo, do Bairro do Brás, acabou por se constituir uma exceção quanto à locali-
zação das demais hospedarias (sempre em locais de fácil isolamento sanitário). Contudo, sua localização
não deixou de ser estratégica, pois ficava no cruzamento dos trilhos da ferrovia São Paulo-Santos e da
ferrovia Rio de Janeiro-São Paulo.
21
MOURA, PAIVA, 2008: 14.
143
Marcos Carvalho
Conclusões
22
BIBLIOTECA PÚBLICA ARTHUR VIANA / SETOR DE MICROFILMAGENS – Diário Official,
Arquivo 7, gaveta 1 rolo 9, número 892, página 700-701.
23
Regulamento ao que se refere o Decreto n.º 131 de 10 de Outubro de 1895.
24
Personalidades e várias autoridades estiveram presentes no evento de fundação da Sociedade Paraense
de Imigração, incluindo entre eles Tristão de Alencar Araripe, presidente da Província, o bispo Dom
Macedo Costa e o senador Gomes do Amaral.
144
O Pará e as bases de sua legislação imigratória nos finais do século XIX
Fontes e Bibliografia
Fontes
Bibliografia
ANDREAZZA, Maria Luiza; NADALIN, Sérgio Odilon, 2000 – Imigrantes no Brasil: colo-
nos e povoadores. Curitiba: Nova Didática.
BASSANEZI, Maria, et. al., 2008 – Repertório de legislação brasileira e paulista referente à
imigração. São Paulo: Editora da UNESP.
BEZERRA NETO, José Maia; GUZMÁN, Décio de Alencar (org.), 2002 – Terra Matura
Historiografia & História Social na Amazônia. Belém: Paka-Tatu.
FONTES, Edilza Joana de Oliveira, 2002 – Preferem-se português(as): trabalho, cultura e
movimento social em Belém do Pará (1885-1914). Campinas-SP: Instituto De Filosofia
e Ciências Humanas da UNICAMP.
IOTTI, Luiza Horn, 2007 – A política imigratória brasileira e sua legislação – 1822-1914.
Disponível na internet em: <http://200.198.149.50/institu/memorial/RevistaJH/vol3n5/
07-Luiza_Iotti.pdf>.
MONTEIRO, Benedicto, 2005 – História do Pará. Belém: Editora Amazônia.
MOURA, Soraya; PAIVA, Odair Da Cruz, 2008 – Hospedaria de imigrantes de São Paulo.
São Paulo: Paz e Terra.
145
Marcos Carvalho
146
RETORNO DOS BRASILEIROS VILACONDENSES –
AS DECLARAÇÕES DE NACIONALIDADE (1865-1913)
Adelina Piloto
Introdução
1
WESTPHALEN, BALHANA, 1993: 18.
2
Carta de Lei de 25 de Março de 1824.
3
Colecção de Leis do Império do Brasil, 1906: 96-98.
147
Adelina Piloto
4
Lei n.º 601, de 18 de Setembro de 1850.
5
Decreto n.º 1950, de 12 de Julho de 1871.
6
FAUSTO, 2008: 245.
7
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 24 de Fevereiro de 1891. Constituições do
Brasil, 1986.
8
RIBEIRO, 2007: 123.
9
ALVES, 1994: 264.
148
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
pela República provocou pouco depois uma corrida aos consulados para reaverem a
nacionalidade lusa10.
No que diz respeito a Portugal, o Código Administrativo de 18 de Março de 1842
e a legislação portuguesa complementar estipulavam um conjunto de normas que
explicitamente limitavam e regulavam a mobilidade, condicionando os cidadãos ao
distingui-los em nacionais, estrangeiros e naturalizados e determinando procedimen-
tos específicos face à mobilidade de cada um deles.
Naturalizados eram todos os estrangeiros que apresentassem Carta de Naturali-
zação passada pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, mas os portugueses
que se tornassem brasileiros, podiam de novo naturalizar-se portugueses pela simples
declaração escrita, feita perante qualquer câmara municipal, expressando o desejo de
recuperar a nacionalidade portuguesa11. A mesma faculdade era concedida aos portu-
gueses que, tendo-se naturalizado em qualquer país estrangeiro, regressassem ao seu
país para nele fixarem o seu domicílio12. O facto de os estrangeiros perderem a sua
nacionalidade pela naturalização não implicava a mudança da nacionalidade dos
filhos nascidos antes da concessão da mesma13.
10
ARCOS, 1973: 10.
11
Decreto de 22 de Outubro de 1836, art.º 2.º.
12
Decreto de 22 de Outubro de 1836, art.º 2.º, § 2.º.
13
Decreto de 15 de Junho de 1863.
149
Adelina Piloto
Gráfico n.º 1
Movimento anual de processos e de naturalizações (1865-1913)
14
O fundo da câmara municipal integra uma pasta com Declarações de Nacionalidade inventariada com
o número 2815, cujos limites cronológicos dos respectivos processos se distendem de 1871 a 1938.
Embora se tenha procedido ao integral levantamento informático desta fonte manuscrita e inédita, tendo
sido contabilizado um total de 128 processos, no presente trabalho apenas consideramos os circunscritos de
1865 a 1913. Em 21 dos 50 anos que medeiam entre 1865 e 1913 não foi constituído qualquer processo.
150
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
Gráfico n.º 2
Nacionalidade requerida (%)
10
93
151
Adelina Piloto
15
ALVES, 1994: 263-264.
16
Desconhece-se o desfecho da objecção apresentada, mas tudo leva a crer que lhe foi favorável.
17
AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815.
18
AMVC – Registo de privilégios e nomeação para cargos municipais, livro149, fl.20v e 21.
19
RAMOS, 1994: 91-92.
20
Há apenas uma única excepção, Joaquina da Conceição Pereira Machado que requereu no ano de 1906
a nacionalidade brasileira para si própria, atendendo ao facto de o seu marido gozar dessa mesma quali-
dade (AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815).
21
ALVES, 1994: 145.
152
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
esta evidência, a maior parte das petições a solicitar traslado de documentos oficial-
mente arquivados queda-se pelo laconismo “para apresentar onde lhe convier”22.
Como observava em declaração confidencial datada de 12 de Julho de 1904,
Venceslau de Sousa Pereira Lima, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, a
Alberto Fialho23, “muitos portugueses invocavam sucessivamente a sua nacionalida-
de de origem, ou a brasileira, conforme as suas próprias conveniências”. Por sua vez,
Alberto Fialho em ofício endereçado na mesma data ao barão do Rio Branco, reco-
nhece que muitos retornados do Rio de Janeiro e interrogados sobre os motivos por-
que solicitaram e exibem passaportes brasileiros, respondem uns que “por ser mais
baratos que em Portugal, e por ser facílimo obtê-los das autoridades brasileiras, e
outros, mal dissimulam a esperança, ou convicção, de assim escaparem às obrigações
do serviço militar português”24.
Na sequência da grande naturalização de 1889, os emigrantes portugueses no
Brasil, ao não declararem que queriam manter a nacionalidade de origem, estavam,
implicitamente, a revelar a sua adesão aos ideais republicanos. Consciente ou incons-
cientemente estariam também a tentar proteger-se do anátema da lusofobia, mas na
prática, apesar dos direitos recém-adquiridos, recrudesceu nos primeiros anos da
República a intolerância antilusitana, já ocorrida noutros momentos de crise brasilei-
ra no decurso do século XIX, sendo os portugueses o grupo emigratório no Brasil
que mais vivenciou hostilidades por motivos de teor nacionalista. Por outro lado, ao
naturalizar-se, podiam ascender ao exercício de cargos públicos e ficavam livres da
expatriação. Os portugueses constituíram a nacionalidade com maior número de
mandados de expulsão, entre 1907 e 1912, de acordo com os dados divulgados pelo
Ministério da Justiça e Negócios Interiores25. Também Lená Medeiros de Menezes
informa que entre 1907 e 1930 os portugueses foram a maioria em quase todos os
tipos de delitos cometidos no Rio de Janeiro26. Assim sendo, a assumpção da cidada-
nia brasileira acabava por trazer vantagens aos emigrantes tanto no país de acolhi-
mento como no de origem.
Sobre a forma como se adquiria a nacionalidade portuguesa, a legislação deter-
minava, entre outros aspectos, que eram considerados cidadãos portugueses os que
nascessem no Reino, os filhos de pai português, ainda que este tenha sido expulso do
22
Numa altura em que se enfatizava o serviço militar como um dever cívico de todos os mancebos, não
convinha realçar a intenção dele se livrarem os requerentes da nacionalidade brasileira.
23
Diplomata brasileiro nomeado em 1902 para exercer o cargo de ministro plenipotenciário em Lisboa.
Em 1905 foi transferido para Itália, mas retornou a Portugal em 1908, como embaixador nos funerais do
rei D. Carlos e do seu filho Luís Filipe. Destacou-se pelo bom relacionamento entabulado com as autori-
dades portuguesas, protegendo os interesses dos emigrantes nacionais no Brasil (MENDES, 2010: 351).
24
MENDES, 2010: 177.
25
MENDES, 2010: 163, 186.
26
MENEZES, 2006: 96.
153
Adelina Piloto
país, ou os filhos ilegítimos de mãe portuguesa, bem que nascidos no estrangeiro, mas
que tenham vindo estabelecer domicílio no Reino, ou que tenham declarado por si,
sendo maiores ou emancipados, ou por seus pais ou tutores no caso dos menores, que
quisessem ser portugueses27. Por outro lado, a lei estipulava que perdia a sua quali-
dade de cidadão português o que se naturalizava num país estrangeiro, podendo,
porém, recuperar essa qualidade, regressando ao Reino com ânimo de nele se domici-
liar e declarando-o perante a municipalidade do lugar que elegesse para sua residên-
cia28.
Em consonância com os princípios normativos supracitados, sete indivíduos
impetraram a naturalidade lusa, três brasileiros natos e quatro emigrantes naturaliza-
dos brasileiros. Lopo Joaquim de Oliveira, nascido a 8 de Julho de 1868, na freguesia
de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, solteiro, de maioridade, filho
legítimo de Manuel Joaquim de Oliveira Pinto, nascido em Vila do Conde a 9 de
Outubro de 1820, e falecido na mesma localidade a 13 de Junho de 1878, obteve em
28 de Novembro de 1892 a cidadania lusa. Marcelino Lourenço Gomes29, natural da
freguesia de Árvore efectivou o termo em 16 de Maio de 1906. Seis anos depois, em
1912, foi a vez do seu irmão, Manuel Lourenço Gomes30, casado e médico, também
adoptar a cidadania portuguesa31. Por sua vez, o expatriado natural da freguesia de
Vila do Conde, Joaquim Francisco Praça, filho de Bento Francisco Praça, naturaliza-
do brasileiro em 26 de Agosto de 1874, recuperou a cidadania lusitana no ano de
1898. Emílio José Ferreira nascido a 25 de Junho de 1840, na freguesia de Azurara,
filho de José Bernardo, natural de Chaves reconquistou-a em 1907. Manuel da Silva
Correia, nascido a 6 de Outubro de 1880, em Vila do Conde, filho de Jorge Joaquim
Correia, marítimo, natural de Azurara, naturalizado brasileiro em 9 de Agosto de
1899, resgatou-a em 1903 e, por último, Francisco Baltazar do Couto reassumiu a
cidadania lusa no mês e ano da implantação da República em Portugal32.
Em dez processos de adopção da nacionalidade brasileira encontra-se também
requerimento e termo de renúncia dessa mesma qualidade e sequente perfilhação da
cidadania portuguesa. Cinco dos renunciantes tinham anteriormente solicitado para si
próprios a naturalidade, os restantes tinham-na adoptado por iniciativa do progenitor.
Todos os renunciantes alegavam que o faziam de sua livre e espontânea vontade para
27
Código Civil Português aprovado pela Carta de Lei de 1 de Julho de 1867, Título II, Art. 18.º, ponto 3.º.
28
Código Civil Português aprovado pela Carta de Lei de 1 de Julho de 1867, Título III, Art. 22.º, ponto 1.º.
29
Era proprietário da tabacaria “Vilacondense” situada no centro da vila (O Ave, n.º 6, 6 de Outubro de 1906).
30
Marcelino Lourenço Gomes nasceu a 1 de Fevereiro de 1883, na freguesia das Graças da cidade do
Recife e era filho de Carlos Lourenço Gomes e neto paterno (e afilhado) de Marcelino Lourenço Gomes
que exerceu o cargo da presidência da autarquia vilacondense e de quem já se falou a propósito dos
cidadãos proeminentes que prestaram fiança.
31
O médico Manuel Lourenço Gomes veio a ser lente catedrático da Faculdade de Medicina do Porto
(DACIANO, 1963: 8).
32
AMVC − Declarações de Nacionalidade, pasta 2815.
154
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
surtir todos os efeitos legais e que queriam recuperar esse direito porque eram filhos
de cidadãos portugueses; alguns ainda acrescentavam que tinham regressado a Por-
tugal com ânimo de aqui se domiciliar. O que se constata é que optavam e mudavam
de nacionalidade de acordo com os seus interesses pessoais e particulares. O pai
requeria a nacionalidade brasileira para os seus descendentes se eximirem da vida
militar. Mais tarde, ultrapassada a idade do recenseamento, requeriam por motivos
profissionais ou de qualquer outra índole a renúncia da mesma.
Gráfico n.º 3
Frequência da solicitação da nacionalidade (1865-1913)
155
Adelina Piloto
Gráfico n.º 4
Documentos comprovativos da nacionalidade (1865-1913)
8
Bilhete de Residência
11
Ambos
19
Outro Documento
62
Carta de Naturalização
0 10 20 30 40 50 60 70
33
Em todos os processos o Acórdão em Câmara foi de deferimento.
34
AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815.
156
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
35
AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815.
36
Manuel Gonçalves Rocha foi nomeado por carta do cônsul do Brasil em Lisboa, emitida em 28 de
Março de 1867, vice-cônsul do Império do Brasil em Vila do Conde, sendo solicitadas às autoridades
vilacondenses as devidas isenções e imunidades para que o vice-cônsul pudesse desempenhar cabalmen-
te as suas funções. Em 11 de Novembro de 1878, Manuel Gonçalves Rocha nomeou José Ferreira da
Costa Beiral agente comercial da nação brasileira, para o substituir na sua ausência. A 30 de Dezembro
de 1880 Manuel Gonçalves Rocha, morador na freguesia de Azurara, apresentou na administração con-
celhia documentos autênticos em como queria seguir o foro de cidadão brasileiro (AMVC – Registo de
passaportes e bilhetes de residência, livro 2812, fl. 56v). Exerceram também os cargos de vice-cônsul da
República dos Estado Unidos do Brasil em Vila do Conde Eugénio Augusto Dias Colonna e João Perei-
ra Galvão, súbdito brasileiro, naturalizado português por despacho do Ministério da Fazenda de 26 de
Abril de 1888, após ter prestado perante as autoridades administrativas o juramento de fidelidade ao Rei
e à Carta Constitucional (AMVC − Registo de privilégios e nomeação para cargos municipais, livro
149, fls. 29-30v e 116 e livro 150, fl. 19v e 20).
37
João Gomes foi submetido nos termos do artigo 54 do regulamento anexo ao decreto n.º 1 256, de 10
de Janeiro de 1891, a exame para navegar como piloto de navios de comércio e ficou aprovado. O res-
pectivo diploma foi passado no Rio de Janeiro, em 4 de Maio de 1892 e registado no vice-consulado do
Brasil em Vila do Conde em 15 de Maio de 1896. O seu passamento ocorreu, subitamente, em 25 de
Outubro de 1895, na sua residência na Rua da Senra, em Vila do Conde. Tinha na altura do óbito 46
anos de idade (AMVC − Declarações de Nacionalidade, pasta 2815).
38
No seu processo consta também a transcrição do seu passaporte passado pelo cônsul-geral do Brasil
em Portugal, Barão de Santo Ângelo, em 20 de Abril de 1876. Nele declara que José da Costa Lima
Júnior, solteiro, de 23 anos de idade e estudante, natural do Rio de Janeiro, segue viagem de Lisboa para
157
Adelina Piloto
Gráfico n.º 5
Nacionalidade dos requerentes (%)
a ilha de S. Miguel. Ia, possivelmente, visitar os seus parentes residentes nessa ilha pois era filho natural
de Claudina Cândida de Jesus, oriunda da mesma ilha.
39
O referido processo não consta na pasta das Declarações de Nacionalidade. Esta ausência conduz à
hipótese de outros processos, eventualmente, se terem extraviado à semelhança de este.
40
AMVC − Declarações de Nacionalidade, pasta 2815.
158
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
Gráfico n.º 6
Taxa de masculinidade dos requerentes
41
“…desejando seguir a nacionalidade brasileira que é a do seu pai [ou de seu marido] requer para que
se lhe tome termo de declaração em conformidade com o disposto no artigo 22, § 1.º do Código Civil
Português”.
42
“…desejando que se torne bem público, para todos os efeitos legais que possam derivar desta sua
qualidade de estrangeiro aqui residente”.
43
“…sendo o seu pai português, não podia também deixar de o ser em face do disposto no art.º 18.º, n.º
3 do Código Civil Português e do art.º 7.º § 2.º da Carta Constitucional”
44
“…desejando que meus filhos de menoridade [indicação do nome próprio] gozem da mesma naciona-
lidade que eu requerente, rogo que o Presidente da Câmara se digne mandar o secretário tomar termo da
minha declaração, em conformidade com o disposto no Código Civil Português a fim de surtir os efeitos
legais” (AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815).
159
Adelina Piloto
Gráfico n.º 7
Estado civil dos requerentes (%)
45
Supõe-se ser irmão de António Fernandes de Faria Machado, visconde de Faria Machado.
46
AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815, processo do ano de 1906.
160
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
Gráfico n.º 8
Dispersão geográfica dos requerentes (1865-1913)
47
Os limites entre menoridade e maioridade têm sido fixados, ao longo da história, através de critérios
diversos, mas sempre com a preocupação de que a maioridade só venha a ser reconhecida a quem tenha
maturidade e discernimento para governar a sua pessoa e os seus bens. O critério que vigorou desde o
século XIX foi dos 21 anos (Enciclopédia Portuguesa/Brasileira, vol. 12, p. 1108).
48
ALVES, 1994: 268.
161
Adelina Piloto
Gráfico n.º 9
Profissão dos requerentes (1865-1913)
49
AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815, 27 de Junho de 1912.
50
AMVC – Declarações de Nacionalidade, pasta 2815, 3 de Dezembro de 1912.
162
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
51
Também no que diz respeito às reclamações ao recrutamento militar destacam-se os mancebos ligados
à vida marítima, especificando que prestavam serviço na galera “Flor da Maia, Bessa Portuense e Flor
do Porto” (AMVC – Registos de reclamações ao recrutamento militar, pastas 2406-2414).
52
“Francisco de Miranda Lima, [solicitou em 1890 a nacionalidade brasileira para dois filhos] marítimo,
natural de Azurara, requereu à câmara municipal licença para a construção de um aqueduto nas Caxinas
que dê despacho às águas pluviais, para assim defender as propriedades que ali possui contra o perigo de
frequentes inundações” (O Ave, n.º 273, 28 de Janeiro de 1912).
53
Por volta de 1840, o recrutamento compulsivo de marinheiros portugueses para a Armada de Guerra do
Brasil foi denunciado pelos representantes consulares portugueses em cidades portuárias. De acordo com
informação emitida pela legação de Portugal no Rio de Janeiro, em Março de 1847, os portugueses matricu-
lavam-se como súbditos brasileiros para facilitar a sua admissão na marinha mercante, e eram depois obri-
gados a servir nos navios do Estado. O ofício endereçado em 16 de Março de 1853 por José de Vasconcelos
e Sousa, ministro plenipotenciário de Portugal no Brasil, a António Aloíso Jervis de Atouguia, ministro dos
Negócios Estrangeiros de Portugal no Rio de Janeiro, dava conta que os navios mercantes brasileiros eram
tripulados na maior parte por marinheiros portugueses, e que para servir em tais navios, na sua quase totalidade
163
Adelina Piloto
164
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
elemento57. Vinte e duas das requisitantes eram mães e esposas que permaneceram
na terra natal, enquanto os seus maridos persistiam em solo brasileiro. Mais admirá-
vel ainda, note-se, por ser numa época em que o analfabetismo era o traço comum de
89,3% das mulheres portuguesas em 1878; situação que só se alteraria muito lenta-
mente, com a crescente intervenção da mulher em favor da educação do seu próprio
sexo, as necessidades de mão-de-obra qualificada, etc.58. O uso da expressão “Dona”
a anteceder o nome feminino, patente em alguns documentos, assim como o facto da
maior parte dos requerentes desempenharem actividades classificadas no sector terciá-
rio, vêm corroborar a posição privilegiada que a maior parte usufruía na sociedade
local. Adiciona-se ainda a existência de um requisitante com o título de “Conselheiro”
(tratou-se de Boaventura Rodrigues de Sousa)59 e de outro que desempenhou cargos
políticos na administração local ao mais alto nível, Francisco Baltazar do Couto.
Mas para além deste dois nomes mais sonantes, noutros processos estão bem
perceptíveis as relações de parentesco e de amizade dos requerentes da nacionalidade
com pessoas de estatuto social substancialmente elevado, convidando-os para apa-
drinhar os seus filhos, como o fez, José Francisco Martins nascido no Rio de Janeiro,
em 30 de Agosto de 1857. Do seu enlace matrimonial com D. Laura de Sousa Gui-
marães, proprietária da cidade do Porto, nasceu José Bento Martins, a 10 de Janeiro
de 1894, baptizado pouco tempo depois na freguesia de Vairão, para quem o pai
requereu a nacionalidade brasileira em 1912. O registo de baptismo de José Bento,
para além de referir que o seu pai era capitalista e proprietário, informa que era neto
paterno de António Francisco Martins e de Dona Luísa Alexandrina Joaquina do
Amaral, materno do comendador António Fernandes Guimarães e de Dona Felismina
Rita de Sousa Guimarães Cáceres, acrescentando ainda que o padrinho foi Bento
Rodrigues de Sousa, solteiro e capitalista, mais tarde agraciado com o título de Barão
do Rio Ave60. Todas estas distinções sociais e profissionais atestam implicitamente o
sucesso do projecto emigratório.
57
Joaquina da Conceição Pereira Machado requereu a naturalização brasileira para si no ano de 1906 e o
seu termo teve de ser assinado a rogo, por ela o não saber fazer.
58
VAQUINHAS, CASCÃO, 1993: 451.
59
O processo de declaração de nacionalidade do Conselheiro enferma de laconismo e imprecisão pois,
ao contrário de todos os outros requerentes, não indicou o nome dos filhos para os quais pretendia a
naturalização brasileira. Como no mesmo processo consta a ratificação da cidadania brasileira por parte
do filho Bento Rodrigues de Sousa Sobrinho consideramos para todos os efeitos apenas este filho.
60
AMVC − Declarações de Nacionalidade, pasta 2815.
165
Adelina Piloto
Conclusão
Fontes e Bibliografia
Fontes manuscritas
Fontes impressas
Bibliografia
166
Retorno dos brasileiros vilacondenses – as declarações de nacionalidade (1865-1913)
FAUSTO, Boris, 2008 − História do Brasil, 13.ª edição. São Paulo: EDUSP.
MENDES, José Sacchetta Ramos, 2010 – Laços de Sangue. Privilégios e intolerância à imigra-
ção portuguesa no Brasil (1822-1945). Porto: Fronteira do Caos Editores Lda/CEPESE.
MENEZES, Lená Medeiros de, 2006 − “Os processos de expulsão como fontes para a Histó-
ria da Imigração Portuguesa no Rio de Janeiro (1907-1930)”, in MARTINS, Isménia;
SOUSA, Fernando (orgs.) − Os Portugueses no Brasil: migrantes em dois atos. Nite-
rói, RJ: Muiraquitã.
RAMOS, Rui, 1994 − “A politização da vida portuguesa (1890- 1926)”, in MATTOSO, José
(dir.) − História de Portugal: A Segunda Fundação, vol. VI. Lisboa: Editorial Estampa.
RIBEIRO, Glayds Sabina, 2007 − “O imigrante e a imigração portuguesa no acervo da Justiça
Federal do Rio de Janeiro” in MARTINS, Isménia Lima; SOUSA, Fernando (coord.) −
A Emigração Portuguesa para o Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.
WESTPHALEN, Cecília Maria; BALHANA, Altiva Pilatti, 1993 – “Política e Legislação
Imigratórias Brasileiras e a Imigração Portuguesa”, in SILVA, MARIA Beatriz Nizza;
BAGANHA, Maria Ioannis; MARANHÃO, Maria José, PEREIRA, Miriam Halpern
(orgs.) − Emigração/Imigração em Portugal. Lisboa: Fragmentos.
VAQUINHAS, Irene Maria, 1993 – “A ideologia burguesa como factor de afirmação social”, in
MATTOSO, José (dir.) − O Liberalismo, vol. V. Lisboa: Editorial Estampa.
167
ESTADO PORTUGUÊS REPRESSIVO OU PATERNALISTA?
UMA VISÃO DA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA ATRAVÉS
DAS CIRCULARES DO GOVERNO (1948-1974)
Celeste Castro
Introdução
169
Celeste Castro
1
Decreto-lei n.º 36 558, de 28 de Outubro de 1947.
170
Estado português repressivo ou paternalista?
Uma visão da emigração portuguesa através das circulares do Governo (1948-1974)
2
Ver anexo I (documentos a entregar nas Câmaras Municipais aquando do pedido do passaporte do
emigrante).
3
Ver anexo II (Boletim de Informação) (parte).
171
Celeste Castro
ultramarinas, e a estabelecer toda uma rede de apoios aos emigrantes, aonde quer que
se encontrem”4.
O Secretariado Nacional da Emigração devia ainda promover o estudo da pro-
blemática da emigração, da simplificação e reorganização dos serviços, dos apoios
aos emigrantes e seus familiares e realização de acordos internacionais, que lhes
permitiria uma maior defesa dos emigrantes portugueses.
4
Decreto-lei n.º 402/70, de 22 de Agosto.
5
Circular n.º 10/48, de 9/3/1948.
6
Circular confidencial n.º 1084/48, de 14/2/1948.
172
Estado português repressivo ou paternalista?
Uma visão da emigração portuguesa através das circulares do Governo (1948-1974)
Figura n.º 1
7
Circular n.º 7944/48, de 30/6/1948.
173
Celeste Castro
como um ser desprotegido, razão pela qual tem o dever de o livrar dos especuladores,
dos engajadores. A sua preocupação encontrava-se direccionada para combater a
emigração clandestina, o que exigia que tal protecção começasse logo em Portugal,
nas zonas de residência do pretenso emigrante.
Assim, o pretenso emigrante português é alguém que “em face das dificuldades
que certamente encontram pelo seu pouco desembaraço e fracos conhecimentos”8,
não consegue orientar-se, e como tal necessita que a Junta, em conjunto com as
Câmaras Municipais, o proteja, nomeadamente quanto à “falta de informação satisfa-
tória”, que “levam o pretenso emigrante a procurar o auxílio de estranhos, nem sem-
pre honesto”. No sentido de contrariar as correntes de emigração clandestina que em
algumas regiões do país se vêm acentuando, os emigrantes clandestinos dirigem-se
“para regiões em que o tratamento é desumano e a remuneração insignificante (…)
tendo que andar fugidos”, sendo “presos e forçados a duros trabalhos” que acabavam
com a deportação9.
Ainda dentro da protecção do emigrante, a Junta insiste nos casos das mulheres
que pretendiam “emigrar sós ou com carta de chamada de familiares de 3.º grau”, o
que gerava “situações bastantes confusas, pois os parentes viviam miseravelmente
não lhes podendo dispensar protecção de qualquer espécie”. Era necessário, portanto,
esclarecer as requerentes “acerca dos perigos e dificuldades” e ter cuidados redobra-
dos quanto “à conduta moral das impetrantes”10. Por outro lado, com o fim de prote-
ger as mulheres solteiras menores de 21 anos e os menores de 14 anos, “insiste-se no
cumprimento das disposições legais que determina que os menores referidos, quando
não viajam na companhia dos pais e tutores, tem de instruir os seus pedidos de emi-
gração com a declaração de pessoa idónea que se comprometa a acompanhá-los e a
entregá-los aos chamantes, e declaração do pai ou tutor entregando-os aos acompa-
nhantes”11.
A Junta sempre procurou combater a emigração clandestina e seus engajadores,
denominando-os como “intermediários, especuladores ou agentes de emigração que
actuam fora da lei”12.
Os engajadores são vistos pela Junta como indivíduos sem idoneidade moral, que
existem para enganar e criar problemas aos pretensos emigrantes, que lhes deixam
tratar da sua documentação (falsificando os documentos, contratos de trabalho, certifi-
cados escolares, atestados de residência, etc.). Numa das muitas circulares enviadas
pela Junta abordam este assunto de modo pertinente, alertando as Câmaras Municipais
8
Circular n.º 35, de 10/12/1947.
9
Circular confidencial n.º 31/49, de 24/9/1949.
10
Circular n.º 35/51 S.E., de 22/9/1951.
11
Circular n.º 97/52 S.E., de Março de 1952.
12
Ofício circular confidencial n.º 14/57 S, de 16/7/1957.
174
Estado português repressivo ou paternalista?
Uma visão da emigração portuguesa através das circulares do Governo (1948-1974)
13
Circular confidencial n.º 36/51 S.E., de 3/10/1951.
14
Circular n.º 2/62 S, de 29/3/1962.
15
Circular n.º 35/51 S.E., de 22/9/1951; Circular 40/51 S.E., de 2/11/1951, Circular n.º 9/52 S.E., de
Março de 1952; Circular n.º 18 S.E., de 24/10/1955; Circular n.º 23/55, de 16/12/1955.
16
Circular n.º 16/55 S.E., de 25/7/1955.
17
Circular n.º 25/56, de 19/11/1956.
18
Circular n.º 25/50 S.O.P., de 13/4/1950.
19
Circular n.º 9/52 S.E., de Março de 1952.
175
Celeste Castro
20
Circular n.º 7/53 S.E, de 6/3/1955.
21
Ver Anexo III – A Casa do Emigrante.
22
Circular n.º 35, de 10/12/1947.
23
Circular n.º 3581/48, de 6/4/1948.
176
Estado português repressivo ou paternalista?
Uma visão da emigração portuguesa através das circulares do Governo (1948-1974)
pede que se faça com o maior desenvolvimento possível. Agradeço uma vez mais
todos os cuidados postos por V. Ex.ª e funcionários dependentes na solução satisfató-
ria de tão momentoso problema, permitindo que dia a dia se vão tornando mais evi-
dentes tão oportunas disposições destinadas à protecção dos emigrantes”24.
Uma das muitas funções da Junta da Emigração era a marcação das passagens
dos emigrantes, por via marítima e por via aérea. O emigrante, aquando do preen-
chimento do Boletim de Informação25, solicitava, desde logo, a marcação da passa-
gem, a data prevista de embarque, os portos de embarque (Porto ou Lisboa) e
desembarque, os acompanhantes (portugueses ou estrangeiros) que pretendessem
viajar na companhia do emigrante, e qual a companhia de navegação pretendida.
Daí as inúmeras circulares que a Junta da Emigração enviava às Câmaras, onde
incluía os preços, as condições e os horários das várias companhias de navegação26
(portuguesa e estrangeiras) disponíveis, tanto nos portos de Lisboa, como do Porto.
Quando o emigrante recebia a licença de emigração, tinha a obrigação de “cau-
cionar a passagem na companhia ou agência de navegação que lhes é indicada, no
mais curto prazo de tempo, por meio de cheque, vale de correio ou outra forma, sem
de se deslocarem das suas terras”27. Este caucionamento a entregar às companhias de
navegação era 50% do custo total da passagem. Quem não caucionava a passagem,
perdia o direito de embarcar, acarretando despesas para o emigrante, já que teria de
se justificar perante a Junta e teria que esperar que esta lhe marcasse nova passagem.
Como a Junta da Emigração tinha um número limitado de lugares nos barcos que
atracavam em Lisboa ou Porto, era difícil de obter lugares disponíveis. Para combater
este problema, a Junta exigia aos emigrantes e retornados a marcação das passagens
com uma antecedência de 60 dias.
24
Circular n.º 10122/48, de 5/8/1947.
25
Ver Anexo II, ponto 3.
26
Ver anexo IV – Publicidade.
27
Circular n.º 32/51 S.E., de 6/971951.
28
Ver anexo V – Quadro com a legislação referida nas circulares.
177
Celeste Castro
Conclusão
29
Circular n.º 7/49, 4/3/1949.
178
Estado português repressivo ou paternalista?
Uma visão da emigração portuguesa através das circulares do Governo (1948-1974)
Anexo I
Anexo II
179
Celeste Castro
Anexo III
Anexo IV
180
Estado português repressivo ou paternalista?
Uma visão da emigração portuguesa através das circulares do Governo (1948-1974)
Anexo V
Legislação referida nas circulares
Tipo de
Número Data Assunto
diploma
Permite aos condenados em quaisquer penais e aos imputáveis subme-
tidos por decisão judicial as medidas de segurança serem reabilitados
Decreto 34 540 27/4/1945 pelos tribunais de execução de penas, independentemente de revisão da
sentença ou despacho, nos termos do artigo 673.º do Código do Proces-
so Penal – Dá nova redacção aos artigos 76, 77 e 78 do Código Penal.
Altera as disposições vigentes relativa à ausência para o estrangeiro
Decreto-lei 35 983 23/11/1946 de indivíduos sujeitos a obrigação da lei de recrutamento e serviços
militares.
Suspende a emigração portuguesa, excepto quando feita ao abrigo de
acordos ou convenções que regulem as condições da sua e admissão
e estabelecimento nos países ou regiões de destino – atribui ao Minis-
Decreto-lei 36 199 29/3/1947 tro a faculdade de autorizar, por despacho, a saída do país de indiví-
duos que tenham já obtido passaporte de emigrante à data do presente
diploma e em relação aos quais se verifiquem circunstâncias de
carácter especial que devem ser consideradas.
Cria no Ministério a Junta da Emigração e define as suas atribuições
Decreto-lei 36 558 28/10/1947 – Insere disposições relativas à protecção do emigrante e ao condi-
cionamento da emigração.
Aprova e manda pôr em vigor as instruções para a execução do
Portaria 13 330 17/10/1950 Decreto-lei n.º 35 983 (ausência para o estrangeiro de indivíduos
sujeitos a obrigações da Lei de Recrutamento e serviço militar).
Reforça o princípio do ensino primário elementar, reorganiza a assis-
Decreto-lei 38 968 27/10/1952 tência escolar, cria os cursos de educação de adultos e promove uma
campanha nacional contra o analfabetismo.
Regula a execução do Decreto-lei n.º 38 968, que reforça o princípio
Decreto 38 969 27/10/1952
da obrigatoriedade do ensino primário elementar.
Regula a entrada ou saída do território português de todo o nacional
Decreto 39 794 28/8/1954
ou estrangeiro.
Modifica o sistema em vigor do pagamento das importâncias devidas
pela concessão dos passaportes e da taxa de revisão médica e insere
Decreto-lei 41 456 19/12/1957
disposições sobre emigração – dá nova redacção ao §4.º do artigo
25.º e ao artigo 27.º do Decreto-lei n.º 36 558
Decreto-lei 42 089 6/1/1959 Concede amnistia e perdão a vários crimes e infracção.
Actualiza os programas do ensino primário a adoptar a partir do
próximo ano lectivo – declara obrigatória a frequência da 4.ª classe
Decreto-lei 42 994 28/5/1960
para todos os menores com a idade escolar prevista no artigo 1.º do
Decreto-lei 38 969.
Introduz alteração no regulamento do imposto de selo e na tabela
geral do imposto de selo – revoga os Decreto-Lei n.º 29 114 e 39 732
Decreto-lei 44 083 12/12/1961
e o art. 6.º do Decreto-lei 32 014 bem como quaisquer outros precei-
tos legais que contrariem as disposições do presente diploma.
Define as bases do regime de emigração em Portugal. Revoga o
Decreto 5 624, com excepção do art. 27.º; Decreto n.º 5 886, com
Decreto-lei 44 427 29/6/1962
excepção do art. 68.º e o Decreto n.º 34 330, o Decreto-lei n.º 36 199
e o art. 30.º do Decreto n.º 39 794.
181
Celeste Castro
(continuação do Anexo V)
Tipo de
Número Data Assunto
diploma
Decreto-lei 44 428 29/6/1962 Estabelece as normas relativas ao condicionamento da emigração.
Dá por redacção a diversos preceitos do regulamento de Serviços de
Identificação, apondo pelo Decreto 41 078 – determina que as actuais
secretarias da secção central do Arquivo de identificação e da Secção do
Decreto 45 574 5/6/1964 Arquivo Geral do Registo Criminal e Policial sejam fundidas e organi-
zadas numa secretaria comum às duas secções e estabelece os modelos
a que devem obedecer os impressos de bilhete de identidade e dos
respectivos pedidos.
Regula a entrada ou saída do território português dos cidadãos portu-
Decreto-lei 46 748 15/12/1965
gueses e estrangeiros.
Estabelece as sanções penais aplicáveis a todos aqueles que promove-
ram o aliciamento à emigração clandestina ou intervenham na emigra-
ção ilegal – revoga os artigos 85.º e 86.º do Decreto-lei do Decreto-lei
Decreto-lei 46 939 5/4/1966
39 749, com a redacção que lhes foi dado pelo artigo 2.º do Decreto-lei
n.º 43 582, excepto quanto às penas aplicáveis aos emigrantes, nos
termos do art. 3.º do presente diploma.
Dá-nos redacção a várias disposições dos artigos 6.º e 8.º do Decreto-lei
Decreto-lei 48 024 4/11/1967 39 844, que promulga o regime para a concessão do abono de família
aos funcionários do Estado civis e militares.
Lei 2 135 11/7/1968 Promulga a lei do serviço militar.
Concede o benefício da amnistia ao crime do 85.º do Decreto-lei n.º 39
Decreto-lei 48 783 21/12/1968 749, com a redacção dada pelo Decreto-lei n.º 43 582 e no art. 3.º do
Decreto-lei n.º 46 939.
Designa as sanções que não serão aplicadas aos indivíduos que até 31 de
Dezembro de 1968 tenham faltado à junta de recrutamento, à incorpora-
Decreto-lei 48 861 10/1/1969
ção ou tenham deixado de praticar quaisquer dos actos que condicionam o
alistamento caso se apresentem para cumprir o serviço militar.
Modifica o sistema punitivo doa actos da emigração clandestina e de
Decreto-lei 49 400 24/11/1969 incitamento e auxílio à mesma emigração – revoga o Decreto-lei n.º
46 939.
Cria, na Presidência do Conselho, o Secretariado Nacional da Emigra-
Decreto-lei 402/70 22/8/1970
ção – Extingue a Junta da Emigração.
Decreto 16/72 12/1/1972 Regulamenta o funcionamento do Secretariado Nacional da Emigração.
Fontes e Bibliografia
Fontes Manuscritas
182
Estado português repressivo ou paternalista?
Uma visão da emigração portuguesa através das circulares do Governo (1948-1974)
Fontes Impressas
Bibliografia
183
TRANSNACIONALIDADE E LUSO-TROPICALISMO
NA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE DE 1946:
O LEGISLADOR BRASILEIRO E A IMIGRAÇÃO PORTUGUESA
Introdução
185
José Sacchetta Ramos Mendes
em qualquer das partes do Reino Oitocentista português, desde que residisse em terri-
tório do novo país emancipado e aderisse ao ideal político da independência1.
O fenômeno da transnacionalidade luso-brasileira é, assim, anterior ao capitalis-
mo globalizado do fim do século XX. De modo amplo, assume-se que o diferencial
da noção contemporânea de transnacionalidade, relativa aos imigrantes, é o surgi-
mento das novas tecnologias de comunicação, que facilitam contatos e negócios, e a
invenção da dupla nacionalidade, que legitima o exercício de direitos. A condição
transnacional surge, nesta perspectiva, como reflexo do mercado global no plano da
cidadania. O caso dos portugueses fixados no Brasil tem, porém, um fio condutor
antigo, que se relaciona com o desenlace do estatuto colonial e com o peculiar pro-
cesso de construção do Estado nacional brasileiro.
Já no século XIX, verificavam-se entre os imigrantes portugueses no Brasil duas
características comuns às definições hoje aceites de transnacionalidade: a) ocorrência
de identidades nacionais mistas, em indivíduos fixados fora de seus países de origem;
b) manutenção de vínculos sociais, econômicos e políticos da coletividade emigrada
com o Brasil e com Portugal.
Do ponto de vista jurídico, a idéia de que portugueses e brasileiros poderiam
compor uma mútua binacionalidade foi aventada pelos negociadores do Tratado de
1825, em que o governo de Lisboa reconheceu a independência do Brasil. A cláusula
que previa o instituto binacional foi rechaçada pelos representantes do Rio de Janeiro
e retirada do texto finalmente assinado. Dois anos antes, o assunto foi debatido pela
Constituinte do Império. Naquela assembléia, o projeto de dupla nacionalidade luso-
brasileira também foi refutado. Não obstante, a definição legal adotada foi a de que
todo súdito português residente no país à data da Independência era originariamente
cidadão brasileiro, a despeito do local de nascimento.
A partir de então, a temática da afinidade entre os povos do Brasil e de Portugal
foi relegada pelo legislador a um plano ordinário, infraconstitucional. A questão
retornou ao âmbito legislativo constitucional na Assembléia de 1946. É ao término
da ditadura de Getúlio Vargas – e da Segunda Guerra Mundial, numa perspectiva
internacional – que a idéia de etnicidade luso-brasileira vem à tona mais fortemente
no meio político e jurídico brasileiro. Na sociologia, a elaboração da teoria do luso-
tropicalismo desde a década de 1930 fornecia uma nova camada ao substrato ideoló-
gico de construção da identidade nacional.
1
A Constituição do Império, de 1824, acompanhou a formulação apresentada no ano anterior pelos
deputados constituintes e determinou em seu artigo 6.º, inciso IV, que “são cidadãos brasileiros (...)
todos os nascidos em Portugal e suas possessões que, sendo já residentes no Brasil na época que se
proclamou a independência nas províncias onde habitavam, aderiram a esta expressa, ou tacitamente,
pela continuação de sua residência”. Ver NOGUEIRA, 1999: 80.
186
Transnacionalidade e luso-tropicalismo na Assembléia Constituinte de 1946:
o legislador brasileiro e a imigração portuguesa
Este discurso é possivelmente a mais antiga menção aos povos lusófonos do conti-
nente africano feita em âmbito constituinte brasileiro. No terreno das ideias, a concepção
2
BRASIL. Discurso do deputado Gilberto Freyre…, p. 198 e ss.
3
BRASIL. Discurso do deputado Gilberto Freyre…, p. 198 e ss.
4
BRASIL. Discurso do deputado Gilberto Freyre…, p. 198 e ss.
187
José Sacchetta Ramos Mendes
188
Transnacionalidade e luso-tropicalismo na Assembléia Constituinte de 1946:
o legislador brasileiro e a imigração portuguesa
5
Decreto-lei n.º 1 545, de 25/8/1939. Coleção das leis do Brazil, 1891/1945. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, vol. 52, pp. 221-222.
6
CALMON, 1947: 265-266.
189
José Sacchetta Ramos Mendes
Este excerto de texto didático, ensinado nas faculdades de Direito brasileiras até
1967, coaduna-se com a matriz ideológica dos discursos parlamentares acerca do
projeto de outorga de condição jurídica especial ao imigrante português. Ainda, nas
palavras de Gilberto Freyre perante a Assembléia de 1946:
“O Brasil deve preparar-se para receber (...) imigrantes de várias procedências, sem
que o lastro de cultura tradicional e comum, que é a de origem lusitana, sofra depressão
excessiva ou perigosa. Ao contrário: no interesse da nacionalização e da cultura brasi-
leira (...) tudo deve ser feito para que esse lastro se avigore, através da maior aproxima-
ção do nosso povo com o português e do reconhecimento da situação especial do
português em nosso meio”7.
7
BRASIL. Discurso do deputado Gilberto Freyre…, p. 198 e ss.
190
Transnacionalidade e luso-tropicalismo na Assembléia Constituinte de 1946:
o legislador brasileiro e a imigração portuguesa
8
Sobre a recepção da teoria de Gilberto Freyre em Portugal, ver CASTELO, 1999.
191
José Sacchetta Ramos Mendes
Conclusões
É razoável supor que será possível repensar questões contemporâneas, por exem-
plo, sobre a imigração brasileira para Portugal, a partir da análise da condição singu-
lar da imigração portuguesa no Brasil. Não se trata de evocar reciprocidade no
tratamento de imigrantes – o que, em parte, a lei prevê –, mas sim de refletir sobre o
que significa dar forma jurídica à unidade lingüística entre sociedades distintas. O
reconhecimento da lusofonia como categoria legal relevante importa não só para se
compreender o desenho institucional de suas prerrogativas internas, na concepção
freyreana de um estatuto luso-afro-brasileiro, ou para melhor refletir sobre a última
fase da emigração portuguesa em massa para o Brasil. A adoção da lusofonia como
figura jurídica surge como elemento contemporâneo de transnacionalidade, essen-
cialmente relacionado aos deslocamentos humanos do passado, que, entretanto, atua-
liza a relação possível da presença de cidadãos de Portugal no Brasil, e vive-versa.
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibiliografia
CALMON, Pedro, 1947 – Curso de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro e São
Paulo: Freitas Bastos.
CASTELO, Cláudia, 1999 – “O modo português de estar no mundo”, in O luso-tropicalismo
e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento.
FREYRE, Gilberto, 1998 – Casa Grande & Senzala, 34.ª edição. Rio de Janeiro: Editora
Record.
FREYRE, Gilberto, 2009 – O mundo que o português criou, 9.ª edição. São Paulo: Realizações.
192
O PAPEL DOS AÇORES NA CONSTRUÇÃO DO DISCURSO
PARLAMENTAR OITOCENTISTA SOBRE A EMIGRAÇÃO
Introdução
193
Fernanda Paula Sousa Maia
faziam3, acabando por revelar um efectivo divórcio entre o mundo dos políticos e o
mundo real.
3
LEITE, 1999: 181.
194
O papel dos Açores na construção do discurso parlamentar oitocentista sobre a emigração
depois que o grande manto de que ella em outro tempo se compunha, se dilacerou;
porém essas reliquias são de grande importancia, tanto pelo seu valor, como pelo
affecto que ellas conservão pelo Berço da Monarchia. He da dignidade da Legislatura
tomar medidas não somente da conservação, pois he um rigoroso dever, como tam-
bem de favor, e protecção: mais vigilante deve ser a politica, quando o nascimento de
muitas Nações no Continente Americano convida a emigração; e […] não he de
admirar se aproveitem familias em pobreza, e cujos costumes tem a mesma origem.
Lembremo-nos, que as Colonias partidas dos Açores povoarão grande parte das visi-
nhanças do Rio da Prata, do Rio Grande, e Sancta Catharina. He verdade de, que os
Açores, sendo Ilhas de muito fertilidade, a emigração não he tanto de recear, como
naquelles Paizes aonde a subsistencia he mais dificultosa de ganhar”4.
Como acabámos de verificar, este deputado, nascido na Baía, reputado jurista e
destacado representante das primeiras Cortes Liberais5, parece desconhecer a reali-
dade emigratória açoriana, compondo a sua intervenção com ideias feitas sobre os
Açores, alicerçadas na sua história, ao mesmo tempo que oferecia algumas pinceladas
sobre a conjuntura que então se vivia. Só assim se entende o modo despreocupado
como refere que esta “emigração não he tanto de recear” em virtude dos Açores serem
terra “de muito fertilidade”, ao mesmo tempo que ressalta a importância histórica da
emigração destas ilhas com destino ao Brasil, evocando o contributo das suas gentes
para a formação das colónias em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, em meados
do século XVIII6. A naturalização do fenómeno migratório açoriano para o Brasil
decorre, portanto, para este deputado e para muitos dos que o ouviam, destes tópicos – a
fertilidade da terra açoriana, a tradição histórica e os “costumes” locais – não anteci-
pando quaisquer problemas futuros, como o despovoamento desse território.
Pelo contrário, nesta mesma sessão, procurando justificar a difícil conjuntura
vivida nos Açores, o deputado Francisco de Lemos Bettencourt, natural de Angra e
filho de uma das mais ancestrais famílias açorianas7, ajuda a esclarecer melhor a
questão, explicando “que estas circumstancias fataes, que são bem conhecidas no
Continente de Portugal, são ainda muito mais apuradas na Provincia dos Açores,
aonde ha muito pouco numerario; alli a moeda tem contra si vinte cinco por cento
aquella Provincia soffrêo, ha annos, uma horrivel calamidade da introducção de
4
DIARIO da Camara dos Senhores Deputados…, sessão de 12 de Fevereiro de 1828, p. 513.
5
Ver M.C.Q., 2002: 599-603 (vol. II).
6
A partir de 1720, câmaras açorianas e particulares solicitam à Corte de Lisboa autorização para irem
para o Brasil. Pela provisão régia de 31 de Agosto de 1746, determina-se o “alistamento” de pessoas
(Açores e Madeira) cujo transporte para o Brasil seria pago pela Fazenda Real, garantindo-se durante um
ano a sua sobrevivência. Nos Açores, alistaram-se 7 817 pessoas que, entre 1747 e 1753, se dirigiram
para a ilha de Santa Catarina, no sul do Brasil. A partir de 1752, o governador da Capitania de Santa
Catarina, daqui encaminhou “casais” para o Rio Grande do Sul (Ver PIAZZA, 1994).
7
LOBO, 2002: 266-287 (vol. I).
195
Fernanda Paula Sousa Maia
dinheiro falso, a qual lhe extorquio todo o seu dinheiro verdadeiro; em outra época se
forjou uma moeda papel particular naquella Provincia, e que dêo causa a uma terri-
vel emigração; deve-se portanto ter muita consideração com estes acontecimentos,
que são muito particulares aquella Provincia, e por isso merecem contemplação, para
se lhe dar maior prazo para as prestações; e tendo-se em vista para este fim não só as
razões, que tenho apresentado, mas tambem as que os outros Senhores Deputados
tem expendido, e que merecem multa attenção, relativamente ás producções daquella
Provincia, e boa indole dos seus habitantes”8 [itálico nosso]. Repare-se como o maior
e melhor conhecimento da realidade açoriana contribuiu para que este deputado clari-
ficasse, com maior rigor, esta questão, descolando das habituais razões históricas da
emigração açoriana para o Brasil e complexificando o fenómeno emigratório insular,
inserindo-o num quadro multifactorial, em que as razões ligadas às dificuldades eco-
nómicas são claramente evidenciadas.
Foi também pela voz de outro deputado, Leonel Tavares Cabral, que, embora não
sendo açoriano, era um bom conhecedor dessa realidade, uma vez que desde inícios
de 1826 desempenhara o cargo de juiz de fora na ilha do Pico, ao mesmo tempo que
fora também juiz colegial na Junta Criminal de Angra9, que, de novo, se pôs a nu na
Assembleia electiva as difíceis circunstâncias económicas e financeiras então vividas
nos Açores. Recordando que com excepção de S. Miguel “não ha n’aquella Provincia
dinheiro algum em reserva; (...) e como ninguem tem dinheiro (...) como a divida é
tamanha, e tantos os devedores, segue-se que a miseria será geral”, o deputado expli-
ca que “atrás della virá a emigração, para a qual os habitantes são propensos, e bem
se sabe que elles forão os povoadores de algumas Provincias do Brasil. Deste modo a
divida dos Açores ficará por cobrar, a Provincia arruinada, os seus rendimentos futu-
ros estancados, e Portugal privado de uma Provincia tão preciosa (digo privado, pel-
los effeitos da emigração)”10.
Como percebemos, nas primeiras Cortes Cartistas o fenómeno emigratório, pela
voz dos parlamentares portugueses, nunca extravasou o espaço das ilhas açorianas.
Por esta altura, a realidade era ainda dissonante da retórica política. Para os deputados,
a corrente emigratória com destino ao Brasil que saía do continente, ao inscrever-se
na tradição secular de partidas transatlânticas, não era ainda vista como gravosa e
incómoda para o estado liberal, ao mesmo tempo que, por outro lado, a independên-
cia do Brasil era ainda demasiado recente para que a antiga colónia fosse vista como
um outro país, autónomo politicamente de Portugal.
A rápida evolução política ocorrida em 1828, com a chegada de D. Miguel e a
dissolução das Cortes em 14 de Março, inviabilizou a persistência de discussões
8
DIARIO da Camara dos Senhores Deputados…, sessão de 12 de Fevereiro de 1828, p. 515.
9
DIAS, 2002: 337 (vol. II).
10
DIARIO da Camara dos Senhores Deputados…, sessão de 12 de Fevereiro de 1828, p. 512.
196
O papel dos Açores na construção do discurso parlamentar oitocentista sobre a emigração
197
Fernanda Paula Sousa Maia
necessario que por uma vez se abram os olhos, e os lancemos para todas as nossas
possessões d'Africa e d'Asia. Olhemos Sr. Presidente, para Cabo Verde, Angolla,
Moçambique etc. e para outros estabelecimentos que ainda por lá nos restam; olhe-
mos para tudo isso, para que os nossos não vão para paizes estrangeiros, e para que
não vejamos o que á pouco vimos! Uma embarcação carregada de pessoas para o
Brasil!”13.
Menos de um mês depois, em Fevereiro de 1836, é pela iniciativa de Passos
Manuel que o Parlamento parece acordar para outra realidade – a das duras condi-
ções de transporte desses emigrantes nos barcos que os conduzem ao Brasil. Pare-
cendo ainda duvidar, pedindo ao governo a confirmação dos factos, este deputado
manda para a Mesa “uma memoria que me foi enviada da Bahia, e que trata da emi-
gração dos Açores, para aquella provincia: expõe o máu tratamento que recebem
estes emigrados abordo dos navios, e que em alguns pórtos do Brazil, são postos em
leilão, que o autor da memoria prova isto com um recibo que vem junto à memoria, e
que eu passo a ler, para esclarecimento da Camara (leu): todavia não respondo pelo,
facto, por que não tenho a honra de conhecer a pessoa que me fez esta remessa. Com
tudo se é verdadeiro, é para lamentar. Quando as nações da Europa procuram meios
d'estorvar ao trafico da escravatura dos negros, começa o trafico da escravatura dos
brancos!! Peço que a Commissão d'ultramar d'accordo com o Governo, procure
saber se por ventura são verdadeiros estes factos, e no caso de serem verdadeiros,
procure por meios indirectos estorvar esta emigração”14 [itálico nosso]. Era a primei-
ra vez que no Parlamento se utilizava uma expressão que gozaria de grande sucesso
no século XIX – tráfico da escravatura dos brancos, ou simplesmente escravatura
branca. No entanto, como acabamos de verificar, Passos Manuel circunscreve ainda
o fenómeno emigratório às ilhas açorianas.
Desde a primeira vez que os deputados tinham ouvido falar publicamente do
problema, em 1828, tinham transcorrido oito anos. Neste período algo mudara. A
questão era agora abordada mais frequentemente nas câmaras, mas parecia ainda
circunscrita aos Açores. Em Março de 1837, a propósito da discussão das representa-
ções de municípios açorianos das ilhas de S. Miguel e da Terceira, pedindo isenção
de recrutamento, a questão da emigração é, de novo, repescada. Alegando que “atten-
dendo a que o presente recrutamento iria augmentar a emigração d’aquelles póvos
para o continente da America, e concorrer para a despopulação de tres bellas Provin-
cias Portuguezas”, de novo, o deputado Leonel Tavares Cabral, aproveita para escla-
recer que embora “a imigração dos Açores não procede de lhe não concedermos
excepções do recrutamento, mas o certo é que existe lá o espirito de emigração, e
13
DIARIO da Camara dos Senhores Deputados…, sessão de 18 de Janeiro de 1836, p. 118.
14
DIARIO da Camara dos Senhores Deputados…, sessão de 5 de Fevereiro de 1836, p. 349-350.
198
O papel dos Açores na construção do discurso parlamentar oitocentista sobre a emigração
todo o rapaz que poder ser soldado, e lhe constar que há de ser recrutado, foje, e vai
augmentar povoações estranhas, deminuindo a povoação de uma provincia nossa”.
Esta ideia, apoiada por outros deputados que continuam a acreditar que a emigra-
ção açoriana é fruto de “uma mania; entregam-se a ella, não só os que nada possuem;
mas até ás vezes quem é senhor de uma tal ou qual fortuna”15, vai sendo, porém, aos
poucos, desmistificada pela maioria dos parlamentares que abandona progressiva-
mente esta visão tradicional da apetência dos açorianos pela emigração.
Um dos oradores que se ergue a defender uma visão mais realista e racional da
questão é o próprio José Estêvão, que começava então já a ser um respeitável tribuno,
cujas análises, cheias de argúcia e perspicácia, lhe granjeavam reconhecimento e
competência entre os seus pares. Não conhecendo directamente a realidade açoriana,
a sua intervenção revelar-se-ia fundamental para uma análise mais informada e
actualizada da questão, esclarecendo: “Nos Açores a classe mais numerosa vive em
uma especie de servidão pessoal; os possuidores de terras são poucos, são os morga-
dos; (...) Muitas vezes com o trabalho d’uma semana, apenas pagam [os trabalhado-
res] a sustentação de tres dias. Quem assim vive não deixará por pouco tão ingrata
terra?”16. Como vemos, José Estêvão ao descolar-se da tradicional explicação do
fenómeno, avançava com um argumento que denunciava a profundidade e rigor de
análise por que ficaria conhecido. Apontando a realidade histórica da propriedade da
terra e as condições servis do trabalho agrícola como os factores determinantes para a
emigração, José Estêvão punha, sem hesitações, o dedo na ferida, questionando,
simultaneamente, um dos pilares essenciais do liberalismo.
Pelo contrário, ainda no âmbito desta discussão, ficaríamos surpreendidos com o
conservadorismo da análise de um deputado – Almeida Garrett – que, tendo ele pró-
prio algum conhecimento da realidade açoriana, uma vez que seu pai de lá era natural
e ele próprio, na sua juventude, havia residido na ilha Terceira, acabaria por revelar
alguma timidez na sua análise, apesar de afirmar querer “entrar [na discussão] com a
cabeça e com o coração”. Defendendo o valor liberal do tributo de sangue, num lon-
go e erudito discurso como era seu timbre, insiste na importância da tradição históri-
ca dos açorianos em emigrarem, defendendo que ela sempre tinha existido, pelo que
considerava que não deveria ser imputado apenas ao recrutamento a razão da saída
de açorianos.
Apoiando esta intervenção, o deputado Costa Cabral vai mais longe, consideran-
do que a emigração “é filha de muitas causas”, como a “ambição dos morgados das
ilhas, e ao pouco conhecimento que elles tem dos seus próprios interesses”, o alto
preço dos aforamentos e arrendamentos, a “grande porção de terrenos incultos” que a
15
DIARIO das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes…, [sessão de 17 de Março de 1837], p.
55-56. Deputado José Alexandre de Campos.
16
DIARIO das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes…, [sessão de 17 de Março de 1837], p. 61.
199
Fernanda Paula Sousa Maia
par das “falsas promessas, que lhes são feitas por essas sociedades, ou companhias,
que não podendo fazer escravatura negra nas costas d’Africa, a vem hoje fazer bran-
ca nos Açores”17. Mostrando ser um bom conhecedor da realidade insular, uma vez
que aquando da sua passagem na ilha Terceira havia sido membro da Junta de Justiça
e, mais tarde, em 1834, seria nomeado juiz da Relação dos Açores, terra onde viria a
casar com a filha do cônsul inglês, sendo ainda, nesta legislatura, representante eleito
por esse círculo18, António Bernardo da Costa Cabral aproveita para, a propósito
deste tema, atacar o governo pela forma negligente com que este encara o assunto.
Chamando a si a iniciativa, aproveita para esclarecer o executivo “Quer V. Exª, e
o Congresso saber como se fazem os contractos entre as taes companhias, e os que se
propõem emigrar? Como esta[es] não tem dinheiro para pagar as passagens para o
Brazil, obriga-se por uma escriptura pública a todo o serviço, que lhe fôr designado, e
por tanto tempo, quanto fôr necessario para pagar a passagem: chegados ao Brazil eis
os Açorianos no mercado, a quem mais dá, e lá vão os Brazileiros compra-los tempora-
riamente! E não é isto vergonhoso ao nome Portuguez? E há de consentir-se tal?...”19.
Era a primeira vez que na Assembleia a questão das Companhias de Colonização era
tratada de um modo tão claro e informado, evocando-se explicitamente os seus por-
menores mais sórdidos.
De uma forma veemente parecia ficar também sublinhada a estreita associação
que, a partir de então sempre seria estabelecida, entre a substituição de mão-de-obra
escrava negra no Brasil e as crescentes necessidades de braços pela economia impe-
rial, nexo que a próxima abolição do tráfico parecia, aliás, sustentar. Que argumento
mais forte poderia ser encontrado pelos deputados para sustentar um debate que, a
partir daí, pretenderia apenas confirmar os seus pressupostos? Com esta retórica
dominante evitavam-se também outras explicações para o fenómeno que pudessem
evidenciar as dificuldades de um regime incapaz de fixar a sua própria população.
Assim se compreende a crescente preocupação do Estado português em controlar de
uma forma mais rigorosa a saída dos seus cidadãos, como as iniciativas legislativas
futuras apresentadas no Parlamento iriam testemunhar.
Sem o perceber, Costa Cabral acabava de contribuir para uma análise diferenciada
desta questão, cindindo com a tradição e mostrando como esta corrente emigratória que
dos Açores partia com destino ao Brasil tinha, afinal, características inovadoras. Na
verdade, como Costa Cabral compreendeu então, esta emigração oitocentista é um
fenómeno distinto das migrações anteriores, inserindo-se no movimento novo que,
entre as décadas de 1830 e 1860, se dirigia ao Brasil20.
17
DIARIO das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes…, [sessão de 18 de Março de 1837], p. 71.
18
BONIFÁCIO, 2004: 491-494.
19
DIARIO das Cortes Geraes Extraordinarias e Constituintes…, [sessão de 18 de Março de 1837], p. 71.
20
RILEY, 2003: 146-147.
200
O papel dos Açores na construção do discurso parlamentar oitocentista sobre a emigração
201
Fernanda Paula Sousa Maia
202
O papel dos Açores na construção do discurso parlamentar oitocentista sobre a emigração
agricultura, cultivar os “immensos baldios que cobrem Portugal” parecem ser algu-
mas soluções para alterar a deslocação de cidadãos. Se não “que resultado se tira de
dizer a homens que só vêem na Patria um prospecto de miseria, «vós arriscai-vos a
ser miseraveis na vossa emigração?» Ao menos, dirão elles, essa desventura é incer-
ta, e podemos lá ser felizes, quando aqui temos quasi a certeza de nunca o ser”22.
Remetendo a raiz do problema para dentro das próprias fronteiras, Alexandre Hercu-
lano estava a reposicionar a emigração não como resultado de manias ou fruto de
ignorâncias, mas como sintoma inegável de incapacidade do próprio país23.
Não podemos afirmar qual o grau de importância deste artigo de Alexandre Her-
culano para o início de um debate que só agora parecia começar na Câmara dos
Deputados. O discurso sobre a emigração, até então vista como um fenómeno exclu-
sivamente açoriano, teria que ser redimensionado e entendido agora no plano do
próprio país, o que acabava por sublinhar ainda mais a incapacidade de Portugal para
conseguir reter uma população que não era já a ignorante e miserável gente dos Aço-
res, como afirmara em 1837 Almeida Garrett, enquanto deputado por aquela região,
procurando uma justificação para essa atitude. O que estava agora em causa eram
homens válidos, na linguagem de Herculano, “o homem laborioso, o artista perfeito e
intelligente” que deixava a sua terra por não encontrar lugar nela. Ou seja, o debate
remetia directamente para a incapacidade de um país que, na psicanálise mítica de
Eduardo Lourenço, via a sua viabilidade ser seriamente posta em causa24.
A Câmara dos Deputados parecia, no entanto, continuar pouco desperta para este
problema. Apenas um ano depois, depararemos com uma iniciativa que visava tratar
da questão e, mesmo assim, com o carácter provisório e eventual que se revestia a
nomeação de uma comissão encarregada de propor medidas para pôr termo à emi-
gração que partia dos Açores e do Reino com destino ao Brasil. Escolhidos os depu-
tados Vasconcelos Pereira, Manuel António de Vasconcelos25, que se havia, por
diversas vezes, distinguido em intervenções sobre o tema, Paulo Midosi, conde da
Taipa, Jervis d’Atouguia, representante da Madeira e nascido nessa ilha26, Ávila e
Lobo de Moura27, a ela se remetia a análise de uma questão delicada, bem como a
iniciativa legislativa correspondente. A Assembleia de Deputados “lavava as suas
mãos”, remetendo a responsabilidade para os ombros da comissão.
22
DIARIO do Governo, 1838: 47-48.
23
DIARIO do Governo, 1838: 47.
24
LOURENÇO, 1978: 26.
25
Nascido em S. Miguel, vereador da Câmara de Ponta Delgada em 1832 e fundador do jornal O Aço-
riano Oriental (1835). Ver LUCAS, 2006: 1016.
26
Nascido no Funchal, em 1831 parte para os Açores, para ser nomeado secretário-geral, desde 1834 foi
sucessivamente eleito representante pelo círculo da Madeira (DÓRIA, 2004: 227-229).
27
DIARIO do Governo, 1839: 381. Esta comissão veria o seu mandato renovado no ano seguinte, por
proposta do deputado Sá Nogueira, que enfatizaria mais uma vez a questão da “escravatura de Cidadãos
Portuguezes” no Brasil (ver DIARIO da Camara dos Deputados…, 1840, p. 20).
203
Fernanda Paula Sousa Maia
204
O papel dos Açores na construção do discurso parlamentar oitocentista sobre a emigração
e procurado, e nenhum achou ainda efficiente; a Camara não pode ir estabelecer uma
Lei, que promova o mal mais terrivel, que afflige aquelles povos, porque, sr. Presi-
dente, como muito bem notou um Deputado da Provincia oriental dos Açores, pela
maior parte dos generos coloniaes, que nos são levados, nós não temos a dar em tro-
ca, infelizmente senão carne humana. Os Açores fazem naturalmente o commercio
da escravatura branca, e aqui aonde tão alto se levantaram as vozes contra a escrava-
tura preta, não se consentirá a protecção dest’outra escravatura tão escandalosa, que
se faz differença daquell’outra, não é senão para mais abominavel, porque trafica de
entes mais civilisados do que aquell’outros”28.
Esta seria a linha preferencial que o futuro iria recuperar. Insistindo na constru-
ção de um discurso emocional dissuasor da partida, sublinhando o facto de os emi-
grantes terem sido enganados com promessas vãs, enfatizando determinados aspectos
mais dramáticos da viagem e da própria vivência migrante, os deputados da primeira
metade de Oitocentos afastavam-se da realidade que os circundava. Alheios às von-
tades dos que partiam, ignorando os seus pontos de vista, estes parlamentares ele-
giam tópicos teóricos que não contribuíam para resolver o problema da emigração. O
seu discurso tornava-se, assim, artificial e postiço, tal como a legislação entretanto
produzida se mostrava incapaz de conter as partidas.
Conclusão
28
DIARIO da Camara dos Deputados…, sessão de 24 de Abril de 1839, p. 213-215 (vol. II).
205
Fernanda Paula Sousa Maia
perceberam, esta emigração era bem distinta da anterior e, por isso, deveria ser lida e
analisada a partir de pressupostos também eles distintos dos precedentes. Aos pou-
cos, os deputados da primeira metade de Oitocentos iam percebendo que este fenó-
meno não se circunscrevia apenas aos Açores. A segunda metade do século XIX iria
mostrar que o território continental português ia ser tocado por esta verdadeira febre
que, como descreveria Costa Cabral em 1843, “parece filha de um systema premedi-
tado, em que se empregam meios de persuasão e astucia para illudir a gente incauta e
a vida de chimericas fortunas, que se lhe promettem”29.
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
29
DIARIO da Camara dos Deputados…, sessão de 13 de Janeiro de 1843, p. 66.
206
O papel dos Açores na construção do discurso parlamentar oitocentista sobre a emigração
207
O DISCURSO PARLAMENTAR DA EMIGRAÇÃO
PORTUGUESA PARA O BRASIL (1855-1858)
Paula Barros
Introdução
209
Paula Barros
210
O discurso parlamentar da emigração portuguesa para o Brasil (1855-1858)
211
Paula Barros
212
O discurso parlamentar da emigração portuguesa para o Brasil (1855-1858)
213
Paula Barros
214
O discurso parlamentar da emigração portuguesa para o Brasil (1855-1858)
215
Paula Barros
Conclusão
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
216
O discurso parlamentar da emigração portuguesa para o Brasil (1855-1858)
217
O INQUÉRITO PARLAMENTAR DE 1885 E
O DISCURSO SOBRE A EMIGRAÇÃO
Conceição Salgado
Introdução
1
A representação portuguesa era composta por António de Serpa Pimentel, Luciano Cordeiro, pelo
nosso ministro na capital alemã, o marquês de Penafiel, pelo conde de Penafiel, por Carlos Roma do
Bocage e pelo conde de S. Mamede.
2
Após a Conferência de Berlim, surge a necessidade de fazer convergir a corrente migratória para as
colónias africanas, já que o Acto Geral definia um novo direito público colonial, uma política de ocupa-
ção a seguir, reclamando a existência de uma autoridade suficiente para fazer respeitar os direitos adqui-
ridos e a liberdade de comércio e trânsito, política que não considerava o direito histórico mas tinha em
conta a posse efectiva pela ocupação do território.
3
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 23 de Junho de 1885, p. 2568.
219
Conceição Salgado
4
A Comissão Parlamentar de Inquérito à Emigração Portuguesa era composta por nove membros, sendo
presidida por Luciano Cordeiro. Tinha como secretários Ferreira de Almeida e Barbosa Centeno. DIÁ-
RIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 3 de Julho de 1885, p. 2839.
5
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 6 de Julho de 1885, p. 2902.
6
O ofício enviado por Luciano Cordeiro, em nome da Comissão, ao Ministro da Marinha, data de 20 de
Agosto de 1885.
7
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 18 de Janeiro de 1886, p. 95.
8
O Ministério do Ultramar não tinha enviado até à data qualquer resposta.
9
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 18 de Janeiro de 1886, p. 95.
220
O Inquérito Parlamentar de 1885 e o discurso sobre a emigração
221
Conceição Salgado
15
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 27 de Abril de 1887, p. 246. Oliveira Martins
relevou o trabalho realizado pela Comissão Parlamentar de Inquérito à Emigração. Considerou que as
respostas dadas pelos concelhos contêm indicadores da máxima importância, uma vez que permitem a
caracterização socioeconómica de uma parte significativa do país.
16
Apesar da possibilidade de consultar os registos de passaporte do Governo Civil, o administrador do
concelho de Bragança limitou-se a responder que ignorava o número de emigrantes que saíram do concelho.
222
O Inquérito Parlamentar de 1885 e o discurso sobre a emigração
223
Conceição Salgado
18
COMISSÃO Parlamentar para o estudo da emigração portuguesa, 1885: 83.
19
COMISSÃO Parlamentar para o estudo da emigração portuguesa, 1885: 82, 204, 274.
20
COMISSÃO Parlamentar para o estudo da emigração portuguesa, 1885: 81, 205, 273.
21
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, p. 256.
224
O Inquérito Parlamentar de 1885 e o discurso sobre a emigração
Responderam que a corrente migratória, neste distrito, não se fazia somente para
o Brasil, havendo igualmente emigração para África, Espanha e Argentina. A princi-
pal causa apontada era a falta de subsistências, e o regresso, quanto acontecia, fazia-
se por razões várias. Quanto ao regresso, as autoridades de Faro responderam que
muitos tinham retornado em boas condições económicas, mas que também regressa-
ram alguns sem fortuna. Referiram ainda que era frequente a emigração temporária
para o Brasil.
Distrito de Portalegre – Todos os concelhos responderam que não houve emi-
gração, com excepção de Campo Maior que informou terem saído três ou quatro
pessoas para o Brasil.
Distrito do Funchal – Dos cinco concelhos deste distrito, dois deles – São Vicen-
te e Calheta – não declararam o número de emigrantes. O número de saídas perfez,
na época indicada, 1 893 efectivos. Os destinos escolhidos foram o Brasil, Demerara,
Ilhas Sandwich e Moçâmedes, regressando poucos e sem saúde. Apontaram como
principal causa para emigrarem a “falta de meios”. Destacaram que do concelho de
Ponta do Sol, um número significativo de emigrantes foi acompanhado da família.
Distrito de Ponta Delgada – Salvo os concelhos de Nordeste e Vila do Porto, que
não apresentaram os quantitativos emigratórios, sabemos que dos restantes concelhos
do distrito saíram 22 858 pessoas para vários destinos: Brasil, Ilhas Sandwich e Esta-
dos Unidos. Foi dos concelhos de Ponta Delgada e de Ribeira Grande que se verificou
uma maior corrente migratória e familiar. Só do concelho de Ponta Delgada partiram
14 583, dos quais 7 337 para o Brasil e 6 794 para as Ilhas Sandwich. Os restantes
foram para os Estados Unidos. A emigração familiar para aqueles destinos foi marcan-
te. Regressaram do Brasil a Ponta Delgada apenas alguns, sem saúde e sem fortuna
Distrito de Angra do Heroísmo – Os concelhos da Praia e Santa Cruz não indica-
ram o número de efectivos, mas responderam às restantes questões do inquérito. As
autoridades de Santa Cruz informaram que todos os emigrantes partiam clandestina-
mente, sendo o concelho de Angra o mais afectado pela emigração: 6 531 casos
declarados. O destino preferencial foi os Estados Unidos, seguido do Brasil. Para as
Ilhas Sandwich foram poucos. Regressaram pouquíssimos, o que geralmente acontecia
em caso de doença. De entre os que partiram para os Estados Unidos, alguns (entre 8%
a 12%) acabaram por regressar aos concelhos de origem e com pecúlio razoável.
As causas da emigração apontadas pelas autoridades dos arquipélagos da Madei-
ra e dos Açores eram por ordem decrescente de importância: a pobreza, o excesso de
população em algumas partes, a aversão ao serviço militar e o espírito de aventura.
Informaram, ainda, que os números indicados foram os da emigração declarada,
porque os da emigração clandestina eram, provavelmente, maiores.
225
Conceição Salgado
Quadro nº 1
Emigração segundo o Inquérito parlamentar (1885)
22
SOUSA, 2009: 47.
226
O Inquérito Parlamentar de 1885 e o discurso sobre a emigração
227
Conceição Salgado
do filho e mais bens do casal, pagando os juros de taxa exorbitante, nunca menos de 10
por cento. Faz-se uma escritura de mútuo, em que figuram como primeiros credores os
terceiros agentes, escritura caucionante de uma letra de câmbio do valor do simulado
empréstimo, letra que mais tarde é descontada ou antes endossada ao capitalista,
segundo agente, e assim fica tudo sanado em face da lei. Se os pais do mancebo
embarcado recusam pagar as 35 ou 40 libras, preço da passagem e trabalho, a letra é
posta no vencimento em execução nos tribunais judiciais. O terceiro engajador é o
agente activo de todo o contrato; com ele tratam pessoalmente os engajados e famílias.
É ele que dá ao engajado uma espécie de cheque sobre o segundo engajador e carta de
recomendação para Lisboa ou Porto.
Estes agentes têm comissão de todas as companhias marítimas de transporte e uma cor-
respondência em regra com o agente de Lisboa.
São por toda a parte altamente protegidos pelas influências locais, e zombam descarada-
mente das autoridades. É um negócio rendoso, que dá 100 por 100 de lucros semestrais.
Da forma por que se acha organizada esta torpíssima exploração, esta escravatura de
carne branca, não é fácil a qualquer autoridade coibi-la ou castigá-la. E, os tribunais
são os primeiros a patrocinar tais desmandos”23.
Ainda acerca das respostas enviadas à Comissão, Oliveira Martins salientou aspec-
tos que condicionavam e explicavam o forte êxodo interno e externo: a desvalorização
da propriedade, o mercado de capitais, o regime de trabalho e as condições das clas-
ses trabalhadoras.
O discurso parlamentar sobre a problemática da emigração não se esgotou.
Outros deputados manifestaram a sua indignação face a acontecimentos graves
de que iam tendo conhecimento.
O tratamento infringido aos emigrados nas Ilhas Sandwich, lugar onde existia
uma numerosa colónia portuguesa maltratada pelos fazendeiros das grandes explora-
ções da cana-de-açúcar, e noticiado nos jornais, insurgiu Oliveira de Matos. Este
deputado considerava que esses fazendeiros eram autênticos “tiranetes inumanos”,
“déspotas argentários, que parecem querer ressuscitar os ominosos tempos do comér-
cio da escravatura, e da escravatura europeia, ou, pelo menos, portuguesa, que é a
que mais lhes convém”. E acrescentava: “desejo saber se o Governo está informado
pelo seu cônsul nas Sandwich do que lá se tem passado, e se ele dá conta dos esfor-
ços e meios que empregou no desempenho do seu cargo para salvaguardar os direitos
sagrados dos súbditos portugueses”.
Oliveira de Matos terminou a sua intervenção manifestando o desejo de “que a
emigração portuguesa, esse numeroso bando de milhares de cidadãos, nossos compa-
triotas, embora desvairados por um sonho ambicioso, seduzidos por uma miragem de
23
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 27 de Abril de 1887, p. 246-247.
228
O Inquérito Parlamentar de 1885 e o discurso sobre a emigração
oiro que raros logram atingir, encontre em toda a parte a protecção oficial a que tem
direito e que se lhe deve. Estejam onde estiverem, nas Sandwich, no Brasil, na África
ou na Índia, eles não são enjeitados, são portugueses; são emigrados, serão então
infelizes, mas são nossos irmãos, têm todo o direito a exigir de nós e das nossas leis
todo a protecção e auxilio que se lhes possa dar…”.
A propósito do abandono a que eram votados os nossos emigrantes nas Sandwich
referiu: “As colónias das outras nações (…) encontram todo o apoio moral nos seus
cônsules”, chamando à nossa “a colónia dos carneiros, pela crueldade com que os
plantadores a tratam”, sendo revoltante o “desprezo com que a obrigam a sofrer as
maiores provações da miséria e todos os insultos do egoísmo feroz dos seus verdugos”.
Achava afrontoso para a dignidade do país a publicação do artigo sobre a forma
“como os nossos compatriotas são espoliados, tratados barbaramente como uns cães
sem dono, explorados vilmente, (…) sem que os seus queixumes nunca mereçam a
mínima consideração do respectivo cônsul!”.
Oliveira de Matos manifestou a sua revolta pela forma como funcionava a emi-
gração clandestina e, sobretudo com o modo como os contratadores aliciam os traba-
lhadores: “é bom que (…) isto aqui se leia e que se diga bem alto, para que o país o
ouça, para que esses desgraçados que se deixam iludir pelos contratadores da emi-
gração clandestina esse cancro social a que ainda se não aplicou nenhum cautério,
vão sabendo o que lá os espera! É bom que os nossos trabalhadores portugueses, essa
grande força viva do país, e que tanta falta nos faz, vá vendo por que troca a sua
pátria e deixa a sua família”. Considera que “o infeliz trabalhador português”, não só
nas Sandwich mas em outros pontos, é “pobre vítima da ignorância, da ambição, do
comércio ilícito, e da negligência dos nossos governos, da nenhuma protecção das
nossas leis!”
Lamentava que não se tivesse feito nada ainda para evitar a emigração, ou pelo
menos para a fazer diminuir, e que ninguém se tivesse preocupado seriamente com
os trabalhadores, “evitando que sejam roubados à agricultura e indústria pelos agen-
tes tolerados e até mesmo protegidos (…) dessa odiosa emigração clandestina, tão
conhecida no país, e da história infamante”.
E concluía dizendo: “já que não podemos ainda dar providencias algumas para se
reprimir pelos meios legais sabiamente reflectidos e executados, o grande mal e ruína
do país, a emigração, ao menos se lhe dê toda a protecção oficial, eficaz, pronta e
valiosa, em toda a parte onde ela existir e nós tivermos meios para isso”24.
O deputado Alves Mateus também demonstrou a sua indignação perante o impa-
rável fenómeno da emigração. Considerou ser uma “necessidade urgente e inadiável
combater a emigração legal por todos os meios indirectos, e pelos meios directos e
24
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 12 de Julho de 1887, p. 1681-1682.
229
Conceição Salgado
severos a emigração clandestina, que tem agências quase públicas em muitas terras
do reino, não lhe faltando também protecções em Vigo”.
Em sua opinião, a emigração tinha atingido tais proporções que se tornava para o
país “um verdadeiro cancro, porque sangra a população e arrebatando-lhe muitos
milhares de braços válidos, desvigora e empobrece o seu organismo económico, e
prejudica principalissimamente a agricultura e o agricultor”25.
Conclusão
25
DIÁRIO da Câmara dos Senhores Deputados, sessão nocturna de 26 de Julho de 1887, p. 2091.
26
Acta da sessão da Comissão Parlamentar de 8 de Junho de 1886.
27
Estamos em crer que tenha havido incompatibilidades políticas, pois na acta da sessão da Comissão de
8 de Junho de 1886, é referida a publicação de um decreto do Diário do Governo, datado de 4 de Junho
de 1886 e referendado por todos os ministros. Este decreto, relacionado com o funcionamento das
230
O Inquérito Parlamentar de 1885 e o discurso sobre a emigração
Anexo I
Comissão Parlamentar para o Estudo da Emigração Portuguesa (1885)
Fontes e bibliografia
Fontes
comissões parlamentares, terá causado uma enorme indignação e reprovação por parte da Comissão de
Inquérito, a ponto de o seu presidente, Luciano Cordeiro, pretender apresentar a exoneração do cargo.
231
Conceição Salgado
Bibliografia
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para o Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.
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boa: A Regra do Jogo.
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Lisboa: Guimarães & Cª Editora.
232
A EMIGRAÇÃO PARA O BRASIL NO
DISCURSO PARLAMENTAR PORTUGUÊS
APÓS A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1918-1926)
Diogo Ferreira
Introdução
1
BAGANHA, 2001: 448.
2
Em 28 de Maio de 1926 dá-se um golpe de estado militar chefiado pelo General Gomes da Costa e em
Junho é dissolvido o Parlamento, iniciando-se um período de ditadura.
233
Diogo Ferreira
3
SERRÃO, 1990: 115.
4
MARQUES, 1991: 36.
5
SIMÕES, 1934: 21.
6
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 55, de 2 de Setembro de 1919, p. 17.
234
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
nosso país como factor determinante para a partida para o estrangeiro. Este deputado
não via a escassez de mão-de-obra como o único factor impeditivo ao desenvolvi-
mento do país, atribuindo igualmente essa responsabilidade à desorganização social,
à incúria e ao retraimento do capital.
Nas duas primeiras décadas do século XX, verificava-se que os sectores agrícola
e industrial não tinham seguido o caminho da modernização e do desenvolvimento,
registando por isso uma evolução nitidamente negativa. Assistiu-se à fragmentação
das estruturas agrárias, que expulsaria agricultores do campo para a cidade, onde os
aguardaria frequentemente uma situação de desemprego, tendo sido os erros cometi-
dos nos processos de urbanização e industrialização motivos mais do que suficientes
para a fuga das pessoas.
“O que eu vejo é que a emigração no nosso país é apavorante e aumenta dia a dia,
desoladoramente, o que vem demonstrar-me que os braços dos trabalhadores portugue-
ses não encontram na sua terra aquela aplicação que tão necessária lhes era, tendo que
ir em terras estranhas, sabe Deus com que sacrifícios e através que desventuras, anga-
riar os meios de satisfazem às suas mais instantes necessidades. Daqui se conclui que à
terra portuguesa não faltam braços para o trabalho, mas verifica-se infelizmente que
falta trabalho para esses braços”7.
7
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 27, de 23 de Fevereiro de 1921, p. 8-9.
8
João Camoesas “repartiu a sua vida profissional entre a medicina, o funcionalismo público e o jorna-
lismo”, tendo desempenhado “funções como vogal do Conselho de Administração da Caixa Geral dos
Depósitos, chefe da Repartição de Higiene da Câmara Municipal de Lisboa, professor do Instituto de
Orientação Profissional, e médico escolar”. De realçar ainda que “foi ministro da Instrução entre 9 de
Janeiro e 15 de Novembro de 1923, e, de novo, de 1 de Agosto a 17 de Dezembro de 1925, devendo-se-
lhe uma reforma da Instrução de grande qualidade” (Ver MARQUES, 2000: 141-142).
235
Diogo Ferreira
9
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 101, de 16 de Julho de 1925, p. 69.
10
Segundo Nuno Simões, “não bastará que se corrija essa emigração; é preciso, é inadiável que ela seja
orientada em Portugal como os outros países orientam a sua emigração. Estão saindo de Portugal somen-
te as pessoas que representam a máquina humana […]. Não é nunca demais insistir neste ponto: o norte
do país está condenado a ficar sem mão-de-obra. Gente válida, de 20 e 30 anos, está emigrando sistema-
ticamente. Não é com o encarecimento dos passaportes, nem com as medidas que o Governo trouxe ao
Parlamento, como o aumento da taxa de saída, e outras idênticas, que se pode pôr cobro à emigração.
Outras medidas de carácter imperioso devem ser apresentadas em benefício da economia nacional”
(DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 35, de 4 de Fevereiro de 1920, p. 7).
11
No entender do deputado, o problema da emigração já devia ter sido resolvido há muito tempo pelo
governo, “para que vergonhas como esta, que acabo de referir, não se dessem”. (DIÁRIO da Câmara dos
Deputados, sessão n.º 16, de 8 de Janeiro de 1924, p. 18). A propósito de reformas, em 1926, o senador
Fernando de Sousa lamentava nada se ter feito quanto à reforma dos serviços de emigração, afirmando
que tudo depende “duma proposta que estava pendente na Câmara dos Deputados desde 1924” (DIÁRIO
do Senado, sessão n.º 59, de 19 de Maio de 1926, p. 3).
236
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
12
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 69, de 26 de Abril de 1920, p. 25-26.
13
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 29, de 25 de Fevereiro de 1921, p. 6.
14
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 32, de 5 de Fevereiro de 1920, p. 12-13.
237
Diogo Ferreira
15
No entender de Alfredo de Sá Cardoso era difícil apanhar os engajadores, já que estes “servem-se de
várias pessoas para atingirem os seus fins, as quais guardam, a troco de dinheiro, todo o segredo” (DIÁ-
RIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 91, de 28 de Novembro de 1919, p. 4-5).
16
SERRÃO, 1990: 115.
17
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 86, de 24 de Maio de 1920, p. 25.
18
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 6, de 10 de Dezembro de 1920, p. 5-7.
238
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
uma política de repressão mais eficaz, “a fim de evitar o despovoamento dos campos,
principalmente dos campos do norte”19. Este assunto seria muito debatido e a razão
era óbvia: não havendo gente para produzir, não haveria, consequentemente, possibi-
lidades de desenvolvimento do país e continuaria, assim, a vaga emigratória.
Em Fevereiro do mesmo ano, o deputado Alberto Cruz, em nome dos habitantes
de Freamunde, concelho de Paços de Ferreira, apelava às autoridades governamen-
tais para os prejuízos resultantes da emigração feita a partir daquela localidade. A
falta de braços, que derivava da emigração, era apontada como principal causadora
da crise que atravessavam, sustentando o deputado que era “absolutamente indispen-
sável reprimir severamente a emigração clandestina” por se tratar de um “problema
que interessa a todo o país, visto que do norte ao sul são uníssonos os queixumes
sobre a falta de braços”20. No Senado era dito também que as propriedades do norte
estavam “por agriculturar devido à falta de braços”, que tinham na sua maioria emi-
grado, “levando as mulheres, [e] encontrando-se ali apenas velhos e crianças”21.
Apesar de reconhecer a importância das remessas que os emigrantes enviavam
para Portugal e seu proeminente papel na nossa economia, o deputado Paulo Cancela
de Abreu entendia que “o benefício resultante do ouro trazido pelos emigrantes é
destruído completamente pela falta de braços e consequente alta de salários e aumen-
to no custo da vida”. Defendia assim que o governo devia tomar uma atitude face à
elevada emigração e atribuía responsabilidades à acção exercida pelos agentes de
emigração, que se multiplicavam por todo o país com o objectivo principal da anga-
riação de emigrantes22.
“No norte do país a emigração faz-se ainda sentir mais do que no sul. Desde sempre,
que a emigração foi maior nos distritos do norte, porque nestes distritos a população é
mais densa do que no sul, de maneira que há pontos em que a falta de braços se faz
sentir extraordinariamente, para a lavoura, e daí os proprietários rurais verem-se na
contingência de diminuírem a sua cultura e até abandonar alguns terrenos”23.
19
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 17, de 5 de Janeiro de 1920, p. 5-6.
20
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 34, de 3 de Fevereiro de 1920, p. 6.
21
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 30, de 15 de Março de 1921, p. 6.
22
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 96, de 30 de Maio de 1923, p. 6-7.
23
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 32, de 5 de Fevereiro de 1920, p. 13.
239
Diogo Ferreira
A resposta a mais este alerta seria dada pelo próprio presidente do Ministério e
ministro do Interior, António Maria Baptista. Reconhecendo a “apavorante” corrente
emigratória para muitos destinos, entre os quais se destacava o Brasil, recordava que
o governo português tinha dado “severas ordens para ser reprimida [a emigração
clandestina] e usar-se o maior rigor contra os engajadores”, ao passo que em relação
à emigração legal fora implementada uma política conjunta, em que os governadores
civis deveriam desempenhar uma acção em que não a beneficiassem, mas antes a
contrariassem. Segundo António Maria Baptista, estava em discussão um projecto,
numa comissão, acerca do problema emigratório. O ministro confessava já o ter ana-
lisado, mas não concordava com ele, já que, na sua opinião, o grande mal da emigra-
ção não era a que se efectuava individualmente, mas sim a que motivava a partida de
famílias inteiras24.
A inquietação dos responsáveis políticos face a este problema já tinha ficado
anteriormente bem demonstrada no Senado. Em 1919, Desidério Beça contava que,
quando exerceu o cargo de governador civil de Bragança, tinha assinado um “grande
número de passaportes para o Brasil”. Todavia, o que lhe causava mais indignação
foi o facto de mulheres e crianças estarem incluídas cada vez mais naqueles passa-
portes por si autenticados25.
Ainda no Senado, Ricardo Pais Gomes tinha mostrado também a sua preocupa-
ção pela saída de famílias inteiras, criticando o incumprimento do que estava legisla-
do em matéria de solicitação de passaportes quanto à residência dos impetrantes,
facto que era devidamente bem aproveitado pelos agentes de emigração que tinham
quase sempre, nos locais onde era necessário, pessoas que certificavam aquilo que
eles pediam. Esta chamada de atenção foi ouvida pelo ministro do Trabalho (Ramada
Curto) que, desde logo, afirmou que não se podia “atacar directamente o problema”,
mas que se podia “condicioná-lo, dificultar e encaminhar as coisas de maneira a obte-
rem-se alguns resultados”, asseverando igualmente que o governo, sempre que fosse
possível, poria “um entrave ao desvairamento da corrente emigratória […], tomando
as necessárias providências”26. O senador Ricardo Pais Gomes apresentaria mesmo
um projecto de lei para tentar resolver o problema da emigração, o qual só seria lido
na sessão do Senado de 29 de Julho de 192027.
24
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 94, de 4 e 7 de Junho de 1920, p. 4-5.
25
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 22, de 30 de Julho de 1919, p. 6.
26
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 39, de 20 de Fevereiro de 1920, p. 3. Noutra sessão, Ricardo Pais
Gomes mostrava-se insatisfeito com o alcance da lei de 1919, nomeadamente no que respeitava ao meio
de prova de residência do candidato a emigrante, considerando que aquela lei “permitia apenas provar a
residência do impetrante, por meio de testemunhas, e assim era fácil aos agentes de emigração terem em
Lisboa – e creio que isto não é novidade – criaturas que abonam os impetrantes, vindos, muitas vezes, na
véspera para Lisboa” (DIÁRIO do Senado, sessão n.º 40, de 21 de Fevereiro de 1920, p. 3).
27
Aquele senador julgava que “a extrema pulverização a que a divisão da propriedade rústica” tinha
chegado, contribuía para a saída de famílias inteiras e dos “melhores braços indispensáveis ao amanho
240
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
“(…) nós não podemos impedir a emigração, porque ela, obedecendo a uns determina-
dos preceitos, representa uma riqueza para o país, mas o que sucede actualmente não é
uma emigração nessas condições, porque é o despovoamento da terra portuguesa. São
28
os adultos, as mulheres e as crianças que emigram, são, enfim, povoações inteiras” .
das terras”, estando então esta situação directamente vinculada ao problema emigratório. Assim, no
projecto de lei n.º 328 abordava-se uma série de factores, procurando estabelecer providências no que
respeitava à propriedade rústica, de forma a que esta deixasse de influenciar tão decisivamente a emigra-
ção que se fazia sentir no país (DIÁRIO do Senado, sessão n.º 112, de 29 de Julho de 1920, p. 10-16).
28
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 45, de 27 de Fevereiro de 1920, p. 7.
29
MARQUES, 1979: 41.
30
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 65, de 21 de Abril de 1920, p. 21.
31
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 81, de 26 de Maio de 1920, p. 21.
241
Diogo Ferreira
dez ou doze mil emigrantes”, sugerindo por isso que a metrópole começasse a pensar
seriamente em tal hipótese32.
Volvido um mês, na sessão de 15 de Março, António José Pereira entendia ser
necessário desviar a corrente emigratória, que se fazia em grande número em direc-
ção ao Brasil para as colónias ultramarinas, pois considerava que a emigração dos
portugueses estava a adquirir um “carácter palpitante” e também por os responsáveis
políticos brasileiros não estarem a reconhecer a importante acção que muitos daque-
les desempenhavam para a evolução do seu país33.
Por sua vez, Alberto Dinis da Fonseca manifestava a sua incompreensão por as
colónias não assumirem internamente a mesma importância que no exterior. O deputa-
do católico responsabilizava as autoridades governativas por tal condição, sustentando
não ser compreensível que o governo não tivesse procurado encaminhar para as costas
de África os elevados contingentes emigratórios que se verificavam anualmente34.
Numa sessão extraordinária da Câmara dos Deputados, em finais de 1924, o pre-
sidente do Ministério e ministro do Interior, José Domingues dos Santos, apresentando
a declaração ministerial, evidenciava os pontos fundamentais para o desenvolvimento
de Portugal. Uma das suas ideias era dar início a “um ciclo de desenvolvimento da
agricultura e da povoação na metrópole e no ultramar”, de forma a “ter um fim próxi-
mo a anomalia grave de haver uma notável emigração para o estrangeiro e um conside-
rável proletariado urbano e rural num país com territórios europeus e ultramarinos
onde, com rapidez, poderia haver uma população próspera dez vezes maior”35.
Em 1926, o ministro das Colónias, Vieira da Rocha, defendia declaradamente o
desvio da “corrente emigratória do Brasil para as nossas colónias, para as transfor-
marmos num segundo Brasil”36, ideia igualmente defendida pelo deputado António
José Pereira, isto “se não quisermos ver a acção de Portugal enfraquecida e discutida
por quem o possa fazer”37.
“Angola é uma região cujos seus recursos naturais, se forem bem aproveitados, e tem-
po é de o fazer, a podem colocar, no futuro, na situação de um Brasil mais pequeno,
desenvolvido e povoado pela nossa emigração, colonizado pelo nosso trabalho e ener-
38
gia inteligentes” .
32
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 29, de 25 de Fevereiro de 1921, p. 5, 9.
33
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 38, de 15 de Março de 1921, p. 23.
34
O deputado acusava o governo de ter desprezado e abandonado as nossas colónias, daí que uma gran-
de parte da população portuguesa sentisse naturalmente pavor ao considerar a hipótese de emigrar para
África (DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 52, de 25 de Maio de 1922, p. 8).
35
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 161 (extraordinária), de 27 de Novembro de 1924, p. 14-15.
36
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 14, de 11 de Janeiro de 1926, p. 11.
37
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 78, de 27 de Abril de 1926, p. 10.
38
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 3, de 26 de Julho de 1918, p. 8.
242
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
39
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 7, de 19 de Junho de 1919, p. 12-13.
40
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 69, de 25 de Novembro de 1919, p. 5-8.
41
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 69, de 25 de Novembro de 1919, p. 10-12.
243
Diogo Ferreira
Todavia, não eram apenas preocupações e críticas que constavam nos debates
parlamentares. Isto porque também seriam apresentadas medidas para procurar
42
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 34, de 2 de Maio de 1922, p. 16-18.
43
MENDES, MIRANDA, 2006: 189, 194.
44
MENDES, 2010: 202.
45
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 161 (extraordinária), de 27 de Novembro de 1924, p. 15.
46
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 13, de 12 de Janeiro de 1925, p. 33-34.
47
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 59 (extraordinária), de 31 de Março de 1920, p. 20.
244
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
48
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 158 (extraordinária), de 18 de Novembro de 1924, p. 8.
49
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 93, de 6 de Julho de 1925, p. 37-38.
50
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 141 (extraordinária), de 26 de Outubro de 1920, p. 7-8.
245
Diogo Ferreira
51
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 53, de 7 e 8 de Julho de 1925, p. 38.
52
MARQUES, 2000: 373.
53
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 71, de 15 de Abril de 1926, p. 6.
54
MARQUES, 2000: 398.
55
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 71, de 15 de Abril de 1926, p. 7.
56
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 74, de 20 de Abril de 1926, p. 6.
246
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
não percebendo a razão pela qual muitos partiam para “longínquas terras”, quando
muitas vezes encontrariam o mesmo ou até pior daquilo a que estavam habituados57.
Na mesma ordem de ideias, o deputado socialista Ladislau Batalha destacava
igualmente as oportunidades territoriais existentes em Portugal. Este considerava que
o nosso país não tinha ainda reunido as condições necessárias ao seu desenvolvimen-
to, estando dependente em muitos sectores do exterior58. Como tal, o deputado não se
admirava com o facto da emigração portuguesa continuar a aumentar consideravel-
mente, pois os portugueses procuravam no estrangeiro mais desenvolvimento e, con-
sequentemente, maiores possibilidades de melhorar o seu nível de vida.
Por sua vez, em 1925, o ministro da Agricultura, Ezequiel de Campos, invocava
os elevados números anuais da emigração para referir que estava “quase tudo por
fazer em Portugal” e que era necessário usufruir dos nossos recursos naturais. Na sua
opinião, o nosso país tinha um vastíssimo quadro geográfico, indevidamente mal
aproveitado, apelando à importância dos nossos recursos como factores fundamentais
para equilibrar o país económica e financeiramente59.
Passados alguns dias, este célebre ministro interviria também numa sessão do
Senado, apresentando ao longo da sua explanação soluções para os problemas agríco-
las e agrários que se sentiam no país. Uma dessas estava relacionada com a forte emi-
gração que se continuava a registar na década de 1920, ou seja, o ministro defendia que
“a povoação das terras ermas é necessária como modo fácil de fixar no País uma parte
da gente que iria à emigração, e ao mesmo tempo como processo de aumentar a nossa
produção agrícola e industrial (…). Ora este movimento geral da povoação é exaustivo
57
Tal como já tinha defendido Oliveira Martins, António Aboim Inglês apelava à necessidade de colonizar
o interior de Portugal. Assim, achava que estava na hora de valorizar as riquezas existentes no país, defen-
dendo que era preciso agir no Alentejo para transformar aquela localidade num grande celeiro – evitar a
importação de cereais – e irrigar “uma parte de Trás-os-Montes, Beira Baixa e o Alentejo”, concluindo o
seu discurso com um apelo para que tivessem “fé” e que fossem “portugueses e republicanos”, pois só
assim conseguiriam salvar “a Pátria e a República”. A título de curiosidade, este deputado reiterava que
“nós temos a qualidade, para não dizer o defeito, de apreciar demasiadamente, duma forma exagerada,
tudo o que não é português” (DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 55, de 2, 3, 4 e 5 de Setem-
bro de 1919, p. 42-43).
58
De acordo com Ladislau Batalha, os “70 milhões de quilogramas de trigo e os 30 milhões de milho
que todos os anos se importam, podiam ser produzidos no nosso país, porque há milhares de hectares de
terreno inculto, o que torna possível cobrir o nosso deficit cerealífero” (DIÁRIO da Câmara dos Deputa-
dos, sessão n.º 39, de 10 de Fevereiro de 1920, p. 14-15).
59
Segundo Ezequiel de Campos, “as riquezas orientais, o ouro e as pedrarias do Brasil libertaram-nos,
por séculos, de cultivar as nossas terras, porque o estrangeiro fornecia-nos tudo em troca daqueles valo-
res. Depois os bens nacionais, nas guerras dos empregos públicos, os empréstimos do estrangeiro e por
fim a emigração permitiram que nunca fosse imposta a Portugal a necessidade do cultivo regular do
nosso vastíssimo quadro geográfico e o aproveitamento dos seus recursos naturais”. Contudo, essa con-
juntura modificou-se, passando a ser incerta “a colocação lucrativa dos nossos emigrantes na França e
nas Américas”, daí a necessidade de se começar a produzir todos os bens essenciais no nosso solo (DIÁ-
RIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 13, de 12 de Janeiro de 1925, p. 6).
247
Diogo Ferreira
Por outro lado, nas discussões parlamentares foram, por vezes, apresentadas pro-
postas com o intuito de tornar a emigração menos atractiva. Potenciar o simples dese-
jo de manter o indivíduo ligado à terra foi uma das hipóteses aventadas. De facto, o
deputado João Gonçalves compreendia que a ganância e o desejo de enriquecer eram
motivos mais do que suficientes para que muitos pretendessem emigrar. Este consi-
derava que tal situação vinha ocorrendo frequentemente e que produzia uma “emi-
gração enorme”, afirmando que era necessário “prender o indivíduo à terra, dando-
lhe a terra” para evitar tantas saídas do país61.
No Senado, na sessão de 21 de Fevereiro de 1920, Heitor Passos afirmava não
ser suficiente a invenção de contratempos nos governos civis na concessão de passa-
portes para conter a emigração, recomendando a adopção de “medidas corajosas”
que melhorassem efectivamente a nossa conjuntura económica. Ou seja, se a nossa
economia recuperasse, provavelmente não haveria tanta necessidade de emigrar, pois
muitos candidatos a essa realidade encontrariam no país as condições desejáveis para
uma vida mais satisfatória e haveria assim mão-de-obra para os lugares vagos na
indústria e na agricultura62.
“Nomeado professor efectivo no Liceu de Santarém e, posteriormente, transferi-
do para o Liceu José Falcão em Coimbra, do qual foi reitor (1919-1927)”, exerceria
igualmente “funções docentes na Escola Industrial Brotero de Coimbra, na Escola
Normal Superior da Universidade de Coimbra e no Instituto Industrial e Comercial
de Coimbra”, pensando por isso que não haveria melhor espaço para uma acção de
sensibilização para o problema emigratório63. Assim, a sugestão dada por este sena-
dor para evitar a saída desenfreada de tantos emigrantes passava pelos professores
primários descreverem ocorrências menos agradáveis por que passavam esses emi-
grantes nos locais de destino, de forma a desmotivar as populações rurais e operárias
que aspiravam a seguir caminho idêntico.
Por sua vez, o senador Silva Barreto achava que os governos civis deviam esfor-
çar-se para combater os agentes de emigração clandestina, sendo para isso funda-
mental dotar-se dos meios apropriados para exercer uma acção mais eficaz e evitar a
saída de indivíduos naquelas condições. Aludia ainda à realização de uma campanha
propagandística com o objectivo de mostrar aos emigrantes, os quais vulgarmente
60
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 14, de 4 de Fevereiro de 1925, p. 8, 10.
61
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, sessão n.º 89, de 26 de Novembro de 1919, p. 15.
62
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 40, de 21 de Fevereiro de 1920, p. 14.
63
MARQUES, 2000: 339.
248
A emigração para o Brasil no discurso parlamentar português após
a Primeira Guerra Mundial (1918-1926)
Conclusão
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
64
DIÁRIO do Senado, sessão n.º 45, de 27 de Fevereiro de 1920, p. 6-7.
249
Diogo Ferreira
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Editora Paka-Tatu.
250
A EMIGRAÇÃO DO PORTO PARA O BRASIL DURANTE
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918)
Ricardo Rocha
Introdução
251
Ricardo Rocha
Não sendo possível estabelecer uma data precisa para o início da Primeira Guerra
Mundial, já que o conflito decorreu de uma série de causas e acontecimentos com-
plexos e diversificados, é relativamente consensual que a “causa próxima” foi o
assassinato do arquiduque austro-húngaro Francisco Fernando, em 28 de Junho de
1914, que provocou uma sucessão de declarações de guerra por parte das principais
potências europeias, enredadas em complexos sistemas de alianças. Em Agosto do
mesmo ano, as hostilidades estavam já abertas, com os primeiros recontros na Euro-
pa e em África.
A participação activa de Portugal começa praticamente de imediato, ainda que a
título “oficioso”, com o envio de tropas para Angola e Moçambique, logo em Setem-
bro de 1914, de modo a proteger aquelas possessões ultramarinas de uma eventual
ofensiva alemã, já que a vontade colonizadora da Alemanha relativamente aos terri-
tórios portugueses (e outros) no continente africano vinha já das últimas décadas do
século XIX.
A questão da participação ou não de Portugal na Primeira Guerra Mundial dividi-
rá profundamente a sociedade, e em Janeiro de 1915, em reacção a uma política
governamental favorável à participação portuguesa no conflito, regista-se um movi-
mento de insubordinação militar, conhecido como Movimento das Espadas, que teve
como principal consequência a demissão do Governo liderado por Azevedo Coutinho
e a nomeação de Pimenta de Castro como chefe de um Governo ditatorial.
A ditadura conheceria o seu fim poucos meses depois, em Maio de 1915, mas
ficava assente a clivagem entre o Partido Democrático, omnipresente na governação
de Portugal e favorável à intervenção de Portugal na Grande Guerra, e os principais
sectores sociais portugueses, como os monárquicos, a Igreja Católica e franjas signi-
ficativas do Exército e do operariado, e que tinham na oposição àquela intervenção
um ponto comum de luta contra os sucessivos executivos.
Entretanto, quando a Inglaterra, em Fevereiro de 1916, solicita o apresamento de
todos os navios germânicos na costa portuguesa, antevia-se uma reacção mais efecti-
va por parte da Alemanha e, de facto, no mês seguinte, mais precisamente a 9 de
Março, o governo alemão declarava oficialmente guerra a Portugal (embora os exér-
citos de ambos os países estivessem em confronto em África desde 1914).
A 15 de Junho, a Grã-Bretanha convida formalmente Portugal a participar acti-
vamente nos combates que então se travavam, e na sequência deste convite, é consti-
tuído o Corpo Expedicionário Português, a 22 de Julho, curiosamente, antes mesmo
da aceitação formal do convite britânico pelo parlamento luso, que apenas se verifi-
cou a 7 de Agosto.
Apesar desta rápida sucessão de eventos, o Corpo Expedicionário Português par-
tirá para a Flandres apenas em Janeiro de 1917, enquanto em Portugal a situação
política se agudizava, agravada pelas “aparições de Nossa Senhora” em Fátima,
252
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
fenómeno religioso que se inicia a 13 de Maio de 1917 e que se vai repetindo até
Outubro do mesmo ano, prontamente aproveitado pelos opositores do regime, que
viram aí uma oportunidade imperdível para criticar a República, sob a almofada da
religião, congregando um maior apoio popular e conservador.
De forma previsível, o ano de 1917 fecha em Portugal com uma revolução, lide-
rada por Sidónio Pais, que ainda em Dezembro destitui o Presidente da República,
Bernardino Machado, e instaura uma ditadura de direita. Todavia, para desagrado de
muitos que o haviam apoiado, Sidónio acabou por manter uma política intervencio-
nista no conflito mundial.
À medida que a Grande Guerra se encaminhava para o seu fim, os embates nas
trincheiras intensificavam-se, e a 9 de Abril de 1918, em La Lys, teve lugar o
momento mais negro da história da participação portuguesa no conflito. Em cerca de
quatro horas, as tropas portuguesas perdem praticamente 7 500 homens.
A participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial é bem mais tardia, quando
comparada com a de Portugal, essencialmente por motivos geoestratégicos. De facto,
apenas em Abril de 1917, na sequência do torpedeamento do vapor brasileiro Paraná
por um submarino alemão, é que o Estado brasileiro decidiu romper relações diplo-
máticas com a Alemanha.
No mês seguinte, o navio Tijuca foi torpedeado perto da costa francesa por um
submarino alemão. Em retaliação desta e de outras acções, o Governo brasileiro con-
fiscou 42 navios alemães, e em 26 de Outubro de 1917, o Brasil declarava guerra à
aliança germânica.
Da participação militar brasileira na Grande Guerra, destaca-se a constituição,
em Janeiro de 1918, da Divisão Naval em Operações de Guerra, composta por dois
cruzadores, cinco contratorpedeiros e um rebocador. No mesmo mês, foi enviado um
grupo de pilotos aviadores navais e de oficiais do exército brasileiro para a Europa. E
em Agosto de 1918, quando o conflito já se aproximava do seu fim, foi enviada uma
missão médica brasileira para França, constituída por 86 médicos.
Assim, podemos afirmar que a Primeira Guerra Mundial produziu consequências
claramente distintas, até mesmo opostas, no que se refere a Portugal e ao Brasil,
decorrentes de múltiplos factores, a começar pela proximidade geográfica de Portu-
gal face ao epicentro do conflito, que conduziu o país a uma participação bem mais
activa, por força também das suas alianças e interesses territoriais. Ou seja, um país
cuja situação política e económica antes da Guerra já não era a mais favorável, viu
quase 200 mil homens serem mobilizados para o conflito, dos quais 10 mil morreram
e milhares ficaram feridos, o que tornou a decisão de tomar parte activa na frente de
combate cada vez mais impopular.
Do ponto de vista económico, esta participação representou para Portugal o
aumento do custo de vida, uma crise de subsistências e um desemprego galopante, o
253
Ricardo Rocha
254
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
2. O discurso político
Não sendo este o tema central do presente trabalho, apenas deixaremos nesta
ocasião uma sucinta mas paradigmática referência ao discurso político oficial produ-
zido pelo Governo português relativamente à emigração, no período que nos ocupa.
Assim, na sessão da Câmara dos Deputados de 8 de Fevereiro de 1916, o Minis-
tro do Interior, António Pereira Reis, proferia as seguintes palavras:
“Reconheço a gravidade que tem o problema da emigração para nós, sob o ponto de
vista económico e militar, emigração de carácter patológico e feita, não por indivíduos,
mas por famílias inteiras, e que é absolutamente lamentável. Devo contudo dizer que
nas mãos do Governo e dentro das leis em vigor pouco pode fazer-se para coibir essa
emigração. A emigração, que realmente teve uma exacerbação grande há 2 ou 3 anos,
diminuiu consideravelmente. Desde que as leis estejam sendo cumpridas e a polícia de
emigração tenha instruções apertadas, o Governo não tem maneira de evitar a saída de
emigrantes pelas nossas fronteiras, se bem que esteja prescrito em várias circulares e
determinações de outra ordem o evitar a emigração clandestina. Devemos fazer votos é
por que a nossa situação económica seja melhor, com melhores e maiores condições de
vida, porque então a população deixará de ter o estímulo que agora tem para procurar
noutros lugares o trabalho onde seja melhor remunerado”1.
Apesar de breves, estas linhas reúnem uma série de questões que já estavam pre-
sentes no discurso político antes da guerra, acompanhadas agora de uma nova preo-
cupação, a necessidade de homens para defender o território nacional. Assim, a
emigração é encarada como um grave problema, uma doença, não só para a econo-
mia, mas igualmente sob uma perspectiva militar.
Foca o problema da emigração familiar, que arrastava mulheres e crianças, um
problema bastante sério para o país, uma vez que além de ficar privado de mão-de-obra
e de potenciais militares, via a sua população envelhecer.
Refere que a emigração estava a diminuir, embora mais por força da conjuntura
do que por acção governamental, reconhecendo a impotência do Estado para travar
1
DIÁRIO da Câmara dos Deputados, de 8 de Fevereiro de 1916.
255
Ricardo Rocha
esse fenómeno, já que não podia fazer mais do que legislar, especialmente no sentido
de tentar travar a emigração clandestina.
Por fim, admite que a melhor forma de combater o fluxo migratório residia no
progresso económico português, por forma a aumentar os salários e melhorar as con-
dições de vida, eliminando assim a primeira motivação dos que partiam para o outro
lado do Atlântico.
3. A emigração
Gráfico n.º 1
Evolução da emigração portuguesa para o Brasil (1890-1950)
256
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
Gráfico n.º 2
Total de emigrantes para o Brasil a partir do distrito do Porto (1914-1918)
Quando analisamos a distribuição da emissão de passaportes por mês (gráfico n.º 3),
fica bem patente a relação entre o início do conflito e o decréscimo do número de
emigrantes. Em Março de 1914, foram emitidos 550 passaportes, enquanto apenas
cinco meses mais tarde, em Agosto, numa altura em que os combates se haviam já
iniciado, esse número cai para 117 passaportes.
É também curioso notar que, com excepção do primeiro ano de conflito, o pico
da emissão de passaportes verifica-se invariavelmente em Novembro, após as colhei-
tas agrícolas e as vindimas, o que traduz a importância da lavoura na economia da
região de origem.
257
Ricardo Rocha
Gráfico n.º 3
Total de emigrantes para o Brasil a partir do distrito do Porto (1914-1918)
Não obstante a clara redução nos números globais da emigração para o Brasil
face aos anos anteriores, a que já aludimos, a verdade é que aquele país continuou a
ser esmagadoramente preponderante na hora de escolher o destino. De facto, 77%
dos que partiam continuavam a optar pelo Brasil (gráfico n.º 4), quer pela proximida-
de cultural e linguística, quer pela rede de apoio já estabelecida de familiares e ami-
gos, quer ainda pela necessidade de mão-de-obra que aquele país apresentava, em
virtude do crescimento económico que então registava, oferecendo um emprego
supostamente seguro e bem remunerado.
Gráfico n.º 4
Distribuição dos titulares de passaporte por país de destino (1914-1918)
258
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
Gráfico n.º 5
Evolução da emigração portuguesa para o Brasil e para outros destinos (1914-1918)
Sendo assim, que países passaram a ocupar a preferência dos emigrantes? Como
podemos ver pelo gráfico n.º 6, Espanha, França, Europa (sem especificação do país)
e América do Norte (maioritariamente, Estados Unidos) representam 86% dos desti-
nos extra-Brasil. Acima de 1% encontramos ainda dois Estados vizinhos do Brasil,
três colónias portuguesas em África e dois países europeus.
259
Ricardo Rocha
Gráfico n.º 6
Distribuição dos titulares de passaporte por país de destino extra-Brasil (1914-1918)
Gráfico n.º 7
Distribuição dos titulares de passaporte por continente de destino (1914-1918)
260
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
Gráfico n.º 8
Distribuição dos titulares de passaporte por concelho de naturalidade (1914-1918)
261
Ricardo Rocha
Gráfico n.º 9
Distribuição dos titulares de passaporte por distrito de naturalidade (1914-1918)
Quanto à distribuição dos emigrantes por sexo, também aqui o contexto da Pri-
meira Guerra Mundial introduziu uma novidade, ao duplicar o peso relativo do sexo
feminino, que nos primeiros anos da década de 1910 representava pouco mais de 20%
do total do contingente migratório, verificando-se no período em estudo uma distribui-
ção bem equitativa, com cerca de 43% do total de emigrantes (gráfico n.º 10).
A principal explicação para esta mudança assenta na progressiva emancipação da
mulher provocada pela Grande Guerra, por força da mobilização de homens para a
frente de combate, o que levou a que cada vez mais portuguesas ocupassem uma
posição económica e social até então inalcançável, não obstante a retórica republica-
na no sentido da igualdade de género.
As esposas e as filhas podiam agora mais facilmente ir ter com os seus maridos e
pais, que haviam partido para o Brasil nos anos anteriores à Guerra, e cuja vontade
de regressar era cada vez menor. De facto, se estavam já longe dos horrores das trin-
cheiras e de um país cada vez mais pobre e caótico, fazia mais sentido que as famí-
lias se lhes juntassem. O regresso destes homens à Pátria era, em boa verdade, uma
opção cada vez menos razoável.
Gráfico n.º 10
Distribuição dos emigrantes por género (1914-1918)
262
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
263
Ricardo Rocha
Gráfico n.º 11
Distribuição dos titulares de passaporte por estado civil (1914-1918)
48,3% 47%
0,5% 4,2%
Gráfico n.º 12
Distribuição dos acompanhantes por estado civil (1914-1918)
264
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
filhos, que representam 84% deste universo – uma percentagem praticamente igual à
dos acompanhantes solteiros.
Já o grupo dos cônjuges, composto apenas por mulheres – era impensável, no
período em estudo, ser o marido a acompanhar a esposa – não representa mais do que
15,4% do total de acompanhantes, o que representa um decréscimo das mulheres
casadas a viajarem acompanhadas face aos anos anteriores. Outros graus de paren-
tesco – pais, sogros, netos… – praticamente não têm expressão.
Ora, se o peso relativo das mulheres casadas que acompanhavam os seus maridos
diminuiu, e se, simultaneamente, o número relativo de acompanhantes, como já
tivemos oportunidade de constatar, aumentou, somo obrigados a concluir que o que
provocou este aumento no número de acompanhantes foi o facto de os pais viajarem
cada vez acompanhados dos respectivos filhos, em vez de os deixarem em Portugal
para uma reunião mais tardia.
Gráfico n.º 13
Distribuição dos acompanhantes por grau de parentesco (1914-1918)
83,9%
15,4% 0,7%
Passando agora à análise das idades dos emigrantes no período da Primeira Guer-
ra Mundial, verificamos que, quanto aos titulares de passaporte, a moda se encontra
no grupo etário dos emigrantes entre os 10-14 anos do sexo masculino, que vê a sua
importância duplicada face aos anos precedentes (gráfico n.º 14). Esta é outra novi-
dade absoluta trazida pelo contexto da Grande Guerra, que provocou um abaixamen-
to muito significativo da idade média dos emigrantes e uma distribuição bem mais
equitativa pelos diferentes grupos etários.
Nos anos anteriores, cerca de dois terços dos emigrantes situavam-se entre os 20
e os 35 anos, mas agora esse grupo não chega a representar 45% do contingente. E o
crescimento da percentagem de emigrantes com mais de 35 anos, embora pouco
significativa, ajuda também a reforçar a distribuição dos emigrantes por idades.
265
Ricardo Rocha
Fica ainda bem patente no nosso gráfico os valores reduzidos quanto aos emi-
grantes do sexo masculino entre os 15-19 anos, muito provavelmente em virtude da
sua mobilização para o cumprimento do serviço militar, agravado pelo período de
guerra que se vivia. A necessidade de mancebos para a frente de combate estava,
como vimos, presente no discurso político, e os governos fizeram o que era possível
do ponto de vista legislativo para dificultar a saída desses jovens para outras para-
gens. Sem possibilidade de escapar legalmente à Guerra, de literalmente pagarem a
sua liberdade, só tinham duas saídas: emigrar ilegalmente ou combater.
Talvez resida aqui, pelo menos em parte, a razão do aumento tão significativo de
emigrantes com menos de 14 anos, o temor dos pais pelas vidas dos seus jovens
filhos, numa altura em que a Guerra se arrastava sem fim à vista. O medo de uma
futura mobilização certamente se acrescentava à longa lista de razões e motivações
para uma “fuga” rápida de Portugal.
Gráfico n.º 14
Distribuição dos titulares de passaporte por grupos etários (1914-1918)
Homens Mulheres
Valores percentuais
A distribuição dos acompanhantes por grupos etários (gráfico n.º 15) revela a
estrutura habitual da emigração portuguesa para o Brasil, com uma população muito
jovem (75% com menos de 14 anos), a reflectir o facto de ser composta maioritaria-
mente pelos filhos dos titulares de passaporte. Apenas gostaríamos de assinalar que,
no período em análise, não há um único acompanhante do sexo masculino com mais
de 20 anos, ou seja, os homens maiores de idade viajavam sempre com passaporte
próprio, enquanto 16% das mulheres tinham 20 ou mais anos, correspondendo com
uma ou outra excepção, às esposas que acompanhavam os maridos e, em muito
menor grau, às filhas que acompanhavam os pais.
266
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
Gráfico n.º 15
Distribuição dos acompanhantes por grupos etários (1914-1918)
Homens Mulheres
Valores percentuais
267
Ricardo Rocha
Gráfico n.º 16
Distribuição dos titulares de passaporte por grupos quanto às profissões (1914-1918)
268
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
Gráfico n.º 17
Distribuição dos titulares de passaporte por profissão (1914-1918)
269
Ricardo Rocha
cionar a capital brasileira como o seu destino, pois o mais importante era, de facto,
“chegar”. O mesmo já não deveria acontecer quando o destino era um estado menos
importante, já que não faria sentido uma menção tão específica se não fosse esse o
local exacto ou, no mínimo, aproximado de desembarque e fixação.
Gráfico n.º 18
Distribuição dos emigrantes por destino no Brasil (1914-1918)
Conclusão
270
A emigração do Porto para o Brasil durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
Fontes e Bibliografia
Fontes
Bibliografia
FERREIRA, Diogo, 2011 – A emigração a partir do distrito do Porto para o Brasil. Dos
finais da Primeira Guerra Mundial à Grande Crise Capitalista (1918-1931). Tese de
doutoramento em História. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto (poli-
copiado).
271
Ricardo Rocha
FERREIRA, Diogo; ROCHA, Ricardo, 2009 – "A emigração do Norte de Portugal para o
Brasil antes e após a I Guerra Mundial (1913 e 1919): variações e permanências" (em
colaboração com Ricardo Rocha), in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia;
MATOS, Izilda (coord.) – Nas Duas Margens. Os Portugueses no Brasil. Porto:
CEPESE/Edições Afrontamento.
MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (orgs.), 2008 – Deslo-
camentos & Histórias: os Portugueses. Bauru, SP: Edusc.
ROCHA, Ricardo, 2010 – “A Emigração do Norte de Portugal para o Brasil em 1912: o ano
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Maria Izilda; JUNIOR, Antonio Otaviano Vieira; CANCELA, Cristina Donza (orgs.) –
Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora Paka-Tatu.
ROSAS, Fernando; ROLLO, Maria Fernanda, 2010 – História da Primeira República Portu-
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SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia (coord.), 2007 – A Emigração Portuguesa para o
Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.
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gens. Os Portugueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.
SOUSA, Fernando de; MATOS, Maria Izilda; JUNIOR, Antonio Otaviano Vieira; CANCE-
LA, Cristina Donza (orgs.), 2010 – Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém:
Editora Paka-Tatu.
272
“O PARÁ E AMAZONAS SÃO IRMÃOS”: A AMAZÔNIA UNIDA
NA CRISE DA BORRACHA E A IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA
Introdução
1
SILVA, 1996: 123.
2
CAVALCANTE, 2005: 4-5.
3
VERÍSSIMO, 1970: 161-162.
273
Maria de Nazaré Sarges / Wilson Brito Nascimento
Com o novo cenário do final do século XIX e início do XX, a Região Amazônica
vivenciou um período de grande desenvolvimento econômico, em razão da produção
e exportação do látex, produto que, naquele período, era de grande importância para
o mercado internacional, pois propiciou o carreamento de recursos, contribuindo para
um surto vigoroso na região4, embora o problema da escassez da mão-de-obra se
colocasse pari passu a explosão da economia gomífera.
Após o tempo de prosperidade, restou, na região, uma época de crise econômica,
e é sobre essa fase – em um recorte temporal que vai de 1910 a meados da década de
1920 – que o presente artigo se debruçará. Foi um período que mobilizou e uniu os
Estados competidores na exportação da borracha, tão bem expresso em manchetes de
jornais e nos discursos dos governantes, afinal “O Pará e Amazonas são irmãos”,
conforme estampava a manchete da Folha do Norte, em 1926, dirigida a Washington
Luis, poucos meses antes de sua posse na presidência da república brasileira.
Com base nos pronunciamentos oficiais dos poderes públicos dos Estados do Pará
e do Amazonas, ao longo deste artigo, serão apresentadas quais as medidas que os
governos, no início do século XX, implementaram para recolocar os referidos Estados
no caminho da prosperidade e do desenvolvimento. Assim, será possível compreender
de que maneira essas questões eram pensadas em um período de crise econômica.
Ao partir do pensar sobre o desenvolvimento, um dos objetivos será entender os
significados da presença estrangeira na Região Amazônica, a fim de responder à
seguinte pergunta: Na trilha do desenvolvimento que se colocava para ser alcançado,
qual o papel dos imigrantes na contribuição para o desenvolvimento da Região Ama-
zônica?
274
“O Pará e Amazonas são irmãos”:
a Amazônia unida na crise da borracha e a imigração estrangeira
Havia ainda outras medidas a serem tomadas, tais como, a participação nas expo-
sições internacionais, como a de Turin e a de Bruxelas, onde os Estados do Pará e do
Amazonas, respectivamente, tiveram participação, com o propósito de expor os pro-
dutos amazônicos e, assim, abrir novos mercados.
Dentre outras medidas, estava também o projeto de colonização de terras, como o
que ocorreu na estrada de ferro Belém-Bragança, tanto é que, para isso, foi criada a
6
SANTOS, 1980: 120
7
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, João Anto-
nio Luiz Coelho, 1912.
8
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, João Anto-
nio Luiz Coelho, 1910, p. 38.
275
Maria de Nazaré Sarges / Wilson Brito Nascimento
Secretaria de Obras Públicas com a seção de agricultura por meio da lei n.º 1 108 de
6 de Novembro de 1909, o que indicava maior cuidado com o setor.
A medida de colonização propiciou a criação do campo experimental de agricul-
tura, cujo propósito era estimular e desenvolver o ensino prático da lavoura intensiva
e mecanizada, construindo, em consequência, “o operário agrícola, experimentado,
econômico, previdente, antítese do lavrador retrógrado, cheio de indolência e viciado
na rotina”9. Todas essas ações se constituiriam em estratégias que visavam a um
maior e mais forte desenvolvimento.
Na mensagem do mesmo ano, do Estado do Amazonas, a situação financeira
aparece distinta da que é demonstrada na mensagem paraense. O governador expres-
sava aos demais representantes políticos a dificuldade para a solução do problema
financeiro do Estado. Ele enfatizava o esforço em fazer a maior economia possível
nos gastos a fim de cessar a situação calamitosa em que se encontrava o tesouro
público10. Tendo em mãos uma crise, o Congresso comercial, industrial e agrícola de
Manaus foi um palco para a discussão e elaboração de estratégias que pudessem
dirimi-la. Como resposta, esse evento sugeriu, por exemplo, a melhoria nos métodos
de extração e a diminuição nos impostos para a exportação do látex.
Os discursos de 1911 evidenciam alguns resultados e alterações, como o que
pode ser lido no seguinte trecho:
“São altamente consoladores os progressos da nossa indústria [...] a instalação da esta-
ção experimental Augusto Montenegro e a do campo de cultura experimental tem sido
de notável proveito para os agricultores ao passo que presta serviço para os lavradores,
desperta interesse e simpatia pelos assuntos agrícolas [...] essas escolas experimentais
se constituem em verdadeiras escolas práticas onde o lavrador se prepara pela inspe-
ção, pela observação e pela experiência, para aplicar a em suas terras os novos proces-
sos de cultivos [...] infelizmente nossas atuais condições econômicas e de prosperidade
não nos permitem resolver o problema em seus 3 graus [...] mas podemos estimular e
desenvolver o primeiro”11.
9
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, João Anto-
nio Luiz Coelho, 1910, p. 38.
10
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas pelo
governador Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, 1910.
11
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, João Anto-
nio Luiz Coelho, 1911, p. 131.
276
“O Pará e Amazonas são irmãos”:
a Amazônia unida na crise da borracha e a imigração estrangeira
estrangeiros espontâneos, trazidos pela União, ou pelos Estados, assim como políti-
cas de assistência, como foi o caso da construção de hospedarias para recebimento de
imigrantes.
Entretanto, se de um lado a monocultura da borracha era defendida, de outro sur-
gia a necessidade de combatê-la. Os governantes entendiam que a crise atravessada
pelo Estado do Pará era mais um exemplo frisante e eloquente de que nenhum povo
conseguiria o equilíbrio econômico com a produção quase que exclusiva de um só
gênero, por isso “[...] a ação do estado para estimular a agricultura [...] visa princi-
palmente combater a monocultura da borracha [...] permitir ainda a produção em
larga escala de cacau, castanha, frutas, cereaes e etc [...] que assegurarão ao Pará a
base de sua longa prosperidade”12.
No Amazonas, no mesmo ano, o que transparece no discurso é o objetivo de
defesa e valorização do “ouro negro”. Neste Estado, surge uma preocupação maior
em opor resistência às bruscas depreciações do valor da goma elástica. As Mensa-
gens enfatizam que o problema deveria ser encarado em toda a sua complexidade, a
fim de que fosse examinado para a busca de soluções aprofundadas, porque essa
seria a “questão vital para este norte grandioso”13. Dessa forma, foi adotado o papel
de um estado regulador e com maior intervenção no mercado, como meio de autode-
fesa, estabelecendo o máximo e o mínimo dos preços, em cada safra.
Outros pontos aparecem como fundamentais para uma melhor base econômica, e
o ponto basilar seria a navegação, que deveria ser desenvolvida a fim de melhor
escoar a produção, tendo como proposta a criação de uma empresa modelar de nave-
gação. Outra questão que deveria passar por revisão seriam as leis sobre repartições e
terras. Segundo a mensagem dirigida à Assembleia de 1912, a legislação continha
disposições absurdas que afastavam o ingresso de capitais estrangeiros na exploração
da terra, pelo limite traçado para as concessões a quem não fosse nacional, restrin-
gindo até o direito de propriedade, na alienação feita por particulares, mesmo munida
de título legal. Ficaria, portanto, embaraçado o poder público para auxiliar a iniciati-
va particular a conseguir a aquisição de terras devolutas, já que estas poderiam ser
transmitidas somente por título de compra. Esse era um problema que precisava ser
corrigido. Eles entendiam que um
“Estado vastíssimo, e dispondo de grandes extensões de terra inculta e água abandona-
da, encontraria fonte inexaurível de riquezas, se pudesse levar a todos seus recantos o
braço fecundo do trabalhador [...] Esta iniciativa feita diretamente pelo estado, além de
ser morosa e de difícil execução, obriga a dispensar somas avultadíssimas, para cujo
12
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, João Anto-
nio Luiz Coelho, 1911, p. 134.
13
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas pelo
governador Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, 1911, p. 94.
277
Maria de Nazaré Sarges / Wilson Brito Nascimento
sacrifício não está habilitado. A concessão, porém, de grandes lotes, nas forças de cada
indivíduo, sindicato ou empresa, nacional ou estrangeira, sob condições expressas de
14
aproveitamento e povoamento, seria de eficaz resultado” .
14
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas pelo
governador Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, 1919, p. 153.
15
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, João Anto-
nio Luiz Coelho, 1912, p. 125.
16
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, João Anto-
nio Luiz Coelho, 1919, p. 111-132.
17
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas pelo
governador Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, 1912, p. 129.
278
“O Pará e Amazonas são irmãos”:
a Amazônia unida na crise da borracha e a imigração estrangeira
“Sanear... Sanear a Amazônia é a maior das obras que poderia empreender um admi-
nistrador, que tenha descortinos e horizontes, dentro da largueza das nossas possibili-
dades e dos nossos recursos [...] Povoar... mas povoar primeiramente com gente
brasileira [...] É tornar eficiente o povoamento, orientar-se de nossos patrícios para o
trabalho honesto dos campos, das fábricas, das oficinas, facilitando a localização da
sua gente, agora inútil, mas amanhã enérgica e progressista. Depois disso, abram-se as
nossas portas e delimitem-se as nossas terras a imigração para a vinda dos quatros ven-
tos do orbe, para quem se encontram sempre todas as facilidades de compensações [...]
prosperar só assim, com gente sã e trabalho protegido, encaminhada a solução definiti-
va das maiores equações lançadas pela administração no quadro negro da situação
ambiente, sempre desaparelhada, porque esquecida, mas não de todo incapaz para
fecundos triunfo da vida rural, a das indústrias e do comércio, tripode memorável e de
onde a ascendem, para o alto, na pyra do trabalho, os clarões do progresso da civiliza-
ção. Será essa obra maior, de fraternidade brasileira de benemerência cívica, com que a
futura atuação do governo federal poderá premiar os nossos arrojados caboclos nas
selvas imensas, nas águas piscosas e nas terras ferozes da Amazônia”19.
18
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas pelo
governador Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, 1912, p. 98.
19
FOLHA DO NORTE, 14/8/1926: 2
279
Maria de Nazaré Sarges / Wilson Brito Nascimento
280
“O Pará e Amazonas são irmãos”:
a Amazônia unida na crise da borracha e a imigração estrangeira
Entre as diversas medidas, foram inseridas mudanças nas leis que diziam respeito à
distribuição de terras, tornando mais fáceis a sua aquisição, e estabelecidas propa-
gandas com objetivo de atrair braços – nacional e estrangeiro – para a prática da agri-
cultura e pecuária. Além disso, houve maior preocupação com o ensino agrícola, com
a metodização da produção e com a distribuição de sementes. Essas ações agiam por
vários vieses, mas tinham clara preocupação de agir sobre o que pudesse contribuir
para transformar a região em um lugar de múltiplas indústrias.
Os poderes públicos buscaram pôr em prática suas ações para a resolução do
problema fulcral da região. As novas leis que visavam regulamentar a ocupação das
terras públicas e as assegurar aos que quisessem explorar com proveito a posse dos
lotes são exemplos desse fato. Para eles, somente quando os extensos territórios
incultos estivessem em mãos capazes de levá-los a render seria possível mudar os
recursos e a riqueza pública. Nesse caso, os imigrantes tinham fundamental papel,
pois seriam os responsáveis pela nova função, por fazer da Amazônia um celeiro
agrícola, fazer da região um lugar de múltiplas indústrias.
Dentre as estratégias, estava incluída também a entrega de terras para grandes
companhias, quando essas se propusessem a colocar em prática projetos de imigra-
ção, isto é, a incentivar a ocupação das terras e o uso apropriado do solo.
A ocupação, portanto, tinha um papel fundamental e era o cerne para o desenvol-
vimento, por isso eram necessárias medidas que solucionassem o problema de um
solo quase desabitado. Dessa forma, a agricultura seria a chave para os demais pro-
blemas da região e contava com o imigrante como elemento primordial para o suces-
so da empreitada.
Se o imigrante era elemento basilar do projeto de desenvolvimento, os poderes
públicos dos referidos Estados buscavam mostrar e fazer cumprir, na medida do pos-
sível, as leis liberais da república. Assim, procuravam demonstrar por meio de seus
discursos que não viam com distinção, ou com melhores olhos, os imigrantes nacio-
nais. Todos valiam como cidadãos e iguais da mesma pátria livre, por isso, em vários
discursos, existe a preocupação em fazer da lei a
“umbella protetora sob a qual coubessem nacionais e estrangeiros, dando garantias de
direitos a quantos neste recanto do nosso vasto país se abrigaram, vinculados ao nosso
solo, metendo nele raízes, consagrando a terra que foi o nosso berço abençoado para
tanto de nós, e que tantíssimos outros fizeram sua, através das energias de suas almas e
o vigor de seus braços”21.
21
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, Lauro
Sodré, 1920, p. 13.
281
Maria de Nazaré Sarges / Wilson Brito Nascimento
falta de habitantes. Por esse motivo, apelaram aos países com superpopulação, con-
forme destaca o trecho abaixo:
“é por esse motivo que temos julgado de alta conveniência convidar representantes de
países, onde existem superpopulações, que se queiram deslocar, ingressando no nosso
estado. Ao lado destas medidas, que julgamos bem avisadas, ainda temos feito forte
campanha na imprensa, mostrando as vantagens, que poderiam ter populações, empo-
brecidas por causas várias, na ocupação de nossas terras. Para a realização dessas
medidas, seria necessário amparar tal propaganda com meios práticos em dotações
orçamentárias”22.
22
CENTER FOR RESEARCH LIBRARIES – Mensagem lida perante o Congresso do Amazonas pelo
governador Cezar do Rego Monteiro, 1922, p. 23.
23
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, Dionísio
Ausier Bentes, 1928, p. 132.
24
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, Lauro
Sodré, 1920.
282
“O Pará e Amazonas são irmãos”:
a Amazônia unida na crise da borracha e a imigração estrangeira
de outros Estados da União Brasileira, pois acreditava que quase todos estavam tam-
bém lutando contra a escassez de população.
Em outra mensagem dirigida à Assembleia fica mais evidente a importância e a
necessidade que os governantes tinham de introduzir braços estrangeiros. Esses bra-
ços seriam importantes porque trariam, além da força para o trabalho, o capital tão
necessário, o que é observado quando o governador do Estado do Pará, Dr. Dyonisio
Ausier Bentes, conclama,
“empenhamo-nos com afinco a solução do nosso problema vital, que é a aquisição de
braços. Não desdenhamos da coadjuvação que nos possa trazer o nacional, resistente e
acostumado ao meio, e antes o aceitamos com agrado toda vez que nos é possível
25
ampará-lo” .
Era necessário o capital, “é esse, aliado ao do trabalho, que nos trazem as migra-
ções [...] e que temos todo o interesse em atrair para o nosso estado [...] temos fé que
esse, como outros povos, hão de nos trazer elementos notáveis de progresso”26.
Os poderes públicos entendiam que os Estados do Amazonas e Pará, sendo vas-
tíssimos, e dispondo de grandes extensões de terra inculta, encontrariam fonte ine-
xaurível de riquezas se pudessem levar a todos seus recantos o braço fecundo do
trabalhador. Essa iniciativa, quando fosse diretamente pelo Estado, além de morosa e
de difícil execução, obrigava a dispensar somas vultuosíssimas de capital, para cujo
sacrifício o Brasil não estava habilitado naquele momento.
A concessão, porém, de grandes lotes, para as forças de cada indivíduo, sindicato
ou empresa, nacional ou estrangeira, sob condições expressas de aproveitamento e
povoamento, seria de muito eficaz resultado. Para isso, as leis liberais teriam que
trabalhar em prol da remoção de obstáculos, pois, assim, os Estados teriam muito a
lucrar, não só com a introdução de braços para o trabalho da lavoura, incluindo nesta
também o plantio da seringueira, mas principalmente com o aumento da riqueza
interna, por meio do capital que viria nacionalizar-se no Brasil, conforme ressalta o
trecho abaixo:
“Considero que incontestável necessidade e utilidade para o Brasil ou a imigração. O
seu vasto território, ainda não habitado, precisa de braços para o amanhã da terra e para
a exploração inteligente das fontes de receita nele existentes [...] A imigração espontâ-
nea seria ideal. Mas essa, naturalmente, dependeria de propaganda larga e eficaz, com
informações seguras da habitabilidade de nosso solo, possibilidades econômicas,
garantia de nossas leis e de nossa justiça, e outras capazes de elevar ao imigrante o
25
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, Dionísio
Ausier Bentes, 1926, p. 5.
26
APEP – Mensagem dirigida ao Congresso Legislativo pelo governador do Estado do Pará, Dionísio
Ausier Bentes, 1926, p. 6.
283
Maria de Nazaré Sarges / Wilson Brito Nascimento
desejo de se domiciliar entre nós. Uma vez de difícil realização essa, ela deve ser pro-
vocada com a oferta do primeiro estabelecimento, em locais devidamente apropriados,
ahi se compreendendo utensílios de trabalho e a mantença na instalação da pessoa ou
família que nos chegue, provinda de outras terras [...] Se a raça branca fosse molde a
suprir todas as necessidades que temos de braços, nenhuma outra suplantaria, devido
ao grão de desenvolvimento a que chegou. É fora de duvida que Ella se aclimaria bem
em todas as regiões do paiz. A italiana, a allemã e a portugueza têm collaborado no
nosso desenvolvimento [...]”27.
Conclusão
27
FOLHA DO NORTE, 3/9/1926: 3
284
“O Pará e Amazonas são irmãos”:
a Amazônia unida na crise da borracha e a imigração estrangeira
amazônicos não estabeleciam condições, a não ser que essas viessem espontaneamen-
te. No Amazonas, as falas e mensagens dos governantes não foram diferentes.
Embora a crise do látex tenha propiciado um refluxo da mão-de-obra nacional, o
mesmo não ocorreu com a estrangeira. Segundo Roberto Santos28, a permanência dos
estrangeiros é justificada pelo tipo de atividade que desenvolviam e porque eram
menos vulneráveis à crise da borracha. Possivelmente, tenha até aumentado o núme-
ro de estrangeiros no país, o que pode ser observado por meio dos dados do censo de
1920, o qual registra um número de estrangeiros superior a 40 mil, em comparação
aos aproximados 8 mil do início dos 1900.
Nas primeiras décadas do século XX, a possibilidade de pensar a Amazônia
como um espaço em desenvolvimento não escapa à compreensão dos governantes do
Pará e do Amazonas em relação ao fato de que a agricultura e a imigração, especial-
mente a estrangeira, moldariam uma nova região com base nas múltiplas experiên-
cias econômicas e sociais.
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
BORGES, Ricardo, 1986 – Vultos notáveis do Pará (2.ª edição). Belém: CEJUP.
FAUSTO, Boris (org.) 2000 – Fazer a América. A imigração em massa para a América Lati-
na. São Paulo: EDUSP.
MOURA, Ignácio; ELEUTHERIO, Paulo, 1926 – A Amazônia do futuro. Belém: Clássica.
28
SANTOS, 1980: 263.
285
Maria de Nazaré Sarges / Wilson Brito Nascimento
SANTOS, Roberto Araújo de O., 1980 – História econômica da Amazônia (1800-1920). São
Paulo: T. A. Queiroz.
SARGES, Maria de Nazaré, 2000 – Riquezas produzindo a belle époque. Belém do Pará
(1870-1910), 1.ª edição. Belém: Paka-Tatu.
VERÍSSIMO, José, 1970 – Estudos Amazônicos. Belém: Universidade Federal do Pará.
WEINSTEIN, Barbara, 1993 – A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920).
São Paulo: Hucitec/Edusp.
286
O NOVO REGIME DE TEMPORALIDADE E
A HISTÓRIA MIGRACIONAL
Introdução
1
HARTOG, 2003.
287
José Jobson de Andrade Arruda
2
SANTO AGOSTINHO, 2002.
3
RICOEUR, 1985: 174; RICOEUR, 2000: I.
4
THUILLER, TULARD, 1995.
288
O novo regime de temporalidade e a história migracional
entre as correntes que se apresentam como antagônicas não poderia vir a ser um novo
paradigma analítico capaz de dar conta da complexidade quase inapreensível do
conhecimento histórico?
1. Territorialidades historiográficas
5
BRAUDEL, 1983.
6
DOSSE, 2007.
7
DOSSE, 1999: 155.
289
José Jobson de Andrade Arruda
8
Para desqualificar a ilusão provocada pelos acontecimentos na mente do historiador, Fernand Braudel
recorreu, por mais de uma vez em seus escritos, à metáfora da “multidão de vaga-lumes esvoaçantes no
sertão brasileiro, brilhantes, mas que não iluminavam”. Ver POLONI-SIMARD, 2003: 138.
9
O tempo do século XIX ligava-se aos valores, tributário de um papel criador que alavancava a noção de
progresso e justificava a ideia de que o presente era superior ao passado, além de depositar ampla con-
fiança no futuro, portanto, um tempo prenhe de juízo de valores. Ver POMIAN, 1978: 558.
10
A duração não existe como dado nas sociedades, existe como problema, sendo um movimento pelo
qual as “sociedades selecionam, a cada instante do presente, o estoque de suas experiências, autorizando
o retorno às técnicas e aos gestos da produção, permitindo ao passado estar novamente e plenamente lá”.
Ver PERROT, 1981: 3-15.
290
O novo regime de temporalidade e a história migracional
291
José Jobson de Andrade Arruda
2. Presente e passado
15
HALBWACHS, 1994.
16
DOSSE, 2007: 11-24.
17
RICOEUR, 2000: I.
18
ARRUDA, 1998: 18.
19
ARRUDA, 1998: 18.
20
“A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”, antecipou
Karl Marx. Ver MARX, 1968: 15.
21
DIHEL, 2002: 101.
22
RICOEUR, 1985: 68.
292
O novo regime de temporalidade e a história migracional
23
CARDOSO, 1998: 11.
24
ARRUDA, 1998: 17.
25
BURROW, 2008: XV.
26
BURROW, 2008: 448.
27
CALINESCU, 1987: 22.
293
José Jobson de Andrade Arruda
coletiva, em “especial na consciência social histórica”28. Noção esta que deve ser
entendida como uma “noção difícil”, pois, “despojada de toda evidência própria...
anunciará, a seu termo, o suicídio da história”29. Rompe-se aqui o velho idílio entre a
história e a memória. A história é um pensamento sobre o passado e não uma reme-
moração, diz-nos Jean Pierre Rioux. A “história forja suas próprias armas e codifica
suas leis”. Em decorrência, o historiador não é um memorialista, pois ele produz um
texto escrito, a “récita de uma representação do passado”30. O esforço de memoriza-
ção do historiador não encontra eco na memória do passado. A memória social
depende das memórias individuais sujeitas ao mecanismo de evasão da má e retenção
da boa memória. “Nós reparamos a memória através de filtros róseos” e tais filtros
estão sujeitos a complexas travessias neurológicas, que impedem memórias de serem
réplicas perfeitas da realidade externa. Nesse sentido, todas as memórias são “cria-
das” mais do que propriamente “recebidas”31. Mais complexo ainda é o processo de
retenção e retransmissão da memória, por via oral, escrita, artística, inconográfica,
monumental, suportes incontornáveis da elaboração histórica.
Paul Ricoeur é, de longe, o intelectual que mais contribuiu para o refinamento do
instrumental mobilizado pelo historiador em suas incursões no passado, a busca por
sua inteligibilidade, exatamente o oposto do procedimento metodológico adotado por
Ricoeur, que mobilizou o trabalho dos historiadores para construir sua “filosofia do
tempo, a epistemologia do conhecimento e a fenomenologia da memória”32, tríade
fundamental na renovação dos estudos historiográficos.
3. Presente e futuro
Jacques Le Goff lembra que, no primeiro número da revista Past and Present,
declarava-se “a história não pode, logicamente, separar o estudo do passado do estu-
do do presente e do futuro”33, enlaçamento temporal que Paul Ricoeur explica: “À
dialética do espaço vivido, do espaço geométrico e do espaço habitado, corresponde
uma dialética semelhante do tempo vivido, do tempo cósmico e do tempo histórico”,
em que a localização na ordem do espaço corresponde igualmente à datação na
ordem do tempo34. Uma ampla variedade de aproximações ao significado do tempo
se pôs no transcorrer dos séculos. O tempo formal contraposto ao material; o ideal ao
28
LE GOFF, 1996: 204.
29
RICOEUR, 1985: 174.
30
RIOUX, 1997: 326.
31
FERNÁNDEZ-ARNESTO, 2002: 156.
32
DOSSE, 2007: 231.
33
LE GOFF, 1996: 224.
34
RICOEUR, 1985: 191.
294
O novo regime de temporalidade e a história migracional
295
José Jobson de Andrade Arruda
41
ROUSSO, CONAN, 1994.
42
DOSSE, 1999: 65.
43
NORA, 1993: 7-28.
44
RICOEUR, 1985: 68.
45
Exatamente o oposto da concepção de tempo presente fugaz, átimo de tempo, como deixa entrever
esta formulação: “Tudo que fazemos ou pensamos, tudo que imaginamos sobre o futuro passa instanta-
neamente para o passado e se torna um objeto próprio para a pesquisa histórica”. Ver FERNÁNDEZ-
ARNESTO, 2002: 151.
46
“Os meios de comunicação e, sobretudo, a televisão, criam um tempo irreal, um tempo ficcional, que
pode congelar o fluxo do tempo transmitindo a sensação de um presente eterno possibilitando viagens
imaginárias de volta ao passado ou de projeção ao futuro”. Ver CHENET, 2000: 158-159.
47
Paul Ricoeur fala de um horizonte de expectativa, um regime de historicidade aberto em direção ao
futuro, face à ausência de projeto de nossa sociedade moderna. Ver RICOEUR, 1986: 391.
296
O novo regime de temporalidade e a história migracional
48
Paráfrase inspirada no livro de DELUMEAU, 2003.
49
HARTOG, 2003.
50
KOSELLECK, 2006: 307-308.
51
KOSELLECK, 2006: 310-311, 313, 325.
52
“Si las fuentes históricas son todos os vestigios del pasado, toda la obra de los tempos pretéritos, el
más importante de los vestigios, la más importante de las obras, es la realidad que nos rodea. La más
grande, la más rica, la menos aprovechada de las ‘fuentes históricas’”. Ver KULA, 1973: 594.
297
José Jobson de Andrade Arruda
Dialógica temporal essa já pensada por Martin Heidegger em 192656, para quem
o homem é o único animal que sabe de sua morte, um ser que caminha para o “haver
sido”, o que lhe dá a percepção do passado a partir do futuro, sendo a História nada
mais do que a consciência que os homens têm desta temporalidade, fazendo do pre-
sente uma permanente antecipação do futuro, pois ele sabe, em cada caso, “ser futu-
ro”, pois o mundo que está por vir se acha embutido no presente inteiramente
modelado57.
53
Citado por HARTOG, 2003: 217.
54
AGOSTINHO, 1973; BERGSON, 1974.
55
AGOSTINHO, 1973: 244.
56
HEIDEGGER, 1999: 28-29.
57
KOSELLECK, 2003: 34.
298
O novo regime de temporalidade e a história migracional
58
Obviamente, esta linhagem interpretativa teria que ser relativizada a considerarem-se as opiniões
recentes, segundo as quais, em sua obra-prima Ser e tempo, Heidegger não apresenta uma filosofia da
existência individual e, sim, uma doutrina do autossacrifício radical, na qual o individualismo é admitido
somente para o propósito do heroísmo de guerra. Ver FAYE, 2009.
59
RICOEUR, 1986: 451-453. A obra de Martin Heidegger foi publicada em 1927, Sein und Zeit, e as
citações de Paul Ricoeur e François Chenet referem-se à tradução francesa de E. Martineau, publicada
pela Authentica, em 1985, e revisada por F. Vezin, na publicação da Gallimard, de 1987.
60
CHENET, 2000: 114-115.
61
RICOEUR, 1986: 452-458.
62
BOUTANG, 1993: 37.
63
DOSSE, 2003: 152.
299
José Jobson de Andrade Arruda
4. Acepções historiográficas
64
SILVA, 2009: 11.
65
RICOEUR, 1986: 454.
66
“A historiografia... é a ciência da temporalidade humana”, pois “os fatos, as mudanças, os eventos,
não acontecem no tempo, mas eles criam o tempo”. Ver ARÓSTEGUI, 2005: 278-279.
67
CERVANTES, 2005: IX.
300
O novo regime de temporalidade e a história migracional
pleitear um lugar para a história no âmbito das ciências humanas, projeto que,
segundo ele, exige o diálogo interdisciplinar e, portanto, o indispensável recurso à
teorização de porte elevado.
De forma mais abrangente, a historiografia também foi entendida como expres-
são de uma totalidade cultural, a representação cultural de uma determinada época,
identificando historiografia com cultura, como pensa John Burrow ao recompor o
panorama evolutivo da cultura ocidental desde os gregos até nós. Para ele, a historio-
grafia não é somente um gênero amplo em si mesmo, mas é também “parte da cultu-
ra ocidental como um todo”, sendo que, em determinados momentos foi muito
influente e até mesmo essencial, isto porque as sociedades europeias, em diferentes
momentos, deram enorme importância às versões sobre seu passado e a noções sobre
o desenvolvimento histórico, de modo que “idéias de história e aspectos do passado
entrecruzaram-se e parcialmente constituíram idéias sobre religião, moral e política...
ajudando a constituí-las”68. Portanto, recuperando e trazendo até nós a personalidade
dos historiadores surpreendida em seus escritos, destacando a forma de sua molda-
gem por seu próprio tempo e por sua própria experiência.
A derradeira proposição remete à historiografia como dialógica transtemporal.
Nessa vertente, historiografia passa a significar a análise crítica da produção gerada
pelos historiadores em sua imersão temporal69. Em decorrência, o rótulo produção
histórica ocupa o lugar do vocábulo historiografia, no modo pelo qual ele é utilizado
em seu senso comum, vulgar. Não se falaria, portanto, em historiografia brasileira,
ou historiografia do Brasil colônia, falar-se-ia, sim, da produção histórica brasileira,
ou da produção histórica do Brasil colônia, reservando-se para a expressão
historiografia a reflexão crítica sobre a história contida nas obras produzidas, num
cerrado diálogo entre autor, meio e obra, cientes de que “as idéias sobre o passado
expressa nos escritos dos historiadores e o modo pelo qual se põe em relação a ele
também é parte desta história”70.
Vale dizer, toda obra histórica é uma narrativa e, por via de consequência, no
recôndito dessa narrativa, aloja-se um autor, um historiador, tornando inevitável certa
projeção de si mesmo sobre a escritura realizada. Não sua projeção como indivíduo,
mas como persona, na forma de uma máscara social, de um eu criado, do intelec-
tual/profissional dotado de uma formação específica por suas experiências, expectati-
vas, vivências, leituras, conceitos, representações, informações, cujo controle, em favor
da cientificidade histórica, está em concebê-la como “ciência da cultura”, produzida
68
BURROW, 2008: XVII.
69
Praticamente, o mesmo que dizer “A historiografia (isto é, a maneira de escrever a história) é uma
produção social”. Ver GARCIA, 1999: 11.
70
BURROW, 2008: XVII.
301
José Jobson de Andrade Arruda
71
WEBER, 2006: 58.
72
KRZYSTOF, 1999: 123, 125.
73
INSTITUTO, 2001: 1543.
74
CHARTIER, 1994: 21.
75
NIETZSCHE, 2001. Demonstração eloquente do entendimento dos escritos históricos como arte é o já
citado livro de John Burrow, History of histories, que tem a virtude de nos recordar que as narrativas dos
grandes historiadores recendem a obras literárias de porte elevado, e cujo traço de unidade é dado pelo
esforço comum em buscar os significados mais recônditos dos eventos particulares, contribuindo para a
compreensão do modo pelo qual os indivíduos agem como atores sociais.
302
O novo regime de temporalidade e a história migracional
e dos próprios historiadores em sua imersão temporal. Vale dizer, pensar as obras
produzidas não em si mesmas, nos objetos sobre os quais se debruçam, mas naquilo
que são capazes de expressar o entorno problematizado das múltiplas temporalidades
que nela se entrecruzam, necessariamente, escandindo o tempo a partir do qual falam
seus atores e agentes, bem como os universos sociais, a ambientação cultural e as
motivações pessoais de seus construtores76.
Todavia, como o tempo não é uma entidade abstrata, uma vez que a percepção
que dele temos é o significado que a ele é atribuído e é socialmente engendrado e
filtrado na imensa variedade de experiências vividas pelos historiadores, os estudos
historiográficos guardam relação próxima de parentesco com a sociologia do conhe-
cimento, nos termos de sua formulação clássica por Karl Mannheim77, sobretudo nas
análises voltadas ao estudo dos intelectuais78, na ênfase sobre a indispensável refle-
xão do quadro institucional em que se realiza a atividade intelectual. Somente o indi-
víduo é capaz de pensar, diz o sociólogo, mas não pensa isoladamente, fala a
linguagem de seu grupo social, a linguagem dos homens sociabilizados, produto de
um contexto histórico-social concreto. Por decorrência, a finalidade última da socio-
logia do conhecimento é desentranhar o enraizar desse conhecimento na textura
social, os modos de pensar aí secretados79. O diferencial destas proposições em rela-
ção aos termos propostos em nossa reflexão está na concepção de dialógica trans-
temporal, condição imprescindível para o conhecimento historiográfico; acessório
para o sociológico.
Nessa linhagem, pode-se pensar na extensão desse conceito para outros campos
do conhecimento. Seria possível, por exemplo, falar-se de uma antropografia, não
apenas no senso comum de distribuição dos povos sobre o ecúmeno e sua relação
meio ambiental, que segue o significado grego de grafia (descrição), mas que a
expande para sua vertente escrita, a partir de uma disquizição sobre os antropólogos
face à sua produção científica. Um passo além seria a reflexão sobre a história das
obras historiográficas, isto é, uma reflexão sobre as sínteses produzidas sobre os
estudos históricos realizados, tarefa complexa a que se propôs, com êxito, Rogério
Forastieri80. A noção de complexificação da temporalidade não é apanágio da histó-
ria, estende-se à totalidade do conhecimento humano, explicitando-se de modo
76
Para Julio Aróstegui, a fundamentação última da historiografia “não se baseia no que os historiadores
fazem, senão, e antes, na crítica do que fazem”. Ver ARÓSTEGUI, 2001: 14.
77
MANNHEIN, 1968.
78
Karl Mannhein enquadra-se aqui na primeira categoria dos intérpretes da história intelectual, os que
enfatizam a prioridade do social. “Assistimos então a uma oscilação constante entre uma concepção
substancialista que tende a assimilar os intelectuais a um grupo social particular e uma forma de nomina-
lismo que os situa antes de tudo por seu engajamento nas lutas ideológicas e políticas”. Ver DOSSE,
2003: 15.
79
DOSSE, 2003: 15.
80
SILVA, 2001.
303
José Jobson de Andrade Arruda
81
TEIXEIRA, 2007: 161.
82
ARRUDA, 2006: 15-32.
83
DUBY, 1987.
84
CASTELLS, 2003.
85
ARÓSTEGUI, 2001: 13.
304
O novo regime de temporalidade e a história migracional
86
ARÓSTEGUI, 2001: 259.
87
Que significa cair na ilusão positivista de que a cronologia fina refina o conhecimento histórico, a
metaforização da realidade, “a dissolver os problemas reais em palavras e símbolos”. Ver FONTANA,
1999: 271.
88
Isto é, a defatalização do passado, o retorno às potencialidades não cumpridas do passado segundo a
moral da ação de Paul Ricoeur. Ver FONTANA, 1999: 271.
89
RICOEUR, 1999: 69.
90
DOSSE, 1999: 68.
305
José Jobson de Andrade Arruda
Já se disse que é possível profetizar o futuro, desde que não se queira prevê-lo
nos detalhes. As possibilidades e os limites de um futuro distinto delineiam-se a partir
91
MADELÉNAT, 2005: 12-13.
92
DOSSE, 1977.
93
DOSSE, 2002.
94
DOSSE, 2006.
95
DOSSE, 2007.
96
DOSSE, 1977: 7.
97
FONTANA, 1999: 275.
306
O novo regime de temporalidade e a história migracional
98
KOSELLECK, 2006: 144-145.
99
CHEILBRONER, 1963: 12-13.
100
LE GOFF, 2000: 214-220.
101
REVEL, 1987: 179.
102
Inteligibilidade, compreensividade, ou simplesmente sentido, desencarnado de toda e qualquer cono-
tação finalista, ou seja, “a busca dos denominadores comuns ou a descoberta do mesmo debaixo da
aparência dou outro”. Ver MATTOSO, 1999: 31.
103
BODEI, 2001: 78.
307
José Jobson de Andrade Arruda
tempos. De fato: “Não há reflexão séria sobre o passado se não consideramos a arti-
culação do passado, do presente e do porvir”104.
O procedimento historiográfico em sua concepção crítica não se restringe ao
campo de conhecimento da história, como já foi dito. Pode ser aplicado ao conheci-
mento da escrita antropográfica, geográfica, etnográfica ou sociográfica, enfatizando
a dimensão da escrita em lugar da descrição, a temporalidade em lugar da espaciali-
dade. Remete, portanto, ao itinerário intelectual da humanidade, das especialidades
científicas incumbidas de entendê-lo, despertando a consciência intelectiva que esti-
mule a faculdade de apreender por via dos sentidos, da percepção de representações
mentais dos objetos e das sensações viabilizadas pela vivência socioambiental e,
numa instância superior, buscar as apercepções que envolvem o complexo feixe de
liames entre os objetos observados pelo historiador em relação a objetos similares e
diferenciados, viabilizando apreensões totalizadoras, transformadas pela reflexão na
produção de um fluxo contínuo de conhecimentos entre a experiência empírica e o
universo das representações que possibilitarão ao historiador, sujeito da história, a
compreensão de si, do mundo que o cerca, da intrincada rede de temporalidades que
nessa operação histórica se entretece.
Porque os historiadores escreveram o que escreveram? Porque o fizeram? Que
influência as interpretações tiveram sobre o desenvolvimento histórico ulterior? São
essas as questões de fundo que movem a historiografia em sua perspectiva crítica.
Busca-se a ressignificação da história por meio da reconceituação da escrita historio-
gráfica, especialidade que se aloja mais propriamente no campo da reflexão intelec-
tual e que não pode ser enclausurada em temporalidades estanques, que recusa a
unidirecionalidade do fluxo temporal, voltada à apreensão do seu direcionamento
múltiplo, entrelaçamento e simultaneidade, cuja percepção é apanágio do ser pensan-
te, do ser no tempo, com sensibilidade para o tempo, para quem a melhor imagem
para o tempo não é o rio de sentido unívoco, mas as nuvens de fluxos múltiplos.
Como os rios, a história em si corre num sentido único, irreversivelmente. Escor-
re do passado para o futuro atravessando o presente, pois não pode desatrelar-se do
tempo físico, do tempo cósmico. A sensibilidade do tempo, de sua transtemporalida-
de, de sua dialógica simbolizada nas nuvens, é atributo do historiador, o que faz deste
tempo o tempo do historiador, que não é o mesmo tempo da história. Dualidade
intuída por François Chenet que, mesmo assumindo a noção de transtemporalidade,
observa:
“O fluxo do tempo em si mesmo é irreversível, o pensamento do tempo supõe que pos-
samos remontar pelo pensamento o curso dos acontecimentos, por exemplo voltado a
104
CHENEAUX, 1985: 14.
308
O novo regime de temporalidade e a história migracional
Considerações finais
105
CHENET, 2000: 37.
106
SILVA, 2009: 11.
309
José Jobson de Andrade Arruda
Fontes e Bibliografia
Bibliografia
310
O novo regime de temporalidade e a história migracional
311
José Jobson de Andrade Arruda
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312
IMIGRAÇÃO E CULTURA: RUPTURA COM AS RAÍZES PORTUGUESAS?
Introdução
313
Maria Arminda Arruda
1
“Acelera-se, também, no nível do espaço urbano construído com a entrada do capital estrangeiro,
especialmente no governo JK, mas que tem seus anseios plantados muito antes, com os ‘revolucionários’
gritos de modernidade exigidos pela Semana de 22”. Ver SOUZA, 1994: 25.
2
“De fato, a mudança dentro da cidade é parte da transformação do espaço de assentamento introduzida
pelos processos intermetropolitanos e intrametropolitanos de desconcentração”. Ver GOTTDIENER,
1997: 25.
3
Apesar de não ter mais a hegemonia quase absoluta em termos de sua importância na pauta de exporta-
ção, o café continua a ter participação expressiva no desempenho da economia, já agora alicerçado de
forma cada vez mais intensa pelo setor industrial. O enquadramento em apreço fundamenta-se em
CANO, 1977: 257. Temáticas retomadas pelo autor em CANO, 1985.
4
Desenvolveram-se igualmente neste período as indústrias de materiais de transporte, autopeças, ao
mesmo tempo em que a indústria alimentícia passa por modernização mais intensa. Ver PEREIRA,
1967: 29.
314
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
5
O número de operários empregados no Estado de São Paulo passou de 488 633, em 1950, para 647
244, em 1960. Ver PEREIRA, 1967: 31.
6
Entre 1944 e 1955 as indústrias de bens de capital aumentaram sua produção em 892%, ao passo que o
setor de bens de consumo cresceu apenas 196%. Ver PEREIRA, 1967: 29.
7
Do ponto de vista da estrutura produtiva industrial, os anos de 1950 representam um marco qualitativo:
1955 é a data de corte entre a fase da industrialização restringida (1933 a 1955) e a industrialização
pesada (1956-1964). Ver MELLO, 1982.
8
Assim mesmo a relação entre a produção de bens de consumo e de produção tinha sido sensivelmente
alterada. Considerando-se apenas os cinco ramos mais importantes no primeiro setor, e seis no segundo,
no período de 1949 a 1959, bens de consumo reduzem sua participação de 47,3% para 34,9%, enquanto
bens de produção elevam-se de 34,9% para 42,7%. Ver SINGER, 1974: 59.
9
SINGER, 1983: 124.
315
Maria Arminda Arruda
10
A reação dos empresários nacionais à penetração do capital estrangeiro variou da simples irritação
pela competitividade que se passava a exigir deles, à adesão, comprazendo-se em receber os novos
investimentos. Ver DEAN, 1971: 252.
11
Em 1959 o produto industrial da cidade de São Paulo deveu-se à indústria. Na mesma data a contri-
buição da Grande São Paulo era de 70%. Ver SINGER, 1974: 60.
12
Joseph Love distingue três fases no desenvolvimento urbano de São Paulo: pré-metropolitana (1875-
1915); metropolitana inicial (1915-1940); metropolitanização (a partir de 1940). Destaca que na primei-
ra fase, já no século XX, São Paulo concebeu um razoável programa de saúde pública, escudado em
gastos per capita equivalentes aos aplicados nos Estados Unidos, no mesmo período. Em 1920, mais de
metade dos 120 municípios paulistas possuíam algum tipo de sistema de esgotos e todos tinham um
serviço público de fornecimento de água. Ver LOVE, 1982: 120 e 39, respectivamente.
316
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
13
SINGER, 1983: 124, 127.
14
MEYER, 1991: 5.
15
LOVE, 1982: 28. O crescimento populacional de São Paulo é intenso no período. Em 1920 a cidade
tinha apenas 580 mil habitantes, um terço dos quais estrangeiros. Em 1950, alcançara 2,2 milhões de
pessoas e, apenas quatro anos após, em 1954, atingiu 2,82 milhões. Ver ARAÚJO, 1958: 169.
317
Maria Arminda Arruda
16
“Pode-se pois concluir que a imigração, nesse caso a interna, foi extremamente significativa para o
aumento demográfico de São Paulo no período em estudo já que o crescimento natural não teria sido
suficiente para justificar os dados e índices mencionados. A porcentagem da população paulista atribuí-
vel a incremento natural era em 1900 de 34,6% para a de 65,4% imputável à imigração. Em 1960 a
relação entre esses índices pouco se modificara: 36,1% e 63,9%, respectivamente”. Ver QUEIROZ,
1976: 490.
17
BOLETIM, 1950: 37-39.
18
Sobre a figura de Voltolino. Ver BELLUZZO, s/d.; CARELLI, 1982.
19
LOVE, 1982: 83.
318
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
segundo Joseph Love, era o fato de “não tenderem a ver a terra como um patrimônio
ancestral a ser conservado. Consideravam-na um fator de produção e estavam cons-
tantemente a comprar novas propriedades à medida que as antigas perdiam sua ferti-
lidade”20. A elite cafeeira, como se vê, convertia o uso da terra em reserva de valor,
num processo de valorização em que as velhas propriedades transformavam-se em
moeda de troca para obtenção de terras virgens e férteis. A grilagem, a expropriação
forçada, foram outros mecanismos menos legais e dóceis de incorporação fundiária.
Em qualquer das circunstâncias, a preservação dos espaços de poder político tinha
importância capital, pois a combinação bancos-ferrovias-fazendas, garantia o conhe-
cimento prévio dos traçados ferroviários em direção à fronteira agrícola e, portanto,
das terras que teriam excepcional valorização.
As trajetórias cruzadas de imigrantes ascendidos com a burguesia agrária expli-
cam o perfil singular da mobilidade social em São Paulo nos anos 1950. A ascensão
social dos recém-chegados aos escalões médios e superiores da hierarquia social não
significava, obrigatoriamente, descensão para os grupos até então hegemônicos,
criando um espaço de acomodação21. A pequena mobilidade substitutiva não signifi-
cava, necessariamente, o deslocamento abrupto das antigas lideranças econômicas,
sociais e culturais, havendo, portanto, uma espécie de colchão amortecedor de ten-
sões, um vácuo de conflitos, capazes de promoverem a fusão das velhas e novas eli-
tes, por via das comunhões familiares. À burguesia decadente restou, finalmente, a
fuga para os redutos da cultura, a prosa, a poesia, o teatro, onde, outra vez, encontrar-
se-á com os novos chegados, por vezes, encarnados no papel de mecenas, não raro
colegas de ofício.
Para além das meras clivagens sociais, surpreendidas a frio na secura das estatís-
ticas, os autores reais desta história compartilhada tinham seus espaços de recolhi-
mento, suas muralhas interiores e lugares privilegiados de encontro, particularmente
no que tange às elites tradicionais ou emergentes. Enquanto na base da sociedade as
classes populares arregimentavam-se em famílias nucleares, no topo, nas famílias
tradicionais, predominava o agrupamento extenso, que não recusava sequer os filhos
bastardos, a exemplo de Armando Prado22. Sinalização inequívoca da capacidade de
assimilação das novas elites, por vias das ritualizações matrimoniais, das celebrações
20
O exemplo emblemático referido por Love, se bem que referido aos fins do século XIX, é bastante
significativo, pois se trata de uma figura expressiva da burguesia agrária tradicional, que chegou a ser
governador de São Paulo, Jorge Tibiriçá, “adquiriu várias propriedades na área servida pela Mogiana e,
em 1891, não hesitou em vender a propriedade familiar em Itú”. Ver LOVE, 1982: 234.
21
HUTCHINSON, 1960.
22
“Tradicionalmente, a família extensa, ou parentela, constituía parte importante na vida de todos os
grupos sociais... Mas, na década de 60, as famílias de classe baixa vivendo na capital tendiam a assumir
a forma nuclear, ao passo que a família extensa ainda permeava consideravelmente as relações da classe
alta”. Ver LOVE, 1982: 124.
319
Maria Arminda Arruda
23
LOVE, 1982: 125.
24
SIMMEL, 1997: 437.
320
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
Essas relações tornadas efetivas traduziam-se cada vez mais na aproximação com
todas as possibilidades de poder, inclusive o político26. Uma personalidade como
Francisco Matarazzo Sobrinho, ítalo-brasileiro, o Ciccillo Matarazzo, pertencente ao
maior grupo empresarial da América Latina e cujo leque de atividades na seara cultu-
ral ancorava-se em seu poderio econômico, transformava sua riqueza em via de aces-
so ao reconhecimento, a partir das suas iniciativas culturais, como a do Museu de
Arte Contemporânea (MAM), criado em 1948 e inaugurado em Março de 1949, da
Companhia Cinematográfica Vera Cruz logo depois. Afirmava, assim, sua individua-
lidade e o direito de dispor, a seu bel prazer, dos recursos acumulados na área empre-
sarial, acentuando a dimensão livre da sua personalidade, alforriada dos liames
restritivos da condição de imigrante. Ao mesmo tempo, os intelectuais e artistas aufe-
riam de novas possibilidades para o exercício das suas ocupações, podendo mobilizar
os recursos inerentes aos seus domínios do saber de forma mais segura. Nos dois
casos, as bases do exercício do mecenato e da vida cultural alteraram-se: em primeiro
lugar, porque este mecenato dirigiu-se para a criação de instituições; a exemplo dos
museus; do teatro e do cinema. Em segundo, porque as atividades culturais poderiam
usufruir, de modos diversos, da presença das instituições. A confluência dos proce-
dimentos fecha o circuito, o que permite entender como foi possível a associação
entre os produtores da cultura, empresários e dirigentes, nas comemorações do IV
Centenário de São Paulo, transcorridas em 1954.
É nos quadros dessa universalidade abstrata, que a transformação do tecido cultu-
ral culmina com a organização de instituições de peso. A multiplicação dos
empreendimentos introduziu transformações qualitativas no panorama cultural,
fazendo da cidade fonte geratriz das novas expressões em todos os campos.
A grande marca distintiva desse período, no que tange à produção da cultura,
ocorreu na expansão da produção, até como fruto das instituições criadas e mantidas
por personalidades oriundas do meio empresarial, diversa daquele mecenato caracte-
rístico dos salões paulistas dos anos 1920 e 193027.
“No final da década de 40, o mecenato burguês adquire uma amplitude que a cidade
até então não conhecera. E se manifesta sob formas inteiramente diversas. Já não se
25
WILLIAMS, 1997: 45.
26
Um excelente estudo sobre as relações entre os intelectuais e o poder é o de Sergio Miceli. Ver
MICELI, 1979.
27
Como é sabido, este é um fato paulista por excelência, já que no Rio de Janeiro o principal mentor do
desenvolvimento artístico e cultural foi o poder público.
321
Maria Arminda Arruda
trata da burguesia cafeeira para qual a valorização da cultura, no brilho dos seus salões,
tem função aristocratizante... E muito menos de um mecenato “benemérito”, aplicado à
manutenção de pequenas instituições ou de protegidos. Trata-se de um mecenato emi-
nentemente burguês e de uma burguesia industrial, suficientemente rica para despender
28
grandes somas de dinheiro” .
28
GALVÃO, 1981: 14.
29
“Os italianos e seus descendentes eram as vezes chamados, depreciativamente, de italianinhos ou de
carcamanos, pelos brasileiros dotados de longos sobrenomes. Mas já não eram italianinhos nem carca-
manos os condes e as condessas de nomes peninsulares cruzados, pelo casamento, com gente cujos
ancestrais Pedro Taques catalogara na sua Nobiliarquia Paulistana. A miraculosa força do dinheiro
começara a derreter os pruridos aristocráticos dos quatrocentões”. Ver BRUNO, 1986: 52-53. Estudo
recente sobre a origem do empresariado paulista constatou a presença esmagadora de estrangeiro ou de
seus descendentes na conformação de seu quadro étnico-social. Ver PEREIRA, 1994: 83-106.
30
PEREIRA, 1987: 37-38.
31
Nas palavras de Galvão: “A questão cultural em São Paulo é um problema da burguesia”. Ver GAL-
VÃO, 1981: 22.
322
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
32
GUZIK, 1986: 13.
33
PRADO, 2002: 545.
34
GUZIK, 1986: 13-14.
323
Maria Arminda Arruda
35
Essas alianças podem ser depreendidas dos nomes arrolados por Guzik no levantamento de fundos
para a criação do TBC. GUZIK, 1986: 14.
36
GALVÃO, 1981: 48.
37
GOMES, 1996: 71. Ver também CATANI, 1987.
38
GOMES, 1996: 197.
39
GOMES, 1996; ver também CATANI, 1983.
40
GOMES, 1996: 76.
41
CATANI, 1987: 203.
324
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
A fundação da Vera Cruz, pelo mesmo grupo que estava na base dos outros
empreendimentos, exprime a concentração das iniciativas culturais no período, carac-
terizando o grupo fechado dos mecenas. É de se notar a presença de Assis Chateau-
briand, empresário de origem nordestina e proprietário de uma cadeia de veículos do
ramo jornalístico, fundador do MASP e de Pietro Maria Bardi, marchand de origem
italiana e organizador do museu, atestando a colaboração inicial do MASP e a possí-
vel solidariedade entre os dois grupos. O próprio MAM havia sido instalado no pré-
dio da 7 de Abril, 230, sede dos Diários Associados, onde já funcionava o MASP. As
rupturas cristalizar-se-iam, posteriormente.
Os estrangeiros pareciam ter o dom da ubiqüidade, pois participavam até mesmo
das funções técnicas: “Registra-se também a presença de muitos estrangeiros traba-
lhando no cinema brasileiro: sobretudo italianos, mas há gente de muitas nacionali-
dades, inclusive dois americanos”45. É possível entrever a envergadura da iniciativa
na ruptura pretendida pelos seus profissionais, no que tange à produção cinematográ-
fica no período antecedente:
“A Companhia Vera Cruz foi fundada precisamente para “criar” uma indústria cinema-
tográfica no Brasil, a partir da estaca zero. Se alguma coisa fica absolutamente clara,
desde as suas primeiras tentativas de autodefinição, é a total negação do cinema ante-
46
rior” .
42
GALVÃO, 1981: 53.
43
GALVÃO, 1981: 39.
44
Depoimento de Alberto Cavalcanti transcrito por GALVÃO, 1981: 96.
45
GALVÃO, 1981: 50.
46
GALVÃO, 1981: 42.
325
Maria Arminda Arruda
Isto é, parecia rondar o projeto o sonho de instalar uma Hollywood tropical. Nes-
ses termos, do ponto de vista estritamente empresarial, a iniciativa até poderia ser
interessante. Constituída nos moldes de uma sociedade anônima, congregava a
seguinte composição na primeira diretoria. Diretor Presidente, Francisco Matarazzo
Sobrinho; Diretor Vice-Presidente, Franco Zampari; Diretor Superintendente, Carlo
Zampari; e Diretor Tesoureiro, Hernani Lopes47. Franco Zampari detinha a maioria
das ações, mas foi Francisco Matarazzo o doador do terreno, onde as instalações
foram construídas48.
O convite a Alberto Cavalcanti fora decisivo, para oferecer qualidade necessária
a iniciativas dessa ordem. Detentor de contatos fundamentais na área, fruto da longa
permanência na Europa, Cavalcanti contratou técnicos no Velho Continente, condi-
ção imprescindível à boa produção dos filmes49. A própria organização do I Festival
Internacional de Cinema, para o qual foram convidados artistas de renome interna-
cional, principalmente americanos, retrata o quanto de solidez se pretendia conferir à
Companhia50. Nem sequer esteve ausente do evento um grande acontecimento social,
organizado com requintes e sofisticação: a festa oferecida na fazenda Empyreo, a
todos os convivas, por Dona Yolanda Penteado, pertencente à tradicional família
paulista e na época casada com Francisco Matarazzo Sobrinho51. Tentou-se, até,
copiar o star system do cinema norte-americano52. Com todas essas pretensões, a
Vera Cruz parecia excessiva para o mercado nacional de cinema, experiência que
fenece em 1954. Apesar disso, expressou de modo contundente o processo de
modernização do tecido cultural em São Paulo, onde a criação de instituições é sua
maior expressão. No começo da década de 1950, é notória a preocupação em desen-
volver um campo cultural diferenciado e mais compassado com as tendências inter-
nacionais. As palavras do intelectual e renomado crítico cinematográfico, Paulo
Emílio, são reveladoras: “É verdade que sempre houve encontros de intelectuais,
discussões sobre arte, política, mil coisas; mas jamais alargado a um número tão
grande de pessoas, e prolongado durante tanto tempo e diversificado para tantos
campos de interesse”53.
No plano da vivência cotidiana, à ebulição intelectual de São Paulo correspondia
a crescente ampliação dos domínios do lazer e do consumo. Em meados dos anos
47
GALVÃO, 1981: 92.
48
GALVÃO, 1981: 93.
49
PENTEADO, 1976: 249.
50
A esse respeito, ver GALVÃO, 1981: 245.
51
Sobre o evento, ver GALVÃO, 1981: 242-254.
52
GALVÃO, 1981: 250-251.
53
Apud GALVÃO, 1981: 38.
326
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
54
ARRUDA, 1985: 93-103.
55
Rádio Nacional. 20 anos de liderança a serviço do Brasil – (1936-1956). “Arquivo Multimeios”,
Centro Cultural de São Paulo, Secretaria Municipal da Cultura, Prefeitura de São Paulo, n. 2409, folha
82. Devo a Ana Claudia Fernandez o acesso a esse material.
56
Renato Ortiz, analisando o mesmo período, considera “difícil aplicar à sociedade brasileira deste
período o conceito de indústria cultural introduzido por Adorno e Horkheimer... Faltavam a elas (as
empresas) um traço característico das indústrias da cultura, o caráter integrador”. ORTIZ, 1985: 48. De
fato, a integração ocorrerá apenas no final dos anos de 1960, mas a concepção da mensagem-produto é
anterior, como se pode perceber no texto reproduzido.
57
ALMEIDA, 1996: 161. A autora apresenta dados sobre o número de lugares e a freqüência anual aos
cinemas entre os anos 1940-1970. Nota-se que o movimento de ascensão nos dois índices, entre 1940-60
declina, entre 1960-70, momento em que a televisão começava a interferir na freqüência aos cinemas.
Mas entre 1940-60 os números são eloquentes: Número de lugares: 1940 – 95 754; 1945 – 122 736;
1950 – 158 000; 1955 – 199 379; 1960 – 224 669. Público anual: 1940 – 19 526 224; 1945 – 30 212
942; 1950 – 35 846 722; 1955 – 57 736 902; 1960 – 44 357 881. A autora mostra, nesse texto bastante
sugestivo, que, já “no final dos anos 30, começou a se formar a Cinelândia paulista na região do centro
novo, nas avenidas São João, Ipiranga e imediações”, p. 162. Os maiores cinemas de São Paulo localiza-
vam-se no Brás, bairro operário e de origem imigrante, p. 163. Nos anos de 1940, São Paulo possuía 449
tipografias, 203 revistas, 106 livrarias, 91 jornais (em várias línguas), 45 casas editoras e 150 cinemas.
Ver PETRONE, 1955: 168.
58
O Festival Internacional de Cinema compreende a Retrospectiva do Cinema Brasileiro, o Festival do
Cinema Científico, o Festival de Cinema para as Crianças, conferências, publicações e exposições como
as realizadas no Museu de Arte Moderna, sobre as obras de Erich von Stroheim e Abel Gance. Ver
“Cinema de 30 Dias”, revista Anhembi, n. 45, vol. XV, Agosto de 1954.
327
Maria Arminda Arruda
as áreas mais visíveis da americanização dos modos de vida, o que, de resto, estava
igualmente acontecendo com a música popular, com o próprio teatro e já havia acon-
tecido nas concepções urbanistas desde o Plano de Avenidas de Prestes Maia59. A
ascendência dos padrões norte-americanos no âmbito da cultura significava deslocar
a hegemonia cultural francesa, típica das nossas elites europeizadas, mas denotava,
conjuntamente, certa concepção de como organizar as atividades que, em São Paulo,
se fará sob o signo empresarial: nos meios de comunicação, na publicidade, no cine-
ma, no teatro. Naturalmente, os limites desses empreendimentos levados a efeito no
período eram visíveis, como aponta Renato Ortiz, o chamado “espírito da racionali-
dade” combinava-se “a padrões mais antigos”, como se percebe na oportunidade da
inauguração da TV Tupi por Assis Chateaubriand, em 195060. Apesar disso, é possí-
vel ocorrerem projetos empresariais no âmbito da cultura, o que não significa reduzi-
los a puras manifestações da visão burguesa61.
O entendimento dessas iniciativas pressupõe considerar a relação entre esses
empreendedores e a intelectualidade paulistana que promoveu, amparou e participou
ativamente de grande parte dessas instituições em processo de montagem, como foi o
caso do crítico e intelectual cosmopolita, Sérgio Milliet, dos jovens de Clima e de
outras personalidades da vida cultural de São Paulo62. Ao lado dessas relações, tanto
59
“Não se pode esquecer que os anos 40 marcam uma mudança na orientação dos modelos estrangeiros
entre nós. Os padrões europeus vão ceder lugar aos valores americanos, transmitidos pela publicidade,
cinema e pelos livros em língua inglesa que começam a superar em número as publicações de origem
francesa” (ORTIZ, 1985: 71). “Ao Brasil, restava continuar na esteira da colonização cultural. No plano
musical, chegavam até nos ritmos como o swing, o jazz e o boogie-woogie” (CALDAS, 1995: 105).
“Nesse sentido, Prestes Maia, no seu Plano de Avenidas, até apresentava uma inovação: a incorporação
das idéias dos urbanistas americanos, caracterizadas pelo movimento City Beautiful... e também pelas
idéias mais atuais da época, tais como o planejamento da circulação e a legislação do Zoneamento”
(SOMEKH, 1997: 139). No teatro, a presença da dramaturgia americana é incontestável. Autores como
Arthur Miller e O’Neill eram encenados com frequência e foram importantes à elaboração da obra de
Jorge Andrade.
60
“Eu diria que o empresário cultural dos anos 40 e 50 se aproxima ao que Fernando Henrique define
como capitão da indústria” (ORTIZ, 1985: 57). Este livro traz um ótimo panorama dessas questões no
período. Um bom relato da precariedade dos métodos de Chateaubriand, na ocasião da inauguração da
TV-Tupi encontra-se em MORAIS, 1994. É sugestiva a seguinte passagem: “Um mês antes do dia D, o
engenheiro norte-americano Walther Obermüller, diretor da NBC-TV, veio ao Brasil para supervisionar
a inauguração e as primeiras semanas do funcionamento da Tupi... O americano quis saber ‘quantos
milhares de receptores tinham sido vendidos pelo comércio à população de São Paulo’. Os dois diretores
se entreolharam e responderam quase em coro: – Nenhum. Atônito com a notícia, Obermüller pediu uma
reunião com Chateaubriand, para advertir o dono dos Associados... Chateaubriand disse para ele não
esquentar a cabeça com aquilo, que no Brasil tudo tinha solução”. Ver MORAIS, 1994: 500.
61
Sobre o caráter burguês dos investimentos, não necessariamente da presença de orientação burguesa
no plano cultural (ORTIZ, 1985: 67-70). Antonio Candido contesta, significativamente, a concepção que
identifica os empreendimentos culturais à burguesia. Ver CANDIDO, 1980.
62
O único grande empreendimento que foi visto com ceticismo pelos intelectuais paulistas foi o MASP,
visto que os métodos de Chateaubriand para a montagem do acervo eram considerados no mínimo discutí-
veis. Sobre a importância de Clima na cultura em São Paulo, ver o excelente trabalho de PONTES, 1998.
328
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
no caso do TBC, quanto da Vera Cruz, a participação dos estrangeiros foi essencial
na formação do corpo técnico das referidas companhias, elas próprias, como vimos,
frutos da iniciativa de Franco Zampari e de Ciccillo Matarazzo que, apesar de ter
nascido no Brasil, era um homem formado na cultura peninsular, falando, inclusive,
português com sotaque. Desse modo, o papel dos estrangeiros, ou dos recém-
chegados, foi decisivo na modernização dos diversos setores da cultura, extrapolando
mesmo o período, dada a importância das “missões” na fundação da Universidade de
São Paulo, em 193463. Nesse andamento, a compreensão das diversas instituições
criadas no pós-guerra em São Paulo, não se completa sem o tratamento da natureza
do seu fenômeno imigratório, naquele tempo em que os herdeiros das famílias de
estrangeiros já ascendidas adentram ao universo da cultura e estabelecem a relação
entre riqueza e mecenato, entre dinheiro e cultura, extrapolando a mera questão
demográfica ou do movimento em direção às posições sociais superiores64. A cone-
xão entre modernismo e o fenômeno da imigração estabelecida por Raymond Wil-
liams, pode ser estendida para o campo da construção das instituições culturais que,
em São Paulo, ofereceram o solo para o vicejamento das linguagens65.
No conjunto, a cultura desse meio de século reproduzia a mélange característica
de uma sociedade em vigoroso movimento transformador, mas que estava submetida
às tensões de uma história sem força suficiente para promover rupturas mais profun-
das. O tecido cultural daqueles anos pode ser caracterizado como uma “cultura de
mescla, na qual coexistem elementos defensivos e residuais ao lado de programas
renovadores”66. Esse diagnóstico, de Beatriz Sarlo para Buenos Aires a partir dos
anos trinta, aplica-se a São Paulo67.
63
MASSI, 1991; MASSI, 1989.
64
Sobre a Geografia urbana de São Paulo e o fenômeno demográfico o livro A cidade de São Paulo:
estudos de Geografia Urbana, organizado por AZEVEDO, 1958, concebido como obra de homenagem ao
IV Centenário da cidade, apresenta uma visão ampla. Os italianos de nascimento, ou de origem, foram
centrais às novas iniciativas. Para uma análise ampla desta imigração, ver TRENTO, 1989. Para uma análi-
se da participação dos italianos no teatro brasileiro desde as origens das encenações promovidas por imi-
grantes, ver SILVEIRA, 1976. A participação dos estrangeiros desdobrou-se no plano da crítica. Apenas
para citar alguns exemplos, chamo a atenção para o papel central de Anatol Rosenfeld e Jean Claude Ber-
nadet em São Paulo; no Rio, não há como não lembrar a figura do intelectual Otto Maria Carpeaux.
65
“Assim a chave fundamental das mudanças do estilo modernista é o caráter das metrópoles. O impacto
mais importante é seus efeitos na forma, e o fato mais importante das mudanças na forma é a imigração
para as metrópoles...”. Ver WILLIAMS, 1997: 45.
66
SARLO, 1997: 217.
67
Se a construção de prédios pode ser um indicador seguro para o padrão de desenvolvimento alcançado
por uma determinada metrópole, os ritmos de São Paulo e Buenos Aires eram próximos e superiores até
mesmo a Nova York: “Enquanto em Nova York constróe-se, cada ano, uma casa para cada grupo de 423
habitantes, em Buenos Aires para 134, em São Paulo registra-se a média de 102”. Portanto, “parece não
existir nenhuma cidade que se iguale”, evidentemente, a São Paulo. Ver PETRONE, 1955: 167.
329
Maria Arminda Arruda
“O sistema de respostas culturais formado nesses anos terá importante influência até,
pelo menos, a década de 1950. Trata-se de um período de insegurança mas também de
certezas muito fortes, de releituras do passado e de utopias, no qual a representação do
futuro e da história entram em choque nos textos e nas polêmicas. A cultura de Buenos
Aires estava sujeita à tensão do “novo”, muito embora também se lamentasse do curso
inexorável das mudanças... A modernidade é um cenário de perdas mas também de
fantasias reparadoras. O futuro era hoje”68.
68
PETRONE, 1955: 217.
69
“Foi após todo o movimento de vanguardas históricas-futurismo, dada, surrealismo, construtivismo e
os grupos de vanguardas da recém instalada União Soviética – que se começou uma luta radical e impla-
cável contra os museus. Essa luta começa na exigência do fim do passado através da destruição semioló-
gica de todas as formas tradicionais de representação e ao se defender a ditadura do futuro. Para a cultura
de manifestos... o museu realmente era um bode espiatório plausível”. Ver HYSSEN, 1997: 228.
70
A respeito das críticas aos museus, ver AMARAL, 1998: 245-250.
330
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
Assis Chateaubriand, figura controvertida, assim como Pietro Maria Bardi, seu braço
forte, os museus carregavam promessas civilizatórias que a todos agradavam. O
Museu de Arte Moderna do Rio, similarmente, reequilibrava em parte a perda de
espaço da capital diante das iniciativas paulistas. No conjunto, a todos parecia que o
país se tornava culturalmente mais denso, mais ilustrado, apesar dos atos do primeiro
governo da recém-instalada democracia, parecer desmentir os ares cosmopolitas.
Mas a produção industrial havia superado a cafeicultura, já em 1946; o país abria-se
para a construção da sociedade moderna. O futuro afigurava-se auspicioso; provava-
o a novidade de um tipo de mecenato incomum até então. Diferentemente do projeto
de fundação da Universidade de São Paulo, na qual “elites ilustradas” consorciaram-
se com o governo estadual, que acabou sendo o agente viabilizador da instituição, os
mecenas dos museus eram empresários, migrantes ou imigrantes, atitude sintomática
do vigor das atividades econômicas no Brasil. Além de empreendedores, lançaram-se
na construção desses organismos culturais de cunho público, necessariamente articu-
lando ações arrojadas e mesmo aventureiras, quando se considera a efetiva realidade
brasileira. Independentemente do aparecimento de problemas que costumam acom-
panhar iniciativas dessa natureza, mormente em contextos como o nosso, os museus
renovaram a cultura das artes na cidade, ao permitirem o contato direto de artistas e
do público com obras clássicas, modernas e contemporâneas. Introduziram, sobretu-
do, um clima qualitativamente diverso, em função da organização de iniciativas em
múltiplas direções, permitindo a São Paulo e a capital do país compassassem-se com
o ritmo cultural dos grandes centros mundiais.
A literatura que trata da conjuntura de criação dos Museus de Artes no Brasil, no
segundo quartel dos anos quarenta, acentua, comumente, as relações que se estabele-
ceram entre as transformações da sociedade brasileira no período, resultantes da
industrialização, democratização, enfim, da modernização, e as mudanças no âmbito
da cultura que se tornava, concomitantemente, mais complexa71. Dos textos produzi-
dos no interior das instituições, até nos mais analíticos, emergem conexões dessa
natureza. Desse modo, as análises de cunho contextual inserem as instituições
museológicas nos quadros da sociedade brasileira, que se desenvolvia e se moderni-
zava, atestadas pelo dinamismo das grandes cidades e de São Paulo em particular.
O mesmo ocorre quando se busca a conexão dos museus de arte, com a conjuntu-
ra internacional no pós-guerra e, especificamente, com a política norte-americana
para a América Latina. Nesse caso, trata-se de salientar os aspectos essencialmente
71
“O novo surto industrial vem a alterar o perfil sócio-cultural do país: crescer a migração do campo
para as cidades e neste processo a tradição rural e artesanal cede terreno à cultura urbana e à industriali-
zação. É na dinâmica destas mudanças que ocorre o advento do abstracionismo em evidente confronto
com a arte então centrada na representação do homem e seu meio”. “Abstrações (145-60)”, Bienal Bra-
sil, Arquivo MAC.
331
Maria Arminda Arruda
72
“Os museus de arte moderna, fundados nessa década em todo mundo, foram parte integrante da
propaganda americana contra o grande prestígio desfrutado pelo socialismo entre intelectuais e artistas”.
Ver PARADA, s/d.: 25.
73
“Pela sua atuação educacional, o museu moderno deve atuar junto à população urbana, educando-a
para que obtenha a competência estética e comportamental necessárias a um país que pretende superar os
desafios do crescimento econômico”. Ver PARADA, s/d.: 62.
74
BARDI, 1992. “Chateaubriand tinha – paralelamente aos seus impulsos fundamentais pela ação práti-
ca – especial atenção pelos valores visuais, que revelava desde o interesse juvenil pela paisagem do
nordeste e o artigo de 1952 sobre a obra de Tarsila e a amizade por Visconti a partir dessa época, e certa
ternura por Portinari, mais tarde, até culminar nas visitas que fazia a museus, pelo mundo afora, e na
referida criação do MASP”. BARATA, 1971: 103; ALMEIDA, 1976.
75
A alusão de que Chateaubriand criou o MASP tendo em vista a sua rede de veículos de comunicação
está aludida: DURAND, 1989; SILVEIRA, 1983.
76
ZANINI, 1983; ZANINI, 1991; LOURENÇO, 1990; AMARAL, 1982.
77
“O que de notável sucede, em matéria de institucionalização da arte moderna, fica por conta da
implantação de entidades museais, no pós-guerra... A entrada de recursos, por um lado vindo de Assis
Chateaubriand e de outro por Francisco Matarazzo Sobrinho, modifica totalmente o meio brasileiro”.
332
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
Ver LOURENÇO, 1990: 308. O livro recente de Maria Cecília França Lourenço apresenta uma visão
mais matizada do problema, ver LOURENÇO, 1999.
78
“Os clamores pela criação de um MAM intensificam-se entre nós, no pós-guerra... Adota-se o modelo
norte-americano, afinal em padrão cultural desejável após a aproximação com os Estados Unidos, apoia-
da pelos intelectuais, que a entendiam como indispensável para afastar Getúlio Vargas do nazifascismo,
estratégia plenamente atingida”. Ver LOURENÇO, 1999: 19.
333
Maria Arminda Arruda
79
A imprensa absorveu um contingente significativo de profissionais de formação superior. Ver
SODRÉ, 1977: 427-428.
334
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
80
“A esfera pública burguesa desenvolvida baseia-se na identidade fictícia das pessoas privadas reunidas
num público em seus duplos papéis de proprietários e de meros seres humanos”. Ver HABERMAS,
1984: 74.
335
Maria Arminda Arruda
81
MAC, 1990: 13.
82
“A correspondência entre Carlos Sprague Smith evidenciava o interesse americano na organização do
museu”(MAC, 1990: 13). A ampliação das relações no campo da cultura entre Brasil e Estados Unidos
já ocorrera, quando da fundação da Escola Livre de Sociologia e Política, em 1933, segundo modelo
americano.
83
PENTEADO, 1977: 174.
336
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
84
PENTEADO, 1977: 174.
85
MAC, 1990: 13. Consultar também OLIVEIRA, 1976.
86
PENTEADO, 1977: 177.
87
MAC, 1990: 13.
88
MAC, 1990: 14.
89
Ver “Discurso proferido pelo Sr. Carlos Pinto Alves por ocasião da homenagem a Francisco Mataraz-
zo Sobrinho” – 16/5/1954, Acervo da Biblioteca do MAM – Ibirapuera.
90
MAC, 1990: 13.
91
Ver “Exposições de Museu de Arte Moderna de 1949 a 1962” (Relação assinada por Mário Pedrosa).
Ver MAC, 1983.
337
Maria Arminda Arruda
92
Ver “Exposições de Museu de Arte Moderna de 1949 a 1962” (Relação assinada por Mário Pedrosa).
Ver MAC, 1983.
93
MAC, 1990: 14.
94
PENTEADO, 1977: 178-180.
95
Apud MAC, 1990: 14.
96
PENTEADO, 1977: 182.
97
Ver “Breve histórico do Museu de Arte de São Paulo”. Biblioteca MAM, São Paulo, 17/11/1960, p. 1.
98
ALMEIDA, 1996: 39.
338
Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
Considerações finais
339
Maria Arminda Arruda
cidade de São Paulo de cuja herança somos, ainda, herdeiros; tampouco podem elidir
o caráter de inovação que esses imigrantes legaram.
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Imigração e cultura: ruptura com as raízes portuguesas?
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Maria Arminda Arruda
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342
MARIA PRESTES MAIA: TRAJETÓRIA, POLÍTICA E CULTURA
Introdução
A cidade de São Paulo/SP/Brasil tem seu traçado urbano marcado pelo denomi-
nado “Plano Avenidas”, que foi idealizado e implementado pelo urbanista e prefeito
Francisco Prestes Maia. Na ampla bibliografia sobre suas ações são raras as referên-
cias sobre sua esposa, a portuguesa, Maria de Lourdes Costa Cabral Prestes Maia.
Esta investigação objetiva rastrear a trajetória de vida e a presença desta imigrante
lusa, destacando suas atividades políticas, a atuação na Federação das Mulheres do
Brasil, também suas experiências como atriz e professora de teatro, bem como as
ações no setor cultural e na assistência social.
343
Maria Izilda Matos
344
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
No começo do século XX, São Paulo assumiu seu destino de metrópole, sob o
influxo do crescimento industrial, comercial e financeiro. De acordo com o censo de
1920, o número de habitantes atingiu a cifra de 579 033 pessoas. Já entre 1920 e
1940, a população novamente duplicou, saltando para 1 326 261 moradores6. Em
1934, totalizavam 287 690 estrangeiros7 (destes 79 465 portugueses)8, constituindo
na cidade um mosaico diversificado de grupos étnicos9.
5
As origens do DEOPS são encontradas no Gabinete de Investigações, organizado por Washington Luiz
no período em que era Secretario Estadual de Justiça e Segurança Pública de São Paulo (1909). Quando
assumiu a prefeitura da cidade de São Paulo (1914-1919), ele buscou consolidar o aparato policial para
enfrentar as manifestações sociais, particularmente às greves operárias. Já como Presidente do Estado
(1924), Washington Luiz criou delegacias especializadas, entre elas a que investigava as ameaças à
ordem pública, instituía-se o DEOPS, com a preocupação de vigiar e controlar as ditas “classes perigo-
sas”. Ver HECKER, 2009.
6
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Recenseamento do Brasil, 1920, Synopse do
Recenseamento. Rio de Janeiro, Typ. da Estatística, 1926.
7
Censo Estadual de 1934.
8
ARAÚJO, 1940.
9
Apesar das restrições na política imigratória a partir de 1930, presentes na Lei dos 2/3 (decreto n.º 19
482 de 12/12/1930) que garantia a cota de 2/3 de trabalhadores brasileiros natos em todas as categorias
profissionais. Na mesma década a medida foi relativizada pela Resolução 34 do Conselho de Imigração
e Colonização (22/4/1939) que revogou qualquer restrição numérica às entradas de portugueses.
345
Maria Izilda Matos
Apesar das dificuldades enfrentadas nos finais da década de 1920 e início dos
anos 1930 (crise mundial de 1929 e a queda dos preços do café, Revolução de 1930,
perda da hegemonia política da elite paulista e Movimento Constitucionalista de
1932), a indústria continuou se desenvolvendo, atingindo altos índices no período sub-
seqüente (1932-1939). Assim, nas décadas de 1930, 1940 e 1950, a cidade consolidou
a expansão da industrialização, bem como o crescimento dos setores comerciais e de
serviços. As inversões no setor imobiliário ganharam impulso, possibilitando novas
edificações, tornando São Paulo “a cidade de um edifício por hora”10, com a redefi-
nição de territórios, como novas áreas comerciais, financeiras e de moradia.
Os planos de intervenção urbana, orquestrados na gestão de Prestes Maia (1938-
1945), remodelaram a cidade11. Nos dois primeiros anos da sua gestão, centrou suas
ações na finalização das obras já iniciadas pelo seu predecessor – Fábio Prado.
Seguiu-se a um “bota abaixo”, até então inusitado: abrindo avenidas, alargando ruas,
refazendo ligações viárias. Apesar de já terem aparecido outras propostas, foram
priorizadas as soluções já organizadas pelo Plano Avenidas, que estabelecia as carac-
terísticas da expansão da cidade, assentadas nos princípios de centralização, centrali-
zação, expansionismo, verticalização e rodoviarismo. Foram construídos parques,
jardins e praças, o Vale do Anhangabaú foi remodelado, além de dar início a obras
que se completariam nas décadas seguintes (Avenida Itororó, hoje 23 de Maio,
Radial Leste, Avenida Rio Branco, prolongamento da Avenida Pacaembu).
Nos anos 1950, particularmente durante o governo Juscelino Kubitschek (1955-
1960), a cidade conviveu com a aceleração ainda maior da industrialização, com a
penetração do capital estrangeiro, com a modernização da produção, que possibilitou
a ampliação de certos bens de consumo (em particular os automóveis), que tornavam
a sociedade mais veloz, também mais conectada pelo rádio, mais visual, com pene-
tração lenta da TV e marcada por um número crescente de cinemas e teatros.
Em 1961, quando Prestes Maia assumiu novamente o cargo de prefeito, numa
das maiores votações já recebidas por um candidato, São Paulo contava com 3 259
087 habitantes, marcados por profundas desigualdades sociais, vivendo e convivendo
nacionais e imigrantes, migrantes, sobretudo nordestinos envoltos em múltiplas ten-
sões urbanas, experiências fragmentadas e diversificadas12.
10
Se em 1920, eram 1875 novas construções; em 1930, já eram 3 922; em 1940 atingiu 12 490; em
1950, chegaram a 21 600 construções. Ver MORSE, 1970: 365.
11
Francisco Prestes Maia (1896-1965), engenheiro, urbanista e professor da Escola Politécnica de São
Paulo, elaborou planos de urbanismo para Campos do Jordão, Santos, Campinas e Recife. Ocupou o
cargo de diretor de Obras Públicas de São Paulo e entre 1938-1945, foi prefeito da cidade, nomeado pelo
interventor federal no governo paulista – Ademar de Barros. Voltou a assumir o cargo no período entre
1961-1965.
12
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, IBGE, RJ, 1958, V. XXX. Entre 1950-1959, o Estado de
São Paulo recebeu aproximadamente 400 mil imigrantes (maioria formada por portugueses), sendo que a
maioria fixou-se na capital e na região metropolitana que passavam por um "boom" industrial.
346
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
13
Era descendente dos Costa Cabral, bisneta do primeiro marquês de Tomar, Antônio Bernardo da Costa
Cabral (1803-1889). Este foi conselheiro de Estado, ministro da Justiça e ministro do Reino por duas
vezes durante o governo da Rainha D. Maria II. Seu primeiro mandato na presidência do ministério ficou
conhecido como Era Cabralina. Neste momento muito conturbado, empreendeu o plano de reforma do
moderno Estado português.
347
Maria Izilda Matos
Figura n.º 1
Maria de Lourdes
14
Com texto de Eduardo Schwalbach e música de Filipe Duarte, a peça Chico da Pegas (1911) é uma
opereta com criticas a sociedade da época, no estilo teatro de costumes.
15
Casamento nuncupativo celebrado quando um dos contraentes se acha na iminência de falecer, ou in
articulo mortis.
348
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
Para além do TBC, surgiu o Teatro de Arena (1955), que agregava uma equipe
que buscava uma linguagem teatral que fosse mais acessível ao público, se caracteri-
zando como “de vanguarda, nacionalista e popular”. Posteriormente, constituíram-se
diversos grupos, alguns originários do TBC, como as Companhias Tônia-Celi-Autran
e Nydia Lícia-Sérgio Cardoso, outros artistas também fundaram suas companhias
Fernanda Montenegro, Cacilda Becker, Maria Della Costa.
Cativante e eloqüente, Maria Portuguesa, como era chamada, foi professora de
dicção, oratória, presença cênica, postura e representação no Teatro Municipal e no
Instituto Brasil-Rússia19. Muitos atores de realce foram seus alunos, como Sérgio
Cardoso, Madalena Nicol e Paulo Autran, este estreou em cena com a peça A Esqui-
na perigosa (Dangerous Corner) de J.B.Priestley, traduzida por ela e equipe.
16
ARRUDA, 2001: 118.
17
A chegada de diretores estrangeiros como Louis Jouvet, Adolfo Celi, Henriette Morineau, Ziem-
binsky, Gianni Ratto contribuíram para a profissionalização do setor. Ver HAAG, 2010: 87.
18
PASCHOAL, 1998: 28.
19
Neste período difundiram-se na cidade grupos de teatro amador e estudantil, com destaque para o
Grupo de Teatro Universitário, Grupo de Artistas Amadores, English Players (da Sociedade Cultural
Inglesa), Sociedade de Artistas Amadores, Grupo de Amadores da Faculdade de Ciências Econômicas.
Em 1947, os atores amadores Paulo Autran e Madalena Nicol, indicados por Tatiana Belink, procuraram
o curso de teatro no Instituto Cultural Brasil-Rússia, oportunidade em que foram alunos de Maria Prestes
Maia. Ver MATTOS, 2002.
349
Maria Izilda Matos
Ela freqüentava e influía no meio teatral, tinha amigos como: Ziembinsky, Sérgio
Cardoso, Nydia Lícia, Bibi e Procópio Ferreira, Paulo Autran, Tônia Carrero, Mada-
lena Nicol, Cacilda Becker, Adolfo Celi, Henriette Morineau, Gianni Ratto, Paulo
Gouveia, Tatiana Belinky, entre outros. Apoiou movimentos teatrais emergentes na
cidade, como o Teatro Oficina, inaugurado em Agosto de 1961, com a encenação de
A Vida Impressa em Dólar.
“Acho que Zé Celso e eu, embora ainda muito ingênuos naquele tempo, já intuíamos
que seria bom ter uma madrinha poderosa que nos ajudasse a resolver entraves buro-
cráticos e exigências.... Quem melhor para nos amadrinhar do que a esposa do próprio
Prefeito Prestes Maia? Convidamos Dona Maria Prestes Maia para cortar a fita de
inauguração no dia da estréia. Ela aceitou. Dona Maria era uma ex-atriz portuguesa,
muito despachada, falante...No dia da estréia depois de pronunciar algumas palavras
portuguesas, cortou a fita verde e amarela debaixo de uma salva de palmas”20.
“A nossa madrinha foi Maria Prestes Maia, mulher do prefeito Prestes Maia. Era uma
tentativa de burlar a censura que implicara com a presença na peça de palavrões, cenas
21
amorosas, passagens consideradas de pregação marxista...” .
Maria de Lourdes aceitou o convite, mas não deixou de interferir, fez questão de
acompanhar os ensaios, e como professora de teatro apontou dificuldades como: o
sotaque carregado e as inflexões duras, a falta de postura cênica, particularmente, as
dificuldades com as mãos “ou fumam o tempo inteiro ou enfiam as mãos nos bolsos
para esconder a sua falta de repertório”, além da ausência de estilo e elegância das
atrizes. A análise fazia parte da sua prática, pois escrevia críticas de teatro, música e
artes plásticas, numa coluna denominada “Le Fígaro”, usando pseudônimo.
Articuladora cultural, tornou-se amiga de Tito Schipa e Arturo Rubinstein, quan-
do estes se apresentaram em São Paulo. Esteve presente em praticamente todos os
movimentos culturais da urbe, amiga de Ciccilo Matarazzo e Assis Chateaubriand
apoiou-os em várias iniciativas (MASP, MAM, Bienal).
20
Depoimento de Renato Borghi. Disponível na internet em: <aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes
/.../12.0.813.446.txt> (consulta em 17/8/2010).
21
Depoimento de Etty Fraser. Disponível na internet em: <aplauso.imprensaoficial.com.br/.../
12.0.812.949.txt> (consulta em 17/8/2010).
350
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
Figura n.º 2
Maria de Lourdes e a filha Adriana
22
CAVALCANTI, DELION, 2004.
351
Maria Izilda Matos
23
Entrevista de Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo,
realizada em 5/9/2005.
24
Entrevista de Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo,
realizada em 5/9/2005.
352
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
“Ela fazia uma açorda, prato português, que era uma delícia. Pratos de bacalhau, souf-
flés, carnes, coelhos, patos, pernis e doces portugueses, arroz-doce cremoso, bolos. Ela
tinha o dom para fazer pratos, tanto salgados quanto doces, todos com perfeição. O arroz-
doce era cremoso, feito com vários litros de leite, várias gemas, cravos, canela, era cre-
moso, com raspas de limão e era devorado em questão de minutos pelos convidados. Era
a sobremesa favorita do dia de reis, e outras festas. Nesse dia chamava os amigos, servia
uma saborosa bacalhoada, com vinhos portugueses, e o célebre arroz-doce.
Ela era uma pessoa muito festeira, adorava ter a casa repleta de amigos, comendo e
bebendo bons vinhos e licores, ao término da refeição. Trata-se de um costume bem
lusitano, que herdei e procuro passar aos meus filhos. Outro costume dela era o cálice
de vinho do Porto, sempre servido às visitas”25.
Maria Prestes Maia não gostava de ser chamada de primeira dama, se nominava
“primeira operária” de São Paulo. Preocupada e vinculada às questões sociais e assis-
tenciais, sua atuação nestas áreas não se limitou aos períodos de gestão de Prestes
Maia. A criação, administração e apoio a entidades filantrópicas e assistenciais esti-
veram presentes na sua trajetória, assim como na de outras primeiras damas26, trans-
ferindo para a esfera pública as funções femininas de “cuidadora” (crianças, velhos e
doentes).
Empenhada nestas ações, ela buscou agregar apoio e adesão às suas causas, par-
ticularmente das mulheres da elite, mas também do setor empresarial. Fazia uso hábil
da máquina administrativa em nome da filantropia, tendo como marco as mesmas
“concepções e práticas que orientaram a atuação das mulheres na política dos anos 30 e
40. As questões sociais e assistenciais relacionadas ao feminino, à maternidade, à
infância estiveram na agenda da atuação das mulheres em vários campos da política,
criando uma história das mulheres na política social e assistencial. Integram essa histó-
ria, Carlota Pereira de Queiroz e Bertha Lutz, as quais como deputadas, participaram
25
Entrevista de Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo,
realizada em 5/9/2005.
26
SIMILI, 2008.
353
Maria Izilda Matos
Além das ações contínuas nas associações filantrópicas com apoio à maternidade
e infância carente, à velhice e aos doentes (particularmente nas campanhas de com-
bate a tuberculose). Ela realizou
“Natais memoráveis para as crianças das creches, parques e escolas municipais. Na
ocasião convocava as amigas e a família para ajudar. O ponto de encontro era o Está-
28
dio do Pacaembu, lotado de brinquedos, verdadeiro quartel-general” .
27
Disponível na internet em: <www.fazendogenero7.ufsc.br/.../I/Ivana_Guilherme_Simili_42.pdf>
(consultado em 20/8/2010).
28
Entrevista de Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo,
realizada em 5/9/2005.
29
Maria Olenewa (1896-1965) nasceu em Moscou e foi primeira bailarina da Companhia Anna Pavlova,
atuou na França e em outros países da Europa. No Brasil, participou da fundação a Escola Oficial de
Dança (1927) e do corpo de Baile Teatro Municipal do Rio de Janeiro (1936). Em 1942, assumiu a
Escola de Bailado do Municipal de São Paulo, posteriormente montou sua própria escola de balé. Ver
PAVLOVA, 2001.
354
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
da prefeitura. Disse algures, que parece obter qualquer coisa nesse setor da administra-
ção municipal é preciso, primeiramente, conquistar com atenções e presentes, essa
30
senhora...” .
30
Dossiê DEOPS/AESP, n. 52-Z-0-14224, doc. 20k1102.
31
Em 1964, após o golpe militar de Março, Constantino Milano Neto que dirigia a Ordem dos Músicos
de São Paulo e o Sindicato dos Músicos, foi acusado de pertencer ao Partido Comunista e acabou desti-
tuído da Ordem, com a implantação de uma Junta interventiva, Abril/64 – Dossiê DEOPS/AESP, n.º
52-Z-0-14224. Relatório referente à “Ordem dos músicos do Brasil”, datado de 12/5/64, 30-C-1-16111 e
30-C-1-16470.
32
Em 1939, durante a primeira gestão de Prestes Maia na prefeitura de São Paulo, Armando Bellardi
considerado “apadrinhado” de D. Maria de Lourdes, tornou-se diretor artístico do Teatro Municipal de
São Paulo, aonde criou o Coral Lírico. Posteriormente, concretizou a oficialização da Orquestra Sinfôni-
ca de São Paulo (1949), também chamada de Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo. Consolidan-
do as relações de amizade, em 1945 Bellardi batizou Adriana, filha do casal Prestes Maia. Entrevista de
Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo, realizada em
5/9/2005.
355
Maria Izilda Matos
33
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224. Relatório referente ao Teatro Municipal de São Paulo,
50H942027/Doc. 360.
34
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, docs 50-J-104-826 e 50-C-1-14621.
35
Entrevista de Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo,
realizada em 5/9/2005.
356
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
36
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224.
357
Maria Izilda Matos
37
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224 e 50-J-104-826.
358
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
de 1957 a 196438, pode-se conjecturar se isso se deve ao fato destes anos coincidirem
com a gestão de Prestes Maia na prefeitura (1961-1965), ou talvez a uma maior ação
política de D. Maria, ou ainda a própria conjuntura de grandes tensões e movimentos
político-sociais, levando a uma maior articulação do equipamento de investigação
policial, talvez todos estes fatores devam ser observados conjuntamente.
Nos documentos do DEOPS encontram-se referências de reuniões do Partido
Comunista realizadas na residência de D. Maria39. Luís Carlos Prestes freqüentou e
se hospedou várias vezes em sua casa, nome dela foi encontrado nas famosas “cader-
netas de Prestes”40.
Em Janeiro de 1958, quando o PCB já estava na ilegalidade41, ela foi citada pelo
órgão do partido o jornal Notícias de Hoje
“como uma das pessoas presentes a homenagem prestada a Luiz Carlos Prestes, pela
passagem do seu 60 aniversário, homenagem essa efetuada no Teatro de São Paulo na
42
noite do dia anterior e intitulada “Noite de arte e cultura brasileiras” .
Dias depois (23 de Janeiro de 1958), no mesmo jornal ela subscreveu a nota de:
“Homenagem da mulher paulista à Anita Locadia Prestes”, um pedido de adesão de
mulher de São Paulo, o baile de homenagem a ser oferecido, no ginásio do Pacaembu à
43
filha do líder comunista Luiz Carlos Prestes” .
O seu contato com o líder comunista se mantinha e em 1959, ela esteve presente na
“conferência proferida no dia 12/6/59, por Luis Carlos Prestes, na Faculdade de Direito
da USP, diz a mesma contou com uma maioria de comunistas militantes, e que, entre
as 600 ou mais pessoas presentes, foram notadas: Miguel Jorge Nicolau, Maria Prestes
Maia, Mário Schenberg, Milton Marcontes, João Lousada e outros, que aplaudiam
entusiasticamente o líder vermelho”44.
38
Com a ascensão de João Goulart (1961) e de seus pronunciamentos a favor das Reformas de Base, as
posturas se polarizaram e tencionaram num quadro complexo que culminou no golpe militar de 1964.
39
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, doc. 20K110B:05/11/1945.
40
Após o golpe de 1964, com o AI-1, Luis Carlos Prestes teve seus direitos políticos revogados, perse-
guido pela polícia conseguiu fugir, mas na sua casa foi localizada uma série de cadernetas, que fornece-
ram dados e nomes para a base de inquéritos e processos. “Consta o nome da epigrafada nos
apontamentos de Luis Carlos Prestes” (caderneta n.º 13). Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, doc
50-Z-9-3828/3832.
41
O PCB foi criado em 1922, após a Intentona Comunista de 1935 e com a prisão de seus membros
tornou-se ilegal. Em 1945 retornou, obtendo o registro partidário, elegendo representantes no Parlamen-
to. Já em 1947 teve seu registro cassado e os mandatos de seus parlamentares extintos no ano seguinte.
42
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224.
43
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224.
44
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224.
359
Maria Izilda Matos
Não se pode confirmar a sua filiação ao PCB, mas, ainda segundo relatório de 25
de Março de 1963, período em que seu marido ocupava a prefeitura da cidade, Maria
de Lourdes,
“na festa em comemoração ao 41.º Aniversário do Partido Comunista Brasileiro, reali-
zada no Ginásio Municipal do Pacaembu, foi uma das “rainhas” coroada pela margina-
45
da” .
Num contexto marcado pela Guerra Fria e com várias repercussões no Brasil,
Maria Prestes Maia foi membro atuante em associações representativas dos países
comunistas, como a União Cultural Brasil-URSS, na qual ela foi professora teatro,
participou das atividades culturais e integrou o Conselho Consultivo, aparecendo na
relação de envolvidos no inquérito do DEOPS sobre a associação46.
Também fez parte da Sociedade Cultural Sino-Brasileira,
“informa-nos comunicado reservado que o dia 24/10/60, na sede social da “Sociedade
Cultural Sino-Brasileira” realizou-se uma reunião de cunho social, promovida pela
diretoria da entidade, com finalidade de inaugurar a referida sede e estreitar as relações
entre seus associados. Entre as pessoas presentes, destacadas pelo comunicado em
apreço, figura o nome de Maria Prestes Maia”47.
45
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, docs. 30-C-15408 e 15770.
46
O jornal Diário Popular, em sua edição de 13/3/1965, publica relação dos envolvidos no Inquérito da
“União Brasil-URSS” entre eles, a epigrafada. Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, doc. 30-C-21-
240.
47
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, doc. 50-Z-9-1576. O jornal Folha da Manhã, em sua edição
de 25/5/1965, publicou o nome da epigrafada, entre outros elementos que faziam parte da Sociedade
Cultural Sino-Brasileira, acusados de atividades subversivas.
360
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
Em 1962, compôs mesa diretora da Convenção Popular por uma política nacio-
nalista e democrática, ladeada por sujeitos políticos da esquerda, como pode ser
observado
“em 23/7/62 realizou-se no cine Paramount a 1.ª Convenção Popular por uma Política
Nacionalista e Democrática, sendo mesa diretora ficado assim constituída: Luciano
49
Lepera, Cid Franco, Maria de Lourdes Prestes Maia, Francisco Julião e outros” .
Com a morte de Prestes Maia, em Abril de 1965, diminuiu sua presença pública,
mas não sua ação política. Em 10 de Julho de 1969, num momento altamente repres-
sivo, num contexto de ação do AI5, o DEOPS revelou em declaração bombástica.
“Acabamos de saber e identificar quem é o “braço direito” dos comunistas, nesta capi-
tal, no setor financeiro, qual tem conseguido fundos elevados para a caixa do PCB sen-
do pesada perfeitamente integrada vida dos comunistas brasileiros.
Trata-se, simplesmente, de “MARIA PORTUGUESA”, mulher já algo madura na ida-
de, mas tipo inteligente e insinuante, bem vistoso ainda, e, nada mais ou menos, que é a
“amante” direta do ex-prefeito Prestes Maia. A muito tempo que, não só se aproveitando
das suas intimidades com o ilustre engenheiro, vem servindo de ponto entre burgueses
48
Acabou sendo extinta em Abril de 1964, em função da cassação da maioria de seus membros pelo
regime militar implantado em 1964. Disponível na internet em: <www.cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/
glossario/frente_parlamentar_nacionalista> (consulta realizada em 21/8/2010). Ver também NEVES.
49
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, doc. 30-C-1-15137.
50
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, doc. 30-J-57-473.
361
Maria Izilda Matos
Entre as várias lutas democráticas em que esteve envolvida, D. Maria, como por-
tuguesa, atuou constantemente na causa anti-salazarista. Ela mantinha relações com
os conterrâneos opositores ao regime salazarista em São Paulo, tanto os articulados
em torno do Centro Republicano Português de São Paulo (reaberto em 1958), como
os organizados em torno do jornal Portugal Democrático, vários de seus membros
freqüentavam sua casa e gozavam de sua amizade.
Certa feita, de passagem por Portugal, quis visitar a irmã e foi proibida de
desembarcar pelo governo como anti-salazarista conhecida, só obteve a autorização
depois da interferência do Embaixador do Brasil52.
Nesta frente, em 24 de Janeiro de 1960, esteve presente e discursou na
“na Primeira Conferencia Sul-Americana Pro – Anistia para os Presos e Exilados Polí-
ticos de Espanha e Portugal, nos dias 23 e 24. Na ocasião, recomendou a leitura de
vários escritores portugueses, que narram as atrocidades cometidas nas prisões salaza-
ristas. Solicitou que fossem enviados pedidos aos governos de Franco e Salazar, e tam-
bém a ONU e a UNESCO, para a cessação desse estado de coisas”53.
51
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224, doc. 50Z98812.
52
Entrevista de Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo,
realizada em 5/9/2005.
53
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224.
54
Dossiê DEOPS/AESP, n.º 52-Z-0-14224.
362
Maria Prestes Maia: trajetória, política e cultura
para nomes como Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso, Orestes Quércia e
Erminio de Moraes
Final da cena
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
ARAÚJO, Oscar Egídio de, 1940 – “Enquistamentos étnicos”. Revista do Arquivo Municipal,
v. LXV.
ARRUDA, M. Arminda, 2001 – Metrópole e Cultura. Bauru.
CAVALCANTI, Pedro; DELION, Luciano, 2004 – São Paulo e a juventude do Centro. São
Paulo: Gripo.
CORTI, Paola, 2007 – Storia delle migrazioni internazionali. Roma: Editori Laterza.
363
Maria Izilda Matos
FREITAS, Sonia Maria, 2006 – Presença portuguesa em São Paulo. São Paulo: Imprensa
Oficial.
HAAG, Carlos. 2010 – “Palco de Razões e paixões”, in Pesquisa Fapesp, n.º 174. São Paulo.
HECKER, Frederico Alexandre, 2009 – “A Repressão aos Imigrantes Portugueses em São
Paulo: Os Subversivos e os Outros”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia;
MATOS, Izilda (org.) – Nas duas margens. Os portugueses no Brasil. Porto: CEPE-
SE/Afrontamento.
MATTOS, David José Lessa, 2002 – O espetáculo da cultura paulista: teatro e TV em São
Paulo, 1940-50. São Paulo: Códex.
MORSE, Richard. M., 1970 – Formação Histórica de São Paulo. São Paulo: Difel.
NEVES, Lucilia Almeida – Frente Popular Nacionalista: utopia e cidadania. Disponível na
internet em: <www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3743> (consulta
realizada em 21/8/2010).
NOGUEIRA, Ana Maria Moura, 2001 – “Narrativa Épica e Constituição de Identidades
Sociais”, in História e Qualidade, n.º 22. São Paulo: EDUC.
PASCHOAL, Eliana dos Santos, 1998 – Cenas de Arena de um teatro. Guarnieri e Vianinha
1958-1959 (dissertação mestrado). São Paulo: PUC-SP.
PAVLOVA, Adriana, 2001 – Maria Olenewa a sacerdotisa do ritmo. Rio de Janeiro:
FUNARTE.
PEREIRA, Miriam Halpern, 1981 – A política portuguesa de emigração, 1850-1930. Lisboa:
Regra do Jogo.
SIMILI, Ivana Guilherme, 2008 – Mulher e Política: A Trajetória da Primeira-dama Darcy
Vargas (1930-1945). São Paulo: Editora da UNESP.
364
A SÃO PAULO DOS IMIGRANTES:
PADEIROS E SAQUEIROS NO COTIDIANO COMERCIAL (1920-1950)
Introdução
A panificação é, sem sombra de dúvidas, uma das artes mais antigas da humani-
dade. Sua existência está além da escrita, além das relíquias pré-históricas estudadas
por arqueólogos, onde primitivos métodos de moagem e panificação já apareciam. A
origem do pão permanece ainda controvertida. Alguns estudiosos sobre o assunto
afirmam que foram os chineses, desde oito mil anos antes de Cristo, que se iniciaram
na arte de fazer este alimento e foram seguidos pelos egípcios. A atividade de fazer o
pão estava diretamente ligada ao moleiro que, ao moer os cereais, esmagava os grãos
entre pedras e obtinha uma farinha que, misturada à água, produzia uma massa. Essa
era cozida sobre cinzas quentes ou lages de pedras aquecidas pelo sol para essa fina-
lidade. Assim, fabricavam-se pães.
Registros egípcios trazem o aperfeiçoamento dos métodos para moer o trigo ou a
cevada. Usavam almofarizes e produziam uma farinha fina, que era misturada à água
e amassada com os pés. Por ser o almofariz um processo caro, era utilizado por sujei-
tos de melhores condições financeiras, ou apenas para ritos religiosos. Usavam tam-
bém os egípcios o processo de fermentação por meio da levedura, diferentemente dos
hebreus, escravos das dinastias faraônicas1, que fabricavam o pão sem fermento,
chamado de ázimo, que era mais durável. Sua importância era tanta, que o pagamen-
to dos salários era feito com pão: um dia de trabalho valia três pães e dois cântaros de
cerveja. Os egípcios também vendiam os pães fabricados aos gregos, que aprenderam
o ofício da panificação, e tornaram-se produtores sofisticados dessa especiaria, pois
acrescentaram ervas e grãos aromatizantes à massa básica.
Os romanos, por sua vez, aprenderam tal arte com os gregos, e gostaram tanto do
ofício que, segundo consta, no ano 100 A.C. havia 258 padeiros em Roma.
1
Jornal Folha da Manhã, São Paulo, 19 de Agosto de 1929, p. 8.
365
Yvone Dias Avelino
2
Bíblia Sagrada. Edição Claretiana.
3
OLIVIERI, 1999: 91.
366
A São Paulo dos imigrantes: padeiros e saqueiros no cotidiano comercial (1920-1950)
habitantes. E no de 1900, elevou-se para 239 820. Já em 1920, atingiu a cifra de 579
033 habitantes4.
A década de 1920, entre os anos de 1919 a 1929, uma das balizas para o desen-
volvimento dessa pesquisa, assim como o pós-segunda guerra mundial, são anos
inspiradores para analisarmos as questões mais diversificadas que envolvem a cidade
de São Paulo, como: modernidade/modernização; trabalho/imigração; comér-
cio/industrialização. É nesse cenário de mudanças expressivas que as atividades
panaderis se encontram, e aonde essas questões vão se tornando visíveis, pois foram
nelas que se desenvolveram as tramas das relações entre a produção e a comerciali-
zação do pão, e a introdução de um novo ramo de atividade mercantil oriundo daí,
que foi a sacaria.
Quando o assunto é pão, imediatamente nos vem a imagem do padeiro. Mas ele
não é o único responsável por todas as etapas da produção panaderil, pois muitos são
os trabalhadores que se esforçam para que esses estabelecimentos funcionem. Aos
poucos, as padarias apareciam no cenário urbano com uma produção sistematizada,
que procurava satisfazer os mais exigentes paladares.
Inseridas no universo do comer bem, também estavam as confeitarias que, além
de pães, traziam em suas vitrines guloseimas variadas, como bolos, tortas, biscoitos,
balas, bombons, doces, salgadinhos, e outras delícias. Alguns desses estabelecimen-
tos eram modestos, mas outros esbanjavam sofisticação, requinte e glamour. Decora-
das com espelhos, lustres e vitrines, havia mesas e cadeiras para os consumidores
apreciarem além das comidas as bebidas, como o chá, o café, o leite, as bebidas
alcoólicas, entre outras5.
A mão-de-obra utilizada, que antes era predominantemente feminina, aos pou-
cos foi se tornando cada vez mais masculina. Esse fator pode ser explicado a partir
da divisão sexual do trabalho e dos discursos hegemônicos que justificam essa
divisão.
“A divisão sexual do trabalho assume formas conjunturais e históricas, constrói-se
como prática social, ora conservando tradições que ordenam tarefas masculinas e tare-
fas femininas [...] ora criando modalidade da divisão sexual das tarefas. A subordina-
ção de gênero à assimetria nas relações de trabalho masculinas, se manifesta não
apenas na divisão de tarefas, mas nos critérios que definem a qualificação das tarefas
nos salários e na disciplina do trabalho”6.
4
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio – Recenseamento do Brasil 1920. Rio de Janeiro: 1926.
5
SILVA, 2007: 49.
6
LOBO, 1991: 123.
367
Yvone Dias Avelino
importante frisar que as padarias, primeiramente artesanais, eram uma grande cozi-
nha, apesar de no espaço da produção o trabalho ser masculino. Práticas do trabalho
doméstico feminino estavam presentes, como: varrer o chão, arrumar o local, pegar a
farinha, misturar o trigo, o sal, a água e o fermento, sovar, enrolar, cortar a massa e
acender o forno, entre outras atividades que antes eram essencialmente femininas, no
espaço privado, e que passaram a ser masculinas, no espaço público, com a profissão
de padeiro.
Utilizando o fermento biológico derivado da cana de açúcar e do amido de man-
dioca, tendo a produção de várias fornadas diárias de “pão quente a toda hora”, essa
forma de panificar foi comandada por panificadores e padeiros portugueses na cidade
de São Paulo. Nesse setor, os portugueses se destacaram já no final da década de
1920 e início da de 1930. Esses imigrantes integravam um pequeno mutirão de eta-
pas na produção do pão: donos da padaria (panificadores), forneiros, masseiros
(padeiros), fornecedores de lenha e carvão para os fornos, e entregadores dos pães7.
Saber fazer o pão francês era uma arte, era o que qualificava o padeiro como um bom
profissional. Ele não podia errar na massa, pois o panificador dependia da qualidade
e do preço da farinha, das habilidades do padeiro e do forneiro8. Sônia Maria de Frei-
tas discute que a história e a memória do setor de panificação no Estado de São Paulo
estão diretamente ligadas à presença dos imigrantes portugueses9.
A partir do final dos anos 1920 e início dos 1930, começou o trabalho nas pada-
rias a ser mecanizado, embora as padarias artesanais ainda fossem maioria. Ressalta-
se que os responsáveis iniciais pela expansão da panificação na cidade de São Paulo
foram os imigrantes italianos, que mantinham um empreendimento familiar, e que
produziam os chamados “pães caseiros”, com fermentação natural, diferentemente
dos portugueses, que passaram a trabalhar com o fermento biológico10.
7
MATOS, 2009: 421.
8
“O Preço da Farinha”, in Revista Panificadora Paulista, 23 de Fevereiro de 1936: 4.
9
FREITAS, 2006: 94.
10
PERISSINI, 2005: 80.
368
A São Paulo dos imigrantes: padeiros e saqueiros no cotidiano comercial (1920-1950)
Figura n.º 1
Portugueses recém-chegados à Hospedaria de Imigrantes (São Paulo, 1938)
11
Biblioteca de Instrução Profissional. Indústria Alimentar, Livraria Bertrand, 3.ª Ed. (1920-1950),
Lisboa: s/d, p. 142.
369
Yvone Dias Avelino
semana, durante quinze horas diárias, tempo mais que suficiente para a cidade naque-
la época.
A política imigracionista garantia privilégios aos imigrantes portugueses12, e
havia também a necessidade de estabelecer uma política trabalhista, para que não
fosse prejudicada a relação existente entre panificadores e seus funcionários. A déca-
da de 1930 – novidade do “pão quentinho a toda hora” – entrou no cenário panaderil,
período significativo para a discussão sobre a política trabalhista, pois foi o período
de conturbações sociais, como a Revolução de 1930 e a Constitucionalista de 1932,
que afetaram o setor da panificação, necessitando da intervenção da Associação dos
Proprietários de Padarias de São Paulo, inaugurada no dia 19 de Dezembro de 1928.
As preocupações da Associação se voltaram para o descanso semanal, horários de
trabalho, higiene do local, processo de fabricação, venda e preço dos pães, saúde dos
trabalhadores, entre outras questões. Os discursos em torno das questões trabalhistas
estiveram em alta, na pauta das discussões sobre regulamentação dos sindicatos, das
jornadas de trabalho, do trabalho de menores e de mulheres. Com essas condições em
plena questão no mundo do trabalho, começa a destacar-se também a figura do
saqueiro, profissional que comprava e vendia sacos usados para o setor cerealista,
localizado nas imediações do atual Mercado Municipal de São Paulo, especificamen-
te nas imediações das ruas Paula Souza e Gazômetro, onde existia uma forte concen-
tração de lojas de sacaria, na sua grande maioria dominadas pelos imigrantes
espanhóis. Muito embora também existissem os imigrantes portugueses. Esses sacos
eram de juta trançada, muito fortes e resistentes, que eram revendidos para as zonas
rurais, na época das colheitas. Posteriormente, além desse tipo de saco, o interesse
mercantil repousou nos sacos de farinha, que eram feitos de pano, estabelecendo uma
relação amigável entre saqueiros e panificadores. Estes sacos eram na grande maioria
revendidos às donas de casa, que os alvejavam e os utilizavam nos trabalhos cotidia-
nos, para a confecção de panos de prato, uma das modalidades, e os mais “trançados”
eram até utilizados para cama e mesa, depois de bordados. Encontramos aí a mão-de-
obra das bordadeiras portuguesas.
A Constituição tão desejada no movimento de 1932 levou à implementação de
leis que proibissem as diferenças salariais entre os sexos, idade, nacionalidade e esta-
do civil, salários mínimos regionais, jornadas de trabalho de oito horas, descanso
semanal, férias anuais remuneradas, indenização do trabalhador em caso de demissão
sem justa causa, regulamentação das profissões e criação de uma legislação específi-
ca para tais assuntos.
12
A legislação não foi severa com os portugueses, que assim obtiveram privilégios, com maiores cotas
para a entrada no Brasil, segundo a Resolução n.º 54, de Abril de 1939 – “Os portugueses estão isentos
de qualquer restrição numérica quanto à sua entrada em território nacional”.
370
A São Paulo dos imigrantes: padeiros e saqueiros no cotidiano comercial (1920-1950)
13
“O Trabalho de Menores”. Revista Panificadora Paulista, ano 1, n.º 11, São Paulo: Fevereiro de 1936.
Órgão Oficial das Entidades de Classe da Indústria de Panificação e Confeitaria de São Paulo, p. 29.
371
Yvone Dias Avelino
14
“Decisões Fiscais ou do Trabalho: O Fechamento do Commércio aos Domingos”. Revista Rumo.
Mensário de Economia e Trabalho, Organização Sindical Paulista, São Paulo: Março de 1937, p. 24.
15
“Decisões Fiscais ou do Trabalho: O Fechamento do Commércio aos Domingos”. Revista Rumo.
Mensário de Economia e Trabalho, Organização Sindical Paulista, São Paulo: Março de 1937, p. 25.
372
A São Paulo dos imigrantes: padeiros e saqueiros no cotidiano comercial (1920-1950)
Várias padarias não funcionaram por falta de pão. “Só abriram as portas os pou-
cos que fizeram acordo com seus masseiros. A produção dos raros estabelecimentos
em atividades era insuficiente para abastecer a cidade”17. As greves foram punidas, a
polícia fechou o Sindicato, e a imprensa divulgou a demissão de mais de 400 empre-
gados de 41 padarias da cidade de São Paulo18. Do outro lado das negociações ficava
a Associação dos Proprietários de Padarias de São Paulo, que tinha como função
atenuar os embates mais violentos entre panificadores e os seus funcionários, que
além dos padeiros, eram também os forneiros, os ajudantes, os balconistas, os entre-
gadores de pães e, em algumas padarias, até os confeiteiros.
Figura n.º 2
Imigrantes portugueses em trabalho de entrega domiciliar de pães (São Paulo, década de 1950)
16
Prontuário do DEOPS de São Paulo, n.º 1899, Arquivo do Estado de São Paulo: s/d.
17
MENDES: 432.
18
Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo: 24 de Agosto de 1937, p. 10.
373
Yvone Dias Avelino
também foi prejudicada, pois muitas portas desse comércio se fecharam. Viu-se aí a
necessidade de buscarem outras formas de sacaria, embrião dos futuros projetos com
o plástico, que só ocorreu nos anos de 1970.
Conforme os Boletins de Ocorrência, muitos entregadores de pães, em solidarie-
dade com os padeiros, boicotavam a entrega, chegando até a serem violentos com o
trabalho de outros entregadores.
“Às 05h00, no Alto da Lapa, os grevistas Manuel Carvalho, Manuel de Sá Pinto, Jal-
mires Pinho Ribeiro e António Sá Pinto tentaram agredir os entregadores de pão Joa-
quim Fernandes e Manoel António Quintas, depois de se apoderarem de todo o pão
19
que traziam [...] Fiz recolhê-los ao xadrez desta superintendência” .
19
Prontuário do DEOPS de São Paulo, n.º 448.326, Arquivo do Estado de São Paulo: 1937.
20
O Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitarias de São Paulo foi fundado em 6 de Julho de
1935, e a Associação das Indústrias de Panificação e Confeitarias de São Paulo em 7 de Março de 1915.
21
PERISSINI, 2005: 78.
374
A São Paulo dos imigrantes: padeiros e saqueiros no cotidiano comercial (1920-1950)
ambiente fosse úmido, e esses trabalhadores encontraram respaldo nos sacos brancos,
comprados das padarias, que se modernizavam. Um pouco antes do período do con-
flito armado europeu, alguns obtiveram pequenas fortunas para a época, chegando
até mesmo alguns a voltarem para suas terras em Portugal. Outros, com uma visão
mais progressista, investiram em propriedades e na educação dos filhos, que acaba-
ram por freqüentar as universidades paulistanas. Com o avanço da guerra, esses imi-
grantes voltaram para o Brasil, onde podiam trabalhar sem grandes medos da
recessão mundial, e com os preços bastante altos para a venda da sacaria. Foi muito
grande o número de saqueiros portugueses bem estabelecidos, e de outros que chega-
ram nessa nova leva de imigração, para trabalhar em feiras livres, e que passaram a
fornecer no varejo sacos para os grandes comerciantes.
Figura n.º 3
Imigrante português e sua carroça de entrega domiciliar de pães (São Paulo, década de 1950)
Considerações finais
375
Yvone Dias Avelino
22
“O Aprimoramento da Indústria Panificadora Brasileira”, in Anais do 4.º Congresso Nacional de
Panificação, São Paulo, Novembro de 1959.
23
ANDRADE, 1954: 35.
376
A São Paulo dos imigrantes: padeiros e saqueiros no cotidiano comercial (1920-1950)
Fontes e Bibliografia
Bibliografia
ANDRADE, Alberto Maria, 1954 – Revista Panificadora Paulista, n.º 23. São Paulo.
FREITAS, Sônia Maria, 2006 – Presença portuguesa em São Paulo. São Paulo: Imprensa
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LOBO, Elizabeth Souza, 1991 – A classe operária tem dois sexos. São Paulo: Brasiliense.
MENDES, José S. Ramos – “Fornada de conflitos. Portugueses na greve dos padeiros de
1937”, in Metrópole das Utopias (no prelo).
MATOS, Maria Izilda Santos de, 2009 – “Portugueses e experiências políticas: a luta e o pão.
São Paulo 1870-1945”. Revista História, 28(1). Franca.
PERISSINI, Nilmara Cristina, 2005 – Da união à fundação: A história da panificação de São
Paulo. São Paulo: Mundial.
SILVA, Siwla Helena, 2007 – Restaurant à moda de Paris: mudanças culturais e o surgimen-
to do restaurante na cidade de São Paulo (1855-1870), dissertação de Mestrado. São
Paulo: PUC-SP.
OLIVIERI, António Carlos, 1999 – Cronistas do descobrimento. São Paulo: Ática.
377
PORTUGUESES EM SANTOS VISTOS ATRAVÉS DOS REGISTROS DE
ASSOCIADOS DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE
BENEFICÊNCIA DE SANTOS (1879-1889)
Introdução
379
Maria Suzel Gil Frutuoso
Quadro n.º 1
Naturalidade dos associados da Sociedade
3
Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
1
FRUTUOSO, 1989: 21-22.
2
FRUTUOSO, 1989: 162-165.
3
Os distritos, concelhos e freguesias de maior concentração somaram 684 portugueses e os de outras loca-
lidades, que não constaram da tabela, com um indivíduo cada, 532, no total de 1 216 lusos continentais,
todos associados à Beneficência Portuguesa de Santos. Entre parenteses está o Concelho e o Distrito a que
pertenciam. Não foi possível identificar algumas localidades. Outros associados indicaram “português”.
380
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
Quadro n.º 2
Idades dos associados da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
Anos Idades
De 11 a 60 anos. Maior concentração entre 18 e 41 anos.
1879
Maior concentração por ordem decrescente: 25, 22, 21, 24, 18, 27 e 30 anos.
De 12 a 60 anos. Maior concentração entre 21 e 38 anos.
1880
Maior concentração por ordem decrescente: 22, 24, 27, 28, 38, 20 e 25 anos.
De 11 a 60 anos. Maior Concentração entre 18 e 28 anos.
1881
Maior concentração por ordem decrescente: 28, 26, 22, 25, 20, 23 e 21 anos.
De 13 a 52 anos. Maior concentração entre 14 e 40 anos.
1882
Maior concentração por ordem decrescente: 23, 21, 26, 29, 30, 28 e 15 anos.
De 12 a 55 anos. Maior concentração entre 18 e 42 anos.
1883
Maior concentração por ordem decrescente: 23, 22, 25, 28, 31, 20 e 24 anos.
De 12 a 61 anos. Maior concentração entre 16 e 38 anos.
1884
Maior concentração por ordem decrescente: 22, 30, 23, 19, 24, 27 e 21 anos.
De 11 a 58 anos. Maior concentração entre 22 e 44 anos.
1885
Maior concentração por ordem decrescente: 28, 25, 26, 30, 32, 35 e 24 anos.
De 10 a 57 anos. Maior concentração entre 17 e 44 anos.
1886
Maior concentração por ordem decrescente: 26, 22, 32, 24, 25, 23 e 21 anos.
381
Maria Suzel Gil Frutuoso
Quadro n.º 3
Estado Civil dos associados da Sociedade
Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
Quadro n.º 4
Profissões dos associados da Sociedade
Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
382
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
Quadro n.º 5
Residência dos associados, por rua, em Santos (1879-1889)
4
Residência N.º Associados
Rua São Leopoldo 148
Rua Marquês de Herval 130
Rua 25 de Março 102
Rua do Rosário 57
Rua General Câmara 54
Rua São Bento 46
Rua Santo Antônio 44
Rua Frei Gaspar 37
4
Mapa da cidade de Santos nessa época, ver PEREIRA, FRUTUOSO, 2010: 129.
383
Maria Suzel Gil Frutuoso
384
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
2. Açorianos e madeirenses
Quadro n.º 6
Origem/Naturalidade dos associados açorianos e madeirenses
Açorianos Madeirenses
Ilha de São Miguel 51 Funchal 1
Ilha Terceira 17 Indicaram apenas a Ilha da Madeira 6
Ilha do Faial 7 -
Ilha do Pico 7 -
Ilha das Flores 3 -
Ilha Graciosa 1 -
Indicaram apenas Açores 2 -
Total 88 Total 7
Quadro n.º 7
Estado civil dos associados açorianos e madeirenses
Quadro n.º 8
Idades dos associados provenientes dos Açores e da Madeira
385
Maria Suzel Gil Frutuoso
Quadro n.º 9
Profissões dos associados provenientes dos Açores e da Madeira
Açorianos Madeirenses
Trabalhador 40 Trabalhador 2
Negociante 9 Negociante -
Caixeiro 6 Caixeiro 2
Pedreiro 6 Pedreiro 1
Charuteiro 4 Médico 1
Comércio 3
Carpinteiro, marceneiro, operário, vaqueiro 8 -
Costureira, dentista, jardineiro, marítimo, sapateiro 5 -
Sem indicação 7 Sem indicação 1
Total 88 Total 7
Quadro n.º 10
Residência dos associados de origem açoriana e madeirense
Açorianos Madeirenses
Ruas: do Rosário e Marquês de Herval 12 Rua 25 de Março 2
Ruas: Amador Bueno, Bittencourt e 25 de
Março 15 Rua São Francisco 1
Rua Brás Cubas 4 Rua Senador Feijó 1
Ruas: General Câmara, São Bento e São
Francisco 9 -
Ruas São Leopoldo e Xavier da Silveira 4 -
Ruas da Constituição, das Flores, Itororó,
José Ricardo, 11 de Junho, Santo Antô-
nio, Praça dos Andradas, Vila Nova e São
Vicente (cidade) 9 -
Indicaram apenas Santos: 16 -
Sem indicação 19 Sem indicação 3
Total 88 Total 7
386
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
5
Estatutos da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos, aprovados na primeira assembléia em
21 de Agosto de 1859.
6
FRUTUOSO, 1989: 165.
387
Maria Suzel Gil Frutuoso
388
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
5.1. Associados
389
Maria Suzel Gil Frutuoso
A grande maioria dos sócios são homens solteiros, mesmo entre os casados, qua-
se sempre o associado é o marido. Sendo o chefe da família, era o maior responsável
pela manutenção da mesma, caso morresse esta ficava desamparada ou em situação
precária. Embora poucas, as mulheres também se associaram, quase sempre são sol-
teiras, algumas com mais de 50 anos de idade. D. Thereza Maria Barbosa, natural do
Porto, solteira, 58 anos, costureira, residente à Rua do Rosário associou-se em 27 de
Abril de 1881. As casadas em geral são benfeitoras e entram como sócias juntamente
com os maridos. D. Francisca de Jesus Pinto é registrada apenas como “casada”; D.
Cândida de Mattos em 1883, indicada como “senhora de Luiz José de Mattos”, um
dos benfeitores.
As mulheres, no grau de ativa, remida ou benfeitora, solteiras, casadas e viúvas
que trabalhavam, tinham a profissão de costureira, provavelmente trabalhando na
própria residência ou em oficinas de costura. Há uma preocupação com a saúde,
sobretudo as solteiras que dependiam de si mesmas para se sustentarem e como
tinham uma atividade profissional podiam arcar com os pagamentos exigidos pela
Instituição, mesmo que isso dependesse de fazer alguma economia.
Em 20 de Fevereiro de 1882 várias mulheres se associam como beneméritas e
honorárias quase todas casadas. D. Maria Augusta de Magalhães Peixoto, casada,
7
PEREIRA, FRUTUOSO, 2009: 96-97.
8
FRUTUOSO, 2008: 142-143.
390
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
391
Maria Suzel Gil Frutuoso
Nos associados jovens, observa-se por vezes que eram irmãos e que exerciam a
mesma atividade. As profissões são variadas. Homens bastante jovens, com idades
de 17, 19, 20, 21, 22 anos, são negociantes, o que é curioso, uma vez que, para se
estabelecerem seria necessário algum capital, o que podia ser fornecido por parentes
ou amigos que já se encontrassem exercendo essa atividade, ou formaram algum
pecúlio para depois se estabelecerem como negociantes.
Em diversos registros aparece um irmão negociante, ainda jovem e depois um ou
dois irmãos caixeiros, possivelmente trabalhando para o mais velho, e daí talvez
viesse uma sociedade. É comum pais e filhos exercerem a mesma profissão, o que de
certa forma é natural, carpinteiros, pedreiros, marceneiros, barbeiros, alfaiates, suge-
rindo que trabalhavam por conta própria, estabelecidos com oficinas, ou prestando
serviços a outros como autônomos, mas nem sempre isso ocorre, mesmo entre paren-
tes há aqueles que optam por outras profissões.
392
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
O fato de se tornar sócio não significava que permanecesse como tal, caso não
cumprisse o determinado pelos estatutos. São eliminados por várias razões. Em 1881,
uma reunião de diretoria realizada em 28 de Agosto daquele ano ajustou pendências,
eliminando sócios de anos anteriores. Nem sempre as razões dos desligamentos
ficam claras, mas ocorrem por falecimento, por ausência e falta de pagamento. Em
seus estatutos, a Beneficência exigia que fossem pessoas de bom comportamento e
bons costumes. A mudança para outra cidade ou o retorno ao país de origem podem
concorrer para o desligamento, o que facilmente é observado em alguns registros,
que trazem a informação “mudou-se para o Rio de Janeiro”, “retirou-se para Portu-
gal”, “ausente em Portugal”.
Nos registros em que aparece a rubrica “sem efeito” ou cancelados, o associado é
desligado por não pagar jóia, obrigação para ingressar na Instituição, em geral eram
trabalhadores de diferentes idades e até mesmo aqueles com qualificação profissional
são cancelados por falta de pagamento.
Há adolescentes de 13, 14, 15 anos, caixeiros, nessa situação, associados à Bene-
ficência, desligados por não pagarem jóia, aparecem tempos depois com um novo
registro, foram readmitidos porque justificaram que na época da eliminação não
podiam pagar, os motivos não são apontados, mas podem ter ocorrido por desempre-
go ou baixa remuneração, o que tornava difícil para alguém tão jovem arcar com essa
responsabilidade.
393
Maria Suzel Gil Frutuoso
394
Portugueses em Santos vistos através dos registros de associados da
Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos (1879-1889)
Considerações finais
395
Maria Suzel Gil Frutuoso
na região. Das páginas do Livro de Registro desfilam vidas vividas com esperanças e
tristezas, com sucessos e infortúnios. Assim é a face da imigração. Foram esses
dados que nos permitiram compor parte dessa história no período proposto.
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
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caso de Santos 1850-1950. São Paulo: USP.
FRUTUOSO, Maria Suzel Gil, 1995 – “O café e a imigração em Santos”, in PEREIRA,
Maria Aparecida Franco (coord.) – Santos Café e História. Santos: Ed. Leopoldianum.
FRUTUOSO, Maria Suzel Gil, 2008 – “A presença portuguesa no comércio em Santos”, in
MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (coords.) – Des-
locamentos & Histórias: os Portugueses. Bauru/SP: Edusc.
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estudo da presença portuguesa em Santos”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS,
Isménia de Lima; PEREIRA, Conceição Meireles (coords.) – A Emigração Portuguesa
para o Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.
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res portugueses na cidade portuária de Santos, no final do século XIX”, in SOUSA,
Fernando de; MARTINS, Isménia de Lima; MATOS, Maria Izilda (coords.) – Nas
Duas Margens. Os portugueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento.
PEREIRA, Maria Apparecida Franco; FRUTUOSO, Maria Suzel Gil, 2010 – “Portugueses na
vida econômica da cidade, em Santos, na segunda metade do século XIX”, in SOUSA,
Fernando de; SARGES, Maria de Nazaré; MATOS, Maria Izilda; JUNIOR, Antonio
Otaviano Vieira; CANCELA, Cristina Donza (coords.) – Entre Mares. O Brasil dos
portugueses. Belém/PA: Ed.Paka-Tatu.
396
ENFRENTAMENTOS E LUTAS PELA VIDA:
PORTUGUESES EM SANTOS NO FINAL DO SÉCULO XIX (1880-1900)
Introdução
Cidade maledeta, assim era conhecida Santos na época das epidemias no final do
século XIX. Outras cidades sofreram o mesmo flagelo, mas Rio de Janeiro e Santos,
devido ao intenso trânsito dos navios vindos da Europa e às condições de insalubri-
dade, clima tropical favorável à proliferação da febre amarela (e outras doenças como
varíola, tifo, impaludismo e tuberculose) chamavam mais a atenção. As condições
higiênicas eram péssimas, ocasionadas por falta de água, de sistemas de esgoto e
agravada por hábitos de desasseio de seus habitantes e pelo aumento populacional
advindo da circulação de nacionais e de imigração estrangeira.
Localizada numa ilha colonizada no início do século XVI, seu grande desenvol-
vimento econômico vai se realizar a partir da primeira metade do século XIX, no
ciclo paulista da cana de açúcar, e tomar impulso quando a exportação do café supera
a do açúcar (1850). A marcha do café desenvolveu-se no interior paulista, trazendo
um período áureo de riqueza para São Paulo e para o Brasil.
Santos, o porto escoador do café paulista, desenvolveu-se rapidamente, a partir,
sobretudo, da inauguração da ferrovia inglesa São Paulo Railway, ligando o porto a
Jundiaí, em 1867. Em 1870, funda-se a Associação Comercial de Santos, que vai
reunir o alto comércio exportador (comissários de café, na sua maioria comerciantes
nacionais; exportadores e as instituições de apoio, como os bancos, estrangeiros de
varias nacionalidades) e comércio importador com muitos negociantes portugueses
bem sucedidos. Ainda completando esse panorama, há os “zangões” ou corretores de
café que intermeiam os comissários e os exportadores, e os agentes das grandes
empresas de navegação. Os trabalhadores caixeirais também vão se organizar em
1879, fundando a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio de Santos.
397
Maria Apparecida Franco Pereira
A cidade,“no final do período colonial era apenas uma pequena língua de terra na
área onde hoje se situa o centro da cidade”1. Resumia-se em uma extensão que ficou
entre morros e o estuário, a orla marítima, então chamada de praia, junto a um grande
canal, um lagamar entre a ilha e o continente, formando o porto onde se localizavam
as precárias pontes de madeira para a carga e descarga dos navios nos trapiches,
armazéns, depósitos. “A cidade chegava ao navio, sem delimitar territórios, em sim-
biose”2. Nessa faixa de terra estavam as casas comerciais, convivendo com as resi-
dências, muitas vezes no mesmo conjunto.
Frequentemente a região viveu alagada com as chuvas que transbordavam dos
vários riachos, que vindos da região dos morros, escorriam para o mar. Por outro
lado, as águas do mar ultrapassavam os pontões de desembarque e invadiam as ter-
ras, retornando com dejetos, lançados pela população.
Mas a riqueza do café iria, sobretudo no período de 1870 a 1910, impulsionar
transformações importantes na modernização de Santos: construção do cais de pedra
a partir de 1890, serviço de transporte, de esgoto, de águas e de iluminação. A cidade
fervilhava com um movimento incessante de pessoas, carroças transportando o café
da ferrovia para os armazéns das comissárias que se localizavam na rua Santo Antô-
nio e adjacências, para ser despejado, selecionado, formando a “liga” de cafés do
mesmo tipo e depois de reensacado ser levado para o porto ou para os armazéns dos
exportadores.
Figura n.º 1
Trabalhadores nos armazéns – reensaque de café
1
NUNES, 2000: 29.
2
NUNES, 2000: 29.
398
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
Figura n.º 2
Santos: movimento intenso de trabalhadores no século XIX
“Acordei-me quase em sobressalto, despertado por um movimento na rua, para mim bem
extranho: um barulho infernal de carroças, apitos de paquetes a vapor, de rebocadores e,
na venda, uma vozeria, um movimento de pessoas que entravam e sahiam, de copos que
se esbarravam; de palavrões e de queda do dinheiro em cobre que a cada momento era
jogado na gaveta do balcão. Esse movimento contínuo, desde o romper até o por do sol,
não era mais do que a vida do café na sua ordem de embarque. Toda essa vozeria era feita
por carregadores que matavam o bicho; estivadores que ajustavam contas com o pessoal, e
carroceiros que vendiam, á socapa, o precioso grão, batido das saccas que iam para bordo”3.
Figura n.º 3
Estrada de Ferro Inglesa com pequeno movimento de carroças.
Final do século XIX (Santos)
3
VICTORINO, 1904: 11-12.
399
Maria Apparecida Franco Pereira
Figura n.º 4
Convivência de vários tipos de trabalhadores: portugueses, nacionais, negros, crianças
4
SILVA, 2007: 10-11.
400
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
Figura n.º 5
Quilombo do Jabaquara, em Santos
5
SANTOS, 1937: 30.
6
ROSEMBERG, 2006: 138.
401
Maria Apparecida Franco Pereira
7
VITORINO, 1904: 49-50.
402
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
8
SILVA, 2000: 31.
9
FRANCO, 1995: 190.
403
Maria Apparecida Franco Pereira
Quando perdia o seu espaço na vida política brasileira, assim a colônia portugue-
sa, com disponibilidade econômica, passava a organizar-se em instituições para auxí-
lio dos conterrâneos e preservação dos vínculos culturais.
Firmava-se nesse ano, na cidade de Santos, o Real Centro Português em favor da
comunidade lusitana, fazendo par com a Sociedade Portuguesa de Beneficência,
fundada em Agosto de 1859, por negociantes portugueses.
Questões de conflito também foram enfrentadas de modo acirrado entre os lusos,
divididos entre facções monarquistas e republicanas a respeito da sua pátria, porém,
desenvolvidas dentro das assembléias da Sociedade Portuguesa de Beneficência.
Figura n.º 6
Consulado de Portugal em Santos (1904)
Em Santos, esses antagonismos entre lusos e locais merecem ainda estudos mais
apurados. Entretanto, fotos (figuras n.º 2, 3 e 4) indicam alguma convivência.
O escritor santista Ruy de Ribeiro Couto (1898-1961) que se tornou um diploma-
ta brasileiro importante, membro da Academia Brasileira de Letras, é filho de mãe
nascida na Ilha da Madeira. Jovem, ele trabalhou como caixeiro em firma de café em
Santos, frequentou a Academia de Comércio da cidade e dirigiu-se para a Faculdade
de Direito de São Paulo, terminando o curso no Rio de Janeiro. Paralelamente, fez a
carreira de jornalista e tornou-se um grande literato brasileiro. Tem um ensaio, publi-
cado em 1961, intitulado Sentimento lusitano, onde está marcada uma simpatia gran-
de pelos portugueses.
Entretanto, os enfrentamentos dos portugueses em terra brasileira devem ser pen-
sados pelo tipo de imigrantes que aqui chegara.
Joaquim da Costa Leite distingue três grupos principais, catalogados sobre três
categorias de imigração: como carreira, como forma de obtenção de um rendimento
404
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
405
Maria Apparecida Franco Pereira
com uma pessoa que não tivesse ao menos uma leve tira de crepe no chapéo, como
um vinculo que denunciava a passagem de epidemia pelo seu lar”12.
A febre amarela é identificada no Rio de Janeiro, em fins de 1849. Chegou a San-
tos, segundo Betralda Lopes, em 185013. É doença transmissível, não contagiosa. O
mosquito pica o doente infestado e leva a doença a outras pessoas, por meio de sangue
infectado.
A primeira grande epidemia de febre amarela eclodiu em Janeiro de 1873, trazida
de navios. Atinge o auge em Abril até se extinguir em Julho14. A varíola, por exem-
plo, em 1874 (Março a Dezembro) ocasionou 150 mortes (do total geral de 581 óbi-
tos, nesse ano). Em 1875 continuou matando.
Outro grande surto de febre amarela dá-se em 1878 (Campinas, uma das “capi-
tais” do café, já sofrera em 1876). Nas duas últimas décadas do século XIX, a situa-
ção dos óbitos de Santos é a seguinte:
Quadro n.º 1
Óbitos da cidade de Santos (1880-1900)
12
VITORINO, 1904: 79.
13
LOPES, 1974: 27.
14
LOPES, 1974: 25.
406
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
Figura n.º 7
Comércio em Santos (final do século XIX)
A partir das últimas décadas de novecentos, entre tantas incertezas, a onda imi-
gratória foi aumentando, pois a cidade portuária apresentava imensas oportunidades
de trabalho, embora instável e informa, com promessas de melhoria de vida. Os salá-
rios eram muitas vezes compensadores com relação ao que recebiam em Portugal.
O cocheiro Bernardino Paes “foi para São Paulo ganhar mais dinheiro e agora
pediu escrevendo para a mulher se juntar a ele”, Angelina Natividade Paes, natural
de Extremos, empregada doméstica com quem casara em 5 de Maio de 1892. Este,
em carta (sem data, possivelmente de Maio de 1895, pelos carimbos do correio),
expedida da cidade de São Paulo, diz: “Gostaria que tentasses em vir para o Brasil,
porque aqui são muito boas terras, desde o momento que tu tenhas cá o teu marido,
15
LOPES, 1974: 130.
407
Maria Apparecida Franco Pereira
eu te daria os meios porque tu deverias vir [...] pois todos os 15 dias há emigração e
tu podias vir por ella sem gastares”16.
Na época das maiores crises epidêmicas, entretanto, o sofrimento era terrível: os
que podiam se ausentavam temporariamente da cidade. Saíam de Santos e iam para
São Paulo ou outras localidades.
A vizinha cidade de São Vicente (primeira vila do Brasil, fundada por Martim
Afonso de Sousa) era local procurado, com melhores condições higiênicas, ar fresco
e pacata do ponto de vista comercial.
Relatórios de professores públicos, do fim do século XIX, falam de “alunos tem-
porários”, oriundos de Santos:
“[...] ‘esses alunos temporários’, em geral, não entravam na quantificação de matricu-
lados e frequentes, elaborados pelos professores, apenas eram citados nos relatórios por
terem frequentado as aulas durante alguns meses e depois voltado com suas famílias
17
para os locais de origem” .
16
Documentos constantes no processo n.º 1 800, da caixa 48, NT 2213, Setembro de 1895, Arquivo da
Torre do Tombo, Lisboa.
17
SILVA JÚNIOR, 2009: 45.
18
FRANCO, 1995: 184.
19
FRANCO, 1995: 185-186. É necessário fazer levantamentos na Santa Casa e no Hospital da Socieda-
de de Beneficência Portuguesa.
408
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
0 - 10 = 4
11 - 20 = 61
21 - 30 = 148
31 - 40 = 49
41 - 50 = 28
51 - 70 = 7
Não especificado = 8
409
Maria Apparecida Franco Pereira
20
ROSEMBERG, 2006: 35.
21
ROSEMBERG, 2006: 100-101.
22
BLUME, 1998: 108.
23
ÁLVARO, 1919: 55.
24
ÁLVARO, 1919: 60.
410
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
Considerações finais
Podemos concluir que portugueses vindos para Santos nas duas últimas décadas
do século XIX, em levas crescentes de imigração, encontraram uma cidade repleta de
dificuldades, talvez maiores que na terra natal, mas também enfrentaram uma cidade
que podia superar seus entraves, progredir, tornar-se salubre, moderna e civilizada,
pois corria a riqueza do café.
Os lusos percebiam que, através do trabalho constante, podiam amealhar material
para a sua melhoria de vida e, talvez, enriquecer. Conterrâneos seus eram exemplos.
Dificuldades e entraves foram muitos, doenças, mortes, problemas de convivên-
cia, conflitos, empregos frustrantes. Porém, enquanto houve vida, caminhos foram
buscados. E as oportunidades de trabalho foram variadas.
25
BLUME, 1998: 91.
411
Maria Apparecida Franco Pereira
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
ALVARO, Guilherme, 1919 – A campanha sanitária de Santos, suas causas e seus efeitos.
São Paulo: Serviço Sanitário do Estado/Casa Duprat.
ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes de, 1995 – “Santos: urbanismo na época do café.
1989-1930”, in Santos, café e história. Santos: Leopoldianum.
BLUME, Luiz Henrique dos Santos, 1998 – A moradia da população pobre e a reforma urbana
em Santos no final do século XIX (dissertação de mestrado na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
CARMO, Bruno Bortoloto do, 2010 – Entre práticas e representações: um estudo de caso do
Código de posturas de Santos (1857). Trabalho de conclusão de Curso (Graduação de
História). Santos: Universidade Católica de Santos.
FRANCO, Jaime, 1995 – A Beneficência. Santos: Ed. do autor (1951).
GITHAY, Maria Lúcia Caira, 1983 – Os trabalhadores do porto de Santos (1889-1910).
Dissertação de Mestrado na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Cam-
pinas: UNICAMP.
LANNA, Ana Lúcia Duarte, 1996 – Uma Cidade na transição. Santos: 1870-1913. São Pau-
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LOBO, Eulália Maria Lameyer, 2001 – Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec.
LOPES, Betralda, 1974 – O porto de Santos e a febre amarela (dissertação de mestrado na
Universidade de São Paulo). São Paulo: Universidade de São Paulo.
MOURA, Ana Maria da Silva, 1988 – Cocheiros e Carroceiros: Homens livres no Rio de
Senhores e Escravos. São Paulo: Hucitec.
MUNHÓS, Wilson Toledo, 1992 – Da Circulação Trágica ao mito da irradiação liberal:
negros e imigrantes em Santos na década de 1880 (dissertação de mestrado na Pontifí-
cia Universidade Católica de São Paulo). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo.
OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreira de, 2005 – Entre a casa e o armazém: relações sociais e
experiência da urbanização. São Paulo: Alameda.
412
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
413
O REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA DO RIO DE JANEIRO:
PADRÃO EXCELENTE DA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA O BRASIL
António Alves-Caetano
Introdução
1
Sobre esta matéria vejam-se, entre outras, as obras: GODOLPHIM, 1876; GODOLPHIM, 1889;
ROSENDO, 1996.
415
António Alves-Caetano
2
CABRAL, 1839: 35.
3
CABRAL, 1839. 24.
4
CABRAL, 1836.
5
CABRAL, 1839: 20.
416
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
417
António Alves-Caetano
Este é um ponto por demais digno de ser sublinhado: aqueles que, pelas mais
diversas circunstâncias, não tinham encontrado condições favoráveis ao desenvolvi-
mento das suas vidas no torrão natal, nem por isso o tinham por pátria madrasta,
antes ansiavam pela sua glorificação, contra a corrente então dominante na sociedade
carioca. Quando se realizou a Assembleia Constituinte do Gabinete, ele já contava
com 189 accionistas, que tinham subscrito 404 acções12. Sabe-se que entre os mais
entusiastas da iniciativa estavam emigrados políticos, mas Francisco Eduardo Alves
Vianna, que submeteu à Assembleia o primeiro projecto de Estatutos, era um madei-
rense há muito estabelecido como negociante de reputação, e quantos mais haveria
trabalhando em diversos misteres idos para o Brasil quando a Corte lá estava radica-
da ou nos anos que se seguiram ao regresso do monarca a Portugal? Quantos, dos
que acorreram a subscrever acções mesmo antes da Assembleia fundadora, tinham
demandado a terra brasileira ainda crianças, ou já adultos, em busca de condições favo-
ráveis à melhoria da triste situação económica e social em que viviam no pátrio lar?
A primeira instituição de cidadãos portugueses no Brasil, ao qual se tinham aco-
lhido para nele realizar os seus projectos de vida, não visou congregarem-se para a
recíproca defesa contra violências da natureza, contra a doença ou contra a invalidez.
Nem teve o propósito – como os anteriores, legítimo – de uma mutualidade financei-
ra que lhes proporcionasse capitais sem juros agiotas.
Os estatutos do Gabinete, singelamente, estabeleciam que os seus fins “são pro-
mover a instrução”, o que se faria mediante a organização de “uma livraria escolhida
nas ciências, literatura e artes”; coligindo “as obras e manuscritos de mérito, na lín-
gua portuguesa”; através da subscrição dos “mais acreditados periódicos nacionais e
estrangeiros, concernentes às ciências, à literatura, ao comércio e às artes”; e, não
menos relevante, mediante a reimpressão de livros raros e a impressão de “manuscri-
tos interessantes” da língua portuguesa, para o que se contava vir a ter a colaboração
de “outras associações literárias” da mesma língua. Só podiam ser accionistas cida-
dãos portugueses “bem morigerados e de ocupação honesta”13.
“O espírito empreendedor, magnânimo, aberto e esclarecido, a perseverança tei-
mosa, a abnegação, a fraterna convivência que não olhava a condições sociais, as
transigências pessoais para que não se desvirtuasse a unidade grandiosa de fins, des-
ses homens fabulosos, liberais de formação além do seu tempo na sua terra, perse-
guindo acção e conceitos que ainda hoje fazem lei, homens que não suportaram a
tacanhez e as grilhetas miguelistas na Pátria e, não tendo como combatê-las lá, emi-
graram para o Brasil onde vieram difundir e pôr em prática as suas humanitárias
ideias, sem que os tolhesse o medo de pará-los a situação histórica de transição que
12
GABINETE, 1837: 1.
13
GABINETE, 1841: 3-5.
418
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
por aqui se passava, esse espírito foi um abençoado exemplo catecísmico para as
gerações que lhes sucederam e até hoje se mantém”14.
É importante notar que a emigração portuguesa para o Rio de Janeiro, nos pri-
mórdios do século XIX, é constituída por homens alfabetizados, que as próprias
famílias preparavam para ir exercer actividades ligadas ao comércio ou a ofícios,
alguns, mesmo, com noções de escrita comercial, “algum latim e navegação, para lá
da língua e da aritmética”15. Assim, não é difícil entender que os literatos liberais
banidos de Portugal pelo Miguelismo encontrassem prosélitos para a sua causa da
fundação de um grémio literário que pugnasse pela cultura e divulgação da língua
pátria. Este propósito é tanto mais digno de destaque quanto era verdadeiro o acinte,
para não dizer mesmo hostilidade, que havia na Terra de Vera Cruz, depois da Inde-
pendência, por tudo o que era português. O ensino da língua francesa pontuava os
interesses da sociedade brasileira16. É manifesto que os promotores do Gabinete
estavam penetrados de elevado fervor pátrio, prestavam serviço à causa lusitana,
ignorando o pensamento dominante de desconsideração por Portugal.
É sintomática a vibração patriótica de Rocha Cabral, logo na Assembleia Consti-
tutiva, ao enaltecer a presença de portugueses na primeira reunião, “que tem havido
no Império em um estabelecimento próprio, por eles criado, no intuito da sua ilustra-
ção, da ilustração geral e de concorrer para restaurar a glória literária da sua
pátria!”17. Só se restaura o que está decaído. Portanto, importa sublinhar que a inicia-
tiva destes portugueses emigrados visava, não apenas a obtenção de resultados favo-
ráveis ao seu enriquecimento cultural, mas também a defesa dos interesses da pátria
que, por força dos desencontros políticos, estavam apoucados no Brasil, atingindo,
assim, a própria língua nacional do país de acolhimento.
No início do século XIX o preço dos livros era elevado. O mesmo podia dizer-se
quanto aos periódicos. Era um público restrito que constituía a clientela das livrarias
e assinava periódicos. Como era restrito o público frequentador das escassas bibliote-
cas públicas. Nos cafés e tabernas havia quem fizesse a leitura, em voz alta, das notí-
cias veiculadas pela imprensa, havendo sempre auditório atento. Mas, os elementos
da classe média, que se ia formando com dificuldade, compravam livros ou periódi-
cos. Houve quem tivesse a ideia de fazer negócio com a própria biblioteca, tornando-a
14
SILVA, 1977: 22.
15
ALVES, 1999: 6-7.
16
MARTINS, 1990: 35.
17
GABINETE, 1837: 11.
419
António Alves-Caetano
18
Ao despontar o século XIX, Londres teria 122 “circulating libraries” e, em Paris, entre 1815 e 1830,
constituíram-se 463 “cabinets de lecture” (Ver LOUSADA, 2000). Sobre Gabinetes de Leitura é impor-
tante consultar ainda ESTEVES, 1984; DOMINGOS, 1985; GUEDES, 1987.
19
RUDERS, 1981: 225.
20
LOUSADA, 2000: 171.
21
LOUSADA, 2000: 170.
22
LOUSADA, 2000: 169.
23
LOUSADA, 2000: 171.
420
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
3. Constituição da biblioteca
Num dos seus primeiros documentos a Directoria fez saber que “na escolha dos
livros deu-se a precedência em número, e por consequência no emprego de capital, às
obras portuguesas, como vos deixará conhecer a quantia já destinada para a primeira
encomenda. Entendemos assim dever obrar, tanto por ser um fim especial da Asso-
ciação – coligir as obras e manuscritos de mérito na língua portuguesa – como por
devermos essa homenagem à nossa Pátria e fazermos assim também um serviço ao
país em que residimos, cuja literatura se confunde com a nossa. Depois tratámos de
reunir, quanto possível, elementos de instrução geral, tendo, contudo, particularmente
em vista as classes dos leitores que, provavelmente, hão-de concorrer ao Gabinete”27.
No primeiro orçamento, de oito contos de réis, a despender entre Junho e Dezembro
de 1837, de 5,6 contos para a compra de livros, só 35,6% da verba era para livros
estrangeiros28.
Logo em 1840 foi elaborado o primeiro Catálogo, com 189 páginas, de que se
mantêm, apenas, as primeiras 136. Aquele número de páginas dá ideia da dimensão
que o acervo da biblioteca teria tão poucos anos após a fundação do Gabinete. A
classificação adoptada permite avaliar a variedade de assuntos abrangidos: “Agricul-
tura e Economia Rural; Apologos; Antiguidades; Architectura; Artes e Manufacturas;
Astronomia; Bibliographia; Biographia; Botanica; Brazão; Campanhas e Conquistas;
Cavalaria; Commercio; Criticos; Diccionarios; Diplomacia; Direito Civil, Criminal e
Ecclesiastico; Direito Natural das Gentes; Direito Publico; Economia Politica; Edu-
cação; Estatistica; Geographia e Corographia; Genealogia; Grammaticas; Historia;
24
Parece existir alguma similitude com um projecto nascido em Lisboa, logo após a revolução de Agos-
to de 1820, de um gabinete literário ou gabinete de leitura e composição de uma Associação de Patriotas
Portugueses, que pretendia reunir 60 associados (LOUSADA, 2000: 179).
25
AZEVEDO, 2008: 23.
26
GABINETE, 1841: 5.
27
SILVA, 1977: 20.
28
AZEVEDO, 2008: 23.
421
António Alves-Caetano
422
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
Pode admitir-se que o público leitor fosse constituído pelos chamados letrados,
como os juristas que estiveram na génese do Gabinete e médicos, em especial os
formados pelas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto, que nos concursos
em Portugal eram preteridos pelos formados na Universidade de Coimbra e, por isso,
emigravam, ou eclesiásticos em busca de paróquia no Brasil, “face a uma pesada
densidade clerical nas províncias do Norte”35 e, ainda, o numeroso núcleo de nego-
ciantes, que terá constituído a maioria dos accionistas fundadores.
Mas havia, também, os jovens empregados no comércio e nos ofícios desejosos
de se instruírem e que naquela biblioteca encontravam os instrumentos de estudo não
disponíveis de outro modo. Como alguém escreveu, o Gabinete era a biblioteca por-
tuguesa na Corte do Rio de Janeiro.
35
ALVES, 1999: 294.
36
LOUREIRO, 1960: 15-17.
37
AZEVEDO, 2008: 22-23.
38
SILVA, 1977: 32.
423
António Alves-Caetano
Por alturas de 1850 o edifício da rua da Quitanda já seria exíguo, porque o Gabi-
nete conheceu nova sede, agora na rua dos Beneditinos, n.º 12, onde era possível
acondicionar, convenientemente, os mais de catorze mil volumes que o Almanack
Laemmert de 1849 lhe atribuía39.
Porém, a continuada acção de compra de livros e publicações periódicas, além
das frequentes doações, fazia aumentar muito o número de exemplares da biblioteca,
que voltava a sentir-se desconfortável na sede em que se encontrava desde 1850.
Esse desconforto era ampliado pela circunstância da nova sede se situar em zona
periférica face à centralidade das anteriores instalações, com consequente diminuição
do movimento associativo, situação de crise que fazia, mesmo, perigar a instituição.
De par com isso havia choque de ideias entre dois grupos de sócios, um, mais vincu-
lado ao espírito fundador, outro, “vanguardista”, que pugnava pela “reforma das
colecções da biblioteca e um amplo alargamento do círculo de influências em que a
instituição se movimentava”40.
Em 1861 a Directoria do Gabinete evidenciou ser tempo de pôr em acção medi-
das tendentes a dotá-lo de sede própria que o pusesse a coberto, definitivamente, dos
problemas suscitados, desde a fundação, por espaços sempre escassos para as exi-
gências de uma biblioteca que, como era desejável, todos os dias aumentava.
Uma das providências adoptadas foi a angariação de fundos, no respeito do prin-
cípio de que não se assumem compromissos que não seja possível liquidar.
Durante alguns anos não se conseguiu passar dos donativos esporádicos, já que
propostas do Conselho Consultivo de 1862 não tinham logrado sucesso. Em 1871 o
“fundo para o edifício” não ia além de 3:025$11441. Neste ano, a Directoria comprou
dois prédios na rua da Lampadosa, de dimensões exíguas para o que se pretendia, o
que foi sublinhado pelo arquitecto lisboeta escolhido, em carta de Julho do ano
seguinte. Daí, o propósito dos dirigentes do Gabinete de adquirir os dois prédios
contíguos, o que se conseguiu em 1873, com o dispêndio de 46:546$00042. Nos anos
imediatos operaram-se grandes transformações, como a reforma dos Estatutos, que
permitiu elevar o capital da associação, contrair empréstimo para a construção do
edifício e fazer hipoteca de garantia, em especial da livraria. Em decorrência, fez-se o
aumento do capital do Gabinete, o que permitiu a angariação de novos sócios, tendo
muitos dos existentes acorrido, também, a adquirir mais acções.
No final de 1880 o fundo destinado à construção da sede já estava elevado a
mais de 270 contos de réis, os terrenos onde iria ser edificada tinham custado quase
39
AZEVEDO, 2008: 23.
40
ANACLETO, 2004: 33.
41
SILVA, 1977: 42.
42
SILVA, 1977: 47.
424
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
43
SILVA, 1977: 61-62.
44
ANACLETO, 2004: 13-25.
45
ANACLETO, 2004: 34-37.
425
António Alves-Caetano
“Portugal, senhores, podia ter tido uma vida modesta; preferiu porém num dia encher
o mundo e a posteridade com o seu nome”. Em frases da maior riqueza literária e de
enorme erudição, o grande tribuno glorificou a obra de Camões como “o Arco do
Triunfo sob o qual desfila o préstito Português desde Afonso Henriques até D. Sebas-
tião, a nação toda, vestindo a púrpura e cingindo a coroa pela Via da História”.
Rematou a irmanar Brasil e Portugal sob a inspiração do Épico: “as duas Nações
eternamente tributárias da tua glória, que unidas hoje pela primeira vez pela paixão
da Arte e da Poesia, aclamam a tua realeza electiva e perpétua, e confundem o teu
génio e a tua obra numa salva de admiração, de reconhecimento e de amor, que há-de
ser ouvida no outro século!”46.
Oito anos depois, no discurso consagrador da grande epopeia em pedra que era a
nova sede do Gabinete, a que chamou “Biblioteca Portuguesa do Brasil”, Joaquim
Nabuco começou por garantir que “o português, no Brasil, tem orgulho de ter sido a
sua raça que fundou este colosso, o qual se destaca no planisfério com a cabeça sob o
Equador, o coração sob o Capricórnio e os pés sob o Cruzeiro do Sul. Sois em certo
sentido mais pró-brasileiros do que os brasileiros”.
Num português de fino recorte literário Nabuco passou a ocupar-se da jóia neo-
manuelina: “O edifício está completo, a estrutura material está pronta; ides agora
insuflar-lhe o espírito, a alma, que o há-de animar. Que alma deve ser essa? Ela sai
destas pedras, senhores. Deliberadamente, vós, portugueses, construístes uma biblio-
teca, a mais grandiosa das edificações desse género na América e a levantastes sob o
duplo padroado de Luís de Camões e do infante dom Henrique. A alma deste edifício
é assim, antes de tudo, a própria alma nacional. Estas pedras são estrofes dos Lusía-
das. Elas deviam ser condecoradas com a ordem de Avis. Está aqui o espírito dos
grandes reis que escreveram na espuma das ondas virgens a vossa odisseia”.
Se “a primeira significação do monumento” era a “afirmação da vossa consciên-
cia portuguesa de pátria intangível”, a segunda era “um padrão de posse nacional”,
com o qual reclamavam “o domínio da língua portuguesa no Brasil em nome de Luís
de Camões”. Um terceiro significado imperecível da inauguração daquele edifício
estava, exactamente, no culto de Camões, sublinhando estar-se ali, “no adro da religião
camoniana no Brasil”, “base sólida e indestrutível de toda a nossa literatura, pois nin-
guém que não admire Camões há-de fazer, em nossa língua, nada que seja grande,
fecundo, nada que mereça viver e reproduzir-se”. O último traço distintivo daquela
epopeia em pedra era “a aliança intelectual luso-brasileira. Este monumento é um sím-
bolo de fraternidade. Não se fazem doações destas a uma nação com a qual não se está
vinculado irmãmente. Não se fazem benfeitorias tão importantes em casa alheia”.
46
NABUCO, 1880: 8-30.
426
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
47
NABUCO, 1888: 41-50.
48
As estruturas metálicas deste edifício são uma das suas grandes inovações para a época e responsáveis,
entre outras coisas, pela sumptuosidade da sala de leitura.
49
ANACLETO, 2004: 71.
427
António Alves-Caetano
50
COSTA, 2004: 8.
428
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
51
SILVA, 1977: 126-131.
52
CABRAL, 1839: 34.
429
António Alves-Caetano
Foi o que declarou e desenvolveu numa exposição feita na Assembleia Geral dos
accionistas do Gabinete, no final desse ano, propondo a “criação de uma Sociedade
de beneficência portuguesa cujo fim seja o de socorrer esses miseráveis compatriotas,
já para lhes facilitar o regresso à pátria, quando lhes convenha e o mereçam, já para
lhes dar educação e ocupações, quando estiverem nesse caso, já finalmente, para
socorrer a sua miséria, enquanto não tiverem esses destinos, ou quando se achem
impossibilitados para o trabalho”53.
Rematou a alocução: “com a maior segurança vos rogo que tomeis em conside-
ração esta minha ideia; que a assembleia se não separe sem a ter levado a efeito”54. E
assim foi: os accionistas do Gabinete acolheram com entusiasmo a sua proposta e o
ano de 1840 viu nascer a Sociedade Portuguesa de Beneficência, vazada nos moldes
propostos pelo seu fundador e primeiro presidente, mas antes de terminar essa déca-
da, sob a inspiração de outro emigrante de rara envergadura – Hermenegildo António
Pinto – foi ganhando corpo a ideia da assistência hospitalar, paradigma das dezenas
de Beneficências Portuguesas que se difundiram pelo Brasil55 e têm constituído uni-
dades hospitalares de referência no país.
No caso da Beneficência Portuguesa foi a epidemia de febre-amarela de 1848 a
encaminhar a instituição para a vertente hospitalar, ao determinar o estabelecimento
de uma enfermaria para acolher os portugueses por ela vitimados. A primeira unida-
de digna desse nome foi inaugurada em 1858, recebendo a denominação de Hospital
S. João de Deus56.
Anos mais tarde, foi o fenómeno de engajamento de emigrantes que chegavam
ao Brasil desamparados, o principal motor da criação da Caixa de Socorros de D.
Pedro V, em 1863, também nascida no Gabinete por iniciativa de Leonardo Caetano
de Araújo, oriundo do distrito de Braga, outro vulto eminente da colónia portuguesa,
que presidiu à instituição até 1866.
Não se estava perante uma associação mutualista destinada a beneficiar os
sócios. O seu principal propósito era, mediante a cotização dos associados e dos
donativos e legados que obtinha, acudir aos patrícios doentes e miseráveis, em especial
os engajados, já que “quase dois terços das pessoas socorridas pela nossa associação
vieram para este país engajadas, e foram estes que se apresentaram à Directoria no
estado mais precário de saúde e em extrema pobreza, o que cada vez mais nos conven-
ce que os engajamentos que se têm feito em Portugal têm sido prejudicialíssimos aos
nossos compatriotas”57. Dispensava-se apoio médico e medicamentoso ao emigrante
53
CABRAL, 1839: 34.
54
CABRAL, 1839: 35.
55
LOUREIRO, 1960: 6-10.
56
LOUREIRO, 1960: 9.
57
ALVES, 1990: 412.
430
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
e família, bem como protecção e apoio educacional aos menores, além das despesas
com repatriamento dos que pretendiam regressar58.
Já no século XX, também no seio do Gabinete, formou-se a Federação das
Associações Portuguesas. Foi constituída no dia de Nun’Álvares de 1931 (14 de
Agosto), para aglutinar as numerosíssimas instituições criadas pela emigração portu-
guesa espalhadas por todo o território do Brasil e que reflectem, nas mais variadas
vertentes, a fecundidade da diáspora lusitana.
Importa ressaltar, ainda, dois ou três casos reveladores da forma como o Gabine-
te se impôs na sociedade carioca e articulou com o universo culto brasileiro.
Para além de ter passado a contar com muitos associados não-portugueses, a ins-
tituição convidava, com frequência, insignes autores brasileiros a nela pronunciar
conferências, como são exemplo eloquente as orações de Joaquim Nabuco em oca-
siões muito especiais da vida do Gabinete.
Nos primeiros anos da sua existência a Academia Brasileira de Letras fez as reu-
niões de trabalho em salas do Gabinete, para além de cinco sessões solenes entre
1900 e 1904, quando era presidida por Machado de Assis, como está perpetuado em
lápide colocada no vestíbulo, homenagem da Academia, em Dezembro de 195859.
Também outra reputada Academia do país de acolhimento, o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, no período em que se efectuaram obras de fundo na sua sede,
foi nas instalações do Gabinete que efectuou as suas sessões de trabalho, bem como
aquelas em que os seus académicos solenizavam efemérides.
Como são inumeráveis os congressos e outros certames científicos promovidos
por entidades brasileiras que têm escolhido a sede do Gabinete como o mais condig-
no local para serem celebrados.
Desde 1935 que o Gabinete, por decreto do governo português, recebe todas as
obras editadas em Portugal que se submetem ao regime do Depósito Legal: um dos
catorze exemplares de cada obra entregues na Biblioteca Nacional é destinado ao
Real Gabinete, denominação que lhe foi concedida pelo rei D. Carlos, em 6 de
Setembro de 1906. Aquela determinação do governo do Estado Novo permitiu que a
biblioteca instalada no edifício neomanuelino da rua Luís de Camões passasse a dis-
por de todos os livros de que é feito, aqui, o Depósito Legal.
Nos quase 400 000 volumes que a biblioteca actualmente alberga incluem-se inúme-
ras obras raras, desde livros do século XVI até edições preciosas da contemporaneidade,
58
ALVES, 1990: 412.
59
SILVA, 1977: 94.
431
António Alves-Caetano
432
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
Epílogo
60
Feliz expressão devida ao professor Joaquim Romero de Magalhães.
61
PEREIRA, 2010: 1-2.
62
NABUCO, 1880: 20.
433
António Alves-Caetano
Quadro n.º 1
Associações portuguesas no Brasil, de carácter cultural, hospitalar e beneficente
Ano de fun-
Associação Cidade Estado
dação
Academia Lusíada de Ciências, Letras e Artes São Paulo São Paulo 1972
Academia Luso-Brasileira de Letras Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1965
Ala da Fraternidade Luso-Brasileira São Paulo São Paulo 1944
Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas São Paulo São Paulo 1891
Associação Beneficente Luso-Brasileira Rio de Janeiro Rio de Janeiro 1880
Campo Gran- Mato Grosso
Associação Luso-Brasileira de Campo Grande 1929
de do Sul
Associação Luso-Brasileira de Bauru Bauru São Paulo 1962
Associação Luso-Brasileira de Florianopolis Florianopolis Santa Catarina 1987
Associação Portuguesa Beneficente 1.º de
Uberaba Minas Gerais 1907
Dezembro
Assoc. de Socorros Mútuos Sacadura Cabral/
São Paulo São Paulo 1935
Gago Coutinho
63
NABUCO, 1888: 48.
64
VIEIRA, 2009: 191.
434
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
435
António Alves-Caetano
436
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
Fontes e Bibliografia
Fontes
Bibliografia
ALVES, Jorge Fernandes, 1990 – “Recensão de SILVA, Maria Beatriz Nizza da – Filantropia
e Imigração – A Caixa de Socorros de D. Pedro V”. Revista da Faculdade de Letras.
História, II Série, Volume VII. Porto: Universidade do Porto.
ALVES, Jorge Fernandes, 1999 – “Ler, escrever e contar na emigração oitocentista”. Revista
da História das Ideias, vol. 20. Coimbra: Universidade de Coimbra.
437
António Alves-Caetano
438
O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro:
padrão excelente da emigração portuguesa para o Brasil
ROSENDO, Vasco, 1996 – O Mutualismo em Portugal: dois séculos de História e suas ori-
gens. Lisboa: Montepio Geral.
RUDERS, Carl Israel, 1981 – Viagem em Portugal (1789-1802). Lisboa: Biblioteca Nacional.
SILVA, Pedro Ferreira da (coord.), 1977 – Fundamentos e Actualidade do Real Gabinete
Português de Leitura. Edição Comemorativa do 140.º Aniversário de Fundação. Rio
de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura.
VIEIRA, Padre António, cerca de 1670 – Sermões de Roma e Outros Textos. Estarreja: MEL
Editores (2009).
439
UM MITO PARA TODOS OS ITALIANOS DE SÃO PAULO
Alexandre Hecker
Introdução
1
HEGEL, 1990: 79.
2
Na sequência cronológica de Hegel, mas ainda em pleno domínio da concepção romântica da história,
o escocês Thomas Carlyle, em On Heroes and Hero Worship and the Heroic in History, vai ainda mais
longe afirmando que “a história universal, a história daquilo que o homem realizou neste mundo, subs-
tancialmente outra coisa não é senão a história dos grandes homens que aqui agiram”.
441
Alexandre Hecker
442
Um mito para todos os italianos de São Paulo
4
Conforme adiante será analisado.
443
Alexandre Hecker
5
Evidentemente não há precisão estatística nestas observações. Ressalte-se que não há lógica estreita na
comparação entre contingente de entradas e número de prontuariados, até mesmo porque muitos dos
perseguidos pela polícia haviam chegado ao Estado em época anterior a 1924. Depois, é preciso conside-
rar que, por terem os brasileiros nomes e sobrenomes inseparáveis dos portugueses, e por serem os
documentos do DEOPS muitas vezes incompletos (isto é, sem identificação da nacionalidade), é possível
que um bom número daqueles últimos não possam ser reconhecidos pela pesquisa como portugueses. Os
números gerais sobre imigração foram obtidos no site do Memorial do Imigrante, supra citado.
444
Um mito para todos os italianos de São Paulo
rápida cronologia dos sucessos ligados à luta política contra a oligarquia dominante
apresenta-se marcada por eventos cuja origem advém dos imigrantes italianos.
1900 – criação do jornal Avanti! e da seção paulista do Partido Socialista Ita-
liano, PSI.
1902 – reunião do Congresso Socialista Brasileiro, dirigido pelos militantes do
Avanti!
1904 – vem ao Brasil Antonio Piccarolo para dirigir o Avanti!
1908 – cisão no PSI paulista entre o Centro Socialista Internacionalista e o
Centro Socialista Paulistano, liderado por Piccarolo que lança o livro O
socialismo no Brasil. Um marco na história política italiana no Brasil.
1913 – Piccarolo lança o livro L'emigrazione italiana nello Stato di San Paolo,
no qual defende o fluxo emigratório e a importância da presença dos ita-
lianos para a economia e política paulista.
1923 – início da fascistização da “colônia” paulista6.
1925 – nasce a Unione Democrática que aderirá (1926) à LIDU.
1927 – criada a Concentração Antifascista que reúne os socialistas diante do
“inimigo maior”, e que servirá de modelo para a construção de um
movimento antifascista brasileiro em geral.
A presença dos socialistas na imprensa italiana em São Paulo foi marcante, e
diversas publicações contribuíram para os debates em torno da italianidade e da afir-
mação do mito de Garibaldi no seio da comunidade. Entre estas podem-se indicar: o
Avanti!, 1900-1919, dirigida por Alceste De Ambrys, Piccarolo, Vicenzo Vacirca,
Teodoro Monicelli; Il Secolo, 1906-1910, Piccarolo; La Tribuna Italiana, 1909-
1910, De Ambrys; La Scure, 1909, De Ambrys; La Rivista Coloniale, 1910-1924,
Piccarolo; La Difesa, 1923-1935, dirigida respectivamente por Piccarolo, Francesco
Frola, A. Cimatti, Mario Mariani, Bixio Picciotti; Il Risorgimento, 1928, Piccarolo;
entre outros. Estes jornais cobriram um amplo período da história da “Colônia” e a
atingiam de maneira abrangente já que circulavam também no interior do Estado e
em outras capitais. Nestes veículos uma profusão de matérias sobre Garibaldi preen-
chia o espaço simbólico desenhado para a manutenção da comunidade sob os auspí-
cios de uma “cultura de esquerda”.
6
Embora F. Bertonha afirme que “é importante observar que, sem dúvida, nem fascismo nem antifas-
cismo conseguiram conquistar completamente as comunidades italianas emigradas e que o que houve
realmente foi a presença de minorias politizadas de lado a lado disputando uma esmagadora maioria não
politizada...” (BERTONHA, 1994), a verdade é que as instituições italianas no Estado passaram quase
unanimemente a ser dirigidas pelos fascistas ou elementos a eles simpatizantes. O antifascismo foi sem-
pre oposição excluída dos espaços de poder: jornais, empresas, escolas, clubes e, obviamente, órgãos de
representação oficial.
445
Alexandre Hecker
446
Um mito para todos os italianos de São Paulo
“Há momentos na vida dos povos em que um ideal pode-se transformar em situações
reais... (por meio) de uma atividade milagrosa que cria a energia heróica dos espíritos e
suscita o prodígio imortal da fortuna... (Na Itália de Garibaldi desenvolveu-se um sen-
timento) que se exerceu, em homens ainda inconscientes, como um longo fermento,
lento... o gérmen dos séculos que fecundou no subsolo da vida, que expandiu a força de
raízes subterrâneas”7.
7
Il Secolo, 2 de Junho de 1910.
8
Il Secolo, 29 de Junho de 1909.
9
Il Risorgimento, 1.º de Junho de 1928.
447
Alexandre Hecker
10
Il Secolo, 2 de Junho de 1909.
11
Il Secolo, 29 de Junho de 1909.
12
La Difesa, 2 de Junho de 1929.
13
Il Secolo, 2 de Junho de 1910.
448
Um mito para todos os italianos de São Paulo
São Paulo estavam propondo. Por esta razão, o novo herói dessa travessia para o
mundo da justiça e da bem-aventurança, carregado da missão de seus grandes precur-
sores, seria o deputado do PSI Giacomo Matteotti, covardemente assassinado pelas
hordas fascistas, em Junho de 1924, após veemente denúncia de fraude nas eleições
italianas. A associação entre Matteotti e Garibaldi surgiu evidente nas páginas do
jornal dos socialistas:
“Descuidado com a vida, desprezando os perigos, tal como em outro campo Matteot-
ti... Garibaldi é a antítese dos velhacos que governam a Itália. Por isso os exilados de
todos os partidos inclinam-se diante de sua figura milagrosa e saúdam neles expressões
14
fulgurantes do heroísmo humano” .
14
La Difesa, organo settimanale degli uomini liberi, 2 de Junho de 1929.
15
La Difesa, 27 de Janeiro de 1932.
449
Alexandre Hecker
Raoul Girardet explica, em seu clássico Mitos e mitologias políticas, que “o mito
político é fabulação, deformação ou interpretação objetivamente recusável do real.
Mas, narrativa legendária, ele exerce também uma função explicativa, fornecendo
certo número de chaves para a compreensão do presente... Esse papel de explicação
se desdobra em um papel de mobilização...”.
Foi realmente em função dessas três dimensões que o mito de Garibaldi, para os
socialistas de São Paulo, se estruturou. Foi uma fabulação no sentido do aproveita-
mento de uma personagem a ser desenraizada do real, mas não significou incapaci-
dade argumentativa do discurso socialista ou demonstração de uma “intelectualidade
imperfeita”, ao contrário. A mitificação do Garibaldi pelos socialistas representou o
aproveitamento de uma coerência simbólica capaz de exprimir em nível mais pro-
fundo de entendimento o amor patriótico, considerado como uma linguagem poética
autônoma e sobreposta aos discursos lógicos dos argumentos. Apresentou-se como
um sentimento paralelo ao pensamento racional. Uma metafísica.
Foi também uma explicação, até mesmo em duplo sentido. Por um lado, tornava
inteligível a relação entre imigração e manutenção da italianidade, mantendo no
nível simbólico a relação íntima com a Itália real, pois “Garibaldi lutou por todos os
italianos, em todos os lugares”. Mas explicou também o projeto socialista adotado, já
que “Garibaldi foi o generoso lutador pela humanidade”18.
Finalmente o Garibaldi imaginado, fabulado, colocado fora do tempo e do espaço,
mobilizou politicamente o imigrante, impulsionando-o a agir na superação de suas
diferenças regionais e do duro mundo cotidiano da colônia. O tempo de investimento
16
La Difesa, 30 de Janeiro de 1932.
17
La Difesa, 1 de Março de 1932.
18
GIRARDET, 1987: 13.
450
Um mito para todos os italianos de São Paulo
numa comunidade italiana fora da Itália poderia, então, ser entendido como um tem-
po sagrado, de realização direta de seu destino universal.
Sua representação reuniu a todos num altar simbólico da pátria que concentrou as
glórias italianas e, no caso dos embates socialistas de São Paulo contra o fascismo,
que aqui então estava sendo implantado, alimentou as forças para mobilização contra
os limites do capitalismo paulista, então dominado por elites exploradoras, das quais
também seus conterrâneos faziam parte.
No caso dos fascistas e de seus objetivos de conquista da colônia paulista, o mito
de Garibaldi jogava um papel bem diferente do que para os socialistas: para os irados
camisas negras, Garibaldi forneceu uma justificativa para adoção de uma italianida-
de apoiada nos valores da bravura e da dominação violenta, combustível necessário
para a exclusão de meios e objetivos democráticos.
Como observou Roland Barthes19, a lógica do mito não se traduz em uma fala
qualquer, mas numa linguagem, numa narrativa. Como tal, a linguagem a propósito
de Garibaldi não conheceu apenas uma significação, um signo, para usar a termino-
logia do citado autor. Mantendo o significante Garibaldi e lhe atribuindo um signifi-
cado semelhante – o herói, o vingador, o intimorato – fascistas e socialistas
construíram diferentes signos para o líder da italianidade. Apresentar esta disputa
simbólica pareceu-nos desvendar parte significativa da história, tanto dos italianos
como do próprio Estado de São Paulo.
Fontes e Bibliografia
Bibliografia
19
BARTHES, 1978: 131 e seguintes.
451
Alexandre Hecker
452
IMIGRAÇÃO QUALIFICADA NO PÓS-SEGUNDA GUERRA MUNDIAL:
PORTUGUESES E ITALIANOS EM SÃO PAULO
Sênia Bastos
Introdução
1
TRINDADE, 1976.
2
Aponta-se tanto o deslocamento (fuga) decorrente de processos de ocupação do território, quanto os
que foram direcionados forçosamente aos campos de concentração ou ao trabalho em fábricas ou
fazendas, por agentes de estados totalitários (PAIVA, 2000). La Cava aponta a estratégia dirigista que
pautou o movimento de repatriação e recolocação de mão de obra no contexto do pós-Segunda Guerra
Mundial: “Na primeira fase, de 1945 a 1952, marcada pelo assim chamado sistema triangular, os Estados
Unidos providenciaram os capitais privados na América Latina, a Europa, a mão de obra e a América
Latina, os recursos naturais (terras, etc.). Nesse período, [...] teria sido resolvido tanto o problema do
excesso populacional europeu, como o da ‘carência’ da mão de obra necessária para o desenvolvimento
da América Latina” (LA CAVA, 1988: 57).
3
A Alemanha e a Áustria reuniam campos de refugiados com imigrantes provenientes do Leste europeu.
453
Sênia Bastos
4
A imigração italiana foi subsidiada pelo Comitê Intergovernamental para as Migrações Européias
(CIME) enquanto a japonesa pela Japan Imigration and Colonization (JAMIC).
5
Apontam-se as dificuldades de estudo dos portugueses, em virtude da existência de mecanismos
próprios de inserção no Brasil: esquivam-se dos canais normais de recepção de imigrantes, como por
exemplo, a Hospedaria do Imigrante de São Paulo, visto que o domínio do idioma e a presença de redes
informais de acolhimento lhes confere certa autonomia nesse destino (TRINDADE, 1976; SCOTT,
2001).
6
GÓIS, BAGANHA, 1999.
454
Imigração qualificada no pós-Segunda Guerra Mundial: portugueses e italianos em São Paulo
Gráfico n.º 1
Principais nacionalidades
455
Sênia Bastos
Quadro n.º 1
Ingresso quinquenal de imigrantes de nacionalidades italiana e portuguesa (1947-1980)
Gráfico n.º 2
Ingresso anual de imigrantes de nacionalidades portuguesa e italiana
7
A sistematização dos dados relativos aos imigrantes no Brasil se intensifica no governo Vargas, resultado
da legislação imigrantista por meio da qual o governo federal assume a responsabilidade por seu controle,
estabelece normas para a sua entrada e fixação no país (Constituição de 1934). Segue-se o estabelecimento
de cotas por nacionalidade, restringindo a entrada a 2% do total de ingressos relacionados ao período de
1889 a 1934 (Constituição de 1937). A afinidade ética com os portugueses foi valorizada, observa-se uma
política de aproximação luso-brasileira estabelecida entre os governos Vargas e Salazar e, em 1939, por
meio da Resolução n.º 34, ocorre a isenção da imigração portuguesa do regime de cotas, destacando-se sua
contribuição para a formação étnica nacional. Ver SCHIAVON, 2007.
456
Imigração qualificada no pós-Segunda Guerra Mundial: portugueses e italianos em São Paulo
8
DIC, 1952: 121-124.
9
ACORDO 5/7/1950; ACORDO 9/12/1960.
10
SALLES, BASTOS, 2010.
457
Sênia Bastos
de 1954, com 8 792 entradas. Cotejado ao número geral de ingressos no Brasil dessa
etnia, nesse período observa-se que 50% do montante ingressou na Hospedaria do
Imigrante de São Paulo11. Na década seguinte nota-se a redução do movimento, com
813 em 1962, 230 em 1963 e 36 em 1964 o que pode ser inferido, entre outros fato-
res, pela recuperação da economia italiana, segundo La Cava12.
Verifica-se que se dirigiram ao Brasil, predominantemente por transporte marí-
timo, 25 428 homens e 18 564 mulheres, cujo ano de maior ingresso corresponde a
1954, totalizando 8 787 entradas (20,2%).
Das 10 756 mulheres que acompanharam o viajante principal, 2 714 são esposas,
6 411 filhas, 598 irmãs, 208 cunhadas, 187 mães, 139 noras, 116 sobrinhas, 95 netas,
45 primas, 23 sogras, 17 agregadas, 9 enteadas, 8 tias, 3 madrastas, 1 filha adotiva, 1
avó, 1 afilhada e 241 que não identificaram o vínculo. Das 7 680 registradas como
imigrante principal, 3 722 mulheres declararam-se chefe de família, 2 filhas, 1 esposa
e as demais 4 014 nada identificaram.
Destaque-se que muitas famílias se recompuseram posteriormente, segundo
Trento13, em virtude da ausência de vagas nas embarcações para os acompanhantes.
Mesmo mulheres e filhos viriam a se reunir com o restante da família, na medida em
que conseguiam a autorização de suas solicitações junto ao CIME. Nesse sentido,
identificaram-se 1 169 casos: 250 esposas chamadas por seus maridos, 8 maridos
demandados pelas esposas, 81 pais chamados pelos filhos, 9 filhos requeridos pela
mãe, 151 por seus cunhados, 20 por parte dos sogros, 8 por parte dos genros, 247
pelos irmãos, 154 por primos, 8 por sobrinhos, 145 pelos tios, 1 pelo avô, 6 por
parentes e 81 filhos chamados pelos pais.
Ressalta-se, no entanto, que nem todos os acompanhantes se dirigiram à Hospe-
daria, pois o familiar ou amigo que demandara aquele que vinha por carta de chama-
da, custeava a passagem e se encaminhava ao porto para buscá-lo. Quando vinham
por conta do CIME “este se encarregava de arranjar-lhe um emprego e os abrigava
nas hospedarias de imigrantes14.
Ingressaram 43 212 italianos com o apoio do CIME, durante o período 1952 a
1978 e com os recursos do IRO foram introduzidos 20 italianos durante os anos 1947
a 1949. Com recursos do Hebrew International Assistance (HIAS) quantificam-se 10
imigrantes, oriundos predominantemente do Egito (7).
No banco é possível precisar o número de mulheres (5 147) e homens casados
(6 914), o que permite inferir que as mulheres ou estavam acompanhadas pelos mari-
dos ou vinham encontrá-los, recompondo os laços familiares. Nota-se a preponderância
11
O IBGE registra 87 137 italianos nesse período.
12
LA CAVA, 1988.
13
TRENTO, 1989.
14
FACCHINETTI, 2004: 112.
458
Imigração qualificada no pós-Segunda Guerra Mundial: portugueses e italianos em São Paulo
459
Sênia Bastos
Quadro n.º 2
Principais profissões dos imigrantes de nacionalidade italiana
460
Imigração qualificada no pós-Segunda Guerra Mundial: portugueses e italianos em São Paulo
15
Não foi possível precisar 36% dos registros e há uma ocorrência relativa à África do Sul e uma de
Moçambique.
16
Destaque-se a dificuldade de precisão das informações, visto que a sua organização encontra-se
relacionada ao imigrante que demandou os recursos e, nesse sentido, não ocorre o detalhamento dos
acompanhantes.
17
Em 1968 ocorre a saída do maior contingente de mulheres registrado (47%) em Portugal, 1959, 1960,
1967 e 1974 também são anos significativos desse movimento. ARROTEIA, 1983; BAGANHA, GÓIS,
1999.
461
Sênia Bastos
Gráfico n.º 3
Imigração dirigida: portugueses
No que se refere ao estado civil, nota-se 76 solteiros (ao que se salienta a presen-
ça de crianças e jovens como se observa no quadro n.º 4), 63 casados e 53 imigrantes
que não identificaram sua situação. Ressalta-se a presença de 32 chefes de família,
22 esposas, 59 filhos, 5 irmãos e 74 pessoas que não justificaram o seu vínculo. Ao
que se refere à composição das famílias, revela-se a presença de 29 portugueses
acompanhados por: 7 pessoas (1), 5 pessoas (5), 4 pessoas (5), 3 pessoas (6), 2 pes-
soas (6) e 1 pessoa (6) e 75 que vieram desacompanhados.
Quadro n.º 4
Faixa etária dos imigrantes de nacionalidade portuguesa
462
Imigração qualificada no pós-Segunda Guerra Mundial: portugueses e italianos em São Paulo
18
ARROTEIA, 1983.
19
Trindade aponta grande concentração de portugueses no setor de construção civil (TRINDADE, 1976).
20
ARROTEIA, 1983.
463
Sênia Bastos
Quadro n.º 5
Natureza do movimento imigratório
Italiana Portuguesa
Anos
Espontânea Dirigida Total Espontânea Dirigida Total
1954-1958 10 624 29 814 40 438 109 510 18 109 528
1959-1963 4 453 8 471 12 924 71 371 196 71 567
Total 15 077 38 285 53 362 180 881 214 181 095
Fonte: IBGE.
21
BASTOS, 2008; CYPRIANO, MENEZES, 2008; FRUTUOSO, 2008.
464
Imigração qualificada no pós-Segunda Guerra Mundial: portugueses e italianos em São Paulo
112 portugueses. Em outras profissões são reunidos 4 197 italianos (8%) e 9 940
portugueses (5%), todavia, não há a indicação das atividades aglutinadas nessa ter-
minologia.
Quadro n.º 6
Profissões dos imigrantes italianos e portugueses (1954-1963)
Italianos Portugueses
Profissões
1954-1958 1959-1963 Total 1954-1958 1959-1963 Total
Agricultor Geral 4 958 440 5 398 8 999 2 522 11 521
Agricultor Qualificado 459 335 794 149 2 013 2 162
Total 5 417 775 6 192 9 148 4 535 13 683
Operário Geral 2 954 815 3 769 2 354 2 416 4 770
Operário Qualificado 8 457 2 773 11 230 13 599 3 652 17 251
Total 11 411 3 588 14 999 15 953 6 068 22 021
Técnicos 413 296 709 71 41 112
Comércio 694 376 1 070 17 253 12 680 29 933
Outras Profissões 2 700 1 497 4 197 6 828 3 112 9 940
Atividades Domésticas 19 805 6 392 26 197 60 275 45 131 105 406
Total 40 438 12 924 53 362 109 528 71 567 181 095
Fonte: IBGE.
22
O papel da Igreja no processo imigratório é enfatizado pelos estudos de Rosoli e Beozzo. O ingresso
de 579 religiosos nos anos 1969 a 1973 demonstram a importância e permanência desse fluxo
(ROSOLI, 1982; BEOZZO, 1987).
465
Sênia Bastos
Conclusões
23
ARROTEIA, 1983; TRINDADE, 1976.
24
BAGANHA; GÓIS, 1999. Pellegrino aponta que a remessa em dinheiro ocupa o segundo lugar em
importância no comércio internacional; o primeiro lugar corresponde às transações de petróleo
(PELLEGRINO, 2001).
25
ARROTEIA, 1983.
466
Imigração qualificada no pós-Segunda Guerra Mundial: portugueses e italianos em São Paulo
Fontes e bibliografia
Fontes
Bibliografia
467
Sênia Bastos
LA CAVA, G., 1988 – "As origens da emigração italiana para a América Latina após a
Segunda Guerra Mundial", in Novos Cadernos II. I. I. Cultura, Ed.
MENEZES, L. M.; CYPRIANO, P. L., 2008 – "Imigração e negócios: comerciantes
portugueses segundo os registros do Tribunal do Comércio da Capital do Império
(1851-1870)”, in MATOS, Maria Izilda, SOUSA, Fernando de, HECKER, Alexandre
(orgs.) – Deslocamentos & Histórias: os Portugueses. Bauru: EDUSC.
PAIVA, O., 2000 – "Refugiados de guerra e imigração para o Brasil nos anos 1940 e 1950.
Apontamentos". Travessia, Ano XIII (n.º 37), 25-30.
PELLEGRINO, A., 2001 – "Éxodo, movilidad y circulación: nuevas modalidades de la
migración calificada", in Notas de población, 73, 129-162.
ROSOLI, Gianfausto, 1982 – “Chiesa Ed emigrati italiane in Brasile, 1880-1940”, in Studi
Emigrazione, 19, 66.
SCHIAVON, Carmem G. Burgert, 2007 – Estado Novo e relações luso-brasileiras (1937-
1945). Tese de doutorado em História na PUC/RS.
SCOTT, A. S., 2001 – "As duas faces da imigração portuguesa para o Brasil (décadas de
1820-1930)", in Congresso de História Econômica, 1-28.
TRENTO, A., 1989 – Do outro lado do Atlântico. Um século de imigração italiana no Brasil.
São Paulo: Nobel.
TRINDADE, M. B., 1976 – "Comunidades migrantes em situação dipolar". Análise Social,
XII (48), 983-997. Lisboa: ICS
468
À SOMBRA DA LEI. NOTAS SOBRE A POLÍTICA
DE EMIGRAÇÃO EM PORTUGAL E ITÁLIA (1850-1920)1
Introdução
Entre meados do século XIX e início da Primeira Guerra Mundial, Portugal e Itá-
lia forneceram grandes contingentes populacionais que atravessaram o Atlântico em
busca de melhores condições de vida. Considerando suas diferenças e especificidades
históricas – a Itália recém-unificada, que concentrava esforços para se constituir em
nação forte, e Portugal, que buscava construir seu império em África e resgatar o
antigo prestígio associado à exploração da ex-colônia americana – a proposta deste
artigo é analisar de forma comparada a política de emigração e seus reflexos no
desenvolvimento econômico dos dois países.
A pesquisa está ancorada nos corpos legislativos dedicados à emigração e em
alguns estudos de autores contemporâneos. Busca-se, assim, apreender as vicissitu-
des do processo migratório no que tange às expectativas e aos interesses a ele asso-
ciados, além de aferir sua dimensão política em cada nação.
1
Este artigo apresenta alguns dos primeiros resultados da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida com
apoio financeiro da FAPESP.
2
A emigração penínsular para as repúblicas platenses, sobretudo da Ligúria, já era uma realidade desde
princípios do século XIX. Ver GABACCIA, 2003; FRANZINA, 2003.
469
Paulo César Gonçalves
não deixar partir para a Argélia e América aqueles que não comprovassem ter ocupa-
ção assegurada ou, ao menos, meios de subsistência no exterior3. Com essa medida
buscava-se solucionar o problema através de uma política de fundo explicitamente
policial e repressor4, em consonância com os interesses dos grupos agrários posicio-
nados abertamente contra a emigração, ou seja, refratários à perda de força de traba-
lho e ao consequente aumento dos salários no campo5.
Por outro lado, setores ligados ao comércio marítimo – favoráveis à emigração –
viam com bons olhos, não apenas os recursos angariados com o transporte daqueles
que abandonavam a península, mas também a possibilidade, ainda que em futuro
incerto, do desenvolvimento das trocas comerciais com as áreas receptoras de emi-
grantes no Novo Mundo, sobretudo a região do Prata.
Em 1868, Jacopo Virgilio, professor e economista genovês sintonizado com os
interesses dos armadores da Ligúria, publicava Migrazioni transatlantiche degli ita-
liani. O livro apontava as vantagens para o reino de uma política expansionista
baseada na emigração destinada ao Prata: aumento do comércio internacional, desen-
volvimento da frota marítima mercantil e o afluxo de dinheiro através das economias
enviadas pelos emigrantes aos seus familiares6. Em estudo divulgado no mesmo ano,
Mantegazza estimava em cerca de dois milhões e meio de liras o valor das remessas
expedidas da Argentina para a Itália a cada ano7.
No campo, a tensão era fato incontestável. As relações desiguais expulsavam os
italianos e a emigração para a região do Prata crescia ano após ano8, tornando-se fun-
damental para a marinha mercantil genovesa, que tinha nesse tipo de tráfico a possi-
bilidade concreta de fomentar seu desenvolvimento, conjugando-o com o transporte
de mercadorias. Em resposta à circular que restringia a saída de italianos, um grupo
formado por armadores, comerciantes e capitães marítimos da Ligúria enviou carta
3
MANZOTTI, 1969: 16.
4
Desde 20 de Março de 1865, a emigração era regulada com base na lei de segurança pública, permitin-
do ao Ministério do Interior controlá-la através de disposições que, invariavelmente, recorriam às autori-
dades de polícia locais. A frente contrária à emigração forçou o governo a abandonar, ao menos em
relação a esse problema, a tradição liberalista e a política de Cavour que considerava positiva a emigra-
ção lígure para as áreas do Prata. Ver CIUFFOLETTI, DEGL’INNOCENTI, 1978: 6-7.
5
Discursando no Parlamento, em 30 de Janeiro de 1868, o deputado Ercole Lualdi explicitava as preo-
cupações dos proprietários de terras e dos industriais: “Se andiamo avanti di questo passo, mancheranno
gli uomini necessari per lavorare i terreni e per sviluppare l’industrie”. Apud MANZOTTI, 1969: 11.
6
VIRGILIO, 1868: 55.
7
P. Mantegazza. Le colonie europee nel Rio de la Plata, 1868. Apud FILIPUZZI, 1976: 13.
8
Os primeiros trinta anos pós-unificação foram caracterizados pelo descontentamento da população do
campo e pelos confrontos com o novo Estado. Depois de quase vinte anos de verdadeira guerra civil, o
governo nomeou uma comissão, presidida por Stefano Jacini, para conduzir uma pesquisa sobre as
causas do problema agrário no país. Os resultados publicados em 1884, sob o título I risultati
dell’inchiesta agraria, mostraram a irrelevância da nação aos olhos dos camponeses e a popularidade da
emigração. Ver GABACCIA, 2003: 60.
470
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
ao ministro do Interior protestando contra a política do Estado que atendia apenas aos
interesses dos proprietários agrícolas. Ainda segundo eles, a imposição de entraves à
emigração sufocava uma significativa via de financiamento da marinha nacional,
além de favorecer a concorrência de portos e companhias de navegação estrangeiras,
que se alimentavam do fluxo clandestino9.
O transporte de emigrantes tornou-se a principal aposta da marinha mercante
lígure. A integração da emigração, já crescente no tempo, com o transporte volante
de mercadorias na volta para a Itália permitia lucrativos balanços econômicos da
viagem. Entre a Unificação e a metade da década de 1870, o tráfico de emigrantes
pelo porto genovês assumiu consistência relevante, fornecendo aos armadores mar-
gem segura de autofinanciamento para investimentos na nova frota. De 1861 a 1874,
partiram quase 197 mil pessoas para as Américas, cerca de 5 mil por ano, até 1865. O
quadro abaixo indica que, a partir de 1867, o êxodo alcançou a média de 20 mil
embarques anuais.
Quadro n.º 1
Emigrantes que partiram de Gênova para a América (1861-1874)
Anos Quantidade
1861 5 525
1862 4 287
1863 5 071
1864 4 879
1865 5 672
1866 8 790
1867 18 447
1868 18 129
1869 23 325
1870 15 743
1871 10 651
1872 20 264
1873 26 183
1874 30 000
Total 196 966
Fonte: FERRARI, 1983: 141-142.
9
A carta dos armadores encontra-se reproduzida em CIUFFOLETTI, DEGL’INNOCENTI, 1978: 17-
21. Nesse grupo encontrava-se Giovanni Battista Lavarello, o pioneiro na constituição de uma compa-
nhia de navegação em condições de desempenhar o serviço transoceânico entre Itália e a região do Prata.
471
Paulo César Gonçalves
10
CIUFFOLETTI, DEGL’INNOCENTI, 1978: 29.
11
Circolare Lanza del 18 gennaio 1873. Apud CIUFFOLETTI, DEGL’INNOCENTI, 1978: 31-34.
12
ANNINO, 1974: 1237. O estudo de Annino é fundamental para se compreender o debate político
sobre a emigração e diferenciar os interesses dos grupos pró e contra o êxodo, sobretudo em relação à
divisão geográfica e econômica entre Itália meridional e setentrional.
13
MANZOTTI, 1969: 32-33. Participaram nesse congresso economistas italianos de renome que teriam
papel importante nas futuras discussões das leis relacionadas à emigração: L. Luzzatti, F. Lampertico e
V. Ellena.
14
L’emigrazione e la Circolare Lanza. Sem identificar o autor, esse manifesto publicado em Gênova no
ano de 1873, de cunho emigrantista, foi escrito em consonância com os interesses dos armadores e
comerciantes utilizando-se das teses de Jacopo Virgilio, citado como “nostro concittadino”.
472
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
15
Em 1876, como prova da maior atenção dedicada ao fluxo migratório, o Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio começou a publicar em seus anais a estatística oficial da emigração. Ver MAN-
ZOTTI, 1969: 33. Sobre as discussões que levaram à regulamentação desse serviço, ver MARUCCO,
2001: 61-75.
16
ANNINO, 1974: 1238-1239.
17
O primeiro projeto de lei foi elaborado por Minghetti e Luzzatti, e o segundo por Del Giudice. Sobre
essa discussão no Parlamento, ver ANNINO, 1974: 1240-1243.
18
Os portos estrangeiros mais utilizados pelos emigrantes italianos eram os de Marselha e do Havre.
19
MANZOTTI, 1969: 53.
473
Paulo César Gonçalves
Quadro n.º 2
Emigração italiana (1861-1920)
Anos Saídas
1861-1870 1 210 000
1871-1880 1 180 000
1881-1890 1 880 000
1891-1900 2 830 000
1901-1910 6 030 000
1911-1920 3 830 000
Total 16 960 000
Fonte: A. Bellettini, “La popolazione italiana dall’inizio dell’era volgare ai giorni
nostri: valutazioni e tendenze”. Storia d’Italia, 1973. Apud SORI, 1979: 20.
20
DORE, 1964: 57.
21
ANNINO, 1974: 1239.
22
SORI, 1979: 20-21. O grande volume de saídas resultou da elevada emigração temporânea. As cotas
de emigração definitiva por decênios foram as seguintes: 1861-1870 (18,8%), 1871-1880 (28,3%), 1881-
1890 (55,4%), 1891-1900 (50,6%), 1901-1910 (16,9%), 1911-1920 (25,9%).
474
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
23
ANNINO, 1974: 1245.
24
O passaporte foi instituído pela lei de 13 de Novembro de 1857, cuja validade foi estendida a todo o
reino da Itália após a Unificação.
25
SORI, 1979: 317.
26
ANNINO, 1974: 1245-1246.
27
MANZOTTI, 1969: 59.
28
O medo de convulsão social no campo povoava as mentes das elites agrárias por conta do brigantag-
gio. Ocorrido na região meridional entre 1861-1865, o fenômeno pode ser caracterizado como guerra
social contra os novos governos, o novo sistema econômico e os proprietários. Para estancá-lo, foram
tomadas medidas repressivas duras, que deixavam excessivo espaço ao arbítrio das autoridades judiciá-
rias e militares. Metade do exército (120 mil homens) foi empregada na luta. As perdas humanas foram
superiores àquelas registradas na campanha da unificação. Depois de anos de luta, a repressão obteve
sucesso. Ver CAROCCI, 1995: 366.
475
Paulo César Gonçalves
econômica externa mais atuante, pois o fluxo migratório poderia tornar-se potentís-
simo instrumento de colonização e de desenvolvimento da marinha mercante.
Um dilema, entretanto, persistia no cenário italiano: a emigração deveria ser
lamentada como perda de braços ou considerada como veículo de riqueza nacional?
No final da década de 1880, pari passu ao seu incremento, ocorreu mudança impor-
tante na forma de se encarar o êxodo. Enquanto no governo Depretis a questão redu-
zia-se essencialmente à função de polícia, para Crispi, seu sucessor na presidência do
Conselho de Ministros, o fenômeno ganhava contornos mais amplos e começava a se
apresentar como problema de política externa, exigindo maior presença do Estado na
tutela do emigrante. Diante dessa nova perspectiva, elaborou-se o projeto de lei sobre
a emigração29.
Apresentado pelo governo Crispi em Dezembro de 1887, o projeto enfrentou for-
te oposição no Parlamento. A liberdade de emigrar (salvo as obrigações militares), a
faculdade do Ministério do Interior de limitar o arrolamento e as restrições à ação dos
agentes dividiram os parlamentares e expuseram interesses conflitantes, prolongando
a discussão por cerca de um ano. Os debates na Câmara dos Deputados, às vésperas
da aprovação da lei, ocorreram nos seguintes termos: manutenção do caráter de polí-
cia; liberdade de emigrar e fazer emigrar; regulamentação da atuação dos agentes e
subagentes; condições do transporte dos emigrantes; a emigração como problema
social; os interesses dos proprietários de terras, dos armadores e da marinha mercante.
O Mezzogiorno resistiu tenazmente ao projeto e depois à lei. Nas comissões em
que o mesmo foi discutido, havia vivíssima oposição por parte dos representantes do
Sul, que alegavam não ser possível privar as províncias mais pobres da Itália meri-
dional de um seguro benefício financeiro, ou seja, os ganhos com a intermediação da
emigração. Esse serviço, diziam seus defensores, havia resolvido o problema da
organização, facilitando o êxodo; para eles, os seus adversários eram na verdade
contra a emigração.
No dia 30 de Dezembro de 1888 foi promulgada a lei n.º 5 866, com suas diretri-
zes básicas – liberdade para abandonar a pátria e controle sobre os agentes – explici-
tadas nos dois primeiros artigos.
“Art. 1.º L’emigrazione è libera, salvo gli oblighi imposti ai cittadini dalle leggi. I mili-
tari di prima e secunda categoria in congedo ilimitato, appartenenti all’esercito perma-
nente ed alla milizia mobile, non possono recarsi all’estero, se non ne abbiamo attenuta
licenza dal Ministro della Guerra.
29
MANZOTTI, 1969: 67.
476
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
Art. 2.º Nessuno può arruolare emigranti, vendere o distribuire biglietti per emigrare, o
farsi mediatore fra chi voglia emigrare e chi procuri o favorisca imbarco, s’egli non
30
abbia avuta dal Ministero la patente di agente o dal Prefetto la licenza di subagente” .
30
Lei n.º 5 866, 30 Dicembre 1888. Gazzeta Ufficiale del Regno d’Italia.
31
ANNINO, 1974: 1250.
32
DORE, 1964: 65.
33
ANNINO, 1974: 1253. Sobre a política ativa de recrutamento de europeus, como o subsídio de passa-
gens e os contratos para introdução de imigrantes, ver GONÇALVES, 2008.
477
Paulo César Gonçalves
Anos mais tarde, os grandes proprietários rurais ainda constituíam grupo de pres-
são importante. A Circular Crispi de 1891 era prova disso. Em essência, ordenava
aos prefeitos vetar a concessão de passaporte àqueles que, sob denúncia dos senhores
de terras, não haviam regularizado as pendências dos contratos de aluguel ou mezza-
dria34. Se a emigração era inevitável, ao menos se procurava proibir a fuga dos cam-
pos dos supostos devedores.
No final do século XIX, entretanto, a lei de 1888 já se revelava insuficiente para
deter a emigração. Ao menos em uma questão todos pareciam concordar: a sua inca-
pacidade de tutelar os emigrantes desde a saída da vila ou cidade até o destino final
no outro lado do Atlântico. Uma nova lei fazia-se necessária.
34
Mezzadria: contrato agrário que previa o cultivo de terreno por conta do colono e a divisão, pela
metade, dos rendimentos com o proprietário.
35
DORE, 1964: 66.
478
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
encontraram eco por ocasião do intenso debate que precedeu a lei de emigração de
1901.
Em Julho de 1896, o deputado Pantano apresentava a sua proposta de lei sobre
emigração. Em vista disso, o governo, através de Visconti-Venosta, o ministro do
Exterior, elaborou um projeto alternativo36. A divergência estabelecia-se em matéria
importante. No desenho parlamentar, agências e subagentes ainda eram reconhecidos
juridicamente, apenas incorporavam-se novas regras para combater os abusos. O
projeto do governo suprimia esses dois intermediários, legando às companhias de
navegação e a seus representantes o direito de negociar com o emigrante. O que nor-
teava o primeiro projeto era o conceito de que os agentes favoreciam a concorrência,
enquanto o segundo considerava sua ação danosa ao emigrante.
Em 31 de Janeiro de 1901, promulgou-se a lei n.º 23, na qual os parlamentares
acabaram por ratificar a posição das grandes companhias de navegação contra os
agentes de emigração, substituindo-os pela figura do representante ligado diretamen-
te às empresas autorizadas a transportar emigrantes, os então denominados “vetores
de emigração”. Entretanto, ao deixar o recrutamento e o transporte a cargo das com-
panhias, a lei, preocupada com as condições dos emigrantes, impôs como contrapar-
tida a sua responsabilidade pela tutela do passageiro e instituiu o controle estatal
sobre os preços das passagens. A natureza sócio-econômica da emigração foi reco-
nhecida e, ao mesmo tempo, fortaleceram-se as ambições dos armadores interessados
no fluxo migratório e no desenvolvimento da marinha mercantil.
Em resposta ao senso comum pela necessidade da tutela da emigração por parte
do Estado, a lei de 1901 impôs medidas para propiciar uma “corrente assistencial” ao
emigrante: estabelecimento de comissões nas regiões de emigração; escolta dos emi-
grantes até os portos de embarque (Gênova, Nápoles e Palermo), onde havia escritórios
de proteção e colocação; obrigatoriedade de um inspetor médico em cada vapor; vigi-
lância dos cônsules e embaixadores italianos; e a construção – nunca iniciada – de
alojamentos em Nápoles e Gênova. Definiram-se requisitos técnicos obrigatórios quan-
to à velocidade mínima dos vapores, espaço destinado a cada passageiro e transporte
de bagagens. Finalmente, com o objetivo de tutelar as remessas dos emigrados, insti-
tuiu-se a exclusividade dessas transações para o Banco di Napoli37 – tentativa de
36
Em 27 de Novembro de 1900, o ministro defendeu seu projeto e expôs o pensamento do governo
sobre a emigração: “(...) la emigrazione non dev’essere lasciata al regime sfrenato della speculazione, ma
che deve esser posta sotto il regime della tutela sociale. Accettare l’emigrazione come un fatto del nostro
sviluppo economico, aiutarla, dirigerla, fare di quest’opera un grande servizio pubblico: tale è il concetto
che informa il presente disegno di legge”. Apud FILIPUZZI, 1976: 319-320.
37
A lei n.º 24, sobre a tutela das remessas pelo Banco di Napoli, foi finalizada em 1.º de Fevereiro de
1901, ou seja, um dia após a lei de emigração. Os emigrantes tinham à disposição os seguintes meios
para enviar suas economias para a Itália: vale internacional, vale consular, bancos privados, recibos
italianos do Estado ou de bancos italianos de emissão (Banco d’Italia, Banco di Napoli, Banco di Sici-
lia). Ver DE ROSA, 1980: 109.
479
Paulo César Gonçalves
evitar a concorrência de bancos estrangeiros que teve efeitos modestos, pois apenas
10% das remessas passaram pelo Banco entre 1901-191338.
Constituiu-se o Commissariato Generale dell’Emigrazione (CGE), órgão subor-
dinado ao Ministério do Exterior, com a função de concentrar toda a assistência ao
emigrante e fiscalizar as etapas da emigração39. Juntamente com o Commissariato,
instituiu-se o Fondo per l’emigrazione, destinado a financiar as despesas dos serviços
de emigração com dinheiro proveniente da taxa de patente dos vetores e da taxa de
emigração por passageiro embarcado para o Ultramar40.
Ciente das amplas possibilidades abertas pela emigração, a marinha nacional
pressionou o governo e os parlamentares para que “defendessem os interesses do
reino”, criando condições que permitissem maior participação das companhias italia-
nas no transporte de emigrantes. Até mesmo a defesa do monopólio foi sustentada41.
Apesar de muitas pressões, a lei não estabeleceu a exclusividade do transporte de
emigrantes para os navios italianos. O relatório Luzzatti-Pantano posicionou-se con-
tra esse monopólio, evocando o princípio da concorrência que, segundo eles, não
seria apenas favorável ao emigrante, mas também à própria marinha nacional. Para
os deputados, era maduro o momento de erradicar o tratamento desumano legado
àquele que deixava o país. Mediadores, vetores e órgãos públicos deveriam subordi-
nar-se ao intento de transportar os emigrantes da melhor maneira possível e as exi-
gências das companhias de navegação nacionais não poderiam inaugurar um novo
direito público marítimo baseado na estranha assertiva: “tutto per le compagnie e
niente per gli emigranti”.42
A lei de 1901 definiu quais seriam as orientações da política migratória italiana.
Como instrumento de tutela e controle da emigração revelou-se mais eficaz que a lei
de 1888. Apesar disso, não atacou diretamente a estrutura de mediação, pois os
representantes dos vetores nada mais eram que os antigos agentes. O controle do
preço da passagem pelo Estado permitiu a contenção dos custos intermediários e,
com o passar do tempo, um progressivo melhoramento tecnológico da frota italiana,
sob o efeito positivo da concorrência estrangeira.
O verdadeiro ponto débil da aplicação da lei, contudo, era a tutela do emigrante
no exterior. Isso pode ser verificado através da escassa organização consular, no que
38
SORI, 1979: 124. As críticas a essa exclusividade foram intensas, vindas especialmente do Mezzo-
giorno, onde a execução desse serviço representava a atividade de muitos. Em 10 de Fevereiro de 1900,
o Corriere di Napoli publicou um editorial, analisando o problema das remessas dos emigrantes revelan-
do perplexidade a respeito do remédio proposto pela comissão de substituir os “banqueiros” clandestinos
pelos serviços do Banco di Napoli. Apud FILIPUZZI, 1976: 304-307.
39
Sobre a organização dos órgãos estatais ligados à emigração instituída pela lei de 1901, ver GRISPO, 1985.
40
A taxa de emigração era de 8 liras por posto inteiro, 4 por meio posto e 2 por um quarto. Fonde per
l’emigrazione. Art. 28. Legge sulla emigrazione 31 gennaio 1901. Legge i Decreti Del Regno D’Italia – 1901.
41
MARANGHI, 1898. O opúsculo fazia campanha aberta pela nacionalização do transporte dos emigrantes.
42
Relazione sul progetto di legge sull’emigrazione. Apud CIUFFOLETTI, DEGL’INNOCENTI, 1978: 367.
480
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
Miriam Halpern Pereira, Jorge Alves e Joaquim da Costa Leite sublinham a tra-
dição repressiva de contenção da emigração que prevaleceu em Portugal, ao menos
até às últimas décadas do século XIX44. Contribuíram para isso o poder da monarquia
sobre seus súditos, o medo do despovoamento e a forte influência de importantes
grupos agrários temerosos com a ameaça de redução da mão-de-obra disponível e o
consequente aumento dos salários no campo.
Uma tradição histórica oriunda das Ordenações Filipinas (1603), que estabelecia
a seguinte pena para aqueles “que sem licença do Rei vão ou mandam à Índia, Mina
e Guiné; e dos que indo com licença não guardam seus Regimentos: morrer por isso
morte natural, e por esse mesmo feito perder para Nós todos seus bens”45.
O alvará de 5 de Setembro de 1646 e a lei de 6 de Dezembro de 1660 seguiam as
mesmas orientações restritivas. O primeiro, com punições mais brandas, instituiu o
“sequestro, desnaturamento e perda de honras”; a segunda excluía de suas sanções as
viagens para conquistas, expondo claramente os objetivos da Coroa em relação à
ampliação de seus domínios e de seu comércio pelos mares.
Durante o século XVIII, o caráter proibitivo permaneceu e foram criados novos
entraves institucionais para colocá-lo em prática. A lei de 20 de Maio de 1720 esta-
beleceu que nenhum funcionário poderia dirigir-se ao Brasil sem que fosse despa-
chado na metrópole para qualquer emprego civil, eclesiástico ou servir nas missões.
Os particulares necessitavam justificar com documentos que iam fazer negócio con-
siderável, com fazendas próprias ou alheias, para voltarem ou acudirem a negócios
urgentes ou precisos, podendo apenas, nestes restritos casos e depois de rigorosa
investigação judicial, receberem os passaportes.
A Intendência Geral da Polícia foi instituída pelo alvará de 25 de Junho de 1760,
que também estabeleceu as bases de organização dos registros para facilitar o controle
43
ANNINO, 1974: 1267. Nesse sentido, vale lembrar as observações de Franzina (FRANZINA, 2003:
414) sobre a importância da igreja na tutela do emigrante no exterior, contando inclusive com a aquies-
cência do Estado.
44
PEREIRA, 2002; ALVES, 2001; LEITE, 1987 e 1994 – que apresenta uma posição um pouco mais
matizada em relação a essa repressão.
45
Ordenações Filipinas. Livro V, tít. 107.
481
Paulo César Gonçalves
46
RUSSEL-WOOD, 1998: 163.
47
Carta Constitucional de 1838. Apud LEITE, 2000: 179.
482
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
483
Paulo César Gonçalves
48
Actas da Sociedade de Geografia de Lisboa (6 de dezembro de 1880). Apud ALEXANDRE, 1979: 185.
49
Actas da Sociedade de Geografia de Lisboa (6 de dezembro de 1880). Apud ALEXANDRE, 1979: 186.
50
Actas da Sociedade de Geografia de Lisboa (6 de dezembro de 1880). Apud ALEXANDRE, 1979: 186.
51
Algumas dessas medidas já faziam parte de um estudo realizado pela Sociedade de Geografia de
Lisboa, que elencava os “modos de actuar sobre a emigração para que o paiz tire della a utilidade máxi-
ma” e “evitar a emigração para paizes estrangeiros derivando-a para differentes zonas do paiz, ilhas
adjacentes e provincias ultramarinas, com o fim de melhor aproveitar e desenvolver as suas forças pro-
dutivas”. Programa dos Trabalhos da Commissão D’Emigração da Sociedade de Geographia de Lis-
boa. Lisboa: Typographia do Commercio de Portugal, 1894, p. 9.
484
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
foi aproveitada, dando origem à lei de 25 de Abril de 1907, a tentativa mais completa
de abordagem do fenômeno migratório português até aquele momento.
O texto trazia a definição de emigrante nos termos da lei italiana de 31 de Janeiro
de 1901: um passageiro da última classe dos navios que se dirigia para portos estran-
geiros. Mantinha a exigência de passaporte ao emigrante, além de elevar o seu preço de
2$000 para 7$000 réis. Em contrapartida, dispensava o passaporte para os nacionais
que pretendiam se deslocar até as possessões portuguesas do Ultramar e para aqueles
que se dirigissem ao estrangeiro, desde que não fossem considerados emigrantes.
Numa primeira análise – cabe destacar a necessidade da pesquisa nos anais do
Parlamento – parece que a lei, ao aumentar substancialmente as despesas de obtenção
do passaporte e suprimi-lo para o destino africano, em termos gerais, representou a
consolidação da opção do governo em tentar desviar para as colônias parte do fluxo
migratório que se dirigia majoritariamente ao Brasil.
Em termos práticos, porém, a emigração para África continuou muito inferior em
comparação ao destino brasileiro e, como notaram alguns contemporâneos, o elevado
custo do passaporte acabou por incitar ainda mais a emigração clandestina para a ex-
colônia52. Além disso, a defesa do caminho colonial africano para os emigrantes
jamais gerou unanimidade. Intelectuais e políticos manifestavam-se contrários às
intenções de desviar “artificialmente” o tradicional fluxo destinado ao Brasil, apontan-
do as remessas dos “brasileiros” como importante fator de equilíbrio na balança de
pagamentos do reino53.
Após a proclamação da República, elaborou-se, através de um conjunto de instru-
ções publicadas em 25 de Novembro de 1912, uma interpretação mais refinada da
definição legal de emigrante apontada na lei de 1907. Reflexo, certamente, da inten-
sificação da emigração, sobretudo para o Brasil, que, naquele ano, atingia números
inéditos: cerca de 90 mil pessoas54.
Segundo as instruções, eram considerados emigrantes: todos os nacionais que pre-
tendiam embarcar na 3.ª classe dos navios; a mulher casada que pretendia embarcar em
52
Segundo COSTA (1911), entre 1898 e 1907, os domínios africanos receberam apenas 6% dos emi-
grantes portugueses. Essa proporção deve ter-se mantido em 1908 e 1909, embora a aplicação da lei de
25 de Abril de 1907 não mais permitisse conhecer o número de pessoas deslocadas para África.
53
Oliveira Martins, por exemplo, posicionava-se contra essa alternativa e alertava para o tipo majoritário
de emigrante que se dirigia para a ex-colônia (comerciantes, operários, aprendizes de caixeiros), o prin-
cipal responsável pelo envio das remessas. As possessões africanas, em sua opinião, não ofereciam
oportunidades a essas atividades profissionais, o que acarretaria na perda para Portugal das economias e
poupanças conquistadas em terras brasileiras. Lembrava também que mesmo os agricultores sem recur-
sos, contratados por locação de serviços, conseguiam retornar à pátria com algum dinheiro, o que difi-
cilmente ocorreria se o destino fosse o continente africano. Ver MARTINS, 1978: 214-216.
54
Devido às saídas clandestinas, é muito difícil apontar com precisão os números da emigração portu-
guesa. Considerando as estatísticas da partida, 88 920 emigrantes deixaram o reino; em relação às esta-
tísticas de chegada na América, o montante sobe para 91 719 imigrantes. Ver LEITE, 1987: 478-480.
485
Paulo César Gonçalves
1.ª ou 2.ª classe dos navios ou nas classes internacionais, desacompanhada do mari-
do, se não mostrasse que estava legalmente separada de pessoa e bens; os menores
que pretendiam embarcar nas mesmas classes sem o acompanhamento dos pais ou
tutores; os menores de 40 anos sujeitos ao recrutamento ou ao serviço das tropas
ativas ou de reserva; aqueles que pretendiam embarcar em 1.ª e 2.ª classe com a inten-
ção de estabelecer residência fixa em países estrangeiros do Ultramar55.
A emigração de jovens para fugir do serviço militar constituiu-se em outro ponto
fundamental na visão dos legisladores. Considerado pela Constituição de 1822 como
um “dever de cidadania”, era sentido pela população como um ônus pesado, denomi-
nado significativamente de “tributo de sangue”. Com o aumento do êxodo ao longo
do século XIX, nada mais natural do que relacionar o medo do recrutamento com a
emigração para o Brasil e, portanto, criar instrumentos jurídicos para tentar equacio-
nar o problema56.
A lei de recrutamento de 27 de Julho de 1855, que limitava as isenções do cum-
primento do serviço militar, mas permitia a substituição do recrutado por outra pes-
soa contratada para esse fim, era considerada um fator de fomento da emigração. Em
1859, modificações importantes foram introduzidas com possibilidade de se pagar
pela remissão da obrigatoriedade de servir ao exército e pela expansão da faixa etá-
ria, na qual nenhum rapaz com idade entre 14 a 21 anos poderia obter passaporte e se
dirigir ao estrangeiro sem dar fiança para garantir que se apresentaria ou se faria
substituir caso fosse chamado para o serviço militar57.
Durante a eclosão do conflito mundial, quando a questão militar estava na ordem
do dia, a lei de 30 de Junho de 1914, regulamentada em Agosto do mesmo ano,
imprimiu um caráter pecuniário aos procedimentos que autorizavam a emigração dos
maiores de 14 anos, sujeitos ao serviço militar, com exceção dos praças das tropas
ativas e da reserva. Esses indivíduos não poderiam obter passaporte nem bilhete de
identidade para se dirigir ao estrangeiro sem a comprovação de haver pago a taxa de
30$000 réis, além das 20 anuidades da parte fixa da taxa militar ou as que lhes falta-
vam para terminar o serviço.
Cabe ressaltar que os dispositivos legais elaborados no período republicano rela-
cionados à emigração mantiveram a isenção de todas as exigências para aqueles que
55
Instruções de 25 de Novembro de 1912. Apud PEREIRA, SANTOS, 2009: 310.
56
MONTEIRO, 2007. A análise da autora é bastante original, pois relativiza a influência do recrutamen-
to militar na emigração, ressaltando que o discurso liberal indicava como causa principal da emigração o
exército e as más condições oferecidas aos soldados, pois revelar outras razões ligadas à miséria e à falta
de condições oferecidas dentro do país seria admitir o fracasso das reformas apregoadas pelo liberalismo.
57
Em 1887, a nova lei de recrutamento impôs o caráter pessoal e obrigatório do serviço militar, acaban-
do com as remissões e substituições. Quatro anos depois, o mecanismo das remissões a dinheiro foi
reposto. O problema seria novamente abordado na lei de 25 de abril de 1907, que dispunha sobre as
condições em que poderiam deixar o país os maiores de 14 anos ainda sem obrigações militares.
486
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
58
PEREIRA, SANTOS, 2009: 312.
59
Escrevendo no primeiro ano da República, Afonso Costa observou que a legislação portuguesa sempre
se inspirou no critério proibitivo da emigração: de forma direta quanto àquela que se fazia clandestina-
mente e, de forma indireta, por meio de passaportes, imposições e taxas, em relação ao fluxo legal. Ver
COSTA, 1911.
487
Paulo César Gonçalves
488
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
Fontes e Bibliografia
Fontes
Bibliografia
489
Paulo César Gonçalves
490
À sombra da lei. Notas sobre a política de emigração em Portugal e Itália (1850-1920)
491
L’EMIGRAZIONE ITALIANA VERSO IL BRASILE:
TENDENZE E DIMENSIONI (1870-1975)1
Introduzione
1
Lavoro effettuato nell'ambito della Collaborazione tra l’Istituto di Ricerche sulla Popolazione e le
Politiche Sociali del CNR (IRPPS-CNR) e il Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
(CEPESE) nel quadro dell'accordo di cooperazione scientifica tra CNR e FCR.
493
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
di un flusso che ha costituito un elemento importante nella storia, non solo migrato-
ria, dei due paesi. A tale scopo, dopo un esame delle statistiche utilizzate, si passerà a
descrivere le tendenze di lungo periodo del fenomeno, per dedicare le ultime due
parti del lavoro all’analisi delle regioni italiane di partenza e a quella degli stati brasi-
liani d’arrivo.
2
ISTAT, 1975.
494
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
precedente residenza) degli emigranti. Per quanto riguarda, invece, i rimpatriati dai
paesi extraeuropei la rilevazione si è basata dal 1905 al 1920 sulle liste nominative di
bordo, dal 1921 al 1954 sulle cedole statistiche inserite nei passaporti e sulle liste di
bordo, dal 1955 al 1968 sulle sole liste di bordo e dal 1969 su accertamenti dei
comuni di residenza in Italia.
Questi cambiamenti nelle definizioni e nelle modalità di rilevazione hanno sicu-
ramente degli effetti importanti sulla comparabilità dei dati, specie su un intervallo di
tempo ampio come quello considerato nel presente lavoro. Nel complesso, comun-
que, le diverse modifiche introdotte hanno puntato a un miglioramento dei sistemi di
rilevazione per consentire una più precisa misurazione del fenomeno migratorio. I
dati relativi ai nulla osta, ad esempio, tendevano, per diverse ragioni, a sovrastimare
la reale intensità del flusso in uscita. Il numero dei passaporti risultava, infatti, sem-
pre inferiore a quello dei nulla osta concessi, perché in alcuni casi il documento non
veniva ritirato dalle persone che non avevano più intenzione di emigrare o perché,
nonostante il parere favorevole, non veniva rilasciato dalle autorità per motivi di
ordine pubblico3.
Il passaggio, avvenuto nel 1904, a statistiche basate sui registri dei passaporti
tenuti dagli Uffici circondariali di Pubblica Sicurezza rappresentò un indubbio
miglioramento (Ibidem). Restavano ancora, però, ampi margini di differenza tra dato
statistico e intensità del fenomeno4. Il rilascio del passaporto, infatti, non implicava
necessariamente l’emigrazione, i trasferimenti senza passaporto crescevano
all’aumentare del numero di stati che non richiedevano tale documento, non sempre
era possibile stabilire con esattezza il paese di destinazione e, vista la durata triennale
del passaporto, erano possibili più spostamenti all’estero di una stessa persona.
Il cambiamento successivo, che per i flussi verso i paesi extraeuropei significò
nel 1921 il passaggio a statistiche basate sulle cedole statistiche inserite nei passapor-
ti da ritirare al momento della partenza e sulle liste di bordo, permise di ovviare a
queste lacune della rilevazione. Le aree critiche che restavano riguardavano
l’emigrazione clandestina, gli espatri plurimi nel corso dell’anno, l’utilizzo di passa-
porti concessi per motivi diversi dall’emigrazione e l’inefficacia dei controlli alla
frontiera. Secondo il Commissariato Generale dell’Emigrazione, però, questi pro-
blemi riguardavano soprattutto i flussi diretti verso i paesi europei.
L’introduzione di questi nuovi criteri di rilevazione coincise con il passaggio de-
lla responsabilità della rilevazione al Commissariato Generale dell’Emigrazione. In
effetti, il Commissariato, istituito nel 1901, aveva iniziato una propria autonoma
rilevazione dei flussi transoceanici nel 1902 basandosi proprio sulle liste di bordo5 e
3
COMMISSARIATO…, 1926.
4
COMMISSARIATO…, 1926.
5
BIRINDELLI, NOBILE, 1996.
495
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
6
COMMISSARIATO…, 1926; BIRINDELLI, NOBILE, 1996.
7
COMMISSARIATO…, 1925. Secondo questi dati le partenze verso il Brasile scendono dalle 4 mila
unità del Marzo 1902 alle 1 500 dell’Aprile e alle circa 600 del Maggio di quell’anno.
8
OSTUNI, ROSOLI, 1978.
496
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
9
LEVY, 1974.
10
Per gli anni 1872-1883 i dati sono di fonte diversa e sono tratti dal Boletim Commemorativo da Expo-
sição Nacional de 1908, per il periodo 1884-1967 sono ripresi da diverse edizioni dell’Anuário Estatísti-
co do Brasil, mentre dal 1968 al 1971 sono stati forniti all’autrice direttamente dalla Divisão Nacional de
Migração del Ministero del Lavoro e della Previdenza Sociale.
11
WILLCOX, 1929.
12
USIGLIO 1910; TRENTO 1984; DE ROSA 1988.
13
USIGLIO, 1910; WILLCOX, 1929.
14
WILLCOX, 1929.
15
LEVY, 1974.
497
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
fornire alle autorità competenti le liste dei passeggeri. Dopo il 1908 la serie fornisce
informazioni per un più ampio ventaglio di nazionalità; mentre, a partire dal 1921,
considera i passeggeri di seconda e terza classe arrivati nei porti di Belem, Recife,
San Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Paranaguá, Florianopolis e Rio Grande16.
Come si vede, anche la serie brasiliana presenta cambiamenti negli enti preposti
alla raccolta dei dati, nelle definizioni e nella copertura del fenomeno. Si tratta, in
tutta evidenza, di dati da prendere con grande cautela ma che possono aiutarci a una
quantificazione di massima dell’intensità del fenomeno. In questo senso è da sottoli-
neare che, come vedremo più avanti, il confronto tra la serie italiana e quella brasi-
liana mostra una sostanziale concordanza di andamento. Un risultato confortante, che
conferma come i dati statistici disponibili possono dare un utile contributo
all’inquadramento complessivo della storia dell’immigrazione italiana verso il Brasi-
le, visto che un certo margine di differenza tra la misurazione di uno stesso flusso
migratorio dal lato del paese di partenza e da quello del paese d’arrivo è inevitabile,
tenuto conto delle diversità di definizioni e di modalità di rilevazione.
In base a quanto emerso dalla precedente analisi delle fonti, è chiaro che le rile-
vazioni delle migrazioni con l’estero consentono solo di avere una stima di massima
della reale consistenza delle partenze e dei rientri degli italiani che hanno varcato le
frontiere anno dopo anno. Pur con tutte le cautele nell’uso di questi dati, la constata-
zione che nell’arco di quasi cento anni (1876-1972) la mobilità in uscita raggiunga la
non trascurabile entità di più di 25milioni e 700mila spostamenti testimonia di per sé
l’importanza che le migrazioni hanno avuto nel quadro di lungo periodo dello svi-
luppo socio-economico del Paese. Si tratta ovviamente di un dato di sintesi che nas-
conde al suo interno le cadenze temporali e le diversificazioni intervenute nelle
destinazione dei flussi, al lordo dei rientri siano essi stati definitivi o iterativi. Osser-
vando l’andamento temporale di lungo periodo congiuntamente alle destinazioni
articolate per macroaree (grafico n.º 1), appaiono tre distinte fasi, intercalate dalle
vicende belliche collegate alla prima e alla seconda guerra mondiale.
Nella prima fase (1876-1914) si assiste ad un progressivo incremento dei flussi in
uscita: nei primi anni le persone che vanno all’estero per motivi di lavoro oscillano
intorno alle 100 mila unità ma il progressivo aumento dei valori dalla seconda metà
degli anni ’80 fa sì che agli inizi del ’900 si registri un deflusso di mezzo milione
persone, destinato a stabilizzarsi successivamente sulle 600-700 mila unità annue: nel
16
WILLCOX, 1929.
498
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
1913 si raggiunge il massimo assoluto di circa 872 mila espatri. Se si tiene presente
che la popolazione italiana censita è costituita nel 1881 da circa 28 milioni e 500 mila
persone e nel 1911 da circa 34 milioni e 700 mila persone, la constatazione che in
questa fase di emigrazione di massa si siano registrati circa 13 milioni e 900 mila
spostamenti segnala la coesistenza di due diversi profili migratori: il primo si collega
ad un progetto che prevede lo sradicamento definitivo o di lunga durata dalla terra di
origine con l’eventuale coinvolgimento di interi nuclei familiari mentre il secondo si
materializza nella reiterazione di spostamenti a termine oltre confine finalizzati ad
una integrazione delle magre risorse familiari, connotandosi quindi come un modello
decisionale per così dire endemico cui ricorrere quando peggiorano le condizioni
economiche. Si può presumere che la prima tipologia abbia caratterizzato gli espatri
verso le Americhe che attraggono dal 1886 in poi più della metà degli espatri (grafico
n.º 2): si intessono in tal modo collegamenti a lungo raggio che vedono come iniziali
poli attrattivi l’Argentina e il Brasile, cui si sostituiscono gli Stati Uniti con gli inizi
del Novecento.
Grafico n.º 1
Emigrazione italiana (1876-1975)
Ma quali sono i fattori che hanno causato questo esodo di massa, non più rinvenibile
per intensità e durata nei decenni successivi? Appare manifesto che nell’aggrovigliato
intreccio tra vicende individuali e fatti collettivi, cioè nella transizione dal micro
cosmo delle storie familiari al livello macro, dove vengono scanditi i tempi e i modi
499
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
Grafico n.º 2
Emigrazione italiana verso le Americhe (in % del totale) e verso
il Brasile (in % destinazioni verso le Americhe), 1876-1975
Al fine di tracciare una sintesi di alcuni degli elementi più salienti della fase in
esame, si può ricordare che la sanzione formale dell’unità statale risale al 1861 con la
costituzione del Regno d’Italia. Negli anni che intercorrono tra l’unificazione e la chiu-
sura del secolo XIX si gettano le basi per il successivo processo di industrializzazione.
Si cerca in primo luogo di estendere la rete viaria, stradale e soprattutto ferroviaria,
facilitando in tal modo l’integrazione dei mercati locali e regionali nel più ampio con-
testo nazionale, condizione necessaria per la formazione e la circolazione dei prodotti
non solo all’interno del paese ma anche oltre frontiera. Il commercio con l’estero, faci-
litato da un orientamento politico di impostazione liberista, riceve un notevole impulso,
inserendo l’Italia nei circuiti internazionali quale fornitrice di prodotti agricoli e mani-
fatturieri semi-lavorati, tipici di una industria ancora legata ad una economia rurale.
Tuttavia, con la seconda metà degli anni’70, l’Italia entra in pieno nel vortice de-
lla depressione economica, iniziatasi in Europa già nel 1873 in corrispondenza della
forte concorrenza esercitata dalle importazioni di prodotti agricoli extra-continentali.
Per arginare la caduta dei prezzi delle derrate alimentari, il governo ricorre a misure
500
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
501
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
una comune area di origine. Con il 1890, viceversa, sono le piantagioni di caffè dello
Stato di São Paulo e di Minas Gerais ad essere in piena espansione, anche in virtù di
una fase molto favorevole di esportazione all’estero del prodotto. Le aree a vocazio-
ne agricola basata sulla produzione del caffè assumono un notevole ruolo attrattivo:
forte è la carenza di mano d’opera locale, in parte collegata alla definitiva abolizione
della schiavitù nel 1888 e il potere politico dei produttori del caffè si rafforza anche
per il trasferimento ai singoli stati delle competenze nell’ambito di politica migrato-
ria. São Paulo è in sostanza l’unico Stato che può disporre delle risorse necessarie per
garantire il mantenimento degli incentivi economici finalizzati a promuovere l’arrivo
di mano d’opera straniera.
Da un confronto dei dati estratti dalle due fonti statistiche del paese di partenza e di
quello di arrivo (grafico n.º 3), si può in primo luogo notare una discrepanza,
generalmente di segno positivo, tra i dati registrati in Brasile e quelli di fonte italiana:
come si è già osservato (infra, § 2), questo scarto è riflette la consistenza degli espatri non
rilevabili in Italia, collegati principalmente a partenze da porti esteri, ad imbarchi in prima
e seconda classe, alla casistica di persone occupate sulla nave durante la traversata.
Grafico n.º 3
Consistenza dell'emigrazione italiana in Brasile secondo le statistiche
dei due Paesi di partenza e di arrivo (1876-1975)
Fonte: per l’Italia vedi gráfico n.º 1, per il Brasile dati pubblicati in Levy (1974) e
dall’Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica.
502
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
concomitanza tra l’abolizione della schiavitù e il forte rialzo degli arrivi (1888)
suggerisce l’efficacia delle azioni per così dire promozionali messe in opera a tempo
debito dagli emissari reclutatori nelle aree di emigrazione. Il decremento dei due anni
successivi si collega, viceversa, al decreto Crispi del Marzo del 1889 che sospende
l’emigrazione sovvenzionata verso il Brasile: il calo delle partenze è rintracciabile
più dai dati italiani che da quelli brasiliani forse perché gli emigrati si imbarcano nei
porti francesi. Il successivo rialzo del 1891 è chiaramente collegato con la cessazione
del divieto di emigrare verso il Brasile mentre la nuova ripresa del 1897 riflette il
potere trainante indotto dagli sforzi finanziari di alcuni stati brasiliani (São Paulo,
Minas Gerais ed Espirito Santo) finalizzati a incentivare l’immigrazione. Agli inizi
del 1900 si innesta, però, una profonda crisi della industria del caffè che comporta il
fallimento di numerosi fazendeiros. Il Commissariato dell’Emigrazione invia ispettori
sia nelle colonie italiane sia nelle fazendas: ne emerge un quadro preoccupante sulle
condizioni di vita e sugli episodi di sfruttamento della manodopera, per cui il governo
italiano emana, nel Marzo del 1902, il decreto Prinetti-Bodrio. Con questo
provvedimento, che rimane in vigore fino allo scoppio della prima guerra mondiale,
viene sospesa una licenza speciale concessa ad alcune compagnie di navigazione per il
trasporto gratuito di emigranti italiani in Brasile. Si deve tener presente che le compagnie
di navigazione organizzano una diffusa rete di agenti, che hanno il compito di
propagandare una visione allettante delle condizioni di lavoro e di vita nella realtà
brasiliana, e reclutare, dietro compenso, il maggior numero possibile di persone da
imbarcare sulle navi dirette a Rio de Janeiro e a Santos.
Negli anni successivi le alternanze di rialzi e di cali sono intrecciate con le
vicende di espansione e di crisi nella produzione ed esportazione del caffè ma il forte
potere attrattivo del Brasile quale polo centripeto di afflusso è destinato a smorzarsi,
soppiantato dalle più favorevoli prospettive di lavoro offerte dalla notevole
espansione industriale degli Stati Uniti (grafico n.º 2).
Si assiste, inoltre, al paradosso della concomitanza tra i valori più elevati registrati
nella storia migratoria dell’Italia ed un ciclo economico estremamente favorevole. In
effetti, l’agricoltura attraversa una lunga fase di crescita produttiva, sostanzialmente
localizzata nella pianura Padana: nel centro-sud del Piemonte e della Lombardia,
nelle aree bonificate del Veneto e dell’Emilia si allargano le aree coltivate a frumen-
to, si migliorano le condizioni di produzione del riso, si arricchisce il patrimonio
zootecnico. In questo stesso contesto geografico si solidifica il processo di industria-
lizzazione: accanto alle manifatture tradizionali (industrie tessili e cotoniere, setifici)
si sviluppano le industrie metallurgiche, meccaniche e chimiche; si diffonde sempre
più l’introduzione dell’energia idroelettrica e sorgono i primi nuclei di siderurgia a
ciclo integrale. La compenetrazione tra gli insediamenti industriali e le aree agricole
si accompagna ad un intenso processo di urbanizzazione. In sostanza la mancata
503
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
disseminazione dello sviluppo nel resto della penisola comporta la progressiva emar-
ginazione di vaste aree agricole, dove lo squilibrio strutturale tra popolazione e risor-
se viene risolto con il ricorso all’emigrazione fuori frontiera.
Nella fasi tra le due guerre mondiali l’emigrazione verso il Brasile sembra
riprendere il ritmo dell'anteguerra, sia pure con valori molto più contenuti ma si tratta
di una ripresa destinata a smorzarsi con la seconda metà degli anni’20. Sullo sfondo
della grave depressione economica, che tocca il suo acme tra 1929 e il 1933, diventa
difficile emigrare anche verso le tradizionali mete transoceaniche come gli Usa, che
adotta una politica di contingentamento dei flussi in base ad un criterio selettivo delle
nazionalità o l'Argentina dove vengono varati provvedimenti restrittivi tendenti a
rafforzare i controlli allo sbarco introducendo vari requisiti di idoneità (passaporto con
foto, attestazioni di mancanza di pendenze penali, la non mendicità, la sanità mentale).
D'altra parte è lo stesso governo fascista che, tra il 1927 e il 1931, adotta una serie di
misure finalizzate a bloccare l'emigrazione permanente e a limitare quella temporanea.
A chiusura della seconda guerra mondiale, probabilmente sulla scia di pregresse
catene migratorie che fungono da ancoraggio per superare le difficoltà inerenti il
recupero economico post-bellico, riappare nuovamente una contenuta ripresa del potere
attrattivo del Brasile, destinato tuttavia a perdere progressivamente di vigore dalla metà
degli anni’50. A fronte di un generale indebolimento degli sbocchi transoceanici
cresce il richiamo esercitato dai mercati di lavoro appartenenti alle economie europee
più sviluppate, anche se l'esperienza migratoria italiana sta lentamente volgendo al
termine, sostituita dai flussi emergenti dai paesi in via di sviluppo.
504
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
anche quelli in cui il Veneto dà il contributo relativo più importante al flusso tra Italia
e Brasile, arrivando a contare, rispettivamente, per il 62,9, il 73,5 e il 64,6% del tota-
le. Nel 1895 questo valore scende, invece, al 36,1% dell’intero flusso, quota ancora
ragguardevole ma che segnala una progressiva perdita d’importanza della regione
rispetto ad altre aree d’origine. In effetti, nel primo quindicennio del Novecento,
l’emigrazione veneta è ormai quasi sistematicamente superata da quella proveniente
dalla Campania e dalla Calabria.
Grafico n.º 4
Espatriati in Brasile per regione di provenienza (1878-1914)
Grafico n.º 5
Espatriati in Brasile dalle principali regioni di provenienza (1878-1914)
80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
8 0 2 4 6 8 0 2 4 6 8 0 2 4 6 8 0 2 4
7 8 8 8 8 8 9 9 9 9 9 0 0 0 0 0 1 1 1
8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 9 9 9 9 9 9 9 9
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
505
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
Quadro n.º 1
Movimento migratorio tra Italia e Brasile per ripartizione e
Principali regioni di origine e destinazione (1878-1914)
Rapporto
Espatriati Espatriati Rimpatriati Saldo migratorio
Ripartizioni rimp./esp.
(1878-1914) (1905-1914) (1905-1914) (1905-1914)
e (1905-1914)
regioni Valori Media Valori Media Valori Media Valori Media
%
Assol. annua Assol. annua Assol. annua Assol. annua
Nord Ovest 153 492 4 148 31 725 3 173 19 270 1 927 -12 455 -1 246 60,7
Lombardia 104 979 2 837 16 168 1 617 10 738 1 074 -5 430 -543 66,4
Nord Est 421 913 11 403 35 654 3 565 27917 2 792 -7 737 -774 78,3
Veneto 362 652 9 801 28 287 2 829 21 286 2 129 -7 001 -700 75,3
Centro 130 740 3 534 26 939 2 694 21 722 2 172 -5 217 -522 80,6
Toscana 78 409 2 119 16 457 1 646 11 050 1 105 -5 407 -541 67,1
Mezzogiorno 515 422 13 930 142 837 14 284 57 418 5 742 -85 419 -8 542 40,2
506
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
Il periodo tra le due guerre vede, come già sottolineato, una consistente riduzione
nell’intensità del flusso: da una media annua di 33 mila espatriati scendiamo, infatti,
a 5 mila. Nel ventennio compreso tra 1919 e 1939 è sempre il Veneto a far registrare
il numero maggiore di partenze, ma si arriva appena a 23 mila unità. Seguono da
presso la Calabria (22 mila), la Campania (15 mila), la Toscana (10 mila), la Basili-
cata (7 mila) e la Lombardia (4 mila). I valori sono, come si vede, molto più vicini di
quanto non avveniva nel periodo precedente, anche se appare sostanzialmente con-
fermata quella maggiore concentrazione del flusso tra Italia e Brasile in alcune
determinate regioni di partenza (gráfico n.º 6). Con la ripresa dell’emigrazione dopo
la stasi bellica si registra nuovamente una prevalenza della corrente veneta nel flusso
diretto in Brasile. In particolare, tra il 1921 e il 1924 è dalla regione del Nord Est che
parte il maggior numero di emigranti diretto nel paese latino americano. Siamo però
su valori molto più contenuti di quelli registrati nel momento di massima intensità:
dalle 70 mila unità del 1888 e del 1891 siamo ora scesi al più alle 5 mila partenze del
1923; cifra, per altro, non molto più elevata di quelle che si registravano negli anni
immediatamente precedenti il primo conflitto (gráfico n.º 7). Con la fine degli anni
Venti e l’arrivo della crisi economica mondiale i valori si riducono ulteriormente,
mentre si stabilizza una prevalenza delle partenza dalla Calabria, con valori modesti
che oscillano tra le 300 e le 600 unità.
507
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
Grafico n.º 6
Espatriati in Brasile per regione di provenienza (1919-1939)
Grafico n.º 7
Espatriati in Brasile dalle principali regioni di provenienza (1919-1939)
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
9 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9
1 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3
9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
508
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
54,4%. E’ probabile che a questa forte riduzione abbia contribuito il minor peso dei
due fattori di distorsione individuati in precedenza, e cioè il più contenuto numero di
ritorni senza indicazione della regione di destinazione e un minor peso dei ritorni di
persone emigrate prima dell’inizio della rilevazione. Nel periodo esaminato, comun-
que, il valore complessivo del rapporto tra ritorni e partenze è per l’intero paese del
50%, arriva al 99% per il Nord Ovest, al 64,7% per il Centro, al 46,6% per il Mezzo-
giorno e al 37,6% per il Nord Est.
Quadro n.º 2
Movimento migratorio tra Italia e Brasile per ripartizione e
principali regioni di origine e destinazione (1919-1939)
Rapporto
Ripartizioni e Espatriati Rimpatriati Saldo migratorio rimp./esp.
Regioni (1919-1939) (1919-1939) (1919-1939) (1919-
1939)
Val .ass. Media an. Val .ass. % Val .ass. Media an. %
Nord Ovest 8 453 403 8 369 399 -84 -4 99,0
Lombardia 4 103 195 3 454 164 -649 -31 84,2
Nord Est 28 253 1 345 10 631 506 -17 622 -839 37,6
Veneto 23 284 1 109 8 002 381 -15 282 -728 34,4
Centro 13 527 644 8 748 417 -4 779 -228 64,7
Toscana 10 455 498 6 105 291 -4 350 -207 58,4
Mezzogiorno 53 087 2 528 24 719 1 177 -28 368 -1 351 46,6
Abruzzo Molise 3 512 167 1 722 82 -1 790 -85 49,0
Basilicata 7 045 336 2 555 121,7 -4 490 -214 36,3
Campania 15 091 719 8 426 401 -6 665 -317 55,8
Calabria 21 827 1 039 8 534 406 -13 293 -633 39,1
Non indicato 1 659 79 406 19 -1 253 -60 24,5
Totale 104 979 4 999 52 873 2 518 -52 106 -2 481 50,4
Fonte: elaborazioni su dati Istat.
Per l’ultimo periodo in esame, quello compreso tra la fine del secondo conflitto e
il 1975, la distribuzione combinata della espatriati e dei rimpatriati per paese di desti-
nazione e di origine e regione di partenza e d’arrivo è disponibile solo a partire dal
1951, nel primo caso, e dal 1952 nel secondo. Mentre i due flussi totali sono stati rile-
vati, come si è visto nel paragrafo precedente, già dal 1946. Si tratta nel complesso di
25 mila espatriati verso il Brasile e di quasi 8 600 ritorni dal paese latino americano che
i nostri dati per regione non possono prendere in considerazione. Quelli dell’immediato
dopoguerra sono anni in cui il flusso verso il Brasile conosce una tendenza crescente
che, comunque, si arresterà già a partire dal 1952. Nel complesso, l’intensità del feno-
meno conosce un ulteriore contenimento rispetto al periodo precedente, con una media
annua di espatriati di circa 4 mila unità tra 1946 e 1975 e di quasi 3 900 tra 1951 e
1975. Anche in questa fase si registra una crescita del flusso all’inizio del periodo,
509
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
una sua rapida contrazione e una stabilizzazione su valori decisamente modesti nella
parte finale.
La regione che dà il contributo maggiore all’emigrazione verso il Brasile nel se-
condo dopoguerra è la Campania con circa 17 mila unità. Seguono la Calabria (14
mila), il Lazio (9 mila), gli Abruzzi e il Molise con circa 8 mila unità, come il Vene-
to, e la Lombardia (6 mila) (grafico n.º 8). Anche in questo caso, con poche eccezio-
ni, appare quindi confermata quella geografia dell’emigrazione italiana verso il
Brasile che sin dai primi momenti aveva caratterizzato il fenomeno. Tra il 1951 e il
1954 è la Campania a inviare il maggior numero di emigranti, mentre dal 1955 in poi
i valori per Calabria e Campania saranno sostanzialmente equivalenti. In effetti, a
partire dal 1962 i valori saranno talmente modesti che solo in alcuni casi il numero di
espatriati da una singola regione supererà le 100 unità (grafico n.º 9).
Grafico n.º 8
Espatriati in Brasile per regione di provenienza (1951-1975)
Anche tra 1951 e 1975 è il Mezzogiorno a far registrare il più alto numero di par-
tenze verso il Brasile, con 54 mila unità pari al 56% del totale (quadro n.º 3). La stes-
sa perdita migratoria è in larga parte attribuibile alle regioni del Sud, che con un
eccesso di partenze sui ritorni di quasi 35 mila unità pesano per il 66% del saldo totale.
510
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
Grafico n.º 9
Espatriati in Brasile dalle principali regioni di provenienza (1951-1975)
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 1 2 3 4 5
5 5 5 5 5 5 5 5 5 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 7 7 7 7 7 7
9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
Quadro n.º 3
Movimento migratorio tra Italia e Brasile per ripartizione e
principali regioni di origine e destinazione (1951-1975)
Rapporto
Espatriati Rimpatriati Saldo migratorio
Ripartizioni e rimp./esp.
(1951-1975) (1952-1975) (1952-1975)
regioni (1952-1975)
Val .ass. Media an. Val .ass. Media an. Val .ass. Media an. %
Nord Ovest 12 121 485 6 015 251 -4 826 -201 55,5
Lombardia 6 494 260 3 106 129 -2 673 -111 53,7
Nord Est 13 684 547 6 377 266 -5 556 -232 53,4
Veneto 7 868 315 3 592 150 -3 222 -134 52,7
Centro 15 874 635 6 768 282 -7 387 -308 47,8
Lazio 8 852 354 3 806 159 -4 386 -183 46,5
Toscana 4 647 186 2 115 88 -1 739 -72 54,9
Mezzogiorno 54 399 2 176 15 689 654 -34 748 -1 448 31,1
Abruzzo Molise 8 188 328 2 124 89 -5 553 -231 27,7
Campania 17 097 684 5 132 214 -10 682 -445 32,5
Calabria 14 477 579 3 693 154 -9 417 -392 28,2
Non indicato 953 38 470 20 -12 -1 97,5
Totale 97 031 3 881 35 319 1 472 -52 529 -2 189 40,2
Fonte: elaborazioni su dati Istat.
Nel complesso il rapporto tra rimpatriati ed espatriati scende di circa dieci punti
percentuali, con una diminuzione vistosa nel Mezzogiorno che fa registrare un
31,1%, valore di oltre 15 punti inferiore a quello del periodo precedente. Ancora più
netto il calo nel Nord Ovest, in cui il rapporto scende al 55,5%, e nel Centro (47,8%).
511
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
512
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
Quadro n.º 4
Stime consolari delle collettività italiane negli stati del Brasile, 1906-1910(a)
Italiani
Stati Pop. Totale (1908) % % Data stima
v. ass.
sulla pop. totale per stato (b)
Alagoas 785 000 150 0,0 0,0 nov. 1907
Amazonas 379 000 2 000 0,5 0,2 nov. 1907
Baía 2 287 000 34 000 0,15 0,3 sett. 1906
Ceará 886 000 350 0,0 0,0 nov. 1907
Espírito Santo 297 000 50 000 16,8 3,8 gen. 1907
Maranhão 562 000 100 0,0 0,0 nov. 1907
Minas Gerais 3 960 000 90 000 2,3 6,8 dic. 1907
Pará 568 000 2 000 0,4 0,2 nov. 1907
Paraíba 520 000 600 0,1 0,0 nov. 1907
Paraná 406 000 20 000 4,9 1,5 nov. 1906
Pernambuco 1 310 000 700 0,1 0,1 nov. 1907
Piauí 400 000 30 0,0 0,0 nov. 1907
Rio de Janeiro 968 000 50 000 5,2 3,8 ott. 1907
Distrito Federal 858 000 25 567 (c) 3,0 1,9 20 sett. 1906
Rio G. do Norte 279 000 70 0,0 0,0 nov. 1907
Rio G. do Sul 1 400 000 250 000 17,9 18,9 dic. 1908
Santa Catarina 353 000 30 000 8,5 2,3 1906
São Paulo 3 397 000 800 000 23,6 60,4 1908
Altri stati 900 000 .. .. .. -
Brasile 20 515 000 1 500 000 (d) 7,3 100,0 1910
Note: (a) la stima per il Brasile non coincide con la somma dei valori relativi ai singoli stati; (b) i valori
sono stati calcolati in rapporto alla somma delle stime dei singoli stati pari a 1 325 067 unità; (c)
valore censuario; (d) stima dei funzionari dell’emigrazione.
Fonte: Commissariato Generale dell’Emigrazione (1912).
Nel caso del Brasile il conflitto si mostrò in tutta la sua evidenza in occasione de-
lla Grande Naturalizzazione prevista dalla Costituzione del 1891, con la concessione
della cittadinanza a tutti gli stranieri presenti nel paese il giorno della proclamazione
della Repubblica (15 Novembre 1889) a meno di un’apposita dichiarazione di voler
mantenere la cittadinanza precedente20. L’Italia cercò di opporsi a questo provvedi-
mento ma con risultati modesti: “il potere della distanza geografica, l’ignoranza dei
braccianti delle fazendas, le intimidazioni effettuate dalle autorità locali e la sostan-
ziale indifferenza delle élite immigrate urbane […..] fanno sì che la Grande Natura-
lizzazione consegua sostanzialmente i suoi obiettivi”21.
19
PASTORE, 2002.
20
ROSOLI, 1986.
21
PASTORE, 2002: 8.
513
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
Quadro n.º 5
Collettività italiana ai censimenti brasiliani, 1920-1970 (a)
% su pop.
Stati Valore assoluto % per stato % su pop. totale
straniera
1920
São Paulo 398 797 71,4 48,1 8,7
Rio Grande do Sul 49 136 8,8 32,5 2,3
Minas Gerais 42 943 7,7 50,1 0,7
Distrito Federal 21 929 3,9 9,2 1,9
Espirito Santo 12 553 2,2 66,9 2,7
Rio de Janeiro 10 000 1,8 19,7 0,6
Paraná 9 046 1,6 14,4 1,3
Santa Catarina 8 062 1,4 25,8 1,2
Totale 555 028 98,9 37,6 3,2
Brasile 558 405 100,0 35,7 1,8
1940
São Paulo 234 550 72,1 28,8 3,3
Rio Grande do Sul 24 603 7,6 22,5 0,7
Minas Gerais 18 819 5,8 41,3 0,3
Distrito Federal 17 457 5,4 7,6 1,0
Paraná 8 456 2,6 12,7 0,7
Espirito Santo 6 670 2,1 61,0 0,9
Santa Catarina 5 382 1,7 19,8 0,5
Rio de Janeiro 5 311 1,6 13,7 0,3
Totale 323 391 98,8 24,0 1,3
Brasile 325 283 100,0 23,1 0,8
1950
São Paulo 173 652 71,7 25,0 2,1
Distrito Federal 17 092 7,1 8,1 0,8
Rio Grande do Sul 15 003 6,2 19,2 0,4
Minas Gerais 11 704 4,8 35,6 0,2
Paraná 10 276 4,2 13,4 0,5
Rio de Janeiro 4 171 1,7 10,9 0,2
Espírito Santo 3 827 1,6 58,8 0,4
Santa Catarina 2 996 1,2 15,7 0,2
Totale 240 168 98,5 20,7 0,8
Brasile 242 279 100,0 20,0 0,5
1970
São Paulo 108 633 71,1 15,4 0,6
Guanabara 15 007 9,8 6,6 0,4
Paraná 7 523 4,9 9,3 0,1
Rio Grande do Sul 6 221 4,1 12,2 0,1
Minas Gerais 5 227 3,4 20,6 0,0
Rio de Janeiro 3 849 2,5 6,7 0,1
Totale 150 128 95,9 12,8 0,3
Brasile 152 801 100,0 12,4 0,2
Nota: (a) i dati comprendono i cittadini italiani e i naturalizzati. Vengono riportati gli stati in cui la co-
llettività italiana rappresenta più dell’1% della presenza italiana in Brasile.
Fonte: elaborazione su dati pubblicati in Levy e dell’Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica.
514
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
Di conseguenza, non è certo sorprendente che le stime consolari italiane, che già
tendevano per loro natura a sopravvalutare il fenomeno, risultino di gran lunga più
elevate dei corrispondenti valori del censimento brasiliano del 1920: con una diffe-
renza di quasi tre volte per il complesso del paese e persino di cinque volte nel caso
di alcuni stati. Nel 1920, quindi, secondo la conta censuaria gli italiani22 che viveva-
no in Brasile erano complessivamente 555 mila. Il 71,4% viveva nello stato di San
Paolo, dove gli italiani rappresentavano quasi la metà della popolazione straniera e
l’8,7% di quella totale. Quest’ultima percentuale quasi raddoppiava nella città di San
Paolo, dove i 91 mila italiani costituivano il 15,8% dei 579 mila abitanti23. Nel com-
plesso l’immigrazione italiana in Brasile appariva nel 1920 fortemente concentrata,
oltre allo stanziamento largamente maggioritario dello stato di San Paolo, gli altri
poli di presenza erano nell’ordine il Rio Grande do Sul (8,8% del totale), Minas
Gerais (7,7%), il Distrito Federal (3,9%), Espirito Santo (2,2%), Rio de Janeiro
(1,8%), Paraná (1,6%) e Santa Catarina (1,4%). Questi stati accoglievano pratica-
mente la quasi totalità della presenza italiana in Brasile (98,9%) e, in alcuni di loro,
gli italiani rappresentavano una quota importante se non maggioritaria della popola-
zione straniera.
Le conte censuarie successive vedranno una progressiva riduzione delle dimen-
sioni della collettività italiana, scesa a 323 mila unità nel 1940, a 240 mila nel 1950 e
a 150 mila nel 1970. Parallelamente diminuisce anche il peso degli italiani sulla po-
polazione straniera (dal 35,7% del 1920 al 12,4% del 1970) e quello sulla popolazio-
ne totale (dal 3,2% del 1920 allo 0,3% del 1970). Rimangono però stabili nel tempo
alcuni caratteri della immigrazione italiana in Brasile: la fortissima concentrazione
nella regione di San Paolo, dove ancora nel 1970 troviamo il 71,1% degli italiani, e il
numero limitato di stati in cui è presente una collettività italiana di discrete dimen-
sioni, nel 1970, infatti, bastano appena sei stati per accogliere quasi il 96% del totale.
Resta anche, nel tempo, la divergenza di valutazione nelle dimensioni della pre-
senza italiana in Brasile tra le fonti brasiliane e quelle italiane. Secondo il Ministero
degli Affari Esteri italiano, infatti, nel 1972 la collettività italiana sarebbe stata pari a
295 mila unità, quasi il doppio di quanto rilevato nel censimento brasiliano del 197024.
Di questi 200 mila si sarebbero trovati nella circoscrizione consolare di San Paolo, 35
mila in quella di Rio de Janeiro, 27 mila in quella di Porto Alegre, 17 mila a Curitiba,
22
I dati comprendono anche i naturalizzati dopo la Grande Naturalizzazione, il cui numero è per altro
estremamente contenuto. Ad esempio, secondo i dati della Directoria Geral de Estatistica, tra il 15
Novembre 1889 e la fine del 1912 le naturalizzazioni superano di poco le 5 mila unità, di cui appena
1185 hanno riguardato degli italiani.
23
COMMISSARIATO…, 1924.
24
MINISTERO…, 1977.
515
Anna Maria Birindelli / Corrado Bonifazi
11 mila a Belo Horizonte, 4 800 a Recife e 600 a Brasilia. Il Ministero valutava, poi,
in 5 milioni il numero di oriundi, di persone cioè di discendenza italiana.
Conclusioni
516
L’emigrazione italiana verso il Brasile: tendenze e dimensioni (1870-1975)
Riferimenti bibliografici
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Ministero degli affari esteri alla Camera dei Deputati il 25 Marzo 1904", in Bollettino
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della popolazione italiana all’estero", in Bollettino dell’emigrazione, n.º 1.
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517
A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA E ITALIANA PARA O BRASIL – UMA
ANÁLISE COMPARATIVA (1876-1974)
Fernando de Sousa
Isilda Monteiro
Introdução
1
FREITAS, 1867.
2
Primeiro Inquérito parlamentar sobre a Emigração Portuguesa, 1873. Lisboa: Imprensa Nacional.
3
Anuário Estatístico de Portugal…
519
Fernando de Sousa / Isilda Monteiro
4
“Os Portugueses no Mundo”, 1987: 27-42.
5
LOBO, 1994: 271-274.
6
LEITE, 1987: 477.
520
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil – uma análise comparativa (1876-1974)
Num primeiro olhar sobre a longa série estatística apresentada no quadro n.º 1,
ressaltam os valores globais que permitem dimensionar quantitativamente a emigra-
ção como fenómeno marcante da sociedade portuguesa nos séculos XIX e XX.
Segundo as fontes portuguesas, em quase cem anos, entre 1876 e 1974, terão emi-
grado 3 055 654 cidadãos residentes no continente e nas ilhas, 1 588 346 com destino
ao Brasil, ou seja, um pouco mais de 50% do total. Entre 1880 e o início da Primeira
Guerra Mundial, num período de 34 anos, um pouco mais de 836 000 portugueses
terão emigrado para o Brasil, o que corresponde a 27,4% do valor global. Nos 45
anos seguintes, entre 1915 e 1959, período marcado a nível mundial pela Grande
Depressão e pela deflagração do segundo conflito mundial, esse número, embora
mantendo-se ainda elevado, baixa para os quase 700 000. A saída de emigrantes
portugueses, embora deva ser inserida nas grandes migrações intercontinentais que
afectaram toda a Europa, não deixou de assumir, como se pode verificar, uma
expressão significativa em Portugal, especialmente se a considerarmos em relação
aos valores globais da população do país que, no início da década de sessenta do
século XIX, se situava, apenas, nos 4 000 0007, na viragem do século, não chegava a
5 500 0008, e duas décadas depois, em 1921, atingia os 6 000 0009.
O Brasil foi, neste contexto, o destino preferencial da emigração portuguesa, pro-
longando uma corrente com fortes raízes, especialmente na região Norte de Portugal
que, desde pelo menos o século XVII, viu muita da sua população cruzar o Atlântico.
Após a independência do Brasil, assumindo agora a dimensão de uma efectiva emi-
gração, as saídas para este território registaram volumes quantitativos cada vez mais
expressivos, ajudando a engrossar as estatísticas oficiais do Estado português e tor-
nando-se num dos factores responsáveis e determinantes para o debate que a partir de
então suscitou. Na verdade, a emigração portuguesa para aquele país foi vista na
época, especialmente pelo Estado e pelas elites intelectuais portuguesas, como um
fenómeno negativo que importava reprimir, mas cujas contrapartidas financeiras,
decorrentes do envio das remessas, paradoxalmente, se reconhecia serem essenciais
para o país. Na prática, desta situação resultava uma falta de vontade política de,
efectiva e eficazmente, conter o fluxo emigratório. De uma forma geral, e contrarian-
do o que durante muito tempo foi defendido, a política emigratória portuguesa não
foi restritiva, embora o Estrado tivesse procurado sempre, através de sucessivos
7
Em 1862 era de 4 110 276 (Anuário Estatístico de Portugal, 1875: 139-140).
8
Anuário Estatístico de Portugal, 1900: 2.
9
Anuário Estatístico de Portugal, 1921: 10.
521
Fernando de Sousa / Isilda Monteiro
10
LEITE, 1987, 465.
11
Existem dois tipos de clandestinos – os indocumentados, que escapam completamente a qualquer tipo de
contabilização, e os documentados. Neste caso, o emigrante iludia as autoridades e partia utilizando um
passaporte com uma identidade que não era a sua, ficando, por isso, registado (Ver LEITE, 1987: 469).
12
LEVY, 1974.
13
Anuário Estatístico do Brasil, 1973-1974.
14
WILLCOX, 1929: 548.
15
LEITE, 1987: 474.
16
Anuário Estatístico do Brasil, 1908-1912…
17
WILLCOX, 1929: 548.
522
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil – uma análise comparativa (1876-1974)
de muitos deles partirem com a segurança de serem aguardados por familiares e con-
terrâneos, já residentes no Brasil, que facilitando-lhes a inserção na sociedade brasi-
leira, os tornava, naturalmente, menos dependentes dos mecanismos oficiais de
recepção e, por isso, menos referenciáveis pelas autoridades locais18.
Da constatação de todas estas limitações e fragilidades que, compreensivelmente,
com o passar dos anos, se foram alterando e corrigindo com o aperfeiçoamento dos
meios técnicos e da organização administrativa brasileira, permitindo nomeadamente
a publicação do Anuário Estatístico a partir de 1916, resulta inevitavelmente, por um
lado, uma diminuição da representatividade dos valores coligidos no Brasil, e, por
outro, um reforço da representatividade das estatísticas portuguesas. Contrariamente
ao que se dizia, estas, ao assentarem, ao longo de grande parte do período considerado
no presente estudo, no registo de passaportes emitidos pelos governos civis (a partir de
1921 passam a ser contabilizados sobre as listas de passageiros que não viajavam em
primeira classe), e apesar de apresentarem, inevitavelmente, algumas limitações que
obrigam a conhecer bem o enquadramento legal que lhe dá forma, partem de critérios
claros, seguros e, apesar de alguns ajustamentos legislativos, sem grandes alterações
ao longo do tempo19. Na realidade, o cumprimento da formalidade legal da obtenção
de um passaporte para todos os que pretendiam sair do país (a partir da Lei de 25 de
Abril de 1907 continua a ser obrigatório apenas para os que viajariam nos paquetes
transatlânticos em 3.ª classe) que Portugal persistentemente manteve, quando outros
países europeus igualmente marcados pelo fenómeno emigratório, dispensaram, são
hoje, claramente, uma mais-valia para o estudo da emigração portuguesa.
A análise comparativa dos valores anuais da emigração portuguesa no Brasil for-
necidos pelas estatísticas portuguesas e brasileiras, entre 1876 e 1974, permite-nos
compreender, à luz do que foi dito atrás, o que parecia ser impensável – os números
da imigração brasileira são inferiores, nalguns casos mesmo muito inferiores, como
acontece nos anos de 1881 (em 9 409 imigrantes), 1900 (em 6 243 imigrantes), 1936
(em 5 844 imigrantes) e 1948 (em 6 019 imigrantes), aos coligidos pelas autoridades
portuguesas. Há períodos em que, reflexo certamente de uma maior incapacidade
institucional e/ou maior desinteresse no controle efectivo dos que entravam no país,
se sucedem os anos em que essa situação se verifica de forma sistemática, com parti-
cular incidência para o final de Oitocentos e início de Novecentos. É o caso dos
períodos de 1881-1889, 1897-1907 e, um pouco mais tarde, no pós-Segunda Guerra
Mundial, de 1947 a 1949 (gráfico n.º 1).
18
SCOTT, 2000.
19
LEITE, 1987: 474.
523
Fernando de Sousa / Isilda Monteiro
Gráfico n.º 1
A emigração portuguesa para o Brasil segundo as fontes portuguesas e brasileiras (1876-1974)
20
LEITE, 1987: 475,
524
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil – uma análise comparativa (1876-1974)
Gráfico n.º 2
A evolução da emigração portuguesa global e com destino ao Brasil (1876-1974)
Após ter passado, pela primeira vez, em 1888, a fasquia dos vinte mil emigrantes,
os números vão crescer de forma significativa, tornando a emigração para o Brasil
demasiado visível para poder ser “esquecida” pela retórica política produzida em
Portugal aos mais diversos níveis, alargando-se o debate, nomeadamente na impren-
sa, em torno dessa questão. Em 1895, situa-se já acima dos 40 000 portugueses os
que abandonam o país – dos quais mais de 37 000 com destino ao Brasil. Se em Por-
tugal as razões para se partir parecem não faltar – falta de oportunidades para os que
tinham maiores ambições profissionais, falta de trabalho numa agricultura atrasada e
pouco produtiva, agravada na região do Douro pela praga da filoxera que afecta a
produção vinícola – a única que alimentava a exportação, entre outras –, no Brasil
abundavam as ofertas para uma vida melhor. Apesar da crise que, neste final do sécu-
lo XIX, se fazia sentir na produção açucareira no nordeste e do algodão do Mara-
nhão21, o sucesso da produção de café permitia o desenvolvimento das cidades de
São Paulo e do Rio de Janeiro, preenchia os sonhos da maioria dos portugueses para
quem, como tem sido sublinhado em vários estudos, o exercício de uma actividade
comercial era o objectivo a atingir.
Com a viragem do século – em 1900 dos 21 227 portugueses que optaram pela
emigração, 14 493, ou seja, 68,3% pretendem fixar-se no Brasil –, a diversificação
dos destinos escolhidos pelos emigrantes portugueses acentua-se, sem contudo, esba-
ter a preponderância desse país à época, apostado em atrair mão-de-obra estrangeira.
21
LOBO, 1994: 26-27.
525
Fernando de Sousa / Isilda Monteiro
526
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil – uma análise comparativa (1876-1974)
durante tanto tempo acalentado com a emigração para o Brasil deixou de ter lugar na
sociedade portuguesa da segunda metade do século XX.
22
ALVIM, 2000: 385.
527
Fernando de Sousa / Isilda Monteiro
Gráfico n.º 3
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil (1878-1974)
23
BERNASCONI, 2000: 61.
24
TRENTO, 1989: 18.
528
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil – uma análise comparativa (1876-1974)
italiana e portuguesa para o Brasil evidencia as diferentes opções políticas dos dois
países relativamente a esta questão. Enquanto o Estado português procura controlar,
sem impor restrições de grande impacto junto da população, em Itália, o decreto Pri-
netti, datado de 1902, proibiu a emigração subvencionada para o Brasil. Os seus efei-
tos vão-se prolongar no tempo. O refluxo da emigração italiana para o Brasil torna-se
evidente. Assim, enquanto nos primeiros anos de Novecentos, a emigração portugue-
sa conhece uma acentuada recuperação face aos anos de 1899 a 1903, a emigração
italiana cai para valores muito baixos. Em 1908, por exemplo, enquanto o registo
italiano apresenta o número de 15 500 emigrantes, Portugal aponta o de 36 362 (que
corresponde a mais de 90% da emigração portuguesa nesse ano). Embora venha a
recuperar um pouco, nos anos imediatamente anteriores ao primeiro conflito mundial
(acompanhando mais uma vez a tendência da emigração portuguesa), a emigração
italiana nunca mais voltará a ter a dimensão atingida nas últimas décadas do século
XIX. Para os italianos, o Brasil tornou-se um destino de menor importância, face às
possibilidades oferecidas pelos Estados Unidos da América e pela Argentina, e, após
a Segunda Guerra Mundial, tal como aconteceu em Portugal, pela Europa.
Seja como for, e para surpresa de muitos, o que importa sublinhar é que, apesar
da desproporção evidente entre Portugal e a Itália sob o ponto de vista demográfico, a
emigração portuguesa para o Brasil, em números globais, entre 1876-1974, excede a
emigração italiana – 1 453 776 –, quer se tenham em consideração as fontes portugue-
sas, quer as brasileiras, para os portugueses – respectivamente, 1 648 587 e 1 588 346.
Conclusão
529
Fernando de Sousa / Isilda Monteiro
Fontes e Bibliografia
Fontes
Bibliografia
530
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil – uma análise comparativa (1876-1974)
WILLCOX, Walter F., 1929 – International Migrations, vol. I. New York: National Bureau
of Economic Research.
Anexo
Quadro n.º 1
Quadro comparativo da emigração
portuguesa e italiana para o Brasil (1876-1974)
531
Fernando de Sousa / Isilda Monteiro
532
A emigração portuguesa e italiana para o Brasil – uma análise comparativa (1876-1974)
533
LA CONFIGURAZIONE DELLA LEGISLAZIONE
EMIGRATORIA IN ITALIA ALL’EPOCA
DELLA GRANDE EMIGRAZIONE EUROPEA
Mattia Vitiello
Introduzione
535
Mattia Vitiello
Già Zolberg ha bene illustrato l’infondatezza della mitologia nazionale degli Stati
Uniti d’America come un paese con le porte aperte a chiunque arrivasse dall’estero3.
Anzi, “dal momento in cui hanno cominciato a gestire da sé i propri affari, ben prima
dell’indipendenza politica, gli americani erano determinati nel selezionare quelli che
avrebbero potuto unirsi a loro, e sono rimasto così da allora4”. Pertanto, gli Stati Uni-
ti hanno avuto una politica di immigrazione sin dall’inizio della loro esistenza e,
parallelamente al controllo e alla selezione degli ingressi, è stato anche “adottato un
sistema di deportazione per gli immigrati indesiderati che riuscivano ad entrare, co-
me prerequisito necessario all’ideale degli Stati Uniti come nazione di immigrati”5.
Altri lavori invece hanno mostrato come, sempre all’epoca delle grandi migrazioni
europee, gli stati nazionali europei sviluppassero dei nuovi istituti giuridici allo scopo
di stabilire il loro esclusivo diritto nell’autorizzare e regolare il movimento delle
persone6.
Di conseguenza, il diciannovesimo secolo è stato individuato come l’età della
sperimentazione nel controllo dei movimenti migratori7. Durante questo periodo
storico, con la fine dei processi che hanno condotto alla formazione degli stati nazio-
nali e nel pieno dispiego dei processi di industrializzazione, in quasi tutti i paesi
dell’Europa continentale gli stati nazionali cominciano a sentire l’esigenza di contro-
llare e registrare sia gli stranieri in entrata che le uscite degli autoctoni e, di conseguenza,
cominciano ad essere prodotte le prime politiche migratorie anche nei paesi europei8, in
particolare in Francia9. In questo rifiorire dell’interesse degli storici nei confronti degli
aspetti politico – istituzionali dei movimenti migratori, le politiche di emigrazione in-
vece hanno ricevuto una scarsa attenzione. Come sostiene la storica Green, le migra-
zioni sono generalmente analizzate dal punto di vista dei paesi di arrivo, per cui le
analisi storiche dei movimenti migratori all’epoca delle grandi migrazioni europee
finiscono per essere quasi sempre per essere delle storie dell’immigrazione10. In parti-
colare, questi studi hanno enfatizzato le questioni relative all’ingresso e all’inserimento
degli emigranti nelle società di accoglienza, e hanno dato poco spazio al ruolo dei
paesi di partenza.
All’atteggiamento di questi ultimi nei riguardi dei propri cittadini emigranti e
delle politiche di emigrazione. Per cui questa autrice propone di rovesciare il para-
digma dell’immigrazione e di indagare la nascita e la configurazione delle politiche
3
ZOLBERG, 2006
4
ZOLBERG, 2006: 1.
5
KANSTROOM, 2007: 21.
6
TORPEY, 2000.
7
FAHRMEIR, FARON, WEIL, 2005.
8
SASSEN, 1999.
9
ROSENBERG, 2006.
10
GREEN, 2005.
536
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
migratorie dal punto di vista delle partenze11. Questo lavoro si pone lungo questa
direzione, nel tentativo di esplorare la storia delle politiche di emigrazione adottate
dall’Italia nel periodo delimitato dall’Unità alla prima guerra mondiale. In particolare
si pone l’obiettivo di individuare l’atteggiamento dello stato italiano nei confronti
delle partenze dei propri cittadini, delle procedure adottate per la regolamentazione di
queste partenze e delle motivazioni che hanno spinto l’Italia all’adozione di queste
norme12. Prima di affrontare queste tematiche però è necessario rispondere al quesito
fondamentale circa l’opportunità del legiferare sull’emigrazione.
1. Perché legiferare
Oggi questa può sembrare una domanda retorica, ma all’epoca non era per niente
scontata se si tiene conto che legiferare sulla mobilità delle persone implica
un’interferenza dello stato nella sfera delle libertà individuali, in cui la libertà di
spostamento costituisce un’area essenziale, e di cui all’epoca non si riusciva a scor-
gerne non solo la legittimità ma anche e soprattutto l’utilità. Questo in un periodo in
cui non solo lo stato minimo era teorizzato ma soprattutto praticato.
Già agli occhi degli osservatori contemporanei l’emigrazione europea precedente
rispetto a quella della grande migrazione proletaria, era strettamente legata alla colo-
nizzazione delle nuove terre13. In questo quadro, i movimenti migratori erano rigi-
damente controllati dall’intervento statale. Durante l’Ancien Regime, la mobilità
territoriale ad ampio raggio diminuisce nella misura in cui le campagne si riempiono
e gli Stati moderni cominciano a controllare gli spostamenti dei loro cittadini, non
solamente quelli dei soldati e degli artigiani e operai specializzati, ma anche quelli
dei contadini. Ciò non significa che questa fosse un’epoca caratterizzata dalla seden-
tarietà delle popolazioni, anzi senza la possibilità delle migrazioni temporanee o sta-
gionali per i contadini, non sarebbe stato possibile assicurare per così tanto tempo
l’equilibrio sociale, produttivo e politico delle campagne.
Quelli che però durante tutta questa epoca non assumono mai valori significativi,
sono gli spostamenti che implicano uno sradicamento, cioè quei movimenti migratori
che nell’epoca contemporanea sono stati definiti come esodo rurale e migrazioni inter-
nazionali14. In effetti all’epoca il beneficio dell’emigrazione, riconosciuto e codificato
internazionalmente dai trattati di Westfalia, veniva concesso solamente a quei sudditi
la cui religione non era riconosciuta nel loro paese. A tutti gli altri l’emigrazione era
11
GREEN, 2005: 266.
12
GREEN, WEIL, 2006: 7.
13
LEGOYT, 1861; FLORENZANO, 1874; GONNARD, 1906; GROSSI, 1905.
14
DUPAQUIER, 1994: 86.
537
Mattia Vitiello
strettamente limitata, se non interdetta per alcune categorie, come gli artigiani e lavo-
ratori specializzati possessori di un sapere tecnologico la cui diffusione in altri paesi
poteva mettere in pericolo la propria posizione dominante nel comparto produttivo di
questi lavoratori. Al contrario, l’immigrazione era fortemente incoraggiata.
Alla base dell’interdizione dell’emigrazione non c’era tanto la convinzione delle
autorità politiche che la partenza dei propri sudditi costituisse un impoverimento sia
economico che militare, ma piuttosto vi erano ragioni più profonde, legate alla visio-
ne dominante all’epoca circa i compiti e le responsabilità del sovrano nei confronti
dei propri sudditi e per la ricchezza dello Stato. Si citi all’uopo Antonio Genovesi che
nelle sue “Lezioni di Economia civile” afferma che “La vera forza d'uno Stato si
giudica dall'estensione delle terre, dalla popolazione e da' fatti d'ingegno e di corpo”
e più avanti come primo assioma di un suo teorema sullo sviluppo economico sostie-
ne che “La ricchezza e la potenza di una nazione, e conseguentemente del suo sovra-
no, è in ragion composta della estensione e fecondità delle terre che abita, della
popolazione e della somma delle fatighe”15. Il compito del sovrano del resto era faci-
litato dalla scarsa propensione alla mobilità di una gran parte della popolazione su cui
più pesavano sia i vincoli giuridici che quelli culturali e sociali allo spostamento, tra
cui non bisogna trascurare gli elevati costi della mobilità. La rivoluzione francese
spezza questi vincoli, proclamando come libertà fondamentale di ogni cittadino quel-
la di spostamento e quindi anche quella di emigrare. Il diciannovesimo secolo dun-
que esordiva con la libertà di partenza per le masse contadine impoverite dalla
rivoluzione industriale, ma non basta la libertà e la necessità di emigrare, per partire
bisogna sapere anche dove andare e soprattutto come arrivarci.
All’indomani delle guerre napoleoniche, ritornano praticabili le grandi vie di
comunicazioni sia intracontinentali che quelle intercontinentali e riprende su vasta
scala il commercio internazionale. Si assiste cioè al rilancio con nuova forza del pro-
cesso di integrazione dei sistemi economici del mondo atlantico. Si aprono così le
destinazioni tradizionali anche ai nuovi flussi migratori, e dal 1815 prende forma e
comincia ad affermarsi quella che è stata definita come la migrazione libera dei lavo-
ratori. Se fino a questa data erano più frequenti le migrazioni da colonizzazione e poi
degli indentured workers, ora cominciano a partire sempre più numerosi gli espulsi
dalle campagne, i disoccupati e gli artigiani che hanno perduto i propri mezzi di pro-
duzione e che sono costretti a vendere la propria forza lavoro.
Il nuovo carattere delle migrazioni internazionali era ben presenta ai contempo-
ranei che giudicavano il diciannovesimo secolo soprattutto come il secolo
dell’emigrazione e della colonizzazione europea, un secolo di accaparramento e
15
GENOVESI, 1825: 348. Opinione condivisa tra gli altri anche da Gaetano Filangieri che a proposito
dell’Inghilterra affermava “In vece d'eccitare i suoi cittadini ad abbandonare la loro patria (l'Inghilterra),
le leggi dovevano mettere un argine alle loro frequenti emigrazioni”. FILANGIERI, 1827: 63.
538
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
dell'occupazione da parte dei bianchi di tutti terreni ancora disponibili nel mondo16.
In questo secolo infatti si afferma il primo movimento migratorio di massa che – nel
periodo compreso tra il 1815 e il 1930 – registra le partenze di quasi 52 milioni di
europei che si diffondono in tutto il mondo, principalmente nel continente america-
no17. Questo fenomeno rappresenta indubbiamente una delle più importanti caratte-
ristiche di quella che è stata definita come la prima ondata della globalizzazione del
sistema economico mondiale18.
Questa prima globalizzazione si traduceva essenzialmente in un notevole aumen-
to dell’interdipendenza dei mercati internazionali – sia finanziari che dei beni – e in
un ancora più notevole aumento del flusso di lavoratori tra il continente europeo e
quello americano19. I principali risultati di questo fenomeno sono stati una maggiore
integrazione del commercio mondiale e dei mercati finanziari, una crescita senza
precedenti degli investimenti diretti esteri e la migrazione proletaria di massa. Tra le
sue maggiori determinanti possono essere annoverate il progresso tecnico, che riduce
le barriere naturali tra i mercati (costi di trasporto e di comunicazione) e riduce i costi
di transazione (cd. morte della distanza); le politiche di integrazione che riducono le
barriere di confine (dazi e restrizioni quantitative) e le politiche della concorrenza che
riducono le barriere all’entrata in alcuni mercati.
Dunque, il principale motore di questa ondata di globalizazzione è rappresentato
dalle politiche di liberalizzazione commerciale e dallo sviluppo della tecnologia che
riduce i costi di trasporto. In questo contesto di progressivo aumento dell’interdipendenza
dei mercati internazionali, il potere regolativo dei governi viene meno anche per
quanto riguarda la mobilità geografica delle persone. Ma quello che più conta è che
si registra un rovesciamento del paradigma sotteso alla regolazione dei movimenti
migratori. Partendo dalla constatazione del rapporto necessario e costante esistente
tra la popolazione e i mezzi di sussistenza, il nuovo paradigma vede l'emigrazione
come la cosa più favorevole allo sviluppo della specie umana. Secondo Benjamin
Constant restano solo due compensi ai tre quarti della specie umana che nascono
diseredati: uno il lavoro; l’altro l’emigrazione. Dunque, per lo stesso autore:
“I soli regolamenti da farsi onde porre un argine all'emigrazione, sono le costituzioni
libere, le leggi eque, le garanzie solide. Assicurate questi beni ad un popolo, e potete
viver sicuro che i suoi cittadini non emigreranno. Ricusategli questi beni, e tutti i vostri
regolamenti non impediranno, ch'egli non abbandoni un paese, in cui la sua esistenza
sarà precaria, i suoi dritti minacciati, la sua industria vessata. Io lo domando ad ogni
uomo di buon senso e di buona fede con qual misura si riterranno sul suolo inglese
16
GONNARD, 1906: 20.
17
BAINES, 1995: 1.
18
BALDWIN, MARTIN, 1999.
19
O' ROURKE, WILLIAMSON, 2005.
539
Mattia Vitiello
quei proletari affamati, ai quali le leggi non permettono di guadagnare la propria sus-
20
sistenza e quella della loro famiglia” .
Stando così le cose, non si può mettere ostacolo all'emigrazione con dei regola-
menti. Alla base di questo rovesciamento della teorizzazione circa i movimenti di
popolazione in generale e dell’emigrazione in particolare, si situano quegli stessi
processi economici e sociali che hanno sgretolato le basi dell’Ancien Regime, favo-
rendo il cambiamento dell’atteggiamento degli stati nei confronti dell’emigrazione.
Gli stati europei infatti cominciano a vedere l’emigrazione dei propri lavoratori come
una soluzione pratica ai problemi derivanti dall’eccedenza della popolazione, come
un modo per sfuggire alla trappola malthusiana. Non a caso l’Inghilterra, il paese che
ha inaugurato l’epoca dell’emigrazione di massa dei proletari21, si trova a essere
anche il primo paese ad adottare il principio della libertà di emigrazione22 e, una vol-
ta che essa ha scorto l’utilità delle partenze, ha cominciato a promuoverla e anche a
organizzarla.
Al crescere della significatività economica e sociale dell’emigrazione, infatti, il
governo inglese cominciò a dedicare a questo fenomeno una seria attenzione. Il pri-
mo intervento normativo risale al 1803, il quale conteneva alcune norme per le navi
addette al servizio degli emigranti, allo scopo di prevenire gli abusi perpetrati da
alcune compagnie di navigazione a danno degli emigranti che trasportavano nel nuo-
vo continente23. In questa legge si delinea quello che sarà l’area di intervento di mag-
giore valenza, comune a tutte le disposizioni legislative in materia di emigrazione da
parte dei paesi europei, la tutela dell’emigrante durante il viaggio24. Considerando
l’entità del costo e le difficoltà del viaggio, si comprende bene l’importanza che
all’epoca poteva assumere l’intervento dello stato in questo ambito. Inoltre, non si
devono trascurare i considerevoli interessi economici delle compagnie marittime e
dei cosiddetti agenti di emigrazione che ovviamente andavano in direzione opposta
rispetto al fine dell’intervento legislativo. A partire da questi interessi, viene a crearsi
un forte conflitto dalla cui mediazione politica hanno poi preso forma i vari interventi
legislativi sull’emigrazione. In seguito, l’attenzione dello stato inglese nei confronti
dell’emigrazione si focalizzò sulla validità dell’emigrazione come rimedio alle pato-
logie sociali che colpivano l’Inghilterra di quel tempo. Nel 1826 e 1827 furono isti-
tuite due commissioni parlamentari con il compito di indagare in merito all’effettiva
20
CONSTANT, 1828: 162.
21
BAINES, 1995: 5.
22
GROSSI, 1905: 127.
23
JOHONSON, 1966: 103.
24
Scopo fondamentale di questo dispositivo legislativo, così come di quelli successivi, era quello assicu-
rare alle persone che partivano dall’Inghilterra il migliore trattamento e le più confortevoli condizioni di
viaggio possibili.
540
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
541
Mattia Vitiello
dal carattere fortemente empirico. A prescindere dalle petizioni di principio che rico-
noscevano la libertà di partire come una libertà individuale fondamentale, l'emigra-
zione era a volte limitata e talvolta incoraggiata, a seconda di ciò che i governi inglesi
e quelli della confederazione tedesca pensavano sarebbe stato di maggior profitto per
i loro paesi.
Gli italiani hanno cominciato a spostarsi molto prima che l’Italia diventasse uno
stato nazionale. L’emigrazione per gli italiani è stata un’esperienza che ha origini
molto più antiche della stessa formazione dello stato italiano e che ha segnato pro-
fondamente il suo sviluppo sociale ed economico. Essa comincia ad affermarsi ini-
zialmente nelle regioni settentrionali e assume le forme dell’emigrazione temporanea
fondamentalmente per motivi di lavoro e per il commercio ambulante27. In prima
battuta si diresse verso i paesi confinanti, come l’impero Asburgico, la Svizzera, la
Francia e gli stati tedeschi.
La vicinanza di queste mete favoriva la temporaneità dell’emigrazione anche
perché esse offrivano delle occasioni lavorative caratterizzate dalla stagionalità,
soprattutto nell’edilizia e nell’agricoltura e ciò conferiva ai percorsi migratori degli
italiani uno spiccato carattere rotatorio. Inoltre, queste prime partenze spianarono la
strada alle successive ondate migratorie, conferendo a queste ultime una particolare
stabilità. Al riguardo, bisogna sottolineare l’importante ruolo giocato all’interno dei
movimenti migratori italiani, da due regioni orientali come il Veneto e il Friuli e una
occidentale come la Liguria. Le prime due, restarono le regioni italiane con il più alto
tasso migratorio per tutto il periodo storico preso in esame, e rappresentano anche le
regioni pioniere dell’emigrazione italiana verso l’America Latina, mentre la seconda
costituisce l’avanguardia dell’emigrazione italiana verso gli Stati Uniti28. Dunque, il
regno Sabaudo, il nucleo fondante del futuro regno d’Italia, già conosceva bene
l’emigrazione dei propri sudditi e aveva verso di essa un atteggiamento di notevole
apertura, dato che ne traeva non pochi benefici29.
All’indomani dell’Unità d’Italia, l’atteggiamento di lasser faire della classe dirigente
piemontese, legittimato da Cavour stesso, nei confronti delle partenze dall’Italia ha
dominato per molti anni ancora. In particolare, all’epoca “l’emigrazione, a simiglianza di
27
BADE, 2001: 27.
28
FRANZINA, 1995: 8.
29
COLETTI, 1912. La fortuna dell’emigrazione ligure negli USA come buon esempio dell’utilità
dell’emigrazione rappresenterà un topos classico della polemica sull’emigrazione che tornerà di sovente
nei primi anni del Novecento come argomentazione a favore della libertà di emigrare.
542
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
ogni altra attività collettiva, si esplicava sotto la disciplina generale di Pubblica sicurez-
za”30. Dunque l’emigrazione era considerata alla stregua di una semplice operazione
commerciale tra due parti, con riserva dello stato di intervenire se e solo se i patti non
fossero stati osservati e i contraenti avessero sollecitato tale intervento. Per cui dal 1861
fino al 1888, data della promulgazione della prima legge italiana sull’emigrazione, la
materia viene considerata di competenza del Ministero degli interni e regolata tramite
circolari ministeriali. In generale, sulla materia servivano da riferimento due dispostivi
legislativi: la legge del 13/11/1857 sul rilascio dei passaporti, la cui validità fu estesa al
Regno d’Italia dopo l’unificazione; e gli articoli 65 della legge dell’unificazione
amministrativa del Regno d’Italia, e art. 64 della legge di Pubblica sicurezza del
20/3/1865.
Ad essi devono essere aggiunti anche le parti del regolamento di applicazione del
suddetto testo che regolavano le agenzie pubbliche e pertanto anche le agenzie di
emigrazione in mancanza di una legge speciale. Tenendo fermo il principio che
l’emigrazione fosse un diritto individuale, i legislatori italiani intendevano discipli-
narla come fatto sociale. Quindi il problema principale era quello di stabilire un sis-
tema di vigilanza efficiente sulle operazioni di arruolamento e di imbarco, sempre
nella concezione che l’emigrazione in quanto diritto individuale si potesse tutelare
nella misura in cui si tutelano le parti di un contratto.
I vari problemi che nascevano con l’intensificarsi dei flussi in uscita dall’Italia
venivano affrontati attraverso la diramazione di circolari contenenti istruzioni per le
forze di pubblica sicurezza e i prefetti sulle procedure e i comportamenti da adottare
sulle questioni attinenti all’emigrazione. La prima circolare prodotta in Italia sulla
materia è del 1 Novembre 1861 contenente istruzione in merito al rilascio dei passa-
porti per l’estero agli indigenti31. Essa consigliava ai funzionari addetti al rilascio dei
passaporti di non accettare le richieste di quegli individui che non dimostrassero di
avere i mezzi necessari per il viaggio, oppure che lasciassero il fondato sospetto di
volersi recare all’estero per abbandonarsi all’ozio, alla mendicità o al vagabondag-
gio32. Circolari ministeriali con questo contenuto si sono succedute solamente altre
due volte negli anni seguenti – precisamente nel 1862 e nel 1864 – aggiungendo agli
indigenti una volta i disoccupati e i minorenni e, la seconda volta, i suonatori ambu-
lanti. Queste istruzioni però hanno avuto una scarsa applicazione, in quanto il rilascio
dei passaporti avveniva dietro presentazione del nullaosta rilasciato dall’ufficio di
Pubblica sicurezza e un certificato di buona condotta dato all’interessato dalle autori-
tà municipali. Questi ultimi avrebbero dovuto garantire la reale serietà del progetto
migratorio dei richiedenti. Queste autorità difficilmente rifiutavano di concedere
30
CELESTINO, 1927: 53.
31
Collezione celeri fera, 1862: 2125.
32
Collezione celeri fera, 1862: 2126.
543
Mattia Vitiello
544
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
pubblica sicurezza che regola appunto le agenzie pubbliche. Questa circolare è im-
portante non solo in senso cronologico, perché avvia l’orientamento restrittivo del
governo nei confronti dell’emigrazione, ma anche in senso sistematico perché il testo
pone le basi della successiva legislazione. Innanzitutto, non potendo limitare in ma-
niera diretta il diritto di emigrare, esso concentra il suo intervento sulle operazioni di
arruolamento delle agenzie di emigrazione e sulle compagnie di navigazione che
trasportavano gli emigranti.
Questo intervento si espleta però esclusivamente attraverso gli strumenti legisla-
tivi già a disposizione all’epoca, quali quelli già ricordati della Legge di pubblica
sicurezza, la concessione dei passaporti, il codice della marina mercantile e della
navigazione, e infine il codice penale. Inoltre, in questo stesso testo fa la sua prima
comparsa la principale giustificazione di questo nuovo atteggiamento del governo
italiano e che sarà più volte reiterato nel corso del dibattito politico italiano in merito
alla necessità di regolare l’emigrazione. Essa fa perno sulla necessità di “proteggere
gli emigranti dai molti dolori e disinganni” a cui vanno incontro perché “illusi da
promesse e da contratti sempre bugiardi e fallaci”35.
In realtà dietro a questo nobile scopo agiva anche una più strumentale ragione di
andare incontro agli interessi dei cosiddetti agrari, cioè i possidenti terrieri, perché,
come si legge anche nella stessa circolare, molti prefetti hanno richiamato
l’attenzione del Ministro dell’interno sull’emigrazione “facendo rilevare a ragione,
fra altri, i danni gravissimi che per questo fatto possono venire all’agricoltura per
mancanza di braccia pel lavoro”36. Il problema vero dunque era che l’emigrazione
cominciava ad assumere un carattere emergente, cioè non solo cresceva il numero delle
partenze ma si diffondevano anche in regioni precedentemente non toccate dal feno-
meno. Inoltre, l’aumento delle partenze interessava prevalentemente l’emigrazione
permanente, non a caso le direttive per la limitazione riguarderanno esclusivamente
le partenze verso il continente americano.
La diffusione del modo di produzione capitalistico nelle campagne italiane e la
modernizzazione della produzione agricola in Italia fino a quegli anni aveva seguito
un percorso proprio, centrato sulla creazione di un vasto semiproletariato, la cui plu-
riattività garantiva la pura sussistenza e nascondeva la cronica sottoccupazione agri-
cola. La tradizionale emigrazione rotatoria degli italiani era funzionale a questo tipo
di percorso in quanto rientrava nello schema delle pluriattività. Tutto ciò consentiva
sostanzialmente un relativo contenimento dei salari agricoli a tutto vantaggio dei
possidenti terrieri. Per questo motivo le partenze non erano considerate particolar-
mente influenti fin a quando si concentravano nelle zone agricole particolarmente
povere e/o riguardavano esclusivamente alcuni componenti familiari.
35
Collezione celeri fera, 1869: 1160.
36
Collezione celeri fera, 1869: 1161.
545
Mattia Vitiello
Questo particolare equilibrio entra in crisi in seguito alla crisi economica che
colpisce l’economia italiana in generale e il settore agricolo in particolare, già alcuni
anni prima della crisi agraria europea. La principale ragione di questo anticipo tutto
italiano della crisi agraria, si riscontra nella politica di risanamento del bilancio perse-
guita dal governo italiano dal 1865 in poi. Un risanamento incentrato sulla riduzione
delle spese e sull’aumento delle entrate attraverso l’imposizione di nuove tasse, tra cui
deve essere citato il ripristino della tassa sul macinato che ha avuto pesanti ricadute
sull’agricoltura. Questa crisi porta alla ripresa del processo di proletarizzazione nelle
campagne italiane da cui ne consegue una significativa accelerazione dell’emigrazione.
Non a caso l’esordio della questione dell’emigrazione come tema di discussione nelle
aule parlamentari italiane avvenne nel 31 Gennaio del 1868, grazie a un’interpellanza
parlamentare dell’onorevole Ercole Lualdi all’allora presidente del Consiglio Mena-
brea. Inoltre, sempre non a caso, nello stesso anno viene effettuato il primo studio
statistico sulle partenze dall’Italia nell’ottica di fornire un quadro più dettagliato del
nuovo fenomeno37.
Infine, e sempre non a caso, è proprio nel 1870 che il Ministero dell’interno invia
un questionario ai prefetti in merito ai motivi e alle conseguenze dell’emigrazione38.
Quest’ultimo era solo un aspetto del più generale interesse della classe dirigente
nell’adeguamento delle proprie conoscenze della reale situazione socioeconomica
italiana39. La spinta verso l’indagine della realtà del nuovo stato veniva anche e
soprattutto dagli scioperi e dalle insurrezioni che interessarono l’Italia dopo la rein-
troduzione della tassa sul macinato.
Questi moti di protesta col passare del tempo perdevano in spontaneità e sporadi-
cità per acquisire un grado maggiore di organizzazione e di consapevolezza politica.
Questi conflitti nascono e si sviluppano con maggiore virulenza proprie nelle cam-
pagne delle regioni settentrionale più ricche. I protagonisti di questi sono principal-
mente i braccianti e i contadini che costituiranno il nucleo fondativi del movimento
socialista e sindacale italiano e non a caso è proprio in queste zone che il nuovo parti-
to socialista italiano ottiene i primi successi elettorali, conquistando le prime ammi-
nistrazioni comunali40.
Questi sommovimenti inducevano nella classe politica italiana una crescente sensi-
bilità nei confronti della questione sociale e, di conseguenza, verso l’emigrazione. Intor-
no alle preoccupazioni destate dalla questione sociale e anche dall’emigrazione, però si
saldano gli interessi degli agrari meridionali e di quelli delle regioni settentrionali, dalle
37
CARPI, 1878.
38
ANNINO, 1974: 1233.
39
Immediatamente dopo l’unificazione d’Italia fu istituito l’Ufficio centrale di statistica dipendente dal
Ministero d’agricoltura, industria e commercio e furono avviate diverse inchieste tra le quali si ricordano
quella sull’istruzione pubblica del 1864.
40
CRAIZ, 1994.
546
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
41
MARCHESE di COSENTINO, 1874: 14.
42
La già citata inchiesta del 1870 sembrava confermare la percezione che il governo italiano aveva di
questo fenomeno.
547
Mattia Vitiello
43
ANNINO, 1974: 1236.
44
DUNKLEY, 1980.
45
FRANZINA, 1994: 128.
548
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
In effetti furono presentati vari progetti di legge sull’emigrazione che per vari
motivi non riuscirono mai a passare l’esame delle camere, fino al progetto di legge
Crispi-De Zerbi che divenne legge il 30/12/1888 e a cui seguì il regolamento di
applicazione del 10/1/1889.
Unico merito di questa legge è quello di segnare il primo passo verso il riconos-
cimento di un diritto speciale dell’emigrazione in quanto i caratteri particolari
dell’emigrazione assumevano un significato giuridico. L’obiettivo della legge si limi-
tava prevalentemente a disciplinare le attività delle agenzie e degli agenti di emigra-
zione. Ma l’istituzione del contratto di partenza o di emigrazione, e di una
commissione provinciale di arbitri per dirimere le controversie inerenti a questi
46
GROSSI, 1905: 174
549
Mattia Vitiello
550
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
551
Mattia Vitiello
Come ha ben chiarito Rosoli non bisogna però enfatizzare troppo il ruolo di ques-
to decreto nel declino dell’emigrazione italiana verso il Brasile, anzi esso può essere
considerato come una delle conseguenze del lungo contenzioso giuridico tra Italia e
Brasile che nacque intorno alla questione della grande naturalizzazione sancita
solennemente dalla Costituzione brasiliana del 1891. Essa disponeva che tutti gli
stranieri che si trovavano all’interno del paese alla data del 15 Novembre del 1889
diventavano automaticamente cittadini brasiliani, a meno che non dichiarassero
esplicitamente la loro volontà di conservare la cittadinanza d’origine entro il termine
di sei mesi dalla promulgazione della Costituzione. In questo modo l’emigrante ita-
liano diventava l’oggetto di un contenzioso giuridico d’appartenenza tra Brasile e
Italia. I problemi giuridici creati dalla legislazione brasiliana sulla naturalizzazione
andavano oltre il conflitto di sovranità, ma assumevano anche vesti più pratiche e
forse per questo molto più pregnanti per la vita quotidiana degli emigranti italiani49.
Questo contenzioso, gli episodi di violenza subita dagli emigranti italiani non
solo in Brasile ma anche in altri paesi di immigrazione italiana, e per frenare la mol-
tiplicazione dei doppi cittadini de facto nei paesi in cui era praticato il principio dello
jus soli in materia di cittadinanza, impongono nel governo italiano un cambiamento
di orientamento nei confronti della normativa in materia di cittadinanza contenuta nel
Codice civile del 1865. In particolare assume sempre più favore in Italia l’esempio
delle strategie adottate in occasioni simili dagli altri paesi europei di emigrazione che
avevano riformato il proprio diritto della cittadinanza, ampliando le possibilità di
recupero della cittadinanza da parte dei discendenti di cittadini emigrati.
La legge n. 23 del 31/1/1901 affronta queste problematiche con un complesso di
articoli di abrogazione delle norme del Codice civile del 1865 palesemente inadegua-
te di fronte al nuovo fenomeno. Innanzitutto, gli articoli 33 e 34 risolvevano l’annosa
questione degli obblighi di leva. Essi dispensavano provvisoriamente dal servizio
militare obbligatorio il cittadino italiano emigrato in paesi extra-europei prima di
aver compiuto il sedicesimo anno di età oppure ivi nato e residente. La dispensa
provvisoria diveniva definitiva al compimento del trentaduesimo anno. Inoltre, con
l’articolo 35 si abrogava il 3.° comma della dell’articolo 11 del Codice civile in cui si
stabiliva che “La cittadinanza si perde da colui che senza permesso del Governo, abbia
accettato impiego da uno stato estero, o sia entrato al servizio militare di potenza este-
ra”. Infine, l’articolo 36 regolava favorevolmente il riacquisto della cittadinanza50.
Negli anni seguenti la questione della cittadinanza degli emigranti italiani assun-
se una crescente valenza politica per cui alla genuina motivazione di ottemperare a
un dovere morale di tutela contratto dallo stato nei confronti di quei cittadini a cui
non aveva saputo garantire il sostentamento, si sovrapponevano interessi politici di
49
ROSOLI, 1986: 71.
50
FESTA, 1904: 56.
552
La configurazione della legislazione emigratoria in Italia all’epoca
della grande emigrazione europea
553
Mattia Vitiello
visto che non si riusciva a fermare il flusso in uscita, fu emanata una nuova legge il
24 Agosto del 1930 che stabiliva nuove norme penali in materia di emigrazione clan-
destina.
L’intento di frenare l’emigrazione viene raggiunto solamente in seguito
all’espandersi e all’aggravarsi della crisi economica susseguente al crollo borsistico
del 1929. Sotto i colpi di questa crisi, la disoccupazione aumenta, gli stati adottano
politiche protezionistiche, regredisce l’integrazione mondiale dei mercati e si chiu-
dono tutti gli sbocchi per gli emigranti. Insomma, la necessità di partire resta ma il
problema è che non ci sono più i posti dove andare. Dunque è più la chiusura delle
porte di ingresso a concretizzare la chiusura delle porte di uscita.
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Mattia Vitiello
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AS RELAÇÕES PORTUGAL-BRASIL E A EMIGRAÇÃO.
ENQUADRAMENTO POLÍTICO-DIPLOMÁTICO
DA 1.ª METADE DO SÉCULO XX
Contextualização
Gráfico n.º 1
Movimentos Emigratórios Portugueses
1
INE. Anuário estatístico, 1950-1952.
557
Paula Marques Santos
Gráfico n.º 2
Emigrantes portugueses em direcção ao Brasil (1900-1950)
558
As relações Portugal-Brasil e a emigração.
Enquadramento político-diplomático da 1.ª metade do século XX
1. Período de 1900-1910
Na primeira década do século XX, saem legalmente de Portugal 347 502 indiví-
duos, destinando-se ao Brasil 260 627. Este período reflecte a instabilidade nacional
e internacional herdada dos últimos anos do século anterior. As sucessivas crises
internacionais, o alinhamento dos países europeus em blocos opostos e a instabilida-
de política marcam o cenário internacional.
Gráfico n.º 3
Contingente migratório para o português para o Brasil (260 627)
Ao nível bilateral, podemos caracterizar este período como uma década de rela-
cionamento de retórica, onde ambos os países se encontram distantes, não só pela
disparidade de regimes políticos, mas pela própria conjuntura continental de cada
um. No Brasil temos a manutenção da república velha, enquanto em Portugal a
monarquia dá os seus últimos fôlegos, incapaz de ter uma posição preponderante ao
nível nacional e mesmo internacional. Mas o fim do regime monárquico em Portugal
colocará ainda maiores dificuldades no relacionamento bilateral, e mesmo durante
todo o período da I República, esse será relegado para segundo plano, já que os
sucessivos governos republicanos portugueses vão centrar as suas atenções em ques-
tões internas.
559
Paula Marques Santos
Gráfico n.º 4
Esquema geral do período 1900-1910
“RELACIONAMENTO DE
RETÓRICA”
BRASIL – REPÚBLICA CRISE INTERNACIONAL
VELHA PORTUGAL – MONARQUIA
VISITAS DIPLOMÁTICAS
APÓS REATAMENTO
RELAÇÕES BILATERAIS
De facto, durante este período assistimos a um diálogo bilateral retórico com uma
capacidade de concretização quase nula, ou seja, apesar da realização de inúmeros
eventos que procuram manter vivo os elos luso-brasileiros, como é exemplo a visita
do presidente português ao Brasil e do reatamento e restabelecimento formal de rela-
ções diplomáticas após os diferendos que surgem nos finais do século XIX, as con-
cretizações operacionais serão escassas2.
Apesar das relações cordiais existentes entre o governo brasileiro com o regime
monárquico deposto, o reconhecimento da República Portuguesa será imediato e no
dia 6 de Outubro, o ministro do Brasil em Lisboa, José Pereira da Costa Mota, recebe
instruções telegráficas do seu governo, autorizando-o a entrar em relações com o
Governo Provisório português, presidido na altura por Teófilo Braga, comunicando-
lhe oralmente que o reconhecimento formal do novo regime se efectuaria quando o
governo brasileiro tivesse conhecimento de que a maioria da nação portuguesa
apoiava o novo regime republicano3 e, em 22 de Outubro, recebe instruções para
reconhecer formalmente a República portuguesa, em virtude do governo da Argenti-
na ter decidido fazer o reconhecimento imediato.
2
MAGALHÃES, 1999: 75-79.
3
Esta posição era idêntica à dos EUA.
560
As relações Portugal-Brasil e a emigração.
Enquadramento político-diplomático da 1.ª metade do século XX
2. Período de 1911-1926
O segundo período da nossa análise caracteriza-se por uma das conjunturas mais
conturbadas do século XX, não só ao nível internacional com a eclosão da Primeira
Guerra Mundial e o impacto económico e político que teve em todos os países con-
duzindo à Grande Depressão, mas também ao nível nacional, com as transformações
e instabilidade inerente aos regimes português e brasileiro (vide esquema seguinte).
Além disso, outra característica importante deste período será a emergência do mun-
do extra-europeu nas relações internacionais. Ou seja, o velho continente europeu
deixa de ter um lugar de primazia nos destinos do sistema internacional, passando a
existirem outros actores de grande relevância, como os EUA ou a Rússia (futura
URSS).
Gráfico n.º 5
Esquema geral do período 1911-1926
CRISE INTERNACIONAL
EMERGÊNCIA MUNDO
EXTRA-EUROPEU
INCAPACIDADE DE
BRASIL – REPÚBLICA REFORÇO DE PORTUGAL – I
VELHA RESULTADOS REPÚBLICA
561
Paula Marques Santos
Gráfico n.º 6
Contingente migratório para o português para o Brasil – 1911-1926 (417 507)
4
Em Julho de 1912, este foi substituído por outra figura importante do Partido, e nascido no Brasil – Bernardi-
no Machado.
5
CERVO, 2000: 263-270.
6
MAGALHÃES, 1999: 141.
7
MAGALHÃES, 1999: 83.
562
As relações Portugal-Brasil e a emigração.
Enquadramento político-diplomático da 1.ª metade do século XX
com diversas reduções tarifárias e aduaneiras, não teve qualquer sucesso devido a
novas disposições proteccionistas que são entretanto introduzidas na pauta brasileira.
Desta busca de um novo espírito de aproximação, realçamos diversos autores e
até de diplomatas e políticos, que defendiam a luso-brasilidade e o reforço da comu-
nidade luso-brasileira. Estes depoimentos a favor de uma verdadeira comunidade
luso-brasileira continuarão a encontrar, durante a coexistência do Estado Novo brasi-
leiro e português, além do pensamento favorável dos dois líderes políticos, a subsi-
diariedade de muitas figuras públicas que defendem publicamente este projecto, onde
realçamos o nome de dois dos seus expoentes máximos: Gilberto Freyre8; e João
Neves de Fontoura (embaixador brasileiro em Lisboa, entre 1943 e 1945), os quais
influenciarão a aproximação entre os dois regimes autoritários, ao nível espiritual e
pragmático.
Das tentativas encetadas ao longo da I República portuguesa fica, assim, apenas
o “eco de uma renovada aproximação afectiva dos dois povos, sem grandes efeitos
práticos”9, já que poucas realizações são efectivadas, não apenas pela fraca incapaci-
dade de ambos os países para atingirem resultados práticas (instabilidade política
interna permanente), mas também pelas próprias condicionantes regionais continen-
tais de cada um, que influenciavam a sua postura ao nível internacional.
Toda essa instabilidade, aliada à Primeira Guerra Mundial marcarão grandes flu-
tuações nos fluxos migratórios para o Brasil. Como podemos analisar no gráfico
supra, existe um elevado número de saídas até ao início da guerra mundial, embora
se verifique a partir de 1911 um acentuado decréscimo (à medida que o mundo se
prepara para a guerra). O aumento das vagas apenas se fará sentir novamente entre
1919 e 1920 (final da guerra e Europa destruída) e, posteriormente, apenas no final
da I República e nas vésperas da Grande Depressão.
3. Período de 1927-1945
8
Gilberto Freyre apresenta, pela primeira vez, o conceito de luso-tropicalismo como condição que tinha
levado o povo português a promover a interpenetração racial, linguística e cultural, combinando a cultura
europeia com a cultura tropical, e que tinha influenciado de forma crucial a formação da própria nação
brasileira. Ver MAGALHÃES, 1999: 278.
9
MAGALHÃES, 1999: 84.
563
Paula Marques Santos
Gráfico n.º 7
Esquema geral do período 1927-1945
CRISE
II GUERRA MUNDIAL
REFORMULAÇÃO
PARADIGMAS S.I.
POLÍTICA DO
BRASIL – ESTADO
RESSURGIMENTO PORTUGAL –
NOVO
ESTADO NOVO
10
NOGUEIRA, 1977: 127.
564
As relações Portugal-Brasil e a emigração.
Enquadramento político-diplomático da 1.ª metade do século XX
565
Paula Marques Santos
cação, regeneração e homogeneização interna das duas nações, contra todas as outras
influências e pressões internas e/ou externas que se faziam sentir especialmente no
território brasileiro (e.g. a pressão nativista ou as influências italiana, nipónica ou
norte-americana). Nesse sentido, o governo brasileiro vai concedendo à colónia por-
tuguesa um regime de excepção à sua legislação nacionalista, quanto à entrada, per-
manência e acesso ao trabalho pelos imigrantes15 portugueses, nomeadamente:
o reconhecimento e a preferência pela imigração portuguesa e o esbatimento
gradual das exigências para a entrada e permanência no território;
a concessão de situações de privilégio para os cidadãos portugueses quanto
ao acesso ao trabalho em geral e a algumas profissões específicas (e.g. as
actividades liberais ou relacionadas com a actividade portuária/marítima);
as excepções dadas às associações socioculturais da colónia portuguesa – per-
mitindo-se a sua manutenção sem a obrigatoriedade de controlo por brasileiros;
o tratamento especial dispensado por todas as entidades governativas brasi-
leiras aos representantes diplomáticos e consulares portugueses.
Apesar das restrições e generalizações iniciais, a situação vai sendo aligeirada
para os cidadãos portugueses, permitindo uma quase equiparação plena aos direitos
dos brasileiros natos em diversos sectores da vida em sociedade (com excepção dos
direitos e deveres políticos).
Gráfico n.º 8
Contingente migratório para o português para o Brasil (1927-1945)
De um total de 252 597 efectivos, 186 489 portugueses entram ente período no
Brasil, o que demonstra que, apesar da escolha de outros destinos (entre os quais
estavam as colónias portuguesas, para onde se favorecia a ida de nacionais), o Brasil
continuou ainda a ter a primazia.
15
Sobre a principal legislação brasileira, deste período, acerca da imigração, ver PAULO, 2000: 604-605.
566
As relações Portugal-Brasil e a emigração.
Enquadramento político-diplomático da 1.ª metade do século XX
4. Período de 1946-1950
16
HENRIQUES, 1999: 49.
567
Paula Marques Santos
Gráfico n.º 9
Esquema geral do período (1946-1950)
DESCOORDENAÇÃO DO
DIÁLOGO BILATERAL
AFASTAMENTO DO
S.I.
Gráfico n.º 10
Contingente migratório para o português para o Brasil (1946-1950)
568
As relações Portugal-Brasil e a emigração.
Enquadramento político-diplomático da 1.ª metade do século XX
Considerações finais
569
Paula Marques Santos
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570
As relações Portugal-Brasil e a emigração.
Enquadramento político-diplomático da 1.ª metade do século XX
571
Paula Marques Santos
572
O ESTUDO DE UN CONCELHO PONTEVEDRÊS:
A IMIGRAÇÃO DE COTOBADE AO BRASIL
Introdução
573
Érica Sarmiento da Silva
1
CORTIZO, 1994: 427-429.
574
O estudo de un concelho pontevedrês: a imigração de Cotobade ao Brasil
se habían instalado y generado una cierta capacidad empleadora, mientras otros tuvie-
ron que conformarse con contractos impersonales que ofertaban las expansivas activi-
2
dades agrarias a través de agentes reclutadores” .
2
VÁZQUEZ, 1999: 675.
3
VÁZQUEZ, 1999: 672.
4
Como por exemplo, a emigração dos canteiros da Terra de Montes, que era de tipo estacional. Era uma
migração onde predominava uma forte solidariedade familiar e de vizinhança. Emigravam em grupo, as
chamadas quadrilhas e a profissão era passada tradicionalmente dos mais velhos aos mais jovens. Esse
tipo de migração, majoritariamente masculina, aumentava a possibilidade alimentícia do grupo familiar
mediante a ausência temporal de alguns dos seus membros, ademais de aportar dinheiro metálico, escas-
so em uma economia de subsistência (CORTIZO, 1990: 170, 175). Ou o caso da emigração estacional
agrícola dos camponeses que partiam durante os meses de Verão para trabalharem principalmente nas
segas castelhanas (EIRAS ROEL, 1994: 39).
575
Érica Sarmiento da Silva
5
AMC – Livro de Quintas 1870, registro 540/1. O grifo é da autora.
576
O estudo de un concelho pontevedrês: a imigração de Cotobade ao Brasil
como seus irmãos, uma vez concedida a licença do alistamento militar? Ou que os
pais omitissem os lugares de destino dos filhos e as ajudas econômicas que pudessem
receber para se verem livres de impostos ou para impedir que seus filhos mais novos
fossem levados para África ou para servir em qualquer outro lugar? De todas as for-
mas, era mais garantido emigrar antes de cumprir a idade militar, porque era difícil
que as autoridades abrissem mão dos “braços” camponeses como a única solução
para servir à pátria.
Dentro dos próprios municípios, num espaço geográfico pequeno, circunscrito às
paróquias, existem diferenças significativas nos destinos migratórios. Camilo Fer-
nández Cortizo analisa esse comportamento diferencial na jurisdição de Cotobade.
Segundo palavras do autor:
“Este comportamiento diferencial entre comarcas contíguas se reproduce internamente
en la jurisdicción de Cotobad, em cuyo território se marca uma línea divisoria entre
parroquias com predilección por los destinos portugueses y feligresías com preferência
por el interior castellano y Galicia. Las muertes de fallecidos “fuera” en las parroquias
del norte (Viascón, Sacos y Caroi) se localizan, de acuerdo con la anterior distinción,
preferentemente en Galicia – en el Obispado de Ourense en la primera mitad del XVIII
y en la ría de Ferrol en la segunda –, pero también en el reino de León y Castilla. […]
La zona sur de Cotobad (Tenorio, Borela), en contra del comportamiento del sector
norte, muestra ya una marcada preferencia por Portugal (Chaves, Braga y, en menor
medida, Melgaço) y, dentro de Galicia, por la contigua provincia de Tui”6.
6
CORTIZO, 1994: 431.
7
LOPO, 2000: 274.
577
Érica Sarmiento da Silva
Entretanto, devemos contar com outra informação importante que nos oferecem
as listas de desertores: os paradeiros desconhecidos. No livro de recenseamento mili-
tar do ano de 1840, por exemplo, os ausentes com destino ignorado representam 62%
do total de moços chamados para o serviço militar. Sem dúvida, uma porcentagem
altíssima que deixa um espaço vazio que somente podemos preencher formulando
uma série de hipóteses. Onde estariam? Uma parte podia estar em Portugal, outra, em
concelhos galegos ou castelhanos, mas não podemos descartar que uma parcela des-
ses emigrantes podia estar perfeitamente em países americanos. Por isso, temos que
deixar aberta a possibilidade de que haveria uma emigração, ainda que não de forma
massiva, para o Brasil, desde a primeira metade do século XIX.
8
Realizamos uma pequena amostra com os livros de recenseamento militar do Arquivo Municipal do
concelho de Cotobade para descobrir os destinos dos vizinhos antes da emigração à América. Para isso,
recolhemos, além dos livros do século XX, os prófugos dos anos de 1831, 1840, 1850, 1860, 1870,
1878, 1879, 1890. A intenção era analisar um período temporal de 10 anos, mas infelizmente havia
documentos que não estavam completos. O resultado foi que, entre 1831 e 1960, dos 413 prófugos
anotados, 300 estavam em Portugal. Os anos que encontramos emigrantes em terras portuguesas foram
entre 1831 e 1890. As cifras são as seguintes: no ano de 1831, 158 emigrantes; em 1840, 15 emigrantes;
em 1850, 54; em 1860, 28; em 1870, 1; em 1878, 38; em 1879, 17; em 1890, 4. Notemos que ao longo
do século XIX o número de prófugos ausentes em Portugal vai diminuindo consideravelmente até não
encontrarmos nenhum no século XX. A partir de 1901, a emigração dá um claro “salto” às cidades
brasileiras como Salvador da Bahia, Rio de Janeiro e Santos, além da emigração à Argentina, Uruguai e,
em menor, medida Cuba.
9
ALVES, 1994: 97.
578
O estudo de un concelho pontevedrês: a imigração de Cotobade ao Brasil
Gráfico n.º 1
Emigração de Cotobade a Portugal e a Brasil por ano (1831-1960)
250
200 Brasil
Portugal
150
100
50
0
1830 1860 1890 1910 1940 1960
-50
Fonte: Elaboração própria a partir dos livros de recenseamento militar do concelho de Cotobade.
10
AMC – Livro de Quintas de 1831, 535/1. O grifo é da autora.
579
Érica Sarmiento da Silva
Quadro n.º 1
Paróquias de Cotobade com emigração a Portugal no século XIX (1830-1900)
Quadro n.º 2
11
Ausentes do concelho de Cotobade nas cidades portuguesas (1830-1900)
11
A porcentagem foi extraída do total de emigrantes a Portugal. As cidades que aparecem no quadro são
aquelas que tinham emigração superior a 5. As outras localidades com menor índice de emigração
foram: Alfondiga da Fé (1), Arcos (2), Boticas de Barroso (1), Camelados (1), Castinheiro (1), Guima-
rães (1), Lindoro (1), Moncorvo (2), Penhão (1), Sanfins (1), Santiago da Cruz (1), Valença (1), Viana
do Castelo (1), Vila de Conde (2), Vila de Ruivas (1), Vilapouca de Aguiar (3). Dos 299 vizinhos de
Cotobade que emigraram para Portugal, não apareceram a cidade exata de 148 deles. Unicamente apare-
cia o país “Portugal”.
580
O estudo de un concelho pontevedrês: a imigração de Cotobade ao Brasil
12
RIBEIRO, 2002: 193
581
Érica Sarmiento da Silva
informação sobre a sua trajetória no Hospital Espanhol13, nem sequer algum dado
que nos possibilite conhecer um pouco mais sobre a atividade sócio-profissional
desse emigrante no Rio de Janeiro. O único que sabemos é que foi o vizinho mais
antigo do concelho de Cotobade encontrado em todos os arquivos pesquisados no
Rio de Janeiro14. Como ele, outros 40 patrícios do concelho de Cotobade também se
inscreveram na Beneficência Espanhola entre 1870 e 1919. Teoricamente, não
encontramos nenhum outro vizinho matriculado em datas anteriores, mas podemos
observar que outros concelhos pontevedreses, como Pontecaldelas e Redondela, já
tinham emigrantes desde 1859, principalmente Pontecaldelas, o município vizinho ao
nosso objeto de estudo, que apresentava uma cota de sócios nada desprezível entre os
anos de 1859 e 1919: 60 emigrantes. Receberiam influência os habitantes de Cotoba-
de dos emigrantes de Pontecaldelas? A cadeia humana que se formou ao redor dos
concelhos pontevedreses, com a chegada desde o século XIX de indivíduos proce-
dentes dos municípios de Redondela, As Neves, O Covelo, entre outros, possibilitou
o assentamento sócio-profissional dos patrícios que chegaram posteriormente. Não
necessariamente tinham que ser da mesma localidade para receber a primeira assis-
tência. A corrente estendia-se também aos portugueses, que mantinham negócios
com galegos ou vice-versa.
Um exemplo bem ilustrativo é o de José Hermida Pazos, natural de Ponte Calde-
las. No ano de 1862, aos 33 anos de idade, matriculou-se no Hospital Espanhol. Nes-
te tempo, já era um reconhecido ótico, dono da mais prestigiosa fábrica de material
ótico do Rio de Janeiro do século XIX. Desconhecemos a data exata em que chegou
ao país, mas certamente foi antes de 1862, porque em sua trajetória profissional
começou como aprendiz, subindo os escalões até chegar a ser dono da empresa. O
seu sócio, primeiramente patrão e criador da empresa, foi o português José Maria dos
Reis, assentado no Brasil desde inícios dos anos 20 do século XIX15. José Hermida
Pazos indicou para sócios do Hospital Espanhol patrícios de todas as partes da Gali-
za, não só do seu concelho, mas também de outros municípios pontevedreses, inclu-
sive de outras províncias, como A Coruña e Ourense. Emigrantes influentes de
concelho próximos, que já na emigração massiva estavam bem-sucedidos no Rio de
Janeiro, representavam a imagem ideal do estrangeiro que iniciou sua trajetória desde
13
Nas matrículas do Hospital Espanhol, além dos dados pessoais, há também informações sobre as
ausências dos sócios a países estrangeiros, ao falecimento dos mesmos ou a sua trajetória como sócio (as
distintas hierarquias da sociedade, que estava dividida em sócios distinguidos, beneméritos, gran bene-
méritos, etc.).
14
Nos recenseamentos militares do ano 1860 encontramos um emigrante no Rio de Janeiro, chamado
Manuel Cabano Peleteiro, da paróquia de Tenorio (não consta a profissão, nem o ano de ausência). A
partir de 1878, começam a aparecer alguns casos de emigração para o Rio.
15
FILHO, 1986: 75.
582
O estudo de un concelho pontevedrês: a imigração de Cotobade ao Brasil
os mais baixos escalões, subindo toda a hierarquia profissional exigida pela mentali-
dade emigratória.
A emigração dos canteiros, que se iniciou no século XVIII, nas cidades do norte
português, continuou para além do Oceano, onde as oportunidades socioeconômicas
criaram novas expectativas de prosperidade e mudaram o destino dos habitantes de
Cotobade e da Galiza. Nos livros de censo do concelho de Cotobade (anos de 1950-
1965), dos ausentes no Rio de Janeiro, o setor da construção (canteiros, carpinteiros e
mestres-de-obras/pedreiros) representa 45,5% da amostra recolhida para esse Estado
brasileiro (total de 169 profissões), frente a 26% do setor do comércio. O que
demonstra que uma porcentagem importante da emigração desse concelho a Rio de
Janeiro não se dedicou somente ao setor terciário e continou mantendo ocupações
exercidas desde à época das migrações intrapeninsulares.
Gráfico n.º 2
Profissão dos ausentes de Cotobade no Rio de Janeiro (1950-1965)
50
44
45
40
34
35
29 29
30 26
25
20
14
15
10 7 6
5 4 5 5
5
0
583
Érica Sarmiento da Silva
Gráfico n.º 3
Principais profissões dos ausentes de Cotobade na Bahia (1950-1965)
16
BACELAR, 1994: 49.
17
BACELAR, 1994:55
584
O estudo de un concelho pontevedrês: a imigração de Cotobade ao Brasil
Gráfico n.º 4
Profissão dos chefes de família dos ausentes no Rio de Janeiro (1950-1965)
18
Aqui nos referimos aos pais dos emigrantes. Em pouquíssimos casos aparece um cunhado ou um
irmão como chefe de família, no caso do pai estar ausente ou falecido. As cabeças de famílias mulheres
não foram contabilizadas porque eram todas lavradoras ou donas-de-casa. Os emigrantes chefes de
família tampouco entram no cálculo porque estão contabilizados nas profissões dos ausentes.
585
Érica Sarmiento da Silva
A corrente familiar dos Gómez Romar ganhou muita força ao longo de todo
século XX. Nessa família, primeiro emigrou o pai, Adolfo Gómez Rodríguez, que
esteve na Argentina, no Uruguai e por último no Rio de Janeiro. Depois de passar por
todos esses países, retornou e disse para um dos filhos “Tu vais para o Brasil e vais
te dar muito bem, aquilo é uma maravilha”. E Adolfo seguiu o conselho do pai e
escolheu o Brasil como destino.
Em Cotobade se ganhava pouco, a vida era difícil. As mulheres trabalhavam no
campo e os homens como canteiros: “a situação da família era regular, porque havia
que trabalhar muito no campo e depois nas obras. Os salários eram muito pequenos.
Eu, por exemplo, ganhava 12 pesetas mais ou menos no ano de 1948/49. Não dava
para nada20”. Curiosamente, San Xurxo de Sacos foi uma paróquia com mais tradi-
ção migratória para a Argentina do que para o Rio de Janeiro, mas mesmo assim a
família resolveu seguir o conselho paterno e emigraram cinco irmãos. As diferenças
de salário entre o Brasil e a Galiza, o retorno do pai com as suas histórias e experiên-
cias de vida e a anterior emigração de vários vizinhos, entre eles, um cunhado,
influenciou a partida de cinco dos nove irmãos dessa família.
19
Entrevista a Adolfo e Antonio Gómez Romar, no dia 14 de Novembro de 2004, em Cotobade.
20
Entrevista a Antonio Gómez Romar, no dia 14 de Novembro de 2004, em Cotobade.
586
O estudo de un concelho pontevedrês: a imigração de Cotobade ao Brasil
Abreviaturas
Fontes e Bibliografia
Bibliografia
587
AS “CASAS DE BRASILEIROS” –
DOIS EXEMPLOS NO VALE DO SOUSA
Alda Neto
Introdução
Figura n.º 1
Palacete da Granja na actualidade
589
Alda Neto
Figura n.º 2
Castrália
Autores como Camilo Castelo Branco ou Júlio Dinis catalogaram as casas dos
brasileiros como objectos bizarros e perturbadores da ordem e simplicidade da pai-
sagem nortenha. Assim, o norte do país foi pontuado de casas que muitos consideram
diferentes, mas que constituem o testemunho de vida do emigrante.
As descrições camilianas da “Casa do Brasileiro” inserem-se na paisagem rural
do Minho e procuram exprimir, sobretudo, o novo-riquismo, bem como a incoerência
e o mau gosto artístico. Estas casas são descritas como exemplos de mau-gosto arqui-
tectónico e decorativo que contribuíram para a adulteração da paisagem minhota.
Como se pode constatar, não foi só o “brasileiro” alvo das críticas literárias, mas
também a própria casa, cuja descrição tem de ser encarada como um mero exercício
1
CESAR, 1969: 89.
590
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
literário, uma vez que houve casas que, quer nas suas cores, quer nos materiais usa-
dos ou na decoração, se assemelham de facto às descrições literárias, enquanto são
bastante diferentes e que foram menosprezadas por este “fardo” imposto.
2
PEIXOTO, 1998: 118-123.
591
Alda Neto
surge amanhã como símbolo do gosto de uma época, como testemunho de uma tec-
nologia até aí de valor insuspeitado, representativa de valores sociais positivos ou
negativos, mas de inegável valor histórico e artístico”3. Consideramos importante que
as Casas dos Brasileiros comecem a ser encaradas como o testemunho de uma época
que contribuiu não só para introduzir novos materiais como para desenvolver um
mercado de trabalho ao nível dos ofícios e das indústrias a elas ligados, mas também
novas práticas arquitectónicas e decorativas.
Apesar de não existir um modelo típico da casa de brasileiro, pois estas inserem-
se em contextos socioeconómicos distintos e apresentam características diferentes, é
nossa opinião que existem características comuns que se reflectem nas variadas cons-
truções por todo o norte de Portugal.
De acordo com o arquitecto José Manuel Pedreirinho, “uma das características que
podemos considerar mais constantes daquilo que genericamente se refere como casas
de emigrantes é justamente o facto de estas não apresentarem características próprias”4.
De facto, as Casas de Brasileiros, por nós estudadas, são um conjunto de casas
dispersas na paisagem do concelho de Paredes que se destacam pela sua diversidade
formal e pelo modo como se afirmam na própria paisagem. Assim, estas casas consti-
tuem uma amálgama de edifícios de diferentes traças e materiais, com tratamentos e
dimensionamentos distintos.
Como já foi referido anteriormente, as casas reflectem a personalidade do brasi-
leiro que ali habitou e que a mandou construir. Desta forma, a Castrália e o Palacete
da Granja constituem dois exemplos distintos deste concelho. Vejamos então estes
dois exemplos de Casas de Brasileiros, que reflectem os percursos bastante distintos
de dois emigrantes.
592
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
5
Rosalina de Sousa Guimarães, irmã de Deolinda Francisca Guimarães da Silva Mendes, era natural da
freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, da cidade de São Salvador da Baía. Veio para Paredes
juntamente com Joaquim Bernardo Mendes e a sua irmã. Neste concelho destacou-se como grande bene-
mérita e protectora dos mais pobres. Promoveu a construção da nova Igreja Matriz de Castelões de Cepeda.
593
Alda Neto
centro de um jardim, que me pareceu muito bonito. A entrada, até à escadaria que dá
acesso ao palacete, tapetada de folhas de rosas, lançadas pela ranchada de aldeãs. El-
rei subiu logo para o 1.º andar, onde está a sala de visitas, ricamente mobilada. Ahi,
foram-lhe apresentados o dono da casa e varias pessoas gradas. S. M. assomou a
janela e foi muito cumprimentado pelo povo (…)”6.
Desta forma, o Palacete da Granja apresentou-se como um espaço condigno para
se proceder a esta recepção. De acordo com a descrição presente na imprensa local, o
interior do edifício era ricamente mobilado.
Joaquim Bernardo Mendes era um defensor da monarquia, como se pode com-
provar pelas visitas que recebeu, entre elas os reis D. Carlos I e D. Manuel II e de
elementos do Partido Regenerador.
As notícias publicadas na imprensa sobre o Visconde de Paredes confundem-se
com as publicadas sobre o Palacete da Granja. Inclusive a própria imprensa chega a
referir-se ao palacete como o Palacete Mendes ou a Casa do Visconde de Paredes.
Desta forma, reiteramos a nossa opinião, as Casas de Brasileiro não podem ser vistas
como conjuntos edificados isolados, mas como mais um elemento para o estudo do
percurso do brasileiro.
Em 1899, o jornal O Comércio de Penafiel referiu a chegada do Dr. Alberto
Navarro, à estação de Paredes para almoçar com o Visconde de Paredes e outros
elementos do Partido Regenerador, como o Conselheiro Campos Henriques7. Este
edifício tornou-se num importante centro de convívio de políticos portugueses. Em
1904, o jornal O Comércio de Penafiel escreve o seguinte: “S. Exas dirigem-se
agora para o palacete do sr. Visconde de Paredes. Vae servir-se o jantar, com a
assistência de bastantes convidados”8.
Em 1906, os jardins do Palacete foram palco de um baile de máscaras organizado
pela Viscondessa de Paredes. Em 1909, o rei D. Manuel II visitou a sede do concelho
de Paredes e o Palacete da Granja e o Visconde de Paredes.
Em 1911, o Visconde de Paredes adoeceu gravemente, vindo a falecer a 16 de
Maio do mesmo ano. O Palacete da Granja recebeu a população do concelho de
Paredes que aqui se deslocou para prestar a sua última homenagem ao Visconde de
Paredes. A 26 de Maio de 1911, o periódico paredense O Povo publicou um artigo
sobre o funeral do Visconde de Paredes, tendo destacado as personalidades que
6
O Primeiro de Janeiro, n.º 139.
7
O Conselheiro Campos Henriques nasceu em 1853, na cidade do Porto. Em 1875 licenciou-se em
Direito na Universidade de Coimbra. Posteriormente, filiou-se no Partido Regenerador. Nos anos de
1892, 1897 e 1900 foi eleito deputado. Em 1893 foi nomeado para Governador Civil do Porto. Em 1894
foi nomeado Ministro das Obras Públicas e, em 1900, foi-lhe atribuída a Pasta da Justiça. Foi novamente
Ministro da Justiça no Ministério da “Acalmação”. Após a implantação da República abandonou a vida
política. Faleceu a 7 de Novembro de 1922.
8
O Comércio de Penafiel, n.º 2: 931.
594
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
9
O Povo, n.º 10.
10
O Novo Paredense, n.º 37.
11
O Novo Paredense, n.º 16.
595
Alda Neto
596
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
obras de adaptação, todas elas custeadas pela Câmara. A escola de Paredes funcionou
várias décadas neste edifício, até à sua mudança definitiva para as novas instalações
em meados da década de 1980. Mais uma vez, o Palacete ficou abandonado ao seu
destino, até que a Escola Preparatória “Teixeira de Vasconcelos” mudou para este
espaço uma parte das suas instalações. A ocupação foi de curta duração, pois esta
também se mudou para o complexo educativo de Paredes. Uma vez mais, o Palacete
da Granja ficou votado ao abandono, na medida em que, apesar de todos os esforços
levados a cabo pela Santa Casa da Misericórdia, nem as autoridades governamentais
nem as autoridades locais apresentaram qualquer solução.
Com o objectivo de preservar e valorizar este edifício, o provedor da Misericór-
dia de Paredes, Abílio Seabra, adquiriu este imóvel e ofereceu-o à Santa Casa da
Misericórdia de Paredes que, posteriormente, o alugou por um período de longa
duração à Câmara Municipal. A Câmara Municipal, entretanto, iniciou obras de
recuperação e adaptação do imóvel. Estas obras foram lideradas pelo arquitecto Car-
los Santos, que elaborou um projecto para um espaço cultural. As obras iniciaram-se
em 1994, tendo-se concluído em 1997.
Figura n.º 3
O Palacete da Granja na década de 1980 (Arquivo Particular)
12
Novas do Vale do Sousa, 1997.
597
Alda Neto
Figura n.º 4
A clarabóia existente no Palacete da Granja (Arquivo Particular)
598
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
13
D. António Augusto de Castro Meireles, filho de Raimundo Duarte Meireles e Delfina Moreira de
Castro, irmã de Adriano Moreira de Castro, nasceu a 15 de Agosto de 1885 em São Vicente de Boim,
concelho de Lousada e faleceu a 29 de Março de 1942, na cidade do Porto. Estudou no Colégio de Nossa
Senhora do Carmo, em Penafiel, ingressando, posteriormente, no Seminário do Porto. A 22 de Abril de
1908 foi ordenado padre. Em 1912 concluiu os cursos de Teologia e Direito na Universidade de Coim-
bra, dedicando-se ao exercício de ambas as carreiras no Porto. Foi nomeado bispo de Angra de Heroís-
mo a 29 de Junho de 1924, tendo aí permanecido até 1929. Nesta diocese privilegiou a educação católica
e a organização política dos católicos no arquipélago dos Açores. Procurou aumentar a influência políti-
ca e social da Igreja durante a Primeira República portuguesa. Tornou-se uma presença constante na
imprensa diária através da aquisição pela Diocese dos jornais A União (Angra do Heroísmo) e a Demo-
cracia (cidade da Horta). Aquando do terramoto da Horta, em 31 de Agosto de 1926, empenhou-se na
busca de recursos para auxiliar as famílias sinistradas. Com este objectivo, deslocou-se até à comunidade
açoriana na costa leste dos Estados Unidos da América buscando aí apoios económicos para as popula-
ções atingidas. Em 1929, substituiu D. António Barbosa Leão, como bispo da cidade do Porto, permane-
cendo aí até 1942, data em que viria a falecer.
599
Alda Neto
que redigiu quer para o jornal A Behetria de Louredo, quer para o Almanaque Luso-
-Brasileiro, editado por Parceria A. M. Pereira subordinados à temática da emigração.
Este brasileiro traduziu o seu regresso no constante auxílio aos mais necessita-
dos, com constantes doações à Santa Casa da Misericórdia de Paredes e aos mais
desfavorecidos da sua aldeia.
A sua filantropia estendia-se às festas populares, quer em Paredes quer em Pena-
fiel. Veja-se o exemplo da Festa em honra de São Sebastião (Louredo – Paredes) ou
a Festa de Nossa Senhora da Saúde (Bustelo – Penafiel) cujas despesas foram supor-
tadas integralmente por este emigrante.
Do ponto de vista ideológico, Adriano Moreira de Castro era um fervoroso defen-
sor dos ideais republicanos, tendo inclusive patrocinado a realização de vários comícios
no concelho de Paredes e, nomeadamente, na sua vivenda Castrália, como por exemplo
a 29 de Abril de 1911: “Em Louredo da serra, concelho de Paredes, effectuou-se no
domingo um comício de propaganda eleitoral. O comício realisou-se n’uma propriedade
do nosso amigo sr. Adriano Moreira de Castro, digno vice-presidente da Câmara”14. Os
ideais republicanos estavam presentes nas suas obras, como podemos constatar pela
inscrição (já desaparecida) colocada na frontaria da escola de Louredo: Depois do pão,
a educação a primeira necessidade do povo. Na própria Castrália, a adesão aos ideais
republicanos apresentou-se de forma visível. Na fachada voltada a sul, foi colocado um
suporte para a colocação de uma bandeira. Actualmente, o mastro já não existe, mas
ainda é possível encontrar vestígios do local onde este seria colocado. No arquivo par-
ticular da Castrália, encontra-se a bandeira que constitui a junção das bandeiras de
Portugal e do Brasil. Esta bandeira, à semelhança da bandeira republicana portuguesa,
é composta por duas partes: uma vermelha e outra verde. A parte central é ocupada pelo
globo, semelhante ao existente na bandeira brasileira, com a frase: Pátria e Liberdade.
A sua adesão aos ideais republicanos manifestou-se na decoração da sua habita-
ção, pois a divisão designada por “Sala da Música” exibe no seu tecto o hino francês
“A Marselhesa”, ligeiramente adaptado e intitulado “A Marselhesa Paredense”.
Como se pode ver, a Castrália constituiu simultaneamente o ponto de encontro
de republicanos, intelectuais e dos mais necessitados. Esta casa foi palco de recepção
de ilustres personagens como o bispo D. António Augusto de Castro Meireles, José
Coimbra Pacheco e Leónidas de Castro Melo, importante milionário brasileiro.
Em 1911, o periódico paredense A Redenção publicou um artigo alusivo à Cas-
trália. Neste artigo é dada a notícia da criação de uma composição musical, uma
valsa, em honra da Castrália, pelo músico Álvaro Teixeira Lopes.
À semelhança desta publicação, Adriano Moreira de Castro encomendou, em
1909, uma colecção de três postais, que fez distribuir pelos seus familiares e amigos.
14
O Comércio de Penafiel, n.º 3: 653
600
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
15
A Behetria de Louredo, n.º 2, 22 de Janeiro de 1922.
16
GRIMAL, 1992: 78.
601
Alda Neto
de inicialmente o edifício ser todo branco. As molduras das janelas e das portas são
em granito, no exterior, alternando com a madeira do interior.
No rés-do-chão localiza-se a cozinha, que foi profundamente alterada. Para além
deste espaço, existem a Sala de Jantar, a Sala da Música, a Sala da Geogra-
fia/Biblioteca e o “Quarto do Bispo”. Neste piso, existe um vestíbulo que permite
aceder à escadaria principal, em madeira, que conduz aos pisos superiores, onde se
localizam os quartos.
No piso do rés-do-chão situam-se três portas, abrindo-se a porta central para uma
escadaria e corrimão em madeira para o primeiro piso. A porta central é de madeira e
vidro, tendo apresentado anteriormente motivos florais pintados. As portas laterais
eram utilizadas para aceder a dois espaços distintos, a cozinha e a casa dos pais do
brasileiro. As janelas do rés-do-chão, à semelhança das existentes nos pisos superio-
res, são em madeira e ferro forjado.
Na fachada sul abre-se uma varanda, para a qual confluem as janelas de sacada
da Sala da Música e do Escritório/Biblioteca. Sobre a sacada destas janelas existe
uma estrutura em ferro forjado. De acordo com testemunhos familiares, esta estrutura
seria utilizada para a colocação de uma cobertura em momentos de calor.
A casa destaca-se no seu enquadramento espacial, uma vez que se localiza junto
da estrada municipal, aberta na década de 1920, confrontando uma das extremidades
com o cemitério paroquial. A habitação encontra-se rodeada de terrenos agrícolas.
Os elementos referidos anteriormente, como sendo aqueles que traduzem a iden-
tidade da Casa de Brasileiro, não podem ser identificados na Castrália, uma vez que
esta casa, como tantas outras, reflecte a personalidade e o percurso do seu proprietá-
rio. Por outro lado, esta casa constitui um exemplo bastante particular na medida em
que o interior constitui uma representação das terras paraenses que o brasileiro tanto
gostava e admirava.
A Castrália destacou-se, simultaneamente, pelas suas dimensões e características
arquitectónicas, que se aproximam mais das inovações da Europa do que das caracte-
rísticas importadas do Brasil. As suas grandiosas dimensões e o seu telhado demasia-
do inclinado permitem-lhe afirmar-se na paisagem. A inclinação do telhado constitui
uma influência das inovações arquitectónicas da Europa, fazendo recordar os “cha-
lets”. Este tipo de construção representa as mudanças introduzidas no nosso território
pelos arquitectos, engenheiros, cenógrafos ou botânicos europeus ou mesmo pelas
viagens realizadas pelos brasileiros no continente europeu.
De acordo com a Monografia de Paredes17, os principais materiais usados na
construção e decoração da casa eram provenientes de terras brasileiras como é o caso
das madeiras (pau-brasil e pau-cetim) ou de alguns objectos decorativos (estatuária).
17
BARREIRO, 1924: 414.
602
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
Embora a família não fosse muito numerosa (apenas uma filha do primeiro
casamento), a casa possuía divisões bastante espaçosas: sete quartos, três quartos
para os empregados, quatro instalações sanitárias, uma cozinha e três salas.
Após a entrada pela porta principal, o visitante depara-se com um átrio de dimen-
sões modestas, mas decorado com elementos identificativos do emigrante. De acordo
com testemunhos orais, para este espaço terão sido concebidas e encomendadas quatro
cadeiras em pau-brasil e couro. Estas cadeiras permanecem, actualmente, no interior do
edifício. As cadeiras que aqui estariam têm uma particularidade: o nome da habitação
encontra-se inscrito no espaldar em pele. Esta inscrição foi colocada sobre uma esfera
armilar, símbolo do rei D. Manuel e elemento colocado no centro da bandeira portu-
guesa, adoptada em 1910, aquando da implantação da República. A esfera armilar
encontra-se cercada por uma moldura com motivos vegetais. Na parte inferior do espaldar
encontram-se duas figuras masculinas semi-nuas, possivelmente índios brasileiros.
Quanto às zonas de acesso (corredores e escadaria), no rés-do-chão, o pavimento
encontra-se em bom estado de conservação. O tecto é decorado com motivos florais,
em alto-relevo, em estuque. No primeiro andar, as escadas de acesso tinham pinturas
a imitar uma tapeçaria. As paredes da escadaria principal foram decoradas com pin-
tura a fresco a imitar o mármore. No segundo piso, o pavimento encontra-se em mui-
to mau estado de conservação devido ao abandono da casa nos finais do século XX.
Relativamente aos quartos, estes são de dimensões modestas.
No primeiro piso localiza-se o “Quarto do Bispo”, designação dada devido à
constante permanência de D. António Augusto de Castro Meireles em casa do seu
tio, que lhe terá suportado parte dos estudos. Este quarto terá sido preparado para
recebê-lo sempre que visitasse a freguesia de Louredo, apesar de considerarmos que
esta divisão teria sido uma pequena sala de visitas.
Duas portas que apresentam nas almofadas pequenos ramos de flores pintadas
abrem-se para o corredor, apresentando-nos a maior divisão da habitação – a Sala de
Jantar. Esta sala caracteriza-se pelas variadas pinturas murais que revestem as pare-
des, na sua totalidade. Estas pinturas são da autoria de C. Carvalho, possivelmente de
origem brasileira. O tecto é em estuque e estão representados motivos florais e ani-
mais, em alto-relevo. O pavimento da sala de jantar foi executado com pau-brasil e
pau-cetim, madeiras importadas do Brasil pelo emigrante. No centro do pavimento,
encontra-se o monograma de Adriano Moreira de Castro – AMC.
603
Alda Neto
Figura n.º 5
A Sala de Jantar na Castrália
As paredes desta divisão estão divididas em cenas diferentes que, na sua maioria,
representam paisagens alusivas ao Brasil, nomeadamente ao Estado do Pará. Na pri-
meira metade da parede estão representados pequenos quadros com cenas campes-
tres, citadinas e marítimas. Estes pequenos painéis constituem uma banda que
circunda toda a divisão, funcionando como um elemento divisório. No primeiro terço
da parede, o pintor concebeu uma pintura que se assemelha a madeira. Dentre as sete
cenas representadas destacamos as seguintes:
uma praça com uma fonte ao centro a jorrar água. Esta praça está rodeada
por palmeiras e outras árvores. Junto da fonte existe um candeeiro em ferro
forjado, com um grande globo branco. A fonte é em granito e apresenta
sereias esculpidas. É composta por três taças de tamanho diferentes, com a
representação de motivos geométricos. Na base, na parte interior da taça de
maiores dimensões, estão representados seres marinhos com as bocas aber-
tas. A fonte representada na Castrália constitui a reprodução de uma fonte
existente na cidade de Belém do Pará intitulada de “Fonte das Sereias;
uma alameda de palmeiras, com edifícios em estilo neoclássico. De acordo
com informações orais recolhidas, esta cena é uma recriação da avenida
Campos Henriques existente na cidade de Belém do Pará;
uma torre em ruínas, composta por uma janela em arco quebrado no rés-do-
chão e, no primeiro andar uma janela que se abre para uma varanda. No
mesmo andar existe uma outra varanda, cuja abertura encontra-se coberta
por vegetação que emerge do interior da torre. Para além da torre na cena,
existe uma vegetação e uma árvore, cujos ramos se inclinam sobre a torre.
604
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
Figura n.º 6
Uma das pinturas murais na Sala de Jantar
605
Alda Neto
18
MARQUES, 1986: 515-516.
606
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
19
O Novo Paredense, n.º 57.
20
BARREIRO, 1924.
607
Alda Neto
Figura n.º 7
Mirante
Considerações finais
608
As “casas de brasileiros” – dois exemplos no Vale do Sousa
21
LOUREIRO, 1988.
609
Alda Neto
Actualmente, as Casas de Brasileiros têm sido alvo de interesse, uma vez que os
seus proprietários desapareceram, os critérios estéticos alteraram-se e a percepção da
casa transformou-se. Assim, estas casas têm vindo a ser recuperadas sobretudo pelos
organismos oficiais e utilizadas como espaços culturais ou espaços habitacionais em
alguns casos.
A salvaguarda destas casas poderá passar pela tentativa de uma maior valoriza-
ção destes exemplos arquitectónicos e, também, pela sua transformação em ambien-
tes culturais.
Fontes e Bibliografia
Bibliografia
BARREIRO, José do, 1924 – Monografia de Paredes. Porto: Tipografia Barros e Costa.
CASTELO BRANCO, Camilo, 1982-1994 – Obras Completas. Porto: Lello & Irmão.
CÉSAR, Guilhermino, 1969 – O Brasileiro na Ficção Portuguesa – O Direito e o Avesso de
uma Personagem. Lisboa. Parceria M. Pereira.
GRIMAL, Pierre, 1992 – Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Lisboa: Difel.
JÚNIOR, José Ribeiro da Costa, 1947 – A Árvore das Patacas: romance com uma descrição
da vida no Rio de Janeiro há 50 anos. Lisboa: s/ed.
LOUREIRO, José Carlos, 1988 – “A Casa de Brasileiro”, in Jornal Arquitectos, 67,
AAP/CDN.
MARQUES, A. H. de Oliveira, 1986 – Dicionário de Maçonaria Portuguesa, vol. I. Lisboa:
Editorial Delta.
PEDREIRINHO, José Manuel, 1986 – “Arquivos de Arquitectura: As Casas dos Emigrantes
«Brasileiros»”. História, n.º 98, ano IX.
PEIXOTO, Maria Paula Brito de Torres, 1998 – “A Casa do Brasileiro”, in Os Brasileiros da
Emigração. Vila Nova de Famalicão.
VALÉRIO, Nuno, 1998 – A imagem do “Brasileiro” na obra literária de Júlio Dinis. Lisboa:
Gabinete de História Económica e Social.
VILLANOVA, Roselyne de; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1995 – Casas de Sonhos.
Lisboa: Edições Salamandra.
610
CONCLUSÕES
Seminário Internacional
Um Passaporte para a Terra Prometida
(Angra do Heroísmo, 19-23 de Julho de 2010)
611
Conclusões
612
CONCLUSIONS
International Seminar
A Passport for the Promised Land
(Angra do Heroísmo, 19-23 July 2010)
This publication, under the name A Passport to the Promised Land, edited by
CEPESE, had the participation of Portuguese, Brazilian, Spanish and Italian re-
searchers, experts in the complex phenomenon of emigration from southern Europe
to Brazil and the role of such immigrants in Contemporary Brazil. Bringing together
high level researchers, it was possible, once again, to contribute to the verification of
methodologies, exchange of experiences and the enrichment of issues related with
Atlantic migrations, revealing that there is still much to investigate on this issue.
We presented over thirty texts, which brought new contributions to the issue of
emigration/immigration to and in Brazil, undoubtedly helping to extend our know-
ledge on this matter in its multiple facets. Besides, these are works with a great qua-
lity level, since they were all submitted to scientific referees.
In order to answer to the challenge launched in the 5th International Seminar, held
in Belém do Pará, in September 2009, some researchers focused their analysis on the
political discourse regarding emigration/immigration by the competent authorities of
Portugal and Brazil and the legal framework of Portuguese emigration to this
country. On the other hand, taking advantage of the fact that this Seminar was held in
the Azores, it was made an analysis of the Azorean emigration to Brazil, and as such, it
was even considered the creation of a database about this emigration, due to the signi-
ficant group that departed from those islands towards the Brazilian territory, especially
in the 19th century, or the integration of such emigrants in CEPESE’s database.
It was also carried out a brief comparative analysis between the Italian and Por-
tuguese emigration to Brazil (1876-1974) under the research project Italian and Por-
tuguese emigration to Brazil in the 19th and 20th centuries. Demographic and Social
Aspects, which resulted from the agreement between the Foundation for Science and
Technology and the Consiglio Nazionale delle Ricerche, implemented between
CEPESE and the Istituto di Ricerche sulla Popolazione e le Politiche Sociali, aiming
at establishing a comparative analysis of emigration amounts and legislation on this
613
Conclusions
subject produced in each country between 1876 and 1974, and that also intends to
detect the contribution of Portuguese and Italian emigration to the formation of con-
temporary Brazil.
Because data on this issue is still scattered through many archives, some resear-
chers showed their concern in the creation of databases on immigration in Rio de
Janeiro, Santos, São Paulo and Belém do Pará and their articulation with CEPESE’s
database, so to understand how foreign communities have organized themselves and
participated in the socioeconomic and political organization of the Brazilian territory.
It was announced by the President of CEPESE a project to build an international
network on the theme of Emigration from Southern Europe to South America
(REMESSAS), which will soon be presented to all institutions and researchers who
have collaborated with CEPESE around the issue of emigration to Brazil, which will
provide a common platform for all.
Finally, given the importance of the Portuguese-Brazilian dialogue that is being
developed by academics and researchers from various countries, it was announced
that the 7th International Seminar on Portuguese emigration to Brazil, entitled From
settlers to immigrants: the Portuguese in the formation of contemporary Brazil, will
take place in São Paulo, in November 2011.
614
Resumos/Abstracts
LENÁ MEDEIROS DE MENEZES
Desde o século XIX, e com mais expressão a partir dos anos setenta, dois discursos cen-
trais caracterizaram as polêmicas em torno da imigração no Brasil. Por um lado destacava-se
aquele que via na imigração – destacadamente, na imigração européia – o caminho a ser
seguido em direção ao progresso e à civilização, interditada a possibilidade deste ser trilhado
com base na mão-de-obra de ex-escravos. Por outro, aquele que defendia o estabelecimento
de uma legislação restritiva na entrada e requisitos para a permanência do imigrante em solo
brasileiro, consagrando a prática da expulsão como processo de seleção a posteriori. Toman-
do como ponto de partida essa polarização, a comunicação dedica-se a analisar o impacto do
processo imigratório no Brasil, com destaque para a imigração portuguesa no Rio de Janeiro,
e as formas pelas quais idéias, interesses e discursos “em disputa” desde os tempos imperiais
transformaram-se em praxis política a partir do advento da República. Nesse sentido, contem-
pla análises sobre as práticas seletivas adotadas na entrada no país e a generalização da expul-
são como processo destinado a combater a ação anarquista no seio do movimento operário e a
expansão da contravenção e do crime nas grandes cidades, com destaque para a capital.
Since the 19th century, two main discourses pointed out the polemics around immigration
in Brazil. The first one highlighted European immigration as the way towards progress and
civilization. The other idea defended the formulation of selective laws concerning the en-
trance and the expulsion a posteriori of immigrants. Based on this polarization and bringing
into prominence the Portuguese immigration, this paper intends to analyse how those ideas,
interests and discourses “in dispute” since the imperial period became a political praxis early
in the Republic. In this sense, this paper analyses the selective practices which took place
during the immigrants’ entrance in Brazil or when they were banished from the country in
order to fight against the anarchist action inside working classes movements, and against the
transgression and crime expansion in big cities, especially in Rio de Janeiro, then the capital
of Brazil.
617
Resumos / Abstracts
The establishment of boundaries between emigrant and traveller is today a normal proce-
dure. This was not so in the near past. Between 1870 and Word War I, free circulation of
people followed free-trade. Neither passports nor visas were needed to travel in Europe. But
in the countries of Southern Europe, where Atlantic emigration began to represent a menace
to demographic growth, the question began to be considered with a different approach, in
particular where colonial projects were being developed. At the beginning of the 20th century,
the distinction between emigrant and temporary traveller acquired juridical expression in
Italy, Spain and Portugal. It is in this context that the emigration policy of the Portuguese First
Republic is analysed in this paper, namely the laws of 1919, where all the main aspects of
emigration are considered and a clear responsibility of the State in this area is assumed.
A emigração no distrito de Angra do Heroísmo (Açores). Breve análise com base nos regis-
tos de passaportes do terceiro quartel do século XIX e inícios do século XX
Resumo
Emigration in the district of Angra do Heroísmo (Azores). A brief analysis based on the
passport records of the third quarter of the 19th and early 20th centuries
Abstract
618
Resumos / Abstracts
ever, having been a change of course by the end of the century, this time to the USA, but
aware that Brazil had not completely disappeared from the island’s horizon, we also analysed,
although briefly, the years of 1917 to 1920, in order to check differences and continuities.
CARLOS CORDEIRO
A emigração açoriana para o Brasil nos debates parlamentares de meados do século XIX
Resumo
Ao longo do século XIX, a emigração foi um tema muito debatido na sociedade portu-
guesa, tendo naturalmente o parlamento como palco privilegiado. Discutiam-se as causas do
“fenómeno”, as suas repercussões económicas e sociais, o modo como eram aliciados os
futuros emigrantes, as agruras que a maioria iria sofrer no destino. Além disso, procuravam-se
soluções para pôr cobro à “sangria das gentes” e sobretudo à odiada emigração clandestina,
mas tendo sempre como limite o direito de cada um se deslocar e fixar residência onde bem
lhe aprouvesse.
O caso dos Açores assume, neste contexto, grande relevância, pois, em tempos de crise, a
resposta era, invariavelmente, a procura de outras terras que, em princípio, apresentavam
melhores hipóteses de proporcionar uma vida melhor.
The Azorean emigration to Brazil in the parliamentary debates of the mid-nineteenth century
Abstract
Emigration was a much debated theme throughout Portuguese society of the 19th century
with the Parliament as the obvious privileged stage. The discussion centred upon the causes of
the “phenomenon”, its social and economic repercussions, the various ways through which
prospective emigrants were enticed and the hardships most of them would suffer upon arrival
at their destination. On the other hand, solutions were searched to halt the “depletion of the
population” and, most of all, the hated clandestine emigration, always with respect for each
person’s right to travel and to establish residence wherever she or he pleases.
In this context, the case of the Azores becomes particularly relevant since, in times of cri-
ses, the response was, invariably, the search for other lands which, in principle, were per-
ceived as presenting more opportunities for a better life.
619
Resumos / Abstracts
histórias individuais da partida dos Açores que vão construindo a trajetória da emigração e os
seus múltiplos processos. Assim, das memórias individuais, o olhar remeter-se-á às experiên-
cias e formas de ver os mais variados acontecimentos maiores, seja a emigração, as questões
políticas de Portugal no tempo de Salazar, as dificuldades econômicas pelas quais motivou a
vinda ao Brasil e a saída pelo mundo em busca de vida nova.
ISILDA MONTEIRO
In our study, we aim to understand what was the role played by passports in the Portu-
guese emigration policy in the second half of the nineteenth century and the first decades of
the twentieth century, and which practical impacts such document had on the decision to
emigrate by the population from one of the regions that contributed the most for the emigra-
tion amount during this period – the north of Portugal. This way, it becomes possible for us to
understand what the main themes of debate around the issue of passports were, both in terms
of political power and the public opinion with access to the media. Focusing on the Portuguese
620
Resumos / Abstracts
reality we also establish a brief comparative analysis with other European countries where
emigration was also felt during the same period.
MARCOS CARVALHO
Pará and the basis of its immigration legislation in late 19th century
Abstract
The current work is part of a study on the Portuguese presence in the Amazon, including
Belém do Pará, in the late nineteenth and early twentieth century. This documentation was
identified in the Public Archives of Pará, when we surveyed the sources on Portuguese immi-
gration in Belém, and later compiled in the microfilming sector of the Public Library Arthur
Viana. This paper analyses Law no. 223 (30.6.1894), Law no. 284 (15.6.1895), and Decree
no. 131 (10.10.1895). Then, we examine the construction of an immigration law policy in
Pará in the Amazon and Brazilian contexts. In Pará, already under the Republican regime,
there was a notable defense of foreign workers as necessary for the founding of colonies and
the development of agricultural activities in the nation. Law no. 284 (15.6.1895), creating
Colonial Centres in different areas of the State, contradicted what was observed in one of the
theses defended by those who believed immigration in Belém was necessary for agriculture,
in order to supply the city’s urban area.
621
Resumos / Abstracts
ADELINA PILOTO
The aim of this work is to study and characterize administrative acts as a way of estab-
lishing the environment and setting of the return of Brazilians from Vila do Conde. The Mu-
nicipal Archive of Vila do Conde holds a data base containing the Declarations of Nationality.
This empiric data was selected to be the base for the statistic reconstruction of the return phe-
nomenon and its intrinsic characterization. The tools provided were the available variables
such as date, name, address and marital status.
The analysis of the nationality processes required by the Brazilians from Vila do Conde
shows an enormous attraction for the Brazilian nationality. The underlying reason for request-
ing Brazilian nationality when returning to their hometown and/or transmitting this condition
to their descendants was mainly of military nature.
CELESTE CASTRO
622
Resumos / Abstracts
In 1947, the Portuguese Government created the Board of Emigration, under the respon-
sibility of the Ministry of Internal Affairs, which in 1970 led to creation of the National Bu-
reau of Emigration. In the course of the administrative life of these two institutions, especially
during the Emigration Board, a series of circulars were issued by them for the Municipal
Councils and Administrative Districts of Lisbon and Porto, which offers a different perspec-
tive of Portuguese emigration. These circulars depict the concern of the Portuguese Govern-
ment towards the emigrant, focusing on the most diverse aspects of the Portuguese
emigration. Municipal Councils became the main interlocutors between the emigrant and the
Ministry of Internal Affairs.
623
Resumos / Abstracts
tional Assembly of that year, in which Freyre participated as a representative, advocating the
granting of a special legal status to all people originated from countries that adopted Portu-
guese as official language.
Este trabalho procura mostrar de que forma os deputados açorianos, eleitos para o Parla-
mento Liberal, foram importantes para a construção de um discurso político sobre a emigra-
ção para o Brasil, especialmente após a traumática experiência da independência do território
brasileiro. Na realidade, foi pela via do que acontecia nas ilhas que, em Lisboa, os parlamen-
tares tomaram contacto, urdiram a argumentação e teceram o seu discurso político em torno
de tópicos como o da “escravatura branca”, que tanto êxito teria ao longo de toda a primeira
metade do século XIX. Esta mudança foi conduzida, sobretudo, pela intervenção de deputa-
dos nascidos nos Açores ou conhecedores da realidade açoriana.
The role of the Azores in the construction of the 19th century parliamentary speech on
emigration
Abstract
This work tries to show in which form the Azorean deputies elected for the Liberal Par-
liament were important for the construction of a political speech on the emigration for Brazil,
especially after the traumatic experience of the independence of the Brazilian territory. In fact,
it was through what was happening in the islands that, in Lisbon, the parliamentarians took
contact and built the argumentation and the political speech around topics such as “white
slavery”. This change was driven, especially, by the intervention of deputies born in the
Azores or knowing the Azorean reality.
PAULA BARROS
Neste artigo, procura-se analisar o discurso político da emigração portuguesa para o Bra-
sil, a partir das intervenções e debates realizados no Parlamento português, em meados do
século XIX, debates esses desenvolvidos em torno da emigração clandestina e da tentativa de
orientar a emigração com destino ao Brasil para as colónias africanas.
624
Resumos / Abstracts
In this paper, we intend to analyze the political discourse about the Portuguese emigration
to Brazil, by means of the speeches and debates carried out at the Portuguese parliament in the
mid-nineteenth century, mainly around the illegal immigration and the attempt to deviate
emigration from Brazil towards African colonies.
CONCEIÇÃO SALGADO
After the Berlin Congress, the parliamentary debate about emigration was restarted. Emi-
gration from Portugal was rising massively, namely to Brazil. On those debates, some propos-
als were brought in about how to direct that emigration to the Portuguese colonies, but overall
those proposals were still very inconsistent.
In July 1885, the Parliament approved the creation of a Parliamentary Commission with
the objective of developing a questionnaire about the Portuguese emigration that was for-
warded to Portugal’s regional authorities. Despite the fact that some regions did not answer
the questionnaire, some of the results were quite meaningful and opened up our attention. The
questionnaires were not all managed on a perfect way but were indeed answered by govern-
mental authorities and brought to light some very serious situations like people escaping from
625
Resumos / Abstracts
military service, the role of emigration agents, or what was being done to captivate people to
emigrate. Furthermore, the results also help us to understand the development stage of the
country at a regional level on the social, economic and cultural levels.
The interventions of some deputies on the Parliament, like Oliveira Martins, were also in-
cluded in the work done by the Parliamentary Commission about Emigration, together with
the conclusions of the debate.
DIOGO FERREIRA
Emigration to Brazil in the Portuguese parliamentary discourse after the First World War
(1918-1926)
Abstract
Between 1918 and 1926, due to the high emigration rates then observed, emigration was
one of the themes that appeared on the Portuguese political and parliamentary agenda, with
several discussions being raised about this issue.
Some factors that contributed decisively to the exit of the mentioned population were
then mentioned together with a great number of criticisms and concerns expressed by the
parliament members over this matter. While recognizing the importance of the remittances
sent by the Portuguese settled in Brazil, the political discourse of the time portrayed essen-
tially the need to combat the high numbers of emigration.
RICARDO ROCHA
626
Resumos / Abstracts
e todo o contexto nacional e internacional neste período afectou o fluxo migratório português
em direcção ao território brasileiro, principalmente em termos quantitativos, mas também no
que se refere às suas particularidades e dinâmicas intrínsecas.
Emigration from Portugal to Brazil during the First World War (1914-1918)
Abstract
This work has as main objective to make known the characteristics of Portuguese emigra-
tion to Brazil during World War I (1914-1918), seeking to understand how the course of the
conflict, the participation of Portugal in it and the national and international context of this
period affected the Portuguese migratory flow towards the Brazilian territory, mainly in quan-
titative terms, but also with regard to its intrinsic particularities and dynamics.
Por meio da análise dos pronunciamentos oficiais dos poderes públicos do Pará e do
Amazonas, este artigo apresenta as múltiplas compreensões dos poderes públicos desses dois
Estados e como ambos tentaram restabelecer a importância da Região Amazônica e o seu
caráter civilizador num período de crise econômica, entre os anos de 1910 e 1920. Dentre as
estratégias de desenvolvimento, foi elaborada uma política de atração de imigrantes, espe-
cialmente estrangeiros, que com sua força de trabalho e experiência, contribuiriam para o
desenvolvimento da agricultura, considerada naquele momento como uma saída para a sobre-
vivência da região.
"Pará and Amazonas are brothers": Amazon united during the rubber crisis and foreign
immigration
Abstract
This article examines the manifold comprehensions and actions of public authorities of
the states of Pará and Amazonas, in Brazil, concerning the Amazon region during a crisis
period (1910-1920). Among many strategies of economic development, these authorities
elaborated an immigration policy, especially of foreigners, who were thought to be essential
for the development of agriculture, considered at that time a solution for the region's prob-
lems.
627
Resumos / Abstracts
The key formulation in this work is the transtemporal dialogic. A strong and crossed dia-
logue between the several dimensions of time in its multiple meanings, a basic concept so that
we can reach the dense complexity of historical events in all its manifestations, the differenti-
ated rhythms of temporality, typical of the financial world; the classic temporality of popula-
tion setting in urban areas and their mobility through space and therefore, in a more specific
manner, the time complexity ingrained in migration movements throughout history, in the
sense that the historic comprehension of those displacements, assumed as a mainspring of
history, cannot be achieved without the necessary dialogic of time, in which past, present and
future intertwine.
628
Resumos / Abstracts
This work addresses the role of immigration, mainly of Italian origin, in the creation of
cultural institutions in São Paulo, by analysing the connections between economic moderniza-
tion, social modernity, and cultural modernism. It highlights, in these terms, the activity of a
fraction of entrepreneurs in creating and promoting initiatives that will give the new format of
modern culture in Brazil. These projects were carried out by private patronage, with an immi-
grant or migrant origin, possessing evaluative dispositions that recognize in cultural enter-
prises ways of legitimation and recognition. Thus, all the major institutions built after World
War II, as art museums, theaters, movie companies, along with other central agencies like the
University, accommodated the dynamics of modern culture in Brazil. Finally, this paper ques-
tions the loss of force of the Portuguese heritage in shaping the cultural fabric of modern
Brazil, proposing hypotheses for future considerations.
A cidade de São Paulo/SP/Brasil tem seu traçado urbano marcado pelo denominado “Pla-
no Avenidas”, que foi idealizado e implementado pelo urbanista e prefeito Francisco Prestes
Maia. Na ampla bibliografia sobre suas ações são raras as referências sobre sua esposa, a
portuguesa Maria de Lourdes Costa Cabral Prestes Maia. Esta investigação objetiva procura
rastrear a trajetória de vida e a presença desta imigrante lusa, destacando suas atividades polí-
ticas, a atuação na Federação das Mulheres do Brasil, também suas experiências como atriz e
professora de teatro, bem como as ações no setor cultural e na assistência social.
The plan of the city of São Paulo (Brazil) is marked by the so called “Plano Avenidas”,
which was conceived and implemented by the urbanist and mayor Francisco Prestes Maia. In
the extensive literature on his actions there are rare references to his wife, Maria de Lourdes
Costa Cabral Prestes Maia. This research aim as tracing the trajectory of Maria Prestes Maia’s
life, a Portuguese immigrant, highlighting her political activities, the performance in the Fed-
eração das Mulheres do Brasil (Brazilian Women Federation), and her experiences as an
actress and drama teacher, as well as her actions in the cultural sector and social care.
629
Resumos / Abstracts
O presente artigo aborda a cidade de São Paulo e seu aumento populacional, uma contri-
buição dos imigrantes portugueses, onde a autora se debruça especificamente na categoria dos
padeiros e saqueiros. Percorrendo arquivos, associações e bibliotecas, a pesquisa caminhou
sob dois momentos históricos do século XX: de 1919 a 1929, e o pós-Segunda Guerra Mun-
dial, de 1945 a 1950. Não de forma rígida, pois apresenta avanços e recuos nos dois períodos.
Essa baliza cronológica foi escolhida devido ao significativo conteúdo da modernida-
de/modernização. Os momentos cronológicos trabalhados oferecem especificidades que caracte-
rizam a cidade de São Paulo como o espaço acolhedor das transformações sobre as questões
políticas, tecnológicas, científicas e até mesmo filosóficas e ideológicas que justificam a
intervenção da hegemonia, com seus discursos normatizadores e populistas, que vão desenca-
dear uma legislação social bastante conturbada sobre esses sujeitos, foco da pesquisa.
The São Paulo of Immigrants: Bakers and Sack Carriers in daily businesses (1920-1950)
Abstract
The current work approaches the city of São Paulo and its population increase, a contri-
bution of the Portuguese immigrants, namely those who were bakers and sack carriers. Cover-
ing archives, associations and libraries, the research focuses two historical moments of the
20th century: the 1920s and the post-World War II period (1945-1950). These chronological
limits were chosen due to the significant content of modernity/modernization, since this his-
torical moments offer specificities that characterize the city of São Paulo as the welcoming
space of the transformations regarding political, technological, scientific and even philosophi-
cal and ideological questions that justify the intervention of the hegemony, with its normaliz-
ing and populist speeches, which will unchain a quite troubled social legislation over these
citizens, the subjects of our research.
O presente texto teve como fonte de pesquisa o Livro de Registro de Sócios da Sociedade
Portuguesa de Beneficência de Santos no período de 1879-1889, dando continuação ao estudo
anterior que cobriu os anos de 1862-1878. A atual investigação aborda parte da imigração
portuguesa, a principal corrente imigratória radicada na cidade de Santos, pretende mostrar
uma face desses imigrantes, procurando saber de que regiões são oriundos, idades, estado
civil, atividades profissionais como simples trabalhadores e trabalhadores com qualificação,
630
Resumos / Abstracts
empresários, sua relação com a vida econômica santista, a ocupação dos espaços urbanos
pelos mesmos, a ligação com a Beneficência Portuguesa, em um período de expansão gerada
pelos negócios do café.
Continental and island Portuguese in Santos, seen through the records of the associates of
the Portuguese Charity Association in Santos (1879-1889)
Abstract
This text was based on the Associates Registration Book of the Sociedade Portuguesa de
Beneficência de Santos in the period between 1879 and 1889, continuing the previous study
which covered the period between 1862 and 1878. The current research covers part of the
Portuguese immigration, which constituted the main immigration flow in the city of Santos,
and intends to show some aspects of these immigrants, presenting the regions they were from,
their ages, marital status, professional activities as common workers, qualified workers and
entrepreneurs, their relationship with Santos economic life, their urban spaces occupation and
the link with the Beneficência in an expansion period generated by the coffee business.
Enfrentamentos e lutas pela vida: portugueses em Santos no final do século XIX (1880-1900)
Resumo
O objetivo deste estudo é identificar os portugueses em Santos, Brasil, nas duas últimas
décadas do século XIX e perceber as suas estratégias de sobrevivência. Identificá-los não só
nominalmente, mas também sua posição na escala social, nas manifestações de interação e de
conflitos numa população heterogênea de personagens livres e escravos; nacionais e estran-
geiros. Santos, cidade portuária e comercial, vive momentos de transformação e de superação
de entraves, tais como as epidemias das últimas décadas. Entretanto, apresenta possibilidades
de trabalho e de sobrevivência. Foram utilizados, nesta pesquisa, os livros de registro do Hos-
pital do Isolamento do Saboó, algumas indicações de processos de justiça e o Código de Pos-
turas da cidade de 1895, além de outras fontes-referências importantes da época (jornais e
literatura de memória).
Clashes and struggles for life: the Portuguese in Santos in the late nineteenth century
(1880-1900)
Abstract
The aim of this study is to identify the Portuguese that lived in Santos, Brazil, in the last
decades of the 19th century and to understand their survival strategies, identifying them, not
only by their names, but also by their social backgrounds and status, in their manifestations of
interaction and conflict in the scope of a heterogeneous population composed by free and
enslaved individuals, from Brazil and abroad. Santos, a port city and a commercial centre,
was then under a period of changes and accomplishments, overcoming obstacles such as the
epidemics of the previous decades. Nevertheless, the city presented a chance to work and to
631
Resumos / Abstracts
survive. The main sources for our research were the registry books from Saboó Hospital,
some indications of judicial processes, and the Code of Postures of the city from 1895, to-
gether with other sources, such as newspapers and biographies.
ANTÓNIO ALVES-CAETANO
Procura-se fazer a análise do seu estabelecimento no Rio de Janeiro, apenas quinze anos
após a proclamação da independência do Brasil, da primeira organização da comunidade
portuguesa emigrada na capital do Império. Faz-se a caracterização do grupo que tomou a
iniciativa da constituição de um organismo votado ao melhoramento cultural dos associados e
ao engrandecimento da cultura lusíada, de preferência a qualquer mutualidade que lhes pro-
porcionasse vantagens de carácter económico ou previdenciário.
Presta-se atenção aos critérios que presidiram à formação do núcleo central do Gabinete – a
sua biblioteca – e à forma como foi sendo enriquecida por compras e através de doações. É
destacado, ainda, o papel preponderante que, desde a sua constituição em 1969, desempenha o
Centro de Estudos e o Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras que o integra.
The Real Gabinete Português de Leitura of Rio de Janeiro: an excellent standard of Portu-
guese emigration to Brazil
Abstract
This work aims to present an analysis of the first Portuguese emigrant community in Rio
de Janeiro, fifteen years after Brazil's independence. We characterize the group that took the
initiative of the constitution of an organism devoted to the cultural improvement of its associ-
ates and the enlargement of the Portuguese culture, preferring it to any mutuality providing
economic or insurance advantages.
We also analyse the criteria presiding the creation of the Gabinete’s library and the way it
was enriched by purchases and donations. Finally, we point out the preponderant role per-
formed, since its constitution in 1969, by the Centro de Estudos and its Pólo de Pesquisa
sobre Relações Luso-Brasileiras.
ALEXANDRE HECKER
Os imigrantes italianos que se dirigiram para São Paulo formaram uma comunidade cons-
tituída pelos mais diversos grupos de interesses. Entretanto, mantiveram em comum um mito:
o de Giuseppe Garibaldi como seu guardião. Para eles – durante as tormentosas décadas de 20
632
Resumos / Abstracts
e 30 do século XX – o “herói de dois mundos” foi uma personagem a ser venerada pelas mais
variadas razões: ora foi avalizador do autoritarismo, ora da democracia, em certas ocasiões era
monárquico, noutras socialista, e até mesmo fascista. Algumas vezes representou os ricos da
colônia paulista, outras os pobres. Enfim, funcionou como um equivalente universal de troca
entre simbologias políticas dos italianos de São Paulo.
The Italian immigrants who went to São Paulo formed a community composed of diverse
interest groups. However, they maintained a common myth: that of Giuseppe Garibaldi as
their guardian. For them – during the troubled decades of 1920s and 1930s – the "hero of two
worlds" was a character to be honored for various reasons: sometimes to support authoritari-
anism, every so often a symbol of democracy; in some occasions he was monarchical, other
times socialist, and even fascist. Occasionally he represented the rich colony of São Paulo,
then to represent the poor. In short, Garibaldi truly functioned as a universal equivalent of
exchange between the political symbols of the Italian in São Paulo.
SÊNIA BASTOS
Skilled immigration in the post-World War II: Italian and Portuguese in São Paulo
Abstract
The current paper deals with the ingress of qualified workforce in Brazil after the Second
World War. The documental sources are systematized in a data bank (Access), which gathers
information about the ingress of immigrants of various nationalities, as well as data from the
Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The identification of Italian and Por-
tuguese engineers and technicians in the industry of São Paulo that was then going through a
modernization process is a result of this analysis. It is noteworthy the directed character of the
Italian immigration, whereas the Portuguese immigration was mainly spontaneous.
633
Resumos / Abstracts
Este artigo analisa algumas das diferentes implicações do fluxo migratório em Portugal e
Itália. Considerando suas especificidades, o objetivo é identificar de forma comparada, atra-
vés da legislação, as estratégias para transformar a emigração em fator de desenvolvimento
econômico: conquista de mercados, criação e fomento de colônias, incorporação e tutela das
remessas dos emigrados.
Under the shadow of law. Notes on the immigration politics in Portugal and Italy (1850-
1920)
Abstract
This paper analyses some of the different implications of the migration flux in Portugal
and Italy. Considering its specificities, the objective is to identify comparatively, through
legislation, the strategies to transform emigration into a factor of economic development:
conquest of markets, creation and promotion of colonies, use and protection of emigrants’
remittances.
O Brasil foi um dos maiores destinos da emigração italiana, assim como a Itália foi um
dos maiores países de origem da imigraçao brasileira. De acordo com as fontes estatísticas dos
dois países, 1 500 000-1 600 000 pessoas emigraram para o Brasil ao longo do período estu-
dado. O fluxo concentrou-se especialmente nos últimos 15 anos do século XIX e nos primei-
ros 15 anos do século XX. Este trabalho quer descrever as principais tendências e fases da
emigração italiana para o Brasil. A primeira parte deste trabalho é focalizada sobre a avalia-
ção das fontes estatísticas disponíveis dos dois países. Apesar dos nossos problemas na men-
suração das migrações, a análise comparativa das fontes brasileiras e italianas permitem
identificar as principais fases da emigração italiana. A segunda parte do artigo analisa estas
fases dentro da evolução global da emigração italiana. Os últimos dois parágrafos descrevem
o impacto regional do fluxo migratório italiano, considerando as regiões italianas de origem e
os Estados brasileiros de destino.
634
Resumos / Abstracts
Brazil has been one of the most important destinations of Italian emigration, as well as It-
aly has been one of the largest origins of Brazilian immigration. According to the statistical
sources of the two countries, about 1.6 million people have emigrated from Italy to Brazil in
the period considered. The flow is mainly concentrated in the last fifteen years of the nine-
teenth century and in the first fifteen years of the last century. The paper is an attempt to de-
scribe the main trends and phases of Italian emigration towards Brazil. The first part of the
paper is devoted to an evaluation of the available statistical sources of the two countries. Not-
withstanding the well-known problems in measuring migration movements, the comparative
analysis of Italian and Brazilian sources allows to single out the main phases of the flow. The
second part of the article analyses these phases in the framework of the more general evolu-
tion of Italian emigration. The last part is devoted to describe the regional impact of this mi-
gration flow, considering the Italian regions of origin and the Brazilian states of arrival.
No âmbito do projecto conjunto que está a ser desenvolvido entre o CEPESE e o CNR, A
Emigração Portuguesa e Italiana para o Brasil nos séculos XIX e XX. Aspectos demográficos
e sociais, procuramos fazer, no presente estudo, uma análise comparativa das realidades
migratórias de ambos os países. A partir dos dados quantitativos sobre a emigração portugue-
sa e italiana com destino ao Brasil, que coligimos para o período de 1876 a 1974, debruçar-
nos-emos, num primeiro momento, sobre as grandes linhas evolutivas da emigração portugue-
sa para o Brasil, para, num segundo, analisar comparativamente os números da emigração
portuguesa e italiana com destino a esse país latino-americano.
In the scope of the joint project being developed between CNR and CEPESE, with the ti-
tle Italian and Portuguese Emigration to Brazil during the 19th and 20th centuries: demo-
graphic and social aspects, we intend to do, in the current work, a comparative analysis of the
migration realities in both countries. From the quantitative data on the Italian and Portuguese
emigration to Brazil that we gathered for the period between 1876-1974, we will focus, in a
first moment, the major evolutionary lines of Portuguese emigration to Brazil, then to make a
comparative analysis of the numbers of Portuguese and Italian emigration destined for that
Latin American country.
635
Resumos / Abstracts
MATTIA VITIELLO
O presente artigo explora a história das políticas de migração adoptadas pela Itália, no
período definido da Unidade da Itália até à Segunda Guerra Mundial. Em particular, pretende-
se identificar a atitude do governo italiano contra as saídas dos seus cidadãos, os procedimen-
tos adoptados para a regulamentação destas partidas e os motivos que levaram a Itália à adop-
ção destas normas.
The configuration of emigration legislation in Italy at the time of the great European emi-
gration
Abstract
This paper explores the history of emigration policies adopted by Italy in a period that
begins with the Unification of Italy until the Second World War. In particular, the objective is
to identify the attitude of the Italian State regarding the departures of its citizens, the proce-
dures adopted for regulating these departures and the reasons that have pushed Italy to adopt
these rules.
The first half of the 20th century was, regarding the Portugal-Brazil relationship, a period
during which it was particularly hard to maintain the connection between both countries, at
the political-diplomatic level, as well as at a pragmatic level.
636
Resumos / Abstracts
In this paper we intend to analyze the evolution of these bilateral relations since the end
of the Portuguese monarchy until the end of the Second World War, two events that we con-
sider fundamental to limit a particular period of this relationship and how these relations in-
fluenced the Portuguese emigration towards the Brazilian territory.
ALDA NETO
O Vale do Sousa foi, durante a segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do
século XX, um importante pólo migratório para o Brasil. Neste artigo procuraremos apresen-
tar o percurso de alguns desses portugueses, focando ainda a visibilidade atingida nos seus
locais de origem, nomeadamente nas casas por eles construídas ou recuperadas.
As casas que procuramos abordar reflectem o percurso destes brasileiros, bem como a
própria comunidade em que estas construções se inserem. Casas como o Palacete da Granja
ou a Castrália demonstram o modus vivendi específico do emigrante, quer em terras brasilei-
ras, quer mesmo em terras portuguesas. Neste trabalho procuraremos estabelecer termos de
comparação entre as casas, mas simultaneamente associar estes edifícios ao seu encomenda-
dor e ao seu percurso pessoal e profissional.
637
Resumos / Abstracts
The region of Vale do Sousa (North of Portugal) was during the second half of the nine-
teenth century and the first quarter of the twentieth century, an important center of emigration
to Brazil. This article presents the life course of some of these Portuguese, besides focusing
on the visibility achieved in their places of origin, particularly the houses they built or re-
stored.
The houses we studied reflect the life of these “Brazilians” as well as the community in
which these buildings are located. Houses like the Palace of Granja or the Castrália demon-
strate the specific modus vivendi of the emigrant both in Brazil as in Portugal. This paper
seeks to establish terms of comparison between these two houses, but simultaneously looking
to associate these buildings to their commissioners, including their personal and professional
journey.
638
Sobre os autores
ADELINA PILOTO
Doutorada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Publicações recentes: “A emigração de Vila do Conde para o Brasil (1865-1875)” (co-
autora), in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia (coord.) – A Emigração Portuguesa
para o Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2007; “Vilacondenses na fundação e
engrandecimento do Real Hospital Português de Pernambuco” (co-autora), in SOUSA, Fer-
nando de; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda (coord.) – Nas Duas Margens. Os Portugue-
ses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2009; O concelho de Vila do Conde e o
Brasil – emigração e retorno (1865-1913), tese de doutoramento, 2011.
Investigadora do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
ALDA NETO
Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Publicações recentes: “Os Brasileiros de Paredes – Dois Percursos de Beneficência e de
Esquecimento”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda (coord.) –
Nas Duas Margens. Os Portugueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2009.
Investigadora do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
ALEXANDRE HECKER
Doutorado em História Social pela USP.
Pós-doutorado e convidado da Università degli Studi de Milão. Professor de História e
Política da Universidade Mackenzie.
Coordenador do Grupo de pesquisas “E/Imigrações: histórias, culturas, trajetórias", do
CNPq, que reúne dezenas de especialistas em história da imigração para o Brasil. Coordena-
dor do PROMACK INTERNACIONAL – ITÁLIA, PORTUGAL, BRASIL: uma História de
Imigrantes submetidos à repressão política (Italianos e Portugueses), pelo CCL/Mackenzie.
Publicações recentes: Revolução Russa: uma história em debate. São Paulo: Expressão e
Arte, 2007; Deslocamentos & Histórias: os Portugueses (coord.). Bauru/SP: Edusc, 2008; “A
Repressão aos Imigrantes Portugueses em São Paulo: Os Subversivos e os Outros”, in SOU-
SA, Fernando de; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda (dir.) – Nas duas margens. Os portu-
gueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2009; “O português Antônio
Candeias Duarte: desconhecido protagonista da história política brasileira”, in SARGES,
Maria de Nazaré; SOUSA, Fernando de; MATOS, Maria Izilda; JUNIOR, Antonio Otaviano
Vieira; CANCELA, Cristina Donza (orgs.) – Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém:
Editora Paka-Tatu, 2010.
641
Sobre os autores
ANTÓNIO ALVES-CAETANO
Licenciado em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa.
Membro da Associação Portuguesa de História Económica e Social (APHES) e da Asso-
ciação de Historiadores Latinoamericanistas Europeus (AHILA).
Principais publicações: O Comércio Externo de Portugal e a Guerra Peninsular; “O Bra-
sil na Economia do Império Português (1796-1820)”, in XXVIII Encontro da Associação
Portuguesa de História Económica e Social, 2008; A Economia Portuguesa no tempo de
Napoleão, Constantes e Linhas de Força, 2008; “Acerca da Crise Financeira de 1876: das
remessas do Brasil acumuladas no Porto ao protagonismo do Banco de Portugal”, in SER-
RÃO, José; PINHEIRO, Magda A.; FERREIRA, Maria de Fátima (orgs.) – Desenvolvimento
económico e mudança social. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2009; “A Frota Portu-
guesa do Brasil e as Invasões Francesas”, in XI Simpósio de História Marítima. Lisboa, 2009.
CARLOS CORDEIRO
Doutorado em História pela Universidade dos Açores.
Professor Auxiliar com Agregação da Universidade dos Açores.
Membro dos Centros de Estudos Gaspar Frutuoso e de Relações Internacionais e Estraté-
gia da Universidade dos Açores.
É autor de livros e de artigos em revistas da especialidade sobre temáticas ligadas à Histó-
ria Contemporânea e à História dos Açores.
CELESTE CASTRO
Mestre em História das Populações pela Universidade do Minho. Doutoranda em Rela-
ções Internacionais pela Universidade Lusíada do Porto, desenvolvendo a sua pesquisa sobre
A emigração portuguesa durante o Estado Novo através da legislação e circulares do Gover-
no (1948-1974).
Principais publicações: “A emigração na paróquia de Santo André da Campeã, 1848-
1900”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda (coord.) – Nas Duas
Margens. Os Portugueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2009; A emigra-
ção na freguesia de Santo André da Campeã, 1848-1900. Porto: CEPESE, 2010.
Investigadora do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
CONCEIÇÃO SALGADO
Mestre em História das Populações pela Universidade do Minho. Doutoranda em Rela-
ções Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Lusíada do
Porto.
Publicações recentes: “Emigração do Concelho de Torre de Moncorvo para o Brasil
(1856-1901), in Revista Campos Monteiro – História Património e Cultura, n.º 4. Braga:
642
Sobre os autores
CORRADO BONIFAZI
Director para a Investigação do Consiglio Nazionale delle Ricerche (CNR). Coordenador
do Grupo de Investigação Tendências demográficas, estudos migratórios e mobilidade espa-
cial do Istituto di Recerche sulla Popolazione e le Politiche Sociali, do CNR.
Entre 2002 e 2009, chefiou o Grupo de Trabalho da European Association for Population
Studies (EAPS) sobre “Migrações Internacionais na Europa”.
Membro da Comissão Científica da revista Studi Emigrazione e autor de várias publica-
ções no âmbito das migrações.
DIOGO FERREIRA
Doutorado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Publicações recentes: "A emigração do Norte de Portugal para o Brasil antes e após a I
Guerra Mundial (1913 e 1919): variações e permanências" (em colaboração com Ricardo
Rocha), in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda (coord.) – Nas Duas
Margens. Os Portugueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2009; Os Presi-
dentes da Câmara Municipal do Porto (1822-2009), (colaboração), 2 volumes. Porto: CEPE-
SE, 2009; A emigração portuguesa para o Brasil e as origens da Agência Abreu (1840),
(colaboração). Porto: CEPESE/Fronteira do Caos, 2009; "A Emigração do Norte de Portugal
para o Brasil: uma primeira abordagem (1918-1931)", in SARGES, Maria de Nazaré; SOU-
SA, Fernando de; MATOS, Maria Izilda; JUNIOR, Antonio Otaviano Vieira; CANCELA,
Cristina Donza (orgs.) – Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora Paka-Tatu,
2010; A Emigração a partir do distrito do Porto para o Brasil. Dos finais da Primeira Guer-
ra Mundial à Grande Crise Capitalista (1918-1931), tese de doutoramento, 2011.
Investigador do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
643
Sobre os autores
FERNANDO DE SOUSA
Coordenador do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
Doutorado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Professor catedrático da Universidade do Porto e da Universidade Lusíada do Porto.
Ao presente, encontra-se a dirigir vários projectos de investigação, entre os quais, A Emi-
gração de Portugal para o Brasil. Dinâmicas Demográficas e Discurso Político.
644
Sobre os autores
ISILDA MONTEIRO
Doutorada em História pela Universidade Portucalense.
Investigadora doutorada do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e
Sociedade.
Publicações recentes: “Em defesa dos interesses da Senhora Aparecida – os ‘brasileiros’ e
o desenvolvimento local”. Oppidum, ano 4, n.º 3, 2008/2009, pp. 195-207 (em colaboração);
“A imprensa regional como fonte para o estudo da emigração para o Brasil – Lamego na
primeira metade do século XX”, in SOUSA, Fernando de; MARTINS, Ismênia; MATOS,
Izilda (coord.) – Nas Duas Margens. Os Portugueses no Brasil. Porto: CEPESE/Edições
Afrontamento, 2009; “A ‘Questão Brasileira’ nas Cortes vintistas para além do debate parla-
mentar”, in Actas do IV Congresso Histórico de Guimarães, Do Absolutismo ao Liberalismo,
vol. III. Guimarães: Câmara Municipal de Guimarães, 2009 (em colaboração); “A emigração
de Vila Real para o Brasil na primeira metade do século XX – realidade e percepções”, in
SARGES, Maria de Nazaré; SOUSA, Fernando de; MATOS, Maria Izilda; JUNIOR, Antonio
Otaviano Vieira; CANCELA, Cristina Donza (orgs.) – Entre Mares: o Brasil dos Portugueses.
Belém: Editora Paka-Tatu, 2010; “The military in the Chamber of Deputies 1851-1870 – corpo-
rative lines of action in defense of the army”. E-Journal of Portuguese History,vol. 8, number 1.
University of Porto (Portugal), Brown University (USA), Summer 2010. Disponível na internet
em: <http://www.brown.edu/Departments/Portuguese_Brazilian_Studies/ejph/>.
645
Sobre os autores
CANCELA, Cristina Donza (orgs.) – Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora
Paka-Tatu, 2010.
MARCOS CARVALHO
Graduado em História pela Universidade do Estado de Goiás, com estudos de pós-graduação
pela Universidade Salgado Oliveira/RJ, e especialista em Educação Ambiental pela Faculdade
Internacional de Curitiba/IBPEX. Doutorando em História na Faculdade de Letras da Univer-
sidade do Porto, com pesquisa sobre a imigração portuguesa em Belém entre fins do século
XIX e início do século XX.
Investigador do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
646
Sobre os autores
647
Sobre os autores
(org.) – T(r)ópicos de História: gente, espaço e tempo na Amazônia (séculos XVII a XXI).
Belém/PA: Ed. Açaí, 2010.
MATTIA VITIELLO
Sociólogo e investigador do Istituto di Ricerche sulla Popolazione e le Politiche Sociali,
do Consiglio Nazionale delle Ricerche.
648
Sobre os autores
PAULA BARROS
Licenciada em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Lusíada do Porto. Dou-
toranda em Relações Internacionais na Universidade Fernando Pessoa.
Investigadora do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
Publicações recentes: Os Presidentes da Câmara Municipal do Porto (1822-2009),
(colaboração), 2 volumes. Porto: CEPESE, 2009; A emigração portuguesa para o Brasil e as
origens da Agência Abreu (1840), (colaboração). Porto: CEPESE/Fronteira do Caos, 2009;
"O discurso político da emigração portuguesa para o Brasil (1855-1866)", in SARGES, Maria
de Nazaré; SOUSA, Fernando de; MATOS, Maria Izilda; JUNIOR, Antonio Otaviano Vieira;
CANCELA, Cristina Donza (orgs.) – Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora
Paka-Tatu, 2010.
649
Sobre os autores
Cristina Donza (orgs.) – Entre Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora Paka-Tatu,
2010; As relações Portugal-Brasil no século XX (coord.). Porto: Fronteira do Caos, 2010.
Investigadora do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
RICARDO ROCHA
Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada do Porto. Doutorando
em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Investigador do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.
Publicações recentes: “A emigração do Norte de Portugal para o Brasil antes e após a I
Guerra Mundial (1913 e 1919): variações e permanências” (co-autoria), in SOUSA, Fernando
de; MARTINS, Ismênia; MATOS, Izilda (coord.) – Nas Duas Margens. Os Portugueses no
Brasil. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2009; Os Presidentes da Câmara Municipal
do Porto (1822-2009), (colaboração), 2 volumes. Porto: CEPESE, 2009; A emigração portu-
guesa para o Brasil e as origens da Agência Abreu (1840), (colaboração). Porto: CEPESE/
Fronteira do Caos, 2009; “A emigração do Norte de Portugal para o Brasil em 1912: o ano de
todas as partidas”, in SARGES, Maria de Nazaré; SOUSA, Fernando de; MATOS, Maria
Izilda; JUNIOR, Antonio Otaviano Vieira; CANCELA, Cristina Donza (orgs.) – Entre
Mares: o Brasil dos Portugueses. Belém: Editora Paka-Tatu, 2010.
SÊNIA BASTOS
Doutorada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professora titular da Universidade Anhembi Morumbi.
Participa do projeto temático Observatório das Migrações em São Paulo. Membro dos
Grupos de Pesquisa Socioantropologia da Hospitalidade (UAM) e E/Imigrações: Histórias,
Culturas, Trajetórias (Mackenzie).
Publicações recentes: “Negociantes e caixeiros na cidade de São Paulo em meados do
século XIX”, in MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (orgs.) –
Deslocamentos & Histórias: os Portugueses. Bauru, SP: Edusc, 2008; “Portugueses em São
650
Sobre os autores
651
Catálogo das publicações do
CEPESE
CATÁLOGO DAS PUBLICAÇÕES DO CEPESE
Colecção os Portugueses no
Mundo
A Comunidade Lusíada em
História da População Joanesburgo
Portuguesa Paulo Bessa
Teresa Rodrigues (coord.) CEPESE, Fronteira do Caos
CEPESE, Edições Afrontamento 2009
2008
As Relações Portugal-Brasil
no século XX O Vinho do Porto em Gaia &
Fernando de Sousa; Paula Companhia
Santos; Paulo Amorim (coord.) Fernando de Sousa (coord.)
CEPESE, Fronteira do Caos CEPESE, Edições Afrontamento
2010 2005
Relações Portugal-Espanha
Relações Portugal-Espanha:
Cooperação e Identidade A Companhia e as Relações
Conceição Meireles Pereira Económicas de Portugal com o
(coord.) Brasil, a Inglaterra e a Rússia
CEPESE, FRAH Fernando de Sousa (coord.)
2000 CEPESE, Edições Afrontamento
esgotado 2008
Relações Portugal-Espanha:
Uma História paralela, um
destino comum? O Arquivo da Companhia Geral
Conceição Meireles Pereira da Agricultura das Vinhas do
(coord.) Alto Douro – Real Companhia
CEPESE, FRAH Velha
2002 Fernando de Sousa (coord.)
esgotado CEPESE
2003
Relações Portugal-Espanha:
O Vale do Douro no Âmbito O Património Cultural da Real
das Regiões Europeias Companhia Velha
Conceição Meireles Pereira Fernando de Sousa (coord.)
(coord.) CEPESE
CEPESE, Edições Afrontamento 2004
2006
A Real Companhia Velha. Espólio Fotográfico Português
Companhia Geral da Fernando de Sousa (coord.)
Agricultura das Vinhas do CEPESE
Alto Douro (1756-2006) 2008
Fernando de Sousa (coord.)
CEPESE
2006
Os Novos Descobridores
Fernando de Sousa e Conceição
Meireles Pereira (org.) Publicações autónomas
CEPESE
2008 Estudos e Ensaios em
Homenagem a Eurico
Figueiredo
Isabel Babo Lança (coord.)
Nas duas Margens: CEPESE, Edições Afrontamento
Os Portugueses no Brasil 2005
Fernando de Sousa; Ismênia esgotado
Martins; Izilda Matos (org.)
CEPESE, Edições Afrontamento
2009
História da Indústria das
Sedas em Trás-os-Montes
Fernando de Sousa
CEPESE, Edições Afrontamento
Entre Mares. O Brasil dos 2006
Portugueses
Fernando de Sousa; Nazaré
Sarges; Izilda Matos;
Otaviano Vieira; Cristina
Cancela (org.)
CEPESE, Editora Paka.Tatu
2010
Os Presidentes da Câmara
Municipal do Porto
(1822-2009)
Fernando de Sousa (coord.),
2 vols
CEPESE
2009
Ibéria: Quatrocentos/
Quinhentos. Duas décadas de
Cátedra. Homenagem a Luís
Adão da Fonseca
Armando Luis de Carvalho
Homem; José Augusto Pizarro;
Paula Pinto Costa (ed.)
CEPESE, Livraria
Civilização
2009
Moncorvo. Da Tradição à
Modernidade
Fernando de Sousa (coord.)
CEPESE, Edições Afrontamento
2009