Cotidiano e Trabalho. Experiências Negras e Escravas em Taquara (1856-1888)
Cotidiano e Trabalho. Experiências Negras e Escravas em Taquara (1856-1888)
Cotidiano e Trabalho. Experiências Negras e Escravas em Taquara (1856-1888)
COTIDIANO E TRABALHO:
EXPERIÊNCIAS NEGRAS E ESCRAVAS EM TAQUARA (1856 – 1888)
Santa Maria, RS
2019
Ubiratã Ferreira Freitas
COTIDIANO E TRABALHO:
EXPERIÊNCIAS NEGRAS E ESCRAVAS EM TAQUARA (1856 – 1888)
Santa Maria, RS
2019
Freitas, Ubiratã Ferreira
Cotidiano e Trabalho: experiências negras e escravas
em Taquara (1856 - 1888) / Ubiratã Ferreira Freitas. -
2019.
262 p.; 30 cm
Esta tese é dedicada a todos os africanos e afro-brasileiros que estiveram nas senzalas do
Brasil, em especial para os negros trabalhadores escravizados no Vale do Rio dos Sinos –
Paranhana, município de Taquara, Rio Grande do Sul, que a partir de suas histórias
oportunizaram a construção de tal Tese.
AGRADECIMENTO
Obrigado.
Sou branco, quer dizer que tenho para mim a
beleza e a virtude, que nunca foram negras. Eu
sou da cor do dia...
Sou negro, realizo uma fusão com o mundo,
uma compreensão simpática com a terra, uma
perda do meu eu no centro do cosmos: o branco,
por mais inteligente que seja, não poderá
compreender Armstrong e os cânticos do
Congo. Se sou negro não por causa de uma
maldição, mas porque, tendo estendido minha
pele, pude captar todos os eflúvios cósmicos.
Eu sou verdadeiramente uma gota de sol sob a
terra...
(Frantz Fanon)
RESUMO
COTIDIANO E TRABALHO:
EXPERIÊNCIAS NEGRAS E ESCRAVAS EM TAQUARA (1856 – 1888)
A presente tese inscrita na linha de Pesquisa Fronteira, Política e Sociedade, tem como tema
“Cotidiano e Trabalho: Experiências Negras e Escravas em Taquara (1856-1888)”, a seguinte
versa sobre a participação e presença do africano e afro-brasileiro na região do Vale do Rio dos
Sinos – Paranhana, onde se localizava a antiga Fazenda Mundo Novo, cujo trabalho e
exploração dos indivíduos escravizados teve grande importância para o desenvolvimento local
e produção para um largo comércio que se estabeleceu a partir de agricultores, criadores de
gado, comerciantes e atafoneiros, favorecendo o desenvolvimento econômico da região. A
análise desse fenômeno econômico nos permitiu perceber aspectos adversos da sociedade que
se desenvolveu. Também a tese apresenta a dinâmica da composição socioeconômica que
verificou a invisibilidade da população negra na região, como a exclusão social e também sua
trajetória como elemento de resistência, já que sua presença se manifesta na construção e
contribuição da formação do atual município de Taquara - RS, tendo esses indivíduos uma
parcela importante no trabalho e em diversos segmentos da sociedade da Fazenda Mundo Novo,
perpetrando, cada vez mais, as possibilidades de uma sociedade miscigenada, mas ao mesmo
tempo inferiorizada, dentro do contexto de colonização e formação social. Diante dos estudos
que foram produzidos ao longo dos últimos anos, destaca-se a contribuição da população negra
africana desde sua chegada ao Brasil. Assim, partindo dessa premissa, os afro-brasileiros
tiveram a associação de valores culturais africanos presentes, que fazem parte da cultura
nacional atual e sua consternação é clara em todos os sentidos. Para tais considerações
analisamos um corpo documental de fonte primária composto de inventário post mortem,
processo crime, livros eclesiásticos de batismo e casamento que viabilizou a importância da
desconstrução da invisibilidade negra, na composição da sociedade do município de Taquara-
RS, e junto com a colonização alemã, torna-se de suma importância para o reconhecimento das
raízes africanas no Rio Grande do Sul para valorizar esses trabalhadores. Assim, a presença
negra, a partir de 1856 até 1888, favoreceu o desenvolvimento desta tese, legitimando a
presença africana e afro-brasileira nas terras da antiga Fazenda Mundo Novo.
The present thesis inscribed in the Frontier, Political and Society Research line, has as its theme
"Daily and Labor: Black and Slave Experiences in Taquara (1856-1888)", the following is about
the participation and presence of African and Afro-Brazilian in the region of Vale do Rio dos
Sinos – Paranhana, where the former Fazenda Mundo Novo was located, whose work and
exploitation of enslaved individuals had great importance for local development and production
for a wide trade that was established from farmers, livestock farmers, traders and atafoneiros,
favoring the economic development of the region. The analysis of this economic phenomenon
allowed us to perceive adverse aspects of the society that developed. The thesis also presents
the dynamics of socioeconomic composition that verified the invisibility of the black population
in the region, such as social exclusion and also its trajectory as an element of resistance, since
its presence manifests itself in construction and contribution formation of the current
municipality of Taquara - RS, with these individuals having an important share at work and in
various segments of the Mundo Novo Farm society, increasingly perpetrating the possibilities
of a mixed society, but at the same time within the context of colonization and social formation.
In view of the studies that have been produced over the past few years, the contribution of the
Black African population has been highlighted since its arrival in Brazil. Thus, starting from
this premise, Afro-Brazilians had the association of African cultural values present, which are
part of the current national culture and their dismay is clear in every way. For such
considerations we analyzed a documental body of primary source composed of post mortem
inventory, crime process, ecclesiastical books of baptism and marriage that enabled the
importance of deconstruction of black invisibility, in the composition of the society of the
municipality of Taquara-RS, and together with German colonization, becomes of paramount
importance for the recognition of African roots in Rio Grande do Sul to value these workers.
Thus, the black presence, from 1856 until 1888, favored the development of this thesis,
legitimizing the African and Afro-Brazilian presence in the lands of the former Fazenda Mundo
Novo.
Figura 1 – Mapa – Rio Grande do Sul – 1809, Localização do Vale do Rio dos Sinos ........... 67
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 15
CAPÍTULO I – A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA FAZENDA MUNDO NOVO
(TAQUARA – RS) ..................................................................................................... 27
1 A OCUPAÇÃO DAS TERRAS DO VALE DO RIO DOS SINOS NO FINAL DO
SÉCULO XVIII E AO LONGO DO SÉCULO XIX ...............................................28
1.1 OUTROS CONCEITOS DE FRONTEIRA ................................................................ 35
1.1.1 A Fronteira Regional ................................................................................................ 39
1.2 A TERRA À MERCÊ DE QUEM OCUPASSE: ANTONIO BORGES DE ALMEIDA
LEÃES ....................................................................................................................... 41
1.2.1 Tristão José Monteiro: o incremento da frente de expansão no Vale do Rio dos
Sinos – Paranhana .................................................................................................... 52
1.2.2 Da colônia do Mundo Novo ao município de Taquara .......................................... 58
1.3 ALGUNS ASPECTOS DA COLONIZAÇÃO, OCUPAÇÃO E FORMAÇÃO DE
SÃO LEOPOLDO ...................................................................................................... 59
1.4 O AFRO-BRASILEIROS NA FAZENDA MUNDO NOVO ................................... 71
1.4.1 Discurso, manutenção e ação dominadora .............................................................. 78
1.4.2 Cotidiano: a fronteira entre o afro-brasileiro e uma sociedade de imigração
Europeia..................................................................................................................... 81
CAPÍTULO 2 – A OCUPAÇÃO DA ENCOSTA DA SERRA: COLONIZAÇÃO E
PRODUÇÃO .............................................................................................................. 88
2 A ECONOMIA AGROPECUÁRIA DE ABASTECIMENTO ............................. 89
2.1 PRODUÇÃO DE ANIMAIS VACUM – GADO E COMÉRCIO .............................. 99
2.2 PRODUÇÃO DE ANIMAIS EQUINOS – CAVALARES ....................................... 104
2.3 PRODUÇÃO DE ANIMAIS EQUUS – MUARES ................................................... 107
2.4 PRODUÇÃO DE ANIMAIS OVIÁRIOS – OVELHAS .......................................... 110
CAPÍTULO 3 – AS INVISIBILIDADES FRONTEIRIÇAS NAS RELAÇÕES
ÉTNICO-SOCIAIS ................................................................................................... 125
3 O QUE É SER ESCRAVO: CONCEITO E INTERPRETAÇÃO ...................... 126
3.1 INVENTÁRIOS, SENHORES E ESCRAVOS ......................................................... 137
3.2 COMÉRCIO DE ESCRAVOS: COTIDIANO LEGALIZADO E CLANDESTINO.153
3.3 CONTEXTO SOCIAL: FAMÍLIA, ASSIMILAÇÃO E COSTUMES ..................... 159
3.4 A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA ESCRAVA E SEU DESENVOLVIMENTO NO
CATIVEIRO ............................................................................................................. 161
CAPÍTULO 4 – O BATISMO COMO TRAJETÓRIA E MEIO DE ASCENSÃO
SOCIAL NA FAZENDA MUNDO NOVO .............................................................. 183
4 ALGUMAS FRONTEIRAS ULTRAPASSADAS COM O COMPADRIO:
PROCESSO DE RELAÇÕES PRÓXIMAS ......................................................... 184
4.1 COMPADRIO: REGISTRO DE BATISMO DOS INDIVÍDUOS INDEFINIDOS . 187
4.2 COMPADRIO REGISTRO DE BATISMO DOS INDIVÍDUOS EM CATIVEIRO
................................................................................................................................... 194
4.3 PADRINHOS: RELAÇÕES SOCIAIS E ESPERANÇAS FUTURAS .................... 207
4.3.1 Padrinhos que mais batizaram no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana ............. 210
4.3.2 Madrinhas que mais batizaram no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana ............ 214
4.4 TRAJETÓRIA DOS AFRO-BRASILEIROS: A FRONTEIRA DO ESCRAVISMO
EM BUSCA DA EMANCIPAÇÃO .......................................................................... 221
4.4.1 Alforria uma relação de tensão ............................................................................... 230
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 236
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 243
FONTES MANUSCRITAS .................................................................................... 251
ANEXOS .................................................................................................................. 252
15
INTRODUÇÃO
Em um dos primeiros dias de aula deparei-me com alguns alunos negros que somente
respondiam a chamada em sala de aula. Perguntei para outros colegas quem eram esses alunos,
responderam que eram do chamado “Quilombo do Paredão”. Fiquei surpreso. Um quilombo
em uma colônia de alemães? Então pensei: o que seria migração? Esse é o ponto de partida para
esta tese, pois a partir dessa informação fui verificar como surgiu o quilombo e o que tinha de
bibliografia local sobre essa comunidade.
É sabido que o escravismo esteve presente durante os séculos que sucederam a
colonização do Brasil e, posteriormente, quando constituídos os impérios brasileiros. Dentro
desse cenário, a ocupação territorial no Rio Grande do Sul foi constante. A exploração e
exclusão das populações nativas que aqui viviam sofreram muitos abalos para efetivação e
favorecimento da constituição de uma sociedade voltada para a fixação na terra, para a produção
agrícola e criação de animais domésticos, além da manutenção da mão-de-obra escravizada de
trabalhadores negros.
Apresentar a região do Vale do Paranhana, localizado no Vale do Rio dos Sinos, a
nordeste da capital Porto Alegre, sendo uma importante área de terra que contribuiu para a
campanha de ocupação territorial, além de ter o incremento colonizatório de imigração alemã,
tornando essa região como uma continuidade da colonização de São Leopoldo, que é o marco
da colonização alemã no Rio Grande do Sul, foi um tanto desafiador para este pesquisador.1
A história contada oralmente na bibliografia local não contempla o trabalhador negro
escravizado, que foi inserido como elemento fundamental de mão-de-obra para o
desenvolvimento regional durante os anos que se sucederam ao desbravamento territorial
colonizatório do nosso locus de pesquisa. Já que o trabalhador escravizado não consta como
agente construtivo e de importância para essa região, é necessário dar voz a esses agentes,
retirando-os da invisibilidade em que foram inseridos e ressignificar a história do município de
Taquara, que é uma microrregião metropolitana de Porto Alegre e de São Leopoldo, com
importância econômica e de escoamento produtivo, que se liga tanto ao litoral norte quanto à
serra.
1
A utilização do termo “Vale do Paranhana”, se dá por que atualmente esse vale é considerado uma microrregião
do Vale do Rio dos Sinos, também, no decorrer do texto utilizaremos a nomenclatura “Vale do Rio dos Sinos –
Paranhana” para melhor situar sua geografia, e em momentos oportunos para tal denominação também, usamos
para enfatizar para o leitor sua localização atual, mas é nesse Vale do Paranhana que se constitui a Fazendo do
Mundo Novo. Assim, buscamos apresentar a sua história e seu desenvolvimento regional, incrementando o afro-
brasileiro como objeto de nossa pesquisa.
16
2
ENGELMANN, Erni G. A Saga dos Alemães: do Hunsrück para Santa Maria do Mundo Novo. V. II. Igrejinha:
Editora Comunicação Impressa, 2005.
17
3
Muitas das palavras que aparecem no texto sem agrafia correta, com falta de acentos ou com letras não usuais na
atualidade foram retiradas dos textos das fontes primárias citadas anteriormente, assim buscamos preservar a grafia
da época e sua originalidade em que foram escritos os textos no período do século XIX.
18
conhecidos ou familiares dos próprios senhores foram os padrinhos e madrinhas, assim também
como os escravos e libertos que faziam parte desse processo.
Outra fonte utilizada foram os Processos Crimes. Nesses documentos buscamos
perceber como se moldaram as trajetórias desses trabalhadores que se envolveram em crimes e
quais foram suas penas pelos delitos. Em muitos casos, os réus morreram antes de ganharem a
sentença de culpados ou absolvidos, porém foi possível verificar como se movimentavam as
relações de sociabilidade, mobilidade e relacionamentos conturbados entre os envolvidos e a
sociedade local.
Encontrar elementos que possam ampliar o conhecimento de determinado estudo foi
nossa intenção de pesquisa, com isso centrar as fontes como ponto de partida, explorando seus
conteúdos, é também uma maneira de avaliar suas variáveis como legitimidade e
representatividade para nossa análise.
Segundo Eliane Mimesse Prado:
Para o bom andamento de uma pesquisa é necessário que o pesquisador tenha como
foco os modos como vai lidar com as fontes primárias. Dependendo do tipo de
aproximação que faça dessas fontes, o andamento de sua pesquisa corre o risco de
tomar os mais diversos rumos, e nem sempre os que foram propostos no início do
estudo (PRADO, 2010, p. 01). 4
4
PRADO, Eliane Mimessi. A Importância das Fontes Documentais para a Pesquisas em História da Educação.
Inter Meio: revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, Campo Grande, MS, v.16, n.31, p.124-133,
jan/jun. 2010.
5
Idem.
19
6
PETERSEN, Silvia. Dilemas e Desafios da Historiografia Brasileira: a temática da vida cotidiana. Porto Alegre:
UFRGS, 1991.
20
incluir coletividade ou dispersão. Também é possível que se organize para promover uma
transformação de aspectos em que venha a enfatizar a identidade social.
Assim, o estudo sobre a presença afro-brasileiro na Fazenda Mundo Novo, com base
na vida cotidiana, está relacionado com a categoria escravista, em que a presença de cativos no
atual município de Taquara, no Rio Grande do Sul, teve importância no desenvolvimento
econômico, social e político da região.
Tanto os colonizadores portugueses, quanto os colonos alemães, utilizaram a mão-de-
obra cativa e, consequentemente, os sujeitos escravizados empregaram os meios de
sociabilidade e formação de laços solidários, em alguns momentos, para resistirem ao sistema
escravista colonial.
Outro elemento que faz jus ao cotidiano a ser apresentado é sobre a constituição da
família cativa, visto que, pelas porcentagens que surgiram nas fontes sobre o gênero, foi
possível vislumbrar os elementos que compõem as relações sociais familiares e as relações de
sociabilidade que caracterizaram, no escravismo, algumas formas de resistência ao sistema e
estratégias para manutenção familiar fora da senzala.
Robert Slenes faz uma analogia:
É nesse contexto que nos foi ensinado, que devemos pensar que a esperança para um
escravizado nunca tivera existido, mas o cotidiano fez prevalecer o aprendizado e através dele
muitos desses cativos tiveram a oportunidade de se manifestar e resistir contra o sistema. Assim
foi possível verificar nas fontes utilizadas que o sistema escravista foi uma exploração que
vitimou centenas de pessoas não lhes dando a chance de se desenvolver em seu habitat natural,
fazendo com que fossem subjugadas ao máximo, além de sua importação para essas terras
longínquas da África.
A utilização dos Inventários post mortem, Livros de Casamentos, Livros de Batismo e
Processo Crime,8 como fonte de análise, nos auxiliou para legitimar a presença do africano e
afro-brasileiro na Fazenda Mundo Novo. Nossa análise de tese caracteriza-se como uma
7
SLENES, Robert. Na Senzala uma Flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
8
A partir da análise dessas fontes primárias, utilizamos no decorrer do texto dessa tese, a grafia de palavras e
nomes próprios de acordo como foram escritos no decorrer do texto da fonte primária, assim em alguns casos,
algumas palavras não constam acentos e outras características de acordo a nova ortografia atual.
21
pesquisa quantitativa, visando perceber o número de cativos que cada senhor possuía, não
descartando outros elementos que as fontes nos proporcionaram, como relações econômicas,
relações cotidianas, relações sociais e as relações políticas que ocorreram no então futuro
município de Taquara, por volta de 1856 a 1888.
As fronteiras foram estabelecidas entre os agentes do escravismo, de um lado a
sociedade formada com bases em trabalho servil regional para a manutenção de subsistência e
comércio com outros centros e, do outro, os trabalhadores africanos e afro-brasileiros que
ajudaram, ou foram os que realmente trabalharam, para o desenvolvimento regional-comercial
e os que mais sofreram com as tais fronteiras estabelecidas, onde o não reconhecimento por sua
presença fez do imigrante europeu lusitano e germânico na região, serem reconhecidos como
os grandes construtores e desbravadores das terras que ainda não estavam ocupadas, e formando
então, a Fazenda Mundo Novo e, posteriormente, o município de Taquara.
Nossa metodologia foi analisar o que as fontes poderiam oferecer a partir dos seus
registros. Construímos um banco de dados que possibilitou formar um tipo de mapa de
elementos constituídos nessas fontes, algumas tabelas e gráficos para demonstrar e organizar
os elementos analisados. Com isso buscamos elaborar o texto que nos possibilitou elencar as
relações econômicas e sociais entre os agentes do escravismo, valorizando as relações entre
ambos e verificando as ‘maneiras’ como se desenrolaram essas relações dentro do sistema
escravista, assim valorizando a presença do afro-brasileiro e sua importância para o
desenvolvimento regional.
A pesquisa se desenvolveu a partir de palavras chaves, como escravidão, afro-
brasileiro, sociedade, relações políticas e relações sociais, entre senhores e cativos, na formação
social, econômica e política na cidade de Taquara, antiga Fazenda Mundo Novo, entre 1856 –
1888, no Rio Grande do Sul. Nossa análise parte dos inventários post mortem, sendo o mais
antigo documento encontrado para essa região, o inventário de João Ignácio Pereira com
datação de 1856 e também por estar dentro da década em que foi proibido o tráfico de escravos
para o Brasil, transformando o afro-brasileiro cativo em uma mercadoria mais valiosa no
comércio interno, que se estabeleceu pela falta de africanos.
Com a existência de uma vasta documentação de fonte primária, foi possível
estabelecer um mapeamento demográfico quantitativo, para percebermos a presença das
escravaturas, pois anteriormente à doação da Sesmaria a Antônio Borges de Almeida Leães em
1814, em Santa Cristina do Pinhal, já existia presença lusa na região, consequentemente,
senhores escravistas.
22
9
OLIVEIRA, Vinícius Pereira de. De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras
meridionais. Porto Alegre: EST Edições, 2006.
23
Para o quarto capítulo, o batismo como meio de ascensão social também viabilizou a
percepção da trajetória dos afro-brasileiros dentro das fronteiras do escravismo, essas relações
de compadrio ampliam as possibilidades para análises sobre os padrinhos que mais se
manifestaram nos registros, tanto dentro como fora da senzala. Também buscamos entender as
relações entre senhores, familiares que batizaram os filhos dos cativos e população livre que
esteve presente na pia batismal. Além dos batismos, a trajetória da alforria do preto Benedito
em um processo crime, nos mostra que a luta constante pela liberdade não foi algo passivo, mas
se fez valer dentro das estruturas institucionais que foram redigidas pela própria sociedade
escravista sobre o escravismo.
A metodologia teórica se volta para a utilização dos conceitos a serem abordados, por
também existir uma vasta bibliografia sobre o tema da pesquisa, foi viável uma abordagem mais
específica na tentativa de relacionar as fontes bibliográficas com a região da pesquisa, visto que
a bibliografia convencional não contempla favoravelmente o afro-brasileiro, assim, buscando
perceber, se para algumas regiões, os padrões de produção e manutenção do cativeiro tiveram
alguma diferenciação em comparativo. A intenção é retirar da invisibilidade os cativos de todo
um período histórico local, colocando-os em evidência e valorizando os desvalorizados nas
relações de trabalho e construção social.
Na possibilidade da reconstrução do processo histórico, principalmente das trajetórias
dos afro-brasileiros cativos que estiveram no Rio Grande do Sul durante o século XIX,
convenciona a oportunidade de analisar as permanências e transformações, que ao longo do
tempo apresentaram uma organização no trabalho e na vida escrava. A procura de preencher
uma lacuna histórica com a produção de uma pesquisa quantitativa, envolvendo os agentes que
possuem os meios produtivos e os sujeitos subalternos e explorados que fazem parte do modo
de produção escravista empregado na Fazenda Mundo Novo, tornou-se o nosso objeto de
análise.
É nesse contexto que buscamos valorizar, na história local, a presença dos afro-
brasileiros da Fazenda Mundo Novo, que no tempo passado, lutaram e se organizaram para se
manterem em uma regularidade que contribuiu para sua permanência no tempo histórico, assim
buscamos a valorização do sujeito escravizado, forro e livre no século XIX.
Paulo Moreira e Miqueias Mugge (2014) se utilizaram desse tempo histórico para
trazer à tona a presença afro-brasileira e africana na antiga colônia alemã de São Leopoldo, já
que a escravidão foi marcante na região e, progressivamente, ainda a sociedade não aceita tais
fatos. Nossa pesquisa também buscou legitimar que, no Vale do Paranhana, a presença do afro-
brasileiro teve sua representatividade. “A partir da percepção de lacunas historiográficas e
24
O princípio talvez mais forte de construção do discurso colonial, que é o produto mais
eficaz do discurso das descobertas, é reconhecer apenas o cultural e des-conhecer
(apagar) o histórico, o político. Os efeitos de sentido que até hoje nos submetem ao
‘espírito’ de colônia são os que nos negam historicidade e nos apontam como seres-
culturais (singulares), a-históricos (ORLANDI, 2008, p. 19). 11
A autora remete sua análise para a conquista da América e como foi construído o
discurso de manutenção dessa conquista. Também podemos nos apropriar desse mesmo texto
para averiguar como foi edificado o discurso sobre a presença dos afro-brasileiros no Vale do
Paranhana, onde o que prevaleceu foi o ímpeto do colonizador imigrante europeu, sendo
‘esquecida’ a historicidade africana e afrodescendente, sua presença e trabalho na composição
econômica local.
A apreciação parte do recorte temporal de 1856 a 1888 e geográfico da antiga Fazenda
Mundo Novo, estabelecendo como ponto de partida para averiguar a presença afro-brasileira e
sua representatividade, assim como o termo regional local, buscando perceber que existiu um
estabelecimento de relacionamento entre senhores e cativos, mas prevalecendo, na
historiografia regional, somente a presença do imigrante europeu como o construtor da
sociedade que se formou a partir de sua presença na região do Vale do Rio dos Sinos -
Paranhana.
Cristiane Bortolli (2003) percebeu que deveria estabelecer um conceito para o termo
‘regional’, já que utilizaria, em sua análise e trabalho, a questão regional, assim, como em
10
MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; MUGGE, Miquéias H. Histórias de Escravos e Senhores: em uma região de
imigração europeia. São Leopoldo: Oikos, 2014.
11
ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à vista – Discurso do Confronto: velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2008.
25
Carneiro (2000), Love (1975), Felix (1996) e Maestri (2002),12 se conceitua a partir de áreas
geográficas que estabelecem características próprias, onde se incorporaram tipos de produção
econômica, relações sociais, relações políticas e a utilização da mão-de-obra escravizada.
“Partindo dessa concepção de região, o sujeito e suas ações sociais, econômicas e culturais em
determinado espaço são elementos definidores de uma região. [...], podendo revelar novos
aspectos não observados em análises mais amplas” (BORTOLLI, 2003, p. 39). 13
Essa autora ainda relata que os municípios estudados por ela – Cruz Alta e Palmeira
das Missões – possuíam semelhanças em sua construção, que comparado à região de nosso
estudo, no atual município de Taquara – antiga Fazenda Mundo Novo – não foi diferente.
Talvez o que mude seja o tipo de produção econômica, mas as relações de trabalho, exploração
e poder são idênticas, assim como em todo o processo econômico no Rio Grande do Sul no
século XIX.
Segundo Cristiane Bortolli:
12
Bibliografia utilizada pela autora.
13
BARTOLI, Cristiane de Quadros de. Vestígios do Passado: a escravidão no Planalto Médio gaúcho. Passo
Fundo: UPF, 2003.
14
Idem.
26
[...] a linha demarcatória entre os produtores deve ser buscada não no tipo de atividade
exercida, mas numa série de variáveis, entre elas, a posse de escravos, a propriedade
da terra, o uso de força de trabalho externa ao grupo doméstico e o controle de uma
quantidade maior ou menor de animais (OSÓRIO, 2006, p. 168). 15
Esses elementos citados estão de acordo com o que as fontes nos proporcionaram: uma
farta quantidade de cativos, animais diversos e posse da terra. Assim nossa tese se molda dentro
dos conceitos que são estabelecidos, não estando fora da realidade e do conceito regional,
visualizando as fronteiras que se estabeleceram dentro do regionalismo com a colonização
imigrante europeia que se fez presente nesse estudo.
Dentro dessas variáveis, que cita as autoras, no caso do regionalismo, um elemento
muito importante de se destacar é o cotidiano, já que determina uma luta de conceitos em que
o indivíduo cativo está inserido e que pode existir uma coletividade ou dispersão em suas
relações, também pode se organizar a partir da família cativa, para promover uma
transformação dos aspectos que enfatize uma possível identidade social. Esses aspectos podem
ser entendidos como fronteiras a serem ultrapassadas, já que o afro-brasileiros vive no cotidiano
de seu senhor, isso nos remete à possibilidade de perceber uma luta constante, pois está inserido
em outra realidade.
Pensando nas palavras de Jörnh Rüsen (2015), o tempo histórico é irreversível, ou seja,
quando em algum lugar as necessidades são diferentes de outros, não podemos dizer que essa
ou aquela sociedade é atrasada ou adiantada, pois a necessidade de algo faz emergir o
desenvolvimento para todos, assim poderíamos dizer que a “História é uma conexão temporal,
plena de eventos, entre passado e presente (com uma projeção para o futuro), que, por sua
representação sob a forma de narrativa, possui sentido e significado para a orientação da vida
prática atual” (RÜSEN, 2015, p. 52). 16
Frente ao exposto elaboramos nossa tese, valorizando a História e a presença dos afro-
brasileiros na Fazenda Mundo Novo, que no tempo passado, lutaram e se organizaram para se
manterem em uma regularidade que contribui para sua permanência no tempo histórico, assim
efetivamos a valorização do sujeito escravizado, forro e livre no século XIX na Fazenda Mundo
Novo, Taquara - RS.
15
OSÓRIO, Helen. Estrutura Agrária e Ocupacional. In: BOEIRA, Nelson, GOLIN, Tau. História do Rio Grande
do Sul – Colônia. v. I. Passo Fundo: Méritos, 2006.
16
RÜSEN, Jörn. Teoria da História: uma teoria da história como ciência. Curitiba: Editora UFPR, 2015.
27
CAPÍTULO
I
responsável também pelo fluxo de pessoas civis que buscavam refúgios das guerras, tentando
uma nova oportunidade de vida.
Para a coroa portuguesa, foi uma excelente oportunidade, já que ampliaria a
demarcação e daria continuidade com o processo de expansão territorial. Assim se
estabeleceram novas fronteiras geográficas, e também se criaram outros padrões de fronteiras
espaciais, sociais e cotidianas.
Segundo Dóris Rejane:
A geografia local ofereceu aos transeuntes, que passaram por essas terras, uma
possibilidade de reconstrução de suas vidas, outros se utilizaram das vastas matas e pastagens
em uma localização privilegiada amparada pela encosta da serra; assim, com água em
abundância e acesso para outras localidades da colônia, também, foram se formando lugarejos
que, posteriormente, passaram a fazer parte do Império Brasileiro. Igualmente favorecendo a
presença de homens e mulheres que decidiram permanecer nessa região, se afastando das
guerras que intermediavam, ora em combates, ora em momentos de paz.
Para o interesse da Coroa portuguesa era importante facilitar a posse da terra, já que
era caminho de deslocamento das tropas de exércitos para garantir a fronteira no sul do
Continente de São Pedro. Também podemos elencar o interesse ao abastecimento dos soldados,
além dos tropeiros que cruzavam com suas manadas de gado o Vale do Rio dos Sinos em
direção a São Paulo. Não se tem registros que regulamentavam o reconhecimento legal pela
posse da terra, também não foi encontrado algum documento que legitimasse essa região como
sendo uma região indígena, segundo Dóris Rejane Fernandes (2008). Os indígenas foram
gradativamente sendo expulsos ou mortos pelos colonos em diversos conflitos entre ambos.
17
FERNANDES, Dóris Rejane. Povoamento Pioneiro das Terras do Mundo Novo. In: BARROSO, Vera Lúcia
Maciel, SOBRINHO, Paulo Gilberto Mossmann. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008. O termo “filho de
casal”, utilizado nos documentos e na citação, tem por objetivo uma designação sobre a origem dos colonizadores,
sendo nesse caso, filhos dos casais açorianos que colonizaram o Rio Grande do Sul.
30
18
Idem
19
Sobre o Tratado de Santo Ildefonso ver GOLIN, Tau. A Fronteira: governos e movimentos espontâneos na
fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.
20
GOLIN, Tau. A Fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai
e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.
31
Dóris Rejane (2003) refere que as paisagens22 acenam para a vida no campo, seu
desenvolvimento, sua transformação, que se relacionam pela necessidade da sobrevivência e
manutenção local. Essas paisagens auxiliam na construção das fronteiras que se assentam em
meio à relação entre o homem, a natureza e a terra, da ocupação e exploração das riquezas
naturais e da construção de poder decorrente da ação da tomada territorial ignorando os nativos.
A cada processo de ocupação fomentaram-se as balizas que formaram os pilares do
desenvolvimento, que deverá ocorrer durante esse emprego, com isso também se formam as
fronteiras. Estas se atrelam a uma relação de superioridade, poder, economia, e exclusão de
nativos ou homens pobres.
Eni Orlandi (2008) 23 percebe que as fronteiras erguidas partiram do primeiro contato
dos europeus com o continente americano, já que a imposição do poder foi legítima através da
construção do discurso empregado. Isso levou as comunidades nativas a serem exploradas,
desvalorizadas e dizimadas enquanto cultura existente e cultura imposta.
Se pensarmos sobre os tratados que se seguiram durante a divisão do mundo pelas
coroas ibéricas, podemos entender que tanto o Tratado de Tordesilhas (1494), o Tratado de
Madri (1750) e o Tratado de Santo Ildefonso (1777) foram imposições fronteiriças que
estabeleceram as ocupações e regulamentaram o conceito de uti possidetis para Espanha e
Portugal.
21
BERNARDES, Nilo. Bases Geográficas do Povoamento do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí: Ed. UNIJUÍ,
1997.
22
Segundo Francisco Carlos Teixeira, “A distinção entre paisagem física e paisagem cultural, como feita na
história, e que ainda prevalece na geografia, deve ceder espaço para uma nova visão, cuja ênfase recai nos
resultados da ação do homem sobre o meio ambiente”. Devemos entender a natureza, nesta visão, não mais como
um dado externo e imóvel, mas como produto de uma longa atividade humana: ‘a natureza virgem não é mais do
que um mito pela ideologia de civilizados sonhadores de um mundo diferente do seu’. TEIXEIRA, Francisco
Carlos. História das Paisagens. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História:
ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.203.
23
ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à Vista – Discurso do Confronto: velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas:
Editora da Unicamp, 2008.
32
Outro elemento a ser entendido passa pela construção das fronteiras sulinas, essas
construídas através do militarismo, das guerras, e uma constante empreitada para definir onde
colocar os marcos da conquista e delimitar a área ocupada, definindo o que pertencia a Portugal
e à Espanha. Com isso o Tratado de Madri (1750) e, posteriormente, o Tratado de Santo
Ildefonso (1777) tornam-se importantes documentos que ressalvam as possibilidades e práticas
das doutrinas de fronteiras naturais e não mais naturais, onde se retorna ao ponto de partida
para estabelecerem as bases de uma geografia sulina com o Tratado de Badajós (1801), que
retoma a linha natural e define o que hoje é a fronteira oeste do RS.24
Essa ação remonta um olhar para o homem que vai se constituir a partir dessa fronteira
estabelecida pelo marco natural. Começando a descaracterizar a presença Espanhola e a
construção ao sul meridional da cultura rio-grandense, que vai se moldando e fazendo emergir
algumas denominações que ao longo do tempo se caracterizam como uma cultura local, ou
estabelece uma fronteira com particularidades e características diversificadas do resto da
colônia portuguesa e das fronteiras constituídas internamente com a ocupação da terra sulina.
Para entendermos a representatividade da fronteira, não podemos deixar de citar o
“Mito da Fronteira”, mesmo que esse já tenha sido superado em seu conceito, mas ainda remete
ao imaginário que se constitui na Europa em decorrência da terra encontrada, de outro
continente, de uma nova oportunidade como cita Lúcia Lippi Oliveira.
Esse contexto de ‘mito da fronteira’ serviu para o europeu legitimar sua presença na
ocupação territorial no Rio Grande do Sul. Logo, para os colonizados a visão é contrária, já que
seu território foi tomado como ‘empréstimo’ e não devolvido, de tal modo, essa invasão
deslocou as sociedades invadidas para fora da fronteira, colocando-as em uma situação
secundária. Portanto, é perceptível que a exclusão dos nativos indígenas teve um impacto
24
GOLIN, Tau. A Fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai
e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.
25
MAGALHÃES, Dóris Rejane Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação
da Fronteira no Vale do Sinos. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003.
33
considerável. Posteriormente, a inserção dos africanos, dentro desse processo, passou a ser vista
como uma participação ativa desse processo de ocupação das terras não habitadas.
Édouard Glissant (apud ABDALA JUN IOR, 2002, p. 16) entende as noções de cultura
como sendo historicamente construídas, de acordo com a oportunidade de povos colonizadores
em impor aos colonizados sua vontade de manter e constituir sua ocupação, expulsos ou
submissos ao seu poder. Surge, com isso, um conceito denominado de culturas atávicas, que
cognominaria em um tipo de filiação cultural territorial, já que essa ocupação foi tomada dos
povos nativos, além da inserção do elemento africano escravizado, formando assim, um
substrato e a realocação de culturas a partir da cultura do colonizador.
Abdala Junior alude:
26
ABDALA JUNIOR, Benjamin. As Fronteiras Múltiplas, Identidades Plurais: um ensaio sobre mestiçagem e
hibridismo cultural. São Paulo: Editora SENAC, 2002.
27
GRINBERG, Keila. As Fronteiras da Escravidão e da Liberdade no Sul da América. 1ª ed. Rio de Janeiro:
7Letras, 2013.
28
Idem.
34
29
GOLIN, Tau. A Fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai
e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.
30
Idem
31
Idem.
32
GRINBERG, Keila. As Fronteiras da Escravidão e da Liberdade no Sul da América. 1ª ed. Rio de Janeiro:
7Letras, 2013.
35
33
MAGALHÃES, Dóris Rejane Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação
da Fronteira no Vale do Sinos. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003.
34
OSÓRIO, Helen. Estrutura Agrária e Ocupacional. In: BOEIRA, Nelson, GOLIN, Tau. v.1 Passo Fundo:
Editora Mérito, 2006. ZARTH, Paulo Afonso. Do Arcaico ao Moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século
XIX. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002. GRINBERG, Keila. As Fronteiras da Escravidão e da Liberdade no Sul da América.
1ª ed. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013.
35
Não estamos dizendo que esses autores tiveram o mesmo conceito em suas obras, mas que a fronteira está em
constante construção como em questões ideológicas, em pensamentos, em manifestações sociais, em processos de
exclusão, etc.
36
constitui num espaço de ocupação recente, já que esse termo se ampliou para outras questões
que envolvem processos de desenvolvimento social, econômico e político, mas, quanto ao
processo colonizatório, principalmente quando da produção dessa ocupação territorial, dos
rebanhos de animais e dos laços e relações sociais, que foram criadas e desenvolvidas na
construção do espaço, que ainda está acontecendo.
Essa construção vai se constituindo através da qualidade do solo para a produção e da
possibilidade de transportar os produtos, tanto via terrestre quanto fluvial. Desta maneira, o
desenvolvimento moderno, que Portugal necessitava, dependia da qualidade da terra que foi
ocupada.
Pensar a fronteira estabelecida entre as Coroas Ibéricas nas terras da América Latina
implica na imposição cultural, econômica e social, onde as mesmas características produtivas
vão se igualar e se complementar. “A fronteira surgiu como zona de contato entre a soberania
das duas metrópoles, que disputavam a parte sul da América. Nessa fronteira não existia ainda
a percepção do “eu” e do “outro”, era a grande continuidade do ‘nós’. (MAGALHÃES, 2003,
p. 42).36
Outro fator importante é a fronteira cultural como um dos pontos de partida para
elaborarmos um entendimento. A partir desse, percebemos inúmeros casos que se construíram
em um limiar de signos que reflete por gerações posteriores à sua construção. No caso do
trabalhador em cativeiro, o espaço limítrofe de ação, em muitos casos, desencadeou
dificuldades ainda maiores.
Para Sandra Pesavento (2006), o centro da discussão está na abordagem e no conceito
sobre fronteira. Dentro dessa proposta, as possibilidades de abordagem se fazem necessárias,
algumas comparações que partem do objeto para se pensar em uma história comparada,
buscando rever a construção cultural e o surgimento de outras culturas, como o hibridismo, a
mestiçagem, os valores estabelecidos, as invisibilidades e os elementos de dominação através
de poderes políticos, em vez de auxiliarem, excluem ainda mais os oprimidos do sistema.
Mariana Thompson Flores (2013), percebe a questão da fronteira como uma “fronteira
manejada”, ou seja, um local que era manipulável de acordo com as necessidades de cada
indivíduo ou grupos que buscavam tirar vantagens do contexto político, econômico ou social
em que se encontravam. Assim a fronteira manejada possuía os elementos que demonstram
como as relações entre a linha imaginária fronteiriça e a realidade se determinavam de acordo
com o sistema vigente em ambos os lados da fronteira, beneficiando ou punindo quem passava
36
MAGALHÃES, Dóris Rejane Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação
da Fronteira no Vale do Sinos. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003.
37
para o outro lado. A fronteira é um espaço, tanto geográfico como abstrato, que sobrevive das
relações conflitantes que compõem esses espaços, tanto nas questões divisórias como nas
relações entre pares diferentes, que comungam em sistemas diferentes, mas vivem o mesmo
espaço cotidiano.37
Viver em um espaço fronteiriço sempre se está em um momento de perceber que
parece que no outro lado as coisas se ajustam melhor, e é mais fácil do que a realidade. A
fronteira como mecanismo de produção de crimes, por exemplo, fica em muitas vezes encoberta
pelas legislações do outro lado; visto que encobriam tais delitos, não deixando proceder
corretamente as punições aos crimes praticados. Assim, tanto o contrabando quanto os crimes,
foram se moldando e se aproveitando do déficit da fiscalização fronteiriça (THOMPSON,
2013).
São notórias as diversas relações travadas através de fronteiras, contudo, é preciso ter
em conta que a fronteira é o lugar onde soberanias e leis diferentes se encontram, e
que essa dimensão institucional não pode ser suprimida. [...]. O limite político em si,
a linha por onde passava a fronteira, embora fosse abstrato, acabava por cumprir
função concreta nas vidas dos habitantes daquele espaço. Os fronteiriços sobre os
quais se desenvolveu essa pesquisa, pertencentes à região da fronteira sul do Brasil na
segunda metade do século XIX, demonstravam reconhecer o lugar por onde passava
a linha de fronteira e de ter a noção de que circular do seu lado, ou do outro lado,
acarretava diferentes ações e questões a serem levadas em conta (THOMPSON, p. 2,
2013). 38
37
FLORES, Mariana Flores da Cunha Thompson. A Formulação da “Fronteira Manejada” Como Proposta
Teórica a Partir do Estudo de Crimes. Artigo apresentado no I Seminário Internacional “Brasil no Século XIX”,
novembro, 2013.
38
Idem.
38
39
OLIVEIRA, Renata Saldanha. Cativos Julgados: experiências sociais escravas de autonomia, sobrevivência e
liberdade em Cachoeira do Sul na segunda metade do século XIX. Dissertação de Mestrado, 2011, UFSM.
40
Idem, a data de 1824 faz jus a fundação da Colônia de São Leopoldo e a imigração alemã no Vale do Rio dos
Sinos.
39
41
Idem, p. 43.
42
Idem, p.46.
40
Entendemos que a ocupação do vale dos sinos se faz através de frentes sucessivas e
múltiplas de ocupação, geradoras de conflitos, numa sucessão de pequenas vitórias e
novas etapas de avanço. São sucessivas frentes de expansão, revelando uma
dinamicidade distante da imagem construída de “vazio” espacial. Essa dinamicidade
se revela nas atividades econômicas desenvolvidas desde os finais do século XVIII e
nos grupos étnicos presentes no espaço. É nesse contexto que vemos e entendemos a
ocupação do Vale dos Sinos. (MAGALHÃES, 2003, p.48).43
43
Idem, p. 48.
44
Conselho Ultramarino foi um órgão criado por Portugal no ano de 1642, durante o governo de Felipe II, com
atribuições em áreas financeiras e administrativas, primeiro, da África portuguesa e da Índia portuguesa e, depois,
de todo ultramar, incluindo a colônia do Brasil. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: Editora da
EDUSP, 2007.
41
A partir do final do século XVIII, com a queda da produção agrícola, a criação de gado
passou a ser a solução para a economia da campanha sulina, surgindo, então, as charqueadas.
Seu desenvolvimento vai se estabelecer a partir do início do século XIX, e se desenvolvendo
até a metade do mesmo período. O processo de ocupação territorial foi se aprimorando e a
necessidade de uma produção agrícola mais eficiente era imprescindível, pois o gado tornara-
se um produto muito lucrativo, mas a falta de alimentos era constante e a necessidade de uma
45
MAGALHÃES, Dóris Rejane Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação
da Fronteira no Vale do Sinos. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003.
46
Idem, p. 109.
47
Sobre as questões de Leis de terras, ver Marcia Motta. Nas Fronteiras do Poder: conflito e direito a terra no
Brasil do século XIX. 2ª ed. Rio de Janeiro: EDUFF, 2008.
42
Dentro desse procedimento de ocupação das terras ainda não ocupadas pela
administração portuguesa, em 1813, Antonio Borges de Almeida Leães fez um pedido ao
48
Ver as questões econômicas e agrárias em ZARTH, Paulo Afonso. Do Arcaico ao Moderno: o Rio Grande do
Sul agrário do século XIX. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002.
49
BERNARDES, Nilo. Bases Geográficas do Povoamento do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí: ED. UNIJUÍ,
1997.
43
governador da Capitania do Rio Grande do Sul, o General Dom Diogo de Souza, para adquirir
uma Sesmaria, ganhando o documento em 1814, e passou a ser chamada Fazenda Mundo Novo.
Como era de costume, os empreendimentos feitos pelos proprietários, para adquirir
terras ainda não ocupadas pela população branca, deveriam comprovar que possuíam posses,
essas deveriam ser bens materiais e monetários, assim como animais de criação e alguns
escravos, e também o tipo de produção econômica a ser produzida.
Assim, o pedido de posse de uma Sesmaria feito por Antonio Borges de Almeida Leães
a Dom Diogo de Souza, o então Governador da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul,
se estabelece assim:
A lei de sesmarias foi criada pelo rei português, Dom Fernando I, em 1375, e integrava
um conjunto de medidas adotadas pelo governante com o intuito de combater uma aguda crise
de abastecimento por qual passava o reino português, condicionando o direito à terra a seu
efetivo cultivo, traço marcante do reino da efetividade, característica da civilização medieval.
Um dos objetivos da lei era constranger os “donos” de terra para cultivar e aumentar a produção.
Caso tal condição não fosse observada, a coroa tinha o direito de revogar a concessão e doar a
terra em sesmaria a outra pessoa que se comprometesse a cultivá-la em tempo pré-determinado
por lei.
Os sujeitos responsáveis pela aplicação da lei eram denominados sesmeiros, em
Portugal. Esses eram dois “homens-bons” escolhidos entre os membros do concelho
administrativo, equivalente às câmaras municipais da América portuguesa. Essa escolha
poderia ser uma indicação direta do rei ou realizada pela própria administração, porém estava
sujeita à aprovação real.
Era responsabilidade dos sesmeiros realizar a doação das terras ofertadas em sesmaria
para os pretendentes que possuíssem as qualidades necessárias para proceder ao cultivo da terra.
Ficava, também, ao seu cargo verificar se as terras estavam sendo cultivadas e, caso não
estivessem, deveriam notificar o beneficiário para que este aproveitasse suas terras no prazo de
50
Documento de Sesmaria de 1814 – Antonio Borges de Almeida Leães – AHRS.
44
um ano, sendo que o não cumprimento desse dever resultaria na revogação da doação. A
primitiva lei de Dom Fernando sofreu algumas transformações ao longo do tempo, porém, o
fundamento do cultivo permaneceu imutável e foi perpetuado, junto com a lei das sesmarias,
através das Ordenações do Reino.
Dessa maneira, entende-se por sesmaria uma concessão condicional de terras realizada
em nome do rei. Tal concessão garantia ao beneficiário o domínio útil da terra, porém este
domínio estava condicionado ao fundamento do cultivo que, se não observado, acarretaria a
anulação da doação que voltava ao domínio real e poderia ser concedida, novamente, em
sesmaria a um terceiro sesmeiro.
A opção pelo instituto jurídico das sesmarias, na América, não foi ao acaso. A coroa
portuguesa já o havia utilizado, com êxito, na colonização das ilhas atlânticas e do próprio
território português, no povoamento de regiões fronteiriças durante a guerra com Castela e, ao
se deparar com a tarefa de colonizar o território brasileiro, se valeu dessa experiência. Percebe-
se, desta maneira, as múltiplas facetas que a sesmaria assumiu na colônia. Além de atuar como
forma de acesso à terra e ao poder entre os colonos, o sistema contribuía para reforçar o poder
central, exercido pelo Estado.51
Para estabelecer uma economia, era preciso um tipo de produção e a mão-de-obra
cativa, já que a solução para o processo mais eficaz de produtividade dentro da futura Sesmaria
necessitava logo de seu desdobramento. A importância desses cativos para o desenvolvimento
da sesmaria foi fundamental para a construção da futura sociedade da cidade de Taquara que se
desenvolveu no decorrer dos anos, pois, até os dias atuais, os elementos africanos e afro-
brasileiros estão presentes dentro dessa sociedade, oriunda da antiga Sesmaria de Antonio
Borges de Almeida Leães.
No Vale do Rio dos Sinos - Paranhana, em fins do século XVIII, a ocupação territorial
se desenvolve em direção a Santo Antônio da Patrulha, já no início do século XIX. A ocupação
se intensifica, ampliando rumo à Aldeia dos Anjos, Itacolomy, Barro Vermelho, Faxinal do
Courita, Pinhal, Serra do Pinhal, Pinhal Costa da Serra e Rio dos Sinos e seus afluentes,
caracterizando o avanço ocupacional em direção a Porto Alegre.
Esse movimento tem por base a necessidade de demarcar o domínio português na
porção da encosta da serra. Para isso a vinda de pessoas de outras localidades do Rio Grande
do Sul, em decorrência conflituosa e guerras entre as coroas ibéricas, ou que foram expulsas de
seus lugares por fatores externos, favoreceram a ocupação do Vale do Rio dos Sinos –
51
DINIZ, Mônica. Sesmaria e Posse de Terras: política fundiária para assegurar a colonização brasileira. Artigo
publicado na Revista Histórica. São Paulo. ed. nº 2, junho 2005.
45
Entre os primeiros ocupantes das terras temos, por exemplo, na ‘Serra do Pinhal’, João
Garcia, Miguel Dutra e Luciano Gomes; no caminho para o Pinhal, encontramos
Pedro Rodrigues Lima, Felisberto Pereira Dias, João Jose de Oliveira Guimaraes,
Capitão Custódio Ferreira de Oliveira Guimaraes, Capitão Joze de Azevedo Souza e
o Padre Joze Fernandes do Valle. Da Serra do Pinhal, seguindo para Santo Antônio
da Patrulha, localizamos Joaquim Francisco Terra, Antonio da Terra, Antonio da Silva
e Miguel Antonio Dutra. No ‘Pinhal Costa da Serra’, ocuparam terras Domingos Joze
Dias, Antônio Cabral de Mello, João Soares Lima, Diogo Pinto e Felisberto Dias
Pereira, na costa do rio dos Sinos, Antônio Borges de Almeida Leams (FERNADES,
2003, p. 28). 52
52
Idem, p. 28
53
O sobrenome “Leams” consta na bibliografia local. No documento de pedido de posse (sesmaria) datado de
26/11/1813, está como Antônio Borges de Almeida Leães e a partir desse documento passaremos a utilizar
convencionalmente essa nomenclatura como consta na sesmaria doada em 1814. Sesmaria de Antônio Borges de
Almeida Leães, nº 372, cx. 7, AHRS, Porto Alegre.
46
Antonio Borges era um homem de posses que ambicionava expandir seus negócios,
visou ampliar sua fortuna com um pedido a sua Majestade, o Rei de Portugal, a concessão de
uma sesmaria na margem do rio dos Sinos. Seu pedido foi aceito e concedido pelo então
comandante das forças portuguesas na Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul, Dom
Diogo de Souza, tendo seus limites entre os rios dos Sinos, rio Santa Maria e rio Rolante.
Tempos mais tarde, em 1822, anexou-se uma ‘data’54 à sua sesmaria, aumentando seu limite
entre o rio Santa Maria e o arroio Tucanos.
Mas para tomar posse algumas concessões foram feitas, uma delas era que tinha que
possuir bens econômicos e alguns escravos para desenvolver a sesmaria. Isso não foi problema,
já que era um comerciante conhecido em Porto Alegre e possuía tais exigências como na tabela
02.
54
Data – documento de posse da terra.
47
A quantidade de escravos era suficiente para tomar a posse da sesmaria, mas o que
chama a atenção são as deformações que alguns escravos de Antônio Borges possuíam. Luís,
de Nação da Costa (deve ser da Costa da África), com 46 anos, aparece no inventário como
“quebrado nas duas virilhas”, Manoel, de Nação da Costa, 50 anos, “aleijado dos pés e anda de
muletas” e a Leocadia, de Nação, 42 anos, diz o documento que “falta os calcanhares dos pés”.
Podemos pensar em maus tratos ou deformações naturais. Antônio Borges era violento
com seus cativos? Ou nasceram com essas deformidades? Ou ainda sofreram com maus tratos
e castigos de outros senhores, por alguma rebeldia e não aceitação do cativeiro? Ou mesmo,
acidentes de trabalho. Inferimos com mais ênfase na primeira hipótese, visto que no decorrer
do inventário os avaliadores descrevem grilhões, correntes, “três colares de ferro para pescoço
de negros no valor de mil e oitocentos réis”, “duas correntes de ferro para prender escravos no
valor de três mil e duzentos réis”, “uma algema de ferro grande no valor de oitocentos réis”. A
partir desses utensílios para o cativeiro podemos deduzir que as relações sociais entre senhor e
cativo não eram “amigáveis” como em outros casos.
As terras de Antônio Borges no início do século XIX eram conhecidas pelo nome de
Fazenda Rural do Pinhal, posteriormente, com o aumento territorial e, por gostar muito da
propriedade, passou a chamá-la de Fazenda Mundo Novo. Esta terra estava vinculada ao distrito
da freguesia da Aldeia dos Anjos.55
A Fazenda Mundo Novo era constituída de matos, roças, engenho, jogo de pedras de
moer, uma roda de ralar, prensa grande, alambique, senzala, atafona e um forno. Cultivavam-
se cana-de-açúcar, trigo, milho e mandioca. Era um estabelecimento agropecuário, com bases
em ferramentas, como: machados, enxadas, foices, serras, serrotes e animais, como reses de
cria, bois, cavalos e mulas, além da mão-de-obra escrava composta por homens e mulheres.
Na página 44 do inventário, os avaliadores começam a descrever os bens do finado
Antônio Borges em 1835. Nesse relato são descritos a localização geográfica da sesmaria
recebida, e a administração imperial de competência dessas terras, oferecendo a dimensão de
como eram perpetrados os ajuizamentos dos bens e valores estipulados pelos avaliadores
autorizados e juramentados pelo cartório de órfãos e seus representantes.
55
AGUIAR, Lacy Maria; CASADO, Irene Luciana. Taquara de Tristão José Monteiro. Porto Alegre: Palloti,
1986.
48
Nos abaixo assignado avaliadores eleitos pelo juízo de paz desta freguesia de Nossa
Senhora dos Anjos. Para avaliarmos as Fazenda Roural; denominada Mundo Novo; e
mais bens existentes na mesma pertencentes aos herdeiros do finado Antônio Borges
de Almeida Liaens; cita na costa do Rio do Cino distrito desta mesma freguesia, que
foram dadas avaliação pela inventariante, Libania Correia Leães, como abaixo se
declara (APERS, 1829, nº 974).56
56
Inventário de Antônio Borges de Almeida Leães, 1829. 1º Cartório de Órfãos, nº 974, E 31 e/c – APERS.
57
Idem.
49
importante para a pesquisa. Essa fonte transmite a dimensão de uma realidade, que em tempos
difíceis, nos remete para a vida cotidiana dos desbravadores das terras não “ocupadas”, além da
precariedade do desenvolvimento local, pela densa vegetação, falta de estrutura adequada e
incentivo econômico da administração colonial, a tentativa e construção do um vínculo entre o
senhorio e a terra tornou-se válida pela insistência e oportunismo desses homens.
Limita-se este Districto desde a barra do arrôio do Butiá, seguindo o mesmo arrôio
até a sua cabeceira, e d’ali seguindo a Manoel Fialho, e d’ali a cabeceira do arrôio dos
Carvallos, ficando dentro destes limites, Domingos José Dias, e Francisco Maciel, e
seguindo a Joaquim Bernardes, e d’ali pela estrada que vai para a Serra pelo Mundo
Novo, seguindo pelo alto da Serra, até a cabeceira do Arrôio Grande ou da Bica, e por
este, até o lugar onde faz barra no Rio dos Sinos (MAGALHÃES, 2003, P. 157). 58
58
Livro de Atas da Câmara Municipal de São Leopoldo em 1846 a 1849, p. 13. In: MAGALHÃES, Dóris Rejane
Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação da Fronteira no Vale dos Sinos.
Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003.
59
Erni Engelmann, em sua obra A Saga dos Alemães (2005), faz um relato sobre a formação e desmembramento
de Santa Cristina do Pinhal. Nossa escolha foi utilizar a pesquisa da Professora Dóris Fernandes, já que acreditamos
serem os dados mais fidedignos, mas não podemos deixar de citar a obra do Sr. Erni Engelmann, visto que alguns
dados como datas, leis e artigos são iguais, outros se afastam.
“Santa Cristina do Pinhal – Freguesia, ex-distrito de São Leopoldo, ex-município e histórico território ao sul do
Rio dos Sinos, margem esquerda, e que se estende desde à foz do Arroio Butía até a divisa do município de Santo
Antônio da Patrulha, lado leste, e a de Gravataí, lado sul. Foi criado a Capela, em 25 de novembro de 1847 pela
lei provincial nº 95, como parte integrante do 2º distrito de São Leopoldo. Depois, pela lei provincial nº 152, de 7
de agosto de 1849, Santa Cristina passou a fazer parte do município de Gravataí (Aldeia dos Anjos), mas já em 22
de novembro de 1851, pela lei nº 221, e, segundo Ottavio de Faria, lei nº 404, de 18 de dezembro de 1857, foi
elevada à Freguesia, fazendo parte, novamente, do município de Porto Alegre. A 6 de maio de 1864, pela lei
provincial nº 577, foi reintegrado ao município de São Leopoldo como 6º distrito. Em 14 de julho de 1880, art. 3º
da Lei nº 1.251, Santa Cristina foi desligada da Comarca de São Leopoldo e elevado a município, recebendo como
distrito, além de Taquara do Mundo Novo, o território de São Francisco de Paula de Cima da Serra. A Câmara foi
instalada, no dia 8 de janeiro de 1881. Pelo ato nº 9 de 20 de janeiro de 1883, foi designado para sede da Comarca,
que foi instalada em 10 de fevereiro de 1883. Tendo o governo da província, em 15 de março, extinto o município
de São Francisco de Cima da Serra, lei 1.750, de 15 de março de 1889, anexou o 1º distrito desde a Taquara do
Mundo Novo, então, já município, e o 2º à Santa Cristina do Pinhal. Mas, esteve Santa Cristina, pouco tempo, na
posse desse território, pois já em 6 de dezembro do mesmo ano, o governo revogou, novamente, a lei de extinção
restabelecendo o município de São Francisco de Paula de Cima da Serra. Em 1892, foi então suprimido,
definitivamente, o município de Santa Cristina do Pinhal, ato nº 302, de 1º de setembro de 1892, tendo sido anexado
ao de Taquara do Mundo Novo, como 2º distrito, Santa Cristina foi oficialmente instituído 2º distrito de Taquara,
em 20 de maio de 1903, pela lei municipal nº 26. Hoje, é distrito de Parobé. É necessário mencionar que Santa
Cristina do Pinhal nunca pertenceu à Santa Maria do Mundo Novo. Atual município de Igrejinha [grifo nosso]”.
ENGELMANN, Erni. A Saga dos Alemães: do Hunsrück para Santa Maria do Mundo Novo. Igrejinha:
E.G.Engelmann, 2005.
51
comercial e transporte de gado era constante, já que o caminho de ligação com o centro do
império era por essa via. Em outro extremo já estava São Leopoldo, que desde sua fundação
(1824), se estruturou em um núcleo de produção industrial e de entreposto para abastecimento,
tanto para a capital, quanto para as futuras vilas que se desenvolviam.
A elevação de São Leopoldo de colônia para município, em 1846, deu início a um
processo administrativo vinculado à expansão e autonomia de outras áreas a serem exploradas
e que viabiliza uma produção independente, com isso também promoveu o afastamento
administrativo gradativamente de Santo Antônio da Patrulha, formando uma fronteira que
estabilizaria as bases produtivas que se desenvolveriam a partir de tais evoluções
administrativas vinculadas a São Leopoldo.
Por ser um local estratégico e de importância para a expansão do império brasileiro,
essa região, onde se localiza Santa Cristina do Pinhal, passou a pertencer a várias vilas como
possibilidade de ocupação territorial por diversos grupos, assim “ora Santa Cristina do Pinhal
pertenceu a Santo Antônio da Patrulha, ora a São Leopoldo, ora a Porto Alegre com registros
na Aldeia dos Anjos, ora a São Leopoldo”.
Segundo Dóris Fernandes:
60
MAGALHÃES, Dóris Rejane Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação
da Fronteira no Vale dos Sinos. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003.
52
Tristão José Monteiro63 nasceu em Porto Alegre no dia 06 de julho de 1816, filho de
José Monteiro da Silva e de Lucinda Leonarda da Conceição, natural da freguesia de Nossa
Senhora da Conceição do Arroio, atualmente Osório; sendo neto materno de Nicacia Rosa de
Jesus, natural de Rio Pardo.64
Em 1838, aos 21 anos, Tristão Monteiro ficou sitiado em sua residência em Porto
Alegre – o estado de sítio imposto a Porto Alegre é decorrente do conflito conhecido como
Revolução Farroupilha, 1835 – 1845 –, conhecida como chácara da Azenha, permaneceu preso
61
Sobre a navegação fluvial na República Velha no Rio Grande do Sul, ver REINHEIMER, Dalva N. A Navegação
Fluvial na República Velha Gaúcha. São Leopoldo: Oikos, 2010.
62
AGUIAR, Lacy Maria; CASADO, Irene Luciana. Taquara de Tristão José Monteiro. Porto Alegre: Palloti, 1986.
63
Empresário particular que comprou a Sesmaria de Antonio Borges onde hoje se localiza a cidade de Taquara-
RS.
64
Sobre a Nicacia Rosa de Jesus, é natural de Rio Pardo, e em pesquisa ainda superficial e com algumas evidências
de outros pesquisadores, já se sabe que Nicacia era uma escrava alforriada que veio para Conceição do Arroio,
serviu a um padre local que após sua morte deixou uma herança. Nicacia então casa-se com um tabelião que retira
de sua certidão o termo alforriado, dando-lhe o sobrenome Rosa de Jesus. Não esquecendo que ainda falta uma
pesquisa mais contundente para legitimar esse fato histórico.
53
por alguns meses sob os olhos dos republicanos farroupilhas que desconfiavam de sua lealdade.
Mais tarde foi despojado de sua residência por ondem do Coronel Davi Canabarro.65
Tristão Monteiro teve ajuda de Serafim Ferreira, que lhe cedeu uma casa no Bairro
Belém Velho, onde passou um bom tempo de sua vida até o término do sítio a Porto alegre.
Assim, sua vida começava a voltar à normalidade. Em 1841, Tristão Monteiro casou-se com
Anna Berwanger, natural da Alemanha, falecida em 23 de julho de 1866; era filha de José Pedro
Berwanger, chegados ao Brasil em 1829, com quatro filhos – João, Anna, Catarina e Margarida.
Em Porto Alegre, Tristão Monteiro dedicou-se ao comércio, recebendo a matrícula de
comerciante pelo Tribunal do Comércio da Corte do Rio de Janeiro. Assim Tristão Monteiro
passou a ter a oportunidade de dar quitações, fazer grandes negócios, comercializar com
estrangeiros. A partir dessas relações comerciais, se desenvolveu um processo de acumulação
de capital, enriquecimento e prestigio.
De 1838 a 1841, Tristão Monteiro atuou como secretário do Consulado dos Estados
Unidos da América, no Rio Grande do Sul, período, que em falta do Cônsul, assumiu essa
função também. Em 4 de novembro de 1841, Tristão Monteiro foi nomeado Vice-Cônsul dos
Estados Unidos em Porto Alegre, permanecendo no posto até 1865. Também fez parte da loja
maçônica e sociedade mercantil em Porto Alegre com Jorge Eggers, na firma Eggers, Monteiro
& Cia, dissolvida por escritura pública de 11 de setembro de 1846, lavrada no livro 56, do 2º
Notariado da Capital.
Em 20 de junho de 1845, depois de ouvidos os herdeiros de direito e a inventariante
Libania Corrêa Leães, viúva do finado Antônio Borges de Almeida Leães, se estabelecia a
negociação e venda da Fazenda do Mundo Novo para Tristão José Monteiro e Jorge Eggers e
todos os seus pertences, por nove contos de réis. Essas terras já se achavam medidas e
demarcadas judicialmente, como consta em seu documento de posse e em inventário do
falecido, tendo o casal possuído sempre as ditas terras que são as que formavam a Fazenda
denominada Mundo Novo, havendo nela casa de sobrado e vivenda, casas de engenho de
farinha, engenho de cana, senzala, arvoredo e tudo o mais que é relativo a um estabelecimento
rural.
No ano seguinte, em 04 de setembro de 1846, Jorge Eggers e sua mulher Margarida
Eggers venderam a Tristão Monteiro a parte que pertencia a eles na Fazenda Mundo Novo, mais
terras que haviam comprado de André Manique e sua mulher Catarina Elizabeth Ley pela
65
Davi Canabarro foi um dos líderes da Revolução Farroupilha.
54
quantia de cinco contos de réis. O final da sociedade entre José Tristão Monteiro e Jorge Eggers
se deu por causa de um relacionamento amoroso entre Tritão Monteiro e a esposa de Jorge
Eggers, Margarida Eggers, quando esse último fez uma viagem a Porto Alegre. 66 A partir do
término da sociedade, Tristão José Monteiro funda a Colônia do Mundo Novo em 1846, visando
ampliar seus negócios e desenvolvendo a região até chegar ao patamar de município.
Tristão Monteiro revelou qualidades de empreendedor inteligente, enfrentou
dificuldades naturais de um novo empreendimento colonial, já que em muitos relatos
bibliográficos locais, os conflitos com os nativos (bugres) foram constantes, hostilizando os
colonos germânicos que chegavam da Alemanha e adquiriam terras na Colônia Mundo Novo,
de Tristão Monteiro.
Segundo Aguiar e Casado:
Como podemos observar, Tristão José Monteiro foi um dos pioneiros no processo de
administração colonial particular. Seu empreendimento teve um papel de ampliação das
relações imperiais com alguns empreendedores. Ao mesmo tempo podemos verificar o
assentamento de colonos em uma área territorial que pertencia à Espanha e que manteve a
construção de uma fronteira, ou melhor, como diz Silmei Petiz em sua obra Buscando a
Liberdade (2006),69 uma fronteira em franco movimento, não somente para o oeste, mas uma
66
AGUIAR, Lacy Maria; CASADO, Irene Luciana. Taquara de Tristão José Monteiro. Porto Alegre: Palloti,
1986.
67
AGUIAR, Lacy Maria; CASADO, Irene Luciana. Taquara de Tristão José Monteiro. Porto Alegre: Palloti,
1986.
68
Idem.
69
PETIZ, Silmei de Sant’Ana. Buscando Liberdade: as fugas de escravos da província de São Pedro para o além-
fronteira (1815-1851). Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2006.
55
fronteira zona, ou seja, que ocupava um território até então sem uma delimitação
regulamentada, à espera de uma ocupação.
Com o empreendimento colonial implantado por José Tristão Monteiro (1846), as
terras ocupadas tiveram uma atividade agrícola intensa, movimentando uma economia
crescente de subsistência em primeiro momento e, consequentemente, um aumento econômico
regional para a manutenção da capital da Província com sua produção agropastoril excedente.
Com a formação da Colônia do Mundo Novo, novos caminhos foram criados,
interligando localidades que até então não tinha uma comunicação favorável. Estradas foram
abertas de acordo com a ocupação dos colonos em locais ermos, abrindo picadas e viabilizando
uma inter-relação de comunicação e escoamento da produção, tanto agrícola como pastoril, dos
colonos em direção ao centro da Colônia através de caminhos abertos com a tomada territorial,
ampliando as possibilidades de progresso que fazem parte desta “frente pioneira”. 70 Por volta
de 1854, Tristão Monteiro declara a existência de 106 famílias e apresenta as atividades
realizadas na Colônia do Mundo Novo. Declara que todas essas famílias se dedicaram à lavoura,
como relata Dóris Fernandes:
A produção agrícola nesse primeiro momento fica centrada nas lavouras de feijão,
milho, mandioca, arroz, centeio, batatas, amendoim, fumo, além da criação de animais diversos,
como: gado, cavalos, porcos, mulas, galinhas, ovelhas. A economia que se estabeleceu na
Colônia do Mundo Novo favoreceu o crescimento comercial em larga escala, passando ter
legitimidade pelo aumento produtivo e as relações comerciais que se estabeleceram, com isso
também se amplia a capacidade de enriquecimento de alguns ocupantes que se estabeleceram
por essas bandas.
70
Nesse período, o único caminho para se chegar até São Francisco de Cima da Serra era por Santo Antônio da
Patrulha, mas o empreendimento de Tristão Monteiro favoreceu a abertura de estradas que ligaram Taquara a São
Francisco de Cima da Serra, isso facilitou o escoamento da produção dessa região e todos que ocuparam esse
caminho até o rio dos Sinos, um meio de ligação entre a Colônia do Mundo Novo, São Leopoldo e Porto Alegre.
71
FERNANDES, Dóris Rejane. Povoamento Pioneiro das Terras do Mundo Novo. In: BARROSO, Vera Lúcia
Maciel, SOBRINHO, Paulo Gilberto Mossmann. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008.
56
O rio dos Sinos não se destaca na hidrografia do Brasil, mas foi significativo no
contexto histórico e econômico-social do Rio Grande do Sul. A utilização do rio como
via de transporte deu as condições iniciais de desenvolvimento à colônia, e esta, em
poucas décadas, de 1824 a 1850, passou de uma base essencialmente agrícola para
72
Idem.
57
O início de todo esse processo fluvial no rio dos Sinos foi a entrega de um lote de terra
ao colono Ignaz Rasch, que ficava junto ao passo da Olaria, no porto das Telhas – atualmente
o centro de São Leopoldo –, esse porto era passagem obrigatória para as pessoas que
transitavam para o outro lado do rio, e formava uma passagem em períodos de seca em um
banco de areia que favorecia a travessia a pé. Assim, gradativamente, o rio dos Sinos vai se
moldando como principal meio de locomoção entre as terras ocupadas (que se tornaram
colônias) e São Leopoldo.
Com a colonização em franco desenvolvimento, o aumento de produtos agrícolas e
derivados como milho, feijão, mandioca, farinha de mandioca, aumentou o fluxo comercial
entre as regiões viabilizando um olhar mais atento para a questão da navegação e sua
importância. Ainda Dalva Reinheimer (2010) nos faz perceber a importância da navegação no
processo ocupacional territorial da frente pioneira de expansão quando refere:
Esse passo já fazia parte da velha estrada das tropas que vinham do Planalto Central
e se dirigiam para São Francisco de Paula de Cima da Serra. Mais abaixo, bifurcava-
se na zona onde posteriormente, em 1846, surgiu a colônia do Mundo Novo, hoje
município de Taquara (faziam parte da Colônia os atuais municípios de Canela,
Gramado, Três Coroas, Igrejinha e Parobé) (REINHEIMER, 2010, p. 37). 74
Joseph Hörmeyer (1986), em sua obra O Rio Grande do Sul de 1850, também faz
referência ao rio dos Sinos por sua importância no desenvolvimento local e regional, no caso
de São Leopoldo e suas colônias, referindo que:
O rio dos Sinos que, mais ou menos 15 léguas a montante, são navegáveis e
desemboca a três léguas de Porto Alegre. Nele fica a 14 léguas rio acima desde a
desembocadura do rio Santa Maria, a colônia particular de Mundo Novo, uma colônia
de importância crescente, em sua espécie o primeiro empreendimento particular nessa
região; [...] (HÖRMEYER, 1986, p. 29). 75
Por volta de 1860, o rio dos Sinos era apontado como um dos rios mais importantes da
província, já que a área de ocupação de seu espaço se encontrava em desenvolvimento
produtivo agrícola e de animais, demonstrando um potencial econômico estabilizado na região,
73
REINHEIMER, Dalva N. A Navegação Fluvial na República Velha Gaúcha. São Leopoldo: Oikos. 2010.
74
Idem.
75
HÖRMEYER, Joseph. O Rio Grande do Sul de 1850: descrição da província do Rio Grande do Sul no Brasil
meridional. Caxias do Sul: D.C Luzzatto Ed: EDUNI-SUL, 1986.
58
fomentado pela importância das exportações por suas águas, de produtos das colônias em
direção a Porto Alegre.
São Leopoldo já possuía uma navegação diária e regular para Porto Alegre, levando
carregamentos diversos e trazendo artigos e produtos necessários para abastecer as colônias, o
crescimento era necessário tanto das colônias, quanto da sede de São Leopoldo. A função do
rio dos Sinos no desenvolvimento regional foi de tamanha importância que não poderia deixar
de acrescentar esses comentários, ainda mais que Santa Cristina do Pinhal teve seu núcleo
habitacional às margens dessas águas, que levaram as riquezas produzidas por essas bandas.
Durante a política regional local, no Segundo Império, a luta girava em torno de dois
prestigiados políticos, sendo o líder do Partido Conservador, o Coronel João Martins e o
Coronel Francisco Alves dos Santos, líder do Partido Liberal. Com a morte do Cel. João Martins
em dezembro de 1880, seu genro, Coronel Francisco de Oliveira Neves, assumiu a liderança do
partido Conservador.
Esse movimento político vai transformar as relações sociais e econômicas, já que nesse
período o futuro município dava indícios de desenvolvimento comercial e expansão social.
Taquara não passava de incipiente colônia integrante do 2º distrito de Santa Cristina do Pinhal,
e sua ascensão a freguesia só vai ser verificada a partir de 1882, quando Taquara passa a ser
reconhecida como freguesia, pela Lei nº 1382 de 27 de maio 1882, com a denominação de
Taquara do Mundo Novo, com as divisas estabelecidas pelo rio dos Sinos, rio Santa Maria e
pelo rio da Ilha, até encontrar a estrada da Serra Velha, por esta até os campos de Cima da Serra
e daí às divisas atuais pelo mesmo campo.
O Decreto nº 8764, de 8 de novembro de 1882, elevou a 2ª entrância a comarca de
Santa Cristina do Pinhal, e o ato nº 9, de 20 de janeiro de 1883, designou para sede da Comarca
a vila do mesmo nome, marcada a respectiva instalação para 20 de fevereiro por ato nº 16 de
31 de janeiro do mesmo ano.
Em fins de julho de 1880, o desenvolvimento do povoamento de Taquara superava o
de Santa Cristina do Pinhal. O prestígio do Coronel Jorge Fleck, que assumira o Partido liberal,
com interesse político-administrativo, passou a mobilizar a comunidade para concretizar a
transferência da sede do município para Taquara.
59
76
MAUCH, Claudia. Os Alemães no Sul do Brasil. Canoas: Ed. Ulbra, 1994.
60
necessidade de uma indústria que produzissem itens de primeira necessidade para manutenção
dos navios, o governo português ofertou uma produção agrícola com o linho cânhamo para
viabilizar uma possível indústria manufatureira que ajudaria a movimentar a indústria naval na
colônia e sua economia.
Segundo Moacyr Flores:
77
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. 5ª Ed. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1996.
78
Luiz de Vasconcelos, segundo inspetor da feitoria, já citava o que deveria ser feito em ofício para o Primeiro
Inspetor: procurará Vossa Mce. dirigir os trabalhos da Feitoria com uma distribuição proporcionada aos seus
diferentes serviçais. Estes dependem de sua inalterável disposição, regulada tanto para a lavoura principal do
cânhamo que deve fazer o fundo do rendimento externo da mesma Feitoria, como dos mantimentos que se
consomem com a subsistência de todos os indivíduos que devem ser a outra parte do seu rendimento interno,
poupando-se e evitando-se deste modo as despesas que a Fazenda Real precisamente deve fazer. AHRS, RFC, M–
único, Cópias de ofícios do Vice-rei, 27/07/1783. IN: MENZ, Maximiliano M. Os Escravos da Feitoria do Linho
Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-Ásia, 32 (2005), 139-158.
61
Talvez seja esse o ponto que faltava para entendermos por que a feitoria de Canguçu
não deu certo. Em primeiro, a falta de experiência com os escravos; em segundo, abrindo a
possibilidade para os escravos serem os produtores de subsistência, além de possível controle
de mercadorias, já que poderia controlar essa produção. Assim, a má administração não
favoreceu tal desenvolvimento da feitoria, visto que seus feitores, que eram soldados e não
administradores, não sabiam lidar com as questões dos escravos, logo não daria certo tal
proposta, visto que a indisciplina era uma constante e os escravos se aproveitaram, através da
indisciplina provocada por seus pares, causando desavenças entre os cativos e seus feitores e a
administração da feitoria.
Nesse contexto, dois polos se organizaram: um, dos feitores, sem experiências com os
escravos e a terra; e o outro, os dos escravos, já acostumados com as dificuldades que a senzala
expressava. Assim, as relações entre as partes deveriam estar em constante conflito, mas, ao
mesmo tempo, também em constantes embates de negociações entre as partes.
Segundo Maximiliano M. Menz:
Essa autonomia dos cativos foi a partir do desconhecimento por parte dos feitores
europeus, e seu administrador, que não soube como lidar com eles, assim, podemos dizer que:
embora fossem escravos, tiveram autonomia suficiente para produzir, comercializar e ofertar
relações econômicas e políticas em trâmite de relações de poder. A inexperiência dos
administradores, e a falta de uma economia convincente, causou a substituição do primeiro
Inspetor, o nomeado providenciou o fechamento da feitoria de Canguçu e a transferência para
perto de Porto Alegre, o Faxinal do Courita.
79
MENZ, Maximiliano M. Os Escravos da Feitoria do Linho Cânhamo: trabalho, conflito e negociação. Afro-
Ásia, 32 (2005), 139-158.
80
Idem.
62
Essa transferência pelo novo administrador, o Inspetor Antonio José Machado Moraes
Sarmento, teve o recebimento de mais um aporte de 41 escravos confiscados de contrabandistas,
aumentado o corpo de trabalhadores no novo local. Mas não deu muito certo, visto que alguns
políticos e juízes se aproveitaram e usaram os escravos da feitoria para seus serviços, não tendo
o cânhamo a mão-de-obra destinada para sua produção.
Já no Faxinal do Courita, a administração ampliou as construções da sede
administrativa, casas para os escravos e para os índios que já trabalhavam nesse lugarejo, além
de ir implementando o desenvolvimento local. Isso foi importante, pois os índios também
trabalhavam junto dos escravos negros nesse primeiro momento. Também foi construído um
quartel para os soldados, atafona e olaria, além do plantio de milho, feijão, mandioca e abóbora
para alimentação da mão-de-obra e soldados. A margem direita do rio dos Sinos foi destinada
para a criação do gado (FLORES,1996).
Todos esses itens citados nos dão condições de dizer que os escravos ditavam as regras
nas feitorias que foram implantadas, se aproveitaram da fragilidade das administrações e
aproveitando para se impor contra o sistema, ou seja: tratavam bem os senhores e tiravam
vantagens no trabalho forçado, sua produção em muitos casos, abasteciam os mercados locais,
até mesmo as casas desses senhores, assim se afastavam do serviço e ampliavam suas
negociações entre a senzala e a sociedade.
Mas algo deveria ser feito, uma reorganização era necessária, para isso, era vital
diminuir o poder dos escravos com a produção de suas roças; e assim ampliar a produção do
cânhamo e regulamentar o sábado como dia de feira. Assim, o governador interino do Rio
Grande do Sul, o Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, decretou que deveria ser coibido e
desterrados os escravos que eram insubordinados, buscando a disciplina para conter as
conquistas dos escravos, proibindo os castigos na feitoria e esses castigos seriam praticados
somente em Porto Alegre. Desta forma assim um novo administrador foi empossado para
promover grandes mudanças.
Mas essas mudanças não deram certo, pois os levantes eram constantes contra os
administradores. A unidade escrava estava formada, e causava um desequilíbrio na produção
do cânhamo na feitoria, visto que, com a retirada de terras e maus tratos, os escravos se
rebelavam, e isso foi um dos fatores que causou o fechamento da feitoria do Faxinal do Courita.
Nesse contexto, o surgimento de São Leopoldo vai ser viável a partir de 1824, já que
passou a compor outro momento do processo de imigração. Com o Bloqueio Continental de
Napoleão Bonaparte na Europa, e a vinda da Família Real para o Brasil em 1808, D. João
63
81
Idem.
82
LANDO, Aldair Marli; BARROSO, Eliane Cruxên. Capitalismo e Colonização: Os Alemães no Rio Grande do
Sul. In: DACANAL, José H; GONZAGA, Sergius. RS: Imigração & Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1980.
83
FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. 5ª Ed. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1996.
64
A antiga Real Feitoria recebeu o nome de Colônia São Leopoldo, José Feliciano
Fernandes Pinheiro foi agraciado com o título de Visconde de São Leopoldo. A Colônia de São
Leopoldo foi dividida em lotes de 77 acres, ou 160 braças quadradas cada um, e era
administrada por um inspetor subordinado ao presidente da província. Os lotes também
receberam nomenclaturas de ‘prazo’, ‘data’ e ‘colônia’.
Esse movimento de reorganização produtiva e retomada da colonização através do
imigrante europeu teuto84 dirigida, modificou os sistemas de posse e exploração da terra a partir
de 1824, visto que com o aumento da densidade demográfica através do aglomerado de
‘minifúndios’, em contraposição às terras ocupadas na campanha e “seu deserto humano
(FLORES, 1996)” na área de exploração da pecuária ou monocultura comercializável, e tanto
nas vilas como nas colônias os objetivos foram alcançados no que diz respeito à ocupação e ao
povoamento, além da exploração da agricultura no Rio Grande do Sul.
Uma segunda leva de imigrantes que chegou ao decorrente ano de 1824, não tive a
mesma sorte dos imigrantes anteriores. Os problemas principais foram a não demarcação das
terras por parte do governo para serem ocupadas, levando os imigrantes a ficarem à sua própria
sorte. Outro fator posterior foi a promulgação da lei de 15 de dezembro de 1830, que não
autorizava despesas com imigração, assim o governo já passava a dever uma grande soma
monetária aos imigrantes através das promessas feitas na Europa para a colonização através de
seus agentes.
Um terceiro fator foi a Revolução Farroupilha (1835-1845). A guerra civil interrompeu
a imigração para a região, sendo retomado o processo migratório a partir de 1844, mas, com a
desordem governamental da província, os imigrantes tiveram que se deparar com outra
realidade, as terras situadas na encosta da serra, em pleno sertão.
Dentro dessa perspectiva ocupacional territorial, “expandiu-se São Leopoldo pela
encosta acima, e em torno dela surgiram outras colônias que, por sua vez, se infiltraram pelos
vales da encosta íngreme: Mundo Novo, Bom Princípio, Caí, etc.” (BERNARDES, 1997, p.
71),85 favorecendo a formação social destas regiões. Não obstante, beneficiou ao
empreendedorismo ousado de alguns empresários.
Segundo Dóris Rejane Fernandes:
84
Teuto – Nativo ou habitante da Alemanha, teutônico, alemão. www.dicio.com.br.
85
Idem.
65
86
FERNANDES, Dóris Rejane. Povoamento pioneiro das Terras do Mundo Novo. In: SOBRINHO, Paulo
Gilberto Mossmann; BARROSO, Véra Lucia Maciel. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008.
66
de São Leopoldo para a ocupação do vale do Rio dos Sinos (o Vale do Paranhana faz parte do
Vale dos Sinos) e a necessidade de obtenção da terra para a sobrevivência dos imigrantes teutos,
com isso favoreceu o desenvolvimento local regional da antiga Fazenda do Mundo Novo que
vai dar origem ao Vale do Paranhana.
O espaço territorial que compõe o Vale do Rio dos Sinos se situa e se estende entre a
Aldeia dos Anjos (Gravataí) e Santo Antônio da Patrulha; desse ponto para o norte, até São
Francisco de Paula de Cima da Serra, partindo daí até à Colônia de São Leopoldo.87
Apresentamos inicialmente considerações e localização sobre o Vale do Rio dos Sinos, já que
em nossa pesquisa o recorte espacial e temporal é de 1856 a 1888 e se localiza no município de
Taquara, que está inserida no contexto territorial no Vale do Paranhana, fazendo parte do Vale
do Rio dos Sinos e seu processo de ocupação lusa.
Por isso a importância de caracterizar suas fronteiras, delimitando os movimentos
migratórios que surgiram quando da ocupação da terra e do desenvolvimento regional. Dentro
deste contexto vamos utilizar a nomenclatura Vale do Rio dos Sinos – Paranhana para situarmos
a tese: “Cotidiano e Trabalho: Experiências Negras e Escravas em Taquara (1856 – 1888)”.
87
Aldeia dos Anjos corresponde à cidade de Gravataí, situada na área metropolitana de Porto Alegre. Teve sua
fundação para abrigar os índios missioneiros que foram realocados após a Guerra Guaranítica decorrente do
Tratado de Madri. Ver maiores detalhes em LANGER, Protásio Paulo. A Aldeia Nossa Senhora dos Anjos: a
resistência do Guarani-missioneiro no processo de dominação ao sistema luso (1762-1798). Porto Alegre: EST
Edições/Correio Riograndense, 1997.
67
Mapa 01 – Rio Grande do Sul – 1809, Localização do Vale do Rio dos Sinos.88
Genealogia.org <http://buratto.org/gens/gn_download.html>
88
Genealogia.org <http://buratto.org/gens/gn_download.html> Acesso em: 15 nov. 2018.
68
Na imagem buscamos remontar os lugares que faziam parte do Vale do Rio dos Sinos
no século XIX e posteriormente no século XX, o Vale do Paranhana, partindo de São Leopoldo
atualmente. Em primeiro momento, a ocupação colonial lusa se estrutura a partir de Santo
Antônio da Patrulha no século XIX, que fica denominada de margem do rio dos Sinos, assim
encontram-se o Distrito do Rio dos Sinos, Sapucaia, Aldeia dos Anjos (Gravataí), Itacolomy e
Pinhal.
Outros lugares são indicados a partir de alguns acidentes geográficos, como serra do
pinhal, margem do rio dos Sinos, rio Gravataí, morros do Itacolomy e de Sapucaia, morro da
Pedra, Morro do Pontal, Ribeirão Sapucaya, arroio dos Ferreiras, morro Grande, matos do
Itacolomy, campos de Sapucaia, rincão de Itacolomy, campestre Botiá, córrego do Herval e
arroio do Hilário.90 Todos esses lugares faziam parte do Vale do Rio dos Sinos, atualmente são
municípios que compõem a área metropolitana da capital Porto Alegre.
Para a ocupação legal da terra, o sistema jurídico português possuía três formas
regulamentadas de apropriação: a concessão régia de sesmarias, a concessão régia de datas de
89
Google Earth - https://earth.google.com/web/search/Vale+dos+sinos+RS – acesso 15 nov. 2018, 15:44 hs.
90
MAGALHÃES, Dóris Rejane Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação
da Fronteira no Vale do Sinos. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003.
69
terra, arrematação em praça pública de terras confiscadas pela Coroa. Para efetivar a posse da
terra, se deveria seguir um trâmite burocrático através de requerimento do interessado pela terra
ao governador da Capitania. Esse consultava, a princípio, a Câmara Municipal local para os
trâmites legais e posteriormente era concedida uma carta de sesmaria devidamente registrada
ao interessado para promover o desenvolvimento e a produção econômica da região territorial
doada.
A forma legal mais comum de acesso à terra no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana,
no final do século XVIII, foi a concessão de Data, e denominava a quantia de terra que era
auferida pelo interessado, e assim reconhece a ocupação territorial com o dever de
desenvolvimento e produção econômica legitimando a doação e a ocupação.
Seguem, na tabela 1, as denominações de registros de posse da terra que foram
utilizadas para doação territorial no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana durante o final do
século XVIII e início do século XIX.
Fonte: Registro da Provedoria da Fazenda Real, F- 1244, 1245, 1246, 1247, 1248, 1249, 1250, AHRS.91
Podemos levar em conta que, durante o final do século XVIII, a ocupação teve um
maior desenvolvimento, visto que começavam a surgir movimentos para o desmembramento
do Brasil de Portugal, já para o início e no decorrer do século XIX, com a independência do
Brasil (1822), as doações de terras foram reduzidas.
91
MAGALHÃES, Dóris Rejane Fernandes. Terras, Senhores, Homens Livres, Colonos e Escravos na Ocupação
da Fronteira no Vale do Sinos. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em História – Unisinos, 2003, p. 55.
Observação: No que refere o século XIX são somente as duas primeiras décadas desse século.
70
Observamos que o período de ocupação registrado ocorre nos últimos oito anos, de
1790 a 1798, num total de 32 registros de terras. A localização das terras avança pelas
margens dos rios: das margens do rio Gravataí para leste; das margens do rio dos Sinos
para o norte e leste. Em 1794, ocorreu o registro de terras em direção a Santo Antônio
da Patrulha (Aldeia Velha) e, em 1798, foi registrada, pela primeira vez, uma área
‘atrás da Serra do Pinhal’. (MAGALHÃES, 2003, p. 57). 92
92
Idem, p. 57.
71
que a terra, nesse final de século XVIII, ainda não tinha um valor específico monetário, mas era
importante obtê-la.
A estabilidade e a possibilidade de expandir negócios também levaram comerciantes
da capital, Porto Alegre, a se interessarem pela região no início do século XIX, já que poderiam
investir e alargar seus negócios adquirindo terras na região, promovendo criação de animais,
ou puramente para aumentar seus bens.
Segundo Dóris Rejane Fernandes, a paz entre as coroas ibéricas favoreceu a ocupação:
“Assim surgiram as fazendas do Mundo Novo, da Conceição do Funil, de Santa Cruz, dos
Fialho, do Padre Tomé, do Rio da Ilha. A paz relativa permitiu que comerciantes aplicassem
dinheiro em terras e que posteriormente seriam solicitadas à Coroa portuguesa” (FERNADES,
2008, p. 28). 93 Nesse cenário vai se formar a localidade que receberá a nome de Santa Cristina
do Pinhal, modificando o processo de ocupação territorial legitimado pela Igreja, caracterizando
seu início incipiente, sua emancipação e, posteriormente, a sua dissolução.
Com essa composição de fatos, o processo de ocupação territorial foi implantado pela
administração portuguesa nas terras do continente de São Pedro, com as frequentes guerras com
a coroa espanhola por uma delimitação de fronteira, favoreceu ao “homem branco europeu” a
denominação como o grande colonizador dos campos da campanha sulina e da encosta da serra,
mas o afro-brasileiro também esteve presente nesse processo.
93
FERNABDES, Dóris Rejane. Povoamento Pioneiro das Terras do Mundo Novo. In: BARROSO, Vera Lúcia
Maciel, SOBRINHO, Paulo Gilberto Mossmann. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008.
94
ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à Vista – Discurso do confronto: velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas: Editora
da Unicamp, 2008, p.19.
72
95
MAESTRI, Mário Filho. O Escravo no Rio Grande do Sul: a charqueada e a gênese do escravo gaúcho. Caxias
do Sul: EDUCS, 1984.
96
CORRÊA, André do Nascimento. Estrutura de Posse de Escravos em Caçapava (1821-1850): primeiras notas
de pesquisa. XI Encontro Estadual de História: história, memória e patrimônio. 23 a 27 julho de 2012.
Universidade Federal de Rio Grande (FURG) – Rio Grande – RS – Brasil. ZARTH, Paulo Afonso. Do Arcaico ao
Moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002. OSÓRIO, Helen. Estrutura Agrária
e Ocupacional. In: BOEIRA, Nelson, GOLIN, Tau. História do Rio Grande do Sul – Colônia. v. I. Passo Fundo:
Méritos, 2006.
73
buscando, através de poucos meios de que dispunha sua libertação, e posteriormente, sua
afirmação como cidadão livre” (BAKOS e BERNARD, 1998, p.9).97
Com isso, buscamos estabelecer uma relação de importância das raízes africanas e
afro-brasileiras na região, onde se configura o Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, com um
olhar atento ao contexto histórico, além de deixar clara a presença do afro-brasileiro ligado ao
trabalho, exploração, maus tratos, e inferiorização social e também através da invisibilidade,
principalmente, como construtor social de sua história ao lado dos colonos portugueses e
alemães, que constituíram o município de Taquara-RS. Assim, desde o princípio do
desenvolvimento dessa cidade e, consequentemente, da sociedade com base portuguesa, que se
formou da Sesmaria de Antonio Borges de Almeida Leães (1814), essas terras passaram a ser
conhecidas como Fazenda Mundo Novo.98
A presença do afro-brasileiro na Fazenda Mundo Novo legitima sua importância na
formação da sociedade, no município de Taquara, e sua permanência em cativeiro nos dá o
entendimento de seu comparecimento como mão-de-obra explorada. Sua importância para o
desenvolvimento produtivo e econômico foi fundamental dentro da sociedade brasileira, assim
fica cada vez mais evidenciada, como fator determinante, sua participação na construção de
uma sociedade que ainda o classifica como inferior.
Diante dos estudos que já foram produzidos ao longo dos últimos anos, vimos que a
contribuição da população afro-brasileira converge para uma sociedade que sofreu uma mistura
de elementos culturais diversos, desde sua chegada à colônia portuguesa no Brasil, quando
raptados de suas origens africanas. Diante disso, a legitimação da presença do afro-brasileiro
na composição da sociedade da cidade de Taquara, junto com a colonização europeia
portuguesa e depois com o colono alemão, é de suma importância para o reconhecimento e
valorização das raízes africanas e afro-brasileiras no Rio Grande do Sul.
A ideia de que uma cultura pode conquistar outra, parte do princípio de uma
inferiorização cultural, não sendo levados em conta os processos de desenvolvimento natural
de uma sociedade, com isso a cultura dominada passa a utilizar as representações culturais do
dominante. No nosso caso, há uma tentativa de aniquilação da cultura africana, mas essa foi
preservada com as manifestações de resistência dentro do próprio cativeiro.
97
BAKOS, Margaret M, BERND Zilá. O negro, consciência e trabalho. 2. ed. Porto Alegre: Ed. da Universidade
UFRGS, 1998.
98
FRANZEM, Darlei Eduardo, et al. “Taquara: no túnel do tempo”. In. SOBRINHO, Paulo Gilberto Mossmann;
BARROSO, Véra Lucia Maciel. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008, p. 113.
74
A ideia que encontros culturais levam a um tipo de mistura cultural é uma posição
intermediária entre duas visões do passado que podem ser criticadas como
superficiais. Por um lado, há a alegação de que uma cultura ou uma tradição cultural
pode permanecer ‘pura’. Por outro, temos a afirmativa de que uma única cultura [...]
“pode conquistar as outras por completo” (BURKE, 2003, p. 112). 99
99
. BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.
75
Os dados selecionados revelam o cotidiano dos escravos, bem como as atividades que
mais realizavam e o tratamento que recebiam. Pode-se afirmar que, nos inventários da
região estudada, as atividades mais realizadas pelos escravos eram as de lavradores,
campeiros, roceiros e atividades domésticas; quanto às mulheres, em sua maioria,
eram cozinheiras e costureiras (BORTOLLI, 2003, p. 64). 101
Ana Regina Falkembach Simão (2002), em estudo sobre o cativo de ganho em Pelotas
– RS, faz referência no braço cativo, que esteve presente em todos os setores, com isso sua
importância se dá para entendermos como se desenvolveram as ocupações territoriais e a
economia colonial implantada pela coroa portuguesa e preservada pelos dois impérios do Brasil.
No caso de Pelotas, a charqueada foi o grande mote de desenvolvimento econômico
com base de mão-de-obra cativa, elevando a importância do africano e afro-brasileiro na
construção da sociedade sulina. Segundo ainda a mesma autora, “o escravo faz parte da vida
socioeconômica sulina desde sua formação até a abolição da escravatura. O cativo foi
responsável por grande parte das riquezas produzidas nas fazendas, nas charqueadas, nas
olarias, nos campos e nas cidades” (SIMÃO, 2002, p. 41).102
Desta maneira, podemos inferir que, em todas as comunidades estudadas por diferentes
autores, surgiram movimentos para desvelar a invisibilidade em prol das necessidades da
100
BORTOLLI, Cristiane de Quadro de. Vestígios do Passado: a escravidão no Planalto Médio Gaúcho. Passo
Fundo: Editora UPF, 2003.
101
Idem.
102
SIMÃO, Ana Regina Falkembach. Resistência e Acomodação: a escravidão urbana em Pelotas – RS (1812-
1850). Passo Fundo: Editora UPF, 2002.
76
valorização do sujeito afro-brasileiro em estabelecer relações sociais, onde esse agente teve
uma grande gama de importância no desenvolvimento econômico, social e cultural da região
sulina, já que sua influência está vinculada ao cotidiano da sociedade colonial e imperial do
Brasil. Frente ao exposto, constatamos que a presença do afro-brasileiro foi muito mais
importante do que somente viver em cativeiro e ser explorado.
Benjamim Abdala Junior refere o poeta africano Léopold Senghor em sua obra, que
possui um pensamento da valorização das raízes africanas, seguindo a mesma linha de
pensamento, “[...] na perspectiva do movimento da negritude ligado às reivindicações dos
negros de todo o mundo, que o sentimento é negro e a razão é branca” (ABDALA JUNIOR,
2002, p. 49).103 Nesse sentido, o sentimento africano de sua raiz está perpetuado às necessidades
que os mesmos enfrentaram para se manterem ativos dentro da realidade que foi apresentada,
ou seja, a escravidão e a desqualificação étnica imposta pelo europeu.
Assim, se vincular às sociedades onde foram inseridos era uma possibilidade de
preservar sua cultura, resistindo e fazendo prevalecer sua permanência e existência como
trabalhadores não reconhecidos socialmente. “O exercício da hegemonia não se faz apenas com
coerção, mas, sobretudo com a circulação de ideias, que têm atores determinados, que se situam
em determinados territórios” (ABDALA JUNIOR, 2002, p. 50).104
No estudo que Bernardes (1997) realizou sobre o aumento da população nas terras
concedidas à colonização alemã em São Leopoldo, em 1824, vimos que a necessidade de mais
espaço levou os colonos à busca de novas terras, assim, favoreceu a ocupação das encostas, “o
povoamento foi se afastando da margem do Rio dos Sinos e progredindo em busca dos
primeiros patamares da encosta, embrenhando-se na mata espessa e nela abrindo clareiras”
(BERNARDES, 1997, p. 70).105
Com o desenvolvimento regional através da ocupação territorial do Vale do Rio dos
Sinos - Paranhana, o lugarejo denominado Pinhal e outras localidades, como Santa Cristina do
Pinhal, apresentaram nos documentos, de fonte primária, os afro-brasileiros, que já andavam
por essas bandas anteriormente à Sesmaria de Antonio Borges de Almeida Leães (1814), pois
o lugarejo Pinhal teve sua ocupação por portugueses e, com esses, o afro-brasileiro foi inserido
como trabalhador cativo na região.
103
ABDALA JUNIOR, Benjamim. Fronteiras Múltiplas, Identidades Plurais: um ensaio sobre a mestiçagem e
hibridismo cultural. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002.
104
Idem
105
BERNARDES, Nilo. Bases Geográficas do Povoamento do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí: ED. UNIJUÍ,
1997.
77
106
FERNANDES, Dóris Rejane. Povoamento pioneiro das Terras do Mundo Novo. In. SOBRINHO, Paulo
Gilberto Mossmann; BARROSO, Véra Lucia Maciel. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008.
78
Essa evolução histórica a que se refere Clóvis Moura pode ser entendida como a
cotidianidade em que o afro-brasileiro cativo enfrentou em sua realidade social dentro do Brasil.
O cotidiano possui uma complexidade de elementos que se manifesta à vida diária, essa se
refere como a sociedade se manifestou dentro do processo social e seu desenvolvimento.
107
MOURA, Clóvis. História do Negro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1992.
80
108
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
81
Dizer que mesmo os grupos socialmente dominados não são desprovidos de recursos
culturais próprios, e sobretudo da capacidade de reinterpretar as produções culturais
que lhes são impostas em maior ou menor grau, não significa, no entanto, voltar à
afirmação que todos os grupos são iguais e que suas culturas são equivalentes.
(CUCHE, 1999, p. 144-145).109
Nesse sentido, devemos nos voltar um pouco para a Europa, para entendermos os
valores culturais que se estabeleceram em relação ao homem europeu, natureza, e espaço, já
que, dependendo do pensamento elaborado pelos teóricos iluministas do século XVIII, em
busca de uma definição do que é cultura. Nada mais justo que tentar exemplificar como chegou
109
CUCHE, Denys. A Noção de Cultura nas Ciências Sociais. Bauru: EDUSC, 1999.
82
esse colono europeu português, ou o teuto, pelas terras sulinas e o que carregava na bagagem
como sentido de cultura.
O discurso construído pelo europeu para justificar e legitimar o conceito de cultura
fundamenta-se na superioridade étnica, na capacidade de modificar seu meio e explorar as
sociedades ditas “atrasadas” que constituem espaços já ocupados. Mas também podemos
verificar que, em determinado tempo e local, o desenvolvimento do discurso sofre alterações e
com isso vai modificando o conceito de cultura até chegar a outro entendimento conceitual.
A fronteira como elemento novo pode estabelecer bases para uma ampla situação de
análise, assim os estudos de casos, que fecundam as possibilidades de um entender melhor sobre
as origens epistemológicas dos grupos étnicos, ultrapassam o simples sentido de fronteira
geográfica e se estende pela construção cultural e de identidade nas bases dessa aculturação,
visto que, existem culturas dentro de culturas, cotidianos dentro de cotidianos.
Norberto Bobbio (1989),110 na questão da fronteira, descreve que esse pensamento se
estrutura na forma do Estado, onde a fundamentação de fronteira, que vai se estabelecer e
legitimar, se caracteriza pelo circunstância e suas aplicabilidades para explorar, manipular ou
meramente tirar vantagens quanto à ocupação territorial.
Na História, que constitui a vida de africanos e afro-brasileiros na sociedade branca,
analisar o cotidiano na história regional é um passo importante para examinarmos o
comportamento desses indivíduos que estiveram por longos séculos atrelados a um sistema que
lhes tirou a chance de ‘viver’ sua humanidade plena. A partir da introdução do africano
escravizado no Brasil, esses sujeitos passaram a conviver com outro momento de sua realidade,
com uma imposição ao cativeiro por longos séculos. Nessa concepção, o africano ou afro-
brasileiro fez parte de uma sociedade que estabeleceu critérios eficazes para dificultar sua
permanência, manutenção e existência no Novo Mundo.
Pensando um pouco mais sobre a questão da ocupação do espaço físico e analisando
as relações humanas que se estabeleceram em um tempo histórico, buscamos confrontar a
imposição cultural através de um discurso de inferioridade ao africano e afro-brasileiro que
esteve ocupando o espaço geográfico com seus senhores na Fazenda Mundo Novo.
Em primeiro momento como sujeito cativo, pertencente a uma elite que estabeleceu
parâmetros de privação desses sujeitos para não deixar usufruir de sua liberdade. Em segundo,
verificou-se quais os elementos que favoreceriam as relações entre cativos e senhores durante
o cativeiro.
110
BOBBIO, Norberto. Estado, gobierno y sociedad: por una teoria general de la politica. Santillan. - Mexico:
FCE, 1989.
83
O sujeito fundante, com efeito, está encarregado de animar diretamente, com suas
intenções, as formas vazias da língua; é ele que, atravessando a espessura ou a inércia
das coisas vazias, reaprende, na intuição, o sentido que aí se encontra depositado, é
igualmente que, para além do tempo, funda horizontes de significações que a história
não terá senão de explicar em seguida, e onde as proposições, as ciências, os conjuntos
dedutivos encontrarão, afinal, seu fundamento. Na sua relação com o sentido, o sujeito
fundador dispõe de signos, marcas, traços, letras. Mas, para manifestá-los, não precisa
passar pela instância singular do discurso. (FOUCAULT, 2005, p. 47).111
Essa linha tangível de pensamento vai constituir um novo paradigma para os que
viveram no cativeiro, visto que para o colonizador suas características já estão predefinidas.
Assim o cativo passa a perceber que não é somente o cativeiro que o impede pela busca da
liberdade, mas também a fronteira social e cultural a ser ultrapassada, já que a relação entre
esses sujeitos construíram a nossa sociedade atual, e não se tem dúvidas de que o afro-brasileiro
teve sua participação muito mais efetiva que coadjuvante na construção da sociedade brasileira.
No processo de emancipações, a partir das possibilidades da abolição do escravismo,
os africanos e afro-brasileiros, que estavam em cativeiro, passaram a conviver diretamente no
dia-a-dia “das sociedades brancas efetivamente”, seu engajamento pela liberdade e a utilização
das leis abolicionistas favoreceram o entendimento do contexto em que viviam, visto que esses
estavam inseridos na sociedade, mesmo que paralelamente, buscando os meios para sua
sobrevivência através da “liberdade”.
Ainda não muito longe da chibata ou do pelourinho, também teve a percepção de que
sua participação mais ativa nos movimentos de resistências era possível, e, a partir da
observação do “seu novo cotidiano”, também foi visto por outra ótica, já que aprendeu que as
leis criadas os favoreciam com a pressão dos abolicionistas. Assim, em muitas vezes, resistindo
aos mandos dos feitores e senhores que já não tinham mais o poder e controle sobre certas
escravarias, como cita Walter Fraga (2014) o ocorrido no Recôncavo Baiano, onde cativos
fugiam dos engenhos e buscavam nas autoridades proteção e regulamentação da aplicabilidade
das leis que eram a seu favor:
111
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 12 ed. 2005.
84
acionar as autoridades judiciais nas contendas com seus senhores (FRAGA, 2014, p.
47). 112
Nesse contexto, também Renata Saldanha Oliveira (2013) define que as relações
cotidianas entre senhores, negros livres e escravos, se manifestaram de acordo com as
possibilidades que cada contexto que se apresentou para esses sujeitos, ou seja, a fronteira social
que foi erguida durante o cativeiro fortificou-se no pós-abolição, já que as classificações de
inferioridade, que se forjaram durante o escravismo, permaneceram durante muito tempo na
sociedade brasileira, e ainda predominam os resquícios desse pensamento nos dias atuais. “[...],
a herança africana forneceu elementos culturais no qual se articularam esperanças e recordações
e a partir do qual os escravos elaboraram seus projetos de vida” (OLIVEIRA, 2013 p. 34).113
Imaginar como esses sujeitos puderam pensar a elaboração de seus projetos, e analisar
que primeiro deveríamos ajuizar-nos nas dificuldades de se manterem vivos, e posteriormente,
idealizar um ‘futuro’ dentro da sociedade. Contudo, seria um tanto presunçoso imaginar que
tudo discorreria com naturalidade e tranquilidade no rearranjo social quando estabelecida a
“liberdade”, já que as fronteiras, em sentido estrito, estavam bem balizadas.
O espaço fronteiriço entre o cativeiro, a sociedade e a liberdade, era mais agudo visto
que no processo da utilização dos meios legais, outros fatores faziam esbarrar nessa nova
realidade que era a liberdade, com isso se eleva a uma multiplicidade de fatores que se anexam
em um passado marcado na exploração, vinculando-se que ainda não era reconhecido como
homem livre.
A ideia é que a história tome outra dimensão, deixe de ser narrada pela sociedade
branca em uma maneira de imposição e comece a ser descrita pelo sujeito comum, o que sofreu
as penalidades do cativeiro, que saía da invisibilidade e se tornou histórico no contexto social.
Sandra Pesavento (2006) nos chama a atenção para outra questão a ser pensada, a da
mestiçagem, que ela desconfigura a formação tradicional étnica e transcende a realidade que se
apresenta. Por mais tradicional que seja a formação étnica de uma localidade, os elementos
primeiros da construção cultural local já não são encontrados na maioria da população, pois as
misturas de componentes representativos de outras etnias se fazem presente, formando a
mestiçagem e com isso a fronteira limítrofe se desfaz e surge a fronteira miscigenada.
112
FRAGA, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). 2ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
113
OLIVEIRA, Renata Saldanha. Cativos Julgados: experiências sociais escravas de autonomia, sobrevivência e
liberdade em Cachoeira do Sul na segunda metade do século XIX. Disertação de Mestrado, 2011, UFSM.
85
Esta mescla e mistura que elabora uma maneira de ser específica nos remete ao
conceito da mestiçagem. A mestiçagem, visualizada sob o enfoque do biológico e
carregada de preconceitos, já foi, em outro século, fator de estigma e hierarquização
dos povos. Hoje, a mestiçagem racial e étnica é a realidade da Europa, esta Europa
que está a construir um mercado unificado e uma comunidade transnacional, mas na
qual pululam micro identidades a reivindicar formas de ser e valores específicos,
muito peculiares (PESAVENTO, 2006, p. 04).114
Assim, o entendimento sobre o objeto não quer dizer que se chegue a um resultado
imediato, mas que devemos perceber atentamente que a escrita e seu sentido podem trazer um
elemento novo dentro da composição de compreensão sobre uma nova abordagem desse objeto
e, com isso, verificarmos que a vida cotidiana se desmembra em variáveis complexas de redes
de solidariedade. Segundo Mignolo:
114
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Fronterias Culturais em um Mundo Planetário - paradoxos da (s) identidade
(s) sul-latino-americana (s). Porto Alegre: UFRGS, 2006.
115
MIGNOLO, Walter. Cartas, crónicas y relaciones del descubrimiento y la conquista. Madrid: Ediciones
Catedra, 1982.
116
MIGNOLO, Walter. Pensamiento Decolonial, Desprendimento y Apertura: La Pequeña História. Tabula Rasa.
Bogotá - Colombia, No.8: 243-281, enero-junio 2008.
86
de um hibridismo (miscigenação), que ainda não é reconhecido como puro, mas como impuro,
mestiço.
Em todas as esferas sociais, e sendo mais específico no trabalho braçal, os cativos
tiveram muitas dificuldades em enfrentar as barreiras fronteiriças que se estabeleceram, “sobre
as relações entre fazendeiros e trabalhadores negros nos últimos meses de escravidão e nos
primeiros anos depois da abolição, mostra que a “rebeldia” dos escravos na década de 1880
deixou os fazendeiros ressentidos, aumentando seu desprezo e ódio por negros” (MONSMA,
2007, p. 115).117
Ainda nessa mesma linha de desvalorização do afro-brasileiro ex-cativo, no final do
escravismo, as dificuldades enfrentadas eram patenteadas nas relações entre esses e antigos
senhores, já que ambos necessitavam um do outro em casos específicos e que remetem a
conflitos, alguns, como no recôncavo baiano, onde muitos cativos fugiam para outros engenhos
por acharem melhores condições de trabalho, mesmo sabendo que ainda estavam em cativeiro.
Segundo Karl Monsma:
Nessa ótica as esferas sociais se estabelecem, isso reflete diretamente no conceito que
Agnes Heller (1989) define como cotidianidade, ou esferas do cotidiano e suas particularidades,
além do que, o cotidiano nas fazendas em relação aos cativos era de um jeito, já com sua suposta
liberdade, essa relação mudava.
Esse cotidiano que amplia as possibilidades de relações sociais e ao mesmo tempo
barra os sujeitos dentro das relações próximas, também aproxima e ao mesmo tempo explora
pela necessidade, subjuga a capacidade de produção e ainda massacra pela desvalorização do
trabalho. O imigrante europeu teve todas as vantagens sobre o grande contingente de africanos,
visto que o processo de desterritorialização, da diáspora transatlântica e a escravização foi de
um grande impacto para as populações nativas da África. Essas diferenciações de realidades
117
MONSMA, Karl. Identidades, desigualdade e conflito: imigrantes e negros em um município do interior
paulista, 1888-1914. Notas de pesquisa. Revista Unisinos, 2007.
118
Idem.
87
119
CHAUÍ, Marilena. Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2001.
120
ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra À Vista – Discurso do Confronto: Velho e Novo Mundo. Campinas: Unicamp,
2008.
88
CAPÍTULO
II
A economia colonial que se instalou na Capitania do Rio Grande de São Pedro a partir
do século XVIII funda-se em primeiro momento com os paulistas no comércio do gado121
vacum e o comércio de muares para abastecimento e transporte na exploração das Minas Gerais.
Já na segunda metade do mesmo século, começa a se desenvolver o incremento da agricultura
com a chegada dos colonos açorianos nas terras de São Pedro, incentivando a produção de trigo
em um primeiro movimento, e a pecuária posteriormente, patrocinando a manutenção da
produção agropastoril e mantendo a fronteira constituída a partir das lutas travadas com os
espanhóis durante o processo de ocupação da porção sul meridional da América Latina,
favorecendo o desenvolvimento da região sul da colônia portuguesa.
Essa produção embrionária nesse momento, uma vez que deu conta da necessidade
que a colônia precisava, ampliando a diversidade produtiva da região e favorecendo o
fornecimento de homens ao exército para as lutas futuras que visavam à construção e
manutenção da fronteira, trouxe a exploração da terra e do gado vacum, o elemento de
entendimento que somente o couro do gado seria utilizado para exportação – tanto dentro da
colônia, como para a Europa –, e sua carne apodreceria nos campos da campanha sulina. Esse
viés proporcionou o surgimento de outro produto que começa a se mostrar atraente para a
economia colonial, dando diferente patamar e importância ao Continente de São Pedro, o
charque.
Esse novo produto vai abrir as portas para uma implantação econômica que, por quase
todo o século XIX, se tornará o principal produto de São Pedro do Rio Grande do Sul,
favorecendo o enriquecimento de grandes latifundiários, e promovendo a manutenção e fixação
da fronteira como delimitação favorável para ampliação dos lucros com a carne salgada,
exportando o produto e explorando a mão-de-obra cativa africana e afro-brasileira, como sendo
primordial para o abastecimento e desenvolvimento das zonas charqueadoras que se
constituíram no sul da Capitania sulina.
121
“Gado” produto da pecuária, também termo utilizado como conjunto de animais, especialmente bovinos,
criados no campo para serviços agrícolas e consumo doméstico ou para fins industriais ou comerciais. Rebanho,
armento, vara, fato. Gado grosso, equinos, bovinos. Gado miúdo, porcos, cabras, carneiros. Por gado entende-se o
conjunto de animais que foram domesticados pelo homem para aumentar a sua produção, serviços agrícolas,
consumo doméstico, comercial ou industrial: a sua criação pode ser dividida em 'criação de gado intensiva' e
'criação de gado extensiva'. BORBA, Francisco S. Dicionário Unesp do Português Contemporâneo. Curitiba: Piá,
2011, p. 660.
90
O recrutamento dos colonos se faz, sobretudo nas ilhas dos que sempre contribuíram
um viveiro demográfico e braços com excesso de produções que o exíguo território
do arquipélago não comportava. Foram escolhidos de preferência camponeses que
emigravam em grupos familiares, o que também é quase único na colonização do
Brasil. Por todos esses motivos, constitui-se nos pontos assinalados um tipo de
organização singular entre nós. A propriedade fundiária é muito subdividida, o
trabalho escravo é raro, quase inexistente, a produção é etnicamente homogênea.
Nenhum predomínio de grupos ou castas, nenhuma hierarquia marcada de classes
sociais. Trata-se em suma de comunidades cujo paralelo encontramos apenas, na
América, em suas regiões temperadas, e foge inteiramente às normas da colonização
tropical, formando uma ilha nesse Brasil de grandes domínios escravocratas e seus
derivados. Uma ilha muito pequena, aliás, e sem importância apreciável no conjunto
da colônia. Mesmo computando apenas este setor meridional de que nos ocupamos,
seu papel é reduzido; o que contará nele são as grandes fazendas de gado do interior,
as estâncias (PRADO JUNIOR, 2004, p. 96). 122
122
PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.
91
açorianos para a colônia no sul do Brasil, um deles era a defesa do litoral sul da América, o
outro o povoamento da Colônia do Sacramento, fundada em 1680: assim, o processo migratório
se constitui entre os “dos casais” e as levas de recrutas.
Segundo Cibele Caroline da Rosa e Luís Fernando da Silva Laroque:
[...], a imagem das terras brasileiras recorrente nas ilhas era povoada da possibilidade
de enriquecimento rápido e fácil. Elas eram divulgadas, principalmente, a partir de
tripulantes que desembarcavam nas ilhas. Neste sentido, as imagens de uma possível
prosperidade e ainda as más condições de vida que os habitantes do arquipélago
enfrentavam colaboraram para pedidos de transferência de gentes das ilhas para o
meridional brasileiro. Esta miséria era advinda, principalmente, dos cataclismos
(ROSA e LAROQUE, 2018, p. 107).123
123
ROSA, Cibele Caroline da; LAROQUE, Luís Fernando da Silva. Quando Migrar é Necessário: açorianos
povoam o continente de Rio Grande de São Pedro (Meados do século XVIII). Revista Destaques Acadêmicos,
Lajeado, v. 10, n. 2, 2018.
124
RODRIGUES, José Damião. Da periferia insular às fronteiras do império: colonos e recrutas dos Açores no
povoamento da América. Anos 90, Porto Alegre, v. 17, n. 32, p. 17-43, dez. 2010.
92
mão-de-obra para tal operação, e principalmente a miséria dessas pessoas nas ilhas, favoreceu
a vinda dos açoritas para o Rio Grande de São Pedro.
A pobreza das Ilhas portuguesas que faziam parte do arquipélago dos Açores era tanta
que, quando da oportunidade de ir embora para outras terras surgia, a população buscava fazer
parte desse contexto de expansão territorial, assim a conquista portuguesa foi se efetivando aos
poucos e graças a essa gente que vivia em extrema pobreza. Assim, a partir de 1750 com o
tratado de Madrid, passaram a chegar os açorianos para colonizar as terras desocupadas na
porção sul meridional.
Segundo José Damião Rodrigues:
Deste modo, para as populações de mais parcos recursos, a emigração surgia como
uma forma de fuga a estas situações. Ora, nesses anos, Portugal negociava com a
Espanha os limites entre os territórios sul-americanos de ambas as monarquias,
processo que conduziria à assinatura do Tratado de Madrid, em 1750, pelo que o
projecto dos açorianos se revelava de grande utilidade, respondendo aos objectivos
estratégicos da coroa portuguesa. Iniciou-se então um período de grande intensidade
emigratória que se estendeu ao longo de vários anos [...] (RODRIGUES, 2010, p.
26).125
Existe todo um aparato de fatos que resulta na vinda dos casais açorianos para o Brasil.
Em primeiro, as forças da natureza que favoreceram para que as populações saíssem das ilhas
que passaram pelos problemas sísmicos. Em segundo, para a Coroa seria o momento de povoar
toda a costa sul atlântica para não ser ocupada por outros reinos europeus, assim, a colonização
vai avançando em direção à Colônia do Sacramento, e adentrando no Rio Grande de São Pedro.
Mesmo com a proibição de 1720,126 a Coroa Portuguesa continuou a retirada de casais dos
Açores para colonizar a porção sul do Brasil, assim, dentro desse contexto, o primeiro
contingente de casais partiu em outubro de 1747, aportando no território brasileiro em janeiro
do ano seguinte, dando início à colonização da região de Rio Pardo e outras localidades.
A continuidade emigratória para o Brasil já não era mais para povoar a região inóspita,
mas para proteger as levas fronteiriças que eram conquistadas, ou as que já foram legitimadas
pelo Tratado de Madrid em 1750. Podemos notar que o grande número de habitantes nas ilhas
era de suma grandeza. Assim, tornava-se um excedente de pessoas, que poderiam ocupar as
lacunas que o exército português em solo da colônia possuía, ficava viável mandar mais gente
125
Idem.
126
Lei de 20 de março de 1720, promulgada pelo Reino Português que proibia a saída de ilhéus para a colônia,
mas mesmo assim o processo aconteceu pela necessidade e estratégia de manter e defender as fronteiras
meridionais e setentrionais na porção sul da América portuguesa.
93
para compor essas vagas e facilitar a colonização, visto que, essas levas seguintes eram de
homens solteiros para compor o exército, ou seja, muitos poderiam procriar favorecendo a total
ocupação territorial, constituindo assim a segunda menção de emigração, ou seja, o
recrutamento.127
Cleusa M. G. Graebin (2006) informa que os açorianos tiveram que se adaptar com a
realidade que lhes foi oferecida para a ocupação territorial: “O cenário habitual da vida
cotidiana dos açorianos foi constituído pelos arranchamentos nos diversos locais para onde
eram transportados pelas autoridades coloniais, [...]” (GRAEBIN, 2006, p. 223).128
Outra questão retratada, na obra dessa autora, é o casamento. Em 4 de abril de 1752,
com uma provisão régia que regulamentava uma idade mínima para o casamento, a Igreja
passou a permitir que rapazes de 14 anos e meninas de 12 anos contraíssem matrimônio para
gozarem dos privilégios oferecidos pela Coroa. Isso tudo acontecia devido à necessidade de
ocupar as terras ainda não ocupadas. Também, as relações consensuais, cada vez mais, eram
punidas pela Igreja, com isso, os amasiamentos dos cativos passaram a ser criticados pela Igreja,
que levava em consideração a necessidade de se formar um núcleo familiar cativo abençoado
por Deus.
O cotidiano que frequentemente se formara com os açorianos, serviu de base para o
modelo de família cativa, já que em muitos casos, a família açoriana tinha contato apenas com
os membros familiares e alguns cativos nos confins das terras de São Pedro. Ora, se o modelo
de vida que se constitui como referência para o cativo é o tipo de vida dos senhores, então seu
cotidiano está relacionado em costumes “comuns”.129
Segundo Cleusa Maria Gomes Graebin,
127
Para saber mais sobre a vinda dos açorianos ao RS: Scott, Ana Sílvia Volpi, BERUTE, Gabriel Santos. “Gentes
das Ilhas: repensando a migração do Arquipélago dos Açores para a capitania do Rio Grande de São Pedro no
século XVII” In: Gentes das Ilhas. São Lepoldo: Oikos, 2014. HAMEISTER, Marta Daison. O Continente do Rio
Grande de São Pedro: os homens, suas redes de relações e suas mercadorias semoventes (C.1727-C.1763). Rio
de Janeiro, UFRJ [Dissertação de Mestrado], 2002.
128
GRAEBIN. Cleusa Maria Gomes. Vida Cotidiana dos Açorianos pelas Freguesias e Caminhos. In: BOEIRA,
Nelson; GOLIN, Tau. História do Rio Grande do Sul – Colônia. v. I. Passo Fundo: Méritos, 2006.
129
No decorrer do texto falaremos e ampliaremos mais sobre a formação da família escrava.
130
Idem.
94
Com isso entendemos que o cotidiano dos casais açorianos que preencheram e
constituíram a ocupação territorial, e mantiveram as fronteiras em franco desenvolvimento,
também produziam a partir da agricultura a economia em desenvolvimento, e o trigo o produto
de importância até meados de 1780, decaindo sua produção no final do século XVIII e se
extinguindo por volta de 1814, quando entra em colapso a produção do trigo.
Segundo Freitas:
É sabido que fatores levaram à extinção das produções de trigo na Capitania de São
Pedro. Podemos descrever algumas considerações, visto que uma das características que mais
se destaca é a praga conhecida como ferrugem, mas também outros fatores fizeram parte desse
processo de decadência da produção do trigo. O solo onde a produção se desenvolvia era tido
como arenoso, e isso pode ser um dos fatores da ferrugem. Outro fator é a importação de trigo
dos Estados Unidos, que favorecia a Fazenda Real e o não investimento aos colonos açorianos
produtores do grão.
Também, na exportação, Portugal proíbe a compra do trigo sulino, em virtude de não
valorizar o que era produzido pelos produtores portugueses. Todos esses fatores foram levados
em conta, causando um desânimo na produção da triticultura e refletindo na economia sul-rio-
grandense no início do século XIX, levou ao abandono dessa produção. 132
Outro ponto, na visão de Caio Prado Junior (2004), é a questão do trabalhador
escravizado africano. Para os colonos açorianos que não tiveram investimentos necessários em
grandes proporções é conhecido que se aventuraram pelas paragens sulinas e tiveram sucessos
com o trigo, também se tornaram senhores escravocratas. Estando claro que em muitos casos,
os colonos açorianos mais pobres não tiveram a mesma sorte, já que um cativo era caro para
comprar. Mas no decorrer do final do século XVIII, aparecem nos registros de inventários post
mortem de Rio Pardo cativos como ‘bens semoventes’.
131
FREITAS, Ubiratã F. A Fronteira é Logo Ali, Mas Permaneci Escravo. 2ª ed. Curitiba: Brazil Publishing,
2019.
132
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade
escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
95
Fernando Henrique Cardoso (1977), refere que o escravo negro foi usado em pouca
escala, mas sua presença era constante com os desbravadores e suas investidas no Sul, então a
compra de cativos por parte dos colonos açorianos era só uma questão de tempo e dinheiro.
“[...], sempre que a exportação de trigo permitia lucros, havia tendência para acrescer os campos
e utilizar mão-de-obra escrava. Noutros termos, processava-se a ampliação do capital através
do reinvestimento dos lucros”.133
No inventário de José Duarte de 1783, de Rio Pardo, verificamos um pequeno
incremento de desenvolvimento econômico a partir da agropecuária, tendo esse colono
português 05 burros, 28 bestas de marca, 25 éguas de cria de bestas, 12 cavalos, além de 04
escravos de nomes: de Joana, crioula de 30 anos; Joaquim, Angola de 27 anos; José, Angola de
20 anos e Tereza, Angola de 40 anos. Assim, podemos demarcar a importância dos colonos
açorianos dentro da composição econômica no desenvolvimento da Capitania de São Pedro e
da utilização da mão-de-obra cativa. 134
Também podemos averiguar que a inércia por parte dos colonos açorianos não foi a
não utilização de mão-de-obra cativa, mas aguardar a oportunidade de tê-la, visto que a presença
africana cativa já estava inserida no Continente de São Pedro, “Isso significa que houve negros
escravos desde a primeira metade do século XVIII, no início do processo de formação do Rio
Grande, basta lembrar a composição da Frota de João Magalhães (1725), [...]”(CARDOSO,
1977, p. 48).135
Acreditamos que os colonos açorianos tiveram muita importância no processo
colonial, discordando assim de Caio Prado, ou melhor dizendo, na concepção do termo colônia
e sua economia, já que estabilizaram e mantiveram a fronteira Oeste, viabilizando a ampliação
de novas investidas dos espanhóis. Também encontramos em Rio Pardo algumas charqueadas
que deram origem à essa prática que, durante o século XIX, tornou o charque o produto
principal da economia sulina e a sua extinção na década de 80 do mesmo século.
Ainda Caio Prado Junior cita que, a partir de tréguas entre as coroas ibéricas (1777),
passou-se a ter um longo período de paz até a década de trinta do século XIX, onde o conflito
entre sulinos e Império declaram guerra – Revolução Farroupilha (1835-1845) –, pelos baixos
preços do charque, o autor ainda destaca:
133
Idem, p. 59.
134
Inventário post mortem de José Duarte, Rio Pardo, 1783. Estante 007.0249, Comarca de Santa Catarina,
intervalo – 20-31, datas: 01/01/1783 A 31/12/1786. APERS.
135
João Magalhães saiu de Laguna em 1725 com uma expedição para reconhecimento das terras sulinas, e se
possível fundar uma vila, sua investida chegou até a barra de Rio Grande, e posteriormente, em 1737 fundou-se a
Vila de Rio Grande. Ver mais em MAESTRI, Mário. O Escravo no Rio Grande do Sul: a charqueada e a gênese
do escravismo gaúcho. Caxias do Sul: EDUCS, 1984.
96
[...] quando se assina a paz entre os contendores, um longo período de tréguas que irá
até as novas hostilidades dos primeiros anos do século XIX. Estabelecem-se então as
primeiras estâncias regulares, sobretudo na fronteira, onde mercê das guerras se
concentra a população constituída a princípio quase exclusivamente de militares e
guerrilheiros. Distribuem-se ai propriedades a granel: queria-se consolidar a posse
portuguesa, garantida até então unicamente pelas armas (PRADO JUNIOS, 2004,
p.96).136
Outro fator que chama a atenção na economia gaúcha do século XIX é a estância, a
produtora do charque que levará o Rio Grande a um patamar de soberania colonial no sul
meridional. Com a decadência do trigo e a implementação das estâncias charqueadoras, grandes
áreas de terras e a produção de gado vacum a perder de vista, a produção do charque passou a
necessitar de um aumento da mão-de-obra escravizada, causando um impacto econômico tanto
na produção charqueadora quanto na valorização do cativo.
Isso leva a uma economia capitalizada que gera, nas transformações e relações de
trabalho, uma mudança de comportamento social. O antigo produtor de trigo vira dono de
estância. “O novo período da economia rio-grandense foi, pois, o do gaúcho, do tropeiro, do
militar, do antigo colono do administrador colonial – frequentemente uns e outros tipos sociais
representados pelo mesmo homem – que se tornou estancieiro”. 137
Essa calmaria, entre o final do século XVIII até a década de trinta do século XIX,
favoreceu a ocupação e desenvolvimento de outras áreas de terras na Capitania de São Pedro,
já que havia necessidade de uma produção local mais específica e que demarcasse uma fronteira
limítrofe entre portugueses (brasileiros) e espanhóis nas terras ainda não exploradas e ocupadas,
com isso, favoreceu a ocupação do Vale do Rio dos Sinos com a fundação de São Leopoldo,
em 1824. Para Marcos J. Tramontini “[...] a preocupação maior da metrópole era com a
ocupação, defesa e expansão territorial nessa região fronteiriça” (TRAMONTINI, 1994, p.
55).138
Partindo do pressuposto apresentado e o processo de ocupação do Vale do Rio dos
Sinos, e posteriormente o Vale do Paranhana, uma economia local também se formou e se
desenvolveu com características similares, tanto como a qual que se ampliou em todo o Rio
136
PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.
137
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade
escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
138
TRAMONTINI, Marcos J. A Questão da Terra na Fase Pioneira da Colonização. In: MAUCH, Cláudia. Os
Alemães no Sul do Brasil. Canoas: Ed. Ulbra, 1994.
Vale a ressalva que o termo ocupação está relacionado com a posse da terra pelos europeus. É sabido que nessas
terras já viviam os nativos (índios) de várias tribos que ocupavam o Rio Grande do Sul antes dos espanhóis e
portugueses.
97
139
MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do Império
brasileiro (Bagé, c. 1820-1870). 2016. 418 f. Tese (Doutorado em História), Instituto de História, Universidade
Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em História Social. Rio de Janeiro, 2016.
140
A atafona pertencia, normalmente, a um grande latifundiário, esse beneficiava a mandioca transformando-a em
farinha comercializável, aumentando assim, as possibilidades dos pequenos produtores, de se manter e conseguir
uma renda para auxiliar nas despesas e também ampliar a compra de gado ou terra, além de fornecer o produto
para a capital, Porto Alegre.
141
Idem.
98
Decidimos desmembrar a análise por décadas, onde podemos perceber como foi se
instalando e desenvolvendo a produção econômica regional. Assim, estabelecemos alguns
parâmetros para deixarmos mais claro e perceptível a compreensão do desenvolvimento
econômico regional no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, buscando também dar ênfase para
a agricultura em particular, já que a historiografia mais tradicional remete quase sempre para
as grandes lavouras e estâncias criadoras de gado no Rio Grande do Sul.
Observamos que, em grande escala, as questões agrícolas referentes ao início do século
XIX são quase sempre ligadas à subsistência e aos colonos e pouco é mencionado quem produz
tais produtos. É sabido que nas grandes fazendas existia uma produção mínima de grãos para
consumo com mão-de-obra escrava, mas também o pequeno proprietário produzia um
excedente que era vendido ou trocado por gêneros de primeira necessidade. Na região que
examinamos, a mandioca teve um potencial comercial elevado e o pequeno produtor utilizou
as atafonas para industrializar seus produtos. Com isso inferimos que as relações comerciais
foram além do grande centro, também acontecem ou aconteceram entre o grande fazendeiro
local e o pequeno produtor com seu excedente.
Segundo Paulo Zarth:
Com esse intuito, buscamos quantificar os animais que aparecem nos inventários post
mortem, visando dar a dimensão da produção pecuarista que se contabilizou e fomentou a
efetivação e ocupação territorial. No segundo momento, verificamos a produção agrícola que
estabilizou a subsistência ocupacional e a agricultura colonial germânica que foi reconhecida
como sendo o ponto de partida para o desenvolvimento agrícola do Rio Grande do Sul (ZARTH,
2002.).
Nossa análise parte de 116 inventários post mortem entre 1856 e 1888, esses
demonstram em sua divisão de bens (bens de raiz) o que esses inventariados possuíam,
deixando claro que fizeram parte do processo ocupacional territorial do Vale do Rio dos Sinos
– Paranhana. Além de poder verificar os bens dessas pessoas, também conseguimos visualizar
um parâmetro do desenvolvimento econômico que se estabeleceu por essa localidade. Não
142
ZARTH, Paulo A. Do Arcaico ao Moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002.
99
obstante, nesse primeiro momento vamos demonstrar o processo evolutivo da criação do gado
vacum na região, com isso tentamos entender como essa região processou sua economia.
Como é sabido, o Rio Grande do Sul, durante o século XVIII e XIX, teve um
incremento da utilização do gado vacum em seu desenvolvimento em sua totalidade, por isso
essa prática em regiões, que foram ocupadas tardiamente, também partiu dessa premissa
econômica que visava em primeiro momento, a subsistência e, posteriormente, a
comercialização, ainda mais por ser o Vale do Rio dos Sinos – Paranhana o caminho dos
tropeiros. Também outros animais foram criados e comercializados nessas paragens como
cavalos, mulas, ovelhas e outros.
Dividimos nossa amostra em quatro períodos do desenvolvimento da produção animal
nessa região. Primeiro, elaboramos um entendimento da importância do gado vacum a partir de
1856 – o inventário mais antigo até aqui encontrado –, e chegando a 1869, na primeira amostra.
Posteriormente, analisamos os anos subsequentes de 1870 a 1879, e findando a amostragem do
gado vacum a partir de 1880 a 1888, quando já se percebe um aumento desses animais em larga
escala.
A segunda amostragem se utiliza da mesma divisão temporal, porém com animais
equinos (cavalares), que representam um montante que favoreceu ao pequeno produtor uma
produção representativa, como veremos mais adiante. No terceiro momento da amostragem,
vamos registrar a importância da produção de muares (mulas), visto que essas possuem um
elemento a mais na comercialização por sua aplicação no transporte, e, posteriormente, o quarto
elemento, os animais oviários e outros animais indefinidos que foram comercializados na
Fazenda Mundo Novo.
Na tabela 6, podemos verificar como vai se desenhando o aumento da produção da
pecuária na região. A partir de 1856 até 1869 encontramos um total de 2.736 cabeças de gado
vacum que gerou um montante de £2.745,02 libras esterlinas. A partir desses números é
possível verificar um aumento considerável nessa produção, que se distribui entre rezes,
novilhos e bois.
100
Na tabela 08, verificamos que a partir de 1880, o aumento produtivo do gado foi maior
que os anos anteriores (tabela 6 e 7), somando o total de reses desse período chegamos a um
montante de 9.200 cabeças de reses, quase ultrapassando o valor total de reses das duas tabelas
anterior apresentadas. Isso significa que mesmo finalizando o período com um percentual mais
baixo que os anos anteriores, o aumento da criação de gado entre 1880 a 1888 em valores
102
143
Inventário de Amandio José de Araujo, 1876. Autos nº 53; Maço nº 03, Estante 152 – APERS.
144
Inventário de Olivério Pedro de Morais, 1886. Autos nº 236; Maço nº 11, Estante 39 E – APERS.
145
FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Confins Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira
Sul do Brasil (1825-1865). Tese (Doutorado em História), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade
Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em História Social. Rio de Janeiro, 2007.
103
muitas vezes não davam conta de todo o trabalho, assim era necessário a contratação de peões
temporários ou permanentes.
Segundo Farinatti.
146
Idem.
147
Ver mais sobre Tropeirismo em GIL, T. L. Coisas do Caminho: tropeiros e seus negócios do Viamão à
Sorocaba. Rio de janeiro (RJ): tese de doutorado, PPGHIS/UFRJ, 2009.
104
tivemos uma significativa atividade produtiva, mas verifica-se que a quantidade em números
de animais não teve um aumento avassalador, mas o que difere é que o preço foi
substancialmente se modificando no decorrer dos anos, em decorrência do desenvolvimento
econômico imperial. Assim, a quantidade de gado entre 1856 a 1888, fecha em 19.771 animais.
A partir dessa amostra (tabela 8) podemos entender que a região que hoje comporta a
microrregião conhecida como ‘Vale do Paranhana’, onde se localiza a cidade de Taquara, no
estado do Rio Grande do Sul, teve sua economia entre 1856 a 1888 em franco desenvolvimento,
mesmo que ainda não fossem computados os outros animais que provavelmente venham
aumentar o valor econômico e a quantidade de animais, deixando claro que a potencialidade
regional foi de suma importância para o desenvolvimento local como para o Império Brasileiro.
Como podemos notar os valores que aparecem nos inventários post mortem, sobre os
animais deixados como herança nos dá um esclarecimento de que as evidências sobre o custo
do gado vacum em comparação ao de um animal cavalar é maior, com isto os investimentos no
gado tiveram maiores retornos, além dos grandes proprietários levarem vantagens por
possuírem maiores quantidades de terras e maiores rebanhos, gerando uma economia
sustentável no fornecimento desses animais.
Podemos relacionar que a quantidade de 2.736 animais vacum, encontradas no período
de 1856 a 1869, atingem um valor de £2.745,02 libras esterlinas, sendo o preço médio de cada
animal em torno de £1,00 libra. Para os equinos no mesmo período, encontramos 729 animais
com um valor de £429,12 libras, chegando à média por unidade de £0,58 libras esterlinas.
Isso chega a uma diferença de quase 50% de valores entre o gado vacum e os cavalares,
já para os muares no mesmo período, encontramos uma quantidade de 310 animais com o valor
total de £287,56 libras, com um custo médio por animal que chega a £0,92 libras. Em
comparativo com o gado vacum e os cavalares, os muares – que vão ser melhor apresentados
no decorrer do texto –, aparecem com o valor unitário que pode ser considerado maior que os
outros animais, visto que sua função e criação determinam a sua aplicação e uso. Isso vai se
estabelecer nos anos subsequentes, aumentando gradativamente essa produção e seu valor de
mercado como veremos mais adiante.
Levando em conta as proporções de quantidades e porcentagens estabelecidas nas
tabelas acima, embora que, para os equinos, obtivemos variações percentuais no ano de 1865,
em comparação a 1856, um aumento significativo na produção de equinos. Também
106
Comparando a tabela 09 com a tabela 10, podemos verificar um total de 1.948 animais
equinos (cavalos, éguas, potros), que representando um aumento dessa produção de animais
entre os anos de 1856 a 1879, ampliando a economia local e deixando perceber a variação entre
a produção de animais que ocorreu no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana. Essa produção tende
a crescer em proporções e valores, visto que o deslocamento e transporte, a manutenção do
exército e além da lida direta com o gado, era através do cavalo toda a mobilidade, daí a
importância desses animais.
A partir do ano de 1865 tivemos um aumento substancial na produção de animais
equinos chegando a 241 animais, posteriormente, nos anos seguintes alguns períodos de
oscilação na produção tendo variações percentuais, mas mantendo o processo produtivo. Para
o ano de 1876, uma elevação substancial que chegou a 627 animais entre (cavalos, éguas,
potros). Se compararmos o total dessa produção entre as duas tabelas (9 e 10), chegamos a um
incremento de 490 animais cavalares, do segundo período em relação ao primeiro período
(tabela 9 e 10).
107
148
Burro é o nome dado ao filhote macho do cruzamento entre o jumento, também chamado de asno ou jegue
(Equus asinus), com a égua, ou cavalo fêmea (Equus caballus). Quando se trata de uma fêmea resultante desse
cruzamento, falamos em mula, que pertence à família dos Equidae e do gênero Equus.
https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/biologia/burro.htm. Acesso em 28/07/2018.
108
no Rio Grande do Sul, já aparecem desde o século XVII com os Jesuítas. Os produtores desses
animais se tornaram fornecedores que lucraram muito com esse comércio, além do que,
posteriormente, a descoberta de metais e pedras preciosas nas Minas Gerais favoreceu o
comércio desses animais. Por seu uso ter sido intenso, foi dedicado um espaço para tais animais,
que fizeram parte do processo econômico já estabelecido no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
Somados os períodos da tabela 12, temos um total de 310 animais, que chegam a um
montante de £287,56 libras. Se compararmos os animais equinos que somam no mesmo período
729 animais com os 310 muares, chegamos a uma diferença 419 animais, o que favorece a
produção equina. Esses números demonstram que mesmo tendo uma produção menor de
muares, o valor unitário de um muar é superior à de um cavalar, chegando o muar ao custo de
£0,92 libras esterlinas, enquanto o cavalar custa no mesmo período £0,58 libras esterlinas, entre
1856 a 1869.
Esses números são somente uma base para percebermos como foram se estabelecendo
as relações econômicas e suas características dentro do processo de ocupações e utilização da
terra do Vale do Rio dos Sinos – Paranhana. Os resultados em outras proporções serão expostos
no final dessa amostragem, buscando dar a dimensão da economia animal local.
109
Na tabela 13, que compreendem os anos de 1870 a 1879, o ano de maior produção de
muares foi 1876, com produção de 169 animais, decaindo nos anos seguintes, embora fechando
esse período com uma quantidade declinante na produção de muares, se percebe um aumento
numerário em valores monetários chegando a £635,15 libras esterlinas, tendo uma diferença de
£347,59 libras esterlinas a mais em comparação com a tabela 12.
Na tabela 14, que compreende os anos de 1880 a 1888, podemos perceber um aumento
significativo no ano de 1880 em comparação aos anos anteriores com um aumento na produção
muar com 495 animais no total dos anos compreendidos, além do um valor total do período de
£807,46 libras esterlinas, com um custo médio unitário de £1,63 libras. Em comparativo,
somente entre muares e equinos do mesmo período, não sendo computados todos os animais
que fazem parte desses dois grupos, chegamos a um valor unitário de um equino de £1,37 libra
110
esterlina, a diferença é de £0,26 libras a mais para os muares. Assim, então, chegamos a um
total de 1.190 animais muares com um valor de £1.730,17 libras.
A valorização dos animais muares nesta amostra, onde aparecem com valores
superiores à dos outros animais, depende muito das quantidades encontradas nos inventários.
Assim, os números demonstram que cada inventário possui sua caraterística única, especificada
pelos tabeliões e avaliadores dos bens dos inventariados.
Para finalizar a economia a partir dos animais, fizemos uma amostragem sobre animais
oviários. Esses computam ovelhas que também fazem parte da criação pecuária da região,
atendendo as necessidades de subsistência e venda desses animais, assim como o gado vacum,
equinos e muares.
A amostra construída, conforme a tabela 15, também está dentro do mesmo método
apresentado anteriormente, buscamos estabelecer um padrão de compreensão formando uma
única amostra que compreende o período de 1856 a 1888, mas, para essa tabela partimos de
1863, e chegamos a um total de 847 animais. O montante monetário refere £95,33 libras
esterlinas sobre a produção de oviários.
Esse montante de 847 animais oviários custa o preço unitário £0,11 libras. Nossa
pesquisa não se finda exclusivamente na economia da criação de animais, mas também na
111
Gráfico - 01
149
NEVES, H. A. P. A criação de ovinos e o comércio de lã no Rio Grande do Sul (1851-1889). BIBLOS - Revista
do Instituto de Ciências Humanas e da Informação, v. 4, p. 55-61, 1992. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/23455>. Acesso em: 07 jan. 2020.
112
Com o levantamento feito a partir dos inventários post mortem entre 1856 a 1888,
percebemos que os animais tiveram sua importância em grande escala na economia da Fazenda
Mundo Novo, e os valores unitários representam como foi se desenhando a economia local, o
maior valor unitário foi dos muares. Isso significa que sua produção era de importância para o
comércio local e de exportação para o Império, já que eram esses animais que carregavam as
riquezas produzidas em todo o processo ocupacional desde a Colônia ao Império.
Não pretendemos aqui classificar o comércio muar como sendo o mais lucrativo e
importante, mas colocá-lo nesse momento como sendo de suma importância e necessária sua
produção para o transporte de mercadorias em longas distâncias. As quantidades encontradas
não se equiparam com as mesmas do gado vacum, com isso podemos prever que o comércio
muar foi durante muito tempo exercido por seu valor econômico e produzido pelos pequenos
proprietários rurais em sua maioria.
Gráfico - 02
Animais de 1856 a 1888
5% 3%
19.771 - vacuns
14%
3.559 - cavalares
1.190 - muares
847 - ovínios
78% Total de 25.367 animais
Diante da realidade que se expressa nas questões econômicas da região do Vale do Rio
dos Sinos – Paranhana, entre 1856 a 1888, e compreendendo que a quantidade de animais
encontrados valoriza nossa pesquisa, o gráfico acima nos mostra algumas proporções que
legitima nossa análise. Com a incorporação do gado vacum, como agente gestor do setor
econômico nessas terras, chegamos a um total de quase 20 mil cabeças desses animais,
representando 78% da produção pecuarista da região, sendo seguido com 14% da criação de
animais cavalares, 5% de animais muares e 3% de animais ovinos, que fizeram parte da
economia imperial brasileira, estando situados na Fazenda Mundo Novo, no Vale do Rio dos
Sinos – Paranhana.
Isso nos remete a pensar como foi utilizada a mão-de-obra escravizada dentro desse
processo de produção, embora que o negro escravo tivesse trabalhado em diversas frentes, é
evidenciado que sua participação nesse contexto de produção foi em proporções altas, visto que
113
os inventários deixam transparecer esses indivíduos como bens desses senhores produtores,
junto com seus animais, com isso valorizamos ainda mais a presença cativa no Vale do Rio dos
Sinos – Paranhana.
Um processo econômico só acontece quando existe a participação humana para
conduzir, direcionar e promover sua estrutura de produção e administrativa, que designa um
valor a ser estabelecido ao produto produzido. Dentro desse contexto econômico, não podemos
deixar de citar a mão-de-obra utilizada como motor produtivo do desenvolvimento de uma
determinada região. A utilização do negro em cativeiro tem grande expressão local, a
quantidade de africanos e afro-brasileiros escravizados no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana
no período de 1856 a 1888 foi de grande rotatividade, cativos sendo utilizados em várias frentes,
tanto na agricultura como na lida com os animais comercializáveis.
Segundo Marcelo Matheus, “a migração de luso-brasileiros para uma fronteira agrária
aberta, assentada na apropriação de terras, nas quais foi empregada, fundamentalmente, a mão-
de-obra cativa. Na campanha sul-riograndense [e no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana] não
foi diferente [grifo nosso] (MATHEUS. 2016. p, 131). 150
Assim, como em todo o Rio Grande do Sul, a empreitada de ocupação territorial por
portugueses acarretou também a incorporação de mão-de-obra escravizada, e essa favoreceu o
enriquecimento local colonial e o regional imperial, mantendo as bases da produção
agropecuarista em todos os lugares de ocupação territorial.
A partir dos 116 inventários post mortem localizados para esse período de pesquisa,
além da quantidade de animais encontrados, grandes propriedades com campos de pastagens e
roças, encontramos um montante de 405 cativos, isso significa que a economia local beneficiou
os latifundiários, possibilitando a compra de cativos para o trabalho e aumentando suas
fortunas.
Também podemos mencionar que, além do favorecimento que a região proporcionava
por ser uma rota de Tropeirismo, as facilidades de acesso pelo rio dos Sinos e fatores climáticos
possibilitaram a produção local se desenvolver, patrocinando, com isso, o abastecimento de
outros centros regionais como Santo Antônio da Patrulha e Porto Alegre. Assim, a utilização
de mão-de-obra era necessária e a incorporação do africano escravizado também passou a ser
“um algo comum”, começando a fazer parte do cotidiano desses ocupantes portugueses e
germânicos nessas terras.
150
MATHEUS, Marcelo Santos. A produção da diferença: escravidão e desigualdade social ao sul do Império
brasileiro (Bagé, c. 1820-1870). 2016. 418 f. Tese (Doutorado em História), Instituto de História, Universidade
Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em História Social. Rio de Janeiro, 2016.
114
Para essa primeira tabela sobre os cativos apresentamos como entrada na região 79
indivíduos escravizados entre 1856 a 1869, e, esses somam um montante de £3.738,37 libras
esterlinas no total do período. Nos anos de 1863, 1865, 1866 e 1869, tivemos uma amostra em
maior quantidade, tendo uma variação no preço final de cada cativo de acordo com a variação
115
do valor do pence inglês para os anos expostos.151 A partir desses montantes podemos verificar
a média do custo de cada cativo para cada ano utilizado, por exemplo: para o período
exemplificado, o custo unitário de uma cativo era de £47,32 libras esterlinas que na conversão
para o real atual, o custo ficaria em torno de R$232,34 reais,152 mas para não ficar redundante
esse entendimento vamos dar continuidade ao nosso juízo buscando perceber o que se
diferencia entre os bens arrolados nos inventários e legitimando a utilização de cativos como
mão-de-obra.
Nossa análise tem por objetivo, a partir dos inventariados, apresentar a presença do
negro escravizado na região, e isso se justifica pela legitimação da utilização de mão-de-obra
cativa. Assim, podemos verificar que o montante de valores utilizados na compra de mão de
obra escravizada fez parte do desenvolvimento econômico dessa região, onde, para esse período
temporal, que foi estabelecido com a quantidade de 79 cativos e um montante de £3.738,37
libras esterlinas, é possível construir uma amostra que referencia os valores unitários de cada
cativo por ano significando assim, a facilidade de converter em outra moeda o custo médio de
um escravizado nesse período como exemplificado na tabela 17 abaixo, no período de 1856 a
1869.
Como podemos constatar, para os anos de 1856 a 1869 temos um valor médio de
£47,32 libras para cada cativo, que somam um total de 79 indivíduos. Somando os rebanhos
desses senhores, chegamos a um montante de 3.646 animais diversos, distribuídos para esses
151
MATTOSO, Katia M. de Queirós. Ser Escravo no Brasil: Séculos XVI-XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. A
autora fez um levantamento sobre o valor do pence inglês para cada ano, servindo como índice referencial para
calcular e converter valores em réis para libra partindo de 1808 a 1889, colocando referências de valores para
cada ano, assim quando se utiliza tais valores podemos transformar os valores de réis para libras, esse referencial
se encontra na página 275 de sua obra.
152
Valor de uma libra em 24/11/18, R$ 4,91 - https://www.melhorcambio.com/libra-hoje - acesso em 24/11/2018.
116
cativos (claro que temos que levar em conta as proporções, mas essa hipótese é meramente uma
ilustração que reflete a importância dos cativos como trabalhadores e mercadorias, para a época,
com valores estimados), teríamos uma média de 46,15 animais para cada cativo cuidar. Nos
anos seguintes, a tendência é aumentar essas proporções.
Com o desenvolvimento da região, também foi se ampliando as necessidades
produtivas. Com isso, igualmente, se ampliou a necessidade de mão-de-obra para suplantar as
exigências demográficas que, consequentemente, exige mais produtividade, assim o incremento
do cativo africano e afro-brasileiro fez parte desse processo. Na tabela 18, buscamos perceber
esse aumento em comparação aos anos anteriores já expostos.
Na tabela 18 podemos verificar que aumentou a entrada de cativos no Vale do Rio dos
Sinos – Paranhana. O ano de 1876 é o ano recordista para essa amostra, aqui podemos verificar
que esse aumento também tem por base o poder de aquisição desses senhores, assim, tentamos
verificar o que motivou essas aquisições para esse período, que em comparação à outra amostra
(Tabela 17) teve um aumento de 67,08% de cativos.
Francisco de Paula Feijó, 1874, possuía uma fazenda e onze escravos, mais uma
sesmaria de campo, sua produção estava baseada na criação de gado e agricultura,
principalmente a mandioca, que era processada, consumida e comercializada nas redondezas e
cidades vizinhas, como Santo Antônio da Patrulha e Porto Alegre. Belmira Pacheco de
Andrade, 1874, era possuidora de seis cativos, além de campos em dois lugares diferentes, sua
produção também se baseava na criação de animais e roças de subsistência. José de Freitas
117
Noronha, 1874, era pai de oito filhos, possuía uma sesmaria de campos com matos e sua
produção também se dedicava as criação de animais e agricultura de subsistência.153
Como podemos perceber, esses três inventários somam 32 cativos, além dos animais
de criação, que eram a base da produção local, a agricultura também fazia parte desse processo,
assim a necessidade de mão-de-obra era visível, e o cativo foi o grande produtor dessas riquezas
que se estabeleceram, inteirando um movimento de desenvolvimento e exploração. Ou seja, o
desenvolvimento para seus senhores através de seu trabalho compulsório e vivendo em
cativeiro, além da exploração de todos os elementos possíveis, partindo da privação da
liberdade e o não reconhecimento da bibliografia local, como sendo esses trabalhadores,
também os desbravadores e ‘heróis’ desse processo de legitimação de fronteira e
desenvolvimento econômico no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, junto com os colonizadores
portugueses e germânicos.
Para os anos de 1870 a 1879, chegamos a um montante de 132 cativos com um preço
médio por cativo de £45,81 libras esterlinas. Em relação aos valores totais, percebemos um
aumento em comparação com a tabela 17, que soma o valor de £3.738,37 libras esterlinas e a
tabela 19, soma o valor de £6.048,06 libras esterlinas. Chegamos a 61,78% de aumento
econômico somente com a compra de cativos para o trabalho.
A quantidade de animais desse período soma 9.531 animais diversos, com isso
podemos pensar na necessidade de mão-de-obra para dar conta de todo o trabalho, visto que
153
Inventário Francisco de Paula Feijo – Cartório de Órfãos, Taquara, nº 41, maço 2, est 39 e/c, 1874 – APERS.
Inventário Belmira Pacheco de Andrade – Cartório de Órfãos, Taquara, nº 39, maço 2, est 152, 1874 – APERS.
Inventário José de Freitas Noronha – Cartório de Órfãos, Taquara, nº 45, maço 3, est 152, 1874 – APERS.
118
154
Os valores apresentados estão computados nas tabelas elaboradas a partir das análises dos inventários post
mortem que foram analisados. Os mesmos encontram-se no Arquivo Público de Porto Alegre – APERS.
155
O documento de Francisco de Paula Feijó está ilegível em algumas partes.
119
Na tabela 20, podemos notar que houve um aumento de cativos durante 1880 a 1887,
chegando a 194 indivíduos em cativeiro. Isso denota que com o aumento da produção, também
a necessidade de mão-de-obra aumentou, o que acarretou, cada vez mais, no enriquecimento
desses senhores. Como se percebe, o ano de 1882 aparece com quarenta e dois cativos em
comparação para 1880 que possuí 41, mas no preço individual sofre diferença de valores, visto
que já estavam bem adiantadas as questões de emancipações abolicionistas.156
Como foi apresentado aqui, também vamos citar alguns dos senhores que compuseram
esse período da tabela 20, visando perceber quem eram esses investidores e proprietários que
movimentaram a economia local e que, de alguma maneira, estabilizaram as bases da sociedade
que se formou, também foram mentores da inserção do cativo como mão-de-obra na região.
Francisco Pacheco de Paula Machado, 1880, possuía a fazenda do Ilheos, recebida de
herança de seus pais, tinha oito cativos e muitos campos e matos na localidade de Pinhal e
também na Serra Geral, próximo da linha Santa Maria, que nos remete para uma produção de
animais de cria e transporte, favorecendo a manutenção do Tropeirismo e outros negócios.157
156
Ver mais sobre emancipações abolicionistas em FRAGA, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de
escravos e libertos na Bahia (1870-1910). 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. COSTA, Emília
Viotti da. Da Senzala à Colônia. 5ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
157
Inventário de Francisco Pacheco de Paula Machado – Cartório de Órfãos, Taquara, nº 9, maço 1, est 39 e, 1880
– APERS.
120
José Ignácio da Silva Ourives, 1880, era dono da Fazenda da Taipa que se constituía
de muitos campos além de sete escravos, animais domésticos e gado vacum, sua economia está
relacionada com a criação de animais, visto que possuía campos para desenvolver a pecuária.158
Nesse mesmo contexto, o senhor Manoel Silveira de Aguiar, 1880, possuía campos e matos
arrendados na fazenda Capão do Alto, também oito escravos e criação de animais diversos.
Constituía uma parte da elite local, já que suas posses, além de serem físicas, também eram
humanas e isso corroborava para certo status social.159
José Martins Pires, 1882,160 era um grande escravista da região, possuía vinte e dois
cativos, sendo a maior escravaria encontrada nos documentos até o momento. Era dono da
Fazenda Morro do Leão, com uma área de 6.054,840 metros quadrados de terra de matos e
pinheiros e cultivados, fazia divisa ao sul com a fazenda Conceição do Funil. Possuía ainda
uma atafona com depósito para a farinha, um engenho, também era proprietário de uma casa
no bairro Bom Fim em Porto Alegre. Podemos pensar que José Martins Pires era um grande
comerciante de farinha de mandioca, sua criação de animais estava voltada mais para
subsistência que para o comércio, seus cativos trabalhavam na roça e na produção de farinha,
assim, esse senhor se tornou o maior escravocrata da região na nossa pesquisa.
Como podemos perceber, a importância da mão-de-obra cativa local foi de grande
valia e determinante para o desenvolvimento regional, a economia passou diretamente pelo
africano e afro-brasileiro, seu trabalho tem uma importância que deve ser retirado da
invisibilidade, valorizado e contextualizado historicamente para fazer parte da historiografia
como mais um desbravador das terras ainda não ocupadas, mesmo que sua permanência nelas
tenha sido forçosa, privada ou acorrentada a um sistema que descaracterizava sua existência.
Essa valorização deve constar nas páginas da história como sendo o cativo um agente construtor
de sua história, de sua realidade, que fomentou a economia e o enriquecimento da sociedade
que se constituiu durante o século XIX no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
Para fomentar a curiosidade dos valores que cada cativo custava durante o século XIX,
na região onde se localiza o Vale do Rio dos Sinos - Paranhana, elaboramos uma amostra que
visa auxiliar na dimensão da posse de um cativo. A tabela 21, está formatada dentro de um
custo médio para cada indivíduo, que somados fecham com os valores expostos.
158
Inventário de José Ignácio da Silva Ourives – Cartório de Órfãos, Taquara, nº 10, maço 1, est 39 e, 1880 –
APERS.
159
Inventários de Manoel Silveira de Aguiar – Cartório de Órfãos, Taquara, nº 11, maço 1, est. 39 e, 1880 –
APERS.
160
Inventário de José Martins Pires – Cartório de Órfãos, Taquara, nº 115, maço 6, est 39 e, 1882 – APERS.
121
dos Sinos – Paranhana? A partir das amostras que nos propiciaram um panorama por décadas
da presença dos africanos e afro-brasileiros, além dos valores dos cativos, podemos perceber
um grande fluxo dessas “mercadorias” durante 1856 a 1888.
Em um momento em que estamos caminhando para o final do escravismo no Brasil, e
que a população escravizada diminuía em função do tráfico intraprovincial, no Vale do Rio dos
Sinos – Paranhana o escravismo ainda é constante e apontam para a manutenção, mantendo as
escravarias um certo “crescimento de escravizados”. Mesmo que a lei de 1850 (Eusébio de
Queiroz) e, posteriormente, a lei do Ventre Livre, 1871, tenha ditado que o escravismo chegava
ao seu fim, que a elite do Rio Grande do Sul estava fadada a perder suas “peças” de
trabalhadores, o escravismo se mantinha na região. “Enquanto a primeira Lei anunciava que a
diminuição da mão-de-obra nas próximas décadas seria questão de tempo, a segunda deu a
certeza de que este processo se aceleraria cada vez mais” (VARGAS, 2013, p. 222).161
Verificando o Censo de 1872, encontramos 366 escravos entre homens e mulheres, em
comparação com nossa pesquisa, que durante o período exposto encontramos 405 escravos
entre homens e mulheres, a diferença é de 39 escravos. Aqui não estão computados os escravos
encontrados nos batismos, somente o que foi pesquisado nos inventários post mortem, assim,
nosso número de escravos em comparação ao Censo Imperial aumenta consideravelmente como
veremos mais adiante.162
Segundo Jonas Vargas:
161
VARGAS, Jonas Moreira. Pelas Margens do Atlântico: um estudo sobre elites locais e regionais no Brasil a
partir das famílias proprietárias de charqueadas em Pelotas, Rio Grande do Sul (século XIX). Tese (Doutorado
em História), Instituto de História. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em
História Social. Rio de Janeiro, 2013.
162
CENSO DE 1872 liv25477_v11_rs. Recenciamento Demográfico Imperial. Disponível em
http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo. Acesso 28/09/2017.
163
VARGAS, Jonas Moreira. Pelas Margens do Atlântico: um estudo sobre elites locais e regionais no Brasil a
partir das famílias proprietárias de charqueadas em Pelotas, Rio Grande do Sul (século XIX). Tese (Doutorado
em História), Instituto de História. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-Graduação em
História Social. Rio de Janeiro, 2013.
123
Assim nossa suposição estava certa, o Censo de 1871 referente a Santa Cristina do
Pinhal, que representa a região de estudo, apresenta uma inferioridade de escravos que
encontramos nas fontes, com isso nossa pesquisa se legitima ampliando o entendimento de que
até o final do escravismo em 1888, a exploração foi intensa na região e que a desvalorização
dos afro-brasileiros esteve presente até as últimas horas de conseguir a liberdade.164
Essa intensa movimentação econômica coloca a Fazenda Mundo Novo como uma
região onde o escravismo foi muito ativo, caracterizando e legitimando o sistema escravista e
o poder econômico da sociedade que se constituiu.
Segundo Katia Mattoso:
164
Ver mais sobre o tráfico intraprovincial em: ARAUJO, Thiago Leitão. Desafiando a escravidão: fugitivos e
insurgentes negros e a política da liberdade nas fronteiras do Rio da Prata (Brasil e Uruguai, 1842-1865). Tese
(Doutorado em História), Instituto de Filosofia e Ciências Humana. Universidade Estadual de Campinas –
Programa de Pós-Graduação em História Social. São Paulo, 2016. FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Confins
Meridionais: famílias de elite e sociedade agrária na Fronteira Sul do Brasil (1825-1865). Tese (Doutorado em
História), Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro – Programa de Pós-
Graduação em História Social. Rio de Janeiro, 2007.
165
MATTOSO, Katia M. de Queirós. Ser Escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
124
CAPÍTULO
III
envolta com relações comerciais de compra e venda. Para outros, seria inteiramente diluível na
economia e consistiria em compor uma das três etapas na história da exploração do homem
entre o fim da sociedade primitiva, a sociedade igualitária e início da sociedade individualista,
segundo Olivier Pétré-Grenouilleau.
Se pensarmos a escravidão somente em uma questão econômica estaríamos reduzindo
e plastificando a capacidade de conceituar o que realmente significa ser escravo. Em uma
questão macro de produção com mão-de-obra escravizada, a percepção da quantidade dos
escravos que não trabalhavam, ou que se negavam a fazer o serviço, ou até mesmo os que
fugiam, faz parte de um percentual de pessoas que, em muitas vezes, não são aptas para o
trabalho, em alguns casos podemos contabilizar crianças e idosos.
Nas pequenas propriedades, onde pequenos grupos de escravos viviam, não podemos
reduzir o termo escravo à economia somente, visto que se seu senhor dependesse
exclusivamente do serviço cativo, ambos passariam necessidades em todos os sentidos.
Segundo Olivier Pétré-Grenouilleau, citando Adam Smith: “[...], a escravidão não poderia ser
explicada unicamente (nem mesmo principalmente) por argumentos econômicos. Para
compreendermos a existência da escravidão, teríamos de nos remeter às paixões mais extremas
do homem e à sua vontade de dominar” (PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, 2009, p. 17).166
Como se sabe, em muitos casos, escravos alforriados passaram a ser senhores
escravagistas, poderíamos dizer que em situação oposta à liberdade, foi criada uma imagem a
partir do entendimento de que a escravidão ofereceria uma ascensão social e prestígio, mesmo
que já estivessem presenciadas tais brutalidades dentro do sistema escravocrata, mesmo assim,
a deturpação do termo se refaz através das possibilidades econômicas, ou seja, o termo fica
reduzido novamente à economia.
Pensando nesse contexto de liberdade, essa não se justificava para os escravos, visto
que não eram eles que conseguiam a liberdade, mas seu senhor é que decidia, e os cativos
estavam literalmente nas mãos desses homens que poderiam, ou não, escrever um documento
dizendo que os trabalhadores escravizados eram “livres”. Interessante pensar que o escravo
nunca foi livre, mesmo posteriormente à abolição, pois foi das mãos da princesa Isabel que foi
assinado o documento que dizia que os escravos estavam livres, assim até a atualidade, os
africanos, afro-brasileiros e seus descendentes ainda sofrem com essa situação sobre “ser
Livre”, com isso podemos dizer que a escravidão é muito mais ampla em sua estrutura que
imaginamos quando menosprezamos o que é ser escravo.
166
PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, Olivier. A História da Escravidão. São Paulo: Boitempo, 2009.
128
Se o escravizado se torna “livre”, mas a liberdade foi dada pelo homem livre, o termo
escravo, novamente, faz sentido, via a imagem criada por ele próprio, no caso estar sujeito ao
outro para ficar livre, já que o conceito de escravo transcende a antiguidade histórica, pois são
determinantes os conceitos sobre o escravismo. Em cada sociedade o conceito muda em
detrimento da necessidade ou função que cada sujeito restrito de liberdade ocupava na
sociedade. Assim se pensarmos em grandes impérios, como os Persa ou Babilônico, teremos
conceitos diferentes sobre o termo escravo e ainda, se considerarmos os gregos e romanos,
outros conceitos contextualizados por essas sociedades se farão presentes.
Definir um conceito categórico sobre o que é ser escravo também passa por
argumentos que se situam através das legitimações que geram exploração e subjuga a
capacidade humana de interpretar sua vida, assim em muitos casos mundo afora, o termo
escravo teve diversos conceitos reducionistas que colocaram a capacidade do homem e a sua
razão à prova sobre a privação da liberdade, também em comum acordo a vontade natural da
sobrevivência, visto que o poder de poucos não pode ser comparado às necessidades de muitos.
Todos os escravagistas europeus foram iguais? Dependendo da necessidade de se
encontrar um conceito que nos favoreçam condições de entendermos o que é ser escravo, seria
interessante verificarmos se os europeus, em um sentido literal, foram, ou melhor, utilizaram o
mesmo sistema de escravização em todas as colônias no mundo, visto que o contexto que se
apresentou durante a colonização também levou a determinar quais métodos de escravidão
deveriam ser aplicados. Por exemplo, a escravização do índio pelo europeu teve algumas
características diferentes da escravização africana?
167
LOVEJOY, Paul E. A Escravidão na África: uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002. Ver também: MEILLASOUX, Claude. Antropologia da Escravidão: o ventre de ferro e dinheiro.
Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
129
168
Idem.
169
ASSMANN, Aleida. Espaços da Memória: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Ed.
Unicamp, 2011.
130
170
Idem.
131
estranho e passa ser o ex-cativo alforriado, dono de si próprio e também um senhor de escravo,
dando a entender que agora também faz parte do meio social e está inserido em outro lugar na
sociedade.
Assim, nessa tentativa de elaborar um conceito palpável sobre o que significa a
escravidão, já sabemos que ela não é algo natural, mas está de acordo com as necessidades –
no caso do processo de colonização do Brasil –, da Coroa portuguesa. Sabemos que a escravidão
é um movimento de exclusão, exploração contínua e usurpação da liberdade do homem, no
nosso caso específico, o homem africano. Dentro de toda essa investida de conceituar o que é
o termo escravidão, chegamos no que diz, Olivier Pétré-Grenouilleau:
Agora sabemos o que a escravidão não é. Ela não é ‘natural’. Também não é
inteiramente diluível na economia e na ideia de exploração. Más condições de vida
não bastam para transformar alguém em escravo. A escravidão não corresponde a um
sistema de produção determinado. Os escravos trabalhavam nas minas, foram
preceptores dos filhos de seus ‘senhores’, cocheiros e cozinheiros. Houve escravos
tanto na economia antiga como na época medieval, no capitalismo comercial e na
época Industrial. E ainda hoje, no nosso mundo dito pós-industrial, existe escravidão.
Afinal, o que reafirma essa ideia de escravidão? É possível definir a escravidão?
Talvez, mas desde que se recorra a um pequeno número de fatores – e não a um só –
e se aceite a ideia de que às vezes esses fatores se combinam de maneiras diferentes,
em função do lugar e da época (PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, 2009, p. 38-39). 171
É esse tempo e lugar que buscamos valorizar no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana,
na tentativa de elucidar o sentido de escravidão nessa região, visualizando as relações entre
senhores e escravos que se consumaram durante nossa pesquisa e análise, já que tivemos uma
colonização portuguesa, e, conseguinte, a colonização alemã. Em nosso entendimento, achamos
que sucedeu um choque de culturas nas relações sociais entre portugueses proprietários de
escravos, os próprios escravos e os colonos alemães quando passaram a ser senhores
escravagistas.
Se pensarmos o cativo como ‘estranho’ na sociedade em que foi inserido, também
avaliando que, na grande maioria desses, muitos já tinham se habituado aos modos portugueses,
e quando das relações entre os colonos alemães, esse ‘estranho’ passou a ser ainda mais
invisível dentro da sociedade, com outra cultura, outros costumes, outros senhores, a estranheza
passou a fazer, ainda mais, parte desse contexto para os escravos, a adaptação entre senhores
foi ainda mais dificultosa. Esta estranheza centra-se na inserção do grupo social ao qual esse
indivíduo vai fazer parte e se adaptar ou não, causando conflitos futuros.
171
Idem.
132
Contudo, o escravo não deixa de ser escravo, mas ele é um homem útil para o senhor,
somente o que muda é sua condição nas questões de conquistas, ocupações territoriais, no
trabalho diário, nas relações sexuais extraconjugais e principalmente na comercialização e
poder econômico local e regional. Para o senhor, o reconhecimento do homem com o poder
sobre o outro homem, o valor da superioridade humana sobre o humano, isso fica explícito nas
relações de poder de compra, no poder de barganha e nas tentativas de resistência cativa.
Verificando o direito constitucional estabelecido durante a colonização e,
posteriormente, o império brasileiro, nos deparamos com alguns fatos relevantes de serem
apresentados, visto que a escravização no Brasil estava regulamentada dentro dos preceitos
172
Idem
133
legais vinculados às ordenações Reais implantadas nas colônias portuguesas em todo o mundo.
“A escravidão, muitas vezes, é enxergada apenas como um fenômeno fático, percebido sob
nuances sociológicos ou relações econômicas, que simplesmente existia no Brasil do século
XIX e que foi extinto por meio da Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888” (CAMPELLO, 2010,
p. 12).173 Isso não se resume apenas em uma escravização de pessoas africanas no Brasil
chegando ao seu final em 1888, ela se define como severa e cruel quando está regulamentada
constitucionalmente em leis que vigoraram durante o escravismo brasileiro.
Por isso, talvez, seja difícil de encontrarmos um conceito sobre o que é o escravismo.
Em todos os lugares e sociedades a escravidão se fez presente, com especificidades únicas para
cada lugar, com definições próprias de acordo com o contexto sócio-histórico-cultural, também
com particularidades que se somaram em detrimento da privação da liberdade; com isso, tais
elementos formam “conceitos diversos” sobre o tema.
André Campello (2010) analisando como foram se constituindo as ideias liberais no
Brasil para a construção da Constituição de 1824, onde busca exemplificar como se instituiam
as leis que favoreceram e legitimaram o escravismo no Império Brasileiro. É importante
perceber que a Independência do Brasil não rompeu as bases do reino português, cujo
entendimento liberal do trabalho forçado, da exclusão e da inserção social dos escravizados
causou uma contradição e feito contrário à proposta de Independência.174
Como a Independência não foi um processo com a participação popular e sim apoiada
pela elite comercial e canavieira, sua efetividade não deu a principal resposta aos que mais
precisavam. O escravismo não foi rompido, com isso não houve uma independência, mas uma
acomodação de interesses e uma divisão do reino português, ficando um estrangeiro no
comando da antiga colônia, agora um novo país, com um Imperador Português.
O texto da Carta Magna de 1824 foi tão atroz ao ponto de classificar e rejeitar as
questões escravistas nos termos da liberdade constitucionalizada, através das medidas legais
que foram tomadas sobre (o livre-arbítrio - alforrias) a população liberta e da população que
esteve mantida em cativeiro. O ponto central sobre esse tema declara espontaneamente uma
população de africanos e afro-brasileiros, majoritariamente excluída do meio social como diz o
artigo 94 da constituição de 1824:
173
CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. A Escravidão no Império do Brasil: perspectivas jurídicas.
André Emmanuel Batista Barreto Campello – 1. ed. ISBN 978-0-557-67298-1. 2010.
174
Para o entendimento das discussões entre liberalismo e escravidão ver: SCHWARCZ, Roberto. As Ideias Estão
Fora do Lugar. CEBRAP, 3: Jan 1973. FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. As Ideias Estão Fora do Lugar.
Caderno de Debate, São Paulo – Brasiliense, 1976.
134
Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros
dos Conselhos de Província todos, os que podem votar na Assembléia Parochial.
Exceptuam-se: I. Os que não tiverem de renda liquida anual duzentos mil réis por
bens de raiz, indústria, comercio ou emprego. II. Os Libertos (CAMPELLO, 2010, p.
20). 175
Nesse caso específico, a Charta Imperial já define outro modo de ‘separação’ social,
sendo esse vetando o direito da inserção dos libertos alforriados a fazerem parte do meio social
brasileiro, com isso poderíamos pensar que estes libertos não tiveram a chance de realmente
estarem em um patamar social aceito pela população branca, tornando-se cada vez mais
‘estranho’ na sociedade brasileira. Assim, a própria legislação reduz o liberto a um cidadão de
segunda classe como consta no Art. 94, §2º.
Há contradição no texto da Charta Imperial, no Art. 179, XIV, dizendo que todo o
cidadão tem o direito de fazer parte dos processos de preenchimento aos cargos públicos, já
que, se o liberto era livre, seria um cidadão e por isso não poderia ser vetada a sua participação
a esses cargos, mas algumas restrições foram expostas: “‘XIV. Todo o cidadão pode ser
admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja
dos seus talentos, e virtudes’” (CAMPELLO, 2010, p. 19).176 Um empecilho fica explicito no
texto: “talentos e virtudes”.
Se o africano e afro-brasileiro foi restringido de cultuar a liberdade em terra estranha,
mesmo quando conseguiu a liberdade foi rejeitado pelo meio social, como seria admitido a sua
capacidade de ser reconhecido em seus talentos e virtudes, se o próprio texto da Carta Magana
não faz menção à sua valorização, pelo contrário, exclui as possibilidades do reconhecimento
desses indivíduos como seres humanos e os classifica como segunda classe de humanos? Fica
difícil compor um conceito que refere o significado do termo escravidão.
Mas essas ações de regulamentar e colocar o afrodescendente americano em segundo
lugar no meio social não está vinculado exclusivamente ao Brasil, mas em todas as possessões
coloniais no Continente Americano. Um código que foi amplo e politicamente utilizado nas
colônias americanas, francesas e inglesas foi o “Código Negro”, esse demarcava uma forte
segregação que definia os direitos de brancos e negros nessas regiões.
Não podemos deixar de citar que esse Código Negro não era restrito somente aos
negros, mas também buscava regulamentar as relações entre os senhores e a Coroa, já que os
175
CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. A Escravidão no Império do Brasil: perspectivas jurídicas.
André Emmanuel Batista Barreto Campello – 1. ed. ISBN 978-0-557-67298-1. 2010. O texto da citação está escrito
de acordo com a grafia do documento.
176
Idem.
135
senhores não poderiam ter poderes ilimitados dentro do Absolutismo colonial, e no nosso caso,
agora Império Brasileiro, que ao mesmo tempo dava poder para as relações econômicas e
protegia o tráfico negreiro, além das relações religiosas que legitimavam todas as ações
aplicadas.
Outro fator amparado pelo Código Negro foi o aumento populacional colonial com
maior número de escravizados para uma parcela branca, com isso justificou-se a superioridade
branca e inferioridade negra classificada pela cor da pele, pela condição social e por sua
“incapacidade” produtiva intelectual. Contudo, a igreja restaurou, a partir desse código, a
formação e preservação da família, que viria a ser uma forma de resistir ao sistema por parte
dos africanos e afrodescendentes na América.
A base desses documentos reguladores está centrada no Direito Romano, esse também
serviu de base para Constituição de 1824, que trazia em seu texto a relação do status libertatis,
ou status do liberto que poderia ser revogado caso houvesse ingratidão do alforriado contra seu
alforriador, ou seja, os libertos no Brasil ainda estavam vinculados aos seus senhores, as suas
ações quando obtida a liberdade, alienados a um sistema complexo que os afastavam, em todos
os sentidos, do quadro social em toda a América.
Essa talvez seja a dificuldade de se montar um conceito para o termo escravidão,
acreditamos que somente será possível formarmos parâmetros de entendimento, dando
visibilidade a esses “estranhos”, pela complexidade que é a escravidão em todos os sentidos e
como foi sendo desenvolvida desde a antiguidade. Há uma grande necessidade de se retirar da
invisibilidade esses atores que de alguma forma estiveram vinculados ao sistema escravista, já
que a escravidão fez e ainda faz parte da sociedade mundial como um todo, colocando os
desfavorecidos em um mesmo patamar de inferioridade e exploração pelos países
desenvolvidos, mas que tiveram importância no desenvolvimento mundial com sua mão-de-
obra empregada forçosamente através de seus raptos da África em direção à Europa e América.
Dentro desse contexto, nossa intenção é traçar uma linha de pensamento que nos mova
em direção às fronteiras que foram construídas para dificultar a inserção do africano e afro-
brasileiro no meio social, como cidadão livre e com prerrogativas justificadas ao seu direito de
liberdade. Ao longo dos séculos, houve tantos tipos de escravidão, e com ela muitas pessoas
foram sucumbidas pelo poder exercido sobre elas, mas tudo não aconteceu de bom grado,
muitas fronteiras foram ultrapassadas, muitos caminhos foram abertos para as futuras gerações
de escravizados e libertos durante os anos de escravidão.
Em todo o continente americano e africano, o escravismo transformou e programou
uma vastidão de desumanização, transformando pessoas raptadas, em grande quantidade, em
136
mercadorias. Estas vislumbravam um comércio cada vez mais promissor para os traficantes,
para o enriquecimento dos grandes latifundiários e, também, para além de quem pudesse pagar
para obter um escravo.
Primeiro, por ser um negócio regulamentado pelas coroas escravistas e a possibilidade
de cada vez mais ampliar as divisas do mercantilismo, esses traficantes também tiveram
importante papel no processo da escravidão, pensando que o lucro de seu negócio deriva da
manutenção e preservação de suas mercadorias, visto que as perdas (casos de morte das peças
na travessia) eram tidas como prejuízos, sendo igual à qualquer manufatura, além da perda da
credibilidade perante seus compradores.
Em segundo, os consumidores dessas “mercadorias” também fomentaram o comércio
marítimo com suas produções de exportação e desenvolvimento interno na construção de vilas
e cidades com a utilização da mão-de-obra cativa, além dos que compravam um escravo para
adquirir status social, em meio à sociedade que cada vez mais se desenvolvia fundando sua base
no escravismo.
No território americano as marcas dessa utilização do cativeiro não se apagaram com
as medidas tomadas no processo de abolição que, ainda na atualidade, o não reconhecimento
dessa inferiorização, criada nos séculos passados, refletem nas dificuldades de entender como
foi construído um sistema complexo, de privação da liberdade que alienou e submeteu os
africanos a viveram em cativeiro, mesmo contra sua vontade e transcendeu para seus
descendentes essas amarras difíceis de serem rompidas para vislumbrar uma real liberdade.
Assim, na necessidade de ampliar os estudos sobre tais elementos construtivos e
representativos da valorização do africano e seus descendentes é que buscamos perceber como
as fronteiras da vida cotidiana foram ultrapassadas, nas relações de cativos e senhores, do
cativeiro e liberdade em locais onde o escravismo se fez presente, além de tentar averiguar as
estratégias que foram utilizadas para dar suporte ou talvez amenizar as questões impostas nas
senzalas e nas relações de trabalhos forçosos em todo seu âmbito de exploração.
No processo de valorização da memória de africanos e afro-brasileiros vividos nas
paragens sulinas, as fronteiras que foram ultrapassadas, as rejeições e os modos exploratórios,
as desclassificações por serem negros e escravos, são algumas das evidências que sabemos
sobre os maus tratos que a população escravizada no Brasil sofreu, sendo assim, nosso
entendimento para o escravismo se estabelece nos modelos ou tipo de resistências que foram
elaboradas contra o sistema escravista por parte dos que estavam em cativeiro.
137
Na ocupação das terras do Vale do Rio dos Sinos, além de São Leopoldo, em 1824,
em direção ao norte e ao leste, desde o século XVIII, já se encontram registros de deslocamentos
e ocupações de humanos nesses caminhos que levavam até Santo Antônio da Patrulha. No início
do século XIX, já se tem uma vasta rede de lugares com denominações e espaços geográficos
demarcados, seguindo da Aldeia dos Anjos (Gravataí) em direção a Itacolomy, Barro
Vermelho, Pinhal, Pinhal Costa da Serra e outros.
Com a venda da Fazenda Mundo Novo para Tristão José Monteiro (1846), foi fundada
a Colônia do Mundo Novo, localizada no lugarejo conhecido como Pinhal. Um ano depois da
fundação da Colônia Mundo Novo (1847), foi erguida a Capela de Santa Cristina do Pinhal,
ampliando o processo de ocupação e denominando esse lugar como Santa Cristina do Pinhal.
Assim, quando São Leopoldo se eleva à categoria de município, em 1846, as terras que hoje
formam o Vale do Paranhana e toda a região até a encosta da serra, passaram a pertencer a São
Leopoldo, ficando Santa Cristina do Pinhal como segundo distrito.
Em 1857, Santa Cristina do Pinhal é elevada a freguesia, desvinculando-se de São
Leopoldo e passando a pertencer a Porto Alegre com o registro de pertencimento à Aldeia dos
Anjos, como demonstra Dóris Rejane Fernandes:
Esses dados mostram mudanças administrativas: ora Santa Cristina pertence a Santo
Antônio da Patrulha, ora pertence a São Leopoldo, ora Porto Alegre. [...] este
‘movimento administrativo’, pertencendo de uma vila para a outra é típico da frente
de expansão, que está a abrir caminhos, permitindo a ocupação desse espaço por
outros grupos humanos. Cabe lembrar que esse espaço foi conquistado aos índios e
espanhóis, e que os nomes anteriormente indicados são de lusos/açorianos que, desde
os finais do século XVIII, estão ocupando terras. O pertencimento [de Santa Cristina
do Pinhal] a vilas diferentes, além de mostrar os vínculos, revelar movimentos por
proximidade e núcleos de atração, apontam os interesses transitórios estabelecidos.
[grifo nosso] (FERNANDES, 2008, p. 29-30).177
Por esse motivo que, no Censo Demográfico Imperial de 1872, aparece, para a região
da Fazendo Mundo Novo, Santa Cristina. No documento do Censo diz: “Quadro Geral da
População da Parochia de Santa Cristina do Pinhal”. Assim consta no documento, que declara
a densidade demográfica da Fazenda Mundo Novo.
Pelo exposto, a partir dos inventários post mortem, foi possível verificar que a
participação e presença africana e afro-brasileira aparecem com um número expressivo para a
177
FERNANDES, Dóris Rejane. Povoamento pioneiro das Terras do Mundo Novo. In: SOBRINHO, Paulo
Gilberto Mossmann; BARROSO, Véra Lucia Maciel. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008
138
região, deflagrando assim a curiosidade de saber como viveram essas pessoas em cativeiro,
privadas da sua liberdade nessas terras e, como se mantiveram as relações entre seus senhores
e seu cotidiano de labuta.
O trabalho de Renato Leite Marcondes (2002), que busca perceber, através da
propriedade de escravos, o crescimento vegetativo em Batatais no interior paulista, em 1875,
demonstra um levantamento demográfico partindo dos inventários post mortem, nesse
levantamento percebe-se que “[...] a vila de Batatais ainda apresentava como principal atividade
a criação de gado, conforme pudemos apurar com base nos inventários de proprietários
presentes na Classificação e nas informações do Almanak para a Província de São Paulo para
o ano de 1872” (MARCONDES, 2002, p. 03).178
Com isso, as escravarias, que Renato Leite encontrou em seu trabalho, apresentam
quase as mesmas caraterísticas e proporções da Fazenda Mundo Novo, ou seja, cativos
distribuídos em pequenas propriedades, dependendo do tipo de economia, para determinar a
quantidade de mão-de-obra utilizada, sendo ela livre ou cativa, assim demonstrando que tanto
em Batatais como na Fazenda Mundo Novo as especificidades eram parecidas e se
equiparavam.
O estudo realizado por Olgário Paulo Vogt e Roberto Radünz (2013)179, com o uso
adequado da análise feita nos inventários, contendo o cuidado necessário, transmite importantes
informações em suas páginas, como aspectos da vida cotidiana, da vida econômica, da vida
social e cultural de determinada sociedade. Avaliando “quantitativa” e “qualitativamente” os
bens materiais dos inventariados, e relacioná-los a uma escala de valor no tempo passado,
significa que a leitura foi perceptiva e interpretada para validar a análise.
Dessa maneira, nossa intenção, nesse primeiro momento, é demonstrar como foi
possível traçar uma metodologia para verificarmos quantos senhores possuíam bens diversos e
cativos. Com isso, conseguimos verificar também a presença de africanos e afro-brasileiros
trazidos para a região de Santa Cristina do Pinhal antes do período de análise 1856 – 1888, no
caso, utilizamos o inventário post mortem de Antonio Borges de Almeida Leães de 1829, que
demonstra a quantidade de escravos que foram inseridos em sua sesmaria num total de cinco
escravos já citados na tabela 5. Assim, no decorrer do texto, nossa análise se desenvolve nessa
178
MARCONDES, Renato Leite. A Propriedade Escrava e a Hipótese de Crescimento Vegetativo em Batatais: a
classificação dos escravos (1875). Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais, realizado em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.
179
VOGT, Olgário Paulo, RADÜNZ, Roberto. Do Presente ao Passado: inventários post mortem e o ensino de
história. Revista Latino-Americana de História. Vol. 2, nº. 6 – agosto de 2013 – Edição Especial PPGH-
UNISINOS.
139
complexa relação entre sociedade livre e sociedade privada da liberdade, visto que nosso corpo
documental se funda a partir do período de 1856, sendo essa data a mais antiga encontrada até
esse momento, findando em 1888.
Sidney Chalhoub retrata, em sua obra A Força da Escravidão (2012), como foi
reestruturado o escravismo no Brasil Império, posteriormente a mineração em Minas Gerais,
no final século XVIII e início do século XIX, em consequência dos processos de emancipação
de colônia de Portugal para Império do Brasil. Ainda no mesmo caminho, o autor nos coloca as
improbabilidades da efetivação da lei de 1831, que proibia a entrada de africanos livres no
Brasil, mas novas pendengas judiciais foram lavradas, ocasionando o fortalecimento do tráfico
de africanos escravizados e introduzidos ilegalmente no Império Brasileiro.
Como refere Chalhoub:
Na década de 1820, o café ainda era o terceiro item de exportação do país, atrás do
açúcar e do algodão. Em outras palavras, a reestruturação do escravismo no Brasil
após a decadência da atividade mineradora antecedeu a expansão da cafeicultura ao
longo do Vale do Paraíba fluminense e paulistas. De acordo com as estimativas mais
recentes, em todo o período de tráfico negreiro para o Brasil, desde meados do século
XVI até 1850, chegaram ao país mais de 4,8 milhões de africanos escravizados; no
primeiro quartel do século XIX (1801-25), entraram 10.127,62 africanos; no segundo
quartel (1826-50), 10.419,64, e outros 6.800 vieram após a nova lei de proibição do
tráfico de 1850. A aritmética dos dados revela que mais de 42% das importações de
africanos para o Brasil em três séculos de tráfico negreiro aconteceram apenas na
primeira metade do século XIX (CHALHOUB, 2012, p. 35).180
Dentro desse contexto, nossa pesquisa mostra que, no Vale do Rio dos Sinos –
Paranhana, mais específico, na Fazenda Mundo Novo, a presença de africanos e afro-brasileiros
estão contabilizados nesses números citados por Chalhoub, já que a antiga Sesmaria de Antonio
Borges foi concedida em 1814, e para tal era necessário a presença de cativos como requisito
para concessão da terra. Com isso, a probabilidade de inserção de africanos ilegais na região
também deve ser levada em conta, visto que nos inventários constam africanos contabilizados
nos bens dos senhores possuidores de escravarias e talvez muitos desses sejam alocados
clandestinamente.
José Martins Pires, citado anteriormente, possuiu vinte e dois cativos entre homens,
mulheres e crianças, seus cativos estão alistados na relação de matrícula de número 119, de
1872; quando a obrigatoriedade desse registro é a partir de 1872. Sua escravaria altera entre as
180
CHALHOUB, Sidney. A Força da Escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. 1ª ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012.
140
A produção dessas terras servia para abastecer Porto Alegre e Santo Antônio da
Patrulha. Sempre que era necessário, a produção era destinada às tropas militares para
seu reabastecimento. Encontramos entre seus rebanhos criados, além de vacuns,
cavalares e muares, que seriam utilizados pelos militares e tropeiros (FERNANDES,
2008, p. 27). 182
Em outro inventário, de Boaventura José dos Santos, de 1870, foi verificado que esse
senhor possuía 14 escravos e animais, como gado vacum, cavalares e muares em grande
quantidade. Esse senhor diferencia-se de José Martins, pois sua produção está voltada para a
criação de animais, portanto, a mão-de-obra utilizada na lida com os animalejos foi a afro-
brasileira cativa. Em seus bens de raiz, constam alguns campos, casas, galpões e talvez seja por
essa razão que seria mais eficaz a produção animal que a produção agrícola, por possuir uma
181
Ver OLIVEIRA, Vinícius Pereira de. De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras
meridionais. Porto Alegre: EST Edições, 2006.
182
FERNANDES, Dóris Rejane. Povoamento pioneiro das Terras do Mundo Novo. In: SOBRINHO, Paulo
Gilberto Mossmann; BARROSO, Véra Lucia Maciel. Raízes de Taquara. Porto Alegre: EST, 2008.
141
pastagem em abundância. Claro que não podemos descartar a agricultura de subsistência, essa
era comum nas fazendas, colônias e nas residências em sua maioria.
Esse pequeno comparativo apresentado serve para percebermos quão diversificadas
foram as tarefas e relações de trabalho que os africanos e afro-brasileiros enfrentaram na
Fazenda Mundo Novo, isso quer dizer que a presença cativa teve uma importância muito maior
do que se imagina no desenvolvimento regional, aumentando a capacidade de produção e,
consequentemente, o enriquecimento dos senhores escravistas.
Para se chegar a essas suposições a coleta dos 116 inventários no Arquivo Público do
Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (APERS), foi de suma importância. A partir
desses documentos, foi possível formular um cenário preliminar de observações que viabilizou
estabelecer algumas categorias de análises, como: gênero, idade, valor monetário de cada
cativo, relações de trabalho, relações cotidianas diárias e familiares, tanto entre cativos como
entre seus senhores, visando atribuir aos afro-brasileiros sua importância no desenvolvimento
regional e marcando sua presença efetiva na região.
Gráfico 03
22%
116 Inventários
405 Cativos
78%
No gráfico 03 encontramos o total dos inventários post mortem que fazem parte da
nossa observação, como fonte primária. Através destes documentos, conseguimos averiguar os
bens de algumas pessoas que viveram na região do Vale do Rio dos Sinos – Paranhana que
analisamos para dar suporte no desenrolar de nossa proposta de efetivação da presença afro-
brasileira nessa microrregião.
São 116 senhores inventariados que utilizaremos como percentual para representar
22% dos homens brancos, que eram donos de terras e escravos na região. O percentual de que
78% representa a quantidade de cativos que trabalharam para esses senhores, ou seja, aqui já
podemos defender a tese de que a presença e exploração dos africanos e afro-brasileiros na
região já estão legitimadas, mas esses números tiveram um crescente aumento no desenrolar da
142
nossa análise com a utilização de outros documentos de fonte primária que ao longo do texto
vamos exemplificando de acordo com a necessidade metodológica.
Dentro dessa totalidade, averiguamos quantos inventariados possuíam escravos. Dos
116 inventários, que representam 100%, 31 deles não possuíam cativos ou agregados, ou seja,
não aparecem nesses documentos e nem há indícios que já tivessem tido algum escravo, o que
representa 26% dos inventários. Sobram, então, 85 inventários possuidores de 405 cativos,
representando 74% dos 100% dos inventários. Comparamos então com o recenseamento do
Império Brasileiro de 1872,183 em Santa Cristina do Pinhal, que possuía uma população de
6.014 habitantes, nos leva a crer na importância da presença dos afro-brasileiros nessas terras,
em comparação com a população local.
Para a população de 6.014 habitantes, se pegarmos os 85 senhores, que constam nos
inventários, temos 1% desses habitantes e, levando em conta os 405 escravizados, chegamos a
6% do total de habitantes que viviam em Santa Cristina do Pinhal, mas já sabemos que esse
percentual era maior do que constam nos inventários e, mais adiante, utilizamos os livros de
batismo, mostrando que gradualmente esses números apresentados até aqui aumentaram.
Com essa linha de pensamento verificamos que a presença cativa na região foi muito
significativa pela sua necessidade, uma vez que a economia descrita nos inventários, em relação
à ocupação territorial, demonstra uma grande criação de animais como gado vacum, muares e
cavalares; portanto, a lida no campo consiste em ter um cuidado com esses animais,
necessitando de uma quantidade de mão-de-obra para manuseio.
Assim, foi possível constatar a representatividade e a presença afro-brasileira presentes
nos inventários. Na análise das fontes coletadas, foi possível perceber que as senzalas estavam
distribuídas em pequenas escravarias que, em média, possuíam até cinco escravos, distribuídos
entre poucos senhores.
O número de 405 cativos, distribuídos entre homens, mulheres e crianças, exemplifica
a dimensão da utilização da mão-de-obra afro-brasileira em cativeiro na região. Os cativos
estavam fadados a um sistema de exclusão social e humana, assim os diversos senhores
escravistas promoveram e ampliaram os procedimentos de expansão e ocupação territorial,
além de efetivarem o empreendimento de desenvolvimento e exploração econômica do império
no sul do Brasil.
É importante ressaltar que a maioria dos senhores que aparecem nos inventários são
portugueses ou descendentes deles, mas isso não exclui que colonos alemães não tivessem seus
183
CENSO DE 1872 liv25477_v11_rs. Recenciamento Demográfico Imperial. Disponível em
http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo. Acesso 28/09/2017.
143
cativos na região. Esse contingente de sujeitos forçados ao trabalho escravo nos põe à luz do
conhecimento que, mesmo numa relação subalterna, mantiveram sua representatividade, por
meio de seus costumes, seus contos, suas histórias, suas lendas, seus vícios, seus utensílios
usados no dia a dia e sua cultura, numa estrutura adversa, pré-estabelecida, que podemos
classificar como seu cotidiano.
Incluso nesse contexto, Agnes Heller (1989) trabalha com o conceito de cotidiano no
decorrer da história. A autora relata que, dentro de uma realidade social, existem outras
realidades que complementam uma totalidade de elementos que se constituem em valores e
representações, cuja finalidade é oferecer sentido à vida de cada sujeito. Assim, o cotidiano se
subdivide em esferas de cotidianidade para produzir o simbólico.
Segundo a autora:
Dentro desse “cotidiano” criado pelos sujeitos escravizados, existem situações que
geram outros costumes e tradições que permanecem restritos a pequenos grupos que fazem
parte do cotidiano social, criando atitudes e costumes paralelos de representações que, em um
primeiro momento, não interferem diretamente no cotidiano social dominante, mas se fazem
presentes em sua totalidade sociocultural no decorrer do tempo.
Nas análises dos inventários post-mortem, foi possível verificar também que a
estrutura das escravarias, que predominaram na Fazenda Mundo Novo, logo se apresenta em
pequenos e médios plantéis, diferentemente do que acontecia na região sul do Estado do Rio
Grande do Sul, onde se concentravam grande número de cativos nas charqueadas,
caracterizando grandes escravarias.
Dessa maneira, as relações entre cativos e senhores, na Fazenda Mundo Novo, nos
leva a crer que tenham sido mais amenas em relação ao sul do Estado, por conta das relações
de proximidade entre os sujeitos que transitaram nessa região, desenvolvendo os laços de
solidariedade e afetividade, que formaram às “esferas cotidianas” dentro da sociedade local,
porém, não esquecendo que a base do sistema escravista está centrada na exploração do
184
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
144
Sua esposa, ao contrário, era benquista e amada pelos negros que tratavam,
carinhosamente, por ‘Mutter’ (mãe), já que todos os negros, escravos da família Koch,
falavam somente alemão. Essa amabilidade de dona Catharina provavelmente levou-
a à morte, pois conta que, certo dia, ao retornar para casa de uma viagem a São
Leopoldo, Franz flagrou-a fritando peixes para os negros, pois estes sabiam pescá-los,
mas não sabiam prepará-los como só ela sabia fazer. Tomado de uma fúria louca ao
ver sua esposa cozinhando para simples escravos negros, bateu nela com o boçal de
seu cavalo, que estava desencilhado, causando-lhe graves ferimentos internos no
ventre, o que a levou à morte, após muito sofrimento, quatro dias depois, em 20 de
julho de 1875 (ENGELMANN, 2005, p. 607). 186
185
No terceiro capítulo será melhor explicado sobre Franz Koch, por aparecer, em um livro de batismo da igreja
evangélica, os seus escravos batizados, assim a citação apresentada tem validade no livro encontrado, legitimando
a bibliografia local.
186
ENGELMANN, Erni G. A Sagra dos Alemães: do Hunsrück para Santa Maria do Mundo Novo. V. II. Igrejinha:
Editora Comunicação Impressa, 2005.
145
Essa violência à humanidade dos cativos e não aceitar essas relações próximas é o que
realça as fronteiras do escravismo. As questões de exploração, além da violência aplicada
demonstram como foi mantida a população escrava sob controle e até, nos dias atuais, seus
descendentes afro-brasileiros ainda sofrem as mesmas violências e privações, guardado as
devidas proporções. A fronteira construída com o escravismo está balizada e fortificada nessas
relações de desumanidade e exploração com a violência de inferioridade e invisibilidade sobre
esses indivíduos homens, mulheres e crianças negras.
Para ampliar esse entendimento e interpretação sobre possíveis relações de
sociabilidade, apresentamos a tabela 22, a fim de visualizar como se constituíram as escravarias
na Fazenda Mundo Novo. Dividimos as escravarias por quantidades de cativos, assim num total
de 85 inventários que possuíam escravos, abordamos a partir das quantidades de cativos que
cada inventário continha, ficando então do seguinte modo: os inventários que possuíam entre
11 a 22 cativos representam um total de 08 senhores, que somados chegam ao percentual de
10% sobre o total encontrado, o que deixa claro que o poder local estava centralizado nas mãos
desses senhores.
Outro contingente de cativos equivale a 18 inventariados, que analisados, nos
apresentam as escravarias compostas entre 06 a 09 cativos, representando 21% do total dos
inventários com escravos. Podemos perceber que esses senhores faziam parte de outra esfera
da sociedade, suas propriedades não eram de grande porte, mas mantinham uma produção tanto
de bens de consumo como de animais, e com excedente para comercialização.
O outro contingente do inventariado mostra 59 senhores, que possuíam entre 01 a 05
escravos, representando 69% do total dos inventários com escravos. Esses senhores eram uma
parcela da população menos favorecida economicamente dentro da sociedade que se constituía.
Dos 116 inventários que foram analisados, 31 não possuíam escravos e representavam 26% do
total de inventários, assim a população cativa, encontrada por meio dos inventários, fica restrita
nos 85 inventariados e se apresenta com 74% dos documentos, onde aparecem os cativos sobre
o total de 116 inventários, citados anteriormente.
De um lado, a análise mostra que a relação (sempre social) determina seus termos, e
não o inverso, e que cada individualidade é o lugar onde atua uma pluralidade
incoerente (e muitas vezes contraditória) de suas determinações relacionais. De outro
lado, e, sobretudo, a questão tratada se refere a modos de operação ou esquemas de
ação e não diretamente ao sujeito que é o seu autor ou seu veículo (CERTEAU, 1998,
p. 37).188
187
MAESTRI, Mário. Uma Breve História do Rio Grande do Sul: da pré-história aos dias atuais. Passo Fundo:
Editora UPF, 2006.
188
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
147
violentados por castigos e à mercê da própria sorte, vivendo somente com a esperança de um
dia serem livres, esses são os idosos do escravismo.
Então, inferimos que um cativo possuia 60% de vida útil, da fase jovem para a adulta,
produzindo para seu senhor e sendo explorado. Isso acarretou dissabores que foram utilizados
na tentativa de amenizar sua situação dentro do sistema, o que justifica a utilização do emprego
do termo “maturação”, acreditando-se que nesse processo de amadurecimento forçado é que o
cativo começa a perceber que é possível tentar uma resistência. Assim, os elementos que
constituíram a famíla em cativeiro somente vão dar sentido quando adquirir percepção e
experiência.
Como podemos entender, a partir da tabela 23, as porcentagens quase se equiparam
em relações ao gênero entre afro-brasileiros e africanos cativos viabiliza, com isso, a formação
da família escrava que se aproxima da ideia de formação social, visto que eram viáveis as
relações afetivas entre o cativo e seus senhores pela proximidade entre ambos, já que
predominavam as pequenas escravarias, que, em muitos casos, eram compostas por casais e
filhos.
Assim, verificamos que as relações afetivas matrimoniais, que se estabeleceram entre
cativos, geraram frutos que estão relacionados nos inventários post-mortem analisados. Esses
frutos representam uma parcela do contingente aprisionado e escravizado, visto como
manutenção do sistema pelos senhores.
A análise se deparou com um contingente de crianças, que, pela metodologia aplicada
nessa apreciação, foi situado a idade de 0 a 10 anos para as crianças e de 11 a 20 anos de idade
para os jovens. Também buscamos estabelecer um limite de idade para classificar os cativos
em situação de produtividade, já que essa era a fase em que se iniciava a vida produtiva de um
escravo, utilizado como mão-de-obra em diversas frentes de trabalho para o senhor, assim as
fontes nos permitem conhecer o potencial econômico desses senhores escravistas inventariados,
que estão registrados nesses documentos post mortem.
Para elucidar um pouco melhor, fizemos um levantamento dessas crianças, percebendo
a quantidade e complexidade do escravismo na região da Fazenda Mundo Novo. Visualizamos
um percentual elevado para esse trabalho, visto que sobre os 116 inventários, somente 34
documentos possuíam crianças, assim construímos uma tabela onde se buscou verificar, através
das idades desses cativos infantis, uma referência entre gênero.
149
189
Utilizaremos para essa amostra o termo criança de 0 a 10 anos, sabemos que para efeito mais contundente em
outras obras o mesmo termo vai de 0 a 7 anos.
150
analisadas, desta maneira podemos quantificar a tabela 25 para avaliar a importância da mulher
negra nesse contexto.
A tabela 25 mostra as idades por sexo atribuído a cada indivíduo. Entre os jovens de
11 a 20 anos, pode-se observar um aumento de 10% em comparação com a tabela 24, já que o
sexo feminino prevaleceu com um percentual de 56% contra 44% do sexo masculino nessa
faixa etária dos cativos, os números femininos superam os masculinos, podemos notar um
equilíbrio de natalidade. Quando comparamos as duas tabelas (24 e 25), chegamos à quantia de
70 mulheres para 68 homens, chegando ao percentual de 51% para as mulheres e 49% para os
homens, assim tendo uma diferença entre sexos de apenas 1%.
Esses percentuais nos possibilitaram fundamentar a importância das mulheres negras
afro-brasileiras no escravismo, na fazenda Mundo Novo, que, na faixa etária de 0 a 20 anos de
idade, que equivalem às futuras mantenedoras das famílias cativas que vão se formar ao longo
do escravismo na região, nesse período de análise, nos oferecendo ênfase para valorizar a
importância do afro-brasileiro no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, no Estado do Rio Grande
do Sul.
A partir desses dados, podemos considerar que as relações econômicas, na região de
Taquara, estavam em franco desenvolvimento no século XIX. A economia gerada propiciava
um aumento do cativeiro, também estabelecia as relações sociais entre senhores e cativos, já
que, em muitos casos, as alforrias foram doadas pelos senhores ou pagas pelos próprios
indivíduos escravizados.
Podemos perceber que as relações políticas e de sociabilidade desmembraram um
cotidiano familiar, representado na ‘possibilidade de trabalho’ e no desenvolvimento de uma
‘possível’ renda desses afro-brasileiros, a partir da formação familiar dentro do sistema de
151
190
ASSMANN, Aleida. Espaços da Recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas:
Editora da Unicamp, 2011.
191
ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra á Vista – Discurso do confronto: velho e novo mundo. 2ª ed. Campinas:
Editora da Unicamp, 2008.
152
192
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
153
Essa porção de cativos adultos entre 22 a 74 anos faz parte dos 85 inventários e são
referentes ao sexo masculino e feminino. Essa tabela nos dá um panorama dos escravos adultos
que compuseram as escravarias nessa região. Optamos em descrever esses indivíduos a partir
de suas idades, assim utilizando a terminologia de ‘grupos por idade’ para apresentar melhor a
interpretação da tabela 26.
Pensando como ‘vida produtiva adulta’ desses indivíduos, acreditamos que se
justifique entre os 22 até 40 anos, posteriormente a essas idades, nos leva a crer que as
esperanças pela liberdade começam a entrar em um declínio, talvez por uma possível
‘acomodação’ e duração do tempo em cativeiro, levando o cativo a entender melhor sua
condição; assim, possivelmente, esses sujeitos poderiam resistir de maneiras díspares nas etapas
de idades diferentes, ou seja, uma maturidade e assimilação de sua real condição em cativeiro,
mas não um conformismo.
Na primeira parte da tabela 26 encontramos 106 cativos de ambos os sexos, com idade
de 22 a 40 anos. Podemos perceber grupos de diferentes idades, mas somente com uma
diferença de 2% entre os sexos. Entendemos que ao longo do cativeiro, em cada faixa etária, o
cotidiano de homens e mulheres tiveram momentos que determinaram sua indignação sobre sua
condição, com isso os indivíduos se movimentaram para resistirem através da prática da fuga,
suicídio ou com a formação da família cativa. Também podemos elencar a tentativa de manter
um ‘bom relacionamento’ com seus senhores para não sofrerem as punições do escravismo no
pelourinho. Entendemos essas ações como estratégias de resistência ao cativeiro.
Os cativos, em média com 30 anos, somam 23 indivíduos. Esse grupo, por idade, é o
de maior número na tabela 26, seguido com os que possuíam a idade de 40 anos, que somados
chega a 13 indivíduos. Posteriormente, temos os indivíduos com 50 e 60 anos, que chegam a
10 sujeitos para cada idade. Na grande maioria esses sujeitos se encontram entre as pequenas
escravarias, favorecendo o percentual de união estável, já que em quase todos os inventariados
aparecem um casal e uma criança, configurando assim a possibilidade da formação da família
cativa.
africanos e afro-brasileiros na região. O tráfico negreiro também teve ativa parcela, exercendo
influência para fornecer mão-de-obra cativa aos senhores da Fazenda Mundo Novo. Logo, a
tabela 27 corrobora para percebermos a etnia e a ‘cor’, realçando esse movimento migratório
forçado.
193
OLIVEIRA, Vinicius Pereira de. De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras
meridionais. Porto Alegre: Edições EST, 2006.
155
chegar a São Francisco de Paula, uma das rotas traçadas era a passagem obrigatória pela
Fazenda Mundo Novo, com isso as relações comerciais eram frequentes entre os serranos e os
taquarenses (WEIMER, 2008).194
Vinicius P. de Oliveira afirma que:
Diferentemente do tráfico para o Rio Grande do Sul verificado para o período anterior
à 1850 que, ao que parece, tinha o porto do Rio de Janeiro [...] como intermediário,
os indícios levam a crer que o navio que naufragou na instável costa sulina em 1852
vinha da costa africana. Nos depoimentos prestados à Justiça em princípio da década
de 1860, Manoel Congo [...] afirmou ter vindo para o Brasil da Costa da África em
um navio que encalhara em Tramandaí há onze anos. Disse, ainda, ter sido
desembarcado junto com muitos outros africanos (OLIVEIRA, 2006, p.34). 195
A região colonizada por portugueses e, posteriormente, pelos colonos alemães nos dão
a certeza de que esses imigrantes também utilizaram e participaram ativamente do comércio
escravista na região196. A economia estava baseada na produção agrícola e pastoril e, pelo
volume econômico que aparecem nos inventários, entendemos que não foram somente os
colonos que trabalharam na terra, mas em sua maioria, e não somente em casos específicos, o
agregado afro-brasileiro fez parte do cotidiano do colono teuto (alemão) também, em uma
escala muito mais ampla que se imagina.
Na busca de documentos que legitimem a exploração do negro pelo alemão, vamos
utilizar uma passagem da obra de Erni Hengelmann (2005) como referência para analisarmos a
afirmação de que um colono alemão, chamado Friedrich Wilke, comprou quatro colônias de
terra coberta por uma densa floresta virgem, rica em madeira nobre. Com isso construiu uma
serraria e comprou dois cativos, ensinou o trabalho e viajou para a Europa deixando seus dois
serviçais cuidando de seus bens. Isso remete à possibilidade da utilização, com frequência, do
negro pelo alemão. “Pôs os dois escravos como auxiliares na serraria, ensinando-lhes todos os
segredos do ofício, tratando-os como verdadeiros aprendizes e homens livres. Era conhecido
como o único patrão onde os escravos faziam as refeições em sua mesa e dormiam dentro de
sua casa” (ENGELMANN, 2005, p. 613). 197
194
WEIMER, Rodrigo de Azevedo. Os Nomes da liberdade. Ex-escravos na serra gaúcha no pós-abolição. São
Leopoldo: Oikos, 2008.
195
São Francisco de Cima da Serra pertenceu a Taquara do Mundo Novo, assim nossa tese se legitima. OLIVEIRA,
Vinicius Pereira de. De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras meridionais. Porto
Alegre: Edições EST, 2006.
196
Franz Koch Livro de Batismo de 1859. Esse senhor alemão era dono de 5 escravos.
197
ENGELMANN, Erni G. A Sagra dos Alemães: do Hunsrück para Santa Maria do Mundo Novo. V. II. Igrejinha:
Comunicação Impressa, 2005.
156
Esse pequeno relato romanceado, mas útil para formarmos uma imagem das relações
próximas, viabiliza que as relações afetivas e sociais se formaram entre senhores e cativos, mas
também consta o caso de maus tratos pelos senhores colonos alemães, como Franz Koch já
citado. Os relatos são diversos, sobre o colono teuto utilizar mão-de-obra cativa, Paulo Moreira
e Miquéias Mugge (2014), com o trabalho sobre a escravidão em São Leopoldo, nos
presenteiam com vários relatos sobre esse tema. “Os imigrantes europeus – no caso
especificamente os alemães – que se deslocavam para o Brasil no século XIX, conheceram
intimamente a escravidão negra. Muitos deles, inclusive, possuíam cativos, e os alugaram, os
açorianos, os venderam, os alforriaram” (MOREIRA E MUGGI, 2014, p. 16).198
Ao verificar a presença cativa no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, consideramos as
possibilidades de um comércio muito ativo dentro dessa realidade colonial, tendo o colono
alemão sua participação comercial escravista, que representa a presença afro-brasileiro na
região. Classificando esses indivíduos por gênero, nesse caso, nossa tentativa é perceber
quantos africanos estiveram na Fazenda Mundo Novo, mas as fontes somente nos mostraram
23 indivíduos africanos, que somados representam 6% de estrangeiros africanos na região
descritos pelas fontes (inventários). Na tabela 28, tentamos elucidar as questões de cor e gênero.
198
MOREIRA, Paulo R, MUGGE, Miquéias H. Histórias de Escravos e Senhores Em Uma Região de Imigração
Europeia. São Leopoldo: Oikos, 2014.
157
199
Sobre os termos ‘cabra’ e ‘fula’ utilizado como classificação nominal na tabela 28 ver ALMEIDA, Mayara
Aparecida Ribeiro de et al. Um cabra de cor ou um cabra da mãe: dinâmicas de sentido para “cabra” entre os
séculos XVI e XIX. Filol. Linguíst. Port., São Paulo, v. 19, n. 1, p. 143-161, jan./jun. 2017
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2176-9419.v19i1p143-161. ALABRÉN, Gabriel. Liberdades negras nas paragens
do Sul: alforria e inserção social de libertos em Porto Alegre, 1800-1835. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
200
COSTA, Emília Viotti da. Abolição. 8ª ed. São Paulo: UNESP, 2008.
158
A vida cotidiana está relacionada aos costumes, ao modo de vida e aos ritos. Com isso,
o homem se preocupa em manter o que aprendeu e assimilar o que vai se apresentando como
diferente, dominando e se apropriando do novo. Dessa forma, a estrutura que compõe a
sociedade torna-se muito ampla para definir o cotidiano como algo rígido.
Pelo contrário, é muito mais flexível do que se imagina, por isso a nossa tentativa de
formular um conceito sobre a vida passada, sobre como ela foi vivida e como se estabeleceram
as relações entre os sujeitos e suas tramas, torna-se um tanto difícil, por motivos das hipóteses
que compreendem cada movimento social e sua edificação.
Conforme Del Priori:
Para Del Priori (1997), os sujeitos da primeira esfera social são os que detêm o poder
e a produção, já os da segunda esfera de cotidianidade são os que estão à margem de um sistema
e se encontram desprovidos de ação sobre as mudanças sociais, mas podem se manifestar
quando incluídos em movimentos coletivos, nesse caso, para os cativos, com a possibilidade do
casamento. A vida cotidiana dos afro-brasileiros em cativeiro transforma-se em um núcleo de
possibilidades para a liberdade e a coletividade, configurado à resistência ao sistema escravista,
tendo como um elemento representativo a família cativa, constituída em um modelo implantado
pelo seu senhor.
Wlamyra Albuquerque (2009) defende que, na segunda metade oitocentista, a
singularidade das relações do final do escravismo estavam direcionadas ainda à sacralização, à
subordinação e sujeição do indivíduo negro. Ainda em seu final, as relações se alteraram ainda
mais para manter o afro-brasileiro em segunda ou terceira esfera cotidiana.202
201
DEL PRIORI, Mary. História do Cotidiano e da Vida Privada. In: CARDOSO, Ciro Flamarion S.; VAIFAS,
Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
202
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O Jogo da Dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
160
Dentro dessa particularidade, estão bem evidentes as relações políticas, algo que se
expressa com uma finalidade de desejo ou com um sentimento interno que venha compor as
relações de afetividade e necessidade de estar formando um todo, que desenha uma relação com
vínculos estáveis e com intenções direcionadas, como a liberdade.
203
FRAGA, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). 2ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
161
204
LEVI, Giovanni. Reflexões sobre família e parentela. In: VERDRAME, Maíra Ines; KARSBURG, Alexandre;
WEBER, Beatriz; FARINATTI, Luis Augusto. Micro-história, trajetórias e imigração. São Leopoldo: Oikos,
2015.
162
O chefe da casa era o pai de todos e o escravo, como todos os membros da família,
devia se persuadir que era ‘filho’ da casa, menos privilegiado que os outros, mas,
mesmo assim, filho. A família era assim o campo de experiência no qual o escravo
deveria aprender a viver a sua vida de eterna criança, pois era a família brasileira que
lhe ensinaria como se comportar em relação aos outros escravos, aos alforriados e aos
livres (MATTOSO, 2016, p. 150).206
205
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 51ª ed. São Paulo: Global, 2006. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2007.
206
MATTOSO, Katia M. de Queiros. Ser Escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. Ver
também: MARCONI, Maria de Andrade. Antropologia: uma introdução. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
JACINTO, Cristiane Pinheiro Santos. Relações de Intimidade: desvendando modos de organização familiar de
sujeitos escravizados em São Luiz no século XIX. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-
163
Aqui estão estabelecidas as regras familiares onde, com sua inserção, os africanos
deveriam aprender sempre a conviver com a nova realidade em que se encontravam, por isso
se sentiam ‘estranhos’, pois para essa sociedade, essas pessoas eram boçais, sem conhecimentos
específicos e quando passam a fazer parte da família brasileira patriarcal, passam também a ser
considerados aptos para serem utilizados no trabalho e desenvolvimento econômico desse ‘pai’
que mantém o poder sobre toda a família.
Todas as bases da família patriarcal ou nuclear estão centradas na relação constituída
pelo ‘casamento’, esse sim deve ser levado em conta para entendermos as constituições
familiares, sendo o casamento o ponto inicial para centrar a ideia de família, claro, na visão
ocidental de uma família nuclear, mas anteriormente a esse conceito, a família patriarcal
consolidada e legitimada pelo casamento se fez presente no centro da sociedade colonial e,
posteriormente, a construção da família nuclear que vai se estabelecer e concretizar em toda
colônia e, posteriormente, nos Impérios Brasileiro. 207
Para o Rio Grande do Sul, a presença do colonizador português na fundação da Vila
de Rio Grande, em 1737, fez surgir o elemento familiar nos moldes europeus, visto que a
fronteira geográfica, que se estabelecia, tinha do outro lado, no caso a coroa espanhola, os
mesmos valores europeus sobre essas questões conceituais de família.
Assim outros elementos culturais, como o de africanos e indígenas, também foram
incorporados junto com os elementos culturais europeus e esse aprendizado dos ditos “boçais”
passou a fazer parte do cotidiano local, permitindo a formação da família escrava em sua
totalidade para o Rio Grande de São Pedro.
Robert Slenes (1999), Manolo Florentino e José Roberto Góes (2017), além de Sheila
de Castro Faria (1997), Katia Mattoso (2016) e outros tantos pesquisadores, sobre a formação
da família escrava, estabeleceram as bases dos estudos que conhecemos a partir da década de
80 do século XX. Com essa base teórica, elaboramos alguns apontamentos para a formação da
família escrava no Rio Grande do Sul.
Partimos da formação da fronteira Oeste, Rio Pardo, cujas as empreitadas dos
portugueses contra os espanhóis, no final do século XVIII e início do século XIX, resultaram
na ocupação territorial e constituição de Rio Pardo. Utilizamos um recorte temporal que se
Graduação em Ciências Sociais. São Luiz: Universidade Federal do Maranhão, 2005. LOTT, Mirian Moura.
Casamento e Relações Afetivas Entre Escravos: Vila Rica: Séculos XVIII e XIX. Curitiba: Anais da V Jornada
Setecentista, 2003.
207
FREITAS, Ubiratã Ferreira. A Fronteira é Logo Ali, Mas Permaneci Escravo. 2ª ed. Curitiba: Brazil Publishing,
2019.
164
estabelecia entre 1780 a 1820, cuja constituição da sociedade rio-pardense se firmou em uma
economia centrada a partir desse período, em primeiro momento, na mão-de-obra dos colonos
açorianos e posteriormente com a mão-de-obra escrava.
Nesse conjunto, a formação da família escrava, nessa fronteira em construção, estava
centrada em relações políticas e de sociabilidade entre senhores e escravos, visto que a fronteira
estava perto e as possibilidades se apresentavam como promissoras para a liberdade, mas a
família prendia esses indivíduos escravizados e mantinha-os em uma superexploração através
da alienação nos seus senhores, com isso outros elementos fizeram parte da autonomia desses
sujeitos, como o compadrio e a formação de laços de solidariedade como resistência a essa
realidade.
Nosso caso específico, para o Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, buscamos
compreender como a formação da família escrava se efetivou, já que também se fez presente,
dando margens para reprodução endógena e as relações de sociabilidade e resistência da prática
do escravismo na região. Outro elemento é o Compadrio que vai elencar e legitimar a formação
familiar através das relações estabelecidas pela política, potencialidade social e a solidariedade,
além das relações econômicas e que será mais abrangente no outro capítulo.
Robert Slenes afirma:
Afinal, é difícil acreditar que uma política de casamentos forçados, sem base alguma
nos desejos dos trabalhadores, pudesse ser eficaz; ao invés de promover a reprodução,
a disciplina e a (aparente) submissão, uma tal política teria efeitos contrários. A
hipótese mais provável, portanto, é a de que o interesse dos donos no casamento
escravo tenha se traduzido numa política de encorajar os cativos a procurarem uniões
formais, deixando a escolha aos casais, mas reservando ao senhor o direito
‘paternalista’ de sugerir, persuadir, pressionar, e finalmente aprovar ou vetar os nomes
escolhidos (SLENES, 1999, p. 95). 208
Nesse contexto vamos analisar os inventários post mortem que possuem mais de oito
cativos em suas escravarias, buscando demonstrar que as relações próximas favoreceram uniões
estáveis e de solidariedade entre os sujeitos envolvidos e sua aplicação para manutenção da
resistência em cativeiro. Desta maneira perceber que a importância da fonte primária para
legitimar a presença escrava no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, nos leva a destacar esses
inventários que possuem maior quantidade de cativos em suas escravarias, assim, nossa
intenção é caracterizar o número de senhores inventariados em cada ano e seus cativos para
verificar as relações endógenas e formação familiar em cativeiro, já que esses inventários
208
SLENES, Robert. Na Senzala uma Flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
165
representam o poder econômico local e com isso podemos abranger quem eram esses senhores
e o que possuíam de bens. Assim, vamos tentar verificar se realmente a família cativa se fez
presente como pensamos e como se deram as relações de sociabilidade e políticas aplicadas
pelos senhores.
Analisaremos, em primeiro, o inventário de João Luiz de Souza de 1863,209 nele
constam onze cativos entre adultos e crianças, possivelmente tenhamos aqui um grupo familiar
com bases consanguíneas, estando dentro de um padrão, onde se encontram parentes próximos.
Nesse documento encontramos arrolados a seus bens 11 cativos com idades de três meses a
cinquenta anos, também, campos em sua propriedade e outros campos arrendados em outros
lugares, além de uma quantidade de animais de criação de gado, cavalos, mulas e ovelhas.
Podemos inferir que muitos dos proprietários de terras por essas bandas eram possuidores de
outros negócios e, já que buscavam ter uma produção em larga escala, utilizavam mão-de-obra
escravizada como referido na tabela 30.
Diante de uma suposição, podemos montar duas relações familiares, no caso, famílias
constituídas de pais, irmãos, tios e avós. Poderíamos dizer que Domingos nação e Anna mulata
formam a família primária, que seguida pelos filhos Evaristo, Pedro, Roberta, Angélica,
Florinda, Maria e Claudiana legitimariam a família cativa. De outro modo, temos ainda Januário
mulato e Roberta criola que formariam uma segunda família, tendo como filha desta união,
Luiza mulata, com três meses. Essa escravaria ficaria então configurada da seguinte maneira
segundo a tabela 31:
209
Inventário: João Luiz de Souza. Cartório de Órfãos, Taquara, nº 04, maço 01, est 152, 1863 – APERS.
166
210
FLORENTINO, Manolo. A Paz das Senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, C. 1790-C.
1850. São Paulo: Unesp, 2017.
167
realizadas, pelo menos para sair do círculo vicioso que ainda vincula grande parte das
pesquisas sobre a família [...] (LEVI, Giovanni, 2015, 13). 211
Manoel Soares de Oliveira de 1863,212 possui a Fazenda dos Morrinhos, composta por
campos e matos, além de uma grande quantidade de criação de gado, cavalares e muares,
possuía 09 cativos entre nove e trinta anos de idade, também consta ter uma residência em Porto
Alegre. Assim, percebermos a importância desses trabalhadores e podemos chegar à algumas
conclusões sobre quem eram esses senhores. Conclusões preliminares, mostram que eram
representantes de uma camada mais abastada da sociedade, e podendo somente estar investindo
em novos negócios, mas também fizeram parte do desenvolvimento local regional e a ocupação
territorial.
Segunda a tabela 32, é possível verificar vestígios da formação familiar cativa, além
de relações próximas de afetividade entre os cativos. Seria possível exemplificar dois casais,
ou seja, Serafim e Tereza formariam um casal e Fortunato, que não consta sua idade, então
poderia ser outro casal com Raquel, Justina ou Maria. As crianças estariam distribuídas entre
esses casais.
Outro inventariado foi o de Paschoa Garcia do Espírito Santo de 1865, um senhor de
escravos que possuía dezesseis cativos. Sua escravaria estava formada a partir das idades entre
dois aos setenta anos, composta por sete homens e nove mulheres, já incluídas as crianças de
ambos os sexos.
Para esse senhor, utilizamos a mesma lógica de abordagem anterior de formação
familiar cativa, visto que por falta de mais fontes também utilizaremos, uma suposição de tais
211
LEVI, Giovanni. Reflexões sobre família e parentela. In: VERDRAME, Maíra Ines; KARSBURG, Alexandre;
WEBER, Beatriz; FARINATTI, Luis Augusto. Micro-história, trajetórias e imigração. São Leopoldo: Oikos,
2015.
212
Inventário: Manoel Soares de Oliveira. Cartório de Órfãos, Taquara, nº 05, maço 01, est 39, 1863 – APERS.
168
elementos constitutivos do cativeiro dentro do inventário dessa escravaria para sua apresentação
e compreensão sobre as relações próximas no cativeiro. Assim ficaria então essa escravaria
segundo a tabela 33:
A partir da tabela 33, podemos inferir que, pela quantidade de cativos dessa escravaria,
três casais dariam conta de formar os laços de solidariedade familiares, mas não podemos deixar
de citar Gertrudes (70 anos) como a matriarca. Não temos condições de afirmar se alguns desses
cativos são filhos de Gertrudes, se tivéssemos documentação para afirmar tal situação, essa
escravaria se caracterizaria como matrifocal, além dos outros casais que fomentaram o
desenvolvimento familiar.
A nossa interpretação centra-se em João e Maria, que eram pais de Manoel, Manoela
e Jezuina. Também seria possível a união de Evaristo e Laurinda que geraram Maria Rita,
Gertrudes e Maria. Outro casal possível seria Maria Bahia e Jacob, pais de Joaquim, Nicolau e
Manoel.
Nessa lógica que foi explicitada, teríamos relações parentais e possivelmente, teríamos
alguns filhos de Gertrudes, visto que, por relações consanguíneas, aproximaria o parentesco
entre os cativos, assim, gradativamente, estamos fortificando e legitimando que a formação da
família escrava teve grande desenvolvimento no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
169
Antonio de Souza Bitencourt Carvalho, 1866,213 possui uma olaria e forno, sua
escravaria está formada com 09 cativos com idades de 06 a 60 anos. Seus cativos atuam
diretamente na produção de tijolos e alguma produção de subsistência, mas em determinados
períodos, buscam produzir somente tijolos, abastecendo o mercado interno da região.
213
Inventário: Antonio de Souza Bitencourt Carvalho, Cartório de Órfãos, Taquara, nº 12, maço 01, est 152, 1866
– APERS.
170
poderiam já ter falecido, mas não constam essas informações no inventário de Bernardo Luís
de Souza.
O senhor Boaventura José dos Santos, em seu inventário de 1870, possuiu quatorze
cativos com idades variadas, sendo o mais velho com sessenta anos e o mais novo com seis
anos. As idades dos adultos partem dos vinte e quatro anos acima e os mais jovens, quatorze
abaixo. Podemos caracterizar essa escravaria como sendo de cativos mais velhos e, a partir
disso, arquitetar, que a construção da família escrava se centra em relações horizontais e
verticais, visto que podemos montar um panorama imaginário com a consanguinidade entre
casais, formando parentesco próximo.
Assim apresentamos as relações próximas dessa escravaria, sendo novamente
enfatizado como uma ilustração, para percebermos como se formou as relações familiares dos
cativos no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
171
A partir dessa amostragem, podemos imaginar que dois casais foram os progenitores
que deram início e ampliaram as possibilidades de uma possível relação familiar a partir de seus
filhos, como exemplificado na tabela a seguir:
Esses cincos inventários analisados não deixaram rastros nos registros de batismo e
livros de casamentos para serem seguidos, somente nos inventários. Porém, achamos
convincente apresentá-los, pois essas escravarias são as maiores da região até aqui encontradas,
a partir dos inventários post mortem. Deixando claro que essas análises não se esgotam aqui,
mas viabilizam um olhar mais atento para a região em questão, legitimando que a escravidão
se fez presente em detrimento da ocupação territorial e o desenvolvimento econômico já
apresentado, mesmos assim, nossa intenção é verificar, registrar e retirar da invisibilidade todas
essas questões pertinentes.
172
Manolo Florentino, em sua obra “A Paz das Senzalas (2017)”, nos esclarece, com sua
abordagem aos inventários do agro fluminense, que sua pesquisa esbarrou nas dificuldades de
perceber o parentesco dos indivíduos escravizados naquele lugar, pelas dificuldades de não
estar registrado o parentesco entre cativos, assim impedindo uma abordagem mais contundente
ao documento:
Assim, por não se ter neles o escopo completo dos parentes (avós, tios, padrinhos,
madrinhas etc.), os inventários por si só não permitem, em princípio, mapear-se
através do nome as fronteiras das famílias, isto é, avaliar até que grau ou graus
parentais se estendem as práticas de nomeação e, pois, a verdadeira fronteira do sentir-
se família por parte de um escravo (FLORENTINO, 2017, p. 68).214
Esse é nosso sentimento sobre nossas fontes até aqui apresentadas. Algumas estão
incompletas, como as citadas anteriormente. E na busca de novos elementos que ampliasse a
discussão sobre a formação familiar no cativeiro é nossa intenção, mas o importante é poder
pensar dentro de uma lógica de que homens e mulheres em cativeiro tiveram suas relações
afetivas, com certo grau de intimidade, não esvaziando vagamente essas interpretações, pois
existem as crianças, e delas as uniões se fizeram presentes mesmo sendo uniões instáveis ou
estáveis.
Passaremos agora para os outros inventários que faltam para completar a efetivação e
legitimação da construção da família escrava no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, visto que,
a partir de agora, os registros trazem consigo maiores informações e que dão credibilidade a
nossas hipóteses até aqui apresentadas.
Francisco de Paula Feijó foi um senhor de escravos e, em seu inventário post mortem,
com data de 1874, nos apresenta sua escravaria que possuía onze escravos distribuídos por
idades entre cinco a quarenta e sete anos de vida. Este inventário carrega em suas informações
que são importantes para ampliar nossa análise. Pois nele aparece a filiação dos cativos, a
condição dos mesmos, cor, idade, condição das mães e outros elementos importantes para
legitimar a família cativa nessa região. Também essa fonte é única em elementos que somam a
intenção de encontrar veracidade na constituição da família em cativeiro, não encontrando em
outros registros algo a mais para ser apresentado.
214
Idem.
173
Figueiredo, e sendo padrinhos Silvano e Maria Rosa. No nosso entendimento fica subtendido
que sejam as mesmas pessoas, pois sabemos que muitos dos escrivães não colocavam todas as
informações corretas nos registros.
Como podemos apreciar, as relações internas na escravaria de Francisco de Paula Feijo
se consumam em relações familiares balizadas e caracterizadas como relações familiares
matrifocal, onde se manifestam com a formação nuclear social através das mãe, mas isso não
quer dizer que os pais não se fizeram presentes, pois temos Silvano e Feliciano como homens
adultos, mas não temos registro de casamento desses indivíduos, assim eles poderiam ter se
relacionado com as mulheres adultas dessa escravaria e serem os pais das crianças.
Manolo Florentino (2017) vai citar que eram mais propensas as constituições
familiares das escravarias para os escravos que possuíam uma profissão, ou seja, aqueles cativos
domésticos estavam com mais vantagens de constituírem um núcleo familiar do que os cativos
que viviam na roça. Para esse autor, com base em relatos de Gilberto Freyre, em sua obra Casa
Grande e Senzala (2006), a formação da família cativa centra-se em uma hierarquia dentro do
sistema escravista.
Manolo Florentino Afirma que:
215
Idem.
175
Nessa escravaria consta um africano, Joaquim, 60 anos, oriundo da África, sendo essa
a única informação desse cativo. Outros cativos que aparecem são José, mulato, 35 anos,
campeiro de Santa Catarina e Andressa, parda, 42 anos, costureira de São Pedro, mãe de seis
filhos, Rosaura, Clara, Tristão, Elisia, Rufina e Maria, mulata, 5 anos, de Santa Catarina cujo o
pai deve ser José.
Nessa relação encontramos um ponto fora do comum, Maria chama a atenção por ser
natural de Santa Catarina. Averiguamos em nosso banco de dados e não encontramos indícios
para afirmar uma relação estável entre Andressa e José, mas talvez possa ter acontecido um
envolvimento entre ambos, mas o que se sabe é que Maria de cinco anos é natural de Santa
Catarina e filha de Andressa, e que José também é de Santa Catarina, assim, possivelmente
Maria recebeu essa denominação geográfica de naturalidade como referência ao pai.
Suspeitamos que Andressa e José sejam cônjuges.
Nas classes médias e baixas o casamento não era realizado e somente as classes
dominantes consideravam o casamento católico uma exigência social. Toleradas pela
Igreja brasileira, brancos e negros estabeleceram famílias “naturais”, o casamento
livre ou concubinato era a sorte de quase toda a população branca ou negra, e as
crianças nascidas dessas uniões eram numerosas: [...](MATTOSO, 2016, p. 150).216
Talvez pela distância ou dificuldades de locomoção, essa união entre Andresa e Albino
não tenha se consumado perante a igreja, mas não descartamos a ideia de que as uniões estáveis
com base no concubinato sejam uma prática que, em muitos casos, a Igreja tolerou. Mas
também não encontramos registro em livros de casamentos. Talvez tais livros possam ter sido
extraviados no decorrer do tempo.
Se para as classes desfavorecidas a Igreja fazia vista grossa, então dentro das
escravarias as uniões familiares naturais foram consequência e necessidade para esses cativos.
A procriação foi voluntária e, ao mesmo tempo, viabilizou a manutenção dessas escravarias. O
216
MATTOSO, Katia M. de Queiros. Ser Escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
177
que causou, assim, a ampliação da economia de seus senhores, fato que também deve ser
considerado, pois para os senhores significava o aumento de seu capital, já que as crianças que
nasciam nas senzalas pertenciam a esses escravistas.
José Martins Pires, 1882, possui a maior escravaria encontrada nos inventários. Esse
senhor possuía vinte e dois cativos com idades de 03 a 56 anos de vida. Também há a
característica de sete escravos africanos. Outros elementos, além dos citados, são visíveis e
possíveis de legitimar a família escrava no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
sabemos sobre seu destino, pois não temos o inventário de Felippe Leopoldo, que foi citado
como comprador.
Podemos notar na tabela 41, que a partir da filiação desses cativos também permanece
a característica matrifocal, como são os casos de Leonarda e Esperança. Leonarda aparece no
inventário de José Martins Pires como mãe de Cezario, Estanislau, Josefa, Maurício, Norberto,
Christina e Rafaela, mas não consta como sendo propriedade desse senhor. Já nos registros de
batismo aparece uma Leonarda, que pensamos ser a mesma genitora desses indivíduos de José
Martins Pires, sendo senhores de Leonarda, membro da família Maciel, assim fizemos o
levantamento e chegamos a uma amostra que identifica a importância de Leonarda na
concepção e manutenção do escravismo na região:
escrava de José Martins Pires, nos registros de batismos de 1867 e 1882, sendo o padrinho, José
Pereira, ambos libertos. Assim vamos tecendo as relações próximas, mesmo sendo mãe de
alguns cativos de José Martins Pires, Esperança também é ponto fundamental como madrinha
de cativos, isso aproxima as possíveis relações entre cativos e libertos para uma possível
inserção social para esses afilhados.
Não esquecendo que Christina é escrava de José Martins Pires e filha de Leonarda, e
que também teve filhos. Ela é mãe de Bernarda, batizada em 1872, sendo padrinho o escravo
Estanislau, pertencente ao mesmo senhor, e madrinha Damiana Martins, possivelmente familiar
de José Martins, mas esse registro não consta no inventário de 1882.
Christina também teve outro filho, Pedro, batizado em 1876, sendo padrinhos,
Estanislau e Maria Preta, ambos escravos de José Martins Pires, além disso, é filha de Leonarda.
Temos ainda Josefa que, em 1867, batizou Afonso, ambos escravos de José Martins Pires, tendo
como padrinhos os supracitados José Pereira e Esperança, ambos libertos. Já em 1872, Josefa
batizou Francisco, sendo padrinho Fernando Pires Correia e Eva, escrava de Maria Joaquina da
Silva.
Josefa ainda batizaria, em 1876, Francisca, tendo como padrinhos, Manoel Caetano e
Maria, ele escravo de Domingos de Souza Martins e ela de José Martins Pires. Em 1878, Josefa
batizava também Maria, não constam os padrinhos, mas essa criança era neta de Bonifacia,
escrava do mesmo senhor, José Martins Pires, possivelmente Bonifacia era a mãe do pai de
Maria, fomentando assim a legitimação da constituição do núcleo familiar e as relações
próximas de compadrio.
Ainda temos um último batismo de um escravo da esposa de José Martins Pires, a
Dona Emilia Martins que, em 1883, levou, aos santos óleos, o inocente Pedro, filho de Albania,
sua escrava e tendo, como padrinhos, os escravos de sua propriedade, Maurício e Maria, assim
findando essa exemplificação e as relações possíveis dentre esses agentes promovedores do
escravismo e seus agregados involuntários resistentes à vida em cativeiro.
Ainda nos registros de batismo, encontramos mais alguns elementos dessa escravaria,
como as relações próximas entre senhores sendo padrinhos dos cativos, escravos batizando as
crianças e familiares desse senhor fazendo parte desse processo. No inventário descrito, ainda
encontramos a descrição de que Christina, Rafaela e Afonso foram doados ao filho de José
Martins Pires, Daniel Rangel Martins em 30 de abril de 1881.
Afonso, batizado em 1867, filho de Josefa, escrava de José Martins Pires, sendo
padrinhos, José Pereira e Esperança, ambos libertos. A partir desse relato e sobre Leonarda,
Andresa, Christina, Josefa, Afonso, Rafaela, e outros tantos cativos que compuseram as
180
escravarias no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, afirmamos que cada vez mais legítima a
nossa intenção de retirar da invisibilidade esses indivíduos e suas manifestações sociais que
foram sendo constituídas e apresentadas como resistência e valorização de sua vida em
cativeiro, com isso, em tese, reafirmamos a presença de africanos e afro-brasileiros na região
que estudamos.
Mas ainda temos mais uma escravaria para ampliar nossa perspectiva da presença de
afro-brasileiros na região do Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, elencando todo o estado de
verificação e presença do negro escravizado nesse período de ocupação territorial e formação
de fronteiras colonizadoras presentes, em primeiro, com os portugueses e posteriormente com
os colonos alemães.
Laurindo Cardoso de Aguiar foi inventariado em 1883, nesse documento encontramos
quatorze indivíduos em cativeiro, sendo eles com idades entre cinco a sessenta e cinco anos de
vida. Constatamos que dois escravos eram africanos, e que prevalecia o gênero masculino e
profissões voltadas ao campo, além de todos os envolvidos serem solteiros, sem uma
identificação da família constituída e registrada, mas, como anteriormente, a filiação de cada
cativo pode nos levar a suposições verdadeiras de formação da família escrava, assim, dessa
última escravaria, apresentamos a tabela abaixo.
Aos dias onze do mês de janeiro de mil oitocentos e oitenta depois as denominações
de estado não tendo apresentado impedimento nenhum se receberam com matrimonio
Hortencio escravo de Rodrigo José Inacio, e Joaquina escrava de Manoel Vilas Boas
pos palaorei de presente na Igreja Matriz desta Freguesia de Santa Christina do Pinhal
e na presença das testemunhas abaixo assignada. E por conter ex: Assignadas
testemunhas: Felisberto F. da Silva. Lucia escrava de Tristão José Monteiro Filho.
Laurindo José da silva. (Livro de Casamentos de Santa Christina do Pinhal, 1876 a
1888). 218
Existem outros tantos registros de casamentos, mas as descrições não nos dão uma
pista que sejam de escravos. As descrições aparecem muito como filho natural somente, sem
uma descrição sobre a mãe ou o pai da criança, mas casado com o termo ‘legítimas’. Isso leva
a crer na hipótese das relações além da cor, já que não demonstra tal registro específico, mas
mesmo assim a formação da família escrava é verdadeira por essas bandas, a consanguinidade
também aparece com frequência em 2º e 3º grau.
217
FLORENTINO, Manolo. A Paz das Senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, C. 1790-C.
1850. São Paulo: Unesp, 2017.
218
Livro de Casamentos de Santa Christina do Pinhal, 1876 a 1888, p. 20. Cúria Metropolitana de Porto Alegre.
182
Tudo que foi exposto se encontra nos inventários, livros de casamentos e batismo com
um panorama bem abrangente, mas nossa intenção fica na questão de efetivar a presença de
africanos e afro-brasileiros como grandes construtores de suas trajetórias junto com os colonos,
que por aqui desenvolveram a região, não excluindo esse trabalho, mas incorporando e
valorizando esses trabalhadores descendentes de africanos explorados e privados da liberdade.
Entender o conceito de família é um tanto difícil, assim buscar esses elementos podem
causar surpresas, pois, em muitas vezes, as estruturas que conhecemos e os modelos aplicados
estão, na verdade, em constantes adaptações por fatores externos que levaram às modificações
exigentes quando, dentro de uma situação ao extremo, como no caso dos escravos, que por um
fator externo, o sistema escravista, e naturalmente por necessidades específicas humanas,
constituíram famílias. Porém, o modelo familiar que conhecemos foi empregado a partir do
contexto europeu, mas, para o africano escravizado, essas relações próximas já vinham de sua
ancestralidade e somente fortificou-se a partir desses fatores externos que foram empregados e
exigidos pela Igreja, como mentora espiritual e social.220
219
LEVI, Giovanni. Reflexões sobre família e parentela. In: VERDRAME, Maíra Ines; KARSBURG, Alexandre;
WEBER, Beatriz; FARINATTI, Luis Augusto. Micro-história, trajetórias e imigração. São Leopoldo: Oikos,
2015.
220
Idem, p. 23-24.
183
CAPÍTULO
IV
Uma das tentativas de resistir ao novo contexto de sobrevivência, por parte do cativo,
poderia ser percebida através da amizade, como um processo da gênese de sua resistência nessa
trajetória, que ressalta um movimento inicial para um longo período de lutas contra a privação
da liberdade e exploração. A fronteira está construída nesse exemplo e, a partir desse momento,
devemos tentar perceber como vão se movimentar os sujeitos que fizeram parte desse contexto
histórico, e como vão se moldando e construindo as outras fronteiras que surgirão e quais as
trajetórias e resistências a serem utilizadas dentro das relações sociais bem especificadas entre
escravismo, trabalho e sociedade.
221
MATTOSO, Katia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
185
Nas relações de produção e trabalho, o Vale do Rio dos Sinos – Paranhana apresenta
a pecuária em desenvolvimento e uma agricultura de subsistência em sua maioria, com uma
produção comercializável de farinha de mandioca e extração de madeira. A estrutura social que
se apresenta está fortificada economicamente com bases latifundiárias e rebanhos de animais
vacuns e cavalares, destacando-se assim uma estratificação social que se utilizava da mão-de-
obra cativa em larga escala em várias frentes.
Para essa análise, nosso valor a ser utilizado se estreita com o cruzamento das fontes
primárias, como os inventários post mortem e os assentamentos de batismo, onde aparecem
alguns elementos que demarcam as relações de sociabilidades, relações afetivas, relações
econômicas e possíveis resistências que construíram as hierarquias sociais que se estabilizaram.
Segundo Hameister:
Os registros paroquiais foram e são documentos excelentes para esse tipo de estudo.
São ponto de apoio de investigações que se utilizam de registros compra e venda de
terras, inventários, testamentos e, não raras vezes, são os únicos documentos
disponíveis que permitem essa sorte de estudo, principalmente quando o período não
é coberto pelos registros civis de nascimento, casamento e óbito (HAMEISTER, 2011,
p. 3).222
222
HAMEISTER, Martha Daisson. O Uso dos Registros Batismais para o estudo de Hierarquias Sociais no
Período de vigência da Escravidão. 5º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 11 a 13 maio de
2011, UFRGS, Porto Alegre, RS.
186
Em uma estratégia da senzala era possível verificar que, quando um padrinho era
convidado para batizar uma criança, as intenções eram muito mais amplas, pois esse poderia
dar uma possibilidade de colocação para essa criança quando longe da senzala, também uma
relação futura de empreendimento, a longo ou curto prazo, moldando as relações de
sociabilidade entre os pares e afetividade construída através da possibilidade de fomentar uma
outra relação de sobrevivência dentro do sistema social. Assim corremos o risco de que as
relações de compadrio são muito mais complexas do que pensamos.
Segundo as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, o batismo era,
para o cristão, a “porta de entrada” na Igreja Católica e a oportunidade da salvação da alma.
Quem não o recebesse ficava impedido de alcançar os demais sacramentos. A celebração da
cerimônia requeria que “Matrizes, Capelas filiais, Ermidas e Oratórios” estivessem aparelhados
com pia batismal “decente, água natural, santos óleos e paramentos das quatro cores”.
O sacramento deveria ser ministrado pelo pároco, ou por outro eclesiástico, desde que
tivesse a devida licença. Porém, quando o batizando corria risco de vida, o ato religioso também
podia ser administrado em casa, pela parteira licenciada ou por qualquer outra pessoa, desde
que houvesse a intenção de fazê-lo segundo os princípios da Igreja, proferindo as palavras: “Eu
te baptizo em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo”.224
Segundo Venâncio, Sousa e Pereira,
O sacramento implicava a constituição de laços com uma nova família espiritual, que
influenciava diretamente a carnal. Era usual, no momento do batismo, o pároco fazer
algumas perguntas aos padrinhos, que as respondiam em alto e bom tom,
transformando-os em fiadores públicos daqueles por quem respondiam. Tal
compromisso significava privilégios e deveres de ambas as partes, os quais eram
reconhecidos através da obediência, fidelidade e reverência do afilhado, em
contrapartida às múltiplas responsabilidades dos padrinhos (VENÂNCIO etal, 2006,
p. 276). 225
223
Idem.
224
VENÂNCIO, Renato Pinto; SOUSA, Maria José Ferro de; PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves. Compadre
Governador: redes de compadrio em Vila Rica de fins do século XVIII. Revista Brasileira de História. São Paulo,
v. 26, nº 52, p. 273-294 – 2006.
225
Idem.
187
As normativas da igreja deixam claro que somente pode batizar quem estaria dentro
das regras estabelecidas, isso quer dizer, ser católico independentemente de sua condição social.
Ou seja, a prioridade deve constar no catolicismo, a inserção social poderia interferir, mas não
poderia ser inferior ao batizando, isso leva a crer que as relações de compadrio entre cativos,
senhores, livres, indicados por um senhor ou convidados, estavam dentro das relações
estabelecidas pela lei vigente da Igreja.
O cuidado que se deve ter com as percepções do enredo e emaranhado das construções
e trajetórias dos sujeitos é que elas não estão isoladas, mas intrincadas entre vários agentes
construtores das realidades sociais, ou seja, não podemos somente visualizar os cativos nesse
contexto da escravidão, também outros atores que compõem a complexidade do escravismo se
fazem presentes, como o apadrinhamento dos inocentes nascidos nas senzalas. “Isso tudo quer
dizer: é imprescindível trazer outros sujeitos ao enredo de nosso texto, mostrar que havia
indivíduos que atuavam de modo similar [as trajetórias] [...]” grifo nosso (KARSBURGUER,
2015, p. 36).226
Um exemplo claro dessas percepções, em relação às trajetórias dos cativos no Vale do
Rio dos Sinos – Paranhana, são as relações de compadrio que se apresentaram em grande
número e repetidamente com os mesmos padrinhos em condições sociais diferentes, mas com
o mesmo intuito de formar laços de solidariedades que legitimassem as possíveis oportunidades
rumo à liberdade. Essa foi uma das estratégias para a manutenção da sobrevivência, no meio
social em que esses indivíduos foram inseridos; mas para funcionar tal elemento, é necessário
procurar entender como se formaram as relações próximas, e se transformando em relação de
sociabilidades fortes, com laços que se estruturaram antes mesmo dos ‘santos óleos nas cabeças
dos inocentes’, ou seja, o batismo por pessoas próximas, mesmo que sejam escravos, libertos,
pessoas da sociedade e senhores escravistas.
Como a escravidão foi reincorporada pelo Império a partir da Constituição de 1824,
onde no pós-independência as mudanças desejadas não surtiram os efeitos que deveriam, já que
não estabeleceram as regras da nova ordem jurídica, um rearranjo foi necessário, com isso
também, a reorganização da sociedade teve fortes elementos que constituíram as bases da
226
KARSBURG, Alexandre. A Micro-história e o método da microanálise na construção de trajetórias. In.
VENDRAME, Maria Inez, etal. Micro-história, trajetórias e imigração. São Leopoldo: Oikos, 2015.
188
Como diz na citação Farinatti, devemos estudar e perceber como as fontes podem nos
fazer entender as hierarquias que foram criadas dentro do contexto social, que se formou a partir
de 1824, e sua normativa para manter os privilégios que, anteriormente, já preestabeleciam as
bases da colonização, que, no caso, é o sistema escravocrata. Dito isto, dentro desse contexto
de regulamentação administrativa, documentos foram sendo produzidos para tais
regulamentações, desta maneira, atualmente podemos contar com os registros de batismos
como fonte primária do período imperial.
Os assentamentos de batismo nos possibilitaram um olhar diferenciado sobre os
processos constitutivos de formação social hierarquizada em proporções macro ou
regionalizadas, ampliando o campo demográfico regional e as mazelas que se estabeleceram no
contexto de desenvolvimento e esclarecimento dos modelos que foram implantados para
prevalecer a ocupação territorial, hierarquização social e econômica em determinado espaço
temporal de certa localidade de estudo, como, no nosso caso específico, olhar para dentro de
uma região única temporalmente entre 1856 a 1888, onde o número de relações escravistas se
efetivaram em grandes proporções.
227
FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Relações Parentais de Escravos, Libertos e indígenas na Fronteira
Meridional (1817-1844): primeiras notas de pesquisa. 5º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional,
11 a 13 maio de 2011, UFRGS, Porto Alegre, RS.
189
Conforme Farinatti:
Por sua vez, a decisão de investigar a partir de um único local não implica em
desconhecer o fato de que os laços e trajetórias dos sujeitos que ali viviam
ultrapassava, em diversos sentidos, os imprecisos limites daquela jurisdição
eclesiástica. Essa escolha se deu por questões metodológicas. Ela ajuda a viabilizar a
reconstrução de redes de relações sociais e de trajetórias pessoais e familiares
(FARINATTI, 2011, p. 2).228
228
Idem.
229
O termo “Indefinidos” será utilizado por falta de uma denominação que classifique esses indivíduos no contexto
do escravismo, supomos que muitos são de origem afrodescendente, mas não podemos afirmar já que não constam
nos registros de batismo tais dados, assim, para não cometermos enganos, vamos utilizar para esse número de
indivíduos batizados a nomenclatura de Indefinidos.
230
FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Relações Parentais de Escravos, Libertos e indígenas na Fronteira
Meridional (1817-1844): primeiras notas de pesquisa. 5º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional,
11 a 13 maio de 2011, UFRGS, Porto Alegre, RS.
190
Gráfico – 04
1000
500 858
481 362
15
0
858 - Registros 481 - 362 - Escravos 15 -
Indefinidos S/denominação
A partir desse gráfico, vamos expandir o entendimento sobre cada um dos itens que
compõem os elementos que aparecem no gráfico, fracionando as possibilidades e vislumbrando
trazer novos elementos para, assim, legitimar nossa proposta da presente tese, já que a
efetivação e comprovação da existência da escravidão, no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana,
já está consolidada pelos documentos de inventários post mortem, apresentados em capítulo
191
anterior; porém, com os registros de batismo podemos elencar outras possibilidades que foram
utilizadas pelos sujeitos em cativeiro para ampliar suas probabilidades e trajetórias rumo à
liberdade.
Dos 858 registros analisados, encontramos 481 indivíduos, que usaremos a
nomenclatura de ‘indefinidos’ já citado anteriormente, para distinguir das outras análises que
foram feitas. Esses representam 56% do total de registros, assim vamos dividir esses registros
por décadas, sendo a primeira a ser analisada a de 1863 até 1869, a segunda análise, de 1870 a
1879, e a terceira análise, de 1880 a 1888, findando a observação para uma melhor
compreensão, já que assinalamos perceber as quantidades de registros e frequência dos
batismos como oportunidade de relacionamento social para os que viviam em cativeiro.
231
Poderíamos dizer que essa necessidade do batismo era o que já se previa no decorrer do tempo ao final do
século XIX, o processo de branqueamento já se mostrava presente, e a busca dessa inserção na sociedade por parte
da população afrodescendente já se manifestava por esse reconhecimento.
194
desse poder. O negro escravo também fez parte da construção do atual município de Taquara-
RS, onde os grandes latifundiários mantiveram suas escravarias e seu poder centralizado,
consequentemente, com a chegada dos colonos imigrantes, podemos elencar que esses também
começaram a fazer parte desse poder local através de suas posses.
Mas não ficamos atrelados somente a grandes proprietários de cativos. Percebemos
que o escravismo foi muito mais além do que uma grande escravaria. O cidadão “comum”, que
teve como comprar um escravo, também fez parte desse processo de privação da liberdade
dentro do Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
Fazendo um comparativo entre os registros de Inventários e Batismos, temos 116
inventários e somente 84 senhores que possuíam escravos, estando distribuídos entre 17
senhoras e 67 senhores. Para os batismos, dos 858 registros, obtivemos 158 senhores,
distribuídos entre 72 senhoras e 86 senhores, formando uma única base de senhores escravistas
da região, chegamos a um montante de 242 donos de escravos entre masculinos e femininos na
região onde se localiza Taquara-RS.
O trabalho apresentado por Marcelo Mateus e Luís Farinatti (2016), sobre a utilização
dos registros de batismos, demonstra que a quantidade de escravos, que não aparecem nos
inventários, é muito maior do que esses documentos nos deixam ver, ou seja, se levarmos em
conta que muitos proprietários não faziam inventários, o número de escravos era bem maior do
que já sabemos.
Todavia, com a utilização dos livros de batismos, outras possibilidades surgiram, já
que esses registros, além de dar pistas sobre as relações de sociabilidade, também podem ser
úteis para contabilizar os números de cativos que não constam inventariados, assim, pode ser
outra fonte que venha a somar as quantidades de escravizados e legitimar ainda mais a presença
africana e do afro-brasileiro no sul do Brasil que constam nos inventários.
Segundo Matheus e Farinatti:
Por óbvio, não negamos a questão que boa parte destes cativos existentes nos batismos
são os próprios batizados o que, ligado ao fato que a mortalidade infantil era alta,
serve de alerta para relativizarmos os números. Contudo, os estudos a partir dos
inventários post-mortem também contabilizam crianças recém nascidas ou com um,
dois ou três anos – apesar de que, no caso dos inventários que trazem a idade dos
escravos, o pesquisador pode isolar apenas aqueles em idade produtiva e, com isso,
realizar análises mais refinadas (MATHEUS e FARINATII, 2016, p 8).232
Nesse caso específico, que citam os autores, não podemos nos basear nas quantidades
de cativos batizados, sem percebermos os senhores que fazem parte desse processo, pois, quase
sempre, são os mesmos indivíduos e isso pode nos levar a enganos quando somada a sua
totalidade, pois, essa ‘relativização’ pode acarretar e pôr em cheque todo o trabalho e,
consequentemente, a perda da credibilidade da pesquisa.
No caso do Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, buscamos verificar quais cativos
batizados se repetiam nos inventários. Para nossa surpresa, somente 16 cativos foram de
senhores que apareceram como inventariados; assim, a parcela maior teve outro olhar para tal,
pois aumentou consideravelmente a presença de afro-brasileiros na região no período de estudo,
que não constavam nos inventários, diferentemente da análise de Matheus e Farinatti, que, em
sua percepção, muitos se repetiam nos registros.
Ressaltam-se números expressivos para batismos que possuíam padrinhos que não
faziam parte dos laços sociais dos senhores, portanto de outras escravarias e também padrinhos
que fazem parte da família senhorial; logo, as relações de compadrio foram um elemento crucial
232
MATHEUS, Marcelo Santos; FARINATTI, Luís Augusto. Registros de batismo e inventários post mortem
como fontes para o estudo da estrutura de posse de escravos no sul do Brasil (século XIX): possibilidades e limites.
Revista: Estudios Históricos – CDHRPyB- Año VIII - Julio 2016 - Nº 16 – ISSN: 1688 – 5317. Uruguay.
197
para os cativos, já que poderiam batizar seus filhos com padrinhos livres ou escravos de outras
fazendas.
Segundo Levi,
233
LEVI, Giovanni. Reflexões sobre família e parentela. In: VERDRAME, Maíra Ines; KARSBURG, Alexandre;
WEBER, Beatriz; FARINATTI, Luís Augusto. Micro-história, trajetórias e imigração. São Leopoldo: Oikos,
2015.
234
Idem.
198
235
FARINATTI, Luís Augusto. Os compadres de Estêvão e Benedita: hierarquia social, compadrio e escravidão
na fronteira meridional do Brasil (1821-1845). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São
Paulo, julho 2011
199
porcentagem de 53% para o gênero feminino e 47% para o masculino, sendo que nos primeiros
anos dessa amostra não temos registros femininos.
Em comparação com a tabela 45 (indefinidos), a representação por porcentagem se
iguala com 100%, quase invertendo as porcentagens, ficam 46% para o gênero feminino e 50%
para o masculino. Somando as porcentagens das duas tabelas, os registros femininos e os
masculinos. Isso demonstra que o aumento demográfico local estava em franco
desenvolvimento para esse período e somente dois indivíduos foram identificados como
criolos(as).
Esses números mudam consideravelmente na tabela 50; os 153 batizados estão
distribuídos em 75 indivíduos masculinos, representando 47% dos que aparecem nos registros
dessa década, ainda, desse total, representando o sexo feminino, 79 mulheres somam 51%. Já
os classificados pelo tom da pele se manifestam em 44 pardos, chegando a 28% em comparação
as tabelas e as pessoas livres, que são 22 e representam 17%. Já pensando nos que chegaram à
pia batismal, a lei do ventre livre de 1871 foi efetivada para libertar as crianças nascidas a partir
desse ano. Seguido de 29 pessoas que somam 19% dos que são considerados pretos (as).
Somando as tabelas 49 e 50 com a tabela 51, podemos verificar que os números tendem
a aumentar sobre a questão do sexo feminino, assim, tivemos um percentual de batismos
femininos que chega a 53%, de 1859 a 1888, contra 47% do sexo masculino no mesmo período.
Isso significa um aumento demográfico considerável para a sociedade e batismos. Também, na
questão da cor da pele – principalmente no processo de miscigenação e sua complexidade –, as
diferenças aumentam, por exemplo, de 1880 até 1888 obtivemos o número de 40 indivíduos
pardos que significa 29% do total de 138. Os restantes se distribuem em 27 pretos, que somam
20%; com contratos de liberdade são 19 indivíduos, somando 13%, e 56 indivíduos em condição
de livre ou liberto, representando 40%.
Com a porcentagem de 29% dos pardos, também verificando na tabela 50, percebemos
que o processo endógeno foi em grande escala. As porcentagens comparadas entre pretos
somam 20%, que aumentaram suas relações com os mesmos do seu grupo no período anterior
(19%).
demográfico a partir de casais. Ainda se tem muito pouca condição para isso, por falta de
registros nos documentos de época, assim podemos somente deduzir o que aconteceu. Tão
somente os registros poderiam traçar um panorama para uma argumentação mais relevante,
mas, ainda dentro desse esforço, encontramos elementos que nos mostraram um percentual alto
de mães cativas que batizaram seus filhos com o consentimento de seus senhores.
Neste caso, encontramos informações acentuadas que legitimam nossa pesquisa
quando nos deparamos com os registros de batismos. Neles podemos verificar a quantidade de
mães e suas classificações dentro do sistema escravista, bem como sua condição no cativeiro
ou fora dele, levando nas entranhas da vida social as denominações que repousam em larga
escala como inferiorização.
Dentro desse processo, passamos a analisar os casos específicos, com suas quantidades
e porcentagens para cada sujeito e classificação, que denomina e determina a condição social a
partir da tabela 52, que compreende 312 indivíduos envolvidos nas questões de batismo. Com
isso, damos início à análise com as mulheres e suas condições sociais, sendo um total de 291
mães em condições diferentes, sobre 312 indivíduos.
As mães escravas (tabela 52) somam 204 mulheres, que representam 70% do total de
291 mães em condições adversas, ampliando as bases da resistência ao sistema e envolvendo
outros atores. As mães livres somam 34 libertas, que atingem 12% do valor total exposto. As
mães forras e nação somam duas na classificação e fecham em 0,6%, e as mães que não
aparecem seus nomes e assim denominadas de ‘incógnitas’ representam 4,4% do total das
mulheres que batizaram seus filhos no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana. E sobraram 13%
para as mulheres livres.
É importante ressaltar que nos registros de batismo, no caso dos cativos, os pais dessas
crianças aparecem muito pouco: o número encontrado foi de 21 indivíduos com denominações
de classificação social, que somam 24% para os pais escravos, 71% para os pais livres e 5%
para os pais libertos. Todos os dados referentes a tabela 52.
Nos registros analisados, encontramos 485 batismos que não deixaram pistas da
procedência étnica dos pais, somente as classificações sociais de trabalho, isso representa que
88,5% das mães não possuem definições sobre sua condição. Vimos que 2,7% representam
mães solteiras, já as mães domésticas somam 5,4%; mães lavadeiras somam 2%; mães
costureiras, 0,7%, e pais lavradores, 0,7%, fechando o total de 485 batismos e seus respectivos
pais, que não possuem uma especificação sobre quem são ou de onde vieram.
A importância dos registros de batismos nos leva para questões que possam esclarecer
como essas relações de sociabilidade se transformaram, gerando significados para os afro-
brasileiros, senhores e padrinhos. Nos levando a pensar o porquê dessas pessoas batizarem
negros escravizados, visto que eram considerados inferiores dentro da sociedade branca. No
entanto, através desses registros chegamos a uma resposta, por meio da análise do registro de
batismo dos escravos do senhor Franz Koch 1859, colono na região.
Não temos dúvidas que, mesmo em alguns casos, como o senhor Franz Koch, que
possuía 16 escravos – somados as crianças batizadas e seus pais e padrinhos –, se valeu de
solidariedade e pela sua fé religiosa para batizar seus cativos, embora fizesse parte da
comunidade evangélica, usurpava ao máximo seus trabalhadores, pois eram vistos, em sua
concepção, como mercadorias móveis que deveriam ser controladas para não causarem
204
problemas na comunidade onde é hoje o município de Igrejinha, dentro do Vale do Rio do Sinos
- Paranhana.
Na bibliografia local aparece uma descrição na obra de Erni Engelmann (2005), já
citada em outro capítulo, onde afirma que Franz Koch maltratava seus escravos, era agressivo
e que não suportava vê-los como pessoas, mas como animais a serem domesticados. Mesmo
assim a força da religiosidade imperava de tal maneira como representação para este senhor em
sua construção social, que favoreceu para os cativos o batismo, significando para os mesmos
outro sentido mais forte que os maus tratos aplicados, dando assim, a esses indivíduos, uma
possibilidade de relacionar-se com outros membros da sociedade local e viabilizando algum
processo de possibilidade à resistência sobre suas vidas em prol da liberdade.
Franz Koch possuía 16 cativos, como mostra a tabela acima, poderia ser mais uma
escravaria no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana; todavia, o que chamou nossa atenção foi que
nos livros de Registros da Igreja Evangélica, esse é o único registro de batismo de negros
escravizados nos arquivos disponíveis. Embora tratasse seus escravos com desprezo, buscou
colocá-los dentro de uma organização religiosa, manteve a doutrina evangélica e a crença de
que as pessoas sem o batismo vagariam pelo mundo sem direção e longe do poder de Deus.
Nas análises gerais dos registros, percebe-se que para os escravizados não lhes eram
atribuídos ‘sobrenomes’, somente a definição de um prenome próprio. Mas os cativos de Franz
Koch nos dão um outro exemplo de como as relações vão se formando, buscando estabelecer
certos coeficientes que regulamentam características diferentes dos demais registros.
Exemplo disso são esses cativos relacionados que utilizam nomes e prenomes,
definindo como uma escravaria se difere das demais na região do Vale do Rio dos Sinos –
Paranhana. Para exemplo disso temos a escrava batizada em 1870, Maria Lina Romann, filha
de Manoel Romann e Kantina Anton, tendo, como padrinhos, Johannes Müller e Magdalena
Müller.
205
O sobrenome de seu pai, Manoel Romann, deve ter sido “adquirido” através de
relações próximas de algum senhor e comprado por Franz Koch. Se não tivesse a especificação
de escravo, passaria despercebido como mais um registro de batismo e não como sendo um
afro-brasileiro que esteve presente na ocupação e construção da região. Além de dar outro
aspecto ao nome completo de sua filha, também denota que a conquista de Manoel deve ter sido
uma luta constante para ser registrado com um sobrenome.
No mesmo registro encontramos também o batismo de Hermann Peter, em 1878, filho
de Ismael e Candinha e aparece com prenome e sobrenome, mas aqui nesse caso, já podemos
analisar como sendo uma homenagem ou referência de agradecimento pelo batismo, visto que
seus padrinhos eram Peter Sander e Hermine Sander. Para esse mesmo casal de escravos, Ismael
e Candinha, também se destaca o seu filho Heinrich que foi batizado em 1873 pelos padrinhos
Heinrich Werb e Margaretha Werb, sendo ambos escravos.
Nos casos citados, ambos os filhos de Manoel Romann e Kantina Anton, Ismael e
Candinha, encontramos as relações de sociabilidade, já que, em forma de homenagem, os filhos
dos casais utilizaram o prenome de seus padrinhos ou sobrenome dos pais, mesmo que um
padrinho seja escravo (Heinrich Werb). Fortificam-se as relações sociais e políticas e de
solidariedade, visando formularem condições para a vida em liberdade e facilitando as
oportunidades pelo apadrinhamento.
Mesmo tendo características diferentes entre os padrinhos, ambos admitem abranger
que as tentativas de resistência ao sistema escravista já estavam sendo constituídas
anteriormente a esses batismos, pois as mesmas condições de utilizarem o sobrenome de algum
membro da sociedade ou mesmo de seu senhor nos deixam perceber que as relações entre
senhores e cativos já vinham sendo construídas anteriormente por meio de “relações solidárias
ou boas relações sociais” na sociedade alemã colonizadora do Vale do Rio dos Sinos –
Paranhana.
Chegamos ao entendimento que esses batismos, de Maria Lina Romann e Hermann
Peter, possam ter sido diferenciados para a vida futura dessas crianças, visto que, ser
apadrinhado e acrescido de um sobrenome, a representação para ser incluso na sociedade com
um pouco mais de facilidade que os demais, foi um dos elementos constitutivos que nortearam
a resistência. Claro, não sendo anacrônico e sabendo que a inserção dos negros na sociedade
branca não foi assim tão branda, percebemos que foram fortificados os laços de solidariedade
entre esses sujeitos.
Há outro caso no mesmo registro que nos faz repensar as diferentes formas de
resistência ao escravismo e sociabilidade através dos laços de solidariedade. E, de como é
206
Havia aqueles que tinham apenas seu nome grafado. Outros, tinham registrado o que
nos parece hoje dois nomes (e.g., Maria Francisca, Manoel Antônio), ainda que o
segundo prenome pudesse funcionar como um sobrenome, já que, por vezes, podia
ser transferido aos filhos. A seguir, temos os que tinham registrado nome e sobrenome.
Por fim, havia os que, antes do nome completo, traziam algum sinal de distinção
social, como o apelativo dona para as mulheres e os postos de oficiais do exército
(mais raros), de milícias (até c. 1831) ou da guarda nacional (a partir de 1831) para os
homens (FARINATTI, 2011, p. 9-10).236
236
FARINATTI, Luís Augusto. Os compadres de Estêvão e Benedita: hierarquia social, compadrio e escravidão
na fronteira meridional do Brasil (1821-1845). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São
Paulo, julho 2011.
207
237
VENÂNCIO, Renato Pinto; SOUSA, Maria José Ferro de; PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves. Compadre
Governador: redes de compadrio em Vila Rica de fins do século XVIII. Revista Brasileira de História. São Paulo,
v. 26, nº 52, p. 273-294 – 2006.
210
padrinhos que aparecem três vezes nos registros, já os 7 padrinhos que chegaram para batizar
quatro vezes à pia batismal representam 22,5%. Para um (01) padrinho que teve a chance de
batizar cinco vezes, chegamos a 3,5%, e os outros dois que batizaram 6 vezes, representando
6%, restando somente um padrinho que batizou sete vezes, chegando a 3,5% do total dos 31
registros.
4.3.1 Padrinhos que mais batizaram no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
Vamos elencar um pouco a descrição dos padrinhos que mais batizaram no Vale do
Rio dos Sinos – Paranhana, como é o caso de João Gonçalves de Oliveira e Rosa Gonçalves de
Lima, que estiveram presentes na pia batismal durante o período de 1875 a 1885. Os batismos,
para esse casal, se caracterizam por poucas informações descritas nos registros; no entanto,
acreditamos que as crianças sejam filhos de escravos e livres, em virtude de fazerem parte de
cinco registros. Entendemos que sua representatividade no meio social para os cativos se dava
por sua influência e a possibilidade de inserção na sociedade, pois, pelo contrário, não teriam
batizado cinco crianças.
211
238
HAMEISTER, Martha Daisson. O Uso dos Registros Batismais para o estudo de Hierarquias Sociais no
Período de vigência da Escravidão. 5º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 11 a 13 maio de
2011, UFRGS, Porto Alegre, RS.
212
Angélica Santos, João, em 1870, filho de Prudência Maria, assim também Maria Angélica em
1884, filha de Balbina Manique. Francisco A. dos Santos ainda tinha batizado, em 1878, com
Maria Joaquina da Conceição, Maria, filha de Anna Maria Gertrudes.
Francisco Alves dos Santos ainda possibilitou que Rafael liberto e Tito, seu escravo,
batizassem Perceverando em 1868, filho de Maria criola, escrava de Clara Ignacia de Jesus,
deixando claro as relações próximas e de sociabilidade entre senhores, livres e escravos. Para
esse senhor e padrinho somam-se também seis registros.
A construção da hierarquia social demonstra que, mesmo estando em grupos sociais
diferentes, as estruturas se estabilizam em um contato direto de relações naturais, ainda que não
haja um parâmetro de valor social, naturalmente as circunstâncias de afeições, solidariedades,
e respeito mútuo se fazem presentes entre os agentes envolvidos dentro da composição das
relações próximas existentes entre esses pares. Assim essa construção vai se estabilizando entre
ambos os grupos e indivíduos.
Farinatti chama a atenção para essas questões de formação de hierarquias:
Ao invés disso, o compadrio se apresenta como uma situação variável de acordo com
circunstâncias e conjunturas específicas. Isso, porém, não quer dizer que tenha tido
caráter aleatório e que o casuísmo seria uma boa descrição para essas práticas. Não há
dúvidas de que se tratava de uma oportunidade importante para o estabelecimento ou
ritualização de relações significativas para os escravos e para seus senhores
(FARINATTI, 2011, p. 15).239
José Alves dos Santos é um militar com patente de major, foi o padrinho que mais
batizou no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana. Até o momento, encontramos sete registros
onde consta o nome desse militar, talvez por ocupar um cargo dentro da sociedade possa se
fazer valer a afeição entre seus pares, com isso também viabilizou alguns batismos que lhe
renderam uma atividade afetiva por parte dos pais dos batizandos e aumentando seu prestígio e
reconhecimento como cidadão.
José Alves dos Santos e Maria Francisca dos Santos batizaram Onofre, em 1879, filho
de Candida Manique de Jesus. Com Mariana Velloso, José Alves batizou a menina Matilda, em
1864, filha da escrava Eva, pertencente a Bento Pereira Dias, e também, com a madrinha Maria
Francisca dos Santos, batizou a menina Maria Francisca, em 1881, filha de Maria B,
(incompleto).
239
FARINATTI, Luis Augusto. Os compadres de Estêvão e Benedita: hierarquia social, compadrio e escravidão
na fronteira meridional do Brasil (1821-1845). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São
Paulo, julho 2011.
213
Por ser requisitado para apadrinhamento, ou indicado através de suas relações sociais,
José Alves dos Santos e Anna Bernardina da Silva, batizaram Maria, em 1882, filha de João
José e Francisca Amélia. Concretizando, além disso, o batismo; com Vicentina Francisca
Fernandes, o da criança Francisca, em 1884, filha de Rosalina Silveira dos Santos que
trabalhava em serviços domésticos. Maria Angelica dos Santos e José Alves realizaram o
batismo de Haldimira, em 1885, filha de Leonor Maria de Oliveira e, em companhia de Maria
José de Oliveira, batizou Jordelino, em 1888, filho de Poliana Rosa de Jesus.
Nos trabalhos de Farinatti (2011), Cunha (2013), Soares (2010), Matheus e Farinatti
(2016), Hameister (2011), Venâncio (2006), Soares (2010), aparecem as relações de militares
fazendo parte do compadrio e sua representatividade na vida social. A procura por esses
indivíduos está centrada pelo poder e representação que essa patente pode elencar para uma
pessoa comum dentro das questões de apadrinhamento e visibilidade no meio social. Como no
caso do major José Alves dos Santos, no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, que batizou
crianças escravas e livres com diversas madrinhas.240
Nesse contexto geral, essa mescla de batismos, com diferentes padrinhos e madrinhas,
demonstra o emaranhado das relações sociais que se estabeleceram na região. São diversos os
casos dessas relações que mantiveram as esperanças de um movimento ondulatório para os
cativos percorrerem as fronteiras do reconhecimento como indivíduos aptos para levarem suas
vidas de acordo com sua realidade, em primeiro, os cativeiros, em segundo, o apadrinhamento
e, consequentemente, seu desenvolvimento social sem restrições na grande cadeia de relações
sociais.
240
FARINATTI, Luís Augusto Ebling. Relações Parentais de Escravos, Libertos e indígenas na Fronteira
Meridional (1817-1844): primeiras notas de pesquisa. 5º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional,
11 a 13 maio de 2011, UFRGS, Porto Alegre, RS.
FARINATTI, Luis Augusto. Os compadres de Estêvão e Benedita: hierarquia social, compadrio e escravidão na
fronteira meridional do Brasil (1821-1845). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São
Paulo, julho 2011.
CUNHA, Joceneide. Entre Padrinhos e Compadres: os africanos nos livros de batismos em Sergipe (1785-1835).
XXVII Simpósio Nacional de História – HNPUH. Natal, 22-26 de julho, 2013.
MATHEUS, Marcelo Santos; FARINATTI, Luís Augusto. Registros de batismo e inventários post mortem como
fontes para o estudo da estrutura de posse de escravos no sul do Brasil (século XIX): possibilidades e limites.
Revista: Estudios Históricos – CDHRPyB- Año VIII - Julio 2016 - Nº 16 – ISSN: 1688 – 5317. Uruguay.
HAMEISTER, Martha Daisson. O Uso dos Registros Batismais para o estudo de Hierarquias Sociais no Período
de vigência da Escravidão. 5º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, 11 a 13 maio de 2011,
UFRGS, Porto Alegre, RS.
VENÂNCIO, Renato Pinto; SOUSA, Maria José Ferro de; PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves. Compadre
Governador: redes de compadrio em Vila Rica de fins do século XVIII. Revista Brasileira de História. São Paulo,
v. 26, nº 52, p. 273-294 – 2006.
SOARES, Carlos Eugenio Líbano. “Instruído na Fé, Batizado em Pé”: batismo de africanos na Sé da Bahia na
1ª metade do século XVIII, 1734-1742. Revista: Afro-Ásia, 39 – 2010, 79-113.
214
4.3.2 Madrinhas que mais batizaram no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana.
A partir de agora daremos ênfase para as madrinhas que, somadas as que mais
batizaram, chegam a 42, representando 58% em comparativo com os padrinhos, isso quer dizer
que as mulheres foram mais solicitadas para apadrinhar que os homens, já que os mesmos
atingiram somente 42% do apadrinhamento.
Essa diferença entre o gênero de apadrinhamento pode ser considerada pela
proximidade das mães com as madrinhas e, consequentemente, as madrinhas se aproximando
dos padrinhos, mesmos que fossem indicações senhoriais. Essa aproximação pode ter
acontecido e transformado as relações de sociabilidade em relações de proximidade e
solidariedade.
Como apresentado na tabela 60, as madrinhas representam 42 mulheres, que se
dispuseram a batizar os filhos da “sociedade”, essas estão distribuídas de acordo como as vezes
que estiveram na pia batismal. Nesse contexto, 22 madrinhas chegaram até a igreja com seus
afilhados pelo menos três vezes, representando 52% das madrinhas que aparecem na tabela 60.
Das madrinhas que batizaram quatro vezes, somam-se 09 mulheres, que representam 21,5%
nos registros.
Há as madrinhas que conseguiram participar mais ativamente na aplicação dos santos
óleos na cabeça das crianças e tiveram sua participação por mais de uma vez nesse processo de
encaminhar os inocentes à vida religiosa, como por exemplo, 06 madrinhas que batizaram cinco
crianças cada, sendo representada por 14%. As madrinhas que batizaram entre 6 a 7 crianças
aparecem com 2,5% de representatividade, sendo uma madrinha batizando seis crianças e outra
batizando sete inocentes.
As mulheres que conseguiram elevar as vezes que estiveram à beira da pia batismal,
alcançando a marca de oito a treze vezes, somam 2,5% das que conseguiram batizar seus
afilhados, com isso obtivemos um maior número de representação social por parte dessas
mulheres que fizeram pares com homens, que muitas vezes eram somente contornos figurativos
nesse contexto do cativeiro.
Exemplo desse processo é Anna Maria da Conceição que, junto de Manoel Caetano
dos Santos, batizou Camillo, em 1870, filho de Maria Angelica e em 1872, Damazia, filha de
Maria Silva das dores. Além de batizar os inocentes, Anna Maria da Conceição também se
apresentou como protetora de Manoel, em 1872, sendo ele filho de Belmira M. da Conceição e
tendo como padrinho Joaquim P. Bueno.
215
241
SOARES, Carlos Eugenio Líbano. “Instruído na Fé, Batizado em Pé”: batismo de africanos na Sé da Bahia
na 1ª metade do século XVIII, 1734-1742. Revista: Afro-Ásia, 39 – 2010, 79-113.
216
242
Idem.
217
relacionamentos de compadrio que, junto com Maria Joaquina da Conceição, batizou Maria em
1878, mãe não mencionada.
Citando os padrinhos que estiveram na pia batismal com Maria Joaquina da Conceição,
Boaventtura da Costa Souza é um dos que mais batizaram, aparece por diversas vezes em datas
diferentes, como é o caso do batismo de Maria Albertina, em 1879, filha de Balbina Maria da
Conceição. Também, com o padrinho Balbino Pereira dos Santos, batizou Rosalina em 1881,
filha de Emilia L. Moraes. Maria Joaquina da Conceição além de madrinha e mãe é também
avó de Manoel, filho de Anna da Silva, seus padrinhos foram João Ignacio e Nossa Senhora da
Conceição, em 1882. Boaventtura da Costa Souza e Maria Joaquina também batizaram Affonso
em 1883, filho de Narciza, escrava de Joaquim Paz de Oliveira.
Ainda, Maria Joaquina da Conceição e Bibiano Pereira dos Santos batizaram João em
1884, filho de Leonor Maria da Conceição, lavadeira. Com Prudencio S. da Silva, batizou
Antonio em 1887, filho de Leodata, liberta por contrato com João Paz de Oliveira. Também
nesse mesmo registro, encontramos o batismo de outra criança da mesma filiação, porém o que
muda são os padrinhos, nesse assentamento, foi batizada Hamasia, em 1887, sendo os
padrinhos, Bazilio José Dias e Joana, todos pretos libertos. Finalizando sua participação nos
registros, Maria Joaquina da Conceição chegou à pia batismal para dar os santos óleos para seu
filho Gabriel Fernandes em 1888, batizado por José Ignacio de Lima e Justina Antonia da
Conceição, livre segundo a lei de 13 de maio de 1888.
Esse caminho, que Maria Joaquina da Conceição percorreu dentro da sociedade
escravocrata no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, demonstra a mobilidade das relações entre
senhores e cativos e ex-cativos, sendo muito mais amplas que a inércia de relações estanques e
que a busca por essa mobilidade social estava muito presente nas intenções dos envolvidos,
visando a autonomia de uma vida livre e com possibilidades de desenvolvimento individual e
coletiva para os que estavam do outro lado da sociedade branca.
As características para essas mulheres fazerem parte desse processo batismal são
diversas, mas centradas nas relações, principalmente em sua condição social, de hierarquia
dentro da visão de quem estava em cativeiro ou estava sem oportunidade ainda para se
relacionar em grupos pré-estabelecidos, ou classificados pela tonalidade da pele ou ainda a
condição adquirida por sua própria conta.
Nesse caso, Soares (2010) atenta para a importância das mulheres como madrinhas em
sua pesquisa:
218
Tanto entre forros como entre escravos, as mulheres eram mais numerosas do que os
homens, o que indica que estamos lidando com territórios políticos que não bastam
ser mapeados numericamente. Escravas e libertas eram mais convocadas que suas
contrapartes masculinas para proteger seus “iguais” recém-tragados pelas malhas do
tráfico atlântico (SOARES, 2010, p. 90).243
Essas relações políticas, que constam na citação, poderiam ser entendidas como bons
relacionamentos entre senhores e senhoras escravistas, que designaram tarefas às escravas, e
essas davam produtividade e adquiriam sua independência emocional e autonomia. Assim
tornaram-se representantes de toda uma legião de ‘mulheres-madrinhas’ durante todo período
de falta de oportunidades, no seio de uma sociedade estritamente racista e preconceituosa, mas
ao mesmo tempo se mantiveram firmes e constantes, sendo reconhecidas em moldes de
competência e responsabilidade de manter a unidade cultural e pessoal dessas crianças
batizadas.
Maria da Conceição é mais uma dessas mulheres, como consta nos registros de
batismos, além de ser uma senhora de escravos e, mesmo não constando mais nenhuma
informação que possa defini-la como negra, alforriada ou branca, nos permite imaginar que sua
presença nesses documentos possa nos dar uma pista de sua importância social.
O que temos é sua permissão para que batizassem Bernardo em 1869, filho de Joanna,
escrava, sua madrinha foi Joaquina Resende de Morais. Em 1870, Maria da Conceição batizou
Affonso, filho de Eufrazia criola, escrava de Vicente Fernandes do Amaral, sendo Ventura da
Costa Souza o padrinho. Também permitiu batizar Francisco em 1872, filho de Joanna, sua
escrava, foram os padrinhos Luiz Martins Gonçalves e Maria Antonia dos Santos. Além de ter
participado, com Leonor e Ventura Belmiro de Souza, no batismo de Sebastião em 1873, filho
de Maria, escrava de Maria do Nascimento da Cruz.
Maria da Conceição e Júlio Mendes da Silva batizaram Maria em 1875, filha de
Prudencia Maria de Oliveira. Além de também favorecer e fortalecer suas relações, ofereceu
seu filho, Bernardino, em 1875, ao batismo, sendo os padrinhos, Jacob Frederico da Silva e
Philomena Ignacia da Silva.
Acreditamos que a partir desse registro, Maria da conceição já não seja mais ‘a mesma
pessoa’, pois as características sobre sua condição começam a dar indícios que é outra pessoa.
Essa Maria da Conceição aparecer como mãe de Antonio batizado em 1876, e sendo os
padrinhos, Generoso Antonio de Souza e Maria Joaquina Fernandes, mas também batizou com
243
Idem.
219
João da Cruz, Adriano em 1876, filho de Albina, escrava de Joana Maria de Oliveira, onde
consta no registro que ambos eram livres.
Assim, outros processos estão se formando na compreensão das relações afetivas
sociais, pois Maria da Conceição ofereceu seu filho, Francisco, ao batismo em 1877, sendo os
padrinhos, Albino Joaquim Silveira e Joaquina M. de Jesus. Também Maria da Conceição e
Pedro Gomes da Costa aparecem como avós de Adelino, filho de Maria Lucinda da Conceição,
sendo os padrinhos, Manoel Gomes da Costa e Laurinda Maria da Conceição, além de ser
madrinha de Leopoldina Maria, em 1879, filha de Maria José dos Anjos, sendo que seu par no
batismo foi Leonardo Felipe de Oliveira.
Neste outro registro, Maria da Conceição (liberta) e Francisco são pais de Maria
Francisca, que foi batizada em 1879, sendo os padrinhos, Ignacio Antonio Alves e Delphina
Maria do Espírito Santo. Com João Silveira de Oliveira, batizou Prudencio em 1879, filho de
Augusta. Nesse outro registro, Maria da Conceição e Laurindo Gomes de Deus aparecem como
pais de Avelino, que foi batizado em 1880, apadrinhados por Manoel Rodrigues de Athaide e
Catarina de Rodrigues de Athaide.
O nome de Maria da Conceição se desloca por dentro dos registros de batismo, junto
com Inocêncio J. de Ávila, batiza Guilhermina em 1882, filha de Maria, escrava de Francisca
da Conceição. Novamente nos deparamos com a mesma pessoa formando par com outro
homem, Maria da Conceição e José dos Santos (livres) são pais de Maria que foi batizada em
1882, sendo os padrinhos, Antonio Joaquim de Oliveira e Serafina de Oliveira.
Maria da Conceição e Fermino Gomes da Costa batizaram Francisco em 1886, filho
de Maria Francisca da Conceição, liberta por contrato com Justino Paz de Oliveira. A
representação do nome de ‘Conceição’ nos possibilita imaginar que teve uma grande
importância para quem estava em situação vulnerável social, pois é a madrinha mais requisitada
da região, como ainda podemos perceber através de outros registros.
Maria da Conceição é mãe de Carolina e foi batizada em 1886, sendo os padrinhos,
Marçal da Rocha e Antonio dos Santos, solteiros. Também foi mãe de Jovelina, que foi batizada
em 1888, sendo os padrinhos Antonio Candido Alves e Maria Ignácia, ambos solteiros. Maria
Ignácia era mãe de José, batizado em 1888, apadrinhado por Bonifácio Paulino e Luiza Rosa.
Anna Maria da Conceição, Maria Joaquina da Conceição e Maria da Conceição, pelo
que constam nos registros de batismo, foram as madrinhas que mais batizaram por essas bandas,
sua representação no meio social teve uma repercussão na ordem, como foi descrita acima. O
emaranhado de batismos e padrinhos, como João Gonçalves de Oliveira, Balthazar José
Bernardes, Francisco Alves dos Santos e José Alves dos Santos, que também fizeram parte de
220
grupo seleto que mais batizou crianças na região, nos direciona para a dimensão e importância
dos que fizeram parte desse complexo social.
Embora, nos livros de batismo, tenhamos algumas informações incorretas por falta de
um modelo de registro, visto que muitos párocos não se detinham a tais recomendações, ainda
mais se fossem batizados de escravos ou seus descendentes, não quer dizer que não podemos
ter uma base de entendimento desses documentos, pois, relacionando tais elementos, podemos
chegar a certezas e verdades sobre esses sujeitos que participaram ativamente desse processo
na pia batismal.244
As relações de sociabilidade entre senhores e escravos estavam voltadas para a
participação desses indivíduos escravizados em um modo de inserção na realidade de uma
sociedade escravocrata. Para isso, a figura da igreja era fundamental e, para o escravo, uma
maneira de se refugiar e perceber quais eram suas reais chances de locomoção dentro do quadro
da sociedade.
Para Katia Mattoso,
244
CUNHA, Joceneide. Entre Padrinhos e Compadres: os africanos nos livros de batismos em Sergipe (1785-
1835). XXVII Simpósio Nacional de História – HNPUH. Natal, 22-26 de julho, 2013.
245
MATTOSO, Katia M. de Queiros. Ser Escravo no Brasil: séculos XVI-XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
221
legitimação e poder do controle social, econômico e populacional descrito como inferiores, mas
registrados nos moldes da sociedade vigente no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana entre 1856
e 1888.
Nos utilizando da bibliografia literária, que conta um pouco da História local da cidade
de Taquara e seu desenvolvimento econômico e social, chegamos a Alberto Martins, um médico
natural da cidade, que escreveu a obra Lendas, Fatos e Pessoas da Taquara Velha do Mundo
Novo (1998). Nessa obra conta que havia um escravo do Cel. Inácio Fialho, conhecido como
Negro Omuro, africano, que desembarcou em Salvador na Bahia, vindo da Costa do Marfim.
Foi comprado por um proprietário de terras da Província de São Pedro. Causou rebeliões entre
escravos, foi preso e arrematado pelo Cel. Inácio Fialho, que era atafoneiro e produtor de farinha
de mandioca. Logo Omuro passou a ser reconhecido pelo coronel por sua presteza no trabalho
e virilidade, tornando-se, no decorrer do tempo, o homem de confiança de Inácio Fialho.246
Mas o que não era para acontecer, era o envolvimento da filha do Coronel com Omuro,
isso decretou a sua sentença, que foi a castração e a morte. Porém, através desse relato, podemos
observar que não era somente mais um envolvimento de um escravo com uma mulher branca,
mas sim com a família de seu senhor. Também podemos observar, na citação abaixo, que a
religiosidade se faz presente no contexto descrito como identidade cultural e preservação de
costumes africano, como expõe Alberto Martins:
246
MARTINS, Alberto. Lendas, Fatos e Pessoas da Taquara Velha do Mundo Novo. Taquara: Encosta da Serra,
1998.
247
Idem.
222
Outra questão é que, através desse texto, podemos saber que alguns africanos em cativeiro, em
Taquara, eram muçulmanos e cultuavam sua religiosidade escondidos, já que a religião do
império era o catolicismo e essa restringia as crenças africanas; também podemos saber a sua
localização de origem na África, Costa do Marfim.
Contudo, um fato que chamou a atenção e nos fez pensar sobre a importância do afro-
brasileiro e sua trajetória na sociedade taquarense, é o relato de um acontecimento que envolve
um político da região, que parece ser descendente de um negro, cativo da família Rangel. Esse
fato está na obra literária de Erni Guilherme Engelmann, “A saga dos Alemães” (2005), que
retrata a chegada dos colonos alemães à Fazenda Mundo Novo.
Erni G. Engelmann afirma que,
Segundo contava José Alexandre Hack, meses depois da morte de Antônio, nasceu
seu filho, que deixou as marcas de sua negritude na família Rangel, passando-as
depois para os “Santos”, que é o sobrenome da mãe de Alexandre, a qual se casaria,
mais tarde, com um alemão de sobrenome Hack. Dessa miscigenação, contava ele,
nasceu um alemão, com feições de negro, que era o próprio José Alexandre Hack
(ENGELMANN, 2005, p. 621).248
248
ENGELMANN, Erni G. A Sagra dos Alemães: do Hunsrück para Santa Maria do Mundo Novo. V. II. Igrejinha:
Editora Comunicação Impressa, 2005.
223
parte, que alguns fatores de reciprocidade são expostos nas fontes e bibliografia até aqui
analisadas.
Erni G. Engelmann (2005) faz menção a um colonizador teuto, Franz Cristhian Koch
– já citado anteriormente nos batismos –, um dos primeiros alemães a fixar residência na
Fazenda Mundo Novo. Esse colono possuía cativos e era tido como um mau senhor, pois
maltratava e era extremamente rude e violento com seus subalternos, até mesmo com sua
família e esposa.
Segundo Engelmann,
Não era comum os colonos alemães terem escravos, até porque a Europa toda se
posicionava contrária ao tráfico de escravos, já naquela época. Mas Franz Koch foi
uma destas exceções, tendo trazido junto com ele, para o Mundo Novo, alguns negros
escravos, entre eles um de extrema confiança e servilidade de nome Manuel, que em
alemão era chamado de “Monevel” (ENGELMANN, 2005, p. 607).249
[...], um imigrante alemão de nome Friedrich Wilk adquiriu terras no Rio da Ilha.
Adquirira quatro colônias de terra cobertas de maciça mata virgem, rica em madeira
de lei de todas as espécies. Foi isso que motivou Wilk a construir uma serraria, para
explorar essa grande riqueza florestal. Logo depois, comprou dois escravos, de nomes
Tomás e Matias. Pôs os dois escravos como auxiliares na serraria, ensinando-lhes
249
Idem.
250
1883, o senador Ribeiro da Luz se manifesta dizendo que não sabe qual foi a lei que autorizou a escravidão.
Como jurista e conhecedor das leis, refere que, se os índios são escravizados, devem ser libertados, em seu lugar
cita que os negros foram introduzidos para o cativeiro, isso ele não concorda, visto que não conhece nenhuma lei
que regulamente a escravidão do Brasil. Podemos perceber as influências do processo abolicionista em
manifestação como um regulamento jurídico. CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. A Escravidão no
Império do Brasil: perspectivas jurídicas. André Emmanuel Batista Barreto Campello – 1. ed. ISBN 978-0-557-
67298-1. 2010, p. 29.
224
Mariano, preto, forro e sua concubina, nome ignorado, escrava de Maria Ricarda, foi
assassinada pelos denunciados com uma pancada na cabeça com uma mão de pilão,
cuja pancada a fez sucumbir imediatamente, deixando depois logo a casa de que
resultou a morte da referida Maria Ricarda e tudo mais que lhe existia, salvando-se
apenas uma criança, com que a mesma viúva vivia, ignorando esta promotoria se era
parente sua (APERS, 1860, nº 497). 252
Como podemos notar, Mariano era forro, tinha ganhado a sua liberdade, - não tivemos
outro documento para verificar quem era o seu senhor e como conseguiu sua carta de liberdade
- aconteceu um assassinato e Mariano está inserido nele. Qual seria a causa desse ato de
violência e o motivo da participação da escrava de Maria Ricarda nessa ocorrência?
Sob a luz de nossa análise inferimos que o processo instaurado não chegou a um
veredito, somente manifestou que Mariano e sua concubina sofreriam a pena por
‘desobediência’ e que se encontravam fugidos, não sabendo do seu paradeiro, mas trazendo
alguns elementos, com o qual podemos traçar um caminho para tentar entender a motivação do
crime contra Maria Ricarda.
251
ENGELMANN, Erni G. A Saga dos Alemães: do Hunsrück para Santa Maria do Mundo Novo. V. II. Igrejinha:
Editora Comunicação Impressa, 2005.
252
Processo Crime. A justiça o Preto Mariano e outros. Nº 497. Maço 18. Estante 152, 1860 – APERS.
225
A testemunha Manoel Rodrigues Ribeiro, solteiro com 28 anos, cita uma escrava,
Leonarda, que pode ter participado da morte de Maria Ricarda dos Reis. O testemunho não é
claro sobre esse fato, mas pode ter acontecido algo entre a falecida e essa escrava, que
suponhamos seja a concubina de Mariano. O depoente lembra ainda que a Leonarda foi vendida
à Fazenda Vacaria e o comprador foi José Maria do Sacramento. Infelizmente não encontramos
o inventário desse senhor.
Ainda, o depoente se refere que “respondeu que poderia ter sido humilhada a escrava”,
o que nos leva a crer que a escrava já tinha dito isso como motivação do crime, ainda cita que
a seu ver, Maria Ricarda negociava com um tal de Fagundes, mas não tem mais nenhuma
referência ou informação sobre esse último indivíduo.
Em nenhuma vez o preto Mariano é citado pelo depoente e, tampouco, nos outros
depoimentos das testemunhas seguintes. O Capitão José Ferreira C. da Luz não cita Mariano
em uma correspondência que envia para o juiz da comarca de Santo Antonio da Patrulha, onde,
já predetermina, esse processo não terá uma sentença, por terem os acusados desaparecido e
relata os fatos acontecidos sobre a morte de Maria Ricarda.
Remeto a Vª. Sª. os papeis inclusos para mandalos juntar ao processo instaurado
contra os réus que matárão a uma mulher em Cima da Serra, onde queimarão-lhe a
caza, sendo notavel que os interrogatorios feitos aos escravos e a um familiar de Maria
Ricarda, desapareceram, o que revela concluida da parte de quem quer que seja, como
verá Vª. Sª. dos referidos papeis. Dos esclarecimentos que exigi do escrivão de Cima
da Serra, nada pode descobrir, acrescendo ter falecido o subdelegado que sustentava
a remeça de tais peças: será bom cre-se descobrir as preditas peças para bem da justiça.
Capitão José Ferreira C. da Luz, delegado de polícia de Santo Antonio da Patrulha
(APERS, 1860, p. 10, nº 497).253
253
Processo Crime. A justiça o Preto Mariano e outros. Nº 497. Maço 18. Estante 152, 1860 – APERS.
254
Em 14 de julho de 1880, art. 3º da Lei nº 1.251, Santa Cristina foi desligada da Comarca de São Leopoldo e
elevado a município, recebendo como distrito, além de Taquara do Mundo Novo, o território de São Francisco de
Paula de Cima da serra. Tendo o governo da província, em 15 de março, extinto o município de São Francisco de
Cima da Serra, lei 1.750, de 15 de março de 1889, anexou o 1º distrito desde a Taquara do Mundo Novo.
255
Processo Crime. A justiça o Preto Mariano e outros. Nº 497. Maço 18. Estante 152, 1860 – APERS.
226
Outra testemunha disse ao juiz que, no dia 31 de julho de 1858, “entre as 22 e 23 horas
fora chamado ele e os outros senhores”, citados na página 12 do processo, pelos escravos da
casa, sendo estes Anna negra e um negrinho. Podemos perceber que a senhora Maria Ricarda
tinha uma escravaria com mais de um cativo que fazia parte de seus bens. Posteriormente a esse
testemunho foi apresentado pelo escrivão, competente a esse processo: “os escravos de Maria
Ricarda dos Reis, que provocarão o incêndio na caza da mesma. Todos para indagação
policiaes, com pena de desobediencia no caso de faltarem, além do mais em que pela lei
passarão incorrer [...]” (APERS, 1860, nº 497).256
Já o testemunho de Antonio Florencio da Costa relata que “a preta conta que Justino a
mandou-se para Vacaria, ignorando a quem e que preto são sobre para onde foi[...]” (APERS,
1860, p. 25, nº 497),257 essa preta é Maria, escrava que foi comprada por Antonio Florencio da
Costa. Já Justino, não obtivemos informações de quem seja, imaginamos que talvez possa ser
escravo de Maria Ricarda e possivelmente tenha algum envolvimento na sua morte, mas não
temos notícia para confirmar tais hipóteses sobre Justino.
Em nota, o escrivão do cartório realça que “o réu Mariano preto forro e sua concubina
onde habitarem e forem encontrados para de mesmo processar, aquelles com pena de
desobediência e estes com pena de reclusão para funcionar nesse processo [...]” APERS, 1860,
p. 25, nº 497).258 Somente nessa citação aparece novamente o nome de Mariano, e mais adiante,
em outra correspondência, o mesmo escrivão relata que ambos os réus já estão falecidos.
O escrivão José Rodrigues de Oliveira afirma:
Empenho-me informar a Vª. Sª, que é igualmente sabido neste municipio são falecidos
a muitos annos o preto Mariano e sua concubina, assim tido ao conhecimento de V.ª
Sª, para deliberar. Vila de São Francisco de Paula de Cima da Serra, 11 de fevereiro
de 1885. Escrivão José Rodrigues de Oliveira (APERS, 1860, p. 32, nº 497).259
Por conta do falecimento dos réus, não foi dado o prosseguimento do processo, assim
não podemos saber quais seriam as medidas tomadas pelo crime acontecido, assim fica a
dúvida: porque Mariano é citado nesse processo se nenhuma das testemunhas o acusou
formalmente? Concluímos que o processo está incompleto e o texto da testemunha de acusação
não consta acusação testemunhal contra Mariano, ficando este somente citado no processo sem
comprovação de sua culpa, tornando difícil reconstituir essa trajetória sobre o preto Mariano,
256
Processo Crime. A justiça o Preto Mariano e outros. Nº 497. Maço 18. Estante 152, 1860 – APERS.
257
Idem.
258
Idem.
259
Idem.
227
ainda mais que o mesmo era forro e não tivemos acesso à sua carta de alforria para saber quem
lhe deu a liberdade.
Seria possível que o relacionamento proibido com sua concubina e o fato de Maria
Ricarda a ter vendida a Antonio Florencio motivou Mariano a cometer o crime? Uma resposta
ainda sem uma verdade estabelecida. O que se sabe é que Mariano foi acusado e teve um
desenrolar de um processo investigativo sem uma sentença específica, provando que Mariano
é o autor da morte de Maria Ricarda dos Reis, mas a importância desse preto forro se acende
em como obteve sua manumissão. Será que Mariano era um ex-cativo de Maria Ricarda?
Questões que ainda não obtivemos respostas concretas por falta de documentação sobre essa
trajetória, mas sabemos que ela aconteceu.
Outro processo crime que analisamos é o do preto Manoel, de 1869,260 que foi acusado
de roubo na casa do alferes Affonso P. de Oliveira. Manoel era escravo de Manoel Jacinto
Fogaça que não sabia que Manoel roubava, como é apresentado no processo:
Começo a participar a Vª. Sª que no dia 30 para amanhecer para o dia 31, apareceo na
minha caza o pardo do Sr Fogaça, domingo quando me levantei chamei por meu
escravo [mas] não me respondeo, as duas [h]oras mais ou menos apareceo com o
cavallo do dito mulato criado, ivarias vezes que lhe tinha cobrado o meu escravo, que
o dito pardo lhe tinha forçado para ir com ele, dirigiuse a caza do Sr Antonio Pereira
Soares chegando na beira do campo: o dito mulato deixou o mesmo escravo coidando
dos cavallos e foi a pé cambiar a caza para saber o que encontrar [grifo nosso]
(APERS, 1869, p. 5, nº 499).262
260
Processo Crime. A justiça o Preto Manoel, escravo de Manoel Jacinto Fogaça. Nº 499. Maço 18. Estante 152,
1869 – APERS.
261
Idem, p. 4
262
Idem, p. 5
228
Neça fuga o mesmo escravo escapouse e veio para caza, [já] o pardo deça vereda
encontrou com a tia Candinha, perguntou o seu marido está em caza, ella respondeo
esta e retirou-se, foi aparecer em caza do Sr. Laurindo Ijnacio Cardoso, não estando
elle axou duas crianças, teve todo o dia e no outro dia retorna em um cavallo enciado
da mesma caza e todo isso [...] mandei alias de três homens vieram sem, mandei em
caza do Sr Laurindo elles xegaram a pouco [e] o dito pardo tinha se retirado, ainda foi
visto muito perto do meu potreiro cambiações da tarde não (APERS, 1869, nº 499).263
O que nos deixa claro é que o pardo Manoel era conhecido na redondeza e, pelo visto,
tinha livre acesso às casas em geral. Tia Candinha respondeu naturalmente a Manoel, mas pela
forma que o texto se realça, Manoel foi em outra direção, para a casa do Sr Laurindo e teve
contato com as crianças, permanecendo por longo período e retornando com um cavalo desse
senhor. A partir desse momento começa uma busca por Manoel, visto, pela última vez, próximo
à casa do Sr. Constantino.
O texto deixa claro que Manoel tinha livre acesso às propriedades dessa localidade.
Sua mobilidade era tranquila e a sua vida cotidiana era bem ativa, pois envolvia relações
próximas entre senhores e cativos. Sua persuasão, ao cativo de Constantino, deixa perceber que
tinha certo poder sobre os demais, talvez por ter um bom discurso (ladino).
Um mandado de prisão foi expedido, além de uma testemunha ter acusado o pardo
Manoel de roubo. Assim foi preso e levado para a cadeia de Santo Antonio da Patrulha, de
onde, posteriormente, fugiu para o município de Vacaria. Ali foi assassinado depois de onze
anos, ficando Manoel Jacinto Fogaça, seu senhor, responsável pela indenização às vítimas que
foram roubadas, pagando-as em 1883.
Em outra análise encontramos o processo crime do Pardo Raphael, de 1882, que era
escravo de Oliveira Pedrozo de Moraes e foi acusado de roubo de uma vaca de Manoel Adolpho
Pacheco, o pardo Sebastião, escravo desse senhor, saindo a fim de encontrar nos campos a tal
novilha, viu o pardo Raphael correndo atrás de uma vaca, depois de o mesmo ter-lhe prestado
serviço na fazenda.
Essa trajetória nos leva a crer que Raphael era um possível escravo de ganho e que,
talvez, por dificuldades, pensou em roubar para saciar sua fome, pois, como aparece nos autos,
263
Idem.
229
o pardo Raphael foi visto “comento” a dita vaca em um campo. Porém, anteriormente a esse
fato, o pardo Raphael já transitava pelos campos desse senhor, visando esse crime. Seu senhor
não sabia desse fato e foi surpreendido quando Raphael foi acusado do crime de roubo, sem
que o mesmo soubesse sua origem, assim o delegado de polícia Manole Rodrigues da Silva
descreve:
[...] que chegando ao meu conhecimento que no dia 22 do corrente o pardo de nome
Raphael, escravo de Oliveira Pedrozo de Moraes. Em consentimento do referente
encaminhar em seus campos uma novilha, cujo esse foi aprendido, e que procede a
[...] corpo de delito do dito inquérito policial [...] (APERS, 1882, nº 2526).264
O pardo Raphael foi detido para esclarecimento sobre o animal e foi levado para o
campo do seu senhor para averiguação do fato. Mas Sebastião foi testemunha de que esse roubo
aconteceu, visto que, posteriormente, prestando-lhe serviço, viu o dito pardo correndo para
pegar a vaca no campo de seu senhor.
Outro escravo de Manoel Adolpho Pacheco, que também saiu para averiguar onde
estava a dita rês, testemunhou contra o pardo Raphael, dizendo que, junto com Sebastião, tinha
visto o tal pardo tentando pegar a dita vaca e, consequentemente, comendo-a nos campos do
senhor Oliveira Pedrozo de Moraes, que não tinha conhecimento desse fato.
O delegado de polícia, Manoel Rodrigues da Silva, enviou uma correspondência ao
oficial de justiça dizendo o seguinte requerimento:
Mando a qualquer official de justiça deste juízo a quem está apresentado indo por mim
assignado que em cumprimento do requerimento as testemunhas João Antonio da
Rosa, Joaquim de Souza e os pretos forros Sebastião e Jeronimo nesta villa no dia
vinte do corrente, no lugar constam afim de por mim como testemunha no inquérito
requerido pelo mesmo [...] pelo efeito [roubo] de uma rez da propriedade do mesmo
praticado por um escravo de Oliveira Pedrozo de Morais, de nome Raphael sob pena
de desobediência. Cumpra-se São Francisco de Paula de Cima da Serra, 26 de maio
de 1882 eu Manoel Rodrigues da Silva (APERS, 1882, nº 2526).265
O pardo Raphael foi preso com a acusação de roubo de uma vaca, sendo sua pena
aplicada por desobediência e assim registrado. Não temos mais informações sobre Raphael,
mas deduzimos que tenha se aventurado ao roubo para ser preso, visto que, com nossa
interpretação, possivelmente Raphael poderia ser um escravo de ganho e as práticas de serviços
pesados o levou a cometer tal crime, se isentando do trabalho por um determinado tempo, não
precisando cumprir tais serviços.
264
Inquérito Policial. A Justiça Pública. O Pardo Raphael. Nº 2526, Maço 55, Estante 153, 1882 – APERS.
265
Idem.
230
266
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
231
trabalho durante seis anos e ainda estipulando, no mesmo documento de liberdade, o valor de
duzentos mil reis por cada ano de trabalho.
Depois de um ano de trabalho, Benedito propõe a João Martins pagar duzentos e
cinquenta e oito mil reis por sua liberdade total, sem vínculo aos futuros anos de trabalho, já
que o processo abolicionista estava em pleno desenvolvimento e, logo adiante, aconteceria o
final do escravismo, em 1888.
Em 01 de maio de 1885 o juiz de direito da comarca de Santa Cristina do Pinhal267
abre um processo de agravo em favor de João Martins Phileseno, contra uma ação de liberdade
do escravo preto Benedito.
Como João Martins não aceitou o valor proposto, o curador de Benedito entrou com
um pedido de depósito em seu nome, onde Benedito ficaria sob sua responsabilidade até o final
do processo, isentando-o dos serviços que deveria prestar a João Martins como consta na carta
de liberdade.
O processo foi avaliado pelo juiz da comarca de Santa Cristina do Pinhal e, percebendo
que Benedito estava sendo superexplorado, um Auto de Depósito e Entrega foi acionado e
enviado à casa de João Martins Phileseno, onde os oficiais de justiça (avaliadores) levaram
Benedito e entregaram a seu depositário João Nepomuceno de Bezerra Cavalcante, que passou
a ter total responsabilidade por Benedito.
João Martins foi acusado de prender e explorar um homem livre, sendo que ele próprio
tinha dado a liberdade ao seu cativo Benedito com a restrição de seis anos de serviços, assim,
pelas condições que foi encontrado o liberto, os avaliadores justificaram o Auto de Depósito.
O fator importante é perceber o discurso que se enquadra nesse processo de mudança
que está acontecendo no Brasil. O final do escravismo nos possibilita uma avaliação em vários
ângulos, já que afeta diretamente a economia exportadora e infla o rompimento da elite
produtora com a monarquia imperial.
Segundo Walter Fraga (2014), as possibilidades que a Lei do Ventre Livre, de 1871,
trouxe, ao contexto do escravismo, um aumento das chances de equiparação legal entre os
agentes que fizeram parte desse processo. Embora o contrato de liberdade, a alforria, entre
cativos e senhores, fosse sempre prevalecer a vontade do senhor, muitos cativos entraram com
recursos judiciais para interromper o período de superexploração que ainda deveriam cumprir
com a carta de alforria. “A grande inovação introduzida pela lei foi permitir ao escravo acionar
267
Santa Cristina era um distrito de São Leopoldo, atualmente é um bairro do município de Taquara, que era a
Fazenda do Mundo Novo, se emancipando somente em 1886.
232
a Justiça por meio de ações de liberdade em caso de recusa dos senhores em conceder alforria
com a apresentação do pecúlio” (FRAGA, 2014, p. 45).268
João Martins recorreu ao Supremo Tribunal para garantir seu direito sobre a
propriedade, dominus, e rever as condições da carta de alforria. Como se percebe, as
dificuldades enfrentadas por Benedito em obter sua liberdade foram muitas, em cada instância
jurídica se ampliava a utilização de leis para fazer valer o direito à liberdade e o direito à
propriedade.
O direito está com base na lei da Carta Imperial de 1824, no artigo 163, em consoantes
aplicações das Ordenações Filipinas, sobre o direito de propriedade, dominus. “[...], com
aplicação subsidiária, nos termos do título LXIX, do Livro III, das Ordenações e sob as
limitações conferidas pela lei da boa razão, a Lei de 18 de agosto de 1769” (RIBAS apud
CAMPELLO, 2010, p. 32).269
Segundo André Campello,
Esse processo é mais um entre tantos que decorreram durante meados da década de
80, do século XIX. A constante luta pela liberdade nos dá uma dimensão de que os cativos não
foram coniventes com o cativeiro, os processos de busca da liberdade nos proporcionam uma
visão mais ampla das estratégias utilizadas para se fazer valer das leis imperiais em comum
acordo pela valorização do humano, pela perspectiva de inserção social e reconhecimento como
produtor de seu trabalho e sua história.
Em um discurso em defesa de Benedito, o curador João Nepomuceno Bezerra
Cavalcante diz:
268
FRAGA, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). 2ª ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
269
CAMPELLO, André Emmanuel Batista Barreto. A Escravidão no Império do Brasil: perspectivas jurídicas –
1. ed. 2010.
270
Idem.
233
Esse processo de Agravo Judicial foi movido pelo preto Benedito, lutando pela sua
liberdade, ocorrido na Fazenda Mundo Novo contra o agravante João Martins Phileseno em
1885. Esse documento demonstra que o sistema escravista vigente no Brasil Império dificultava
ao máximo o acesso à liberdade dos cativos nas décadas finais do escravismo, sendo
superexplorado, de maneira a aliená-los ainda mais no processo da realidade de mudança da
senzala para a sociedade livre do cativeiro. Esse documento se relaciona com o movimento
abolicionista do escravismo e nos relata que a luta dos cativos em busca da liberdade esteve
presente na Fazenda Mundo Novo.
Cristiane de Quadros Bortolli (2003) faz referência à população local de Cruz Alta e
Palmeira das Missões, de que as questões abolicionistas na região, no Estado do Rio Grande do
Sul foram divididas em categorias específicas, como as coletivas e individuais. Também relata
que na visão da população local, com base na colonização italiana ou alemã, não houve um
escravismo acirrado e violento. Seria mais ameno para os poucos escravos que foram
introduzidos nessas regiões e predominando, de acordo, às boas relações entre senhores e
cativos.272 “Mas a ideia que perpassa na memória dos habitantes de Cruz Alta e Palmeira da
Missões é de que aqui existiram poucos escravos, além de que os que havia mantinham relações
amigáveis com seus senhores; não teriam existido movimentos abolicionistas nessa região”
(BORTOLLI, 2003, p. 88).273
Os discursos utilizados dentro dos processos judiciais podem favorecer o
entendimento de que em todas as regiões, ou localidades mais longínquas que fossem, onde o
escravismo se fez presente, a luta pela liberdade dos cativos foi intensa e os mecanismos
adotados para manter os cativos atrelados aos senhores também foram variadas. “[...] a abolição
não pode ser reduzida a um ato de brancos, mas foi uma luta constante por parte dos escravos”.
(BORTOLLI, 2003, p. 89).274 Ainda, Cristiane de Quadros Bortolli descreve que:
271
Processo - Aggravo de Intrumento Santa Cristina do Pinhal 1886, João Martins Phileseno aggravante, Benedito
aggravado. APERS.
272
Sobre a colonização Italiana e afro-brasileira em Caxias do Sul ver: Lucas Carreganato. A Outra Face: a
presença afrodescendentes em Caxias do Sul. Caxias do Sul: Maneco Liv. E Ed., 2010.
273
BORTOLLI, Cristiane de Quadros de. Vestígios do Passado: a escravidão no Planalto Médio gaúcho. Passo
Fundo: UPF, 2003.
274
Idem.
234
O Rio Grande do Sul, pressionado pelos demais estados onde se iniciavam os grandes
movimentos abolicionistas, adotou a política de manutenção por contrato, já utilizada
em outras províncias, mantendo, assim, o contrato sobre a força de trabalho não paga
durante um período específico de tempo (BORTOLLI, 2003, p. 89). 275
Esse trâmite de mudanças, que se desenvolveu nas relações entre senhores, cativos,
libertos, abolicionistas e sociedade, viabilizou uma condição com base em leis criadas para
coibir a entrada de africanos no Brasil, no caso, a lei de 1831.
Flavio Gomes (2005), salienta que, nas décadas de 1860 e 70, eram muitas as petições
de sociedades beneficentes ou associações de negros que chegavam aos conselheiros, pedindo
suas legalizações e com isso desenvolvia-se um suporte aos ex-cativos para dar continuidade
ao processo abolicionista que estava em vigência.276
Sidney Chalhoub (1990) aponta para 1888 com três pontos interessantes,
desenvolvendo um entendimento sobre como foi a abolição em seu desdobramento, sendo o
primeiro ponto um tanto perigoso, visto que a primazia da valorização da propriedade privada
– ideias liberais – deveria ser respeitada; contudo, analisada de maneira a se concretizar o
processo de liberdade para os cativos.
A segunda seria “o ato de alforriar”, sendo ele uso exclusivo dos senhores, sem a
interferência do Estado. E terceira, a luta dos próprios escravos tentando resistir e adquirir sua
liberdade através dos meios legais e efetivar sua relação social com a sociedade.277 No segundo
e terceiro ponto, podemos relacionar o caso de Benedito, que, sendo alforriado, mas alienado
ainda a João Martins, foi buscar nos meios legais sua liberdade, visto que queria pagar por sua
liberdade mas não foi aceita por João Martins Phileceno .
Esse movimento de busca da liberdade emerge de uma complexa relação entre sujeitos
ativos em esferas sociais diferentes no cotidiano. O africano ou afro-brasileiro, cativo ou liberto,
alforriado ou livre, necessitava de um amparo emergencial da sociedade para sanar suas
necessidades de sobrevivência, onde as adversidades e marcas do cativeiro pesam contra sua
manutenção de sobrevivência.
Para o imigrante europeu, que tinha o dever de ocupar e se desenvolver na terra que
ainda não era explorada, a tarefa era um empreendimento que viabilizava frutos dentro da
275
Idem.
276
GOMES, Flavio dos Santos. Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
277
CHALHOUB, Sidney. Visões de Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
235
CONCLUSÃO.
De acordo com o que foi apresentado até este momento, podemos salientar que o
processo de ocupação territorial que se estendeu no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana,
possibilitou um tráfego intenso de pessoas e um comércio ativo, visto que os assentamentos das
famílias e a necessidade de produtos para sua manutenção favoreceram a ampliação das rotas
comerciais cada vez mais utilizadas, isso também viabilizou o aumento da produção de gêneros
de subsistência, que se desenvolvia e ampliava a demografia local.
Não podemos deixar de destacar a importância da presença do africano e afro-
brasileiro, que trabalhou dentro desse processo de ocupação e economia. Sua permanência,
resistência e trabalho foi de suma importância para o desenvolvimento regional, já que, ao lado
do colonizador, mesmo em estado de privação da liberdade, seu braço foi o motor gerador das
riquezas que se estabeleceram e formaram o comércio regional, as construções e principalmente
a permanência até os dias atuais de sua cultura, fazendo parte da sociedade local.
Outro fator desse processo foi a qualidade da terra, dos campos e a quantidade de matas
que favorecia a extração de madeira, o que possibilitou uma grande produção de animais que
se desenvolveram, facilitando o enriquecimento desses ocupantes e dando início à formação da
sociedade do município de Taquara.
Não esquecendo a importância da agropecuária como elemento desenvolvedor
regional, além da utilização da mão-de-obra cativa, que favoreceram o enriquecimento de
algumas famílias, que se assentaram por essas bandas. Assim foi se constituindo o surgimento
de elite agrária local com base no trabalho escravo.
A presença dos africanos e afro-brasileiros na Fazenda Mundo Novo é fato legitimado
e afirmamos que, nessa região, o escravismo teve a mesma intensidade que no restante do Brasil
escravocrata. Dizer que esses trabalhadores tiveram uma escravidão amena e com
relacionamentos que extrapolaram as bases do escravismo é um tanto anacrônico, mas também
não condiz com algumas realidades em que esses cativos foram inseridos. Com isso, não
podemos generalizar tudo que se lê, já que temos indícios, e somente indícios, de que, em alguns
casos, o contato e as relações dos cativos com os colonos teutos foram mais amenas e outras
nem tanto assim.
As relações cotidianas que se construíram durante a presença de cativos e seus
senhores tiveram, em alguns casos, indivíduos que se utilizaram dessas relações para tirar
vantagens dentro das escravarias, outros não tiveram a mesma sorte. A mobilidade de muitos
cativos manteve a esperança da liberdade, mas com um certo distanciamento. Entender e
237
desta maneira, ao lado do colono alemão, teve importante participação na formação social,
econômica e política nessa comunidade, sendo de suma importância reconhecer o indivíduo
africano e afro-brasileiro como sujeito construtor de sua história, buscando preservar sua cultura
e formando laços sociais dentro da conjuntura de uma imposição sociocultural europeia, nesse
caso, os portugueses, em todo o Brasil, especificamente, na Fazenda Mundo Novo, hoje, a
cidade de Taquara.
O homem afro-brasileiro, como objeto de pesquisa da presente tese e seu cotidiano
como referência e fundamentação na contribuição da formação da sociedade do atual município
de Taquara, teve sua parcela de subsídios e permanência como sujeito ativo em diversos
segmentos da sociedade e fez, cada vez mais, surgir a possibilidade de conviver em sociedade,
mesmo que fosse visto através da inferioridade, pois foi levado a acreditar que não tinha valores
a serem preservados, mas detém os gêneses da africanidade como representação e formação de
um sujeito proativo no contexto de colonização e desenvolvimento social.
A importância do reconhecimento da africanidade no Brasil está cada vez mais
evidenciada como fator que determina sua participação na construção de uma sociedade que o
menospreza e classifica o afro-brasileiro como inferior. Desta maneira, as pesquisas, já
produzidas e difundidas ao longo dos últimos anos, demonstram que a população negra, oriunda
da África, sofreu desde a sua chegada à Colônia Brasil.
A escravidão desvaneceu a sociedade africana e seus descendentes que viveram na
colônia e Império brasileiro. O resgate e valorização do afro-brasileiro é um dever um tanto
difícil dentro do processo social na atualidade. Devemos ampliar as possibilidades que
envolvam a valorização do afro-brasileiro como ser social e, principalmente, a valorização dos
elementos étnicos culturais. Esse desafio foi imposto ao próprio descendente africano, pois a
resistência social esteve cada vez mais impelindo o indivíduo negro dentro do “branqueamento”
da sociedade como um todo.
Desse modo, o processo de identificação, presença e representação do afro-brasileiro
na Fazenda Mundo Novo teve, como ponto principal, a procura de elementos para desconstruir
a ideia da inexistência de cativos no Vale do Rio dos Sinos – Paranhana, visando legitimar essa
população excluída, sem visibilidade e oportunidade de escolha de seu destino, mas construtora
de sua história, como refere José de Souza Martins, em sua obra A Sociedade do Homem
Simples, “os homens fazem sua própria História, mas não a fazem como querem e sim sob as
circunstâncias que encontram, legadas e transmitidas pelo passado” (MARTINS, 2008, p.
239
53).278 É esse passado que deve ser retirado da invisibilidade e colocado em evidência para
valorização do homem negro, que por tantas vezes foi e ainda é excluído na sociedade.
Também é necessário perceber o afro-brasileiro como agente ativo e sujeito
participante na construção social; pois, em todo o Brasil Colônia e Império, o trabalho braçal
passou pela mão-de-obra cativa em diversas áreas de produtividade econômica e urbana, nas
vilas que se formaram, nas cidades, nas fazendas e em todos os setores onde foi imposta a
escravidão.
Na História e no cotidiano de sujeitos específicos – senhores e cativos –, que
construíram a nossa sociedade atual, se percebe uma participação muito mais efetiva que
coadjuvante na construção “das sociedades” nos diversos “Brasis", pois, a partir da introdução
do escravismo, os africanos e afro-brasileiros passaram a conviver diretamente no dia a dia das
sociedades que estavam inseridos, buscando os meios para sobreviver no cativeiro e visando a
“liberdade”, mas bem perto da chibata e do pelourinho.
A escravidão africana é decorrência da ambição do homem europeu em busca do
capitalismo e exploração das populações em minoria; assim, as desigualdades se tornaram um
parâmetro para análises dentro das relações sociais do tempo histórico do cotidiano, onde as
manifestações de resistência da cotidianidade se apresentam como necessário para tirar da
obscuridade as relações sociais e culturais do afro-brasileiro no Brasil.
A “invisibilidade”, que foi criada para os descendentes africanos, vai se produzindo a
partir do não reconhecimento do seu trabalho, visto somente como uma mercadoria e não como
produtor de sua história. “Nesse Estado [cativo], o negro chega a ter uma participação. De
segunda classe, é verdade, mas tem uma participação, à margem [da sociedade]” grifo nosso
(ORLANDI, 2008, p. 66).279
Partindo da necessidade de mão-de-obra, visando dar ênfase para o desenvolvimento
econômico e social, a exclusão das classes desfavorecidas foi marcada pelo preconceito e
racismo. Nesse contexto, o afro-brasileiro ficou à mercê das dificuldades de manutenção social
e familiar, da falta do reconhecimento de sua mão-de-obra e, principalmente, a desvalorização
e o preconceito sofrido pela cor da pele, que os levou a uma privação de sua liberdade.
A partir da metade do século XIX, os movimentos escravistas dentro das colônias
acrescentaram um outro entender ao escravismo: começam os processos abolicionistas. Com
278
MARTINS, José de Souza. A Sociabilidade do homem simples: cotidiano e história na modernidade anômala.
2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
279
ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à Vista Discurso do Confronto: Velho e Novo Mundo. 2ª Ed. Campinas:
Unicamp, 2008.
240
isso, o cotidiano também sofreu alterações em sua formação, já que possibilitava ampliar a
vontade pela liberdade.
A sociedade, em geral, de Taquara – Vale do Paranhana, hoje não acredita que o
escravismo, nessas bandas, teve tanto impacto como na região nordeste, centro-oeste ou no
restante do sul do Brasil. O escravismo não é reconhecido como um ato de exploração ou maus-
tratos, pelos colonos teutos, contra a população africana e afro-brasileira, mas como uma
consequência da realidade colonial e imperial, já que muitos colonos não possuíam cativos.
A riqueza, que as fontes nos possibilitam perceber, está nos muitos detalhes dos cativos
e nas probabilidades, podendo contribuir para exemplificar as relações sociais. Segundo as
análises, tais fontes carregam um peso das vidas passadas de pessoas que viabilizaram uma
possível volta ao momento histórico para assistir, de dentro de uma esfera de tempo, os tabeliões
redigindo esses inventários, colocando o máximo possível de informações, para o período, a
fim de que se pudesse compreender o presente no passado.
Assim, mediante ao estudo das fontes primárias e bibliográficas, fica visível e possível
perceber os diversos aspectos da vida cotidiana da sociedade que deu origem ao município de
Taquara em sua totalidade. Para isso, refletimos sobre a idade dos cativos que fizeram parte do
desenvolvimento dessa sociedade e sobre a quantidade de crianças, jovens, adultos e idosos,
que compuseram o cativeiro para encontrar elementos que pudessem dar credibilidade à nossa
tese de que realmente existiu escravidão nessa localidade.
Também, as fontes forneceram o valor de cada cativo e suas características, mostrando
probabilidades de valores mais altos para os cativos masculinos, que tinham maiores destrezas
em seus afazeres, ou pelo porte físico, mas, em muitos casos, as mulheres também recebiam
valores diferenciados por suas habilidades.
Esses resultados das análises, transpostos para exposição, servem para referendar a
legitimação do cotidiano e sua cotidianidade social afro-brasileira. Assim, a relação diária dos
cativos, dentro do escravismo, pode elucidar algumas questões ainda dúbias para o
entendimento de resquícios que os afro-brasileiros carregam em suas vidas sobre o cativeiro e
a exploração a que foram expostos.
As análises desenvolvidas estão em acordo com a Dimensão de uma História Política
e Social, com um Domínio da História Regional, visando a valorização e presença desses afro-
brasileiros em uma região de ocupação lusa e, posteriormente, com o colono teuto alemão.
A importância da pesquisa a partir da metade do século XIX, 1856 até o final do
escravismo em 1888, visa a valorização de mais um capítulo sobre os afro-brasileiros no Rio
Grande do Sul. Sua resistência, seus laços afetivos, sua cultura, as relações políticas e sociais,
241
⃰ ⃰ ⃰ ⃰ ⃰
243
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ANEXOS
Requerimentos de Autuação
253
Processo Crime
Inquérito policial de Maria Delphina Rangel, Taquara 23/06/1887.
Inquérito policial do pardo Rafael, Taquara 26/05/1883.
Inquérito de Agravo para João Martins, Taquara 28/05/1885.
Inventário, Ano 1861/ Autos n.3/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Gertrudes Maria da Conceição – Inventariado. Ovídio da Silva Ramos –
Inventariante.
Inventário, Ano 1863/ Autos n.4/Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João Luiz de Souza – Inventariado. Belmira Pacheco de Souza – Inventariante.
Inventário, Ano 1863/ Autos n.5/ Maço n.1/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Manoel Soares de Oliveira – Inventariado. Anna Soares de Morais – Inventariante.
Inventário, Ano 1864/ Autos n.6/ Maço n.1/ Estante 39. Taquara - Cartório de Orphãos e
Ausente. João José Pereira – Inventariado. Maria Alexandrina da Anunciação – Inventariante.
Inventário, Ano 1865/ Autos n.7/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Camilo José Martins – Inventariado. Maria Rosa da Conceição – Inventariante.
Inventário, Ano 1865/ Autos n.9/ Maço n.1/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Manoel Silveira da Rosa – Inventariado. Nisena Maria do Espírito Santo –
Inventariante.
Inventário, Ano 1865/ Autos n.11/ Maço n.1/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Paschoa Garcia do Espírito Santo – Inventariado. João da Silva Cordova –
Inventariante.
Inventário, Ano 1866/ Autos n.12/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara - Cartório de Orphãos e
Ausente. Antonio de Souza Bittencurt Carvalho – Inventariado. Antonio de Souza Filho –
Inventariante.
Inventário, Ano 1866/ Autos n.13/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Ignacio Gomes dos Santos – Inventariado. Maria Carlota Gomes Pires –
Inventariante.
Inventário, Ano 1868/ Autos n.15/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Francisco Xavier da Luz Neto – Inventariado. Maria Francisca de Castilho –
Inventariante.
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Inventário, Ano 1868/ Autos n.16/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Justino Antonio de Souza – Inventariado. Joanna Joaquina de Oliveira –
Inventariante.
Inventário, Ano de 1868/ Autos n.17/ Maço n.1/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Luiz Henrique do Amaral – Inventariado. Francisco Pacheco de Paula Machado –
Inventariante.
Inventário, Ano 1868/ Autos n.13/ Maço n.1/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Manoel Francisco de Candida – Inventariado. Arminda de Cordova – Inventariante.
Inventário, Ano 1869/ Autos n.19/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Bernardo Luiz de Souza – Inventariado. Maria Candida Pacheco – Inventariante.
Inventário, Ano 1870/ Autos n.22/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara - Cartório de Orphãos e
Ausente. Boaventura José dos Santos – Inventariado. Maria Ignacia dos Santos –
Inventariante.
Inventario, Ano 1871/ Autos n.26/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Flora Maciel dos Santos – Inventariado. Ignacio José dos Santos – Inventariante.
Inventário, Ano 1871/ Autos n.27/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. José Antonio Alves – Inventariado. Generosa Antonia de Jesus – Inventariante.
Inventário, Ano 1872/ Autos n.33/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Pedro Diehl – Inventariado. Maria Catharina Dielhl.
Inventário, Ano 1873/ Autos n.34/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Anna Maria da Assumpção – Inventariada. Ovídeo da Silva Ramos – Inventariante.
Inventário, Ano 1873/ Autos n.35/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Antonio de Souza Filho – Inventariado. Maria Victória de Souza – Inventariante.
Inventário, Ano 1873/ Autos n.38/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Maria Joaquina da Silva – Inventariada. Victorino Ignacio da Silva – Inventariante.
Inventário, Ano 1873/ Autos n.37/ Maço n.2/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Joaquina Constança da Silva – Inventariado. Constantino Francisco Teixeira –
Inventariante.
Inventário, Ano 1874/ Autos n.43/ Maço n.3/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Hilário Gonçalves Padilha – Inventariado. Maria Antonia da Anunciação –
Inventariante.
Inventário, Ano 1874/ Autos n.48/ Maço n.3/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João Baptista de Lucena – Inventariado. Anna Candida de Lucena – Inventariante.
Inventário, Ano 1874/ Autos n.39/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Belmira Pacheco de Andrade – Inventariado. Zeferino Vargas de Andrade –
Inventariante.
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Inventário, Ano 1874/ Autos n.41/ Maço n.2/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Francisco de Paula Feijó – Inventariado. Maria Antonia Feijó – Inventariante.
Inventário, Ano 1874/ Autos n.47/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Jacob Horn – Inventariado. Maria Ignacia Pacheco Horn – Inventariante.
Inventário, Ano 1874/ Autos n.45/ Maço n.3/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. José de Freitas Noronha – Inventariado. Narciza de Freitas Noronha – Inventariante.
Inventário, Ano 1875/ Autos n.58/ Maço n.3/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Manoel Domingues Boeira – Inventariado. Anna Justina dos Reis Boeira –
Inventariante.
Inventário, Ano 1875/ Autos n.50/ Maço n.3/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Bernardino José da Silva – Inventariado. Anna Moreira da Silva – Inventariante.
Inventário, Ano 1875/ Autos n.52/ Maço n.3/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. José Victorino Pereira – Inventariado. Maria Francisca da Conceição –
Inventariante.
Inventário, Ano 1876/ Autos n.59/ Maço n.3/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Maria Constança da Conceição – Inventariado. Serafin José Gonçalves –
Inventariante.
Inventário, Ano 1876/ Autos n.53/ Maço n.2/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Amandio José de Araujo – Inventariado. Alexandrina de Araujo Reis –
Inventariante.
Inventário, Ano 1876/ Autos n.55/ Maço n.3/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. José Soares de Barros – Inventariado. Francisco de Oliveira Fogaça – Inventariante.
Inventário, Ano 1876/ Autos n.56/ Maço n.3/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Justiniano Pacheco de Paula Machado – Inventariado. Manoel Adopho Pacheco –
Inventariante.
Inventário, Ano 1876 / Autos n.3/ Maço n.1/ Estante 129. Taquara – Cartório do Cível. Felippe
Borges do Amaral e Castro e f/m. Maria do Nascimento Amaral – Inventariado. Oliveiro
da Silva Esteves – Inventariante.
Inventário, Ano 1877/ Autos n.62/ Maço n.3/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João Ignacio Rodrigues – Inventariado. Prudencia Bello de Almeida – Inventariante.
Inventário, Ano 1877/ Autos n.61/ Maço n.3/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João Fay – Inventariado. Maria José Fay – Inventariante.
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Inventário, Ano 1877/ Autos n./ Maço n./ Estante. Taquara – Cartório de Orphãos e Ausente.
Hamel Antonio da Silva – Inventariado. – Inventariante.
Inventário, Ano 1878 / Autos n.4/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível. Maria
Santa Ferreira - Inventariado. Celso Baptista de Almeida Soares – Inventariante.
Inventário, Ano 1879/ Autos n.86/ Maço n.5/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e–
Inventariado. Ilegível – Inventariante.
Inventário, Ano 1879/ Autos n.90/ Maço n.5/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Laurindo Rodrigues da Silva – Inventariado. Esmeria Pacífica de Deus –
Inventariante.
Inventário, Ano 1879 / Autos n.5/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
Evaristo Telles da Silva – Inventariado. Manoel Marques da Silva Pires - Inventariante.
Inventário, Ano 1879/ Autos n.88/ Maço n.5/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João Soares de Oliveira – Inventariado. Anna maria Soares Fontella – Inventariante.
Inventário, Ano 1879/ Autos n.93/ Maço n.129/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Tristão José Monteiro Filho – Inventariado. Carolina Monteiro – Inventariante.
Inventário, Ano 1880/ Autos n.95/ Maço n.5/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Belmira Pacheco de Souza – Inventariado. Honório Pacheco da Silva Pauleta –
Inventariante.
Inventário, Ano 1880 / Autos n.9/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara - Cartório do Cível.
Francisco Pacheco de Paula Machado – Inventariado. Manoel Baptista Lisbôa Bittencourt –
Inventariante.
Inventário, Ano 1880/ Autos n.96/ Maço n.5/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João Ferreira de Castilhos – Inventariado. Carlos Ferreira de Castilhos –
Inventariante.
Inventário, Ano 1880/ Autos n.94/ Maço n.5/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Manoel Antonio Terres – Inventariado. Anna Maria da Silva – Inventariante.
Inventário, Ano 1880 / Autos n.8/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Francisco Bernardes dos Santos – Inventariado. Maria Santa de Jesus – Inventariante.
Inventário, Ano 1880 / Autos n.6/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Francisco de Assis Chagas – Inventariado. Anna Soares de Oliveira Chagas – Inventariante.
Inventário, Ano 1880 / Autos n.7/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Francisco Pires da Silva – Inventariado. Theodora do Amaral Pires – Inventariante.
Inventário, Ano 1880 / Autos n.10/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
José Ignacio da Silva Ourives – Inventariado. José Ignacio da Silva Ourives Filho –
Inventariante.
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Inventário, Ano 1880 / Autos n.11/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível. Manoel
Silveira de Aguiar – Inventariado. Florencia Aurora da Silva – Inventariante.
Inventário, Ano 1880 / Autos n.12/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara - Cartório do Cível. Rosa
Maria Velho – Inventariado. José Joaquim Velho Neto – Inventariante.
Inventário, Ano 1881/ Autos n.102/ Maço n.5/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Antonio Pacheco dos Reis – Inventariado. Felisberto Pacheco dos Reis –
Inventariante.
Inventário, Ano 1881/ Autos n.108/ Maço n.5/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Manoel Henrique do Amaral – Inventariado. Manoel Adolpho Pacheco –
Inventariante.
Inventário, Ano 1881 / Autos n.13/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível. Anna
Candida de Lucena – Inventariado. Boaventura P. dos Reis Machado – Inventariante.
Inventário, Ano 1881 / Autos n.14/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível. João
Cardoso Christino – Inventariado. Anna Cardoso dos Santos – Inventariante.
Inventário, Ano 1881 / Autos n.15/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Serafim Antonio da Silva– Inventariado. Maria José Pereira da Silva – Inventariante.
Inventário, Ano 1882/ Autos n.115/ Maço n.6/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. José Martins Pires – Inventariado. Emilia Cidade Martins – Inventariante.
Inventário, Ano 1882/ Autos n.114/ Maço n./ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Joaquim de Souza Carvalho – Inventariado. Maria Bernardina de Souza –
Inventariante.
Inventário, Ano 1882 / Autos n.16/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
Manoel Marinho de Moura – Inventariado. Lucinda Soares do Amaral – Inventariante.
Inventário, Ano 1882/ Autos n.121/ Maço n.6/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Theodoro de Oliveira Pinto – Inventariado. Robelia Pacheco de Assumpção –
Inventariante.
Inventário, Ano 1882/ Autos n.110/ Maço n.6/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Amalia Pinheiro de Lucena – Inventariado. Marcilio Baptista de Lucena –
Inventariante.
Inventário, Ano 1882/ Autos n.109/ Maço n.6/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Anna Maria Fontella – Inventariado. Antonio Prudente Soares – Inventariante.
Inventário, Ano 1882/ Autos n.113/ Maço n.6/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Filisberto Castilhos dos Reis – Inventariado. Roberta Ferreira de Castilhos –
Inventariante.
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Inventário, Ano 1882/ Autos n.119/ Maço n.6/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Joaquim Pereira Soares – Inventariado. Manoel Joaquim de Oliveria –
Inventariante.
Inventário, Ano 1883/ Autos n.122/ Maço n.6/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Anna Maria de Jesus– Inventariado. Antonio Francisco Cardoso – Inventariante.
Inventário, Ano 1883/ Autos n.144/ Maço n.4/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João de Souza Pituva – Inventariado. Manoel de Souza Pituva – Inventariante.
Inventário, Ano 1883/ Autos n.146/ Maço n.7/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Joaquim Ignacio da Silva – Inventariado. Maria Candida do Amaral –
Inventariante.
Inventário, Ano 1883/ Autos n.150/ Maço n.7/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Laurindo Cardo de Aguiar – Inventariado. Maria Virginia Ferreira de Aguiar –
Inventariante.
Inventário, Ano 1883/ Autos n.159/ Maço n.8/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Maria Antonia dos Reis – Inventariado. – Inventariante.
Inventário, Ano 1883/ Autos n.154/ Maço n.8/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Maria Ignacia de Jesus – Inventariado. Zeferino Gomes dos Santos – Inventariante.
Inventário, Ano 1883/ Autos n.162/ Maço n.8/ Estante 129. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Pedro Bispo Barboza – Inventariado. Amancio Bispo Barboza – Inventariante.
Inventário, Ano 1883 / Autos n.17/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
Maria Francisca de Moraes – Inventariado. Antonio Manoel Velho – Inventariante
Inventário, Ano 1884/ Autos n.178/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Felicidade Ignacia dos Santos – Inventariado. Andre Manique – Inventariante.
Inventário, Ano 1884/ Autos n.169/ Maço n.8/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Antonio Manoel Brandão – Inventariado. Miguel Antonio Dutra Neto –
Inventariante.
Inventário, Ano 1884/ Autos n./ Maço n./ Estante. Taquara – Cartório de Orphãos e Ausente.
Boaventura José Velho – Inventariado. Henriqueta pires Velho – Inventariante.
Inventário, Ano 1884/ Autos n.177/ Maço n.9/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Felisberto de Paula Soares – Inventariado. Emilia Baptista do Nascimento –
Inventariante.
Inventário, Ano 1884/ Autos n.176/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Fermiana Maria da Conceição – Inventariado. Joaquim Pires Carveira –
Inventariante.
Inventário, Ano 1884/ Autos n.183/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Innocente Ferreira Maciel – Inventariado. Clarinda de Avila Maciel – Inventariante.
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Inventário, Ano 1884/ Autos n.188/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. João Nunes de Vargas – Inventariado. Maria Silveira Gomes – Inventariante.
Inventário, Ano 1884/ Autos n.191/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Paulo José Teixeira – Inventariado. Agueda Torquato do Amaral – Inventariante.
Inventário, Ano 1884 / Autos n.18/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Francisco Alves da Silveira e f/m Anna Florisbella da Silveira – Inventariado. Cezario José
Alves Machado – Inventariante
Inventário, Ano 1884/ Autos n.184/ Maço n.9/ Estante 184. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. José Ferreira dos Santos – Inventariado. Galdina Rodrigues da Silva – Inventariante.
Inventário, Ano 1884 / Autos n.19/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Senhorinha Antonia de Oliveira – Inventariado. Francisco Antonio de Oliveira –
Inventariante
Inventário, Ano 1884 / Autos n.20/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Severiano Pedro Garcia – Inventariado. Prudencia Maria Thomazina – Inventariante
Inventário, Ano 1885/ Autos n.196/ Maço n.9/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Esmerilda Pacheco Horn – Inventariado. Christiano Horn – Inventariante.
Inventário, Ano 1885/ Autos n.198/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Felisberto Francisco Gil – Inventariado. Maria José dos Reis – Inventariante.
Inventário, Ano 1885/ Autos n.203/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Jacob Hoffmann – Inventariado. Maria Dorothéa Hoffmann – Inventariante.
Inventário, Ano 1885/ Autos n.217/ Maço n.10/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Rosa Osorio Marques – Inventariado. José Marques da Rosa – Inventariante.
Inventário, Ano 1885 / Autos n.21/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Antonio Pereira Soares - Inventariado. Antonio Pereira Soares Filho – Inventariante
Inventário, Ano 1885 / Autos n.22/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível. João
Cardoso de Aguiar e f/m Anna Feijó de Aguiar - Inventariado. João Baptista Feijó –
Inventariante.
Inventário, Ano 1885/ Autos n.204/ Maço n.9/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. José Antonio de Oliveira – Inventariado. Maximiana Raiz de O.liveira –
Inventariante.
Inventário, Ano 1885 / Autos n.23/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
Maria Elisabetha Schnveitzer Inventariado. Jorge Fleck s/mulher e outros – Inventariantes
Inventário, Ano 1886/ Autos n.232/ Maço n.10/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Joaquim José Pereira – Inventariado. Francisca Manoela dos Passo – Inventariante.
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Inventário, Ano 1886 / Autos n.24/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Clariana Bella de Almeida - Inventariado. Felisberto Antonio de Almeida – Inventariante
Inventário, Ano 1886/ Autos n.25/ Maço n.1/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Ignacio Martins Jaques – Inventariado. Maria Joaquina de Jesus – Inventariante.
Inventário, Ano 1886/ Autos n.231/ Maço n.10/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. João Antonio Alves – Inventariado. Marcelina Alves da Trindade – Inventariante.
Inventário, Ano 1886/ Autos n.236/ Maço n.11/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Oliverio Pedroso de Morais – Inventariado. José de Moais Pedrodo – Inventariante.
Inventário, Ano 1887/ Autos n.256/ Maço n.11/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Moyses Pedro de Moraes – Inventariado. Castorina Martins de Moraes –
Inventariante.
Inventário, Ano 1887/ Autos n.244/ Maço n.11/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Francisca Bernardina de Oliveira – Inventariado. João Paz de Oliveria –
Inventariante.
Inventário, Ano 1887 / Autos n.27/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Gaspar Schirmer e f/m - Inventariado. Anna Catharina Schirmer – Inventariante
Inventário, Ano 1887/ Autos n.245/ Maço n.11/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Henriqueta do Amaral – Inventariado. Manoel Adolpho Pacheco – Inventariante.
Inventário, Ano 1887/ Autos n.249/ Maço n.11/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. João Ferreira de Castilhos Sobrinho – Inventariado. Maria Francisca de Castilhos
– Inventariante.
Inventário, Ano 1887/ Autos n.28/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório de Orphãos e
Ausente. Lucio José Rodrigues – Inventariado. Benta Maria do Espírito Santo – Inventariante.
Inventário, Ano 1881/ Autos n.102/ Maço n.5/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. – Inventariado. – Inventariante.
Inventário, Ano 1887/ Autos n.257/ Maço n.11/ Estante 39 e/c. Taquara – Cartório de Orphãos
e Ausente. Ponciano José Machado – Inventariado. Alorino Machado de Lucena –
Inventariante.
Inventário, Ano 1887 / Autos n.29/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
Valentim Wagner - Inventariado. Maria Felisbena Wagner – Inventariante
Inventário, Ano 1887 / Autos n.30/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
Zeferino José dos Santos - Inventariado. João José dos Santos – Inventariante
Inventário, Ano 1888 / Autos n.31/ Maço n.1/ Estante 152 39 e/c. Taquara – Cartório do Cível.
Clemencia Bernardina da Silva - Inventariado. Francisco Ignacio de Carvalho – Inventariante
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Inventário, Ano 1888 / Autos n.34/ Maço n.1/ Estante 152 129 e/c. Taquara – Cartório do
Cível. Felippe Wagner e sua mulher - Inventariado. Elisabetha Wagner – Inventariante.
Inventário, Ano 1888 / Autos n.32/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Firmino Pereira Constante - Inventariado. Belcina Maria Constante – Inventariante
Inventário, Ano 1888 / Autos n.33/ Maço n.1/ Estante 152. Taquara – Cartório do Cível.
Frederico Pedro Jung - Inventariado. Elisabetha Jung – Inventariante