O Cinema de Atracoes
O Cinema de Atracoes
O Cinema de Atracoes
EM COMUNICAÇÃO E LINGUAGENS
LOANA OGIBOSKI
CURITIBA
2015
LOANA OGIBOSKI
CURITIBA
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
Biblioteca “Sydnei Antonio Rangel Santos”
Universidade Tuiuti do Paraná
CDD – 791.437
OGIBOSKI, Loana.
Banca Examinadora
Profª. Drª. Denize Correa Araujo – Instituição: Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)
Professora Convidada do Programa
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Comunicação
e Linguagens, na área de concentração: Estudos de Cinema e Audiovisual, do Programa de
Pós-graduação Strictu Sensu da
Universidade Tuiuti do Paraná.
À Deus e a meus pais, sem os quais não poderia ter realizado esse projeto.
Em especial, à minha querida orientadora, e agora amiga, Denise Azevedo Duarte
Guimarães, sem a qual, com certeza, não teria cumprido minha missão. Vários obstáculos
poderiam ter sido desculpa para um fracasso, mas ela me ‘adotou’, mesmo sem tempo para
uma nova orientação. Não há adjetivos suficientes para descrevê-la. Sempre com tempo,
disposição, educação, carinho, despertou em mim uma pesquisadora que, cada dia mais, se
interessa pelo cinema. Denise, meu muito obrigada! Você é como uma fada madrinha dos
filmes da Disney.
Um agradecimento especial também à banca, os professores doutores Denize Correa
Araújo e Eduardo Baggio, integrantes da banca de qualificação e agora, da defesa, que
prontamente aceitaram os convites mas, principalmente, pelas sugestões e contribuições, que
foram muito importantes para a finalização desta dissertação.
Agradeço também aos professores do Programa, por dividirem conosco seus
conhecimentos e, por estarem dispostos, mesmo sem tempo, a nos auxliar, nem que fosse
através de uma conversa informal.
A cada colega da Turma de 2013 e em especial às colegas que se transformaram em
amigas: Geny, com toda sua candura; Cristiane, com seu bom humor, organização e
onipresença e, Maria Rita (Rita de Cássia), que além de amiga, se mostrou uma verdadeira
mestre, me ensinando a ser uma acadêmica. Além, é claro, de Francisco, Vivi, Odil, Ândrea,
Ana Johann e Patrick.
Ao meu querido marido, amigo, companheiro, Sandro Palhano, por entender todas as
renuncias que tivemos que fazer para concretizar esse meu sonho. Ao meu filho Txai, pela
paciência em me auxiliar nas edições de filmes e me ensinar como entender os computadores.
Junior e Eliane, pela amizade incondicional.
.
“Ao longo de seus 100 anos ‘oficiais’ de história, o cinema,
como qualquer outra arte, acumulou um repertório
extraordinário de experiências, nem todas elas legitimadas
pela chancela dos historiadores e muitas delas relegadas ao
esquecimento.” Arlindo Machado
RESUMO
The end of the XIX century marks the appearance of the cinema and the beginning of the era
where image started to be predominant. This dissertation analyses the relevance of the silent
movies, especially the Early Cinema, defined by Costa (2008), as the one produced from 1894
to 1908, whose characteristics such as ‘general view’ and ‘still camera’ are determinant for its
visual composition, whose discoveries and innovations are being used again and renewed in
digital movies. Being little studied, because of the lack of material which has been lost over
the years, the first movies make an extraordinary asset of the first experiments in the history
of the world cinema, yet until now, only around twenty percent of all that was produced in
that period is actually known. Starting from this premise, this study intends to show how
important Georges Méliès was during the first years of the world cinema, mainly by the fact
that he is considered ‘the father of the science fiction’ in a period when there was no
technological resources able to represent/reproduce fictitious events of a dystopian future.
Méliès produced the ‘entertainment movies’ a kind of film that arouses visual curiosity being,
many times, the main attraction per se. This study is meant, still, to analyze the creative
process of this artist/moviemaker Frenchman’s works, discussing the limitations of the tools
in the movie making process in the beginning of the XX century comparing it to the
contemporary movies, highlighting the importance that the first experiments have had on the
current technologies. To enrich this research, some works of Méliès were analyzed,
comparing them with Martin Scorsese’s 2011 The Invention of Hugo Cabret, who uses digital
resources widely to produce it. The theoretical basis for this research starts from the concepts
developed by: Machado (2011), Manovich (2001), Sadoul (1983), Xavier (1996/2012),
besides the contributions provided by Costa (2008) and Gunning (1996/2006), among others.
KEY WORDS: Early Movies. Cinema of attraction. Georges Méliès. Digital cinema, Hugo.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO ........................................................................................................017
1.ARQUEOLOGIA DO CINEMA .........................................................................021
1.1.CINEMA ANTES DO CINEMA................................................................ 021
1.2. PRIMEIRO CINEMA................................................................................ 032
1.3. LUGARES INÍQUOS COM ESPETÁCULOS SUSPEITOS .................038
2. A IMPORTANCIA DAS PRIMEIRAS PRODUÇÕES.....................................045
2.1. MÉLIÈS: PIONEIRO E VISIONÁRIO....................................................055
2.2. LE VOYAGE DANS LA LUNE.................................................................066
3. A INVENÇÃO DE HUGO CABRET..................................................................074
3.1. O PRIMEIRO CINEMA NO CINEMA CONTEMPORÂNEO ............077
3.2. CINEMA DE ATRAÇÕES ......................................................................084
3.3. OUTRAS APROXIMAÇÃOES.................................................................097
3.4.INTERTEXTUALIDADE...........................................................................102
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................131
FILMOGRAFIA .......................................................................................................137
17
INTRODUÇÃO
1
De acordo com Jacques Aumont, em sua obra Dicionário Teórico e Crítico de Cinema (2003), o cinema mudo
é apenas uma época do cinema, que acabou por volta de 1930 e, cuja terminologia só começou a ser usada
depois da invenção do cinema falado.
18
Partindo da premissa que muitos filmes da atualidade buscam suas referências nas
primeiras produções fílmicas, nosso argumento se propõe a atestar que o cinema
contemporâneo faz uma espécie de releitura das primeiras experimentações cinematográficas,
demonstrando assim a importância e relevância do cinema mudo. De início, investiga-se de
que forma o cineasta Georges Méliès marcou os primeiros anos do cinema mundial,
principalmente pelo fato dele ser considerado ‘pai da ficção científica’, em um tempo em que
não havia recursos tecnológicos capazes de representar/reproduzir eventos fictícios de um
futuro distópico.
Além disso, demonstra-se em que medida e com quais procedimentos as produções de
Méliès influenciaram grande parte da cinematografia do século XX, sem esquecer do processo
criativo de suas obras, refletindo sobre a sua genialidade em uma época de limitações
tecnológicas. Desta forma, realiza-se um entrecruzamento de dados que propõe, no presente,
uma reelaboração de experimentos do passado, ou seja: uma volta às primeiras
experimentações através da obra criativa e autoral de Méliès, imbricando-se com o filme
contemporâneo A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, de 2011, cuja obra é uma
homenagem não só a Méliès como também ao cinema mudo de maneira geral.
Esta dissertação, portanto, aborda especificamente, dois extremos da história do
cinema: o cinema mudo e o primeiro cinema e o cinema da era digital, aquele iniciado na
década de 1990 e que continua a se desenvolver na atualidade.
O processo de investigação para essa pesquisa está embasado nos conhecimentos e
obras dos seguintes teóricos: Arlindo Machado (2000/2011), que nos dá um panorama geral
sobre as experiências que culminaram com a invenção da máquina de fazer cinema – o
chamado pré-cinema; Flávia Cesarino Costa (2008), que fundamenta essa pesquisa a partir do
trabalho que desenvolveu sobre o Primeiro Cinema; Tom Gunning (1996/2006/2012) que
esclarece os conceitos sobre o ‘cinema de atrações’ e, Ismail Xavier (1983/1996/2003/
2009/2012), com suas contribuições sobre ‘teatro filmado’ e como foram produzidos os
primeiros filmes. O autor Lev Manovich (2001) foi o teórico de base quando nos referirmos,
no corpo desta dissertação, ao cinema digital.
Foi realizada também uma análise de texto visual das principais produções fílmicas de
Georges Méliès, entre elas a Viagem à Lua, de 1902, e também a produção digital, em 3D: A
invenção de Hugo Cabret, de 2011, de Martin Scorsese. Assim propõe-se demonstrar como
cada obra foi idealizada, segundo os recursos tecnológicos e de linguagem disponíveis na
época em que foram realizadas. Vale destacar aqui que, sempre que foi necessário, algumas
cenas (tanto das produções de Méliès quanto de Scorsese) foram explicadas, comentadas,
19
analisadas e contextualizadas, para permitir uma visão mais ampla do que é proposto nessa
pesquisa: a confirmação da hipótese de que o pensar-fazer cinema mudo está, de forma sutil,
presente no cinema contemporâneo. Busca-se ainda, através do uso das imagens - frames -
ampliar o repertório iconográfico e despertar o interesse em pesquisas mais aprofundadas
nessa inter-relação e intertextualidade entre esses dois cinemas.
A estruturação deste estudo investigativo inicia-se pelo resgate histórico, desde o
chamado ‘pré-cinema’, chegando ao ‘cinema propriamente dito’ em termos de equipamentos
e linguagem cinematográfica, abordando as primeiras experiências, invenções e descobertas
(intencionais ou não) dos recursos como ‘movimentos de câmera’, ‘closes’, ‘travellings’ e
‘efeitos especiais’; bem como a releitura - visual e tecnológica - proporcionada pelo cinema
contemporâneo digital. Assim, a escrita desta dissertação subdivide-se em três capítulos.
O capítulo 1 trata da arqueologia do cinema, onde foi realizado um breve
levantamento das experiências que culminaram com a invenção da câmera cinematográfica e
do cinema como expressão de arte, com linguagem própria. Tratou do Primeiro Cinema, tão
marcado pela experimentação e invenção de novos equipamentos, novas linguagens, criação
de maneiras diferentes de filmar, entre outras inovações, bem como das experimentações
antes da sistematização da gramática fílmica consagrada por D.W. Griffith.
No capítulo 2 enfatiza-se a importância das primeiras produções, em uma retrospectiva
história e técnica do cinema de atrações. Tenta-se mostrar que o cinema, nos termos que
conhecemos hoje, já estava ali presente nas suas primeiras exibições, através de diferentes
recursos de filmagens, como o uso de diferentes ângulos, close, etc, até mesmo no ‘pensar
cinema’ por meio da preparação das cenas para a filmagem, em uma espécie de ‘decupagem’.
Além disso, aborda-se os pioneiros e visionários dessa primeira fase, homens e mulheres que,
através de tentativas, erros e acertos, contribuíram para a consolidação do invento que
marcou o século XX. Ainda neste capítulo, dá-se ênfase às obras de Georges Méliès,
realizador do Primeiro Cinema, cuja cinematografia merece atenção pela sua qualidade e
diversidade. Um artista/cineasta/cientista situado à frente de seu tempo e que marcou, em
definitivo, uma maneira de fazer cinema, para além do simples registro documentário.
Destaque especial foi atribuído ao filme Viagem à Lua, marco histórico da cinematografia
mundial.
No capítulo 3 aborda-se as novas tecnologias e como elas estão influenciando o modo
atual de fazer cinema, repensando até que ponto temos um cinema realmente novo, quando
parece que essas ‘novas produções’ na verdade seriam releituras daquele Primeiro Cinema do
início do século XX, do ‘cinema de atrações’ onde, segundo Gunning (1996), o importante
20
1. ARQUEOLOGIA DO CINEMA
Estudar cinema é também estudar história e quando nele pensamos, o associamos logo
à invenção aos irmãos Lumière; mas a conversão do cinema em espetáculo, em
entretenimento, é, em grande parte, mérito de Georges Méliès. Se é verdade que toda obra de
arte traz consigo as marcas de seu tempo, não podemos simplificar essa questão, ainda mais
quando temos referências como Méliès e Edwin Porter, que foram muito além dos recursos
técnicos e tecnológicos disponíveis no seu tempo. Tanto que Emmanuelle Toulet (1988, p. 91)
conta que, já em 1903, Porter “realiza dois filmes que os historiadores consideram decisivos
para a evolução da linguagem cinematográfica: The Life of an American Fireman e The Great
Train Robbery”.
Christian Metz costumava dizer que cinema é assunto amplo, para o qual há mais de
uma via de acesso:
Sergei Eisenstein, em seu livro O sentido do filme (2002, p. 21), por outro lado,
explica que, no processo da lembrança, existem dois estágios fundamentais: o primeiro é a
reunião da imagem, enquanto o segundo consiste no resultado dessa reunião e seu significado
na memória.
Brinquedos ópticos, sombras, shows e truques visuais já existiam há muito e, portanto,
cientistas, fabricantes e inventores dedicaram tempo ao estudo do fenômeno visual, onde uma
série de imagens estáticas, quando colocadas em movimento, criam sensação de movimento.
Esse conceito ficou conhecido como ‘persistência da visão’ e foi observado pela primeira vez
pelo médico inglês Peter Mark Roget, em 1824, sendo determinante para o desenvolvimento
do cinema. A descoberta e aperfeiçoamento de tecnologias e invenções mecânicas
relacionadas ao movimento e à visão foram desenvolvidas no início e no final do século XIX,
sendo consideradas precursoras do nascimento da indústria cinematográfica.
O estudioso da história do cinema, Gunning (1996, p. 26), conta que, quando o cinema
apareceu, era muitas vezes chamado de ‘fotografias animadas’, pois parecia acrescentar um
‘algo mais’ de movimento vital à imagem anteriormente captada estaticamente. Embora essa
‘animação’ tenha sido proporcionada pelas invenções de Thomas Edison, Louis e Auguste
Lumière, Skladanowsky, George Eastman, W.K.L. Dickson, Louis Le Prince, R.W. Paul,
Georges Méliès, Francis Doublier, G. A. Smith, William Friese-Greene, Thomas Ince e
muitos outros, no final do século XIX, também ligava o cinema a um grande número de
tecnologias que trabalhavam com manipulação de imagens, que já eram populares no início
23
daquele século. “A busca das ‘fotografias animadas’ ao longo do século revela a imbricação
do cinema nas novas experiências de tecnologia, tempo e representação visual” (GUNNING,
1996, p. 26).
O autor (1996, p.26) questiona a tentativa de se traçar uma ‘arqueologia do cinema’
principalmente porque essa tentativa pode assumir uma aparência ordeira, quando essas
diversas linhas são entrelaçadas teleologicamente para culminar na invenção do cinema. Ele
continua contando que uma teoria histórica pode encontrar a ‘fonte do cinema’ na cena de
sombras exibida na caverna de Platão, mas que a gênese histórica do jogo de luz deriva da
preocupação renascentista com o poder mágico das imagens e das descobertas dos processos
de luz e visão.
Já no século XVI, Giovanni dela Porta testava o que poderíamos chamar de ‘primeiras
técnicas pré-cinematográficas’, com a invenção dos ‘teatros de luz’. Athanasius Kircher, no
século seguinte, experimentava as ‘projeções criptológicas’, sem falar da ‘lanterna mágica’ de
Christian Huygens, Robert Hooke, Johannes Zahn, Samuel Rhanaeus, Petrus van
Musschenbroek e Edme-Gilles Guyot. Mais tarde, no século XVIII, Robert Barker inventava
o ‘panorama’ e Nicéphore Nièpce e Louis Daguerre, a fotografia, em 1827, mas a pintura já
existia há pelo menos 150 séculos.
A fascinação do homem pela imagem data da pré-história. Machado (2011, p. 16)
explica que “nossos antepassados iam às cavernas para fazer sessões de cinema e assistir a
elas”. Cientistas que se dedicam a estudar os primeiros períodos da pré-história descobriram
nas cavernas de Altamira, Lascaux ou Font-de-Gaume, imagens gravadas em relevo nas
rochas e seus sulcos pintados em cores vivas. O interessante dessas pinturas é que à medida
que o observador se desloca diante das figuras desenhadas nas paredes das cavernas, elas
também parecem se movimentar.
Machado complementa, explicando que, paradoxalmente, os poucos cientistas que
contribuíram substancialmente para avanços na área não estavam preocupados e, muitas
vezes, não entendiam como seus estudos poderiam contribuir para avanços na captação de
imagem em movimento. Etienne-Jules Marey, por exemplo, inventor do cronofotógrafo 2 e do
fuzil fotográfico3, ancestrais da câmera cinematográfica, nunca entendeu exatamente para que
2
Primeiro aparelho inventado para registro do movimento, formado por um disco com furos que gira diante de
uma placa sensível, registrando uma imagem a cada passagem de um furo. Esse aparelho proporcionou a
descrição de um movimento, uma vez que, o mesmo negativo era exposto à luz registrando cada uma das etapas
do deslocamento.
3
Instrumento capaz de registrar fotograficamente 12 imagens por segundo.
24
poderia servir a síntese do movimento por meio do aparelho projetor. O autor conta que, como
ele estava apenas interessado na análise dos movimentos dos seres vivos, para estudá-los,
precisava decompor esses movimentos e congelá-los numa sequência de registros, “recompô-
los novamente numa tela, para fazer a imagem do animal ‘se mover’, era para ele uma total
idiotice” (MACHADO, 2011, p.17). A cronofotografia inspiraria, mais tarde, a arte moderna,
seja através dos futuristas, que davam ênfase às belezas do movimento e da velocidade, seja
através do dadaísmo, cuja influência pode ser observada na obra de Marcel Duchamp.
A lanterna mágica4 tem sua origem na tradição da Mágica Natural, derivada da
interseção das antigas tradições ocultas, do novo espírito da Renascença recente e do
Iluminismo nascente. Um bom exemplo disso é a obra Magie naturalis sive de miraculis
rerum naturalium, de Giambatista Porta, publicada em 1589, que dizia que o reino da mágica
natural incluía desde poderes mágicos das imagens, descrição da influência do Cosmo em
nosso planeta, até experimentos químicos e óticos, assim como oferecia um plano para um
teatro ótico, usando a câmera escura para criar um entretenimento visual variado e móvel,
cujos efeitos mágicos derivam exclusivamente da lei da ótica. Em 1833, David Brewster – ele
próprio inventor de dois importantes dispositivos visuais: o caleidoscópio e o estetoscópio –
abandonou qualquer referência às influências celestiais ou imagens mágicas e explicou
cientificamente como acontecem as ilusões de ótica.
Porém, a imagem em movimento continuava a encantar, e, as diversões óticas, cujos
processos de produção pudessem ser racionalmente explicáveis, mantinham um poderoso
‘efeito de mistério’. Gunning conta que talvez tenha sido esse o motivo que levou Christian
Huygens, o inventor da lanterna mágica, em 1659, a não querer ter seu nome associado a ela e
não ter promovido exibições públicas de seu invento.
A ‘lanterna mágica’ logo espalhou-se pelo mundo como um dispositivo de
entretenimento e instrução. Com um modesto início no final do século XVII, tornou-se uma
forma de diversão pública e doméstica, altamente comercializada no século XIX. Interessante
lembrar que, embora tenha se tornado um brinquedo ótico bastante popular, não perdeu sua
‘aura’ de ligação com o sobrenatural, tanto que, Pierre Petit, um dos primeiros exibidores
públicos da lanterna mágica, a chamava de ‘lanterna do medo’.
A partir daí começaram a surgir formas mais elaboradas de entretenimento visual
usando a lanterna mágica. Uma delas, a ‘fantasmagoria’, de Philidor e Robertson, invocava o
4
Primeiro instrumento de projeção que usava luz artificial e uma lente, sendo portanto o primeiro ancestral do
cinema. (GUNNING, 1996, p. 28)
25
5
Dispositivo ótico que dá às fotografias feitas por ele (conhecidas como estereografias) uma ilusão de
tridimensionalidade, criando imagens com a aparência de relevo e recuo. (GUNNING, 1996, p. 33)
26
Assim, o cinema nasceu de várias inovações que vão desde o domínio fotográfico até a
síntese das imagens em movimento, cuja ‘domesticação da visão’ começou com a invenção
de jogos ópticos. Dentre esses jogos ópticos inventados estão o ‘taumatrópio’ (1820/1825,
William Fitton), o ‘fenascistoscópio’ (1829, Josep Antoine Ferdinand Plateau), o ‘zootropo’
(1834, Wil George Horner) e o ‘praxinoscópio’ (1877, Emily Reynaud). Todas essas
experiências com imagens em movimentos podem ser encontradas detalhadamente no livro de
Machado, Pré-cinema e pós-cinemas (2011). Além disso, o filme Film before film (O filme
antes do filme), de Werner Nekes, 1986, faz um resumo visual de todas essas experiências, e
pode ser visualizado no Youtube6.
6
Youtube, site de compartilhamento de vídeos, cujo acesso é livre para qualquer usuário com conexão à internet.
O termo vem do Inglês ‘you’ (você) e ‘tube’ (tubo, canal), que pode ser livremente traduzido como ‘canal feito
por você’. No Youtube, além da possibilidade de adicionar e assistir vídeos, há, também, espaço para adicionar
comentários sobre a produção visualizada. Também está disponível no referido site grande quantidade de filmes
que podem ser assistidos na íntegra.
7
<https://www.pt.wikipedia.org/wiki/ficheiro:muybridge_horse_junping.jpg>
8
Tudo começou em 1872, quando o ex-governador da Califórnia Leland Stanford afirmou que todos os quatro
cascos de um cavalo deixam a terra ao mesmo tempo durante um galope. Para provar cientificamente que isso
realmente acontecia, Stanford contratou Muybridge, que desenvolveu um esquema para captação instantânea de
imagens, envolvendo fórmulas químicas para o processamento fotográfico e um disparador elétrico, que ficava
fora da câmera fotográfica. Em 1878, Muybridge produziu a série de fotos The Horse in Motion provando que o
Stanford afirmara anos antes.
27
várias fotos da passagem de um cavalo. O fotógrafo inglês ficou bastante conhecido por seus
experimentos com o uso de múltiplas câmeras para captar o movimento, além de ser inventor
do ‘zoopraxiscópio’, um dispositivo que projetava retratos de movimentos, que mais tarde
seria o precursor da película de celuloide, que é usada até hoje. Ele e o astrônomo Janssen
registraram, em movimentos sucessivos, a passagem de Vênus diante do Sol.
William Kennedy Laurie Dickson foi quem inventou a ’tira de celuloide’ contendo
uma sequência de imagens, que seria a base para a fotografia e projeção de imagens em
movimento. Em 1884, o industrial George Eastman, de Nova York, inventou o ‘filme de
rolo’. Na mesma década, em 1891, o inventor Thomas Edison, de Nova Jersey, e seu
assistente Dickson, inventaram o ‘cinetoscópio’ – uma caixa movida a eletricidade, que
continha a película inventada por Dickson, mas com funções limitadas (não projetava o
filme). As temáticas eram as lutas de boxe, números cômicos envolvendo pessoas ou animais
amestrados, exibições de bailarinas, cenas eróticas ou sobre a paixão de Cristo. A primeira
exibição pública desse invento aconteceu em 22 de maio de 1891, em Nova Jersey, onde 147
pessoas puderam observar, individualmente, a “figura de um homem, uma maravilhosa
fotografia. Ele fazia reverências, sorria, acenava com as mãos e tirava o chapéu com graça e
naturalidade perfeitas. Todos os movimentos eram perfeitos”, conforme descrição feita pelo
jornal New York Sun, naquela data. Criador ou simplesmente patenteador de vários inventos
ligados à técnica e à ciência, Edison esteve na vanguarda da comercialização da ilusão do
movimento, procurando lucrar com a nova atração.
9
<http://winterluna.blogspot.com.br/2012/06/linha-do-tempo-1-1895-1919.htm>
28
Uma das histórias ‘não oficiais’ conta que, no final da década de 1880, na Inglaterra,
Louis Le Prince10 havia patenteado uma máquina do tamanho de uma geladeira e filmado a
10
Le Prince é pouco conhecido e sua história é marcada por um mistério. Em 16 de setembro de 1890 ele
embarca com seus rolos de filmes e seu aparato técnico rumo a Paris onde encontraria com M. Mobisson, então
secretário do Paris Ópera. Ele nunca desembarcou na capital francesa nem tão pouco foram encontrados seus
equipamentos e filmes, apesar das buscas e investigações da polícia.
29
ponte de Leeds. Embora 1895, como já vimos, seja uma data importante para a história do
cinema, Celso Sabadin conta que vários autores consideram o francês Le Prince como o
primeiro cineasta da história. Dois fragmentos de filmes a ele atribuídos foram descobertos e
ambos teriam sido produzidos em 1888. O primeiro mostrava os jardins do sogro de Le
Prince, em Roundhav, Leeds, na Inglaterra e, o segundo, imagens em cima de uma ponte na
cidade industrial, também em Leeds. Mark Cousins (2013, p. 17) lembra que essas imagens
foram mostradas em máquinas em que apenas uma pessoa podia assistir por vez.
Historiadores ingleses gostam bastante dessa versão por dois motivos: atribui a invenção do
cinema a um francês e remete essa descoberta ao território britânico.
Já Fernão Pessoa Ramos acredita que os irmãos Lumière e seus operadores talvez
tenham sido os primeiros cineastas pois:
Latham, em seu projetor eidoloscópio, quando uma laçada frouxa de filme era carregada na
câmera e no projetor, permitindo que o filme funcionasse como um elástico enquanto
acelerava e parava continuamente, sem se romper.
A invenção dos irmãos Lumière, o cinematógrafo, à primeira vista, pouco diferia dos
demais sistemas de filmagem desenvolvidos até aquele momento. Uma das vantagens do
cinematógrafo em relação à invenção de Edison, por exemplo, era seu peso: apenas 4,5 quilos.
Além disso, a mesma caixa de madeira era, ao mesmo tempo, filmadora, copiadora e
projetora. Sabadin conta que “comercialmente, tratava-se de um verdadeiro achado, pois
permitia que uma única pessoa filmasse, revelasse e projetasse os filmes, o que facilitou sua
rápida difusão ao redor de todo planeta” (SABADIN, 2000, p. 48). As exibições eram
realizadas com equipamento dos irmãos Lumière, que também alugavam os projetores. Os
operadores dos irmãos Lumière foram os responsáveis pelos avanços dos tripés, que eram
usados para dar uma maior estabilidade à câmera, mas os primeiros movimentos foram
realizados colocando a câmera em um veículo que se deslocava.
Outra pessoa importante nesse período foi o engenheiro Robert William Paul que, já
em meados de 1890 começou a produzir câmeras ‘ao estilo’ de Edison e Lumière, e vendia os
equipamentos ao invés de alugá-los.
Cousins analisa as primeiras descobertas e experimentações e comenta que qualquer
que seja o seu modo de sonhar ideias, os cineastas raramente o faziam em isolamento: eles
observavam o trabalho uns dos outros e aprendiam como lidar com as cenas a partir do que
existia anteriormente. “O cinema está sempre avançando, tornando-se mais complexo,
desenvolvendo-se a partir do passado” (COUSINS, 2013, p. 11). Assim, o cinematógrafo
serviu como uma espécie de consolidação do conhecimento científico, oferecendo ao púbico a
oportunidade de constatar - ver - a representação do real. Germain Lacasse (2006, p. 187)
poetiza dizendo que a palavra ‘trem’ pode, hoje, ser invocada em nossas mentes através de
palavras e imagens, mas graças à câmera e projetor, ela pode ser copiada e mostrada.
Desse modo, podemos afirmar que todas essas descobertas só vêm comprovar que a
invenção do cinema não é mérito de apenas um homem. Quando ficou evidente que o cinema
poderia se tornar um fenômeno mundial e lucrativo, muitos desses pioneiros tentaram obter os
direitos autorais de suas invenções.
32
11
“o potencial da nova arte não se encontra na 'imitação dos movimentos da natureza’ ou no seu ‘caminho
errado’ ou na sua semelhança com o teatro. Seu poder único era uma ‘questão de fazer imagens serem vistas’.
(livre tradução da autora)
33
rodada em um único plano, quando a câmera estava quase sempre imóvel, não por uma
impossibilidade técnica ou mecânica, como lembra Sabadin (2000, p. 57), mas simplesmente
porque ninguém ainda havia pensado na possibilidade de movimentar o cinematógrafo de seu
eixo.
Gunning comenta ainda que os primeiros filmes retratavam as curiosidades do começo
da vida moderna e “o primeiro século de história capturada pelos filmes” (GUNNING, 1996,
p. 24, p.26). Nessa mesma época, na Europa, já estavam sendo produzidos outros tipos de
filmes como aqueles que mostravam números de magia, gags burlescas, encenações de
canções populares e contos de fada. O Primeiro Cinema pode ser caracterizado por dois tipos
de produções: o cinema documentário - ‘cinema de mostração’, aqui entendido como aquele
que registra do dia-a-dia da sociedade da época -, como o cinema dos Irmãos Lumière
mostrando a saída de pessoas/operários de uma fábrica, ou então Thomas Edison filmando um
beijo; e, o ‘cinema de atrações’ de Georges Méliès, onde predominavam os truques de magias
que encantavam as plateias. Tais filmes trouxeram para o cinema os princípios da encenação
teatral, da ilusão mágica, da temporalidade própria das narrativas teatrais e literárias.
Devemos levar em conta que o cinema documentário do início do século não tem a conotação
de filme documentário praticada hoje, embora muitos historiadores considerem os
experimentos dos irmãos Lumière, que simplesmente captavam imagens registrando cenas da
vida cotidiana, como sendo ‘precursores’ do filme documental.
O termo documentário era empregado, no Primeiro Cinema, como sinônimo de
atualidades, em oposição ao termo ficção, daquele mesmo período. Essas atualidades eram
registros de eventos que ocorriam na sociedade da época e não eram, necessariamente,
registros realizados in loco. Naquele tempo, registros de fatos reais, ficções, reconstruções e
até mesmo encenações se misturavam e eram vistos de forma indistinta, portanto, as
atualidades (documentários do Primeiro Cinema) eram registros de fatos reais, mas também
reconstruções de assuntos relevantes, que não podiam ser filmados ao vivo.
A principal função das primeiras imagens em movimento era justamente a de registrar
a realidade, muito bem difundida pelas exibições dos irmãos Lumière. Com o passar dos anos,
começou-se a observar a criação de uma linguagem cinematográfica, de um novo código de
imagens, quando o espectador também desenvolveu papel importante nesse processo, na
medida em que teve que aprender a entender o que as imagens em movimento queriam dizer.
Assim, a linguagem do cinema passou a ser compreendida a partir da repetição de seu uso,
visto que, no início, as técnicas de veiculação de imagens eram desconhecidas do público.
Eisenstein complementa contando que os espectadores logo foram ‘domesticados’ para olhar
34
o mesmo assunto de diferentes pontos de vista: de perto, de longe, pela lateral, por trás, entre
outras maneiras . Nesse contexto, o conjunto de imagens visualizadas deixa de ser um efeito
espacial para se tornar uma prática comum de decompor e recompor ações. Outra
consequência dessa nova linguagem foi o surgimento do chamado ‘mundo diegético’ que,
segundo Eisenstein, é um mundo ilusório de filme, onde tudo é ficção com a montagem. O
termo diegese é usado para designar o ambiente autônomo da ficção, o mundo da história que
está sendo contada. “Diegese é o processo pelo qual o trabalho de narração constrói um
enredo que deslancha de forma aparentemente automática, como se fosse real, mas numa
dimensão espaço-temporal que não inclui o espectador” (COSTA, 2008, p. 32).
As primeiras produções eram extremamente similares umas das outras. Dominada a
técnica de captação de imagens, aos poucos começaram a ser produzidos alguns ‘filmetes’
contendo ideias simples, ou ensaiando contar breves histórias. Um bom exemplo do início
dessa transformação é a adaptação de um conhecido cartum veiculado nos jornais da época
que foi transformado em ação filmada – L’Arroseur Arrosé (O regador regado, Louis
Lumière, 1895 – Figura 04), onde um garoto pisa em uma mangueira de jardim, represando a
água, para depois soltá-la de uma vez no rosto do jardineiro.
Como o cinema ainda era uma novidade, era preciso cativar e cultivar um público e,
para tanto, a literatura auxiliou, e muito, na propagação dessa nova tecnologia, na medida em
que muitas das produções realizadas nos primeiros anos do cinema foram adaptações de obras
literárias. Não demorou muito para o cinema colocar nas telas uma grande obra literária.
Embora oficialmente o cinema tenha nascido em 1895, já em 1902, Georges Méliès produzia
Viagem à Lua, adaptação do romance homônimo de Jules Verne.
35
Em seus primeiros anos de exibição, a ligação do cinema com o teatro era bastante
intensa, tanto no que diz respeito à representação espacial do teatro em si, quanto à
apresentação dos atores. A câmera era fixa e ressaltava o ponto de vista do espectador,
posicionada em frente à cena, mostrando tudo que estava no ‘palco’, o que hoje chamamos de
‘plano geral’. Como os enquadramentos e hierarquizações dentro do quadro ainda não eram
conhecidos, nem praticados conscientemente, muitas situações captadas em cada tomada eram
confusas e, muitas vezes, pareciam desconexas.
As primeiras produções cinematográficas eram bastante curtas e esgotavam toda a
ação num único plano. Nessa primeira fase do cinema não havia movimentos de panorâmicas
para acompanhar os atores, por isso os quadros de filmagens (cenários) eram bem
delimitados, como se estivessem justificando porque a câmera não podia acompanhar o
movimento do protagonista e figurantes, que deixavam seus lugares quando saiam de cena.
Outro detalhe interessante é o fato dos atores direcionarem o olhar para a câmera, deixando
claro que sabiam da presença do espectador (aqui representado por ela, a câmera), numa clara
ruptura do espaço diegético. Seus gestos eram exagerados e quase sempre ficava evidente a
cumplicidade do ator com a plateia, como por exemplo Per le trou de serru, de 1901, da
Pathé Films, onde um faxineiro olha pelo buraco das fechaduras e compartilha com o público,
através de mímicas, o que está vendo.
Podemos também comprovar essa cumplicidade no final do filme After the Ball (figura
20), de Méliès, realizado em 1897, quando a criada, ao terminar de ajudar no banho da sua
patroa, dá uma olhada para a câmera antes de sair de cena, confirmando que se trata de uma
encenação, que a câmera está ali presente. Neste filme, Méliès se serve também de ‘efeitos
especiais’ quando utiliza cinzas ao invés de água na representação do banho de Jeanne d’Alcy
(mais à frente vamos saber mais detalhes sobre essa atriz). Além disso, Méliès já havia
‘descoberto’ que, água real era ‘invisível’ diante das câmeras e, portanto, teve que usar algo
que pudesse ser visto pelos espectadores, sendo derramado sobre o corpo de d’Alcy. Outro
detalhe interessante dessa produção, considerada talvez o primeiro filme adulto da história do
cinema, era que a atriz não ficava de fato nua, durante o banho. Ela usava uma vestimenta que
imitava a cor da pele. Mesmo assim, esse filme era comercializado como entretenimento para
as despedidas de solteiro e encontros exclusivamente masculinos.
Hugo Munsterberg complementa: “A influência exercida pelos movimentos dos atores
torna-se ainda mais relevante na tela, uma vez que, na falta das palavras, toda atenção passa a
convergir para a expressão do rosto e das mãos” (MUNSTERBERG, 1983, p. 30-31). Ainda
segundo o autor, o cinema tem outra vantagem sobre o teatro: a facilidade de escolher atores
36
A câmera em geral não se movia; ela estava sempre fixa e a uma certa
distância da cena, de modo a abraça-la por inteiro, num recorte que hoje
chamaríamos de ‘plano geral’. Seu eixo ótico era frontal, perpendicular ao
cenário, correspondendo ao ponto de vista cativo de um espectador sentado
mais ou menos no meio de uma sala de teatro [...]. As entradas e as saídas
dos atores eram laterais, como no teatro. Também como no teatro, era o
deslocamento do ator para dentro ou para fora do cenário que compunha o
quadro e não os movimentos da câmera. (MACHADO, 2011, p. 88)
Deste modo, pode-se perceber nitidamente o que queria dizer ‘teatro filmado’ que,
como explica Machado (2011, p. 76), não há decupagem das cenas – estas se apresentam em
visão frontal, com os atores aparecendo quase que de corpo inteiro e gesticulando como se
estivessem representando no teatro. Na verdade, o cinema dos primórdios ia buscar nos
37
espetáculos populares não apenas a inspiração e os modelos de representação, mas até mesmo
os seus figurantes.
Costa (2008, p. 107) concorda que o caracterizava o Primeiro Cinema era o fato de
tudo ser colocado, de forma simultânea, dentro do quadro e o que chama a atenção para essa
experiência é justamente os filmes terem sido mercadorias incompletas, que dependiam de
performances ao vivo e podiam envolver, neste sentido, grande margem de improvisação e
imprevisibilidade. Assim, podemos dizer que o Primeiro Cinema é experimental, marginal,
anárquico, minoritário e atípico.
Quando o cinema aprendeu a seguir o fluxo da ação de um espaço para o outro,
liberando os filmes para enfatizar o movimento, começam a acontecer as primeiras mudanças
do cinema. Talvez a maior diferença entre essas duas expressões de arte – teatro e cinema –
seja a configuração da cena que, no cinema, possibilita diversos e diferentes enquadramentos,
enquanto que, no teatro, como explica Sadoul, só temos o ponto de vista do espectador, “do
‘cavalheiro da plateia’, que vê o cenário por inteiro, desde a abóbada até a rampa” (SADOUL,
1986, p.31). Essa mobilidade dos pontos de vista, proporcionada pela câmera
cinematográfica, veio a acrescentar e diferenciar o cinema do teatro. “Dada essa primazia do
visual, a diferença vem da técnica: o que o tableau teatral sugere pela configuração visível da
cena, o cinema pode oferecer, com maior controle, mediante enquadramentos variados”
(XAVIER, 2003, p. 66).
Podemos dizer que o Primeiro Cinema termina a partir do momento em que as
histórias começaram a ficar cada vez mais complexas, tornando problemática a
simultaneidade de ações e informações no mesmo quadro. Note aqui que já existiam exceções
como os filmes de Méliès e de Porter, bastante elaborados, bem diferentes das primeiras
imagens cinematográficas “consideradas ‘confusas’ demais para um público viciado no
discurso linear e organizado do teatro e do romance romântico/realista” (MACHADO, 2011,
p. 87) .
Além disso, o público começava a ficar mais exigente, o que acabou obrigando os
cineastas a buscar linearização, codificação e homogeneização da linguagem, quando
começaram a ser produzidos filmes mais longos. Sabadin explica que a produção desse tipo
de filme atendia não somente uma necessidade estética e artística dos cineastas, como também
a própria exigência do público. A partir de 1912, a indústria cinematográfica passa a produzir
filmes para a classe média; assim, a cada ano a produção aumentava consideravelmente. A
título de ilustração, informa-se que a produção fílmica em 1912 foi de dois longa-metragens;
em 1913 foi de 12 longas; em 1915 foi de 419 longas e em 1916 foram produzidos 677
38
filmes. Entre 1912 e 1927, só nos Estados Unidos, foram produzidos 9.045 longa-metragens.
Essa produção em massa exigiu uma outra mudança de hábito: a construção de salas
específicas para exibição de filmes, uma tendência mundial, não apenas norte-americana.
Logo após a invenção da máquina de fazer cinema, as primeiras exibições não tinham
um local próprio para serem mostradas. As primeiras salas de cinema, nos termos em que
conhecemos hoje, datam de década de 1910. No início, ainda uma novidade, o cinema era
visto num mundo extraoficial, embora legalizado, que se baseava nos princípios do riso e do
prazer. Machado (2011) chama esses locais de ‘lugares iníquos com espetáculos suspeitos’ e,
com o crescimento do capitalismo e a ascensão das ideologias protestantes, começava a ficar
cada vez mais difícil esses espetáculos populares conviverem com a cultura ‘respeitável’ da
época.
Entretanto, em pouco tempo o cinema já era um espetáculo com um público bastante
representativo e, embora ainda não possuísse um local próprio para ser exibido, não era
‘politicamente correto’ simplesmente exercer repressão sobre esses espetáculos considerados
‘vulgares’. Assim, Machado explica que “optou-se pelo seu confinamento em guetos, em
geral situados nas periferias, próximos aos cordões industriais, onde a diversão suspeita
misturava-se facilmente com prostituição e a marginalidade” (MACHADO, 2011, p. 74).
Segundo Machado (2011, p. 73) o Primeiro Cinema reunia diversas modalidades de
espetáculos derivadas de formas populares de cultura, como o circo, o carnaval, a magia , a
prestidigitação12, a pantomima , entre outras. Sendo assim, o cinema, no início, era uma
atividade marginal, uma espécie de coadjuvante, como tudo que pertencia à cultura popular
daquela época. Costa (2008, p. 17) comenta ainda que, no princípio, o cinema era uma
atividade artesanal, cuja exibição era apenas mais uma atração nas feiras e se misturava a
outras formas de diversão, muitas vezes até mais importantes e rentáveis.
Por um certo período de tempo, os filmes eram exibidos como curiosidades ou formas
de entretenimento, nos intervalos das apresentações ao vivo em circos, feiras e carroças de
mambembes. Essa espécie de difusão do cinema era bastante comum em áreas suburbanas e
12
Também conhecido como ilusionismo, é arte performática cujo objetivo principal é entreter o público dando a
impressão que algo impossível ou sobrenatural aconteceu.
39
rurais. Costa explica que “as primeiras imagens fotográficas em movimento surgiram, assim,
num contexto totalmente diferente das salas escuras, limpas e comportadas em que os cinemas
se transformariam depois” (COSTA, 2008, p. 17).
exclusivamente erótica, funcionando anexo aos chamados ‘salões de curiosidades’, onde eram
exibidas bizarrices como mulheres barbadas, anões e outras aberrações. Machado (2011, p.
75) confirma que, nesse período, o cinema era apenas uma das atrações entre as tantas
oferecidas pelos vaudevilles, mas nunca uma atração exclusiva, nem mesmo a principal. E
continua explicando que a própria duração dos filmes – que variava de alguns segundos a não
mais que cinco minutos – impedia que se pensasse em sessões exclusivas. Quando foram
criados, os vaudevilles eram frequentados basicamente por um público masculino de classe
baixa, onde eram servidas bebidas alcoólicas e onde esse público buscava diversão muito
além do que podia ser conferido nas telas. Machado continua:
Quando num primeiro momento, a venda de álcool era ainda tolerada nesses
locais e a prostituição florescia ao seu redor, não era difícil que uma visita a
uma dessas casas se transformasse em uma bebedeira, quebra-quebra ou
aventura sexual. (MACHADO, 2011, p. 74)
seus primeiros anos continuava sendo o mesmo. Além do valor do ingresso, agora as salas de
exibição começavam a sofrer transformações, embora continuassem sujas, pouco confortáveis
e sem condições de segurança, como comenta Machado (2011). Esses locais também eram
conhecidos por ‘poeiras’, uma vez que funcionavam em armazéns improvisados.
Os nickelodeons ganharam importância à medida em que os filmes começaram a
tornar-se narrativos, quando as produções ficaram mais longas, já com uma preocupação de
envolver o público. Machado (2011) explica que os filmes que consideramos mais típicos do
primeiro período eram compostos de uma série de quadros autônomos, que correspondiam
‘mais ou menos’ aos ‘atos’ do cinema, separados uns dos outros por intertítulos, que
explicavam a cena seguinte. Philip Kemp (2011), em seu livro Tudo sobre Cinema,
complementa contando que, embora os intertítulos substituíssem os diálogos, eram as
imagens que conduziam de fato a narrativa e capturavam as emoções. Nem todas as
produções do Primeiro Cinema tinham intertítulos ou letreiros, como por exemplo as
produções de Méliès, cujas imagens e truques dispensaram a interferência de explicações,
pois eram obras acabadas cujo intuito era maravilhar e surpreender o público.
15
A figura do explicador já aparecia nas primeiras experiências com imagens com a lanterna mágica. Naquela
época era uma espécie de show com cunho educacional, mas era frequentemente visto como uma atração em
apresentações de Robertson, por exemplo. (LACASSE, 2006, p. 184). Também eram chamados de comentadores
ou conferencistas, em francês boni-menteur e em inglês de lecturer.
42
“Como here! Come here! Ladies and gentlemen, come to see the most surprising and
exciting fairground attraction, the cinematograph16.” Lacasse (2006, p. 181), em seu texto
The Lecturer and the attraction, conta que os explicadores ficavam “ invited passers-by to
come to experience a ‘state of shock17.’ Ele diz que a expressão ‘state of shock’ (estado de
choque) é bastante apropriada pois é uma espécie de retrato do primeiro espectador de
cinema, em 1895.
Lacasse (2006, p. 181) afirma que o explicador era a ‘prova da atração’ (proof of
attraction), mas também a ‘voz da atração’ (voice of attraction). Pela boca dos explicadores, o
cinematógrafo falava e essa nova e virtual experiência atraia o espectador durante toda
duração da exibição – eles apresentavam, explicavam e comentavam a atração. “The lecturer
stimulates and praises the entertainment and the attraction by introducing them to soften the
shock, but then amplifies the surprise18” (LACASSE, 2006, p. 182). O autor chama a atenção
para o fato do explicar ter o poder de ‘manipular’ sua audiência, uma vez que essa era sua
própria audiência.
A ‘era dos explicadores’ acabou no momento em que o cinema se tornou um
fenômeno conhecido, aceito e legitimizado. Lacasse (2006, p. 187) diz que, após seu
desaparecimento – a figura do explicador –, as atrações continuaram, mas agora mais
integradas como uma prática mais familiar, uma vez que, com a domesticação das imagens
pelo público, o processo de entendimento dos filmes se tornou inconsciente e implícito.
Salas de exibição de filmes, no formato que temos hoje, é um fenômeno bastante
recente. Entre 1908 e 1912 já se começava a sentir as transformações do cinema como um
todo, desde o conforto das salas de exibição até o aparato técnico e temático dos filmes.
Xavier informa que, por volta de 1908, já existiam nos Estados Unidos entre oito e dez mil
salas, que provocaram o aumento brutal da demanda por uma programação mais
diversificada. Não é por acaso que naquele período foram registrados dois marcos importantes
para a história do cinema norte-americano: a produção do primeiro longa-metragem19 e a
inauguração do primeiro ‘cinema’20 propriamente dito, naquele país.
16
“Venham! Venham! Senhoras e senhores, venham ver a atração de feira mais surpreendente e emocionante, o
cinematógrafo’!” (livre tradução da autora)
17
“convidando os pedestres a experimentar um ‘estado de choque’’’. (livre tradução da autora)
18
“O explicador estimula e elogia o entretenimento e a atração, introduzindo-os para amenizar o choque, mas,
em seguida, ampliava a surpresa”. (livre tradução da autora)
19
Considerando a definição da Cinemateca Francesa segundo a qual longa-metragem é um filme comercial de
mais de 60 minutos de duração, o primeiro longa americano foi Oliver Twist, produzido por H. A. Spanuth, cuja
43
Na metade da primeira década do século XX, o Primeiro Cinema começa a passar por
uma transformação: de um lado o público começava a ficar mais exigente e, do outro, os
produtores passaram a se preocupar em desenvolver uma linguagem própria – a narrativa
cinematográfica. O público começava agora a ser domesticado pelas formas de representação
e exibição dos filmes, a desenvolver uma forma de percepção diferenciada, uma maneira de
entender a narrativa.
Mas os historiadores do cinema consideram que a linguagem do cinema só acontece
depois do uso do corte; assim, a montagem é, sem dúvida, muito importante na construção
desse mundo ilusório. Essa relação invisível entre uma cena e outra é que criou um
vocabulário próprio do filme, – a linguagem cinematográfica –, e fez com que o público, com
o passar do tempo, passasse a preencher e entender automaticamente as lacunas entre os
tempos das cenas. Carrière revela que a justaposição de imagens aguçou, nos espectadores, a
necessidade do uso do raciocínio para dar ordenamento lógico das ideias. Ele cita como
exemplo:
estreia foi em primeiro de junho de 1912. A Vitagraph já havia produzido, em 1909, Lês Miserables e The Life
of Moses, longas de quatro e cinco rolos, mas que foram exibidos em capítulos e em dias separados.
20
O Regent Plaza de Nova York foi o primeiro edifício norte-americano projetado e construído para se utilizado
na exibição de filmes. (SABADIN, 2000, p. 99)
44
Um homem, num quarto fechado se aproxima de uma janela e olha para fora.
Outra imagem, outra tomada, sucede a primeira. Aparece a rua, onde vemos
dois personagens – a mulher do homem e o amante dela por exemplo. Para
nós, atualmente, a simples justaposição dessas duas imagens, naquela ordem,
e até na ordem inversa (começando na rua), nos revela, claramente, sem que
precisemos raciocinar, que o homem viu, pela janela; a mulher e o amante na
rua. Nós sabemos; nós o vimos no ato de ver. Interpretamos, corretamente e
sem esforço, essas imagens justapostas, essa linguagem. Nem percebemos
mais essa conexão elementar, automática, reflexiva; como uma espécie de
sentido extra. Essa capacidade já faz parte do nosso sistema de percepção.
(CARRIÈRE, 1995, p.15)
Xavier (2012, p.32) conta que todas essas evoluções em termos de decupagem não
surgiram da noite para o dia, mas foram fruto de acúmulos de experiências em diferentes e
diversos filmes do início do século XX. André Gaudreault concorda com Xavier, e mais,
afirma que: “tracking shots, close-ups, parallel editing and other fundamental devices of film
language had not waited for David Wark Griffith to make theirs
appearance21”(GAUDREAULT, 2006, p. 85).
21
“plano sequência, close-ups, montagem paralela e outros dispositivos fundamentais da linguagem
cinematográfica não esperaram por David Wark Griffith para serem descobertos”. (livre tradução da autora)
45
O cinema, sem dúvida, é a mais internacional das artes. Não apenas porque
as plateias de todo mundo veem filmes produzidos pelos mais diferentes
países e pelos mais diferentes pontos de vista. Mas particularmente porque o
filme, com suas ricas potencialidades técnicas e sua abundante invenção
criativa, permite estabelecer um contrato internacional com ideias
contemporâneas. (EISENSTEIN, 2002, p. 11)
O cinema, desprovido de fala, já havia desenvolvido uma forma de narração visual tão
sutil e expressiva quanto às palavras; além disso, complementa Munsterberg, enquanto “o
teatro só pode mostrar os acontecimentos reais em sua sequência normal; o cinema pode fazer
a ponte para o futuro ou para o passado” (MUNSTERBERG, 1983, p. 38).
Segundo Laurent Jullier (2009, p. 74), o cinema dos primórdios é até hoje mal
interpretado; muitas vezes sendo estereotipado como produção ingênua e até mesmo
primitiva, a começar pela própria terminologia de cinema mudo ou silencioso. Ao contrário
do que se acredita, o Primeiro Cinema não era mudo; pelo contrário, nas projeções ouviam-se
sons diversos: pianistas ou orquestras inteiras tocando ao vivo e, em alguns casos, havia ainda
os animadores que explicavam os filmes e também a conversa da plateia. Não se pode
esquecer que estamos falando do começo do século XX e, na maior parte do tempo, o cinema
representava o que se podia obter de mais adaptado às necessidades artísticas daquela época.
Jullier revela ainda que o espectador contemporâneo pode até considerar fora de moda ou
ultrapassado o aspecto visual dos primeiros filmes, mas isso não significa que eram produções
de pouca qualidade; tal produção “não revela nenhum ‘erro’, mas sim escolhas estéticas que
agradavam antigamente”. (JULLIER, 2009, p. 74)
Paradoxalmente, um dos principais fatores da rápida universalização do cinema foi
justamente sua grande limitação: a ausência da fala. Na época dos filmes ditos mudos, a
ausência de barreiras de linguagem (devido à grande ênfase na expressão corporal que é uma
linguagem universal) assegurou que o nascimento do cinema fosse realmente um fenômeno
de grande alcance e que os filmes da primeira década pudessem ser mostrados em diferentes
países e também em outros continentes. Foi o que aconteceu com os filmes de Méliès,
46
exibidos não só na Europa como nos Estados Unidos, uma vez que as primeiras produções
eram atrações por si só e não tinham o compromisso com a narrativa.
Lacasse afirma que: “The silent cinema has often been presented as a symbol of
modernity because it was considered as a ‘universal language 22” (LACASSE, 2006, p. 188).
Portanto, o silêncio nunca foi uma limitação para o cinema. Balázs (1983, p. 82) concorda e
afirma que uma das pré-condições da popularidade internacional dos filmes reside na
compreensão universal da expressão facial e do gesto, o que acabou contribuindo para que “as
pessoas se tornassem fisicamente acostumadas umas com as outras, e quase criou um tipo
humano internacional” (BALÁZS, 1983, p. 83). Criaram-se efeitos que logo se tornaram
‘sinais de convenção’, uma espécie de ‘código universal’. Isso aconteceu, em grande medida,
pelo fato de que as leis do mercado cinematográfico permitiam apenas gestos e expressões
faciais universalmente compreensíveis.
Na época do cinema mudo, apenas os filmes de maior prestígio tinham trilha sonora,
especialmente encomendadas a compositores. Os filmes eram enviados para locais de
exibição na sua forma silenciosa, juntamente com as partituras; ficava a cargo do cinema
contratar músicos para executar ao vivo a música apropriada para cada exibição.
Foram centenas as produções na primeira década da história do cinema; mas muito
desse material foi perdido devido à falta de conservação adequada e até mesmo pela
desimportância que esse material sofria por parte dos produtores daquela época. Muitos filmes
foram derretidos para recuperação de um dos seus principais componentes, o nitrato de prata,
bastante valioso naquela época. O material visual daquele período que temos disponível
atualmente é de pouca qualidade de conservação; mesmo assim é de suma importância para a
história do cinema mundial. Muito desse material está disponível online e é de domínio
público.
Como já comentamos, as primeiras produções cinematográficas eram praticamente de
caráter documental que mostravam cenas cotidianas simples ou trucagens visuais, mas outros
gêneros cinematográficos surgiram logo em seguida. Méliès assistiu a apresentação dos
irmãos Lumière e, inspirado pela tecnologia utilizada, começou a produzir filmes de fantasia,
terror e ficção científica. No início, praticamente tudo que era produzido, era filmado em
plano geral ou primeiro plano (do peito para cima). O filme Le Baiser der May Irvin et John
C. Rice (O beijo de May Irvin e John C. Rice, Edison, 1896 – figura 05) além de ser um bom
22
“O cinema mudo foi frequentemente apresentado como um símbolo de modernidade porque foi considerado
como uma linguagem universal.” (livre tradução da autora)
47
exemplo de primeiro plano (não foi o primeiro da história do cinema), obteve grande êxito e,
como disse Sadoul “o seu erotismo ingênuo anunciava a conclusão de mil outros filmes com
um final feliz” (SADOUL, 1963, p. 19).
Voltando ao caráter documentário dos primeiros filmes, vale lembrar uma das
primeiras produções de Edwin Porter, filmado em Nova York, em 1901, What happened on
Twenty-Third Street (figura 6), cuja cena mostra uma mulher que passa por um túnel de vento
e tem sua saia levantada pelo ar que sai de uma tubulação de ventilação do metrô. A cena em
si não precisava de explicação – uma das características dessas primeiras produções –, bastava
apenas ver para entender o que ela estava dizendo – o cinema de atrações de Gunning.
Embora a cena dure apenas alguns segundos foi eternizada em 1955 por Marilyn Monroe no
filme O pecado mora ao lado (The seven year itch – Figura 7), releitura que Billy Wilder fez
do filme de Porter.
Ainda sobre a primeira exibição pública de cinema, A chegada do trem à estação
(figura 03), Sadoul explica que todas as tomadas usadas naquela filmagem são atualmente
empregadas no cinema, desde o plano geral, mostrando o trem surgindo no horizonte até o
primeiro plano, com o trem já bem próximo. Como a câmera ainda não se deslocava, os
objetos e personagens é que se aproximavam ou se afastavam dela continuamente. “E essa
perpétua variação do ponto de vista permite obter do filme toda uma série de imagens tão
diferentes quanto os planos sucessivos de uma montagem moderna” (SADOUL, 1963, p. 22).
48
Não demorou muito e começaram a ser produzidos filmes sobre viagens, comédia,
ação, guerra, perseguição, faroeste e animação, entre outros gêneros. Para se ter uma ideia da
produção no início do século XX, Costa afirma que a maioria dos filmes de ficção era
composta de comédias e “em 1903 elas representavam 30% dos filmes norte-americanos”
(COSTA, 2010, p. 48). Trata-se do gênero mais complexo do Primeiro Cinema e abrangia
desde o ‘cinema de atrações’ com piadas encenadas, assim como os besmirching films –
definidos por Gunning, como aqueles onde as pessoas acabavam molhadas e sujas, até filmes
mais elaborados, como os de perseguição, que muitas vezes eram mal entendidos e exigiam
uma maior contextualização com múltiplos cenários, mais e diversos enquadramentos, um
pouco de edição e, sobretudo, uma boa noção espaçio-temporal para desenvolver com
coerência a ação durante o filme.
Até 1910, quase todos os gêneros que reconhecemos hoje já tinham se estabelecido,
embora alguns de forma primitiva. Pode-se dizer que, até 1914 os principais
desenvolvimentos técnicos já haviam sido inventados.
Costa (2010, p. 48) esclarece que o gênero aparentemente dominante (em número de
filmes feitos) até 1903 era o da narrativa de um plano só. Mas, entre 1903 e 1906, o cinema
teve muitas produções de filmes de perseguição, as primeiras formas de narrativas. Esses
49
filmes, como explica Costa, compunham-se de um quadro inicial, em que acontecia uma ação
que gerava algum tipo de perseguição e, de quadros subsequentes nos quais a perseguição se
desenrolava e terminava. Eram portanto produções mais longas e que começavam a explorar o
universo ‘além dos estúdios’.
A autora continua, afirmando que “ao contrário do que se pode pensar quando se toma
o cinema narrativo clássico como referência, os movimentos de câmera e o uso da
profundidade de campo estão presentes desde o início do cinema.” (COSTA, 2008, p. 155)
Assim como também vários outros recursos/dispositivos: panorâmicas, travellings, elipses,
fusões, closes, tomadas subjetivas – com função mais espetacular do que narrativa –, já
estavam presentes no Primeiro Cinema.
O mesmo pode-se dizer a respeito das principais técnicas cinematográficas: os
cineastas não levaram muito tempo para descobrir os variados truques de câmeras. Entre 1903
e 1918, muitas técnicas que ajudaram a contar a história do cinema se estabeleceram: edição
de continuidade, câmera lenta, imagem acelerada, quadros congelados, montagem paralela,
iluminação expressiva e, a atuação mais sutil, edição de campo/contracampo.
Responsável por reunir todas as inovações do cinema desde suas primeiras exibições,
David C. Griffith23 foi o primeiro a usar essas inovações de maneira sistematizada. Nascia
então a decupagem clássica – principal característica do cinema norte-americano –, assim
entendida como um conjunto de procedimentos que têm por objetivo diminuir, ou até mesmo
eliminar, a descontinuidade na produção de um filme. A descontinuidade podia ser
‘mascarada’ através da montagem, quando era possível eliminar cenas que não ‘deram certo’,
unir e organizar as cenas em sequência. A decupagem veio garantir que a ação transcorresse
sem interrupções, permitindo uma narrativa mais suave e próxima do natural.
Xavier (2012, p. 70) comenta que Griffith é conhecido como o cineasta que instituiu o
sistema de representação que reinou por cerca de 40 anos. “Do ponto de vista da linguagem,
ele é sem dúvida um dos maiores arquitetos do ‘específico fílmico’ (montagem, close up),
ironicamente na medida em que propôs a emular o teatro” (XAVIER, 2012, p. 70). Foi o
cineasta russo Lev Kulechov, nos anos de 1920, o primeiro a aprofundar estudos sobre o
23
Entre 1908 e 1913, Griffith dirigiu aproximadamente 450 filmes, a maioria de apenas um rolo, além de
supervisionar a produção de centenas de outros. Mais que quantidade, seus filmes já demonstravam o domínio
do que seria, mais tarde, conhecido como linguagem cinematográfica, com mudanças nos ângulos das câmeras,
ações paralelas, edição, closes e outros recursos, que se não foram inventados por ele, tiveram Griffith como
realizador. É considerado o pai de Hollywood. Griffith foi também um dos pioneiros na ideia de aproveitar o sol
da Califórnia, não interrompendo as gravações durante o inverno da costa leste. “Foi um dos responsáveis diretos
pela criação e mitificação de Hollywood.” (SABADIN, 2000, p. 86)
50
Embora tivessem sido produzidos filmes como Annabelle Butterfly Dance (1895),
Serpentine Dance (1896), filmes que se enquadram na categoria de ‘cinema de atrações’ de
Gunning, também foram produzidos filmes como The Corbett-Fitzsimmons Fight, 1897
(figura 08) que mostrava uma luta de boxe que aconteceu em Nevada, Estados Unidos,
gravada por Enoch Rector no formato de widescreen, que demoraria ainda cerca de cinco
décadas para se tornar popular. Para realizar essa filmagem, Rector inventou uma câmera
específica para rodar um filme de 63 mm de largura. Note-se que, na época, a maioria dos
filmes tinha 35 mm. Como havia pouca edição, a filmagem foi realizada com câmera parada
(característica do Primeiro Cinema), portanto bastante diferente da luta mostrada por Martin
Scorsese em “Touro Indomável” (1980) quando a luta pode ser vista por vários ângulos.
O intervalo de tempo que vai das primeiras projeções até a consolidação do cinema
como forma narrativa autossuficiente é, de acordo com Costa (2008, p. 31), bastante pequeno,
mas crucial e engloba um conjunto de rápidas e importantes transformações que determinam a
maneira de se fazer e consumir filmes. De acordo com a autora:
O francês Alexandre Promio, cinegrafista dos irmãos Lumière, descobriu, por acaso, o
que viria a ser uma importante ferramenta para os cineastas, a ‘dolly’ ou travelling, uma
52
espécie de plataforma sobre rodas em que a câmera é montada para que possa se mover
suavemente. Essa novidade foi usada mais tarde na produção de Cabiria (Giovanni Pastrone,
Itália, 1913) e Intolerância (Griffith, Estados Unidos, 1916). A descoberta aconteceu
enquanto Promio trabalhava, filmando a cidade de Veneza, e teve a ideia de fazer uma tomada
enquanto navegava de gôndola. O resultado foi surpreendente para a época: a câmera,
colocada dentro de uma gôndola em movimento, registrou imagens inéditas das ruas, ‘se
movimentando’ diante das lentes. Barry Salt (1994, p. 32) explica que, as primeiras câmeras
eram presas diretamente a um rudimentar tripé ou de outra sustentação qualquer e que, a
descoberta de Promio contribuiu, do ponto de vista técnico, para o desenvolvimento do tripé e
dos suportes para viabilizar os movimentos de câmera.
Começam assim a surgir as narrativas nas obras do ilusionista Georges Méliès e
também nas produções de Edwin Porter, o primeiro a realizar uma obra com narrativa linear,
em 1903.
O fotógrafo George Albert Smith foi uma peça importante nos primeiros anos do
cinema. Ele cobriu parte de um de seus cenários com veludo preto e fez a filmagem de um
plano. Rebobinou o filme e tornou a expô-lo, incluindo a imagem de um fantasma que parecia
flutuar pelo cenário original. Foi também um dos primeiros a filmar uma ação e projetá-la em
reverso, movimento esse que ficou conhecido como phantom ride (movimento fantasma) –
cuja experiência visual era obtida colocando a câmera em frente de um trem em movimento,
dando a impressão de se estar flutuando no ar. Dois filmes contemporâneos tornaram famoso
o recurso do phantom ride: Shoah (1985) e Titanic (1997).
Smith também foi um dos pioneiros a usar o close-up em Grandma’s Reading Glass
(1900) que mostra um neto usando os óculos da avó para explorar o ambiente ao seu redor. Os
primeiros close-ups do cinema mostravam os personagens dos filmes observando algo através
de buracos de fechaduras ou lentes (figura 9), mas em 1901, no filme The Little Doctor
(figura 10), regravado dois anos mais tarde como The Sick Kitten, o close up (figura 11) foi
usado com outra função: a de mostrar ao público um elemento da história com mais detalhes.
O close-up, segundo Balázs, não só ampliou como também aprofundou nossa visão da vida.
“Na época do cinema mudo, o close-up não apenas revelou coisas novas, como também nos
devolveu o significado das velhas” (BALÁZS, 1983, p. 90). Nas narrativas contemporâneas o
close-up já está incorporado no nosso repertório e até mesmo as crianças sabem que o detalhe
mostrado será importante para o curso da ação, logo adiante.
53
Figura 10– sem identificação das expressões faciais Figura 11– recorte plano geral para close do gato
Fonte: (frame de The Little Doctor - recorte da autora) Fonte: (frame de The sick kitten - recorte da autora)
Figura 12 e 13– The great train robbery (1903) referenciado em Goodfellas (1990)
Fonte figura 12: (frame de The great train robbery - recorte da autora)
Fonte figura 13: (frame de Goodfellas - recorte da autora)
As técnicas de filmagem usadas por Porter – tomadas de cenas fora dos estúdios,
movimentos de câmera, montagem paralela e o formato faroeste (‘Far West na concepção de
Sadoul) –, em The Great Train Robbery, de certa maneira, inauguraram o cinema moderno.
Com seus 11 minutos de duração e 14 sequências de um plano só, o filme possui a narrativa
com ritmo e suspense, uma prévia do que seria mais tarde denominado ‘narrativa clássica’,
com enredo com início, meio e fim, guardando ainda, no final (figura 12), a cumplicidade do
público, que é apanhado de surpresa ao ser ‘descoberto’ como testemunha de toda a ação. Em
1990, Martin Scorsese, diretor de Os bons companheiros (Goodfellas), faz referência a essa
mesma cena (figura 13), como explica Cousins:
[...] Tommy (Joe Pesci), que aponta uma arma diretamente para a câmera e
atira. Bum. Fim. Essa foi uma referência direta a O grande roubo de trem
(1903), em que um pistoleiro (Georges Barnes) é enquadrado em cabeça e
ombros, centralizado, e atira em direção à câmera. Pesci foi filmado
exatamente da mesma maneira. (COUSINS, 2013, p.449)
Outra novidade nessa produção, e que talvez tenha causado estranhamento no público
da época, foi o corte do plano da narrativa, na altura do joelho dos personagens, que mais
tarde ficou conhecido como ‘plano americano’. Tal estranhamento deve ter sido semelhante
ao que as imagens da ‘chegada do trem à estação’ causaram no público na primeira exibição
pública de cinema. Nessa produção, Porter começou a se preocupar em tornar mais visíveis e
legíveis as fisionomias dos personagens de seus filmes, uma vez que nos planos gerais, o
55
Costa (2008) conta que Jean Mitry considera The Great Train Robbery como sendo a
primeira história contada em termos cinematográficos: “Ele ensinou a todos os iniciantes de
então o que era um filme e como um filme deveria ser feito. Foi modelo, o filme-tipo e assim
permaneceu até que Griffith desenvolvesse os princípios da montagem, dos quais ele [Porter]
foi a expressão inicial”. (MITRY apud COSTA, 2008, p. 77, inserção nossa)
Já para realizar Life of an American Fireman (A vida de um bombeiro americano)
Porter utiliza uma narrativa contínua e montagem paralela, a qual leva o espectador a
começar a perceber que o cinema estava aprendendo a seguir o fluxo da ação de um espaço
para o outro, o que mais tarde possibilitou filmagens com sequências de perseguições.
Por meio de imaginação, inovações, experimentações, tentativas e erros, o cinema
estava sendo descoberto e ampliado por curiosos, dispostos a correr riscos, e isso torna essa
primeira fase do cinema tão importante. Costa define como marco do fim do Primeiro Cinema
o instante em que começa a se generalizar uma nova forma de percepção: “no momento em
que ela começa a se materializar em linguagem codificada e massificada” (COSTA, 2010, p.
59). Assim, continua, o filme como produto industrializado de massa, só pode se generalizar
depois de um período de aculturação, quando a compreensão uniforme das imagens se tornou
prioridade e o cinema deixou de ser atividade marginal e passou a ser uma atração exclusiva.
Desde criança manifestou vocação pelas artes, principalmente pelo desenho e mágica.
Em 1884, então com 21 anos, tornou-se mágico amador e em 1886 comprou o Teatro Robert-
Houdin, onde apresentava números de magia como se fossem apresentações de teatro. Méliès
dava grande importância ao espaço cênico, tanto que construía cenários que contextualizavam
as mais diversas situações, explorando toda a ‘mise-en-scène’ de suas apresentações.
É claro que a grande novidade do final do século XIX não poderia lhe passar
despercebida e Méliès participou da primeira sessão dos irmãos Lumière em Paris, em 28 de
dezembro de 1895 (figura 3). Encantado com as possibilidades técnicas e artísticas do novo
invento – o cinematógrafo –, adquire um aparelho e logo começa a produzir seus próprios
filmes. A filmografia de Méliès inclui 555 filmes, sendo que em mais de 300 deles trabalhou
como ator também. A fase de maior produção fílmica de Méliès acontece entre 1902 e 1913.
Embora seja considerado um visionário e inovador, Sadoul conta que:
[...] nada é original nos oitenta primeiros filmes que Méliès realiza em 1896,
nem mesmo os números de prestidigitação, em filmes sem trucagens: antes
dele, Lumière filmara o ilusionista Tewey, e Démeny filmara o
prestidigitador Reynaly. (SADOUL, 1983, p. 28)
Atualmente menos de quinze por cento de sua obra está conservada, cerca de 80
filmes. Muitos dos seus filmes foram destruídos pelo próprio Méliès em um ataque de fúria.
Méliès ajudou a construir as bases para a narrativa cinematográfica ficcional mágica e
onírica, transformando o cinema, que no seu início era apenas uma curiosidade científica e um
aparato de mero registro factual, em um meio de criação pura, autoral. Convém relembrar que
cinematógrafo foi criado com intuito técnico e científico; assim, os primeiros filmes foram
puramente documentais. A câmera tinha função de captar a imagem, gravá-la numa película
para ser exibida posteriormente. Méliès explorou todas as possibilidades do cinematógrafo
subvertendo as funções para a qual foi criado.
Ele utilizava uma espécie de roteiro com desenhos de produções e storyboards para
projetar cenas de seus filmes; cuidava pessoalmente dos detalhes da sua cenografia e construía
máquinas para realizar os truques que possibilitariam produzir filmes com mágicas
cinematográficas, além de participar ativamente na construção e pintura dos sets de filmagem
e ensaio dos atores. Assim, tornou-se o primeiro diretor da história do cinema. Sadoul (1983,
p. 29) conta que Méliès foi também “o primeiro a adaptar ao cinema as maquetes (já em uso
nos teatros ou circos), e as filmagens através de um aquário.”
57
Ao fixar a câmera frente ao palco do seu estúdio, Méliès limitava o ponto de vista de
seus espectadores a uma determinada área, tal como numa pintura ou fotografia. Desse modo
substituía o olhar presente desse público pelo olhar da câmera, permitindo-se assim recorrer
às paradas e cortes que ela proporcionava. É nesse plano fixo que Méliès recorre a cenários
que fazem alusão a uma estética teatral, ao que Xavier chamava de teatro filmado. No cinema
de Méliès, a autonomia do plano valoriza a performance como atração, como afirmava
Gunning. Com o plano fixo, as ilusões e efeitos criados por ele ficavam mais visíveis e
‘acreditáveis’. Para montar seus cenários, Méliès se preocupava com a representação da
terceira dimensão numa tela fixa para que o espectador tivesse a ilusão de profundidade de
campo.
Embora Méliès seja considerado o criador dos efeitos especiais, sua primeira produção
cinematográfica foi um documentário – Une partie de cartes (Um jogo de cartas, 1896). A
partir de então começou a usar o cinema para criar mundos imaginários, de fantasia,
transformando a fotografia animada em um meio de expressão artística. Méliès sem dúvida
soube explorar a linguagem cinematográfica, a partir do instante que descobriu como
manipular as imagens em movimento, estabelecendo um diálogo com o espectador. O crítico
de cinema Amir Labaki, quando se refere à Méliès, diz que provavelmente ele não foi o
primeiro a fazer truques com a câmera e muito menos o único a apostar na relação cinema-
magia: “mas foi o mais marcante e original” (LABAKI, 1996, p. 369).
Já em 1897, Méliès descobre que as trucagens usadas em suas exibições públicas
poderiam e seriam usadas com maestria no cinema. Nesse mesmo ano, construiu seu primeiro
estúdio, a Star Film (figura 14), um barracão todo de vidro, numa tentativa de controlar a
iluminação de suas produções e colocar em prática uma série de truques que vinha praticando
no teatro e, que agora, iria usar no cinema. O ator e diretor Charles Chaplin o chamava de ‘o
alquimista da luz’. Graças a sua perspicácia, percebeu que o cinema era local ideal para a
magia e, que muitas das ilusões e truques praticados no cinema, jamais poderiam ser
reproduzidos num palco.
58
Figura 14– Star Film, pensado para Figura 15– detalhe para os sketchers
aproveitar, ao máximo, a luz natural desenhados pelo próprio Méliès
Fonte: (Google imagens – recorte da autora)24 Fonte: (Google imagens – recorte da autora)25
Méliès adaptou seu estúdio com tudo que havia de mais moderno na época, equipado
com uma série de funcionalidades como cenários, que poderiam facilmente ser movidos e
transportados de lugar, camarins para seus atores, inclusive com câmeras no teto, filmando o
chão como se fosse uma parede vertical. Junto com o estúdio, foi criada a primeira empresa
cinematográfica da Europa, com o mesmo nome, onde foram desenvolvidos e aperfeiçoados
diferentes tipos de trucagens, permitindo aparições, desaparecimentos, sobreposições de
imagens, metamorfoses, transições por dissolução (fade-in e fade-out) e substituições em
movimentos, além da manipulação gráfica da imagem e utilização de ilusões de ótica. Foi
considerado o criador do stop-motion26, técnica de animação quadro a quadro, que permite
criar a ilusão de movimento de objetos inanimados.
As experimentações continuavam a acontecer em todo o mundo. Assim foram
descobertos os planos – trecho de ação visualmente registrada –, depois foram introduzidos os
cortes – o que estamos vendo desaparece e de repente é substituído por algo diferente –.
Toulet (1988, p. 61) conta que Méliès viveu essa experiência quando estava filmando em
Paris e sua câmera parou e voltou a funcionar logo depois. Quando ele viu o resultado da
‘pane’ de sua câmera, percebeu que como nenhum filme havia sido exposto durante a
interrupção da gravação, os bondes apareceram mais para frente e algumas pessoas sumiram.
24
<http://www.weirdwildrealm.com/f-melies6.html>
25
<http://gmelies.blogspot.com.br/2009/10/teste.html>
26
Processo que consiste em filmar apenas um quadro, depois move-se o objeto em questão, fotografar-se
novamente, e assim sucessivamente, dando a ilusão de movimento. Esta técnica usa o mesmo princípio da
animação tradicional, a única diferença é que em vez de se desenhar cada quadro, no cinema digital temos
objetos tridimensionais que são fotografados e movidos quadro a quadro.
59
Essa descoberta pode ser vista mais tarde no filme Escamotage d’une dame chez
Robert-Houdin (A dama desaparecida, 1896), quando “não são necessários nem alçapões nem
armaduras, nem fios invisíveis, nem jornal de borracha, basta parar a manivela enquanto a
senhora sai [...]. Um esqueleto substitui a mulher na cadeira... nova parada... a mulher
reaparece.” (TOULET, 1988, p. 62). Toulet refere-se à recriação do famoso truque de magia
de Bualtier de Kolta, que Méliès adaptou para o cinema, onde uma mulher desaparecia
misteriosamente. A atriz era Jeanane d’Alcy, que trabalhava no teatro, e cuja transferência
para o cinema foi inevitável, tornando-se a atriz principal de grande parte dos filmes de
Méliès. Pouco depois de estrear no cinema ela e Méliès se casaram.
O filme mostra uma dama se preparando para sentar em uma cadeira (figura 16) e em
seguida sendo coberta por um lençol. Em seguida Méliès imobiliza (congela) a imagem e o
operador da câmera para de filmar (figura 17). A dama sai debaixo do lençol, mesmo assim é
possível observar um pedaço do vestido deixado descoberto acidentalmente por Méliès. A
câmera recomeça a filmar. A dama desaparece (figura 18), surgindo segundos depois (figura
19). Esse truque aparentemente simples serviu para libertar o cinema do tempo real e
promoveu uma ruptura na narrativa na medida em que produziu, no espectador, um efeito de
surpresa, de mistério, lembrando mais uma vez que praticamente todas as produções dos
primeiros anos do cinema são realizadas com câmera parada. Note ainda que, a maioria das
produções de Méliès traduz o que Xavier chamava de teatro filmado onde a ‘encenação’ tinha
seu espaço delimitado para acontecer: o cinema se apoderou do ponto de vista do espectador
27
Excerto de um texto escrito por Méliès provavelmente durante o Verão de 1906, publicado no mesmo ano ou
no início do ano seguinte no Annuaire Général et International de la Photographie, citado por Georges Sadoul
(1985) em Lumière et Méliès.
60
de teatro para apresentar um espetáculo que se inicia e termina de forma bastante rápida. É
também o que Gunning denomina de ‘cinema das atrações’, onde o importante era chamar e
prender a atenção da plateia. Assim podemos dizer que esse Primeiro Cinema é sincrético, na
medida em que funde elementos culturais diferentes, misturando ficção e realidade.
‘clones’ contracenando com ele e os desaparecimentos súbitos que tanto encantaram o público
da época.
Figura 20– primeiro filme adulto do cinema Figura 21– filme de cunho religioso
Fonte: (frame de After de Ball - recorte da autora) Fonte: (frame de A tentação de Santo Antonio –
recorte da autora)
28
Nome dado ao ângulo em que a câmera está com a lente voltada para o chão, como se estivesse vendo o objeto
sob o ponto de vista de uma pessoa mais alta.
62
Méliès did not just introduce the theater into the cinema, he also, and quite
effectively, introduced the cinematograph into the theater, if only into the
Robert Houdin theater! And this inversion of things makes all the difference.
Because the arrival of the cinematograph in Méliès world extended a firmly
established practice29. (GAUDREAULT, 2006. p. 91)
29
“Méliès não apenas introduziu o teatro para o cinema, como também, e de forma bastante eficaz, apresentou o
cinematógrafo para o teatro, mesmo que apenas para o teatro Robert Houdin! E essa inversão das coisas fez toda
a diferença. Porque a chegada do cinematógrafo ao mundo de Méliès estendeu uma prática firmemente
estabelecida.” (livre tradução da autora)
63
Gaudreault diz ainda que Jacques Deslandes entendeu perfeitamente isso quando
escreveu “Méliès was not a pioneer of the cinema, he was the last man to work in fairy
theater30” (DESLANDES apud GAUDREAULT, 2006. p. 91).
Machado (2011) conta que nas obras de Méliès podemos identificar, entre as formas
pré e pós-cinematográficas, traços de continuidade ou de coincidência. O caso mais gritante,
segundo ele é que:
[...] a obra de Georges Méliès, que antecipa em quase 100 anos o uso de
inserções de imagens no quadro, a permanente metamorfose das figuras e
toda a iconografia híbrida e múltipla que hoje celebramos nos filmes e
vídeos de autores absolutamente contemporâneos como Nam June Paik,
Zbigniew Rybczynski e Peter Greenaway. (MACHADO, 2011, p. 10)
O cinema das atrações praticado por Méliès era, de certa maneira usado, em sua
maioria, como uma técnica meramente auxiliar, para incrementar as atrações das feiras,
bastante comuns no início do século. O termo ‘cinema das atrações’ – the cinema of
attractions31 - foi criado por Gunning (2006, p. 382) para retratar a habilidade do cinema de
mostrar alguma coisa. Ele próprio conta que, tomou emprestado de Eisenstein o termo
‘atração’ que propunha um tipo de cinema baseado na ‘montagem das atrações’ e sua
tentativa de encontrar um novo modelo ou modo de análise para o teatro.
Nor should we ever forget that in the earliest years of exhibition the cinema
itself was an attraction. Early audiences went to exhibitions to see machines
demonstrated (the newest technological wonder, following in the wake of
such widely exhibited machines and marvels as X-ray or, earlier, the
phonograph) rather than to view films32. (GUNNING, 2006, p. 282)
O autor continua resumindo o que seria o cinema das atrações: “The cinema of
attraction directly solicits spector attention, inciting visual curiosity and supplying pleasure
30
“Méliès não foi o pioneiro do cinema, ele foi o último homem a trabalhar em teatro de fadas” (livre tradução
da autora)
31
Expressões comumente encontradas em livros de língua estrangeira: ‘the cinema for early times’, ‘the first
cinema’, ‘le cinema des premiers temps’ e ‘le cinema des origines’.
32
“Também não devemos esquecer que, nos primeiros anos de exposição, o próprio cinema foi uma atração. Os
primeiros espectadores foram para exposições/feiras para ver as máquinas demonstrarem (a mais nova maravilha
tecnológica, seguindo na esteira de tais máquinas amplamente expostas e maravilhas como raios-X, ou, antes, o
fonógrafo), em vez de para ver filmes.” (livre tradução da autora)
64
Méliès prezava a autonomia visual do plano único, tanto que evitava ao máximo cortes
e interrupções em suas cenas artificialmente planejadas. Ele costumava usar de maneira
sistemática a montagem em planos múltiplos, que eram mantidos em regime de independência
uns dos outros. Isso quer dizer que em vez de recortar a ação dos personagens em partes inter-
relacionadas, Méliès se preocupava em apresentar uma mesma ação em sua totalidade,
mudando completamente o cenário a cada novo plano. Como trabalhava tendo em mente o
cinema como teatro filmado, o enquadramento da câmera era sempre do mesmo ponto de
vista e, o espaço da filmagem, era praticamente o espaço cênico. Assim, verificamos em suas
obras fílmicas, uma grande preocupação na organização da narrativa que se propunha a
realizar, deixando pouco ou nenhum espaço para a edição, tal como veio a ser conhecida a
partir da década de 1910.
Quando falamos em montagem, nos reportando a Méliès, estamos nos referindo à
escolha estética que ele realizava, quando procurava reproduzir para o espectador a
33
“O cinema de atração solicita diretamente a atenção do espectador, incitando a curiosidade visual e fornecendo
prazer através de um espetáculo emocionante - um evento único, seja de ficção ou documentário, que é de
interesse em si mesmo.” (livre tradução da autora)
65
experiência de estar diante de um palco de teatro. Além disso, ele planejava minuciosamente
todo o roteiro de filmagem, numa espécie de pré-montagem de imagens.
Surgem então os filmes de terror, como Le manoir du diable (A mansão do diabo,
1896) e as férries, os contos de fadas, como Cendrillon (Cinderela, 1899). Em Cinderela já
podemos verificar efeitos de montagem quando ela (a Cinderela), estando na cozinha, surge
em meio a um baile e depois vai para outro lugar, provavelmente a sala da casa onde morava.
É possível ainda ver fusões de imagens, múltiplas aparições e desaparições, sobreposição
brusca de cenários, animais se transformando em pessoas e outros truques. Sadoul explica
que, a transformação da abóbora em carruagem foi realizada sem o auxílio de um alçapão, por
meio do truque de substituição.
Isso não quer dizer que Méliès não dava importância ao documentário; pelo contrário,
em 1898 ele produziu uma versão cinematográfica de um grave acidente marítimo,
L’Explosion du Cuirrassé ‘Maine’ em Rade de La Havane, cuja “atração maior era uma vista
submarina filmada através de um aquário onde nadavam peixes e flutuavam algas”
(SADOUL, 1983, p. 33). Nascia nessa produção, quase que por acaso, a ideia da
reconstituição, recurso amplamente difundido hoje nas produções cinematográficas e
televisivas, que contam com a tecnologia digital para sua produção.
Entretanto, a carreira de Méliès não foi só de sucessos. O declínio do seu cinema
começa quando, em 1908, Thomas Edison funda a MPPC – Motion Pictures Patentes
Company, formada pela Vitagraph, Essanay, Kalem, Selig, Lubin, Pathé, George Klein,
Biograph, incluindo a Star Film, cujo principal objetivo era monopolizar o cinema mundial.
Uma das obrigações contratuais entre Méliès e a MPPC, também conhecida como Truste, foi
o compromisso de produzir 68 filmes durante um ano, o que acabou fazendo com que Méliès
começasse a se repetir, desgastando sua fórmula de cinema fantástico. Mas foi o início da
Primeira Guerra Mundial, além das dívidas que acumulou, que fizeram com que Méliès
parasse definitivamente de produzir filmes, permanecendo no ostracismo por décadas. Quanto
à sua produção, muitos dos filmes foram queimados durante a Guerra pelo próprio exército
francês para transformar em matéria-prima e produzir, entre outras coisas, saltos para sapatos.
Dos mais de 550 filmes produzidos por Méliès – acredita-se que apenas 80 foram
conservados. O mais conhecido e também talvez o mais imitado é Le Voyage dans La Lune
(Viagem à Lua)34, de 1902, um dos grandes ícones visuais do século XX, onde através de uma
sucessão de planos frenéticos realiza uma expedição à Lua. O filme, de apenas 14 minutos, é
o antecessor de Flash Gordon (1936), 2001: uma odisseia no espaço (1968) e Guerra nas
34
A corrida espacial foi vencida pelos americanos e Neil Armstrong foi o primeiro a pisar em solo lunar, em 20
de julho de 1969. Antes disso, em 1957, os soviéticos lançaram o Sputnik I, o primeiro veículo a deixar a
atmosfera terrestre, mas foi somente em 1961, que uma nave tripulada deixava a órbita da Terra. O soviético
Yuri Gagarin foi o pioneiro.
67
Estrelas (1977), entre outras produções do gênero. Com Viagem à Lua, Méliès começa a usar
definitivamente as técnicas de sobreposição, fusão e montagem em suas obras - as convenções
que influenciariam o gênero de filme de ficção científica35.
Como a ideia original da ficção científica era contar histórias baseadas em uma visão
de futuro possível, numa espécie de liberdade de imaginação, mas com os pés na realidade,
esse gênero, com o passar do tempo, passou a contar uma infinidade de histórias não tão
preocupadas com o embasamento científico para suas especulações. Assim a ficção científica
está até hoje, muitas vezes, muito mais próxima da fantasia do que da ciência.
Vale ressaltar que anteriormente a Méliès e ao advento do cinema, muitos escritores já
tinham se aventurado a escrever sobre uma possível viagem do homem à Lua, ajudando a
construir o imaginário coletivo sobre o assunto. Numa breve contextualização podemos citar
Cyrano de Bergerac que em 1657 escreveu Histoire comique des Estats et empires de la Lune
(História cômica dos Estados e Impérios da Lua) e Histoire comique des Estats et empires du
Soleil (História cômica dos Estados e Impérios do Sol), em 1662. Cerca de dois séculos mais
tarde o tema da viagem à Lua é recorrente na obra de outro francês, o escritor Jules Verne em
De la Terre a la Lune, em 1865, quando embarca três homens a bordo de uma cápsula em
direção à Lua. No livro de Verne os homens não desembarcam na Lua.
Importante notar que todas as projeções, ainda que imaginárias, tanto de Bergerac,
como de Verne e Méliès sobre o assunto, não tinham embasamento científico nenhum, muito
menos recursos técnicos e equipamentos que possibilitassem realizar tal expedição. Ou seja,
tanto as obras literárias como a cinematográfica basearam-se, essencialmente, na imaginação
criativa de seus idealizadores.
Ao realizar A Viagem à Lua, Méliès transformou a própria sala escura do cinema na
cápsula a bordo da qual transporta o público juntamente com seus astronautas em direção ao
espaço, cujas fronteiras espaciais e temporais seriam estabelecidas pela imaginação de cada
um. Imaginação essa que foi construída ao longo dos anos pela indústria do cinema e pelos
recursos tecnológicos disponíveis em cada época. Esses recursos, no tempo de Méliès, não
iam além da montagem de cenários em papelão, ou do uso de truques de ilusionismo, assim
como da câmera fixa filmando cenas mudas em preto e branco, mas permeadas de muita
imaginação e criatividade.
35
A ficção-científica é um gênero que tradicionalmente utiliza os aspectos visuais de forma a causar impacto e
seduzir o espectador. A denominação de ficção científica foi empregada pela primeira vez no campo literário, na
década de 1920, pelo americano Hugo Gernsback, editor da revista Amazing Stories. Essa terminologia (antes
era chamada de scientifiction e Science fiction) não era usada na época de Bergerac, Verne e Méliès.
68
Ainda com relação à figura 24, nela podemos observar o que Xavier (2012) e
Machado (2011) constumavam chamar de ‘quadro confuso’, caracterizado por quadros
autônomos com cenas (atos) que continham toda a encenação, filmados de maneira a abranger
toda a ação, no que costumamos chamar hoje de ‘plano geral’. No quadro confuso, as ações
aconteciam de forma simultânea, tornando o processo de legibilidade difícil, principalmente
para os espectadores acostumados com a linearidade típica da literatura da época. Sadoul
complementa explicando que os filmes de Méliès eram compostos de quadros, não de
sequências, e que cada quadro era um exato quadro de teatro, não comportando nunca uma
mudança de ponto vista. A câmera era fixa, com perspectiva frontal. Sadoul (1963, p. 31)
costumava chamar esse ponto de vista como o do ‘cavalheiro da plateia’, pois correspondia à
visão que o espectador tinha se estivesse sentado mais ou menos no centro de um teatro.
Como a câmera era fixa, a composição e movimentação da cena era realizada pelos atores,
que entravam e saiam pelas laterais. O ‘quadro confuso’ só deixa de existir no cinema a partir
do momento da domesticação da linguagem e da alfabetização do público.
69
Outro bom exemplo de ‘quadro confuso’ pode ser encontrado nas Paixões, encenações
da vida de Cristo, produzidas por meio de quadros, como no ritual da Via Sacra. Machado
explica que as Paixões resumem tudo aquilo que viria a se tornar marca do Primeiro Cinema.
O autor conta ainda que as Paixões seguiam o formato dos espetáculos de vaudevilles e que
não eram considerados como filmes, mas como um conjunto de filmes, onde cada quadro
poderia ser vendido separadamente sem uma ideia de unidade narrativa.
Figura 25– cena mais famosa do filme: Figura 26– inversão de perspectiva – agora
foguete no olho da Lua a Terra é observada da Lua
Fonte figuras 23 e 24: (frames de Le Voyage dans la Lune, 1902 - recorte da autora)
Talvez a cena mais marcante e emblemática do filme seja a que mostra um foguete no
olho da Lua (figura 25), principalmente na cena seguinte quando, pela primeira vez no
cinema, é invertida uma perpectiva familiar, ou seja, os astronautas que aterrissaram na Lua
observam a Terra (figura 26). Para direcionar o olhar do espectador para essa inversão, os
astronautas apontam na direção do planeta Terra e fazem uma reverência a ele, tirando seus
chapéus. Como já sabemos, na obra de Verne, os astronautas não chegam a aterrisar na Lua,
problema não enfrentado pela expedição de Méliès, que não encontra dificulade nenhuma em
se aproximar da Lua, cuja fisionomia (detalhe para close-up da face da Lua – figura 25)
expressa perplexidade com a chegada dos visitantes, que lhe entram pelo olho. A partir desse
momento, o filme assume seu lado fantástico, numa espécie de apresentação circense com
bailarinas suspenas em estrelas, cogumelos gigantes e os habitantes daquele mundo (figura
27). Sadoul (1983, p. 35) complementa afirmando que “o êxito de Voyage dans la Lune
assinalou a vitória da encenação sobre a realização lumeriana ‘ao ar livre’”.
70
Em Viagem à Lua, Méliès usou a técnica de dupla exposição do filme para obter
efeitos especiais. Há duas versões dessa produção: uma preto e branca e outra colorida à mão,
diretamente no negativo do filme, técnica utilizada pelo diretor também em outros trabalhos.
Ao longo do filme, a câmera fixa registra, uma após uma, as sequências da história,
minuciosamente planejadas no palco do teatro Robert Houdin e, a cada sequência, é montado
novo cenário, fazendo-se uso de trucagens e dos recortes possíveis. Apesar da câmera ser fixa,
eventualmente alguns elementos cênicos são sutilmente deslocados para criar a ilusão de que
o ângulo de visão do espectador desloca-se no espaço. Os personagens (atores) entram e saem
pelas laterais, ou ainda por algum alçapão aberto no chão do palco, mais uma vez nos
remetendo ao teatro filmado.
36
Clipe dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris e estrelado por Tom Kenny e Jill Talley.
73
Figura 31– Lua de Méliès no clip de 1996 Figura 32: confirmação da referência
Fonte das figuras 31 e 32: (frame do clip Tonight, tonight – recorte da autora)
37
Admirador confesso dos primeiros anos do cinema, Scorsese fundou nos Estados Unidos a organização The
Film Foundation, investindo junto com outros colegas, como Clint Eastwood, na recuperação de negativos e
películas antigas, num processo de revalorização muito semelhante do que aconteceu na vida do artista francês.
75
peças que usa para consertar um autômato, temendo que o inspetor da estação o descubra e o
encaminhe a um orfanato.
O garoto observa a vida do alto da torre do relógio da estação. De lá vê a dona de um
café sendo cortejada por um senhor, que não consegue se aproximar dela por causa do seu
cachorro. Vê o inspetor da estação, um ex-combatente ferido na guerra, fazendo sua
costumeira ronda, juntamente com seu cão Doberman chamado Maximiliano, e também o
dono de uma loja de brinquedos. Este se faz de adormecido e deixa um ratinho de corda sobre
o balcão da loja, pois sabe que Hugo é um pequeno ladrão que, vez por outra, pega peças de
corda de sua loja. A ‘isca’ funciona e o senhor consegue prendê-lo, ameaça chamar o inspetor
e o faz esvaziar seus bolsos, onde encontra várias peças (porcas, roldanas) e um pequeno
caderno de anotações. Nesse caderno constam instruções de como consertar o autômato que
foi deixado no museu onde o pai de Hugo trabalhava e ainda um flip card (figuras 33 e 34)
com o rosto de um robô.
Conforme o dono da loja vai folheando as páginas do caderno flip card de Hugo,
observa o rosto do autômato se movimentando – uma referência ao cinema enquanto ‘imagem
em movimento’–, fica triste e fala: “– Fantasmas...” Ele toma o caderno do garoto e ameaça
queimá-lo. Hugo chora desesperadamente pois além daquele caderno, um relógio de bolso e o
próprio autômato são as únicas lembranças materiais deixadas por seu pai.
Por meio de um flashback ficamos sabendo como Hugo perdeu o pai e como o tio
alcoólatra o leva para morar com ele na estação. Ao reencontrar o dono da loja de brinquedos,
Hugo recebe um lenço com cinzas, deduz que é seu caderno queimado e chora de tristeza.
Então, o comerciante faz uma proposta ao menino: que ele trabalhe lá consertando objetos e
brinquedos como forma de pagamento pelos seus reiterados pequenos furtos. Hugo aceita a
proposta e, ao sair do local, encontra a sobrinha do dono da loja, Isabele, que revela que o
76
caderno não foi queimado e que seu tio ficou muito atormentado com as anotações nele
contidas. Durante seu tempo livre, Hugo continua tentando consertar o autômato e, quando
pensa ter concluído o trabalho, percebe que está faltando uma parte: uma chave em forma de
coração.
Isabele vive com os tios, depois que seus pais faleceram, e dedica boa parte de seu
tempo aos livros. Logo, ela e Hugo tornam-se amigos e Hugo leva a menina para assistir um
primeiro filme na vida – O homem mosca – mas são colocados para fora bem na metade da
exibição.
Mais tarde, quando mostra à amiga o autômato, Hugo fica surpreso ao descobrir que
Isabele tem um colar com chave em forma de coração, a parte que faltava a seu autômato.
Com a chave consegue fazer com que o autômato comece a funcionar e desenhe uma cena
emblemática do filme Uma viagem à Lua, de 1902, de Georges Méliès. Quando o autômato
escreve a assinatura finalizando o desenho, Isabele reconhece o nome do tio.
Eles levam o desenho e mostram para a tia de Isabele, que se recusa a falar sobre o
assunto. Nesse momento, seu tio chega em casa e a tia obriga as crianças a se esconderem em
um dos quartos. Enquanto tentam se manter em silêncio, descobrem um compartimento
secreto no armário do quarto. Interessante notar que o mistério sobre quem é o tio de Isabele
só é descoberto quando as crianças encontram, dentro do armário, um baú com vários
desenhos de filmes de Méliès. O barulho no quarto atrai Méliès, que, ao deparar-se com seus
antigos trabalhos, fica transtornado.
O dono da livraria da estação, senhor Labiche, é quem recomenda a Biblioteca
Nacional do Cinema como local onde eles podem conseguir informações sobre o desenho do
autômato, na seção de história do cinema. Lá eles encontram e desvendam a vida profissional
de Méliès e conhecem o autor do livro que estão pesquisando, o professor René Tabard. Os
dois chegam até a discutir com ele, que afirma que Méliès faleceu durante a Primeira Guerra
Mundial.
Assim, em instantes, o livro torna-se ‘vivo’ e o professor leva os amigos até uma sala
da biblioteca onde guarda um pequeno acervo com tudo que conseguiu reunir sobre o
cineasta, inclusive uma única cópia do filme Uma viagem à Lua. Os dois não acreditam no
que estão vendo e resolvem levar o professor Tabard para passar o filme na casa dos Méliès.
Há um pequeno mal-estar com a chegada dos três, mas Tabard reconhece e apela para a
vaidade da esposa de Méliès, tia Jeanne, ao falar sobre sua importância como atriz do cinema
mudo. Assim ela aceita assistir ao filme, enquanto o marido descansa no quarto ao lado.
77
A partir de agora vamos tentar mostrar como acontece um diálogo entre o filme A
invenção de Hugo Cabret – obra contemporânea digital em 3D – e diversas outras obras, não
só do Primeiro Cinema como também do Cinema Mudo de maneira geral, todos aludidos ou
implicitados na diegese fílmica.
Explorar novos usos de mídias anteriores com recursos digitais tem sido uma boa
opção para o cinema. O surgimento e a evolução de novas possibilidades tecnológicas são
sempre acompanhadas de um processo de adaptação aos meios em si e ao uso que se faz dos
mesmos, ocorrendo muitas vezes a apropriação da linguagem, do estilo e de características de
uma mídia por outra. Machado explica que, em toda sua recente história, o cinema, como
qualquer outra arte, “acumulou um repertório extraordinário de experiências, nem todas elas
legitimadas pela chancela dos historiadores e muitas delas relegadas ao esquecimento”
(MACHADO, 2011, p. 141).
Isso acontece porque quando novas mídias (vamos aqui considerar o cinema digital
como uma nova mídia) são introduzidas, elas coexistem e interagem com as mídias antigas,
que não são abandonadas. A mídia é, de acordo com Peter Burke e Asa Briggs (2004, p. 17),
um sistema em contínua mudança, com diversos elementos desempenhando papéis de maior
ou menor destaque. McLuhan, em 1964, já atentava para isso, quando dizia que o conteúdo de
um meio é sempre outro meio. Segundo o autor, a ‘mensagem’ de qualquer meio é a mudança
de padrão que ele introduz na sociedade, acelerando ou ampliando os processos já existentes.
Jay David Bolter e Richard Grusin retomam em parte esta ideia de McLuhan,
afirmando que o autor provavelmente não estava falando de uma simples apropriação, mas de
78
Para estes autores (1998, p. 45), esta é uma característica típica da mídia digital,
relembrando que introduzir uma nova mídia não significa apenas inventar novo hardware e
software, mas sim se apropriar das outras mídias existentes, pois, com a introdução de um
novo meio, os usos dos anteriores são redefinidos. Não que antes das tecnologias digitais não
houvesse esta apropriação, porém, a digitalização de áudio e vídeo contribuiu, de certa forma,
para o agrupamento de todos os sistemas de comunicação existentes. Assim, a remediação
auxilia na familiarização de uma nova mídia, recorrendo às linguagens já conhecidas das
mídias anteriores, em uma espécie de reformulação de seus conteúdos e das maneiras como as
informações são produzidas e consumidas, a fim de ampliarem os serviços de comunicação e
entretenimento.
A composição digital e o uso de efeitos especiais são hoje uma espécie de padrão em
filmes de Hollywood, como afirmam Bolter e Grusin, especialmente nas produções do gênero
de ação e aventura. Eles explicam que, na maioria dos casos, o objetivo da remediação é
fazer com que essas intervenções eletrônicas pareçam ser transparentes. Como exemplo, eles
citam as acrobacias e efeitos especiais, que devem parecer ‘normais’ aos olhos dos
espectadores, como se as câmeras estivessem capturando imagens que estão acontecendo
realmente.
No filme de Scorsese, A invenção de Hugo Cabret, a remediação acontece quando,
através da mise-en-scène e da tecnologia 3D, cria, com auxílio da tecnologia digital, a
38
“A indústria de entretenimento contemporâneo chama esse empréstimo de ‘reaproveitamento’: para tirar uma
‘propriedade’ de um meio e reutilizá-lo em outro. Com a reutilização vem uma redefinição necessária, mas pode
não haver interação consciente entre as mídias. A interação acontece, se não em tudo, somente para o leitor ou
espectador que passa a conhecer as duas versões e pode compará-los.” (livre tradução da autora)
79
atmosfera dos primeiros filmes, seja através do uso de fumaça e vapor, e até mesmo da poeira
na Estação de Montparnasse, assim como o som ambiente, propagandas e recriação de
espaços que não existem mais, como a Paris do início do século passado e também o estúdio
de Méliès, além, é claro, do uso de cenas em preto e branco de clássicos do cinema mudo,
muitas dessas, fragmentos de obras originais.
Os autores explicam ainda que, na remediação, no caso específico do cinema, é
comum um filme tomar emprestado de outro algumas imagens, conceitos, cenários, maneiras
de interpretar, o que pode fazer a última obra parecer familiar aos olhos do público. Mais à
frente vamos falar sobre repertório e assim tentar esclarecer melhor esse assunto. Muitos
autores, inclusive Bolter e Grusin, acreditam que a remediação é uma das maneiras para a
compreensão das mídias anteriores.
Através do conceito de remediação de Bolter e Grusin podemos também comprovar
uma das hipóteses desta pesquisa: a de que o cinema mudo (Primeiro Cinema) está presente
no cinema contemporâneo, isso porque, de acordo com os autores, as mídias estão
continuamente comentando, remodelando, reabilitando, reproduzindo e substituindo as
anteriores, ou seja, umas precisam das outras.
Com relação à remediação, Machado (2011, p. 10) conta ainda que, quanto mais
estudava as formas e procedimentos das atuais mídias eletrônicas e digitais, “mais claramente
podia verificar que grande parte desses recursos retomava, recuperava e fazia ecoar atitudes
retóricas e tecnológicas já antes experimentadas nas formas pré-cinematográficas e no cinema
dos primeiros tempos.”
tecnologias nem sempre representa ruptura, mas sim continuidade e aprimoramento cognitivo
e subjetivo de um determinado modelo cultural para um vindouro, como já haviam escrito
sobre o assunto os teóricos Machado (2011) e Xavier (2012). “De fato, quando se observa a
evolução das tecnologias comunicacionais compreende-se que cada nova etapa tecnológica se
apropria da anterior estendendo-a, tomando-a como conteúdo e, em parte, aperfeiçoando-a”
(PEREIRA, 2004, p. 142).
No livro The languages of new media, Manovich também aborda uma aproximação
entre o cinema digital e as primeiras experimentações pré-cinematográficas. Para ele, o
cinema é a principal matriz das novas mídias e sua definição tem que ser realizada dentro de
uma perspectiva histórica, sem esquecer suas possíveis continuidades e rupturas com as
experiências passadas. Uma das ideias defendidas pelo autor diz respeito justamente ao
retorno do cinema digital às práticas pré-cinematográficas do final do século XIX e início do
século XX. Segundo ele, o cinema contemporâneo, elaborado sob a influência da cultura
digital, abriria mão da centralidade das imagens captadas pelas câmeras, como acontecia no
início do cinema, e se entregaria novamente aos processos de construção da realidade
imagética, adotando certos princípios que poderiam ser visualizados já no primeiro cinema.
Essa relação podemos verificar comparando o trabalho dos profissionais de informática, que
criam objetos e a própria realidade virtual através das interfaces de vários softwares e
hardwares que, de alguma forma, guardam semelhanças com aquelas técnicas utilizadas pelos
artistas que desenhavam à mão as imagens a serem projetadas em seus aparatos ópticos,
séculos atrás.
39
O papel privilegiado da construção manual das imagens no cinema digital é exemplo de uma tendência maior
– o retorno das técnicas pré-cinemáticas da imagem em movimento. Embora marginalizadas pela instituição da
‘ação ao vivo’ no século XX e pela narrativa cinematográfica, que as relegou ao terreno da animação e dos
efeitos especiais, estas técnicas estão reemergindo na fundação da filmagem digital, o que foi outrora
suplementar ao cinema torna-se sua norma, o que estava na sua periferia passa ao centro. As mídias
computadorizadas nos trazem de volta o reprimido do cinema. (livre tradução da autora)
81
Assim podemos dizer que, o cinema atual está revelando um novo paradigma estético
e técnico através do qual percebemos a ‘reinvenção’ do Primeiro Cinema. Nesse sentido,
Machado tem a dizer:
Um bom exemplo disso, no filme de Scorsese, são os longos planos gerais da estação
de Montparnasse, onde o local é apresentado e cada uma das cenas funciona como uma
atração, pela riqueza de detalhes. Inicia a apresentação do local um plano geral da cidade de
Paris e mostra a Torre Eifell, à noite (figura 35). Já de dia (figura 36), um travelling nos
aproxima do local, do lado onde chegam as locomotivas (figura 38). Como é inverno e está
nevando, o branco da neve toma conta dos telhados (figuras 35 a 37). À medida que o
travelling nos aproxima de Montaparnasse, outros fatores diegéticos começam a ser
incorporados ao enredo do filme, entre eles o som das locomotivas a todo vapor, as conversas
e ruídos típicos do cotidiano de uma estação. A câmera ‘pega carona’ em um trem que está
chegando (figura 38) e então entramos nela nos movendo entre duas plataformas (figura 39).
Interessante é que, ao passarmos (nós ‘somos a câmera’ nesse primeiro momento) não
83
precisamos desviar de nenhum passageiro que circula pela estação, eles simplesmente passam
por nós, pela frente, de lado, por trás. Continuamos nos movendo pela estação até que uma
cortina de fumaça vinda de um dos trens toma a tela. Quando a fumaça dispersa, estamos no
saguão (figura 40).
Hugo acompanha tudo de seu esconderijo (muitas vezes sua visão é delimitada por
uma janela, um buraco), como alguém que está fora do quadro, assim como os espectadores
acompanhavam os filmes mudos. Em vários momentos temos a visão da cena sob a
perspectiva dos personagens – câmera subjetiva (figuras 41 e 42), quando assumimos a visão
de Hugo, que não será dominante durante o filme, havendo tomadas em que veremos as coisas
‘pelos olhos’ de outros personagens, como os de Isabelle, por exemplo, e, até mesmo, de
Maximiliano, o cão do inspetor.
Já se passou mais de um século desde que o ‘pai dos efeitos especiais’ descobriu e
usou seus truques para encantar suas plateias. Esses truques continuam até hoje no cinema
digital 3D. A Invenção de Hugo Cabret alia a trucagem de Méliès à tecnologia que o sucedeu.
Nesse contexto, o filme de Scorsese pode ser descrito, porque não, como uma espécie de
‘cinema contemporâneo de atrações’.
Uma das primeiras experiências de imagens em movimento reproduziu a chegada de
um trem a uma estação. Essa novidade, apresentada pelos irmãos Lumière, em 1895, pegou de
surpresa um grupo de pessoas que havia se reunido em um café, em Paris, como tantas outras
vezes antes daquela data. Aquelas pessoas estavam lá, curiosas, para saber do que se tratava o
cinematógrafo e também para ‘ver’ o alarido causado pela nova invenção. Não se podia falar
ainda de cinema enquanto linguagem artística, mas como tecnologia. Para o pesquisador Jean
Claude Bernardet (2006), o cinema só passa a evoluir como linguagem quando abandona a
função de apenas documentar a realidade e se assume como herdeiro dos folhetins do século
XIX, passando a ser um instrumento para contar histórias, o que ocorrerá em 1915, com o
filme Nascimento de uma nação, do diretor americano D.W.Griffith.
Gunning sugere que o trem foi a grande atração da noite. Não o objeto em si – o trem
–, ou o que ele representava já à época – um símbolo da modernidade –, mas, as imagens
projetadas na tela: as imagens em movimento. Explica ainda (1997, p. 129) que o ‘choque’
que aquelas imagens causaram naqueles espectadores deve ser entendido como a excitação de
assistir a novidade da reprodução mecânica do movimento e, que a reação da plateia não foi
de terror, mas de prazer, face às capacidades ilusionistas do cinema. Mais de um século
depois daquele primeiro encontro, aquelas imagens e a reação da plateia podem nos parecer
distantes da nossa realidade. Mas, será mesmo?
Não estarão as novas tecnologias, os novos espaços e materiais/equipamentos
cinematográficos ‘revivendo’ em nós, hoje, a mesma sensação das primeiras exibições de
cinema? O cinema digital, em 3D, não nos causa espanto similar ao experimentado pelos
espectadores dos irmãos Lumière?
De maneira geral, podemos dizer que as primeiras experiências no final do século XIX
e o cinema digital, a partir da década de 1990, de alguma forma, têm suas particularidades e
aproximações, principalmente o intuito de surpreender, fascinar e aguçar os sentidos dos
espectadores. O professor de Cinema Bruce Isaacs, autor do livro The Orientation of Future
Cinema: Technology, Aesthetics, Spectacle, afirma que “the technology that once gave life to
85
moving images, and arrested the world's attention with its seemingly magical properties, its
equally present in the material of current cinematic life”40 (ISAACS, 2013, p. 6).
Sugerimos aqui algumas possíveis aproximações entre o Primeiro Cinema e o Cinema
Contemporâneo. A primeira delas talvez seja o que Gunning chama de ‘cinema de atrações’41,
cujas imagens estimulam a curiosidade visual e despertam ou criam excitação, espanto e
assombro. E isso era possível, no final do século XIX, com a novidade tecnológica capaz
captar e projetar imagens em movimento - o cinematógrafo.
No cinema contemporâneo, os recursos digitais assumem essa função, na medida em
que as imagens projetadas na tela, tridimensionais, aguçam nossa vontade de nelas tocar (nas
imagens), ainda mais quando algumas dessas imagens saem da tela e invadem nosso espaço, o
da plateia. Em ambas as épocas, as imagens projetadas são algo inusitado, fascinante e
poderoso. A atração do cinema digital se constitui na velocidade dos movimentos das
câmeras, na edição e pós-produção das imagens coletadas, nos choques de cores e nos efeitos
especiais. Como escreveu Gaudreault (2006, p. 95), que trabalhou com Gunning no
desenvolvimento do conceito, a atração está lá, diante do espectador, para ser vista. Enquanto
modo de exibição, o cinema de atrações, do Primeiro Cinema e do Cinema Contemporâneo,
não está ligado a nenhum gênero em particular e percorre, igualmente, tanto a ficção como a
não-ficção. Este tipo de cinema atrai o público para o espetáculo de sua tecnologia, como
aconteceu nas primeiras exibições do cinema.
A própria etimologia da palavra francesa spectaculaire nos remete aos idos da década
de 1770, no campo do teatro, para a palavra spectaculeux. Esse termo indica um excedente de
espetáculo, um excesso, uma ostentação, um sinal de espetáculo como um aparato, como
explica o professor de História do Cinema, Dick Tomasovic. “And, indeed, it is this
exhibitionist and megalomaniac determination that characterized, about two centuries later,
40
Mas a tecnologia que uma vez deu vida às imagens em movimento , e prendeu a atenção do mundo com suas
propriedades aparentemente mágicas, está igualmente presente no material cinematográfico atual. (livre
tradução da autora)
41
O conceito de ‘cinema de atrações’ foi sugerido por Gunning em 1984 como forma de repensar as
interpretações sobre a história do cinema e sua relação com a narrativa. Segundo o autor, o cinema de atrações
tornou-se subterrâneo, mas não desapareceu após a hegemonia do cinema narrativo. Ele é ainda perceptível,
enquanto modo de exibição, em diferentes gêneros narrativos (como o musical ou o filme de ação). No entanto, o
seu reaparecimento é mais notório no ‘cinema de efeitos’ da Nova Hollywood, desde meados dos anos 1970,
facilitado pelo desenvolvimento paralelo dos blockbusters e dos multiplexes.
86
the films of Steven Spielberg and George Lucas, unbetable filmakers of the spectacular”42
(TOMASOVIC, 2006, p. 311).
Tomasovic conta que, de alguma forma, os principais cineastas da atualidade (como
James Cameron, Peter Jackson, Sam Raimi, Geoge Lucas e Steven Speilberg) “they are the
heirs, distant but real, of Georges Méliès´s cinema”43 (TOMASOVIC, 2006, p. 309).
A discussão aqui não diz respeito se os estudiosos da área concordam ou não com a
proposição de que o cinema contemporâneo resgata, de alguma forma, o cinema de atração
definido por Gunning, mesmo porque os teóricos do cinema possuem diferentes definições e
noções sobre o assunto. Nessa pesquisa, vamos nos ater aos conceitos de Gunning. De acordo
com Tomasovic (2006, p. 310-311), Gunning afirma que as atrações constituem um modo
visual de endereço para o espectador não só do Primeiro Cinema, mas também em outros
períodos da história do cinema.
Ao contrário do cinema narrativo, o cinema de atrações, argumenta Gunning, está
mais interessado em ‘mostrar’ do que em ‘contar’. Trata-se de um cinema que insiste nos
efeitos de espetáculo, de choque, e, na produção de sensações fortes. Assim podemos dizer
que o cinema de atrações pode ser caracterizado como um cinema exibicionista, no sentido
em que, para produzir os seus efeitos, ele precisa interpelar diretamente o espectador, como
explica Teresa Rizzo (2008) em seu artigo Youtube: the new cinema of attractions.
As imagens iniciais do filme de Scorsese são uma demonstração de como, a partir da
década de 1990, aquele mundo de imagens analógicas, marcadas por suportes diferentes,
começou a ser suplantado por outro tipo de imagem: as digitais, que podem, inclusive, ser
produzidas independentemente de um objeto real captado. Paul Virilio (1994, p. 91) já
chamava essa fase do desenvolvimento da imagem, que se insinuava no final dos anos 80, de
‘lógica paradoxal’, pois marcaria o encerramento de uma lógica da representação pública, em
que necessitávamos de um referente para produzir uma imagem. Sendo a obra escrita em
1988, o autor ainda não tinha convivido, portanto, com o avanço da tecnologia de informática,
que permitiu o desenvolvimento de simuladores de imagens capazes de recriar tudo que se
imaginasse.
42
“E, de fato , é esta exibicionista e megalomaníaca determinação que caracterizou, cerca de dois séculos
depois, os filmes de Steven Spielberg e George Lucas, imbatíveis cineastas do espetacular”. (livre tradução da
autora)
43
“Eles são os herdeiros, distantes mas reais, do cinema de Georges Méliès”. (livre tradução da autora)
87
44
[...] a revolução midiática computacional afeta todos os estágios da comunicação, incluindo a aquisição,
manipulação, arquivamento e distribuição, afetando também todos os tipos de mídias – textos, imagens fixas,
imagens em movimento, sons e constrições espaciais. (livre tradução da autora)
89
plano detalhe aparece uma complexa engrenagem, que aos poucos vai se transformando em
Paris, que aparece em um plano geral. Tanto as engrenagens como a cidade têm a mesma
tonalidade dourada. O som é um elemento importante nas produções contemporâneas, e serve,
como mais um elemento de atração, sendo muita vezes, mais importante em determinadas
cenas.
Outro som extradiegético bastante marcante no filme é o provocado pelos saltos de
sapatos femininos que ecoam pela estação. Ele faz Méliès lembrar que teve que vender seus
filmes e que eles foram derretidos para fazer, entre outras coisas, saltos de sapatos. Na cena de
perseguição do início do filme (figuras 60 a 62) a música extradiegética também se faz
presente, no momento em que o inspetor, todo atrapalhado, pisa em um dos instrumentos
musicais e, depois de livrar-se dele, ordena que continuem. Nesse instante a música
extradiegética (a mesma música que estava sendo tocada antes da parada) começa a tocar
novamente, como se nada tivesse acontecido e, sem que os músicos tivessem se reorganizado
para voltar a tocar.
A imagem inicial do filme (figura 43) compara o funcionamento de uma cidade como
Paris (figura 44) com a complexidade de um mecanismo dos relógios de corda, sendo
também, a primeira relação com a tecnologia. Os travellings – engrenagem se transformando
em Paris (figuras 44 e 45), e as fusões entre a chegada de trens e os trens que passam na tela
3D, criam um efeito de realidade a ponto de surpreender o público da sala escura e fazer com
que ele reaja com as imagens tridimensionais. É bom lembrar que, a sobreposição de imagens
é um dos efeitos especiais mais antigos e que ainda é utilizado com bastante frequência.
Méliès já utilizava a sobreposição no início do século passado.
Figuras 45– uma agitada Paris surge por fusão, a partir das engrenagens
Fonte: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
É essa experiência de ‘imersão’ que vivenciamos nas salas escuras quando assistimos
um filme em 3D. Segundo Manovich (2001, p. 146), “ the fictional cinema, as we know it, is
based upon lying to a viewer45”, e, entre tantas possibilidades de se ‘mentir através de
imagens’, estão os efeitos especiais. A intenção de contar uma história através de uma
sequência de imagens pressupõe que haverá encenações, portanto a expressão ‘mentir para o
espectador’ não significa enganá-lo, mas mostrar a ele uma série de imagens que não são
necessariamente reais, ou próximas dela, e que as ações ali demonstradas não precisam
necessariamente ser verossímeis.
Com relação aos efeitos especiais, Mitch Mitchel (2004) e outros autores preferem o
uso da terminologia efeitos visuais:
“Visual effects” is a relatively new term and describes what used to be more
appropriately called “special photographic effects”. When “optical
printers” started to be used extensively in the field, the term “optical
effects” was adopted for short time; then, in the early days of television
when the signal went out live, it was called “ electronic”; with the use of
video post-production it became “video”, and then, finally, with the invasion
of computers, it was termed “digital” effects. During this ever-changing
background the term “special visual effects” and then simply “visual
effects” (VFX) was increasingly adopted to describe what has once been
called photographic effects. However, this term was no longer appropriate,
since frequently in their preparation a camera was no longer used.
(MITCHEL, 2004, p. 32)46
O surgimento de tecnologias de efeitos visuais permitiu o uso mais livre desses novos
elementos e em muitos casos, limitações físicas foram abolidas. Seguindo a terminologia de
Mitchel, os efeitos visuais podem ser usados em diversas situações. A primeira delas é quando
se pretende algo que não existe, como no caso da ficção científica, quando é preciso criar
seres imaginários ou alienígenas. Também é bastante comum usar efeitos especiais na
produção de cenas perigosas e humanamente impossíveis (figura 46). E, por último, quando
são usados efeitos visuais para ‘consertar’ coisas, como corrigir erros não intencionais que
45
“O cinema ficcional, como conhecemos, é baseado em mentir para o espectador.” (livre tradução da autora)
46
“Efeitos visuais” é um termo relativamente novo e descreve o que antes era chamado de “efeitos fotográficos
especiais”. Quando as “impressoras ópticas” começaram a ser usadas com maior frequência na produção de
audiovisuais, o termo “efeitos ópticos” foi adotado por um curto período de tempo; nos primeiros dias da
televisão, quando o sinal era enviado ao vivo, passou-se a usar a palavra “eletrônico”; com o uso do vídeo na
pós-produção o termo adotado foi “vídeo”; mais tarde, com a invasão dos computadores, “efeitos digitais”.
Durante este período de grandes mudanças o termo “efeitos visuais espaciais” e depois simplesmente “efeitos
visuais” tornou-se cada vez mais comum para descrever o que uma vez foi chamado de “efeitos fotográficos”.
Entretanto, este termo não é mais apropriado já que se tornou frequente a não utilização de câmeras fotográficas
em sua produção. (livre tradução da autora)
92
demandariam um custo muito alto para serem regravados, ou ainda, para descaracterizar ou
recriar um local.
Hoje é possível criar mundos completamente artificiais de forma realista, o que acaba
sendo uma contradição. O público sabe que aquelas imagens não são reais, no entanto aceita e
‘embarca’ nessa ideia. A maioria das cenas de atropelamentos e acidentes são criadas
virtualmente (figuras 46, 57, 59 e 101). Para diminuir custos, muitos elementos da cena são
inseridos digitalmente. Um bom exemplo é o caso das imagens de multidões: em vez de
contratar centenas de figurantes, se grava apenas com algumas pessoas e, as demais, são
replicadas diretamente no computador. Fumaça (figura 39), gotas de chuva e neve (figuras 35
a 38) também podem ser adicionadas posteriormente. Isso acontece porque surgem, a cada
dia, novos softwares, que possibilitam a manipulação de imagens facilitando a criação de
ambientes artificiais, e o realismo dessas imagens sintéticas acaba, muitas vezes, até por
dispensar a construção de ambientes físicos.
No filme analisado, graças à tecnologia digital foi possível recriar, além da Paris dos
anos 30, o estúdio de cinema de Méliès, a Star Film (figuras 48 a 50) que já não existe mais,
senão em fotografias e alguns rolos de filmes preservados e, na memória daqueles que
viveram naquela época e que ainda estão vivos. Manovich explica melhor como isso
funciona:
93
47
Um exemplo perfeito é a construção de um espaço cinemático. Os filmes de ficção tradicionais nos
transportam para dentro de um espaço – um quarto, uma casa, uma cidade. Normalmente, nenhum destes existe
na realidade. O que existe são poucos fragmentos cuidadosamente construídos em estúdio. A partir destes
fragmentos desconexos, um filme sintetiza a ilusão de um espaço coerente. (livre tradução da autora)
94
que criou um espaço visando o melhor aproveitamento da luz natural. Além dos dias de
glória, através de uma sequência de pouco segundos, vemos o castelo de vidro de Méliès ruir,
através de sobreposições de imagens. “O tempo não foi gentil com filmes antigos”, diz Tabard
para Hugo e Isabele.
No início do século passado não havia o chroma key: os filmes eram todos
monocromáticos. A sobreposição realizada naquela época, no entanto, utilizava técnica
similar, mas com o fundo preto. Em todas essas imagens (figuras 46, 47, 51 a 56) podemos
procurar entender como foram realizadas essas e outras cenas do filme. O fundo verde
(chroma-key), na pós-produção, é preenchido com outras cenas, que podem ser gravadas ou
produzidas digitalmente. É o que podemos observar nas referidas figuras, quando verificamos
como essas cenas foram produzidas, como foram filmadas em estúdio (figuras 47, 51, 53 e
55) e o resultado delas, depois da edição ou pós-produção (figuras 46, 52, 54 e 56). É assim
também, que atores e objetos podem ser colocados em qualquer lugar. O chroma-key também
é usado, no cinema, para proporcionar encontros impossíveis como o aperto de mão entre o
personagem Forest Gump e o presidente Kennedy (que já estava morto quando o filme foi
realizado), no filme de mesmo nome, em 1994.
Na produção de Scorsese, comparando imagens do making off e do filme editado,
podemos constatar como foram realizadas algumas cenas de A invenção de Hugo Cabret.
Tomando como exemplo as figuras 53 e 54, verifica-se que a cena foi feita em estúdio e que o
cenário inicial incluía apenas a pequena ponte onde os dois amigos conversavam. Com a
utilização do chroma key, mais tarde, foram inseridas imagens da cidade e Paris ao fundo,
criando inclusive a ideia de profundidade de campo. Nessa cena, a primeira camada é
composta pelos dois amigos e a ponte. A cidade ao fundo forma uma segunda camada, assim
como a variação de luz e sombras, que podem ser controladas individualmente para se obter
um resultado mais perfeito.
O mesmo processo acontece nas figuras 55 e 56: filmagem em estúdio e só depois a
inclusão de imagens da estação com toda sua particularidade, ou seja, trens chegando e
saindo, dos passageiros na estação, recriação de Montparnasse dos anos 30 e clima criado
pelos sons e fumaças que dão à cena um ar de saudosismo.
95
Figuras 57 a 59 – ‘efeito’ que permite ver a queda de Isabelle sob diferentes pontos de vista
Fonte das figuras 57 a 59: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
A produção das cenas das figuras 57 a 59 só foi possível graças ao que chamamos de
Computer Generated Imagery, CGI ou CG (computação gráfica como é conhecido no Brasil).
Hoje, a CG é parte integrante de boa parte dos efeitos visuais gerados para cinema e vídeo.
Os efeitos digitais substituíram quase que em sua totalidade os efeitos visuais da era
analógica.
A invenção de Hugo Cabret, objeto dessa pesquisa, também levanta a pergunta que o
próprio Manovich faz em seu livro The Language of New Media: o que é nova mídia? Ele
mesmo responde:
48
A metragem de ação real agora é somente uma matéria prima que será manipulada à mão: combinada com
sequências 3D criadas por computador e pintada. As imagens finais se constroem manualmente a partir de
distintos elementos, que são todos, ou bem criados exclusivamente partindo do zero, ou modificados à mão.
Agora podemos por fim responder a pergunta: O que é cinema digital? O cinema digital é um caso particular da
animação, que utiliza metragem de ação real como um de seus múltiplos elementos. (livre tradução da autora)
97
Figuras 63 a 65– Hugo ‘encontra’ com James Joyce e Salvador Dali jovens
Fonte da figura 63: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
Fonte da figura 64: (Google imagens49- recorte da autora)
Fonte da figura 65: (Google imagens50 - recorte da autora)
:
Nos filmes de perseguição do Primeiro Cinema, cada plano era uma verdadeira atração
(figuras 60 a 62), na medida em que cada plano mostrava o perseguido e o perseguidor tendo
que ultrapassar obstáculos variados, como explica Gunning. “A perseguição esboça uma
tentativa de construção de um espaço contínuo fictício. Mas essa construção não se completa,
fica apenas indicada”. (COSTA, 2008, p. 51). Na cena de perseguição do filme de Scorsese,
Hugo percorre uma boa parte da estação, entrando e saindo de vários locais e interagindo,
mesmo sem querer, com várias pessoas que estão no seu caminho. Temos ainda como bônus a
‘presença’ de outras duas importantes figuras relembradas por Scorsese: o escritor James
Joyce (1882-1941 - figura 64) e Salvador Dalí (1904-1989 – figura 65), retratados em uma
mesa em frente à cafeteria da estação (figura 63), enquanto Hugo foge do inspetor. O
roteirista John Logan e Scorsese tiveram o cuidado de fazer uma pesquisa detalhada para
realizar essa produção, assim, a ficção e realidade se encontram em vários momentos do
filme.
49
<http://www.poetryfoundation.org/bio/james-joyce>
50
<http://www.lefrancofile.com/wp-content/uploads/2013/05/portrait-of-salvador-dali-paris.jpg.png.jpeg>
99
Outra experiência visual, que surgiu durante o Primeiro Cinema, e que é largamente
usado hoje nas produções contemporâneas, é o panthom ride, idealizado em 1898, por Albert
Smith. Consistia em colocar uma câmera em frente a um objeto em movimento, um trem por
exemplo, e a partir daí mostrar as imagens de tudo que estava na frente ou ao lado daquele
objeto, dando a impressão de que o movimento daquela câmera parecia estar vindo de uma
força invisível. O termo panthom ride ou ‘passeio fantasma’ foi aplicado porque não havia
meios visíveis de propulsão e são considerados um dos primeiros tipos de imagens em
movimentos apresentados no cinema. Como a maioria dos filmes, antes dos passeios
fantasma, usavam câmeras fixas e as cenas eram desenvolvidas diante delas, esse novo ‘estilo
de filmar’ acabou popularizando a ideia de movimento, criado pelo próprio movimento da
câmera, e isso viria a se tornar uma das maneiras mais eficazes do cinema colocar o público
no lugar de um viajante. “Filmes com mais de um plano só começaram a aparecer no final da
década de 1890, e a combinação de Smith de plano interno e travelling foi uma das primeiras
tentativas do cinema de dizer ‘enquanto isso’” (COUSINS, 2013, p. 25).
A sensação visual proporcionada pelo phanton ride foi também bastante difundida nas
feiras do início do século XX, com as experiências do Panorama, Mareorama e o Cineorama.
Todas elas consistiam em um ambiente de simulação. Décadas mais tarde, Morton Leonard
Heilig resgata aquelas primeiras experiências e apresenta o Sensorama, em 1961, o que
descreve como o ‘cinema do futuro’. O Sensorama consistia em um dispositivo de
visualização 3D com imersão e interação dos cinco sentidos humanos. Depois dele, outras
experiências, como o cinema 180º e 360º, vêm sendo amplamente difundidas, não só nas
feiras do século XXI, como também em espaços menores, inclusive dentro de shoppings
centers, em exibições com público menor. Além disso, temos as experiências do ‘cinema
expandido’, definido por Gene Youngblood, como sendo um cinema com estética provocada
pela sensação sinestésica, de mente expandida, em um processo cerebral manifesto diante das
sensações dos outros sentidos, além da visão e audição, básicos para o cinema, no embate
com a obra expandida. Assim podemos dizer que tanto o cinema 180º e 360º, simuladores e
filmes 3D e 4D e o cinema expandido se assemelham aos pioneiros do Primeiro Cinema, que
já se mostravam capazes de criar instalações sofisticadas, somente com os recursos
disponíveis na época.
Manovich lembra que, nos dispositivos do final do século XIX e inicio do século XX,
as imagens eram criadas e animadas manualmente, ou através de truques, como fazia Méliès.
O autor conta que, os operadores da lanterna mágica ou das fantasmagorias, por exemplo,
moviam-se atrás das telas para projetar as imagens na frente dos espectadores. Aparelhos
100
Once the cinema was stabilized as a technology, it cut all references to its
origins in artifice. Everything that characterized moving pictures before the
twentieth century – the manual construction of images, loop actions, the
discrete nature of space and movement – was delegated to cinema’ bastard
relative, its suplement and shadow – animation. Twentieth- century
animation became a depository for nineteenth- century moving-image
techniques left behind by cinema. (MANOVICH, 2001, p.298)51
Para Manovich, na década de 1990, o cinema descobre-se novamente nas novas mídias
e todas as técnicas que foram marginalizadas durante o século XX, com a predominância das
filmagens da ação ao vivo, voltam novamente ao centro da prática cinematográfica. As
técnicas de construção manual e animação das imagens presentes no nascimento do cinema
reaparecem na fundação do cinema digital. Desta forma, o filme de George Lucas, por
exemplo, Stars Wars: Episode 1 – The Phantom Menace, que teve apenas 5% de sua
produção realizada em um set tradicional de filmagem e 95% do filme construído via
computador, serve como um bom exemplo para ilustrar o argumento do teórico russo sobre o
retorno das técnicas manuais de construção da imagem. O mesmo aconteceu com A invenção
de Hugo Cabret, obra que foi basicamente realizada através da composição de cenários em
3D.
Outro exemplo interessante nas produções contemporâneas em 3D é a reutilização de
tecnologias anteriores, como a velha técnica usual do loop, agora presente em design de
games e softwares como o Quick Time Player (programa que permite que computadores
pessoais reproduzam filmes), que transmitem a impressão de imersão e de movimento.
51
Quando o cinema foi estabelecido como uma tecnologia, ele cortou todas as referências a suas origens de
artifício. Tudo o que caracterizava as imagens em movimento antes do século XX – a construção manual das
imagens, os loops e o espaço de natureza discreta presente no movimento – foram delegadas ao parente bastardo
do cinema, o seu suplemento e sombra, a animação. No século XX, a animação tornou-se um depositário das
técnicas da imagem em movimento do século XIX deixadas de lado pelo cinema. (livre tradução da autora)
101
Segundo Manovich, a introdução do Quick Time, em 1991, pode ser comparada à criação do
kinetoscópio de Thomas Edison em 1892, já que ambos são usados para apresentar pequenos
loops e possibilitam uma visão individual de uma exibição de uma coleção (uma numa caixa
fechada e outra na tela do computador) e não a imagem para um público:
52
A introdução do Quick Time, em 1991 pode ser comparada à introdução do Kinetoscópio em 1882: ambos
foram utilizados para apresentar circuitos curtos, caracterizados por imagens de aproximadamente dois
centímetros de tamanho, tanto para o espectador privado quanto para exposição coletiva. As duas tecnologias
desenvolvem até um papel semelhante culturalmente. No início dos anos de 1890, o público padrão dos salões do
Kinetoscópio onde estas máquinas foram apresentadas como uma última maravilha – pequenas imagens em
movimento dispostas em circuitos – exatamente cem anos depois, os utilizadores de computadores estão
fascinados com Quick Time que é uma mistura de computador e projetor cinematográfico, porém imperfeito.
(livre tradução da autora)
102
simultaneamente à produção fílmica, outros produtos como games. Nos seus primeiros anos,
o cinema era um espetáculo que não se sustentava sozinho, por ser uma atividade nova, ainda
desconhecida. Hoje, o cinema blockbuster parece vivenciar algo parecido, na medida em que
precisa das outras mídias para ter o retorno financeiro planejado. Em ambas as épocas, o
cinema não pode ser considerado uma atividade autônoma, mas por razões diferentes: a
primeira pela inovação e, a segunda, por questões financeiras.
Na atualidade, há uma tendência em se discutir o cinema digital, que aponta caminhos
para uma maior participação do público; isso nos faz voltar ao passado, na época do Primeiro
Cinema, com suas experimentações e que, hoje em dia, ocorrem com as novidades
tecnológicas.
3.4. INTERTEXTUALIDADE
Mais uma vez aqui, esclarecemos que, embora falemos sobre o espectador, esse
também não é um trabalho sobre recepção, e tem o intuito único e exclusivo de demonstrar a
riqueza intertextual da obra analisada, comprovando através do cinema contemporâneo
103
Perceber tais ocorrências, assistindo A invenção de Hugo Cabret, nos leva a ir além do
‘puro entretenimento’ e, dependendo do repertório de cada um, é possível identificar as várias
referências e homenagens de Scorsese ao Cinema Mudo. Vamos procurar enumerar algumas
delas, cientes que corremos o risco de não possuir um repertório completo e acabado, mas em
contínuo desenvolvimento. Além disso, todos os elementos intertextuais que serão
apresentados e comentados separadamente, no desenvolvimento da narrativa de Scorsese, são
postos em diálogo constante, criando, de fato, um mosaico e citações, como vamos poder
verificar.
53
[...] sua forma mais explícita e mais literal é a prática da citação (com aspas, com ou sem referência precisa;
sua forma menos explícita e menos canônica é a do plágio [...]; sua forma ainda menos explícita e menos literal é
a alusão isto é, um enunciado cuja compreensão plena supõe a percepção de uma relação entre ele e um outro, ao
qual necessariamente uma de suas inflexões remete. (livre tradução da autora)
105
Edgar-Hunt (2013, p. 74), em seu livro A linguagem do cinema, conta que a forma
mais clara de citação é a apropriação de um texto por outro. “Esse ‘copia e cola’ de um
material é relativamente raro, mas bastante instrutivo”. É justamente isso que acontece
quando Isabele cita várias obras literárias e autores nas suas conversas com Hugo, entre eles o
poema Um aniversário, da poetisa Christina Rossetti e, David Copperfield, de Charles
Dickens. Mais à frente vamos mostrar outros exemplos quando os amigos estão pesquisando
sobre cinema na Biblioteca Nacional.
Na figura 66 vemos a obra literária de Alexandre Dumas, Robin Hood, momento em
que Hugo lembra do filme que assistiu com seu pai, estrelado por Douglas Fairbanks (ator do
cinema mudo conhecido pelos papéis de homem corajoso, valente e sedutor). Além de
produções cinematográficas que marcaram a primeira época do cinema, Scorsese faz questão
de lembrar de alguns de seus ‘astros’54.
Hugo associa sua ida ao cinema como algo especial, tanto que conta a Isabele que seu
pai sempre o levava ao cinema no dia de seu aniversário. Ele lembra do pai contando sobre o
primeiro filme que assistiu. Descreve a cena para Isabele: entrou numa sala escura e numa tela
branca viu um foguete voar para dentro do olho do homem da Lua. “É como ver os sonhos no
meio do dia!”, recorda da fala do pai.
A partir daí somos apresentados a um vasto ‘menu’ de sucessos do fim da era muda. Já
percebemos uma das homenagens de Scorsese ao cinema quando Hugo leva a amiga ao
cinema pela primeira vez – a fachada do prédio apresenta um Festival de Cinema Mudo
(figura 67). Pelos cartazes podemos perceber o anúncio dos filmes de Max Linder, Harrold
54
Somente após o desenvolvimento dos grandes estúdios surgiu o ‘star system’, um sistema de ‘fabricação’ de
estrelas que encantavam as plateias. Dentre as estrelas do cinema mudo podemos destacar, entre outros, Charles
Chaplin, Buster Keaton, Harold Lloyd, Laurel and Hardy, além é claro, de Douglas Fairbanks.
106
Lloyd, Douglas Fairbanks, o comediante Hal Roach, Charles Chaplin, Buster Keaton, Rodolfo
Valentino, entre outros ( figuras 68 a 73).
Isabele conta a Hugo que nunca foi ao cinema, pois seu tio nunca permitiu. Então
Hugo tem a ideia de levar a amiga a uma sessão. Lá eles assistem a um filme em que um
homem se esconde fora de um prédio e fica agarrado aos ponteiros de um relógio no alto de
um edifício. É O homem mosca (figura 74), sucesso de 1923 com Harold Lloyd. Mais tarde,
Hugo protagoniza uma cena semelhante ao filme, como pode ser observado comparando as
figuras 74 e 75. Os dois são descobertos pelo lanterninha que os expulsa do cinema.
107
Logo que vão para a Biblioteca Nacional do Cinema e pegam um livro de René
55
Tabard (figura 82), Hugo e Isabele tomam conhecimento da história do cinema, iniciando
com sua primeira exibição pública, em 1895 (figura 03 e 83). Podemos ver as imagens
recuperadas do trem chegando à estação e ainda observar a reação da plateia daquela primeira
55
Tanto no livro como no filme René Tabard é fã de Méliès. No filme ele é o autor do livro A invenção dos
sonhos: A História dos Primeiros Filmes, que Hugo e Isabele consultam. Tabard é, na vida real, o autor de La
vie avec les morts (A vida com os mortos), obra que propõe uma reflexão sobre a morte com base em
depoimentos de pessoas que se relacionaram com ‘fantasmas’. Considerando que o cineasta, na ficção, havia
morrido na Primeira Guerra, interessante a escolha de Scorsese de um especialista em ‘fantasmas’ para
redescobrir Méliès.
109
exibição: talvez o mesmo espanto que tivemos quando assistimos pela primeira vez a um
filme em 3D. “Ninguém nunca tinha visto nada parecido”, estava escrito no livro de Tabard.
A frase ecoou na memória de Hugo que lembra do quadro que está na livraria do senhor
Labiche. Mais uma vez aqui o intertexto em forma de citação de Genette.
implica num sistema de signos de um mesmo conjunto onde as referências apontam para si
próprias, e permite, também, estruturar explicativamente a descrição de um objeto”
(CHALHUB, 2005, p. 8).
Para conseguirmos perceber ‘algo novo no velho’ como afirma Siegfried Zielinski
(2002, p. 19), é necessário diversos olhares e movimentos através de nossos objetos, o que
nos permitirá identificar ‘o velho no novo’, identificando as correlações existentes entre o
primeiro cinema e o cinema contemporâneo. Erick Felinto em seu texto Cinema e tecnologias
digitais chama a atenção à tendência do cinema contemporâneo de realizar um certo retorno
aos modelos e procedimentos típicos do primeiro cinema: “dessa maneira, presencia-se o
paradoxo de encontrar o mais antigo no que deveria ser o mais novo” (FELINTO, 2008 p. 42).
Figuras 90– Isabele descobre a magia do cinema Figuras 91– A saída da fábrica, 1895, Irmãos Lumière
Fonte das figuras 90 e 91: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
Scorsese presta uma homenagem ao cinema mudo e também ao universo dos livros e
bibliotecas como detentores da memória dos primeiros anos do cinema. A literatura está
presente na primeira parte do filme, seja na livraria do senhor Labiche (figura 92)
costumeiramente frequentado por Isabele, e também na Biblioteca Nacional do Cinema
(figura 93), mostradas detalhadamente através de longos planos gerais e mais abertos, cuja
profundidade de campo deixa os locais ainda mais amplos e grandiosos, quase sagrados. O
uso da cor e luz (contraste claro/escuro) reforça a tridimensionalidade e profundidade de
campo do filme, mantendo ar lúdico e fantástico. No caso específico da Biblioteca Nacional
do Cinema (figura 93), a grande quantidade de pilares ajuda a reforçar o feito de
113
profundidade. Ao longo do filme, os planos mais fechados são usados em diálogos ou para
expressar detalhes e emoções, como ocorre normalmente nos filmes convencionais.
Em uma de suas muitas conversas com Isabele, Hugo chega à conclusão que seu pai
deixou uma herança a ele a capacidade de consertar relógios e mecanismos de corda, caixas
de músicas, entre outras coisas. Hugo mostra então seu autômato à amiga. Ele acredita que
todo artefato mecânico e cada peça tem uma função e usa isso como exemplo para dizer que
toda pessoa tem uma função no mundo, uma vocação, um talento, um objetivo, o que, a
princípio ele mesmo não acredita.
Como bom cinéfilo, Scorsese se preocupou com detalhes durante todo o filme. Um
dos exemplos é o autômato (figura 94), peça fundamental nessa produção, que realmente
existe. Os autômatos foram criados entre 1768 e 1774 e desenham figuras como filme. Alguns
deles estão em exposição no Musée d’Art et D’Histoire, em Neuchatel, Suíça.
Fotos recuperadas de La Poupée Vivante levam a crer na intenção de Méliès de
produzir uma história de um boneco que ganha vida, como viria a acontecer diversas vezes no
cinema anos mais tarde. Logo em 1919 Ernst Lubitsch adapta para o cinema o conto de
Hoffmann em Die Puppe (The Doll), onde um autômato feminino causa discórdia entre os
homens. Vários outros filmes abordaram a temática dos autômatos, entre eles O Golem (1914
e 1920, Paul Wagener), Metrópolis (1926, Fritz Lang – figura 95), AI - inteligência artificial
(2001, Steven Spielberg), Eu, Robô (2004, Alex Proyas), entre outros. Para Gilles Lipovetsky
“a ciência high-tech abre, aos olhos dos tecnófilos, possibilidades múltiplas de existência. Os
filmes de antecipação, com sua promessa de máquinas e robôs, imaginam as formas mais
extraordinárias dessa existência” (LIPOVETSKY, 2009, p. 180 e 181).
114
Scorsese não revela, no seu filme, como Méliès foi à falência, mas mostra como
milhares de horas de filmes foram destruídas pelo próprio autor, entre a desilusão financeira e
a perda do interesse pela fantasia causado pela eminência da I Grande Guerra Mundial,
conforme narra Sadoul.
116
Outro fato curioso, e que realmente aconteceu, é o acidente de trem58, mostrado como
um sonho de Hugo, mais um recurso proporcionado pelo cinema, como analisado por Metz:
56
Uma das primeiras atrizes de cinema da França, Charlotte Lucie Marie Adèle Stephanie Adrienne Faës (1865-
1956), ou Jeanne d’Alcy, foi a segunda esposa de Méliès e trabalhou com ele em filmes como Le Voyage dans la
Lune, Barbe-bleue, Jeanne d'Arc, Cendrillon, Cléopâtre, Faust et Marguerite e Le manoir du diable.
57
<http://www.pessegadoro.com/2012/09/melies-no-mis.html>
117
Figuras 100 e 101 – cena do sonho baseada em fotos originais da época do acidente
Fonte da figura 100: (Google imagens59 - recorte da autora)
Fonte da figura 101: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
58
O acidente aconteceu em 1895, no expresso Paris-Granville. Todos os passageiros e maquinista sobreviveram,
mas uma senhora que vendia jornais numa banca fora da estação faleceu devido aos ferimentos provocados pela
queda da parede.
59
<http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho/2012/01/20/a-caida-do-trem/?topo=13,1,1,,,13>
118
primeiros espectadores da exibição pública dos irmãos Lumière, em 1895. Sadoul (1983, p.
21) conta que, em L’Arrivée d’un Train, a locomotiva vinha do fundo da tela e avançava
sobre eles, “que se assustavam, temendo ser esmagados”.
Dentre as várias referências que Scorsese faz aos pioneiros do Primeiro Cinema,
podemos constatar também a ‘presença’ de Auguste Lumière – o homem que roda a manivela
do cinematógrafo (figura 102). Pouco antes de Méliès entrar para ver a novidade, ele passeia
pelas famosas feiras do final do século XIX, local que servia de entretenimento e divulgação
das novas tecnologias da época. Detalhe para primeira página do jornal exposto do lado
esquerdo, com destaque para a nova descoberta.
Figuras 103 e 104 – Scorsese caracterizado como fotógrafo – diretor enquanto personagem
Fonte das figuras 103 e 104: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
relógio do filme lembra uma máquina de projetar filmes – metáfora cinematográfica. Edgar-
Hunt explica que o significado metafórico estabelece uma relação entre duas coisas baseadas
na semelhança, compartilhando uma propriedade comum, que motiva a comparação. Muitas
vezes essas metáforas são explícitas, como quando é feita a justaposição de imagens através
da montagem de cenas, como nas figuras 43 e 44. Outras vezes são subliminares ou
implícitas, como na figura 105 onde a engrenagem do relógio lembra um projetor.
A questão homem/máquina é peça fundamental no filme, tanto que os ‘bastidores’ da
estação, com suas máquinas e engrenagens, chegam a ser personagens da ação. A figura 106
remete ainda, a uma outra imagem ícone do cinema mundial, produzida na mesma década em
que passa a história de Hugo: Tempos Modernos (Charles Chaplin, 1936 – figura 107). Vale
lembrar que a produção de Chaplin, embora muda, foi produzida em uma época onde o som já
estava incorporado nas produções cinematográficas, mas mesmo assim suas produções
representam o cinema mudo.
Em ambas as produções – Scorsese e Chaplin – a engrenagem é muito maior que os
personagens (seres humanos). Tanto Carlitos como Hugo vivem à margem da sociedade e
retratam os ‘tempos modernos’, porém de maneiras diferentes: Carlitos fica perturbado com o
ritmo alucinante da linha de produção devido à velocidade e repetição de suas funções, e age
mecanicamente como se fosse um robô. Hugo não fica louco, mas tem um pesadelo onde se
transforma em um autômato.
Embora esse filme de Chaplin contenha outras metáforas ainda mais complexas (como
a comparação de um rebanho de ovelhas a um grupo de operários – crítica ao capitalismo) a
121
cena que nos interessa é a que mostra o protagonista como sendo uma das peças da
engrenagem da máquina da linha de produção de uma fábrica (figura 107) – crítica à forma
robotizada da sociedade moderna. A cena de Hugo dando corda no relógio (figura 106), assim
como muitas outras no filme, remete a Tempos Modernos: enquanto os relógios da estação
(engrenagem da linha de produção da fábrica) estiverem funcionando, através de um trabalho
mecânico diário, tudo está bem, tanto que uma das preocupações de Hugo é permanecer
invisível não deixando os relógios atrasarem, para não ser descoberto pelo inspetor.
Voltando ao filme A invenção de Hugo Cabret, uma das suas cenas mais marcantes é a
que mostra como Méliès fazia seus filmes, de modo semelhante ao teatro filmado. Trata-se de
um cena bastante longa onde parece que Scorsese fez questão de mostrar como o trabalho de
Méliès era apaixonado e até mesmo revolucionário para a época.
Retratar cinema dentro do próprio cinema não é novidade: nas figuras 108 a 114
Scorsese gasta um bom tempo mostrando como Méliès fazia seus filmes, detalhando seu
trabalho de composição de cenários, ensaio de atores, filmagem das cenas, direção de
fotografia, criação das trucagens e atuação. Em tais cenas especificamente, o filme de
Scorsese mostra Méliès fazendo cinema, tanto que na figura 108 podemos ver o próprio
Méliès filmando.
Nas cenas citadas, destacam-se também os cenários, muitas vezes aproveitados dos
espetáculos de magia ou construídos especialmente para aquela produção, porém
perfeitamente identificáveis, mantendo um ar artificial pois não existia o desejo e a
necessidade da verossimilhança. Méliès trabalhava seus cenários com telas fixas e móveis,
criando nos espectadores, a ilusão de profundidade de campo (figuras 109 a 113), numa
espécie de terceira dimensão, já naquela época.
Nas figuras 109 e 110 vemos os atores em cena, a composição do cenário e em off as
instruções de como a cena deveria ser realizada. Já na cena seguinte (figura 111), o diretor
Méliès aparece indicando onde aconteceria a pirotecnia. Nesse instante, ele comanda a
composição da cena pedindo para que os atores ficassem imóveis (figura 112) e, então, uma
pequena explosão com muita fumaça vai fazer desaparecer os esqueletos (figura 113) como
num passe de mágica. Na última cena dessa sequência, ficamos sabendo como Méliès
realizava seus truques de desaparecimento (figura 114). Ele realizava a montagem das cenas
recortando e colando os negativos para conseguir o efeito ‘truque de desaparecimento’
desejado. Processo semelhante é realizado atualmente através do recorte/cola nos softwares
utilizados na edição dos filmes e até mesmo na sua pós-produção.
122
123
Figuras 108 a 113 – Méliès dirigindo as cenas, ensaiando seus atores e usando seus truques
Fonte das figuras 108 a 113: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
Figura 114 – detalhe mostra como Méliès realizava seus truques cinematográficos
Fonte: (frame de A Invenção de Hugo Cabret - recorte da autora)
Scorsese mostra também como foram os bastidores da filmagem de O reino das Fadas
(figura 115), em 1903. Além de dar grande destaque ao seu estúdio de vidro, que como já
referido, foi pensado para aproveitar ao máximo a luz natural, o diretor ressalta o truque onde
usa um aquário gigante entre o palco e câmera para dar a impressão de que a filmagem
acontece no fundo do mar (figura 115). Na ilustração seguinte (figura 116 – frame do making
off do filme) podemos perceber a presença do diretor ‘in loco’, tendo o aquário gigante em
primeiro plano, Scorsese e o pessoal da produção num segundo plano e, bem ao fundo, o
palco montado para a gravação de O reino das Fadas. O mesmo recurso foi utilizado para
gravação de Deux cent mille lieues les mers (20 mil léguas submarinas, em 1907). No making
off de A invenção de Hugo Cabret, Scorsese demonstra o mesmo cuidado que Méliès, na
produção e supervisão do seu trabalho.
O filme O Reino das fadas (título original em francês Le Royaume des Fées – figuras
117 e 118) conta a história de uma princesa que é raptada por uma bruxa e levada para um
reino distante. Seu noivo (Méliès) faz de tudo para resgatá-la. Este, como muitos outros filmes
de Méliès, é uma adaptação do livro de Marie-Catherine le Jumel d’Aulnov.
125
É durante as filmagens desse filme que o garoto Tabard conhece Méliès. A cena é
lembrada através de um flashback quando Isabele pergunta se ele quer conhecer seu tio. Então
Hugo lembra de Méliès falando: “Se você já imaginou de onde vem os seus sonhos, olhe em
volta. É aqui que eles são feitos.”
Atualmente, a indústria cinematográfica utiliza, de forma intensa, a intertextualidade,
com o propósito fundamental de ampliar a linguagem do cinema tradicional e oferecer ao
público uma diversidade de textos e de elementos significativos. Como pudemos perceber,
seus significados tiveram papel importante na construção do sentido da narrativa de Scorsese,
não foram escolhas arbitrárias. Fizeram parte da construção de uma rede semiótica que
apresentou e ofereceu um universo com amplas possibilidades de leitura e entretenimento.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
impede que voltemos nosso olhar ao passado, como o fez Scorsese em seu filme (aqui
analisado), e resgatemos a história dos pioneiros dessa nova arte em construção.
Apresentado nas feiras do início do século XX como mais uma novidade tecnológica,
entre tantas outras, o cinematógrafo foi usado, nas suas primeiras exibições, para registrar as
cenas do cotidiano. Não demorou muito para que a genialidade de Georges Méliès logo
ultrapassasse as barreiras da criatividade e tornasse essa nova invenção em uma ‘fábrica de
sonhos’, muito bem exemplificada pela sua vasta filmografia, lamentavelmente incompleta
pela falta de conservação. Gunning (1996) observa que, atualmente, se tem conhecimento de
menos de vinte por cento de tudo que foi produzido na primeira década do cinema. Graças às
novas tecnologias, muito desse material foi recuperado, é de domínio público e está
disponível na internet.
Nesse sentido, podemos afirmar que Méliès instituiu o novo, ao criar os meios que
possibilitariam a criação do espetáculo cinematográfico. Sabemos que não foi o único, mas foi
um pioneiro, que fez do cinema, nos primórdios apenas uma novidade tecnológica, um meio
de criação autoral, onde o objetivo era encantar o público com suas obras ficcionais e repletas
de magia.
Antes de discorrer sobre Méliès, no primeiro capítulo dessa pesquisa, fizemos uma
abordagem geral das principais experiências que culminaram com a invenção do
cinematógrafo. Tentativas e erros marcaram a primeira década do cinema, importante também
por iniciar a construção da linguagem cinematográfica nos termos que conhecemos e
praticamos hoje. Por meio de imaginação, inovações e experimentações, o cinema estava
sendo descoberto e ampliado por curiosos dispostos a correr riscos.
O intervalo de tempo que vai das primeiras projeções até a consolidação do cinema
como forma narrativa autossuficiente é, de acordo com Flávia Cesarino Costa (2008), bastante
pequeno, mas crucial e engloba um conjunto de rápidas e importantes transformações que
determinam a maneira de fazer e consumir filmes. Logo após a difusão do cinematógrafo pelo
mundo, começaram a ser produzidos muitos filmes. Entre 1895 e 1908, a produção
cinematográfica mundial ficou conhecida como Primeiro Cinema, ou ‘cinema de atrações’
(GUNNING, 1996), cuja característica era espantar e maravilhar o espectador.
No segundo capítulo, comentamos sobre como esse Primeiro Cinema foi importante
na história do cinema mundial. Muito do que foi descoberto nesses primeiros anos é praticado
ainda hoje nas produções contemporâneas: panorâmicas, travellings, elipses, fusões, closes,
tomadas subjetivas, câmera lenta, imagem acelerada, quadros congelados e até mesmo
montagem paralela.
128
Destaque especial para Méliès, que soube inovar e tornar o cinema uma ‘máquina de
entretenimento’, com seus filmes de mágicas, truques, transformações, terror, comédia e, até
mesmo, ficção científica, se adiantando em mais de seis décadas à exploração do espaço e da
Lua, sem falar da exploração de outro mundo desconhecido: o do fundo do mar. Sadoul
(1983, p. 37) afirma que Méliès era um artista que, ao mesmo tempo, era produtor,
distribuidor, roteirista, realizador, cenógrafo, especialista em truques, figurinista e astro de
seus próprios filmes.
No terceiro e último capítulo, abordou-se o filme A invenção de Hugo Cabret,
produção contemporânea digital de 2011, na qual o diretor Martin Scorsese mostra a beleza e
o encanto das primeiras produções cinematográficas, além de enfatizar a importância de
Méliès para a criação de um ‘cinema de ficção’. Foi nesse capítulo que se pôde investigar o
diálogo existente entre a obra contemporânea digital em 3D e outras obras do cinema mudo,
especialmente do Primeiro Cinema, através do mosaico de informações criado por Scorsese.
Mark Cousins (2013, p. 449) conta que “a busca por novas emoções levou o mundo
do cinema a procurar no lugar mais inusitado: o passado.” Lev Manovich concorda e é mais
enfático ao dizer que o cinema contemporâneo está reinventando o Primeiro Cinema, quando
compara o cinetoscópio de Edison à tela do computador. Ele conta que se, no início da década
de 1890, o público que costumava frequentar as salas de cinetoscópio (com máquinas com
apenas um orifício de visualização) podia observar minúsculas fotografias em movimento,
ordenadas em loops breves, “exatamente cem anos depois, os usuários dos computadores
estavam igualmente fascinados com os minúsculos filmes em QuickTime que transformavam
o computador em projetor, por mais imperfeitos que fossem” (MANOVICH, 2005, p. 39).
Outro aspecto que chama a atenção nas produções digitais, e também em 3D, é o que
Gunning afirma caracterizar o Primeiro Cinema – o espetáculo visual, denominado por ele
como cinema de atrações. Dick Tomasovic (2006) diz que o cinema contemporâneo herdou
de Méliès um cinema que insiste no espetáculo das imagens, no show, na atração pelos
efeitos especiais.
A invenção de Hugo Cabret proporciona o prazer visual e o choque dos efeitos em
3D: da imagem invadindo o espaço da plateia - da engrenagem se transformando em Paris; ou
Hugo no autômato; ou ainda, do acidente na estação de Montparnasse, remetendo à exibição
dos irmãos Lumière, em 1895. Temos assim, revisitado, o verdadeiro cinema de atrações do
Primeiro Cinema com seus efeitos especiais, proporcionados agora, pelas novas tecnologias.
Tanto o cinema dos irmãos Lumière como de Méliès podem, e estão sendo
reinventados com as tecnologias digitais; isso que leva Manovich (2001) a considerar que a
129
60
“Georges Méliès, Criador do espetáculo cinematográfico. 1861 – 1938”.
130
acredito que, nesse longo caminho trilhado nos últimos dois anos, novas pesquisas já devem
estar em andamento; portanto, este trabalho de pesquisa deve ser considerado simplesmente,
um primeiro passo.
131
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