A Redacao Do Enem 2020 - Avaliacao Das Redacoes Dos Participantes Surdos Ou Com Deficiencia Auditiva
A Redacao Do Enem 2020 - Avaliacao Das Redacoes Dos Participantes Surdos Ou Com Deficiencia Auditiva
A Redacao Do Enem 2020 - Avaliacao Das Redacoes Dos Participantes Surdos Ou Com Deficiencia Auditiva
Brasília-DF
Inep/MEC
2020
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Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.
EQUIPE TÉCNICA
Anarcisa de Freitas Nascimento
Amanda Mendes Casal
Sara Domingos de Souza Araujo
Consorciada: FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS, pessoa jurídica de direito privado, de caráter técnico-científico e educativo,
inscrita no CNPJ/MF sob o nº 33.641.663/0001-44, com sede na Praia de Botafogo, nº 190, Botafogo, Rio de Janeiro/RJ,
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Projeto Gráfico/Capa
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Projeto Gráfico/MIOLO
Raphael C. Freitas
Diagramação e Arte-Final
Raphael C. Freitas
Revisão Gráfica
Tatyana Alves Conceição
Valéria Maria Borges
Neste tópico, apresentaremos algumas informações gerais sobre a escrita das pessoas
surdas ou com deficiência auditiva, além de aspectos específicos da correção de suas redações. É
importante que, antes, você leia os tópicos anteriores desta Cartilha, uma vez que as informações
ali presentes (por exemplo: como a redação será avaliada, como será atribuída nota à redação,
quais são os critérios de discrepância, quais são os motivos que levam a redação a receber nota
zero e as competências avaliadas) são as mesmas para todos os participantes.
Primeiramente, é essencial destacar que, após a promulgação do Decreto nº 5626, de 22 de
dezembro de 2005, o qual legitima a Libras (Língua Brasileira de Sinais) como língua, a maneira
como vem sendo conduzida a educação de surdos no Brasil produziu efeitos importantes em
salas de aulas inclusivas, salas de recursos e trabalho de Atendimento Educacional Especializado
(AEE), no contraturno. Outra consequência positiva desse Decreto é o número cada vez maior de
escolas bilíngues para surdos com professores bilíngues que utilizam metodologias diferenciadas
para o ensino de grupo.
O Inep demonstra, desde a implementação do Enem, grande preocupação em atender às
diferentes necessidades dos participantes – entre eles, os surdos ou com deficiência auditiva.
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
Por esse motivo, desde 2000, são oferecidos recursos de acessibilidade, dentre os quais se inclui
a videoprova em Libras, desde 2017 1. De acordo com Nota Técnica 2 do Inep, as duas medidas
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
recursos-de-acessibilidade-que-podem-ser-solicitados-ate-22-de-maio/21206.
2
Disponível em: https://bit.ly/2ZNaZCz.
3
comprovadamente comportem a necessidade de maior tempo para realização do Exame.
Tais participantes poderão solicitar, durante a aplicação do Exame, tempo adicional de 60
(sessenta) minutos em cada dia de prova. Ao participante que comprovadamente fizer jus
ao atendimento diferenciado e que não tiver solicitado nenhum recurso de acessibilidade
no ato da inscrição será igualmente assegurado o direito a tempo adicional.
iii. Leitura labial: serviço de leitura da prova a pessoas com deficiência auditiva (geralmente
oralizadas) que não desejam a comunicação por meio de Libras, valendo-se de técnicas
de interpretação e da leitura dos movimentos labiais.
O participante surdo ou com deficiência auditiva, no ato da inscrição, pode solicitar esses
serviços e recursos de acordo com suas necessidades. É importante frisar que é necessário
apresentar documentação que ateste a condição e a efetiva necessidade dos recursos e dos serviços
profissionais solicitados. Todos os pedidos passam por análise do Inep. Confirmado o atendimento
às solicitações, o participante poderá contar com esses recursos nos dias das provas do Enem.
Além dos atendimentos diferenciados anteriormente mencionados, o Enem oferece uma
correção de redação especializada, que leva em conta características linguísticas específicas dos
surdos e deficientes auditivos. Para que sua prova seja corrigida por uma equipe de avaliadores
treinada a partir dessas particularidades, você precisa indicar, no ato da inscrição, a condição de
surdo ou deficiente auditivo. Para corrigir as redações dos participantes que se declaram surdos
ou deficientes auditivos, são selecionados avaliadores que tenham experiência com a escrita de
alunos com esse diagnóstico. Além disso, passam pelo Curso de Capacitação de Avaliadores,
complementado por uma capacitação específica, em que têm contato com os critérios de
avaliação e as produções escritas desses participantes.
Essas mudanças consolidam a promoção dos direitos humanos e ampliam a acessibilidade
e o tratamento isonômico a todos os participantes. Por essas razões, a avaliação de sua
redação é feita por uma equipe especializada, com ampla experiência nessa área de atuação.
Somando-se a isso, o Inep também adotou, para esse grupo de participantes, mecanismos de
avaliação coerentes com o aprendizado da língua portuguesa como segunda língua, uma vez
que a primeira língua de muitos participantes surdos ou com deficiência auditiva é a Libras.
A partir desse entendimento, apresentaremos, ao longo deste texto, alguns aspectos específicos
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
De acordo com o senso comum, o surdo é visto como a pessoa que não ouve e faz uso
exclusivo de outra língua – a Libras. Porém, vale destacar que, assim como os ouvintes, os surdos
não são todos iguais. Há surdos que utilizam somente a língua de sinais, seja a Libras ou uma
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língua de sinais caseira 3; há surdos que utilizam a oralização, conhecidos como surdos oralizados;
e há, ainda, surdos que falam e usam a Libras de forma bastante intensa. Essas questões são
influenciadas, muitas vezes, por situações familiares, pois há surdos que nascem em famílias
ouvintes que desconhecem a Libras e há aqueles que, por nascerem dentro de famílias surdas,
desenvolvem a língua brasileira de sinais desde a mais tenra idade. Não se pode esquecer, ainda,
que há diferentes tipos de perda auditiva (leve, moderada, profunda e severa), que podem ser
beneficiadas, ou não, pelo uso de aparelhos de amplificação sonora.
A imagem 4 a seguir representa um audiograma que mostra como o grau da perda auditiva
relaciona-se diretamente à capacidade de audição. A pessoa que nasce com grau leve de perda
auditiva conseguirá ouvir quase tão bem como as pessoas ouvintes, principalmente se tiver uma
prótese. No entanto, se houver uma perda mais severa, ela certamente perderá muito dessa
capacidade, podendo perceber, em geral, somente alguns sons da fala humana. Já uma pessoa
com surdez profunda terá muito mais dificuldade, conseguindo ouvir apenas sons acima de
81dB, como shows de rock ou uma bomba explodindo.
3
Segundo alguns autores, as crianças surdas filhas de famílias ouvintes criam uma linguagem própria para uso na interação
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
com seus familiares, utilizada na comunicação em casa, quando ainda não foram expostas à Libras. Essa língua é denominada
“sinais emergentes” (Vilhalva, 2000), “sinais caseiros” (Gesser, 2006) ou mesmo “língua de sinais caseira” (Kumada, 2011).
VILHALVA, S. Mapeamento das línguas de sinais emergentes: um estudo sobre as comunidades lingüísticas indígenas
de Mato Grosso do Sul. Dissertação de Mestrado em Linguística. Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. 124f.
GESSER, A. Um olho no professor e outro na caneta: ouvintes aprendendo a Língua Brasileira de Sinais [Tese –
REDAÇÃO DO ENEM 2020
5
O universo do surdo, como se vê, não é homogêneo. A pessoa surda nascida dentro de
lares ouvintes está cercada pela linguagem oral falada pelos pais, até que sua comunicação
seja constituída, também, pela Libras, ao se ter contato com a comunidade surda, e pela língua
portuguesa escrita, em geral mais tarde, via escola. Não se deve esquecer que há muitas e
diferentes práticas comunicativas com usos de variados recursos linguísticos nas interações
sociais de surdos com ouvintes e de surdos com seus pares também surdos.
Isso posto, devem ser destacados avanços impulsionados pela Lei nº 10.436 (BRASIL,
2002) , de 22 de abril de 2002, regulamentada pelo Decreto nº 5626, de 22 de dezembro 2005.
5
Essa legislação é oriunda dos movimentos políticos dos surdos em articulação com estudiosos da
área, que possibilitaram a inclusão obrigatória da Libras como disciplina em cursos de formação de
professores, além da criação de cursos de Letras/Libras em vários polos no Brasil e da implementação
de cursos de pedagogia bilíngue. Tal decreto também delibera sobre a obrigatoriedade da presença
de tradutores/intérpretes de Libras nos contextos escolares (principalmente nas escolas inclusivas)
e sobre o ensino de língua portuguesa como segunda língua para os surdos.
Nesse sentido, em consonância com todas essas adaptações alavancadas pela legislação
atual, têm sido criados mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado de segunda língua
na correção de provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade
linguística manifestada no aspecto formal da língua portuguesa (BRASIL, 2005)6.
A comunidade surda conquistou diversos direitos com o passar dos anos – dentre eles, o
de ter a sua redação do Enem corrigida por uma banca especializada em educação de surdos, a
qual busca uma avaliação mais justa, levando em consideração as particularidades linguísticas
desse público.
A principal diferença entre as línguas de sinais e as línguas orais está na sua modalidade:
enquanto as primeiras são visuais-espaciais acessíveis a pessoas que interagem com o mundo
por meio de experiências visuais, as segundas são orais-auditivas próprias de quem constrói o
mundo, principalmente, pelo canal sensorial da audição.
A Libras é um sistema linguístico que possui todos os atributos de uma língua natural, como
léxico, sintaxe e capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças. Essa língua possui
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
regras gramaticais altamente complexas, já que seus sinais não são meramente imagens, mas
símbolos abstratos e elaborados. Além disso, a Libras é a língua desenvolvida pela comunidade
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
5
BRASIL, Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras
providências. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 24 abr. 2002. seção 1, p.23.
6
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre
a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Diário Oficial da
União, 23 dez. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm>.
7
QUADROS, R. M. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.
6
Na educação bilíngue para surdos, entende-se o aprendizado das línguas de sinais como
um direito linguístico e reconhece-se a sua necessidade para a construção de conhecimento.
Dessa forma, a educação bilíngue para surdos deve favorecer o ensino de duas línguas: a Libras
como primeira língua – ou língua mais acessível, no caso dos surdos – e a língua portuguesa
escrita como segunda língua.
Desde o final da década de 1990, pesquisadores da área de Educação de Surdos passaram
a focalizar as dificuldades de aprendizado do português escrito por aprendizes surdos não mais a
partir da noção de “erros”, mas a partir do pressuposto de que são sujeitos bilíngues e, portanto,
lidam com duas línguas para aprender a escrever textos em língua portuguesa.
Ao observar as narrativas escritas por estudantes surdos, alguns estudiosos8 destacam
que os “desvios” da produção escrita de surdos são decorrentes do uso diferenciado que esses
sujeitos fazem das categorias gramaticais – preposição, conectores em geral, flexões de verbos
e nomes, verbos auxiliares – em razão da interferência do seu sistema linguístico subjacente, a
saber, a Libras. O pouco domínio que os surdos têm das convenções da língua portuguesa escrita
faz parte de processos típicos de aprendizes de uma segunda língua9. Além disso, deve ser
enfatizado que há grandes diferenças entre o sistema da Libras e o da língua portuguesa, o que
leva às diferenças encontradas na produção escrita de surdos, que devem ser consideradas como
hipóteses do aprendiz surdo sobre a língua portuguesa escrita, e não necessariamente como
“erros”. Sendo assim, essas diferenças entre as línguas devem ser analisadas no momento de
correção das redações, a fim de evitarmos a penalização do candidato por questões relacionadas
à sua situação bilíngue.
A partir desses apontamentos, salientamos que, no que diz respeito à correção de
redações do Enem, a equipe de avaliadores das redações dos participantes surdos está atenta
às interferências da Libras na escrita em língua portuguesa, vistas como um processo normal de
sujeitos bilíngues aprendizes de segunda língua. Por isso, a fim de deixar o processo de correção
mais justo, são adotados mecanismos de avaliação coerentes com o aprendizado de uma
segunda língua, valorizando os aspectos semânticos e reconhecendo a singularidade linguística
da comunidade surda.
Na escrita dos participantes surdos ou com deficiência auditiva que têm a língua
portuguesa como segunda língua, percebe-se um conjunto lexical reconhecido como sendo da
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
língua portuguesa, porém a disposição dessas palavras nas sentenças, ou sua organização, nem
sempre é a mesma daquela que se espera de um falante de língua portuguesa como língua
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
materna.
REDAÇÃO DO ENEM 2020
SILVA, I.R. O uso de algumas categorias gramaticais na construção de narrativas pelo sujeito surdo. Dissertação de
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7
Na língua portuguesa, por exemplo, a ordem mais comum dos elementos na frase é:
Quanto aos verbos de ligação (como “ser” e “estar”), por não estarem presentes na Libras,
os surdos apresentam a tendência de omiti-los na escrita em língua portuguesa, podendo surgir
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
construções atípicas, como “Eu cansado pé calor” (Eu estou cansado de ficar em pé no calor).
O uso de outros elementos de ligação também é uma questão importante de se observar
na escrita do surdo, principalmente tratando-se das preposições, cujo uso é um desafio para os
REDAÇÃO DO ENEM 2020
aprendizes de segunda língua, pois há uma variação de sentido em seu uso, o que depende do
contexto em que estão inseridas. Logo, por serem inexistentes em Libras, é comum que os surdos
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FERNANDES, S. Avaliação em língua portuguesa para alunos surdos: algumas considerações. Curitiba, 2007.
Disponível em: <http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/janeiro2013/otp_artigos/sueli_fernandes.pdf>.
8
também não usem as preposições – e ainda outros elementos de ligação, como as conjunções,
por exemplo – em suas produções escritas.
Em suma, é importante destacar, neste momento, o fato de a língua escrita ser um objeto
linguístico que só se pode construir a partir de experiências prévias. Desse modo, tanto o surdo ou
o deficiente auditivo como o ouvinte partirá da língua que já domina para ter acesso à linguagem
escrita. Assim, a língua que o surdo ou o deficiente auditivo conhece e usa não é necessariamente
a mesma que serve de base ao sistema da escrita.
Como apontado anteriormente, a avaliação das redações dos participantes surdos e com
deficiência auditiva leva em consideração suas singularidades em relação aos processos de
aprendizagem da língua portuguesa.
Se analisarmos cada uma das características da escrita de surdos e de pessoas com
deficiência auditiva anteriormente mencionadas, podemos concluir que a maior parte dessas
particularidades podem ser enquadradas, do ponto de vista da correção de redações do Enem, na
Competência 1, que busca verificar o domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa,
e na Competência 4, que avalia o uso de elementos coesivos. Nessas competências, uma das
distinções observadas na avaliação da sua redação, em relação à avaliação dos ouvintes, vem
a ser a maneira diversa como pessoas surdas ou com deficiência auditiva fazem uso de artigos,
preposições, advérbios, conjunções, flexões verbal e nominal etc. Isso não significa, porém, que,
nas outras competências, também não haja algumas diferenças nos critérios de correção, como
veremos a seguir.
COMPETÊNCIA 1
Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa.
sofrer interferência da Libras, sobretudo no que se refere à estrutura sintática (devido à ausência
de alguns elementos sintáticos ou à ordem em que aparecem no período) e à flexão de verbos,
que são usados geralmente no infinitivo. Considerando que o uso de verbos no infinitivo (que
REDAÇÃO DO ENEM 2020
faz parte daquele conjunto de características denominado “interlíngua” por alguns autores,
justificado como uma etapa em que o aprendizado da segunda língua, a língua portuguesa
escrita, encontra-se ainda muito preso ao sistema linguístico da Libras, sua primeira língua)
é característico da escrita dos surdos e deficientes auditivos, as ocorrências de verbos nesse
9
tempo verbal de forma equivocada deixam de fazer parte do grupo de desvios de convenções
da escrita.
Esse grupo de desvios, característico da escrita dos surdos e deficientes auditivos, passa a
ser avaliado em uma categoria diferente dos demais (construção sintática, convenções da escrita,
convenções gramaticais, escolha de registro e escolha vocabular). Essa nova categorização
dentro da Competência 1 não significa que os desvios característicos dos participantes surdos
e com deficiência auditiva são critérios de avaliação aplicados somente a esse grupo. Se fosse
assim, a correção especializada acabaria apenando mais esses participantes do que os demais,
o que não ocorre.
A lógica que precisa ser compreendida é: os desvios listados como característicos da escrita
dos surdos e deficientes auditivos são considerados em qualquer correção de redação, para
qualquer público, geralmente como desvios de grafia. Entretanto, somente para o participante
surdo ou com deficiência auditiva esses desvios ficam em categoria separada dos demais,
o que faz com que não haja, durante a correção, uma supervalorização desses tipos de desvio,
mais comuns na escrita do surdo ou deficiente auditivo. Dessa forma, as notas dentro
da Competência 1 podem ser atribuídas de forma mais justa, pois estão sendo levadas
em consideração as peculiaridades da escrita desse público.
A seguir, apresentamos trechos de algumas redações de participantes surdos ou com
deficiência auditiva do Enem 2019 que apresentaram problemas em um ou mais aspectos no
domínio da modalidade escrita formal.
1 Na Brasil probre TV não tem a familia passado porque casa difícil ver dinheiro
2 entre coisas tem pai, mãe e filhos casa não tem filme, TV velha difícil é problema ruim
3 não tem tecnologico ver novo particitar sempre ser novo loja como novo TV. varia
4 mudança tecnológico porque novo quer deixe pobre casa e Brasil avisou susto novo que
5 como dar acontecer pessoas muito tecnologico coisas quer todo tem vamos família
6 aparecer Brasil mundo pessoa população acesso cinema coisas é gosto também TV,
7 filmes muda outra varias tilespecladores muitos grupos mais semana ser menos chamar
Percebemos que, na maior parte do trecho anterior, o participante faz uma lista de palavras
justapostas, sem que se formem frases de acordo com a estrutura sintática mais comum da
língua portuguesa, como pode ser percebido no trecho “Brasil avisou susto novo que como dar
acontecer pessoas”. Em outros momentos, podemos reconhecer alguns trechos que lembram
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
a estrutura da Libras, como em “casa não tem filme, TV velha difícil é problema”, em que se
observa a ausência de elementos de ligação, da flexão verbal, entre outros aspectos. Nesse
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
a ocorrência de verbos no infinitivo, como ocorre nos enunciados “família chegar ver susto” e
“família aparecer Brasil”.
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No texto a seguir, temos o trecho de um texto que não se apresenta mais apenas como
uma lista de palavras justapostas, pois já é possível reconhecer frases.
1 No Brasil teve cerça de 83% de telespectadores que não vão ao cinema, é o pais
2 cresceu muito com as mudanças da tecnológia, é está abaixando cada vez mais
4 Atualmente o povo tem mais acesso com aplicativos gratudes, é com a netfles,
5 por conta da distancia e não ter condição finaceira, a netfles cresceu cerça de 90% no
6 Brasil é tem acesso, o cinema ficou pra baixo, a tecnológia fez uma boa diferença. [...]
Nesse caso, observamos uma estrutura sintática regular da língua portuguesa, mesmo
que, em alguns trechos, haja falhas, como em “a netfles cresceu cerça de 90% no Brasil é tem
acesso, o cinema ficou pra baixo, a tecnológia fez uma boa diferença”. Também verificamos, ainda,
alguns desvios ortográficos (gratudes/gratuitos, cerça/cerca) e de acentuação (distancia/distância,
tecnológia/tecnologia). Por outro lado, já não se percebe a ocorrência de verbos no infinitivo de
forma equivocada, uma característica frequente na escrita do surdo ou deficiente auditivo.
Por fim, ainda que a Competência 1 considere esses aspectos característicos da escrita
dos surdos ou deficientes auditivos no processo de avaliação, lembramos que esse processo é
sempre pautado na Matriz de Referência para Redação. Assim, para que um texto atinja nota
máxima na Competência 1, ele deve demonstrar “excelente domínio da modalidade escrita formal
da língua portuguesa e de escolha de registro. Desvios gramaticais ou de convenções da escrita
serão aceitos somente como excepcionalidade e quando não caracterizarem reincidência”. A
seguir, destaca-se um trecho que é caracterizado por esse excelente domínio da modalidade
escrita formal da língua portuguesa:
4 Andrade, essa problemática representa de forma análoga as pedras que estão no meio
5 do caminho, as quais impedem os avanços sociais no Brasil. Isso se evidencia não só pela
Pode-se observar que o participante tem bom domínio das convenções escritas,
apresentando apenas um desvio de ausência de acento indicativo de crase em “não é acessível a
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
sociedade”, e constrói as orações e os períodos de forma completa, o que contribui para a fluidez
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
da leitura. Assim, ainda que se trate apenas de um trecho, destacamos que, caso o participante
continuasse demonstrando esse domínio ao longo do texto, sua redação seria avaliada com nota
máxima na Competência 1.
REDAÇÃO DO ENEM 2020
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COMPETÊNCIA 2
Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de
conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites do texto
dissertativo-argumentativo em prosa.
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1 Além disso, a falta de incentivos governamentais a infraestrutura para o lazer e
3 “Contrato Social”, ideia proposta pelo filósofo inglês John Locke, assegura que o povo
4 deve direcionar a funcionalidade de seus direitos a um Estado, o qual não cumpre a sua
5 função de legitimar tais direitos sociais. Visto isso, o cinema é inacessível ao público em
7 Dessa forma, o acesso aos cinemas deve ser viabilizado pelo governo para que haja a
10 medidas devem ser tomadas para tal feito. Urge, então, ao Governo Federal,
12 cinemas públicos nas cidades como forma de promover o lazer comunitário. Além disso
13 cabe aos órgãos governamentais, também, promover projetos sociais que apresentem
O participante aborda o tema de forma completa, uma vez que trata da disponibilização
de cinema a toda a sociedade como uma forma de democracia. Além disso, há uso de repertório
sociocultural quando ele traz, para seu texto, a ideia defendida pelo filósofo John Locke, de
que “o povo deve direcionar a funcionalidade de seus direitos a um Estado” e relaciona a falta
de democratização no lazer para a população como um dever do Estado que não está sendo
cumprido. Essa ideia é novamente retomada no final do texto, quando o participante apresenta
suas propostas de intervenção, demonstrando que ele não apenas traz o repertório para seu
texto como o aproveita na construção de sua argumentação.
COMPETÊNCIA 3
Selecionar, relacionar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em
defesa de um ponto de vista.
Nessa competência, espera-se que você construa um texto com sentido, levando o leitor
a perceber sua exposição de argumentos, que deve ser feita de maneira organizada e bem
desenvolvida. Também são esperados indícios de que houve a elaboração prévia de um projeto
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
Por esse motivo, aponta-se, mais uma vez, a importância de, após a leitura dos textos
motivadores e do tema apresentados pela proposta, haver um planejamento, definindo qual
REDAÇÃO DO ENEM 2020
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será o ponto de vista defendido e quais argumentos podem contribuir para essa defesa.
Após essa seleção, você deve organizar as ideias em uma estrutura coerente para usá-las no
desenvolvimento do seu texto.
Em relação à avaliação da Competência 3, considerando que os participantes surdos e
deficientes auditivos estão escrevendo em sua segunda língua, os olhares da banca de avaliadores
devem ser orientados pela premissa de respeito a essa diferença em relação aos ouvintes. Assim,
recuperar o projeto de texto do participante surdo e deficiente auditivo passa pela compreensão
de que ele ainda está muito preso à estrutura de sua primeira língua, a Libras, com a qual ele
constrói as relações de sentidos do mundo em seu cotidiano.
No entanto, uma vez que a avaliação é sempre pautada pela Matriz de Referência para
Redação, para atingir a nota máxima na Competência 3, deve-se apresentar “informações, fatos
e opiniões relacionados ao tema proposto, de forma consistente e organizada, configurando
autoria, em defesa de um ponto de vista”, sendo que, na avaliação das redações dos participantes
surdos e deficientes auditivos, falhas pontuais ainda são permitidas.
COMPETÊNCIA 4
Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção
da argumentação.
1 É muito tempo não tenho nada televisão só simples televisão tem cor diferente
8 Precisámos continuar fazer arrumar por que ficou bom cinema. [...]
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
É possível perceber que o participante faz raro uso dos operadores argumentativos,
limitando-se ao “e” na primeira oração como mecanismo de encadeamento de ideias. Com
REDAÇÃO DO ENEM 2020
isso, não se identificam operadores argumentativos dentro dos parágrafos ou entre eles, e
as informações semânticas precisam ser recuperadas por meio da compreensão da estrutura
sintática de Libras, uma vez que há utilização de raros recursos de coesão próprios da escrita.
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Além disso, observamos o uso repetitivo de alguns termos, como “também” (4 ocorrências) e
“cinema” (5 ocorrências) ao longo do texto, exemplificando um excesso de repetições.
Já o trecho a seguir é de uma redação que tem uma performance um pouco melhor na
Competência 4.
2 como tivesse legenda no filme em cinema, por exemplo: filme brasileiro não tem
3 legenda, pois é nacional, isso é uma falta de acessibilidade para ter. [...]
5 pessoas ou com deficientes, primeiro lugar é atender as pessoas com deficiência e depois
8 normal, conviver mais amor ao atendimento e acessibilidade para que possam a ter
Nesse trecho, o participante surdo ou deficiente auditivo faz um uso mais amplo dos
operadores argumentativos, mesmo se limitando aos elementos “e” e “pois”, e também aos
pronomes como o “que”, que auxiliam na construção da coesão do texto. Além disso, ainda há
muitas repetições ao longo do texto, principalmente quanto ao uso de “cinema” e do próprio “e”.
Já no trecho da redação a seguir, percebemos uma ampla utilização dos recursos coesivos.
2 sociedade. Nesse sentido, é por meio do cinema que um indivíduo pode obter
4 esse espaço pode influenciar o comportamento de uma pessoa, o que pode fazer com que
7 Portanto, a ação a fim de modificar esse contexto deve existir. Para isso, o
9 por meio de publicações de textos nas redes sociais sobre a importância de realizar
10 pesquisas sobre os políticos para saber se eles têm interesse em investir em cinemas
11 gratuitos em todo território nacional para realizar o voto de maneira correta. Essa
AVALIAÇÃO DAS REDAÇÕES DOS PARTICIPANTES
13 Brasil.
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
O participante surdo ou deficiente auditivo que produziu esse texto utiliza, de forma bem
consistente e variada, os mecanismos coesivos referenciais e sequenciais para dar progressão ao
REDAÇÃO DO ENEM 2020
seu texto (“Em primeiro lugar”, “Nesse sentido”, “Além disso”, “Portanto”, “Para isso”). Com esses
elementos, as frases vão se ligando entre si, o que evidencia as diversas relações semânticas
construídas pelo participante ao longo do texto. Pode-se observar, também, uso de elementos
coesivos dentro dos parágrafos e entre eles, garantindo a articulação das ideias em todo o texto.
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COMPETÊNCIA 5
Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos
humanos.
4 acesso. Dessa maneira, será possível assegurar e concretizar a máxima platônica que
CONSIDERAÇÕES FINAIS
em universidades federais, por exemplo. O que poderia ser, de fato, um obstáculo são as várias
dificuldades adicionais que esse público enfrenta para fazer a prova de redação, as quais foram
SURDOS OU COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA
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