Racismo Linguístico. Gabriel Nascimento. Suleando Conceitos e Linguagem

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo – SP)

M443s Matos, Doris Cristina Vicente da Silva; Sousa, Cristiane Maria Campelo Lopes Landulfo de (org.).
Suleando conceitos e linguagens: decolonialidades e epistemologias outras /
Organizadoras: Doris Cristina Vicente da Silva Matos e Cristiane Maria Campelo Lopes Landulfo de Sousa;
Prefácio de Claudiana Nogueira de Alencar. – 1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2022.

ISBN: 978-65-5637-379-9.

1. Colonialismo. 2. Linguagens Decoloniais. 3. Linguística Aplicada.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadoras.

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:

1. Linguística. 410
2. Linguística aplicada. 468
3. Língua portuguesa. 469
Copyright © 2022 – Das organizadoras representantes dos colaboradores
Coordenação Editorial: Pontes Editores
Editoração: Eckel Wayne
Capa: Acessa Design
Revisão: Joana Moreira

CONSELHO EDITORIAL:
Angela B. Kleiman
(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
(UFPR – Curitiba)
Edleise Mendes
(UFBA – Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi
(Unicamp – Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
(Université de Genève - Suisse)
José Carlos Paes de Almeida Filho
(UnB – Brasília)
Maria Luisa Ortiz Alvarez
(UnB – Brasília)
Rogério Tilio
(UFRJ – Rio de Janeiro)
Suzete Silva
(UEL – Londrina)
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
(UFMG – Belo Horizonte)

PONTES EDITORES
Rua Dr. Miguel Penteado, 1038 - Jd. Chapadão
Campinas - SP - 13070-118
Fone 19 3252.6011
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www.ponteseditores.com.br

2022 - Impresso no Brasil


SUMÁRIO

PREFÁCIO ...................................................................................................................9
Claudiana Nogueira de Alencar

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................13
Cristiane Landulfo
Doris Matos

AFROLATINIDADE E EDUCAÇÃO .........................................................................17


Deise Viana Ferreira

ÁREAS CULTURAIS LATINO-AMERICANAS ......................................................25


Acassia dos Anjos Santos Rosa

BRANQUITUDE..........................................................................................................33
Gabriela Rodrigues Botelho

COLONIALIDADE DE GÊNERO ..............................................................................43


Daniel Mazzaro

COLONIALIDADE DA LINGUAGEM .....................................................................51


Lívia Baptista

COLONIALIDADE DO PODER .................................................................................59


Emilly Silva dos Santos
Ygor Santos de Santana

COLONIALIDADADE DO SABER ...........................................................................67


Dina Maria Martins Ferreira
Lucineudo Irineu Machado

COLONIALIDADE DO SER.......................................................................................77
Ligia Paula Couto
Ione da Silva Jovino
CORAZONAR..............................................................................................................83
Henrique Rodrigues Leroy

CORPO-TERRITÓRIO DECOLONIAL .....................................................................91


Eduardo Oliveira Miranda

CURRÍCULO E DECOLONIALIDADE.....................................................................95
Cristiane Landulfo

DECOLONIALIDADE E SURDEZ ............................................................................103


Nanci Araújo Bento

DIREITO LINGUÍSTICO ............................................................................................111


Ricardo Nascimento Abreu

EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA INTERCULTURAL ....................................................123


Edleise Mendes

EDUCAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS ................................................................135


Mariateresa Muraca
Adriane Lima

EDUCAÇÃO QUILOMBOLA ....................................................................................145


Kelly Barros Santos

ESCOLA DECOLONIAL ............................................................................................153


Bárbara Carine Soares Pinheiro
Lorena Lacerda
Cristiane Coelho

EPISTEMICÍDIO .........................................................................................................163
Fabio Sampaio de Almeida

FEMINISMOS DA DIFERENÇA................................................................................169
Cleidimar Aparecida Mendonça e Silva

FEMINISMOS DECOLONIAIS ..................................................................................177


Josane Silva Souza

FLUIDEZ TRANSFRONTEIRIÇA .............................................................................183


Wagner Barros Teixeira
GEO-ONTOEPISTEMOLOGIA DECOLONIAL .......................................................191
Tânia Ferreira Rezende

IDENTIDADES EM FLUXO.......................................................................................201
Ivanete da Hora Sampaio

LETRAMENTO RACIAL CRÍTICO ..........................................................................207


Aparecida de Jesus Ferreira

LETRAMENTOS DE SOBREVIVÊNCIA..................................................................215
Junot de Oliveira Maia

LITERATURA AFRO-BRASILEIRA .........................................................................223


Camile Baccin de Moura

LITERATURA AFRICANA E EDUCAÇÃO .............................................................231


Fernanda Mota Pereira

MASCULINIDADES EM PERFORMANCE .............................................................239


Alexandre José Cadilhe

MATERIAIS DIDÁTICOS DE REEXISTÊNCIA ......................................................245


Valdiney da Costa Lobo
Mateus Camelo de Oliveira

MATERNAGEM E INFÂNCIA ..................................................................................255


Luciana Maria Almeida de Freitas
Gabriela de Oliveira Moura da Silva

MIGRANTES DE CRISE E EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA .......................................265


Daniela Aparecida Vieira
Cristiane Maria Coutinho Fialho

NÓS DE COLONIALIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE ......................................273


Rosane Rocha Pessoa

OLHARES OUTROS ...................................................................................................283


Doris Cristina Vicente da Silva Matos

PARADIGMA TRANSPERIFÉRICO .........................................................................291


Joel Windle
PERFORMATIVIDADES INTERSECCIONAIS .......................................................299
Glenda Cristina Valim de Melo

PILHAGEM EPISTÊMICA .........................................................................................305


Henrique Freitas

RACISMO ESTÉTICO ................................................................................................313


João Paulo Xavier

RACISMO LINGUÍSTICO ..........................................................................................319


Gabriel Nascimento

SABERES INDÍGENAS E RESISTÊNCIA LINGUÍSTICA ......................................323


Gersem José dos Santos Luciano

SENTIPENSANTE .......................................................................................................333
Jorgelina Tallei
Júlio Emílio Diniz-Pereira
Fernanda Coelho Liberali

SULEAR .......................................................................................................................339
Antônio Carlos Silva Júnior

TERRITÓRIO E IDENTIDADE LINGUÍSTICA........................................................351


Lílian Latties

TRADUÇÃO E CULTURA .........................................................................................357


Joyce Palha Colaça

TRANSGENERIDADE E LINGUAGEM ...................................................................367


Manuela Rodrigues Santos

TRANSLINGUAGEM .................................................................................................377
Fernando Zolin-Vesz

VIOLÊNCIA LINGUÍSTICA ......................................................................................383


Danillo da Conceição Pereira Silva

VOZES DO SUL ..........................................................................................................393


Diego José Alves Alexandre

SOBRE OS AUTORES ................................................................................................401


SULEANDO CONCEITOS E LINGUAGENS: DECOLONIALIDADES E EPISTEMOLOGIAS OUTRAS

RACISMO LINGUÍSTICO

Gabriel Nascimento
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)

Os modos de ser nas línguas têm passado por mudanças na moder-


nidade desde a invasão colonial. Um novo elemento para a visão de fala
e discurso passa então a ser formulado como o novo centro do mundo,
que são as línguas modernas.
Falar de racismo e negro no mundo pré-colonial africano poderia
parecer uma loucura, porque esses são instrumentos difundidos pelas
línguas modernas, seja através de uma racialização linguística histórica
ou pela maneira como a história vai apagando os trejeitos linguísticos de
vários povos fundamentais.
Makoni e Mashiri (2007), ao questionarem a formulação de políticas
linguísticas no mundo africano após a chegada dos colonizadores, vão
para o cerne dessa discussão. Não só novas categorias foram inventadas,
mas as próprias línguas europeias que viriam a domesticar e se colocar
como exemplo para aquelas línguas que, à época, não eram sequer assim
consideradas. Assim, a colonialidade representou e representa muito
mais do que o debate sobre colonialismo, mas um modo de ser, inclusive
como linguista.
Gramáticos ou linguistas atuaram desde sempre como missionários
desse saber linguístico. É por isso que, ao lidar com dicionários e processos
tradutórios, as línguas tradicionais de povos Bantu-congo ou de Yorubanos

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SULEANDO CONCEITOS E LINGUAGENS: DECOLONIALIDADES E EPISTEMOLOGIAS OUTRAS

não eram vistas como línguas e, conforme apresentam Makoni e Mashiri


(2007), quando passaram a ser descritas, essas línguas precisavam ser
traduzidas obrigatoriamente para línguas europeias.
O conceito de racismo linguístico (NASCIMENTO, 2019) não
surgiu, assim, para dar conta de si, mas de uma série de conceitos que já
existiam na área de linguística, mas não nomeados até então. O próprio
ato de nomear, colonial, passou séculos sendo ignorado como um ato de
poder (SINGH, 2018), que pode e é ressignificado pelos próprios negros
escravizados (GATES JR., 1988). Nomear o negro passou, assim, a re-
presentar o modo de fazer o negro existir para o trabalho pungente que o
esgotaria em séculos de tráfico negreiro, fazendo-o se desacreditar sem
origens e sem tradições preexistentes.
Uma série de objetos aproximam o racismo linguístico da ciência
linguística. A maneira como lidamos com línguas tem a ver como re-
produzimos as visões sobre as pessoas negras. Todo esse conjunto de
atitudes, amparadas em um sistema perverso de ideologias racistas, nos
faz desde olhar pessoas negras como sem língua (como ajuda a reproduzir
a famosa fala “ele não sabe falar nem português direito, como vai apren-
der inglês”) até os termos e palavras que agora chegam vagarosamente
à superfície da língua.
As palavras são as que ganham mais atenção nesse debate por inú-
meros motivos. O primeiro deles é que essas palavras guardam um peso
forte de um passado que as pessoas brancas queriam esquecer. Ao abo-
lirem a escravatura, depois de um longo processo de derrotas políticas e
econômicas para os escravizados (MOURA, 2014), foi preciso criar uma
narrativa de que o negro era um antinacional objeto do passado. A chegada
do trabalho livre teria que coincidir com a importação de corpos brancos
que, ao passo que branqueassem o Brasil, nos fizesse esquecer de que
tivemos um passado escravo. As palavras, porém, denunciam esse país.
Não só o denegrir que, conforme análise etimológica, vem de denigrare
do latim, e cujas discussões filológicas são polêmicas, mas evidentes pa-
lavras e termos herdados do regime escravocrata, como doméstica, para
apelidar a trabalhadora de casa, lado negro da vida, ovelha negra etc. Em

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SULEANDO CONCEITOS E LINGUAGENS: DECOLONIALIDADES E EPISTEMOLOGIAS OUTRAS

verdade, essas palavras só são vistas na superfície como racistas porque


temos um longo passado escravocrata a ser analisado longamente pelos
próximos séculos. É possível, portanto, que uma dada pesquisa encontre
um dado contexto específico não ligado diretamente à escravidão em
que um desses termos esteja envolvido. A nossa discussão está longe da
etimológica ou lexicográfica apenas. O que faz essa discussão nos levar
ao racismo linguístico é a exploração abusada e altamente repetida do
adjetivo negro no país pelas vozes hegemonicamente brancas.
Falar de racismo linguístico, portanto, é falar de uma formação
linguística que é também histórica e, assim, também racista. Ou seja,
não localizamos nessa discussão os artefatos históricos a partir de uma
premissa de língua como uma realidade natural. Se aqui trabalhamos
dentro de uma língua, trabalhamos, assim, dentro de uma visão em
que língua é uma invenção ou um regime metadiscursivo (MAKONI;
PENNYCOOK, 2007) que se torna língua por meio de uma invenção da
própria modernidade e passa a ser reproduzida, inclusive por linguistas,
como realidade natural.
O racismo linguístico, além disso, é visto por mim como qualquer
racialização que se dá através da linguagem, havendo a opção militante
por marcar como racismo o que é inadiavelmente necessário de ser mar-
cado. Marcar esse não marcado (MENEZES DE SOUZA, 2018) é trazer
justamente o lugar que se produz o discurso racista para nossas análises.
O racismo linguístico, como perspectiva, reúne consigo um conjunto
de objetos. Trata-se de analisar o racismo que é dito na língua (como a me-
táfora em torno de “macaco” para lembrar no negro uma pós-modernidade
que é a própria alma do branco, já que não há pré-modernidade, senão
na Europa que a inventou), o que se dá através da língua e da visão de
língua (quando pessoas negras são vistas como sem língua ou incapazes
de aprender uma língua) ou a partir da língua, que é o caso das políticas
linguísticas que historicamente têm excluído e ignorado o conhecimento
das pessoas negras.
Deriva daí a necessidade de mobilizar um conjunto de conhecimentos
para desenvolver uma pesquisa engajada na luta antirracista. É possível,

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SULEANDO CONCEITOS E LINGUAGENS: DECOLONIALIDADES E EPISTEMOLOGIAS OUTRAS

com isso retomarmos os próprios conhecimentos dos povos escravizados


para percebermos suas opções ou fronteirizações anticoloniais.
É muito possível que o racismo linguístico seja mais invisível que
a língua porque as línguas são ponderadas como verdades que dizem es-
condendo seu próprio dizer. Por isso, o caráter cordial desse racismo vai
nos ensinar pouco a pouco a compreender como podem se dar o caráter
de nossas pesquisas e de que forma, como professoras e professores,
atuamos com nossos estudantes negros.

REFERÊNCIAS

GATES JR., H.L. The signifying monkey: a Theory of African-American Literary


Criticism. Oxford University Press, 1988.
MAKONI, S.; MASHIRI, P. Critical historiography: Does language planning in Africa
need a construct of language as part of its theoretical apparatus. In: MAKONI, S.;
PENNYCOOK, A. (orgs.). Disinventing and Reconstituting Languages. Clevedon:
Multilingual Matters, 2007.
MAKONI, S.; PENNYCOOK, A. Disinventing and Reconstituting Languages. In:
MAKONI, S.; PENNYCOOK, A. (orgs.). Disinventing and Reconstituting Languages.
Clevedon: Multilingual Matters, 2007.
MENEZES DE SOUZA, L.T.M. Glocal languages, coloniality and globalization
from below. In: GUILHERME, M.; SOUZA, L.M.T. (orgs.). Glocal languages and
Critical Intercultural Awareness. Nova Iorque: Routledge, 2018.
MOURA, C. Rebeliões na senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. 5. ed. São
Paulo, Anita Garibaldi, 2014.
NASCIMENTO, G. Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo.
1. ed. Belo Horizonte: Letramento Editorial, 2019.
SINGH, J. Unthinking mastery: dehumanism and decolonial entanglements. Durham:
Duke University Press, 2018.

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