Artigo e Material Complementar - Fundamentos Filosoficos e Pedago
Artigo e Material Complementar - Fundamentos Filosoficos e Pedago
Artigo e Material Complementar - Fundamentos Filosoficos e Pedago
Editora
Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona
Projeto Gráfico Evelyn Caroline Betim Araujo
Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Edição 2021
Fundamentos Filosóficos e Pedagógicos do Ensino Superior
RESUMO
O presente artigo apresenta considerações teóricas acerca dos fundamentos filosóficos e pedagógicos do
ensino superior. No que concerne aos fundamentos filosóficos, são discutidas as temáticas da reflexão filosófica,
da complexidade e da racionalidade comunicativa habermasiana. Da mesma forma, quando se trata da dimensão
pedagógica dessa fase de ensino são abordados, dentre outros elementos constitutivos da práxis docente, a neces-
sidade da pesquisa e o desenvolvimento contínuo de competências e habilidades, destacando-se entre essas a
utilização das novas tecnologias e o incremento da utilização da criatividade no espaço da sala de aula.
Palavras-chave: Fundamentos. Filosofia. Pedagogia.
1 JUSTIFICATIVA vidade do mundo acadêmico e das
autoridades educacionais, em todos
A educação no Brasil atravessa um período de os níveis, proporcionou avanços
significativas mudanças. Refletir acerca dessas trans- consideráveis no processo educa-
cional de crianças, jovens e adultos,
formações, de seu alcance e das suas influências sobre
apesar das indevidas e frequentes
as concepções e práticas pedagógicas implantadas pelo interferências do Estado, nem sem-
segmento dos docentes, em todos os níveis escolares, pre de forma coerente (2007, p. 23).
bem como dos fundamentos epistemológicos presen-
E ainda,
tes nessas novas configurações da educação, é tarefa
premente, indispensável, apresentando-se como um Os avanços para a “abertura para o
novo” foram decisivos para a ins-
dever ético de todos os atores sociais envolvidos em tal
talação de novas IES2 inovadoras
constructo humano. e criativas e para o incremento de
De fato, desde a promulgação da Lei de Diretri- cursos de programas de educação
superior também inovadores, des-
zes e Bases da Educação (LDB), em 23 de dezembro tacando-se a expansão do ensino
de 1996, muitas foram as alternâncias, as regulamen- a distância, dos cursos superio-
tações e as interpretações sobre o processo educacio- res de tecnologia e da cultura da
nal efetivamente encontrado no país. Não há dúvida avaliação, como instrumento de
de que a última década do século XX apresentou à melhoria permanente das funções
universitárias e de gestão acadêmi-
sociedade brasileira, ou pelo menos, para uma parcela co-administrativa (2007, p. 29).
dela, sobretudo para aquela fração que vislumbra na
educação um poderoso instrumento de emancipação Essas considerações introdutórias apresentam
individual, social e política, uma presença avaliativa aquilo que será a tarefa central desse artigo, ou seja,
cada vez mais acentuada do Estado. analisar como essas mudanças no sistema educacio-
nal brasileiro adentram o espaço da sala de aula e as
Os processos e práticas avaliativas da educação práticas docentes. O recorte de análise será feito na
tornaram-se foco central de interesse dos órgãos res- educação superior e sua reforma3, em que se procu-
ponsáveis por essa área, sobretudo do Ministério da rará identificar quais são os fundamentos pedagógicos
Educação e Cultura. e filosóficos que estariam a orientar, ou não, as ativida-
Desses rearranjos e elaborações/avaliações é pos- des pedagógicas nessa fase da formação do estudante.
sível encontrar elementos extremamente positivos no A reflexão acerca das bases pedagógicas e filosó-
sentido de uma democratização cada vez maior do ficas do ensino superior se constitui em um instru-
acesso à educação1, isso em todas as fases do processo mento de aperfeiçoamento/construção de projetos
formativo do cidadão, destacando-se aqui o ingresso político-pedagógicos mais democráticos e compromis-
no ensino universitário, a busca da excelência das prá- sados com o desenvolvimento pleno das pessoas que
ticas pedagógicas, a valorização e o incentivo à for- ingressam no sistema educacional, assim como, con-
mação constante de professores e professoras, sensível tribui na elaboração de estratégias utilizadas em sala
aumento das verbas públicas destinadas ao financia- de aula, capazes de fortalecer a qualidade da educação
mento de projetos educacionais, etc. Evidentemente superior no país.
que, como é plausível naquilo que se apresenta como
novo, verificam-se também algumas incoerências, Além disso, como destacado anteriormente, a
alguns vícios advindos da própria história de como a reflexão acurada, crítica e fundamentada da educação
educação sempre foi tratada em nossa cultura, desa- superior, especialmente por educadores e educadoras,
certos presentes em medidas administrativas e peda- constitui-se como momento privilegiado e estratégico
gógicas implantadas. Como ilustram bem Frauches e para as pretensões de um novo projeto de nação, para
Fagundes, nessa reflexão: o desenvolvimento e amadurecimento de cidadãos éti-
A flexibilidade da LDB, num país 2 Instituições de Ensino Superior.
acostumado a leis detalhistas, e sua
3 Dependendo do alcance das mudanças propostas pela nova LDB no ensino
abertura para o novo, para a criati- universitário, é possível questionar a própria expressão reforma universitária, sendo
que, para alguns autores, a expressão mais adequada seria uma (re)fundação das
1 Destaca-se aqui o trabalho que a Educação a Distância (EaD) vem desenvol- instituições universitárias brasileiras. Além disso, é possível falar em reforma apenas
vendo, no sentido de possibilitar democraticamente o acesso à educação para naquilo que convencionamos chamar de educação superior? Não seria algo de
milhares de brasileiros. natureza mais abrangente, devendo alcançar todo o sistema educacional?
cos, competentes e solidários. De fato, o desenvolvi- II. formar diplomados nas dife-
mento de um país está condicionado à qualidade de rentes áreas de conhecimento,
aptos para a inserção em setores
sua educação e de seu povo. profissionais e para a participação
no desenvolvimento da sociedade
brasileira, e colaborar na sua for-
2 CARACTERIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO mação contínua;
SUPERIOR E SUAS FINALIDADES III. incentivar o trabalho de pes-
quisa e investigação científica,
O capítulo IV da Lei de Diretrizes e Bases da visando ao desenvolvimento da
Educação (LDB) trata da educação superior e suas ciência e da tecnologia e da criação
especificidades. É importante destacar que por edu- e difusão da cultura, e, desse modo,
cação superior se deve entender, do ponto de vista da desenvolver o entendimento do
homem e do meio em que vive;
legislação brasileira, não apenas os conhecidos cursos
de graduação. Segundo o Art. 44, ela abrangerá os IV. promover a divulgação de
conhecimentos culturais, cientí-
seguintes cursos e programas: ficos e técnicos que constituem
I. cursos sequenciais por campo patrimônio da humanidade e
de saber, de diferentes níveis de comunicar o saber através do
abrangência, abertos a candidatos ensino, de publicações ou de
que atendam aos requisitos estabe- outras formas de comunicação;
lecidos pelas instituições de ensino4 V. suscitar o desejo permanente de
[...]; aperfeiçoamento cultural e profis-
II. de graduação, abertos a can- sional e possibilitar a correspon-
didatos que tenham concluído dente concretização, integrando
os conhecimentos que vão sendo
o ensino médio ou equivalente e
adquiridos numa estrutura inte-
tenham sido classificados em pro-
lectual sistematizadora do conheci-
cesso seletivo5;
mento de cada geração;
III. de pós-graduação, compre-
VI. estimular o conhecimento dos
endendo programas de mestrado, problemas do mundo presente, em
doutorado, cursos de especiali- particular os nacionais e regionais,
zação, aperfeiçoamento e outros, prestar serviços especializados à
abertos a candidatos diplomados comunidade e estabelecer com esta
em cursos de graduação e que aten- uma relação de reciprocidade;
dam às exigências das instituições
de ensino; VII. promover a extensão, aberta à
participação da população, visando
IV. de extensão, abertos a candi- à difusão das conquistas e benefí-
datos que atendam aos requisitos cios da criação cultural e da pes-
estabelecidos em cada caso pelas quisa científica e tecnológica gera-
instituições de ensino (BRASIL, das na instituição (BRASIL, 1996).
1996).
Merece destaque, pela natureza e objetivos deste
Além da abrangência da educação superior, a Lei artigo, evidenciar que em todas as finalidades explicita-
n. 9.394/96 estabelece, de maneira clara, em seu Art. das pelo corpo da lei fica suficientemente claro e como
43, quais são as finalidades dessa fase da formação condição sine qua non para o alcance de uma formação
escolar. São elas: plena, a importância do desenvolvimento do espírito
I. estimular a criação cultural e o científico, do pensamento reflexivo, da criação e difu-
desenvolvimento do espírito cientí- são da cultura, do desenvolvimento do homem e do
fico e do pensamento reflexivo;
meio em que está inserido, em que estabelece relações
com outros homens e seres, temas esses tão valoriza-
4 O parecer n. 968/98, da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional dos e trabalhados e que, como será verificado, são os
de Educação (CNE), transformado na resolução CES/CNE 1/99, dispõe que os principais fundamentos filosóficos e pedagógicos do
cursos sequenciais por campo de saber são um conjunto de atividades sistemáticas
de formação alternativas ou complementares aos cursos de graduação. ensino universitário.
5 A nova legislação substitui o termo vestibular, previsto na Lei n. 5.540, de 1968, Além desses aspectos, é oportuno apresentar
por “processo seletivo”, dando maior flexibilidade no que concerne aos modos
como as instituições de ensino selecionam os candidatos pretendentes ao ingresso
algumas considerações do trabalho das professoras
em cursos ofertados. Maria Auxiliadora Oliveira e Maria Virgínia Freitas.
pretende construir? Que aluno e que professor serão Sem dúvida, a reflexão pedagógica possui relevância
formados nesse contexto/ambiente? Que perspectivas social e estratégica, tomando para si a tarefa de inter-
possui o futuro da educação nesse começo de século? pretar as relações sociais de uma sociedade historica-
mente determinada para transformá-las. O papel do
educador e da educadora, quando devidamente pre-
3 FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS parados, é de extrema importância para o desenvolvi-
DO ENSINO SUPERIOR mento de uma nação.
O processo de ensino-aprendizagem requer do O magistério é construído e reconstruído no coti-
educador e da educadora, em todos os níveis em que diano da sala de aula e, especialmente, pela dialeti-
ocorra, além de uma sólida formação na sua área espe- cidade das relações estabelecidas nesse espaço social.
cífica de conhecimento (conhecimento esse que é
cumulativo ao longo do desenvolvimento da cultura De maneira didática e com o objetivo de tornar
humana), uma constante busca de aperfeiçoamento possível a análise proposta neste artigo, acredita-se
nas metodologias e técnicas utilizadas na arte de ensi- que a reflexão, ainda que de maneira introdutória,
nar e de aprender. Trata-se, portanto, do necessário das principais tendências pedagógicas presentes na
desenvolvimento de um conjunto de competências e educação brasileira, especialmente as implantadas no
habilidades para se alcançar o telos do ensino. De fato, sistema educacional do século XX e início deste novo
o magistério é construído e reconstruído no cotidiano século, será colaborativa para o alcance do que se pre-
da sala de aula e, especialmente, pela dialeticidade das tende nessa reflexão.
relações estabelecidas nesse espaço social.
É possível identificar, segundo Luckesi (1994),
Para aquelas perguntas formuladas anterior- dois grupos de tendências pedagógicas nas práticas
mente, urge o aparecimento de respostas significativas escolares no Brasil. Ressalta-se, seguindo o raciocínio
e eficazes. Tais respostas só poderão surgir dentro de desse autor, que essas tendências não são puras e nem
espaços fomentadores de reflexão e construção solidá- exclusivas, sendo mais adequado afirmar que em
ria e coletiva, geradores de instrumentos adequados à muitas situações elas se complementam e, em outras,
realidade dos acadêmicos e de toda a comunidade que divergem, sendo que, “a posição que cada tendên-
está no entorno da universidade. cia adota em relação às finalidades sociais da escola”
Dessa forma, considerar como tema relevante (LUCKESI, 1994, p. 54), seria o verdadeiro parâme-
nessa análise a identificação, discussão e crítica daque- tro para situá-las.
les que são, ou poderão ser os fundamentos pedagó- Haveria, portanto, uma pedagogia classificada de
gicos do Ensino Superior é determinante e premente. liberal, isto é, vinculada ao desenvolvimento do libera-
Se de um lado é necessário tal aprofundamento e lismo7 na sociedade moderna capitalista. Para Luckesi,
análise, também se faz explícita de maneira quase que A doutrina liberal apareceu como
imediata a dificuldade dessa tarefa. Essas dificuldades justificação do sistema capitalista
que, ao defender a predominância
se originam, especialmente, da pluralidade das práticas
da liberdade e dos interesses indi-
pedagógicas adotadas pelos docentes do Ensino Supe- viduais da sociedade, estabeleceu
rior. Haverá apenas uma forma de se manifestar o pro- uma forma de organização social
cesso de ensino-aprendizagem nesse nível escolar? Se a baseada na propriedade privada dos
resposta for afirmativa, que fundamentos pedagógicos meios de produção, também deno-
minada de sociedade de classes. A
estariam subsidiando tal prática? Por outro lado, se a
resposta conduzir para a existência de uma plêiade de 7 O surgimento de políticas e práticas liberais remontam à segunda metade do
modelos de ensino-aprendizagem, como parece ser e século XVII, tendo como marco inicial a Revolução Gloriosa na Inglaterra. De maneira
existir, seria possível encontrar elementos fundantes geral, é possível identificar na condenação de qualquer prática intervencionista por
parte do Estado, especialmente na área econômica, a bandeira central dos liberais.
nessa diversidade? Salienta-se que ao longo desses 400 anos de história, o liberalismo passou por
algumas mudanças, sempre almejando se adequar às transformações da sociedade
Evidencia-se, dessa forma, que a análise e até e seus fins. O liberalismo político de John Locke, o liberalismo econômico de Adam
mesmo a identificação dos fundamentos pedagógicos Smith, o novo liberalismo, ou utilitarismo, de John Stuart-Mill, o liberalismo social,
da educação universitária é missão complexa, porém, também, conhecido como keynesianismo advindo das ideias de John Maynard
Keynes e, finalmente, o neoliberalismo, vertente contemporânea e mais conhecida,
fundamental para o incremento qualitativo das prá- que, por sua vez, foi iniciada com a obra O caminho da servidão de Friedrich Hayek,
ticas educacionais e dos resultados de aprendizagem. constituem essas fases.
que seria a finalidade principal da educação, isto é, a algo fundamental para suas lutas.
transformação da realidade social e dos atores sociais O senso comum e a opinião (doxa)
ou a experiência acumulada por
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Essa longo tempo da prática (sofia), são
práxis transformadora, oriunda da educação, especial- elementos importantes, mas insufi-
mente a desenvolvida no Ensino Superior, foco dessas cientes. A nova realidade histórica
considerações, rejeita de forma contundente demanda conhecimentos calcados
na episteme – conhecimento crí-
um modelo de universidade que tico (1998, p. 105).
não exercita a criatividade, não
identifica nem analisa problemas Uma terceira tendência progressista verificada
concretos a serem estudados, que nas práticas docentes é a crítico-social dos conteúdos.
não incentiva o hábito do estudo
Uma de suas premissas fundamentais é a valorização
crítico [...]. Não queremos uma
universidade desvinculada, alheia das ações pedagógicas enquanto, verdadeiramente,
à realidade onde está plantada, inseridas na prática social concreta. Isso significa, por
simplesmente como um parasita exemplo, que aquilo que é ministrado enquanto con-
ou um quisto (LUCKESI et al., teúdo na sala de aula deve encontrar vida nas reali-
1998, p. 39).
dades sociais de onde advêm os ingressos no sistema
No cenário da educação brasileira, três são as ten- escolar. Essa visão é explicada por Libâneo, para quem
dências progressistas: a libertadora, a libertária e a crí- em síntese, a atuação da escola con-
tico-social dos conteúdos. siste na preparação do aluno para o
mundo adulto e suas contradições,
De maneira geral, as tendências libertadora10 e fornecendo-lhe um instrumental por
libertária possuem em comum o antiautoritarismo, a meio da aquisição de conteúdos e da
valorização da experiência vivida como base da relação socialização, para uma participação
educativa e a ideia de autogestão pedagógica. O ensino organizada e ativa na democratiza-
não formal é extremamente valorizado, surgindo daí ção da sociedade (1994, p. 39).
toda uma reflexão acerca dos conteúdos de ensino a Após essa suscinta apresentação, fica evidente
serem ofertados, dos métodos de ensino utilizados, que cada educador terá no exercício de suas atividades
bem como da relação entre docentes e discentes. pedagógicas traços desta ou daquela tendência, sendo
O papel político dessas tendências é explicitado equivocado o entendimento de um purismo ideológi-
em todas as suas manifestações. Isso faz com que ocor- co-metodológico. O que se mostra com maior grau de
ram dificuldades de implantação, em termos sistemá- importância é a percepção de que a prática pedagógica
ticos, nas instituições oficiais de ensino. O que acaba está sujeita aos condicionamentos da ordem social,
acontecendo na prática é a aplicação de alguns de seus que sugere múltiplas concepções de ser humano e de
pressupostos por numerosos educadores. sociedade e, por consequência, de diferentes funda-
mentos e pressupostos sobre o papel da escola, no caso
Ficam explícitas, nessas tendências pedagógicas, específico dessa argumentação, da universidade e dos
as críticas feitas ao modelo de educação implantado processos de ensino-aprendizagem aí vivenciados.
sob o viés ideológico do capitalismo liberal, sobretudo
em sua versão atual, ou seja, neoliberal. A importância
de um conhecimento vinculado à realidade social e, 4 PROCESSO FORMATIVO NA EDUCAÇÃO
por isso, capaz de fomentar transformações nas formas SUPERIOR: O FUNDAMENTO DA PESQUISA
como todo o sistema de vida está organizado é eviden-
A tradição cultural brasileira pri-
ciada nesta reflexão de Frigotto:
vilegia a condição da universidade
Neste sentido, no plano da luta como lugar de ensino, entendido
contra-hegemônica, as organiza- e sobretudo praticado como trans-
ções políticas e sindicais que se arti- missão de conhecimentos. Mas
culam com os interesses de classe apesar da importância dessa função,
trabalhadora necessitam entender, em nenhuma circunstância pode-se
cada vez mais, que o conhecimento deixar de entender a universidade
científico e a informação crítica são igualmente como lugar priorizado da
10 A concepção libertadora também é conhecida como pedagogia Paulo Freire. produção do conhecimento e, con-
Ressalta-se que essa pedagogia foi implantada, com sucesso, em outros países da sequentemente, como lugar da pes-
América Latina e da África. quisa (SEVERINO, 2009, [s. p.]).
cerne ao futuro que se pretende para um grupo social, o necessário desenvolvimento de uma razão aberta
especialmente no caso de seu desenvolvimento cultu- ao diálogo, de uma razão comunicativa, que por sua
ral. Assim, tendências e posturas pedagógicas, liberais vez, substitua uma razão instrumental tão presente no
ou progressistas, engendram dentro de sua constitui- modo moderno de se produzir ciência.
ção epistemológica e axiológica, uma visão filosófica, A educação em todas as culturas e sociedades sem-
um modo particular de pensar e fazer a educação. pre visou o homem e sua forma de viver coletivamente.
O ambiente escolar não está fora da real idade Pode-se afirmar que da relação intrínseca entre educa-
social e, consequentemente, não é concebível pen- ção e filosofia é que emergem as concepções pedagó-
sar a educação como um elemento dissociado dos gicas que norteiam, cada uma a seu modo e dentro
demais componentes da vida e da cultura de um de sua ideologia, as práticas educacionais presentes no
grupo humano. A educação não é neutra, apolítica; cotidiano da escola e da universidade. A reflexão filo-
pelo contrário, ela é fator de mudança e/ou conserva- sófica acerca dos fundamentos da educação apresen-
ção de estruturas sociais, dependendo, evidentemente, ta-se, portanto, como uma das competências a serem
de suas orientações e posicionamentos ideológicos. A desenvolvidas pelos educadores compromissados com
educação se perde quando é praticada sem consciên- um desenvolvimento pleno das potencialidades que a
cia de sua historicidade e dentro de uma pedagogia educação tem sobre o modo de ser e agir do homem.
alienada, distante da experiência com o real. Portanto, Mas como deve ser entendida essa reflexão? Em
sempre haverá dentro do processo de ensino-apren- que sentido uma reflexão de fato se torna filosófica?
dizagem um topos filosófico, uma postura pedagógica Como desenvolver essa competência? Como utilizá-la
e política decorrente da maneira como cada sujeito de forma adequada no contexto, sempre dinâmico e
concebe a educação e suas finalidades sociais. Para inédito, da sala de aula?
Luckesi, a educação é uma instância dialética que serve
a um projeto, a um ideal de sociedade, “ela medeia esse A palavra reflexão vem do verbo latino “reflectere”
projeto, ou seja, trabalha para realizar esse projeto na que significa “voltar atrás”. Entende-se reflexão como
prática. Assim, se o projeto for conservador, medeia a um repensar, como “um pensamento consciente de
conservação; contudo, se o projeto for transformador, si mesmo, capaz de se avaliar, de verificar o grau de
medeia a transformação” (1994, p. 48). adequação que mantém com os dados objetivos, de
medir-se com o real” (SAVIANI, 1996, p. 16). Quem
O mapeamento e apresentação de todos os fun- reflete busca, de maneira incessante, os significados do
damentos filosóficos da educação universitária é tarefa já pensado, analisa com paciência e cuidado os dados
extremamente complexa e não se constitui como meta do próprio pensamento, retoma e reconsidera o que,
dessas considerações. Na verdade, em tudo o que já foi em um primeiro impulso da mente, era tido como a
analisado nesse texto, é notória a presença de uma fun- realidade, a verdade.
damentação filosófica. O contrário seria inconcebível
e manifestaria uma visão equivocada acerca dos funda- No Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano,
mentos da educação e da cultura. Uma visão simplista verifica-se que de maneira geral existe um entendi-
e reducionista não contribui em nada para um exercí- mento de reflexão como “ato ou processo por meio do
cio mais competente da ação pedagógica. qual o homem considera suas próprias ações” (1998, p.
837). Trata-se, portanto, de uma atividade pertinente
Por isso mesmo, almejando uma didaticidade e
ao gênero humano, em que se conclui que o homem,
clareza necessárias, serão destacados alguns daqueles
ao refletir, se dobra sobre suas ideias, examina-as,
que podem ser considerados os fundamentos filosó-
modifica-as, combina-as de maneiras diferentes, altera
ficos do Ensino Superior, a saber: a competência da
sua consciência e ciência do que o cerca. A reflexão é,
reflexão filosófica e seu papel na formação de educa-
de forma inequívoca, o fundamento do conhecimento
dores e acadêmicos mais críticos e conscientes de sua
científico-filosófico.
condição de produtores de cultura e das consequências
que esses saberes culturais tem sobre o tecido social Todavia, nem todo pensamento é reflexivo, assim
onde se inserem; a necessidade de um pensamento como nem toda reflexão se caracteriza como filosó-
complexo em relação aos fins da educação e suas mani- fica. Pensar que todos os processos reflexivos podem
festações na sociedade, buscando a superação de um ser caracterizados como filosóficos, no plano das rela-
paradigma tradicional, cujos pressupostos principais ções estabelecidas no entorno da educação e das suas
são a simplicidade, a objetividade e a estabilidade; e modalidades – Ensino Fundamental, Ensino Médio e
doras. Se, como apresentado anteriormente, a universi- que vem sendo imposto a boa parcela da população
dade é o lugar privilegiado da pesquisa, constituindo-se mundial nos últimos quatro séculos16.
como sua característica fundamental, também deve ser nossa educação nos ensinou a
ambiente de profunda reflexão, onde a ciência e a tecno- separar e isolar as coisas. Separa-
logia são entendidas como fenômenos sociais e, por isso mos os objetos de seus contextos,
mesmo, explicitações singulares de todos os elementos separamos a realidade em discipli-
nas compartimentadas umas das
constituintes da cultura de um povo. outras. Mas, como a realidade é
O pensamento complexo é outro fundamento feita de laços e interações, nosso
filosófico da educação superior atual. Mas o que é pen- conhecimento é incapaz de perce-
ber o complexus – o tecido que junta
samento complexo? O que é complexidade? Que rela- o todo. Ao mesmo tempo, nosso
ção a complexidade possui com o ensino universitário, sistema de educação nos ensinou, a
seus atores sociais e sua produção de conhecimento? saber: as coisas deterministas, que
obedecem a uma lógica mecânica;
Normalmente, ao se deparar com a expressão coisas das quais podemos falar com
complexo/complexidade o indivíduo é levado a ima- muita clareza e que permitem, evi-
ginar algo de natureza difícil, hermética. Nos dicioná- dentemente, a previsão e a predição
rios da língua portuguesa, usados por grande parte da (MORIN, 1997, p. 15).
população, o verbete complexo tem como um de seus Para o filósofo francês, complexidade “refere-se a um
sinônimos a ideia de algo complicado. conjunto, cujos constituintes heterogêneos estão insepa-
No entanto, não é isso a que se refere, neste texto, ravelmente associados e integrados, sendo ao mesmo
quando se menciona a complexidade; pelo contrário, tempo uno e múltiplo” (MORIN apud VASCON-
seria um contrassenso entender e encerrar a riqueza CELLOS, 2002, p. 110). A complexidade se apresenta
desse conceito e fato da vida em uma querela mera- como algo que transcende um mero conceito teórico, ela
mente semântica. se manifesta como um fato da vida e, por isso, alcança
Essas dificuldades de compreensão acerca do pen- todas as suas esferas – a biológica, a social e a mental. A
samento complexo por parte da sociedade e também experiência humana é um todo bio-psico-social que não
de muitos intelectuais em diferentes campos do saber pode, portanto, ser dividido em partes nem reduzido a
são apontadas por Edgar Morin15 no artigo Complexi- nenhuma delas. Isso é o pensar complexo.
dade e ética da solidariedade. Para ele, Do ponto de vista pedagógico, apesar de parecer o
utilizamos frequentemente a pala- contrário, a complexidade sempre foi praticada, ainda
vra complexidade, mas somos inca- que de maneira assistemática e deficitária, por parte de
pazes de separar e rejuntar os ele- alguns educadores. Por exemplo, todas as vezes que o
mentos dos quais estamos falando. docente busca contextualizar a temática de uma aula
Não conseguimos encontrar uma
explicação e uma definição. É por com os demais assuntos trabalhados ou que virão a ser
isso que a p alavra complexidade desenvolvidos, ele está pensando no processo de ensi-
torna-se uma palavra vazia, que no-aprendizagem de forma sistêmica, complexa. Da
tapa buracos” (MORIN, 1997, p. mesma forma, isso ocorre quando ele evita pensar sua
15). participação nesse processo como a de responsável por
Destaca-se ainda, acompanhando o entendi- uma disciplina estanque e separada das demais. Evitar
mento do autor, que a sociedade fica como que per- essa compartimentação do saber, a fragmentação do
plexa e desarmada perante a discussão da comple- conhecimento científico, é fundamental no sentido
xidade e seus efeitos no cotidiano das pessoas, em de desenvolver um conhecimento contextualizado,
função, sobretudo, do modelo educacional e cultural repleto de significado para o discente.
15 O nome de Edgar Morin está vinculado ao desenvolvimento/entendimento 16 Em termos científicos e filosóficos, a modernidade, especialmente após a
de um novo paradigma de ciência. Normalmente esse paradigma é conhecido Revolução Científica do século XVII, é marcada por pressupostos teóricos da filo-
como paradigma da complexidade, paradigma sistêmico, paradigma holístico ou sofia mecanicista de Galileu e Descartes, assim como pelos postulados da física
paradigma emergente. Embora existam muitas obras de Morin que tratem dessa newtoniana. Para alguns autores, como Maria José Esteves de Vasconcellos, em
temática, por exemplo, Ciência com consciência, é na obra publicada em 1990, Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência, esses pressupostos podem
Introdução ao pensamento complexo, que se encontram as bases conceituais de ser identificados no trinômio: simplicidade, objetividade e estabilidade. Ressalta-se
seu posicionamento teórico. Todavia, não se pode atribuir a Morin a descoberta que esses elementos estariam presentes em todos os fenômenos naturais e sociais,
da palavra “complexidade”, sendo mais correto identificar em Gaston Bachelard (O o que permitiria entendê-los como os últimos parâmetros no que se refere à com-
novo espírito científico) as primeiras referências a essa expressão. preensão racional dos referidos fenômenos.
para quem a instrução de crianças e de jovens poderia No caso da produção e difusão do conhecimento,
redimir a sociedade. foco de nossas análises, esse processo teria alcançado
Todavia, foi no movimento iluminista que se o espaço da educação de formas diversas. Uma des-
alcançou o ápice da confiança no poder emancipatório sas maneiras foi por meio do cientificismo, que pode
da razão. A razão, entenda-se aqui a ciência e a técnica, ser explicado como uma postura, dominante em boa
levaria a sociedade, inevitavelmente, ao progresso, à parcela da população, de total e irrestrita confiança na
felicidade e a um desenvolvimento moral e intelectual ciência e nos seus discursos. Associada a isso também
antes nunca visto na história da humanidade, assim se verifica a construção de novos mitos, tais como o
como uma verdadeira liberdade política. da neutralidade científica, em que elementos como
os interesses econômicos e políticos não estariam pre-
O progresso, por meio da utilização dos recursos
sentes e nem determinariam os rumos das pesquisas
técnicos, do desenvolvimento científico e da aplicação
científicas e suas utilizações. Por intermédio de postu-
cada vez maior de investimentos financeiros nessas
ras como essas acaba ocorrendo, auxiliada pelos meios
áreas, tornou-se a meta de todas as sociedades tidas
de comunicação de massa e da escola e seu papel de
como evoluídas e, consequentemente, a última finali-
reprodutora das ideologias dominantes, sobretudo a
dade de, praticamente, todos os sistemas educacionais
esclarecidos. O conhecimento operacional, pragmá- do capitalismo liberal, uma espécie de institucionali-
tico, capaz de subjugar, por intermédio de equações, zação do progresso técnico e científico.
fórmulas e instrumentos tecnológicos, a natureza, des- Outro exemplo dessa instrumentalização no sis-
mistificando-a e desencantando-a, passou a ser visto tema educacional está na hierarquização dos saberes,
como o principal objetivo da educação. em que alguns são tidos como ineficazes e, portanto,
Da subjugação e transformação da natureza em destituídos de significância para a formação dos edu-
um imenso laboratório de onde o homem deveria tirar candos, tais como o conhecimento tácito, o conheci-
o máximo de recursos para a aplicação dessa mesma mento religioso, as experiências e tradições culturais
lógica nas relações sociais, foi um passo relativamente transmitidas de forma oral etc. O próprio conheci-
tênue. O desencanto e a desmitificação passaram a mento filosófico é destituído de importância, mas
fazer parte da relação do homem consigo mesmo, com aqui por outros fatores, como o projeto de alienação
os outros e com os demais seres. e massificação intelectual. O exemplo da legislação
educacional brasileira durante o período de ditadura
Para os intelectuais da Escola de Frankfurt, o militar é clássico, pois, sob a influência da tendên-
projeto emancipatório da filosofia das luzes se trans- cia pedagógica liberal tecnicista, cursos de filosofia
formou em uma ideologia, em uma forma de instru- e sociologia foram substituídos por conteúdos tidos
mentalização do homem pelo homem. A razão, que como formadores do patriotismo nacional, isto é,
na perspectiva iluminista, era vista como luz e escla- educação moral e cívica, estudos dos problemas bra-
recimento, na ótica frankfurtiana, teria se obscure- sileiros, entre outros.
cido e se tornado ferramenta nas mãos dos detentores
do capital que, por sua vez, controlavam a ciência e O que se pode verificar é a existência de uma
a técnica. forma de racionalidade que privilegia ações estraté-
gicas de domínio e exploração, de embrutecimento e
Eventos como o imperialismo das nações euro- desumanização. A educação não está imune a isso.
peias, no final do século XIX, sobre o continente afri-
cano e asiático, as grandes guerras, a ascensão ao poder Dessa complexa realidade, portanto, advém a
de regimes totalitários em governos europeus, como necessidade do desenvolvimento de educadores e edu-
a Alemanha e Itália, a perseguição nazista aos judeus, cadoras, de uma consciência crítica sobre essas dimen-
ciganos, homossexuais, negros, e os horrores dos cam- sões da vida moderna. Essa criticidade encontra espaço
pos de concentração, bem como as crises decorrentes real de efetivação em uma sólida formação intelectual,
das formas estratégicas de dominação do poder finan- no exercício da reflexão filosófica e na consolidação de
ceiro, seriam fenômenos decorrentes desse eclipse da uma forma sistêmica de se pensar e produzir ciência.
razão19, gestado sob a ideologia iluminista. O próprio conhecimento filosófico é destituído de
importância, mas aqui por outros fatores, como o
19 Esse termo é emprestado e faz relação com a obra de Max Horkheimer, tam- projeto de alienação e massificação intelectual.
bém intitulada Eclipse da Razão. Horkheimer foi um dos mais importantes represen-
tantes da Teoria da Crítica Social.
AFIRMAÇÕES
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2 A formação plena do ser humano. O papel decisivo da educação nesse processo.
“Assim, a educação não poderá mais ser vista como processo mecânico de desenvolvimento de poten-
cialidades. Ela será necessariamente um processo de construção, ou seja, uma prática mediante a qual
os homens estão se construindo ao longo do tempo”.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, trabalho e Cidadania: a educação brasileira e o desa-
fio da formação humana no atual cenário histórico. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/spp/
v14n2/9790.pdf>. Acesso em: 03 de mar. 2021.
2 O pressuposto da subjetividade dentro do paradigma da complexidade. A importância do docente
se ver dentro do processo de ensino-aprendizagem, assim como sentir-se aluno enquanto leciona.
“Outro princípio muito importante, indispensável nas ciências humanas e sociais, permite rejuntar
aquele que conhece ao seu conhecimento, ou seja, integrar o observador à sua observação, e o conhe-
cedor ao seu conhecimento. Por exemplo, o sociólogo, ele é a parte de um todo social, e o todo está
dentro dele. Evidentemente ele não pode ter um ponto de vista objetivo, que lhe permita dominar,
como de um trono, o conjunto da sociedade. Ele tem de fazer um trabalho de autoanálise, de autoe-
xame, para tentar se situar e saber que não é proprietário de um verdadeiro conhecimento já de início,
mas que esse conhecimento é relativo”.
MORIN, Edgar. Complexidade e ética da solidariedade. In: CASTRO, G. (Org.). Ensaios de com-
plexidade. Porto Alegre: Sulina, 1997. Disponivel em : <http://www.nuredam.com.br/files/artigos/
periodicos/2018-NEFFA_NEFFA_Educacao%20e%20complexidade_um_dialogo_possivel.pdf>
Acesso em: 03 de mar. 2021.
CASOS DE REFORÇO
2 Ao longo dessa disciplina, foram estudadas as características das principais tendências pedagógicas
presentes na formação e na prática de educadores e educadoras. Como verificado, essas tendências não
se apresentam de forma pura, exclusivista, ou seja, no processo de ensino-aprendizagem ocorre em
uma espécie de mistura de características dessa ou daquela tendência. Para reforçar esse conhecimento,
analise, em sua prática docente ou em atividades que você acompanha, quais das tendências pedagógi-
cas estão fundamentando essa prática de ensino. Existe a prevalência de uma tendência sobre a outra?
Exemplifique situações observadas e correlacione com a teoria estudada.
2 A educação, na perspectiva da tendência libertadora, também conhecida como Método Paulo Freire, é sem-
pre política – pretende ser agente de transformação da realidade dos atores sociais envolvidos nesse processo.
Esse método é muito utilizado na educação de jovens e adultos e se caracteriza por acontecer especialmente
em associações, clubes, cooperativas, igrejas etc., ou seja, ela ocorre na maior parte das vezes fora do sistema
oficial de ensino. Todavia, isso não impede que alguns educadores utilizem de seus pressupostos em suas
atividades pedagógicas. Procure analisar e identificar em suas práticas ou nas práticas de colegas de profissão
como isso ocorre. Que benefícios esse método pode trazer ao seu exercício profissional? A ideia de educação
como agente de transformação política, preconizada por Paulo Freire, é correta em sua análise?
ESTUDOS DE CASO
2 As reformas promovidas pelo Estado brasileiro na educação, nos últimos anos, acompanham um pro-
cesso de reforma geral na sociedade. De fato, a história de nosso país revela de maneira explícita uma
série de problemas estruturais referentes ao acesso de todos os cidadãos aos seus direitos fundamentais,
como a educação e a saúde. Levando em consideração que educação é fator determinante para o desen-
volvimento individual e coletivo de uma sociedade, analise como as medidas públicas de inserção de
um número cada vez maior de brasileiros ao ensino, em todos os níveis, podem ser benéficas para a
nação como um todo. Como você analisa a participação da educação a distância (EaD) nesse contexto?
2 A cultura, de modo geral, na sociedade moderna ocidental, foi marcada profundamente pelos pressu-
postos do modelo cartesiano de se pensar a natureza e a relação do homem com ela. A educação, como
não poderia ser diferente, também se caracterizou e se fundamentou nesse paradigma, nessa forma de
se produzir ciência e tecnologia. Assim, pensar a educação de forma diferente, por exemplo, de forma
complexa, apresenta-se como um grande desafio e, em ambientes conservadores e tradicionais, como
um convite a heresias epistemológicas. Como você analisa essa questão? É possível conceber uma ciên-
cia e uma educação nos moldes da complexidade? Que benefícios isso traria para a sociedade? Trata-se
de abandonar o paradigma cartesiano? Em qual desses paradigmas você percebe a presença da EaD?
VÍDEOS
Os vídeos selecionados retratam de forma audiovisual os conceitos abordados nesta disciplina.
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Aula 1
1) Sociedade dos poetas mortos (1989)
Retrata o ambiente de uma escola pautada por práticas pedagógicas tradicionais e as transformações
ocorridas em um grupo de alunos quando chega um novo professor de literatura. Deseja-se que o dis-
cente verifique como o processo de ensino-aprendizagem é dinâmico e pautado pelas posturas tradicio-
nais ou progressistas adotadas em sala de aula pelo professor. Espera-se também que o aluno relacione
tal obra com as tendências pedagógicas estudadas, bem como estabeleça relações e reflexões críticas.
2) Pink Floyd – Another Brick In The Wall (Legendado)
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=n72QD0L7AKo.
Retrata práticas pedagógicas antidemocráticas, castigos psicológicos e físicos no ambiente da sala de aula,
bem como uma postura tradicional. Deseja-se que o discente analise tal obra sob a perspectiva das tendên-
cias pedagógicas estudadas, e estabeleça relações com as teorias desenvolvimentistas de Piaget e Vygotsky.
3) Método Paulo Freire
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YbrHsTv4QA0.
Aula 2
1) Ponto de mutação (1990)
Vídeo baseado na obra do físico Fritjof Capra, que trata da temática da emergência de um novo para-
digma na ciência e na sociedade como um todo. Apresenta características do modelo cartesiano de
ciência, de como isso alcança a sociedade e, portanto, a educação, bem como traços que se aproximam
com a teoria da complexidade estudada na disciplina. Espera-se que o aluno estabeleça relações com os
autores trabalhados, assim como desenvolva uma reflexão acurada da proposta.
2) Arquitetura da destruição (1992)
Clássico documentário que registra como o regime nazi-fascista foi gestado na Alemanha hitleriana. A
presença de uma racionalidade instrumental nesse projeto deve ser analisada pelo discente, assim como
ele deve refletir de que forma tal razão encontrou espaço de efetivação naquela sociedade. Deseja-se
também que o aluno relacione como a ciência e a tecnologia desenvolvidas nas universidades e centros
de pesquisa da Alemanha foram utilizadas como instrumento de dominação e coisificação do homem
e da natureza.
3) Grandes educadores: Edgar Morin (2006)
Apresenta algumas das ideias de Edgar Morin e sua relação com a educação. Espera-se que o aluno
possa compreender com mais profundidade as críticas feitas por Morin a um conhecimento fragmen-
tado e sua proposta de uma visão sistêmica, de complexidade.
4) Ilha das flores (1989)
Documentário brasileiro que retrata como as condições econômicas, políticas e educacionais
transformam e equiparam seres humanos a outras espécies animais, bem como revela a necessária
participação da escola na transformação da realidade social. O discente deve relacionar tal obra
com as ideias advindas das críticas feitas pelos frankfurtianos ao sistema capitalista. Deseja-se
também que o aluno perceba, na ação comunicativa de Habermas, uma possibilidade de transfor-
mação da realidade humana e das injustiças sociais apresentadas no documentário, ainda presentes
na sociedade brasileira.
TEMAS TRANSVERSAIS
Os temas transversais são importantes para ampliar e qualificar os conhecimentos adquiridos na disciplina,
porque permitem interagir com outras temáticas.
Uma das temáticas mais recorrentes nas discussões estabelecidas no meio intelectual e, por consequência,
que atinge o tecido social é a axiológica. Sem dúvida, a ética se apresenta como elemento imprescindível na
formação e atuação de qualquer profissional e de todo cidadão.
Na formação de docentes, a ética deve encontrar lugar de relevância, constituindo-se como uma das novas
faces dessa atividade. A escola como espaço de encontro e transformação da realidade social se caracteriza por ser
um ambiente dialético, onde os diversos atores sociais envolvidos nessa instituição estão em contínuo processo
de crescimento e de evolução. Sendo assim, destacar na formação docente o aspecto da escola como espaço de
mudança é fundamental e premente.
Ao longo da história, diversos foram os autores que contribuíram na discussão da ética e de suas relações
com a vida em seus diversos segmentos, ressaltando-se, aqui, no exercício de uma atividade profissional. Des-
tacam-se as reflexões filosóficas de Aristóteles (Ética a Nicômaco), Kant (A Metafísica dos Costumes), Nietzsche
(A Genealogia da Moral) e, contemporaneamente, as ideias do filósofo alemão Habermas, na obra Consciência
Moral e Agir Comunicativo.
Sendo assim, a excelência de qualquer atividade reside em uma ação ética, em uma postura de valorização
e afirmação dos valores adotados pela comunidade em que se está inserido e, também, na transmissão dessa
perspectiva adotada.
TEMAS EMERGENTES
2 Os temas emergentes indicam temas atuais que enriquecem os conhecimentos da disciplina, pois
permitem identificar conceitos e fatos em evidência na sociedade.
A complexa relação educação-capital na sociedade hodierna
Dentro do modelo de sociedade desenvolvido no mundo ocidental nos últimos quatrocentos anos,
a educação sempre mereceu destaque no que tange às possibilidades de desenvolvimento individual
e social.
Se pensarmos, por exemplo, na perspectiva do movimento iluminista, encontraremos uma forte crença
no poder transformador da educação e no seu papel emancipador da natureza humana. O pedagogo
brasileiro Moacir Gadotti, analisando as pretensões e concepções iluministas no que concerne à esfera
da educação, afirma: “o iluminismo procurou libertar o pensamento da repressão dos monarcas terre-
nos e despotismo sobrenatural do clero. Acentuou o movimento pela liberdade individual iniciado no
período anterior e buscou refúgio na natureza” (GADOTTI, 1998, p. 88).
Sem dúvida, a confiança depositada na razão, entenda-se aqui na ciência e na técnica, encontrará no
espaço escolar oportunidade real de efetivação de algumas promessas modernas.
Da mesma forma, é possível verificar um forte interesse das chamadas classes detentoras do capital
no desenvolvimento dos sistemas educacionais, ainda que isso não signifique uma democratização
efetiva das possibilidades de crescimento de todos os cidadãos, haja vista que o que se verificou na
modernidade foi a construção ideológica de segmentos educacionais diferenciados. Se de um lado
se investiu volumosas quantias no desenvolvimento da ciência e, consequentemente, na sua utili-
zação prática, por outro viés se construiu um modelo de escola voltado à elite, destinado a dirigir e
comandar a sociedade, e outro voltado à formação básica, muitas vezes totalmente deficitária para
a maioria da população, que era constituída de trabalhadores braçais. A ideia de uma humanidade
sem distinções de classes sempre foi uma bandeira da ideologia burguesa, que obviamente escondia
seus reais interesses.
Assim sendo, o ideal iluminista de uma sociedade igualitária nunca se consolidou no mundo da edu-
cação. O que se verificou foi a utilização da educação como uma poderosa ferramenta de manutenção
do status quo vigente, isto é, a escola teve seu papel desvirtuado e acabou se transformando em um apa-
relho ideológico, em um espaço de formação/adestração de indivíduos que, subjugados pelo sistema
capitalista, nada mais tinham que sua força de trabalho.
Em um cenário recente da história da educação brasileira, isso é facilmente constatado. Se analisarmos
a Lei n. 5.692/71, será vista a introdução de um modelo de educação tecnicista. De fato, ocorreu uma
espécie de profissionalização compulsória do segundo grau, o que, evidentemente, era destinado à
formação, em rápido período de treinamento, de uma mão de obra que atendesse às necessidades de
um projeto de desenvolvimento de nação. A tendência pedagógica tecnicista aprofundou um abismo
que já existia no cenário da educação brasileira, a saber, a criação de modelos escolares diferenciados
para segmentos populacionais. A escola tecnicista teria como papel preponderante formar os filhos e
filhas das camadas menos favorecidas da população e a escola “normal” destinada à formação de líderes
e gerenciadores do processo escola-empresa, obviamente, oriundos de uma camada social abastada,
detentora do capital e controladora da política nacional. Essa visão tecnicista está atrelada a uma visão
economicista da educação, e tem entre seus fundamentos teóricos a Teoria do Capital Humano1.
Destarte, é fundamental na formação da docência brasileira o resgate da história da educação nacional,
de seus arranjos e práticas pedagógicas, da identificação e análise das tendências pedagógicas e suas ide-
ologias, do papel que a educação tem na formação das individualidades e, em um momento posterior,
da construção da coletividade. Aos educadores cabe mais esta tarefa, entre as inúmeras já existentes, a
saber, de ser vanguarda na reflexão acerca dos interesses do país, de garantir por meio de seu trabalho a
formação de uma nação soberana e sujeitos autônomos.
REFERÊNCIAS
GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. 6. ed. São Paulo: ática, 1998.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. 8. ed. São
Paulo: Loyola, 1994.
LUCKESI, C.C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.
1 Para a sequência dessa análise, recomendase a leitura do artigo do professor Gaudêncio Frigotto, que pode ser encontrado neste link eletrônico: http://www.periodicos.
ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/10587/10116.