DPC Medicina Legal Luciana Gazzola

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA

Sumário

CAPÍTULO 1 ......................................................................................................................... 3

INTRODUÇÃO À MEDICINA LEGAL E CONCEITOS .......................................................... 3

CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................... 18

TANATOLOGIA FORENSE ................................................................................................ 18

CAPÍTULO 3 ....................................................................................................................... 33

TRAUMATOLOGIA FORENSE ........................................................................................... 33

CAPÍTULO 4 ....................................................................................................................... 68

ASFIXIOLOGIA FORENSE ................................................................................................. 68

CAPÍTULO 5 ....................................................................................................................... 78

TOXICOLOGIA FORENSE.................................................................................................. 78

SEXOLOGIA FORENSE ..................................................................................................... 91

CAPÍTULO 7 ..................................................................................................................... 120

IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO ..................................................................................... 120

CAPÍTULO 8 ..................................................................................................................... 129

PSICOPATOLOGIA E PSIQUIATRIA FORENSE ............................................................. 129

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 141

Professora: Luciana Gazzola

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO À MEDICINA LEGAL E CONCEITOS

Perícias médico-legais e peritos


Corpo de delito, perícia de local e cadeia de custódia
Documentos médico-legais

CONCEITO: A Medicina Legal como ciência e arte

A Medicina Legal é ciência complexa e multidisciplinar que, embora tenha um corpo


de conhecimentos autônomo e configure especialidade médica, pode-se afirmar que ela
atende especialmente aos reclames do Direito do que da própria Medicina e transita por
conhecimentos de diversas áreas do saber. É ciência que objetiva realizar a interface entre a
Medicina e o Direito, buscando atender às necessidades jurídicas e preencher lacunas de
conhecimento médico-biológico que a lei não dispõe.
São clássicos conceitos de Medicina Legal: "arte de por os conceitos médicos a
serviço da administração da Justiça." (Lacassagne); "a aplicação dos conhecimentos médico-
biológicos na elaboração e execução das leis que deles carecem.“ (Flamínio Fávero); “a
aplicação dos conhecimentos médicos aos problemas judiciais” (Nerio Rojas).

A Medicina Legal, portanto, presta esclarecimentos à Justiça em suas mais diversas


formas e, assim, subdivide-se em vários ramos, sendo os principais: a Traumatologia Forense,
que estuda as lesões corporais e as energias causadoras de dano; a Tanatologia Forense,
que aborda a morte, o cadáver e as repercussões nas esferas jurídica e social; a Toxicologia
Forense, com o estudo das energias de ordem química; a Sexologia Forense, que aborda os
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aspectos médico-legais dos crimes contra a dignidade sexual, aborto, infanticídio, dentre
outros; a Infortunística, que analisa as questões trabalhistas e previdenciárias forenses, como
acidentes e doenças do trabalho; a Antropologia Forense, que cuida da identificação humana.

O que faz a Medicina Legal?

O objeto de estudo da Medicina Legal é a perícia médica, que consiste em um ato


médico com o propósito de contribuir com as autoridades administrativas, policiais ou
judiciárias com conhecimentos específicos da área médica. A perícia é o exame dos
elementos materiais dos fatos ocorridos e, sendo assim, colabora com a investigação policial
e busca oferecer provas objetivas para uma investigação, fundamentando os elementos
consistentes do corpo de delito.
A objetividade é um dos relevantes preceitos periciais: o perito não deve julgar,
defender ou acusar! Cabe a ele ser objetivo, isento e imparcial, agindo de acordo com o visum
et repertum (ver e reportar; visto e referido): descrever, de forma objetiva, os elementos
observados no exame pericial.
Perícias podem ser realizadas sobre pessoas (vivas ou mortas), coisas (como a arma
do crime, uma residência arrombada) ou fatos ocorridos (como um desastre ambiental).

A perícia médico-legal pode ser subdividida em:

PERÍCIA PERCIPIENDI PERÍCIA DEDUCENDI


Realizada sobre o fato a analisar, sob uma Feita sobre perícia já realizada, fatos
ótica quantitativa e qualitativa. pretéritos sobre os quais possa existir
discordância das partes ou do julgador.

CORPO DE DELITO

O corpo de delito consiste na base residual do crime: o conjunto de todos os elementos


materiais da conduta incriminada, inclusive meios ou instrumentos de que se sirva o criminoso;
o conjunto, portanto, de todos os elementos materialmente sensíveis (perceptíveis pelos
sentidos humanos) do fato criminoso.
Não se pode confundir os conceitos de corpo de delito e cadeia de custódia!
Enquanto o corpo de delito é o conjunto de elementos materiais denunciadores do fato
delituoso, que construirão a prova; a cadeia de custódia é um conjunto de procedimentos que
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devem ser observados para garantir a idoneidade e confiabilidade da prova! E o exame de
corpo de delito é o exame técnico pericial realizado no conjunto de elementos materiais que
constituem o corpo de delito!
Não há que se confundir também o conceito de corpo de delito com as ideias de corpus
criminis e corpus instrumentorum!

CORPUS CRIMINIS CORPUS INTRUMENTORUM


Toda coisa ou pessoa sobre a qual recai a Os instrumentos, os objetos utilizados pelo
conduta criminosa. agressor para produzir o dano.

O francês Edmond Locard elaborou o “princípio da troca”, relevante na medicina


pericial, que dispõe que “todo contato deixa uma marca”. Por mais discreta que seja essa
marca, o papel do perito é encontrá-la e elucidá-la.

OS PERITOS

Peritos são os profissionais que detêm o conhecimento técnico sobre determinado


assunto especializado. São eles:

1. PERITOS OFICIAIS: servidores públicos ocupantes de cargo de provimento efetivo,


que prestaram concurso público de provas e títulos, foram nomeados e empossados
no cargo público. No âmbito das Polícias Civis, são os peritos médico legistas, os
peritos criminais e os peritos odontolegistas.
2. PERITOS NOMEADOS: são os chamados peritos “ad hoc” (“para o ato”). Em
localidades onde não há peritos oficiais, podem ser nomeados peritos ad hoc pela
autoridade judicial ou policial, para realização de perícias obrigatórias e indispensáveis
em crimes não transeuntes, que deixam vestígios. São de livre escolha da autoridade
do Direito.
3. ASSISTENTES TÉCNICOS: há divergência sobre os assistentes técnicos serem ou
não considerados peritos. O fato é que eles são profissionais indicados pelas partes
(e que, portanto, não têm sua atividade regida pelo princípio da imparcialidade,
aplicável aos demais peritos!). Mais frequentemente vistos nos processos cíveis e
trabalhistas, sua participação é também legalmente previstas no processo penal.

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Não podem ser peritos: (i) os que estiverem submetidos a interdição de direitos
(remissão ao art. 47, incisos I e II, do Código Penal, que dispõe sobre proibição do exercício
de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; e proibição do exercício
de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou
autorização do poder público), (ii) os que prestaram depoimento anterior no processo ou
emitiram opinião sobre objeto da perícia, (iii) os analfabetos e menores de 21 anos. Aplicam-
se aos peritos, ainda, as causas de suspeição dos juízes, nos termos do art. 280 do CPP.
O Código de Processo Penal (CPP), Decreto-lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941,
rege a matéria “perícias e peritos” especialmente nos Capítulos II e VI, sobretudo nos artigos
158 a 184 e artigos 275 a 281.
Ressalte-se que, nos termos do art. 6o do CPP, logo que tiver conhecimento da prática
da infração penal, a autoridade policial deve se dirigir ao local, providenciando para que não
se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; apreender
os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; bem como
determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras
perícias.

LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL EM PERÍCIAS E PERITOS

CPP, art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o


exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a
confissão do acusado.
Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo
de delito quando se tratar de crime que envolva: (Incluído pela Lei nº
13.721, de 2018)
I - violência doméstica e familiar contra mulher;
II - violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com
deficiência.

Um dos mais relevantes dispositivos do CPP para a Medicina Legal é o art. 158, que
dispõe sobre a indispensabilidade do exame de corpo de delito em crimes que deixam
vestígios, a impossibilidade de suprimento desse exame pela confissão do acusado e a
possibilidade de se construir a materialidade delitiva de duas formas: direta e indireta.

CORPO DE DELITO DIRETO CORPO DE DELITO INDIRETO

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Quando o perito examina a própria pessoa Quando, não mais existindo esses vestígios
ou coisa sobre a qual recai a conduta materiais, examina-se prova testemunhal,
delitiva, os próprios vestígios da infração. mas também prontuários médicos,
fotografias, fichas de atendimento, etc.

O próprio art. 167 do CPP dispõe que, não sendo possível o exame de corpo de delito
[direto], por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta
[trata-se, em verdade, da construção da materialidade por meio do exame de corpo de delito
indireto].
Ressalte-se que a prova testemunhal também pode suprir a eventual falta do exame
complementar realizado para fins de avaliação da lesão corporal grave por incapacidade para
as ocupações habituais por mais de 30 dias (art. 129, § 1o, I, CP). Tal exame complementar
para esse fim deve ser realizado 30 dias contados de forma corrida, desde a data do crime.

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados


por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
§ 1o. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas)
pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior
preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação
técnica relacionada com a natureza do exame.

O perito oficial, ocupante de cargo de provimento efetivo, pode realizar o exame


pericial sozinho. Contudo, em localidades onde não há perito oficial, a autoridade deverá
nomear dois peritos “ad hoc”, sendo nulo o exame de corpo de delito realizado apenas por um
perito nomeado. Nesse contexto, ressalte-se que a Súmula 361 do STF, que dispõe que, “no
processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que
tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão”, é INAPLICÁVEL aos peritos
oficiais, sendo que sua parte inicial permanece válida apenas no tocante aos peritos
nomeados, conforme afirmado pelo próprio STF no HC 115530 e no HC 95595, julgados em
2013 e 2010, respectivamente.
Deve-se atentar para a nomeação dos peritos “ad hoc”: eles devem ser portadores de
diploma de curso superior, preferencialmente (e não obrigatoriamente!) na área técnica
relacionada ao exame. Dessa forma, em localidades pequenas onde há apenas um médico,
é possível a nomeação de outro profissional da saúde para atuar juntamente ao médico em

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uma perícia médico-legal, assunto que já foi abordado em provas objetivas de concursos
policiais!

→ Algumas observações relevantes sobre os dispositivos do CPP sobre a matéria:

1. Por que o § 2o do art. 159 do CPP apenas menciona, quando à necessidade de prestação
de compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo, os peritos NÃO oficiais,
nomeados?
Porque os peritos oficiais já prestaram tal compromisso quando da assinatura de seu
termo de posse, por aprovação em concurso público de provas e títulos!

2. Quem pode formular quesitos e indicar assistente técnico?


O Ministério Público, o assistente de acusação, o ofendido, o querelante e o acusado.

3. Durante o curso do processo judicial permite-se às partes, quanto à perícia:


- Requerer oitiva dos peritos a prestarem depoimento oral ou apresentarem respostas
em laudo complementar;
- Indicar assistentes técnicos, que vão apresentar pareceres ou ser ouvidos em
audiência.

4. O que é perícia complexa?


É aquela que que abrange mais de uma área de conhecimento especializado, podendo
haver atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente
técnico. Percebe-se, assim, que mesmo os peritos oficiais podem atuar
acompanhados, sobretudo nas perícias complexas. Contudo, eles também podem
realizar tais perícias sozinhos, já que é uma faculdade a atuação conjunta e não uma
obrigatoriedade, no tocante ao perito oficial concursado.

5. Quando há atuação de mais de um perito, eles são obrigados a concordarem no laudo?


Em uma perícia na qual atuam mais de um perito, pode haver divergência entre eles;
como há autonomia no ato médico pericial, o perito não é obrigado a concordar com o
colega. Havendo divergências, serão consignadas no relatório do exame as
declarações e respostas de um e de outro perito, ou cada um redigirá separadamente
o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a
autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


Ainda, o juiz não é obrigado a ficar adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo,
no todo ou em parte, de forma motivada, já que “o juiz é o peritus peritorum” e a prova
a ele se destina.

6. Uma necropsia médico-legal apenas pode ser feita no período diurno?


Não; o art. 161 do CPP dispõe que o exame de corpo de delito poderá ser feito em
qualquer dia e a qualquer hora.

7. Há um prazo temporal mínimo após o óbito para que seja realizada uma necropsia?
Sim. O art. 162 do CPP determina que “a autópsia [ou necropsia] será feita pelo menos
seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte,
julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto”.
Trata-se do chamado “período de incerteza de Tourdes”, período que circunda a morte
e que, sobretudo sem a realização de exames complementares especializados, pode
gerar alguma dúvida acerca da realidade ou apenas aparência de morte.
A morte não é um instante; ela é um processo. As funções vitais não cessam todas ao
mesmo tempo. Assim, a norma traz um período de tempo para que haja a certeza da
morte; os sinais de certeza da morte são os fenômenos cadavéricos abióticos
mediatos ou consecutivos, como os livores hipostáticos, a rigidez cadavérica, o
resfriamento e a evaporação cadavéricos.
Contudo, se o perito constatar a evidência dos citados sinais de morte (ou também no
caso de um cadáver decapitado ou em espostejamento ferroviário, em que há certeza
da realidade da morte), ele pode realizar a necropsia antes do prazo legal.

8. É possível a realização apenas do exame externo do cadáver? Há alguma justificativa legal


para a não realização do exame interno e abertura das principais cavidades corporais?
Sim. O parágrafo único do art. 162 do CPP permite que, em casos de morte violenta,
possa ser realizado o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração
penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte
e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma
circunstância relevante.
Contudo, registre-se que as hipóteses práticas de tal aplicação são escassas e que a
doutrina médico-legal critica a aplicabilidade prática de tal norma, preconizando que
sempre seja realizado o exame necroscópico completo, para que não se perca alguma
informação relevante.

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CADEIA DE CUSTÓDIA

ATENÇÃO às modificações no CPP introduzidas pela Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de


2019, “Pacote anticrime”, especialmente aos artigos 158-A a 158-F do CPP.

Cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e


documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes,
para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte, visando
garantir a idoneidade e confiabilidade da prova.
Seu início se dá com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais
ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. Vestígio, por sua vez, é todo
objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à
infração penal.

VESTÍGIO VISÍVEL VESTÍGIO LATENTE


Objeto material ou bruto relacionado ao Objeto material ou bruto relacionado ao
delito, que é perceptível a olho nu no local delito, que demanda a necessidade de
dos fatos, sem a utilização de técnicas técnicas procedimentais para visualização
específicas. (ex: impressões digitais latentes).

A cadeia de custódia deve observar 10 etapas, descritas no art. 158-B do CPP:


1. Reconhecimento: detectar que aquele vestígio/objeto tem potencial interesse para a
prova;
2. Isolamento: preservar o ambiente, evitando que se altere o estado das coisas;
3. Fixação: descrição detalhada do vestígio, conforme se encontra no local de crime, podendo
incluir fotografias e filmagens;
4. Coleta: recolher o vestígio para análise pericial; deve ser realizada preferencialmente por
perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo
quando for necessária a realização de exames complementares.
5. Acondicionamento: embalar o vestígio de forma individualizada, com anotação da data,
hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento, para adequado controle e
rastreio;
6. Transporte: transferir o vestígio de um local para o outro (normalmente, para onde será
feito o exame pericial em si, como o laboratório, o IML, etc);
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7. Recebimento: é a transferência da posse para outro profissional participante da cadeia de
custódia e análise técnica dos vestígios;
8. Processamento: é o exame pericial em si, que vai gerar um laudo produzido pelo perito
responsável pela análise técnica;
9. Armazenamento: é a guarda do vestígio, para eventual necessidade de contraperícia,
novo transporte ou até mesmo até que ele seja descartado;
10. Descarte: liberação final do vestígio que já foi analisado (quando pertinente ao caso
concreto, pode ser necessária autorização judicial).

Ressalte-se ser proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de


quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável,
sendo tipificada como fraude processual a sua realização.
O vestígio, após fixado e descrito conforme se encontra no local dos fatos, será
embalado de forma individualizada e com as técnicas inerentes a cada espécie de objeto de
prova. Para fins de se garantir a inviolabilidade e rastreabilidade, deve ser colocado em
recipiente selado, lacrado e numerado. Quem pode abrir o lacre é apenas o perito ou pessoa
autorizada de forma motivada.
Já a Central de Custódia é um ambiente físico, criado no âmbito dos Institutos de
Criminalística, onde ocorre a guarda e o controle dos vestígios, bem como de todos os
procedimentos realizados, com protocolo, registro de ações, identificação de todos os
envolvidos e armazenamento do vestígio após a perícia.
A cadeia de custódia é tão relevante na garantia do devido processo legal e da ampla
defesa que eventual inobservância de seus procedimentos gera questionamentos sobre a
idoneidade e a confiabilidade da prova. Há posicionamentos doutrinários no sentido da
nulidade absoluta da prova (em razão do interesse público da matéria) por violação da cadeia
de custódia e outros no sentido de reflexos apenas em sua autenticidade, na desvaloração da
prova. Deve-se atentar para o fato de que o STJ, por sua Quinta Turma, já decidiu no sentido
da “imprestabilidade da prova diante da quebra da cadeia de custódia”, no RHC 77.836/PA,
publicado em 12/02/2019.
Ressalte-se também que o perito criminal não é o único profissional envolvido na
cadeia de custódia; há toda uma cadeia de profissionais envolvidos. O Delegado de Polícia,
sobretudo, tem também um papel muito relevante e até mesmo garantista na condução das
investigações e buscando garantir a preservação da cadeia de custódia e o cumprimento das
normas, diligenciando para não haver sua violação e para orientar sua equipe na observância
dos procedimentos e protocolos.

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Documentos médico-legais

Os documentos médico-legais são aqueles emitidos pelo profissional no exercício da


profissão, com potencial repercussão na esfera jurídica. Nesse sentido, praticamente todo
documento elaborado pelo médico tem o condão de gerar consequências jurídicas relevantes.
Os principais documentos médico-legais são a notificação, o atestado, o prontuário, os
relatórios, os pareceres, o depoimento oral e a declaração de óbito.

NOTIFICAÇÃO

Notificação é a comunicação obrigatória feita pelo profissional à autoridade


competente, seja sob o ponto de vista de controle sanitário (órgãos de vigilância sanitária e
de controle epidemiológico do Poder Executivo) ou até mesmo policial, sobre determinado
fato profissional.
São exemplos de fatos e/ou doenças de notificação compulsória: doenças
infectocontagiosas (como a síndrome respiratória aguda grave associada à Covid-19,
tuberculose, sarampo, varíola), doenças e acidentes do trabalho, morte encefálica (para fins
de avaliação de doação e transplantes de órgãos), dentre outras condições. Há doenças de
notificação compulsória em todo o território nacional e outras que são regionalizadas,
notificadas em áreas específicas, de acordo com suas particularidades epidemiológicas.
É digno de nota que a Lei 13.931, de 10 de dezembro de 2019, passou a determinar
a notificação compulsória de casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra
a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados, com comunicação obrigatória à
autoridade policial no prazo de 24 horas.

→ A notificação compulsória viola o dever de sigilo médico profissional?

Não! Há três situações em que o médico pode “quebrar” o sigilo sem que isso se
configure um ilícito: se houver consentimento por escrito do paciente, por justa causa (motivo
justo) e por dever legal. A notificação compulsória é uma hipótese de dever legal! Isso porque
o próprio artigo 269 do Código Penal configura como crime a omissão de notificação de
doença cuja comunicação seja compulsória. Logo, trata-se de dever imposto por lei, o que
exclui eventual ilicitude da conduta de revelação do segredo diagnóstico.

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ATESTADOS OU CERTIFICADOS MÉDICOS

O atestado ou certificado médico é um documento particular de declaração pura e


simples de um fato médico verídico e suas possíveis consequências, normalmente feito a
pedido do paciente ou responsáveis. Pode ser emitido por qualquer médico! Não é, portanto,
documento de atribuição exclusiva de determinadas funções.
Qualquer médico que se sinta capaz de atestar determinado fato pode fazê-lo, não
sendo necessário nenhuma especialidade médica para tal. A título de exemplo: qualquer
médico pode emitir atestado de sanidade mental desde que se sinta capaz para tal, não é
necessário ser médico psiquiatra.
Os atestados podem ser classificados quanto à finalidade em administrativos,
judiciários ou oficiosos. Já quanto ao conteúdo, dividem-se em idôneos, graciosos,
imprudentes e falsos.

ADMINISTRATIVOS JUDICIÁRIOS OFICIOSOS


Quando serve ao Quando emitido por Emitido no interesse particular, de
interesse do serviço ou do solicitação judicial, da pessoas físicas ou jurídicas de direito
servidor público. administração da privado, para situações mais simples
Ex: para uma licença justiça. (ex: dispensa do aluno da educação
médica do servidor. física).

IDÔNEO COMPLACENTE IMPRUDENTE FALSO


É o atestado probo, Gracioso ou “de Emitido de forma Sabe-se de seu uso
honesto, ético e favor”, emitido para descuidada e anti- criminoso indevido.
verídico. agradar o cliente. ética, intempestiva, Consiste em crime
É o que deve ser Viola as normas sem fazer por doloso contra a fé
emitido na prática éticas que regem a exemplo um exame pública; falsidade de
profissional. profissão. físico completo que cunho ideológico.
subsidie o que se
está afirmado.

O atestado médico deve guardar o sigilo diagnóstico da doença do paciente. A


revelação do diagnóstico só pode constar no atestado, de forma expressa ou codificada,
quando por autorização por escrito do paciente.
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PRONTUÁRIO MÉDICO

O prontuário médico consiste no conjunto de documentos padronizados e ordenados,


onde são registrados todos os cuidados profissionais prestados ao paciente em instituições
de saúde ou consultórios. É onde consta toda a história médica do paciente.
Trata-se de documento protegido pelo sigilo profissional e que pertence ao paciente,
que tem direito de ter acesso às suas informações e a cópias do prontuário, se assim desejar.
A instituição de saúde tem apenas o dever de guarda do documento. Apenas pessoas que
guardam obrigação legal de sigilo profissional podem manusear os dados contidos no
prontuário.
O Código de Ética Médica – CEM (Resolução CFM n. 2217/2018) dispõe sobre
hipóteses em pode haver a liberação de cópias do prontuário médico, sem que o ato configure
violação ao dever de sigilo profissional: quando para atender ordem judicial, para a própria
defesa do médico, com autorização por escrito do paciente (todos no art. 89 do CEM) ou
quando de sua requisição pelos Conselhos de Medicina (art. 90 do CEM).
Quando for requisitado judicialmente, o prontuário será disponibilizado ao juízo
requisitante, nos termos do § 1o do art. 89 do CEM, cuja redação anterior, já revogada, dizia
que seria entregue ao perito médico do juiz!
Há celeuma doutrinária acerca da compatibilidade da citada norma ética-profissional
com a Lei Federal 12.830 de 2013, cujo art. 2o dispõe sobre a prerrogativa dos delegados de
Polícia de requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à
apuração dos fatos. O Conselho Federal de Medicina entende que, mesmo sendo CEM uma
resolução e, portanto, ato normativo infralegal, está amparado na proteção constitucional do
sigilo profissional. Há, assim, debates sobre se o prontuário médico está ou não sob reserva
absoluta de jurisdição, sendo que o STF ainda não se manifestou de forma específica sobre
a matéria, havendo decisões judiciais de primeira instância em ambos os sentidos. Nesse
contexto, deve-se atentar para o que dispôs o Enunciado 13 do II Encontro Nacional de
Delegados de Polícia sobre Aperfeiçoamento da Democracia e Direitos Humanos:
"O poder requisitório do delegado de polícia abarca o prontuário médico que interesse
à investigação policial, não estando albergado por cláusula de reserva de jurisdição,
sendo dever do médico ou gestor de saúde atender à ordem no prazo fixado, sob pena
de responsabilização criminal”.

RELATÓRIO MÉDICO-LEGAL

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É o documento médico-legal por excelência, por conter a descrição minuciosa de uma
perícia, a fim de responder a autoridade policial ou judiciária.
Relatório é gênero do qual há duas espécies: o laudo e o auto.

LAUDO AUTO
Quando o documento é redigido pelo próprio Quando os achados são ditados a um
perito depois de terminada a perícia. escrivão de Polícia durante o exame,
geralmente na presença de testemunhas.

Todo relatório dispõe de sete componentes, especialmente relevantes nos laudos:

1. Preâmbulo: parte introdutória onde constam a qualificação do examinado e de quem


solicitou o exame, data e hora.
2. Quesitos: perguntas objetivas que buscam orientar a direção da perícia e obter os dados
mais relevantes descritos na lei penal. Podem ser obrigatórios (os quesitos oficiais, já
predeterminados normalmente por decreto estadual, em cada ação penal, não existindo
quesitos oficiais no foro cível) e suplementares, formulados pelas autoridades policial e
judiciária ou pelas partes.
3. Histórico ou comemorativo: é a anamnese, a entrevista médico-legal. Por corresponder
às informações prestadas pelo periciando ou familiares, não enseja responsabilidade do perito
por sua veracidade.
4. Descrição: é o componente mais importante do relatório! É o momento em que o perito
exerce o visum et repertum, o ver e reportar, descrevendo de forma minuciosa, mas objetiva,
todos os elementos, achados e lesões observados no exame pericial.
5. Discussão: algum debate, alguma informação adicional, discussão de hipóteses e
controvérsias existentes na doutrina são elaborados nesse componente.
6. Conclusão: síntese diagnóstica, precisa e clara, dos elementos observados.
7. Resposta aos quesitos: deve ser objetiva; pode-se responder “sim”, “não”, “sem
elementos de convicção” (não há nenhum demérito em responder assim).

O CPP dispõe que “os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão
minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados”, no art. 160. O
prazo para elaboração do laudo pericial é de 10 dias, podendo este prazo ser prorrogado, em

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


casos excepcionais, a requerimento dos peritos. A legislação processual penal não dispõe
sobre o prazo dessa prorrogação.

PARECER MÉDICO-LEGAL

Documento elaborado com a principal finalidade de esclarecer divergências e dúvidas


havidas quando da realização de uma perícia anterior. A autoridade policial ou judiciária pode
formular uma consulta médico-legal e, em resposta, o perito elaborará seu parecer.
Normalmente, elaborado por professores ou peritos de competência inquestionável e
autoridade reconhecida por seus pares. Percebe-se que o perito parecerista não está diante
dos elementos diretos do corpo de delito, dos próprios vestígios, já que esses já foram
examinados em perícia anterior – que gerou dúvidas e divergências – e o perito parecerista
atua em um momento posterior. Dessa forma, ele não realiza visum et repertum. É por tal
razão que o parecer não tem o componente “descrição”.

→ Atenção! A descrição é o componente mais importante do relatório! Por outro lado, está
ausente no parecer! O componente mais importante do parecer é a discussão e,
secundariamente, a conclusão. É na discussão que o perito parecerista poderá debater e
dirimir as dúvidas e divergências havidas.

→ Obs.: parecer é também o termo atribuído pelo CPP ao documento elaborado pelo
assistente técnico das partes.

DEPOIMENTO ORAL

É a declaração, tomada ou não a termo, em audiências de instrução e julgamento


sobre fatos obscuros ou conflitantes descritos no relatório da perícia.
Os peritos podem ser ouvidos durante a instrução processual, para fins de
esclarecimento. O CPP dispõe de previsão legal no sentido de que os peritos podem ser
intimados para, em audiência, esclarecerem algum ponto obscuro do seu laudo ou
complementarem alguma omissão. Eles o farão por meio do depoimento oral, que pode ser
reduzido a termo. No depoimento oral, os peritos podem responder, inclusive, quesitos
suplementares. Há o prazo legal de 10 dias para intimar o perito e apresentar os quesitos
suplementares que ele irá responder (art. 159, § 5o, inciso I, CPP).

16
DECLARAÇÃO DE ÓBITO

É o documento base do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da


Saúde (SIM/MS).
Tem como finalidades: confirmar a morte; determinar a causa médico-biológica da
morte; fornecer elementos e contribuir para a determinação judicial da causa jurídica da morte
(se homicídio/crime, suicídio ou acidente); e satisfazer interesses de ordem civil, estatística,
demográfica e político-sanitária.
A norma que rege o preenchimento e fluxo de emissão da declaração de óbito é a
Resolução CFM 1.779/2005. O médico emissor do documento é aquele responsável por
atestar o óbito e o fluxo varia na dependência do tipo de morte.
Tratando-se de morte natural (por antecedentes patológicos) com assistência médica,
é o médico assistente o responsável por atestar o óbito, tanto em caso de paciente em
internação hospitalar como em tratamento ambulatorial. Morte natural de paciente em
tratamento domiciliar cadastrado no âmbito do Programa de Saúde da Família é de
responsabilidade do médico da equipe do PSF. Em todos os casos de morte natural com
assistência médica, havendo alguma dificuldade do médico assistente de correlacionar o óbito
com o quadro clínico por ele conhecido do paciente, há a faculdade de encaminhamento ao
Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), caso haja na localidade.
Se a morte for natural sem assistência médica, deve o corpo ser encaminhado ao
Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), instituição criada exatamente para tal finalidade. Não
havendo SVO na localidade, atestar o óbito será responsabilidade do médico do serviço
público de saúde mais próximo do local do evento; na sua ausência, por qualquer médico da
localidade. Deverá constar que a morte ocorreu sem assistência médica.
Tratando-se de morte violenta (por causas externas) ou suspeita, o corpo deve ser
obrigatoriamente encaminhado aos serviços médico-legais, sendo obrigatória a necropsia
forense nesses casos.
Também devem ser encaminhados ao IML corpos de pessoas não identificadas (para
fins de identificação, também junto aos Institutos de Identificação, que mantêm próximas
relações institucionais com os institutos médico-legais) e cadáveres em estado avançado de
decomposição.
Em caso de morte fetal, os médicos que prestaram assistência à mãe ficam obrigados
a fornecer a Declaração de Óbito quando a gestação tiver duração igual ou superior a 20
semanas ou o feto tiver peso corporal igual ou superior a 500 (quinhentos) gramas e/ou
estatura igual ou superior a 25 cm.

17
Nas localidades onde existir apenas 1 (um) médico, este é o responsável pelo
fornecimento da Declaração de Óbito.

RESUMO DE FLUXO PARA MEMORIZAÇÃO

A Declaração de Óbito é preenchida com diagnósticos médicos em uma sequência


causal, desde a causa básica (que desencadeou a sequência que levou à morte) até a causa
terminal, fenômeno biológico final que diretamente gerou o óbito.
Quanto à causa jurídica da morte, se homicídio, suicídio ou acidente, não cabe ao
médico sua definição, pois a avaliação de eventual responsabilidade por uma morte é critério
de julgamento, a ser definido pela autoridade judicial.

CAPÍTULO 2

TANATOLOGIA FORENSE
Parte geral, tipos de morte e de necropsia
Tópicos em Tanatologia Forense
Cronotanatognose e fenômenos cadavéricos

18
A Tanatologia Forense é o estudo da morte, do cadáver e de suas repercussões nas
esferas jurídica e social. Estuda os tipos de morte, suas causas e seu diagnóstico, tipos de
necropsia e fenômenos cadavéricos.

NECROPSIA

Necropsia ou autópsia é o exame externo e interno de um cadáver, feito por médicos.


Já a perinecroscopia é o exame do local da morte, realizado por peritos criminais do Instituto
de Criminalística, no âmbito da perícia de local de crime.
Há dois tipos de necropsias: a clínica e a forense ou médico-legal, feitas com
propósitos e em circunstâncias distintas.

NECROPSIA CLÍNICA NECROPSIA FORENSE


Feita em casos de morte natural, por Feita em casos de morte violenta (por causa
antecedentes patológicos. externa) e morte suspeita.
Feita por médicos patologistas. Feita por médicos legistas, nos serviços
médico-legais.
É facultativa e depende de autorização dos É obrigatória e não depende da vontade dos
familiares do morte por termo de familiares do morto.
consentimento livre e esclarecido.

Necropsia branca é o termo utilizado quando, mesmo após todos os exames


pertinentes, o caso permanece sem conclusão quanto à causa médica da morte e é tido como
“causa mortis indeterminada”. A doutrina admite 1 necropsia branca a cada 200 casos de
exame completo.
Necropsia virtual ou virtopsia é quando o exame é feito por técnicas avançadas de
imagem (como tomografia computadorizada e ressonância magnética); sem a abertura das
cavidades do cadáver. É técnica de elevado custo e, por tal razão, não totalmente
disseminada, embora tenha sido progressivamente mais usada durante a pandemia da
COVID-19, pelo alto risco de contaminação da equipe durante o exame necroscópico
convencional.

Quanto à causa da morte, divide-se em duas:

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Causa médica da morte → mecanismo biológico que originou o óbito. Ex: choque
hipovolêmico (por hemorragia grave), sepse (infecção generalizada), etc.
Causa jurídica da morte → quando se trata de morte por causa externa, deve-se avaliar a
existência de eventual responsável por ela, por isso a obrigatoriedade da realização de
necropsia forense. A causa jurídica constitui a avaliação da existência de homicídio/crime,
suicídio ou acidente.

Atenção! Não cabe ao médico determinar a causa jurídica da morte, se homicídio,


suicídio ou acidente, por se tratar de critério de julgamento!

Os principais propósitos de uma necropsia forense são: determinar a causa mortis,


determinar o tempo decorrido da morte, distinguir lesões intra vitam e post mortem, identificar
o corpo, fornecer elementos para a determinação judicial da causa jurídica da morte (se
suicídio, homicídio ou acidente), auxiliar a materializar um ou mais delitos.

Quando é necessária/obrigatória uma necropsia médico-legal (forense)?

Há duas indicações básicas:

✓ Morte por causas externas ou morte violenta → quando há transferência de


energia do meio para o corpo, desencadeando a sequência causal da morte.
✓ Morte suspeita → quando há possibilidade de não ter sido natural a sua causa.
Estudos mostram que até 20% das mortes suspeitas acabam por se mostrarem
violentas, após a realização do exame necroscópico.

MORTE SUSPEITA

A morte suspeita é de atribuição do perito médico legista, em uma necropsia forense.


São exemplos de morte suspeita:
1. Morte súbita → é a que ocorre em curto período de tempo, de forma brusca e efeitos
imediatos instantâneos, sendo considerada suspeita quando ocorre sem uma causa que a
explique, em indivíduos jovens e aparentemente saudáveis. Nessas circunstâncias, deve ser
considerada suspeita, até que se prove o contrário.
2. Morte sob custódia → morte de indivíduo sob custódia da administração judiciária: em
penitenciárias, delegacias, viaturas policiais, transferências para instituições prisionais,

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estabelecimentos de recuperação de menores, internação psiquiátrica involuntária, hospitais
judiciários. Deve-se avaliar se há responsabilidade pela ocorrência da morte, já que é
atribuição do Estado proteger a integridade do preso.
3. Morte por violência oculta → não há lesões externas e podem estar ocultos
envenenamento e traumatismos internos. Também corpos em estado avançado de
decomposição são assim considerados, por não se poder afirmar a existência ou ausência de
sinais externos de violência.
4. Morte por violência indefinida → há indícios externos de violência, não se podendo
precisar sua causa.
5. Morte por infortúnio do trabalho → doença ou acidente do trabalho, sendo necessário se
avaliar se há eventual responsabilidade do empregador pela ocorrência.
6. Morte em cirurgias eletivas → é a hipótese de uma morte ocorrida em uma cirurgia eletiva
de paciente sem circunstâncias mórbidas que a justifiquem, como cirurgias plásticas
exclusivamente estéticas em pacientes saudáveis. Deve-se avaliar se há eventual má prática
médica ou ato negligente, apto a gerar responsabilização médica.

EXUMAÇÃO

Exumar é o ato de retirar os restos mortais de onde o corpo foi sepultado, desenterrar.
Pode ser feita com diferentes finalidades, o que a subdivide em suas espécies:
1. Exumação administrativa → feita para remoção e troca de urna e local de sepultura, para
retirada de restos mortais para cremação, remoção do esqueleto para ossuário, dentre outras
possibilidades.
2. Exumação judiciária → finalidade médico-legal e feita por determinação de autoridade
judiciária e/ou policial, em casos de dúvidas quanto à real causa da morte, inumação em morte
violenta ou suspeita sem necropsia prévia, dúvidas quanto à identidade do morto, etc.

Os artigos 163 a 166 são relevantes para o estudo da exumação.


Os principais procedimentos a serem realizados incluem: cientificar a administração
do cemitério quanto a hora e data, pois a exumação deve ser feita com hora e data
previamente agendados; fazer convidar autoridade policial, familiares do morto e testemunhas
presentes no sepultamento para identificação da cova, não sendo obrigatória sua presença,
mas apenas a comunicação; abertura da urna; documentação fotográfica; exame cadavérico
completo com descrição minuciosa que inclui a fase de putrefação; coleta de terra e
fragmentos de tecidos, para realização posterior de exames toxicológico e histológico.

21
O principal documento produzido será o auto de exumação e identificação cadavérica.

DIAGNÓSTICO DA REALIDADE DA MORTE

A morte real, nos dias atuais e para fins médicos e jurídicos, é a morte encefálica,
que consiste na condição final, irreversível e definitiva de cessação das atividades do tronco
encefálico. O tronco encefálico é constituído de mesencéfalo, ponte e bulbo, sendo
localizados no bulbo importantes centros neurológicos de controle das funções vitais
cardiovasculares e respiratórias.
Deve-se diferenciar a morte real da morte aparente, estado de profundo embotamento
das funções vitais, em que há aparência mas não realidade da morte. Na morte aparente,
estado transitório em que as funções vitais estão aparentemente abolidas, observa-se a tríade
de Thoinot, que consiste na imobilidade, ausência aparente de respiração e de circulação.
Contudo, havendo alguma função encefálica ativa, o indivíduo não está realmente morto.

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS POST MORTEM

Os aspectos médico-legais do diagnóstico da morte encefálica são tratados pela


Resolução CFM 2.173 de 2017. O diagnóstico da condição, para fins de doação de órgãos,
inclui a realização de exame clínico completo (por duas vezes, por dois médicos diferentes
em um intervalo de tempo variável de acordo com a idade do paciente doador em morte
encefálica), teste de apneia e um exame complementar para confirmação diagnóstica.
Os dois exames clínicos devem ser feitos por dois médicos diferentes, especialmente
capacitados e não integrantes da equipe de remoção e transplante. Antes das alterações
normativas ocorridas no fim de 2017, pelo menos um dos dois médicos deveria ser
neurologista, requisito que foi dispensado pelo Decreto n. 9.175/2017.
Os períodos de intervalo entre os dois exames clínicos dependem da idade do doador
e são os seguintes:

IDADE DO DOADOR INTERVALO (EM HORAS)


7 DIAS A 2 MESES 24
2 MESES A 2 ANOS 12
MAIOR DE 2 ANOS 1

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


Atenção às mudanças: até 2017, era necessário aguardar o intervalo de 6 horas para os dois
exames clínicos e complementares, em todos os pacientes acima de 2 anos de idade,
inclusive adultos! A Resolução CFM 2.173 de 2017 alterou os períodos de tempo, encurtando-
os!

O consentimento para a doação post mortem está descrito no art. 4o da Lei 9.434/1997
e “depende da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha
sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito
por duas testemunhas presentes à verificação da morte”.
Sendo o doador juridicamente incapaz, o consentimento deve ser dado por ambos os
pais, se vivos, ou pelos responsáveis legais.
Pessoas não identificadas não podem ser doadoras de órgãos post mortem!

DOAÇÃO EM VIDA

Pessoa juridicamente capaz pode dispor gratuitamente de tecidos e órgãos para fins
terapêuticos para doar para: (i) cônjuges ou parentes consanguíneos até o 4º grau, inclusive,
ou (ii) para qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial (exceto para medula óssea,
que segue regulamentação distinta).
Incapazes não podem, em regra, doar órgãos em vida! A exceção é para
medula óssea, desde haja consentimento dos responsáveis legais e autorização judicial.
O doador vivo, mesmo tendo emitido seu consentimento, tem direito à expressão de
sua autonomia para desistir da doação, até que se inicie o procedimento.

CRONOTANATOGNOSE E FENÔMENOS CADAVÉRICOS

A cronotanatognose, como se depreende pela decomposição da palavra, é o


diagnóstico do tempo de morte. Trata-se de estimar o tempo de morte por meio do
aparecimento progressivo e variável dos fenômenos cadavéricos. Há grande variabilidade
inter e intrasubjetiva em tal diagnóstico, em razão sobretudo da variabilidade individual das
condições que circundam a morte, das condições ambientais e do fato de que a morte não é
um instante ou um momento, mas sim uma sucessão de acontecimentos, sendo que a
cessação das funções vitais não ocorre de forma única e imediata.

1. Classificação de Borri dos fenômenos cadavéricos:

23
✓ Abióticos, avitais ou vitais negativos:
- Imediatos
- Consecutivos ou mediatos

✓ Transformativos:
- Destrutivos
- Conservadores

2. Classificação de Hygino de Carvalho Hércules dos fenômenos cadavéricos (pela natureza


dos fenômenos):

✓ Fenômenos de ordem física:


- Desidratação
- Resfriamento ou algidez
- Livores hipostáticos

✓ Ordem química:
- Autólise
- Rigidez
- Fenômenos transformativos

FENÔMENOS ABIÓTICOS IMEDIATOS

Decorrem da cessação das funções vitais e constituem apenas sinais de


probabilidade (e não de certeza!) de morte. Estão relacionados ao período de incerteza de
Tourdes, período de tempo que antecede e sucede a morte de forma imediata, quando não
há certeza da morte e em razão do qual o art. 162 do CPP dispõe que se deve aguardar o
prazo de 6 horas após o óbito para que se possa realizar a necropsia, salvo se houver
evidência dos sinais de morte.
São os seguintes sinais:
- Perda da consciência
- Perda da sensibilidade
- Abolição da motilidade e do tônus muscular
- Parada cardiorrespiratória

24
- Ausência de atividade cerebral

FENÔMENOS ABIÓTICOS MEDIATOS OU CONSECUTIVOS

Decorrem da instalação progressiva dos fenômenos cadavéricos. São eles:


- Evaporação cadavérica
- Esfriamento cadavérico (algidez ou algor mortis)
- Manchas de hipóstase (livor mortis)
- Rigidez cadavérica (rigor mortis)

1) EVAPORAÇÃO CADAVÉRICA

A evaporação ou desidratação cadavérica consiste na progressiva perda de água do


cadáver para o meio externo, acarretando perda de peso, pergaminhamento da pele (pele
ressecada, endurecida e enrugada), dessecamento das mucosas e modificações nos bulbos
oculares, estas últimas muito relevantes para a precoce detecção do fenômeno.
São sinais macroscopicamente visíveis nos olhos: tela viscosa, com opacificação da
córnea e dessecamento das mucosas e da conjuntiva.
Sinal de Ripault → depressibilidade do globo ocular à compressão digital, perceptível com 6-
8 horas de morte.
Sinal de Sommer e Larcher ou mancha negra escleral → dessecamento da esclera ou
esclerótica, com o pigmento da coroide visto por transparência. Mais visível quando há
evaporação diferencial do globo ocular, por permanência do cadáver com as pálpebras semi-
abertas, pois a área exposta ao ar ressecará mais rápido, ficando com a coloração escura
visível macroscopicamente. Tempo de visualização: média de 6 a 8 horas de morte.

2) RESFRIAMENTO CADAVÉRICO

A perda de temperatura ou algidez cadavérica varia especialmente na dependência de


condições ambientais. O fato é que ela não é homogênea, ocorre progressivamente até que
a temperatura corporal se iguale com a do meio ambiente. A depender do panículo adiposo
do cadáver (pessoas obesas demoram mais a sofrer resfriamento), da temperatura externa,
da idade e da presença de fatores como infecções, febre alta nos períodos que antecedem a
morte e uso de vestes, tal perda pode sofrer intensas variações.

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Nas primeiras três horas, há uma perda média de 0,5oC por hora, que se acentua nas
próximas 12 a 15 horas para uma perda média de 1,5oC por hora, iniciando pelas
extremidades do corpo. Os órgãos internos ainda podem permanecer aquecidos por até cerca
de 24 horas.

3) HIPÓSTASES / LIVORES CADAVÉRICOS

Quando são interrompidos os batimentos cardíacos e, em consequência, a circulação


sanguínea após a morte, o sangue vai se acumulando progressivamente nas áreas de declive
do corpo, pela ação da gravidade. Trata-se das manchas de hipóstase, manchas de posição
ou livores cadavéricos (de certa forma, tecnicamente o termo “livor” se aplica às áreas claras
do corpo, ou por estarem em contato com superfícies ou em regiões opostas às das
hipóstases).
A cronologia média é de aparecimento com 2-3 horas após a morte, generalização
com cerca de 6 horas e fixação nos tecidos com 12 horas (elas podem mudar de posição nas
primeiras 12 horas e depois não mais se alteram). Permanecem até a putrefação, quando dão
lugar à coloração esverdeada do cadáver.
São sinais de certeza de morte, importantes para a cronologia, fornecem indícios da
causa da morte por sua tonalidade (ex: cor carmim nas asfixias por monóxido de carbono) e
da eventual movimentação do cadáver por terceiros, após o período de fixação.
Em pessoas negras, pode-se identificar as hipóstases por um aparelho denominado
colorímetro de Nutting.

4) RIGIDEZ CADAVÉRICA

O rigor mortis é fenômeno multifatorial, havendo diversos mecanismos biomoleculares


que o favorecem. Contudo, o principal mecanismo diz respeito à redução do ATP (adenosina
trifosfato), importante molécula relacionada ao fornecimento de energia às células. De forma
simplificada, o ATP participa no processo de relaxamento/desligamento do complexo actina-
miosina no interior das fibras musculares, complexo responsável pela contração muscular.
Quando há redução ou ausência do ATP, o processo de desligamento do complexo não ocorre
e as miofibrilas permanecem em estado de contração, entendido como rigidez muscular
quando após a morte. Dessa forma, condições que cursam com redução do ATP favorecem
uma mais precoce e mais intensa rigidez cadavérica. O oxigênio também tem participação
nesse processo.

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A rigidez muscular post mortem segue uma ordem de aparecimento: de acordo com a
Lei de Nysten, a rigidez tem progressão crânio-caudal. Ainda, a visualização da rigidez ocorre
dos menores para os maiores grupos musculares.
Os primeiros músculos a ficarem rígidos são os pequenos músculos da face e da nuca,
com cerca de 1-2 horas após a morte. O primeiro é o masseter. Na sequência, observa-se a
rigidez nos músculos dos membros superiores, com cerca de 2-4 horas de morte. Após 4 a 6
horas de morte, é visualizada nos músculos do tórax e abdome. Com 6 a 8 horas de morte,
atinge os músculos dos membros inferiores, de forma que a rigidez generalizada é percebida
com cerca de 8 horas de morte.
A rigidez inicia seu desaparecimento com a putrefação cadavérica, dando lugar à
flacidez, que ocorre na mesma progressão crânio-caudal.
O espasmo cadavérico é uma rigidez intensa, abrupta precoce e que ocorre quase em
todos os grupos musculares ao mesmo tempo. Recebe o nome de sinal de Kossu e é
fenômeno controverso e pouco explicado, relacionado por alguns a lesão do diencéfalo.

FENÔMENOS CADAVÉRICOS TRANSFORMATIVOS

Os fenômenos transformativos transformam a matéria orgânica cadavérica, de forma


destrutiva ou conservadora. Dentre os primeiros, tem-se a autólise, putrefação e maceração.
Os fenômenos conservadores são a mumificação, a saponificação ou adipocera, a corificação,
a calcificação, a congelação e a fossilização.

FENÔMENOS CADAVÉRICOS TRANSFORMATIVOS DESTRUTIVOS

1) AUTÓLISE

A autólise é fenômeno microscópico intracelular, que ocorre muito precocemente após


a morte. Trata-se de fenômeno enzimático de destruição intracelular mediada por enzimas da
própria célula, sem interferência bacteriana; é processo asséptico, ao contrário da putrefação.
Começa no citoplasma das células e depois atinge o núcleo.
A fermentação celular enzimática gera a ocorrência de acidez, que torna a vida celular
impossível, uma vez que o meio intracelular é neutro. Tal acidez pode ser percebida pelo sinal
ou prova de Icard: pinça-se a pele até drenar uma serosidade, utilizando-se o papel azul de
tornassol para testar a acidez.

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A córnea é um dos tecidos onde a autólise e consequente acidez é mais tardia, em
razão da escassez de vasos sanguíneos; por tal razão, é possível a retirada da córnea para
transplante por um período significativamente maior após a morte, em relação aos demais
órgãos transplantáveis.

2) PUTREFAÇÃO

A putrefação é um processo de decomposição fermentativa da matéria orgânica por


germes. Ocorre em quatro fases que se sucedem no tempo, embora não sejam absolutamente
demarcadas e uma possa se sobrepor parcialmente à outra. De qualquer forma, são as fases
sequenciais: fase de coloração ou cromática, fase gasosa ou enfisematosa (“enfisema
putrefativo”), fase liquefativa ou coliquativa e fase de esqueletização.
A putrefação é mais rápida em crianças, recém-nascidos, obesos, vítimas de graves
infecções e grandes mutilações.

FASE CROMÁTICA OU DE COLORAÇÃO

O primeiro sinal macroscopicamente evidente da putrefação é a mancha verde


abdominal, que se localiza, na maior parte dos casos, na fossa ilíaca direita. Surge em torno
de 20 a 24 horas de morte, podendo ser visualizada antes desse período em casos, por
exemplo, de locais com climas muito quentes. A mancha verde estende-se a todo o corpo
com cerca de 3 a 5 dias depois da morte.
A coloração esverdeada ocorre pela produção de enxofre pelo metabolismo
bacteriano; o enxofre ligado à hemoglobina produz a sulfometemoglobina, composto
responsável por tal coloração.
A localização habitual da mancha verde abdominal na fossa ilíaca direita é explicada
pela presença do ceco à direita, parte do intestino grosso que é mais calibrosa, tem maior
conteúdo fecal (maior proliferação bacteriana) e é mais superficial no abdome, mais próxima
à parede abdominal do que o cólon sigmoide, parte do intestino situada à esquerda.
Nos afogados, a mancha verde localiza-se mais frequentemente no pescoço e no
tórax, em razão da maior proliferação bacteriana e de germes nesses locais, pela água
contaminada aspirada por ocasião do afogamento.
Nos recém-nascidos, a mancha verde também se localiza no mesmo local, pescoço e
tórax. Isso porque o primeiro contato do recém-nascido com bactérias é pelo ar aspirado;

28
enquanto ele não tiver sido alimentado, seu conteúdo intestinal será livre de proliferação
bacteriana.

FASE GASOSA OU ENFISEMATOSA

A fase gasosa da putrefação ocorre pela produção de gases pela fermentação


bacteriana. Logo no primeiro dia de morte, já ocorre tal produção de gases; contudo, alguns
dias são necessários para que tal produção de torne macroscopicamente visível.
A fase gasosa máxima ocorre em torno de 5 a 7 dias após a morte, quando o cadáver
adquire aspecto gigantesco, com bolhas contendo gases e líquido hemoglobínico na pele,
“posição do lutador”, projeção dos olhos e da língua, distensão de alças intestinais e
circulação póstuma de Brouardel. Esta consiste na visualização, na superfície da pele, da
rede vascular sanguínea subcutânea. Os vasos ficam muito dilatados e visíveis
macroscopicamente, em razão da produção de gases em seu interior (sangue é meio de
cultura para bactéria; logo, a proliferação bacteriana no interior dos vasos sanguíneos é
significativa, assim como a produção dos gases).
No primeiro dia, são produzidos gases não inflamáveis, pois as bactérias produzem
CO2.. Do segundo ao quarto dia após a morte, são produzidos gases inflamáveis, como
hidrogênio e hidrocarbonetos. Do 5º dia em diante, são novamente produzidos gases não
inflamáveis, como azoto, nitrogênio e amônias. A fase gasosa da putrefação dura em média
duas semanas.

FASE LIQUEFATIVA OU COLIQUATIVA

Na fase de liquefação, as bolhas gasosas na pele se rompem e os tecidos moles vão


sendo progressivamente dissolvidos, pela decomposição de insetos e outros germes que
compõem a fauna cadavérica, estudados no âmbito da Entomologia Forense.
Há 8 legiões de insetos/artrópodes, que se sucedem na decomposição da matéria
orgânica humana, sendo que a 1ª legião é composta por dípteros (que compreendem a mosca
doméstica) e a 4ª legião corresponde aos coleópteros. Cada legião aparece em sequência,
pois cada grupo de espécies metaboliza determinado componente do corpo humano e
transforma em um substrato, sendo que a legião subsequente se alimenta desse substrato.
Então, cada grupo se alimenta do que o outro produziu. São encontradas larvas e pupas de
insetos inicialmente nos orifícios corporais; na sequência, a massa de putrilagem toma todo o
cadáver.

29

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


Classicamente, afirma-se que a fase de coliquação se inicia com 2 a 3 semanas após
a morte; mas, em verdade, frequentemente é vista em períodos muito anteriores ao citado
nas clássicas obras de Medicina Legal.

FASE DE ESQUELETIZAÇÃO

Por fim, após a completa dissolução das partes moles do cadáver, resta apenas o
esqueleto, sendo muito variável o período de tempo para que ocorra a esqueletização
completa. Fala-se em períodos de 1 a 3 anos, mas as condições ambientais interferem
sobremaneira nessa evolução. Os dentes são os últimos componentes a sofrerem
decomposição.

Obs.: CALENDÁRIO DA MORTE:

Fonte: FRANÇA, G.V. Medicina Legal. 11a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.,
p. 487

• Corpo flácido, quente e sem livores: menos de 2 horas


• Rigidez da nuca e mandíbula, esboço de livores e esvaziamento das papilas oculares
no fundo de olho: de 2 a 4 horas
• Rigidez dos membros superiores, da nuca e da mandíbula, livores relativamente
acentuados e anel isquêmico de metade do diâmetro papilar no fundo de olho: de 4 a
6 horas
• Rigidez generalizada, manchas de hipóstase, não surgimento da mancha verde
abdominal e desaparecimento das artérias do fundo de olho: mais de 8 e menos de 16
horas
• Rigidez generalizada, esboço de mancha verde abdominal e reforço da fragmentação
venosa e desaparecimento das artérias do fundo de olho: mais de 16 e menos de 24
horas
• Presença de mancha verde abdominal, início de flacidez e papilas e máculas não
localizáveis no fundo de olho: de 24 a 48 horas
• Extensão da mancha verde abdominal e fundo de olho reconhecível só na periferia:
de 48 a 72 horas
• Fundo de olho irreconhecível: de 72 a 96 horas
• Esqueletização completa: mais de 3 anos
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3) MACERAÇÃO

A maceração consiste na transformação cadavérica destrutiva em meio líquido. Há


dois tipos: a maceração séptica, encontrada, por exemplo, nos afogados; e a maceração
asséptica do feto morto retido no útero materno, que contém líquido amniótico.
O principal achado macroscópico da maceração é o deslocamento da epiderme em
grandes retalhos.
A maceração fetal ocorre com a morte fetal e retenção uterina entre o 6º a 9º mês de
gestação. Um importante sinal visualizado no feto macerado é o sinal de Spalding, a
deformação craniana com o cavalgamento dos ossos do crânio, associado à autólise do tecido
nervoso encefálico.

FENÔMENOS CADAVÉRICOS TRANSFORMATIVOS CONSERVADORES

1) MUMIFICAÇÃO

Os fenômenos conservadores, de forma geral, estão intimamente relacionados a


condições ambientais particulares, que favorecem alguma espécie de conservação da matéria
orgânica.
A mumificação pode ser um fenômeno natural (relacionado a tais condições
ambientais específicas), artificial ou misto. A mumificação natural requer um ambiente que
favoreça a rápida desidratação dos tecidos, formando uma espécie de “capa protetora”
cutânea endurecida que impede a ação microbiana responsável pela putrefação. É, assim,
um processo inicial, mais observado em ambientes de clima muito quente e muito seco, com
escassa umidade e alta exposição ao ar (vetos intensos), como um clima desértico. O cadáver
perderá muito líquido, de forma rápida.
A mumificação é mais comum no sexo feminino e em recém-nascidos. Sua importância
reside em favorecer o processo de identificação cadavérica (pela conservação de tecidos) e
até mesmo de diagnóstico da causa da morte. Prejudica, contudo, a estimativa do tempo de
morte, já que para tal, os principais fenômenos que auxiliam são os destrutivos.
O cadáver terá os tecidos ressecados e enegrecidos, de consistência firme e aspecto
de pergaminho.

2) SAPONIFICAÇÃO OU ADIPOCERA

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Trata-se de fenômeno conservador, normalmente assimétrico e mais comum em áreas
do corpo com maior quantidade de gordura, traduzido pela transformação de partes do
cadáver em substância de consistência untuosa, mole e quebradiça, amarelo-escura, com
aspecto de cera, sabão ou parafina de vela.
Ao contrário da mumificação, é processo tardio: requer a ocorrência da putrefação e
surge após ela ter se iniciado, quando enzimas bacterianas hidrolisam gorduras e originam
ácidos graxos que reagem com elementos minerais da argila. Requer, assim, condições
ambientais também peculiares: solo argiloso, úmido e com pouco acesso ao ar atmosférico.
É mais observado em valas únicas de cemitérios públicos onde são enterrados vários corpos
ao mesmo tempo.

3) CORIFICAÇÃO

Fenômeno de etiologia pouco explicada e muito raro em nosso meio, pois a condição
que o favorece é o sepultamento em urnas metálicas de zinco, hermeticamente vedadas. As
partes moles do cadáver ficarão endurecidas e escuras, com aspecto semelhante a couro.

4) CALCIFICAÇÃO

Deposição de cálcio nos tecidos moles, favorecendo o processo de conservação.


Descrito em fetos mortos retidos por tempo prolongado no útero materno; após a maceração
dos tecidos, pode ocorre intensa deposição de cálcio circulante, com formação do
denominado litopédio (“criança de pedra”).

5) CONGELAÇÃO

Fenômeno muito raro, que requer temperaturas baixíssimas, normalmente inferiores a


40 graus negativos, para que ocorra a conservação dos tecidos, sem ocorrência de
putrefação.

6) FOSSILIZAÇÃO

Fenômeno conservador também muito raro, que exige períodos de tempo


extremamente longos para sua ocorrência.

32
CAPÍTULO 3

TRAUMATOLOGIA FORENSE

A Traumatologia Forense é o ramo da Medicina Legal responsável pelo estudo do


trauma, das lesões corporais e das energias causadoras de dano, como as energias de ordem
mecânica, física, química, físico-química, biodinâmica e mista.
Lesão corporal, sob o ponto de vista médico-legal, é todo e qualquer dano ocasionado
à normalidade do corpo humano, seja sob o ponto de vista anatômico, seja do fisiológico ou
mental, sem animus necandi – sem intenção de matar –, causado por ação violenta.

DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS

O crime de lesões corporais tipificado no art. 129 do Código Penal deve ser analisado
sob o ponto de vista médico-legal, já que os resultados que qualificam a conduta apresentam-
se, todos eles, aferíveis sob o ponto de vista médico e pericial.
A lesão corporal leve consiste em ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem
e é diagnosticada por exclusão. Sob o ponto de vista médico, consiste em pequenos danos
superficiais, com pouca repercussão orgânica e rápida recuperação.
As lesões corporais graves e gravíssimas são as mais relevantes sob o ponto de vista
pericial.

LESÕES CORPORAIS GRAVES

Os resultados que qualificam uma lesão corporal como grave são:

I- incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias;


II- perigo de vida;
III- debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV- aceleração de parto.

1. Incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias

33
Trata-se de incapacidade para atividades rotineiras, corriqueiras e lícitas, avaliadas
sob o aspecto funcional e não puramente econômico. Não se trata, portanto, de trabalho (que
será analisado quando da avaliação da lesão corporal gravíssima). Dessa forma, crianças,
bebês, indivíduos desempregados ou aposentados também podem ser vítimas de lesão
corporal grave sob essa qualificadora.
Para fins de comprovar a permanência da incapacidade e evidenciar o nexo causal
com o evento danoso, deverá ser realizado exame pericial complementar no prazo de 30 dias,
contados de forma contínua desde a data do crime (art. 168, § 2o, do CPP). A falta ou
impossibilidade de realização desse exame pode ser suprida pela prova testemunhal (art. 168,
§ 3o, do CPP).

2. Perigo de vida

Trata-se de risco de morte, perigo provável (e não meramente possível) e concreto


(e não meramente presumido, abstrato ou estatístico) de vida. Logo, não é qualquer lesão,
ainda que potencialmente e em tese grave, que acarretará tal perigo, a ser avaliado no caso
concreto. A morte deve ser efetivamente uma complicação provável no caso.
A lei não elenca situações – e nem teria como fazê-lo, mas alguns exemplos já
cobrados em prova são: lesões penetrantes com hemorragias ou infecções graves; choque
hipovolêmico; traumatismo crânio-encefálico graves; grandes queimados.

3. Debilidade permanente de membro, sentido ou função

Cada termo do dispositivo deve ser analisado sob o ponto de vista técnico:
(i) “debilidade” é a redução ou enfraquecimento da capacidade funcional;
(ii) “permanente” não é o mesmo que eterno, definitivo ou perpétuo; a mera necessidade de
recuperação cirúrgica artificial já atesta a permanência. Ou seja, trata-se de lesão que não se
recupera de forma espontânea. Assim, ainda que haja tratamento cirúrgico reparador, a
permanência não é afastada se o tratamento artificial for a única forma possível de
recuperação.
(iii) “membro” são os apêndices do tronco; os membros superiores (braços) e inferiores
(pernas). Mãos e pés não são membros; contudo, pela importância das mãos e dos pés na
função e atividade dos membros, a eles se equiparam para fins de aplicação da qualificadora.
Dedos não são membros! O pênis não é membro (pênis é órgão e não membro)!
(iv) “sentido”: os cinco sentidos humanos, quais sejam, visão, audição, olfato, tato e paladar.

34
(v) “função” é a atividade específica de cada órgão ou sistema.

Questiona-se: se ocorrer a perda de um órgão duplo, qual é a qualificadora aplicável?


Órgãos duplos são os olhos, ouvidos, pulmões, rins, ovários e testículos.
Majoritariamente, considera-se que a perda de um dos órgãos duplos, estando o outro normal
configura lesão corporal grave por debilidade permanente da função daquele sistema ou do
sentido (quando os órgãos forem responsáveis por algum deles, como os olhos e a visão).

4. Aceleração de parto

Trata-se da antecipação do nascimento de um feto com vida, devendo ele continuar a


viver. Caso ocorra o óbito após o nascimento, por imaturidade para a vida extrauterina,
equipara-se a aborto e aplica-se a qualificadora correspondente da lesão corporal gravíssima.
Defende-se tratar-se de preterdolo, pois não há intenção de causar dano ao nascituro;
o dolo é de lesionar a gestante e a consequência ocorre a título de culpa. Ainda, é necessário
o potencial conhecimento da gravidez da vítima, pois o Direito Penal não tolera a
responsabilidade objetiva.

LESÕES CORPORAIS GRAVÍSSIMAS

Assim consideradas doutrinariamente, já que o § 2o do art. 129 do CP não menciona


o termo “gravíssima”. Os resultados que qualificam uma lesão corporal como gravíssima são:

I- incapacidade permanente para o trabalho;


II- enfermidade incurável;
III- perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV- deformidade permanente;
V- aborto.
1. Incapacidade permanente para o trabalho

Sob o ponto de vista médico-legal, considera-se para a aplicação desse dispositivo o


trabalho genérico e não o trabalho específico; ou seja, a vítima deve ficar incapacitada para o
trabalho em geral e não somente para a atividade específica que ela vinha desenvolvendo.
Por óbvio, tal regra deve comportar exceções, uma vez que a reabilitação em outra espécie
de trabalho deve buscar manter proporcionalidade, ou seja, a troca de atividades não pode

35
ser completamente desproporcional, em qualidade, espécie ou rentabilidade, quanto ao que
era antes.
Assim, a possibilidade de reabilitação e o tipo de atividade anteriormente desenvolvida
pela vítima são de fundamental relevância.

2. Enfermidade incurável

Quando se diz “doença incurável” em Medicina Legal, não se está dizendo


simplesmente da presença de cura medicamentosa. Ainda que não exista cura
medicamentosa para determinada doença, caso significativa proporção de pacientes se
recupere espontaneamente (como em determinadas doenças virais), não se diz em
incurabilidade.
A possibilidade de cura é aferida por juízo de probabilidade baseado em dados da
ciência atual. Como exemplos de enfermidades atualmente incuráveis, podem ser citadas as
paralisias, a paraplegia após um traumatismo medular, a epilepsia refratária e resistente a
tratamento após um trauma crânio-encefálico, a AIDS.

3. Perda ou inutilização de membro, sentido ou função

Ressalte-se, a princípio, que perda e inutilização não são sinônimos. Perda é a


ausência anatômica ou órgão ou membro; inutilização é a presença anatômica, mas
desprovida de função. Entende-se que a debilidade de função que supera 70% se equipara a
inutilização.
São exemplos: a amputação ao nível da coxa, a cegueira total, a amputação ou
inutilização do pênis (denominada bobitização, configuradora de perda de funções erétil e
reprodutiva), a paralisação da perna, dentre outros.
Quanto à perda de dentes, deve ser avaliada no caso concreto, considerando-se o
número de dentes perdidos. O STJ já decidiu em um caso concreto:

“A deformidade permanente prevista no art. 129, § 2º, IV, do Código Penal é,


segundo a doutrina, aquela irreparável, indelével. Assim, a perda de dois
dentes, muito embora possa reduzir a capacidade funcional da mastigação,
não enseja a deformidade permanente prevista no referido tipo penal, mas sim,
a debilidade permanente de membro, sentido ou função, prevista no art. 129,

36

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


§ 1º, III, do Código Penal.” (STJ, Sexta Turma, REsp 1.620.158-RJ, Dje
20/09/2016)

Quanto à perda da visão de um olho, estando o outro normal, configura debilidade


permanente do sentido visão e, portanto, lesão corporal grave! Apenas a perda da visão como
um todo poderia configurar lesão corporal gravíssima.
A perda de dedos da mão não configura perda de membro, a priori, havendo tabelas
de percentuais de avaliação funcional dos dedos, a ser analisada no caso concreto. Contudo,
há quem defenda que a perda do polegar poderia configurar perda de função, por ser ele o
único dedo capaz de desempenhar a função opositora. O tema é controverso e divergente na
doutrina!

4. Deformidade permanente

Trata-se de lesão estética de certa monta, que causa repulsa e repugnância, com
prejuízo da sociabilidade, uma vez que o dano estético tem algo de subjetividade na avaliação.
Não é necessário que ocorra em áreas expostas, mas sim em áreas potencialmente visíveis,
mesmo que possam ser ocultadas pelas vestes, pelos cabelos ou por próteses.
A correção por cirurgia plástica estética NÃO retira o caráter de permanência, já tendo
o STJ assim decidido em importante julgado:

“(...) LESÃO CORPORAL QUALIFICADA (DEFORMIDADE PERMANENTE).


DOSIMETRIA DA PENA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA
PELA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA REPARADORA. IRRELEVÂNCIA.
AFERIÇÃO NO MOMENTO DA PRÁTICA DELITIVA. (...) 2. A realização de
cirurgia estética posteriormente à prática do delito não afeta a caracterização,
no momento do crime constatada, de lesão geradora de deformidade
permanente, seja porque providência não usual (tratamento cirúrgico custoso
e de risco), seja porque ao critério exclusivo da vítima.” (STJ, Sexta Turma, HC
306.677/RJ, DJe 28/05/2015)

5. Aborto

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Trata-se de resultado aferível a título de preterdolo; o agente sabe da gravidez mas
não deseja diretamente o aborto, devendo haver o conhecimento prévio da gravidez pelo autor
ou, ao menos, o desconhecimento inescusável.

→ Observação importante sobre a lesão corporal: A AUTOLESÃO

Criminalmente, a autolesão ou lesão autoinfligida não é punível sob o prisma do art.


129 do CP, podendo ser punida como estelionato, se realizada para obtenção de vantagem
indenizatória ou valor de seguro. Nesse caso, pune-se criminalmente a fraude e não
propriamente a autolesão.
São relevantes sinais indicativos de autolesão: lesões superficiais, que não deixam
cicatrizes, paralelas e ordenadas, em partes alcançáveis pelas mãos, ausência de lesões no
dorso, na face, na palma das mãos, nas plantas dos pés e em áreas muito dolorosas do corpo.

→ Maus tratos contra menores

Os maus tratos contra menores estão inseridos nas sevícias, assim como os maus
tratos contra idosos, a tortura e a violência contra a mulher.
Sevícias são causadas por múltiplas energias (de ordens mecânica, química, física)
causadoras de danos de caráter exclusivamente doloso.

Síndrome da criança maltratada ou síndrome de Silverman

Trata-se de quadro mais frequente em crianças com menos de 3 anos de idade,


caracterizado por lesões múltiplas como hematomas, equimoses, fraturas dentárias
(causadas pela introdução violenta de alimentos na boca da criança), queimaduras,
desnutrição, alterações psíquicas e comportamentais como atitude triste, apática e temerosa
da criança.
Uma das lesões importantes para o diagnóstico é o hematoma subperiosteal nos
ossos longos dos membros inferiores e superiores, decorrente do estiramento dos membros
por puxões violentos e arraste da criança pelos braços e pernas. O encontro frequente da
lesão justifica a realização de exames radiológicos de imagem.

Síndrome do bebê sacudido

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Lesões causadas pela ação de sacudir violentamente o bebê, segurando-o pelo
tronco, o que acarreta movimentos bruscos de aceleração e desaceleração da cabeça, que
tem uma maior proporção de peso, podendo corresponder a até 25% do peso corporal de um
bebê.
São característicos danos neurológicos graves sem lesões externas evidentes.
Quando o bebê é sacudido de forma violenta, o cérebro se movimenta dentro da
cavidade craniana, acarretando lesões de vasos sanguíneos, hematomas e edema cerebral,
que são graves e potencialmente letais.
As principais lesões encontradas são hematomas intracranianos, hemorragias
meníngeas (nas membranas que recobrem o cérebro), edema cerebral, afastamento das
suturas cranianas, aumento do perímetro cefálico do bebê e hemorragias na retina.

→ Maus tratos contra idosos

A síndrome do ancião maltratado insere-se no âmbito da violência intrafamiliar e, por


tal razão, é quadro de difícil diagnóstico.
Compõe-se de maus-tratos físicos (contenção física no leito, fraturas, equimoses);
psíquicos (agressões verbais, ameaças, isolamento) e econômicos (privação de alimentos e
supressão ou mau uso de seus bens).

ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA

As energias de ordem mecânica são aquelas capazes de modificar o estado de


repouso ou de movimento de um corpo, produzindo lesões em parte ou no todo.
Podem ser causadas por diferentes objetos, como armas propriamente ditas (armas
de fogo, punhais); armas eventuais (facão, machado); armas naturais (partes do corpo
humano, como dentes, pés e punhos), dentre outros.
O objeto é a coisa material usada para produzir o dano; a depender da forma em que
ele é manejado, funciona como diferentes instrumentos e pode causar diferentes lesões.
Como exemplo, uma faca é um objeto que, se manejado em deslizamento linear, age como
instrumento cortante e produz lesão incisa. Caso manejada pela ponta com força, age como
instrumento perfurocortante e produz lesão perfuroincisa. Se usado o cabo para provocar
lesão, será instrumento contundente causando lesão contusa.

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Classificação dos modos de ação dos instrumentos mecânicos
Meio ou ação do instrumento Nomenclatura da lesão
Perfurante (pequeno calibre) Punctória
Cortante Incisa
Contundente Contusa
Perfurocortante Perfuroincisa
Cortocontundente Cortocontusa
Perfurocontundente Perfurocontusa

Dentre os instrumentos mecânicos, temos as armas de fogo, cujos projéteis são


instrumentos perfurocontundentes e as armas brancas, que são os instrumentos perfurantes,
cortantes, perfurocortantes e cortocontundentes

→ Lesões produzidas por ação PERFURANTE

Instrumentos perfurantes são aqueles que agem por afastamento das fibras do tecido,
sem secção, como alfinetes, agulhas, espinhos, pregos, furador de gelo.
Se de pequeno calibre, produz feridas punctórias ou puntiformes. Se de médio
calibre, denominam-se lesões em botoeira ou em casa de botão.
As feridas têm abertura estreita, raro ou pouco sangramento, pouca nocividade na
superfície e maior nocividade na profundidade, menor diâmetro que o do instrumento (pela
elasticidade da pele). Podem ser superficiais, penetrantes (em grandes cavidades do corpo)
ou transfixantes (quando o instrumento perfurante atravessa um segmento do corpo de uma
face à outra).

→ Feridas em botoeira produzidas por instrumentos PERFURANTES DE MÉDIO CALIBRE:

Instrumentos perfurantes de médio calibre (como um furador de gelo) produzem


feridas que não são arredondadas; têm formatos e direções peculiares em razão de três
regras que devem ser observadas:

1. Primeira Lei de Filhós ou Lei da semelhança → as feridas terão formato alongado, em


botoeira ou casa de botão, formato esse semelhante ao das feridas causadas por
instrumentos perfurocortantes de dois gumes.

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2. Segunda Lei de Filhós ou Lei do paralelismo → o maior eixo da ferida em botoeira será
paralelo ao sentido e direção das linhas de força da pele (que são as linhas que direcionam,
na pele humana, as fibras elásticas e musculares subcutâneas, sendo fixas essas direções
em cada segmento do corpo).

3. Lei de Langer → em locais do corpo onde as linhas de força estiverem dispostas em


sentido confluente e não paralelo, a ferida tomará aspecto bizarro, irregular, triangular ou em
ponta de seta.

Sentido de tensão da pele Sentido de tensão da pele


Forma do
instrumento

Forma da lesão

“No vivo, as feridas em botoeira apresentam direções fixas em cada parte do corpo.”

Obs.: Feridas em sanfona ou em acordeon de Lacassagne: em áreas do corpo


depressíveis (como a região abdominal), um instrumento perfurante ou perfurocortantes
manejado com força pode causar lesão de maior profundidade do que o próprio comprimento
do instrumento. Isso ocorre pela contração do abdome e penetração profunda do instrumento.

→ Lesões produzidas por ação CORTANTE

Instrumentos cortantes agem em deslizamento linear, produzindo feridas incisas


(admite-se que as feridas incisas sejam chamadas também de cortantes), como qualquer
instrumento que tenha gume ou fio, como navalhas, bisturi, até folha de papel.
A ferida terá forma linear, bordas e fundo regulares, hemorragia abundante (pela
secção dos vasos), predomínio do comprimento sobre a profundidade, centro mais profundo
que extremidades, paredes lisas e regulares, afastamento das bordas (no vivo, pela
elasticidade da pele), ausência de vestígios traumáticos em torno da ferida, podendo também
apresentar a cauda de escoriação no local onde termina a ação.

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A cauda de escoriação é uma área em que a lesão é mais superficial, apenas com
arrancamento da epiderme, pela menor força de manejo do instrumento ao final da ação. É
relevante para auxiliar no diagnóstico da direção do ferimento, fornecer indícios para
diferenciação de homicídio e suicídio, bem como da posição do agressor na cena do crime.
O sinal de Chavigny também é relevante na ação cortante, para fornecer aspectos
que sugerem a ordem das lesões, quando uma lesão incisa é produzida sobre a outra. A
primeira lesão terá formato linear; já a segunda lesão produzida sobre a primeira, já a
encontrou com as bordas afastadas pela elasticidade da pele e, assim, não terá formato
regular, mas “em Z”.

→ Tipos especiais de lesões produzidas por ação cortante ou cortocontundente:

DEGOLA: lesão produzida na face posterior do pescoço.


ESGORJAMENTO: lesão produzida na face anterior e lateral do pescoço.
DECAPITAÇÃO: secção completa da cabeça, com separação do restante do corpo.
ESQUARTEJAMENTO: secção do corpo em segmentos/quartos, nas articulações.
Esquartejar e desarticular um corpo.
ESPOSTEJAMENTO: secção do corpo em segmentos menores e irregulares, fora das
articulações, como em um espostejamento ferroviário.
→ Lesões produzidas por ação CONTUNDENTE

A ação contundente é uma das maiores causadoras de dano e apresenta a maior


multiplicidade de lesões possíveis. Trata-se de ação por instrumento que tenha alguma
superfície plana e provoque dano por pressão, explosão, percussão, deslizamento,
compressão, tração ou contragolpe. A ferida produzida denomina-se lesão contusa.

A ação pode, ainda, ser ativa, passiva ou mista, a depender do estado de repouso e
movimento do instrumento e do corpo. Na ação ativa, o instrumento está em movimento e o
corpo em repouso. Já na ação passiva, o instrumento causador do dano está em repouso e o
corpo humano em movimento (ex: pessoa que cai de determinada altura e apresenta lesões
por precipitação, sendo o chão o instrumento causador do dano). Na ação mista, ambos estão
em movimento.

→ Tipos de lesões contusas:

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RUBEFAÇÃO

Na rubefação, tem-se apenas hiperemia/congestão (aumento do volume do sangue),


por dilatação dos vasos, sem ruptura); é lesão muito simples, fechada e efêmera. É apenas a
área de “vermelhidão” da pele no local onde ocorre o contato com o instrumento contundente.
Essa área de vermelhidão na pele, visualizada macroscopicamente, é também
chamada de eritema.

TUMEFAÇÃO

Trata-se do edema traumático, “inchaço”, causando elevação da pele na área do


impacto.

Obs.: a tríplice reação de Lewis está relacionado à rubefação e à tumefação → trata-


se de hiperemia no ponto de impacto, extensão da hiperemia para pequena área ao redor e,
depois, palidez da zona central por edema.

ESCORIAÇÕES

Também chamadas de erosão epidérmica ou abrasão. Consistem no arrancamento


da epiderme, que é a camada mais superficial da pele. Justamente por não atingir a derme
(camada mais profunda da pele, onde se situam as fibras conjuntivas, colágenas e elásticas,
responsáveis pela cicatrização), uma escoriação não deixa cicatriz. Ela é regida pela máxima
restitutio ad integrum, restituição integral por reepitelização.
O formato de uma escoriação pode sugerir o instrumento causador e a intenção da
vítima. É o caso, a título de exemplo, das marcas de unha na esganadura.

EQUIMOSES

Equimoses são lesões hemorrágicas fechadas (não se abrem na superfície da pele)


em que há extravasamento de sangue a partir do interior do vaso sanguíneo e o sangue

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


extravasado se infiltra nas malhas dos tecidos, formando lesão de limites pouco precisos e
coloração variável de acordo com a evolução temporal.
Uma equimose cutânea, em regra, apresenta alteração de sua coloração no tempo,
em razão da decomposição da hemoglobina não ligada ao oxigênio nas malhas do tecido, em
compostos que apresentam cores distintas. Trata-se do espectro equimótico de Legrand du
Saulle, cuja evolução temporal é muito variável, a depender da profundidade, localização e
tamanho da equimose. No entanto, os marcos temporais médicos abaixo são aceitos pela
doutrina:

Espectro equimótico de Legrand du Saulle

COR DA EQUIMOSE EVOLUÇÃO NO TEMPO


VERMELHA 1o dia
VIOLÁCEA 2o e 3o dias
AZULADA do 4o ao 6o dia
ESVERDEADA do 7o ao 10o dia
AMARELADA cerca de 12 dias
DESAPARECIMENTO de 15 a 20 dias

Atenção! Observação relevante: a equimose subconjuntival (nos olhos, membrana que


recobre o globo ocular) NÃO SEGUE O ESPECTRO; ela tem coloração vermelha desde o
início até sua completa reabsorção!
A explicação para o fenômeno não é muito bem definida, mas aceita-se que ocorre pelo fato
de que a conjuntiva é uma membrana muito fina e porosa, em constante contato com o ar
atmosférico e, assim, a hemoglobina extravasada não se desliga do oxigênio e não se
decompõe em outros compostos que favorecem a alteração da cor.

Há equimoses com nomenclaturas específicas:

- Petéquias: são equimoses em pequenos pontos;


- Sugilação: equimoses em grãos maiores, ou agrupamento de petéquias;
- Sufusão hemorrágica: área mais extensa de hemorragia em partes moles, de tamanho
variado;

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- Víbices: são equimoses em estrias paralelas, causadas por instrumentos alongados, como
cassetetes, bastões e bengalas. Seu formato denuncia o instrumento causador do dano, por
isso as víbices são exemplos das chamadas equimoses figuradas ou lesões com assinatura
(aquelas cujo formato permite sugerir qual é o instrumento que as causou);
- Sinal do guaxinim ou do Zorro: equimoses bilaterais e bipalpebrais, que podem sinalizar
traumatismo crânio-encefálico (TCE) com fratura da base do crânio;
- Sinal de Battle: equimoses retroauriculares (“atrás da orelha”), que também sinalizam
traumatismo crânio-encefálico (TCE) com fratura da base do crânio, juntamente com rinorreia
e otorreia (drenagem de líquido pelo nariz e pelo ouvido, respectivamente).
- Estrias pneumáticas de Simonin: equimoses com formato ondulado, causadas por marcas
de pneus em pessoas atropeladas. São também equimoses figuradas ou lesões com
assinatura, justamente pelo formato que denuncia o instrumento causador do dano.

As equimoses podem ser traumáticas ou espontâneas, essas causadas normalmente


sem contato traumático, por doenças como as hematológicas. Podem ser locais ou situadas
à distância, quando o trauma ocorre em um ponto, mas a equimose se exterioriza em outro,
fora do lugar direto do trauma.

HEMATOMAS

São também lesões hemorrágicas, mas que se diferenciam das equimoses por serem
mais localizadas, em razão da formação de uma cavidade sanguínea no tecido, uma coleção
ou “loja” sanguínea. O sangue fica depositado nessa cavidade e não se infiltra nas malhas
dos tecidos. Por isso, a lesão apresenta limites mais definidos e perceptíveis. Podem ser
cutâneos ou também em órgãos internos.
Os hematomas cerebrais são especialmente relevantes, pois há dois tipos que estão
relacionados a trauma por ação contundente: hematoma extra ou epidural e hematoma
subdural (a dura-máter é uma membrana que recobre o encéfalo e está situada abaixo dos
ossos do crânio).
O hematoma extradural é causado por fratura do osso temporal do crânio, associado
a ruptura da artéria meníngea média. Já o hematoma subdural está associado ao movimento
de aceleração e desaceleração brusca da cabeça em sentido ântero-posterior, com
estiramento e ruptura de veias cerebrais.

BOSSAS

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As bossas podem ser serosas (contendo líquido amarelado) ou sanguíneas. Estas se
diferenciam dos hematomas por se apresentarem sobre um plano ósseo, fazendo saliência
na superfície (ex: bossa no couro cabeludo após um trauma, conhecida como “galo”).
Há um tipo de bossa chamado caput succedaneum ou “tumor do parto”. Trata-se da
bossa na cabeça de um recém-nascido, no local onde a cabeça se encaixou no canal de parto,
sendo pressionada pelo colo uterino materno, nos nascimentos em apresentação cefálica. A
presença dessa bossa no recém-nascido indica que ele estava vivo no momento do parto.
Ocorre por desequilíbrio circulatório local causado pela diferença de pressão entre a área já
exteriorizada pelo canal do parto. Há aumento da pressão no local, com compressão das veias
e formação de edema. É, portanto, um importante sinal de que havia vida fetal durante o parto,
podendo ser uma das provas periciais utilizadas na avaliação médico-legal do crime de
infanticídio.

FRATURAS

São soluções de perda de continuidade óssea, na maioria das vezes por ação
traumática. Há, no entanto, a fratura patológica, aquela que ocorre espontaneamente em osso
“enfraquecido” por uma patologia ou doença prévia.
Podem ser abertas (quando o osso fraturado rompe a continuidade da pele e se projeta
na superfície) ou fechadas.
As fraturas cominutivas ocorrem quando há a divisão do osso em vários pequenos
fragmentos.

LUXAÇÕES E ENTORSES

São lesões que ocorrem nas articulações. A principal diferença entre ambas é que, na
luxação, ocorre o deslocamento de dois ossos que perdem a superfície de contato; já a
entorse é uma lesão articular restrita aos ligamentos.

ROTURA DE VÍSCERAS INTERNAS

Órgãos internos podem sofrer lesões causadas pelo forte impacto de um trauma
contuso fechado, como, por exemplo, em casos de atropelamento. Os principais órgãos mais

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frequentemente impactados são fígado, baço e estômago (especialmente quando o estômago
está repleto de alimentos).

LESÕES POR PRECIPITAÇÃO OU QUEDA DE ALTURA

Quando uma vítima sofre uma queda de altura, o instrumento causador do dano é o
solo, que age por meio passivo contundente. Caracteristicamente, as vítimas de lesões por
precipitação costumam apresentar pele intacta ou pouco afetada, com rupturas internas e
graves de vísceras maciças e fraturas ósseas.
O principal achado, portanto, é a desproporção entre as lesões cutâneas e as graves
lesões internas.
A queda “em pé” é causa de fraturar de bacia, das pernas e fratura circular da base do
crânio, em razão do impacto da coluna vertebral contra a base do crânio.

FERIDA CUTÂNEA CONTUSA

A ferida contusa da pele tem características praticamente contrapostas às das feridas


incisas: forma estrelada; bordas irregulares, escoriadas e equimosadas; fundo e vertentes
irregulares; presença de pontes de tecido íntegro ligando as vertentes; pouco sangrantes (em
razão da hemostasia traumática, os vasos sanguíneos são esmagados pela ação
contundente); integridade de vasos, nervos e tendões no fundo da ferida.

Outras lesões causadas por ação contundente são:

(i) Lesão por cisalhamento → quando há duas forças em sentidos opostos, sobre o mesmo
ponto. É o caso do “desenluvamento”, lesão traumática da pele do dedo em casos de retirada
rápida e violenta de um anel apertado no dedo.

(ii) Lesões por martelo → são todas lesões específicas nos ossos do crânio, descritas em
marteladas, mas também encontradas em coronhadas de revólver: Fratura em saca-bocados
de Strassmann (ação em sentido perpendicular); Sinal do mapa-múndi de Carrara e Sinal de
terraza de Hoffmann (ação em sentido tangencial do martelo).

(iii) Encravamento → penetração (e permanência, para alguns autores) de objeto afiado e


consistente, em qualquer parte do corpo.

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(iv) Empalamento → forma especial de encravamento, com penetração de objeto de grande
eixo longitudinal no ânus ou no períneo.

→ Lesões produzidas por ação PERFUROCORTANTE

A ação perfurocortante é mecanismo misto causado normalmente por instrumento de


ponta e gume e que, portanto, age por pressão e por secção.
As feridas costumam ser graves, sobretudo as que atingem a cavidade abdominal, e
têm as seguintes características: profundidade maior que extensão, forma variada de acordo
com número de gumes do instrumento; podem ser superficiais, penetrantes ou transfixantes
(como as causadas por ação perfurante).
A causa jurídica mais comumente associada à ação perfurocortante é o homicídio.
Quanto ao formato da lesão, é variável de acordo com o número de gumes do
instrumento:

(i) Instrumentos de um gume (ex: faca): lesão alongada, com um ângulo agudo e outro
arredondado;
(ii) Instrumentos de 2 gumes (ex: punhal, espada): lesão em fenda ou botoeira, mas com dois
ângulos agudos;
(iii) Instrumentos de 3 gumes (ex: limas, instrumentos especiais de trabalho): ferida irregular
ou estrelada.

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Fonte: Prof. Neusa Bittar, Medicina Legal e Noções de Criminalística, 2016

Atenção! Observação importante: as chamadas lesões de defesa, embora possam ser


produzidas por diversas ações, estão frequentemente associadas à ação perfurocortante. São
lesões comuns nas palmas das mãos, bordas mediais dos antebraços, ombro e dorso, em
razão da exposição dessas partes do corpo como “escudo” pela vítima ao tentar se defender,
instintivamente protegendo o rosto.

→ Lesões produzidas por ação CORTOCONTUNDENTE

De acordo com Genival Veloso de França, lesões cortocontusa são “aquelas


produzidas por instrumentos que, mesmo sendo portadores de gume, são influenciados pela
ação contundente, quer pelo seu próprio peso, quer pela força ativa de quem os maneja”. A
título de exemplo, as lesões produzidas por machado, foice, facão, enxada, guilhotina, serra
elétrica, dentes ou rodas de um trem.
A ação ocorre, portanto, por deslizamento e por pressão.
Um exemplo clássico de lesão cortocontusa é a mordedura humana.

→ Lesões produzidas por ação PERFUROCONTUNDENTE

49
O mais clássico exemplo de instrumento perfurocontundente é o projétil de arma de
fogo. Outros instrumentos possíveis são espeto de churrasco, vergalhão e afiador de faca.
Trata-se de instrumento com ponta afilada, mas que também age com força, pressão e
compressão.
Os projéteis de arma de fogo (PAF) e o funcionamento das armas são estudados no
âmbito da Balística Forense, que é um dos ramos da Criminalística. Trata-se da Balística
interna, que estuda o funcionamento da arma e técnica do tiro, e da Balística externa,
responsável pelo estudo da trajetória e trajeto do projétil, desde sua saída da arma até seu
impacto ou parada.
A Medicina Legal é responsável especialmente pelo estudo da Balística terminal, dos
efeitos ou do ferimento, avaliando as lesões causadas pelo impacto do projétil de arma de
fogo no corpo.
A maior parte das lesões estudadas em Medicina Legal está relacionada a danos
corporais produzidos por projéteis de armas de fogo com alma do cano raiada, que utiliza
munição de projéteis únicos, podendo ser projéteis comuns (revólveres, pistolas) ou de alta
energia/velocidade (como os fuzis). Há, também, armas de fogo com alma do cano lisa, que
disparam munições compostas por projéteis múltiplos, como as espingardas. Relevante
ressaltar que as raias helicoidais presentes na alma do cano de armas raiadas imprimem aos
projéteis únicos um movimento de rotação, responsável pela estabilidade do projétil na
trajetória.

Nas lesões produzidas por ação perfurocontundente causadas por PAF, deve-se
avaliar 3 pontos principais nos ferimentos:
- Diferenciar ferimentos de entrada e de saída;
- Aferir provável distância do disparo, nos ferimentos de entrada;
- Diferenciar trajeto e trajetória:

TRAJETO TRAJETÓRIA
Caminho percorrido pelo projétil no interior Caminho percorrido pelo projétil da boca do
do corpo, consistindo nas lesões internas. cano da arma até o encontro do anteparo.
Examinado pelo médico legista nas Examinada pelo perito criminal na perícia de
necropsias. local.

Para o adequado entendimento das lesões, deve-se também compreender que,


quando há um disparo de uma arma de fogo e um consequente tiro, o projétil é expelido, mas
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ele não é o único elemento! Ele é o elemento primário do disparo, responsável pelas lesões
primárias. Há, contudo, elementos secundários do disparo, causados pelos demais
elementos de combustão da pólvora, como os gases hiperaquecidos, as chamas, grãos de
pólvora incombusta e fuligem originada pela pólvora combusta.
Quando os elementos secundários atingem a pele da vítima, são responsáveis pelas
lesões secundárias ou residuograma (provenientes dos resíduos de queima da pólvora) e são
essas lesões secundárias que fornecem os elementos para definição da distância do disparo.

Distância de um disparo é definida pela presença das lesões


secundárias! As lesões primárias, causadas pelo projétil em si, não se
prestam à definição da distância!

→ FERIMENTOS DE ENTRADA

Ferimentos de entrada de PAF são normalmente regulares, com bordas invertidas e


invaginadas (voltadas para dentro), ao contrário dos ferimentos de saída; tal comparação
entre eles fornece a indicação do possível trajeto interno.
Ocorre que há uma exceção: os ferimentos de entrada em locais que recobrem lâminas
ósseas! Em tais situações, um ferimento de entrada pode ter características muito parecidas
às das lesões de saída!

→ Sinais PRIMÁRIOS observados em lesões de entrada:

Nas lesões de entrada, há três sinais importantes que indicam tratar-se de orifício de
entrada, mas que nada dizem acerca da distância do disparo, pois configuram elementos
primários, produzidos pelo projétil em si:

1) Halo de enxugo ou orla de Chavigny ou de limpadura → halo de tonalidade escura


decorrente da passagem do projétil pelos tecidos, limpando neles suas impurezas. O projétil
“se enxuga” nos tecidos. É lesão primária EXCLUSIVA de entrada!
2) Orla de escoriação ou contusão → orla concêntrica que decorre do arrancamento
superficial da epiderme pela rotação do projétil, associado à sua ação contundente nos
tecidos.

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Atenção! A presença de uma escoriação não é absolutamente exclusiva de
entrada, pois pode haver área de escoriação na lesão de saída, se a vítima
está amparada em um anteparo e o projétil encontra resistência nos tecidos na
saída. Trata-se do sinal de Romanesi, consistente em uma área de
escoriação da pele na SAÍDA!
3) Aréola ou orla equimótica → área de sufusão hemorrágica por rotura de pequenos vasos
ao redor do ferimento. Equimose ao redor do ferimento estar presente também na lesão de
saída.

TIROS PERPENDICULARES, TIROS OBÍQUOS E TIROS TANGENCIAIS

Em tiros perpendiculares no plano de entrada na pele, observam-se halos e orlas


concêntricas e simétricas.
Tiros oblíquos, ao contrário, apresentarão halos, orlas e zonas assimétricas é
excêntricas. É possível também que ocorra a chamada lesão em sedenho.

Lesão em sedenho é uma lesão em continuidade, com orifícios de entrada e


saída e trajeto subcutâneo ou em partes moles, superficial e não cavitário,
não penetrando nas grandes cavidades do corpo. É típica de disparos
oblíquos!

Já os disparos tangenciais geram “lesões de raspão”, em que há apenas a ação


contundente do disparo, sem ação perfurante.

→ Ferimentos de entrada em TIRO ENCOSTADO

Com alguma frequência, tiros encostados são disparados em regiões que recobrem
tábuas ósseas, como a cabeça, o esterno no tórax, a escápula, o palato. Nessas situações, a
presença da lâmina óssea por baixo do tecido subcutâneo pode produzir sinais que auxiliam
na identificação da distância, especialmente a denominada câmara de mina de Hoffmann ou
“boca de mina” e ouros sinais típicos.

52
1) Câmara de mina de Hoffmann → lesão cutânea de forma irregular, grande, denteada ou
com entalhes, com bordas evertidas, produzida pelos gases da explosão que penetram no
ferimento e refluem ao encontrar resistência no osso abaixo.

2) Sinal de Benassi → halo escurecido na lâmina externa do osso, pelo depósito de fuligem
que penetra no ferimento cutâneo.

3) Sinal de Puppe-Werkgaertner → desenho da boca do cano e massa de mira da aurma


na pele, produzido por sua ação contundente. É mais frequentemente visível em tiros
encostados em regiões que não recobrem tábua óssea.

4) Sinal de Schusskanol → esfumaçamento no conduto produzido pelo projétil nas lâminas


interna e externa do osso, do túnel do tiro no osso.

→ Ferimentos de entrada em disparos à CURTA DISTÂNCIA

Nos disparos efetuados à curta distância da vítima, os elementos secundários do cone


de explosão (gases, grãos de pólvora incombusta, fuligem) atingem a pele e formam zonas
de importância para o diagnóstico dessa distância.
A lesão tem forma arredondada ou ovalada, bordas invertidas ou voltadas para dentro,
há efeitos secundários causados pelo residuograma, formam-se halos, orlas ou zonas.
Dessa forma, além das lesões primárias causadas pelo projétil em si (halo de enxugo,
orla de escoriação e aréola equimótica), poderão ser encontrados os seguintes elementos
secundários do residuograma:

1) Zona de chamuscamento ou queimadura → em distâncias muito curtas, gases


superaquecidos que atingem a vítima podem queimar a pele e os pelos, que ficam crestados
e quebradiços.

2) Zona de esfumaçamento ou tisnado → depósito de fuligem, resíduos de pólvora


combusta. Lavando com água e sabão, desaparece; por tal razão, é também chamada de
zona de falsa tatuagem. Pode estar presente sobre as roupas da vítima.

3) Zona de tatuagem → resulta da impregnação de grãos de pólvora incombustos na pele,


que funcionam como “microprojéteis”. Orienta a perícia sobre a posição da vítima e a distância

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do tiro. É sinal indiscutível de orifício de entrada e também pode estar presente sobre as
vestes.

→ Ferimentos de entrada em disparos à DISTÂNCIA

Em orifícios de entrada de tiros disparados à distância, apenas o projétil atinge a


vítima, formando lesão de forma arredondada ou ovalada, bordas invertidas, diâmetro menor
que o do projétil (se produzido no vivo, pela retração da pele).
Não apresenta os efeitos secundários do tiro, não se podendo definir a distância de
forma exata. A lesão apresenta apenas halo de enxugo, orla de escoriação e aréola
equimótica.

→ Ferimentos de entrada com aspectos atípicos

Em algumas circunstâncias, podem existir alterações nos ferimentos de entrada e nas


lesões habitualmente descritas. São exemplos:

1) Alteração da forma do orifício de entrada e dos halos: projétil não penetrou pela ponta
(ex: disparo para o alto); projétil sofreu deformação por encontrar superfície antes de entrar
na vítima; uso de roupas de textura muito grossa; uso de armas com compensadores de
recuo.

2) Lesão em chuleio: quando há mais de uma entrada e saída e apenas um disparo, sendo
que o mesmo projétil entra e sai em segmentos distintos do corpo.

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3) Mais projéteis no corpo do que o número de entradas: penetração de projétil por orifício
natural do corpo ou na hipótese de dois projéteis acoplados penetrarem pelo mesmo orifício.

→ FERIMENTOS DE SAÍDA

Ferimentos de saída de PAF costuma ter forma irregular, com bordas evertidas ou
reviradas para fora; diâmetro maior que o do orifício de entrada; maior sangramento; não têm
halo de enxugo nem orla de escoriação (característicos de lesão de entrada) e também não
apresentam os efeitos secundários, também encontrados apenas nas lesões de entrada.

ATENÇÃO! Sinal do funil de Bonnet

Para diferenciar orifícios de entrada e de saída de PAF no plano ósseo, especialmente em


ossos planos como os ossos do crânio, utiliza-se o sinal do funil de Bonnet ou do cone
truncado de Pousold. Os ossos do crânio têm uma dupla camada óssea; quando o projétil
penetra na primeira camada, ele promove um orifício menor e mais regular. Quando ele passa
para a segunda camada óssea, o orifício fica maior e mais irregular; em consequência, forma-
se um cone ou funil no túnel do osso, com a base voltada para o interior do crânio ou para o
exterior, conforme seja um orifício de entrada ou orifício de saída, respectivamente.

Serão observados:

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- No ferimento de entrada:
lâmina externa: ferimento arredondado e regular;
lâmina interna: ferimento irregular, maior que o da lâmina externa, com bisel interno
bem definido, em forma de cone com a base voltada para dentro;

- Ferimento de saída:
exatamente o inverso;
cone com a base voltada para fora.

→ FERIMENTOS POR PROJÉTEIS DE ALTA ENERGIA

As lesões até então estudadas estão relacionadas, especialmente, a projéteis de


armas de fogo comuns ou de baixa velocidade, de armas de fogo de uso civil. Projéteis de
armas de fogo de alta energia, como os fuzis, podem produzir lesões com algumas
peculiaridades relevantes.
Deve-se entender, a princípio, que os projéteis em geral agem por esmagamento e
estiramento. O esmagamento rompe as fibras e forma um túnel que é a cavidade permanente,
um pouco menor que o diâmetro do projétil pela retração da pele. Importante nas armas de
uso civil.
Já o estiramento é o deslocamento centrífugo que os tecidos vizinhos ao túnel sofrem
pela ação das ondas de pressão geradas pela passagem do projétil; trata-se da formação da
cavidade temporária. Embora esse fenômeno – fenômeno da cavitação – aconteça nos
projéteis em geral, ele é mais importante nos projéteis de alta energia, por ampliarem
significativamente a lesão, o que não ocorre com tanta intensidade nos projéteis comuns, de
baixa energia.

LESÕES DE ENTRADA

As lesões de entrada causadas por projéteis de alta energia podem não ser muito
diferentes das causadas por projéteis de uso comum. Contudo, algumas características lhes
são peculiares:
- bordas talhadas a pique com microescoriações em estrias radiadas em torno da
lesão;
- ausência de orla de escoriação é um achado frequente.

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TRAJETO E LESÕES DE SAÍDA

A principal diferença no tocante aos projetos de alta energia diz respeito ao trajeto, ao
fenômeno da cavitação e às lesões de saída.
Conforme Hygino de Carvalho Hércules leciona, “a cavidade temporária é o resultado
do alargamento da cavidade permanente sob a influência das ondas de pressão”. Em PAF de
alta energia, que geram maiores ondas de pressão, há uma mais intensa formação de
cavidade temporária no trajeto.
O tamanho das lesões de saída depende do plano em que ela se situe no trajeto. Nos
primeiros centímetros do trajeto, pode não haver ainda uma cavidade temporária significativa.
No centro do trajeto, ela atingirá seu diâmetro máximo e depois vai novamente diminuindo.
Portanto, se o segmento do corpo for muito delgado, por exemplo o braço, pode não haver
tempo e trajeto para que forme uma cavidade temporária importante. Se o segmento
atravessado for grande, como a coxa ou a cabeça, a lesão de saída pode ser bem extensa,
pois o plano da pele na saída pode coincidir com o de maior diâmetro da cavidade temporária.
Ou seja, a lesão de saída depende do comprimento do trajeto em si e da espessura do local
acometido.
Se a saída coincide com o plano de maior diâmetro da cavidade temporária, ela pode ficar
muito grande e de aspecto explosivo.

Fonte: HÉRCULES, Hygino. Medicina Legal, 2014, p. 296

→ FERIMENTOS POR PROJÉTEIS MÚLTIPLOS

Em armas de fogo de projéteis múltiplos, como espingardas, a munição é composta


por múltiplas pequenas esferas de chumbo, os balins, que se dispersam quando a munição
se abre.

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Tal dispersão no alvo pode fazer com que uma área maior seja atingida.
A depender da maior ou menor distância do disparo, poderá haver uma maior ou menor
dispersão dos balins, formando a chamada rosa do tiro de Cevidalli. Quanto maior o
diâmetro da rosa do tiro, maior a distância do disparo.

ENERGIAS DE ORDEM FÍSICA

As energias de ordem física são aquelas capazes de modificar o estado físico dos
corpos e de cujo resultado podem surgir ofensa corporal, dano à saúde ou morte. As principais
energias de ordem física são a temperatura, a eletricidade, a pressão atmosférica, a
radioatividade, a luz e o som.

→ TEMPERATURA

A temperatura pode causar danos corporais por meio do calor, do frio e da oscilação
de temperatura.

CALOR

O calor pode ter ação direta, causando uma queimadura, ou ação difusa, gerando uma
termonose.

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Dentre as termonoses, a insolação é forma mais grave de síndrome clínica causada
pelo calor ambiental em locais abertos (mais frequentemente, embora também possa ocorrer
em locais confinados!).
A intermação ou exaustão térmica ocorre pelo excesso de calor em locais mal
arejados, confinados e sem adequada ventilação.
As queimaduras, contudo, são as lesões de maior relevância médico-legal, sendo a
maioria delas de origem acidental e de etiologia por quaisquer agentes físicos de temperatura
elevada, como chama, calor irradiante, gases superaquecidos, líquidos escaldantes, sólidos
quentes, raios solares.

Obs.: a lesão por líquidos escaldantes costuma ser chamada de escaldadura!

→ Critérios de gravidade das queimaduras

As queimaduras podem ser graduadas de acordo com dois tipos principais de critérios,
pela profundidade e pela extensão da superfície corporal queimada.

1) Classificação de Hoffmann

A classificação de Hoffmann gradua as queimaduras em 4 graus, a depender da


profundidade da área queimada.

(i) Queimadura de 1o grau: caracterizada pela tríade edema, rubor e dor. A área queimada
fica avermelhada, com vasodilatação, edemaciada (inchada) e dolorosa, com ardência na
pele.

(ii) Queimadura de 2o grau: caracterizada pela presença de vesículas ou flictenas (bolhas)


que, quando se rompem, deixam a área muito dolorosa, pela exposição ao ar das terminações
nervosas da pele.

(iii) Queimadura de 3o grau: caracterizada pela necrose coagulativa dos tecidos, é uma
queimadura mais profunda que pode atingir até os planos musculares. É menos dolorosa do
que a de 2o grau, pois destrói as terminações nervosas da pele, responsáveis pela sensação
de dor.

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(iv) Queimadura de 4o grau: é a carbonização dos tecidos, que pode ser generalizada ou
localizada. Pode ser também completa ou parcial/superficial, esta última preservando, de
algum modo, tecidos internos. A identificação em carbonizados, muitas vezes, requer uso de
DNA ou identificação pela arcada dentária, se preservada.

Obs.: Hygino de Carvalho Hércules utiliza outra classificação para as queimaduras,


denominando-as de superficiais, parciais e totais – o que correspondem, respectivamente, ao
1o, 2o e 3o graus acima descritos.
Superficial → hiperemia, vermelhão na pele, com dor, edema. Rubor, calor e dor.
Parcial → compromete toda epiderme e parte superficial da derme. Se ficar só na epiderme,
até a camada basal, é superficial. Forma bolhas dolorosas (vesículas ou flictenas). Se atingir
a derme, é profunda. Preserva, contudo, os anexos cutâneos.
Total → destroi todas as camadas da pele, inclusive os anexos, os vasos sanguíneos. Podem
atingir até a musculatura abaixo da hipoderme (onde tem gordura). Não são dolorosas, porque
destroem até mesmo as terminações nervosas. Formam necrose e escaras.

2) Regra dos noves de Pulaski e Tennisson

A regra dos “noves” de Pulaski divide o corpo em regiões que corresponderiam,


aproximadamente, a percentuais de 9 e múltiplos de 9, para fins de avaliar a extensão da
superfície corporal queimada, assim avaliando também a gravidade da queimadura e seu
prognóstico.

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No indivíduo adulto, os percentuais aproximados seriam os seguintes: 9% para a
cabeça, 9% para cada membro superior, 18% para cada membro inferior, 18% para a região
frontal do tronco, 18% para o dorso e 1% para o períneo ou região genital.
Na criança até a fase pré-escolar, a regra dos noves é modificada, com a cabeça
correspondendo a cerca de 18%, cada membro inferior a 14% e sem percentual definido para
o períneo.

Obs.: há alguma variação em tais percentuais e alguns autores consideram, para bebês e
crianças até a faixa etária pré-escolar, a “regra dos 5”.

Fonte: Hygino de Carvalho Hércules, Medicina Legal, 2014, p. 348

A gravidade de uma queimadura, bem como seu prognóstico e eventual “risco de vida”,
é avaliada de acordo com a extensão, profundidade, localização, idade da vítima e agente
causal, além da região atingida. Queimaduras na face, genitália, mãos e pés são consideradas
graves. Queimaduras circunferenciais (que atingem toda a circunferência de uma região,
como pescoço e tórax) são também graves, sobretudo pela possibilidade de compressão das
estruturas internas e, no tórax e pescoço, prejuízo às funções respiratórias.
A lesão de inalação também é potencialmente grave e letal, ocorrendo normalmente
em locais fechados, com aspiração de fumaça e gases tóxicos (monóxido de carbono,
cianeto), e lesões pulmonares graves que podem levar a morte.
Scanned by CamScanner
Em um cadáver com lesões térmicas pelo calor, é extremamente relevante pesquisar
se a ação térmica ocorreu em vida ou após a morte, já que pode se tratar, por exemplo, de
uma vítima de algum crime que teve o corpo queimado/carbonizado como tentativa de
ocultação de provas.
Para tal, o médico deve lançar mão de provas de vida a seguir explicitadas.

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Queimaduras “in vida” ou “post mortem” ?

1) Pesquisa de monóxido de carbono (CO) no sangue (carboxiemoglobina acima de 50% já é


grave) → sinal vital, de que a vítima estava viva, respirando, e inalou o CO presente no
ambiente de incêndio.

2) Sinal de Montalti, que é a presença de fuligem nas vias aéreas. Também é um sinal vital,
de que havia respiração no ambiente de incêndio.

3) Pesquisa de exsudato leucocitário em bolhas e tecidos queimados: a reação inflamatória


estará ausente em bolhas produzidas em cadáveres; no vivo, há reação leucocitária e edema
das papilas dérmicas (sinal de Janesie-Jeliac).

FRIO

O frio também pode levar a dano corporal e morte por hipotermia, muitas vezes de
forma acidental. O abandono de recém-nascido também pode estar associado a dano por
hipotermia.
A ação generalizada do frio não apresenta formas específicas ou lesões que sejam
absolutamente típicas.
Já a ação localizada é caracterizada pela geladura, que também pode ser dividida em
4 graus, de acordo com a gravidade e profundidade.

(i) Geladura de 1º grau: palidez intercaladas com áreas de rubefação local; pele anserina.

(ii) Geladura de 2º grau: eritema e formação de bolhas.

(iii) Geladura de 3º grau: necrose de tecidos moles e formação de crostas aderentes,


espessas e enegrecidas.

(iv) Geladura de 4º grau: gangrena ou desarticulação. A gangrena dos pés pela ação do frio
foi lesão descrita nos combatentes entrincheirados nas frentes de batalha da Primeira Guerra
Mundial, com necessidade frequente de amputação dos pés, em lesão que restou conhecida
como “pé de trincheira”.

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Cadáveres de vítimas de hipotermia grave costumam apresentar rigidez precoce,
intensa e duradoura, manchas de hipostase e sangue de tonalidade vermelho clara e de pouca
coagulabilidade. Espuma sanguinolenta nas vias aéreas e bolhas na pele são também
encontradas.

→ ELETRICIDADE

A ação da eletricidade causando dano corporal ou morte é frequente no Brasil, pelos


dois tipos de fonte: natural ou artificial. As lesões causadas recebem nomenclaturas distintas,
a depender da fonte elétrica.

Eletricidade de fonte natural ou cósmica:

- o dano corporal não letal recebe o nome de FULGURAÇÃO


- a ação letal por eletricidade natural é a morte por FULMINAÇÃO

Eletricidade de fonte artificial, doméstica ou industrial:

- o dano corporal não letal por eletricidade de fonte artificial e também a morte recebem
ambos o nome de ELETROPLESSÃO

Quanto ao termo ELETROCUSSÃO, há divergência doutrinária. Alguns autores


consideram ser sinônimo de eletroplessão. Outros, como Genival Veloso de França,
entendem que o termo deve ser reservado apenas para o cumprimento de pena judicial de
morte em cadeira elétrica.
Hygino de Carvalho Hércules não utiliza o termo fulminação; o autor entende que tanto
a ação letal como não letal pela eletricidade de fonte cósmica correspondem a fulguração.

AÇÕES DA ELETRICIDADE

A eletricidade pode ter ação direta ou indireta no corpo humano. A ação direta ocorre
no funcionamento cardíaco, no sistema de condutibilidade elétrica do coração, causando
arritmia. Uma das mais graves arritmias, que pode causar a morte em caso de ação elétrica,
é a fibrilação ventricular.

63
A ação indireta ocorre em razão da produção de calor, determinada pelo efeito Joule,
abaixo descrito, com a consequente produção de queimaduras elétricas.

Efeito Joule: “A passagem de uma corrente elétrica através de um condutor


determina calor. O calor é proporcional à resistência do condutor, ao
quadrado da intensidade e ao tempo durante o qual passa pelo condutor”

Podem ocorrer ainda lesões por arcos voltaicos, especialmente em altas voltagens,
quando podem se formar faíscas que causam as lesões por arcos voltaicos, com
carbonização. As faíscas saltam do condutor com alta voltagem para o corpo e escoam para
o solo. Ou seja, é possível dano elétrico sem contato direto com o condutor!

LESÕES TÍPICAS EM DANO ELÉTRICO

SINAL DE LICHTENBERG: ocorre em danos por eletricidade natural/cósmica; é uma lesão


arboriforme (em forma de árvore, em forma de samambaia), avermelhada, decorrente de
fenômenos vasomotores com a passagem da corrente. Por corresponder especialmente a
vasodilatação, é efêmera, passageira. Mais comumente observada nas fulgurações.

MARCA ELÉTRICA DE JELLINEK: é a porta de entrada da corrente elétrica do corpo, mais


frequentemente de fonte artificial/industrial. É uma lesão de morfologia variável, comumente
nodular, indolor, endurecida, de fácil cicatrização, de cor branco-amarelada. Hygino de
Carvalho Hércules fala que é um tipo de queimadura elétrica. França discorda e diz
claramente que “a marca elétrica é diferente da queimadura elétrica”. Para ele, a marca de
Jellinek é só a porta de entrada da corrente no corpo e a queimadura é por ação térmica
decorrente do efeito Joule, com aspectos etiológicos e danos corporais diferentes.

Outras lesões são a queimadura elétrica pelo calor produzido pela corrente elétrica; não
forma bolhas ou flictenas, formando escara escura; a metalização (deposição cutânea do
metal do fio condutor) e amputações de membros e até mesmo secção corporal.

MECANISMOS DE MORTE NO DANO ELÉTRICO


Descrevem-se três principais mecanismos de morte na ação elétrica, que guardam
relação com a intensidade da corrente.

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→ Alta tensão (maior que 1.200 volts) → morte por lesões cerebrais e bulbares, com parada
respiratória de origem central (por lesão no bulbo) e edema cerebral grave.

→ Média tensão (entre 120 a 1.200 volts) → morte por mecanismo pulmonar (asfixia), em
razão de alteração do funcionamento dos músculos acessórios da respiração pela tetania e
fadiga muscular após passagem da corrente elétrica.

→ Baixa tensão (abaixo de 120 volts) → morte por mecanismo cardíaco, com
desenvolvimento de arritmia, especialmente fibrilação ventricular, e parada cardíaca.
Influência no sistema de condução elétrica do coração.

→ PRESSÃO ATMOSFÉRICA

Os danos corporais pela ação da pressão atmosférica são denominados, de forma


geral, BAROPATIAS (o prefixo “baro” corresponde a pressão).
Baropatias ocorrem pela permanência do corpo em ambientes de pressão muito alta,
muito baixa, ou com variações bruscas da pressão (descompressão rápida ou explosivos).

BAROPATIAS POR ALTAS PRESSÕES

Baropatias por altas pressões se subdividem em:

1) Barotrauma → é a lesão que ocorre em órgãos em decorrência da incapacidade de igualar


as pressões (desequilíbrio entre o ambiente hiperbárico e cavidades naturais do corpo, como
pulmões, ouvidos, seios da face, dentes e vísceras ocas, como o tubo digestivo).

2) Intoxicação pelos gases hiperbáricos (nitrogênio, oxigênio e gás carbônico). O oxigênio em


altas concentrações também é irritante para os tecidos, produz radicais livres que são tóxicos
para os neurônios.

Exemplos de pessoas sujeitas a baropatias por altas pressões: mergulhadores, pessoas que
trabalham em túneis subterrâneos e minas; que podem apresentar o “mal dos caixões”.

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BAROPATIAS POR DESCOMPRESSÃO RÁPIDA

Pessoas sujeitas a uma rápida variação da pressão atmosférica, como na subida


rápida em aeronaves não pressurizadas ou mergulhadores que sobem rápido à superfície,
estão sujeitas a doença por descompressão.
São fatores importantes a velocidade da descompressão, o gradiente entre os valores
inicial e final e o tempo de permanência no ambiente de maior pressão.
Tipos principais:
1) Doença de descompressão → ocorrem os denominados bends, que são crises de
dor nas articulações, paralisias, sintomas respiratórios e neurológicos.

2) Embolia traumática pelo ar (barotrauma pulmonar) → o mais grave acidente de


mergulho, que acontece na subida.
Quando o mergulhador vai descendo e a pressão aumenta, o tórax vai sendo
comprimido pela pressão. Os aparelhos usados pelo mergulhador (scuba) fornecem gás para
aumentar a massa de ar dentro dos pulmões, impedindo que sofra compressão pelo aumento
de pressão. Ou seja, em altas pressões nas grandes profundidades, tem muito mais ar dentro
dos alvéolos dos pulmões do que o normal. Quando o mergulhador sobe, ele tem que eliminar
esse ar devagar. Se ele subir rápido e não eliminar o ar em excesso, ele vai causar a ruptura
das paredes dos alvéolos pulmonares.

BAROPATIAS POR BAIXAS PRESSÕES

À medida em que subimos para locais de elevadas altitudes, a pressão atmosférica


diminui e o ar fica mais rarefeito, com diminuição do O2 e do CO2 e a composição do ar altera
a hematose (troca gasosa que ocorre nos pulmões).
Se temos menos O2 respirável e, portanto, na circulação sanguínea, aumenta-se de
forma compensatória a produção numérica de hemácias, que têm a hemoglobina como
molécula com função de carrear o O2 até as células. O fenômeno se denomina poliglobulia
compensatória da patologia das altitudes ou “doença das montanhas”.

Formas da patologia das altitudes:

→ Formas agudas: são a forma clássica benigna, o edema pulmonar das grandes altitudes e
o edema cerebral.

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A forma clássica benigna é comum e caracteriza-se pelos sintomas de dor de cabeça, falta
de ar, tontura, vômito, dispneia, quando se chega a um ambiente de elevadas altitudes.
Os edemas são graves e podem ser letais

→ Forma crônica ou Doença de Monge: é a forma própria de pessoas mais velhas que
habitam há muito tempo nas grandes altitudes (conhecidos como highlanders). Os indivíduos
apresentam poliglobulia, lábios escuros, dedos em baqueta de tambor, cefaleia, tonturas,
sonolência, irritabilidade, pouca aptidão a esforços.

EXPLOSÕES

Qualquer explosão decorre de uma reação química em que o material explosivo,


líquido ou sólido, é transformado quase que imediatamente em grande volume de gases que
se expandem de forma violenta. Há uma súbita compressão do ar ao redor, formando ventos
explosivos, e um deslocamento em grande velocidade, com formação de ondas de pressão.
Quando as ondas de pressão atingem o corpo, formam os blasts, que são o conjunto
de efeitos lesivos da explosão.

Há quatro tipos de blasts:

1) Blast primário → decorre da onda de choque propriamente dita, lesando órgãos que
contêm ar, como ouvidos, pulmões e tubo digestivo.

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2) Blast secundário → decorre do estilhaçamento do material explosivo e de objetos
próximos ao foco de explosão. As lesões resultam de “projéteis” originados do estilhaçamento
do material explosivo ou de corpos/objetos que estejam perto do foco de explosão. Trata-se
do efeito da fragmentação.

3) Blast terciário → as lesões do blast terciário decorrem do deslocamento da pessoa pelo


vento explosivo; com arremesso a distância do próprio indivíduo e lesões contusas em
consequência, como fraturas, equimoses, hematomas, etc.

4) Blast quaternário → nele se enquadram lesões não decorrentes das anteriores, como por
exemplo queimaduras e intoxicação por gases. Complicações tardias podem também estar
relacionadas ao blast quaternário.

→ RADIOATIVIDADE, LUZ E SOM

Tais agentes físicos estão mais propriamente associados a lesões adquiridas em


ambientes com inadequadas condições de trabalho ou determinadas profissões (acidentes ou
doenças do trabalho, estudadas no âmbito da Infortunística Forense, ramo da Medicina legal
que estuda questões inerentes ao trabalho).
A radiação pode gerar radiodermite (lesões na pele e até mesmo neoplasias cutâneas
com médios a longos períodos de exposição) e lesões nas gônadas (ovários e testículos),
podendo causar infertilidade a longo prazo. Trabalhadores que realizam exames de raios-X
devem usar proteção plúmbica, em razão da continuada exposição à radioatividade.
A luz pode causar diversas lesões oculares em trabalhadores que não fazem uso de
equipamento fotoprotetor.
O som induz lesões auditivas, como zumbido, otalgia (dor de ouvido) e PAIR, que é a
perda auditiva relacionada ao ruído.

CAPÍTULO 4

ASFIXIOLOGIA FORENSE

As asfixias são energias de ordem físico-química, em que ocorre impedimento físico à


passagem do ar pelas vias aéreas, alterando a função respiratória, inibindo a hematose –
troca gasosa que ocorre nos pulmões – e alterando, em consequência, a composição química

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do sangue. Ocorrerá hipóxia (redução do oxigênio no sangue) e hipercapnia (aumento do gás
carbônico).
Há asfixias de ordem natural (doenças que cursam com hipóxia e hipercapnia) e de
ordem violenta/externa, sendo essas últimas, denominadas asfixias mecânicas, o objeto de
estudo da Medicina Legal.
Cadáveres de pessoas que morreram em situação de asfixia apresentam
características gerais, sinais externos e internos, que são muito variáveis e não são
absolutamente específicos das asfixias mecânicas, podendo acontecer em outras condições.
Os sinais mais relevantes são:
- “cianose” cadavérica → cadáver de coloração azulada, em razão das manchas de
hipóstase mais escuras, pois o sangue também é de cor escura pela hipercapnia;
- congestão da face e polivisceral;
- sangue escuro e de fluidez aumentada (sangue asfíxico);
- espuma nas vias aéreas;
- rigidez muscular precoce;
- petéquias e equimoses generalizadas, que são chamadas de manchas de Tardieu
quando localizadas nas regiões subepicárdicas (coração) e subpleurais (pulmões).

As asfixias podem ser classificadas em três grandes grupos: asfixias por sufocação,
por constrições do pescoço e por modificação do ambiente.
Há, ainda, clássica divisão adotada por Afrânio Peixoto, que subdivide as asfixias em
puras, complexas e mistas.

ASFIXIAS PURAS

São as que cursam basicamente com hipóxia e hipercapnia, como as sufocações e as


asfixias por modificação do ambiente (afogamento, soterramento, confinamento, asfixia por
monóxido de carbono e gases irrespiráveis).

ASFIXIAS COMPLEXAS

São as que cursam com hipóxia, hipercapnia e graus variáveis de fenômenos


circulatórios/vasculares (interrupção da circulação cerebral) e respiratórios. São o
enforcamento e o estrangulamento.

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ASFIXIA MISTA

A asfixia mista é a esganadura. Cursa com hipóxia, hipercapnia, graus variáveis de


fenômenos circulatórios e respiratórios, além de fenômenos reflexos, pela compressão do seio
carotídeo.

→ ASFIXIAS POR SUFOCAÇÃO

SUFOCAÇÃO DIRETA

Trata-se de obstrução das vias aéreas em qualquer ponto, desde os orifícios naturais
(boca e narinas) até os condutos respiratórios inferiores (traqueia e brônquios), com
impedimento direto mecânico à passagem do ar.
Aspiração de corpo estranho (ex: criança que se engasga com goma de mascar e a
aspira) e de vômito, obstrução na face com almofadas, são exemplos comuns.

SUFOCAÇÃO INDIRETA

Ocorre quando há intensa compressão do tórax e/ou do abdome, impedindo o


adequado funcionamento da musculatura acessória da respiração. Embora a via aérea esteja
livre, a dinâmica respiratória é alterada quando há impedimento mecânico aos movimentos
torácicos, na inspiração e expiração.
Achado típico dessa modalidade é a máscara equimótica da face, equimose
cérvico-facial ou sinal e Morestin, em que a face da vítima se mostra avermelhada, com
milhares de petéquias, em razão do represamento de sangue no polo da cabeça por
impedimento de retorno venoso, já que a pressão torácica está aumentada.

SUFOCAÇÃO POSICIONAL

Ocorre quando a vítima permanece em uma posição capaz de causar fadiga da


musculatura acessória da respiração; de certa forma, trata-se de um subtipo de sufocação
indireta, pois é a falência dos movimentos respiratórios que acarretam a asfixia.
As posições passíveis de causar sufocação posicional são a crucificação, o
posicionamento prolongado de cabeça para baixo e certas posições de imobilização em que
mãos e pés da vítima são conjuntamente amarrados no dorso.

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→ ASFIXIAS POR CONSTRIÇÃO EXTRÍNSECA DO PESCOÇO

O pescoço é uma área muito nobre do corpo, por onde passam estruturas anatômicas
importantes, recobertas por escasso arcabouço muscular. Pressões exercidas sobre o
pescoço podem acarretar disfunções de vasos sanguíneos, nervos e da própria via
respiratória, acarretando asfixia.
Uma das artérias mais importantes que correm no pescoço, responsável por carrear
sangue arterial oxigenado para o encéfalo, é a artéria carótida, frequentemente comprimida e
nas constrições cervicais. Veia jugular e nervo vago são também estruturas importantes no
fenômeno.
Há três tipos de constrição cervical extrínseca: enforcamento, estrangulamento e
esganadura.

ENFORCAMENTO

Trata-se de asfixia mecânica por constrição cervical causada por um laço acionado
pelo próprio peso do corpo da vítima. Portanto, a força passiva do peso corporal da vítima é
a diferenciação conceitual entre o enforcamento e outras formas de constrição do pescoço.
O laço cervical pode ter diversas naturezas, havendo laços rígidos, semirrígidos e
macios (cordas, fios de aço, lençóis, etc.). Normalmente, o nó fica situado em uma posição
mais alta, estando o laço fixo a um ponto de apoio mais alto, que ofereça resistência ao peso
do corpo. A cabeça pende para o lado oposto ao do nó.
O enforcamento pode ser classificado em:

1) Enforcamento completo → quando há suspensão completa do corpo; sem apoio em


qualquer anteparo.

2) Enforcamento incompleto → quando há suspensão incompleta do corpo; ou seja, alguma


parte do corpo se apoia em algum anteparo.

3) Enforcamento típico → relacionado à posição do nó, que se situa na região posterior do


pescoço.

4) Enforcamento atípico → quando o nó se situa na região lateral ou anterior do pescoço.

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


O sulco cervical é a marca deixada no pescoço pelo laço, com características
relevantes para diferenciar o enforcamento do estrangulamento, embora possam ser variáveis
a depender da dinâmica dos fatos.
As características mais marcantes são: sulco cervical alto, situado acima do osso
hióide, oblíquo em direção ascendente, descontínuo no nó (incompleto), de profundidade
heterogênea, justamente porque na área do nó, o laço não encosta na pele.
A mais comum causa jurídica de morte no enforcamento é o suicídio, mas são
possíveis também outras hipóteses, como homicídio ou acidente, embora mais raras.

Há diversos sinais e lesões no pescoço nas constrições extrínsecas, especialmente no


enforcamento. Os mais comumente observados são:

➢ Sinal de Amussat: rotura da camada interna/íntima da artéria carótida, próxima à sua


bifurcação;
➢ Sinal de Friedberg: equimose da camada externa ou adventícia da artéria carótida;
➢ Sinal de Dotto: rotura da bainha de mielina do nervo vago;
➢ Sinal de Bonnet: rotura das cordas vocais, internamente. Externamente, o sinal de
Bonnet representa as marcas da textura do laço;
➢ Linha argêntica: escoriação da pele causada por laços duros, com posterior a
desidratação da derme, que adquire tonalidade esbranquiçada;
➢ Sinal de Hoffmann: fraturas na cartilagem tireoide;
➢ Sinal de Ponsold: livores nas bordas do sulco cervical.

ESTRANGULAMENTO

O estrangulamento é uma forma de asfixia mecânica em que a constrição cervical é


feita por meio de um laço acionado por uma força DIVERSA do peso do corpo da vítima, o
que o diferencia do enforcamento.
Como exemplos, o laço pode ser acionado pela força muscular dos braços da própria
pessoa ou por outra, com ou sem auxílio da roupa da vítima.
Golpes de luta, como “gravata” e “mata-leão”, bem como o uso de pernas e joelhos no
pescoço da vítima, são classificados como estrangulamento atípico, assim como o
estrangulamento antebraquial (feito com o antebraço do agressor).

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A causa jurídica mais comum de morte no estrangulamento é o homicídio, havendo
também outras possibilidades, como até mesmo em casos de transtornos da sexualidade,
como asfixiofilia.
O sulco cervical no estrangulamento tem características distintas do enforcamento: a
profundidade é mais regular e uniforme (sulco completo), sem descontinuidade (por
habitualmente não ter nó) e menos acentuada que no enforcamento suicida. A localização é
mais baixa, abaixo do osso hioide e da cartilagem tireoide. A direção diferente, em sentido
horizontal. É comum que o sulco tenha uma parte dupla, com o trespassamento de uma
extremidade sobre a outra. Estrias ungueais e escoriações nas proximidades do sulco são
muito comuns e expressam tentativa de defesa da vítima.

ESGANADURA

A esganadura é as asfixia mecânica causada pela constrição do pescoço pelas MÃOS


do agressor.
Denota intenção homicida, dolo, e requer superioridade de forças ou impedimento de
resistência da vítima; não é possível esganadura letal suicida ou acidental.
Trata-se de asfixia mista em que o principal mecanismo de morte relaciona-se aos
fenômenos inibitórios e mecanismos reflexos, decorrentes da compressão nervosa e do seio
carotídeo, sendo de ínfima importância a compressão vascular. O seio carotídeo é um
barorreceptor (receptor de pressão) que se localiza na bifurcação da artéria carótida comum.

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Com a compressão dessa estrutura, ocorrem bradicardia e hipotensão reflexas, mediadas por
estímulos nervosos.
As principais lesões encontradas são os estigmas ungueais (marcas de arranhadura
de unha no pescoço), petéquias na face, congestão conjuntival, hemorragia subcutânea e em
músculos cervicais, lesões da laringe, fraturas de cartilagens e osso hioide; as lesões de vasos
do pescoço são raras.
São ainda descritas as marcas de França, como marcas em meia-lua das unhasdo
agressor na camada íntima da artéria carótida, pela pressão das unhas apertando o vaso
sobre a coluna cervical da vítima.

→ ASFIXIAS POR MODIFICAÇÃO DO AMBIENTE

Nas modificações do ambiente, o ar respirável é substituído por outro meio ou


substância irrespirável, causando asfixia. Há diversas modalidades compreendidas nesse
grupo, sendo mas mais relevantes o confinamento, o soterramento, a asfixia por monóxido de
carbono e o afogamento.

CONFINAMENTO

Trata-se de tipo de asfixia por modificação do ambiente em que um ou mais indivíduos


fica(m) preso(s) em um ambiente sem adequada renovação do ar.
Mesmo que esse local não esteja hermeticamente vedado, com o tempo o ambiente
se torna inadequado, com consumo de oxigênio, aumento de gás carbônico, aumento da
temperatura e da saturação de vapores d`água no ar ambiente.
Os principais exemplos são pessoas que ficam presas debaixo de escombros em
desabamentos e desmoronamentos ou em cavernas ou túneis subterrâneos.

SOTERRAMENTO

Trata-se de tipo de asfixia mecânica causado por obstrução da via aérea por terra ou
substâncias pulverulentas, sendo esse o conceito estrito de soterramento.
Ocorre que a síndrome é mais adequadamente compreendida sob um conceito amplo,
uma vez que ocorre uma multiplicidade de fenômenos que contribuem para a morte no
soterramento.
Em sentido amplo, o soterramento compreende os quatro seguintes mecanismos:

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- Sufocação direta, já que a própria terra aspirada promove obstrução da via aérea;
- Sufocação indireta, pela compressão do tórax por escombros ou pela terra sobre a vítima,
impedindo a devida movimentação torácica na respiração; afirma-se ser a sufocação indireta
o mecanismo mais relevante de morte no soterramento;
- Confinamento, pois a vítima pode permanecer confinada em bolsões de ar, em um primeiro
momento;
- Lesões traumáticas contusas, pela queda sobre a vítima de escombros, causando fraturas,
equimoses e hematomas.

Os principais exemplos de soterramento são desabamentos, desmoronamentos,


rupturas de barragens de mineração, dentre outros. O exame do local dos fatos será
fundamental para o diagnóstico correto dos mecanismos de morte.

ASFIXIAS POR GASES IRRESPIRÁVEIS

Trata-se de subgrupo complexo em que há múltiplos gases irrespiráveis que podem


causar asfixia, como gases de combate (lacrimogêneos e sufocantes), tóxicos, anestésicos e
industriais.
Dentre os gases tóxicos, tem-se o gás cianídrico/cianeto e o monóxido de carbono.

→ Asfixia por monóxido de carbono

Incêndios, combustão de motor de automóvel, deflagração de explosivos podem


liberar monóxido de carbono no ambiente, gás tóxico incolor e inodoro.
A morte em tais casos não ocorre por envenenamento, mas sim por asfixia tissular
(nos tecidos), uma vez que o monóxido de carbono se liga de forma estável à hemoglobina,
formando a carboxiemoglobina e impedindo a ligação da molécula com o oxigênio. Logo, a
hemoglobina levará monóxido de carbono e não oxigênio aos tecidos e às células, causando
uma hipóxia tecidual.
As vítimas apresentam edema cerebral, cefaleia, tosse, zumbidos, náuseas, vômitos,
convulsões e coma.
A necropsia mostrará elementos de grande valor, como manchas de hipóstase de cor
vermelho-clara mais alaranjada, tipicamente carmim; rigidez precoce; sangue de cor mais
clara e fluido; putrefação tardia; edeme cerebral; pulmões rosados.

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A pesquisa de monóxido de carbono no sangue é feita por meio de exame de
espectroscopia e reações químicas específicas.

AFOGAMENTO

Afogamento é um tipo de asfixia mecânica produzido pela penetração de um meio


líquido ou semilíquido nas vias respiratórias, impedindo a passagem de ar até os pulmões.
Não é necessário que o corpo esteja totalmente submerso, basta que os orifícios naturais –
boca e narinas – estejam em contato com o meio líquido.
O afogamento acidental é a forma mais comum.

→ Nomenclaturas associadas ao afogamento:

1) Afogamento verdadeiro ou azul → é o real afogamento, em que há verdadeira asfixia,


podendo a morte ocorrer de forma lenta e agônica, com resistência do indivíduo que tenta
buscar a superfície, ou rápida.

2) “Afogado” branco de Parrot → não é um verdadeiro afogamento e não há sinais de


asfixia! Embora de mecanismo pouco explicado, aceita-se que há casos em que pessoas
foram encontradas na água, mas não se afogaram verdadeiramente, tendo a morte ocorrido
por inibição, em indivíduos com patologias prévias, doenças cardiovasculares, com
fenômenos neurológicos inibitórios mais descritos em águas geladas.

3) Afogamento incompleto → não requer total submersão do corpo, bastando os orifícios


naturais em meio líquido. Ex: tortura com cabeça da vítima em baldes d’água.

4) Semi ou quase-afogamento → quando a vítima é resgatada viva e sobrevive por mais de


24 horas, podendo até falecer no decorrer do tratamento.

5) Afogamento secundário → a vítima está na água e se afoga por outras causas, como por
exemplo uso de drogas, álcool, convulsões, infarto, traumas.

São numerosos os sinais cadavéricos externos e internos no afogamento. Há sinais


típicos e mais frequentes, abaixo enunciados:

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- pele anserina ou “pele de galinha”: pele enrugada com pêlos eriçados, baixa temperatura e
retração dos mamilos;
- maceração asséptica, com descamação da epiderme em “dedos de luva”, por vezes
denominada “mãos de lavadeira”;
- lesões de arrasto (lesões de Simonin), que consistem em lesões post mortem pelo arraste
do corpo no leito dos rios ou fundo do mar, na fase de submersão;
- lesões post mortem causadas pela fauna aquática;
- mancha verde da putrefação no esterno/tórax ou parte inferior do pescoço;
- cogumelo de espuma, especialmente nos indivíduos que reagiram na água e cujos
cadáveres foram precocemente dela retirados;
- erosões nos dedos e corpos estranhos subungueais;
- presença de líquido e corpos estranhos nas vias respiratórias e digestivas superiores;
- lesões pulmonares mais intensas do que nos demais tipos de asfixia, como edema, enfisema
aquoso, equimoses subpleurais e manchas de Paltauf;
- congestão polivisceral;
- presença de líquidos no ouvido médio;
- hemorragia temporal e etmoidal;
- incoagulabilidade do sangue;
- hemodiluição (diluição do sangue nos afogamentos em água doce) ou hemoconcentração
(em água algada, uma vez que o aumento do sódio nos alvéolos pulmonares puxa líquido do
sangue para o interior dos alvéolos, por difusão).

Nos afogamentos em água doce, a maior diluição do sangue leva a penetração de


líquido (por gradiente de difusão) no interior das hemácias, que, por tal razão, sofrem ruptura.
A hemólise (ruptura das hemácias) faz com que o potássio presente em seu citoplasma seja
liberado no sangue, causando hiperpotassemia. O potássio em elevada concentração no
sangue é potencializador de arritmias cardíacas, como fibrilação ventricular, grave e
potencialmente letal.

→ CRIOSCOPIA DE CARRARA

Trata-se de avaliação do ponto de congelamento do sangue, método que auxilia a


diferenciar afogamento verdadeiro de simulação de afogamento e também afogamentos em
água doce e em água salgada.

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Sabe-se que, quanto maior a concentração molecular de um líquido, mais baixa será
sua temperatura de congelamento. O ponto de congelamento ou ponto crioscópico do sangue
normal varia entre – 0,55oC e – 0,57oC.
No afogamento em água doce, a hemodiluição eleva o ponto crioscópico, enquanto
em água salgada ocorre o contrário: a hemoconcentração diminui o ponto de congelamento,
fazendo que o sangue congele a temperaturas menores que o normal. Tal variação é
observada sobretudo comparando-se o sangue presente nos diferentes lados do coração, nas
câmaras cardíacas esquerdas e direitas.
Sabendo-se que o sangue que retorna dos pulmões ao coração chega no átrio
esquerdo, é o sangue constante nessa cavidade que sofrerá as maiores variações no ponto
de congelamento.

CAPÍTULO 5

TOXICOLOGIA FORENSE

A Toxicologia Forense é o ramo da Medicina Legal que estuda as energias de ordem


química, que compreendem todas as substâncias capazes de entrar em reação química com
os tecidos vivos, promovendo danos à vida ou à saúde.
As principais energias de ordem química estudadas na perícia médico-legal
compreendem os cáusticos, venenos, drogas ilícitas, medicamentos e álcool etílico.

→ CÁUSTICOS

Os cáusticos ou corrosivos são substâncias químicas que causam lesão na vítima por
contato, por meio de ação EXTERNA, gerando uma necrose química (diferenciam-se dos
venenos por essa ação, já que eles têm ação interna!). Por sua natureza química, provocam
reações externas com os tecidos e lesões tegumentares/cutâneas potencialmente graves.

São classificados de acordo com seus efeitos em:

- Cáusticos coagulantes → desidratam os tecidos, gerando escaras secas e endurecidas,


de cor variável de acordo com a substância. São os ácidos e sais.
O ácido sulfúrico causa escaras secas e esbranquiçadas ou pardas. O ácido nítrico produz
escaras secas e amareladas. Já o ácido clorídrico produz escaras secas e de cor

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


cinza/enegrecida. Os sais (como nitrato de prata e cloreto de zinco) produzem escaras secas
e brancas.

- Cáusticos liquefaciantes → não desidratam os tecidos e produzem escaras úmidas, moles


e translúcidas. São as bases cáusticas (como amônia, soda e potassa).

Obs.: deve-se ressaltar o termo vitriolagem, utilizado para nomear lesões cáusticas
por agentes diversos, embora o nome tenha surgido do ácido sulfúrico, já chamado de
óleo de vitríolo. Potencial configuradora de deformidade permanente, a vitriolagem
pode configurar o crime de lesão corporal gravíssima.

→ VENENOS

Um veneno é uma substância que, quando introduzida no organismo em quantidades


relativamente pequenas e reagindo quimicamente, é capaz de produzir, como efeito habitual
e mesmo em indivíduos saudáveis, lesões graves à saúde.
A ação dos venenos é INTERNA, o que os diferencia dos cáusticos. Logo, deve haver
uma porta de entrada do veneno no organismo e ele deve ser absorvido.
Um veneno percorre as seguintes fases no organismo: penetração, absorção,
distribuição, fixação, transformação e eliminação.
Deve, assim, penetrar no corpo, pois sua ação é interna. A partir daí, é absorvido e
cai na corrente sanguínea, circulando e sendo distribuído aos tecidos. Fixa-se em algum
tecido ou órgão alvo. Em sequência, o organismo tenta metabolizar o veneno e transformá-
lo em algum metabólito menos tóxico e que possa ser eliminado pelas vias naturais, como
urina, suor, lágrimas, fezes.
A depender do tipo de veneno, é possível sua identificação até mesmo em material de
exumação, em putrefeitos avançados. A coleta de líquidos e tecidos orgânicos para exame
laboratorial e identificação de veneno não deve ser acompanhada de fixação do material em
formol, devendo a amostra ser mantida refrigerada caso não possa ser encaminhada
imediatamente ao laboratório.

Alguns conceitos importantes em relação aos venenos (podem ser também


observados em uso concomitante de substâncias químicas diversas, como álcool e
medicamentos, álcool e drogas ilícitas, dentre outros):

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- Mitridatização → elevada resistência orgânica aos efeitos tóxicos dos venenos, por meio
de ingestão repetida e progressiva, muitas vezes até mesmo intencional.

- Intolerância → alta sensibilidade de algumas pessoas a pequenas doses de veneno,


imperceptíveis para outras pessoas.

- Sinergismo → ação potencializadora dos efeitos tóxicos decorrente da ingestão simultânea


de várias substâncias químicas. Uma substância potencializa os efeitos tóxicos da outra.

- Antagonismo por competição → quando duas substâncias agem em sentido contrário e


competem pelo mesmo receptor: uma droga ou veneno se liga ao receptor e impede a ação
da outra.

- Antagonismo por antidotia → o efeito entre as duas substâncias é também antagônico,


mas com a neutralização de uma pela outra, por meio de reação química entre elas. O antídoto
neutraliza o veneno para o qual ele foi utilizado, reagindo quimicamente com ele.

SÍNDROME DO BODY PACKER

São indivíduos que transportam ilegalmente drogas no corpo para fins de contrabando.
O body packer é o que realiza ingestão da droga, estando as cápsulas localizadas no
estômago e nos intestinos. Já o body pusher é aquele que introduz a droga em orifícios
naturais, especialmente ânus e vagina.
As complicações relacionam-se à ruptura das cápsulas ou obstrução intestinal. A
ruptura produz quadro agudo de febre, sudorese, agitação, convulsões, arritmias cardíacas,
náuseas e vômitos. Em casos graves, ocorre a morte por intoxicação aguda.
A suspeita de que o indivíduo está conduzindo cápsulas de droga no organismo como
body packer deve ser confirmada por meio de exames de imagem, como tomografias e
ressonâncias, que permitem a visualização das cápsulas no estômago ou nos intestinos.

→ TOXICOFILIAS OU TOXICOMANIAS

Toxicomanias ou toxicofilias consistem no hábito do consumo de substâncias


psicotrópicas ou drogas, um “estado de intoxicação crônica ou periódica, prejudicial ao

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indivíduo e nociva à sociedade, pelo consumo repetido de determinada droga, seja ela natural
ou sintética” (OMS).
Drogas, por sua vez, são substâncias naturais, sintéticas ou semissintéticas, com
potencial de causar tolerância, dependência e crise de abstinência. Esta crise decorre da
interrupção abrupta do uso da substância e é caracterizada por sintomas como tremores,
inquietação, náuseas, vômitos, irritabilidade, anorexia e distúrbios do sono.
As substâncias psicotrópicas ou psicoativas podem ser classificadas de acordo com
os seus principais efeitos no psiquismo em substâncias psicolépticas, psicoanalépticas e
psicodislépticas. Há de se ressaltar a existência de alguma divergência doutrinária na
classificação de algumas substâncias nesses três grupos. Isso não é de se estranhar, pois a
depender da dose da substância e da reação individual, os efeitos podem mesmo sofrer
alguma variabilidade. Por exemplo, o álcool é depressor do sistema nervoso central (SNC),
mas em baixas doses pode produzir estado de liberação comportamental e excitação.
Adota-se majoritariamente a classificação de Hygino de Carvalho Hércules:

1) PSICOLÉPTICOS → são substâncias DEPRESSORAS do sistema nervoso central (SNC),


como álcool etílico (etanol), agentes opiáceos (como ópio, morfina, heroína e fentanil),
barbitúricos e benzodiazepínicos.

2) PSICOANALÉPTICOS → substâncias ESTIMULANTES do SNC, como anfetaminas,


cocaína e derivados, nicotina e cafeína.

3) PSICODISLÉPTICOS → substâncias PERTURBADORAS do SNC, que alteram


qualitativamente a atividade mental. As mais clássicas são a maconha, o LSD (ácido lisérgico),
a mescalina (extraída do cacto peiote), a psilocibina (extraída de um cogumelo) e o ayahuasca
(“chá do Santo Daime”).

Alguns aspectos relevantes das principais substâncias psicotrópicas de uso e abuso:

→ MACONHA e HAXIXE

A maconha, Cannabis sativa, tem dois mais importantes princípios ativos: o


tetrahidrocanabinoal (THC) tetrahidrocanabinol, com efeitos psicoativos e neurotóxicos,
embora a toxicidade seja relativa; e o canabidiol (CBD), com possibilidades terapêuticas e
efeito protetor de dano neuronal, embora se tenha observado redução do CBD nas variedades

81
de maconha atualmente consumidas. O denominado uso medicinal da substância tem sido
realizado em epilepsia e alguns tipos de câncer, com redução da dor.
O haxixe é retirado da resina seca de folhas de maconha. Apresenta-se na forma de
pequenas pedras que têm maior concentração de THC.
Em regra, a nocividade é relativa, sem dependência física e sem crises típicas de
abstinência.
É uma substância considerada perturbadora do SNC, com efeitos no humor e
percepção e na sensação de prazer; embora cause também lassidão, afetação da memória e
falta de orientação no tempo e no espaço. Taquicardia, boca seca e congestão conjuntival
são também sintomas descritos.

→ MORFINA

É um alcaloide derivado do ópio, com potente efeito analgésico.


Apresenta-se na forma de um líquido incolor, com uso por meio de injeção
intramuscular.
Induz uma fase inicial de euforia e disposição, conhecida como “fase da lua-de-mel da
morfina”. Causa, contudo, progressiva tolerância, intoxicação e dependência de forma rápida,
podendo produzir embotamento da consciência, torpor e coma, como efeitos depressores do
SNC.

→ HEROINA

Agente opióide derivado da morfina, é a diacetilmorfina, que se apresenta na forma de


um pó branco sintético, cinco vezes mais potente que a morfina, com uso por meio de diluição
e injeção na corrente sanguínea.
Causa dependência em poucas semanas e crises de abstinência típicas.

→ COCAÍNA

Alcaloide extraído das folhas da coca, uma das drogas ilícitas mais frequentemente
usadas na atualidade.
Apresenta-se na forma de um pó branco, com uso por meio de aspiração nasal, fricção
da mucosa gengival ou após diluição e injeção.

82
Com uso por aspiração nasal e devido ao seu efeito vasoconstritor local, a perfuração
do septo nasal é um efeito comum, constituindo lesão clássica para o diagnóstico.
A intoxicação aguda apresenta-se com excitação neuropsicomotora, agitação,
tremores, convulsões, aumento da pressão arterial e angina (dor no peito). Pode induzir infarto
e parada cardíaca.

→ CRACK E MERLA

São derivados e subprodutos da pasta base da cocaína.


O crack apresenta-se sob a forma de pedras branco-amareladas, com uso por meio
de aspiração, após quebra das pedras e trituração em cigarros e cachimbos.
Os sintomas e sinais são de agente excitante do SNC e semelhantes aos da cocaína,
com dilatação das pupilas, irritabilidade, agressividade, podendo acarretar também delírios e
alucinações.
A merla tem maior poder destrutivo que o crack e é mais barata. O usuário apresenta
odor característico da pele, em razão da liberação no suor de metabólitos das substâncias
misturadas para o refino da droga. Causa lesão ao fígado, configurada por hepatite tóxica.

→ OXI

Substância produzida a partir do refino de folhas de coca, oxidadas com outras


substâncias químicas. É um “crack oxidado”, daí vem o seu nome.
Apresenta-se na forma de pedras amareladas, com uso por meio de queima das
pedras em cachimbos, trituradas em cigarros ou aspiradas em pó.
É droga muito barata e nociva, com efeitos rápidos e graves e elevada letalidade.

→ LSD (ÁCIDO LISÉRGICO)

Trata-se da dietilamida do ácido lisérgico, o mais potente alucinógeno na atualidade.


Induz efeitos psíquicos de alteração da percepção, do pensamento e do humor, com
alucinações visuais e alteração na percepção de cores.
Apresenta-se sob a forma de tabletes de açúcar ou em fragmentos de pepel colorido
ou cartolina, com a droga neles dissolvida. O uso é por ingestão oral.
Induz sintomas e sinais de quatro grandes grupos:

83
1) estado de reação megalomaníaca (o usuário pode se sentir “todo-poderoso”, sendo
descritos casos de pessoas que se sentem capazes de voar e pulam de janelas);
2) depressão profunda e angústia;
3) perturbações paranoicas (delírios de perseguição e o usuário pode atacar as pessoas que
o rodeiam);
4) confusão mental grave.

→ MEDICAMENTOS

BARBITÚRICOS E BENZODIAZEPÍNICOS

Configuram medicamentos das classes dos indutores do sono, com efeitos sedativos
e ação depressora do SNC, podendo induzir coma e parada respiratória quando em altas
doses não terapêuticas.

ANFETAMINAS

São fármacos estimulantes do SNC, usados de forma indiscriminada em problemas


de sobrepeso e obesidade e também de forma indevida, como euforizante, para se manter
acordado e vencer o cansaço. O ecstasy (MDMA) é um tipo de anfetamina. Induzem aumento
da pressão arterial, taquicardia, arritmias, febre, dilatação das pupilas e boca seca.

Obs.: Por fim, deve-se ressaltar que novas drogas vêm sendo cada vez mais produzidas e se
tornando um novo problema social. Está sendo observado um aumento de substâncias
químicas novas que ainda não estão contempladas em portarias e outras normas, como
muitas novas drogas sintéticas, por vezes impossibilitando o enquadramento penal adequado.
Canabinoides sintéticos são as principais substâncias novas da atualidade. Fentanil e
carfentanil (medicamentos anestésicos opioides muito potentes e de uso restrito hospitalar)
também vêm se tornando um grave problema de uso e abuso ilícito.

→ EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA

Embriaguez alcoólica é o conjunto de manifestações neuropsicossomáticas


resultantes da intoxicação etílica aguda, imediata, de caráter episódico e temporário. Não se

84
confunde com o alcoolismo crônico, que é doença associada multissistêmica ao uso
prolongado e imoderado de etanol, com dependência química.
O diagnóstico da embriaguez é eminentemente clínico, não sendo dependente de
exames de alcoolemia (dosagem de álcool no sangue). É possível se fazer o diagnóstico
clínico de que o periciando está embriagado, ainda que ele não permita coleta de sangue ou
não aceite usar o etilômetro.
Há diversas modalidades de embriaguez alcoólica, algumas com potencial de
influenciar a determinação da imputabilidade penal e a consequente responsabilização, caso
o indivíduo embriagado cometa um ato delituoso nessas condições. Entender as modalidades
de embriaguez e sua eventual influência na imputabilidade penal é ponto relevante na matéria.

MODALIDADES DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA e IMPUTABILIDADE PENAL

→ Embriaguez não-acidental, voluntária

Ocorre quando o agente ingere bebidas alcoólicas com a finalidade de atingir o estado
de ebriedade.
Aplica-se a teoria da actio libera in causa (ação livre na causa), avaliando-se a
vontade livre do agente no momento em que ele ingeriu a bebida alcoólica e não propriamente
no momento do cometimento do delito.
Assim, de acordo com o artigo 28 do CP, essa modalidade de embriaguez não exclui
a imputabilidade penal, a não ser que a prática do delito era imprevisível e o agente não queria
ou não assumiu nenhum risco de produzi-lo.

Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:


(...)

Embriaguez
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de
efeitos análogos.

§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa,


proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou
da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

85

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por
embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía,
ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.

→ Embriaguez não-acidental, culposa

Ocorre quando o agente, imprudentemente, atinge o estado de ebriedade, mas sem a


intenção de atingir tal estado. As consequências jurídicas são as mesmas da forma voluntária,
uma vez que o agente assumiu o risco de produzir o resultado. Ou seja, se ele tinha
consciência de que o resultado poderia ser a ação criminosa, ele é, de acordo com o artigo
28 do CP, imputável, pela adoção da mesma teoria já citada.

→ Embriaguez acidental (por caso fortuito ou por força maior)

Ocorre quando o agente fica embriagado sem sua vontade. Por caso fortuito, pode ser
por um erro compreensível ou uma situação absolutamente inesperada e imprevista; também
por desconhecimento de que a bebida é alcoólica. Força maior é quando o sujeito é forçado
a ingerir a bebida.
Ocorrendo embriaguez completa de forma acidental, exclui-se a imputabilidade se
comprovado que o agente não tinha nenhuma capacidade de entendimento ou de
autodeterminação no momento de cometer o crime. Se incompleta a embriaguez, atenua-se
a pena.

→ Embriaguez patológica

Ocorre quando o agente entra em um estado mental mórbido, caracterizado por uma
espécie de “psicose alcoólica”, após a ingestão de pequenas quantidades de bebida alcoólica,
que não teriam o condão de causar o mesmo efeito na absoluta maioria das pessoas.
Na hipótese, aplica-se o artigo 26 do CP, sendo a hipótese equiparada a um transtorno
mental, podendo o agente ser considerado inimputável (se em embriaguez completa, com
total perda do discernimento) ou ter sua pena reduzida (se embriaguez incompleta),

86
dependendo de sua capacidade de entender o caráter ilícito da conduta, no momento em que
foi cometida.

→ Embriaguez preordenada

Ocorre quando há um especial fim de agir; o agente se intoxica deliberadamente pelo


álcool objetivando criar coragem para melhor cometer o crime.
De acordo com o artigo 61 do CP, essa modalidade de embriaguez caracteriza uma
circunstância agravante.

FASES DA EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA

As fases da embriaguez alcoólica sucedem-se na medida em que o indivíduo mantém


a ingestão etílica e se aprofunda no quadro de alteração mental e neurológica. Há divergência
doutrinária sobre as fases, alguns autores admitindo quatro fases e outros cinco (inserido fase
comatosa pré-morte e até mesmo o óbito, o que não se justifica). Majoritariamente, adotam-
se as seguintes três fases:

Fase da excitação ou da euforia (fase do macaco) → indivíduo eufórico, animado,


gracejador, alegre e comunicativo.

Fase da confusão: “fase médico-legal” (fase do leão) → indivíduo irritado, agressivo,


violento. Trata-se da fase mais importante sob o ponto de vista criminal e médico-legal, pois
é a fase em que o indivíduo está mais nervoso e sujeito ao cometimento de altos ilícitos.

Fase pré-comatosa ou da depressão (fase do porco) → indivíduo com a consciência


embotada, pupilas dilatadas e sudorese intensa, mal consegue se locomover ou se manter
em pé.

→ Alcoolismo crônico

O alcoolismo crônico é uma síndrome clínica causada pela ingestão continuada e


imoderada de bebida alcoólica, com consequentes manifestações somáticas (como lesões
hepáticas), neurológicas (como polineurites e síndrome de Wernicke-Korsakow) e psíquicas
(como delirium tremens e alucinoses).

87
A síndrome de Wernicke-Korsakow caracteriza-se pela presença de lesões do sistema
nervoso central, que podem acarretar paralisia dos músculos da face, amnésia anterógrada
(esquecimento de fatos recentes, ocorridos após a instauração do alcoolismo crônico) e
retrógrada (para fatos passados, anteriores à doença), além de desorientação no tempo e no
espaço.
A dipsomania é condição associada ao alcoolismo crônico e consiste em crise
impulsiva e irreprimível de ingerir grandes quantidades de bebida alcoólica, a qualquer
momento.

No alcoolismo crônico, alguns autores ainda discutem questões referentes à


dependência física e dependência psíquica, embora atualmente preconize-se que esses
termos não sejam mais utilizados; ou, para melhor dizer, os conceitos de dependência física
e de dependência psíquica são compreendidos dentro de um contexto único: ambas precisam
estar presentes em maior ou menor proporção para que o diagnóstico de dependência possa
ser firmado.
Por dependência física entendia-se a necessidade de consumir uma substância para
evitar os sinais de desconforto trazidos pela falta da droga e para manter o equilíbrio criado
entre a presença constante da droga e o organismo.
A dependência psicológica é entendida como a percepção da incapacidade de
vivenciar sensações de prazer psicológico sem que uma substância química estivesse
presente, bem como as alterações de comportamento implementadas pelo usuário a fim de
garantir o suprimento constante da droga, muitas vezes em detrimento de campos importantes
de sua vida (como emprego, posição social e relacionamentos interpessoais).
Contudo, é mais adequado refletir sobre a dependência química atualmente
coadunando-se as duas ideias, sem a rígida separação aduzida por alguns autores, como
Hygino de Carvalho Hércules.

→ Teoria da actio libera in causa

Em regra geral e conforme debatido, a teoria da actio libera in causa (ação livre na
causa) é aplicável nas hipóteses de atos ilícitos cometidos por indivíduos em uso de álcool:
se o uso foi voluntário e de acordo com a vontade livre do agente, ele responderá pelas
consequências dos seus atos.
Há, contudo, duas exceções à aplicação da citada teoria, de acordo com Hygino de
Carvalho Hércules: o alcoolismo crônico é uma delas. Isso porque, em razão da grave

88
dependência e configuração de uma doença que retira do indivíduo a escolha e a liberdade
no momento da ingestão da bebida alcoólica, ele pode não ser responsabilizado pelos atos
ilícitos cometidos. Ainda que ele saiba e tenha consciência do caráter ilícito de seus atos, o
alcoolismo é uma doença crônica que lhe retira a vontade livre quanto, em razão da
dependência física e psíquica do álcool.
A outra exceção à aplicação da teoria é a embriaguez patológica não conhecida pelo
agente, que pode torná-lo inimputável.

→ Aspectos jurídicos da embriaguez alcoólica

Sob o ponto de vista médico-legal, os dispositivos legais mais relevantes para a


avaliação pericial da embriaguez alcoólica são alguns artigos do Código de Trânsito Brasileiro
(CTB), especialmente os artigos 165, 276, 277 e 306.

Art. 165 – Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância


psicoativa que determine dependência:
Infração – gravíssima
(...)

Art. 276 – Qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou de ar alveolar


sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código.
Parágrafo único – O Contran disciplinará as margens de tolerância quando a
infração for apurada por meio de aparelho de medição, observada a legislação
metrológica.

Art. 277 – O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou


que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame
clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na
forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra
substância psicoativa que determine dependência.
(...)
§ 2º. A infração prevista no art. 165 também poderá ser caracterizada mediante
imagem, vídeo, constatação de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo
Contran, alteração da capacidade psicomotora ou produção de quaisquer outras
provas em direito admitidas.

89
Art. 306 - Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em
razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine
dependência:
Penas – detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se
obter a permissão ou a habilitação para dirigir.

§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:


I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue
ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; OU
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da
capacidade psicomotora.

§ 2º. A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de
alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou
outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.

§ 3º. O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de


alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime tipificado
neste artigo.

Há de se ressaltar que admite-se, por meio de norma infralegal emitida pelo Contran,
pequena margem de tolerância quando a infração é aferida por meio de aparelhos de medição
como o etilômetro (bafômetro), por eventual possibilidade de erro de calibração.
Contudo, não há qualquer margem de tolerância quando a infração é apurada por meio
do exame de sangue para dosagem de alcoolemia; qualquer valor de álcool detectável no
sangue já sujeita o infrator às penalidades administrativas. Já para a aplicação da infração
penal do art. 306, há necessidade de um valor mínimo de alcoolemia (0,6 g/L ou 6,0 dg/L de
sangue), equivalente a 0,3 mg/L de ar no etilômetro. Contudo, mesmo que não haja nenhuma
dosagem em sangue ou ar expirado (quando o condutor se recusa à realização de tais
exames), é possível o diagnóstico de embriaguez para fins legais se há a constatação das
alterações clínicas neuropsicofísicas que indicam alteração da capacidade psicomotora.

Para o diagnóstico clínico na perícia de embriaguez alcoólica, os seguintes parâmetros


serão avaliados:

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- Hálito, se normal ou etílico;
- Motricidade: se a marcha está ebriosa e cambaleante; escrita; testes índex-nariz, índex-
índex e calcanhar-joelho; elocução;
- Teste de Romberg espontâneo e provocado, com a finalidade de avaliar o equilíbrio do
agente (não é teste específico para embriaguez, pois outras alterações de equilíbrio, como
lesões cerebelares e labirintite, também podem gerar positividade nos testes);
- Aparência geral
- Atitude: se o indivíduo está calmo ou irritado e agressivo;
- Psiquismo: avaliam-se a consciência, atenção, memória, afetividade e vontade;
- Funções vitais: pulso, reação pupilar luz, sensibilidade.

CAPÍTULO 6

SEXOLOGIA FORENSE

A Sexologia Forense é o ramo da Medicina Legal responsável pelo estudo dos


aspectos médico-legais e periciais dos crimes contra a dignidade sexual, do aborto,
infanticídio, violência contra a mulher, transtornos da sexualidade humana e questões médico-
legais relacionadas ao casamento.
No tocante às perícias de crimes sexuais, há de se ressaltar que são atos sexuais:
- a conjunção carnal: também chamada de cópula, coito, ou imissio penis, consistindo na
relação sexual entre homem e mulher com penetração do pênis na cavidade vaginal, com ou
sem ejaculação (esta denominada imissio seminis);
- atos libidinosos diversos da conjunção carnal, como cópulas ectópicas, atos orais e atos
manuais.

Dentre os crimes contra a dignidade sexual previstos no Código Penal Brasileiro, os


mais importantes para o estudo pericial da Medicina Legal são o estupro, a violação sexual
mediante fraude, o estupro de vulnerável, o assédio sexual e a importunação sexual, embora
todas as condutas previstas em lei tenham grande relevância pericial.

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal
ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

91
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1o. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18


(dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2o. Se da conduta resulta morte:


Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Também de importância médico-legal é a nova lei n. 14.069, de 1o de outubro de 2020,


que cria o CADASTRO NACIONAL DE PESSOAS CONDENADAS POR CRIME DE
ESTUPRO e prevê que o cadastro contenha, no mínimo, as seguintes informações dos
condenados:

- Características físicas e dados de identificação datiloscópica;


- Identificação do perfil genético;
- Fotografias;
- Local de moradia e atividade laboral nos últimos 3 anos (em caso de concessão de
livramento condicional).

Violação sexual mediante fraude

Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude
ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se
também multa.

Importunação sexual

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de
satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


Assédio sexual

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes
ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Parágrafo único. (VETADO)
§ 2o. A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

Obs.: Na relação entre professor e aluno, pode haver crime de assédio sexual?

Sobre a questão, o entendimento doutrinário e jurisprudencial que predominava era


em sentido negativo, tendo se afirmado que a relação de superioridade hierárquica e
ascendência deveriam ser inerentes ao trabalho, cargo ou função entre as partes, o que não
ocorria diretamente entre aluno e professor, não havendo relação de trabalho entre eles.
Contudo, o STJ manifestou mudança recente de entendimento, em relevante julgado
proferido em 2019:

O crime de assédio sexual (art. 216-A do CP) é geralmente associado à superioridade


hierárquica em relações de emprego, no entanto pode também ser caracterizado no caso de
constrangimento cometido por professores contra alunos.

“(…) É patente a aludida “ascendência”, em virtude da ‘função’


desempenhada pelo recorrente – também elemento normativo do tipo
–, devido à atribuição que tem o professor de interferir diretamente na
avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe
gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a ‘ascendência’ constante
do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de relação
empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao
texto legal (…). (STJ. 6ª Turma. REsp 1.759.135/SP, Rel. Min.
Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 13/08/2019 - Informativo 658).

Estupro de vulnerável

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Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)
anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1o. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato,
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§ 2o. (VETADO)

§ 3o. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:


Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4o. Se da conduta resulta morte:


Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

§ 5º. As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se


independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais
anteriormente ao crime.

→ Relevante ressaltar o teor da Súmula 593 do STJ sobre a discussão da configuração do


crime de estupro de vulnerável em caso de eventual consentimento da vítima menor de 14
anos, em uma relação de “namoro” entre os envolvidos:

PERÍCIA DE CONJUNÇÃO CARNAL


PROVAS PERICIAIS

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Nos procedimentos de exame pericial de corpo de delito de mulheres vítimas de crimes
sexuais, para verificação de conjunção carnal, há previsão legal de atendimento policial e
pericial por servidoras preferenciamente do sexo feminino.
O laudo produzido pelo perito deve contar com todos os elementos relevantes e
componentes desse documento médico-legal, ressaltando-se os seguintes:

Histórico → o perito deve ter cautela para não revitimizar a vítima e também relatar os
fatos com as próprias palavras da vítima, contendo, se possível, informações sobre
hora, local, condições dos fatos.

Exame físico → na descrição do exame físico no laudo, deve se realizar o exame


subjetivo (avaliação das condições psíquicas da vítima), exame objetivo geral (estado
geral, lesões corporais diversas) e exame objetivo específico (exame da genitália).

A perícia terá como principais objetivos:

1) Demonstrar a conjunção carnal ou cópula vaginal


2) Demonstrar ausência de consentimento: sinais de violência (física ou moral)
3) Sempre que possível, obter provas biológicas que permitam identificar o agressor, para
exame de confronto genético.

Em uma perícia de conjunção carnal de mulher vítima de violência sexual, duas


circunstâncias distintas se apresentam: a mulher vitimada pode ser previamente virgem ou já
ter vida sexual pregressa e ativa, antes da relação sexual criminosa.
Em mulheres previamente virgens, o exame do hímen adquire especial relevância.

EXAME PERICIAL DO HÍMEN

O HÍMEN é uma dupla membrana mucosa com uma face externa e uma face interna voltada
para a cavidade vaginal, que apresenta uma orla (a própria espessura da membrana) e um
óstio ou orifício, por onde é drenado o sangue menstrual.

95
Com o trauma da penetração peniana, ele pode sofrer rupturas completas (da borda
livre até a borda de inserção) ou rupturas incompletas (que não atingem a borda de inserção).
O himem cribriforme é uma variação anatômica, formato diferente de hímen, que
apresenta múltiplos pequenos óstios ou orifícios.
O hímen complacente ou transigente é aquele que permite a passagem do pênis,
sem sofrer ruptura, por ser muito fino ou muito elástico. Dessa forma, é possível que ocorra
uma penetração peniana na cavidade vaginal (conjunção carnal) e o hímen permaneça
íntegro, caso a mulher tenha hímen complacente! O hímen íntegro, assim, NÃO é um
inequívoco sinal de virgindade!
As carúnculas mirtiformes são retalhos de hímen roto, formando excrescências ou
tubérculos mucosos, mais comumente observados em mulheres mais velhas que já tiveram
múltiplos partos vaginais.

As rupturas himenais traumáticas podem ser datadas de acordo com sua


cicatrização. O período em dias para a cicatrização himenal é muito variável e não segue um
padrão homogêneo, sendo dependente de condições individuais, do pH da vagina, da
condição da mucosa, da presença de inflamações e infecções, dentre outros fatores
individuais.
Contudo, Genival Veloso de França admite denominar as rupturas com até 20 dias de
evolução de “rupturas recentes”, sendo elas muito recentes quando ainda há algum sinal de
sangramento ativo na mucosa, mesmo que discreto e na forma de orvalho sanguíneo (até 6

96
dias de evolução). A partir de 20 dias da data da ruptura traumática, tem-se uma ruptura
cicatrizada, já fibrosada, em que não é mais possível datar sua ocorrência de forma precisa.

Na descrição de uma ruptura himenal em um laudo pericial, é também necessário


descrever o local da membrana em que ela se encontra. Para tal, dois sistemas são utilizados:
o sistema cronométrico de Lacassagne (topografam-se as rupturas como se fossem em
ponteiros de um relógio) e o sistema goniométrico ou dos quadrantes de Oscar Freire,
dividindo-se em graus os quadrantes do hímen, anteriore direito e esquerdo e posteriores
direito e esquerdo:

Fonte: Manual de Medicina Legal. Delton Croce e Delton Croce Júnior, 5a ed.

Fundamental em uma perícia e análise himenal é diferenciar uma ruptura traumática


de um entalhe congênito. Os entalhes são reentrâncias e variações do formato da membrana
himenal, que podem ser semelhantes a uma ruptura traumática e, assim, falsear o resultado
de uma perícia. Um entalhe é congênito, presente desde o nascimento, e deve ser

97
diferenciado de uma área de ruptura ocorrida pela penetração peniana. As principais
características que os diferenciam são:

OTURAS OU RUPTURAS ENTALHES


São traumáticas; São congênitos;
Localizam-se nas partes mais delgadas do Localizam-se em partes delgadas ou
hímen; espessas;
São geralmente profundas; São mais superficiais;
Apresentam bordas irregulares com tecido Apresentam bordas regulares com tecido
cicatricial espesso; igual ao restante da membrana;
Têm ângulos agudos; Têm ângulos rombos;
Não são simétricas, estando dispostas Costumam ser simétricos;
geralmente ao acaso;
Permitem coaptação das bordas. Não permitem coaptação das bordas.

Ressalte-se que, em mulheres vítimas de crimes sexuais que já mantinham vida sexual
ativa pregressa, o exame do hímen será de menor relevância diagnóstica, já que essa
membrana habitualmente já se rompeu na(s) primeira(s) relações sexuais, não havendo
novas rupturas supervenientes (são encontradas, habitualmente, de uma a três rupturas
himenais, quando o hímen não mais se rompe).
Dessa forma, em casos de vida sexual pregressa, deve-se utilizar outros exames
periciais que possam corroborar o diagnóstico do ato violento e fornecer vestígios de
conjunção carnal. Isso se dá pela pesquisa de esperma na cavidade vaginal, de contaminação
profunda por uma infecção sexualmente transmissível ou pela presença de gravidez. Deve-
se ressaltar, contudo, que tais achados não podem ser considerados inquestionáveis e
absolutamente fidedignos, por várias razões: o esperma encontrado pode não ser oriundo da
relação sexual criminosa investigada; o esperma detectado pode não ter sido proveniente de
uma penetração peniana (vejam-se casos relatados de “inseminação artificial caseira” no
país); o agressor pode ter utilizado preservativo; pode não ter havido ejaculação ou até mesmo
penetração, dentre outras questões a serem avaliadas na análise de todo o corpo de delito e
de todas as provas do inquérito.
Exames complementares relevantes são a pesquisa de espermatozoides na cavidade
vaginal (o exame mais simples; um único espermatozoide é prova da presença de sêmen na
cavidade vaginal e, indiretamente, indício de conjunção carnal) e as dosagens de fosfatase
ácida e de glicoproteína P30. Os dois últimos devem ser discutidos.
98
EXAMES COMPLEMENTARES – VESTÍGIOS DE EJACULAÇÃO

O sêmen é um fluido corporal que resulta de uma mistura de secreções provenientes


da próstata e das vesículas seminais, proteínas e espermatozoides, estes representando
cerca de 10 a 15% do volume total ejaculado.
O espermatozoide é chamado de elemento figurado do esperma e é o componente de
maior certeza na análise pericial dos crimes sexuais. Contudo, podendo ele não ser
encontrado, por exemplo, em indivíduos vasectomizados ou azoospérmicos (que não têm
espermatozoides no sêmen), exames laboratoriais são provas periciais complementares
relevantes.

1) FOSFATASE ÁCIDA PROSTÁTICA (FAP)

A fosfatase ácida é uma enzima presente em células epiteliais prostáticas, embora não
seja única de tal tecido. Outras células e órgãos também produzem fosfatase ácida em
condições normais, como as hemácias, as plaquetas, a medula óssea, o fígado. Logo, o
encontro de fosfatase ácida na cavidade vaginal não é confirmatório de conjunção carnal, mas
apenas um exame indicativo.
A próstata produz fosfatase ácida em quantidades muito superiores aos outros tecidos;
a titulação e dosagem quantitativa da substância pode ser útil na análise pericial, sendo
encontrados no sêmen teores cerca de 500 vezes maiores do que em outras secreções.

2) GLICOPROTEÍNA P30 (PSA)

A glicoproteína P30 ou PSA é o antígeno prostático específico, produzido


exclusivamente, em circunstâncias normais, pelas células epiteliais da próstata. Por tal razão,
trata-se de exame de maior especificidade do que a fosfatase ácida para avaliação pericial da
conjunção carnal. Há trabalhos que já mostraram níveis de concordância maior que 85% com
a pesquisa de espermatozoides, como marcador forense.
Hygino de Carvalho Hércules, contudo, não admite considerar tal exame confirmatório
da presença de sêmen, afirmando que determinados tipos de câncer na mulher podem
produzir, de forma anômala, o PSA. Há de se convir, contudo, que em eventual produção
anômala tumoral de PSA, a substância será encontrada na corrente sanguínea e não na
cavidade vaginal. Pesquisas mais recentes também constataram que pequenas quantidades
de PSA podem ser produzidos por uma estrutura glandular feminina próxima à uretra e que,

99

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


assim, pode a mulher ter pequenas quantidades de PSA na urina. Contudo, os níveis de PSA
são absolutamente superiores no sêmen e o fato de poder ser encontrado, de forma mínima
ou anômala, em outras circunstâncias ou fluidos, não retira o valor forense desse marcador,
que continua sendo uma valiosa ferramenta na atividade pericial.
Relevante ressaltar que as substâncias produzidas pela próstata, especialmente o
PSA, não dependem da presença de espermatozoides no sêmen. Logo, mesmo indivíduos
vasectomizados ou azoospérmicos continuarão produzindo tais substâncias, que ainda serão
encontradas no esperma.

→ Outras observações relevantes nas perícias de crimes sexuais

O exame pericial deve ser completo, envolvendo pesquisa de outras lesões


decorrentes da resistência ao coito, como fissuras, equimoses, escoriações, hematomas e
também sinais de asfixia, sendo a sufocação direta e a esganadura mecanismos
frequentemente associados à violência sexual, a primeira na tentativa de calar a vítima.
Em crianças, a desproporção entre os órgãos genitais é causa de lesões objetivamente
aferíveis, embora o contato genital possa não ter ocorrido, sendo também fundamental avaliar
o comportamento da criança e as alterações psíquicas pós-traumáticas.
Exames das vestes para buscar manchas de esperma, pesquisa de pelos pubianos
(podem ser encontrados pelos do agressor junto aos pelos da vítima) são também
fundamentais para obter material para confronto genético e identificação do agressor.
Em caso de relato de uso de preservativo, pesquisa de partículas de látex e de talco
também devem ser manejadas.
O contágio da vítima por infecções sexualmente transmissíveis tem dupla importância:
além de constituir vestígio para corroborar a ocorrência do ato sexual, é causa de aumento
da pena cominada ao agressor (art. 234-A, inciso IV, Código Penal).

→ Perícia de coito anal

No coito anal violento, alguns achados periciais podem ser observados, como
equimoses e escoriações na região anal, hipotonia e dilatação do esfíncter anal e fissuras ou
rágades. Essas são soluções de continuidade de forma linear, radial em torno do orifício anal,
que não são patognomônicas de coito anal violento, tampouco obrigatórias, podendo não
existir mesmo com a penetração anal mediante resistência da vítima.

100
GRAVIDEZ, PARTO E PUERPÉRIO

Para que se possa avaliar com segurança as questões penais que circundam os
crimes de aborto e infanticídio, objeto também de estudo pericial, é preciso que precisar
questões médico-legais inerentes à gravidez, ao parto e ao puerpério. Datar esses períodos
é importante, muitas vezes, para se diferenciar aspectos periciais do concepto nos crimes de
aborto e de infanticídio, já que, em regra, um ocorre durante a gravidez e o outro durante ou
logo após o trabalho de parto.
Os marcos de início e fim da gravidez, do parto e do puerpério não são homogêneos
e pacíficos na doutrina, sendo ainda atual e controversa a discussão sobre o início da gravidez
e da vida humana. O Direito, a Bioética, a Medicina Legal e a Obstetrícia debatem a questão
e com frequência não adotam um consenso.

O DIAGNÓSTICO DA GRAVIDEZ

Diversos sinais observáveis ao exame físico direto da mulher são utilizados para
conferir materialidade ao diagnóstico da gravidez. Tal diagnóstico é relevante, sob o ponto de
vista jurídico, para uma multiplicidade de questões, tanto criminais como cíveis e correlatas,
por exemplo, à investigação de paternidade, à simulação de gravidez, impossibilidade de
anulação de casamento, dentre outras.
Na simulação de gravidez, a mulher, de má-fé, finge estar grávida sabendo não estar.
É diferente da suposição de gravidez, em que a mulher acredita estar grávida e, de boa-fé, se
convence de tal fato, passando até mesmo a vivenciar sintomas típicos da gestação.
Na dissimulação, a mulher nega ou esconde a gravidez, estando de boa ou de má-fé.
Por fim, na metassimulação de gravidez, a mulher não nega estar grávida, mas altera o tempo
da gestação, para mais ou para menos, por exemplo, com a finalidade de aribuir determinada
paternidade.
Ao exame físico, observam-se sinais de presunção, de probabilidade e de certeza de
gravidez.
São sinais de presunção: hiperemese gravídica (náuseas e vômitos), cloasma ou
melasma (manchas na pele da face), tonturas, sonolência, “linea nigra” ou pigmentação da
linha alba (linha hiperpigmentada na região mediana abdominal), estrias abdominais.
São sinais de probabilidade: amenorreia (ausência de menstruação), cianose vulvar
(sinal de Kluge) e vaginal (coloração mais arroxeada da mucosa pela hipervascularização),

101
rede venosa mamária evidente (sinal de Haller), aumento do volume uterino e alteração da
forma uterina (sinal de Piskacek).
São sinais de certeza: movimentos fetais, batimentos cardíacos fetais, sopro dos
vasos uterinos e exames complementares, como a ultrassonografia.

→ MARCOS TEMPORAIS

INÍCIO E FIM DA GRAVIDEZ

O início da gravidez, majoritariamente para a Medicina Legal, ocorre com a


fecundação, que é a fertilização do ovócito pelo espermatozoide, formando o ovo ou zigoto.
A fecundação ocorre no terço distal da tuba uterina (antigamente chamada de trompa de
Falópio).
Contudo, grande parte da doutrina penal admite a proteção jurídico-penal da gravidez
apenas a partir da nidação, que é a implantação do ovo/zigoto na parede uterina, que é
revestida internamente pelo endométrio. A nidação ocorre cerca de 14 dias após a
fecundação.

A distinção é relevante, sobretudo no tocante aos efeitos penais e tipificação do crime


de aborto: para a doutrina majoritária que considera a proteção penal da gravidez apenas a
partir da nidação, qualquer ato de interrupção antes desse período não configura crime de
aborto, sendo ato penalmente atípico.
102
A nidação verdadeira e apta a gerar uma gravidez até o termo é a que ocorre no
endométrio, na parede uterina. Contudo, há situações em que a implantação do ovo/zigoto
pode ocorrer em outros locais, como por exemplo na tuba uterina: trata-se de uma gestação
ectópica, uma “gravidez tubária”.
O momento de término da gravidez é também controverso. Já se afirmou ser a
dilatação do colo uterino ou as contrações rítmicas. Convencionou-se, contudo, a ruptura da
bolsa amniótica como o marco mais objetivo que finaliza a gravidez e, em consequência, dá
início ao período subsequente, o parto.

INÍCIO E FIM DO PARTO

O parto começa, por convenção e adoção de critério objetivo – também eivado de


controvérsias – com a ruptura da bolsa amniótica.
O período do parto termina com a dequitação, que é a expulsão da placenta. Há
também quem advogue no sentido de que deve-se considerar o fim do parto apenas com a
cessação do sangramento uterino, o que não é majoritariamente aceito, em razão da grande
variabilidade e pouca objetividade desse critério (algumas mulheres permanecem com
discretos sangramentos por horas ou dias, dificultando tal avaliação). A expulsão da placenta,
por óbvio, é um critério muito mais objetivo!

INÍCIO E FIM DO PUERPÉRIO

Se a dequitação finaliza o período do parto, ela dá início ao período temporal


subsequente: o puerpério.
O conceito de puerpério é obstétrico e não se confunde com o conceito jurídico de
“estado puerperal”! São conceitos diferentes! O puerpério é um período temporal vivenciado
por toda puérpera, que acontece em sequência ao parto.
O puerpério vai desde a dequitação até o retorno do organismo da mãe às
condições anteriores à gravidez. Em média, dura de 6 a 8 semanas, mas pode se estender
a períodos superiores, sobretudo com a prolongada amamentação.

→ SINAIS DE PARTO E GRAVIDEZ PREGRESSOS

O diagnóstico da existência pregressa de um parto em uma pericianda tem relevância


para diversas questões, tais como as que circundam os crimes de aborto e infanticídio, além

103
de substituição de recém-nascido e atribuição de parto alheio como próprio (condutas
dispostas no art. 242 do Código Penal).
Os sinais de parto e gravidez pregressos podem ser avaliados na mulher viva ou na
mulher morta, dividindo-se ainda em sinais de parto recente e de parto antigo.
Na mulher viva, são sinais de parto recente o edema da vulva e dos grandes lábios; a
ruptura do períneo (especialmente em caso de primíparas – que têm o primeiro parto); colo
uterino amolecido; aumento da cavidade vaginal; útero e mamas volumosos; presença dos
fluxos genitais ou lóquios, que são secreções provenientes do útero no período pós-parto.
Os lóquios são sanguinolentos até o 3o dia de pós-parto, tornam-se mais claros com
cerca de 5 dias e branco-amarelados em 7-8 dias.
Na mulher viva, são sinais de parto antigo os estigmas do parto, como estrias e flacidez
abdominal, a pigmentação dos mamilos, as cicatrizes himenais e carúnculas mirtiformes e a
mudança da forma do colo uterino, especialmente de seu orifício externo. Mulheres que nunca
tiveram partos vaginais têm o orifício externo do colo uterino de formato circular; já as
mulheres que já vivenciaram um parto vaginal apresentam o orifício externo do colo uterino
em forma de fenda, alongado.
Na mulher morta, em caso de uma necropsia de uma puérpera que teve um parto
recente, além do que foi visto na mulher viva – que ainda pode estar visível –, pode-se também
avaliar microscopicamente a cavidade uterina e os ovários.
No útero, podem ainda ser encontrados restos de vilosidades coriônicas e células
trofoblásticas, que são estruturas formadoras da placenta. No ovário, encontra-se o corpo
lúteo gravídico.
Pode-se encontrar embolia pulmonar de células trofoblásticas nos capilares
pulmonares, células placentárias que caíram na circulação sistêmica. Trata-se de sinal de
certeza de que houve uma gravidez pregressa recente, embora não seja um achado tão
facilmente encontrado. Toma relevância a pesquisa em casos de morte materna decorrente
de aborto clandestino.
Na mulher morta, em caso de parto antigo, além do que já foi descrito para a mulher
viva, são também avaliados a forma e a estrutura do útero e do colo uterino.

ABORTO

O aborto é a morte do concepto ou sua expulsão violenta seguida de morte, sendo que
o Direito Penal não diferencia a fase da gravidez em que a morte ocorre, seja na fase de ovo,
embrionária ou fetal. Já a Obstetrícia apenas considera abortamento a morte fetal antes de

104
sua viabilidade, antes de 20 ou 22 semanas de gestação, ou com peso fetal menor que 500
gramas. A terminologia e os limites usados pelas duas ciências são distintos.
Sob o ponto de vista etimológico, considera-se aborto o produto expelido, enquanto o
ato de expelir o produto da gestação chama-se abortamento. Contudo, como a própria
legislação penal não faz a diferenciação técnica precisa, convencionou-se nomear o ato (e
não só o produto) também de aborto.
O crime de aborto está inserido no Código Penal Brasileiro – CPB nos artigos 124, 125
e 126, que dispõem sobre as condutas do aborto provocado, consentido e sofrido.

Art. 124 – Provocar aborto em si mesma [aborto provocado ou autoaborto] ou


consentir que outrem lho provoque [aborto consentido, analisado sob o prisma
da gestante];
Art. 125 – Provocar o aborto sem o consentimento da gestante [aborto sofrido];
Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante [aborto
consentido, analisado sob o prisma do terceiro];

O aborto consentido, tratado nos artigos 124 e 126 do CPB, constitui uma exceção
pluralista à teoria monista da ação, no concurso de pessoas, adotada pelo Direito Penal.
Qualifica-se a conduta se, em consequência do aborto ou dos meios adotados para
provoca-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave ou se lhe sobrevém a morte
(art. 127 do CPB).
Relevantes são causas de exclusão de ilicitude tratadas pelo art. 128 do CPB:

Art. 128 – Não se pune aborto praticado por médico:


I- Se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II- Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento
da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Trata-se de permissão ao aborto legal feito por médico, em duas circunstâncias que
consistem no aborto necessário, terapêutico ou profilático (inciso I) e no aborto humanístico,
humanitário, piedoso, ético ou sentimental (inciso II).

O ABORTO NECESSÁRIO constitui verdadeiro estado de necessidade e, para que a


gravidez seja interrompida pelo médico, são necessários os seguintes requisitos cumulados:

105
1) a mãe está em risco iminente de morte (não é simplesmente uma doença materna
grave ou um pré-natal de risco, é risco real e concreto de morte iminente!);
2) o risco está sob a dependência direta da gravidez;
3) Interromper a gravidez cessa o perigo;
4) Interromper a gravidez é o único meio capaz de salvar a vida da gestante.
Não há necessidade de prévia obtenção do consentimento da gestante ou de terceiros,
tratando-se a hipótese de um ato médico realizado em situação de urgência, para salvar a
vida da gestante.

No ABORTO HUMANITÁRIO ou SENTIMENTAL, é possível que o médico argumente


não desejar realizar o procedimento em escusa de consciência, por não se tratar de urgência
médica. Cabe ao profissional, nesse caso, adotar as medidas necessárias de
encaminhamento da paciente a um serviço onde ela possa ter seu direito efetivado, cabendo
também ao poder público tal direcionamento a um serviço de aborto legal, onde profissionais
possam realizar o procedimento médico.
Deve-se atentar às normas infralegais ministeriais sobre o tema: a Portaria MS
2282/2020, editada em 28/08/2020, tratou sobre o Procedimento de Justificação e Autorização
da Interrupção da Gravidez no âmbito do SUS e foi, pouco tempo depois, revogada pela
Portaria MS 2561/2020, editada em 23/09/2020, que trouxe poucas alterações e está sendo
debatida em juízo perante o STF!

Prevê-se a realização do procedimento em quatro fases:


1) relato circunstanciado do evento pela gestante, perante 2 profissionais de saúde;
2) Parecer técnico médico após exames físico e complementares, com Termo de
Aprovação de Procedimento de Interrupção subscrito por no mínimo 3 integrantes da
equipe de saúde, que deve ser composta por obstetra, anestesista, enfermeiro,
assistente social e/ou psicólogo, no mínimo;
3) Termo de Responsabilidade assinado pela gestante, no qual há a previsão dos
crimes de falsidade ideológica e de aborto, caso ela não tenha sido vítima de estupro;
4) Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pela gestante ou,
se incapaz, também por seu representante legal.

A Portaria determina, ainda, considerada a ação penal pública incondicionada do crime


em questão, a necessidade de que os médicos e demais profissionais de saúde comuniquem
o fato à autoridade policial, preservando possíveis evidências materiais do crime de estupro.

106

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


→ Observações relevantes sobre o aborto

1) USO DE DIU E ABORTO

O DIU (dispositivo intrauterino) é um método contraceptivo que é inserido na cavidade


uterina e impede, primordialmente, a ocorrência da nidação, que é a implantação do ovo ou
zigoto na parede uterina.
Dessa forma, a depender da corrente doutrinária sobre o início da proteção legal da
gravidez, as conclusões sobre o DIU ser ou não um método abortivo serão distintas.
Considerando-se a nidação como o início da proteção jurídico-penal da gravidez, o
uso de DIU é penalmente atípico, pois a morte do produto da concepção ocorreria antes de
sua nidação. Exclui-se, assim, a tipicidade penal.
Considerando-se a fecundação como o marco inicial de proteção jurídico-penal da
gravidez, duas conclusões se impõem: a mais conservadora e absolutamente minoritária
advogaria no sentido de ser o DIU um método abortivo. Contudo, o dispositivo é
regulamentado e de aceitação ampla, pacífica e expressa no país, o que poderia inserir seu
uso em uma hipótese de exercício regular de direito, excluindo-se a ilicitude da conduta.

2) USO DO MÉTODO YUZPE E ABORTO

O método Yuzpe é um procedimento de contracepção de emergência, em que são


usados hormônios por via oral em um período máximo de dias após a relação sexual
desprotegida. Trata-se de uma das formas da chamada “pílula do dia seguinte”.
São vários os possíveis mecanismos de ação, como o retardo da ovulação, a
interferência na movimentação dos espermatozoides e o espessamento do muco cervical.
Não se trata, assim, de método abortivo, pois não haverá fecundação e, portanto,
sequer há concepto; não há que se falar em aborto!

3) GRAVIDEZ ECTÓPICA E ABORTO

A implantação do ovo/zigoto pode ocorrer fora da parede uterina, dando origem a uma
gravidez ectópica; a mais comum é a gestação tubária, quando a implantação ocorre na tuba
uterina.
A interrupção dessa forma de gravidez não é considerada crime de aborto, havendo
dois argumentos para tal: considerando-se o marco inicial da proteção jurídico-penal da

107
gravidez como a nidação uterina, pode-se argumentar que ela não ocorreu. Ainda, caso a
gravidez tubária prossiga e ocorra uma ruptura da tuba uterina, com sangramento grave
agudo e risco de morte materna, nesse caso poderá ser feita a retirada da tuba pelo médico
e a consequente interrupção da gravidez, tratando-se de hipótese prevista no inciso I do art.
128 do CPB, como excludente de ilicitude.

4) INÍCIO DO PARTO E CRIME DE ABORTO

Em regra, o crime de aborto ocorre com a interrupção da vida fetal ainda durante a
gestação, antes do início do trabalho de parto. Contudo, caso a gestante tenha tentado
interromper a gravidez por métodos abortivos mal sucedidos, o concepto tenha nascido com
vida e morrido após o nascimento, em decorrência dos métodos abortivos, o crime ainda
assim será o de aborto. Isso porque o sistema penal brasileiro adota a teoria da atividade, que
dispõe que o crime é cometido no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o
momento do resultado.

5) INTERRUPCÃO DA GESTAÇÃO EM ANENCEFALIA FETAL

O Supremo Tribunal Federal, em 2012 no âmbito da ADPF 54, decidiu pela


possibilidade de interrupção da gestação de fetos anencéfalos, partindo da premissa de que,
para que ocorra o crime de aborto, deve haver potencialidade de vida extrauterina e que a
“anencefalia e vida são termos antitéticos” (Ministro Marco Aurélio). Dessa forma, dada a
inviabilidade da vida biográfica do anencéfalo, afirmou-se não se tratar propriamente de
aborto, mas sim de antecipação terapêutica do parto ou interrupção seletiva da gravidez.
Sob o ponto de vista médico, o Conselho Federal de Medicina normatizou o
diagnóstico da anencefalia para fins de se permitir a gestante a interrupção voluntária da
gestação, realizando-se a antecipação terapêutica do parto, por meio da Resolução CFM
1.989 de 2012.
O diagnóstico deve ser feito por exame de ultrassonografia a partir da 12a semana de
gestação, contendo duas fotografias da face do feto e do polo cefálico, demonstrando a
ausência da calota craniana e de parênquima cerebral identificável.
A gestante deve ter todas as informações pertinentes que fundamentem seu direito de
manter ou de interromper a gestação, independentemente da fase gestacional em que ela
estiver. Independente de sua decisão, é previsto o direito de assistência por equipe
multidisciplinar, pré-natal e programas de planejamento familiar.

108
Ressalte-se que o STF apenas autorizou a interrupção da gestação dos fetos
anencéfalos. Outras anomalias congênitas fetais, ainda que graves e também incompatíveis
com a vida, não estão abarcadas pela decisão proferida no âmbito da ADPF 54. Em tais casos,
a gestante pode ajuizar pedido de interrupção, cuja decisão final dependerá da análise judicial
casuística concreta.

INFANTICÍDIO
O crime de infanticídio está tipificado no art. 123 do CPB, sendo alvo de discussões e
controvérsias entre a Medicina Legal e o Direito Penal.

Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho,


durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.

Há diversos elementos no tipo penal a serem analisados sob o ponto de vista da


Medicina Legal, a começar do conceito de “estado puerperal”.

→ Puerpério e estado puerperal

Os conceitos de puerpério e de estado puerperal são diferentes e não se confundem.


Puerpério é um conceito obstétrico, um período temporal que vai desde a dequitação
(expulsão da placenta) até o retorno do organismo materno às condições anteriores à
gestação, com duração média de 6 a 8 semanas, que pode se prolongar no tempo.
Já o “estado puerperal” é predominantemente tido pela Medicina como uma espécie
de ficção jurídica, já que não se trata de uma condição médica específica e não é um
diagnóstico de um transtorno mental reconhecido pela Medicina. Afirma-se que se trata, em
verdade, de um termo criado pela lei penal para justificar o tratamento penal mais benéfico às
mulheres que cometem a conduta incriminada. Não há critérios absolutamente objetivos para
seu diagnóstico médico, não deve ser correlacionado de forma imediata com alguma espécie
de transtorno mental. Trata-se de condição que envolve aspectos biológicos, hormonais e
psicológicos, que podem ser comuns nessa fase da vida reprodutiva da mulher, mas que não
necessariamente aumentam o risco estatístico de cometimento do crime.
Toda mulher que tem um parto vivencia o puerpério e é uma puérpera! Mas nem toda
puérpera passa pelo chamado “estado puerperal”.

109
→ Elementos temporais do tipo penal

O infanticídio configura-se com a morte, pela mãe do próprio filho, “durante o parto ou
logo após”.
O período “durante o parto” tem elementos médicos para sua caracterização: aceita-
se ser compreendido entre a ruptura da bolsa amniótica e a dequitação (expulsão da
placenta).
O período “logo após” carrega algum debate doutrinário. Majoritariamente e em razão
das críticas médico-legais ao tipo penal em questão, a Medicina Legal não admite um maior
elastecimento temporal desse período, configurando como “logo após” os momentos que vão
até os primeiros cuidados com a criança.

→ Exame pericial

Para a avaliação pericial do crime de infanticídio, são relevantes o diagnóstico do


“estado puerperal” (com todas as dificuldades a ele inerentes), o diagnóstico de parto recente
na puérpera (pelos sinais já explicitados), o diagnóstico do nascimento com vida, o diagnóstico
do tempo de vida do concepto e de seu mecanismo de morte. A asfixia é um dos mecanismos
de morte, por sufocação direta, esganadura ou estrangulamento com uso do cordão umbilical.
Traumatismos cranianos são também observados.
No exame da puérpera as condições físicas e psíquicas são relevantes, devendo-se
constatar a existência de um parto recente e as condições em que o parto ocorreu, se
angustiante, doloroso. Importante avaliar se a puérpera tem lembrança ou simula ignorar o
ocorrido e se tentou esconder o cadáver do filho. Se é portadora de antecedentes psicopáticos
ou há indícios de outros transtornos mentais, aptos à configuração de eventual
inimputabilidade, o que a enquadraria nos termos do art. 26 do CPB.
Já o concepto pode se apresentar na forma de feto nascente (quando a morte ocorreu
durante o parto, antes que tenha havido efetiva respiração) ou de infante nascido – quando
a morte ocorreu após claras incursões respiratórias e antes que ele recebesse algum cuidado.
Ambos se apresentarão recobertos de sangue e vérnix caseosa ou induto sebáceo e com o
cordão umbilical ainda não tratado, já que não houve cuidados com o concepto. As provas de
vida durante o parto e após, como as provas de respiração, serão relevantes para o
diagnóstico.
A presença do “tumor do parto” ou caput succedaneum na cabeça da criança é uma
prova de que havia vida durante o parto. Trata-se de uma bossa serossanguínea que ocorre

110
no local de apresentação da cabeça da criança e “encaixe” no colo uterino materno e canal
de parto. É prova de que havia circulação sanguínea durante o parto, pois é formada por um
desequilíbrio da circulação da região pela pressão causada no ponto da cabeça que já
encaixou no canal de parto e exteriorizou pelo orifício do colo uterino, causando acúmulo de
líquido na área.

→ Docimásias e provas de vida extrauterina

Há dezenas de provas de vida do concepto que podem ser usadas na análise pericial
e são descritas em manuais de Medicina Legal, especialmente as docimásias respiratórias,
que podem ser pulmonares ou extrapulmonares. As docimásias mais comuns são:

1) Docimásia hidrostática pulmonar de Galeno

Trata-se de prova que se fundamenta na densidade dos pulmões em água, com ou


sem respiração, realizada em quatro fases.
Na primeira fase, coloca-se todo o conteúdo torácico do concepto – pulmões, timo,
coração – em um balde com água, para avaliar se vai flutuar (efetiva respiração) ou não. Caso
o bloco afunde, passa-se à segunda fase, que consiste na secção e separação dos pulmões
do bloco. Permanecendo no fundo do balde com água, passa-se à terceira fase, quando são
cortados fragmentos dos pulmões. Na quarta fase, comprimem-se os fragmentos pulmonares,
observando-se se haverá o desprendimento de finas bolhas gasosas. Quando apenas a 3a e
a 4a fase são positivas, não se pode afirmar de forma segura a ocorrência de respiração.
Ainda, deve-se ressaltar que há possibilidades de resultados falso-positivos na prova
de Galeno: primeiro, quando ela é feita após 24 horas de morte a já pode ter iniciado a
produção de gases da putrefação; segundo, quando são feitas manobras médicas de
reanimação cardiopulmonar. Em tais casos, deve-se utilizar prova mais fidedigna, como a
docimásia histológica de Balthazard.

2) Docimásia histológica de Balthazard

Consiste na análise dos pulmões ao microscópio óptico, podendo ser feita mesmo em
pulmões putrefeitos. Não tendo havido respiração, não haverá expansão alveolar e nem
achatamento das células epiteliais e aumento dos capilares sanguíneos.

111
3) Docimásia diafragmática de Ploquet

Observa-se, em caso de respiração, que o diafragma se encontrará mais


horizontalizado, estando em forma de cúpula caso não tenha ocorrido respiração.

4) Docimásia óptica ou visual de Bouchut

Trata-se da mera visualização ou inspeção óptica da cavidade torácica à necropsia,


avaliando-se o desenho em mosaico alveolar dos pulmões, sua hiperinsuflação e posição no
tórax.

5) Docimásia gastrointestinal de Breslau (extrapulmonar)

Trata-se de docimásia extrapulmonar, colocando-se o trato gastrointestinal do feto em


água, para avaliar se flutuam ou afundam. Com as incursões respiratórias, o ar também
penetra no tubo digestivo.

6) Docimásia tátil de Nerio Rojas

A palpação dos pulmões quando houve respiração mostra uma crepitação


característica e sensação esponjosa, estando eles mais compactos quando não ocorreu
respiração.

7) Docimásia química de Icard

Realizam-se testes químicos com álcool e potassa cáustica, avaliando-se o


desprendimento de bolhas gasosas e destruição do parênquima pulmonar pelo líquido.

8) Docimásia siálica de Souza Dinitz

Trata-se de docimásia extrapulmonar baseada na pesquisa de saliva no estômago,


que ocorre com as deglutições e respiração.

112
ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO

Trata-se de crime disposto no art. 134 do CPB, com resultados que o qualificam (lesão
corporal grave ou gravíssima ou morte):

Exposição ou abandono de recém-nascido

Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra


própria:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:


Pena - detenção, de um a três anos.

§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de dois a seis anos.

Consiste em crime de perigo e não de dano.


O aspecto pericial mais relevante diz respeito ao momento do crime, um dos pontos
relevantes para a diferenciação pericial em relação ao crime de infanticídio: admite-se um
elastecimento muito maior no tempo, pois não é necessário que o crime ocorra até os
primeiros cuidados com o recém-nascido. Logo, o recém-nascido não precisa ter o aspecto
sanguinolento próprio do feto nascente (que morre durante o parto) ou do infante nascido (cuja
morte ocorre “logo após” o parto). O fato de o recém-nascido já ter sido lavado, amamentado
ou inicialmente cuidado pela mãe não exclui a tipicidade, como ocorreria na hipótese de
infanticídio.
HIMENEOLOGIA FORENSE

A Himeneologia Forense consiste no estudo dos problemas médico-legais


relacionados ao casamento (atenção: não confundir Himeneologia Forense com Himenologia
Forense, que é o estudo do hímen).
Quanto ao tema, é relevante o estudo conjunto com o Direito Civil, especialmente os
dispositivos do Código Civil de 2002 que disciplinam os impedimentos/dirimentes absolutos
do casamento: art. 1521, CC (nulidade do casamento: art. 1521 c/c art. 1548, CC); dirimentes

113

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


relativos/anulabilidade do casamento: art. 1550, CC; e causas suspensivas do casamento:
art. 1523, CC.
Ainda, deve-se atentar para as modificações promovidas no tema pelo Estatuto da
Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).
No tocante às questões periciais, ressalte-se que o casamento é anulável quando há
incapacidade de consentir, idade insuficiente (salvo os casos especiais) ou erro essencial
sobre a pessoa do cônjuge. Apenas o “erro essencial sobre a pessoa do cônjuge” terá
aspectos periciais médicos relevantes.

Código Civil, art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do


outro cônjuge:
I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo
esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida
em comum ao cônjuge enganado;
II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua
natureza, torne insuportável a vida conjugal;
III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável
que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível,
por contágio ou por herança, capaz de por em risco a saúde do outro
cônjuge ou de sua descendência;
IV - (revogado)

O inciso III menciona defeito físico que não configure deficiência (Estatuto da Pessoa
com Deficiência!). Há uma interpretação divergente na doutrina sobre o que configura o
defeito físico, para tal fim. De qualquer forma, ele tem que ser irremediável, anterior ao
casamento e desconhecido pelo outro cônjuge.
Ressalte-se que o incido IV, que mencionava doença mental grave, foi revogado em
2015 pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Logo, tal questão não mais configura erro
essencial apto à anulação do casamento.

→ O que seria o “defeito físico irremediável”?

A doutrina arrola causas de impotência sexual como passíveis de enquadramento na


hipótese de defeito físico irremediável, anterior ao casamento e desconhecido pelo outro
cônjuge.

114
- Impotência coeundi → trata-se da disfunção sexual masculina ou disfunção erétil. Pode ter
causas psíquicas ou orgânicas.
- Acopulia ou impotência coeundi feminina → consiste na incapacidade feminina de manter o
ato sexual, por razões físicas ou psíquicas, estas associadas ao vaginismo (espasmo intenso
da musculatura vaginal, acompanhado de dispareunia, que é a dor intensa na relação sexual)
e coitofobia (aversão ao coito).
- Impotências generandi e concipiendi → estaas deveriam não se chamar impotências, mas
sim infertilidade/esterilidade, pois são incapacidades de gerar/procriar e de conceber a
criança. A generandi ocorre no homem, já a concipiendi na mulher .

São potenciais causas de anulação do casamento apenas a impotência coeundi e a


acopulia, já que infertilidade ou esterilidade não é condição apta ao pleito de tal anulação.

→ Moléstia grave e transmissível

A moléstia grave apta a subsidiar um pleito de anulação de casamento diz respeito a


doenças graves com possibilidade de transmissão por contágio (para o cônjuge) ou por
herança (para a prole), que não fosse possível perceber antes do casamento.
Ressalte-se que o Inciso IV (que mencionava a doença mental grave que torne
insuportável a vida em comum) foi revogado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Psicoses e psicopatias eram inseridas nesse dispositivo e já foram alegadas como motivos
para anulação do casamento. Tal possibilidade não mais se sustenta; a uma, por ter sido
revogado o dispositivo específico; a duas, uma vez que o dispositivo que permanece em vigor
menciona doença grave E transmissível (e não apenas grave, por si só).

TRANSTORNOS DA SEXUALIDADE HUMANA – PARAFILIAS

As parafilias, inseridas no contexto da sexualidade anômala, são anseios, fantasias ou


comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou
situações incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo. De difícil diagnóstico e
abordagem, em razão da variabilidade entre o que é considerado “aceitável” ou “normal” nos
diferentes contextos socioculturais.
Podem ter importância médico-legal na avaliação pericial das lesões corporais, crimes
contra a dignidade sexual, anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa do
outro, especialmente no tocante ao inciso I do art. 1.557 do CC e, por vezes, até mesmo o

115
inciso II, quando a parafilia está relacionada ao cometimento de crimes, como a necrofilia e a
pedofilia.
Uma das principais importâncias e também dificuldades atinentes às parafilias é definir
a imputabilidade de um indivíduo portador de sexualidade anômala, com cometimento de
delitos associados.
De acordo com o DSM-V – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5ª
edição, 2013:
(...) “uma parafilia deve ser diferenciada do uso não-patológico de
fantasias sexuais, comportamentos ou objetos como estímulo para a
excitação sexual em indivíduos sem parafilia. Fantasias,
comportamentos ou objetos são parafílicos apenas quando levam a
sofrimento ou prejuízo clinicamente significativos (por ex., são
obrigatórios, acarretam disfunção sexual, exigem a participação de
indivíduos sem seu consentimento, trazem complicações legais e
interferem nos relacionamentos sociais).”

Os principais critérios diagnósticos para se diferenciar uma parafilia do uso não


patológico de fantasias sexuais como estímulo para excitação são: avaliar se o
comportamento causa sofrimento intenso ao paciente; se acarreta prejuízo clinicamente
significativo (disfunção sexual, exige a participação de indivíduos sem seu consentimento, traz
complicações legais, dentre outros); se causa interesse maior que os comportamento sexuais
tidos como “normais”; se os sintomas são intensos e recorrentes por período superior a 6
meses.
Dentre os mais variáveis comportamentos sexuais, há alguns considerados parafílicos,
outras meras variações da lidibo e de preferências sexuais. Há diversos termos utilizados para
nomear alguns comportamentos, muitas vezes conservadores e limitadores da sexualidade
humana. Deve-se contudo, conhecer as principais nomenclaturas utilizadas e sua
conceituação.

Anafrodisia e frigidez
Ausência, perda ou expressiva diminuição do instinto sexual → se no homem, nomeia-se
anafrodisia. Na mulher, trata-se da frigidez.

Anorgasmia

116
Impossibilidade do homem alcançar o orgasmo, mas habitualmente sem redução do desejo
sexual.

Hipererotismo
Tendência abusiva aos atos sexuais, sendo chamado de satiríase no homem e de ninfomania
na mulher.

Autoerotismo
Gozo sexual sem a presença do(a) parceiro(a), com ocorrência de orgasmo sem manipulação
genital. Também chamada de psicolagnia ou coito psíquico de Hammond.

Onanismo
Impulso obsessivo à manipulação dos órgãos sexuais, também conhecido por coito solitário
de Onan.

Erotomania
Trata-se de uma espécie de “mania amorosa”, de forma platônica e idealizada. O erotômano
idealiza o indivíduo a quem destina seu “delírio amoroso”, mas habitualmente é tímido e casto
e não apresenta desejo carnal exacerbado.

Frotteurismo
Utilização de ambientes públicos para a prática de atos libidinosos sem o consentimento do
outro, como pode ocorrer, a título de exemplo, em aglomerações em transportes coletivos,
podendo restar configurado o crime de importunação sexual do art. 215-A do Código Penal.
Hygino Hércules, de forma minoritária na doutrina, também nomeia frotteurismo como ato
homossexual feminino com mútua fricção genital, considerando que o verbo francês frotteur
significa “esfregar, atritar, friccionar”.

Voyeurismo
Também chamado de observacionismo, mixoscopia ou escopofilia, é o prazer erótico
despertado por observar atitudes sexuais de terceiros.

Fetichismo
Prazer com partes do corpo ou objetos inanimados, incluindo vestes. Quanto ao pés,
denomina-se retifismo.

117
Pigmalionismo
Atração sexual por estátuas.

Dolismo
Atração sexual por bonecas e manequins.

Pedofilia
Atração sexual por crianças ou menores pré-púberes e de qualquer sexo.

Gerontofilia
Presbiofilia ou cronoinversão, é a atração sexual obsessiva de indivíduos jovens por pessoas
de excessiva idade.

Riparofilia
Também chamada de escatofilia, é a atração sexual obsessiva por indivíduos sujos,
desasseados, de muito baixa condição higiênica.

Urolagnia
Prazer sexual envolvendo a micção.

Coprofilia
Prazer sexual envolvendo as fezes do outro ou de si mesmo.

Clismafilia
O termo vem da palavra clister; trata-se da preferência sexual pelo prazer obtido pelo indivíduo
que introduz ou faz introduzir grande quantidade de água ou líquidos no reto, sob a forma de
enema, lavagem ou clister.

Edipismo
Tendência ao incesto, com atração do filho pela própria mãe.

Electrismo
Tendência ao incesto, com atração da filha pelo próprio pai.

Bestialismo

118
Também chamado de zoofilia, zooerastia ou coitus bestiarum, é o prazer sexual envolvendo
animais.

Vampirismo
Forma rara de transtorno da sexualidade, em que a satisfação erótica ocorre apenas na
presença de sangue ou hemoderivados.

Necrofilia
Prazer sexual com cadáveres ou em locais relacionados a estes.
A conduta parafílica é grave, considerada uma perversão sexual e pode estar relacionada a
diversos crimes, como homicídio, violação de sepultura, destruição, subtração ou ocultação
de cadáver e vilipêndio a cadáver.

Sadismo
Prazer sexual com o sofrimento não consensual do parceiro; também chamado de algolagnia
ativa.

Masoquismo
Prazer sexual somente é obtido com o próprio sofrimento, físico ou moral; também chamado
de algolagnia passiva.

Asfixiofilia
Também chamada de hipoxifilia, trata-se do prazer sexual obtido por meio da privação de
oxigênio.
Pode acarretar uma morte acidental, chamada de accidental autoerotic death; morte por
acidente de masturbação em autoestrangulamento erótico.

Andromimetofilia
Atração de homem por mulheres vestidas de homem, mas que agem e se representam
sexualmente como homem, adotando ele o comportamento de mulher.

Ginemimetofilia
Atração de mulher por homens vestidos de mulher, mas que agem e se representam
sexualmente como mulher, adotando ele o comportamento de homem.

119
Penculofilia
Atração por atos sexuais em locais perigosos.

Swapping
Prática heterossexual com troca de parceiros consentida entre dois ou mais casais.

Lubricidade senil
Manifestação exagerada de sexualidade em pessoas idosas.

CAPÍTULO 7

IDENTIDADE E IDENTIFICAÇÃO
Principais métodos de identificação humana
Identificação datiloscópica e antropológica

Métodos de identificação humana são de extrema relevância na Medicina Legal e na


perícia forense, bem como para a investigação criminal. Os métodos de identificação dividem-
se em dois grandes grupos: a identificação policial ou judiciária (que independe de
conhecimentos médicos e abarca diversos métodos, sendo o mais importante o datiloscópico,
feito por peritos em identificação) e a identificação antropológica ou médico-legal, realizada
por médicos legistas.
Os métodos de identificação são utilizados para se determinar a IDENTIDADE
OBJETIVA de alguém, o que individualiza a pessoa e a torna única e diferente de todas as
demais.
Não se confundem com RECONHECIMENTO. Este é um procedimento leigo, que
pode ser feito por qualquer pessoa e não depende de conhecimentos técnicos. “Re-conhecer”
é conhecer de novo; demanda uma comparação psíquica entre uma experiência sensorial
vivenciada no passado com outra vivida no presente. Não tem metodologia científica, não tem
técnica. Por tal razão, não se deve basear uma condenação criminal em mero
reconhecimento, mas em método técnico-científico de identificação.
Para que um método de identificação seja eficaz, ele deve cumprir alguns requisitos
fundamentais. Antes de tudo, deve propiciar comparação, pois, habitualmente, a identificação
objetiva ocorre por meio da comparação entre um primeiro registro (arquivado em banco de
dados oficiais, a título de exemplo) e um segundo registro, que se pretende identificar, como

120

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


um vestígio colhido em cena de crime, a exemplo de uma impressão digital latente. Ademais,
os seguintes requisitos devem ser observados:

- UNICIDADE → individualidade, a característica tomada para fins de identificação deve ser


única, exclusiva do indivíduo, não se repetindo em diferentes pessoas.
- IMUTABILIDADE → o elemento não pode se modificar facilmente pela ação do ambiente,
interna ou de doenças. Há quem entenda a imutabilidade como sinônimo de PERENIDADE.
Contudo, a perenidade pode ser também entendida separadamente, como a permanência do
elemento mesmo com o passar do tempo.
- PRATICABILIDADE → o dado elementar utilizado deve ser de fácil registro e obtenção;
deve-se também considerar o custo e a adequação a parâmetros socioculturais.
- CLASSIFICABILIDADE → fácil arquivamento e recuperação das informações colhidas;
possibilidade de se construiu um banco de dados com as informações, facilmente acessível e
recuperável.

IDENTIFICAÇÃO DATILOSCÓPICA PELO SISTEMA DECADACTILAR DE VUCETICH

A identificação humana por meio das impressões digitais é um dos principais métodos
utilizados em todo o mundo; no Brasil, há mais de um século.
O sistema decadactilar de Vucetich é método que preenche adequadamente os
citados requisitos de um bom método de identificação, embora Genival Veloso de França
entenda que ele não preenche de forma tão adequada o requisito da perenidade.
As impressões digitais são únicas e não se repetem tampouco em gêmeos univitelinos,
são imutáveis e relativamente perenes – se formando na vida intrauterina e permanecendo
até a putrefação, perdendo-se apenas na fase coliquativa –, de coleta e obtenção prática,
baixo custo e classificáveis, em razão da existência de quatro tipos fundamentais.
Os quatro tipos fundamentais são: verticilo, presilha externa, presilha interna e arco.
A classificação desses quatro tipos fundamentais baseia-se na disposição das linhas
dermopapilares de uma impressão digital, que formam três regiões: uma região central mais
arredondada, chamada núcleo. As linhas abaixo do núcleo, na base da impressão digital:
região basal ou basilar. As linhas dispostas acima e ao lado do núcleo, região marginal. E o
ponto de encontro das três regiões, uma área triangular denominada delta. É o número de
deltas e sua localização que define o tipo fundamental da impressão digital.

121
ARCO → presença apenas das regiões basal e marginal, sem a formação do núcleo e, assim,
sem a formação do delta.

PRESILHA EXTERNA → presença de um delta situado à esquerda do núcleo na marca


impressa, sob o ponto de vista do observador.

PRESILHA INTERNA → presença de um delta situado à direita do núcleo na marca impressa,


sob o ponto de vista do observador.

VERTICILO → há dois deltas, um em cada lateral do núcleo.

A FÓRMULA DATILOSCÓPICA
122
Analisando-se os dez tipos fundamentais de cada um dos dez dedos das mãos,
constrói-se a fórmula datiloscópica, que é classificatória e relevante para o arquivamento das
informações coletadas.
O numerador da fórmula chama-se série e consiste na mão direita, sendo o polegar o
primeiro dedo representado e indicado por uma letra. Os demais dedos são indicados na
sequência, por números.
O denominador da fórmula chama-se seção e consiste na mão esquerda, sendo o
polegar o primeiro dedo representado e indicado por uma letra. Os demais dedos são também
indicados na sequência, por números.
A letra que indica o polegar é: V de verticilo, E de presilha externa, I de presilha interna
e A de arco. Para os demais dedos, o verticilo corresponde ao número 4, presilha externa ao
número 3, presilha interna ao número 2 e arco ao número 1.
Dedos defeituosos ou com cicatrizes e marcas que impossibilitam a identificação do
tipo fundamental são representados pela letra X; dedos ou falanges amputados, pelo número
0 (zero).

TIPO FUNDAMENTAL POLEGAR DEMAIS DEDOS


VERTICILO V 4
PRESILHA EXTERNA E 3
PRESILHA INTERNA I 2
ARCO A 1

DEDOS DEFEITUOSOS X X
AMPUTAÇÕES 0 0

Um exemplo de uma fórmula datiloscópica: V-4322 / E-2210

Neste caso, por exemplo, o polegar direito apresenta o tipo verticilo (V); já o polegar
esquerdo, presilha externa (E). O dedo indicador/segundo dedo esquerdo é presilha interna
(2), assim como o dedo médio esquerdo; o dedo médio direito é presilha externa (3) e o dedo
mínimo esquerdo (0) foi amputado.

123
A forma datiloscópica, contudo, não é suficiente para identificar uma pessoa. Para tal,
é necessário pesquisar os pontos característicos! Eles são os elementos individualizadores
de uma impressão digital!
De acordo com a regra de Locard, o encontro de 12 a 20 pontos característicos
coincidentes no exame microcomparativo, sem nenhum ponto de divergência, permite a
identificação do indivíduo.
São exemplos de pontos característicos: encerro, ilha, ilhota, cortada, bifurcação,
forquilha, e diversos outros.

ANTROPOLOGIA FORENSE

A identificação antropológica consiste em método que depende de conhecimentos


médicos anatômicos e fisiológicos e, por isso, é denominada também identificação médico-
legal, realizada por médicos e utilizada sobretudo em casos de encontro de ossadas,
indivíduos carbonizados, putrefatos em fase liquefativa, segmentos corporais, exumações de
repercussão, dentre outras possibilidades.
É efetuada principalmente no tocante à espécie, número de indivíduos (por exemplo,
em desastres de massa), raça/etnia, sexo, idade e estatura.
Trata-se de área extremamente complexa da Medicina Legal, densa e repleta de
detalhes e minúcias. Há, todavia, alguns aspectos gerais que devem ser conhecidos.

→ DETERMINAÇÃO DA ESPÉCIE

Ossos e sangue são os elementos mais utilizados para determinação da espécie,


quando algum segmento corporal ou secreção é identificado.
Ossos são analisados morfológica e microscopicamente, sendo os canais de Havers
estruturas relevantes para tal determinação. Trata-se de estruturas tubulares no interior dos
ossos por onde passam os vasos sanguíneos e se apresentam em menor número e mais
largos na espécie humana.
Quanto ao sangue, muitas vezes é coletado na perícia de local de crime com o auxílio
do luminol, substância que faz reação química com o ferro da hemoglobina, gerando uma
luminescência que favorece sua identificação. Por não ser absolutamente específica de
sangue, constitui prova de orientação.
A pesquisa microscópica dos cristais de Teichmann confirma a natureza do material,
que efetivamente se trata de sangue, para, a partir daí, buscar-se a identificação da espécie

124
em si. Para tal, a morfologia das hemácias é usada, embora o método mais seguro seja a
albuminorreação ou método de Uhlenhuth, realizado por meio de reação antígeno/anticorpo
com soros de diversos animais a serem pesquisados.

→ DETERMINAÇÃO DO SEXO

O sexo somático não é o único existente, havendo sexo morofológico, cromossomial,


gonadal, dentre outras, além das questões inerentes ao gênero enquanto construção social.
Há, contudo, algumas características ósseas que auxiliam na diferenciação do
dimorfismo sexual, avaliando-se apenas os sexos biológicos masculino e feminino. Para tal,
os grupos ósseos mais importantes são os ossos da pelve e do crânio. O tórax masculino tem
formato de cone invertido e o feminino é mais ovoide.

1) PELVE

Os ossos da pelve são os mais relevantes para a análise do dimorfismo sexual,


sobretudo em adultos.
A pelve feminina tem predomínio das dimensões transversais, é mais larga e
lateralizada, com ângulo sacrovertebral mais fechado, com formato circular, corpo do púbis
quadrangular e ângulo infrapúbico mais aberto e em forma de U.
A pelve masculina é mais rugosa, com predomínio das dimensões verticais, mais
estreita, formato em coração, corpo do púbis triangular e ângulo infrapúbico mais estreito e
em forma de V.

2) CRÂNIO

O crânio feminino tem fronte verticalizada, sem glabela evidente, arcos superciliares
pouco salientes, rebordos supraorbitários finos e cortantes, processo mastoide e
protuberância mentoniana menos salientes. A mandíbula feminina é menos robusta, com
ângulo mais aberto e ramos mais largos.
Já o crânio masculino tem glabela proeminente e fronte inclinada para trás, arcos
superciliares mais salientes, rebordos supraorbitários rombos, processo mastoide e
protuberância mentoniana mais salientes. O ângulo da mandícula é mais fechado, os côndilos
mandibulares são robustos e os ramos um pouco mais estreitos.

125
→ ESTIMATIVA DA IDADE

Numerosos elementos são utilizados para estimar a idade de um indivíduo, como os


centros de ossificação (especialmente de ossos do punho, do cotovelo e do joelho), o
desenvolvimento e erupção dentária (principalmente em crianças), o fechamento metafisário
e soldadura das epífises às diáfises, o comprimento dos ossos longos, o fechamento das
suturas cranianas, a densidade óssea, o arco senil nos olhos, o ângulo da mandíbula, os pelos
pubianos e axilares, dentre outros.
No globo ocular, o arco senil consiste em uma faixa acinzentada ao redor da íris,
presente em 100% dos indivíduos octagenários.
Com a idade, a densidade óssea também reduz progressivamente e a reabsorção
osteoclástica aumenta, sendo a osteoporose condição clínica mais comum em indivíduos
mais velhos.
As suturas cranianas vão progressivamente desaparecendo com o avançar da idade,
apagando-se as linhas que demarcam os ossos do crânio, que vão se soldando em indivíduos
idosos. Cada sutura inicia seu processo de apagamento em diferentes faixas etárias e, assim
como para outros dados, há diversas tabelas e fórmulas de cálculo.

→ ESTIMATIVA DA ESTATURA

Com grande variabilidade e numerosas fórmulas e tabelas de cálculo, a estatura de


um indivíduo pode ser estimada ou por meio da medição de ossos no esqueleto completo ou
por meio de ossos representativos, especialmente os ossos longos dos membros inferiores.
Em regra, observa-se uma diferença de cerca de 2 cm entre o indivíduo vivo e o
mesmo indivíduo morto, devendo-se essa diferença ao achatamento dos discos
intervertebrais no vivo (tornando-o menor), o que não ocorre no cadáver.
Há, ainda, uma diferença de cerca de 4 a 6 cm entre uma ossada e o indivíduo vivo;
este é maior em razão da espessura do couro cabeludo, do tecido subcutâneo do calcanhar
e dos discos intervertebrais.

→ ESTIMATIVA DA ETNIA

Ottolenghi descreve cinco tipos étnicos fundamentais:

- Caucásico: pele branca, cabelos louros ou castanhos, íris azuis ou castanhas.

126
- Mongólico: pele amarela, face achatada de diante para trás, maxilares salientes.
- Negroide: pele negra, cabelos crespos, crânio pequeno.
- Indiano: não é tipo racial definido; alta estatura, pele amarelo-trigueira, cabelos pretos e lisos.
- Australoide: estatura alta, pele trigueira, dentes fortes, arcadas superciliares salientes.

Os elementos mais usados para a classificação do tipo étnico fundamental são a forma
do crânio, os índices cranianos, os índices tíbio-femoral e rádio-umeral, o ângulo facial e a
anatomia dentária.
A forma do crânio e medidas nele feitas são os mais importantes, especialmente o
índice craniano calculado pela fórmula de Retzius, que consiste na relação entre a largura e
o comprimento do crânio. Crânios dolicocéfalos têm índice menor ou igual a 65; braquicéfalos
têm índices superiores a 80; havendo os intermediários ou mesaticéfalos.
O ângulo facial mede o prognatismo e para tal medida são utilizados os ângulos de
Jacquart, de Cloquet e de Curvier.
A anatomia dentária do primeiro molar inferior pode ser usada como elemento de
exclusão, já que o formato mamelonado não é encontrado nos negros e o formato estrelado
não é visto nos brancos.

OUTROS MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO E FORMAS DE AUXÍLIO

Há numerosas outras características de auxílio à identificação humana, como sinais


individuais, marcas profissionais, tatuagens, cicatrizes, malformações.
A identificação pela arcada dentária por meio da Odontologia Forense é extremamente
relevante, especialmente em esqueletizados e carbonizados.
Outros métodos são:
- Rugopalatoscopia → uso das pregas e rugosidades no palato ou abóbada bucal;
- Queiloscopia → sulcos da estrutura anatômica dos lábios;
- Oftalmoscopia → estudo do fundo de olho e desenho vascular;
- Flebografia → estudo do desenho vascular de veias superficiais do dorso das mãos ou dos
membros inferiores;
- Identificação por superposição de imagens e radiografias
- Registro de voz e escrita
- Fotografia sinalética → forma de identificação judiciária ou policial, com realização de
fotografias de frente e perfil, em redução fixa de 1/7;

127

MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


- Sistema antropométrico de Bertillon → processo histórico baseado em dados
antropométricos, descrições e sinais individuais, com medidas tomadas em pontos corporais
específicos e arquivamento em fichas. Método em desuso e de valor histórico, mas pouco
classificável e sujeito a erros de medição.

→ Identificação por DNA

A identificação por DNA vem tomando cada vez maior relevância a partir da evolução
das pesquisas e métodos em biologia molecular e genética, embora não seja o método de
primeira escolha no Brasil, em razão do custo e da falta de um banco de dados genéticos
geral, de todos os indivíduos.
O Decreto 9817/2019 criou o BNPG (Banco Nacional de Perfis Genéticos) e instituiu a
RIBPG (Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos).
Ressalte-se que a Lei 12.654 de 2012, que alterou a Lei 12.037 de 2009, trouxe a
extração de material genético para identificação criminal e criação de bancos de dados. Veja-
se a redação do art. 3o da Lei 12.654 de 2012:

“Art. 3º A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal,


passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9º-A:
Art. 9º-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com
violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes
previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão
submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético,
mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica
adequada e indolor.
§ 1º. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de
dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder
Executivo.”

Prevê a lei, ainda, que as informações genéticas contidas nos bancos de dados de
perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas,
exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e
internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.

A identificação por meio do DNA tem como principais finalidades:

128
- Associar ou excluir um indivíduo do crime;
- Associar dois ou mais locais de crime entre si ou a um suspeito;
- Fornecer subsídios para estabelecer a dinâmica do evento;
- Identificar uma vítima desaparecida através de seus parentes;
- Criação e alimentação de perfis de DNA armazenados em bancos de dados na ausência de
suspeitos.

Cada indivíduo representa uma combinação do DNA de seus pais e todas as células
de um indivíduo contêm a mesma informação genética, exceto hemácias e gametas.
Praticamente qualquer material biológico contém DNA (células epiteliais, sangue, sêmen,
órgãos, ossos, dentes, saliva, urina, fezes, pelos, etc) e pode ser utilizado para extração do
material.
O DNA nuclear tem material genético completo, disposto em 46 cromossomos de
origem materna e paterna. Há, contudo, o DNA circular mitocondrial, presente nas
mitocôndrias, que são organelas citoplasmáticas relevantes para a produção de energia nas
células. O DNA mitocondrial tem origem apenas materna e é um marcador de linhagem
materna, sendo relevante para identificação em amostras degradadas, com escasso
componente nuclear.

CAPÍTULO 8

PSICOPATOLOGIA E PSIQUIATRIA FORENSE

A Psicopatologia e a Psiquiatria Forense são ramos multidisciplinares da Medicina


Legal com âmbito de atuação em diversas questões, sendo uma das mais relevantes a
definição da imputabilidade penal. Considerando-se sobretudo a imputabilidade como o
elemento mais importante da culpabilidade, é clara a relevância da matéria para o Direito
Penal e Processual Penal.

A IMPUTABILIDADE PENAL

A imputabilidade penal é a condição de quem é capaz de realizar um ato com pleno


discernimento. É um fato subjetivo, psíquico e abstrato. A definição da imputabilidade é
atribuição pericial.

129
Não se confunde com o conceito de responsabilidade, que é a consequência atribuída
a quem tinha pleno entendimento, em concreto, para sofrer as consequências jurídico-penais.
É uma atribuição judicial, após a análise de todas as circunstâncias que envolvem o crime.
A regra, aos maiores de 18 anos, é a imputabilidade penal. Inimputabilidade é exceção
e, assim, não pode ser presumida, devendo ser necessariamente provada por meio da perícia
psiquiátrica.
A avaliação médico-legal da imputabilidade penal tem por base normativa o art. 26 do
Código Penal, que menciona os transtornos mentais (doenças mentais, perturbações da
saúde mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado) e as consequências a ele
atribuíveis. O caput do art. 26 do CP dispõe sobre os inimputáveis, que são isentos de pena.
Já o parágrafo único, por afirmar a redução da pena em virtude da condição mental do agente,
dispõe sobre os semi-imputáveis.

Inimputáveis
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da
ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito
do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o
agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por
desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente
capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.

A análise dos dispositivos legais permite a conclusão de que a doença mental é


considerada um quadro mais grave que a perturbação da saúde mental, já que é potencial
causa de inimputabilidade, desde que apta a retirar inteiramente a capacidade de
entendimento ou de autodeterminação do agente, no momento do fato. Quanto ao
desenvolvimento mental incompleto (que ainda pode se completar) e o desenvolvimento metal
retardado (retardo mental, que não atingirá o máximo de desenvolvimento), ambos podem
acarretar inimputabilidade ou semi-imputabilidade, a depender do grau de comprometimento
do entendimento ou da capacidade de autodeterminação.

130
O agente imputável, portanto, é aquele capaz de realizar um ato com pleno
discernimento. Já o inimputável é incapaz de tal clareza, de tal discernimento.
Para a avaliação pericial da imputabilidade penal, utilizam-se três critérios ou sistemas
básicos, em regra geral: o critério psicológico, o critério biológico puro e o critério misto
biopsicológico. No Brasil, adota-se como regra o sistema biopsicológico e, excepcionalmente,
o critério biológico puro para o menor de 18 anos.
A correta avaliação do critério biopsicológico requer que se avalie:
- a existência de um transtorno mental;
- a capacidade de entendimento do agente;
- a capacidade de autodeterminação e
- o nexo de causalidade entre o transtorno e o fato cometido.

→ Limites e modificadores da imputabilidade penal

Alguns critérios podem ser considerados na avaliação da imputabilidade penal e, em


consequência, da responsabilização do agente. Os mais relevantes estão associados aos
transtornos mentais, mas outras questões podem ser analisadas.

Idade

No tocante à idade, adota-se no Brasil o critério biológico puro para o menor de 18


anos (art. 27 do CPB), por uma razão de escolha estatal consideradas razões de política
criminal. Assim, não se avalia a capacidade de entendimento do menor de 18 anos, mas
apenas o fator biológico idade.

Surdomutismo

A surdomudez não pode, por si só, ser considerada modificadora da imputabilidade


penal, devendo ser avaliada a condição de discernimento do agente, no caso concreto.
São absurdos, preconceituosos e reducionistas alguns posicionamentos de autores
clássicos na Medicina Legal, que consideram que a surdo-mudez é causa de prejuízo a priori
do discernimento e da condição intelectual.

Hipnotismo

131
Eivado de controvérsias e questionamentos, o hipnotismo seria uma condição em que
há automatismo de ações sob controle externo.
Não é condição aceita como modificadora da imputabilidade penal e da consequente
responsabilização do agente.

Emoção e paixão

Dispõe o Código Penal, no art. 28, que a emoção e a paixão não excluem a
imputabilidade penal. Trata-se, em verdade, da aplicação da teoria da actio libera in causa
(ação livre na causa), no sentido de que a pessoa que se coloca conscientemente em
condições em que a emoção pode dominá-la, assumirá a responsabilidade pelos seus atos.
Há, contudo, a previsão das atenuantes geral do art. 65 do CP e específicas da lesão
corporal e do homicídio dolosos, quando cometidos “sob domínio de violenta emoção”.
Dessa forma, a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade ou atenuam a pena.

Sono e sonambulismo

Tanto o sono como o sonambulismo podem ser considerados formas de abolição da


consciência. Sendo o sono necessário, se uma pessoa consciente e voluntariamente se
coloca, estando privado de sono, em situação que acarreta perigo ou dano a outrem, responde
por seus atos pela aplicação da teoria da actio libera in causa.
Quanto ao sonambulismo em sua forma mais grave, com automatismo de ações e total
amnésia dos fatos, atos estereotipados e repetitivos, estado crepuscular com alucinações e
agitação psicomotora, pode tornar o paciente inimputável no cometimento de atos nessas
condições.

Fatores mesológicos ou ambientais

O grau de civilização e as multidões são considerados fatores mesológicos (do meio


ambiente) que podem interferir na avaliação da imputabilidade penal.
Os índios podem ser imputáveis, semi-imputáveis ou inimputáveis, a depender do grau
de conhecimento e integração social com a sociedade e suas normas, bem como de seu
entendimento e capacidade de autodeterminação.
Quanto às multidões, o Código Penal admite atenuação da pena de pessoas que agem
sob a influência de multidão em tumulto, não a tendo provocado (art. 65, III, “e”, CPB).

132
Doença mental

A doutrina médico-legal apresenta diversos pontos de divergência na Psicopatologia


Forense, até mesmo em razão do fato de o limiar entre a sanidade e o transtorno mental não
ser clara e objetivamente delineado, por razões óbvias.
O diagnóstico pericial do transtorno mental e, especialmente, a avaliação do
entendimento do agente e de sua capacidade de autodeterminação, bem como o nexo causal
com o delito, são os pontos mais relevantes da avaliação; muito mais importantes do que pré
categorizar doenças e diagnósticos em “compartimentos” específicos.
Apesar disso, os autores ainda têm a tendência de destinar determinados diagnósticos
às categorias descritas no art. 26 do Código Penal, de “doença mental” como potencial
causadora de inimputabilidade e “perturbação da saúde mental” como causa em potencial de
semi-imputabilidade.
Hygino de Carvalho Hércules arrola, entre as doenças mentais, as psicoses,
demências (que geram perda progressiva da cognição em pessoas previamente normais,
como o Alzheimer) e a epilepsia, afirmando ser necessário que a doença esteja ativa e
incapacitante no momento do crime, para que se configure a inimputabilidade do agente.

- Psicoses

São transtornos mentais que acarretam a perda do juízo de realidade e distúrbios


graves da percepção, do pensamento e do afeto.
São exemplos de psicoses as agudas (como em intoxicações por LSD) e as crônicas,
como as formas de esquizofrenia.

- Epilepsia

A epilepsia é transtorno caracterizado especialmente por crises convulsivas repetidas


e, por vezes, refratárias ao tratamento. É um dos principais pontos de divergência na doutrina:
Hygino Hércules a considera uma doença neuropsiquiátrica, com formas graves que
apresentam automatismos e estados crepusculares, que poderiam acarretar inimputabilidade.
Já Genival Veloso de França a considera uma doença neurológica, discordando de sua
classificação como “doença mental” e defendendo a imputabilidade de seus portadores.

Perturbação da saúde mental

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Trata-se de grupo de condições em que o grau de entendimento e autodeterminação
podem estar comprometidos, permitindo o ato delitivo, mas de forma insuficiente para que se
enquadre a condição em “doença mental”. São quadros, assim, um pouco mais leves do que
os anteriormente descritos.
São representados principalmente pelos Transtornos da Personalidade, já nomeados
por alguns como “psicopatias”, mas que configuram quadros heterogêneos e variáveis de
transtornos mentais. Também as neuroses podem ser inseridas nesse grupo.
Os principais tipos de Transtornos da Personalidade são: paranoide, esquizoide,
antissocial, borderline ou limítrofe, histriônico, obsessivo-compulsivo e dependente.
Hygino Hércules afirma que os psicopatas costumam ter deformações de caráter,
temperamento, instintos e afetividade, embora as personalidades psicopáticas não formem
uma única entidade nosológica e também apresentam variabilidade.
Afirma-se, ainda, que, embora haja potencial conhecimento da ilicitude do fato, os
psicopatas com frequência apresentam pouca capacidade de autodeterminação, razão pela
qual não seriam considerados plenamente imputáveis.

Desenvolvimento mental retardado

O desenvolvimento mental retardado ou retardo mental já foi anteriormente nomeado


como oligofrenia e pode ser graduado em leve, moderado, grave e profundo. O grau de
entendimento e desenvolvimento intelectual de seus portadores é avaliado por meio de várias
escalas, a mais conhecida a do quociente intelectual (QI), e de testes psicológicos.
Constituem grupo heterogêneo de condições clínicas de diversas etiologias, como, por
exemplo, as alterações cromossômicas como a trissomia do 21 ou síndrome de Down,
algumas doenças hereditárias, infecções congênitas (como rubéola e toxoplasmose),
substâncias teratogênicas usadas pela gestante na gravidez (como álcool e alguns
medicamentos).
A definição da imputabilidade do portador dependerá do grau de comprometimento
intelectual e de sua capacidade de entendimento, autodeterminação e interação social.

PERÍCIA PSIQUIÁTRICA

Há basicamente dois tipos de perícias psiquiátricas que têm importância no âmbito de


um processo penal: a perícia de sanidade mental e o exame de cessação de periculosidade.

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA


Exame de sanidade mental

Nessa perícia, avaliam-se a existência e o tipo de transtorno mental, o nexo de


causalidade com o delito e as capacidades de entendimento e autodeterminação do indivíduo.
Quando feito o exame na fase de inquérito, a autoridade policial representará ao juízo
competente para tal.
A regulamentação legal dessa perícia está disposta no Código de Processo Penal:

Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do


acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério
Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão
ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.
§ 1o. O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito,
mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.
§ 2o. O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame,
ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto
às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.

Art. 150. Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será


internado em manicômio judiciário, onde houver, ou, se estiver solto, e
o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o juiz
designar.
§ 1o. O exame não durará mais de quarenta e cinco dias, salvo se os
peritos demonstrarem a necessidade de maior prazo.
§ 2o. Se não houver prejuízo para a marcha do processo, o juiz poderá
autorizar sejam os autos entregues aos peritos, para facilitar o exame.

Art. 151. Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da


infração, irresponsável nos termos do art. 22 do Código Penal, o
processo prosseguirá, com a presença do curador.

Art. 152. Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o


processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça,
observado o § 2o do art. 149.

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§ 1o. O juiz poderá, nesse caso, ordenar a internação do acusado em
manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado.
§ 2o. O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o
acusado, ficando-lhe assegurada a faculdade de reinquirir as
testemunhas que houverem prestado depoimento sem a sua presença.

Art. 153. O incidente da insanidade mental processar-se-á em auto


apartado, que só depois da apresentação do laudo, será apenso ao
processo principal.

Art. 154. Se a insanidade mental sobrevier no curso da execução da


pena, observar-se-á o disposto no art. 682.

Exame de cessação de periculosidade

Constatado, por meio do exame de sanidade mental, o nexo causal entre o


cometimento do delito pelo agente e o transtorno mental, bem como definida sua
inimputabilidade, será a ele aplicada uma medida de segurança. A partir daí, deverá ser
verificada sua cessação de periculosidade por outra(s) perícia(s). Avalia-se o chamado “risco
de violência”.
O exame de cessação de periculosidade se realizará ao fim do prazo mínimo de
duração da medida de segurança (art. 775 do Código de Processo Penal). E será repetido de
ano em ano ou em qualquer tempo, se o juiz assim determinar.
Cessada a periculosidade, o juiz determinará a desinternação ou cessação do
tratamento ambulatorial, podendo ser fixadas condições.

AVALIAÇÃO MÉDICO-LEGAL DO TESTEMUNHO, CONFISSÃO E ACAREAÇÃO

O testemunho, a confissão e a acareação são espécies de provas subjetivas que se


inserem no âmbito da Psicopatologia Forense ou Judiciária, devendo ser estudados os
dispositivos processuais penais que regem tais tipos de provas.
Sob o ponto de vista médico-legal, a CONFISSÃO pode ser obtida, em tese, por meios:
- astuciosos (de forma indireta se obtém a verdade, com uso de sagacidade, habilidade
e sutilezas);

136
- coercitivos (com o uso de recursos violentos, sendo relevante se perquirir se houve
tortura nessas circunstâncias; trata-se, por óbvio, de meio arbitrário e ilícito);
- tóxicos (por meio da administração de substâncias químicas, tratando-se de prática
também arbitrária, por configurar meio violento por ação farmacológica);
- científicos (cardiopneumopsicograma, que é uma braçadeira para avaliar variações
da pressão arterial, hipnotismo e lie detector ou “máquina da verdade”; têm
credibilidade duvidosa e estão desacreditados).

A confissão é divisível e retratável e, para que tenha credibilidade, são avaliados


aspectos como verossimilhança das afirmações, clareza, persistência no tempo e coerência,
concordância ou compatibilidade com os demais elementos de prova.
Deve ela ser, ainda, pessoal, expressa, livre e espontânea, lembrando-se que o
silêncio do acusado não importa confissão, embora possa constituir elemento para a formação
do convencimento do juiz.

Na ACAREAÇÃO, a Medicina Legal cuida de avaliar se há eventual influência de uma


pessoa sobre a manifestação da outra, a timidez, o medo e as reações emotivas.
Trata-se de meio de prova previsto na legislação processual penal, tema pouco
trabalhado pela Psicologia Judiciária Penal. Será admitida entre acusados, entre acusado e
testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre
as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou
circunstâncias relevantes.

Quanto ao TESTEMUNHO, a avaliação médico-legal se dá sob o ponto de vista


psicológico, por sua constituição em quatro fases: sensação, percepção, fixação e
exteriorização.
A fase de sensação é uma fase física (aquisição pelos sentidos humanos), que está
relacionada a grande índice de erros, assim como a percepção, pois apenas pequeno número
de dados sensoriais passa para a campo da consciência humana. As percepções mais
valorizadas são a visual e a auditiva, sendo a tátil a menos importante para a formação da
prova. Na fixação, a sensação vai ao campo da consciência, fixando-se no cérebro, momento
em que pode-se dela recordar por meio de lembranças. A fase de exteriorização é a que
materializa o testemunho em si, quando da tomada do depoimento.
Discute-se se portadores de transtornos mentais, crianças, cegos, ébrios, podem
testemunhar de forma fidedigna. Vale ressaltar que, desde que tenham presenciado o fato e

137
consigam relatá-lo, não há porque negar tal possibilidade, sob o ponto de vista estritamente
médico. Testemunhos de crianças, por óbvio, devem ser cercados de cuidados específicos,
mas não são desqualificados do ponto de vista puramente médico e psicológico, apenas em
razão da incapacidade civil.
Não há motivos para se recusar, de forma absoluta e a priori, o testemunho de pessoas
com transtornos mentais. Contudo, especialista deve ser consultado para que se avalie a
influência do transtorno mental na formação da percepção do indivíduo. Portadores de
doenças mentais que cursam com delírios (sobretudo os persecutórios) e alucinações podem
ter seus testemunhos questionados e vistos com reserva.
São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem
dar o seu testemunho.
Quanto ao tema abordado, deve-se atentar à redação das normas contidas nos artigos
197 a 230 do Código de Processo Penal.

AVALIAÇÃO MÉDICO-LEGAL DOS QUADROS DE FRAUDE

Quadros de fraude também são avaliados no âmbito da Psicopatologia Forense e da


Infortunística (ramo da Medicina Legal associado às relações de trabalho), para se constatar
comportamentos fraudulentos visando múltiplos interesses pessoais, como obtenção de
licenças, aposentadorias, seguros e até mesmo a inimputabilidade penal.

- Simulação → o periciando alega situações e apresenta sinais e sintomas


inexistentes, como dores, paralisias, sintomas mentais e até mesmo autoferimentos
simulados.
São sinais sugestivos de simulação o número exagerado de sintomas apresentados,
a confirmação indiscriminada de sintomas sugeridos pelo médico, a afirmação pelo paciente
de sintomas raros e muito improváveis para o quadro clínico apresentado.
Ainda, como sinais de autolesão simulada tem-se a ocorrência de lesões superficiais,
que não deixam cicatrizes, em partes alcançáveis pelas mãos, raras lesões no dorso e na
face.

- Dissimulação → a dissimulação é também chamada de simulação negativa; trata-


se de situação mais rara em que o periciando esconde/omite sinais e sintomas realmente
existentes e se apresenta como normal. Simula que não tem sintomas da doença.

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- Metassimulação → a doença e o quadro de sintomas realmente existem; contudo,
o periciando exagera os sinais e/ou sintomas da doença, afirmando quadro e consequências
superiores ao que ele é portador.

Um dos sintomas mais referidos pelo indivíduo que age em fraude é a dor,
especialmente pela subjetividade (variação do limiar de dor de cada pessoa) e, em
consequência, dificuldade de análise objetiva. Há, contudo, formas de se pesquisar a
realidade ou alegação falsa da dor, por meio dos “sinais da dor”:

- Sinal de Mankof: contagem prévia do pulso radial, compressão do ponto doloroso e


nova contagem do pulso radial. A real existência da dor provoca um aumento dos
batimentos cardíacos.
- Sinal de Levi: observa a contração das pupilas, quando se comprime o ponto
doloroso.
- Sinal de Muller: marca-se uma zona circular tátil na região em que há a queixa de
dor. Sem que o paciente olhe, comprime-se uma região que não é o ponto doloroso e
depois comprime-se o ponto doloroso. O paciente não relatará mudança, se for
simulação.
- Sinal de Imbert: quando a dor é no braço ou na perna, conta-se o pulso radial e
depois solicita-se que o paciente fique de pé e se apoie na perna dolorosa ou segure
um objeto pesado com o braço doloroso. Conta-se de novo o pulso e, se aumentarem
os batimentos cardíacos, entende-se pela presença de dor real e ausência de
simulação.

As citadas avaliações também são frequentemente realizadas no âmbito da


Infortunística, para se avaliar fraudes em relações trabalhistas.

INFORTUNÍSTICA

Trata-se do estudo das questões médico-legais associadas ao trabalho.


A base da infortunística são os acidentes de trabalho, aqueles que ocorrem pelo
exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal, perturbação funcional
ou doença que cause a morte ou a perda ou redução (permanente ou temporária) da
capacidade para o trabalho, nos termos das Leis 6.367/76 e 8.213/91 e Decreto 3.048/99.

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As normas equiparam a acidentes de trabalho as doenças profissionais e as doenças
do trabalho.

→ Doenças profissionais: são aquelas doenças inerentes ao desempenho de determinados


ramos da atividade laboral e que apresentam síndrome típica encontrada em outros
trabalhadores na mesma situação. São exemplos clássicos:
- saturnismo (intoxicação por chumbo, como em pessoas que trabalham com soldagem
metálica em construções civis);
- silicose (doença respiratória com fibrose pulmonar causada pela inalação de partículas de
sílica, que acomete especialmente trabalhadores de mineração).
Nas doenças profissionais, há um risco específico relacionado à atividade em si.

→ Doenças do trabalho: são aquelas doenças provenientes de certas condições especiais


ou excepcionais em que o trabalho é desenvolvido. São também denominadas “doenças
indiretamente profissionais”.
Elas diferem das doenças profissionais por não apresentarem um risco específico da
atividade. Dependem de condições biológicas do indivíduo e de algumas formas em que ele
desenvolve seu trabalho.
Um dos principais exemplos são as DORT (doenças osteomusculares relacionadas ao
trabalho).

Quanto aos tipos de RISCO PROFISSIONAL, entende-se que todo trabalho, por mais
simples que seja, sempre traz um risco próprio, independente de culpa do empregador ou do
empregado. A ideia traduz com um sentido humanitário e social, de amparo ao trabalhador.
Trata-se do chamado RISCO GENÉRICO, que incide sobre todas as pessoas, quaisquer que
sejam suas atividades ou ocupações (ideia geral de que todo trabalho submete o ser humano
a um risco).
Já o RISCO ESPECÍFICO é aquele risco ao qual está sujeito determinado operário
em razão da natureza em si do trabalho que ele desenvolve. A Ideia relaciona-se à doença
profissional.
Por fim, o RISCO GENÉRICO AGRAVADO ocorre em virtude das circunstâncias
especiais do trabalho ou das condições que o trabalhador o realiza. Está ligado às doenças
do trabalho.

140
Para fins de reparação cível do trabalhador que se envolve em um acidente do trabalho
(e patologias equiparadas), deve-se avaliar:
- a existência de uma lesão pessoal;
- a incapacidade para o trabalho, que pode temporária (até 1 ano) ou permanente; total
ou parcial;
- o nexo de causalidade;
- a existência de certas condições de tempo e de lugar (como, por exemplo, se o
acidente ocorreu em horário ou em local relacionados ao trabalho).

Uma das importantes condições patológicas associadas ao trabalho é a SÍNDROME


DO BURN-OUT ou do esgotamento profissional.
Manifesta-se frequentemente por estresse, apatia, depressão, esgotamento físico,
cansaço emocional, falta de motivação, irritabilidade e sentimentos de inadequação e
fracasso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Manuais:
FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 11a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2017.
HÉRCULES, Hygino de Carvalho. Medicina Legal Texto e Atlas. 2a ed. São Paulo: Atheneu,
2014.
BITTAR, Neusa. Medicina Legal e Noções de Criminalística. 9a ed. Salvador: Jus Podivm,
2020.

Sinopses:
FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Sinopses para Concursos, v. 41, Medicina Legal. 5a ed.
Salvador: Jus Podivm, 2020.

Site (para acompanhamento de estudos e visualização de imagens fotográficas):


Prof. Malthus Galvão: www.malthus.com.br

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MARIA DAS MERCÊS DA SILVA MAXIMO - 07821466603 - MARIA

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