1 SM
1 SM
1 SM
“Prometeu” de Goethe. Nosso trabalho busca aproximar as leituras para pensar de que forma os
deuses são representados em cada caso, para disso conseguir depreender uma pequena parte das
possíveis contribuições do imaginário romântico na poesia de Pessoa, assim como os contrastes em
relação à essa tradição literária.
[...]
Ondas passadas, levai-me
Para o olvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
A tarefa que se apresenta ao crítico é escalar tal andaime, entender do que ele é
feito, e, lá de cima, tentar ver o homem que o construiu e, quem sabe, depreender a
natureza de tal empreitada.
Este trabalho, de dimensões humildes, almeja ver de que forma o panteão de
deuses veio povoar esse andaime na poesia de Ricardo Reis, tendo Goethe e alguns autores
românticos como uma espécie de espelho capaz de aumentar e iluminar aquele em que nele
se mira.
1 Fernando Pessoa também escreveu um Fausto, o que o aproxima de Goethe, certamente seu modelo.
das Odes de Ricardo Reis, não porque nosso Álvaro de Campos acerte na crítica, mas pelo
contrário disso: os fatores apontados como possíveis elementos de enfraquecimento dessa
poesia são na verdade sua força e cerne poético. A beleza de um comentário como esse
ilumina o projeto heteronímico de Pessoa, o qual se mostra muito claro e lúcido, de forma
que seus heterônimos, mesmo no contraste, dão a ver uns aos outros. É esperado que aos
olhos de um poeta moderníssimo, vanguardista, a contenção de feição clássica parecesse
falta de espontaneidade, menor capacidade de expressão subjetiva imediata. Campos, ao
modo de Baudelaire em O pintor da vida moderna, deseja um artista “tiranizado pelas
circunstâncias” (BAUDELAIRE, 2010, p. 39) e não refugiado num mundo antigo de
ritmos e métrica.
De toda a maneira, o próprio Reis esclarece a necessidade de contenção em seu
poema de abertura:
Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.
[...]
(REIS, 1994, p. 13)
Nesse trecho, assim como no seguir do poema, há uma proposição diante da perda
inevitável das horas: o ornamento, que para essa poética será representado através da
contenção silábica e da escolha por temas da tradição greco-latina, principalmente em torno
de Horácio e Virgílio. Nessa poesia, o ornamento deve ser entendido como tentativa de
contenção, artifício usado com a finalidade de se fazer não mutável – se não é possível reter
as horas, pelo menos se controla as sílabas e os assuntos dos versos. A preferência pelo
antigo segue na mesma necessidade, pois o passado e a tradição já não sofrem mudanças,
estão como que estáveis e suprem a angústia de um homem pasmado diante da finitude
humana e da velocidade da vida.
3É preciso salientar que a forma “nada” é uma variação do latinismo “nata”, ou seja, nascida. Forma que
advém do particípio latino natus, a, um.
a constituem e pelo aspecto do trabalho) com o ambiente exterior, no qual tudo corrobora
um mesmo sentimento.
De toda a forma, nosso interesse é compreender a ação dos deuses. Como já foi
dito, Pã não se mostra repleto em suas forças. Nos hinos homéricos podemos ver:
4Trabalho de doutoramento realizado pela Universidade de São Paulo que se dedica à tradução e comentário
dos Hinos homéricos.
postulado por Antônio Mora, no projeto Regresso dos Deuses: “O paganismo é a religião que
nasce da terra, da natureza diretamente – que nasce da atribuição a cada objeto da sua
realidade verdadeira” (PESSOA, 1996, p. 237). Isso porque sua integração na natureza não
está completa assim como a seguridade de alcançarmos sua realidade objetiva e verdadeira.
Os deuses na poesia de Ricardo Reis, mesmo enfraquecidos, parecem ser parte de
toda a natureza, e junto dela alcançam essa espécie de objetividade. Ainda são os mesmos,
só não mais austeros e poderosos, mas dotados de uma sabedoria necessária, espécie de
indiferença sabida diante de tudo o que padece:
[...]
Altivamente donos de nós-mesmos,
Usemos a existência
Como a vila que os deuses nos concedem
Para esquecer o estio. (REIS, 1994, p. 40)
[...]
Indiferença que a jovem camponesa não aprendeu a ter. Sua aparição no poema é
fonte de suave contraste e nos mostra como esses deuses, construídos precisamente pelo
poeta, são incapazes de resgatar o homem de si mesmo.
No poema de Goethe encontraremos uma estrutura bastante distinta, primeiro por
não ser descritivo e sim discursivo, além de representar uma divindade em toda a sua
potência. Nele o poeta assume a voz do titã Prometeu e o faz discutir a autoridade de Zeus.
Quem me ajudou
Contra a insolência dos Titãs?
Quem me livrou da morte,
Da escravidão?
Pois não foste tu que tudo acabaste,
Meu coração em fogo sagrado?
E jovem e bom – enganado –
Ardias ao Deus que lá no céu dormia
Tuas graças de salvação?!
Eu venerar-te? E porquê?
Suavizaste tu jamais as lágrimas
Do oprimido?
Enxugaste jamais a lágrima
Do angustiado?
Pois não me forjaram Homem
O Tempo todo-poderoso
E o Destino eterno,
Meus senhores e teus?
Pensavas tu talvez
Que eu havia de odiar a Vida
E fugir para os desertos,
Lá porque nem todos
Os sonhos em flor frutificaram?
O “belo mal” é ambíguo pois seduz, atrai afetos e traz todos os males
para a humanidade. Talvez o maior mal trazido por Pandora seja o
surgimento da ambiguidade, a possibilidade de escolha, ou melhor
dizendo, a necessidade de escolha. (LAFER, 2008, p.65)
O homem, desta forma, se tornara frágil não só pelo perecer inevitável e pelos
possíveis sofrimentos ocorridos no decorrer da vida, mas, além disso, seria vítima dos
outros homens e dos objetos ambíguos que lhe exigiriam uma escolha frente à ação –
receber ou não receber Pandora; abrir ou não abrir o jarro. Em síntese, ambos os mitos nos
explicam a condição humana e reafirmam o lugar de poder de Zeus nesta nova ordem de
coisas.
A versão de Ésquilo em Prometeu acorrentado contrasta com os textos hesiódicos.
Nela Zeus é tido como figura arrogante e tirana e Prometeu como protetor que livrou os
homens da destruição, conta o titã: “dos pobres homens não fez conta nenhuma, queria ao
contrário, exterminar-lhes a raça e criar outra nova” (Ésquilo, 2006, p. 47). Prometeu é
5 Lafer (2008) interpreta que o ato sacrificial de Prometeu é uma espécie de tentativa de reaproximação, mas
não muito eficaz porque os deuses e os homens já que não compartilham mais a mesma linguagem.
retratado enquanto injustiçado e vítima das arbitrariedades de Zeus, seu caráter, contudo
não é irado, já que, por crer no poder do fado, aguarda seu momento de justiça6. A
paciência do protagonista da tragédia é fruto da sua certeza no poder do destino sobre o
qual nem os deuses estariam imunes.
No poema que estudaremos, a versão escolhida como texto base para o diálogo é a
da tragédia de Ésquilo, tanto pelo tratamento do assunto (Zeus tirano\Prometeu protetor
dos homens) como também pela representação de Prometeu enquanto aquele que vê além
e consegue vislumbrar o futuro e a razão de cada coisa. Contudo nem só de semelhança se
faz essa relação, no Prometeu goethiano o sentimento de injustiça está aumentado, o que
acaba por gerar ódio. Na tragédia, o protagonista não deseja a plena destruição do deus,
simplesmente espera pelo momento em que Zeus terá que descer dos céus e lhe pedir
ajuda. No texto antigo, o ponto forte de Prometeu é sua crença, seu ímpeto para a
transformação.
Pensando na estrutura formal, o poema de Goethe não tem versificação regular e
também não possui rima7, seu ritmo é o da fala encoleirada e magoada. Há um
distanciamento espacial entre os interlocutores, apresentado na primeira estrofe, Prometeu
parece ocupar o espaço terreno (espaço da cabana, do braseiro e do lar) enquanto Zeus, o das
alturas: “Encobre teu céu, ó Zeus”. Desse modo, a fala tem uma direção, ela vai de baixo
para cima e não obtém nenhuma resposta, se configurando como grito raivoso de um
homem para o céu. Ademais, ainda nessa estrofe, Goethe apresentará todos os elementos
do conflito mostrados no mito. Primeiramente caracterizará o oponente: “E, qual menino
que decepa\ A flor dos cardos”, remetendo à vitória de Zeus sobre Crônos, que o rendeu o
reinado entre os deuses. E depois o seu desejo e a razão da disputa: “Exercita-te em robles
e cristas de montes\ Mas a minha Terra\ Hás-de-ma deixar”.
Prometeu parece exigir que Zeus mantenha-se limitado às regiões altas como robles e
cristas dos montes, sugerindo, através de uma metáfora espacial, o próprio Monte Olimpo,
morada que coube a Zeus na divisão do mundo. Todavia, tudo aquilo que pertencer à
dimensão terrestre e for construído através do trabalho do homem, o titã considera não ser
de direito do deus. Os versos finais da primeira estrofe são bastante provocadores e
instigantes, retomam a ira de Zeus com o roubo do fogo, que, de alguma forma, dá ao
6 Prometeu é alertado por sua mãe, Géia, sobre a vitória de Zeus sobre Cronos e também sobre uma possível
queda do próprio Zeus também através de um filho mais poderoso que ele.
7 Evidente que nossa interpretação é bastante limitada por não lidar com original em alemão.
homem o domínio da técnica e, consequentemente, da criação das coisas, o aproximando
dos deuses.
A segunda estrofe dá continuidade ao crescente tom raivoso que finaliza a estrofe
anterior, chegando nesse momento ao vitupério: “Nada mais pobre conheço\ Sob o sol do
que vós, ó Deuses!”. Prometeu contesta a soberania dos deuses e os considera pobres,
mesquinhos e dependentes do homem, como se sua condição de existência fosse a própria
devoção: “[...] morreríeis de fome, se não fossem\ Crianças e mendigos\ Loucos cheios de
esperança”. Essa espécie de crença nos deuses como seres dependentes, nos recorda a
segunda ode de Ricardo Reis, assim como o poema “Os Deuses da Grécia”, de Heine.
Neles essas divindades parecem enfraquecidas pela falta de fé dos homens e por terem sido
substituídas pelas figuras cristãs. Essa figuração empalidecida é ainda representada em
“Deuses no Exílio”, também de Heine, no qual os seres mitológicos passam a viver
escondidos para garantir sua integridade. É curioso pensar que a ameaça do Prometeu
goethiano, de alguma forma, terá escopo nos poemas de Reis e Heine.
Esta problemática é ainda percebida na relação entre os deuses e o sol. Enquanto
Heine e Reis retratam seus deuses à noite e ao pôr-do-sol, Goethe faz questão de
representá-los sob a forte luz do astro, como se verá na segunda (“Sob o sol”) e na terceira
(“Para o sol”) estrofes. Em Goethe, os deuses são vistos sob a luz clara. E mesmo que
desafiados, sua imagem se mantém austera; nos outros autores, apesar da atitude afetuosa,
vemos os deuses já destronados e quase que envergonhados de serem vistos sob a luz do
dia. Heine chega a dizer: “Deuses abandonados, \Sombras mortas que vagueiam pela
noite,\ Fraqueza de nuvens, que o vento dissipa.”
Na terceira estrofe, a rememoração do passado (“Quando era menino”) atenua a ira
construída nas estrofes anteriores e torna o poema mais choroso. Prometeu lamenta a falta
de acolhimento dos deuses (“[...] como se lá houvesse\Ouvido para o meu queixume,\
Coração como o meu\ Que se compadecesse da minha angústia”) – desprezando a
indiferença que Ricardo Reis considerará sabedoria, como tentamos mostrar acima. A
reação magoada traz matizes interessantes para a composição do tom do poema, que é
predominantemente irado, mas de uma raiva construída a partir do desamor. O ato de
lamentar-se com os deuses e esperar intervenções a favor de suas dores, nos parece algo
mais próximo do universo cristão do que pagão. O que nos faz pensar que há no Prometeu
goethiano uma cuidadosa elaboração que reúne o ethos esperado para esse personagem a
uma espécie de moral cristã, na qual as divindades devem possuir afeição pelo homem.
Essa expectativa unida à ideia da infância dá ao titã nuances bastante humanas8.
Contudo, a atenuação da raiva não dura muito, na estrofe imediatamente posterior
temos uma sequência de interrogações nervosas, que se prolongam até a quinta estrofe.
Nelas o titã, através de exemplos, demonstra a ausência da bondade de Zeus para consigo,
condensadas pela belíssima imagem que reúne a eternidade de seu castigo ao objeto
furtado: “Pois não foste tu que tudo acabaste,\ Meu coração em fogo sagrado?”. Talvez
essa seja uma das imagens mais importantes do poema uma vez que resume em dois versos
a dor daquele que foi magoado por quem esperava ser amado, dilema do Prometeu
goethiano.
Numa espécie de rodamoinho argumentativo, construído por tais perguntas
retóricas, o titã se comparará a Zeus, por meio da ideia de transgressores da ordem: “E jovem
e bom - enganado -\ Ardias as Deus que lá no céu dormia\ Tuas graças de salvação?!”. O
questionamento revoltado que serpenteia esses versos é quanto à diferença dos julgamentos
de Zeus e do próprio Prometeu. Pois se Zeus fora considerado salvador por matar seu pai
que não permitia a liberdade de nenhum dos filhos, porque então ele, Prometeu, seria
punido por oferecer essa mesma liberdade aos homens? O que faz o leitor concluir que
Zeus não admite a mudança no estado de coisas, mesmo devendo a ela sua supremacia.
Na quinta estrofe, seguem as razões para não se venerar o crônida, agora estendidas
a sua postura para com os homens: “Suavizaste tu jamais as lágrimas\ Do oprimido?\
Enxugaste jamais a lágrima\ Do angustiado?” O inquieto encadeamento argumentativo das
perguntas finaliza-se escorado na tragédia de Ésquilo e em tom de ameaça, já que Prometeu
acreditava no poder do Fado para enfim se ver vingado da tirania de Zeus.
8Os deuses pagãos não tinham infância já nasciam adultos e totalmente autônomos, desta forma não é
possível pensar num titã quando criança.
de Prometeu é muito significativa, ela representa o processo de culturalização do homem
através do próprio homem, e não mais pela simpatia de uma divindade. Além disso, a fala
do titã sugere que o tempo e o destino pareiam titãs, deuses olímpicos e homens. Essa
queda de Prometeu, divindade humanizada e punida, não representa para ele razão de
vergonha ou de falta de esperança. Fugir para o infrutífero deserto não se faz opção, assim
como negar sua condição e realidade. Sua escolha, de homem revoltado, será o
enfrentamento.
Prometeu prediz uma nova estirpe de homens criada a sua imagem e semelhança,
ou seja, homens que não aceitem a tirania dos deuses e acreditem no poder das coisas
construídas pelo homem (a casa, o braseiro). Homens que assumam seu poder de
construtores da cultura e que mesmo diante dos pesares (sofrer e chorar) não recorram aos
deuses, mas a si e a sua capacidade de criação (o presente do fogo sagrado).
A retomada das imagens da fuga para o deserto e da construção do homem à
imagem e semelhança da divindade, nos fazem pensar no texto bíblico. O deus cristão cria
os homens à sua imagem e semelhança, assim também Jesus passa quarenta dias
peregrinando pelo deserto para ser tentado pelo demônio e de lá sair mais forte e pronto
para o suplício final. Prometeu se negará ao deserto, mas criará novos homens. Mais uma
vez se mostra a dualidade desta figura, uma divindade humanizada que diferente do Cristo
não se dará em sacrifício pela salvação do homem, mas o conduzirá, ao modo de um
exército, para a libertação. A aproximação da moral cristã e da mitologia pagã, que
comentamos mais acima, não resulta na supremacia de nenhuma das formas, mas
aparentemente na recusa de ambas. O poema aproveita o ethos da figura prometeica e o
reúne à expectativa cristã fazendo nascer desse encontro a ideia de que o homem é apto e
capaz de enfrentar a vida sem qualquer subterfúgio que não sua própria humanidade.
No fundo o que acontece é que faço dos outros o meu sonho, dobrando-me às opiniões
deles para, expandindo-as pelo meu raciocínio e minha intuição, as tornar minhas e
(eu, não tendo opinião, posso ter as deles como quaisquer outras) para as dobrar a
meu gosto e fazer de suas personalidades coisas aparentadas com os meus sonhos.
(Livro do desassossego)
Que sonhou Pessoa sobre os deuses? Difícil precisar o que Pessoa por meio do
poeta Reis sonhou sobre os deuses antigos. Certamente passou por Heine, e sonhou com
ele, passou por Horácio, e também sonhou com ele. Dobrou-se em Mora e pensou num
novo paganismo. Mas isso é mistério inacessível, o que fica é o poema e ele nos diz bem
mais do que as intenções do poeta, ele nos diz o possível de um homem com sua história
pessoal e coletiva. E ficaremos com isso.
Na ode que analisamos, Pã está totalmente imbricado na natureza, como parte dela.
O deus parece envelhecido, de um envelhecimento que não significa mera perda das forças
áureas da Antiguidade, mas algo como um envelhecimento sabido. Os deuses, durante todo
o livro de Reis, dão lições aos homens sobre a indiferença frente às desventuras ou mesmo
à felicidade, porque qualquer destempero é figura do perecimento e da morte. Como
tentamos mostrar, o que está harmonizado na relação entre o deus e a natureza, não se
verifica na mondadeira. E o homem, sonhando para dentro, não consegue compreender a
lição de aceitação dada pelo fim do dia e pela música de Pã.
Há na poesia de Reis certa força afirmativa em relação à representação dos deuses,
eles não precisam ser imaginados, como sugere Heine em seu poema – optando por ver
suas imagens ao invés das nuvens. Os deuses de Reis existem, ocupam a natureza e com ela
se relacionam em harmônico paganismo. E o projeto de construção de um olhar objetivo e
limpo, que lemos em Mora, tem aqui alguma concretização. A condição possível de sua
existência é o coordenar-se com a natureza, é o saber dobrar-se à tristeza do fim do dia.
Essa atitude resignada, que é a postura de Reis frente à irreparável finitude, é sua força.
Contudo, como tentamos mostrar acima, a jovem camponesa é capaz de tocar-se pela
canção, mas não de acalentar completamente seu seio marítimo. Como nem tudo é
negatividade no mar da poesia de Pessoa, terminamos nós e a mondadeira amolecidos ao
fim do dia – vitória possível dos deuses de Ricardo Reis.
Tanto Goethe como Reis reconfiguram a figura das divindades pagãs, o alemão
para construir um ideal humano, o português como tentativa de resistência às coisas todas
que terminam. A austeridade de Prometeu não cresce ou diminui diante à delicada
passividade de Pã, cada um chama para si diferentes demandas. O titã irado vai propor a
revolução através dos ideais humanistas; Pã, o desejo pela atenuação do sentir, enquanto
forma de melhor viver. Ambas falas de homens e de seus tempos, sonhos sonhados em
conjunto por\para outros homens.
ELIOT. T.S. “Tradição e talento individual”. In Ensaios. Trad. Ivan Junqueira. Rio de
Janeiro: Art Editora, 1989.
GOETHE, J.W. Poemas. Trad. Paulo Quintela. 4ª Ed. Coimbra: Centelha, 1986.
HESÍODO. Os trabalhos e os dias. Trad. Mary de Camargo Neves Lafer. São Paulo:
Iluminuras, 2008.
_________. Teogonia: a origem dos deuses. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras,
2011.
PERRONE-MOISÉS. Fernando Pessoa, Aquém do eu, além do eu. 3ª Ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.
PESSOA, Fernando. Odes de Ricardo Reis (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de
Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).