Langdon, Esther Grisotti, Márcia. Políticas Públicas
Langdon, Esther Grisotti, Márcia. Políticas Públicas
Langdon, Esther Grisotti, Márcia. Políticas Públicas
Márcia Grisotti
organização
POLÍTICAS PÚBLICAS
Reflexões antropológicas
COLEÇÃO
BRASIL
PLURAL
editora ufsc
POLÍTICAS PÚBLICAS:
reflexões antropológicas
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Reitor
Ubaldo Cesar Balthazar
Vice-Reitora
Catia Regina Silva de Carvalho Pinto
EDITORA DA UFSC
Diretora Executiva Interina
Flavia Vicenzi
Conselho Editorial
Agripa Faria Alexandre
Antonio de Pádua Carobrez
Carolina Fernandes da Silva
Evelyn Winter da Silva
Fábio Augusto Morales Soares
Fernando Luís Peixoto
Ione Ribeiro Valle
Jeferson de Lima Tomazelli
Josimari Telino de Lacerda
Luis Alberto Gómez
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Priscila de Oliveira Moraes
Sandro Braga
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Editora da UFSC
Campus Universitário – Trindade
88040-900 – Florianópolis-SC
Fone: (48) 3721-9408
[email protected]
www.editora.ufsc.br
Esther Jean Langdon
Márcia Grisotti
Organização
POLÍTICAS PÚBLICAS:
reflexões antropológicas
2021
© 2021 (e-book) Editora da UFSC [Nota do Editor = mesmo conteúdo]
© 2016 (impresso)
Coordenação editorial:
Cristiano Tarouco
Capa e editoração:
Paulo Roberto da Silva
Revisão:
Júlio César Ramos
Este livro está sob a licença Creative Commons, que segue o princípio do acesso
público à informação. O livro pode ser compartilhado desde que atribuídos os
devidos créditos de autoria. Não é permitida nenhuma forma de alteração ou a
sua utilização para fins comerciais.
br.creativecommons.org
Sumário
1
1) Arte, performance e sociabilidades; 2) Migrações no Brasil contemporâneo: fluxos,
processos sociais e gênero; 3) Museus, coleções e patrimônio; 4) Navegando em imagens:
Políticas públicas: reflexões antropológicas 8
1
Agradeço a meus colegas de pesquisa, particularmente a Nádia Heusi Silveira e Isabel
Santana de Rose, por sua colaboração na construção do projeto “Práticas de autoatenção,
redes, itinerários e políticas públicas”, que serve como base deste artigo.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 16
2
Ou ignoram a existência desses esforços ou relegaram tais pesquisas ao estudo da
etnomedicina.
3
Alguns exemplos dos muitos eventos no âmbito internacional com apoio de IBP:
“Políticas comparadas em saúde indígena na América Latina”, na IX Reunião de
Os diálogos da antropologia com a saúde 17
4
Por exemplo, participação na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI),
Grupo de Trabalho de ABRASCO Saúde Indígena; Reuniões regionais, macrorregionais
e nacionais organizadas pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 22
Considerações finais
Referências
Theophilos Rifiotis
Introdução
1
Trabalho publicado na revista Antropologia em Primeira Mão, UFSC, n. 141,
2014. Trata-se de um texto apresentado numa primeira versão no Grupo de Trabalho
“Muertes, violencias y territorio: sentidos y escenarios en América Latina”, na X Reunión
de Antropología del Mercosur (Córdoba, 2013), tendo sido posteriormente discutido
no Colóquio “Reflexões sobre Pesquisa Antropológica e Políticas Públicas” no INCT/
CNPq – Brasil Plural, Florianópolis, 2013.
Entre teoria, estética e moral 41
2
Trata-se de um conjunto de atividades desenvolvidas em projetos de pesquisas e de
extensão, além de orientações acadêmicas, participação no Comitê de Ética da ABA,
na Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação (ANDHEP),
coordenação do projeto Educação e Direitos Humanos em Santa Catarina – SECAD/MEC-
SEDH, fundação do Comitê de Educação e Direitos Humanos de Santa Catarina, atuação no
desenvolvimento de diretrizes para a Educação em Direitos Humanos para o MEC.
Entre teoria, estética e moral 43
4
Refiro-me aos cinco volumes da coleção intitulada “Antropologia e Direitos
Humanos” e, mais recentemente, ao volume “Antropologia e Direito. Temas
Antropológicos para Estudos Jurídicos” que demonstram o compromisso da
Antropologia com o campo dos Direitos Humanos.
Entre teoria, estética e moral 45
5
Trata-se de problemas trabalhados em outra publicação que aqui lembro
apenas para sublinhar a necessidade de sairmos do debate dos termos, mudando
os termos do debate (RIFIOTIS, 2008b, 2011).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 46
6
Evito aqui o termo “sociabilidade” e sua conotação que chamaria de contratualista,
seguindo a crítica feita por Strathern (1999).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 48
7
Apenas para citar um exemplo corriqueiro, lembro os recentes eventos no cenário
nacional brasileiro que colocam a questão de modo contundente mostrando como o
debate político se traduz em disputas – amplamente divulgadas (e midiatizadas) – entre
juízes do Supremo Tribunal Federal.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 50
8
A centralidade, às vezes exclusividade, da intervenção jurídica nas relações sociais
circunscreve modos de pensar e agir socialmente aceitáveis, abstratos, delimitando
lugares fixos para os sujeitos que me interessa aqui discutir.
Entre teoria, estética e moral 51
Sujeito-vítima
9
Abordei tais questões em trabalhos anteriores: 1) A primeira referência à noção de
judicialização da violência foi artigo sobre a Delegacia da Mulher na Revista Estado
e Sociedade, UnB, 2004 (RIFIOTIS, 2004). 2) Em “Judiciarização das relações sociais
e estratégias de reconhecimento: repensando a ‘violência conjugal’ e a ‘violência
intrafamiliar’”. Revista Katálisys (RIFIOTIS, 2008a), procurei articular as lutas de
reconhecimento (HONNETH, 2003) e judicialização das relações sociais. 3) As aporias
foram apresentadas em “Direitos Humanos e outros direitos: aporias sobre processos
de judicialização e institucionalização de movimentos sociais”, no livro que organizei
com Thiago Hyra intitulado Educação em Direitos Humanos: discursos críticos e temas
contemporâneos (RIFIOTIS, 2011a). Em “Direitos humanos: sujeito de direitos e direitos do
sujeito” (RIFIOTIS, 2007), procurei mostrar a importância de refletirmos sobre o sujeito,
pensando nas configurações de sujeito envolvidos nos debates sobre “violência” e Direitos
Humanos. Tomei como emblemático naquele trabalho a história de João e Maria, que os
Irmãos Grimm tornaram mundialmente conhecida e as novas edições tornaram, se posso
me permitir “mais palatável”. Procurei mostrar que a nossa leitura atual daquela narrativa
está enviesada pela percepção das crianças como vítimas às quais emprestamos pouca
ou nenhuma agência, no sentido de Ortner (2007a, 2007b). Pouca ênfase se dá ao modo
como João e Maria reagem ao abandono, como enganam e matam a “bruxa”, apropriando-
se dos bens que encontram na casa dela. Suas estratégias e ação desaparecem, sobretudo
as de Maria. A leitura hodierna centra-se exclusivamente nas vítimas, obliterando-se a
capacidade de ação expressa e realizada por elas na narrativa.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 52
10
Tampouco esta noção se confunde com a de pessoa. Na longa tradição antropológica
deste debate, interessa aqui lembrar que a categoria “pessoa” é seminal e apresenta,
ainda hoje, enorme complexidade teórica, como no clássico texto de Mauss (1974)
“Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de ‘Eu’” ou na noção de
“divíduo” (STRATHERN, 2006).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 54
11
Penso aqui especialmente em “Existe violência sem agressão moral?” (OLIVEIRA,
2008).
12
Na perspectiva que tenho adotado na análise da centralidade do campo normativo
nas lutas sociais, enfatizo que, por um lado, ela é vetor de acesso à justiça, de visibilidade
social, de reconhecimento e de promoção da equidade; por outro, afirma uma forma de
politização da justiça baseada nos direitos dos sujeitos. É, portanto, dando continuidade a
tais argumentos que apresento aqui uma releitura de trabalhos anteriores que enfocam a
judicialização das relações sociais no campo da “violência de gênero” e problematizando
a estratégia da chamada “politização da justiça”. Considero “politização da justiça” em
termos do reconhecimento de que instituições como a Delegacia da Mulher e mais
recentemente a Lei Maria da Penha são expressões de lutas sociais no sentido de promoção
do acesso à justiça e da agenda igualitária feminista (DEBERT; GREGORI, 2008). Trata-se
como da conquista de “ganhos jurídicos” e da “aposta” numa potência transformadora da
normatividade e no sistema de justiça criminal.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 56
Considerações finais
13
Cf. o artigo de Roberts e Pires (1992) sobre as mudanças do Código Penal canadense
em 1993 no campo das agressões sexuais, com um aumento das penas e a eliminação
das categorias “estupro” e “atentado ao pudor” e seus vieses sexistas; elas produzem uma
“ambiguidade simbólica”. Ou ainda mais especificamente, sobre a entrada da “opinião
pública” no domínio jurídico, o trabalho de Pires (2004) intitulado “A racionalidade penal
moderna, o público e os Direitos Humanos”.
14
O escopo de questões abordadas mostra a relevância de trabalharmos numa
perspectiva crítica, visando desenvolver estratégias de pesquisa éticas e engajadas.
Pretendemos em trabalhos futuros ampliar a perspectiva analítica aqui adotada em duas
vertentes complementares: a ideia de uma “antropologia diplomática” (LATOUR, 2004),
defendendo a ideia de que a pauta e os sentidos do que é relevante não nos pertencem e
nem estão dados de início, mas são resultados possíveis da interlocução, e a necessidade
de a pesquisa manter-se num estado de permanente autorreflexão e numa postura que
valorize a simetrização.
Entre teoria, estética e moral 57
paralisante para alguns, para mim elas funcionam como uma janela
que permite, sobretudo, considerar o confronto aqui desenhado como
heurístico no sentido de uma antropologia moral como a define Fassin
(2008). Em resumo, dentre todas as questões levantadas e que precisam
ser trabalhadas especificamente, destaco uma de ordem mais geral
que poderia estar presente nos nossos debates sobre os fundamentos
dos Direitos Humanos e que é consequência dos atravessamentos que
colocamos em debate: como operar analítica, política e eticamente entre
a solidariedade, a vitimização e a agência do sujeito?
Referências
Márcia Grisotti
ela não faz parte das escolhas políticas sobre as doenças a serem tratadas
como um problema de saúde pública global.
Nesse cenário complexo do debate sobre saúde global, doenças
consideradas negligenciadas (para as quais há pouco interesse em
pesquisa científica e recursos destinados à sua vigilância e controle) e/ou
endêmicas em muitos países convivem com outras consideradas de alto
impacto para a saúde pública global, como por exemplo, a AIDS, febres
hemorrágicas (Ebola, Lassa, Nipah, Hanta, Marburg), SARS, algumas
gripes causadas pelos agentes influenza (H1N1 e H5N1), Encefalopatia
espongiforme bovina (BSE) entre tantas outras epidemias e pandemias
chamadas de doenças infecciosas emergentes.
Em artigo publicado na coletânea Advances in Medical Sociology
(GRISOTTI; AVILA-PIRES, 2010), identificamos o uso inadequado da
expressão doenças infecciosas emergentes e chamamos a atenção para
as diferenças entre a abordagem pragmática do conceito pelo Centro
de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) e a
abordagem histórico-epistemológica realizado por Grmek (1993,
1995). Na perspectiva do CDC, as doenças infecciosas emergentes são
aquelas que apareceram recentemente em uma população ou aquelas
que já existiam, mas que, por algum motivo, estão se espalhando mais
rapidamente, em termos de incidência ou distribuição geográfica
(LEDERBERG et al., 1992). Tal disseminação pode ter ocorrido
por causa de uma introdução recente de um novo agente etiológico
ou de uma mutação de um agente existente, seguida pela sua rápida
disseminação entre a população (MORSE, 1995).
Pelo fato de nem sempre podermos saber se uma doença é nova
ou se é existente, mas não detectável, Grmek (1993, p. 285) expandiu
o conceito de doenças emergentes apresentando quatro situações nas
quais as doenças poderiam ser assim denominadas: 1) ela existia antes
de ser reconhecida pela ciência (o caso da doença de Chagas é exemplar:
investigações epidemiológicas revelaram que ela afetava milhões de
pessoas antes de ser descoberta pelos cientistas em 1909); 2) ela já
existia mas aumentou seu grau de letalidade em função de mudanças
qualitativas e quantitativas em seu ambiente (o caso da Legionella, uma
bactéria simples mas letal quando concentrada em precários sistemas
de refrigeração/calefação); 3) ela foi introduzida em uma região onde
não existia anteriormente (o caso das diversas doenças ditas tropicais);
4) ela emerge a partir da passagem de um reservatório não humano para
humano (o caso das inúmeras doenças zoonóticas). Para Grmek (1993),
a única possibilidade de uma doença ser considerada nova advém da
Políticas públicas: reflexões antropológicas 66
Referências
Eliana E. Diehl
Introduzindo o tema
1
Há áreas nas ciências farmacêuticas que incorporam perspectivas sociais e humanas
para a compreensão do papel dos medicamentos, como a farmácia social – para saber
mais, ver Hassali et al. (2011) – em vários países e a assistência farmacêutica no Brasil –
ver, por exemplo, Santos (2011).
2
Alguns autores ainda citam a farmacoeconomia (que se ocupa com o impacto
econômico e os benefícios à saúde produzidos pelos fármacos) como uma abordagem
inserida nos EUM (OSÓRIO-DE-CASTRO, 2000).
Estudos sobre medicamentos em uma perspectiva interdisciplinar 83
3
Para Menéndez (2003), a autoatenção (sentido restrito) é a primeira forma de atenção
no âmbito familiar e é um processo que inclui os conhecimentos e práticas de sujeitos
Políticas públicas: reflexões antropológicas 84
e seus grupos sociais na busca de resolver os problemas que afetam a saúde. Nesse
processo, os sujeitos e grupos sociais articulam diferentes formas de atenção de maneira
autônoma dos especialistas, incluindo a automedicação, que é usar determinados
fármacos sem a intervenção direta e/ou indireta dos profissionais de Saúde, mas também
utilizar ervas, álcool, maconha, ventosas, massagens, cataplasmas etc.
Estudos sobre medicamentos em uma perspectiva interdisciplinar 85
4
No final de 1999, as ações e serviços de saúde para os povos indígenas foram
organizados na forma de um subsistema vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS),
constituído de 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) distribuídos por
todo o país. Os DSEIs contam com uma estrutura para a atenção primária nas Terras
Indígenas, atendidas por Equipes Multiprofissionais de Atenção Básica à Saúde
Indígena (EMSIs), e os serviços de maior complexidade são referenciados na rede mais
ampla do SUS. Esse modelo é respaldado pela Política Nacional de Atenção à Saúde
dos Povos Indígenas (PNASPI) (BRASIL, 2002), que além dos princípios do SUS de
universalidade, equidade, integralidade e participação comunitária, inclui o princípio
da atenção diferenciada. Idealmente, esse princípio deve permear todas as diretrizes
da PNASPI, sendo uma de suas definições “o respeito às concepções, valores e práticas
relativos ao processo saúde-doença próprios a cada sociedade indígena e a seus diversos
especialistas” (BRASIL, 2002, p. 18). Estudos (LANGDON et al., 2006; DIEHL et al.,
2012; PONTES et al., 2012) têm demonstrado que a definição e operacionalização da
atenção diferenciada se mostram ambíguas e confusas, destacando-se nesse cenário os
papéis dos agentes indígenas de saúde e da participação e controle social por parte dos
povos indígenas, que estão longe de se realizarem na prática.
Estudos sobre medicamentos em uma perspectiva interdisciplinar 87
Referências
Introdução
1
O primeiro, “Ética em pesquisa qualitativa em saúde”, organizado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo com o apoio do Programa
Especial para Fortalecimento da Pesquisa em Doenças Tropicais da Organização
Mundial da Saúde (TDR/WHO), foi realizado em Guarujá, São Paulo em agosto de
2006. O segundo, “I Seminário sobre ética nas pesquisas nas Ciências humanas e sociais
e na saúde, foi organizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de
Saúde de São Paulo e pelo Instituto de Psicologia da USP, também com o apoio do TDR/
WHO”.
2
Os dois textos iniciais que deram origem a este são: LANGDON, Esther Jean. “Dados
qualitativos como um dos resultados”, apresentado no encontro de 2007; MALUF, Sônia
W. “Do organismo à cultura: onde estão os sujeitos”, apresentado no debate dos Diálogos
Transversais, UFSC, e posteriormente modificado em MALUF, S. W.; TORNQUIST,
Carmen Susana. “Pedras no meio do caminho ou o caminho das pedras: os Comitês
de Ética na Pesquisa e a vocação crítica da antropologia”, enviado para apresentação
na Abanne, 2007. Na forma final deste artigo, modificamos o estilo oral dos dois textos
anteriores, mas tentamos manter as referências aos relatos de campo de cada uma das
autoras.
Nesse debate, Esther Jean Langdon apresentou o Relatório de Guarujá e Sônia W.
3
4
Participamos, enquanto representantes de nossos centros de ensino, em momentos
distintos, nos Comitês de Ética da UFSC e da UDESC.
Ética e política em pesquisa 105
assinado pelo pesquisado. Uma das questões que têm sido colocadas em
pauta pelos antropólogos é, justamente, que o TCLE ou o Consentimento
Informado (CI) beneficiariam muito mais os “direitos” do pesquisador
(como garantia formal a ele), tal qual um “cheque em branco” que lhe
é conferido pelo sujeito pesquisado ou informante, e menos como
uma preservação de seus direitos individuais e coletivos (OLIVEIRA,
2004). Esse “tom defensivo”, não incomum no âmbito dos Comitês de
Ética, sugere que, mais do que “preservar” direitos das populações e dos
indivíduos, o TCLE garante direitos aos pesquisadores e às instituições
a que eles pertencem, diante de possíveis processos judiciais que
“informantes” insatisfeitos possam vir a instaurar.
O pesquisador, ao se tornar portador do termo e com a aprovação
do Comitê de Ética, teria, então, “resolvido” as questões éticas de sua
pesquisa apenas num nível instrumental, liberando-o para, então,
abandonar preocupações muito mais amplas que deveriam acompanhá-
lo sempre e que se situam muito além da relação intersubjetiva dele com
seu(s) informante(s).
Ao que tudo indica, muitos desses Comitês acabam servindo
para controlar as pesquisas que justamente denunciariam (como já
denunciaram antes) os abusos cometidos pelas instituições médicas,
como coloca, veementemente, Duarte (2004).
Como bem coloca o Relatório de Guarujá, publicado em 2007, esse
tipo de dificuldade é reveladora da hierarquia interna ao campo científico
e mostra que, muito embora pesquisadores das áreas humanas ou que
trabalham com metodologias qualitativas tenham direito à representação
em todos os Comitês, essa representação tem sido insuficiente, pois as
reivindicações feitas pelos cientistas sociais (e filósofos, historiadores,
críticos de arte, entre outros) não é compreendida, quando não é sequer
“legitimada”, em função das hierarquias e relações de poder internas
ao próprio campo científico. Assim, os Comitês têm servido, não raro,
como forte desestímulo à realização de pesquisas qualitativas.
Um exemplo foi o que ouvimos, durante as inúmeras e
morosas idas e vindas para conseguir a aprovação do Comitê de
Ética da UFSC ao projeto “Gênero, subjetividade e saúde mental”,
de um dos responsáveis pela questão da ética em pesquisa em um
órgão do governo municipal: que primeiro “seria necessário avaliar
o interesse da prefeitura” nessa pesquisa, o que deixa claro o quanto
as “populações” e seus direitos – alvo das preocupações éticas, nem
sempre são os “destinatários” das preocupações dos Comitês – são
vistos como espécies de “propriedades” de seus gestores.
Ética e política em pesquisa 113
Referências
SMITH, D. Summer Seminar for College Professors: liberty, equity and fidelity.
Indiana: Department of Religion, Indiana University, 1979. Mimeografado.
SILVEIRA, M. L. da. O nervo cala, o nervo fala: a linguagem da doença. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2000.
TANNEN, D.; WALLAT, C. Enquadres interativos e esquemas de
conhecimento em interação: exemplos de um exame/consulta médica.
In: RIBEIRO, B. T.; GARCEZ, P. M. (Org.). Sociolinguistica interacional:
antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto Alegre:
Age, 1998. p. 120-141.
TORNQUIST, C. S. Paradoxos da humanização: etnografia de uma
maternidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, Fiocruz, n. 19, supl.
2, p. 419-427, 2003.
TROSTLE, J. Medical compliance as an ideology. Social Science and Medicine,
v. 27, n. 12, p. 1299-1308, 1988.
PARTE II
ESTUDOS DE CASOS
A tensão visibilizada: políticas
públicas e pessoas com deficiência
A visibilidade expandida
1
Pontuo aqui as expressões sem problematizar quais seriam os melhores termos
para serem empregados. Essas discussões são feitas em vários âmbitos, e as mudanças
conceituais seguem uma agenda de transformação que engloba questões de outras ordens.
A tensão visibilizada 125
2
Good (1993) demonstra como a medicina também é social e historicamente
construída. Mostra como esse ramo do conhecimento possui suas “crenças” e sua
metodologia própria (que condiz com sua epistemologia e com seus “objetivos”), fato
este que o assemelha a outras formas de lidar com a saúde e a doença. É interessante
pensar, nesse sentido, como, com o passar dos anos, as concepções sobre o que é e o que
não é doença vão se modificando.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 126
3
Segundo alguns autores, o fato de não ouvir constitui culturas ou comunidades.
Sobre o assunto, ver Strobel (2008), Coleção Estudos Surdos I, II e III da Editora Arara
Azul (QUADROS, 2006; QUADROS; PERLIN, 2007; QUADROS, 2008), entre outros.
Esses estudos apontam que, seguindo as considerações de teóricos como Padden (1999),
deve existir uma diferenciação entre Surdos e surdos, sendo os primeiros aqueles
identificados com a “cultura” expressa pelas línguas de sinais, e os segundos aqueles
que não se identificam e que, grosso modo, poderíamos comparar com o que em outros
espaços é chamado de “deficiência auditiva”.
4
Diniz (2003) apresenta um caso que leva essa discussão a um ponto interessante,
já que, um casal de lésbicas surdas norte-americanas, ao realizar uma inseminação
artificial, luta na justiça pelo direito de gerar um filho surdo por considerar isso não
um problema, mas uma cultura e uma identificação. A autora argumenta em relação
à proposta do movimento surdo de gerar crianças surdas como forma de manter uma
identidade cultural, porém questiona com relação a essa liberdade reprodutiva poder,
em certo sentido, limitar os futuros filhos.
A tensão visibilizada 127
5
Como veremos adiante, já temos pelo menos duas políticas públicas que adotam o
novo conceito trazido pela Convenção. Entretanto, não podemos fazer avaliações mais
densas a esse respeito.
A tensão visibilizada 129
6
Estive envolvido diretamente com as duas políticas. Com o BPC, por ter atuado
como consultor na Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) na construção de orientações
técnicas sobre o Programa BPC Trabalho. Esse Programa busca a inserção das
pessoas com deficiência, beneficiárias do BPC, na rede socioassistencial, em cursos
profissionalizantes e no mundo do trabalho. Na LC 142 venho atuando como
pesquisador do grupo vinculado à Universidade de Brasília (UnB) e responsável pela
validação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado à Aposentadoria (IFBrA). O
desafio da validação é perceber o quão aplicável é o instrumento utilizado para fins da
concessão da aposentadoria especial. A pesquisa é uma cooperação entre o Ministério
da Previdência Social e a Fundação Universidade de Brasília (FUB), por meio do Centro
de Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da UnB.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 130
7
Para inúmeras análises sobre o BPC, a proteção social e outras interações, consultar
o livro organizado por Diniz, Medeiros e Barbosa (2010).
8
Segurado é o nome utilizado pela Previdência Social para se referir aos indivíduos
que contribuíram ao RGPS e que podem usufruir das garantias constitucionais para esse
grupo populacional.
A tensão visibilizada 131
A invisibilidade inerente
10
Mais detalhes sobre as teorias nativas sobre a origem da surdez na Várzea Queimada
podem ser obtidos em Pereira (2012).
11
“Doutores de São Paulo” é a expressão utilizada no vilarejo. Trata-se de um conjunto
de pesquisadores vinculados à Universidade de São Paulo que se dirigiram até a
Políticas públicas: reflexões antropológicas 134
de inclusão. Pois bem, parece que essas ações dialogam muito mais com
pressupostos globais sobre surdez e deficiência do que com as formas
locais de pensar e se relacionar com o mundo.
Mas, as inserções de políticas públicas na localidade não param
nessa ação da referida instituição. A prefeitura do município, tendo como
base as ações nacionais e estaduais, lança uma série de ações para “as
pessoas com deficiência em Jaicós”. Vale ressaltar que o estado do Piauí
cria uma Secretaria Especial para inclusão da pessoa com deficiência, visto
o envolvimento pessoal do governador e sua esposa com essas questões:
uma de suas filhas é uma pessoa com deficiência, Daniele Dias, que dá o
nome para um famoso centro de reabilitação na cidade de Teresina.
O interessante é que vivenciei exatamente essa efervescência
da questão da deficiência no município de Jaicós. Em quase todos
os eventos do municípios, os “surdos” de Várzea Queimada eram
chamados para participar. Eles eram lembrados nos discursos oficiais
do prefeito e de outros secretários. Ações de “resgate da autoestima” e
de “inclusão” dos surdos eram amplamente divulgadas e promovidas
pela administração pública.
O discurso era o mesmo que o da maioria das políticas: criou-
se um sujeito específico, nomeado como “pessoa com deficiência”,
que precisaria de ações do estado para a promoção do seu bem-estar.
Esse sujeito, notadamente homogeneizado e hegemônico, precisaria
ser atingido pelas políticas públicas. E os mudos de Várzea Queimada
foram o foco privilegiado das ações. Porém, nada foi pensado sobre a
realidade local para a aplicação de tais políticas.
Por exemplo, criou-se uma turma de Alfabetização de Jovens
e Adultos (EJA) para letrar os surdos, agora pensados enquanto os
sujeitos macro das políticas. O dilema era grande quanto às formas de
alfabetização: contratava-se uma professora de Libras ou se utilizaria
como recurso humano uma professora nativa que dominava a língua
local? Mesmo tendo escolhido a segunda opção, a ação não foi bem
recebida, nem pelos mudos, nem pela comunidade em geral. Nos
discursos dos moradores de Várzea Queimada, escola é coisa de
“criança”, e os surdos não eram crianças. Além disso, eles estavam em
uma turma específica, composta exclusivamente por surdos, o que
provocou uma segregação e era vista como a “sala dos mudos”. Antes,
eles eram iguais aos demais adultos não alfabetizados. Depois das
ações, era “tudo para os mudos”.
E isso se repetiu com a Dança de São Gonçalo, manifestação
tradicional da comunidade. Durante as ações da instituição de educação
Políticas públicas: reflexões antropológicas 136
12
Rodas de São Gonçalo são formas utilizadas pela população de Várzea Queimada
para pagar uma promessa feita ao santo. Geralmente são promessas para arrumar
relações maritais, feitas por mulheres. Elas devem “pagar” tantas rodas de São Gonçalo
quantas foram acordadas com o santo casamenteiro. Na forma tradicional, mulheres da
comunidade são chamadas para dançar, sendo aos homens reservado o direito de assistir,
exceto quatro deles que são responsáveis pela condução da música (os “caqueiros”).
O que legitima essa ação são discursos de que o Piauí sempre fora um estado esquecido
13
pela nação e faz um chamamento aos governos municipais para o resgate da cultura local.
Não menos importante é o vídeo, semelhante ao produzido pelo estado do Piauí, com
o Hino Nacional Brasileiro vinculado a imagens que “valorizam a cultura nacional”,
enfocando diferentes aspectos regionais (danças gaúchas, carnaval, “baianas” etc.).
A tensão visibilizada 137
Não podemos esquecer das considerações de inúmeros autores sobre os elementos que
14
são indispensáveis para a produção de uma “língua”. Bourdieu (1996) e Gumperz (1972)
argumentam sobre isso, ressaltando que para que haja uma língua é necessário o “código”
e também os falantes. Esses falantes constituiriam a “comunidade de fala” responsável
pela manutenção dessa língua. Tratando-se da constituição da Língua Brasileira de Sinais
(Libras) como oficial no país, faz-se necessário também a constituição de um grupo, qual
seja, o que é nomeado como pertencente à “cultura surda”. Fiz algumas considerações
sobre o papel da Libras na consolidação da nação (PEREIRA, 2009).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 138
Referências
BOURDIEU, P. A economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. São
Paulo: EdUSP, 1996.
BRASIL. Senado Federal. Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/
Congresso/DLG/DLG-186-2008.htm>. Acesso em: 12 ago. 2013.
DINIZ, D. Autonomia reprodutiva: um estudo de caso sobre a surdez.
Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 175-181, 2003.
DINIZ, D. O que é deficiência. São Paulo: Brasiliense, 2007.
A tensão visibilizada 141
Introdução
1
Sebrae é uma empresa cujo objetivo central é transformar pequenos produtores em
microempresários. Percebi nas falas dos técnicos uma forte alusão a um discurso que
podemos denominar de “sebraeniano” que diz respeito claramente ao empreendedorismo
que aponta que é mais interessante se constituir em empresariado. Resta saber para
quem isso é mais interessante, haja vista que há, por trás desse discurso, uma série de
exigências que se referem à legalização de empreendimentos bem como à padronização
dos produtos e de formas de vida.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 150
540 reais são muito pouco. Podias fazer um pouco mais pela classe
pescadora, porque a gente escuta na televisão que ela vai ajudar
a mulher da pesca. Que Deus abençoe! Que ela possa ter muita
luz no coração dela, mas que faça logo porque muita mulher
vai morrer, como já estão morrendo, sem ter o reconhecimento.
(Judith, Balneário Camboriú).
Considerações finais
Referências
Alberto Groisman
Anotações introdutórias1
1
Agradeço às pessoas que participaram, colaboraram e contribuíram para a realização
da pesquisa de campo, particularmente os participantes das religiões do daime, por sua
generosidade, mas particularmente aos que me interpelaram e/ou compartilharam
comigo os momentos de convivência, o interesse genuíno no conhecimento produzido
pela pesquisa, a disponibilidade e o estímulo. Agradeço ainda às agências que financiaram
o projeto, CNPq e INCT – Instituto Brasil Plural, e especialmente às organizadoras desta
publicação, às contribuições das debatedoras e dos demais participantes da sessão da
mesa-redonda em que o paper original foi apresentado
Vó Nadir e as políticas públicas de saúde 157
2
A implementação da Reforma Psiquiátrica no Brasil tem sido avaliada regionalmente
e a partir, de um lado, da desativação de manicômios ou redução da população
internada, ou a chamada desinstitucionalização, ou desospitalização, e, por outro lado,
Políticas públicas: reflexões antropológicas 158
3
Aqui elaborei esta expressão “fórmula cultural” para tensionar e problematizar
perspectivas etnocêntricas que pensam o daime como uma substância que resulta de uma
formulação “bioquímica”, ou seja, que o concebem como uma “fórmula farmacológico-
terapêutica”, e que relevam particularmente suas “propriedades terapêuticas”.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 160
5
Tenho procurado reproduzir a narrativa sobre esse evento de certa forma padronizada
nos trabalhos que tenho elaborado, para que se estabeleça o que eu chamaria de “ciclo da
análise”, ou seja, para que os parâmetros de reflexão sejam mantidos até que as formas
de abordagem se esgotem e a narrativa tenha que ser modificada em razão de novas
perspectivas.
6
Este relato é recorrente em outros trabalhos, pois se constitui numa narrativa
sintética e relevante para ser abordada de diferentes perspectivas.
Vó Nadir e as políticas públicas de saúde 165
Nota final
Referências
1
Tal pesquisa subsidiou a tese de doutorado, de mesmo título, da autora, desenvolvida
sob a orientação da Dra. Sônia Weidner Maluf. Compôs a pesquisa Gênero, Subjetividade
e Saúde Mental: políticas públicas, ativismo e experiências sociais, coordenada pelas
professoras Dra. Sônia Weidner Maluf e Dra. Carmen Susana Tornquist e foi realizada
com apoio da CAPES-CNPq e do Instituto Brasil Plural.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 174
2
Os transtornos mentais são classificados na literatura biomédica como leves,
moderados ou graves. Eles são classificados pelo Código Internacional de Doenças
(CID), ordenado pela Organização Mundial de Saúde. Também são classificados no
Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM) organizado pela
Associação Americana de Psiquiatria.
Entre reformas e revoluções 175
Para uma discussão mais aprofundada desta denominação, ver Andrade (2012).
3
Políticas públicas: reflexões antropológicas 176
4
“Multi sited research is designed around chains, paths, threads, conjunctions or
justapostions of locations in wich the etnographer establishes some forms of literal, physical
presence, with an explicit, posited logic of association or connection among sites that in fact
defines the argument of the etnography” (MARCUS, 1995, p. 105).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 182
5
Para uma discussão sobre o paradigma psicossocial e o paradigma manicomial, ver
Costa-Rosa (2000).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 184
Referências
Introdução
1
Incluímos aqui outros artigos já publicados dos autores do presente artigo, com ou
sem outros parceiros, e uma dissertação de mestrado orientada pelo primeiro autor
deste texto.
Suicídio é suicídio e ponto final? Será? 191
2
Uma forma amplamente aceita para classificar a magnitude do suicídio em uma
população foi proposta por Diekstra e Gulbinat (1993), que classifica a taxa de mortalidade
por suicídio em quatro categorias: baixas (< 5 mortes/100 mil); médias (5 a 14 mortes/100
mil); altas (15 a 29 mortes/100 mil) e muito altas (30 ou mais mortes/100 mil).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 192
3
No mesmo ano, a proporção de autodeclarados indígenas no estado no Amazonas foi
4,84%, e no Brasil, de 0,43% (IBGE, 2012).
4
Aqui utilizamos outro indicador epidemiológico chamado de “mortalidade
proporcional por causa específica de óbito”, o qual se propõe a medir a participação
relativa das principais causas de morte no total de óbitos com causa definida. Dentre os
Suicídio é suicídio e ponto final? Será? 195
seus principais usos destacamos a sua utilidade como indicador que permite a comparação
de distintas populações; a identificação de situações de desigualdade; assim como método
auxiliar em processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas visando à
adoção de medidas preventivas e assistenciais relativas a cada grupo de causas.
5
Consideramos como óbitos ocorridos no final de semana aqueles que foram
consumados em dias de sexta-feira, sábado e domingo. Usamos essa estratégia como
um indicador indireto, para buscarmos acessar uma eventual ligação entre o suicídio
e o consumo abusivo de álcool. Essa estratégia pautou-se em alguns estudos de cunho
etnográfico que evidenciaram o maior consumo abusivo de álcool em populações
indígenas nos dias de final de semana (SOUZA; GARNELO, 2007; SOUZA et al., 2010).
Políticas públicas: reflexões antropológicas 196
6
A autópsia psicológica é um instrumento estruturado ou semiestruturado
que busca reconstituir retrospectivamente o status da saúde física, mental e as
circuntâncias sociais das pessoas que se suicidaram, a partir de entrevistas com
familiares e informantes próximos às vítimas (WERLANG, 2012).
Suicídio é suicídio e ponto final? Será? 199
Considerações finais
indígena, principalmente a jovem. Tal aspecto, por sua vez, indica que
o suicídio deve ser entendido para além do campo da “saúde mental”,
e que estratégias para seu enfrentamento deveriam se pautar em ações
intersetoriais, que respeitem os conhecimentos e práticas tradicionais e se
orientem pelo compromisso com o protagonismo político dos indígenas.
Referências
1
Além dos Kaiowá e Guarani, vivem em Mato Grosso do Sul os Terena, Kadiweu,
Kinikinau, Ofaié, Guató, Atikum e Kambá.
Discriminação, impasses sociais em Mato Grosso do Sul e o bem-viver kaiowa e guarani 205
2
Essas ideias foram surgindo e se ampliando ao longo de dez anos, quando conheci
os Kaiowá e Guarani da Terra Indígena Caarapó (Te’yikue), trabalhando no Núcleo de
Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas da Universidade Católica Dom Bosco.
Posteriormente, já associada ao INCT Brasil Plural como pesquisadora da rede de
pesquisa em saúde, tive uma breve experiência como agente da FUNAI, quando lidei
exclusivamente com a pauta dos Kaiowá e Guarani. Este último trabalho foi crucial para
consolidar as reflexões apresentadas neste artigo.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 206
3
Na criteriosa avaliação estatística do Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
todas as denúncias de violações aos direitos dos povos indígenas são classificadas
como violências. Assim, as questões territoriais são violência contra o patrimônio;
manifestações de violência física e/ou simbólica são violência contra a pessoa praticada
por particulares e agentes do poder público; indicadores de saúde insatisfatórios,
incluindo o uso abusivo de bebidas alcoólicas, são violências por omissão do poder
público; e por fim há violências praticadas contra os povos isolados (RANGEL, 2014).
Discriminação, impasses sociais em Mato Grosso do Sul e o bem-viver kaiowa e guarani 207
4
Conforme estimativas da FUNAI, esse segmento da população indígena sul-mato-
grossense usufruía de pouco mais de 40 mil hectares de terras (2012), o que corresponde
a menos de 1% do território do estado.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 208
5
Há uma acepção estrita de tekoha como aldeia, que emerge no campo interétnico
com a retomada dos territórios tradicionais e passa a ser usada, no século XX, pelas
lideranças Kaiowá e guarani. No entanto, tekoha é um conceito polissêmico que não se
limita à noção espacial e que não é fácil abarcar de modo sintético, ainda mais diante
das transformações já apontadas. Penso que conceito de tekoha se define principalmente
por constituir-se a partir de relações preponderantemente amistosas tanto com as
entidades invisíveis (jára) que habitam a floresta como também no interior do grupo
local, permeadas por alianças políticas, rituais e de casamento. Aspectos físicos da
paisagem também determinam esse conceito. Por isso não trato aldeia e tekoha como
sinônimos, mas uso aldeia ao longo do texto no sentido que é dado localmente pelo
senso comum: um lugar (qualquer) onde vive um grupo de índios. Não cabe falar
de terras indígenas para se referir a toda essa população porque aproximadamente a
metade das comunidades Kaiowá e guarani no MS habita seu território na condição
provisória de “acampados”.
6
Entre 1915 e 1928, o SPI demarcou oito Reservas Indígenas, com uma superfície
total de terras de 17.632 hectares. São atualmente conhecidas como TI Dourados, TI
Amambai, TI Caarapó, TI Limão Verde, TI Taquapiry, TI Pirajuy, TI Porto Lindo e TI
Sassoró. TI é a abreviatura de terra indígena, que será utilizada ao longo do artigo.
Discriminação, impasses sociais em Mato Grosso do Sul e o bem-viver kaiowa e guarani 209
7
Isso ocorreu no início de 2013 a um jovem da TI Caarapó, de 16 anos, assassinado
quando foi pescar na propriedade vizinha à aldeia com outros meninos. Seu corpo foi
encontrado numa estrada da região e suspeita-se que o fazendeiro responsável por
sua morte (que conseguiu responder ao processo em liberdade) quisesse simular um
atropelamento.
Ver também Grünberg (2002).
8
Políticas públicas: reflexões antropológicas 210
9
Veja Silveira (2011) para uma descrição das práticas rituais no ciclo da vida e das
dietas alimentares indicadas em cada situação.
Discriminação, impasses sociais em Mato Grosso do Sul e o bem-viver kaiowa e guarani 211
13
Diria que a negação do reconhecimento da diferença cultural, nesse caso, passa por
três oposições no campo semântico da discriminação, identificadas por Feres Júnior
(2006) ao analisar o racismo no Brasil moderno: falta de certos costumes, falta de
sincronia com o presente histórico e falta de certos atributos psicológicos.
14
O termo violência estrutural foi cunhado, a partir da ótica marxista, como crítica à
definição da paz durante a Guerra Fria, para dar conta dos prejuízos físicos e psicológicos
provocados em setores da população, em função de arranjos institucionais que se
estabeleceram entre os países, como explicam Graeber (2012) e Bourgois (2009). Esses
autores, além de Farmer, que têm trabalhado nessa linha de análise, entendem se tratar de
mecanismos invisibilizados, de efeitos sutis, fundados em desigualdades de poder no âmbito
de uma ordem social transnacional, mas divergem quanto ao conceito de violência estrutural
e em sua abordagem.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 216
15
O texto do jornal O Progresso, de Dourados, foi bastante criticado à época pelo
discurso altamente discriminatório. O Ministério Público Federal denunciou o advogado
por ofensa e incitação à discriminação e ao preconceito. Ele foi condenado por crime
de preconceito a dois anos de reclusão, em 2011, mas essa a pena foi substituída por seis
horas semanais de prestação de serviços à comunidade durante dois anos e mais uma
multa insignificante.
16
Trecho do texto de Isaac Duarte de Barros Júnior publicado no jornal O Progresso, de
27 de dezembro de 2008.
Discriminação, impasses sociais em Mato Grosso do Sul e o bem-viver kaiowa e guarani 217
Considerações finais
Referências
Introdução
Cf. LANGDON, 1974; OVERING, 1977; SEEGER et al., 1979; CASTRO, 1996.
1
Povos indígenas e políticas públicas no Brasil 223
A pesquisa
Sobre os Xavánte
Não vai verdura para as aldeia, não tem como guardar... carne
também não tem como guardar, ainda não temos como mandar...
e, mesmo assim, eles não são muito chegados em verdura.
A gente tenta melhorar a alimentação deles, mas não aceitam
muita variação... Eles não gostam de verdura, legumes... É de carne
que eles gosta... Se mandar verdura eles vão jogar tudo fora. (Não
indígena, profissional da SME, grifo nosso).
[...] Uma vez veio uma carne de soja, a gente não conhecia e
ninguém gostou. Rejeitamos muito e não queremos mais. Fizemos
documento pra parar, pedimos, pedimos e continuou vindo mais,
mais, mais. Os velhos também ficaram bravos e fizemos reunião
com a comunidade. A gente reuniu tudo e queimamos tudo lá no
meio da aldeia. (Xavánte, diretor da escola).
2
Sobre o faccionalismo xavánte, ver Maybury-Lewis (1984), Silva (1986), Delgado
(2008).
Povos indígenas e políticas públicas no Brasil 233
Se a família não pode mais vir à escola para comer com os seus,
o alimento vai às famílias, através das crianças, para que seja
partilhado com os parentes. A partir de então, todas as crianças
trazem consigo um saquinho plástico, onde colocam a merenda
recebida, depois de comerem um pouco na escola, e a levam para
casa no final da aula. (ALVARES, 1999, p. 3).
Povos indígenas e políticas públicas no Brasil 235
[...] eles vão aprendendo com o tempo. Mas, por exemplo, aqui
temos o refeitório da escola, né... Há pouco tempo não tinha as
Políticas públicas: reflexões antropológicas 236
[...] tem que administrar tudo, controlar mesmo, porque eles são
difíceis... Aqui [na Escola da São Pedro] já vêm controlando
estoque há tempos. Só assim para controlar e garantir que não vai
sumir tudo... Nós tentamos ensinar que essa comida é da criança.
(Não indígena, funcionária da escola).
Conclusões
Referências
del hortelano”1 por parte do então presidente peruano Alan García, que
desencadeou com a utilização dessa figura, embora involuntariamente,
um debate cheio de implicações. O seguimento deste debate em torno
a imagens do poder – onde o genitivo é tanto subjetivo como objetivo –
visa falar dos efeitos que, através de uma série de mediações, chegam a
atingir comunidades indígenas na região amazônica de Madre de Dios,
na fronteira entre Peru e Brasil.2
Pelo lado teórico, este enfoque toma como referência algumas
vertentes do campo da metaforologia, que põem ênfase na potência
condutora das imagens, considerando inclusive que elas desafiam
formas conceituais ou registros quantificados. A partir deste ponto
de vista, metáforas não são meramente ornamentos, substituições
ou complementes de conceitos, mas dão orientação aí onde estes
últimos resultam excedidos. Elas não apenas viabilizam ou facilitam
a circulação, mas são fatores constitutivos de práticas diversas e, entre
elas, particularmente da intervenção política.3
O que estou propondo, por conseguinte, é prestar atenção a uma
fórmula simbólica, um modo de expressão ou figura discursiva, algo tão
leve como aparenta ser uma metáfora – a do perro del hortelano4 – que,
no entanto, tem antecedentes e consequências muito concretas. Trata-
se, no que segue, da genealogia e irradiação de uma figura amplamente
gravitante no que diz respeito à política indígena no Peru e, ao que tudo
indica, não apenas aí.5
2
Este texto aborda um dos ângulos do projeto de pesquisa “Genealogia das relações
políticas nos corredores entre as terras altas e baixas na região de Madre de Dios
(fronteira Peru-Brasil)”, que contou com o apoio do IBP, pelo qual agradeço.
3
Mais ainda, a suposta sujeição das metáforas no discurso dá lugar a que elas escapem
desse controle e, inclusive, o revertam. Cf. SCHEFFLER, 1988, em particular the myth of
ownership.
4
A figura retórica do perro del hortelano é de antiga data e uso corrente no âmbito do
espanhol. Circula nessa forma resumida e, apenas quando se quer ser enfático, é seguida
pelo complemento: que no come ni deja comer. Vem do século de ouro espanhol e existe uma
obra de teatro famosa com esse nome escrita por Lope de Vega. No Peru, no entanto, essa
formulação de origem ibérica se cruza com as conotações detestáveis que frequentemente
acompanham a figura do cachorro em sua transposição humana tanto na zona andina
como em partes da Amazônia, onde os allqorunas (homens-cachorro) são precisamente
os brancos, descendentes de espanhóis; de tal modo que, como fez notar o antropólogo
Rodrigo Montoya, há um fator agravante ao usar essa figura canina em relação aos índios.
5
Essa opção por rastrear a genealogia de uma metáfora política, ou seja, por explorar sua
procedência assim com suas eventuais variações, não obedece a nenhuma simplificação ou
Políticas públicas: reflexões antropológicas 248
O assédio às comunidades
recorte unilateral do campo de forças concreto onde ela se movimenta, mas, pelo contrário,
à percepção da grande complexidade de tal contexto e dos desafios que apresenta.
6
Inclusive um escritor estreitamente ligado ao mundo andino, como José María
Arguedas, dedicou sua tese em Antropologia ao estudo de semelhanças entre as comu-
nidades andinas e as de Castilla-León.
7
Vejo operar uma estratégia nativa que poderia chamar “tirar forças da fraqueza”, na
medida em quem transforma inclusive as condições mais adversas em suporte de suas
reivindicações.
Apenas um decreto de alcances restritos, expedido em 1957, ocupava-se do que
8
O “perro del hortelano” e os impactos de uma metáfora política em territórios indígenas 249
10
A mineração e as correntes migratórias que ativa dependem por sua vez de um
indicador muito preciso como é o preço do ouro. Na década de 1970, o preço do ouro
se quintuplicou e a migração chegou a umas 20 mil pessoas (MOORE apud ALVAREZ
DE CASTILLO, 2012, p. 194). Outro preço recorde foi alcançado ao final da década de
2000, intensificando a migração que na atualidade corresponde a 40% do total de 112
mil habitantes de Madre de Dios.
11
Este artigo foi seguido por outros dois: Receta para acabar con el perro del hortelano
e El perro del hortelano contra el pobre, mas foi o primeiro que mostrava maiores
pretensões programáticas.
Trata-se aqui principalmente dos comuneros, tanto campesinos como amazônicos, já
12
13
Há inclusive um site exclusivamente destinado a este fim (disponível em: <www.
delhortelanosuperro.com>), que simula em sua denominação invertida a forma de
falar que os limeños atribuem de modo estereotipado aos povos amazônicos. Aí foram
reunidos mais de 120 artigos polêmicos.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 252
Os outros, os pobres
14
De Soto é, no Peru, um ator político próximo tanto a Alan García quanto à dinastia
Fujimori.
O “perro del hortelano” e os impactos de uma metáfora política em territórios indígenas 253
figuras dialogam entre si, ainda que o motivo desse diálogo possa ser
formulado de maneiras muito diferentes. Assim, tal como foi apontado
em relação ao perro del hortelano, aparentemente também na imagem
do mendigo sentado num banco de ouro age como subtexto ou figura
latente a iminência de que essa riqueza seja expropriada por quem – e já
sabemos quem – pode aproveitá-la ou aproveitar-se melhor dela.
Metáforas, no entanto, não se deixam reduzir univocamente,
sempre dizem mais do que se pretende dizer com elas ou sempre
admitem um rodeio suplementar. No caso, a figura do mendigo parece
circular no Peru mais ou menos livremente, dando lugar, por exemplo,
às expectativas de que o mendigo finalmente se levante ou disponha sua
riqueza ou inclusive recupere o roubado. Mas, além disso, essa persistência
da imagem parece também transportar e traduzir discretamente uma
tenaz inquietação em torno do estatuto da propriedade no Peru, suas
incongruências e intrínseca instabilidade. Segundo essa conjectura,
postas em circulação, tais figuras estariam questionando a seu modo
o regime de propriedade e nos estariam falando, através de múltiplos
rodeios, sobre a impropriedade da propriedade. Se for assim, ainda
quando essa perspectiva nos exceda, o discorrer dessas imagens estariam
retomando as polêmicas da posse (territorial) em que Rolena Adorno
(2007) viu o tema central dos umbrais da literatura ameríndia, aquele –
entre outros – do Inca Garcilaso e Guamán Poma de Ayala.
Formulado em outras palavras, as metáforas tematizadas seriam
ambas (embora cada uma a seu modo) imagens que mostram, na parte
de seus efeitos fora de controle, a instabilidade e inconsistência do
regime da propriedade vigente, retomando com isso uma inquietação
de longa data e de respostas ainda pendentes.
visitou o Peru no século XIX, embora não seja certo que ele a pronunciou; no Equador,
onde esta frase também circula fazendo referência a esse país, é atribuída a Humboldt.
O “perro del hortelano” e os impactos de uma metáfora política em territórios indígenas 255
16
A modo de anexo, gostaria de citar e comentar ainda umas declarações de García
Perez disponíveis em vídeo, no qual realiza um forte ataque ao que ele chama de “formas
primitivas de religiosidade” e, especialmente, contra algumas formas de veneração dos
antepassados. Essa crítica é formulada a partir dos interesses conjuntos da modernidade
e, claro, das possibilidades de extração de recursos que, justamente, encontra obstáculos
nos lugares destinados aos ancestrais. Diz no vídeo: Derrotar as ideologias absurdas,
panteístas, que creem que as paredes são deuses, e a luz é deus, e enfim, que voltam a essas
formas primitivas de religiosidade, nas quais se diz “não toque nesse morro, porque ele é um
Apo, e está cheio de espíritos milenares e não sei que coisas. Se chegamos a isso, então não
fazemos nada, nem mineração, e “não toque nesses peixes, porque são criaturas de deus, e
são a expressão de deus Poseidon […]” Voltamos a este animismo primitivo. Eu penso que
necessitamos mais educação. E isso é um trabalho de longo prazo, não se faz assim. Porque
você pode ir a qualquer lugar onde a população, de boa-fé e de acordo com a sua educação,
diz “não, não toque nesta zona, porque é um santuário”. E alguém poderia perguntar
“santuário do que?”, não? Se é um santuário do meio ambiente, veja bem, “é um santuário
porque aí estão as almas dos antepassados”, mas as almas dos antepassados estão no
paraíso, seguramente, não estão aí! E então deixe os que agora vivem ou trabalham investir
nesses morros! Então veja, é um longo trabalho, e que temos avançado não significa que
todas as nossas formas um pouco antigas de pensamento foram superadas (Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=YLryNjy-ZUo>. Acesso em: 31 out. 2013).
Pouco tempo depois, no entanto, vemos o mesmo Alan García Pérez fazendo questão de
instalar um Cristo monumental – parece que foi um presente da Odebrecht, de modo
que aí se juntam outros cabos – no litoral de Lima. Isso não parece um gesto político
em consonância com a aplanadora modernidade que ele mesmo defendia, ao menos
Políticas públicas: reflexões antropológicas 258
Referências
que seja uma demonstração dos buracos e contaminações desse projeto, identificados,
entre outros, por Latour. Poderíamos pensar que o Cristo de García Pérez, inscrevendo-
se na mesma trajetória dos extirpadores de idolatrias da conquista, concorre com as
huacas do litoral peruano... De qualquer maneira, vê-se que as impurities, os buracos
por onde se filtram formas simbólicas, são parte constitutiva do discurso político, em
que raramente contam apenas meras abstrações, mas também as metáforas e a eficácia
destas não deve ser apenas levada secundariamente em consideração, pois tudo indica
que é crucial concebê-las como operadores políticos plenos de implicâncias.
O “perro del hortelano” e os impactos de uma metáfora política em territórios indígenas 259
1
Resolução Normativa no 97, de 12 de janeiro de 2012, que dispõe sobre a concessão
de visto permanente previsto no artigo 16 da Lei no 6.815, de 19 de agosto de 1980 aos
nacionais do Haiti.
2
O termo “coiote” foi inicialmente empregado para se referir aos atravessadores que
cobravam para fazer a travessia de imigrantes indocumentados na fronteira do México
com os Estados Unidos. No caso dos haitianos, o termo tem sido empregado para se
referir aos atravessadores que cobravam até quatro mil dólares para fazer a travessia que
passa pela República Dominicana, Equador e Peru, cujas rotas podem ser definidas de
acordo com os custos e interesses dos “coiotes” que atuam na região.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 262
3
Conforme observam Patarra (2012) e Geraldo (2009), a Constituição de 1934
estabelecia restrições à imigração, visando garantir a integração étnica e capacidade
física e civil do imigrante. Foi fixada a cota de 2% de imigrantes de cada nacionalidade
que haviam chegado nos últimos cinquenta anos ao país. Essas leis fizeram reduzir
significativamente a imigração de japoneses, alemães e outros grupos imigrantes e se
tornaram mais restritivas durante o Estado Novo. A Constituição de 1937 era mais
restritiva ainda, pois limitava a entrada no país de certas raças ou origens, privilegiando
abertamente a imigração europeia.
4
Ver em Reis (2011) uma análise das políticas migratórias para os brasileiros no
exterior.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 264
Para maiores informações sobre a diáspora haitiana e sua cultura migratória, ver
5
Caffeu e Cutti (2012); Continguiba e Pimentel (2012); Fernandes (2010); Godoy (2011);
Handerson (2010); Silva (2011, 2012).
6
Segundo Thomaz e Nascimento (2012), após o terremoto o governo brasileiro
anunciou projetos ambiciosos de intercâmbio e formação de quadros haitianos em
áreas estratégicas como a Saúde e a Educação, para os quais dotações orçamentárias
foram rapidamente aprovadas, mas cuja execução nunca aconteceu. Da mesma forma,
anunciou a oferta de 500 bolsas a estudantes da rede universitária haitiana, para os quais
se candidataram cerca de 3.500 estudantes, dos quais apenas 80 conseguiram as bolsas.
Migrantes indesejados? 271
7
Alessi (2013, p. 84) destaca que, em maio de 2013, o Ministério das Relações
Exteriores divulgou nota sobre a migração de cidadãos haitianos para a América do Sul,
dizendo ser possível comprovar a atuação de redes criminosas no tráfico de migrantes
nesse roteiro. Nesse sentido, o governo brasileiro decidiu ampliar ainda mais a concessão
de vistos permanentes especiais para nacionais haitianos, como forma de valorizar a
imigração legal e segura e combater o tráfico de imigrantes.
Migrantes indesejados? 275
Referências
1
O MArquE é a nova denominação do Museu Universitário Oswaldo Rodrigues
Cabral, que inaugurou seu Pavilhão de Exposições, em 2012, justamente com a abertura
da exposição “Ticuna em dois tempos”.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 282
Referências
Alberto Groisman
Professor do Departamento de Antropologia da UFSC.
Ana Paula Müller de Andrade
Doutora em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-Graduação Interdis-
ciplinar em Ciências Humanas e bolsista de Pós-Doutorado da Universidade
Federal de Pelotas.
Carmen Susana Tornquist
Professora do Departamento de Ciências Humanas da UDESC.
Deise Lucy Oliveira Montardo
Professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
UFAM e pesquisadora do INCT Brasil Plural/CNPq/FAPEAM/FAPESC.
Eliana E. Diehl
Professora do Departamento de Ciências Farmacêuticas e do Programa de
Pós-Graduação em Assistência Farmacêutica da Universidade Federal de
Santa Catarina.
Esther Jean Langdon
Professora do Departamento de Antropologia da UFSC e coordenadora do
INCT Brasil Plural. Pesquisadora I-B CNPq.
Evelyn Schuler Zea
Professora do Departamento de Antropologia da UFSC.
Éverton Luís Pereira
Professor na Universidade de Brasília (UnB), é mestre e doutor em
Antropologia Social pelo PPGAS/UFSC.
Gláucia de Oliveira Assis
Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Professora do Departamento
de Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Pesquisadora do
Instituto Brasil Plural
Jesem Douglas Yamall Orellana
Sanitarista. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública
da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). Pesquisador do Laboratório
de Estudos Interdisciplinares em Saúde Indígena e Populações Vulneráveis,
Instituto Leônidas e Maria Deane, Fiocruz.
Políticas públicas: reflexões antropológicas 288
Márcia Grisotti
Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC,
coordenadora do Núcleo de Ecologia Humana e Sociologia da Saúde e
pesquisadora do CNPq.
Maurício Soares Leite
Professor do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).
Maximiliano Loiola Ponte de Souza
Médico psiquiatra. Doutor em Ciências pelo Instituto Fernandes Figueira da
Fundação Oswaldo Cruz (IFF/Fiocruz). Chefe do Laboratório de Estudos
Interdisciplinares em Saúde Indígena e Populações Vulneráveis, Instituto
Leônidas e Maria Deane, Fiocruz.
Nádia Heusi Silveira
Mestre e doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal de
Santa Catarina.
Renata da Cruz Gonçalves
Mestre em Nutrição pelo Programa de Pós-Graduação em Nutrição da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Rose Mary Gerber
Trabalha na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina (Epagri).
Sidney Antônio da Silva
Doutor em Antropologia Social pela USP. Professor da Universidade Federal
do Amazonas (UFAM) no Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social. Pesquisador do Instituto Brasil Plural. Coordenador do Projeto.
Sônia Weidner Maluf
Professora do Departamento de Antropologia da UFSC, coordenadora
executiva do INCT Brasil Plural e pesquisadora do CNPq.
Theophilos Rifiotis
Professor do Departamento de Antropologia, Laboratório de Estudos das
Violências (LEVIS), Universidade Federal de Santa Catarina.
Este livro foi editorado com as fontes
Minion Pro e TheSerif. Publicado on-line
em: editora.ufsc.br/estante-aberta
A Coleção Brasil Plural tem como objetivo
dar visibilidade às pesquisas realizadas pelo
Instituto Nacional de Pesquisa Brasil Plural
(INCT/CNPq). Busca retratar as diferentes
realidades brasileiras em toda a sua comple-
xidade e contribuir para a elaboração de
políticas sociais que levem em consideração
as perspectivas das populações e comuni-
dades estudadas. Além disso, visa formar
pesquisadores e profissionais que atuem com
essas populações.
InstitutoNacionaldePesquisa
BRASILPLURAL
MCTI
Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação