O Fenomeno Cultural Do Misticismo Quantico e Perspectiva de Investigação
O Fenomeno Cultural Do Misticismo Quantico e Perspectiva de Investigação
O Fenomeno Cultural Do Misticismo Quantico e Perspectiva de Investigação
Resumo
O fenômeno cultural do misticismo quântico tem provocado reações diversas entre físicos, edu-
cadores e pesquisadores da área de Ensino de Física, pela grande popularização que o termo
“quântico” adquiriu nas últimas décadas, em âmbitos que transcendem a área da física. Trata-se
de um fenômeno complexo e multifacetado, que toca em questões como a natureza da ciência,
as fronteiras entre o conhecimento científico e o não científico, questões de fundamentos da
Física Quântica e suas implicações para a ciência e para a Educação Científica (EC). O obje-
tivo do presente trabalho é apresentar um panorama dos principais temas relacionados a esse
fenômeno, que têm sido explorados nos últimos anos, a fim de identificar novas possibilidades
de pesquisa. Para isso, os temas serão apresentados a partir das perspectivas histórica, filosó-
fica, social e educacional. Conclui-se que ainda existem muitas possibilidades de análise desse
fenômeno, nas áreas de história, filosofia e sociologia da ciência e na compreensão e na busca
de soluções para os seus impactos na ciência e na EC. Espera-se que este trabalho possa con-
tribuir para fornecer um panorama geral dos problemas em aberto, que seja um ponto de partida
para novas investigações e que inspire outros pesquisadores a explorarem o tema.
*
Doutora em Ciências com concentração em Ensino de Física pela Universidade de São Paulo. Docente no Instituto
Federal do Paraná, Campus Foz do Iguaçu, Brasil. E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3959-4833
https://doi.org/10.5335/rbecm.v4i3.12903
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0
ISSN: 2595-7376
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Marcia Tiemi Saito
Introdução
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O Fenômeno Cultural do Misticismo Quântico: possibilidades e perspectivas de investigação
Perspectiva Histórica
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O Fenômeno Cultural do Misticismo Quântico: possibilidades e perspectivas de investigação
quânticos, aparece uma rejeição muito grande às posturas filosóficas taxadas como
materialistas e uma defesa de posturas consideradas mais idealistas em relação à
física e à ciência como um todo. Quais seriam exatamente as características dessas
posturas? Será que há uma deturpação das características das correntes filosóficas
materialistas e idealistas por parte dos místicos quânticos? Existiria uma relação
que se buscou estabelecer entre essas influências filosóficas presentes na história
da FQ e os discursos defendidos por eles?
Por fim, o terceiro período da história da FQ (de 1927 em diante) é caracterizado
pelas tentativas de interpretar conceitualmente a estrutura teórica da MQ e pelos
desenvolvimentos teóricos com relação à dinâmica dos processos quânticos. Uma
particularidade desse período é que as interpretações não eram expressas somente
em termos de um novo conteúdo físico para as entidades matemáticas, como nas
teorias físicas precedentes na história, mas lidavam também com pressupostos
e questões filosóficas relacionadas ao conhecimento científico, como o status da
observação com relação ao conhecimento e à realidade, a distinção entre sujeito e
objeto, a causalidade e o determinismo (PATY, 2005). Esse período é marcado por
importantes desenvolvimentos teóricos – como o Princípio da Incerteza e o Teorema
de Bell – por debates de cunho filosófico entre os físicos – como os famosos debates
entre Einstein e Bohr – pela delimitação de alguns problemas de fundamento –
como o problema da medição – e pelo surgimento e esclarecimento das diferentes
interpretações da FQ (KRAGH, 1999; FREIRE JR, 2015). Nesse período, portanto,
ficam claros os principais debates sobre os fundamentos da FQ: os debates em
torno da causalidade e do determinismo na FQ; sobre a completude, o realismo e
a não-localidade; e sobre o problema da medição e o papel da consciência, os quais
consistem nos principais problemas citados e explorados pelo misticismo quântico
(SAITO, 2019). Dessa forma, ao investigar as raízes históricas do fenômeno cultu-
ral do misticismo quântico, é possível notar que muitos dos debates e argumentos
elaborados pelos adeptos e propagadores desse fenômeno se encontram em lacunas
e discussões dentro da própria FQ. Contudo, algumas questões possíveis de serem
mais bem exploradas seriam: existe diferença entre o tratamento desses problemas
por parte dos físicos e dos místicos quânticos? Por que algumas interpretações são
reconhecidas pela física, sendo consideradas científicas, e outras não? Quais são
as diferenças entre elas? Será que existe alguma deturpação dos conceitos e dos
problemas de fundamentos da FQ, quando são abordados pelos místicos quânticos?
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Além disso, Kaiser (2011) ressalta que, nesse período, houve um aumento
considerável na taxa de natalidade nos EUA e, consequentemente, em um grande
número de jovens na década de 1960. No contexto da ciência e da tecnologia, as
corridas espacial e armamentista contra a URSS causaram um aumento vertiginoso
dos investimentos em ciência e EC por parte dos EUA, acarretando na formação
de um número muito grande de jovens doutores em física. Contudo, já no final da
década de 1960, com o advento da Guerra do Vietnã, esse investimento sofreu uma
queda abrupta, o que gerou um aumento na taxa de desemprego e fez com que
a maioria dos recém-doutores em física ficasse desempregada. Paralelamente a
isso, nos anos 1960 e 1970, surgia o contexto da contracultura hippie, um período
marcado por grandes mudanças culturais e agitação política – como o rock ‘n roll,
drogas, liberação sexual, preocupação com o meio ambiente, movimento feminista,
os protestos contra a Guerra do Vietnã – no qual os jovens se posicionariam contra
os valores da sociedade norte-americana da época. Esse contexto contracultural,
aliado ao aumento do desemprego, possibilitou com que físicos formados em insti-
tuições acadêmicas de elite não seguissem carreiras acadêmicas convencionais e
perseguissem seus interesses de pesquisa, buscando fontes de fomento alternativas
e se organizassem em instituições acadêmicas não convencionais, como no Instituto
Esalen e no Fundamental Fysiks Group, nos quais podiam discutir os problemas de
fundamentos da FQ de forma mais livre (KAISER, 2011). Ao mesmo tempo em que
isso foi importante para alguns avanços na FQ, como o entendimento das consequên-
cias do Teorema de Bell, também possibilitou estudos alternativos, que buscavam
vincular os fenômenos da FQ relacionados à não-localidade com a parapsicologia,
à clarividência e à psicocinese, além da criação de movimentos, como o Movimento
do Potencial Humano, que reuniu nomes como Fritjof Capra, Amit Goswami, Fred
Allan Wolf e Gary Zukav, quem posteriormente se tornariam os precursores do
fenômeno do misticismo quântico. Essas organizações não convencionais também
tiveram um papel importante na gestação dos primeiros “produtos quânticos”, como
os workshops, cursos e palestras promovidos por seus membros (ROCHA, 2015).
Após esse período, no entanto, pode-se dizer que os protestos e as revoluções
almejadas pelos jovens dos anos 1960 e 1970 não lograram modificar o mundo como
esperado, e que muitas de suas conquistas acabaram sendo revertidas pela crise
econômica dos anos 1970 e pelo crescimento do neoliberalismo, nos anos 1980 e
1990. Com isso, a contracultura se transformou na cybercultura e os movimentos
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também fez parte do movimento da contracultura hippie, nos EUA, nos anos 1970 e,
diferentemente de outros físicos que escrevem sobre questões filosóficas relacionadas
à física, escreve como um popularizador de ciências, voltando-se para a cultura de
massas (ROCHA, 2015). Ao analisar O Tao da Física, é possível notar a presença
de um certo orientalismo1, que idealiza o pensamento oriental com a finalidade de
criticar a sociedade ocidental, além de ficar clara a presença dos discursos da Nova
Era, em que se busca contrapor um “velho” paradigma (que corresponderia à FC)
a um “novo” paradigma (que corresponderia à FM), supostamente melhor e mais
interessante em diversos aspectos. Ele também cita conceitos e discute questões
relacionadas aos problemas de fundamentos da FQ, como a dualidade onda-par-
tícula, o problema da medição e o conceito de potencialidade de Heisenberg, além
de fazer menção às tendências místicas de alguns físicos, como Wheeler, Wigner,
Bohr e Bohm, porém busca explicitar que não defende uma união entre ciência e
misticismo (SAITO, 2019).
Outro autor importante no surgimento e consolidação do misticismo quân-
tico foi o médico indiano Deepak Chopra, com a publicação de seu livro A Cura
Quântica, de 1989. Pela publicação deste livro, em 1998, Chopra também recebeu
o prêmio satírico Ig Nobel de Física (IMPROBABLE RESEARCH, 1998). Em ter-
mos de vendas dos chamados “produtos quânticos”, Chopra pode ser considerado
o mais bem sucedido de todos, com mais de 60 obras publicadas e 10 milhões de
cópias vendidas, somente em língua inglesa (HAMMER, 2004). Diferentemente de
Capra, Chopra não possuía formação em física e, por conta disso, acaba utilizando
os argumentos de Capra com um status bem estabelecido e se utilizando de uma
física já popularizada, para aplicação em sua área de formação (como em questões
relacionadas à saúde e ao bem estar), e utilizando argumentos de autoridade. Com
isso, Chopra vai mais além do que Capra, fazendo analogias entre fenômenos da FQ
e da medicina alternativa e defendendo que os primeiros explicariam os segundos.
Para isso, ele faz menção aos conceitos e problemas da FQ e às inclinações místi-
cas de alguns físicos, não menciona a existência de diferentes interpretações para
a FQ e apresenta uma postura de rejeição ao intelecto e à razão, em detrimento
de uma valorização do sentimento e da intuição. Assim, seu discurso também se
coloca dentro do movimento da Nova Era e apresenta aspectos do orientalismo, ao
contrapor o “velho” paradigma (correspondente à ciência materialista) ao “novo”
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desse fenômeno cultural? Como esses personagens interagiam entre si? É possível
caracterizá-los dentro de uma comunidade relativamente homogênea ou há diferen-
ças relevantes entre eles? Quais as diferenças entre o funcionamento e os discursos
desses personagens e dessa comunidade em relação à comunidade da FQ?
Para uma investigação mais aprofundada a respeito dessas questões históricas
contextuais mais amplas que possibilitaram o surgimento do misticismo quântico,
ver Forman (1983), sobre o contexto científico na República de Weimar; Freire Jr
(2015), sobre o contexto que propiciou o surgimento de novas interpretações da FQ;
Kaiser (2011) e Rocha (2015), sobre as influências da contracultura hippie na FQ;
Heelas (1996), Magnani (1999) e Hammer (2004) sobre o movimento da Nova Era
e do Neoesoterismo; Wilber (1984) e Marin (2009) sobre as inclinações místicas
de alguns físicos; Grim (1982), Costa (2013), Rocha (2015) e Pigozzo et al. (2019)
sobre Fritjof Capra; Hammer (2004) e Saito e Gurgel (2017) sobre Deepak Chopra;
Nogueira (2010) sobre Amit Goswami; Machado (2017) e Saito (2019) sobre uma
análise das obras dos precursores do misticismo quântico; e Cruz (2011) sobre uma
análise cultural mais ampla.
Perspectiva filosófica
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objetos macroscópicos. Em 1962, o físico Eugene Wigner elabora uma extensão desse
paradoxo, que ficou conhecida como o problema do amigo de Wigner, o qual levaria
a uma interpretação “solipsista”, em que a realidade do mundo seria diferente para
cada sujeito. Outra solução radical ao problema da medição seria apresentada em
1957, por Hugh Everett, e estendida, a partir de 1971, por Bryce DeWitt, a qual
ficou conhecida como Interpretação de Muitos Mundos. Nela, não há colapso e os
observadores passam a existir em mundos paralelos com os diferentes resultados,
cada vez que uma medição é realizada (PESSOA JR, 2001; FREIRE JR, 2015).
Em oposição a essas interpretações com abordagens mais idealistas ou sub-
jetivistas, a partir dos anos 1950, começam a surgir abordagens que buscavam
eliminar o observador humano da descrição quântica da natureza, as quais podem
ser classificadas como “realistas” ou “objetivistas”. Dentre elas, podemos destacar
a Interpretação dos Coletivos Estatísticos, que consiste em uma interpretação es-
sencialmente corpuscular, na qual o vetor de estado descreve um coletivo estatístico
de sistemas preparados identicamente, e o processo de redução da função de onda
reflete a transferência do sistema objeto de um coletivo inicial para um de seus
subcoletivos. Outra delas é a Interpretação causal de David Bohm, de 1952, que
consiste em uma interpretação determinista, baseada em variáveis ocultas, a qual
procura resolver o problema da medição através de uma modificação no formalismo
da MQ. Por fim, o Programa de Amplificação Termodinâmica procura substituir o
papel fundamental do sujeito humano pelo papel do aparelho de medição. Nele, a
redução de estado se completa quando um registro macrofísico aparece, a partir de
um processo termodinâmico irreversível de amplificação do sinal microscópico, o que
faz com que o observador deixe de ser necessário nesse processo (PESSOA JR, 1992).
Considerando que existência desses debates e diferentes interpretações para a
FQ é um fator bastante explorado pelo misticismo quântico, levantam-se as seguin-
tes questões: existe alguma postura filosófica em relação à ciência que favoreceria
o surgimento de interpretações místicas para a FQ? Como essas interpretações
foram utilizadas pelos místicos quânticos? Será que houve distorções das mesmas?
Haveria algum critério ou forma de distinguir interpretações da FQ aceitáveis
cientificamente das não aceitáveis?
Com essas questões, toca-se em outro problema filosófico relevante, relacionado
ao surgimento e desenvolvimento do misticismo quântico. Trata-se do problema
da demarcação na ciência, que busca caracterizar o que diferencia a ciência das
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Por fim, a última questão filosófica a ser elencada neste trabalho é a questão
de uma definição ou delimitação mais precisa do que poderia ser abarcado no ter-
mo “misticismo quântico”. Pigozzo (2021) identifica que, na literatura que trata
desse fenômeno cultural, há várias utilizações do termo sem um consenso preciso.
Ao tratar desta questão, Grim (1982) defende que o misticismo quântico atua no
âmbito das implicações da FQ e não na FQ em si. Pessoa Jr (2011) ressalta que
esse fenômeno pode ser classificado como um fenômeno cultural por sua forte e
ampla disseminação na mídia e em boa parte da sociedade. Porém, amplia o escopo
delimitado por Grim (1982), incluindo não apenas implicações da FQ, mas também
algumas interpretações dessa teoria, ao especificar que seriam interpretações “que
se inserem na tradição do naturalismo animista (com seu idealismo transformador)
ou que adotam um idealismo subjetivista, ou ainda que partem de elementos reli-
giosos” (PESSOA JR, 2011). O autor também apresenta as principais teses aceitas
por algumas correntes místico-quânticas, que incluem interpretações e aplicações
da FQ que envolvem as relações entre o observador e o observado, a consciência e a
comunicação humana, extensões místicas para a FQ e suas aplicações a outras áreas
do conhecimento (PESSOA JR, 2011). Saito (2019) também chama a atenção para
o fato de que alguns dicionários de filosofia reconhecem que o termo “misticismo”
adquiriu um significado pejorativo. Pessoa Jr (2007-2011), de fato, reconhece que
o termo “misticismo quântico” passou a ser adotado por críticos ao movimento e
propõe uma distinção entre os termos “misticismo” e “espiritualismo”, para cunhar
o termo mais amplo “espiritualismo quântico”, o qual se refere a uma classe de
visões de mundo, que engloba tanto o misticismo quântico, quanto visões que de-
fendem uma abordagem mais racional às relações entre espiritualidade e FQ, as
quais consistiriam em visões mais próximas da ciência e da filosofia analítica. Dessa
forma, para o autor, o termo “misticismo quântico” deve se referir apenas às visões
que aceitam que haja um conhecimento intuitivo, não-racional e não-científico a
respeito de dimensões espirituais ou transcendentais da realidade, e que defendem
que esse conhecimento primordial tem conexões com a física quântica (PESSOA JR,
2007-2011). Outras características mencionadas a respeito da utilização deste termo
destacam a sua origem histórico-social, como proveniente do movimento sociocultural
denominado “Nova Era” ou “Neoesoterismo”, que ressurgiu nas décadas de 1980
a 1990, herdeiro da contracultura hippie das décadas de 1960 a 1970 (PESSOA
JR, 2011). Saito (2019) também destaca que esse fenômeno surgiu da circulação
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das ideias e debates na FQ, em um contexto com uma predisposição social geral e
uma predisposição específica favoráveis, isto é, da circulação das ideias tanto na
própria comunidade de físicos, quanto em outras comunidades na sociedade mais
ampla. Por fim, Cruz (2011) destaca o papel da indústria cultural e dos interesses
mercadológicos envolvidos no desenvolvimento desse fenômeno. No entanto, dian-
te de todos esses aspectos, ainda permanecem as seguintes questões: que outras
características do fenômeno cultural do misticismo quântico ajudariam a delimitar
o seu uso e sua abrangência? Deveria haver um consenso maior sobre a utilização
desse termo? Ou seria interessante manter uma certa maleabilidade, uma vez que
o fenômeno ainda possui muitos aspectos a serem estudados?
Finalmente, com as questões elencadas nesta seção, não se pretendeu esgotar
todas as possibilidades de explorar filosoficamente o fenômeno do misticismo quân-
tico, mas elencar algumas possibilidades de partida, as quais podem ser expandidas
futuramente.
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de empresas, nota-se que esse discurso também foi vinculado ao sucesso no mundo
empresarial, o que pode ser observado nas seguintes obras: Em busca da empresa
quântica (1998), de Clemente Nobrega; e Planejamento Quântico (2015), de Gerald
Harris. Por fim, esse discurso também pode ser encontrado na área do direito, nos
trabalhos: O Direto Quântico (1971), de Goffredo Telles Jr; e Teoria quântica do
direito (2008), de Túlio Lima Vianna.
Assim, diante dessa ampla disseminação do discurso do misticismo quântico,
em diversas áreas do conhecimento, restam diversas questões a serem compreen-
didas, dentre elas: quais as características desses discursos e como eles foram pro-
pagados em cada uma dessas áreas do conhecimento? Quais os significados, usos
e adaptações que a FQ adquiriu em cada uma delas? Como esse fenômeno ganhou
tamanha repercussão? Quais os interesses envolvidos nessa ampla disseminação
da FQ? Quais os mecanismos sociais e elementos culturais que possibilitaram a sua
popularização? Quais os problemas, implicações sociais e efeitos negativos que os
usos e disseminação da FQ neste formato podem suscitar?
Em relação aos mecanismos sociais e elementos culturais que possibilitaram a
gênese e o desenvolvimento do fenômeno do misticismo quântico, Saito (2019) destaca
o papel das palavras e das pessoas como elementos que circulam entre diferentes
comunidades, capazes de promover a circulação das ideias em diferentes meios e,
consequentemente, causar uma alteração ou transformação em seus usos e signi-
ficados. Em particular, as palavras e ideias podem circular através de diferentes
elementos culturais. Além dos livros, já mencionados anteriormente, Lima (2017)
dá destaque a textos de divulgação científica de revistas com alta circulação entre
o público mais amplo e nota que alguns deles procuram a adesão do público através
de mecanismos discursivos utilizados por livros de autoajuda. A autora aponta que
isso provavelmente se deve ao interesse comercial que esse tipo de revista possui.
Lima et al. (2021), por sua vez, analisam o álbum Quanta (1997), de Gilberto Gil,
e mostram que a arte também pode ter um papel importante na propagação de
imagens sobre ciência. Sendo assim, restaria identificar outros mecanismos sociais
e elementos culturais relevantes nesse processo.
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Considerações finais
Abstract
The cultural phenomenon of quantum mysticism has been a source of many different reactions in
physicists, science educators and researchers in Physics Teaching. This occurs because of the
wide popularization the term “quantum” has acquired in the last decades, off-site physics. This is a
complex and multi-sided phenomenon, which encompasses several issues, such as the nature of
science, frontiers between scientific and non-scientific knowledge, the foundations of quantum phy-
sics and the implications to science and Scientific Education. The aim of the present work is to pre-
sent an overview of the main topics related to this phenomenon, which has been investigated in the
last years, and identify new possibilities of research. The topics will be presented in historical, philo-
sophical, social and educational perspectives. It was concluded that there are still many possibilities
of analysis of this phenomenon in history, philosophy and sociology of science research areas and
in search of a better comprehension and of solutions for its impacts in science and Science Educa-
tion. It is hoped that this work can contribute to provide a good overview and be a start point of future
possible research topics and that it can inspire other researchers to explore the subject.
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Notas
1
Orientalismo é um termo utilizado para se referir aos estudos acerca das civilizações orientais. Esses estudos
se baseiam em uma distinção ontológica e epistemológica entre “o Oriente” e “o Ocidente”. Em 1978, Edward
W. Said, em sua obra Orientalismo: a invenção do Oriente pelo Ocidente lança uma crítica, denunciando a
visão eurocêntrica acerca dessas civilizações enraizada nesses estudos, os interesses envolvidos na imagem
construída sobre “o Oriente” e, portanto, a distorção e a falta de precisão ao tratar dessas civilizações.
O termo “bricolagem” se refere a ideia de uma técnica improvisada, adaptada às circunstâncias ou um
2
conserto feito de maneira não muito ortodoxa (KASPER, 2006 apud OLIVEIRA, 2018).
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