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Sebenta de

Direito Comercial
Profª. Inês Neves

Aulas Práticas

Faculdade de Direito da Universidade do Porto


Nota Introdutória

Esta sebenta respeita às aulas práticas de Direito Comercial do ano letivo de


2020/2021, lecionadas pela docente Inês Neves. A sebenta foi realizada com os
apontamentos da coordenadora Marta Correia e do vogal Tiago dos Reis e Sousa do
Departamento de Pedagogia da Comissão de Curso do 4º ano.
A sua elaboração foi realizada com o objetivo de auxiliar os estudantes para o
exame de Direito Comercial. Relevamos ainda que, a leitura desta sebenta não substitui
a leitura da bibliografia obrigatória ou recomendada, sendo apenas um instrumento de
auxílio ao estudo.
Caso sejam detetados alguns erros, agradecemos que estes sejam comunicados
através do email da CC4: [email protected] de modo a que o documento seja
aperfeiçoado.

Bom estudo!

A Comissão de Curso do 4º ano de Direito


Direito Comercial– Práticas – II Semestre
● Notas Introdutórias
-Relativamente às aulas teóricas, foi abordado o conceito de sociedades comerciais. Porém, tal
como Coutinho de Abreu faz na sua obra, iremos fazer um exercício de delimitação negativa, ou seja,
para percebermos o que é a realidade das sociedades comercias vamos ver o que ela não é.
-Vimos que o Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) refere quando é que uma
sociedade é comercial, mas não nos diz o que é uma sociedade. Como tal, recorremos ao A. 980º do Código
Civil (doravante CC) para definir o que é uma sociedade: “Contrato de sociedade é aquele em que duas
ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa
atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa
atividade.”. Porém, este conceito ressente no CC não serve para acolher, hoje, o conceito de sociedades
comercial que nós utilizamos como conceito operatório, nem abrange todas as realidades. Ora, o conceito
do A. 980º CC é insuficiente porque:
— Nem todas as sociedades têm necessariamente 2 ou + pessoas →No caso das
sociedades por quotas pode haver apenas 1 sócio, pelo que a lógica é de que pode existir apenas 1 sócio e
para que este não a exerça a atividade a título individual, cria-se uma sociedade por quotas de modo a
limitar a sua responsabilidade, isto é, as sociedades unipessoais por quotas [que, segundo o CSC pode ser
a unipessoalidade originária (p.e.—sociedade unipessoal por quotas) ou superveniente (p.e.—quando
existam 2 sócios e um dele falece, promovendo a transformação da sociedade numa sociedade unipessoal
por quotas)]. É a ainda de referir tendo uma sociedade unipessoal, não temos 2 ou + pessoas e também
não haverá o exercício em comum de uma atividade, até porque quem exerce a atividade é a sociedade.
Ou seja, quem figura no trato jurídico é a sociedade, quando muito os sócios podem ter uma participação
ao nível dos órgãos de gestão que tenderá a ser maior nas sociedades em nome coletivo (pois se os sócios
vão arcar com a responsabilidade pelas dívidas da sociedade, faz sentido que eles intervenham na gestão).
— Coutinho de Abreu até refere que existem sociedades que são consideradas como tal
pela lei, p.e., em sede do C. de IRC, onde se admitem sociedades de mera fruição.
— Não existem apenas sociedades criados por contrato. Ora, já vimos o exemplo das
sociedades unipessoais por quotas (onde não existe nenhum encontro de vontades para o efeito, tal como
acontece nos contratos); as sociedades também podem ser criadas por diplomas legais (p.e.—sociedades
públicas, maioritariamente detidas por órgãos públicos)

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● Figuras distintas das Sociedades Comerciais (formas de cooperação entre empresas)
○ Contrato de Consórcio
-Revela a noção do contrato de consórcio segundo o A. 1º do DL n.º 231/81 de 28 de
Julho, “consórcio é o contrato pelo qual 2 ou mais pessoa (singulares ou coletivas) que exercem uma
atividade económica se obrigam entre si a, de foram concertada, realizar certa atividade ou efetuar certa
contribuição com o fim de prosseguir qualquer do objetos referidos no artigo seguinte”. Ora, há lugar
ao exercício, em comum, de uma mesma atividade económica? No consórcio, temos 2 empresas (ou
mais; p.e.— uma que se dedica a pintura e outra que se decida a instalação de quadros elétricos) que se
unem, mas para exercer cada uma a sua atividade de forma concertada (ora isto acontece muito na
construção civil e obras públicas). Estes consórcios surgem muito no âmbito de concursos públicos, onde
existe um programa que impõe aos concorrentes determinadas habilitações. Ora, acontece muito que os
concursos são abertos para efeitos de um empreendimento que exige várias especialidades e, as
empresas devido à sua especialização apenas são capazes de prestar um desses serviços, pelo que
surge a necessidade de criar um consórcio (para se fazerem apresentar com outras empresas em
concurso), mas casa uma delas permanece responsável apenas por realizar a atividade que já vinha
realizando.
-Atentar ao A. 2º quanto ao objeto do consórcio que pode comportar a: realização de atos
materiais ou jurídico; execução de empreendimentos; fornecimento a terceiros de bens; pesquisa ou
exploração de recursos naturais; produção de bens que possam ser repartidos. Discute-se na doutrina se
poderão haver consórcios que tenham por objetivo outros atos que não os previstos:
→Oliveira Ascensão admite que possam haver consórcios com objetos diversos;
→Há quem ache que este elenco é taxativo;
→Há também que refira que mesmo que o consórcio seja criado para objeto
diverso, o problema nunca será de invalidade do contrato de consórcio, mas de mera qualificação legal.
-É comum falar-se de consórcios quando os bancos acordam entre si para efetuar
mútuos simultâneos e coletivos a determinadas empresas; ou acordos entre sociedades de locação
financeira para efetuar contratos de locação financeira simultâneos e coletivos; e consórcios entre
instituições de ensino superior e instituições de investigação e desenvolvimento→ Nestes 3 exemplos
não estamos a falar de um consórcio nos termos do DL n.º 231/81 de 28 de Julho.

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-Ainda assim, o consórcio não tem personalidade jurídica. As empresas concertam entre
si a sua atividade económica não criando uma noca entidade, apesar de lhe muitas vezes ser atribuído um
nome. Assim, se não existe esta subjetividade, quem é que contrata com os terceiros? As entidades que
integram o consórcio, isto é, não é o consórcio que figura no contrato, mas sim as empresas. Com efeito,
revela o A. 5º que distingue consórcio interno (quando um dos membros do consórcio se relaciona com
terceiros ou quando ambos os membros do consórcio estabelecem relações com terceiros, mas sem fazer
menção do consórcio) e consórcio externo (quando ambas as partes consorciadas negoceiam com
terceiros, fazendo menção expressa a essa qualidade).
-É de referir que quando falamos em consórcio externo é possível encontrar uma
estrutura orgânica muito similar àquela que vemos nas sociedades e que passa pela existência de um órgão
de representação e de um órgão de fiscalização e/ou é também possível encontrar uma AG. No consórcio
externo encontramos um chefe/líder do consórcio (A. 12º) que vai ter funções internas (tentar gerir e
organizar a cooperação de empresas) e externas (vai-se relacionar com as entidades com as quais se celebre
negócios). O Conselho de Orientação e Fiscalização é composto pela totalidade dos membros de consórcio
e funciona como uma espécie de AG (A. 7º).

-O contrato de consórcio não está sujeito a forma escrita, exceto se as relações


implicarem a transmissão de imóveis, onde é necessária escritura pública (A. 3º/1). Este contrato não está
sujeito a registo porque não há a criação de uma nova entidade.

-Quanto à responsabilidade perante terceiro, não vale a regra da solidariedade (que é a regra
no D. Comercial). Ou seja, assim, só serão solidariamente responsáveis perante terceiros se estiver
previsto no contrato, pelo que em regra cada um responde por aquilo que lhe couber na execução dos
trabalhos (A. 19º).

NOTAS — Coutinho de Abreu prefere falar de “entidade” (em vez de pessoa), porque acontecia
muito no passado a existência de um delay entre o ato constitutivo e o ato de registo que podia levar a
problemas, nesse interregno, de responsabilidade (p.e.—compra-se uma mesa para a futura sede da
sociedade e questiona-se quem é que responde por essa dívida. Os sócios ou património social?).
— O consórcio distingue-se da sociedade comercial porque:

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→ a criação de um consórcio não origina uma nova personalidade jurídica (a
criação de uma sociedade comercial sim);
→ nos consórcios há um exercício concertado de várias atividades económicas
distintas (nas sociedades comerciais);
→ nos consórcios não existe a constituição de um fundo patrimonial comum pois
as partes apenas entram com o exercício consertado da sua atividade (e não falamos do lucro que possa
ser gerado, que é das empresas e não do consorcio); pelo que para que exista uma sociedade é necessário
contribuir para um fundo patrimonial comum, com aquilo que damos o nome de entradas (em dinheiro,
em espécie ou em indústria). Entradas ≠ Participação Social (que é um conjunto de direitos e obrigações).

○ Contrato de Associação em Participação


-Ainda no mesmo diploma, a partir do A. 21º falamos de um contrato de associação em
participação, que é o contrato pelo qual há “a associação de uma pessoa a uma atividade económica
exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício
resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto dos artigos seguintes”. Assim, o associado deve
obrigatoriamente prestar uma contribuição patrimonial, salvo se participar nas perdas e o contrato
dispensar. Por vezes este contrato é mencionado como participação à quota, pelo que falamos da
associação em participação em sociedade comercial, ou seja, há uma associação à quota ou participação
social de alguém numa determinada sociedade (que se faz através de um acordo parassocial). Isto é,
alguém se associa à qualidade de sócio de outrem, e este outrem vai transmitir parte dos seus direitos
societários para o primeiro, mediante acordo. Assim, aqui associação não se faz ao negócio explorado,
mas aos direitos dele emergentes pela qualidade de sócio que alguém tenha.
-É também possível acordar a participação recíproca, ou seja, 2 pessoas associam-se à
atividade económica da outra.
-Aqui também existe liberdade de forma (A. 23º/1), a não ser que pela natureza dos bens
com que o associado contribui exigir forma especial; e exige-se que seja reduzida a escrito a cláusula
que exclui o associado das perdas e que lhe atribui responsabilidade ilimitada nas mesmas (A. 23º/2).

-Exemplos práticos:
1— Uma empresa de construção civil (A) precisa de financiamento, mas não tem
capacidade de endividamento junto da banca. Existe, porém, uma outra empresa que está inserida noutro

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setor de atividade (B) e que tem uma capacidade de investimento muito grande, estando disposta a
associar-se à empresa de construção civil na construção de um determinado empreendimento. O que
podemos sugerir a estas empresas?
-Ora, podem acordar entre si um contrato de associação em participação
pelo qual convencionam que a empresa B participa nos lucros relativos ao empreendimento em causa. Ou
seja, a empresa A queria e quer construir um empreendimento e a empresa B ao financiar essa mesma
construção, ao abrigo deste contrato, poderá participar nos lucros resultantes.

2— O dono de um terreno (C) associa-se a um industrial da construção civil (D).


Isto é benéfico para o dono?
-Se tivermos um terreno, em vez de o vendermos, podemos associarmo-nos
a um industrial da construção civil que vai aí construir um prédio. C, ao abrigo de um contrato de
associação em participação, fica associado aos lucros que resultem da venda das frações do prédio, o que
será muito mais benéfico da simples compra e venda do terreno.

3— Uma empresa explora um ginásio local (E), mas com o aumento do índice de
obesidade resultante da pandemia provocada pela COVID-19, começa a ter uma procura imensa e
necessita de expandir o negócio. Contudo, necessita de mais professores. Acontece que E está em dúvida
porque não sabe se a expansão irá correr bem. Ora, decorre do D. do Trabalho que um vínculo laboral
obedece a um regime publicista muita forte, tendo proteções do trabalhador muito forte. Portanto, o que
é que E pode fazer?
-Em vez de contratar com os professores e convencionar um valor por hora,
pode associar os professores à sua atividade económica ficando a quinhoar nos lucros resultantes da
atividade, não havendo subordinação jurídica

○ ACE (Agrupamento Complementar de Empresas)


-Está regulado na Lei n.º 4/73 + DL n.º 430/73. A Base 1 da Lei n.º 4/73 refere que
“pessoas singulares ou pessoas coletivas e sociedades podem agrupar-se, sem prejuízo da sua
personalidade jurídica, a fim de melhorar as condições de exercício ou de resultado das suas atividades
económicas”. Ora, os ACE’s foram introduzidos no ordenamento jurídico português visando introduzir
uma nova forma de cooperação que ficasse entre as modalidades que já conhecemos como as associações

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(esta não servia porque não se enquadra relações de índole económica) e as sociedades (estão também não
servia porque dá sempre lugar a uma nova atividade económica).
-Nos anos 90 eram muito associados a empreendimentos e obras públicas e atualmente ao
domínio laboral e à prestação de serviços industriais. Hoje em dia, um dos grandes objetivos das empresas
é reduzir o quadro das pessoas, pelo que o ACE pode surgir num cenário em que uma empresa necessita
de mais trabalhadores porque foi contratada para um serviço esporádico de manutenção de uma unidade
industrial e sabe que para exercer tal atividade necessita de mais mão de obra. Porém, sabe que a
contratação em termos laborais está associada a vínculos muito estritos. Deste modo, esta sociedade pode
associar-se a outra e criar um ACE e depois vai ser o ACE que está alocado à manutenção da unidade
industrial que vai contratar os trabalhadores e como tal os trabalhadores são do ACE e não das empresas.
Qual é a vantagem? Estando o ACE afeto à manutenção da unidade industrial, se as partes quiserem
eventualmente extinguir o contrato, o ACE extingue-se e os contratos de trabalhado caducam (porque uma
das partes deixa de existir).
-Os ACE’s estão sujeitos a forma escrita e o processo constitutivo é similar ao da
criação de uma sociedade comercial. Aqui existem órgãos próprios (Administração e a AG) e aplicam-
se subsidiariamente as regras sobre sociedades em nome coletivo.
-Tratando-se do regime das sociedades em nome coletivo, os credores têm que
exigir primeiro a excussão do património social (do ACE) e só depois é que podem exigir a
responsabilidade aos sócios, mas podem exigir a responsabilidade a um de tudo aquilo que seja necessário
(isto é, os sócios relativamente à questão responsabilidade de dívidas face a terceiros respondem
solidariamente entre si e subsidiariamente perante o ACE)
-Aqui existem limitações à capacidade, pois não é possível no ACE adquirir
participações sociais noutras sociedades ou ACE’s, pelo que apenas pode adquirir imóveis quando os
mesmos se destinem à sede, delegação ou serviço próprio do ACE.
-A doutrina maioritária entende que os ACE’s não são sociedades comerciais porque:
→ o ACE não pode visar a obtenção de lucro a título principal (apenas acessório;
atendendo ao exemplo dado, o objetivo principal foi obter uma poupança, isto é, as empresas agrupam-se
para obter uma economia de escala→as empresas viram que foi necessário juntarem-se para otimizar os
processos de produção);
→ um outro argumento lateral é o facto de que de a lei proibir os ACE’s em se
transformarem em sociedades.

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○ Agrupamento Europeu de Interesse Económico
-É praticamente igual aos ACE’s, mas a única particularidade é o facto de ser obrigatório
que os seus membros tenham uma Administração Central ou Principal e pelo menos 2 Estados Membros
(que leva à aplicação do D. da União Europeia).

○ Cooperativa (releva o C. Cooperativo; Lei n.º 119º/2015)


-No A. 2º C. Cooperativo, verifica-se que as cooperativas são pessoas coletivas autónomas
(não se fala em sociedades comerciais), que obedecem a Ps. Cooperativos elencados no A. 3º, onde se
destaca o P. da Adesão Voluntária a Livre (o que não se equipara com as sociedades comerciais onde
temos regras específicas quanto à transmissão por morte e quanto à cessão de participações sociais inter
vivos).
-Durante muito tempo as cooperativas estiveram reguladas no C. Comercial (doravante
CCO) e noutros países chamam-nas de sociedades cooperativas, pelo que muitos autores se referem às
cooperativas como um subtipo de sociedades comerciais. Não, obstante, com o aprovar do C. Cooperativo
as cooperativas foram autonomizadas e a doutrina entende que não são sociedades comerciais. A doutrina
entende isto porque elas vêm definidas como pessoas coletivas autónomas; têm um capital e uma
composição variáveis (coisa em que nas sociedades comerciais, o capital social, sendo uma cifra, é
necessário um procedimento específico para aumentar/reduzir o capital social; é que notar que o capital
social não aumenta/diminui com o património, mas é o património que aumento/diminui; ver quadro
abaixo); a cooperativa não tem fins lucrativos (visa a satisfação de necessidades económicas, mas também
pode visar a satisfação de necessidades culturais/sociais; as cooperativas pode ter lucros, mas chamamos
de excedente); também a existe a nulidade da transformação de cooperativas em sociedades comerciais.
-O facto de as cooperativas não terem um fim lucrativo, não significa que não
possam ter excedentes. Ora, quanto às cooperativas de consumo o que temos é uma economia/poupança
porque os cooperantes conseguiram poupar por serem membros da cooperativa; nas cooperativas de
produção, os excedentes são a retribuição do valor do trabalho. Pode ainda acontecer que a cooperativa
tenha operações com terceiros, pelo que na sua consequência existem excedentes, mas estes não podem
ser distribuídos pelos cooperadores, o que faz lembrar a questão do lucro subjetivo e lucro objetivo.
Repare-se que aqui há um lucro objetivo, mas nas sociedades comerciais o objetivo é que o lucro objetivo
seja repartido pelos sócios, em forma de dividendos/lucro subjetivo (isto é, aos sócios nas sociedades
comerciais não interessa existir excedentes, o que se quer é que o lucro seja distribuído).

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NOTAS — Entradas→ são as contribuições necessárias, que formam um património comum, para
constituir uma sociedade, podendo elas ser em dinheiro, em espécie ou em indústria; o conjunto destas
entradas forma o património social
— Património social→ é o conjunto de bens e valores que constituiu o património
(composto pelos bens que dispõe e pelo capital que tem em conta). Esta valor difere do capital social
porque está em constante modificação
— Capital Social→ no fundo é uma cifra/manifestação numérica de uma quantia
necessariamente expressa em euros (A. 14º CSC) que representa a soma dos valores nominais das
participações dos sócios. Ora, Coutinho de Abreu até alude à expressão: “a cifra representativa da soma
dos valores nominais das participações sociais fundadas em entradas em dinheiro e/ou em espécie”; ou
como diz Inês Neves é a “cifra numérica/valor no contrato que corresponde à soma dos valores
nominais das participações sociais atribuídas aos sócios”. Aqui o valor será sempre o mesmo.
→Nota-se que o valor do património social ou é igual ou superior ao capital social, mas o
inverso nunca pode acontecer; ver o A. 25º/1 CSC.

○ EPE’s (Entidade Pública Empresarial)


-São um tipo de empresas públicas que revestem a forma de pessoa coletiva de D. Público,
onde a iniciativa de criação cabe ao Estado.
-EPE é ≠ de empresa pública sob a forma societária. Nestas últimas, o CSC pode ter
aplicabilidade plena, mas não no caso das EPE’s. Nas EPE’s temos entidade de natureza institucional
(correspondendo a uma espécie de instituto público, dotado de personalidade jurídico-pública, mas que se
regre pelo D. Privado→acaba por ser uma forma do Estado recorrer ao D. Privado). As EPE’s ouvem-se
muito falar no domínio da saúde (hospitais públicos), metropolitano de Lisboa.
-As EPE’s não têm sócios, nem participações socias, nem capital social. Apenas existe um
capital estatuário integralmente detido pelo Estado.

○ Startup’s
-É uma figura estranha ao D. das Sociedades Comerciais, mas que é de uso muito frequente
porque via de regra as startup’s ficam associadas a uma sociedade unipessoal por quotas. A startup não
designa nenhuma forma jurídica, apenas conforma uma “empresa inovadora” na sua fase inicial que
poderá corresponder a uma forma de sociedade comercial, mas poderá ser uma mera empresa virtual.

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○ Empresa
-É necessário diferir empresa de sociedade. Acontece que muitas vezes uma sociedade é
titular de uma empresa; que a sociedade se constitui para a exploração de uma empresa, e como tal há uma
relação íntima entre estas duas figuras. Coutinho de Abreu até refere que “quem titula a sociedade, titula
a empresa”.
-Porem, não existe identidade entre as 2 figuras: primeiro porque há sociedades que não
correspondem a empresas em sentido objetivo [fala-se muito de holdings (sociedades gestoras de
participações sociais) que se limitam a gerir participações de sociedades relativas a outras
sociedades→pelo que isto não é uma empresa em sentido objetivo, isto é, um “conjunto de meios,
humanos e materiais organizados”, segundo Orlando Carvalho]; segundo, porque a sociedade pensado
como um ente subjetivo é diferente da empresa, considerada em sentido objetivo (como algo que
possa ser transacionado, daí ter sido abordado o trepasse no 1º semestre; empresa como objeto de
negociação); em terceiro porque existem muitos casos em que a empresa pode anteceder a sociedade
(p.e.— A tem uma padaria e entende que quer exponenciar a exploração da mesma porque não quer mais
arcar com os riscos associados à exploração→para o efeito, em vez de continuar como empresário a
título individual, cria uma sociedade unipessoal por quotas, onde a entrada é a padaria. Ora, aqui a empresa
precede a sociedade).

● Sociedades de profissionais liberais (o caso das sociedades de advogados)


-Desde já, as sociedades civis não são irrelevantes para o estudo das sociedades comerciais visto
que existem sociedades civis sob a forma comercial [ficando sujeitas às regras do CSC porque, não
obstante não praticando atos de comércio, decidem um dos tipos societários que estão previstos na CSC:
sociedade em nome colético, sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita
(simples ou por ações)]. Podemos ainda referir que existem sociedades civis, que não praticam atos de
comércio e que não assumem a forma comercial; e existem as sociedades civis sob a forma comercial, que
não praticam atos de comércio, mas assumem a forma comercial.
-Quanto às sociedades civis sob a forma comercial, falaremos das sociedades de profissionais
liberais que não são sociedades comerciais. Uma sociedade para ser comercial tem de praticar atos de
comércio (elemento objetivo) e adotar um dos tipos previstos na lei. Deste modo, as sociedades de
profissionais liberais não são sociedades comerciais porque mesmo praticando a prestação de serviços
(que poderá de facto ser considerado um ato de comércio através da analogia iuris, segundo Coutinho de

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Abreu), falta-lhe autonomia técnico funcional (isto é, a sujeição a códigos deontológicos→deste modo,
aqui nunca haveriam de ser praticados atos de comércio).
-Por efeito, e historicamente, importa salientar que por isso mesmo não se admitia que as
sociedades de advogados assumissem forma comercial, ou seja, não estava em causa que fossem
sociedades comerciais, mas o que se ponderava era se podiam ser sociedades civis sob a forma comercial.
Durante muito tempo não, mas atualmente sim. Esta alteração tem que ver com garantias de
competitividade, risco associado ao exercício da profissão cada vez mais especializada, o elevado
montante de investimentos necessário. Esta alteração deu-se em 2013, alterando-se o regime jurídico das
sociedades públicas profissionais, que são as Ordens (são as associações compostas por profissionais que
devem ter habilitação académica ao nível da licenciatura) ou as Câmaras Profissionais (são associações
compostas por profissionais, mas que não pressupõem habilitação académica). Para o efeito, veja-se a Lei
n.º 2/2013; Lei n.º 53/2015; Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).
-No A. 27º Lei n.º 2/2013 delimita-se o contorno das sociedades de profissionais que
estejam sujeitas a Ordens Profissionais (pois, podemos ter uma sociedade profissional não sujeita à
Ordem). Desta norma podemos retirar um conjunto de diretrizes: em 1º lugar, uma sociedade profissional
pode exercer a título secundário outras profissões ou atividades diferentes (no caso das sociedades
de advogados não poderá acontecer porque há uma proibição da multidisciplinariedade); podem
constituir-se sob forma de qualquer tipo societário (A. 27º/2 Lei n.º 2/2013). Este artigo alude também
ao facto de que os sócios e administradores da sociedade não precisam de ter qualificações exigidas
para o exercício da atividade profissional, mas 1 dos gerentes/administradores deve cumprir os
requisitos de acesso à profissão e, no que respeita aos sócios, a maioria do capital social deve pertencer
aos profissionais estabelecidos em território nacional (A. 27º/3/a+ b Lei n.º 2/2013). Acontece que
segundo o A. 27º/4 Lei n.º 2/2013 permite-se estabelecer restrições por via dos estatutos das
associações públicas profissionais (e é aqui atentamos ao Estatuto da Ordem dos Advogados),
nomeadamente pelo exercício de poderes de autoridade pública que a profissão comporte (p.e.—o caso
dos notários) ou por razões imperiosas de interesse público ligadas à missão de interesse público que a
profissão prossiga.

-Interessa agora ver a lei-quadro das sociedades profissionais. Ora, nas associações públicas
profissionais temos o A. 27º Lei n.º 2/2013, mas o que vamos encontrar na Lei n.º 53/2015 (lei geral) são
normas específicas quanto à constituição e funcionamento das sociedades profissionais, pelo que vamos

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atentar às especificidades das sociedades de advogados (isto é, vamos atentar ao EOA, que é a lei especial
para o nosso caso que olhou para estas normas e excecionou a norma geral):
-Relativamente à forma das sociedades, esta pode ter forma civil ou forma comercial
(apenas não se admite as sociedades anónima europeia; A. 4º Lei n.º 53/2015).
-Relativamente à personalidade jurídica, é adquirida a partir da data do registo definitivo
do contrato de sociedades no RNPC ou com a inscrição no ficheiro central de pessoal coletivas (A. 5º Lei
n.º 53/2015).

-Quando à multidisciplinariedade (regra geral) para além da atividade profissional que


se propõe exercer, podem exercer a título secundário quaisquer outras (mesmo estando estas sujeitas a
outras ordens ou câmaras profissionais; A. 7º/1+ 2 Lei n.º 53/2015). Ora, ainda relativamente quanto ao
objeto, em termos de sociedades estamos sujeitos ao P. de Especialidade, pelo que o que limita a
capacidade das sociedades é o fim (não o objeto), pelo que quando se fala na lei de objeto, fala-se em fim.
-Permite-se também aos sócios exercer a atividade profissional a título individual
-Quanto às especificidades das sociedades de advogados, segundo o A. 213º/7
EOA: “Não é permitido às sociedades de advogados exercer direta ou indiretamente a sua atividade em
qualquer tipo de associação ou integração com outras profissões, atividades e entidades cujo objeto
social não seja o exercício exclusivo da advocacia.”, isto é, não se permite a multidisciplinariedade nas
sociedades de advogados devido a questões de ordem deontológica. E note-se outra especificidade: nas
sociedades de advogados, a regra é que o contrato terá de autorizar o sócio a exercer em prática individual.

-Quanto à composição das sociedades, segundo a Lei n.º 53/2015, fala-se em 2 categorias
de sócios: sócios profissionais (aqueles que podendo legalmente exercer a atividade, prestam-na à
sociedade; p.e.—um advogado é licenciado em Direito e presta esses serviços à sociedade) e sócios não
profissionais (aqueles mesmo estando habilitados para a atividade, não prestam esses serviços à
sociedade). Porém, ainda se faz outra distinção: sócios de indústria (A. 10º/1; aqueles que se obrigam a
prestar serviços à sociedade) e sócios de capital (aqueles cuja a entrada é em dinheiro ou em bens
diferentes de dinheiro). Ora, estas 2 distinções cruzam-se.
-Quanto ao número de sócios, as sociedades profissionais (com exceção da
sociedade unipessoal por quotas) dispões pelos menos de 2 sócios profissionais, sendo que a maioria dos

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sócios podem ser não profissionais, temos de ter a maioria do capital social a pertencer a sócios
profissionais.
-No caso das sociedades de advogados, segundo o A. 213º EOA, a composição é
composta por advogados ou outras sociedades de advogados, pelo que surge uma querela doutrinal:
→Paulo de Tarso refere que a partir do momento em que os sócios
profissionais são obrigados a exercer a atividade profissional que necessariamente é uma prestação de
serviços, podemos dizer que temos de ter sempre uma contribuição em indústria, logo, só podemos
recorrer a um tipo de sociedades comercial: as sociedades em nome coletivo. Assim, Paulo de Tarso
entende que a partir do momento em que só se admite entradas em indústria nas sociedades em nome
coletivo, as sociedades de advogados só poderiam ser sociedades em nome coletivo.
→José Reis, por outro lado, discorda porque não lhe faz sentido proibir a
adoção de outra forma societária porque é a própria lei a admiti-lo (A. 4º Lei n.º 53/2015 + A. 27º Lei n.º
2/2013), onde se refere expressamente em qualquer tipo societário.
-Face à querela, podemos entender que quando a lei se refere à necessidade de
prestação da atividade principal, temos é uma prestação acessória (e não uma verdadeira obrigação de
entrada). Porém, se mesmo assim se considerar que esta é uma entrada em indústria, então podemos dizer
que o regime geral do CSC foi derrogado por esta nova solução especial.

-Quanto ao contrato de sociedade, o A. 21º/1 Lei n.º 53/2015 refere que o contrato de
sociedade das sociedades de profissionais está sujeito a um mero controlo da legalidade da associação
pública profissional (isto é, pela ordem ou câmara respetiva), considerando-se tacitamente aprovado na
ausência de pronuncia no prazo de 20 dias (A. 21º/3 Lei n.º 53/2015; veja-se o número 4 também).
-A alteração ao contrato já não está sujeita a este controlo da legalidade, mas sim
a uma mera comunicação (A. 22º Lei n.º 53/2015). Assim, tendo em conta que uma aprovação do projeto
de contrato está sujeita a um controlo de legalidade e que na alteração basta a mera comunicação, uma
sociedade de profissionais que quiser fugir a esse controlo da legalidade o que é que pode fazer? Aprova
o contrato com um determinado conteúdo e depois alterava o conteúdo.
-Note-se que o regime nas sociedades de advogados, tendo em conta o
EOA, o projeto de pacto deve ser submetido à aprovação (aqui não há controlo da legalidade). Paulo
de Tarso defende que também haverá deferimento tácito caso a ordem não se pronuncie nestes 30 dias
que dispõe para o efeito (A. 217º/1 EOA). Veja-se que segundo o A. 216º EOA indica que as alterações

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do contrato de sociedade dependem de deliberação dos sócios, aprovada por maioria de 75 % dos votos
expressos.

-Quanto à firma de uma sociedade de profissionais, compõe-se da mesma forma


segundo o regime previsto para as sociedades comerciais e para as sociedades civis, mas vai-se acrescentar
a menção “SP” (sociedade de profissionais), para que terceiros possam perceber que estão perante este
tipo de sociedade→se, por exemplo, estivermos perante uma sociedade por quotas a firma será composta
por “SP, Lda.” (A. 20º Lei n.º 53/2015).
-Porém, o que é que acontece se 1 dos sócios, cujo nome figura na firma da
sociedade, abandona a mesma? Ora, o nome pode continuar a constar da firma desde que haja autorização
escrita do sócio ou dos respetivos herdeiros. Mas, a legislação nesta matéria desvaloriza a tutela do nome
quando o nome do anterior do sócio tenha figurado na firma da sociedade por mais de 20 anos,
dispensando-se autorização (A. 20º/3 Lei n.º 53/2015; há uma tutela da firma que sobrepõe à tutela do
nome).
-Quanto às sociedades de advogados temos uma necessidade de a firma mencionar
expressamente o regime de responsabilidade adotado, pelo que: se for uma sociedade de responsabilidade
limitada teremos uma menção “RL”; se for uma sociedade de responsabilidade ilimitada teremos a
menção “RI” (A. 213º/10 EOA). Ora, cruzando isto com o tipo de sociedade, podemos ter algo como “SP,
RI (ou RL), Lda. (ou SA)”.

-Quanto às participações sociais, veja-se o A. 10º Lei n.º 53/2015 que refere que as
participações são sempre nominais porque há aqui uma necessidade de saber, a todo o tempo, quem é
correspetivo titular e sócio de uma sociedade de profissionais.
-Quanto à transmissão de participações sociais nas sociedades de profissionais
(A. 29º e ss. Lei n.º 53/2015), é de aludir que o regime apenas trata da transmissão de participações sociais
de capital de sócios profissionais e que se são ou não sócios, é uma questão que depende do consentimento
da sociedade. Dentro de sócios é livre, contudo, existe um direito real de preferência que via ser exercício
em proporção da respetiva participação social pelo que apesar de ser livre, temos um condicionamento.
-E quanto às participações de indústria? Estas vão exigir o expresso
consentimento dos sócios porque estamos a aplicar a normas do CC. E quanto às participações de sócios
não profissionais? Depende do tipo societário que a sociedade adotar

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-Por fim, no caso das sociedades de advogados, a transmissão da participação do
capital do sócio não implica a extensão da respetiva participação em indústria devido a exigir-se sempre
dos sócios profissionais o prestar da atividade em favor da atividade.

-É possível que uma sociedade (que não é uma sociedade profissional) se converta numa
sociedade de profissionais e vice-versa. É também possível a fusão e cisão de sociedades profissionais.
-Paulo de Tarso alude que na circunstância destas reestruturações as sociedades
profissionais podem não estar a cumprir os requisitos exigíveis para a sua constituição, na medida em que
o professor defende a dissolução das mesmas pela respetiva Ordem/Câmara.

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Ficha de trabalho n.º 1

-André, Camila e Tiago constituíram, em 30.01.2020, a sociedade Mobilex, Lda., tendo por objeto
o comércio e a compra e venda de móveis em madeira, incluindo a sua importação e exportação. Cada
um entrou com €2.000, tendo ficado determinado que cada uma das quotas teria valor nominal igual ao
dobro da entrada dos sócios. Ficou igualmente previsto no contrato que André teria o direito a designar
os membros do órgão de administração da sociedade, e que Camila seria responsável, perante terceiros,
por quaisquer dívidas da sociedade.
1. Qual o capital social da sociedade?

-Existem 3 sócios, pelo que as entradas de cada um correspondem a 2. 000 € (isto


é 6. 000 € no total). Porém, o enunciado refere “cada uma das quotas teria valor nominal igual ao dobro
da entrada dos sócios”, isto é, o dobro de 2. 000 €, que equivale a 4. 000 €, que multiplicado pelo número
de sócios é 12. 000 €. Deste modo, o capital seria de 12. 000 €. Contudo, a resposta é mais que isto.
-O capital tem de figurar no contrato de sociedade? O A. 9º CSC diz qual é o
conteúdo necessário mínimo que é preciso figurar no contrato e o capital é um desses elementos (A. 9º/1/f
CSC); e por outro lado, o valor das participações sociais de cada sócio também é necessário estarem
presentes (A. 9º/1/g CSC). Acrescente-se que o capital social é uma cifra/um valor no contrato
representativa da soma dos valores nominais das participações sociais fundadas em dinheiro e/ou em
espécie.
-Porém, mesmo sendo o capital social uma cifra numérica, não significa que o
capital social não esteja sujeito a regras imperativas, nomeadamente o respeito pelo capital social mínimo.
Ora, o capital social mínimo nas sociedades por quotas o valor é de 1 € por cada sócio (neste caso 3 €),
segundo o A. 201º CSC [ao ler este artigo parece que não há um capital social mínimo, mas tal não é
verdade→este artigo que veio substituir outro transformando o capital social mínimo fixo (que eram 5.
000 €) num capital social mínimo livre; diz-se livre porque se o capital social corresponde à soma das
quotas subscritas pelos sócios e se, indo ao A. 219º/3 CSC, vejo que o valor nominal da quota pode ser
diverso, mas nenhum inferior a 1 €→então, o capital social mínimo não deixa de existir, apenas varia
consoante o número de sócios; neste caso isto está preenchido]. Contudo, não basta respeitar o capital
social mínimo na medida em que as entradas têm de ser iguais ou superiores ao valor do capital social,
pelo que isto é, nunca posso atribuir a uma participação social um valor nominal que exceda o valor de

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entrada do sócio [se o sócio entra com 2. 000 €, o valor da sua participação social é 2. 000 € ou pode ser
menos, mas nunca superior; A. 25º CSC; assim, o valor nominal da participação social não pode ser
superior ao valor de entrada; e o valor de entrada pode ser superior ao valor nominal atribuída à
participação social, como refere no A. 295º/2/a CSC (ágio é o valor que se dá à diferença entre o valor de
entrada e o valor nominal atribuído à participação social)].
Em conclusão, poderá haver ineficácia do contrato se não verificar alguma das
alienas do A. 9º CSC, mas o contrato pode ser nulo, mesmo depois de registado, caso falte a verificação
de certas alíneas do A. 9º CSC.

2. Em 07.08.2020, a sociedade procedeu à alteração dos seus estatutos, passando o artigo


6.º dos mesmos a prever que a administração dos negócios sociais e a administração da sociedade em
juízo e fora dele incumbiriam a um Conselho de Administração. Quid iuris?

-Temos uma determinada sociedade que assume um determinado tipo societário e


esta alterou os seus estatutos. Esta questão foi inspirada no Ac. do STJ de 05/03/1992, onde se lê no
sumário: “I - É legítima a recusa de registo da alteração do pacto social de uma sociedade por quotas
em que a gerência - órgão administrativo - representativo desse tipo de sociedades - e substituída por um
conselho de administração. II - O princípio da tipicidade consagrado no Código das Sociedades por
Quotas abrange não só a obrigatoriedade de opção por um dos quatro tipos de sociedade comercial
previstos nesse Código, mas também a adoção dos órgãos administrativos -representativos previstos para
cada um desses tipos”.
-Quanto à 1ª parte do acórdão está preenchido→Isto é, pela leitura do enunciado
fala-se do Conselho de Administração (A. 390º CSC), que é o órgão representativo de uma sociedade
anónimas; e da Gerência (A. 252º CSC), que é o órgão representativo de uma sociedade por quotas. Isto
poderá representar um problema porque se está a misturar os órgãos de um tipo societário com
outro. Não obstante, encontramos normas no CSC das quais retiramos o P. da Tipicidade/Taxatividade,
onde só se admite um elenco fechado de tipos: A. 1º/2 CSC. Mas, no A. 2 CSC refere-se ao direito
subsidiário, na medida em que pela expressão “princípios informadores do tipo adotado”, do qual
retiramos um P. da Tipicidade/Taxatividade, porque podemos recorrer como legislação subsidiária ao CC,
mas temos de respeitar os princípios informadores do tipo societário adotado.

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-Em suma, quanto a este ponto, temos de referir que segundo os artigos
mencionados não são admitidos outros tipos para além dos previstos no CSC. Porém, neste caso prático,
o que verifica é que foi escolhido um tipo societário previsto no CSC, mas desrespeitou-se uma segunda
dimensão do P. da Tipicidade/Taxatividade que diz respeito à proibição de combinação de aspetos
caracterizadores dos diferentes tipos que sejam incompatíveis entre si. Deste modo, a liberdade
contratual não releva? Os sócios não podem dispor o que quiserem no contrato de sociedade, depois de
escolhido o tipo? Podem, mas no exercício da liberdade de contratual que cabe aos sócios na determinação
do conteúdo do contrato de sociedade não pode haver uma combinação de características essenciais de
um ou mais tipos que se relevem incompatíveis entre si (ou que se contrariem). Uma das razões que subjaz
a esta proibição é o facto de que um tipo societário com várias características de tipos societários diferentes
pode gerar confusão a terceiros que contratem com a sociedade.

-Quanto à segunda parte da resposta, será que o P. da Tipicidade/Taxatividade vai


a ponto impedir que se chame ao órgão de representação da sociedade por quotas “Conselho de
Administração”?
-Quando distinguimos os vários tipos societários atendemos à
responsabilidade dos sócios, à estrutura organizatória, ao número mínimo de sócios e a transmissão das
participações. Ora, no que toca à estrutura organizatória verifica-se, como já referido, que a forma de
designação do órgão de representação das sociedades por quotas é de Gerência (o que se justifica pela
responsabilidade assumida pelos sócios; por ser um tipo de sociedade que se aproxima de uma sociedade
de pessoas).
-Em alternativa a esta resposta podemos ainda dizer que, segundo o A. 262º
CSC, o contrato de sociedade pode determinar que a sociedade tem um Conselho Fiscal que se rege pelo
disposto a este respeito para sociedades anónimas. Assim, a contrario, se neste caso o legislador teve
necessidade e prever uma norma que autoriza a sociedade por quotas a ter um Conselho Fiscal (que fica
sujeito às regras previstas para as sociedade anónimas), então podemos retirar daí que o legislador quis
que estas fossem situações excecionais (isto é, quis delimitar as situações em que haja este “transplante”
entre órgãos de vários tipos societários).

3. Estando em dívida para com o seu amigo José, André decidiu designá-lo gerente da
sociedade, não obstante saber que este nunca se conseguiu endireitar e deixar o vício do jogo. Imagine

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que, em 07.02.2021, se descobre que José levantou dinheiro da conta da sociedade para, não só pagar
uma viagem ao Dubai, como aí adquirir a vacina contra a Covid-19. Quid iuris?

-No que toca às sociedades por quotas, o artigo importante para a Gerência é o A.
252º/1 CSC (“A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser
escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica
plena”) pois refere que podemos ter apenas 1 gerente; e pode ser um estranho à sociedade (que é o nosso
caso; José).
-Porém, ficou previsto no contrato de sociedade que André teria o direito a designar
os membros do órgão de administração. Ora, vemos as cláusulas que têm de estar no contrato de sociedade
no A. 9º CSC (ainda assim temos de remeter este artigo para as normas particulares, p.e., o A. 199º CSC
para as sociedades por quotas). Olhando para estes 2 artigos e estando perante uma sociedade por quotas,
a cláusula a que se refere o caso não é uma cláusula obrigatória. Esta é uma cláusula facultativa/eventual,
porque o contrato não obriga a que se estabeleça um direito especial, mas as partes podem querer atribuí-
lo à luz da autonomia privada (mas tem que estar expresso no contrato de sociedade).
-Observando o A. 24º CSC, estamos perante uma cláusula que figura um direito
especial a designar gerentes (iremos falar depois de um outro direito especial à gerência que confere um
direito a alguém ser gerente durante toda a sua vida ou durante o período em que dure a sociedade). Diz-
se direito especial porque é diferente dos demais sócios e confere uma posição privilegiada na medida em
que vai ser esta pessoa que vai designar quem vai integrar o órgão de representação. O A. 24º/5 CSC refere
mesmo que não poderá ser suprimido ou coartado sem o consentimento do respetivo titular.
-Este direito é confere uma posição especial ao sócio pois, vendo o A. 252º/2
CSC (remeter para o A. 246º CSC referente às deliberações dos sócios), os gerentes são designados no
contrato de sociedade (e o nosso contrato prevê especificamente), mas o que nos interesse é a última parte:
“…se não estiver prevista no contrato outra forma de designação”. Ora, o A. 246º/1 CSC elenca as
matérias às quais os sócios têm competência, mas o A. 246º/2 CSC afirma que “se o contrato social não
dispuser diversamente, compete também aos sócios deliberar sobre: a) A designação de gerentes”.
Assim, este é um direito especial por estarmos a afastar o regime geral.
-Ainda assim, existem casos de responsabilidade acrescida dos sócios,
nomeadamente o caso do A. 83º CSC que se aplica neste caso porque existe responsabilidade solidária
com o gerente, que se aplica nos casos, p.e., quando o sócio é titular de um direito especial previsto no

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contrato. Onde se lê “… por força de disposições do contrato de sociedade, o direito de designar gerente
sem que todos os sócios deliberem sobre essa designação responde solidariamente com a pessoa por ele
designada…”, é a previsão do nosso caso pois, via de regra temos uma deliberação que sabe a todos os
sócios, pelo que se não fosse designado no contrato que a competência é de Camila teria de haver uma
deliberação dos sócios (A. 246º/2 CSC), porém, havendo este direito especial a designar o gerente, existe
um sócio por foça de designação no contrato tem o tal direito de designar o gerente, sem que os restantes
sócios tenham de deliberar sobre a questão. Contudo, é necessário a verificação da culpa na escolha da
pessoa designada para haver esta responsabilidade solidária do sócio com o gerente (isto é, exige-se que
o sócio saiba ou possa razoavelmente prever que aquela pessoa não reúne os requisitos de idoneidade,
capacidade técnica, experiência, moral para exercer o cargo de um gestor criterioso e ordenado; veja-se o
A. 64º CSC), que parece verificar-se.
-A doutrina maioritária defende que esta é uma responsabilidade
contratual pelo que existe uma presunção da culpa (A. 798º CC), cabendo a este sócio com especial
direito à designação do gerente provar que não sabia ou não podia razoavelmente prever que o gerente
não estava apto a assumir o cargo. Por outro lado, Menezes Cordeiro defende o contrário, porque na culpa
in eligendo a culpa não se presume, cabendo sempre a quem pretende responsabilizar o sujeito fazer prova
que no momento em que exerceu o seu direito especial de designação sabia ou podia razoavelmente prever.

NOTA— O A. 83º CSC tem 2 tipos de responsabilidade:


-A. 83º/1 a 3 CSC → situação que diz respeito a designar gerente;
-A. 83º/4 CSC → situação que diz respeito à possibilidade de fazer destituir
gerente;

4. Na sequência de um contrato de fornecimento de madeira, a sociedade contraiu uma


dívida de €52.000 a José Mello & Companhia. A José Mello pretende agora acionar Camila em Tribunal,
requerendo o pagamento da totalidade do montante em dívida. Camila contacta-o, perguntando como
deverá reagir.

-Aqui estamos perante uma sociedade em nome coletivo (a título de nota, não
esquecer que é uma sociedade que talvez seja a que faça menos sentido por não impor uma limitação a
responsabilidade, sendo apenas uma questão de grau na medida em que primeiro recorremos à excussão

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do património social; e é uma figura que caiu em desuso) que pretende acionar a responsabilidade de
Camila. Camila é uma das sócias da sociedade por quotas (das alíneas anteriores) e ficou previsto no
contrato de sociedade que será ela que responde perante terceiros pelas dívidas da sociedade. Segundo o
A. 9º+ 199º CSC, obviamente que esta não é uma cláusula obrigatória, podia era ser uma cláusula
facultativa.
-Nas sociedades por quotas a responsabilidade dos sócios é limitada, na medida
em que responde apenas o património da sociedade. Assim, os credores sociais não podem atacar o
património dos sócios (veja-se o A. 197º/3 CSC), salvo o dispositivo no A. 198º CSC que permite estipular,
numa cláusula facultativa, a responsabilidade do quotista perante credores sociais. Não obstante, esta
responsabilidade a que Camila está adstrita é diferente da responsabilidade dos sócios das sociedades em
nome coletivo e dos sócios comanditados porque Camila: tem um limite máximo (A. 198º/1 CSC refere
“até determinado montante”); esta responsabilidade pode ser solidária ou subsidiária (não se impõe uma
responsabilidade subsidiária como é o caso das sociedades em nome coletivo); e é meramente uma opção
do sócio (isto é, é o sócio que determina se concorda ou não que isto fique estipulado).
-Contudo, isto é uma realidade pouco usada porque tem se afirmado que
este artigo carece de sentido porque os sócios já funcionam como garantes na assunção de dívidas da
sociedade.
-Ainda assim, o enunciado não refere qual o montante ao qual Camila se obriga a
pagar, isto é, temos uma cláusula contratual que não cumpre o mínimo conteúdo que deveria ter, o que
comporta uma nulidade da cláusula. Por outro lado, também não se prevê a modalidade da
responsabilidade, sendo que em consequência podíamos dizer que a sociedade responderia primeiro e só
subsidiariamente Camila porque é o que faz mais sentido tendo em conta o tipo societário, porém, a regra
no D. Comercial é a responsabilidade solidária. Assim, estamos perante uma dúvida à qual Raul Ventura
diz que é nula a cláusula que não estabeleça o regime de responsabilidade.
-Sendo nula a cláusula, isso não comporta a nulidade do contrato de sociedade.
O contrato apenas reduz-se a sua parte válida porque a cláusula é considerada não escrita e o A. 198º CSC
não se aplica à Camila. Não obstante, os sócios podiam modificar o contrato de sociedade e prever esta
cláusula de forma ã que ficasse conforme a lei e a questão era resolvida de outra forma.

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Ficha de trabalho n.º 2

-Pedro, José, Luísa e Teresa são finalistas e querem aproveitar ao máximo as suas últimas férias
grandes de Verão. Começando a ter umas noções de Direito Societário, concluem que a melhor solução
para angariarem dinheiro passa por constituírem uma sociedade por quotas que terá por objeto a
comercialização de máscaras não cirúrgicas artesanais. Em conversa no zoom, decidem que Luísa e
Teresa entrarão para a sociedade com os seus computadores portáteis, avaliados, cada um, em €1.200,00.
Pedro entrará com €199,00 e José entrará com €1,00, mais ficando particularmente encarregado de
proceder à gestão e registo das encomendas. Poucos dias depois da conversa, contratam em nome da
sociedade, a realização de flyers e a criação de uma página web e de uma app, contactando, para o efeito,
a colega Rita, especialista em marketing, design e informática, a fim de poderem firmar o contrato e levar
o seu negócio avante.
1. Rita está com algum receio de não vir a ser paga. Com efeito, os colegas estão sempre
a meter-se em aventuras e o trabalho que lhe pediram é coisa para custar uns bons €200,00. De quem e
em que termos poderá Rita exigir o pagamento do montante em questão, sabendo que o contrato de
sociedade não foi, ainda, formalizado?

-Estamos perante a questão de saber quem responde pela contratação com terceiros
quando a sociedade está em formação. Desta forma, temos de distinguir 3 fases:
— Fase anterior à celebração do contrato de sociedade;
— Fase entre a celebração e o registo do contrato de sociedade;
— Fase posterior ao registo, mas anterior às publicações obrigatórias do
contrato de sociedade;
-Assim, perante o caso prático já há ou não contrato de sociedade formalizado?
Segundo o A. 7º CSC, para o contrato estar formalizado, é necessário a sua redução a escrito e as
assinaturas reconhecidas presencialmente (isto é a forma mínima pois, como se viu num exemplo anterior
desta sebenta, se quisermos entrar com, p.e., com uma padaria/estabelecimento físico a forma será mais
exigente).
-Depois de vermos se há contato de sociedade, já existe sociedades? Recorremos
ao A. 5º CSC, pelo que as sociedades gozam de personalidade e existem como tais a partir da data do
registo definitivo do contrato.

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-Quanto à questão se já foram feitas as publicações obrigatórias, veja-se os A. 166º,
167º e 168º CSC.

-Neste caso, estamos na fase anterior à celebração do contrato de sociedade


porque ainda não temos contrato, existe é um propósito de. Deste modo, olhamos para o A. 36º CSC que
distingue 2 situações diferentes nos seus dois números. Perante a factualidade apresentada estamos ao
abrigo do A. 36º/2 CSC porque não nos debatemos com uma sociedade putativa ou aparente (que é o caso
do A. 36º/1 CSC, relativo àquele exemplo em que um empresário adiciona os nomes de outros empresários
à sua firma→ que dá uma ideia de coletividade falsa, daí falar-se em sociedade putativa ou aparente; aqui
pode haver intenção ou não de lesar terceiros, mas a maioria da doutrina refere que não é preciso essa
intenção, mas a responsabilidade no A. 36º/1 CSC é solidária e limitada). Ora, o A. 36º/2 CSC refere-se
aos casos em que estamos perante uma sociedade irregular (pré-sociedade; sociedade em formação→onde,
logicamente, no dia em que se constitui a sociedade é impossível proceder à contratação de fornecedores,
à decoração da sede, à definição daquilo que é preciso comprar para constituir a sede e os meios de
organização e produção→) e o legislador compreende que ainda antes do contrato; ou depois do contrato,
mas antes da sociedade existir; ou depois do registo, mas antes das publicações obrigatórias é necessário
consagrar um regime que defina a responsabilidade.
-Ora, estando-se neste caso na fase anterior à celebração do contrato de
sociedade regime está no A. 36º CSC e como não nos enquadramos no A. 36º/1 CSC, usamos o A. 36º/2
CSC porque não houve a intenção de enganar terceiros ou de criar a aparência de uma sociedade. Eles
quererem criar uma sociedade, apenas ainda não tem os requisitos todos, pelo que são aplicáveis às
relações estabelecidas entre eles e terceiros as disposições das sociedades civis, na medida em que
teríamos de ir às normas do CC onde está prevista a responsabilidade por dívidas face a terceiros (chama
responsabilidade externa). Veja-se, para o efeito, o A. 997º CC sendo que Rita pode exigir o pagamento à
sociedade que ainda não existe como tal (na medida em que nos referimos ao património social); e pessoal
e solidariamente aos sócios (futuros sócios). Não obstante, os futuros sócios quando demandados
podem pedir a excussão do património social. Isto tudo é relativo à responsabilidade externa.
-Se estivéssemos perante uma questão relativa ao plano interno (p.e., como
se medem os direitos, quem faz parte do órgão de gestão, etc.), vemos os A. 983º e ss. CC onde se nota
uma ideia de tendencial igualdade entre sócios.

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Questão extra: E se Rita exigisse o total pagamento a um dos sócios e este não
invocava o benefício da prévia excussão do património?
-Ora, sabemos que existe responsabilidade solidária, mas subsidiária dos
sócios em relação ao património. O que se pergunta aqui no fundo é Rita exige a totalidade a um dos
sócios e este depois, com direito de regresso dirige-se aos outros sócios. Estes outros sócios vão
logicamente aferir que esse sócio podia ter invocado o benefício da excussão prévia e não o fez.
-Nesta medida é importante A. 525º CC (remissão A. 997º/2→ A. 525º CC)
que refere que os demais obrigados solidários podem recusar o pagamento visto que existi um meio de
defesa que não foi utlizado como devia pelo socio que agora os está a demandar em sede de direito de
regresso, sendo que os sócios podem exigir a prévia excussão do património.

2. Do projeto de contrato pensado pelos amigos constam as seguintes cláusulas:


a. O capital social será de €5,00;
b. Pedro e Luísa não realizarão já as suas entradas: Pedro entregou apenas €20, porque
não recebe mesada e vai ter de esperar receber alguma remuneração dos trabalhos que tem feito para a
Uber Eats; Luísa precisa ainda do seu portátil até terminar o curso;
c. Norberto, pai de Teresa, é Revisor Oficial de Contas de profissão, e muito entusiasta
com o projeto da filha, avalia o seu PC Asus em €1.200,00;
d. Teresa e Vasco - seu amigo de infância - são nomeados gerentes, podendo qualquer um
deles, por si só, representar validamente a Sociedade;
e. A quota de José terá o valor nominal de €2,00 e as quotas dos demais sócios terão o
valor nominal de €1,00 cada; Direito Comercial.
f. Pedro poderá transmitir livremente a sua quota a terceiros, mas os demais amigos terão
de obter o consentimento expresso de todos para o poderem fazer. Pronuncie-se quanto à sua validade.

-Relativamente à 1ª cláusula prevê-se que o capital social seja de 5 €→ podemos


aferir que o capital social pode ser inferior ao património social que, neste caso, eram 2 computadores e
200 €. Ora, nas sociedades por quotas existe sempre um capital social mínimo variável (como visto na
pergunta anterior, pelo que tem de ser 1 € multiplicado pelo número de sócios; A. 219º/3+ 201º CSC)
sendo que neste caso seria de 4 € e a cláusula do contrato refere que são 5 €, parecendo que este limite
está cumprido.

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-Dando uma resposta mais completa, perante a cláusula do contrato de
sociedade temos de atentar para o A. 9º CSC, onde se prevê a necessidade de um capital social [A. 9º/j
CSC; aqui referimo-nos à aceção nominal/forma de capital social, isto é, “a cifra numérica
representativa da soma dos valores nominais atribuídos às participações sociais fundadas em dinheiro
ou em espécie”; note-se que ao longo do CSC podemos estar perante uma aceção real de capital social
(uma quantidade/montante ideal de bens de que a sociedade não pode dispor para efeitos de igualar o
capital social nominal→aliás, fala-se do capital social como uma cifra de retenção nestes casos) ou uma
aceção de capital social realizado (que encontramos p.e. no A. 171º/2 CSC; é a soma das entradas em
espécie e em dinheiro que já foram efetivamente entregue à sociedade)] entendida na sua aceção nominal,
consubstanciando-se uma menção obrigatória do contrato, sob pena de invalidade. Depois averiguamos
se o capital social está ou não preenchido (como já suprarreferido).
-Ainda assim, temos de nos debruçar sobre as funções do capital social
(veja-se Paulo de Tarso):
— Dimensão Interna→ na medida em que o património social tem
de ser igual ou superior ao capital social (que se deduz via A. 25º CSC), então o capital social permite que
quanto maior ele for, maior vai ser o número de bens que ele vai exigir ab initio. Portanto tem esta função
de sinalizar os meios de produção que a sociedade vai necessitar + função de organização, isto é,
determinação da posição jurídica dos sócios (os direitos dos sócios, muitas vezes, são exercidos com base
nos valores nominais das participações).
— Dimensão Externa→ importa no que toca à avaliação económica
da sociedade e de garantia (pois, é muito diferente olhar para uma sociedade com um capital social de 200
€ e para outra com 2 000 000 €). Veja-se a este título o A. 32º CSC, no qual se refere que não podem ser
distribuídos aos sócios bens que sejam necessários para equivaler o valor do capital social + reservas→
pelo que no nosso caso, onde temos um capital social de 4 €, o valor que vai poder ser distribuído aos
sócios é maior do que uma sociedade que tenha um capital social, p.e., de 5. 000 €.
-Quanto ao nosso caso, haveria algum problema em o capital social ser
tão desfasado do património? Ou seja, apesar da lei não dizer que existe problema em o património social
ser muito superior ao valor do capital social, no caso concreto temos de perguntar se não existe
insuficiência manifesta do capital social para os fins que ele vida prosseguir. Ora, este desfasamento
poderia, se calhar, colocar a função dos meios de produção do capital social ao não exigir que a sociedade
reunisse um determinado património mínimo. Assim, no nosso caso, olhando para as funções do capital

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social, não parece haver problema ao ficar um valor do capital social diminuto, até porque a nossa
sociedade vai-se dedicar a uma atividade artesanal (não obstante, o que poderia estar mais em causa é
a função de garantia, porque tudo o que vá para lá de 5 € vai poder ser distribuído, o que significa que
poderá haver um maior esvaziamento do património).

-Relativamente à 2ª cláusula, esta vem nos dizer qual o tipo de entrada de cada
sócio. Isto é uma menção obrigatória do contrato de sociedade [A. 9º/g CSC; isto explica-se porque pode
ser importante caso haja diferimento das entradas (sendo que o diferimento das entradas só é admissível
nas entradas em dinheiro) + pelo facto de que se forem entradas diferentes de dinheiro ser aplicável um
regime diferente (tendo de haver uma avaliação por um ROC independente) + a questão das entradas em
industria (que apesar de não serem aceitáveis em vários tipos societários, pelo que interessa que quando
aceites, fiquem estipuladas no contrato)]. Ora, atendendo ao caso, é relevante falar do diferimento da
realização das entradas dos sócios pois, no A. 42º/1/d CSC, temos uma nulidade derivada da falta de
deliberação mínima do capital social→sendo que perante esta invalidade, é necessário compreender o
regime do diferimento das entradas, sendo relevante várias questões [pelo que para a sua reposta
combinamos sempre a norma geral do A. 26º CSC (“As entradas dos sócios dever ser realizadas até ao
momento da celebração do contrato, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”) com as normas
especiais (que são possíveis de existir via A. 26º/3 CSC, isto é, os “sócios podem estipular
contratualmente o diferimento das entradas em dinheiro” estando excluídas as entradas em industria e
em bens)]:
1— Pode ou não haver diferimento daquela entrada? →Perante a este
caso, no que toca a Pedro, é possível porque a sua entrada é em dinheiro; e Luísa não pode porque é em
espécie (note-se que a consequência de uma cláusula contratual que permite o diferimento de uma entrada
em espécie consubstancia-se numa invalidade parcial do contrato, pelo que se tem por não escrita a
cláusula→aplicando-se o A. 26º/1 CSC);
2— Se pode haver diferimento, qual o montante que pode ser diferido?
→Quanto ao mínimo que tem que ser entregue, Pedro teria de entregar apenas 1 €, mas entregou 20 €
(logo está cumprido; veja-se o A. 199/b+ 219º/3 CSC, podendo ser entregue até ao momento do ato
constitutivo ou pode entregar esta entrada até ao termo do 1º exercício económico→A. 199º/b+ 202º/4→A.
26º/2 CSC; acrescente-se que cumprido este 1 €, tudo o resto pode ser diferido, nos temos e condições do
A. 202º e 203º CSC, ficando dependente de datas certas e determinadas);

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3—Até quando, e em que condições, é que se admite a entregue dos
valores diferidos? → Pedro não estipula um prazo para pagar os 179 €, por isso segundo o A. 203º CSC
tem um prazo máximo de 5 anos devendo-se prever o montante das entradas diferidas e quando serão
efetuadas, sendo que os requisitos não estão verificados visto que não se trata de um facto ou data certa
(ele estipula que vai pagar o resto quando receber alguma remuneração, isto é, se a receber). José Reis +
Inês Neves referem que como consequência deve-se permitir o diferimento durante o período de 5 anos e
findo este lapso temporal, vamos aplicar a exigência do valor da entrada (há doutrina que refere que
podemos considerar a cláusula como não escrita, exigindo-se imediatamente o valor em falta, mas isto
pode ser excessivo visto que é a lei que permite o diferimento se alonge num hiato temporal de 5 anos).

-Relativamente à 3ª cláusula, releva-se importante as entradas em espécie pois,


são menções obrigatórias (A. 9º/g+ h CSC). Se o A. 9º/g+ h CSC não for respeitado aplicamos o A. 9º/2
CSC na medida em que as estipulações são ineficazes→ e o A. 25º/4 CSC, na passagem “… se for ineficaz
a estipulação relativa a uma entrada em espécie, nos termos previstos no artigo 9.º n.º 2, deve o sócio
realizar em dinheiro a sua participação…” refere que o sócio nesses casos fica obrigado a fazer a sua
participação em dinheiro (fazer remissão: A. 9º/2→A. 25º/4 CSC).
-No nosso caso, esta especificação não parece faltar e como tal não está em
causa o A. 25º/4 CSC. Porém, perante uma entrada em espécie temos necessariamente de ter essas entradas
avaliadas por um ROC independente, sem interesses na sociedade e designado por deliberação dos sócios,
onde não podem votar os sócios que efetuem as entradas (A. 25º/1+ 28º/1 CSC; este último artigo decorre
do P. da Exata Formação do Capital Social). Esta avaliação pelo ROC aconteceu.
-Imagine-se agora que mais tarde um credor descobre que a avaliação do
computador foi feita pelo pai de Teresa. Ora, os requisitos do A. 9º CSC estão preenchidos, pelo que não
há nulidade do contrato e como já vimos a estipulação não é ineficaz. Assim, imagine-se também que o
computador em vez de valer 1. 200 € valia 700 €, Teresa estaria obrigada a completar a sua entrada
com que montante? Segundo o A. 25º/3 CSC, o valor nominal da participação de Teresa é de 1 € e o
computador foi validado em 1 200 €. Ora, havendo erro na avaliação e o computador apenas vale 700 €,
isso não importa porque o valor nominal continua a ser de 1 €. Se fosse o valor nominal fosse de 1000 €,
Teresa já teria de pagar 300 € (veja-se “… até ao valor nominal da sua participação…”).
-NOTA— Nada disto apaga a possível responsabilização deontológica do
ROC, pelo facto do mesmo ter avaliado um bem de uma pessoa com a qual tem relações de proximidade.

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Nos termos do A. 28º CSC, o ROC deverá ser uma pessoa independente e, no limite, poderíamos dizer
que não tinham sido cumpridas as formalidades legais e que isto exigiria que o sócio prestasse a sua
entrada em dinheiro, por haver uma invalidade ao abrigo de uma interpretação muito abrangente do A.
9º/h CSC, logo aplica-se o A. 9º/2 CSC→A. 25º4 CSC. Esta nota é uma possível resposta diferente.

-Relativamente à 4ª cláusula, esta é uma cláusula facultativa bastante comum


porque é uma das possibilidades que temos de designação dos membros que compõe o órgão de
administração/representação da sociedade. Estas hipóteses vêm previstas no A. 252º CSC, pelo que os
gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios (se
não tiver previsto no contrato outra forma de designação).
-Ora, Vasco é estranho à sociedade, mas pode ser gerente segundo o A.
252º/1 CSC (tendo de ser uma pessoa singular com capacidade jurídica plena)→aqui não haveria
problema.
-Contudo, será que esta cláusula corresponde a um direito especial à
gerência, que segundo o A. 257º/3 CSC, não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio? Um
direito especial é uma condição na qual se atribui a um sócio em particular uma posição de vantagem (A.
24º CSC, que tem que estar previsto no contrato de sociedade). Ora, Vasco podia ser titular de um direito
especial? Não, porque Vasco não é sócio. E quanto a Teresa? Não, até porque Coutinho de Abreu
delimita o direito especial com base nas seguintes hipóteses: pensemos numa cláusula que determina que
Teresa vai ser sócia durante toda a sua vida; ou durante a vida da sociedade; ou que apenas pode ser
destituída se houver justa causa→ só nestes casos é que se pode falar de um direito qualificado, pelo que
no fundo o que temos no caso prático na 4ª cláusula é uma cláusula nominativa, na medida em que nos
diz que Teresa e Vasco são gerentes da sociedade, mas pode ser alterada sem o seu consentimento expresso
(se fosse mesmo um direito especial nunca poderia ser alterada).
-NOTA— Distinguir se uma cláusula é nominativa ou confere um direito
especial prende-se com a interpretação da mesma, pelo que este tipo de questões são debatidas na
jurisprudência. Contudo, note-se sempre que um direito especial é sempre pertencente a quem é sócio.
-Assim, neste caso, esta cláusula nomeia os gerentes + dá a possibilidade de
eles representarem validamente a sociedade. Logo, a cláusula interfere com a composição da gerência e
com o modo de funcionamento da gerência plural. Se tiver uma gerência com 5 ou 6 gerentes, como é
que se sabe quantos deles são necessários para atuar num determinado negócio para vincular a

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sociedade? Ora, temos uma cláusula eventual no contrato de sociedade que está a aplicar uma norma
supletiva, isto é, o A. 261º CSC que nos diz que nos casos de gerência plural os poderes são exercidos
pelo conjunto maioritário→ Contudo, é possível estabelecer outra solução salvo cláusula do contrato que
disponha algo diverso. Neste caso, temos um regime disjunto, onde qualquer um deles vai poder
representar e vincular validamente a sociedade (assim como também podia ter sido estabelecido um
conjunto minoritário; ou prever um conjunto unanime; ou prever que a sociedade fica vinculada com a
intervenção de 3 gerentes tendo 1 deles ser, p.e., a Leonor).

-Relativamente à 5ª cláusula, o valor nominal das quotas tem de estar no


contrato de sociedade? Sim, segundo o A. 9º/g CSC, sendo uma cláusula obrigatória.
-Podem ser estipulados valores nominais diferentes para as quotas? Sim,
segundo o A. 219º/3 CSC, desde que superiores ao valor mínimo legal que é de 1 € (e diferente disto não
poderia ser, até porque Raul Ventura diria que a partir do momento em que a entrada tem de pelo menos
igualar o valor nominal da quota, nunca poderia ser imposto aos sócios que tivessem todos a mesma
capacidade financeira).

-Relativamente à 6ª cláusula, esta é uma cláusula eventual porque não está


previsto no A. 9º CSC, nem noutra norma especial relativa ao conteúdo mínimo do contrato. Contudo, este
tipo de cláusulas são muito frequentes e que diz respeito ao regime a que fica sujeito a cessão inter vivos
de participações sociais (in casu quotas)→ Ora, o A. 228º/2 CSC refere que a cessão de quotas depende
de redução a escrito de do consentimento da sociedade, sendo que neste caso não estamos perante a
exceção de cônjuges/ascendentes/descendentes porque se fala em terceiros, sendo esta uma cláusula
supletiva pelo que até se pode estipular o contrário no contrato. Sendo este um regime supletivo podemos
reforça-lo (a ponto de proibir a cessão de quotas, desde que garanta o direito ao sócio de exonerar-se/sair
decorridos 10 anos; ou podemos exigir o consentimento para aqueles casos do A. 228º/2 CSC; A. 229º/1+
3 CSC) ou atenua-lo (isto é, dispensar o consentimento da sociedade em geral ou para certas situações;
A. 229º/2 CSC), tal como previsto no A. 229º CSC. Neste caso estamos perante um caso de atenuação,
porque no fundo no caso diz-se que a cessão é livre, sendo possível afastar o regime supletivo do A. 228º/2
CSC ex vi A. 229º CSC. Assim, Pedro tem em relação aos restantes sócios um direito especial à
transmissão.

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-Quanto à 2ª parte da cláusula (“…, mas os demais amigos terão de obter o
consentimento expresso de todos para o poderem fazer”), refere-se que os restantes sócios terão de obter
o consentimento expresso de todos para poderem ceder as suas quotas, mas eventualmente podemos cair
na proibição do A. 229º/5/a CSC, isto é, de fazer depender a cessão da vontade individual de um ou mais
sócios ou de pessoa estranha. Ora, isto é uma questão de interpretação: p.e. o TR de Guimarães entendeu
que estava em causa a proibição do A. 229º/5/a CSC e considerou uma cláusula nula (ou seja, a partir do
momento em que se exige o consentimento expresso de todos, estava-se a dar a cada um deles um direito
de veto→o que tornava a cessão dependente da vontade de um ou mais sócios); José Reis entende que
esta análise não o convence, visto que o que o A. 229º/5/a CSC visa evitar que haja uma ascendente de
um determinado sócio sobre os demais (ou seja, é atribuído uma posição privilegiada a um ou mais sócios,
substituindo a vontade coletiva por essa posição privilegiada)→ neste caso não é isto que está em questão,
pois é ainda a vontade coletiva que está em questão. O que se está a dizer é que o consentimento vai
depender de uma deliberação unanime (ou seja, está em causa uma regra de votação e não um ascendente).

3. Imagine agora que, após a celebração do contrato pelo processo tradicional, e previamente ao
registo do mesmo, Vasco (que previamente falou com José sobre o assunto) decide adquirir uma máquina
de café, para utilização pelos amigos. A máquina custou €120,00. Diga quem responde, e em que termos,
pelo pagamento do respetivo preço?

-Em 1º lugar, estamos na 2ª fase, isto é, entre o momento da celebração do contrato e o


registo definitivo, pelo que relevam 2 artigos: um para o plano interno→A. 37º CSC, ou seja, onde há
um P. de tendencial equiparação ao contrato de sociedade registada [exceto normas que pressupõe um
contrato registado e necessidade de consentimento unanime para transmissão inter vivos e modificações
ao contrato (onde aliás Coutinho de Abreu critica a necessidade de consentimento unanime porque temos
o A. 86º CSC que exige o consentimento do sócios sempre que em razão de um alteração ao contrato haja
um agravamento das prestações que sejam por eles devidas. Assim, Coutinho de Abreu refere que como
temos esta norma e como existe um P. de tendencial equiparação ao contrato registado, essa norma
aplicar-se-ia, não sendo necessário prevermos a necessidade de consentimento unanime para
modificações ao contrato)]; e um para o plano externo→A. 40º CSC, isto é, quem é que responde perante
credores (sendo este plano que nos interessa, porque há uma dívida de 120 €).

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-Ora, Vasco + José iriam responder ilimitada, pessoal e solidariamente perante terceiros; e
os restantes sócios respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das
importâncias que tenham recebido (então a responsabilidade destes demais sócios acaba por ser uma
responsabilidade interna porque eles vão ter de completar as suas entradas e devolver o que tenham
recebido, mas perante o património social).
-Contudo, o A. 40º CSC gera uma querela doutrinal quanto à questão se saber se o
património também responde ou não, e em que termos, com as pessoas do A. 40º CSC:
1— Ferrer Correia + Nogueira Seréns→ referem que o património social
não responde;
2— Coutinho de Abreu + Oliveira Ascensão + Menezes Cordeiro→
defendem que o património social não responderia nas situações do A. 277º/5/b e o A. 19º/4 CSC (e este
último é o nosso caso). O que se defende aqui é a responsabilidade em 1ª linha do património social, mas
estas 2 exceções;
3— Paulo de Tarso + José Reis indica que a sociedade só responde se
estivermos perante o A. 19º/1 CSC
-No fundo, se aderirmos à tese de Paulo de Tarso e de José Reis, para responder a
estas questões temos sempre de analisar o A. 19º CSC. Tínhamos a compra de uma máquina de café e que
não é mencionada no contrato de sociedade, sendo que nenhuma das alíneas é relevante, pois todas as
alíneas têm como denominador comum uma certa referência no contrato que aqui não há. Analisando o
A. 19º/2 CSC (remeter para o A. 19º/4 CSC), relativa à assunção por decisão da Administração, também
não releva porque não estando no contrato de sociedade não pode ser assumida por decisão da
Administração. Por fim, se a sociedade não pode responder pelo A. 19º CSC, serão exclusivamente
responsáveis os sócios do A. 40º CSC (note-se que se distinguem aqui os sócios que participaram e
autorizaram os negócios dos demais sócios).

4. Uma vez registado o contrato, os sócios apercebem-se de que o contrato não contém qualquer
referência à sede da sociedade. Quid iuris?

-Como ponto de partida, como estamos a falar de referências ao contrato


recorremos ao A. 9º CSC, relevando para o caso o A. 9º/e CSC. Assim, a referência à sede estatutária,
enquanto local relevante para efeitos de reuniões dos órgãos e administração, consulta de documentação

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e afins, é um dos elementos que o legislador considera relevante para efeitos de previsão contratual.
Seguidamente, vemos o A. 42º CSC, que nos interessa para efeitos de saber se a falta destes elementos
determina ou não a invalidade do contrato (remissão: A. 9º→A. 42º CSC). Ora, para o efeito, revela o A.
42º/1/b CSC e Coutinho de Abreu diz que esta é uma referência, que como não consta da 1ª Diretiva em
matéria de Sociedades entende que quando esta alínea se refere à “sede”, viola a Diretiva (para efeitos de
D. da União Europeia, isto podia mesmo levar à desaplicação da norma nacional por violação de norma
de UE).
-Ainda assim, o A. 42º/2 CSC permite sanar a nulidade por deliberação dos sócios
(numa lógica de favor societatis/favorecimento e conservação da sociedade) tomada nos termos das
deliberações sobre a alteração do contrato (que em regra necessita de uma maioria qualificada). Contudo,
apesar da norma se referir à deliberação tomada nos termos estabelecidos para as deliberações sobre
alteração do contrato, Raul Ventura aponta que é muito diferente ter uma situação em que os sócios
definiram qual a sede da sociedade, mas não colocaram no contrato, de uma situação em que os sócios
nem acordaram no local da sede→ Ora, no 1º caso, apelamos às condições normais de alteração do mesmo;
no 2º caso, ele entende que é necessária uma deliberação unanime (porque é como se estivéssemos a criar
ex novo esse acordo de vontade).

-Imaginemos que não há lugar a esta sanação. Assim, num caso de invalidade do
contrato recorremos ao A. 44º CSC: tendo legitimidade para a ação de declaração de nulidade e notificação
para a regularização qualquer membro da administração, do conselho fiscal ou do conselho geral e de
supervisão da sociedade ou por sócios ou qualquer terceiro que tenha interesse relevante e sério na
procedência da ação (A. 44º/1 CSC) e o MP (A. 44º/2 CSC). Note-se que tem de se respeitar o prazo de 3
anos a contar do registo (A. 44º/1 CSC), mas o MP pode a todo o tempo (A. 44º/2 CSC).
-Contudo, aqui temos uma particularidade quanto ao P. favor societatis
pois, no caso de vício sanável impõe-se aos legitimados um ónus de notificação prévia (A. 44º/1/parte
final CSC), na medida em que primeiro tem-se de interpelar a sociedade e só depois de decorridos 90 dias
dessa interpelação é que se pode recorrer à ação de declaração de nulidade (esta questão dos 90 dias
também se aplica ao MP segundo a doutrina maioritária por ser entendido como um pressuposto
processual da ação).
-Ainda assim, revela outra especificidade quanto ao A. 44º/3 CSC que é
entendido como um dever de cumprimento autónomo, isto é, não interessa se estamos perante um vício

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sanável ou não pelo que é sempre necessário que os membros dos órgãos de administração deem conta da
propositura da ação nesta categoria de sócios porque: não é líquido que depois dos 90 dias mesmo que
não haja sanação haja lugar à propositura da ação (ou seja, podemos ameaçar, mas depois não fazer
nada→sendo importante que os órgãos de administração cumpram na mesma este dever); e é ainda
importante que no decorrer da ação haja lugar à sanação do vício (isto é, mesmo depois de proposta a ação
os sócios podem sanar o vício e poderá gerar uma inutilidade superveniente da lide).

-Quanto à consequência da procedência da declaração de nulidade veja-se o A. 52º


CSC, isto é, a entrada da sociedade em liquidação (Coutinho de Abreu refere que é a consequência
principal da invalidade do contrato), devendo este efeito ser mencionado na sentença. No que respeita à
posição dos sócios temos de dividir os efeitos das invalidades em 2 campos:
1— Quanto aos negócios/posições ativas e passivas da sociedade
celebrados: a eficácia dos negócios jurídicos (quando se lê no A. 52º/2 CSC “negócios jurídicos”
devemos interpretar à luz do A. 12º/3 da 1ª Diretiva em matéria de Sociedades que refere que abrange as
obrigações de fonte negocial + quaisquer relações passivas ou ativas da sociedade, inclusivamente as que
não tenham fonte negocial) concluídos anteriormente e celebrados pela sociedade ficam intocados, sendo
esta a regra (A. 52º/2 CSC; isto é, não são afetados pela declaração de nulidade ou anulação do contrato
social). Ora, o A. 52º/3 CSC comporta uma exceção na medida em que se a nulidade proceder de
simulação, ilicitude do objeto ou violação da ordem pública ou ofensa dos bons costumes→ o disposto do
número anterior só aproveita a terceiros de boa fé.
2— Quanto ao plano das consequências ao nível dos sócios/posições
jurídicas/das suas obrigações perante a sociedade: atentamos ao A. 52º /4 CSC, pelo que os sócios têm
o dever de realizar ou completar as suas entradas e responder pessoal e solidariamente perante
terceiros→ou seja, caso eventualmente os liquidatários, que são responsáveis pela condução do processo
de liquidação verifiquem que é preciso cobrir dívidas a terceiros, os sócios podem ser obrigados a
completar as suas entradas para o efeito + mais ainda não ficam os sócios exonerados da responsabilidade
pessoal e solidária perante terceiros. A única exceção consta do A. 52º/5 CSC que indica que tal não será
aplicável ao sócio cuja incapacidade foi causa da anulação do contrato ou que a venha a opor por
via da exceção à sociedade, aos outros sócios ou a terceiros.

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Ficha de trabalho nº 3

-F é sócio único e gerente da sociedade RT – Restauração e Serviços de Catering, Unipessoal,


Lda., que tem por objeto a exploração de um restaurante sito em Almada.
1. Em 25.01.2019, F celebrou verbalmente com a RT um contrato de compra e venda, pelo
qual lhe vendeu um conjunto de mesas em madeira de que o primeiro era proprietário, por um montante
total de €2,500. Quid iuris?

-Neste caso podemos eventualmente estar perante uma situação em que a


responsabilidade limitada dos sócios não é respeitada. Antes dessa questão, note-se que o legislador foi
precavido na medida em que no CSC previu situações em que sem recorrer a “considerações
desconsiderantes extrapositivas/extralegais”, prevê o regime a que devem ficar sujeitas certas situações
que poderiam eventualmente levar a esses riscos, nomeadamente o risco de poder haver aqui uma eventual
confusão entre os patrimónios dos sócios e da sua sociedade unipessoal.
-Precisamente para evitar esses perigos/abusos e eventuais situações de fraude,
o legislador estabeleceu no A. 270º-F CSC um regime que respeita aos negócios celebrados entre o
sócio único e a sociedade, visando introduzir transparência, exigindo requisitos (o CSC não vai vedar
este tipo de negócios, até porque eles podem fazer sentido, mas vai introduzir um conjunto de requisitos
que visam assegurar que não existe fraude à lei). Esses requisitos são (A. 270º-F/1+ 2+ 3 CSC): os
negócios jurídicos devem servir a prossecução do objeto da sociedade (requisito material); os negócios
jurídicos entre o sócio único e a sociedade tem de obedecer à forma legar prescrita e devem observar a
forma escrita (requisito formal; ou seja, aqui é sempre exigida a forma escrita, exceto quando a lei seja
mais exigente); é necessário apresentar os documentos de que constem os negócios jurídicos celebrados
juntamente com o relatório de gestão e do documentos de prestação de contas, sendo sempre necessário
disponibiliza-los a todo o tempo para consulta na sede da sociedade por qualquer interessado (requisito de
publicidade).
-Ora, se estres requisitos não forem verificados temos uma nulidade do
negócio jurídico e uma responsabilidade ilimitada do sócio. O risco destes negócios é a confusão dos
patrimónios e que eventualmente através destas transmissões o sócio visa-se onerar o passivo da sociedade
e diminuir o respetivo ativo. Contudo, repare-se que não se vê em nenhum lado a ideia de que estes
negócios só serão ilegítimos se prejudicarem a sociedade, ou seja, não se exige que os negócios sejam

33
desequilibrados. Mesmo assim, se houvesse uma situação de desequilíbrio/desajuste face ao valor real
de um determinado bem, como reagimos? Podíamos recorrer ao A. 6º CSC.

-Neste caso, o requisito material não parece levantar questões; o requisito formal
não está preenchido porque não houve forma escrita; e quanto não requisito da publicidade não sabemos.
Deste modo, como consequência temos a nulidade do negócio viciado. Contudo, Maria de Fátima Ribeiro
entende que este tipo de nulidade não pode ser automática, só tendo cabimento no caso em que os
interesses que a lei visa proteger o justifiquem, pelo que entende que quando falte a redução a escrito ou
o requisito de publicidade, há uma solução mais razoável que passa por reduzir o contrato a escrito e
fazê-lo constar dos relatórios referidos.
-Ainda assim, quanto à questão da responsabilidade ilimitada do sócios, temos um
problema: o sócio é ilimitadamente responsável pelos danos que advenham do concreto negócio jurídico
celebrado ou é responsável ilimitadamente a partir daí por todas as relações ativas e passivas que a
sociedade venha a encabeçar?
-Maria de Fátima Ribeiro adere à opção em que o sócio é
ilimitadamente responsável pelos danos porque continua a ser uma sociedade por quotas, apesar de
unipessoal. Esta autora afere que isto só faz sentido para os danos que advenham daquele concreto negócio
do A. 270º-F CSC
-Ricardo Costa entende que a partir do momento em que o negócio
é nulo, não faz sentido retirarmos daí uma responsabilidade para o sócio. Assim, quando a norma aqui se
refere à responsabilidade ilimitada só sócio, refere-se à sua responsabilidade ilimitada por todas as
obrigações assumidas pela sociedade. No fundo, entende que esta é uma norma de proteção e de segurança,
sendo que o sócio não a cumpriu e agora acarreta a responsabilidade ilimitada por quaisquer obrigações
da sociedade. Porém, o autor vem referir que entende a doutrina que sustenta que o sócio seja somente
responsável pelos danos daquele concreto negócio, procurando também produzir alguma razoabilidade,
sendo que admite que a sua própria posição pode ser desproporcionada pois, de facto, a sociedade continua
a existir. Deste modo, responde a essas preocupações em que vamos aplicar responsabilidade ilimitada
só aos casos em que esteja em causa a violação do A. 270º-F CSC, isto é, aos casos em que o negócio
em questão tenha servido um outro prepósito que não caiba no objeto da sociedade. Mas se tiver em causa
o requisito formal e publicitário, não fará sentido responsabilizar ilimitadamente o sócio, mas mantem-se
a seu ver a consequência no plano do negócio.

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-Aqui, neste caso, tendo em conta que em princípio não estaria em causa um ato
estranho ao objeto da sociedade, podemos dizer que pelo menos quanto à responsabilidade ilimitada e
geral do sócio é de afastar porque: em 1º lugar Maria de Fátima Ribeiro entende que nunca haverá essa
responsabilização geral; e em 2º lugar porque, segundo Ricardo Costa, essa responsabilidade geral só que
aplica se estivesse em causa a violação do requisito material, o que não é o nosso caso. Por fim, estão em
causa aqui a falta de forma escrita e a falta de publicidade podemos dizer que se a lei não distingue, não
cabendo ao intérprete distinguir (sendo verdade que a lei diz “a violação do disposto nos números
anteriores implica a nulidade dos negócios jurídicos), pelo que eventualmente poderíamos sustentar a
nulidade; porém, existem vozes na doutrina que entendem que isto é uma solução desproporcionada
quando esteja em causa a violação do A. 270º-F/1+ 2+ 3 CSC, pelo que será de defender a redução do
contrato a escrito e fazê-lo constar dos relatórios, evitando-se a nulidade.

-Em finais de 2019, F conhece A, acordando com ele a constituição de uma sociedade por quotas
que se dedicaria à exploração do mesmo restaurante. Ficou acordado que a RT seria dissolvida e que a
nova sociedade teria um capital social de €6.000, dividido em três quotas, que seriam detidas por F, A e
D (com quem F e A falavam há já bastante tempo, através do Facebook, não se tendo apercebido de que
o mesmo era portador de doença do foro psiquiátrico). Ainda antes do registo do contrato de sociedade,
em janeiro de 2021, a EDP informou os três da existência de uma dívida relativa à exploração do
restaurante de cerca de €3.990,00, tendo F assumido que a iria liquidar, no imediato.
2. Em março de 2021, a luz foi cortada devido ao incumprimento de um acordo de
pagamento em prestações que F havia celebrado com a EDP. A, sentindo-se enganado, pretende, hoje,
obter a invalidação do contrato de sociedade e reaver tudo aquilo que entregou, a título de obrigação de
entrada. Quid iuris?

-Quando este enunciado se refere a “sentindo-se enganado” alude à questão dos


vícios da vontade, relevando o A. 45º CSC (e usamos este artigo porque “em março de 2021” já estamos
após do registo do contrato, que se deu em janeiro de 2021) que nos apresenta os vícios como justa causa
de exoneração do sócio (e não a invalidade do contrato), que está dependente dos critérios de relevância
e tempestividade do vício (os critérios de relevância encontramos na lei civil onde importa a questão da
essencialidade, do motivo, da inocência ou não de uma das partes; e a tempestividade é a de 1 ano
depois da cessação do vício). Note-se que muitas vezes a lei civil refere que para o vício ser relevante a

35
contraparte tem de reconhecer ou ser-lhe cognoscível a essencialidade do motivo sobre que recaiu o erro,
mas em D. Societário a particularidade é que temos vários declaratários. Assim, p.e., no erro a
essencialidade do motivo deve ser conhecido ou cognoscível por todos os contratantes; no caso do dolo,
bastará que um dos sócios esteja inocente para aplicar o regime do dolo de terceiro; no caso de coação
moral, poderemos eventualmente falar dos requisitos relativos à coação por terceiro.
-Só depois de referir estes pontos é que podemos falar da exoneração por justa
causa do sócio, que nos leva à segunda pretensão de A: reaver tudo aquilo que entregou a título de
obrigação de entrada. Quanto a isto, lembre-se que o valor que recebe em troca é o valor da
participação, mas no momento em que a requereu (em função do estado social atual da sociedade;
remissão A. 45º→A. 240º CSC; neste último artigo temos o regime da exoneração do sócio em geral que
indica no A. 240º/5 CSC para se atentar ao A. 105º/2 CSC que, por sua vez, remete para o A. 1021º CC).
Deste modo, A não vai receber necessariamente aquilo que entregou, podendo receber mais, menos ou o
mesmo.
-Ora, assumindo que todos os pressupostos do erro estão preenchidos, importa
mencionar uma especificidade do D. Societário constante do A. 49º CSC, ou seja, se um dos sócios assistir
o direito de anulação ou exoneração dos A. 45º, 46º e 48º CSC, qualquer interessado poderá notifica-lo
para que exerça o seu direito, sob pena de o vício ficar sanado→há aqui uma ideia de uma provocatio ad
agendum (isto é, a lógica de que se deve, para não manter a sociedade neste regime de incerteza, provocar
o titular do direito a exercer o respetivo direito, sob pena de que se não o fizer o seu direito pode-se
extinguir por caducidade).

3. Entretanto, B, familiar de D, apercebe-se de que este, apesar da sua incapacidade, havia


celebrado o referido contrato de sociedade. Sabendo que D não chegou a completar a sua entrada, tendo
entregado apenas o valor equivalente a €1,00, aprecie se este, devidamente representado, poderá obter
a anulação da sua declaração.

-Ora, D é incapaz sendo a incapacidade causa de anulação da declaração


relativamente a ele (A. 45º/2+ 47º CSC). Repare-se que se existe anulação do negócio societário na parte
em que lhe diz respeito, as consequências serão: reaver o 1 € que tinha prestado; e não está obrigado a
completar o resto da sua entrada (A. 47º CSC).

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-NOTA— Imaginemos que a sociedade tinha 2 sócios e um deles é incapaz, vindo
a ser anulada a respetiva declaração negocial. Ora, caso o sócio incapaz saia da sociedade, ela tornar-se-á
unipessoal se houver transformação para o efeito. Contudo, se não houver transformação temos uma
sociedade por quotas com 1 sócio, pelo que comporta um problema de tipicidade societária e da
obrigatoriedade de recorrermos a um dos tipos societários (porque se a sociedade não se transforma, o tipo
societário presente no contrato não corresponderá ao tipo societário que a sociedade efetivamente é) e, por
outro lado, o A. 42º/1/a CSC indica que o contrato, depois de registado, pode ser nulo se faltar o mínimo
de 2 sócios fundadores.
→Isto é defendido por Raul Ventura, numa ideia de que quando
eventualmente caiamos ao abrigo do A. 42º/1/a CSC em razão da anulação de uma declaração negocial
podemos eventualmente, por via mediata, chegar na mesma à invalidação do contrato.
→Coutinho de Abreu entende que é preciso salvaguardar os
interesses de terceiros e dos sócios sendo que ele recorre à 1ª Diretiva em matéria de Sociedades e vê quais
os fundamentos de invalidade do contrato que a diretiva discrimina. Ora, o A. 11º da 1ª Diretiva em
matéria de Sociedades tem duas alíneas com 2 situações diferentes: uma é a invalidade do contrato por
falta de pelo menos 2 sócios fundadores; outra é a invalidade do contrato por incapacidade de todos os
sócios fundadores. Nesta medida, a partir do momento em que a Diretiva para os casos de incapacidade
determina que só gera a nulidade do contrato quando todos os sócios fundadores são incapazes, então não
podemos encontrar no A. 42º/1/a CSC de forma mediata uma causa de nulidade do contrato por arrasto

Ficha de trabalho n.º 4

-Entre agosto de 2019 e novembro de 2020, a Sociedade Imolex – compra e venda de


propriedades, Lda. adquiriu, através dos seus gerentes, à Softec – soluções informáticas, S.A. um conjunto
de equipamentos informáticos, para cujo pagamento lhe foram entregues dezasseis cheques pré-datados.
Apresentados os cheques a pagamento, estes foram sendo devolvidos por falta de provisão. Com efeito, a
Imolex vinha, desde há algum tempo, acumulando dívidas substanciais, vendo-se impossibilitada de fazer
face às suas obrigações. Entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, os sócios da Imolex a) venderam à
Mobilex – compra e venda de propriedades, Lda. o imóvel correspondente à sede da primeira, b)
cederam-lhe, por uma quantia simbólica de €25,00, o conjunto de equipamentos informáticos adquiridos

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à Softec, e c) cessaram os contratos de trabalho com os dois melhores comerciais dos quadros, quem a
Mobilex viria a contratar. Em março de 2021, a Lolibom – comércio de equipamentos de escritório, Lda.
requereu a declaração de insolvência da Imolex.
1. Diga de quem e em que termos pode a Softec exigir o pagamento do preço dos
equipamentos não pagos.

-Ora, quando o contrato de sociedade é registado surge uma nova entidade


jurídica, sendo que foi com esta entidade jurídica que a Softec celebrou o contrato. Portanto, a partir do
momento em que existe uma nova entidade jurídica há um novo centro autónomo de imputação de direitos
e deveres. Deste modo, se não houvesse esta solução desconsiderante, a Softec poderia atacar o
património dos sócios? Não. Este é o plano positivo onde se limita a responsabilidade e espera-se que o
ser humano não procure abusar desta personalidade jurídica nomeadamente, utilizando-a como
instrumento para defraudar as expectativas do credor através de sociedades fantasma (da mobilização de
património e instrumentalização da sociedade incompatível com o fim da mesma). Contudo, a doutrina +
jurisprudência acham esta solução positiva, mas pode ter resultados negativos e acabar por prejudicar a 1ª
finalidade da personalidade jurídica (a facilitação das trocas).
-Para o efeito, o instrumento que se consagrou foi a desconsideração da
personalidade jurídica, isto é, a derrogação/não consideração dessa autonomia jurídico-subjetiva da
sociedade para efeitos de poder responsabilizar os sócios [mas a desconsideração da personalidade pode
ter 2 vertentes: uma questão de imputação (onde se imputa determinados estados subjetivos dos sócios
à sociedade); ou de responsabilidade (onde se responsabiliza os sócios, havendo um levantamento do
véu da personalidade/lifting of the veil para efeitos de poder atacar quem se encontra por detrás do
instrumento jurídico societário)].
-Vimos, a respeito do A. 84º, 270º-F e 501º CSC, que o nosso CSC prevê soluções
desconsiderantes, em que acaba por responsabilizar os sócios por coisas em que em princípio apenas
responsabilizariam o património social (isto são soluções positivas), mas depois houve a necessidade de
desenvolver praeter legem institutos de desconsideração extrapositivos, em que numa base casuística
vamos levantar o véu da personalidade e proceder a responsabilização dos sócios por eventuais dívidas.
Obviamente que isto não resulta em todas os casos, estando definidos grupos de casos que permitem
responsabilizar os sócios.

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-A este prepósito, quando um grupo de sócios mobiliza o património da sociedade
para uma outra sociedade já criada ou agora nova tendo como sócios eles mesmos ou “testas de ferro”
(p.e.—a mãe, o pai, cônjuges, ascendentes, descendentes), onde, por exemplo: se cessam contratos de
trabalho de quadros que eram imprescindíveis para a empresa e essas pessoas aparecem na outra empresa;
em que o objeto social é praticamente igual; em que os materiais muito utilizados vão parar a essa outra
sociedade→ isto tudo para esvaziar a sociedade em relação à qual eu tenho relações com terceiros,
nomeadamente relações que oneram o passivo, para efeitos de começar uma nova vida nova pacifica numa
outra sociedade e os credores ficam a “arder”. A este grupo de casos damos o nome de descapitalização
provocada/agravada/causada, onde se nota um intuído fraudulento. Este é o caso que temos no
enunciado. Note-se que os sócios, em razão da atividade da sociedade, que se venham encontrar numa
situação de descapitalização não têm um dever de a recapitalizar, mas têm uma obrigação de não frustrar
os interesses dos credores apostando numa sociedade segunda (podendo para o efeito dissolver a
sociedade; ou cumprir o dever de apresentação à insolvência).
-Coutinho de Abreu, no que toca à responsabilização destes casos de
descapitalização indica que em primeira mão poderíamos recorrer ao instituto de Abuso de Direito e só
depois à desconsideração da personalidade jurídica que é uma opção subsidiária, de ultima ratio, sendo
exigidos requisitos exigentes
-Ricardo Costa indica que o Abuso de Direito deve ser conjugado com uma
ideia de fraude à lei, isto é, deverá de existir uma combinação de atos que demonstre o desinteresse para
com a sociedade (intenção de delapidar o património social).

-Agora imagine-se que os sócios-gerentes ou que a atuação em causa resulta da


atuação da gerência ou que apesar de não resultar da gerência houve uma deliberação dos sócios seguida
de execução da deliberação pela gerência→e agora questiona-se se o A. 78º CSC que refere: “Os gerentes
ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa
das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne
insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos”, não poderá obstar à solução desconsiderante? Isto
é, será que tendo esta via não podemos evitar a desconsideração, responsabilizando diretamente os
gerentes ou os administradores da sociedade? Repare-se que esta norma apenas diz respeito à
inobservância culposa de disposições legais ou contratuais destinadas à proteção dos credores (não
falamos da inobservância de quaisquer deveres dos gerentes do A. 64º CSC), sendo necessário que o

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património social seja insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos e que seja a violação a causa
dessa insuficiência.
-Neste caso, podíamos invocar os A. 6º CSC que justifica o apelo ao A. 78º
CSC, por se referir a uma “quantia simbólica de 25 €”, pois podemos estar perante uma venda simulada.
Também podíamos apelar ao A. 18º+ 19º CIRE para o facto de que em Março de 2020 houve um credor
que requereu a declaração de insolvência. Assim, se o caso nos permitisse fazer prova que efetivamente
gerentes e credores violaram estas duas disposições e que por causa disso o património social se
tornou insuficiente, tínhamos aqui uma via alternativa de responsabilização ex vi A. 78º CSC.
-Por outro lado, se não tivéssemos a inobservância culposa de disposições
legais ou contratuais, mas tivéssemos a violação de deveres gerais do A. 64º CSC→ nesse caso, gerentes
ou administradores respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou
omissões praticadas com preterição dos deveres legais ou contratuais. Contudo, acabamos de dizer
que respondem pela sociedade, mas neste caso temos uma responsabilidade perante dos credores. Assim,
podemos ir ao A. 78º/2 CSC (“Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais
podem exercer, nos termos dos artigos 606.º a 609.º do Código Civil, o direito de indemnização de que a
sociedade seja titular.”), onde consta a figura da sub-rogação.
-Por fim, nestes casos podemos além da responsabilidade dos sócios encontrar um
fundamento de responsabilidade dos administradores→ou seja, é possível fazerem-se pedidos
cumulativos, invocando a responsabilidade dos gerentes ou administradores, sócios ou não por atos que
tenham praticado enquanto gerentes ou administradores (A. 78º/1+ 2CSC→artigo pensado para atuação
dos gerentes enquanto tal; A. 72º CSC); ou quando o ato diga respeito à atuação dos sócios para a qual
usamos a via da desconsideração da personalidade jurídica (instituto pensado para atuação dos sócios,
sendo eles gerentes ou não).

-Entretanto, em inícios de março de 2021, a Softec (devidamente representada), celebrou os


seguintes atos:
a) afiançou, junto de uma instituição bancária, uma dívida da Soundbits, S.A., sociedade
que detém, atualmente, 75% do seu capital social;
b) reforçou em 10% os prémios de produtividade dos respetivos trabalhadores; e
c) doou cinquenta computadores a uma IPSS, destinados a serem entregues a crianças
desfavorecidas, tendo em vista o contexto de ensino online.

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2. Aprecie a validade dos atos referidos.

-Quanto à alínea a):


-Ora, se a questão se centra na validade de atos e nesta alínea afere-se à
fiança, temos que ver a capacidade da sociedade (A. 6º CSC) que está limitada ao seu fim (que neste
caso é a produção e distribuição de lucro, como refere o A. 6º/1 CSC), pelo que, via de regra, os atos
gratuitos serão atos para os quais a sociedade não terá validade (sendo que se realizados, serão nulos→ A.
294º CC). Ainda assim, o legislador veio no A. 6º/2+ 3 CSC balizar o que se considera um ato contrário
ao fim da sociedade, pelo que no que concerne ao caso da fiança, interessa-nos o A. 6º/3 CSC. Ora, a
regra é que a prestação de garantias reais ou pessoais é contrário ao fim da sociedade (porque não
são atos necessários para a prossecução do fim; contudo, se a prestação da garantia fosse remunerada,
podiam aqui estar perante um ato que fosse conveniente à prossecução do objeto social porque a gerência
permitirá à sociedade gerar lucro), mas comporta exceções: primeiro, se existir justificado interesse
próprio da sociedade garante; segundo, se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
-Para este caso, interessa a 2ª exceção. Sabemos que a Softec é a
entidade garante e a Softec afiança uma dívida Soundbits, pelo que a Soundbits detém 75% do capital
social da Softec, relevando a “relação de domínio ou de grupo”. Ora, para percebermos o que isto é veja-
se o A. 481º e ss. CSC. Segundo o A. 482º CSC as sociedades coligadas podem ser de 4 tipos (as sociedades
em relação de simples participação; sociedades em relação de participações recíprocas; sociedades em
relação de domínio; sociedades em relação de grupo). Como apenas se fala, no A. 6º/3 CSC, de sociedades
em relação de domínio ou de grupo, veja-se o A. 486º CSC, sendo que para vermos se existe uma relação
de domínio, o critério é a possibilidade de exercício de influência dominante, relevando o A. 486º/2/a CSC
pois presume-se existir uma relação de domínio se uma sociedade detém uma participação maioritária no
capital de outra→ assim a Soundbits é a sociedade dominante e a Softec é a sociedade dependente.
-Posto isto, releva a interpretação restritiva/teleológica de Coutinho de
Abreu do A. 6º/3 CSC, entendo que esta exceção apenas funciona para os casos em que seja a
sociedade dominante a garantir uma divida da sociedade dependente. Isto explica-se pelo facto de
que a sociedade dependente poderia facilmente ser instrumentalizada se assim fosse pela sociedade
dominante se se considerassem estas garantias válidas sem mais. Deste modo, admite-se que a sociedade
dominante acautele/garanta a boa situação económico-financeira da sociedade dependente. Seguindo esta
tese, perante o caso prático, não teria possível garantir pelo que seria um ato inválido.

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-Quanto à alínea b):
-Poderíamos pensar que “prémios de produtividade” seriam considerados
uma liberalidade e ir ao A. 6º/2, mas não é assim. Ora, os prémios de produtividade não são uma simples
liberalidade na medida em que ao instituir um prémio de produtividade, em última análise, a
sociedade pertente fomentar a produtividade e aumentar o lucro por consequência→ podendo ser
considerado um ato conveniente (A. 6º/1 CSC), pelo que seria válido.

-Quanto à alínea c):


-Ora, aqui temos uma doação de 50 computadores, o que é uma pura
liberalidade sendo, à partida, nula. Contudo, o alvo desta doação são “crianças desfavorecidas, tendo em
vista o contexto de ensino online”→ para estas situações releva o A. 6º/2 CSC. No caso deste artigo temos
que temos de aferir 2 pressupostos: as circunstâncias da época (veja-se os usos mercantis, que a tendo em
mente o panorama pandémico, está preenchido) + condições da sociedade (está em causa as condições
económico-financeiras, logo se a sociedade estiver em insolvência iminente não é válido fazer esta
liberalidade; neste caso, a Softec não apresenta uma má condição financeira, pelo que o pressuposto está
preenchido)

-Em maio de 2015, A, B e E, acionistas da Softec, celebraram um acordo, nos termos do qual se
obrigaram a votar de forma concertada nas assembleias gerais convocadas para a eleição dos corpos
sociais, mais se vinculando expressamente a votar, em bloco, na lista dos seus pares, nos casos em que
qualquer deles se candidatasse a membro do Conselho de Administração. Ficou, ainda, previsto que, em
caso de incumprimento do acordo, o infrator perde a totalidade das ações ou terá de pagar aos restantes
subscritores, em partes iguais, o valor respetivo. Em assembleia geral extraordinária, realizada a 26-02-
2021, com recurso a meios telemáticos, e cuja ordem de trabalhos previa, além do mais, a Eleição dos
Corpos Sociais para o triénio 2021/2023, foi apresentada uma proposta de lista liderada pelo acionista
A. Na mesma assembleia, este informou todos os demais de que teria como única condicionante o facto
de “a sua disponibilidade para a presença efetiva na empresa ser de um dia por semana, apenas”. Em
sede de votação eletrónica, B votou contra a lista encabeçada por A.
3. A e E entendem que a deliberação deve ser anulada, mais decidindo instaurar ação
declarativa de condenação contra B, pedindo a sua condenação a entregar-lhes 17.066 ações. Quid iuris?

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-Três acionistas celebram um acordo no qual se obrigaram a votar concertadamente
e a “a votar, em bloco, na lista dos seus pares, nos casos em que qualquer deles se candidatasse a membro
do Conselho de Administração”, isto é, sempre que um deles eventualmente fizesse parte de uma lista,
eles comprometem-se a votar nesse consorte. Chame-se à atenção ainda que há a referência a “meios
telemáticos” e à “votação eletrónica”, sendo que com o panorama pandémico as sociedades não estão a
efetuar assembleias na sua forma tradicional (A. 377º/6/a CSC; presenciais/físicas)→contudo, não
significa que é algo novo pois o CSC já previa isto. Nomeadamente as assembleias online/parcialmente
virtuais onde se tem os sócios reunidos na sede da sociedade e tem-se alguns que não podem comparecer;
e as assembleias integralmente virtuais (A. 377º/6/b + 384º/9 CSC). Isto também se aplica às sociedades
por quotas (A. 248º CSC).

-O problema aqui é o acordo dos 3 acionistas que configura um acordo parassocial


(A. 17º CSC), que é um negócio jurídico celebrado entre todos (dá-se o nome de “acordo parassocial
omnilateral”) ou alguns dos sócios (e há autores que referem que podem envolver terceiros ou até mesmo
a sociedade) que comporta impacto na dinâmica social.
-Um acordo parassocial é celebrado antes, no momento ou depois da
criação da sociedade→ podendo versar sobre o exercício do direito de voto [que é o caso; A. 17º/2/1ª
parte CSC; podendo circunscreverem-se a uma votação em concreto ou de votarem de uma forma
concertada em sucessivas AG’s (ao que se chama de “sindicatos de voto”)]; a transmissão de ações; o
funcionamento da sociedade; etc.
-Ainda assim, temos de ver se não está em causa um conteúdo proibido por lei (p.e.,
por violar a ordem pública pelo que usamos as regras gerais do CC), importando o A. 17º/2/2ª parte+ 3
CSC→ é nulo o acordo parassocial relativo à conduta das pessoas no exercício de funções de
administração ou de fiscalização; que preveja que o sócio está obrigado a votar seguindo as instruções da
sociedade ou um dos seus membros; ou que esteja obrigado a aprovar as propostas feitas por estes; ou que
exercendo o direito de voto ou abstendo-se de o exercer em contrapartida de vantagens especiais. Neste
caso, nenhum destes casos aconteceu.
-Assim, pode A e E exigir a anulação da deliberação e a condenação de B à
entrega das ações? B, que se tinha vinculado ao acordo votou contra a lista encabeçada por A,
incumprindo o acordo parassocial. No incumprindo de um acordo parassocial estabelecem-se 2 coisas:

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as consequências do incumprimento perante a sociedade; e as consequências do incumprimento quanto
aos demais participantes no acordo.
-Quanto às consequências perante a sociedade: começando pela
deliberação, com base no acordo parassocial não podem ser impugnados atos da sociedade (isto é o P. da
Eficácia Relativa dos acordos parassociais que não servem para invalidar uma determinada
deliberação que tenha assentado num voto contrário ao sentido do acordo; A. 17º/1/2ª parte CSC),
mas existe doutrina minoritária (Maria da Graça Trigo + Carneiro da Frada) que refere que nos acordos
parassociais omnilaterais quando não estejam em causa interesses de terceiros, do tráfego jurídico e afins,
pode haver lugar a uma influência no plano societário por via da desconsideração da personalidade jurídica
(ou seja, como estão em causa todos os sócios desconsidera-se a personalidade jurídica da sociedade para
assegurar a impugnação da deliberação)
-Quanto às consequências quanto aos demais participantes no acordo:
face ao incumprimento de B, os consortes têm as suas expectativas lesadas pelo que, podem neste caso
invocar a cláusula penal (“ficou, ainda, previsto que, em caso de incumprimento do acordo, o infrator
perde a totalidade das ações ou terá de pagar aos restantes subscritores, em partes iguais, o valor
respetivo”).
-Se não existisse cláusula penal, poderíamos usar a ação de
cumprimento (A. 817º CC pois, faltando o devedor ao cumprimento da obrigação pode o credor exigir que
a mesma seja cumprida por via judicia, recorrendo-se à execução específica: A. 830º CSC), mas a maioria
da doutrina (Menezes Cordeiro + Raul Ventura) não admite essa possibilidade em sede de acordos de
voto porque: a execução específica seria aqui indiretamente a impugnação da deliberação (afetando
indiretamente o plano societário que o A. 17º/1 CSC afere que deverá permanecer imune); o A. 830º CSC
tem uma previsão taxativa (onde não se fala no incumprimento de acordos de voto; tal só seria possível
por via de uma interpretação extensiva); e porque esta solução nunca seria possível num acordo parassocial
tendo em vista a uma votação específica porque a votação dá-se num só momento, não sendo exigível
posteriormente.
-Contudo, existem autores (Maria da Graça Trigo) que admite no
caso dos sindicatos de voto (o nosso caso) essa interpretação extensiva pela aplicação analógica do A.
830º CSC.

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-Por outro lado, Ana Rita Leal defende que o sócio quando, mesmo
numa votação específica, declara antecipadamente que não vai votar no sentido a que se vinculou é
possível recorrer à execução específica.

-Outro problema é que A informou na AG aos sócios que só tinha disponibilidade


1 vez por semana. Repare-se que o Conselho de Administração é o órgão de representação da sociedade,
pressupondo-se que os seus órgãos tenham tempo e disponibilidade e que os seus membros tenham
idoneidade para efeito. Como tal, Vasco da Gama Lobo Xavier refere que os sócios se tinham vinculado
por acordo parassocial a manter uma pessoa no órgão de administração e essa mesmo se veio a tornar
inidónea//incapaz, sustenta-se um inexibilidade do cumprimento do acordo. Ora, como este caso é
inspirado num caso real, o tribunal veio a referir que estamos perante um conflito de deveres (dever de
cumprir o acordo parassocial e o dever de idoneidade) sendo que o exercício de A e de E era abusivo do
Direito, por estarem a impor a B para que votasse numa pessoa que tinha demonstrado indisponibilidade
para o cargo.

Ficha de trabalho n.º 5

-Em março de 2020, 10 amigos constituíram uma sociedade cujo objeto consiste na confeção,
comercialização e entrega ao domicílio de marmitas fit – a «Healthy Forever – confeção e
comercialização de refeições, S.A.». Cada sócio é titular do mesmo número de ações que os restantes.
1. Em assembleia geral de sócios, cuja convocação foi requerida por Francisco (um dos
acionistas) e convocada pelo presidente do Conselho de Administração, 10 dias antes da sua realização,
foi deliberada uma alteração ao contrato de sociedade, visando atribuir à acionista Marta, que se
encontrava ausente da reunião, 10 votos por ação. Votaram a favor da referida alteração 5 dos acionistas
presentes, tendo os outros 3 votado contra. Quid iuris?

-Atendendo ao caso, a convocação da AG foi requerida por Francisco. Ora,


atendendo aos direitos dos sócios, releva o direito de requerer uma AG, mas pode este fazê-lo numa
sociedade anónima? Vendo o A. 375º/2 CSC, uma AG deve ser convocada quando requerem 1 ou +
acionistas que possuam ação correspondentes a, pelo menos, 5% do capital social. Neste caso temo 10

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sócios e cada um deles tem o mesmo número de ações. Acresce isto ao facto que todas as ações devem
representar a mesma fração no capital social (A. 276º/4 CSC). Posto isto, tendo em conta que eles têm o
mesmo número de ações e esta regra, podemos deduzir que Francisco terá 10% do capital social,
preenchendo a regra supramencionada. Logo, segundo o A. 375º/3 CSC, Francisco deve fazer um
requerimento por escrito dirigido ao Presidente da Mesa Geral e mencionar os assuntos a incluir na ordem
do dia e uma justificação da necessidade da reunião da AG (em termos sucintos para que se saiba que é
um tema que deve ser decidido em AG). De seguida, o Presidente irá ver se isto é mesmo um assunto da
competência da AG ou não (A. 375º/4+ 5+ 6 CSC).
-Ora, quanto ao facto da AG de uma sociedade anónima ser convocada pelo
Presidente do Conselho de Administração tal não seria admitido pois, o pedido em regra tem de ser feito
ao Presidente da Mesa Geral (A. 377º CSC). Com efeito, mesmo assim existiu uma AG onde foram
aprovadas deliberações podendo-se suscitar nulidades das deliberações [neste caso: A. 56º/1/a + 2 ou 3
CSC; o A. 56/1/a CSC considera não convocada a AG cujo aviso de convocatória seja assinado porque
não tem competência→ não obstante, uma forma de sanar este vício era através das assembleias
universais (A. 54º CSC) desde que estejam todos presentes + todos manifestem a vontade de que a
assembleia se constitua + e que todos manifestem a vontade que a assembleia delibere sobre determinado
assunto→Porém, isto não servia para o nosso caso porque Marta estava -ausente e só foram emitidos 8
votos de 10]. Note-se o A. 379º CSC relativo ao direito de estar presente em AG.
-Esta convocatória foi feita 10 dias antes da AG. Ora, via de regra a convocatória é
publicada e o A. 377º CSC indica que o tempo que medeia a publicação e a AG deve ser, pelo menos de
1 mês (se existirem várias publicações, conta-se a partir da última). Contudo, se eventualmente a
publicação da convocatória for substituída pelo envio de uma e-mail ou carta registada, o prazo é de 21
dias pelo menos. Logo, no nosso caso nenhum caso está cumprido pelo que as deliberações são anuláveis
(A. 58º/1/a CSC), não obstante ser possível sanar a anulabilidade se estivessem preenchidos os 3
pressupostos da assembleia universal.

-Finalmente, o importante era averiguar a validade da deliberação da alteração


do contrato onde se visa atribuir 10 votos por cada ação de Marta (uma acionista). Primeiramente, a regra
da correspondência-voto das ações nas sociedades anónimas é que 1 ação corresponde a 1 voto (A. 384º
CSC). Ora, a deliberação visa consagrar o voto plural o que é proibido (A. 384º/5 CSC; se tal fosse
permitido era um direito especial)→ como consequência a deliberação é nula (A 56º/1/c CSC).

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-Ora, mesmo assim, como se estipulam os direitos especiais nas
sociedades anónimas? Os direitos especiais neste tipo de sociedades só podem ser atribuídos a categorias
de ações (e não à pessoa do sócio; A. 24º/4 CSC). Isto é assim porque, segundo o A. 302º e 272º CSC, os
direitos inerentes às ações não têm de ser todos iguais (dando-se o nome a estas ações que dão mais direitos
do que as ações ordinárias de “ações privilegiadas”).
-Imaginando que era possível estabelecer aqui um voto plural, tal
configurava um direito especial, que foi inserido por alteração ao contrato o que convocaria uma querela
doutrinal quanto às condições impostas pela introdução superveniente de um direito especial. Parte da
doutrina (minoritária e com uma interpretação restritiva) indica que pela leitura do A. 24º CSC apenas se
admitem direitos especiais que tenham sido consagrados no contrato, não admitindo por alteração
posterior ao contrato. Outra parte da doutrina (Raul Ventura + Brito Correia) admite, mas essa
alteração terá de ser votada por unanimidade. Outros autores (Olavo Cunha) entendem que não é preciso
a unanimidade, bastando a regra geral, que nas sociedades anónimas é 2/3 dos votos emitidos (A. 386º/3
ex vi A. 383º/2 CSC). Por outro lado, Coutinho de Abreu entende que não será de exigir a unanimidade
quando o direito especial seja contrapartida de algum benefício que esse titular vá conceder à sociedade.
No nosso caso, 5 votaram a favor de 8. Ora, 5/8 é menor que 2/3→ Como tal, mesmo seguindo a posição
de Raul Ventura ou de Olavo Cunha a nossa posição caía por haver vício da deliberação.

2. Em janeiro de 2021, Adriana, “inimiga” de longa data de Marta adquiriu as ações de


Francisco. Quando descobriu o que havia sucedido, Marta, pensando o pior e adivinhando que isso iria
trazer problemas à sociedade, veio alegar que não teriam sido respeitados os estatutos da sociedade que
impõem que as ações apenas possam ser alienadas:
i) decorrido um ano desde a constituição da sociedade, e
ii) desde que os administradores deem parecer favorável ao adquirente, o que não
se verificou.
-Aprecie a referida previsão estatutária, referindo se Marta conseguirá, com isto,
impedir o ingresso de Adriana na sociedade.

-Está aqui em causa uma cláusula de transmissibilidade de ações, importando o


A. 328º CSC. Em regra, o contrato de sociedade não pode excluir a transmissão das ações, nem as limitar
para além do que a lei admite.

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-Relativamente à cláusula que exige o decorrer de 1 ano desde a constituição
da sociedade para que possa haver transmissão:
-podia revelar o A. 328º/2/c CSC que indica que a sociedade pode
subordinar a transmissão a determinados requisitos subjetivos ou objetivos, mas tem de estar de acordo
com o interesse social pelo que eventualmente o decurso de 1 ano seria necessário para assegurar, p.e.,
alguma constância na primeira fase da vida da sociedade ou que mantivesse os seus fundadores;
-podia também revelar a ideia de que, temporariamente, se vá excluir a
transmissibilidade das ações sendo que Soveral Martins indica que estes requisitos temporal caem na
proibição do A. 328º/1 CSC→ se assim entendermos, esta 1ª cláusula será tida como inválida como não
escrita (o contrato ficará reduzido à parte válida).
-Relativamente ao facto de a transmissão ficar dependente de um parecer
favorável dos administradores:
-podia revelar o A. 328º/2/a CSC, isto é, entender que este parecer favorável
se subsume à cláusula de consentimento deste artigo. Contudo, temos de ter em conta que está em causa
o consentimento da sociedade sendo que existem regras que determinam a competência para este
consentimento, na medida em que segundo o A. 329º CSC, a concessão ou recusa do consentimento para
a transmissão de ações nominativas compete à AG se o contrato não atribuir tal competência a outro órgão
[não podemos esquecer que não se pode prender um sócio na sociedade (A. 329º/3 CSC) e imaginando
que o consentimento não é concedido e o sócio alienante vai ficar obrigado a permanecer na sociedade?
Não, a sociedade é obrigada a fazer adquirir as ações por outra pessoa (A. 329º/3/c CSC)];
-podia, por outro lado, estar subjacente a este parecer favorável a
estipulação de requisitos subjetivos ou objetivos (aqui subjetivos) do A. 328º/2/c CSC, mas o problema é
que estes requisitos têm que estar previstos no contrato (o que não acontece aqui).

-Em fevereiro deste ano, João, Rita e Marcelo constituíram a «Foodexpress – serviços de entrega
ao domicílio, Lda.». Rita e Marcelo entraram, cada um, com €20.000 em dinheiro, tendo João entrado
com a sua mota, avaliada em €10.000. O capital social foi estabelecido em €10.000, dividido em três
quotas na proporção das entradas realizadas. O contrato prevê, entre outras, cláusulas com o seguinte
conteúdo:
a) Rita e Marcelo são nomeados gerentes, sendo que Rita não poderá, em qualquer
circunstância, ser destituída, tendo poderes para, sozinha, vincular a sociedade.

48
b) João participará nos lucros da sociedade na proporção de 40%, mais tendo direito a
400.000 votos na assembleia geral;
c) Nenhuma deliberação poderá ser aprovada, com o voto desfavorável de Marcelo.
3. Pronuncie-se sobre a validade das cláusulas do contrato de sociedade que atribuam
direitos especiais aos sócios.

-Quanto à alínea a):


-O facto de se dizer no contrato que Rita e Marcelo são nomeado gerentes
é um direito especial? Relativamente aos direitos especiais já indicamos que existem direitos especiais à
gerência e não podemos invocar apenas o A. 257º/3 CSC (porque este apenas indica que se for
consagrado esse tal direito, este não pode ser suprimido do contrato de sociedade como uma cláusula
comum→ é um preceito que decorre do A. 24º/5 CSC que afere que caso não haja um preceito legal ou
convenção contratual em contrário, é sempre necessário consentimento do sócio e titular de um direito
especial para suprimir esse direito). Ora, aqui a questão é se o facto de se estabelecer no contrato que os
gerentes da sociedade vão ser X e Y é ou não um direito especial. Estamos ao abrigo de uma sociedade por
quotas, sendo que o A. 252º/2 CSC aborda a composição da gerência referindo que os gerentes são
designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios (A. 246º CSC).
Neste caso, o contrato dispõe que Rita e Marcelo são nomeado gerentes da sociedade, mas isto não
é um direito especial à gerência→ isto é apenas uma cláusula nominativa (mas nada impede que se
nomeie depois outras pessoas como gerentes, sem que se tenha de solicitar consentimento a Rita e a
Marcelo).
-Entende-se assim que para distinguir uma cláusula nominativa de um
direito especial pressupõe um exercício de interpretação do contrato. Note-se que, normalmente, as
cláusulas que conferem o direito a ser gerente durante toda a vida ou enquanto durar a sociedade ou
enquanto a pessoa for sócia é configuram um direito especial→ ou seja, pressupõe-se uma relação especial
(e não apenas dizer que X e Y são gerentes).

-Relativamente à questão da vinculação da sociedade→ aqui temos 2


gerentes e um 1 deles (Rita), pode sozinho vincular a sociedade. Isto reporta-se ao modo de exercício do
funcionamento da gerência plural. Temos uma gerência plural por termos 2 gerentes, sendo que nestes

49
casos a questão é saber quantos são necessários intervir para vincular a sociedade. Assim, temos uma
cláusula que explicita/informa sobre o modo de funcionamento da gerência plural.
-Quando o contrato nada diz (ou seja, a regra geral é) aplicamos
o A. 261º/1 CSC→ quando hajam vários gerentes, salvo cláusula do contrato de sociedade em contrário,
a sociedade fica vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes. Contudo, pode-
se dispor diferentemente, e como tal não será um direito especial se assim acontecer.
-NOTA— Era possível, aliás, fazer isto mesmo com um sócio.

-Relativamente à premissa de que Rita não pode ser nunca destituída,


podíamos pensar em invocar o A. 257º/3 + A. 257º/1 CSC (este último consagra um P. de Livre
Revogabilidade), mas o que se refere aqui é um direito especial que indica que X vai ser gerente e só pode
ser destituído judicialmente por justa causa (A. 257º/6 CSC)→ é referido pela doutrina como um “direito
especial duplamente protegido”. Contudo, o caso prático é diferente porque ela nunca pode ser
destituída→ isto é uma cláusula nula e é tida como não escrita porque a lei consagra a regra geral da
revogabilidade a todo o tempo e porque era inadmissível que se permitisse a consagração de um direito
absoluto à gerência, mesmo se perante comportamentos do A. 257º/6 CSC.

-Quanto à alínea b):


-Temos de distinguir 2 coisas: a proporção da participação nos lucros; e o
número de votos.
-Quanto à participação nos lucros, se nada tivesse sido estipulado, em
regra, iriamos ver a participação de João no capital que seria a percentagem de participação nos lucros (A.
22º/2 CSC). Ora, quando se diz “O capital social foi estabelecido em €10.000, dividido em três quotas na
proporção das entradas realizadas” vamos ter de ver qual a proporção das entradas realizadas para depois
saber a participação no capital do João. Esta proporção das entradas realizadas como se faz? Existindo
3 quotas que correspondem, cada uma, a uma percentagem que é proporção das entradas realizadas, para
chegar à proporção, vamos ver qual a entrada realizada por João, que foi de 10 000 €. Ora, se falamos da
proporção das entradas realizadas vamos fazer 10. 000 € no total das entradas (o total é 10. 000 € + 20.
000 € x 2 = 50 000 €). Assim, faz-se 10 000 € a dividir por 50 000 € que é igual a 1/5 (equivalente a 20%).
Assim, João tem 20% no capital social, pelo que teria direito a 20% na participação dos lucros→ esta é a
regra geral.

50
-Ora, estabelecendo-se que João vai participar nos lucros em 40%,
está-se a estipular um direito especial ao lucro válido, pois o A. 22º/1 CSC indica que a proporção, que é
a regra, pode ser afastada por convenção em contrário.
-Quanto ao número de votos, afere-se que ele tem mais 400.000 votos na
AG. Regra geral, esquecendo esta cláusula, João teria 1 voto por cada cêntimo no valor nominal na quota
(A. 250º/1 CSC). Com efeito tem de se ver qual o valor nominal da quota, ou seja 20% de 10 000, o que
equivale a 2 000 € (este é o valor nominal da quota). Ora, 2 000 € são 200 000 cêntimos, o que equivale a
200 000 votos
-Vendo o enunciado, verifica-se que se confere 400 000 votos
consagrando-se um direito especial, em particular, um direito de voto duplo (A. 250º/2 CSC) que é
proibido nas sociedades anónimas. Contudo, temos de ver se estamos dentro dos limites definidos pelo
artigo acabado de referir, sendo que o limite é não se poder ultrapassar o limite de 20 % do capital. Aqui
não há problema. A razão de ser deste artigo é conferir uma melhor posição de conformação das
deliberações aos sócios minoritários.

-Relativamente aos direitos especiais aqui abordados, são em princípio


admissíveis seguindo o regime do A. 24º/5 + 55º CSC.

-Quanto à alínea c):


-Aqui consagra-se o direito de veto porque nenhuma deliberação poderá
ser aprovada com o voto desfavorável de Marcelo. Mas isto é possível? Vendo o A. 250º/1+ 2 CSC, parece
imperativo que 1 cêntimo equivale a 1 voto (regra) e logo a seguir afere-se que é, no entanto, permitido
que o contrato de sociedade atribua, como direito especial, 2 votos por cada cêntimo de valor nominal da
quota ou quotas de sócios que, no total, não ultrapasse 20 % do capital com o limite. Isto é o único cenário
permitido aqui. Ora, ao se estabelecer um direito de veto vai-se além do direito de voto duplo. Assim,
a cláusula seria inválida e considerada como não escrita.
-NOTA— Existe a possibilidade do A. 265º/2 CSC, no capítulo relativo às
alterações do contrato das sociedades por quotas, onde é permitido estipular no contrato que este só pode
ser alterado com um voto favorável de um determinado sócio. Esta exigência de um voto de um sócio para
aprovação da alteração do contrato de sociedade, comporta um direito de veto, porém este é um direito
que apenas pode ser previsto para este caso em específico e não para as deliberações em geral.

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4. Em assembleia geral convocada por Rita, e de cuja ordem de trabalhos constava
unicamente esse ponto, foi deliberada uma alteração ao contrato de sociedade pela qual foram
suprimidos os direitos especiais conferidos a João. A deliberação foi aprovada com os votos favoráveis
de Rita e de Marcelo, tendo este recusado, na qualidade de presidente da mesa, contabilizar os votos de
João, por entender que este se encontrava em situação de conflito de interesses com a sociedade e, por
essa razão, impedido de votar. Quid iuris?

-Primeiramente, Rita tem competência para convocar uma AG? Segundo o A.


248º/3 CSC, a convocação das AG’s compete a qualquer gerente. Assim, aqui não há nenhum
problema.
-Em 2º lugar, relativamente à aprovação de uma alteração ao contrato na qual
suprimiram-se direito especiais, sendo que esta foi aprovada com os votos favoráveis de Rita e de Marcelo
(e João não votou), invoca-se o A. 24º/5 CSC na medida em que não exista preceito no contrato de
sociedade que afasta esse regra ou norma especial na legislação, exige-se sempre o consentimento do sócio
para efeitos de suprimir o seu direito especial (sob pena de, na falta desse consentimento, ineficácia geral,
ou seja, em relação a todos os sócios→ A. 55º CSC). Deste modo, se João não deu o seu consentimento a
deliberação é ineficaz pra todos os sócios.
-NOTA— Fazer remissão: A. 24º/5→ A. 55º CSC
-Porém, o Presidente da Mesa recusou-se a contabilizar os votos de João por
entender que este se encontrava em conflito de interesses e por isso impedido de votar. Ora, o A. 251º/1
CSC aborda os impedimentos de voto e a situação de conflito de interesses, mas não se verifica em
nenhuma alínea que abarque a nossa hipótese. Contudo, a palavra “designadamente” dá a entender que
podem existir outras situações que configurem conflitos de interesses.
-Mas, a partir do momento em que a lei exige o consentimento do sócio
não faz sentido em falar em impedimento de voto? Não. Assim, esta deliberação além de ineficaz poderia
ser, pode ter vedado o direito de votar a um sócio que tem o direito de votar, nula ou anulável (A. 56º e
58º CSC). Como nada se refere a esta situação no A. 56º CSC não parece haver nulidade, mas se se impede
um sócio de votar quando ele tinha direito de o fazer, há a violação de uma disposição da lei pelo que há
pelo menos anulabilidade (A. 58º/1/a CSC).

52
Ficha de trabalho n.º 6

-José (10%) constituiu em 2018, conjuntamente com Catarina (10%), Alexandra (10%), David
(10%) e Sofia (60%), a Luxus fusco, S.A., com um capital social de 175.000€. A sociedade dedica-se à
venda de bebidas em espaços noturnos de dança e de espetáculos ocasionais. José, Catarina, Alexandra
e David entraram cada um com 17.500€ e Sofia com o direito de utilização de uma loja, que foi avaliado
em €200.000. Alexandra e David, irmãos, diferiram, cada um, 15.000€, até ao recebimento da herança
da sua avó Clotilde, ainda viva e de boa saúde, tendo entregado 2.500€ no ato constitutivo.
1. Pronuncie-se sobre a validade do diferimento das entradas.

-Como introdução, note-se que nas sociedades anónimas o regime de diferimento


de entradas é ligeiramente diferente ao das sociedades por quotas. Contudo, a mesma lógica aplica-se,
fazendo-se 3 questões: A entrada pode ser diferida? Podendo ser diferido, qual é o montante que pode
ser diferido? Podendo esse montante ser diferido, até quando é que se pode fazê-lo?
-Com efeito, recorde-se que nas sociedades por quotas apenas se exige a
realização de 1 € que até pode ser realizado até final do primeiro exercício económico, sendo que tudo o
resto pode ser diferido.
-Não obstante, nas sociedades anónimas, falando-se de entradas em dinheiro sabe-
se que estas podem ser diferidas nos termos do A. 26º/3 CSC. Relativamente ao montante admissível,
veja-se o A. 277º/2 CSC que afere que nas entradas em dinheiro só pode ser diferida a realização de 70%
do valor nominal ou do valor de emissão das ações (não podendo ser diferido o prémio de emissão), ou
seja, é necessário realizar 30% do valor nominal de cada uma das ações.
-No caso diferiu-se 15 000 €. Sendo o valor das entradas em 17 500 €, eles
diferiam 86% (15 000 a dividir por 17 500 = 86%). Logo, isto não é admissível sendo que não liberaram
o mínimo que deviam ter liberado, o que comporta uma causa de nulidade (A. 42º/1/d CSC) que fica
sujeito ao regime da nulidade que é especial em D. Societário pelo que tem legitimados e prazos diferentes,
não esquecendo da particularidade de existirem nulidade sanáveis (mas entende-se que este caso particular
não é sanável).
-Nota interpretativa do A. 277º/2 CSC:
→Aqui podia-se questionar se têm, cada sócio, de realizar 30% do
valor da sua entrada ou se bastaria que esses 30% do capital social estivessem realizados globalmente. O

53
entendimento maioritário é aquele que defende, ao abrigo da igualdade entre sócios e de evitar a entrada
de sócios menos precavidos/interessados, que os 30% dizem respeito a cada sócio e a cada ação que seja
titular.
→Paulo de Tarso questiona-se se um sócio que não tem capacidade
financeira de realizar 30% do valor nominal da sua ação de momento pode ou não ver esta situação
assegurada por um outro sócio. Esta situação é de admitir até porque é algo entre eles.

-Agora, imaginando que não havia nenhum problema ao nível do montante que foi
diferido, teríamos de ver até quando esse montante poderia ser diferido. Nas sociedades anónimas é
possível diferir os 70% do valor nominal das ações até 5 anos (A. 285º CSC), se não tiver previsto um
outro prazo. Assim, não estando estipulado um prazo a sociedade vai interpelar o devedor, fixando um
prazo, a pagar (A. 777º CC). Só neste momento existirá mora.
-Mas, segundo o A. 285º/2 CSC, mesmo fixado um prazo dentro dos 5 anos,
não há mora automaticamente decorrido o prazo. Ou seja, exige-se para que exista mora do acionista que
haja interpelação da sociedade para efetuar o pagamento. Findo esse prazo, sem que o sócio pague, os
administradores vão avisar os acionistas de que eles se encontram em mora concedendo um novo prazo
de pagamento (2ª interpelação; A. 285º/4 CSC), sob pena de perderem a favor da sociedade as ações em
relação às quais a mora se verifica.
-Apesar da letra da lei dar a entender a existência de uma perda automática,
isto tem de ser deliberado pelos sócios (A. 317º/3/f + 319º CSC) porque isto é uma aquisição de ações
próprias.
-Lendo o A. 285º/4 CSC, nas sociedades anónimas o incumprimento da
obrigação de entrada acarreta necessariamente a exclusão do sócios? Ora, se houver a tal deliberação
acabada de referir o sócio perde as ações em relação às quais a mora se verifica. Assim, se ele for titular
de várias ações e não houver mora em relação a algumas, continuará a ser acionista. Assim, não.
-Note-se que a mora relativa ao cumprimento das entradas está associada a
várias sanções em relação às ações cuja mora se verifica: perda do direito de voto (A. 384º/4 CSC); A.
27º/4 CSC; A. 27º/6 CSC.

2. Da convocatória para a Assembleia Geral de março de 2019, na qual estiveram


presentes todos os sócios, não constou o local em que a mesma teria lugar, tendo sido realizada, como de

54
costume, na sede social. Imagine que, àquela data, Sofia, que concordou que a assembleia deliberasse
sobre os assuntos constantes da ordem do dia, o havia procurado no sentido de saber se poderia impugnar
a deliberação de não distribuição dos lucros que havia sido aprovada.
a. O que lhe diria?

-O caso refere que da convocatória não constou o local em que a mesma


teria lugar, sendo que era necessário (A. 377º/5/b CSC). Se o conteúdo mínimo da convocatória falhou e
não havendo menção ao local estaríamos perante uma deliberação perante uma AG não convocada (A.
56º/2 CSC) o que acarreta a nulidade da deliberação (A. 56/1/a CSC), mas apenas se não se verificar a
parte final (“… tomadas em assembleia, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou
representados.”). Ora, neste caso a última parte do artigo foi respeitada não havendo problema.
-Contudo, imaginando que a última parte não tinha sido respeitada
estaríamos de facto perante uma nulidade. Acontece que isto é a interpretação literal da norma e existe
uma outra interpretação. Ora, a AG ocorreu na sede social, mas a regra é que ocorram na sede da sociedade
(A. 377º/6/a CSC)→ neste sentido, existem autores que fazem uma interpretação restritiva do A. 56º/2
CSC, dizendo que quando as AG’s sejam realizadas no local em que são por via de regra, o sócio deve
poder antecipar que a reunião será realizada lá, sendo que defendem que não é de considerar uma nulidade
apesar da letra da lei.
-Ainda assim, no nosso caso tínhamos todos os sócios presentes
sendo que mesmo que seguíssemos a interpretação literal teríamos nulidade da deliberação? Não,
porque todos estavam presentes. Poderíamos era estar perante um vício de anulabilidade (A. 58º/1/a CSC),
que pode ser sanado através da assembleia universal (A. 54º CSC) que necessita da presença de todos os
sócios + todos manifestem a vontade de que a assembleia se constitua + e que todos manifestem a vontade
que a assembleia delibere sobre determinado assunto.
-Se estes 3 pressupostos estivessem verificados já não haveria
anulabilidade. Ainda assim, Sofia questiona se o facto de se afastar o vicio da falta/insuficiência da
convocatória afasta a possibilidade dos sócios impugnarem a deliberação por outro motivo? Não, não
é possível porque as assembleias universais afastam/sanam o vício relativamente à convocatória. Assim,
o facto de aferirmos que não há nulidade porque estavam todos presentes não afasta Sofia de impugnar a
deliberação com base noutros vícios.

55
b. E se, em alternativa, tivesse faltado a publicação da convocatória, i) porque o
Presidente da Mesa decidiu, ao invés, telefonar a cada um dos sócios, e ii) sendo que David decidiu não
comparecer?

-Aqui o Presidente da Mesa em vez de publicar a convocatória nos termos


referidos na ficha anterior, decidiu telefonar a cada um dos sócios e David decidiu não aparecer.
-Primeiramente, o A. 377º CSC indica que a convocatória numa sociedade
anónima deve ser publicada, mas o A. 377º/3 CSC indica que é possível que o contrato de sociedade
possa exigir outras formas de comunicação (p.e., cartas registadas, e-mails com recibo de leitura). Neste
caso temos uma convocatória que não segue a regra. Ora, o A. 56º CSC não indica nulidade nesse sentido,
pelo que as fronteiras entre a nulidade e a anulabilidade exigem que façamos, aqui, um trabalho de
interpretação e distinção de situações diferentes:
1ª situação→ O Presidente da Mesa comunicou por telefonema e
todos os sócios vieram→ Aqui podemos afastar a nulidade pelo que podemos ter no máximo uma
anulabilidade porque não se cumpriu a forma da convocatória (A. 58º/1/a CSC). Ainda, se todos estavam
presentes era possível sanar o vício por via das assembleias universais
2ª situação→ O Presidente da Mesa comunicou por telefonema e o
sócio tem conhecimento, mas não comparece (é o nosso caso)→ Aqui não temos todos os sócios presentes
porque falta David, mas a partir do momento em que ele tem conhecimento a finalidade da convocatória
foi cumprida. Assim, não parece lógico aplicar aqui a nulidade e no máximo temos a anulabilidade (A.
58º/1/a CSC).
3ª situação→ O Presidente da Mesa comunicou por telefonema, mas
o sócio não sabe e não está presente→ Aqui a finalidade da convocatória não foi cumprida e como tal
estamos perante uma AG não convocada e como tal temos uma nulidade.

3. Do contrato ficou a constar que o Conselho de Administração seria composto por 3


administradores, entre os quais Alexandra. Catarina desafiou recentemente Alexandra para aceitar
cumular as funções de administradora na Copos e copadas, S.A., com o mesmo CAE (Código de Atividade
Económica), e onde a primeira já exerce essas funções. Nesse sentido, foi convocada Assembleia Geral

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extraordinária, para efeitos de deliberar autorizar Alexandra a exercer aquelas funções. Aprecie as
seguintes situações:
a. Alexandra entende que tem todo o direito a estar presente na Assembleia Geral e a
votar, na referida deliberação.

-Aqui estamos a tratar da obrigação legal da não concorrência (A. 398º CSC para
as sociedades anónimas), mas o A. 398º/3 CSC prevê a necessidade de autorização da AG para que os
administradores possam exercer por conta própria ou alheia atividade concorrente da sociedade ou exercer
funções em sociedade concorrente ou ser designados por conta e em representação desta (para estas 3
hipóteses exige-se deliberação da AG).
-Note-se que o conceito de atividade concorrente tem de ser densificado
com o recurso ao A. 254º/2 CSC (porque o A. 398º/5 CSC remete para este artigo) que refere que é uma
atividade concorrente qualquer atividade abrangida no objeto desta, desde que esteja a ser exercida por
ela ou o seu exercício tenha sido deliberado pelos sócios, sendo que o nosso legislador não consagra uma
obrigação de exclusividade→ apenas consagra uma obrigação de não concorrência que visa evitar
potenciais conflitos de interesses. No nosso caso, como estamos sociedades com o mesmo CAE, estamos
por atividade concorrente, sendo necessária autorização do A. 398º/3 CSC através de deliberação da AG
por maioria dos votos emitidos nas sociedades anónimas (A. 386º/1 CSC; se fosse uma sociedade por
quotas veja-se o A. 250º/3 CSC).
-Posto isto, temos de distinguir os direitos dos sócios: direito a estar presente em
AG e direito de voto na AG.
1— Quanto ao direito a estar presente em AG (A. 379º/1+ 2 CSC)→ sendo
que pode participar na AG os acionistas que segundo a lei e o contrato tenham direito a, pelo menos, 1
voto. Contudo, atenção que os acionistas que não tenham direito de voto têm o direito de participar na
AG, se algo contrário não resultar do contrato.
2— Quanto ao direito de voto na AG→ aqui falamos de uma deliberação
cujo objetivo é autorizar o administrador acionista a exercer funções em sociedade com o mesmo objeto.
Ora, importa o A. 384º/6 CSC que indica que um acionista não pode votar nem por si, nem por
representante, nem em representação de outrem em 2 situações: quando a lei o proíba; ou quando
estejamos perante uma deliberação que indica sobre qualquer uma destas 4 alíneas. Não havendo
fundamento na lei e nem estando nós perante nenhuma das alíneas poderíamos concluir que esta norma

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parece taxativa. O direito de voto é um direito fundamental dos sócios (A. 21º CSC) e por isso, sendo a
norma taxativa, não devemos interpretar de modo a consagrar um impedimento de voto que o legislador
expressamente não consagrou (é tao taxativa que a doutrina entende que o contrato não deverá poder
prever mais impedimentos do que os previstos).
-Coutinho de Abreu indica que importa o A. 251º/1/e CSC na
medida em que se formos ao regime das sociedades por quotas e aos impedimentos, o A. 251º/1/e CSC
prevê o impedimento do sócio em votar nas deliberações do A. 254º/1 CSC, que é o nosso caso por
analogia→ ou seja, segundo Coutinho de Abreu, Alexandra estava impedida de votar por aplicação
analógica deste regime.
-Caso não seguíssemos a posição de Coutinho de Abreu, podíamos
entender que havia uma deliberação abusiva (A. 58º/1/b CSC). Contudo, temos de distinguir os
impedimentos de voto enquanto mecanismo preventivo, das deliberações abusivas que são um mecanismo
reativo que está sujeito a condições e pressupostos muito restritivos e a um ónus da prova muito difícil de
conseguir.

-Questão: E se Alexandra, estando impedida de votar, vota na mesma? O voto é


nulo por violar uma norma imperativa. Contudo, a verdadeira questão é saber a repercussão disso numa
eventual deliberação de autorização. Será anulável segundo o A. 58º/1/a CSC? Ou será uma mera
irregularidade que implica recontar os votos?
-Em princípio, aplicamos a prova de resistência, ou seja, perguntamos se
descontados os votos de Alexandra, ainda assim a maioria mantem-se ou não preenchida. Se sim, não há
motivo de impugnação da deliberação, porque o resultado seria o mesmo (há uma mera irregularidade).
Se não, há anulabilidade (A. 58º/1/a CSC).
-Isto esta relacionado com a relevância do vicio.

b. João, apercebendo-se de que Catarina estaria a exercer funções na Copos e copadas,


S.A. sem o consentimento da Luxus fusco, S.A. pretende, hoje, requerer a inclusão de um novo assunto na
ordem do dia, relativo à deliberação de destituição de Catarina. c. Tendo verificado o teor da ordem de
trabalhos, João decide enviar ao Conselho de Administração uma missiva pela qual solicita informações
relativas aos negócios que a sociedade celebrou, no último ano, com sociedades concorrentes.

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-Aqui temos uma situação em que não houve consentimento da sociedade para
o exercício da atividade concorrente pelo acionista. Não obstante, não ser esse o objeto fundamental da
questão, podemos questionar-nos se se aplica também aqui a possibilidade do A. 254º/4 CSC ou não.
-Ora, o A. 254º/4 CSC tem que ver com a presunção de consentimento (quando
uma maioria de sócios conhecem esse exercício anterior, é de presumir que há o consentimento para o
efeito), pelo que poder-se-ia questionar se: em sede de sociedades anónimas o consentimento presumido
aplica-se também neste caso? No A. 398º/5 CSC, o legislador não remeteu para o A. 254º/4 CSC (e antes
da reforma de 2006, esta remissão incluía expressamente o nº4, e deixou de incluir). No entanto, existe
doutrina por parte de Soveral Martins na medida em que entende que não faz sentido num caso em que
essa maioria de acionistas tem conhecimento do exercício da atividade concorrente e decide, p.e., não
destituir o administrador quando o poderia ter feito se considerasse que estivesse contra esse exercício,
também aqui se pode retirar um consentimento presumido ou no mínimo tácito.

-Aqui, neste caso, estamos é a analisar a um direito dos sócios (do acionista) a
requerer a inclusão de assuntos na ordem do dia (A. 378º/1 CSC que remete para o A. 375º/2 CSC).
Ora, é necessário ser titular de pelo menos 5% do capital social (José tem 10 % do capital) + e preencher
os requisitos do A. 378º/2 CSC (necessidade de requerimento dirigido por escrito ao Presidente da Mesa
da Assembleia Geral e nos últimos 5 dias seguintes à última publicação da convocatória). Depois, o
Presidente da Mesa da Assembleia Geral pode deferir ou indeferir o pedido, mas se indeferir, o A. 378º/4
CSC diz que os interessados podem requerer judicialmente a convocação de nova AG.
-Qual a deliberação particular em causa? Era a destituição de Catarina. Ora,
imaginando que não houve consentimento presumido, temos um administrador que exerce essas funções
por conta alheia sem ter sido autorizado para o efeito. Deste modo, aplica-se o A. 398º/5 CSC que manda
aplicar por remissão o A. 254º/5 CSC→ ou seja, confere à sociedade o direito a destituir com justa causa
o administrador [destituição que pode acontecer a qualquer momento (A. 403º/1 CSC) e por maioria dos
votos emitidos (A. 396º/1 CSC)].
-Estando nos perante uma deliberação de destituição por justa causa, isto
tem consequências: o administrador não pode requerer indemnização; a sociedade poderá requere
indemnização (A. 72º e ss. CSC).
-Ambos os direitos (destituir o administrador com justa causa +
indemnização) estão sujeitos ao prazo especial de prescrição do A. 254º/6 CSC.

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-Logo, Catarina estaria impedida de votar (A. 384º/6/c CSC). O legislador
previu expressamente apenas o impedimento nas causas de destituição com justa causa não é toda e
qualquer destituição.

c. Tendo verificado o teor da ordem de trabalhos, José decide enviar ao Conselho de


Administração uma missiva pela qual solicita informações relativas aos negócios que a sociedade
celebrou, no último ano, com sociedades concorrentes.

-Está em causa o direito à informação. Para o efeito, releva o A. 291º CSC onde
se estatui um mínimo de 10% de capital social para ter esse direito (repare-se que este mínimo serve para
evitar a devassa da sociedade→ estamos perante sociedades tipicamente abertas sendo que existe uma
elevada dispersão).
-Não confundir este direito à informação com o direito à informação em AG (A.
290º CSC), nem com as informações preparatórias da AG (A. 289º CSC).
-Que informações podem estar em causa neste direito? Temos de distinguir: o
direito à informação (que podemos requerer em qualquer momento da vida da sociedade, esteja ou não
eminente uma AG havendo ou não AG→ de se, p.e., for acionista com 10% do capital posso exercer esse
direito); outra coisa é, em AG, esta a ser tomada uma deliberação, e solicita-se que me sejam dadas
determinadas informações (A. 290º CSC); outra coisa é o conjunto de informações que têm de ser
disponibilizadas para exata formação da vontade quanto a uma AG que vai ocorrer. Isto tudo que foi falado
diz respeito ao direito à informação stricto sensu. Contudo, sabe-se que o direito à informação manifesta-
se em 3 forma diferentes: direito à informação stricto sensu; direito de consulta de documentos; direito de
inspecionar os bens sociais.
-Respondendo à questão, são as informações sobre assuntos sociais (aspetos
financeiros, económicos, jurídicos, atos materiais que a sociedade tenha praticado), pelo que isto exercita-
se através de um pedido formulado por escrito dirigido ao Conselho de Administração (não é perentório
que tenha de ser justificado, mas convém) podendo ser requisitadas informações sobre factos já praticados.
-Depois disto existem 2 hipóteses: ou as informações são prestadas no prazo
previsto para o efeito (15 dias; mas obviamente que se existirem impossibilidades objetivas de fornecer
aquelas informações naquele tempo não se vai recusada) ou não. No nosso caso, não parece haver um

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motivo de recusa de prestação de informação lícita, pelo que não sendo prestada a informação, há recusa
ilícita de informação que está associada a consequências:
-A. 292º CSC→ é fundamento para que o acionista requeria
inquérito judicial à sociedade
-responsabilidade civil (A. 72º+ 77º CSC);
-responsabilidade criminal (A. 518º+ 519º CSC);
-A. 291º/7 CSC→ não obstante se exige aos acionistas que detenham
pelo menos 10% do capital para exercer o direito à informação, sendo que este artigo refere “As
informações prestadas, voluntariamente ou por decisão judicial, ficarão à disposição de todos os outros
acionistas, na sede da sociedade” (ideia de igualdade de tratamento e tutela das minorias).

Ficha de trabalho n.º 7

-Em março de 2017, Maria, João, Francisco e Pedro constituíram uma sociedade cujo objeto
consiste na comercialização de coletâneas de legislação, em formato e-book. O capital da Law4all, Lda.,
no valor de €500 foi repartido em quatro quotas, na proporção das entradas de cada sócio, sendo que
Maria e Francisco entraram, cada um, com €1.000; João com €2.000 e Pedro com €400.
1. Determine quantos votos cabem a cada um dos sócios.

-Repara-se que vamos ter um património social muito superior ao capital social
(sendo que a diferença ente o valor do património social inicial e o capital social tem o nome de ágio, que
segue o regime das reservas legais, isto é, vai apenas ser utilizado para as finalidades do A. 296º CSC e
não poderá ser distribuída aos sócios, visto que é uma cifra vinculada a um fim específico), mas o inverso
já não é permitido (A. 25º CSC)
-Quanto à questão, em regra, numa sociedade por quotas o voto conta-se de forma
capitalística: 1 cêntimo no valor nominal da quota = 1 voto (A. 250º/1 CSC). Ora, nesta lógica, qual o
valor nominal? O enunciado diz que as quotas têm valor proporcional ao das entradas de cada sócio. Qual
a percentagem dessa proporção? Temos de ver quanto é que vale a entrada de cada sócio no computo
total das entradas para chegar a uma proporção (que é a proporção que vai distinguir cada um deles).
Depois, aplicamos essa proporção ao valor do capital social para chegar ao valor nominal.

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-Começando pela proporção/percentagem que cada sócio representa no total das
entradas: o património social inicial é de 4400 € (1000 €+ 1000 €+ 2000 €+ 400 €). De seguida, fazemos
a proporção de cada uma das entradas nesse total:
-Maria e Francisco têm uma proporção de 1000 € sobre 4400 €. Ora, 1000
€ a dividir por 4400 €= 23%
-João entrou com 2000 €. Ora, 2000 a dividir por 4400= 45 %
-Pedro entrou com 400 €. Ora 400 a dividir por 4400= 9%
Tendo as proporções feitas, temos de aplicar a proporção ao valor do capital social
para saber qual o valor nominal das suas quotas:
-23% de 500 (0. 23 x 500)= 115 €
-45% de 500 (0. 45 x 500)= 225 €
-9% de 500 (0.09 x 500)= 45 €
-Ora, se se conta 1 voto por cada cêntimo do valor nominal:
-115 € são 11500 cêntimos= 11500 votos
-225 € são 22500 cêntimos= 22500 votos
-45 € são 4500 cêntimos= 4500 votos
-Por fim, temos 50000 votos de total.

2. Em assembleia geral regularmente convocada, e na qual todos os sócios estiveram


presentes, foi deliberado, com os votos favoráveis de Francisco, Maria e João, que:
a. o acesso por parte dos sócios à escrituração e livros da sociedade passa a
pressupor um requerimento dirigido à Gerência com uma antecedência mínima de 15 dias;
b. o acesso pode ser indeferido caso o sócio não consiga aduzir argumentos e
motivos fortes para a referida consulta;
c. da decisão de indeferimento cabe recurso para a Assembleia geral, ficando
vedado o recurso às vias judiciais;
d. todos os sócios ficam obrigados a servir de garantes, como fiadores ou avalistas,
em quaisquer dívidas da sociedade, superiores a €1.000;
e. a sociedade passa a poder exigir dos sócios prestações suplementares até um
montante global de €10.000, na proporção das respetivas participações sociais.
-Pronuncie-se sobre a validade das referidas deliberações.

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-Estamos perante um conjunto de deliberações, sendo que temos de apreciar
a sua validade. Note-se que não iremos nesta ficha verificar todo o regime relativo às deliberações por
ainda não ter sido lecionado. Ora, então o que vai ser abordado é a sua substância.
-Neste caso, não se falaremos da convocação da AG, nem do quórum
porque segundo o enunciado não existem problemas. Relativamente aos votos favoráveis de Francisco,
Maria e João, estes têm 91% dos votos correspondentes ao capital social, sendo que em princípio ao nível
do quórum deliberativo [porém, em algumas situações podemos deparar-nos com deliberações
modificativas (ou seja, de alteração ao pacto que tem regras especiais) e há casos em que é necessário o
consentimento de determinado sócio].

-Quanto à alínea a)→ Está em causa o direito à informação, em particular o direito


de consulta (está em causa o acesso à escrituração e livros da sociedade). Nos termos do A. 214º/2 CSC,
é possível regulamentar o âmbito e o modo de exercício do direito à informação direito, mas com 2 limites:
não pode tornar o direito inoperante (se é estabelecido um determinado procedimento para o exercício do
direito, não se pode com ele aniquilar por completo o âmbito do direito) + o âmbito do direito não pode
deixar de parte direitos que têm de estar previstos (p.e., excluir a consulta que tenha por fim julgar a
exatidão dos documentos de prestações de contas).
-Questão: Será que o A. 214º/2 CSC permite a regulamentação apenas do
direito à informação stricto sensu ou será que se estende ao direito de consulta e inspeção? O
entendimento maioritário é que está em causa qualquer uma das 3 dimensões e cada uma delas pode ser
regulamentada no contrato de sociedade, pelo que podemos afirmar que esta deliberação teria de ser de
uma deliberação de alteração ao contrato, que tem particularidades: maioria qualificada (de 75% dos votos
correspondentes ao capital social) + a convocatória tem de incluir alguns elementos como as cláusulas se
quer modificar/suprimir/adiantar (neste caso, é uma cláusula a aditar). Para o efeito, veja-se o A. 377º/8
CSC (norma das sociedades anónimas que se aplica às sociedades por quotas por remissão).
NOTA— Remissão A. 377º/8 → A. 58º/1/c + 58º/4 CSC. Esta
remissão afere-se a um caso de vício das deliberações, precisamente aquelas que não tenham sido
precedidas de fornecimento ao sócio dos elementos mínimos de informação; já no outro artigo, o legislador
indica que se consideram-se elementos mínimo de informação as menções exigidas no A. 377º/8 CSC.

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-Ora, no fundo, o que se quer dizer aqui é que se estamos presente
algo que tem que estar previsto no contrato, a deliberação tem ser necessariamente uma deliberação de
alteração do contrato que tem estas particularidades
-Posto isto, quanto ao conteúdo, exige-se um requerimento à Gerência com
antecedência mínima de 15 dias para se ter acesso por parte dos sócios à escrituração e livros da
sociedade→ estamos no âmbito do A. 214º/2 CSC. É uma regulamentação legítima que não torna
inoperante o exercício do direito.

-Quanto à alínea b)→ aqui consagramos que o acesso pode ser indeferido caso o
sócio não consiga aduzir argumentos fortes para a consulta (a contrario, exige-se que o sócio aduza
motivos fortes para a consulta). Ora, parece estar-se a conferir um gerente um poder de apreciação
demasiado amplo, impedindo exercício efetivo (torna o direito inoperante). Repara-se que o A. 215º CSC
consagra os motivos que se entendem válidos para uma recusa de prestação de informação, de forma
taxativa→ sendo que parece que esta deliberação modificativa do contrato neste sentido não seria
admitida.

-Quanto à alínea c)→ é legítimo consagrar uma espécie de duplo grau de


jurisdição no meio societário (não há nada a opor a isso; são mecanismos internos que possibilitem
reações face a uma decisão da gerência neste sentido)
-Quanto à 2ª parte: o A. 216º CSC prevê: “sócio a quem tenha sido recusada
a informação ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa
pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade”, ou seja, o direito à ação (aqui, pela possibilidade de
requerer inquérito judicial) é um dos direitos fundamentais dos sócios→ sendo que para além do A. 216º
CSC, o facto do legislador, em sede de recusa de prestação de informação, consagrou anulabilidades
específicas (o A. 58º/1/c CSC; e o A. 290º/3 CSC que refere que quando haja a recuso ilícita de prestação
de informações em AG a deliberação é anulável, que é aplicável às sociedades por quotas, via A. 214º/7
CSC).
-Destas normas podíamos retirar que o legislador consagrou
expressamente o direito à ação dos sócios, pois só assim ele pode reagir contra ofensas ao seu direito a
informação. Além de que, havendo responsabilidade civil e criminal, como é que ele podia agir? Por
recurso à via judicial

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-Assim, esta 2 parte seria inválida: se tivéssemos uma cláusula ela
seria reduzida a esta parte; se fosse uma deliberação, seria invalida nesta parte.
-Quanto à alínea d)→ está em causa uma obrigação de prestação acessória (diz-
se que todos só sócios ficam obrigados a servir de garantes, como fiadores ou avalistas, em quaisquer
dívidas da sociedade, superiores a 1 000€). Estas são um adicional à obrigação de entrada e não vai majorar
a posição desse sócio em relação aos outros. Este tipo de obrigações pode assumir conteúdos variados,
mas tem um conteúdo típico.
-Relativamente às sociedades por quotas veja-se o A. 209º CSC, sendo que
temos de determinar os elementos essenciais da obrigação + especificar se devem ser efetuadas onerosa
ou gratuitamente.
-A regra nas obrigações de prestações acessórias ou suplementares é que
tem de haver previsão contratual. Contudo, teria de se tratar aqui de uma deliberação de alteração ao
contrato que segue regras particulares, nomeadamente para efeitos:
→ de maioria/quórum deliberativo necessário (A. 265º CSC);
→ requisitos da convocatória (A. 367º/8 CSC, mas podem existir
outros artigos);
→ e não esquecer que existem determinados casos em que termos
que usar as normas gerias, pelo que temos 2 normas que tratam da alteração do contrato: o A. 85º e 86º
CSC. Daqui retira-se que numa deliberação modificativa, precisamente no A. 86º/2 CSC, se envolver uma
alteração envolver o aumento das prestações impostas pelo contrato (que é o nosso caso) esse mesmo
aumento é ineficaz para os sócios que nele não tenham consentido.
-No nosso caso, tendo a votação sido deliberada com os votos favoráveis de
Francisco, Maria e João, podemos aferir que nunca Pedro ficaria obrigado por esta alteração (a menos que
a ratificasse posteriormente).

NOTA— Na prática, admite-se as prestações acessórias atípicas (criadas


por mera deliberação dos sócios, sem necessidade de alteração do contrato). Mota Pinto entende que a
partir do momento em que permitimos deliberar uma alteração ao contrato pela qual se introduz esta
obrigação de prestações acessórias, também é possível consagrar uma obrigação de prestações acessórias
por mera deliberação (a especialidade dessa deliberação é que não se imporá essa deliberação aos sócios
que nela não tenham consentido).

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-Se estivéssemos perante uma obrigação de prestação acessória típica
(consagrada no contrato), teríamos de considerar o conteúdo mínimo dessa cláusula contratual. O A. 209º
CSC diz-nos que temos de verificar os elementos essenciais e prever se a prestação é onerosa ou gratuita
(se não for prevista a onerosidade ou gratuitidade da prestação, tentaremos determinar isso por
interpretação; ou tentamos descobrir qual o contrato em causa e tentar perceber se a prestação é onerosa
ou não. Se não conseguirmos por nenhuma destas vias, Coutinho de Abreu afere que a cláusula é nula por
violação de uma norma legal imperativa).

-Quanto à alínea e)→ As prestações suplementares estão previstas para as


sociedades por quotas no A. 210º CSC e estando perante este tipo de prestações, em similitude com as
prestações acessórias, é que necessária cláusula contratual no sentido de prever estas prestações.
-Contrariamente às prestações acessórias (que podem ter qualquer tipo de
conteúdo), as prestações suplementares têm sempre, e necessariamente, dinheiro por objeto (A. 210º/2
CSC). O objetivo destas prestações é garantir um financiamento adicional sem necessidade de interferir
com o capital social (confere flexibilidade). Importa para o efeito o A. 213º CSC que indica: “As
prestações suplementares só podem ser restituídas aos sócios desde que a situação líquida não fique
inferior à soma do capital e da reserva legal e o respetivo sócio já tenha liberado a sua quota”; no A.
213º/3 CSC, refere ainda que as prestações suplementares respondem por dívidas sociais (porque não
podem ser restituídas depois de declarada a insolvência); o incumprimento das prestações suplementares
equipara-se ao incumprimento da obrigação de entrada (A. 212º ex vi A. 204º e 205º CSC); e não podem
ser restituídas de forma certa (A. 210º/5 CSC).
-Ora, explanadas as características das prestações suplementares,
relativamente ao caso prático temos 2 hipóteses:
1— ou o contrato já previa estas prestações e no caso temos uma
deliberação de exigibilidade das prestações→ isto porque diferentemente das prestações acessórias, nas
prestações suplementares não basta a previsão contratual. Para as prestações suplementares é preciso
previsão contratual + haver uma deliberação [A. 211º CSC; só com esta deliberação é que nasce o crédito
da sociedade; é aprovada por maioria simples. tem 2 requisitos: não pode ser tomada antes de interpelados
todos os sócios para integral liberação das suas quotas de capital (A. 212º/2 CSC; pois se ainda tenho

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sócios que não liberaram as suas quotas, não vou exigir as prestações complementares) + não podem ser
exigíveis depois da sociedade ter sido dissolvida].
2— ou o contrato já previa estas prestações e no caso temos uma
deliberação modificativa do contrato para incluir esta cláusula no pacto social→ aqui importa o A. 210º/3
CSC que indica que o contrato que preveja prestações suplementares fica que: se exige a fixação do
montante global (está prevista no nosso enunciado; A. 210º/3/a; o A. 210º/4 CSC diz que esta menção é
sempre essencial→ isto é, é uma norma imperativa e a sua falta gera nulidade); os sócios ficam obrigados
a efetuar as prestações (A. 210º/1/b CSC); o critério de repartição das prestações suplementares entre os
sócios a elas obrigados (A. 210º/3/c CSC)
-Se as duas últimas alíneas não se verificarem não há vicio
porque o legislador no A. 210º/4 CSC estabelece o regime supletivo na medida em que “… faltando a
menção referida na alínea b), todos os sócios são obrigados a efetuar prestações suplementares; faltando
a menção referida na alínea c), a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota de capital”.
-Qual o problema desta 2ª hipótese? Neste caso teríamos de
ter em atenção às exigências especiais (maioria qualificada, requisitos da convocatória e afins)

-Imaginando que estava em causa uma alteração introduzida na ordem de


trabalho e estavam cumpridos os requisitos da convocatória e maioria qualificada→ tenha-se em atenção
ao A. 86º/2 CSC que é uma regra de proteção do sócio minoritário. Repare-se que nas prestações
suplementares essa proteção do sócio é ainda mais premente pelo incumprimento destas prestações ter
consequências tão gravosas como as do incumprimento da obrigação de entrada. Assim, Pedro, se
estivéssemos perante uma deliberação de alteração ao contrato, podia invocar esta norma para não ficar
obrigado (mas se fosse uma deliberação de exigibilidade basta a maioria simples porque já está previsto
no contrato)

3. No dia 20 de abril de 2021, teve lugar uma assembleia geral extraordinária, cujo único
ponto da ordem de trabalhos consistia na exclusão de Pedro da sociedade, com fundamento no facto de
«estar constantemente a gerar desacatos com os outros sócios». A proposta de deliberação foi aprovada
por João e Francisco. Pedro pretende impugnar a deliberação com os seguintes fundamentos:
a. a exclusão de sócio, consistindo numa alteração do contrato, exige que o aviso
convocatório obedeça a um conjunto de formalidades que não foram cumpridas;

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b. a sanção da exclusão é, de qualquer forma, ilegal.

-Quanto à alínea a)→ Estamos perante uma situação de exclusão de um


sócio e este sócio pretende impugnar a deliberação na medida em que entende está em causa uma
alteração ao contrato (logo, o aviso de convocatória deveria obedecer às formalidades do A. 377º/8 CSC,
sob pena de anulabilidade da deliberação segundo o A. 58º/1/c+ 4 CSC; ter em atenção à questão da
maioria qualificada). Ora, o que Pedro refere é que se ele for excluído, há uma alteração ao contrato porque
este menciona quem são os sócios e está la o nome dele. Logo, se ele for excluído é necessária uma
alteração ao contrato. Deste modo, não se pode adotar uma simples deliberação de exclusão, sendo
necessário uma deliberação de alteração do contrato (que está sujeita a requisitos de convocatória; formais;
e de maioria).
Veja-se a regra geral no A. 85º CSC: “1— A alteração do contrato
de sociedade, quer por modificação ou supressão de alguma das suas cláusulas quer por introdução de
nova cláusula, só pode ser deliberada pelos sócios, salvo quando a lei permita atribuir cumulativamente
essa competência a algum outro órgão. 2— A deliberação de alteração do contrato de sociedade será
tomada em conformidade com o disposto para cada tipo de sociedade. 3— A alteração do contrato de
sociedade deve ser reduzida a escrito…”→ Ora, temos de distinguir o que fica sujeito ao regime de
alteração ao contrato:
-uma coisa é suprimir, aditar ou modificar uma cláusula
contratual; outra coisa é mexer nos sujeitos do contrato (seja por exclusão, seja por transmissão de
participação sociais). Aquilo que fica sujeito ao regime da alteração do contrato em sede de maiorias
qualificadas em sede de procedimento de convocatórias são as modificações objetivas. Ora, aqui neste
caso estamos perante uma modificação subjetiva→ perante isto, haverá sempre uma modificação na quota
(sendo preciso saber qual o destino dado à quota).
-Assim, qual o destino dado à quota no caso de exclusão de um
sócio? No A. 241º/2 CSC indica que “Quando houver lugar à exclusão por força do contrato, são
aplicáveis os preceitos relativos à amortização de quotas.”→ Se formos aos preceitos relativos à
amortização de quotas, o A. 232º/5 CSC indica quais as 3 opções que a sociedade tem para destino da
quota: amortizar; adquiri-la; fazê-la adquirir por sócio ou terceiro;
→Imaginando que a sociedade decide amortizar, a
consequência é a extinção da quota. Se se extingue uma quota, isso pode repercutir-se no capital social,

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pelo que interessa ir ao A. 237º CSC (a regra supletiva é que na sequência da amortização de uma quota
diz este artigo que as quotas dos outros sócios serão proporcionalmente aumentadas. Neste caso, por
razões de segurança jurídica, é comum deliberar qual o novo valor das quotas (não seguindo a maioria
qualificada do A. 265º CSC, mas sim uma simples). Mas o A. 287º CSC consagra outras possibilidades:
redução do capital social (p.e.—uma quota de 5 000 € num capital de 4 000 €, se extingo a quota posso
optar por reduzir o capital para 35 000 € para não aumentar as quotas dos outros sócios) pelo que se está
perante uma alteração do contrato (que segue um regime particular: A. 94º e ss. CSC).
-Em suma, a pura alteração subjetiva em si não configura uma
modificação objetiva que justifique alterar o regime de alteração do contrato. Contudo, se depois da
modificação subjetiva se seguir a amortização e exclusão da quota por via de redução do capital social,
nesse caso estamos perante uma alteração ao contrato, e por isso, temos de aplicar o regime particular dos
A. 94º e ss. CSC.

-Quanto à alínea b)→ A sanção do sócio é ilegal?


-O A. 241º CSC consagra a exclusão de sócios. Ora, o A. 246º/1/c
CSC refere que é da competência dos sócios deliberar a exclusão de sócios (que opera por maioria
simples). Assim, se o sócio foi excluído, estará impedido de votar (A. 251º/1/d CSC).
-Ainda assim, refira-se que o A. 241º CSC indica que o sócio
pode ser excluído com fundamento nos casos referidos na lei, nos casos respeitantes à sua própria pessoa
ou ao seu comportamento fixados no contrato. Deste modo, não basta uma justa causa genérica (é preciso
prever especificamente os comportamentos)→ Neste caso não temos nem normal legal, nem norma
contratual, pelo que nunca podia ser uma deliberação de exclusão nos termos do A. 241º CSC.
-O A. 242º CSC consagra a exclusão judicial de sócios, isto é, “pode
ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente
perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir causar-lhe prejuízos
relevantes”→ ora, a questão reside neste efetivo prejuízo para a sociedade, pelo que não é qualquer
comportamento que será suscetível de exclusão por esta via da exclusão judicial de sócio.
-Por outro lado, os sócios vão deliberar a propositura da ação
de exclusão (A. 242º/2 CSC). A única deliberação que eventualmente poderíamos ter é a deliberação
destinada a propor determinada ação.

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-Deste modo, conclui-se que uma deliberação nos termos da qual se
exclui automaticamente o sócio é uma deliberação nula, por violação de disposição imperativa.

4. Nos três primeiros anos de vida, a sociedade só deu prejuízos, acumulando resultados
transitados negativos de €2.800, tendência essa que apenas se inverteu com o crescente recurso aos meios
digitais, em contexto pandémico, coincidente com o 4.º exercício, no qual a sociedade apurou um
simpático resultado positivo de €5.000. Na Assembleia geral em que se deliberou sobre a distribuição
dos lucros de exercício de 2020, João e Maria aprovaram uma deliberação de reinvestimento de todos os
lucros, não se distribuindo qualquer montante aos sócios naquele exercício. Quid iuris?

-João e Maria aprovaram uma deliberação de não distribuição dos lucros. Esta
deliberação é possível e em que condições é possível? Uma coisa é o direito ao lucro em abstrato, outra
coisa é o dividendo em concreto. Entende-se assim que há certos montantes que não se vão poder
distribuir. Aqui tem de ser perceber qual a situação patrimonial da sociedade e determinar se há ou não
lucros passiveis de serem distribuídos.
-Desde logo note-se o A. 32º e 33º CSC (e posteriormente o A. 218º, 295º e 296º
CSC; não esquecendo de outros no plano das deliberações e consequências do incumprimento dos
preceitos).
-Valores a considerar:
-Capital Social: 500 €
-Património Social Inicial: 4400 € (é a soma das entradas: 2000+ 1000+
1000+ 400= 4400 €)
-Património Social Final (momento em relação ao qual tem de se aferir o
lucro de balanço de 2020) – 6600 € (= 4400- 2800+ 5000)
-Ágios (é correspondente à diferença entre o património social inicial e o
valor do capital social→ sendo que o património social nunca pode ser inferior ao capital social, mas o
contrário já pode acontecer; estes são valores que apenas vão ser utilizados para as finalidades do A.
296º CSC; os ágios não podem ser distribuídos aos sócios): 3900 € (4400- 500), valor este que ficará
(apenas no montante correspondente à reserva legal, no nosso caso de 2500 €→ veja-se explicação infra)
sujeitos ao regime da reserva legal (A. 295º/2/a+ 3 e 296º CSC).

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-Sobre os ágios, importam 2 questões (que são debatidas na
doutrina):
1— saber se contam para efeitos da constituição da reserva
legal (isto é, se havendo-os, os sócios terão de constituir a reserva legal do zero, ou se podem já considerar
o que haja em ágios, e retirar apenas, nos anos em que tal seja possível, o que faltar até que se atinja o
valor da reserva legal. Note-se: ao contrário da reserva legal, os ágios não têm de ser reintegrados);
2— saber se poderão ser utilizados para cobrir prejuízos
acusados no balanço do exercício (A. 296º/a CSC) ou prejuízos transitados que não possam ser cobertos
pelo lucro de exercício (A. 296º/b CSC).
→ Posição a adotar sobre esta divergência: Sim, quanto
a ambas as questões, mas existe necessidade de deliberação. Isto é, na deliberação de aprovação das
contas, os sócios terão de deliberar se pretendem, num determinado exercício com resultados negativos,
que os ágios sejam utilizados para cobrir os prejuízos (A. 296º/a CSC), caso contrário, os prejuízos
transitarão para o exercício seguinte. Se neste exercício, voltarem a verificar-se prejuízos, os sócios podem
deliberar utilizar os ágios para cobertura de prejuízos transitados (A. 296º/b CSC). Se não o deliberarem,
os prejuízos transitarão para o próximo exercício, até que haja lucro de exercício capaz de os cobrir, total
ou parcialmente.
-De igual modo, também para efeitos de saber se o
ágio integra a constituição da reserva legal ou se deverá funcionar como um plus, devendo constituir-se a
reserva legal do zero, deverão os sócios deliberar que o ágio será levado à reserva legal (assim evitando a
necessidade de a constituir do zero).
-Quer isto dizer, para o nosso caso, que, havendo
prejuízos transitados, e havendo lucro de exercício, deverão aqueles ser cobertos pelo lucro de exercício
(A. 33º e 296º/b CSC)→ depreende-se, numa hipótese como a nossa, que os sócios deliberaram, nos
exercícios anteriores, não utilizar os ágios para a cobertura desses mesmos prejuízos.
-Reserva Legal (que é obrigatória): 2 500 € (atento o mínimo imperativo
do A. 218º/2 CSC, sendo que nada nos diz o enunciado quanto à existência de uma reserva estatutária).
-Vistos estes valores, importa considerar, então, o valor do lucro distribuível
em 2020.

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Hipótese A (se não houver ágios, ou se existirem e os sócios não deliberarem a
sua utilização para efeitos de cobertura de prejuízos, em cada um dos exercícios anteriores):
-Em 1º lugar, em 2020 temos um resultado positivo de 5000 € (A. 33º CSC),
sendo que em 2º lugar, termos que retirar ao lucro de exercício o que sejam prejuízos transitados (isto é,
prejuízos que não tenham sido cobertos por lucros de exercícios anteriores), que, no nosso caso, são de
2800 €. Ficaríamos com uma soma de 2200 €. Nos termos do A. 218º, 295º e 296º CSC a sociedade está
obrigada a formar reserva legal (aos 2200 € que sobram, vamos retirar menos 5%= 2090 €).
-Todos os anos em que haja lucro de exercício temos de retirar 5% (a reserva
legal é uma cifra de constituição sucessiva), sendo que este processo se repete anos após anos até
completar a “almofada” de 2500 €.
-O lucro de exercício distribuível em 2020 seria de 2090 €, se não
tivéssemos ágio.

Nota: há que abrir sub-hipóteses, para o caso de existirem ágios, que já


vimos, não foram utilizados na cobertura de prejuízos
→ Sub-hipótese 1: os sócios deliberam a utilização dos ágios para
efeitos de constituição da reserva legal. Como temos ágios no valor de 3900 €, dos quais 2500 € seguem
o regime da reserva legal, não é necessário retirar nada ao valor de 2200 €. Ficamos com €2.200 de lucro
de exercício distribuível. O lucro de balanço é, por sua vez, dado pela seguinte expressão (in casu, não há
reserva estatutária).
Lucro de balanço = PS – (CS + RL e verbas equiparadas +
RE)
Lucro de balanço = 6600 € – (500 €+ 2500€)
Lucro de balanço = 3600 € (o facto de o Lb ser superior ao
lucro de exercício distribuível resulta do facto de, segundo Paulo de Tarso, os ágios apenas ficarem
sujeitos ao regime da reserva legal na parte correspondente ao valor da reserva legal, no nosso caso 2500
€. O restante (isto é, 3900 €- 2500 €= 1400 €) é património que pode ser livremente distribuído. E daí que
nas verbas equiparadas a RL apenas introduzamos 2500 €. Se repararmos, 3600 €= 2200 € (lucro de
exercício distribuível em 2020) + 1400 € (ágios que não ficam sujeitos ao regime da reserva legal e que
podem, portanto, ser distribuídos, sem violação do A. 32º CSC).

72
→Sub-hipótese 2: os sócios não deliberam a utilização dos ágios
para efeitos de constituição da reserva legal. Importa retirar ao remanescente de 2200 € o valor que se
afigure necessário para efeitos de constituição da reserva legal, isto é, aos 2200 €, retirar 5% desse valor
(110 €), ficando com um remanescente de 2090 €. Não havendo reservas estatutárias, seria este o valor de
lucro distribuível. O lucro de balanço (A. 32º CSC) é dado pela seguinte expressão:
Lucro de balanço = PS – (CS + RL e reservas equiparadas +
RE)
Lucro de balanço = 6600 – (500 + 110 + 2.500)
Lucro de balanço = €3.490 (novamente, a diferença face ao
lucro de exercício distribuível justifica-se pelo facto de parte dos ágios não seguir o regime da reserva
legal, podendo ser distribuído)

Hipótese B (há ágios, e os sócios deliberam a sua utilização para efeitos da


cobertura de prejuízos):
-Ora, chega-se a 2020 com um saldo positivo de 5000 € (A. 33º CSC), pelo
que aos ágios seguem o regime da reserva legal (A. 296 CSC). Se existem ágios, estes podem ser usados
para cobrir o montante de prejuízos dos anos anteriores. Assim, se os ágios são 3900 €, 3900€- 2800€=
1100€. Deste modo, consegue-se cobrir o montante dos prejuízos dos anos anteriores (e ainda sobram
1100 € de ágios; quando há ágios estes servem para cobrir prejuízos transitados e que não existe nenhuma
relação de subsidiariedade face aos lucros obtidos).
-Atenção que, se os sócios deliberaram, em cada um dos exercícios
anteriores, não utilizar os ágios para cobertura dos prejuízos, estes não poderão agora, num exercício que
regista resultados positivos (lucro), ser utilizados, devendo ser computados no lucro de exercício,
conforme indicado supra. Aqui, para diferenciar, vamos pressupor que os ágios foram gastos para o efeito,
nos exercícios anteriores (note-se que os ágios quando gastos, não têm se ser restituídos ao invés das
reservas legais).
-O que faz com os 1100€ de ágios restantes? Seguindo a posição adotada,
os ágios entrarão na constituição da reserva legal, se houver deliberação dos sócios nesse sentido.
Assumindo que há (posição diferente não mudaria o procedimento, dado que ainda não está completo o
valor de 2500 €, pelo que, quer estejamos a constituí-la do zero, quer não, teríamos sempre de levar algo
a reserva legal), e sendo a nossa reserva de 2500 €, podemos afirmar estarem já assegurados 1100€,

73
faltando apenas assegurar os 1400 € restantes [pressupondo a deliberação, é claro - (além do mais, se os
ágios forem sendo utilizados, teremos sempre de garantir que se atinge o valor de 2500 €…)].
-O A. 33º CSC impõe que, além dos prejuízos transitados (que aqui
assumimos não existirem, para “testar hipótese da existência de deliberações anteriores relativas à
utilização dos ágios”), se retire ao lucro de exercício o que seja necessário para constituição da
reserva legal, reserva essa que, no nosso caso, ainda não está completa. Vamos ter de retirar aos 5000 €,
5%, isto é, 250 €, ficando com 4750 € de lucro de exercício distribuível.
-Atenção: não vamos retirar aos 5000 € de lucro de exercício a totalidade
dos 1400 € que faltam para assegurar a reserva legal→ porque a reserva legal é uma cifra de formação ou
constituição sucessiva. Aquilo que vamos retirar ao lucro de exercício de 2020 é apenas 5% (vigésima
parte) dos 5000 € e vamos fazê-lo todos os anos, por referência ao lucro de exercício, até que
atinjamos os 2500 €. Assim, e no nosso caso, vamos retirar aos 5000 €, 250 €, de modo que chegamos a
um lucro de exercício distribuível de 4750 €. O lucro de balanço, neste momento, resulta da equação
Lucro de balanço = PS – (CS+RL e verbas equiparadas + RE)
Lucro de balanço = 6600 – (500+ 250+ 1100)
Lucro de balanço = 4750 € (aqui, o lucro de exercício já coincide
com Lb porque “gastamos” os ágios para efeitos de cobertura de prejuízos)→ sendo que este valor é o
máximo que se vai poder distribuir aos sócios (A. 32º CSC)

-Ora, se se decidisse distribuir todo os 5000 €, segundo o A. 69º/3 CSC a


deliberação seria nula (temos uma causa particular de invalidade, pelo que não temos de ir para o A. 56º
CSC), sendo que quanto ao gerente que decide distribuir ilicitamente os bens haveria: responsabilidade
penal (A. 514º CSC); responsabilidade civil (A. 72º, 78º, 79º CSC para os gerentes e administradores).
Quanto aos sócios, existiria o dever de restituição se eles estiverem de má fé (A. 34º CSC).

-Qual o destino a dar ao lucro? -João (45%) + Maria (23%) = Total


de 68%
-Para distribuir menos de metade (no caso não se pretende distribuir
nada), o A. 217º/1 CSC indica ser é necessário de 75% dos votos correspondentes ao capital social. Por
outro lado, João e Maria não reúnem a maioria necessária para aprovar uma deliberação de não
distribuição dos lucros, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral deveria declarar a proposta não

74
aprovada. Tenha-se em consideração a aplicação analógica do A. 67º CSC (aplicamos este artigo
analogicamente, para estando as contas já aprovadas permitir ao socio exigir ao Tribunal, que este exija a
entrega).
-E se o presidente da mesa considerasse aprovada a proposta?
Haveria uma aprovação em violação de um preceito legal (que exige 75% dos votos correspondentes ao
capital social), pelo que a deliberação seria anulável (A. 58º/1/a CSC).

5. Imagine agora que os resultados da sociedade em cada um dos três últimos exercícios
(sendo que no primeiro, não teve lucros nem prejuízos) haviam antes sido os seguintes:
a. 2018: prejuízo de €3.500
b. 2019: lucro de €1.500
c. 2020: lucro de €3.500 Calcule o lucro distribuível no final do exercício de 2020,
sabendo que: i. João pretende a exigir a distribuição pelos sócios de pelo menos €2.000; ii. Maria,
Francisco e Pedro querem que a sociedade leve a reservas a totalidade do lucro obtido em 2020.

-Veja-se o A. 32º, 33º, 218º, 295º, 296º CSC (além de outros relevantes, no plano
das deliberações e consequências do incumprimento dos preceitos).
-Valores a considerar:
-Capital Social– 500 €
-Património Social Inicial– 4400 €
-Património Social Final– 5900 €
-Ágios– 3900 € [que ficarão sujeitos ao regime da reserva legal (A.
295º/2/a+3 e 296º CSC)];

-Teremos de atentar nos resultados da sociedade nestes 3 exercícios:


-Hipótese A (assumindo que há deliberação relativa à utilização de ágios para
cobertura de prejuízos)
2018→ 3500 € (em 2018, assistimos a um prejuízo de 3500 €, que será
coberto pelo ágio, nos termos do A. 296º/a CSC. Assim, havendo deliberação dos sócios nesse sentido, o
prejuízo não transita para o exercício seguinte: não havia lucro de exercício, nem de balanço, nada
podendo ser distribuído).

75
2019→ +1.500 € {em 2019, a sociedade regista um resultado positivo de
1500 €. Sendo que a reserva legal da nossa sociedade é de 2500 € e que temos, apenas, 400 € de ágio, [e
independentemente da questão da deliberação necessária para considerar se os ágios contribuem ou não
para a constituição da RL – porque aqui o seu valor não está ainda assegurado, de todo o modo] teremos
de retirar aos 1500 € de lucro de exercício, 5% [75 €] para a constituição da reserva legal [A. 218º+ 295º/1
CSC]→ sendo o remanescente de 1425 € levado a reservas livres [correspondentes ao lucro do exercício
que era distribuível (ou seja, que não era necessário para cobrir prejuízos transitados, integrar a RL ou a
RE) mas que os sócios deliberaram não distribuir, retendo-o no património da sociedade para que esta o
utilize na sua atividade]}.
2020→ +3.500 [voltamos a ter um resultado positivo de 3500 €, ao qual há
que retirar, novamente, o valor necessário para formar a reserva legal. Para o efeito, retiramos aos 3500
€, 5% (175 €), ficando com 3.325 € de lucro de exercício distribuível].
-No ano de 2020, temos, portanto, um património social líquido de 2400 €+
3500 €= 5900 € desmembrado em capital social= 500€ + ágios= 400€ + RL= 250€ + reservas livres (no
valor de 1425 €) + lucro de exercício distribuível (no valor de 3325 €). Assim, no nosso caso, temos 3325
€ de lucro de exercício distribuível. O lucro de balanço é dado pela expressão:
Lucro de balanço = PS - (CS + RL e verbas equiparadas + RE)
Lucro de balanço = 5900 € – (500+ 250+ 400)
Lucro de balanço = 4750 € (no limite, poderiam ser distribuídos
4750 €)

-Considerando o lucro de 2020: 3325 €→ Ele quer distribuir mais que


metade (A. 250º/3 CSC: maioria simples). Para a pretensão de João vencer bastaria uma deliberação com
maioria simples. João tem um capital social de 45%, pelo que sozinho não consegue fazer vencer a sua
vontade. Nenhum dos blocos tem força suficiente para ver a sua pretensão aprovada. O sócio pode requerer
ao Tribunal que lhe seja atribuída a sua quota parte [aplicação analógica do A. 67º CSC, tendo um prazo
de 30 dias (A. 217º/2 CSC)].

-Hipótese B (assumindo que não há deliberação relativa à utilização de ágios para


cobertura de prejuízos)

76
2018→ - 3500 € [em 2018, assistimos a um prejuízo de 3500 €. Em
princípio, e dado que assumimos a inexistência de deliberação relativa à utilização dos ágios para efeitos
de cobertura do mesmo, transitariam os 3500 € para o próximo exercício. Contudo, importa notar a posição
de Paulo de Tarso, para quem os ágios apenas ficam sujeitos ao regime da reserva legal, na medida
do valor desta. Por outras palavras, sendo a nossa reserva legal de 2500 €, apenas teríamos de considerar
como «sujeitos ao regime da reserva legal» 2500 € de ágios. O que quer dizer que o remanescente não
fica sujeito ao regime da reserva legal e, portanto, deverá poder ser utilizado para a cobertura deste
prejuízo, enquanto património social livremente disponível. Assim (3900 € - 2500 €) 1400 € de ágios, que
servirão para cobrir este prejuízo, apenas transitando 2100 € para o exercício seguinte].
2019→ + 1500 € (já em 2019, a sociedade regista um resultado positivo de
1500 €. Como os sócios deliberaram não utilizar os ágios para cobertura do prejuízo em 2018, os prejuízos
transitados em 2100 € vão, agora, ser cobertos pelo lucro de exercício, que será integralmente utilizado
para esse efeito, nos termos do A. 33º CSC, nada sobrando, e transitando, ainda, 600 € de prejuízo)
2020 → + 3500 € (voltamos a ter um resultado positivo, de 3500 €, ao qual
há que retirar os prejuízos transitados no valor de 600 €. Ficamos com 2900 €). O próximo passo seria
retirar 5% deste valor, para ser levado a reserva legal. Simplesmente, como temos ágios no valor de 2500
€ (1400 € já foram gastos para cobertura de prejuízos, podendo sê-lo dado constituírem património
livremente disponível), há que desdobrar a sub-hipótese de os sócios pretenderem (deliberando-o) que os
ágios sejam utilizados para efeitos de constituição da reserva legal ou não.
-Se houver deliberação nesse sentido: lucro de exercício
distribuível = 2900 €, sendo que o lucro de balando é de:
Lucro de balanço = 5900 € – (500 €+ 2500 €)
Lucro de balanço = 2900 €

-Se não houver deliberação nesse sentido: teremos de retirar aos


2900 € de lucro de exercício, 5% (145 €) para a constituição da reserva legal (A. 218º+ 295º/1 CSC);
sendo o remanescente (2755 €) o nosso lucro de exercício distribuível. Sendo que o lucro de balanço é
de:
Lucro de balanço = 5900 € – (500 €+ 145 €+ 2500 €)
Lucro de balanço = 2755 €

77
Ficha de trabalho n.º 8

-António, Ernesto, Inácio, Orlando e Ulisses constituíram, em setembro de 2016, a «Ideal Malhas,
S.A.», com o objetivo de explorar uma fábrica de confeções que pertence ao primeiro, mas cuja atividade
e dimensão pretendem alargar. António, que deu como entrada a fábrica, subscreveu capital no valor de
€30.000. Os outros sócios subscreveram ações no valor de €7.500 cada um, correspondentes a entradas
em dinheiro no valor de €10.000. À entrada de António foi atribuído o valor de €50.000, integrando este
sócio, em conjunto com Ernesto e Inácio, o Conselho de Administração da sociedade.
1. Diga qual o montante do capital e do património social no momento da escritura. A
diferença entre os dois valores é livremente distribuível pelos sócios?

-Primeiramente, para se saber qual o montante do capital social tendo ações com
valor nominal, temos de somar os valores nominais das participações de cada sócio→ deste modo, temos
um capital social equivalente a 60 000 € (4x 7 500 € + 30 000 €).
-O património social é o conjunto/soma das entradas de cada um dos sócios que
podem ser em valor superior, mas nunca inferior ao valor nominal das participações (A. 25º CSC)→ assim,
o património social é de 90 000 € (4x 10 000€ + 50 000 €).
-Podemos, neste sentido concluir que temos uma diferença “para mais” entre o
capital social e o património social no valor de 30 000 € (90 000 € – 60 000 €)→ tendo esta diferença de
valor o nome de ágio, que fica sujeito ao regime da reserva legal
-No que diz respeito aos ágios, se sustentássemos que todo o ágio ficasse
sujeito ao regime da reserva legal, teríamos que seguir a regra de subsidiariedade imperativa do A. 296º
CSC (artigo este que refere para quais as finalidades dos ágios: “a) Para cobrir a parte do prejuízo
acusado no balanço do exercício que não possa ser coberto pela utilização de outras reservas; b) Para
cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício anterior que não possa ser coberto pelo lucro do
exercício nem pela utilização de outras reservas; c) Para incorporação no capital”). Contudo, Paulo de
Tarso indica que apenas fica sujeito ao regime da reserva legal a parte do ágio, em concreto,
correspondente ao valor da suposta reserva legal da sociedade→ ou seja:
-Qual o valor da suposta reserva legal da sociedade? Seria
equivalente à quinta parte do capital social (60 000 €: 5) = 12 000 € (A. 295+ 296 CSC). Assim, se dizemos
que dos 30 000 €, apenas 12 000 € ficam sujeitos ao regime da reserva legal, significa na prática que os

78
restantes 18 000 € vão ser património livremente disponível e distribuível pelos sócios (na medida em que
podem ser utilizados para amortizar prejuízos sem ter que proceder à deliberação que tem de ser adotada
caso se queira os 12 000 €). Veja-se sempre o A. 32+ 33 CSC (que aferem particularidades de
determinadas quantias quem tem de ser salvaguardadas, não podendo ser dispensáveis aos sócios
livremente)

2. Após dois exercícios em que a sociedade registou perdas de, respetivamente, €8.000 e
€6.000, as contas relativas ao exercício de 2018 revelam lucros no montante de €11.000. António, Ernesto
e Inácio são da opinião de que sociedade deve precaver-se para o futuro. Orlando e Ulisses entendem,
pelo contrário, que chegou a altura de distribuir os dividendos, pretendendo a distribuição integral dos
€11.000. Terá alguma das posições condições para obter vencimento em Assembleia Geral?

NOTA— Neste tipo de questões, sabe-se que vai ser abordada a questão das
deliberações de distribuição, mas antes disso tem de ser averiguado qual o lucro distribuível.

-Quanto ao cálculo do lucro distribuível:


Património Social = 90 000 €
Capital social = 60 000 €
Ágios = 30 000 € (dos quais 12 000 € estão sujeitos ao regime da reserva
legal; e 18 000 € que não estão sujeitos)
Assim, a Reserva Legal é de 12 000 €

-Em 2016: - 8 000 €


-Em 2017: - 6 000 €
-Em 2018: + 11 000 €
→Ora, como sabemos que parte dos ágios não fica sujeito ao regime
da reserva legal, não precisamos já de abrir a hipótese da deliberação relativa à utilização dos ágios ou
não utilização dos ágios. Deste modo, iremos ver se com o valor que não está sujeito ao regime de
reserva legal é possível ao não amortizar as perdas. A soma dos prejuízos é equivalente a 14 000 €
(8 000 € + 6 000 €), mas temos ágios não sujeitos ao regime da reserva legal no valor de 18 000 €, pelo
que é possível chegar a 2018 sem ter que amortizar nada, porque antes de 2018 já foram amortizados todos

79
os prejuízos num total de 14 000 € sendo que os ágios não sujeitos a reserva legal veem-se reduzidos a
4 000 € (18 000 € - 14 000 €). Com efeito, com os prejuízos amortizados, não é necessário abrir a hipótese
de deliberação da hipótese da deliberação relativa à utilização dos ágios para cobertura dos prejuízos
transitados. Contudo, podemos abrir aqui sub-hipóteses a respeito à questão da deliberação necessário
tendo ágios no valor de 12 000 € substituem a necessidade de constituir a reserva legal do zero ou, se pelo
contrários os sócios querem ter “duas almofadas” (a dos ágios de 12 000 € + um plus que se formam
todos os anos). Assim:
— Sub-hipótese 1: sócios deliberam utilizar ágios sujeitos ao
regime da reserva legal para “substituição de reserva legal”→ se for esta a via utilizada, o lucro de
exercício distribuível em 2018 (11 000 €) não se vai ver alterado porque o ágio distribuível foi utilizado
para amortizar os prejuízos dos anos anteriores pelo que ficasse com 11 000 €, isto é, o lucro distribuível
é de 11 000 €. Mas o lucro de balanço vai ter um valor superior porque sobraram 4 000 € de ágios que
vão ser património disponível.
Lucro de Balanço = Património Social “Final” – Capital
social + Reserva Legal e verbas equiparadas + Reservas Estatutárias
Lucro de Balanço = (90 000 € - 14 000 € + 11 000 €) –
60 000 € + 12 000 € + 0 =
= Lucro de Balanço = 87 000 € - 60 000 € + 12 000 € =
= Lucro de Balanço = 15 000 €

— Sub-hipótese 2: sócios não deliberam utilizar ágios para efeitos


de “substituição de reserva legal”→ Assim, relativamente aos 11 000 €, segundo o A. 295º/1 CSC, temos
de tirar 5 % (a ideia é tirar 5 % até chegar aos 12 000 €). Assim:
11 000 € - (5% de 11 000 €) =
= 11 000 € - 550 € =
= 10 450 €→ este é o valor do lucro distribuível

-Quando ao lucro de Balanço


Lucro de Balanço = Património Social “Final” – Capital
social + Reserva Legal e verbas equiparadas + Reservas Estatutárias

80
= Lucro de Balanço = 87 000 € - 60 000 € + (550 + 12 000
€) =
= Lucro de Balanço = 87 000 € - (60 000 € + 550 € + 12 000
€) =
= Lucro de Balanço = 14 450 €

-Portanto, António, Ernesto e Inácio são de opinião pela não distribuição


dos lucros. Orlando e Ulisses acham que se devem distribuir os 11 000 €. Assim, temos de averiguar os
quóruns, assumindo que cada sócio tem o mesmo número de ações e que cada ação tem o valor de 1 €.
Nesta medida, se cada sócio tem o mesmo número de ações, no valor de 1 €, A, E, I têm: 30 000 + 7 500
+ 7 500 = 45 000 votos (1 ação = 1 voto; A. 384º/1 CSC); e O e U têm: 7 500 + 7 500 = 15 000 votos
-Ora, A, E e I querem a não distribuição, pelo que necessitam de uma
maioria qualificada para que pudesse ser aprovada uma deliberação de não distribuição do lucro de menos
de metade dos lucros de exercício distribuível (mas, se fosse mais de metade, seria uma maioria
simples; A. 294º CSC para as sociedades anónimas; e o A. 217º CSC para as sociedades por quotas). Ora,
45 000: 60 000= 75 % dos votos, podendo eles impor a sua vontade aos demais acionistas.
Exemplo: Se as percentagens dos votos fossem outras e se nenhum dos
blocos de acionistas conseguissem levar avante as suas pretensões, nesse caso, nenhuma das propostas
seria aprovada pelo que aquilo que pode fazer, à luz de uma interpretação “correta” do A. 294 e 217 CSC,
é fazer uma aplicação analógica do A. 67º CSC e havendo contas provadas, permitirá ao sócio requerer ao
tribunal a distribuição de pelo menos metade do lucro de exercício distribuíveis. Deste modo, tenha-se
em atenção o A. 31º/1 CSC (“Salvo os casos de distribuição antecipada de lucros e outros expressamente
previstos na lei, nenhuma distribuição de bens sociais, ainda que a título de distribuição de lucros de
exercício ou de reservas, pode ser feita aos sócios sem ter sido objeto de deliberação destes”), que
comporta um caso em que se vai prescindir desta deliberação porque vai-se assistir a uma destruição
de lucros via judicial.
[Mas se seguíssemos a sub-hipótese 2, ter-se-ia de aferir que relativamente
à posição de Orlando e Ulisses, nem todo o lucro de exercício é lucro de exercício distribuível pois,
segundo o A. 33º CSC é necessário é tirar do lucro de exercício o que seja necessário para cobrir prejuízos
transitados e constitui eventuais reservas. Ainda assim, para além do que se está sujeito no A. 33º CSC, o

81
lucro de exercício tem sempre de se conter-se no lucro de balanço (A. 32º CSC) sob pena de violar o A.
33º CSC (existem até uma causa de nulidade das deliberações no A. 69º/3 CSC)].

3. Imagine, agora, que, em assembleia geral regularmente convocada, António e Ernesto


votam a favor de uma alteração ao contrato de sociedade, de forma a consagrar uma cláusula que
determine a exclusão dos sócios que «lesem os interesses da sociedade». Quid iuris?

-NOTA— Em sede de deliberações, distingue-se sempre 2 questões: vícios


eventuais de procedimento (via de regra dão origem à anulabilidade da deliberação; mas existem as
situações do A. 56º CSC que dá lugar à nulidade); vícios eventuais de conteúdo

-Ora, A e E podiam por si só fazer aprovar uma alteração ao contrato? A e E têm


uma maioria de 62 % (30 000 + 7 500 = 37 500; 37 000: 60 000 = 62 %). Assim, em princípio, se
seguíssemos a regra do A. 386º/1 CSC seria suficiente (maioria simples). Contudo, perante uma alteração
ao contrato é necessário o quórum constitutivo (n. º de sócios reunidos para que a AG se constitua) e
quórum deliberativo (n. º de sócios que têm que votar a favor de uma proposta para que seja aprovada)→
no caso das sociedades anónimas veja-se o A. 383º/2 CSC (para o quórum constitutivo), na medida em
que “Para que a assembleia geral possa deliberar, em primeira convocação, sobre a alteração do
contrato de sociedade … para os quais a lei exija maioria qualificada, sem a especificar, devem estar
presentes ou representados acionistas que detenham, pelo menos, ações correspondentes a um terço do
capital social.”, pelo que neste caso o quórum está preenchido; e veja-se o A. 386º/3 CSC que refere: “A
deliberação sobre algum dos assuntos referidos no n.º 2 do artigo 383.º deve ser aprovada por dois terços
dos votos emitidos, quer a assembleia reúna em primeira quer em segunda convocação”.
-Deste modo, se tivessem todos presentes, a maioria de A e E não chegava
porque não representava 2/3 dos votos emitidos (66 %), pelo que se eventualmente fosse declarada a
aprovação desta deliberação que não poderia ser, haveria um vício de procedimento podendo ser adequado
o A. 58º/1/a CSC na medida em que Coutinho de Abreu entende que houve cumprimento de uma maioria,
mas não se cumpriu a maioria qualificada, havendo um anulabilidade.

-Em 2º lugar, relativamente à cláusula que determina a exclusão dos sócios que
“lesem os interesses da sociedade”, podemos dizer que existem normas no CSC de exclusão de sócios

82
nas sociedades por quotas e não nas sociedades anónimas porque estamos perante uma sociedade típica
de capitais (sendo que os comportamentos dos sócios não interessam em regra). Não obstante, em fichas
de trabalho anteriores, observamos ao abrigo da mora na realização das entradas, uma questão relativa à
“perda das ações a favor da sociedade”, onde se apontou que não significava que o acionista deixasse de
ser acionista porque a perda diz respeito às ações em relações às quais haja mora. Se, por outro lado, a
mora fosse total há uma perda de ações equivalente a uma exclusão de certa forma; vimos também o A.
287º/4 CSC aquando o incumprimento de obrigação de prestação acessórias, onde no contrato pode conter
consequências (nomeadamente a exclusão do sócio); vimos também a amortização de ações com redução
de capital social, onde também pode haver exclusão do sócio (A. 347º CSC).
→Estes são todos exemplos que levam a doutrina a considerar que também
é admissível prever cláusulas de exclusão numa sociedade anónimas. Porém, o problema destas cláusulas
é que mesmo que admitíssemos esta cláusula e aplicássemos analogicamente o regime das sociedades por
quotas, é que quando se fala de cláusulas de exclusão estatutárias, não basta uma causa genérica como
esta (“lessem os interesses da sociedade”) sendo necessário determinar com precisão dos
comportamentos que podem levar à sanção da exclusão. Deste modo, a deliberação tem-se por não escrita
por violação de uma norma imperativa (A. 56º/1/d CSC), além de haver anulabilidade por não verificação
do quórum (caso houvessem dados nesse sentido).
[Se se estivesse a apreciar a validade de uma cláusula (e não de uma
deliberação) iriamos ao A. 42º CSC que remete para o A. 294º CC pelo que a cláusula tem-se por não
escrita, sendo que pode-se aplicar a norma supletiva se este existir].

Ficha de trabalho n.º 9

-A, B, C e D são sócios da Bindeball – desportos radicais e turismo, Lda., tendo a quota de A o
valor nominal de €60.000, sendo os demais titulares, cada um, de uma quota no valor nominal de €20.000.
Ficou previsto no contrato que quaisquer alterações ao mesmo dependeriam do voto favorável de B.
-No dia 29 de abril, realizou-se uma assembleia geral de sócios, na qual foram aprovadas as
seguintes deliberações:

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1) A venda das agências que a sociedade explora em Vila do Conde e na Póvoa de Varzim,
com os votos favoráveis de A, B e D (gerente da sociedade), tendo C votado contra, uma vez que, antes
da votação, solicitara, em assembleia, informações relativas à faturação, número de trabalhadores e lista
de clientes dessas agências, que vira recusadas, sem justificação;
2) A libertação de D, da obrigação de realizar a favor da sociedade os valores em falta
(€5.000) da entrada a que se obrigou, liberação essa adotada como contrapartida da sua aceitação em
ser designado gerente da sociedade, e que foi considerada aprovada com os votos a favor de A, os votos
contra de B, e a abstenção de C e de D;
3) A representação da sociedade passa a fazer-se por atuação conjunta dos dois gerentes
(sendo que o estatuto indica que a sociedade ficará vinculada com a assinatura de qualquer gerente),
aprovada por unanimidade;
4) A alteração da cláusula X do contrato de sociedade (com letra similar à do artigo 228.º
do CSC), no sentido de prever a necessidade de consentimento da sociedade, para a cessão da quota de
C aos seus descendentes, deliberação aprovada com os votos a favor de A, B e D, e os votos contra de C
(assunto que não estava previsto na ordem do dia);
5) Utilizar €2.000, enquanto parcela correspondente à constituição da reserva legal, na
amortização antecipada de um contrato de mútuo bancário (aprovada com os votos favoráveis de A e B;
C e D abstiveram-se);
6) As alterações ao contrato de sociedade passam a fazer-se por maioria simples dos votos
(aprovada por unanimidade);
7) A alteração do contrato de sociedade no sentido de proibir as deliberações por voto
escrito (assunto constante da ordem do dia, e em relação ao qual A, C e D votaram a favor, e B contra).
-Pronuncie-se sobre as deliberações adotadas, indicando (se for o caso) quem as poderá
impugnar e com que fundamento(s).

-Antes de tudo, veja-se os votos que cabem a cada sócio: A tem uma quota nominal no
valor de 60 000 €, tendo numa sociedade por quotas 6 000 000 votos (1 voto por cada cêntimo nominal;
A. 260º/1 CSC), tendo B, C e D 2 000 000 de votos cada um.

-Relativamente à 1ª deliberação— se esta foi aprovada com os votos de A, B e D não há


dúvidas que a maioria simples (que é a regra: A. 250º/3 CSC) está preenchida. Repare-se que o que se

84
encontra em apreciação é uma competência que o legislador estabeleceu supletivamente como
competência da AG [A. 246º/2/c CSC; isto é, podemos pensar à partida (e corretamente) que esta é uma
matéria típica de gestão, mas dada a importância que tem, estabeleceu-se uma competência supletiva dos
sócios]. Em termos de conteúdo não parecem haver problemas, contudo, em termos de procedimento sim.
-Podemos ter aqui um fundamento de anulabilidade segundo o A. 58/1/c CSC por
não terem sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação→ Porém, este
não é o artigo indicado porque relativamente ao direito à informação, existem 3 núcleos diferentes:
informações em AG; informação preparatórias da AG; informações que o sócio pode requerer a qualquer
momento. Neste caso, as informações foram requeridas em AG sendo que o legislador prevê um
fundamento particular de anulabilidade das deliberações quando o sócio tenha requerido informações e
estas forem recusadas injustificadamente (A. 290º/3 CSC, aplicável às sociedades por quotas ex vi A.
214º/7 CSC). Ora, o que era necessário aferir aqui é que o sócio tem um direito à informação em AG: “…
que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar
opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação…” (A. 290º+ 21º/1/c CSC), pois ele
solicita a faturação, n. º de trabalhadores e lista de clientes. Ainda assim, o pedido de informações pode
ser recusado se as informações pudessem causar um grave prejuízo à sociedade, ou pudessem
consubstanciar numa violação de segredo imposto por lei e não que parece que estas informações fossem
objetivamente impossíveis de prestar (A. 290º/2 CSC)→ nenhum destes casos de verifica e estando
presente o gerente da sociedade (veja-se o A. 290º/2/1ª parte CSC), as informações deviam ser prestadas.
Logo, perante a recusa do fornecimento destas informações há fundamento de anulabilidade pelo A. 290º/3
CSC, podendo ao mesmo tempo podem haver consequência no plano da responsabilidade civil e criminal
dos administradores (A. 518º, 519º, 72º, 77º CSC). Assim, C tinha legitimidade para o aferir porque ele
votou contra (A. 59º CSC) tendo 30 dias contados da data do encerramento da AG.

-Relativamente à 2ª deliberação— A tinha 6 000 000 de votos, mas foram emitidos


8 000 000 votos (6 000 000+ 2 000 000) porque as abstenções não se contam, pelo que A tem a maioria.
-Aqui, o problema tem que ver com os valores em falta de entrada a que se obrigou
na medida em que nas sociedades por quotas os sócios podem diferir, menos 1 € (que pode ser realizado
no ato constitutivo ou declarar que o vão realizar até ao fim do 1º exercício económico), até um período
de 5 anos e dependendo de datas certas e determinadas (A. 26º, 199º, 202, e 203º CSC). Contudo, aqui
acontece que ele ainda não tinha completado a sua entrada, estando-se aqui em princípio dentro da

85
deliberação mínima do capital social (porque se é só 5 000 € que estão em falta, pelo menos 15 000 € ele
teve de ter entregue) e, no fundo, o que se diz é que os restantes sócios “perdoam” esta falta de 5 000 €.
-Ora, o A. 27º/1 CSC estabelece uma causa de nulidade particular para os atos de
administração e deliberações dos sócios que liberem total ou parcialmente a obrigação de efetuação da
entrada. Repare-se que a obrigação de entrada é o principal dever dos sócios o que justifica esta nulidade.
Quanto ao regime da nulidade, veja-se o A. 57º CSC onde o legislador impõe um dever de atuação
sobre órgão de fiscalização da sociedade ou do gerente (A. 57º/4 CSC; neste caso, o dever de atuação
era o dever de dar a conhecer da situação de nulidade que pode ocorrer na AG ou pode haver lugar à
convocação de uma nova AG para que haja esse dever de informação aqui disposto). Uma vez informados,
os sócios podem: renovar a deliberação (se assim puder ser; A. 62º CSC); podem decidir não a renovar,
mesmo que fosse possível; podem decidir propor a ação judicial para efeitos de declaração de nulidade;
podem decidir pela não promoção desta ação (esta última hipótese porque podem entender não haver
fundamento de nulidade; mas também segundo o A. 60º/3 CSC, “A sociedade suportará todos os encargos
das ações propostas pelo órgão de fiscalização ou, na sua falta, por qualquer gerente, ainda que sejam
julgadas improcedentes”→ um sócio sabendo que não promovendo ele a declaração judicial de
nulidade e que o órgão de fiscalização ou gerentes está obrigado a fazê-lo, ele não vai propor a ação
porque também não quer acarretar os custos); ou podem os sócios em AG deliberar a existência de
uma nulidade (A. 57º CSC).
-Depois disto, aplica-se o regime normal na medida em que nulidade pode
ser invocada qualquer interessado a todo o tempo e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (A.
286º CC). Para a definição de interessado, veja-se o A. 26º/1+ 2 CPC.

-Relativamente à 3ª deliberação— Perante a unanimidade, não existem problemas quanto


ao quórum. Acontece que existe uma deliberação que é contra o que o estatuto determina. O estatuto indica
que a sociedade fica vinculada com a assinatura de qualquer gerente [cláusula relativa ao funcionamento
da gerência plural; A. 261º CSC; no que diz respeito a esta temática, a regra é que se o contrato nada
disser, a sociedade fica vinculada pela intervenção da maioria dos gerentes, porém, o contrato de
sociedade pode estipular um regime diferente (p.e., o conjunto unanime; o regime disjunto, etc.)], mas
quis-se ultrapassar este regime por via de uma simples deliberação.
-Assim, invocando o A. 9º/3 CSC que refere: “Os preceitos dispositivos desta lei
só podem ser derrogados pelo contrato de sociedade, a não ser que este expressamente admita a

86
derrogação por deliberação dos sócios”→ pelo que, em princípio, era preciso uma modificação contratual
e se esta não existir, a deliberação em apreciação é anulável ex vi A. 58º/1/a CSC por violação de uma
disposição contratual (não poderíamos advogar a nulidade porque esta é uma norma dispositiva na medida
em que, como já visto, o A. 261º CSC permite alterar o modo de funcionamento da gerência sendo que
não houve aqui a violação de uma norma imperativa), porém, poder-se-ia salvar esta deliberação, se se
tratasse de uma deliberação de alteração ao contrato (de forma a prever uma solução diversa daquele que
prevê) era necessária maioria qualificada e o aviso de convocatória teria de ser, segundo o A. 377º/8 CSC
as cláusulas que vão ser suprimidas, alteradas e modificadas, tendo esta informação de estar disponível
aos sócios com antecedência (sob pena de anulabilidade, nos termos do A. 58º/1/c+ 4 CSC.
-A legitimidade para requerer a anulabilidade da deliberação aprovada por
unanimidade seria do órgão de fiscalização, que apesar do A. 59º/1 CSC indicar que “pode ser arguida”,
a doutrina tem entendido isto como um dever/competência à luz do dever de lealdade. Contudo, e se não
houve órgão de fiscalização? A legitimidade era dos gerentes através da aplicação analógica do A. 57º/4
CSC. Veja-se o A. 59º/2/a CSC.

-Relativamente à 4ª deliberação— Ora, o facto de não estar na ordem do dia, pode


suscitar uma anulabilidade nos termos do A. 58º/1/a CSC (se não interpretarmos extensivamente o A.
58º/1/c CSC; há também doutrina que lê extensivamente o A. 58º/4 CSC para incluir outros elementos de
informação, nomeadamente, o A. 376º/5 CSC). Pode-se aferir que se tratando de uma alteração ao
contrato, além de ter de vir prevista na ordem do dia, existem exigências do A. 377º/8 CSC (não havendo
aqui dúvidas que há anulabilidade do A. 58º/1/c CSC) que elenca os elementos de informação necessários
(mencionar o assusto a ser deliberado; e quando foi relativo à alteração ao contrato, deve-se indicar as
cláusulas as modificar/inserir, etc.). Para além destas nuances procedimentais, note-se que é necessário a
verificação de um quórum deliberativo, isto é, uma maioria qualificada prevista no A. 265º/1 CSC (3/4
dos votos correspondentes ao capital social ou por número ainda mais elevado dos votos exigidos pelo
contrato de sociedade). Esta maioria estava preenchida (devido a A, B e D→ aproximadamente 83 %).
-C teria legitimidade para impugnar estes vícios porque votou contra.
-Relativamente ao conteúdo, pode-se exigir o consentimento da sociedade para
ceder de quotas a descendentes? Ora, isso é possível segundo o A. 228º CSC. O A. 228º/2 CSC é a regra,
isto é, que o consentimento não é necessário para a cessão a descendentes→ mas, esta regra pode ser
afastada quando o contrato de sociedade assim o dispuser (A. 229º/3 CSC). Ainda assim, o A. 229º/4 CSC

87
indica que “a eficácia da deliberação de alteração do contrato de sociedade que proíba ou dificulte a
cessão de quotas depende do consentimento de todos os sócios por ela afetados”→ ora, o sócio “por ela
afetado” (C) votou contra e se existe uma deliberação para a qual a lei exige o consentimento de um sócio,
que neste caso não houve, temos uma ineficácia absoluta (A. 55º CSC; fazer remissão: A. 229º/4→ 55º
CSC). Isto interessa a C porque ele não terá de fazer nada porque não se produziram efeitos a ninguém,
pelo que não terá custos em impugnar.

-Relativamente à 5ª deliberação— Primeiramente, como houve abstenção de C e D, só


os votos de A e B é que vão ser contados.
-A reserva legal está sujeita a determinadas finalidades e funções. Veja-se o A. 296º
CSC (ex vi A. 218º CSC quando se trate de uma sociedade por quotas) que indica que a reserva só pode
ser utilizada: “a) Para cobrir a parte do prejuízo acusado no balanço do exercício que não possa ser
coberto pela utilização de outras reservas; b) Para cobrir a parte dos prejuízos transitados do exercício
anterior que não possa ser coberto pelo lucro do exercício nem pela utilização de outras reservas; c)
Para incorporação no capital”. Havendo uma norma particular no A. 69º/3 CSC que indica que “a
violação dos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal, …” gera
nulidade (se não houvesse uma normal particular, dir-se-ia que há uma violação de uma norma imperativa,
logo, A. 56º/1/d CSC, e a deliberação é nula).
A nulidade pode ser invocada por qualquer interessado (A. 286º CC; 26º/1+ 2 CPC;
57º/2 CSC).

-Relativamente à 6ª deliberação— A norma do A. 265º CSC prevê as maiorias


necessárias para a alteração ao contrato. Aqui, o que se quer é consagrar que as alterações e façam operar
por aprovação de uma maioria simples. Segundo o A. 265º CSC isto não é permitido. Apenas é possível
consagrar um direito de veto dos sócios (A. 265º/2 CSC) e que possa ser exigido uma maioria ainda mais
exigente (A. 265º/1/última parte CSC).
-Ora, sendo violada uma norma imperativa, segundo o A. 56º/1/d CSC a deliberação
seria nula por violação de norma imperativa (veja-se os regimes: A. 286º CC; 26º/1+ 2 CPC; 57º/2 CSC).

88
-Relativamente à 7ª deliberação— Estamos ao abrigo de uma alteração ao contrato de
sociedade pelo que não parecem haver problemas quanto: à ordem do dia; ao A. 377º/8 CSC; nem à
maioria exigida.
-Relativamente ao conteúdo, as “proibições das deliberações por voto escrito”
numa sociedade por quotas é possível? Ora, as deliberações por voto escrito são uma forma de
deliberação. Segundo o A. 247º CSC, indica-se que: “Além de deliberações tomadas nos termos do artigo
54.º (assembleia universal e a deliberação unanime por escrito), os sócios podem tomar deliberações por
voto escrito e deliberações em assembleia geral (deliberações em assembleia geral convocada)”. O que
se pretende aqui é que o contrato de sociedade proíba de deliberações por voto escrito, pelo que se poderia
invocar nesse sentido o A. 247º/2 CSC. Assim, não existe problema aqui.
-Acontece que no contrato de sociedade está previsto o direito especial de veto de
B, e este votou contra. Isto é, o contrato exige o consentimento de B para que uma dada deliberação seja
aprovada. B votou contra. Não podemos usar o A. 55º CSC porque este refere que só há ineficácia quando
a lei assim o exija consentimento. Aqui é o contrato que indica. Portanto, havendo violação do contrato,
usamos o A. 58º/1/a CSC, havendo anulabilidade

-Outra hipótese na 7ª deliberação era se indicasse: A alteração do contrato de


sociedade no sentido de eliminar o direito de veto de B (com a mesma votação)→ Se fosse este o caso,
podemos dizer que para o suprimento de direito especiais de um sócio seja possível é necessário o
consentimento (A. 24º/5 CSC), pelo que aqui é a lei que exige o consentimento. Aqui, a deliberação seria
ineficaz (A. 55º CSC).

-Ver A. 60º, 61º e 62º CSC.

II.

-A Pescabom - transformação e comercialização de pescado, S.A. tem cinco sócios: A, B, C, D e


E, cada um com igual número de ações.
-Em assembleia geral convocada pelo administrador único da sociedade, e realizada a 5 de maio,
os sócios aprovaram, com os votos a favor de A e de C, os votos contra de B e a abstenção de D (sendo

89
que E, que se encontra, além do mais, em mora na realização da sua entrada de capital, não esteve
presente):
a) a introdução no estatuto de uma cláusula que consagra o direito de o sócio D passar a
designar os futuros administradores da sociedade;
b) a aquisição de uma carrinha de mercadorias pertencente a G, cônjuge de A, e pai de C,
por €20.000. B, que votou contra, afirmou que essa seria, de entre todas as ofertas, a menos vantajosa
para a sociedade (havendo, pelo menos, uma outra carrinha similar, à venda por €15.000 negociáveis).
-Pronuncie-se sobre as deliberações adotadas, indicando (se for o caso) quem as poderá
impugnar e com que fundamento(s).

-Antes de nos aferirmos às deliberações propriamente ditas, temos um problema


que vai estar subjacente às 2 deliberações. A AG foi convocada pelo administrador único da sociedade e
numa sociedade anónima quem tem competência para convocar é o Presidente da Mesa da AG (A. 377º/1
CSC). Tendo uma convocatória assinada por quem não tinha competência, como consequência temos o
A. 56º/1/a+ 2 CSC, isto é, considera-se não convocada a AG’s cujo aviso de convocatória seja assinado
por quem não tem competência→ sendo que são nulas as deliberações dos sócios.
-Porém, esta é uma nulidade atípica porque pode ser sanada via Assembleia
Universal, isto é, uma assembleia não convocada desde que reunisse os requisitos: têm de estar todos
presentes; todos de acordo para que a Assembleia se constitua; todos de acordo com a deliberação de um
determinado assunto. Posto isto, E não estava presente, mas ele estava em mora o que o impede de
votar (A. 384º/4 CSC; mas não de estar presente e participar, segundo o A. 279º/2 CSC, e só não será
assim se o contrato afastar esse direito). Alguns autores, dizem que tendo este acionista um direito
relativo, não será estranho admitir a sanação do vício por força da figura da Assembleia Universal, mesmo
quando falte 1 sócio impedido de votar (mas há autores que assim não admitem).

-Quanto às deliberações:
a) — Temos aqui um direito de um determinado sócio de designar os
membros do órgão de Adm.→ este é um direito especial. Contudo, nas sociedades anónimas os direitos
especiais têm de ser atribuídos a categorias de ações A. 24º/4 CSC (e não a sócios em particular). Logo,
temos aqui uma violação de uma norma imperativa, o que gera nulidade da deliberação (A. 56º/1/d CSC).
Além disto, nas sociedades anónimas não é possível consagrar um direito que permita aos titulares das

90
ações designar futuros administradores da sociedade [A. 391º/2/parte final CSC, numa forma de impedir
que os titulares destas ações garantissem que fossem sempre eles os administradores, em prejuízo de outros
acionistas que também têm esse direito (A. 21º/1/d CSC)], assim se este fosse o caso, teríamos outra
nulidade por violação de norma imperativa.
-Outra questão era a de saber como tratar da criação
superveniente de direito especiais, mesmo que houvesse, em tese, admissibilidade desta cláusula, isto
seria possível? E com que maioria?
-Aqui temos uma querela doutrinal em torno de saber se
basta a maioria qualificada (que aqui estaria preenchida porque temos 2 votos em 3; A. 386º CSC), mas
se seguíssemos a posição de Raul Ventura, Brito Correia e Coutinho de Abreu (para este último, apenas
se não houver justificado interesse da sociedade na atribuição deste direito especial) haveria a exigência
de unanimidade, pelo que perante o nosso caso temos uma deliberação anulável segundo a norma supletiva
A. 58º/1/a CSC.
-Ainda assim, não se esqueça que estando perante a
introdução de uma cláusula no estatuto, há uma alteração contratual, sendo que é preciso a maioria
qualificada e o respeitar os requisitos mínimos de informação, a questão das cláusulas terem de ser
disponibilizadas aos sócios para eles apreciarem (A. 377º/8, 58º/1/c CSC).
-Quanto aos legitimados, variam consoante a nulidade (aqui,
são todos os interessados; A. 288º CC) ou anulabilidade (aqui, são os sócios que não tiverem votado no
sentido que fez vencimento)

b) — Deliberou-se a aquisição de uma carinha por x valor, mas haviam


ofertas mais benéficas para a sociedade. E quem votou a favor tinha relações com o vendedor. Podemos
ir pela via das deliberações abusivas (A. 58º/1/c CSC; note-se que a deliberação já foi tomada e que a via
de invocar o conflito de interesses é preventiva). Neste caso, poderíamos chegar à conclusão que A e C
votaram expressamente para beneficiar G.
-Quem invoca este tipo de vício tem de provar o dolo dos sócios em
questão. Porém, a especificidade das deliberações abusivas é que o vício fica afastado se a deliberação
passar a prova de resistência (isto é, a deliberação não será anulada se provar-se que ela seria na mesma
adotada mesmo descontados os votos abusivos). Vendo o enunciado, a deliberação não seria aprovada
mesmo que sem aqueles votos. Logo, a deliberação não seria aprovada. Veja-se também que o A. 58º/3

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CSC indica que os sócios que formaram maioria em deliberação e que tenham votado abusivamente
respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.

Ficha de trabalho nº 10

I.

-Francisco (F), Beatriz (B), Mariana (M) e André (A) constituíram, em 2015, a Veggie resto –
restauração, Lda., assumindo, todos eles, a qualidade de gerentes e tendo F dado como entrada o
restaurante «Vegetariano da vila», que já explorava há alguns anos. Em fevereiro de 2016, e na sequência
de uma consulta junto de um expert financeiro, F, B e M investiram, em nome da sociedade e sem o
conhecimento de A, €25.000 em ações da sociedade X, ativa no setor tecnológico. Acontece que, seis
meses após o referido investimento, o valor das ações caiu para menos de metade.
1. A, que não se conforma com esta situação, pretende saber:
a) se a sociedade se encontra vinculada pelo referido negócio;

-Esta é uma matéria que tem que ver com a vinculação das sociedades (isto
é, quando é que uma determinada sociedade fica vinculada pelos negócios celebrados pelos seus gerentes
ou administradores). Ora, neste caso temos um ato ultra-vires. Quando se fala de um exercício de
vinculação das sociedades tem de se considerar 4 planos:
1— O fim da sociedade, que é relevante para se saber se o negócio
é ou não compatível com esse fim (e o fim é prossecução de lucro);
2— O objeto da sociedade (que é a atividade que a sociedade
exerce e que temos que ter em conta quando se esteja a verificar se é um ato ou não ultra-vires);
3— A extensão dos poderes de representação [isto é, saber se os
gerentes têm competência para praticar determinado ato; ou se o legislador atribuiu essa competência a
outro órgão; ou faz depender da atuação dos gerentes de um requisito prévio (como p.e., a deliberação dos
sócios)];
4— O funcionamento da gerência plural (ou seja, saber se tendo
uma gerência com mais de 1 pessoa, quantas precisam de intervir para vincular a sociedade pelo negócio).

92
-Tendo isto como pano de fundo:
-O negócio é compatível com o fim da sociedade? A aquisição de
ações é compatível com o escopro lucrativo, porque no fundo o que se pretende posteriormente é obter
mais capital (temos aqui um negócio sinalagmático: pagou-se pelas ações, mas estas ingressam no
património social, sendo que se pretende que elas valorizem; isto é, não temos uma doação). Assim, este
ato seria válido, segundo o A. 6º CSC quanto ao fim (A. 980º CC).
-O negócio é compatível quanto ao objeto da sociedade?
Primeiramente, não podemos ter uma visão muito estrita do objeto da sociedade, mas vamos considerar
ser compatível com o objeto aqueles atos que tenham uma relação de instrumentalidade (ainda que
meramente potencial) com a atividade desenvolvida pela sociedade (p.e.— a compra de computadores,
tablets, fardas, blocos de notas). Contudo, temos a aquisição de participações numa sociedade que tem um
objetivo diferente. Para estes casos, o legislador previu no A. 11º/5 CSC que o contrato pode condicionar
a aquisição à autorização no contrato (ou seja, por saber que estes atos podiam desviar-se do objeto, o
legislador obrigou uma previsão contratual autorizando esta aquisição).
-Estamos perante um ato ultra-vires (prevendo-se aqui que
não existe autorização contratual e mesmo assim os gerentes fizeram isto), mas qual é a consequência?
→ Parte da doutrina entende que o ato é nulo porque
extravasa o objeto social
→ Contudo, partindo o A. 6º/4 CSC que refere que
“as cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objeto ou proíbam
a prática de certos atos não limitam a capacidade da sociedade, …”, ora se o objeto, em termos latos,
não limita a capacidade da sociedade este ato será válido e, em princípio, eficaz e oponível à sociedade
(ficando vinculado a um ato ultra-vires). Esta é a doutrina que nós aderimos. Porém, assim, o objeto social
não tem relevância? Tem relevância interna porque os gerentes estão obrigados a não ultrapassar o
objeto [e se o ultrapassarem poderão ser responsabilizados (A. 72º CSC) e podem ser destituídos por justa
causa (A. 257º/6 CSC)] e tem relevância externa pois, vendo o A. 260º/2 CSC verifica-se que a sociedade
pode impedir/obstar/evitar ficar vinculada por um determinado negócio que extravase o objeto social
quando prove que o terceiro está de má fé. Ora, retirando estas 2 precisões, o extravasar do objeto social
não afeta a vinculação da sociedade, sendo válido (ao contrário dos atos que violam o fim, que são nulos;
A. 294º CC).

93
-Quanto aos poderes de representação, veja-se o A. 252º e ss. +
260º CSC (para as SQ). O A. 260º/1 CSC indica que “Os atos praticados pelos gerentes, em nome da
sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as
limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios”, isto é, num caso
prático é preciso verificar se a gerência é, nos termos da lei, competente para praticar aquele negócio e se
não depende de nenhum requisito prévio para vincular a sociedade (p.e., se não depende de uma
deliberação prévia dos sócios). Se não existirem esta limitações legais, a sociedade fica vinculada
independentemente de existir uma deliberação dos sócios que proíba os gerentes de realizarem aquele ato
ou de existir uma disposição contratual que se exige um determinado requisito procedimental prévio que
não foi cumprido (ou seja, o que interessa mesmo é ver se existe uma limitação legal).
-Neste caso, veja-se que estas limitações legais para as
sociedades por quotas constam do A. 246º/1 CSC que confere um conjunto de atos que necessitam sempre
da deliberação dos sócios (assim, o gerente precisa desta deliberação para praticar os atos). Neste artigo,
perante o caso prático podíamos invocar o A. 246º/2/d CSC.
-Ora, faltando a deliberação dos sócios (não prevendo o
contrato social de modo diverso) a sociedade não fica vinculada? Atente-se que o A. 246º/1 CSC indica
imperativamente que os atos nele elencados dependem de deliberação dos sócios; mas o A. 246º/2 CSC
refere que “se o contrato social não dispuser diferentemente, compete também aos sócios deliberar
sobre…”, ou seja, estabelece uma competência supletiva/dispositiva dos sócios. Então, indo ao A. 260º
CSC, poderia surgir uma dúvida porque efetivamente o A. 246º/2 CSC não confere o poder aos gerentes
referido no A. 260º CSC (o poder de independentemente da deliberação dos sócios ou cláusula contratual
de celebrarem um negócio sem essa deliberação prévia). Contudo, esta norma resulta da transposição da
1ª Diretiva em matéria de sociedades, pelo que onde se lê “dentro dos poderes que a lei lhes confere”,
deve-se ler: dentro dos poderes que a lei lhes confere ou permite conferir. Ora, na medida em que o
A. 246º/2 CSC é uma norma supletiva e permite conferir aos gerentes esta competência, eles poderiam
celebrar este ato→ e assim a sociedade fica vinculada mesmo que não haja cláusula contratual a autoriza-
lo e mesmo que não haja esta deliberação prévia dos sócios (A. 260º/1 CSC com uma leitura conforme a
1ª Diretiva em matéria de sociedades).
-Relativamente ao modo de funcionamento da gerência plural (isto
é, existindo mais que 1 gerente, é necessário saber quantos são necessário intervir para vincular a
sociedade). Aqui, releva a norma A. 261º CSC. O modelo supletivo nas sociedades por quotas é o conjunto

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maioritário, ou seja, tendo 4 gerentes, pelo que têm de intervir 3 no negócio para que a sociedade fique
vinculada. Assim, a sociedade está vinculada.

b) subsidiariamente, e em caso positivo, se F, B e M poderão vir a ser


responsabilizados pelos prejuízos decorrentes do malogrado negócio para a sociedade, e quem poderá
acionar essa responsabilidade.

-Repare-se que o facto de o objeto social não limitar a capacidade da


sociedade, não significa que não tenha relevância interna. Assim, um desses aspetos de relevância interna
é a responsabilização dos gerentes pelos prejuízos causados pela sua atividade. Ora, a responsabilização
dos gerentes está prevista no A. 72º e ss. CSC.
→ O A. 72º CSC trata da responsabilidade pelos danos causados
à sociedade por atos/omissões praticados como preterição dos deveres legais ou contratuais→aqui
há a preterição de um dever legal de não ultrapassar o objeto social ex vi A. 6º/4+ 259º CSC. Esta ação
depende de prévia deliberação pelos sócios (A. 75º CSC) devendo ser intentada no prazo de 6 meses a
contar da referida deliberação.
-Ora, depois indo aos requisitos: existe ilicitude (porque
violaram o dever legal de não ultrapassar o objeto social); existe culpa (aliás, o legislado prevê uma
presunção de culpa: “salvo se provarem que procederam sem culpa”, o que seria muito difícil ilidir a
presunção tendo em conta o dever que falamos); e existe nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo
causado à sociedade. Seguidamente, veja-se o regime do A. 72º e ss. CSC.
NOTA— Imagine-se que havia previsão contratual a
autorizar este ato e que existia deliberação dos sócios (isto é, não havia aqui um ato ultra-vires; não havia
um ato violador de deliberação dos sócios). Aqui questiona-se se eventualmente poderiam ser
responsabilizados por terem feito um investimento foi ruinoso→ nestes casos, veja-se o A. 72º/2 CSC que
consagra a regra da business judgment rule, que visa evitar que os gerentes/administradores tenham
constantemente receio de praticar atos arriscados, mesmo que necessários, para a vida da sociedade e que
refere que a responsabilidade é excluída se alguma das pessoas indicadas no número anterior provar que
atuou em termos informados; livre de qualquer interesse pessoal; e sobre critérios de racionalidade
empresarial. Aqui tenta-se evitar que o juiz que aprecie a responsabilidade destes sujeitos tenha um pré-

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juízo relativamente à culpa devido ao facto de olhar apenas para os resultados negativos da atuação do
gerente. Isto não é o nosso caso.

→ O A. 77º CSC prevê a possibilidade de nos casos em que os sócios


deliberam não propor a ação (porque a propositura tem de ser deliberada pelos sócios) ou nos casos em
que deliberam fazê-lo, mas passam os 6 meses que têm para o efeito e nada é feito→ aqui o artigo indicado
confere a 1 ou vários sócios que tenham pelo menos 5 % do capital social a possibilidade de acionar essa
responsabilidade
-Ora, no nosso caso, para além da sociedade em si, temos A
(a título individual) a poder acionar F, B e M, mas apenas subsidiariamente. Mas isto aqui não faria sentido
porque se a ação da sociedade depende de deliberação dos sócios, deliberação essa que participará A
porque é o único que não está impedido de votar, a questão não se coloca porque ele ia votar o sentido da
propositura.

2. Em 2018, altura em que a sociedade explorava, já, vários estabelecimentos de


restauração em todo o país, F, M e A deliberaram, em reunião de gerência, «dar de locação a F um dos
estabelecimentos que exploram na cidade de Braga». Supondo que do contrato constava uma cláusula
nos termos da qual «a sociedade fica obrigada pela assinatura de dois dos sócios-gerentes, devendo uma
delas ser necessariamente a de B», e que, quanto ao primeiro tema, havia sido deliberado, em assembleia
geral realizada no ano anterior, que a sociedade não poderia vir a celebrar negócios dessa natureza,
determine se a sociedade se encontra vinculada.

-Quanto ao fim, a locação de um estabelecimento é um negócio sinalagmático


porque vai ter como contrapartida a obtenção de uma renda que vai ingressar no património social (ou
seja, não é um negócio gratuito). Assim, não aprece haver aqui problemas.
-Quanto ao objeto, o critério é que os atos que tenham uma relação instrumental
ainda que meramente potencial com o objeto da sociedade. No nosso caso, os sócios deliberaram que a
sociedade não poderia celebrar negócios desta natureza. Ora, o que os sócios aproveitaram foi a
possibilidade no A. 11º/3 CSC e deliberam que uma determinada atividade não integra o objeto social e
este é um deles. Portanto, em princípio, os gerentes ao fazerem o que fizeram estariam a ultrapassar o
objeto social. Acontece que, independentemente da questão de saber se os sócios ultrapassaram ou não o

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objeto, o objeto não limita a capacidade, sendo que só terá relevância externa nos casos previstos no A.
260º/2 CSC (nomeadamente a hipótese de má fé do terceiro).
-Quanto à extensão dos poderes de representação, no que concerne à deliberação
que proíbe a sociedade de praticar estes atos, a deliberação não é relevante para o A. 260º CSC por ser
uma deliberação de uma limitação resultante de deliberação dos sócios, sendo que o que apenas releva são
as limitações legais (não as resultantes das deliberações dos sócios; e não as resultantes do contrato de
sociedade). O que se tem de se verificar é se existe uma limitação legal, isto é, se a lei atribui esta
competência a outro órgão; se a lei impõe a intervenção prévia de um outro órgão. Ora, nas sociedades
por quotas podia relevar o A. 246º/2/c CSC, mas já referimos que a propósito do A. 246º/2 CSC, o facto
dos gerentes atuarem sem essa deliberação não afasta a vinculação da sociedade (se fizermos uma
interpretação do mesmo conforme à 1ª Diretiva em matéria de sociedades, nomeadamente o seu A. 9º).
-Quanto ao modo de funcionamento da gerência plural, aqui temos um desvio à
regra (A. 261º CSC), porque indica-se que é preciso a assinatura de 2 sócios gerentes e uma
necessariamente de um deles em específico (o que é permitido). Mas este tal sócio em específico não
atuou. Ora, quanto ao funcionamento da gerência plural (que não podemos confundir com a extensão dos
poderes de representação), estas cláusulas são oponíveis a terceiros desde que registadas publicadas→
deste modo, tendo intervindo quem não deveria, a sociedade não se encontra vinculada (só poderia estar
vinculada se B e o outro gerente vierem a ratificar posteriormente).
NOTA— A diferença entre a extensão dos poderes de representação e o
modo de funcionamento da gerência plural é que no 1º caso, o legislador quis proteger os terceiros (ele
não queria colocar os terceiros a determinar se estava determinado ato previsto no contrato, ou previsto
na deliberação dos sócios; que tipo ato seria aquele), mas no 2º caso, o legislador (e como afere Soveral
Martins) indica que o terceiro só tem de olhar para o registo e ver quem são os administradores da
sociedade
-Não estando a sociedade vinculada, o regime aplicado é o da representação sem
poderes (A. 269º CC), sendo o ato ineficaz quanto à sociedade.

NOTA— Se tivéssemos este tipo de cláusula numa sociedade anónima, este regime
do funcionamento da administração plural está previsto no A. 408º CSC (que corresponde ao A. 261º CSC;
e o A. 409º CSC corresponde ao 260º CSC) que indica que o contrato de sociedade não pode prever um
regime mais restritivo para os terceiros no sentido de uma maioria mais qualificada. Assim, será

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admissível uma cláusula do nosso caso nas sociedades anónimas? Coutinho de Abreu diz que sim
porque estas são limitações subjetivas pelo que as cláusulas também são válidas nas sociedades anónimas,
vinculando terceiros. Porém, Soveral Martins entende que existe uma lógica de igualdade/atuação
conjunta da parte dos administradores que integram o Conselho de Adm. pelo que estas cláusulas não são
admitidas, sendo consideradas não escritas e não oponíveis a terceiros.

3. Imagine, agora, que do contrato de sociedade constava, antes, a seguinte cláusula: «em
atos de mero expediente, a sociedade fica vinculada com a intervenção de um só gerente». A decidiu, na
semana passada, adquirir ao seu tio (já entrado na idade, e que, segundo dizem «parou no tempo»), e em
nome da sociedade, a prestação de serviços de design e gráfica, altamente dispendiosos. Sabendo que
ambos (A e o tio) se encontravam perfeitamente cientes da existência de outras ofertas no mercado, muito
mais apelativas e baratas, esclareça os demais gerentes sobre a necessidade de a sociedade pagar ou não
o serviço lastimável que lhe foi prestado (e ainda em dívida).

-Quanto ao fim da sociedade (que é o lucro), há a contratação de prestação de


serviços. Não é um ato contrário ao fim da sociedade porque é um negócio sinalagmático.
-Quanto ao objeto social, temos aqui um exemplo claro a propósito do referido da
relação instrumental com o objeto. Ora, qualquer sociedade poderá necessitar instrumentalmente de
serviços de design e gráfica para efeitos de imagem social, publicidade, etc. Aqui não haverá problemas
em princípio.
-Quanto à extensão dos poderes de representação, note-se que no A. 259º CSC
indica quais as competências dos gerentes→ os gerentes são competentes para a realização dos atos
necessários ou convenientes para a realização do objeto social, respeitando as deliberações dos sócios.
-Posto isto, teríamos de ir ver se temos, eventualmente, um ato que fosse
atribuído a outro órgão, o que não faz muito sentido porque este é um ato típico de gestão; e o facto de
fazer depender de deliberação dos sócios não é assim tão importante e sendo que o A. 246º CSC não tem
nenhuma hipótese que abarque o caso. Em princípio, não haveria problemas.
-Quanto ao funcionamento da gerência plural, temos aqui um caso particular
porque: a qualificação de um ato como um ato de mero expediente é uma pura cláusula relativa ao
funcionamento da gerência, isto é, através destas cláusulas será que basta ao terceiro saber contar? Ou
será que isto lhe impõe já uma qualificação do tipo de ato que está em questão para saber se a sociedade

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está ou não vinculada e se os gerentes têm ou não poderes? Isto impõe uma qualificação. Tornando isto
mais claro, apesar disto dizer respeito ao modo de funcionamento da gerência geral, nomeadamente
porque dispensa a intervenção da maioria e determina que basta a intervenção de 1, na verdade,
isto exige uma qualificação→ não está apenas a dizer um número exigido, mas sim a condicionar a
suficiência desse número ao tipo de ato praticado pelo gerente. Nestes casos (que são exceção), a doutrina
aplica também o regime do A. 260º CSC, isto é, aplica a ideia de que as limitações contratuais ou
resultantes de deliberações não são oponíveis a terceiros.
-Por consequência, a contratação será um mero expediente (estes são atos
com um relevo diminuto para a sociedade ou atos rotineiros, p.e., remuneração aos trabalhadores,
depósito de dinheiro de sociedade em instituições bancárias)? Não, e se eventualmente esta cláusula
fosse oponível a terceiros podíamos dizer que o terceiro tinha a obrigação de saber que isto não era um
ato de mero expediente, pelo que se exigia a intervenção de 3 e não de 1. Contudo, como temos esse
regime particular para estas cláusulas, vamos aplicar o A. 260º CSC e a sociedade fica vinculada,
independentemente de ser um ato de mero expediente ou não.

-Deste modo, a sociedade estaria vinculada. Porém, parece haver aqui um conluio
que motiva um abuso dos poderes de representação. Ora, independentemente de dizermos que as
limitações contratuais ou resultantes de deliberações dos sócios há atuação dos gerentes, não obstarem à
vinculação da sociedade, a verdade é que podemos ter situações limite pelas quais podemos concluir
que ainda assim não se justifica que a sociedade seja obrigada a pagar o preço.
-1ª situação — conluio/colusão→ ou seja, a existência de um acordo entre
o gerente interveniente e um terceiro no sentido de prejudicar a sociedade. Estes atos, segundo a doutrina,
são contrários aos bons costumes e como tal, nulos (A. 281º CC). Assim, sendo aqui nem teríamos de falar
da matéria da vinculação porque o ato era nulo logo.
-2ª situação — casos de abuso de representação→ casos em que apesar
do gerente atuar dentro dos limites formais da sua atuação, esta revela-se manifestamente desadequada
face ao objeto social e o terceiro sabe ou não podia ignorar que o gerente estava a extravasar do ponto de
vista material os poderes que a lei lhe confere. Nestes casos, aplica-se o regime do A. 269º CSC e o ato é
ineficaz face à sociedade.
NOTA— Estes são 2 válvulas de escape quando num caso prático algo
esteja estranho. Contudo, se não houver nesse sentido a sociedade fica vinculada. E a única via de a

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sociedade conseguir o ressarcimento dos danos é responsabilizar gerentes/administradores pela sua
atuação.

II.

-No dia 1 de fevereiro de 2020, em reunião do Conselho de Administração da Têxteis do Ave –


comércio de têxteis, S.A., foi deliberado, por unanimidade dos administradores (cinco), que a prestação
de garantias pela sociedade passaria a exigir a intervenção de todos eles. A 3 de março do mesmo ano,
um dos administradores constituiu uma hipoteca sobre um armazém da sociedade, para efeitos de com
isso assegurar o pagamento de um fornecimento de tecidos indianos à sociedade. Apercebendo-se do
sucedido, os outros administradores consideram que a sociedade se não encontra vinculada pela referida
hipoteca. Quid iuris?

-Quanto ao fim, tenha-se em atenção o fim da sociedade é o lucro. Ora, neste sentido, atos
gratuitos em princípio não serão compatíveis com o fim social. Contudo, o legislador no A. 6º CSC
consagrou 2 situações em que considera que a prestação de garantias é necessário é compatível com o fim
social:
-1º — prestação de garantias entre a sociedade dominante e a sociedade
dominada, onde, como já vimos, Coutinho de Abreu procede a uma interpretação restritiva ou teleológica
para efeitos de permitir apenas as garantias prestadas pela dominante à dominada;
-2º — prestação de garantias quando haja justificado interesse da sociedade
garante, que é o nosso caso, pelo que não teríamos problemas ao nível do fim;
-Quanto ao objeto social, parece que a hipoteca tem uma relação direta com o pagamento
dos tecidos, sendo que em princípio seria instrumental ao objeto da sociedade (que está relacionada com
o comércio de têxteis). Note-se que mesmo que o objeto social tivesse sido ultrapassado, essa
ultrapassagem tem efeitos meramente internos (e teria de se falar aqui, o que não é o caso, da:
responsabilização, destituição com justa causa), tendo apenas um efeito externo quando um terceiro sabia
ou não podia ignorar essa “ultrapassagem”.
-Quanto à extensão dos poderes de representação, a norma nas sociedades anónimas que
releva é o A. 409º CSC. Temos de averiguar se temos alguma limitação legal, isto é, se o legislador atribui

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esta competência a outro órgão que não o Conselho de Adm.; e se sendo uma competência do Conselho
de Adm. o legislador impõe necessariamente um requisito prévio ou não (p.e. uma deliberação).
-Vendo o A. 406º/e) e f) CSC, verifica-se que compete ao Conselho de Adm.
deliberar sobre a “aquisição, alienação e oneração de bens imóveis” assim como, a “prestação de
cauções ou garantias pessoais ou reais pela sociedade”→ deste modo, parece ser exigível uma
deliberação do Conselho de Adm. Vendo também o A. 409º CSC, podemos ser levados a pensar que
efetivamente ao se exigir esta deliberação estávamos perante uma imposição do legislador cuja falta
obstaria à vinculação da sociedade. Porém, a particularidade é que ao passo que no A. 246º CSC está em
causa uma deliberação de um órgão externo aos gerentes que estão a atuar (diferente da gerência), aqui,
no A. 406º CSC a deliberação exigida é do próprio Conselho de Adm. (onde os administradores
integram), pelo que é uma questão meramente interna que o terceiro não deve ter de conhecer.
-Perante o A. 409º CSC percebe-se que também só consideram irrelevantes as
limitações constantes do contrato de sociedade e as limitações resultantes das deliberações dos acionistas,
sendo eu não temos aqui uma deliberação dos acionistas, mas do Conselho de Adm. Então quer dizer que
esta limitação tem necessariamente obstar à vinculação da sociedade? Não, porque importa que se faça
também uma interpretação conforme a 1ª Diretiva em matéria das sociedades. Portanto, esta é uma matéria
em relação à qual a ausência de deliberação por parte do Conselho de Adm. não será oponível a terceiros.
-Quanto ao modo de funcionamento da gerência plural, veja-se o A. 408º CSC, é
necessário o exercício conjunto maioritário (aqui precisamos de 3 dos 5 sujeitos), mas apenas atuou 1.
Logo, a sociedade não está vinculada porque não se cumpriu o conjunto maioritário.

NOTA— Imaginando-se que intervinham os 3 e que um outro administrador vinha afirmar


que numa deliberação que para a realização deste ato era necessário a intervenção de todos, pelo que a
sociedade não está vinculada→ Ora, a sociedade ficava vinculada na mesma porque uma deliberação
destas não pode estabelecer um regime diferente oponível a terceiros porque o A. 408º CSC indica é que
o regime pode ser afastado por cláusulas do contrato (não por deliberações). Contudo, mesmo que fosse
uma cláusula contratual, não poderia exigir a intervenção de todos os administradores, porque numa
sociedade anónima, aplicando-se-lhes o A. 408º CSC, apenas permite cláusula que estabeleçam o número
menor.
-Ficando a sociedade vinculada, o Conselho de Adm. podia depois exigir a
responsabilidade interna dos administradores por violarem uma diretriz interna.

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