Ebook Direito Agrario Ambiental
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AMBIENTAL
COORDENADORES
ORGANIZADORES
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Direito Agrário Ambiental
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Profª. Maria José de Sena — Reitora
Prof. Marcelo Brito Carneiro Leão — Vice-Reitor
Conselho Editorial
Presidente Marcelo Brito Carneiro Leão
Diretor da Editora da UFRPE Bruno de Souza Leão
Diretora do Sistema de Bibliotecas da UFRPE Maria Wellita Santos
Conselheiros Andréa Carla Mendonça de Souza Paiva
Bruno Benetti Junta Torres
Fernando Joaquim Ferreira Maia
Maria do Rosario de Fátima Andrade Leitão
Monica Lopes Folena Araújo
Rafael Miranda Tassitano
Renata Pimentel Teixeira
Soraya Giovanetti El-Deir
Positivo e negativo
Filiada a
Inclui referências.
CDD 346.044
ISBN: 978-85-7946-256-6
Direito Agrário Ambiental
Epígrafe
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Direito Agrário Ambiental
ÍNDICE
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Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
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• BEZERRA, Gregório Lourenço. Memórias (segunda parte: 1946-1969). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira. 1980.
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Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
Pensar a crise ambiental hoje, em um cenário cada vez mais caótico em todo o
mundo, exige uma abordagem multidisciplinar e que esteja associada ao contexto social
no qual esta se insere; assim sendo, tal crise se coloca intimamente relacionada a outras
problemáticas, como a questão das desigualdades de gênero6, vivida por milhares de
mulheres em todo o mundo, as quais a depender de suas condições geográficas e
econômicas, possuem efeitos distintos.
A formação histórica de cada país, sua posição na economia do mundo, as
condições climáticas e as políticas ambientais adotadas por cada um deles são alguns
fatores que possuem enorme influência na análise da situação das mulheres de uma
determinada região, sobretudo quando se fala no semiárido brasileiro, que possui
características ambientais e socioeconômicas bastante específicas.
Caracterizar, pois, essas relações desiguais entre gêneros atreladas à crise
ambiental atual é uma tarefa salutar em duros tempos de capitalismo destrutivo inserido
em seu contexto de reestruturação produtiva7 e política neoliberal. Tal conjuntura
2
Docente do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba.
3
Graduanda do curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba.
4
Graduando do Curso de Direito do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da
Paraíba.
5
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba.
6
Sobre o conceito de gênero, Miriam Pillar Grossi coloca: "(...) gênero é uma categoria usada para pensar
as relações sociais que envolvem homens e mulheres, relações historicamente determinadas e expressas
pelos diferentes discursos sociais sobre a diferença sexual. Gênero serve, portanto, para determinar tudo o
que é social, cultural e historicamente determinado (...)”. (GROSSI, 1998)
7
Sobre a crise estrutural do capital e a reestruturação produtiva e suas consequências, Ricardo Antunes
coloca: "(...) A crise experimentada pelo capital, bem como suas respostas, das quais o neoliberalismo e a
reestruturação produtiva da era da acumulação flexível são expressão, tem acarretado, entre tantas
consequências, profundas mutações (...) (...) Desemprego estrutural, um crescente contingente de
trabalhadores em condições precarizadas, além de uma degradação que se amplia, na relação metabólica
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entre homem e natureza, conduzida pela lógica societal voltada prioritariamente para a produção de
mercadorias e para a valorização do capital." (ANTUNES, 2009, pag,17).
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Se utiliza el término esencialista para designar doctrinas filosóficas y posiciones ideológicas que se
basan en explicaciones deterministas para las cuales la realidad se reduce a la esencia de los entes por lo
que posee propiedades intrínsecas de carácter universal (atemporales y aespaciales) que permanecen tras
los cambios producidos en el contexto (Ferrater Mora apud RICO, 1998). En este caso, la esencia estaría
consustanciada con el sexo y su papel en la reproducción de la especie, de ahí su propiedad biologicista.
(RICO, 1998)
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participação efetiva das mulheres nesses espaços, além de incluir a pauta de gênero
como um dos pontos de partida para a construção de outra proposta de desenvolvimento
sustentável que atente para a discussão ampla da questão de gênero como necessária ao
próprio desenvolvimento.
Outra corrente, a de mulheres e meio ambiente, foi e ainda é muito utilizada
como base para diversos programas e políticas ambientais voltados para as mulheres;
basicamente defende a ideia de que as mulheres são as principais "voluntárias" para o
desenvolvimento.Está centrada no objetivo de conseguir a propriedade do uso dos
recursos naturais e a proteção da natureza. Tal corrente mostra-se insuficiente também,
pois possui ainda algumas heranças do inicial essencialismo ecofeminista, ainda que
com menor intensidade, visto que, mesmo tendo sido responsável por algumas
conquistas referentes à percepção da necessidade de uma especificidade nas políticas
ambientais para as mulheres, a construção de tais políticas ainda falha no sentido de
atribuir apenas a elas tal tarefa e de não se ater às especificidades e multiplicidades das
mulheres referentes à etnia, à classe, à raça, à localidade, dentre outras (RICO, 1998, p.
23-25).
Por último, a terceira corrente teórica desse tema é a de gênero, meio ambiente e
desenvolvimento sustentável; esta, ao inserir o conceito de gênero e procurando negar o
essencialismo das correntes anteriores, introduz no debate a necessidade de (re)pensar
as mulheres incluídas em um contexto de relações sociais de poder, cujos postulados
identificam heterogeneidades existentes entre as mulheres referentes ao seu caráter
socio-histórico e cultural, principalmente colocando que nem todas as mulheres
vivenciam os efeitos da degradação ambiental de igual forma, pois nos interstícios de
cada realidade encontram-se especificidades que devem ser consideradas, como: raça;
classe, etnia, formação histórica, economia política do país, localidade regional e
territorial, etc.
É partindo, pois, da corrente que insere o debate de gênero nas análises sobre a
questão ambiental e a construção de propostas de desenvolvimento sustentável e
contextualizam-na nas relações sociais e culturais que envolvem a amplitude da questão
que efetivamente será possível a desconstrução dos paradigmas impostos nessas
relações, a fim de buscar maneiras alternativas de solução da crise, construindo, assim,
uma nova racionalidade ambiental que parta das experiências e ações dos próprios
sujeitos inseridos nesse processo. Somente quando consideradas as diferentes relações
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sociais e históricas que cada mulher vivencia é que se poderão construir de fato
propostas efetivas que unifiquem gênero e questão ambiental.
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A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) é uma rede formada por mil organizações da sociedade civil
que atuam na gestão e no desenvolvimento de políticas de convivência com a região semiárida. Sua
missão é fortalecer a sociedade civil na construção de processos participativos para o desenvolvimento
sustentável e a convivência com o Semiárido, referenciados em valores culturais e de justiça social.
ARTICULAÇÃO SEMIÁRIDO BRASILEIRO. Disponível em:
<http://www.asabrasil.org.br/Portal/Informacoes.asp?COD_MENU=97> Acesso em: 12 mar. 2015.
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propriedade dos recursos naturais e da apropriação destes por uma pequena minoria
privilegiada.
Os reflexos da desigualdade de gênero se materializam com bastante força nas
mulheres do semiárido, sobretudo nas mulheres rurais que vivem da agricultura; estas,
além de sofrerem com toda má condição de vida no campo, são atingidas por violências
e explorações específicas devido à sua condição de mulheres, tais como:
superexploração e invisibilização do seu trabalho, violência doméstica, dificuldades de
acesso a políticas públicas e a recursos naturais, como o abastecimento de água, a
energia, o esgotamento sanitário,dentre outros.Como coloca Oliveira:
(...) as mulheres rurais, além de resistirem às adversidades das condições
ambientais e viverem relações de poder expressas na concentração da terra,
enfrentam relações de subordinação de gênero na esfera privada/doméstica e
na esfera pública. Essas situações são manifestas nas estruturas de poder, na
família, nas relações de parentesco, na legislação, na sexualidade e no mundo
do trabalho, articulando diferentes sistemas de exploração (...) (OLIVEIRA,
2011).
atividades ficarem apenas para as mulheres, como: o trabalho doméstico, o cuidado dos
idosos e dos doentes, bem como a produção para consumo próprio e da família. Tal
constatação pode ser verificada, inclusive, nas estatísticas analisadas no trabalho
“Estatísticas rurais e a economia feminista: um olhar sobre o trabalho das mulheres”,
organizado por Alberto Di Sabbato, em que os dados do PNAD/IBGE (Plano Nacional
por Amostra de Domicílios) de 2006 mostravam uma grande diferença entre a jornada
semanal de trabalho dos homens e a das mulheres: uma média de 44,2 horas pra aqueles
e 35,4 horas para estas.
Esse resultado bastante inferior da jornada semanal de trabalho das
mulheresevidencia a naturalização dos papéis sociais atribuídos a elas, o que acaba
tendo uma influência determinante na divisão sexual do trabalho, que se torna muito
mais precarizado, ou mesmo invisibilizado, uma vez que muitas dessas atividades, em
sua totalidade relegadas às mulheres, não são reconhecidas enquanto um trabalho,
dificultando até mesmo o seu autorreconhecimento enquanto trabalhadoras.
Maria Emília Lisboa Pacheco, em seu trabalho sobre “A questão de gênero no
desenvolvimento agroecológico”,coloca as dificuldades do reconhecimento e do
autorreconhecimento dessas mulheres enquanto trabalhadoras:
Embora elas participem de numerosas atividades agrícolas e extrativas em
dupla ou tripla jornada, a invisibilidade de seu trabalho permanece. Quando
mulheres e crianças realizam o mesmo trabalho que o homem, é comum
dizer-se que estão “ajudando”. Desde 1991 os movimentos de mulheres
lançaram campanha por seu reconhecimento como trabalhadoras rurais. O
paradigma dominante na economia reforça duplamente essas desigualdades.
Ignora o trabalho reprodutivo não pago, tornando invisível a maior parte da
produção feminina, e ignora a divisão sexual do trabalho. (PACHECO,
2009).
incisiva, tendo a desigualdade de gênero como fator marcante nesses problemas, como
colocam Cintão e Heredia:
Embora a carência de infraestrutura afete o conjunto dos moradores dos
domicílios rurais, ela atinge especialmente as mulheres, por ser a moradia um
dos espaços importantes do trabalho realizado por elas. (...) A falta de
abastecimento de água e de sua canalização interna no domicílio é talvez o
elemento da infraestrutura que mais consequências traga para o trabalho das
mulheres na zona rural, dado que em geral compete a elas a busca de água
para o abastecimento da casa (no caso de não se terem fontes de água
próximas à casa) e que a falta de canalização interna dificulta em muito todas
as atividades domésticas, como cozinhar, lavar a louça, lavar roupas, o
cuidado com as crianças (banho e asseio).(...)No Nordeste, este fato é
provavelmente agravado pelas condições do semiárido, que levam, nos
períodos de seca, mulheres e crianças a terem que se deslocar quilômetros em
busca de água.(...)(CINTRÃO;HEREDIA, 2006, p. 3, 4).
11
Fernandes e Welch apud Azevedo conceituam:“agronegócio” (agribusiness) é o complexo de sistemas
que compreende agricultura, indústria, mercado e finanças, de modo que o movimento desse complexo e
suas políticas formariam um modelo de desenvolvimento econômico controlado por corporações
transnacionais, que trabalham com um ou mais commodities e atuam em diversos outros setores da
economia. O controle desse complexo teria também forte influência sobre os processos de construção de
conhecimento, de tecnologias e políticas agrícolas. Seriam também de forte referência ao sistema agrícola
do agronegócio a monocultura, o trabalho assalariado e a produção em grande escala. (FERNANDES;
WELCH apud AZEVEDO, 2012, pag.18)
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Segundo Saffioti (2004), consideram-se como patriarcado casos específicos das relações de gênero, em
que estas são desiguais e hierárquicas.
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Construir, pois, a convivência com o semiárido exige essa mirada para além do
desenvolvimento sustentável por si só, uma vez que essa construção envolve inúmeras
outras questões que a priori parecem estar muito distantes, mas que na dialética das
relações sociais, põem-se comoindissociáveis, consoante nos mostram as experiências
das mulheres do semiárido brasileiro.
Outros exemplos da indissociabilidade entre as questões de gênero e a questão
ambiental ocorrem dentro dos movimentos sociais e campesinos que, em sua maioria,
possuem como pauta a questão da luta pela terra, pela água, por melhores condições
para os/as atingidos/as por barragens, etc., e que, embora não sejam especificamente e
diretamente movimentos de cunho ambiental, têm como fundamento uma nova forma
de relação entre o ser humano, a terra e os recursos ambientais como um todo.
No interior desses movimentos emergiram, desde a década de 70, setoriais
especificamente responsáveis para tratar da temática das especificidades da mulher,
recentemente, com um debate muito mais ampliado nesse sentido, as discussões têm
girado em torno da inserção da questão de gênero, conceito muito mais amplo, como
pilar estruturante dessas lutas.
A emergência de tais organizações de mulheres dentro dos próprios
movimentos evidencia a necessidade de ampliar o debate a respeito dessa questão
nesses espaços e, principalmente, de reivindicar essas pautas como fundamentais para a
própria conquista e efetivação dos recursos naturais por parte de todos e de todas.
Em 2015, as setoriais de mulheres da Via Campesina, juntamente com as do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), da Federação da Agricultura Familiar (FAF) e do Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA), elegeram como tema anual das suas chamadas
“jornadas de lutas” o tema: “Mulheres em luta: por soberania alimentar, contra a
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mulher, pela redução da violência, pela igualdade de direitos e pelo acesso às políticas
públicas.
Estas são pautas e demandas que atingem recorrentemente as mulheres do
semiárido, que, por suas condições territoriais, sentem a crise ambiental de uma maneira
bastante dura e singular. O que há de mais relevante na consideração da experiência de
tais movimentos é essa capacidade de articular conjuntamente a pauta de gênero e da
sustentabilidade, de maneira que os seus projetos, suas ações e reivindicações tenham
um enorme potencial para ser uma alternativa eficaz e que contribuam de fato para uma
mudança estrutural nas bases que fundamentam essas problemáticas, articulando e
unificando demandas tão imprescindíveis hoje como a igualdade de gênero e o
desenvolvimento sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O semiárido brasileiro, caracterizado por suas singularidades climáticas e
sociais, se coloca como uma região repleta de contradições e desigualdades, mas,
sobretudo, de possibilidades de convívio com essas diferenças, mostrando-se, então,
como um campo importante a ser explorado em suas diversas experiências de
convivência sustentável com a realidade socioambiental.
As intersecções entre as questões de gênero e a crise ambiental são
comprovadas pelas diversas experiências de movimentos sociais e organizações da
sociedade civil que atuam na região semiárida e também em âmbito nacional; tais
organizações se evidenciam no cotidiano das relações e da luta por questões, como:
direito aos recursos hídricos, melhor infraestrutura do campo, direito à terra e ao
território, direito a políticas públicas para o semiárido, dentre outros direitos ambientais
e sociais. Percebe-se, então, que as mulheres que compõem tais realidades e
organizações sentem também a necessidade de reivindicar junto a essas pautas questões
especificas das relações desiguais de gênero que as afetam.
Revisitar as discussões sobre ambos os temas, buscando as contribuições que
um pode oferecer ao outro, cria bases necessárias para a construção de uma nova
racionalidade ambiental que considere as heterogeneidades e as contradições das
relações socioambientais existentes hoje e a enorme gama de identidades que possui a
categoria mulher em seus mais diferentes contextos e realidades, entendendo que as
crises ambientais atingem a cada uma de maneira distinta.
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REFERÊNCIAS
AS-PTA AGROECOLOGIA. V Marcha pela vida das mulheres e pela agroecologia
reunirá 3.500 agricultoras em Massaranduba–PB. Disponível em:
<http://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/noticias-para-o-boletim/621-v-
marcha-pela-vida-das-mulheres-e-pela-agroecologia-reunira-3-500-agricultoras-em-
massaranduba-pb> Acesso em: 05 abr. 2015.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. 6. ed, São Paulo: Boitempo Editorial,
2002.
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INTRODUÇÃO
Um grande número de comunidades quilombolas vive no mundo rural e
desenvolveu modelo próprio de subsistência, adaptando os conhecimentos trazidos às
condições territoriais e geográficas. São grupos que se organizam no campo, com
características próprias, e desenvolvem estratégias de sobrevivência e resistência para
preservar o modo de vida comum, resgatar e ressignificar sua identidade. Recriam, à sua
maneira, técnicas de agricultura, processamento de produtos agrícolas, medicina
humana e veterinária fitoterápicas, confecção têxtil e artesanal, construção manual de
instrumentos de trabalho. Assim, têm um modelo econômico e cultural próprios. Para
garantir os direitos territoriais desses povos, e aconsequente preservação cultural e
socioeconômica, concebeu-se a ideiade economia social para comunidades quilombolas,
com um campo próprio do etnodesenvolvimento, em projetos do campesinato quilombola.
A Constituição Federal, no art. 68 do Ato de Disposições Transitórias,
reconheceu às comunidades quilombolas o direito aos territórios que ocupam. A noção
de territorialidade é fundamental para a organização socioeconômica das comunidades
afro-rurais, sendo mais complexa do que a de simples propriedade da terra. Trata-se de
direito coletivo que abrange um plexo de direitos fundamentais composto pela
titularidade da terra, pela preservação da identidadeda dignidade. Compreende a
totalidade da vida, incluindo a proteção jurídica dos modos de sobrevivência, as
relações de produção e de troca. Sobre os fundamentos do modelo jurídico-
organizacional desses modelos econômicos particulares que se constituem nesses
territórios, e com cunho prospectivo e crítico, desenvolve-se a presente reflexão.
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Parte do texto consta originariamente em projeto apresentado ao CNPq, mas não publicado.
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Mestre e doutora em Direito pela PUC SP. Professora Titular na Universidade Federal de Goiás.
Professora na Universidade de Ribeirão Preto. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq.
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Segundo Paul Singer (2005, p. 86, 87), “A economia solidária cresce em função das crises sociais que a
competição cega dos capitais privados ocasiona periodicamente em cada país”. Para o autor, surge no
Brasil, nesta etapa histórica, provavelmente como resposta à grande crise de 1981/1983 (2005, p.87).
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junho de 2003, em nível federal, pela Lei n.10.683 e pelo Decreto n. 4.764 (depois
revogado pelo Decreto 5.063 de 2004), com a criação da Secretaria Nacional de
Economia Solidária (SENAES), pasta ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), como resultado da mobilização de atores sociais atuantes em diversas áreas.
Segundo as fontes oficiais (MTE – SENAES, 2014), são em torno de 20 mil os
empreendimentos de economia solidária identificados em projetos produtivos coletivos,
organizados em empreendimentos diversos, utilizando o instrumental jurídico
diversificado: cooperativas populares de coleta e reciclagem de materiais; redes de
produção, comercialização e consumo responsável; como bancos comunitários,
cooperativas de crédito e fundos solidários mapeados; cooperativas de agricultura
familiar e agroecologia; cooperativas de prestação de serviços, de educação e cultura;
entre muitos outros. Alguns estados federados e municipalidades têm regulamentação
para a economia solidária. Essa realidade não tem aparato jurídico próprio e
sistematizado, seja do ponto de vista da construção teórica, da elaboração de institutos
ou de regulamentação e fundamentação jurídica adequada.
Dando maior especificidade de tratamento aos empreendimentos sociais das
comunidades étnicas, notadamente os afrodescendentes, na esfera da economia solidária a
Conferência Nacional de Economia Solidária tem levado adiante um projeto de incentivo à
etnoeconomia, ou etnodesenvolvimento, fundada na economia cultural, com o objetivo de
preservar as comunidades tradicionais e os valores culturais na construção de modelos de
economia social. Esse é o panorama do estudo jurídico das organizações econômico-sociais
quilombolas.
Por outro lado, no Brasil e em outros países, vários projetos vêm sendo
desenvolvidos, pelo poder público, para enfrentar a pobreza, preservar os modos de vida e
subsistência quilombola. Mas de maneira insuficiente.
Os quilombolas, depois da Constituição Federal de 1988, que lhes garantiu direitos
coletivos, passaram a ser sujeitos coletivos de políticas públicas. A insuficiência das políticas
públicas de proteção às comunidades quilombolas, notadamente as políticas econômicas,
evidencia-se sobremaneira nos relatórios e estudos apresentados pelos órgãos oficiais sobreo
tema (INCRA, 2015). Paula e Heringer (2014, in passim), refletindo sobre as políticas
públicas para as comunidades quilombolas, nos induz à conclusão de que não há uma política
pública específica para o seu desenvolvimento econômico, embora (acrescenta-se). Se deva
considerar que nos fóruns de economia solidária haja uma preocupação com o que se tem
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liberdades reais que as pessoas desfrutam, como propõe Amartya Sen (2001, in passim)
na obra Desenvolvimento como liberdade. Amplia-se, com isso, a noção de
desenvolvimento para além dos números do produto interno bruto ou de indicadores de
industrialização, avanço tecnológico ou modernização social. Desenvolvimento como
bem viver, vivendo no modelo construído a partir da ancestralidade.
É preciso considerar que o estado democrático de direito, constituído a partir
de 1988, legitima-se na soberania popular, respeitante da pluralidade cultural e social. A
ordem econômica, em qualquer nível, há de ser tratada como fator de preservação dessa
diversidade de organização humana. Deve ser equânime ao menos como oferta de
oportunidades. O poder público deve garantir isso, o que impõe uma concepção mais
ampla do político. O direito deve oferecer o suporte, e a pesquisa jurídica deve voltar-
se a isso.
O Estado que respeita a livre iniciativa, por ser liberal, há de respeitá-la nos
limites autorizativos de uma economia de desenvolvimentos humanos coletivos
variáveis culturalmente e sustentáveis, em que se garanta a participação dos muitos
povos na ordem econômica. O pluralismo econômico integra o pluralismo político
postulado na Constituição Federal.
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Essas quatro dimensões da vida constituem uma unidade e têm por base o
princípio do equilíbrio recíproco. Para isso, são necessárias ferramentas que integrem
com justiça essas quatro dimensões, consideradas as possíveis interferências indesejadas
e prejudiciais de uma sobre a outra. Assim, o econômico não pode prejudicar o social, o
individual ou o ecológico. E o direito deve ser preservado, como também deve
assegurar esse esquema, sendo a sua ferramenta por excelência. Os institutos jurídicos e
as normas jurídicas devem concretizar o âmbito econômico, respeitando o social, o
individual e o ecológico.
De acordo com Bautista (2014, in passim), encontramo-nos, na América
Latina, em uma conjuntura histórica ímpar, na qual engendramos outra ideia de
economia. Já não é suficiente produzir outra economia comunitária ou transmoderna,
senão, também, produzir os conceitos e as categorias com os quais fazer inteligível,
pensável e possível esse outro projeto. Segundo o autor, o problema não está em
somente questionar o capitalismo, o modelo neoliberal ou o socialismo real do século
XX, senão em problematizar e criticar as racionalidades que os pressupõem e lhes
dãosentido, para não recair no que sempre criticamos e queremos superar (BAUTISTA,
2014, p. 14).
A economia social é um modelo econômico de mercado que se distingue da
economia mercantil monetária e salarial, utilizando instrumentos jurídicos, econômicos,
políticos adequados para isso. Constitui-se por empreendimentos autogestionados, que
combatem condições instituídas de heteronomia, e só têm sentido se assim o
for(CASTORIADIS, 1987, p. 424). Segundo Boyer (1986, apud, BRUNO, 2014,
p.120), economia de mercado e capitalismo não são a mesma coisa. É possível manter
uma economia social de mercado sem o regime assalariado capitalista. Nessa concepção
se constroem a ideia de economia social e os instrumentos jurídicos que a aportam.
A economia social integra um setor da atividade econômica distinto do setor
estatal e do setor privado convencional, empresarial capitalista, e responde por ele um
campo de regulação jurídica coletiva. Setor social, coletivo que se serve dos
instrumentos e das teorias do direito privado, numa racionalidade microeconômica. E
não se trata tão somente da diretriz do direito econômico, que é fundamental, pois
regula a apropriação dos excedentes, seus reflexos na organização da dominação social
e as possibilidades de redução ou ampliação das desigualdades” (BERCOVICCI, 2015).
Como explica Bercovicci, esse ramo do direito - o econômico - tem uma racionalidade
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Num sentido ampliado de diversidade cultural.
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territórios tradicionais por grupos externos, fiscalizadas pela organização local, que
também recebe um valor contratual pelo produto da atividade. Garantir os direitos
coletivos do grupo, nesses casos, é de grande complexidade.
O quarto micromodelo apontado consiste no controle total do processo
econômico por parte da comunidade étnica local, envolvendo o controle de todas as
fases do processo econômico - produção, beneficiamento, escoamento, comercialização
e reinvestimentos - em mãos de uma organização étnica, seja local ou regional.
O quinto micromodelo relatado por Little consiste no agregar valor econômico
étnico aos produtos, estabelecendo um nicho diferenciado no mercado. É um
desdobramento do quarto modelo e é implementado quando o grupo étnico tem controle
total sobre o processo produtivo. É um modelo econômico avançado e exige
aprimoramento e maturidade do grupo étnico.
Todos os modelos surgem de realidades próprias e específicas de comunidades
tradicionais, mas são instrumentalizados por institutos jurídicos universais, por negócios
jurídicos associativos tradicionais, submetendo-os às normas do direito empresarial
tradicional, o que merece críticas, pois não alcança a tutela daqueles direitos coletivos
propalados pela Conferência Nacional de Economia Solidária - CONAES.
Por outro lado, o etnodesenvolvimento, segundo sua proposta inicial, exige a
realização de políticas públicas de fomento à produção sustentável. Isso inclui linhas de
crédito, financiamento para inovações tecnológicas apropriadas, certificação
participativa, apoio à comercialização, assessoria técnica e formação diferenciadas. Isso
exige políticas não experimentais, nem temporárias, tampouco universalizantes e
assistencialistas. Pressupõe a criação de instrumentos legislativos mais amplos, nos
moldes como se tem apresentado nos planos de economia social em outros países, a
exemplo de Portugal e da Colômbia. Demanda a análise das propostas segundo os
princípios e as dimensões da economia social.
A questão quilombola constitui pauta específica dessas políticas e, tendo em
vista a complexidade da situação, demanda um estudo jurídico próprio.
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democrática. Isso é ocultado pela história e reforçado por uma estrutura jurídica dominadora,
que faz sucumbir sujeitos que não se identificam com o perfil do indivíduo capacitado à
circulação de riquezas e à apropriação de bens. O que se tem é que, além da escravidão, há
um sistema excludente que gera situações de resistência e luta.
A escravidão, no Brasil, durou mais que em outros países do continente. Somada ao
regime de negação de direitos, deu origem à resistência quilombola- fugas de escravos,
formação de coletividades, manifestações culturais, que incluíram, muitas
vezes,afrodescendentes livres. O que se verifica, nesse contexto, é que a presença dos negros
libertos ou não escravos é igualmente marginalizada e ocultada na história da América
Latina. E há uma continuidade de negação e subjugo que permanece até os tempos atuais,
com a igual e histórica resistência quilombola. Busca-se hoje, diante dessa situação, a
redenção histórica pela garantia mínima de direitos e execução de políticas públicas para
esses povos que fizeram da própria existência a luta, desenvolvendo um novo conceito de
comunidade.
O conceito de comunidade quilombola é determinante para o reconhecimento
dos sujeitos, e a concretização dos direitos, para a definição de políticas públicas e
metas para esses povos. No direito brasileiro, o conceito está em processo de
construção. A Constituição Federal brasileira fala em “remanescentes das comunidades
de quilombos”, no artigo 68 do ADCT, tendo surgido, a partir dos debates da
Assembleia Constituinte de 1988, no Brasil, como sobras de um passado.
Remanescente é, segundo de Andrade e Treccani (ANDRADE; TRECCANI,
1999, p. 47),
[...] a situação presente dos segmentos negros em diferentes
regiões e contextos, e é utilizada para designar um legado, uma herança
cultural e material que lhe confere uma referência presencial no sentimento
de ser e pertencer a um lugar específico [...].
Isso afasta a ideia que sugere sobra, resto, ideia usada pelos partidários da
desqualificação das formações quilombolas como emanação de processos histórico-
culturais. Gente que nega a essas comunidades o reconhecimento da força e da luta por
direitos.
A noção de quilombo, no Brasil, vem do uso da definição da palavra feita pelo
Conselho Ultramarino de 1740. Quilombo, no uso daquele Conselho, é “toda habitação
de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham
ranchos levantados nem se achem pilões neles”. O termo quilombo, segundo O’Dwyer
(2005, p. 91-111), é objeto de ressemantização para identificar comunidades negras
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ocorreunas Constituições do Pará (Art. 232), de Mato Grosso (Art. 251 e 33 do ADCT),
da Bahia (Art. 51), do Maranhão (Art. 229 do ADCT) e de Goiás (Art. 16 do ADCT).
Vários estados da Federação incorporaram o direito de titulação das terras,
previsto no art. 68 do ADC, nas suas constituições.
No estado do Pará, o artigo 322 da Constituição dispõe que, “Aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos
no prazo de um ano, após promulgada esta Constituição”. A Constituição Estadual do
Pará repete o texto do art. 68 do ADCT, fixando o prazo de 1 (um) ano para o Estado
desincumbir-se da tarefa fixada nos textos jurídico-constitucionais.
A Constituição do Mato Grosso também regulamenta o assunto, tratando mais
de negar do que de conferir direitos. O artigo 33 dessa Carta exige tempo de ocupação
para a obtenção da titulação maior que 50 anos, lapso temporal que extrapola todos os
prazos de usucapião no Brasil, que são de 5, 10 e 15 anos. Ademais, é importante
recordar que, para a usucapião especial rural, a Lei 10.406/02, incorporando o disposto
no artigo 183 da CF, exige 5 anos.
Na Constituição mato-grossense, as comunidades quilombolas estão inseridas no
conjunto do patrimônio cultural do Estado, o que os coisifica e acaba por desconhecer a
plenitude de sua existência como sujeitos de direitos. Vê-se que a axiologia
constitucional volta-se à conservação do remanescente do passado e não a garantir
direitos sociais a esses grupos específicos da sociedade.
Na Bahia, regula a matéria o dispositivo constitucional: “Art. 51 - O Estado
executará, no prazo de um ano após a promulgação desta Constituição, a identificação,
discriminação e titulação das suas terras ocupadas pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos”. Pelos dados apresentados anteriormente, levantados pelo
IPEA (2014), o Estado está longe de cumprir o prazo fixado, de um ano, para a titulação
dos territórios quilombolas situados na Bahia, incorrendo em omissão inconstitucional.
No Maranhão, a matéria está disciplinada no Capítulo VI da Constituição
Estadual, relativa à educação, à cultura e ao desporto, na Seção II, que trata da Cultura,
da seguinte forma: “Art. 229. O Estado reconhecerá e legalizará, na forma da lei, as
terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.” O Maranhão foi o
primeiro estado, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a reconhecer
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CONSIDERAÇOES FINAIS
Os direitos coletivos das comunidades quilombolas no ordenamento jurídico
brasileiro é insuficiente e, quando existe norma regulando algum assunto, em regra, não
logra efetividade.
No plano econômico, os quilombolas são tratados como resquícios de um
sistema de exploração, ou transformam-se em coisas, na medida em que são
considerados patrimônio cultural e histórico. Na melhor das hipóteses, seus direitos
integram a noção civilista de propriedade da terra.
Por outro lado, a normatividade resultante da tomada jurídico-política da
realidade é incapaz de estabelecer uma ordem coletiva, com sentido comunitário. O
coletivo que se estabelece é, em realidade, a individualização a partir de generalizações-
o que retorna ao modelo individualista liberal moderno . Falta aparato jurídico que
acolha o modo de vida desses grupos, na circunstância de sujeitos coletivos de direitos.
É possível que a proposta de etnodesenvolvimento, na esfera da economia solidária,
origine construções jurídicas mais adequadas. Mas isso exige a realização de políticas
públicas e a adequada estrutura dos subsistemas econômico, jurídico e político para que,
na iteração entre eles, um não inviabilize o outro ou a proposta de vida original, nos
seus diferentes aspectos.
As políticas públicas não podem ter caráter provisório, experimental,
temporário, tampouco podem cair no universalismo, na generalidade e no
assistencialismo. Além disso, é necessário que sejam observados os princípios e as
dimensões da economia social e a complexidade da situação quilombola, com as muitas
variações de comunidade a comunidade.
É necessário ter-se em conta, e as políticas públicas hão de reafirmar, o direito ao
território comum como espaço de subsistência e de realização de modelo econômico coletivo
próprio, com instrumentos jurídicos adequados para uma economia participativa, com
modelo de gestão democrática.
A estrutura normativa que rege essa política não pode determinar o funcionamento
interno da organização econômica própria das comunidades e de suas formas de gestão. Deve
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Direito Agrário Ambiental
REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda os agregados minerais para a construção civil,
apresentando conceituações, aspectos legais, ambientais e a relação com a
sustentabilidade, num momento histórico do setor minerário nacional. Atualmente, a
legislação brasileira para bens minerais, vigente desde 1967, deverá ser alterada pelo
Novo Marco Legal para a Mineração Brasileira (NMMB). O texto, inicialmente,
descreve em que contexto a proposta legal se originou, procurando evidenciar as
justificativas que demandam uma nova legislação para o setor.
Estudar a mineração requer um aprofundamento do tratamento constitucional
sob o aspecto do Direito Mineral, Administrativo ou Ambiental. O artigo apresenta
conceitos técnicos, considerações acerca das destinações dadas aos bens minerais,
enquanto bens de interesse social e de utilidade pública, o que acaba justificando o
aumento e a aceleração da produção mineral nacional, conforme propõe o projeto do
novo código.
O artigo também aborda aspectos técnicos e legais da mineração para a
prospecção de minérios metálicos, que possui peculiaridades distintas da mineração
para agregados. Para aprimorar o entendimento, o texto elenca características
ambientais da mineração para diferentes tipos de bens minerais, bem como questões de
mercado, particulares ao setor.
Tratar de mineração em concomitância com a sustentabilidade é essencial.
Destaca-se o forte apelo econômico, ambiental e social relacionado ao tema. A
mineração faz parte do contexto das crises que a humanidade atravessa e, sem dúvida,
1
Mestranda em Direito Ambiental/Programa de Mestrado em Direito Ambiental. Universidade de Caxias
do Sul (UCS), email: [email protected].
2
Doutor em Geociências. Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD CAPES) Universidade de Caxias
do Sul (UCS), email: [email protected]
3
Doutor em Direito. Professor no Programa de Mestrado em Direito Ambiental. Universidade de Caxias
do Sul (UCS), email: [email protected]
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3. MINERAÇÃO NO BRASIL
A mineração é um dos setores essenciais do sistema internacional, sendo o
desenvolvimento das sociedades diretamente atrelado aos recursos minerais disponíveis.
A História do Brasil revela, desde os primórdios de seu descobrimento, o
desenvolvimento de uma cultura em que o aproveitamento econômico dos recursos
sempre foi realizado ainda em estado bruto, sem beneficiamentos prévios. Esse quadro
cultural, herdado da época colonial, permaneceu sem alterações, e o Brasil, até os dias
de hoje, mantém uma política de exportações, via de regra, de minérios brutos. Ainda
com relação à história do País, diversos minerais e rochas exerceram funções-chave na
ocupação do território nacional.
Os ciclos do ouro (1580-1640) e do diamante (1721-1740) são exemplos da
extraordinária capacidade mineral brasileira. Conforme Mendo (2003, p. 24):
a mineração forjou os valores de liberdade e democracia dos brasileiros, bem
como estabeleceu o próprio território do País, assim como construiu nosso
sentimento de nação: erigiu, também, a estrutura administrativa do governo e
a burocracia estatal.
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Estima-se que o Brasil receba, até 2016, 20% de todo o investimento mundial
em mineração, ou seja, US$ 75 bilhões de um total de US$ 400 bilhões, conforme
informou o Consultor Felipe Gomes da Price Waterhouse Coopers na Exposibram
Amazônia 2012. No evento, discutiu-se a importância da “licença social”, sem a qual o
empreendimento, mesmo que devidamente licenciado junto aos órgãos reguladores, não
conseguirá desenvolver suas atividades, devido à pressão da população de seu entorno,
o que valeria também para terras indígenas. A Licença Social é um dos temas que vêm
sendo discutidos durante a elaboração do NMMB.
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Para alguns doutrinadores, o cuidado que se deve ter com o meio ambiente
emerge do direito à vida, direito fundamental do homem. Entretanto, há divergências
doutrinárias quanto a o meio ambiente ecologicamente equilibrado ser considerado um
direito fundamental (ALEXY, 2011, p. 433-434). Para alguns, seria um direito
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modificada de Bacci et al., 2006 (BACCI ET AL, 2006, p. 47-54), exemplifica impactos
normalmente verificados em pedreiras urbanas.
Tabela 4: Aspectos e impactos ambientais observados em pedreiras posicionadas em
áreas urbanas (modificada de Bacci et al., 2006)
Atividade Aspectos Impactos
Decapeamento envolvendo
Erosão, movimentação de terra e Esgotamento de recurso natural,
remoção da cobertura
assoreamento de córregos, afugentamento da fauna,
superficial, deteriorização da
alteração da paisagem, da flora e modificação e destruição da
cobertura vegetal e formação de
da fauna locais vegetação nativa
pilhas de solo
Poluição sonora, perturbação da
Perfuração de bancadas Geração de ruído e poeira vizinhança e exposição
ocupacional dos trabalhadores
Geração e propagação de ondas Riscos de danos a construções
sísmicas no terreno e no ar civis, desconforto á população
(vibração e sobrepressão vizinha, riscos de incidentes e de
atmosférica vida
Risco de danos a construções
Ultralançamento de fragmentos
civis e riscos à vida humana
Poluição sonora, desconforto à
Desmonte das bancadas com
Geração de ruído, fumos e gases população e riscos de incidentes
detonação dos explosivos
e intoxicação
Escorregamentos de taludes fora
Riscos de acidentes
do setor de desmonte
Dimensionamento correto das
Redução das vibrações e da
cargas de explosivos e dos
sobrepressão atmosférica, não
parâmetros do plano de fogo
ocorrência de ultralançamentos,
(perfuração, carregamento,
diminuição dos gases, além do
amarração dos furos, limpeza da
faturamento ideal da rocha
face, tempos de retardo, etc)
Armazenagem de explosivos e Perdas materiais e de vidas,
Riscos de explosão
acessórios de detonação poluição do ar
Poluição do ar e sonora;
Geração de poeira e ruído e
desconforto aos trabalhadores da
Carregamento e transporte do emissão de gases
mina
minério
Vazamentos de Comprometimento do solo e das
óleos/combustíveis/graxas águas superficiais
Abertura de novas vias de acesso Processos erosivos e Comprometimento dos recursos
na cava assoreamento dos cursos d’ água naturais
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Há, além disso, exemplos de cavas desativadas, empregadas como aterros para
resíduos, como a Pedreira da Pedraccon, em Porto Alegre, RS, ativa até a década de
1990, atualmente desativada. A área foi destinada para Central de Reciclagem de
Resíduos da Construção Civil e Aterro para Resíduos da Construção Civil. Há, ainda, a
cava resultante da extração de carvão das Minas do Leão/RS, onde são depositados os
resíduos urbanos de Porto Alegre e de outros diversos municípios gaúchos.
O sucesso do plano de fechamento demanda o envolvimento da empresa, do
governo e da sociedade, e requer uma avaliação das responsabilidades, com caráter
técnico, ambiental, social e financeiro. Nesse ponto reside um dos maiores desafios do
NMMB.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
8 A BR-448 (Rodovia do Parque) um projeto concebido para trazer diversos benefícios à região. Feita
com recursos da União, sem pedágios. Absorveu cerca de 40% do fluxo hoje todo concentrado na BR-
116, disponível em
http://www.rodoviadoparque.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3, Acesso em
26.12.2013.
9 XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e
transportes urbanos;
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REFERÊNCIAS
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BACCI, Denise de La Corte, LANDIM, Paulo Milton Barbosa, ESTON, Sérgio Médici.
Aspectos e impactos ambientais de pedreira em área urbana. REM - Revista Escola de
Minas, v.1, n.59, p.47-54, 2006.
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INTRODUÇÃO
A terra comporta características singulares que interessam ao capital. Nessa
perspectiva, o capitalismo surge como uma dissociação entre o homem e a terra para
que se torne uma mercadoria rentável ao capital. Para tanto, necessita da intervenção
Estatal que vai além da regulação de mercado. Atinge uma regulamentação normativa,
recorrendo ao direito para fornecer as diretrizes adequadas ao capital e à submissão dos
indivíduos da sociedade. Quando a torna propriedade, e, depois, pela modernização e
intensificação da produção, busca o capital, alicerçado no Estado e no Direito, tão
somente a extração máxima de rentabilidade de um bem que antes era coletivo e agora
passa a ser condição de poucos. Tanto o Estado como o Direito tornam-se aparatos para
a integração e consolidação do capitalismo na sociedade. E na necessidade dessa ruptura
fundamenta-se o objetivo deste trabalho: a consolidação de um novo direito agrário
amparado pelo direito comunitário à terra presente no Constitucionalismo Latino
Americano.
Apresentam-se então, o buen vivir presente no constitucionalismo latino-
americano e o conceito de direito comunitário à terra em confronto com a função
socioambiental da terra, como previsto no ordenamento pátrio, de maneira que a
proteção político-jurisdicional com apelo social à propriedade e à terra é um mecanismo
de incentivo econômico e solidez ao capitalismo. Com os ensinamentos latino-
americanos, tem-se primeiramente a ruptura com a imposição cultural europeia para o
resgate cultural de construção desses indivíduos como maneira de libertação. Para tanto,
as imposições estatais pela política e pela economia direcionadas às singularidades da
ética cultural desses indivíduos. Trata-se da retomada de consciência desses indivíduos
por meio da identificação de uns com os outros e, principalmente, com o meio
ambiente, e a proposta específica deste trabalho com a terra.
1
Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás. Professora nas Faculdades Alves Faria-
ALFA, Goiânia-GO. Contato: [email protected]
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riqueza pela terra, a sociedade em massa era pauperizada, em uma realidade invertida,
pois os que trabalhavam construíam a riqueza alheia (FLORES, 1991, p. 23- 40).
Aborda nesse sentido:
É o começo da domesticação, estruturação, colonização do “modo” como
aquelas pessoas viviam e reproduziam sua vida humana. Sobre o efeito
daquela “colonização” do mundo da vida se construíra a América Latina
posterior: uma raça mestiça, uma cultura sincrética, híbrida, um Estado
colonial, uma economia capitalista (primeiro mercantilista e depois
industrial) dependente e periférica desde seu início, desde a origem da
Modernidade (DUSSEL, 1993, p. 51).
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insurgências contra o sistema, quer seja pela força social, ou pela tomada de consciência
representativa política, sofrem iguais interferências, modificando-se com as conquistas e
o retrocesso do sistema imposto ou da própria sociedade enquanto se conhecem a si
próprios em um processo diário de reconhecimento igualitário dos indivíduos.
Chama-se esse período de descolonização, e é nesse aspecto sócioestatal que
surge o Constitucionalismo Latino-Americano. Os movimentos sociais de pressão
político-estatal invocaram a transformação institucional de abrangência de novos
sujeitos de direito e a inclusão e o reconhecimento de “novos” direitos. Como marco
constitucional, tem-se as Constituições: da Colômbia, de 1991, do Equador, de 2008; e
da Bolívia, de 2009 (BURGUETE, 2010, p. 34).
A Constituição da Colômbia de 1991 reformula a relação do Estado com os
indivíduos: o povo. A discussão popular das diretrizes constitucionais fomentou o
pensamento que ultrapassa os conceitos capitalistas e produtivistas, privilegiando a vida
em um sentido plural de diversidade de indivíduos, abrangendo a coletividade como
titular de direitos que antes eram considerados individuais, principalmente, no que tange
à propriedade privada. Houve a submissão da propriedade privada aos interesses
públicos, inclusive os sociais e ambientais, gerindo uma nova reformulação de princípio
socioambiental da propriedade, definindo a propriedade como a própria função
socioambiental da terra, ou seja, não se devem exercer ou praticar os preceitos desse
princípio, pois é intrínseco à regularidade do status de propriedade o respeito ao preceito
socioambiental. Desse modo, a ação protetiva do Estado às propriedades privadas é, na
verdade, exercida pelo regular cumprimento da função socioambiental, de modo que o
descumprimento não gera a tutela do Estado, seja por meio de proteção ou de
indenização. A propriedade perde o status de particular e assume o interesse social e,
portanto, passa a ser de direito coletivo. Embora tenha sido um texto formal devido às
interferências da repressão das guerrilhas e do narcotráfico, ainda assume papel
progressista na formulação de direitos que estejam aliados a direitos humanos de
igualdade (MARES, 2003, p.100-103).
A Constituição do Equador de 2008 e a Constituição da Bolívia refundam as
teorias constitucionais vigentes à época e fundamentam o marco a ser utilizado como
método interpretativo em busca de uma [res] significação do Direito Agrário
contemporâneo: o buen vivir. Ambas as constituições trouxeram em seu texto a previsão
de um Estado plurinacional, da participação popular e do reconhecimento constitucional
de direitos fundamentais e da diversidade cultural. O termo plurinacional, nesse sentido,
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foi utilizado como uma repleta abordagem política, econômica, cultural, lingüística,
para a integração dos indivíduos com o Estado, além da compatibilização de
desenvolvimento em suas diversas acepções, para a descolonização libertária da
condição de oprimidos para agentes modificadores e de reconhecimento jurídico-
estatais, pela democracia (FAJARDO, 2011. p. 139-160). O exercício da soberania
popular, sem a intermediação representativa-partidária, foi um dos pontos a ser
destacado dessas Constituições. Isso porque, além de participarem do Poder
Constituinte na elaboração da nova carta fundamental, houve o referendo nacional para
a aprovação do texto. Sua maior contribuição foi aos povos originários e indígenas por
meio do reconhecimento, além da cidadania, do respeito às diferenças culturais,
referendando a autodeterminação dos povos. Houve a previsão do pluralismo jurídico e
da justiça indígena paralela à jurisdição estatal configurada pelo Estado Moderno,
evidente, pois o confronto com as estruturas que privilegiam um agropensamento sai
fortificado política e economicamente na acepção capitalista.
A universalidade e a subjetividade de sujeitos relacionados ao meio ambiente
demonstram a importância constitucional marcadamente contra preceitos capitalistas. E,
por tal razão, dentro da concepção ambiental, o uso da terra de maneira que atenda à
comunidade num ensejo de vínculo puro com a vida e não com o capital é fundamental
para a busca de uma eficaz Reforma Agrária. Porém, utilizar-se-á um método de
analogia, partindo do entendimento de que são esses povos que mantêm uma relação
com a terra como meio de desenvolvimento próprio balizado pelo envolvimento vital
com a natureza. A agricultura não extensiva, aplicada pela Reforma Agrária que se
funda nesse vínculo do homem com a terra, é uma afronta ao capital, mas um meio
gerador de oportunidades. Aliar a produção à dependência é sem dúvida o interesse do
capitalismo, e parte-se desse viés para a ruptura com paradigmas institucionalizados
como de oprimidos (KOWARICK,1985, p. 150-173).
Das vertentes defendidas pelo povo boliviano, duas destacaram-se como
principais: a Reforma Agrária e a extinção do exército nacional. Como bem se sabe, o
segundo aspecto pouco perdurou. Tomou-se por base o conceito comunitário da terra e
da natureza, tornando-os elementos de direito da comunidade. Entende-se, aqui, o
nascimento formalizado do direito comunitário à terra. A nacionalização da terra e da
água como direitos comuns a todos os indivíduos da nação amplia o conceito de
propriedade, pois inclui a relação do homem, estipulando uma identidade a esse vínculo.
E, por tal razão, uma consciência de perpetuação de vida e meio ambiente adequados,
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2
“[...] los partidos no pertenecen a los órganos superiores del Estado sino que son más bien grupos
libremente formados que enraízan en la esfera socipolítica, llamados, por ello, a cooperar en la formación
de la voluntad política del pueblo y a incidir (hineinzuwirken) en la esfera de la estatalidad
instirucionalizada.” (GARCIA-PELAYO, 1986, p.68)
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concepção do uso e acesso à terra em um espirito comunitário além das paredes desses
movimentos sociais é algo tímido, pouco explorado (WOLKMER, 2001, p. 137-150).
Isso deve se dar na compreensão, primeiro, desses indivíduos de tais acepções e,
posteriormente, de todos os indivíduos da sociedade, que resguarda sua maior fonte
moral e ética de luta. Trata-se de requerer o respeito aos direitos fundamentais e
humanos elencados na Constituição Federal/88 como um esboço para toda a sociedade,
num esmero de manter o ordenamento jurídico e a segurança social devida. Uma
interpretação que parte dos sujeitos indivíduos para a sociedade e para a posterior
modificação estatal. A solidez do Estado somente é garantida pelos indivíduos da
sociedade. O direito emerge dos indivíduos. E o Estado utiliza-se do direito para
institucionalizar suas politicas econômicas e sociais, como outrora se mencionou. Então,
a interpretação de uma integralidade de direitos preceituados humanos e fundamentais
parte primeiro da retomada de identidade consigo e com a sociedade (WOLKMER,
2001, p. 152).
A fragmentação social ocasionada pela marginalidade capitalista é a fonte de
disseminação de políticas estatais despreocupadas com o berço constitucional-
democrático do país (DUPAS, 2005, p. 150-157). O [re] conhecer-se como indivíduo
integrante de uma sociedade plural é o ponto central para a construção de um novo
Direito Agrário que seja confronto capitalista ainda que dentro do sistema, um capital
social. Capital social de aquisição e reconhecimento de força social para mudanças
estruturais nacionais (ABRAMOVAY, 2003, p. 83-96). O confronto dar-se-á pelo
vínculo do homem com a terra, ainda que produtivista, mas sem atender exclusivamente
à demanda capitalista por meio do agrobusiness de demanda internacional. E, sim,
como meio de existência ligado ao bem maior da sociedade: a manutenção da vida pelo
trabalho, mas, principalmente, pelo ambiente como um todo. E isso ultrapassa a visão
ambiental, mas de ideais mínimos e fundamentais de educação, moradia, saúde,
previdência. A debilidade de tal confronto pauta-se não pelo desconhecimento técnico
ou econômico, mas essencialmente pela ausência política-individual de indagação e
posterior agremiação de interesses em sentido comunitário, global e planetário. É um
processo de conservar e preservar as raízes culturais, históricas e políticas para, diante
destas, motivar a transgressão do sistema imposto como única via: a produção de bens
ao capital. Refere-se ao nascimento de um novo homem, humanitário, pela identidade e
pelo reconhecimento de valores comuns (MORIN; KERN, 2003, p. 92- 105).
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O ordenamento jurídico brasileiro não passou de um processo de colonização e
povoamento, para a aproximação de um mercado capitalista de trabalho assalariado e a
mercantilização da natureza em seu elemento fundamental: a terra. O homem, nesse
aspecto, tem a relação com a terra de duas formas. A primeira, coerente com o
desenvolvimento capitalista, de que retira da terra sua fonte de lucro. A segunda, como
uma relação vital de manutenção da vida.
Nessa incongruência, surge a ausência de (des) envolvimento dos indivíduos
entre si e com o Estado. O capitalismo destrói as relações sociais como maneira de se
fortificar. Em favor do capitalismo, oprimem-se e marginalizam-se os indivíduos para
um vínculo com a terra meramente produtivo, olvidando da historicidade desses
indivíduos na construção cultural de vinculo com a terra. Surge dessa dissociação entre
o homem e a terra a reconstrução dos indivíduos da própria concepção de relação como
parte integrante do meio ambiente. A dissociação acarreta uma confusão de conceitos
éticos e morais que faz com que o individuo enxergue a terra como meio de obtenção do
que deseja, sem pensar nas consequências que a sua utilização pode acarretar.
Assim, surge a necessidade de o indivíduo integrar-se à sociedade em uma
retomada de consciência política-cidadã construída na historicidade cultural. Para tanto,
trouxe-se como paradigma o Constitucionalismo Latino-Americano que aborda novas
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indivíduos, assim a sua pressão estatal pode ser a fonte de mudança no atendimento à
reforma agrária. A fragmentação social é fonte de políticas públicas e estatais
despreocupadas com os preceitos constitucionais.
Portanto, um novo direito agrário parte da ressignificação hermenêutica dos
seus institutos essenciais, em uma ruptura descolonizadora e com a modernidade,
exercendo uma autotutela social de integralidade e fomento além do econômico e social,
mas político. Uma reconstrução de paradigmas que conceba a força social e a
construção de identidade própria desses indivíduos como a medida a ser utilizada no
atendimento aos direitos humanos e fundamentais. O aceite da pluralidade de sujeitos
indeterminados no exercício da soberania popular e da democracia que pautam o
verdadeiro interesse social dissociado agora de preceitos meramente capitalistas. O bem
comum integrado a um sistema global de necessidades mínimas e fundamentais
preocupado com igualdade, liberdade, segurança, dignidade e direitos humanos. Assim,
o constitucionalismo latino-americano e o pluralismo jurídico trazem a amplitude
conceitual necessária para uma eficácia formal de direitos. Refere-se, por fim, à
interpretação que de fato atenda ao interesse social, em um espírito de comunidade, para
além do desenvolvimento individual, social e econômico, mas de respeito com toda a
sociedade pelos preceitos humanos e fundamentais.
REFERÊNCIAS
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UFRGS, 2003.
BONAT, Debora. Representação e participação política: a crise do modelo liberal e
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BURGUETE, Araceli Cal y Mayor e Ruiz. Autonomía: la emergencia de un nuevo
paradigma en las luchas por la escolonización en América Latina. In: GONZÁLEZ, G.;
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America Latina. Tempo Exterior, n.17, jul./dez. 2008, p. 22.
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INTRODUÇÃO
Neste artigo, analisar-se-á a formação histórica da legislação agrária brasileira
à base do processo histórico de evolução das leis objetivas de desenvolvimento do modo
de produção capitalista, considerando o quadro de correlação de forças, através de uma
visão dialética, materialista, heterogênea, contextualizada e ancorada em fontes
respeitadas.
Assim sendo, distinguem-se os fundamentos teóricos e metodológicos da
formação do direito agrário, abordando-se, especificamente, os condicionantes
históricos e materiais da gênese da legislação agrária no Brasil, desde o início da
ocupação portuguesa até os dias atuais.
Ressalte-se que as relações pertinentes à agricultura e à pecuária, ao agricultor,
ao operário rural e às relações de produção no campo sempre existiram,
independentemente de tutela jurídica, e sempre foram objeto de normatizações, a
exemplo da Lei de Sesmarias imposta por Portugal ao começar a colonizar o Brasil.
Quando o Estado regula a relação jurídica entre proprietário e possuidor no campo, ele
não está criando nenhuma relação social, pois esta é gerada pelas condições materiais. O
Estado apenas protege e regula, por meio do instrumental jurídico, as relações sociais
mais vantajosas à classe social dominante.
Assim, como qualquer disciplina dogmática, o direito agrário desempenha
papel fundamental na proteção/reprodução das relações sociais, regula o modo de
produção, institucionaliza o poder político e dissemina a ideologia da classe social
dominante no seio da sociedade. Especificamente, o direito agrário busca estabelecer
direitos e obrigações referentes aos imóveis rurais, à sua posse, ao uso e à disposição,
dispondo sobre a organização do processo de produção de recursos agropecuários. A
história da formação da legislação agrária brasileira vai refletir isso.
3
Doutor e Mestre em Direito pela UFPE, Especialista em Direito Processual Civil pela UFPE, Professor
Adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFRPE.
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estatal do comércio entre Portugal e a colônia brasileira pela Carta Régia de 1808,
permitindo a circulação de mercadorias inglesas no território da colônia sem a
intermediação do Estado português.
Em 17 de julho de 1822, a Resolução nº 76 põe fim ao regime das sesmarias,
base da estrutura agrária concentradora da propriedade no campo, da qual o latifúndio é
a mais fina expressão e consequência. Sem o monopólio estatal do comércio da colônia,
a razão de ser do regime das sesmarias já não fazia mais sentido.
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art. 171 da Constituição de 1824 que a isso já fazia alguma alusão. A Constituição de
1891 omitiu o tema.
O princípio da anualidade foi substituído pelo da anterioridade da lei fiscal,
introduzido com a Emenda Constitucional nº 18/1965 e mantido na Constituição
Federal de 1988. Também, a temática tributária, em especial o Imposto Territorial Rural
(ITR), como bem discute Pinto Ferreira (1994), pode ser pensada como uma salutar
forma de viabilizar a desagregação da propriedade improdutiva, se mudado o tratamento
atual, em que o imposto é praticamente irrisório. Seria aliar a política fiscal à política
agrária. Ainda a Constituição de 1946 traz a questão da desapropriação de terra com
prévia indenização em dinheiro, o que gerou o pleito do Congresso e do Poder
Executivo para substituição da forma pecuniária pelos títulos da dívida pública.
Atualmente, a desapropriação é regida pela Constituição Federal, art. 184, nos seguintes
termos: “mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária”.
Por fim, a Lei de Terras vem para concentrar a propriedade no campo e, a
partir dela, os interesses das parcelas da burguesia agrária no Brasil vão predominar,
pelo menos até a década de 1930, quando perderão o poder político estatal para a
burguesia financeira.
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A reforma agrária passava a ser vista como o conjunto de medidas que visava
promover – mediante a redistribuição da propriedade e do uso da terra - políticas
públicas (federais, estaduais e municipais) de apoio à produção, à comercialização, à
educação, à saúde e à habitação, além da integração do homem do campo no mundo dos
direitos e também no processo produtivo nacional. A reforma agrária não significa
somente a redistribuição da posse e do uso da terra. Serve para desconcentrar e
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período militar, embora tenha durado apenas vinte anos, gerou enormes
modificações na sociedade brasileira, seja do ponto de vista político, social ou
econômico.
Segundo Oscar Oszlak e Guillermo O’Donnell (OSZLAK; O’DONNELL), o
espaço legal que se abria na América Latina para a realização de transformações na
estrutura fundiária sempre esteve sob estrito controle de um Estado autoritário, repressor
de movimentos sociais, perseguidor de lideranças e interventor em sindicatos. Um
Estado a serviço do capital, que propiciou a privatização de espaços públicos. Sendo
assim, o Estatuto da Terra pouco significou em termos de medidas práticas em direção
às demandas por terra dos camponeses. No processo de disputa política no interior das
frações da burguesia aliada ao imperialismo, classe que detinha o poder político do
Estado, os interesses vinculados à propriedade fundiária prevaleceram e, mais uma vez,
ela permaneceu intocada.
Em vez de dividir a propriedade, porém, o capitalismo, impulsionado pelo
regime militar brasileiro (1964-1984), promoveu a modernização do latifúndio, por
meio do crédito rural fortemente subsidiado e abundante, viabilizou a transformação
deste em “empresa”. Entretanto, não se verificou nenhum incentivo ou fiscalização para
que fossem obedecidos os princípios definidores da empresa rural: obtenção de índices
de produtividade regionalmente definidos, observação da legislação trabalhista,
preservação do meio ambiente.
O dinheiro farto e barato, aliado ao estímulo à cultura da soja (sobretudo na
Região Centro-Oeste) - para gerar grandes excedentes exportáveis -, propiciou a
incorporação das pequenas propriedades rurais pelas médias e grandes: a soja exigia
maiores propriedades e o crédito facilitava a aquisição de terra.
Toda a economia brasileira cresceu com vigor, houve a consolidação do
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo no campo, o país se urbanizou e
se industrializou, relativamente, em alta velocidade, sem ter que democratizar a posse
da terra, nem precisar do mercado interno rural, o que só estimulou ainda mais o êxodo
rural. O projeto de reforma agrária foi declarado supérfluo, e a herança da concentração
da terra e da renda chegou a nível nunca antes visto na história do País, a ponto de quase
extinguir o campesinato enquanto classe social.
A consolidação das técnicas de produção capitalistas no campo brasileiro a
partir dos anos 70, a inserção da produção de recursos agropecuários no complexo
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propriedade.
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Vitória, 1961.
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http://www.marxists.org/portugues/marx/1873/habita/index.htm>. Acesso em 25 nov.
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LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras
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PEREIRA, Luciene Maria Pires; MENEZES, Sezinando Luiz. A legislação de
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PINTO FERREIRA. Curso de direito agrário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
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INTRODUÇÃO
Desde os primórdios das atividades humanas, o meio ambiente vem sendo
degradado, contudo esse processo intensificou-se com a revolução industrial, e até hoje vem
se agravando, devido ao aumento do consumo, que tem gerado grande devastação e poluição
dos recursos ambientais. A história da economia brasileira é marcada por um processo de
ocupação e exploração de recursos naturais, apoiado no extrativismo e na agricultura. Diante
desse quadro, os desmatamentos e as queimadas posicionaram o Brasil como o 4º país em
emissão de gás de efeito estufa (SHIKI, 2011).
A invisibilidade de muitos serviços naturais para a economia resulta em uma
negligência geral do capital natural e leva a decisões que degradam os ecossistemas e a
biodiversidade. A destruição da natureza alcançou níveis que podem ser vistos como sérios
custos sociais e econômicos (TEEB, 2010).
Cabe trazer à tona a importância de todos os ecossistemas para a continuidade da
vida na terra, principalmente para o ser humano que se beneficia direta ou indiretamente dos
serviços prestados por estes. Essas capacidades são classificadas como funções dos
ecossistemas. Uma vez conhecido o potencial de serviços ambientais de um ecossistema,
definidas suas contribuições para a sociedade, identificadas as atividades primordiais para o
funcionamento geral do bioma, essas funções podem ser definidas como serviços
ecossistêmicos (DE GROOT et al., 2002).
Para analisar monetariamente o valor desses serviços, existem vários instrumentos
que tentam e, até conseguem, valorar alguns recursos obtidos da natureza. Dentre estes está o
Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Atualmente, o PSA, no Brasil, está
regulamentado por Leis e Projetos de Leis.
O presente artigo tem por fim suscitar a discussão a respeito do PSA, focando os
recursos hídricos, analisando dados sobre a efetivação desse direito no Brasil. Dessa forma,
1
Programa de Pós-graduação em Engenharia Ambiental da UFRPE
2
Programa de Pós-graduação em Engenharia Ambiental da UFRPE
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um estudo comparativo entre os PSAs pode elucidar pontos a respeito da gestão e efetivação
desse direito. Portanto, pesquisar e encontrar alternativas que contemplem a conservação dos
recursos naturais no âmbito dos PSAs no Brasil referentes à água é relevante para a efetivação
sustentável e a estruturação de mecanismos que elevem a segurança hídrica no país.
1. SERVIÇOS AMBIENTAIS
Todos os biomas e ecossistemas disponibilizam inúmeros benefícios à sociedade.
Entretanto, também enfrentam sérios impactos, ameaçando o potencial dos diferentes
ecossistemas, para produzir serviços ambientais (SHIKI, 2011). Existem várias definições
para esse tipo de serviço, e a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento
(OCDE, 2005) a define como:
Aquele que consiste em atividades que produzem bens e serviços para medir, evitar,
limitar, minimizar ou reparar danos ambientais à água, ao ar e ao solo, como
também problemas relacionados a resíduos, barulhos e ecossistemas. Estes incluem
tecnologias limpas, produtos e serviços que reduzem o risco ambiental e minimizam
a poluição e o uso de recursos naturais.
Para Heal (2000), os serviços ambientais são responsáveis pela infraestrutura necessária
e para o estabelecimento das sociedades humanas. Segundo o Projeto de Lei nº 792/07
(BRASIL, 2007), são as funções inestimáveis e imprescindíveis desempenhadas pelos biomas
e ecossistemas para a manutenção da qualidade ambiental necessária para dar suporte à vida
na Terra. Já para o Instituto Socioambiental Brasil, (ISA, 2007) serviços ambientais são:
Aqueles que a natureza presta aos seres vivos, ao absorver, filtrar e promover a
qualidade da água que bebemos e usamos; ao reciclar nutrientes e assegurar a
estrutura dos solos onde plantamos; ao manter a estabilidade do clima, amenizando
desastres como enchentes, secas e tempestades; ao garantir e incrementar nossa
produção agropecuária e industrial, seja ao providenciar a necessária biodiversidade
e diversidade genética para melhoria das culturas ou para fármacos, cosméticos e
novos materiais, seja complementando o processo que a tecnologia humana não
domina nem substitui: a polinização, a fotossíntese e a decomposição de resíduos.
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Todas essas informações, atreladas ao mau uso da água, traz à tona a preocupação
com a qualidade desse recurso insubstituível, pois a quantidade disponível para consumo é
reduzida, uma vez que tais preocupações não fazem parte da vida de todas as pessoas.
(BRASIL, 1988), segundo o qual a água é um bem de domínio público; um recurso natural
limitado, dotado de valor econômico.
É importante citar a Lei Federal nº 9.984/2000, que dispõe sobre a criação da
Agência Nacional de Água (ANA), instituição federal de implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos. Segundo Zapparoli (2011):
A legislação dos recursos hídricos no Brasil, fortemente inspirada no modelo
francês, prevê a descentralização da gestão em Comitês e Agências de Bacia
Hidrográfica. Os comitês, integrados por representantes do poder público, usuários e
sociedade civil, funcionam como “parlamento da bacia”. Esse é o espaço de
mediação dos conflitos de uso e das negociações sobre o que fazer, quanto custa
fazer e como fazer a recuperação ambiental da bacia. As Medidas negociadas são
integradas no Plano de bacias. As agências de bacias são entidades executivas
vinculadas a um ou mais comitês, encarregadas de implantar o plano de bacia, apoiar
a fiscalização, o monitoramento, a outorga e a cobrança dos usos da água em sua
área de abrangência geográfica.
Para Seroa da Motta, (1998), sem a exclusão, preços não se formam e não atuam para
racionar o uso ou gerar receitas para a conservação dos serviços, podendo resultar em sua
degradação ou exaustão. Contudo, excluir alguém do consumo dos serviços ambientais é
tecnicamente difícil, pois impedir que as pessoas se beneficiem do ar, da água ou da beleza
cênica é impossível. (MMA, 2012).
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Direito Agrário Ambiental
Ter a ideia de quanto vale o ambiente natural e incluir esses valores na análise
econômica é, pelo menos, uma tentativa de corrigir as tendências negativas do livre mercado
(MATTOS, 2005). De uma maneira geral, os métodos de valoração econômica ambiental são
utilizados para estimar os valores que as pessoas atribuem aos recursos ambientais, com base
em suas preferências individuais. A compreensão desse ponto é fundamental para se perceber
o que os economistas entendem por “valorar o meio ambiente” (NOGUEIRA et al., 2000).
Dessa forma, existe uma tentativa de internalizar os custos ambientais e precificar os serviços
realizados pelos ecossistemas, fazendo com que a lógica do capitalismo tradicional,
mercantilista, possa gerir esses recursos como bens comerciais.
No Brasil, o PSA vem sendo discutido com mais atenção desde o lançamento do
programa Proambiente, em 2000, que consistiu em uma experiência inicial de PSA no país,
mas demonstrou vários desafios a serem superados (WUNDER et al., 2009). Para incentivar a
continuidade e disponibilidade desses serviços, criou-se o Pagamento pelo Serviço Ambiental
- o Projeto de Lei nº 792/07 (BRASIL, 2007), afirma que o pagamento ou a compensação por
serviços ambientais tem como principal objetivo transferir recursos para aqueles que ajudam a
conservar ou produzir tais serviços. Cita, como recursos naturais a serem preservados, o solo,
os recursos hídricos, a biodiversidade, a fauna e a flora, os recursos florestais, os oceanos, os
recursos pesqueiros, a atmosfera e as fontes de energia.
Segundo TEEB (2010), trata-se de um instrumento econômico que incentiva o
proprietário a considerar o Serviço Ambiental nas suas decisões, quando do planejamento do
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gestão dos recursos financeiros, foi uma realidade (BERNARDES, 2010). De acordo com
MMA (2012):
No caso da água, os esquemas de PSA remuneram produtores rurais pela proteção e
restauração de ecossistemas naturais, notadamente florestais, em áreas estratégicas
para a produção de água (nascentes, matas ciliares, áreas de captação). Isso ocorre
quando os usuários de água reconhecem a importância dessas atividades para
garantir o provimento do serviço ambiental de proteção da quantidade e qualidade
dos recursos hídricos (externalidades ambientais positivas geradas pelos produtores
rurais quando eles executam ações de restauração e conservação florestal). Dessa
forma, os usuários geram um incentivo econômico para os produtores rurais,
estimulando a execução de atividades que garantem a provisão dos serviços
ambientais em questão.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo fato de a água ser um recurso indispensável à vida e existir em grande
quantidade no Brasil, observa-se que têm-se tomado decisões de preservar e incentivar a
preservação, por meio de projetos e leis de Pagamentos por Serviços Ambientais para água, e
que muitos dos projetos incluem o agricultor, fato importante para preservação e o apoio
financeiro ao provedor do recurso.
Contudo, dada a imensidão do País e em razão do número de áreas a serem
preservadas, os instrumentos legais ainda são poucos, sendo necessária a criação de mais
políticas públicas voltadas para a preservação dos recursos hídricos, atreladas à continua
fiscalização em nascentes, mananciais, rios, etc, para que se garanta a disponibilidade de água
de qualidade para a atual e as futuras gerações.
Vale salientar também que o ideal seria que não fosse necessário pagar para
preservar, mas que aqueles que detêm o poder de manter a integridade de áreas com água
disponível, sejam grandes ou pequenas, as mantenham sem necessariamente receber por tal
serviço, por entenderem seu valor intrínseco.
REFERÊNCIAS
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relações entre os estudos climatológicos e as análises econômicas. Revista Brasileira de
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INTRODUÇÃO
As políticas públicas visam responder a demandas apresentadas por segmentos
sociais, as quais são interpretadas por stakeholders e influenciadas por uma agenda que
se cria na sociedade civil através da pressão, da discussão e da mobilização social
(TEIXEIRA, 2002). Para Silva e Silva (2010), uma política pública se estrutura, se
organiza e se concretiza a partir de interesses sociais organizados em torno de recursos
que também são produzidos socialmente. É tanto um mecanismo de mudança social,
orientado para promover o bem-estar de segmentos sociais, principalmente os mais
destituídos, como também um mecanismo de distribuição de renda e equidade social,
visto como um mecanismo social que contém contradições (SILVA e SILVA, 2010).
Essas políticas desempenham diferentes papéis, dependendo do setor ou grupo social ao
qual se destina. “... toda política pública deve ser sistematicamente avaliada do ponto de
vista de sua relevância e adequação às necessidades sociais, além de abordar os aspectos
de eficiência, eficácia e efetividade das ações empreendidas” (BELLONI, 2000).
No que tange ao desenvolvimento da agricultura familiar brasileira, cabe
destacar o papel das políticas públicas voltadas para essa categoria produtiva, dentre
elas o Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF,
que faz parte da Política Nacional da Agricultura Familiar com ações para promover o
desenvolvimento sustentável dos territórios rurais. O PRONAF pode ser considerado
como a primeira política pública de abrangência nacional e diferenciada em favor dos
agricultores familiares brasileiros. Em meio às políticas públicas que atuam em outras
áreas de apoio à agricultura familiar, pode-se citar a criação de diversos programas que
têm como objetivo promover ações sinérgicas àquelas desenvolvidas pela Política
Nacional da Agricultura Familiar e pelos Empreendimentos Familiares Rurais, como o
Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, o Programa Nacional de Alimentação
Escolar – PNAE, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária - PROAGRO
1
Mestranda do PRODEMA.
2
Mestranda do PRODEMA/PPGA.
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plantio para as culturas, minimizando os riscos de perdas por eventos climáticos. Por
meio do zoneamento agrícola, busca-se diminuir o risco de que uma adversidade
climática coincida com uma fase crítica da planta, evitando a diminuição do potencial
produtivo (SAF, 2013g). O PROAGRO é administrado pelo Banco Central do Brasil –
BCB e operado por seus agentes, representados pelas instituições financeiras
autorizadas a operar em crédito rural.
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concessão de bônus de garantia de preços só poderá ser realizada para agricultores que
estiverem adimplentes e que possuam DAP válida no dia do pagamento da prestação. O
PGPAF é gerido por um Comitê Gestor composto por cinco órgãos do governo federal:
Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, Ministério da Fazenda – MF,
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento – MAPA e Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da
Fazenda. A Secretaria Executiva do Comitê Gestor pertence à Secretaria da Agricultura
Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário - SAF/MDA.
O Decreto 5.996 estabelece as atribuições do comitê gestor, dentre as quais está
à formulação de propostas operacionais para o PGPAF, incluindo: os produtos agrícolas
contemplados a cada safra; as modalidades de crédito; o valor limite do bônus ou o
percentual máximo de desconto sobre o financiamento que será concedido a cada
agricultor, por ano; o preço de garantia dos produtos abrangidos pelo PGPAF para cada
ano agrícola; a área de abrangência dos preços de garantia para cada produto, a época de
apuração e o seu período de vigência; a metodologia a ser utilizada para apuração e
concessão do bônus, dentre outros. Cabe à CONAB prestar apoio técnico ao comitê
gestor, sendo responsável pelo levantamento dos custos de produção e dos preços de
mercado dos produtos da agricultura familiar enquadrados no PGPAF, conforme
metodologia definida pelo comitê gestor e por outras ações que venham a ser definidas
por ele. O Conselho Monetário Nacional – CMN é o orgão responsável por
regulamentar o PGPAF, com base nas propostas encaminhadas pelo comitê gestor.
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Variável”, de acordo com a renda bruta anual, obtida pela unidade familiar nos últimos
12 meses que antecedem a solicitação da DAP, que pode variar de até R$ 10.000,00
para o Grupo B e acima de R$ 10.000,00 até R$ 360.000,00 para o PRONAF Renda
Variável (BNB, 2013a).
O PRONAF também disponibiliza linhas de crédito especiais para públicos e
atividades específicas: PRONAF Mulher, Jovem, Agroindústria, Floresta, Mais
Alimentos, Agroecologia, Agrinf (Custeio do Beneficiamento e Industrialização de
Agroindústria Familiar) e ECO - além de investimentos em projetos de convivência
com o semiárido - PRONAF Semiárido. Os grupos e as linhas do PRONAF atendem a
duas modalidades de crédito, custeio e investimento. Os créditos de custeio são
destinados aos bens utilizados em um único ciclo produtivo (sementes, adubos e
defensivos agrícolas). Os prazos para pagamento dessas operações, pela própria
característica do crédito, são de até 02 anos para o custeio agrícola e de até 01 ano para
o custeio pecuário. Os créditos para investimentos são recursos destinados a financiar
bens (animais, máquinas e equipamentos) e construções (cercas, obras de infraestrutura
hídrica e instalações) que perduram por vários ciclos produtivos. Os prazos são
determinados em função da capacidade de pagamento do empreendimento financiado e
podem chegar a até 10 anos.
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que inclui 03 anos de carência, podendo chegar a até 05 anos quando a atividade
assistida requerer esse prazo e o projeto técnico comprovar a sua necessidade. Os juros
são muito baixos, variando de 0,5% ao ano a 1,0% ao ano, e as operações possuem
bônus de adimplemento muito significativo, podendo chegar a até 44,18% aplicado em
cada parcela (BNB, 2013b).
PRONAF Grupo A/C: Destinado ao financiamento de custeio das atividades
agropecuárias, não agropecuárias e de beneficiamento ou industrialização da produção,
voltado para os assentados do Programa Nacional de Reforma Agrária - PNRA e
clientes do Programa Nacional de Crédito Fundiário - PNCF que já contrataram a
primeira operação no Grupo “A” e que não tenham contratado operação de custeio,
salvo se no âmbito deste Programa. Os prazos são concedidos de acordo com o ciclo das
atividades financiadas, sendo de até 02 anos para custeio agrícola e de até 01 ano para
custeio pecuário, com taxas de juros de 1,5% a.a. As operações não possuem bônus de
adimplemento (BNB, 2013)3.
PRONAF Grupo B: Nesse grupo são atendidos os agricultores familiares com
renda bruta anual familiar de até R$ 10.000,00, abrangendo também as mulheres
agricultoras integrantes de unidades familiares enquadradas nos grupos A, AC e B.
Propicia crédito de custeio e investimento aos agricultores com nível de renda mais
baixo entre os agricultores familiares, sendo que, no mínimo, 30,0% dessa renda terá de
vir do estabelecimento rural. O programa financia atividades agropecuárias e não
agropecuárias. O prazo é de até 02 anos, incluindo 01 ano de carência, com taxas de
juros de 0,5% a.a. e bônus de 25,0% aplicado sobre cada parcela paga em dia. (BNB,
2013)4.
PRONAF Renda Variável ou Comum: O público-alvo desse grupo abrange os
agricultores familiares com renda bruta anual familiar, nos últimos 12 meses que
antecedem a solicitação da DAP, compreendendo um largo intervalo de valores que
pode ir até R$ 360.000,00 ao ano (BNB, 2013)5. Atende às modalidades de crédito para
custeio e para investimento, com financiamento da infraestrutura de produção e serviço
agropecuários (e não agropecuários) no estabelecimento rural e também no custeio
agropecuário. Os prazos para investimento são de até 10 anos, podendo chegar a 15
anos para obras de estruturas de armazenagem, incluindo até 03 anos de carência. Em se
150
Direito Agrário Ambiental
tratando de custeio, o prazo é de até 03 anos para custeio agrícola e de até 01 ano para o
pecuário. Os juros desse grupo são definidos de acordo com o montante de recursos
financiados para o cliente, podendo variar de 1,0% a.a a 2,0% a.a. para operações de
investimento e 1,5% a.a. a 3,5% a.a. para operações de custeio. As operações não
possuem bônus de adimplemento (BNB, 2013b).
PRONAF Agroindústria: Tem como objetivo destinar crédito de investimento
para a implantação, ampliação, recuperação ou modernização de pequenas e médias
agroindústrias. O programa é destinado aos produtores rurais, familiares, enquadrados
nos grupos A, A/C, B e PRONAF-Comum, e a suas cooperativas e associações. O prazo
total é de até 10 anos, podendo chegar a 15 anos para obras de estruturas de
armazenagem, incluindo até 03 anos de carência. Os juros dessa linha são definidos de
acordo com o montante de recursos financiados para o cliente, e o tipo de beneficiário,
se pessoa física ou jurídica, podendo variar de 1,0% a.a. a 2,0% a.a. Não se aplica bônus
de adimplência sobre essas operações (BNB, 2013b).
PRONAF Mulher: O público-alvo são mulheres agricultoras,
independentemente do estado civil, integrantes de unidades familiares enquadradas no
grupo PRONAF Renda Variável ou Comum. Os recursos são destinados a
investimentos, como financiamento da infraestrutura de produção e serviço
agropecuários e não agropecuários no estabelecimento rural de interesse da mulher
agricultora. O prazo será determinado em função da capacidade de pagamento, limitado
em até 10 anos, incluindo até 03 anos de carência. Os juros dessa linha são definidos de
acordo com o montante de recursos financiados para o cliente, variando de 1,0% a.a.
2,0% a.a.. Não há incidência de bônus de adimplemento (BNB, 2013b).
PRONAF Jovem: Concede crédito para investimento a jovens agricultores e
agricultoras familiares maiores de 16 até 29 anos, pertencentes a famílias enquadradas
nos grupos A, A/C, B e PRONAF-Comum e que tenham concluído ou estejam cursando
o último ano em centros familiares rurais de formação por alternância; em escolas
técnicas agrícolas de nível médio; que tenham participado de curso de formação com
carga horária de 100 horas ou mais e preencha os requisitos definidos pela SAF do
MDA, dentre outros. Os recursos são destinados a investimentos, como financiamento
da infraestrutura de produção e serviço agropecuários e não agropecuários no
estabelecimento rural de interesse do jovem agricultor. O prazo é de até 10 anos,
incluindo até 03 anos de carência, podendo chegar a até 05 anos quando a atividade
151
Direito Agrário Ambiental
assistida requerer esse prazo e o projeto técnico comprovar a sua necessidade, com juros
de 1,0% a.a.. Não há incidência de bônus de adimplemento (BNB, 2013b).
PRONAF Semiárido: O público-alvo do PRONAF Semiárido são agricultores
familiares enquadrados nos Grupos A, A/C, B e PRONAF Renda Variável ou
PRONAF-Comum. Destina-se a créditos de investimento para projetos de convivência
com o semiárido, priorizando a infraestrutura hídrica. O prazo é de até 10 anos,
incluindo até 03 anos de carência, podendo chegar a até 05 anos quando a atividade
assistida requerer esse prazo e o projeto técnico comprovar a sua necessidade. Com uma
taxa de juros de 1,0% a.a.. Não existe bônus de adimplemento para essa linha (BNB,
2013b).
PRONAF AGRINF: Destinado ao financiamento do custeio de agroindústria
familiar, para beneficiamento e industrialização de produção própria e/ ou de terceiros.
O público-alvo são pessoas físicas que sejam agricultores familiares titulares de DAP e
Cooperativas ou associações constituídas de agricultores familiares, que tenham, no
mínimo, 70,0% de seus participantes ativos na condição de agricultores familiares
enquadrados no PRONAF Empreendimentos familiares rurais. Prazo máximo de 12
meses, com taxa de juros de 4,0% a.a.. Não existe bônus de adimplemento para essa
linha (BNB, 2013b).
PRONAF Agroecologia: Crédito para investimento destinado ao financiamento
dos sistemas de produção agroecológicos ou orgânicos. Público-alvo: agricultores
familiares enquadrados nos grupos A, A/C, B e Renda Variável (PRONAF – Comum).
Os juros dessa linha são definidos de acordo com o montante de recursos financiados
para o cliente, podendo variar de 1,0% a.a. a 2,0% a.a.. Com prazo de até 10 anos,
incluindo até 03 anos de carência. Não há incidência de bônus de adimplemento sobre
os juros (BNB, 2013b).
PRONAF Floresta: Os investimentos são programados para financiamento de
projetos de sistemas agroflorestais, exploração extrativista ecologicamente sustentável,
recomposição e manutenção de áreas de preservação permanente e reserva legal e
recuperação de áreas degradadas, para o cumprimento de legislação ambiental e
enriquecimento de áreas que já apresentam cobertura florestal diversificada. O prazo
total é de até 20 anos, incluída carência limitada a 12 anos, quando utilizados recursos
do FNE, destinados exclusivamente a projetos de sistemas agroflorestais e ao público-
alvo do Renda Variável. Nos demais casos, o prazo será de até 12 anos, incluída a
152
Direito Agrário Ambiental
carência limitada a 08 anos. Com taxa de juros de 1,0% a.a.. Não há bônus de
adimplemento para essa linha (BNB, 2013b).
PRONAF Eco: Os recursos são destinados a financiamento de projetos de
tecnologias de energia renovável e ambientais, silvicultura, armazenamento hídrico,
pequenos aproveitamentos hidroenergéticos e adoção de práticas conservacionistas e de
correção da acidez e fertilidade do solo, e implantação das culturas de dendê e
seringueira. O público-alvo são os agricultores familiares enquadrados nos grupos A,
A/C, B e Renda Variável (PRONAF – Comum). Prazo de até 10 anos, incluídos até 03
anos de carência, podendo ser elevada para até 05 anos quando a atividade assistida
requerer esse prazo e o projeto técnico comprovar a sua necessidade. Os juros dessa
linha são definidos de acordo com o montante de recursos financiados para o cliente,
podendo variar de 1,0% a.a. a 2,0% a.a.. Não são permitidos bônus adimplemento que
incidem apenas sobre os juros (BNB, 2013b).
PRONAF Seca 2012: Destinado a operações de investimento e custeio
agropecuário e financiamento de projetos de convivência com a estiagem, focados na
sustentabilidade dos agroecossistemas. A taxa de juros desse grupo é de 1,0% a.a.. E o
prazo de até 05 anos, incluído até 01 ano de carência para custeio, e de até 10 anos,
incluídos até 03 anos de carência, para investimento, podendo ser elevada para até 05
anos quando a atividade assistida requerer esse prazo e o projeto técnico comprovar a
sua necessidade. Há bônus de 40,0% aplicado sobre cada parcela paga em dia. (BNB,
2013b).
O PRONAF dispõe de diversas linhas de créditos especiais para atender aos
agricultores classificados como familiares. Contudo, o universo que compõe a
agricultura familiar brasileira é constituído por agricultores que apresentam estratégias
próprias de sobrevivência e de produção, no tocante aos meios de produção, acesso à
terra, à capacitação, à assistência técnica e à organização, dentre outras. Somam-se a
isso as diferenças regionais existentes no País, principalmente, quando se comparam os
agricultores familiares das regiões Sul e Nordeste. Nesse sentido, revela-se a
complexidade do(s) público-alvo (s) do PRONAF.
153
Direito Agrário Ambiental
Guanziroli, Sabbato e Vidal (2011), em que é feita uma análise comparativa entre os
dois últimos censos agropecuários (1996 e 2006), os autores destacam que, dentro do
universo que constitui a agricultura familiar brasileira, a distância entre as rendas
obtidas pelos diferentes tipos6 de agricultores familiares pode variar em até 200 vezes
quando se compara a maior com a menor renda obtida. Guanziroli, Sabbato e Vidal
(2011) acrescentam, ainda, que a diferença de renda verificada entre os grupos
aumentou nos primeiros 10 anos da criação do PRONAF (1996 a 2006), muito embora
o número de operações contratadas e o volume de recursos disponibilizados para o
programa tenham aumentado. Esse fato pode ser atribuído à elevação do grau de
especialização das atividades produtivas desenvolvidas pelos agricultores familiares,
sobretudo, na região Sul do país onde os agricultores estão inseridos na dinâmica
produtiva dos grãos e das commodities agrícolas. Outro fato que também pode ter
contribuído para o aumento é que a maior parcela dos recursos liberados pelo Programa
está direcionada para os agricultores familiares de maior renda, capazes de oferecer aos
bancos as garantias reais e as contrapartidas exigidas para o financiamento das suas
atividades.
Decorridas quase duas décadas de existência do Programa, o que se observa, a
partir dos trabalhos acadêmicos disponíveis sobre o assunto e dos dados
disponibilizados pelas instituições governamentais: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE, Banco do Nordeste do Brasil – BNB, Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada – IPEA, dentre outros, é que não está havendo uma distribuição
equitativa dos recursos disponobilizados pelo PRONAF. Essa diferenciação se revela
tanto em termos regionais quanto nas categorias de agricultores familiares brasileiros.
Para Aquino e Schneider (2010), o modelo de distribuição e aplicação dos
recursos do Programa apresenta um viés concentrador, setorial e produtivista. De acordo
com esses autores, os maiores beneficiários do PRONAF têm sido efetivamente os
agricultores mais capitalizados e, por conseguinte, com mais facilidade para transitar e
operacionalizar no sistema bancário (grupos D e E)7, ou seja, apenas 9,4% do público
potencial dessa política pública em 2006. Enquanto isso, a fração mais empobrecida da
6
Para caracterizar os tipos de agricultores familiares, Guanziroli, Sabbato e Vidal levam em consideração
a relação entre a Renda Total (RT) e o Valor do Custo de Oportunidade (VCO). Os autores classificam os
agricultores familiares em quatro tipos: Tipo A, Tipo B, Tipo C e tipo D. Na tipologia adotada pelos
autores, os agricultores do Tipo D são os mais pobres entre os agricultores familiares, diferentemente do
que instituía o Plano Safra de 1999/2000 até o Plano Safra 2008/2009, em que o Grupo D era um dos
grupos constituídos pelos produtores familiares de maior renda. Ver Guanziroli, Sabbato e Vidal (2011).
154
Direito Agrário Ambiental
agricultura familiar do país (grupos A e B)8, representada pela esmagadora maioria dos
estabelecimentos rurais (73,2%), não consegue acessar e/ou manter uma relação estável
com o sistema bancário nacional. Segundo Guanziroli, Sabbato e Vidal (2011), os dados
dos dois últimos censos agropecuários 1996/2006 revelam que houve uma tendência à
especialização produtiva dos agricultores familiares de 41,0% para 55,0%, enquanto o
índice de diversificados foi reduzido de 59,0% para 45,0%. O grau de especialização
ainda é maior entre os agricultores familiares mais capitalizados, passando de 51,0%
para 70,0%. Para Mattei (2008), a lógica de produção em que se insere a agricultura
familiar está cada vez mais pautada por um processo de especialização produtiva
baseada no uso intensivo de insumos modernos e na produção de poucos produtos,
especialmente do binômio milho-soja, nas regiões Sul e Centro-Oeste do País. A Tabela
1, abaixo, indica que o volume de operações e o aporte de recursos disponibilizados
pelo PRONAF tem se mantido em ascendência ao longo dos últimos 15 anos, o que de
certa forma caracteriza a importância dessa política para o Estado. No entanto, esses
recursos têm se concentrado nos grupos de maiores rendas (D e E)9, chegando, em
2007, a 60,0%; já os grupos mais pobres (A e B)10 têm diminuído sua participação
relativa ao longo do período, chegando a 10,0%, conforme descrito na Tabela 2 adiante.
36
Conforme classificação do Plano Safra 1999/2000.
37, 38, 39
Conforme classificação do Plano Safra 1999/2000.
155
Direito Agrário Ambiental
79.361.046
Fonte: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) Relatórios e Resultados
2010, Banco do Nordeste (2012) e Aquino e Schneider (2010).
PRONAF A* 21 8 4
PRONAF B 1 7 6
PRONAF C 22 25 15
PRONAF D 48 37 40
PRONAF E 12 20
Outros 11 15
Fonte: Dados extraídos de Mattei (2006) e Aquino (2009)
Nota: grupo A* – são os assentados de reforma agrária; os demais estão em ordem crescente de renda, ou
seja, o E é o mais rico e o B, o mais pobre.
Os estudos realizados sobre o programa revelam que grande parte das verbas
liberadas pelo PRONAF foram empregadas na região Sul do País, conforme registra a
Tabela 3 abaixo.
156
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Houve, indubitavelmente, nos últimos vinte anos, o reconhecimento jurídico da
agricultura familiar e das políticas públicas para o seu fortalecimento, com destaque
para o Pronaf. Contudo, para além das políticas e dos recursos, pesquisas indicam que
as Políticas e os Programas, para atingir a sua efetividade enfrentam limitações. Entre os
fatores arrolados com maior frequência, podem-se citar: os elevados obstáculos
burocráticos impostos pelo sistema bancário aos agricultores familiares com níveis de
renda inferiores; a maior organização dos agricultores mais capitalizados; as pressões de
empresas agroindustriais às quais esses produtores estão vinculados; a concentração de
agências bancárias e cooperativas de crédito nos estados da região Sul; e a
desarticulação e a baixa inserção social dos produtores do Norte e do Nordeste
(AQUINO E SCHNEIDER, 2010).
REFERÊNCIAS
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158
Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
Elisabete Maniglia11
INTRODUÇÃO
Seria altamente prático lembrar que todos os ramos jurídicos clamam por
justiça e que o sentido social está implícito em todos eles. Todavia, quando se fala em
Direito Agrário, relembra-se a questão alimentar, a preocupação com a produção e a
melhoria da qualidade dos produtos. Em seguida, associa-se a questão ambiental, que
impera na atividade rural, e passa-se a analisar os fatos diante da realidade mundial.
Milhares de pessoas passam fome. Outras tantas morrem de desnutrição. Há crianças
que não atingem um ano de vida, por falta de alimentos. Há doenças crônicas causadas
pela má alimentação. Grande parte da população está abaixo da linha da pobreza e se
alimenta uma única vez por dia. Há esgotos a céu aberto, água contaminada, problemas
no ar que se respira, e a destruição das florestas, das matas e da fauna se agrava dia a
dia. Os últimos relatórios mundiais acerca do meio ambiente são assustadores. Diante
de um cenário dramático, pergunta-se, de pronto: qual a finalidade do direito agrário,
diante desses conflitos e qual a sua contribuição em face dos problemas derivados do
meio rural.
Se os propósitos do direito agrário pudessem ser aplicados automaticamente,
sem manuseios de interesses políticos e de expedientes outros de favorecimentos
pessoais, ou, ainda, sem a finalidade de atender a grupos privilegiados que desfrutam da
terra como reserva de valor, sem dúvida o direito agrário seria um grande alento para
questões sociais em geral, especialmente aquelas relativas à fome, ao meio ambiente e à
garantia, em parte, de direitos humanos tidos como essenciais, firmadores das
necessidades básicas. Javier de Lucas (1998, p. 12) comenta a importância de se discutir
o conceito de necessidades, no raciocínio sobre justiça, tratando de oferecer uma
fundamentação dos direitos humanos, desde as necessidades básicas. Roig (1994, p. 12)
também comunga dessa ideia, estabelecendo que existe um caminho que foi dos direitos
às necessidades para, hoje, retornar aos direitos. Assim, não há que se falar em direitos
sem se falar em necessidades; a comunhão entre eles se conecta através da justiça, que
11
Livre docente em direito agrário, professora na UNESP.
161
Direito Agrário Ambiental
162
Direito Agrário Ambiental
em estudo, fazendo deste o princípio maior do direito agrário que, aliado a outros
princípios, tais como planejamento, inovação, justiça social, constitui seu grande
objetivo, conforme Sans Jarques (1985, p. 3):
A normativa agrária se encerra numa profunda força renovadora e
criadora causal não abstrata, em especial a serviço da justiça e das
necessidades humanas especiais e muito particulares dos homens. Seu
objetivo final, em síntese, é contribuir com justiça e dignificar os que vivem
da terra do setor agrário, os profissionais da agricultura, cada vez mais
deprimidos em relação com a vida dos demais setores econômicos, garantir
alimentação suficiente em quantidade e qualidade para todos os homens e
assegurar o habitat e o equilíbrio ecológico da natureza em que vivemos e
em que hão de viver as próximas gerações.
163
Direito Agrário Ambiental
elemento típico do moderno Direito Agrário: a defesa dos economicamente mais débeis,
a salvaguarda dos interesses gerais, o respeito às tradições e aos costumes e, por último,
a proteção da empresa agrária. Em consequência, o direito agrário adquire um caráter
econômico, porque sua finalidade consiste em regular e ordenar a produção agrária,
sistematicamente, seguindo as determinações do mercado e da justiça social,
incrementando o constante nível de vida do meio rural. Percebe-se que o centro de
preocupações se firma na técnica, no ofício e na arte de cultivar a terra, incluindo-se,
aqui, todas as formas de atividade agrária, como a agricultura, a pecuária, o
reflorestamento, o extrativismo, a agroindústria, a hortifruticultura, em todas as suas
modalidades, e, ainda, quem sabe, o turismo rural.
Acresce-se a esse lado de responsabilidade social o sentido nacional do direito
agrário, em que todo um país deve se unir, em princípios comuns, por meio de órgãos
nacionais com políticas uniformes, considerando a atividade agrária como um serviço
público. A melhoria das condições deve se filiar à produção agrária, à atividade
industrial agrícola e à relação comércio-consumo.
O caráter social e a responsabilidade do direito agrário são, como afirma
Ballestero Hernandez (1990, p. 32), de projeção supranacional, sem que se oponha ao
sentido nacional. Todos os organismos internacionais devem se voltar para a
preocupação com fins de paz e melhoria de vida dos povos. Nessa visão, Weber (apud
HERNANDEZ, 1990, p. 33), economista espanhol, afirma que o direito agrário deverá
ser um direito mundial; daí a necessidade de se impor uma cooperação efetiva
internacional que alcance a todos, não numa visão utópica, mas numa unidade
econômica, para que se corrijam os injustos desequilíbrios econômicos entre países
pobres e ricos.
No Brasil, as atividades agrárias e o direito agrário passam, por vezes,
despercebidos, numa política que faz crer que, se possível, o direito agrário deveria ser
esquecido. Associam-se a ele políticas de reforma agrária, pressões de movimentos
sociais, políticas de demandas sociais, que fazem com que as elites conservadoras
clamem por seu fim, não enxergando, nessa vital ciência, a importância que ela
representa.
Nessa linha de conduta, comandada pela tradicional elite rural que domina a
política brasileira, quer explicitamente, quer de forma camuflada, construíram-se raízes
profundas de preconceito para com aqueles que lutam por melhorias no campo. As leis
agrárias foram construídas por pressões sociais, mas muito pouco do ambicionado foi
164
Direito Agrário Ambiental
cumprido. As leis existem, mas os poderes, poucas vezes, fazem valer esses preceitos.
Por exemplo, há de se fazer valer o que a lei traz sobre a grilagem de terras,
considerando criminosa essa prática; todavia, os jornais noticiam, diuturnamente, esse
expediente. Certamente, alguém, inclusive dos Poderes (e, aqui, digam-se os três
Poderes), se beneficia dessas práticas. O caso da Irmã Doroty é um exemplo de luta pela
terra, pelo meio ambiente, contra a grilagem.12 Teve repercussão internacional e causou
constrangimento ao governo brasileiro. Tornou-se um caso de violação de direitos
humanos, em amplitude internacional. Este é um dos muitos e muitos casos de violação
penal, civil, agrária, ambiental, fiscal, trabalhista; uma violação grave de desrespeito aos
direitos humanos, envolvendo a máfia do desmatamento, do uso indevido de terra
devolutas, do tráfico ilegal de madeiras, do trabalho escravo e da destruição ambiental.
Revelam-se, assim, as contradições entre o real e o legal.
A origem do descumprimento do aparato legal traz a marca da nossa história,
em que a oligarquia rural sempre fraudou o sistema vigente, ou criou normas que a
beneficiassem, mas que, num primeiro momento, constituíam-se em marcas de
paternalismo para os pobres do campo, que, até certo ponto, acreditavam que os
senhores da terra os protegiam e queriam o seu bem. Sérgio Buarque de Holanda (2005,
p. 160) lembra que os movimentos reformadores, aparentemente, partiram, quase
sempre, de cima para baixo e que a grande massa recebeu essas mudanças com
displicência, ou hostilidade, pois, no fundo, não foram eles os agentes de mudança e
estas não satisfaziam suas ideias. Nesse erro de crença, em que as leis resolvem
conflitos, incorreram os políticos e demagogos que chamam a atenção, freqüentemente,
para as plataformas, os programas, as instituições, como únicas realidades
verdadeiramente dignas de respeito. Acreditam que da sabedoria e da coerência das leis
depende diretamente a perfeição dos povos e dos governos.
Desconhecem que as leis são norteadores e que as leis todas, sem exceção,
devem ser cumpridas, para que se garanta o respeito a elas. Entretanto, até hoje, no
Brasil, exige-se dos pobres e dos oprimidos a obrigação de cumprir as leis; mas o
Estado ou, mesmo, os poderosos podem esquecê-las ou alegar artifícios para o seu não
cumprimento. No meio rural, são milhares de exemplos que se somam a esse quadro,
12
Irmã Dorothy Stang, de origem americana, naturalizada brasileira, foi assassinada no Pará, em 2005,
por um grupo de assassinos profissionais, a mando de um consórcio de grileiros de terras, exploradores de
madeira clandestina, chefiado pelo fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, que foi condenado a 30
anos de prisão.
165
Direito Agrário Ambiental
13
O Código de Hamurabi traz diversas passagens que se ligam às questões de reforma agrária, função
social da propriedade e defesa ambiental.
166
Direito Agrário Ambiental
Código de Hamurabi, também se preocupavam com o trabalho rural, com o homem que
exercia essa função e com o meio ambiente, recomendando que quem cortasse uma
árvore, deveria plantar dez; dessa forma, esse documento foi o primeiro Código Agrário
da humanidade.
A legislação Mosaica de 1400 a.C., no Velho Testamento, faz profundas
remissões à terra e demonstra, desde então, a íntima e constante relação entre a religião
e as questões agrárias, presentes até o momento hodierno. A passagem bíblica é precisa
e revela a importância da propriedade da terra14: “A justiça seguirás, para que vivas e
possuas a terra que te dará o Senhor teu Deus”.
O Direito Romano foi propulsor de leis agrárias. Por exemplo, tem-se, na
Tábua Oitava, 4: “Se urgem divergências entre possuidores de campos vizinhos, que o
pretor nomeie três árbitros para estabelecerem os limites respectivos”.
As Ordenações do Reino de Portugal obrigavam os proprietários rurais a
explorar suas terras, sendo desse instrumento legal a definição das sesmarias,
estabelecidas no Título 43, do Livro IV: “Sesmarias são propriamente as dadas de
terras, casas e pardieiros que foram ou são de alguns senhorios e que, já em outros
tempos, foram lavradas e aproveitadas e agora o não são”15.
Dessa forma, pode-se afirmar que as normas legais vertentes sobre o campo
encontravam-se codificadas muito antes de o direito agrário vir a ser reconhecido
enquanto ramo jurídico. Na prática, também o direito agrário sempre foi uma constante,
pois a primeira relação do homem é com a terra, pela garantia da sobrevivência. A caça,
a pesca, a busca de frutos silvestres foram atividades sempre reguladas, quer na Idade
Primitiva, quer nos demais momentos, nos quais imperaram as legislações supracitadas,
e, até mesmo, na Idade Média, marcada pelas relações entre senhores, vassalos e Igreja,
quando a terra se constituía no elo principal, sem, no entanto, haver normas
codificadas. Como preleciona Ismael Marinho Falcão (2000, p. 3), “a história do Direito
Agrário remonta à história da humanidade e está continuamente ligada à agricultura”.
Dessa forma, embora haja ainda quem negue a existência daquele (são poucos os
desatualizados), pode-se afirmar que, enquanto fato, o direito agrário se inicia com a
realidade humana e, enquanto ciência, seu nascimento se dá no ano de 1922, na Itália,
quando todo o material foi ordenado por Giangastone Bolla, que fundou a Rivistta di
14
Bíblia Sagrada, Velho Testamento, 16, 20.
15
As Ordenações traziam, também, em seu bojo, outras preocupações com a terra, inclusive de ordem
ambiental; porém, no Brasil, não foram aplicadas, a não ser o instituo das sesmarias e, assim mesmo, de
forma desvirtuada.
167
Direito Agrário Ambiental
16
Bolla foi considerado o fundador do Direito Agrário. Embora tenha sido um marco histórico sua
compilação, compartilha-se o pensamento de que o direito agrário sempre existiu de fato e de que, apenas
como ciência, passou a existir a partir de então.
168
Direito Agrário Ambiental
Não há mais que se falar em direito agrário como braço do direito civil; essa
superação é de caráter oficial, em todo o mundo; a autonomia do ramo agrário e sua
postulação como ciência são demonstradas no âmbito acadêmico, didático e pragmático
de si mesmo. Hernandez Gil (HERNANDEZ, 1943, p. 142 apud SANZ JARQUE,
1985, p. 52) esclarece que o direito agrário, assim como outros ramos jurídicos,
entrelaça-se com institutos de outros Direitos e, cita, como exemplo, o estudo da
propriedade rural, que carece ser vista na ótica do direito real de propriedade, com
origens no direito civil e que, ao mesmo tempo, é objeto do agrário, com a visão
especialíssima desse ramo.
Fábio Maria De Mattia (1992, p. 110) tem a visão certeira de que a presença do
fundo rústico não pode ser considerada fundamental para o exercício da atividade
agrária, pois basta asseverar que o cultivo sem terra para certos vegetais é o único
tecnicamente possível e o único conveniente economicamente. Nesse mesmo sentido,
Carrozza (1975, p. 278), recorda as culturas hidropônicas, ou aeropônicas, e muitas
outras cultivadas em ambientes especiais, como estufas e similares. Para esse agrarista
italiano, pode-se observar uma crise da concepção fundiária da agricultura, a qual,
muitas vezes, confundia o direito agrário com o direito civil. De Mattia (1992, p. 107)
observa que, na base da especialidade do direito agrário, encontra-se sempre a idéia da
possibilidade teórica e da conveniência prática de separar a matéria fundiária, que
corresponde ao direito civil, e a matéria agrária propriamente dita. Antonio José de
Mattos Netto (1988, p. 13) afirma categoricamente que o fenômeno agrário não deve ser
estudado somente sob a égide de normas civis, mas, e, principalmente, pelas normas de
direito agrário.
Sanz Jarque conclui que o Direito, na verdade, é único, e que falar em
autonomia concebida em sentido único, para cada ramo jurídico, não tem sentido
(MATTOS NETO, p. 51). Devem ser respeitadas sua especialidade e a matéria
pertinente aos seus estudos e aos seus métodos, que são distintos, com peculiar
conteúdo, fazendo dessa ciência, a busca da ordem, do bem comum e da justiça,
funcionando em cada país adaptado à realidade e à necessidade locais.
Por conseguinte, o que estava por trás de ser o direito agrário um braço do
Civil, ou não ser autônomo, era um conteúdo ideológico de defesa da propriedade, de
nãopreocupação com o social, e de fazer valer as questões econômicas, em detrimento
dos ditames de interesse público e de defesa do coletivo. Há que se observar que as
relações agrárias trazem em seu bojo o conteúdo da dominação e, portanto, sempre
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17
Na Universidade de São Paulo, precisamente no Curso de Direito do Largo de São Francisco, nas aulas
de pós-graduação, deram-se os primeiros ensinamentos de Direito Agrário. Passaram por esta cátedra
nobres professores, como os saudosos Fernando Sodero, Paulo Guilherme de Almeida, Olavo Acyr Lima
Rocha (que participou no Doutorado dessa autora) e ainda presentes naquela escola: Fábio Maria de
Mattia, único professor titular de direito agrário do Brasil, Giselda Hironaka, sendo que todos foram
docentes desta agrarista e, ainda, Fernando Scaff, hoje também livre docente da USP, colega de Mestrado
e, hoje, o jovem Gustavo Rezek, todos com formação uspiana. Passaram ainda pela USP, como alunos,
Antonio José de Mathos e Maria Cecília de Almeida, agraristas atuantes e companheiros na Abla e na
ABDA. Na Unesp, muitos mestrandos e pesquisadores orientados por esta professora têm seguido a
carreira agrária, divulgando esse ramo jurídico. São eles: Dimas Scardoelli, Juliana Xavier, Jéferson
Celos, Marcos Rogério de Souza, Jose Roberto Andrade Porto, Evelyn Marchetti, todos Mestres com
trabalhos na área do Direito Agrário; além de Marcos Pereira de Castro, premiado duas vezes em suas
pesquisas de iniciação científica e premiado como melhor trabalho nacional na referência mestrando,
pela ABDA, e Taísa Cintra Dosso, mestrandos, e outros tantos pesquisadores Fapesp e Pibic que se
dedicaram ao estudo do direito agrário, com afinco, na sua Graduação.
171
Direito Agrário Ambiental
muitos estados não incentivam esse estudo, por falta de docentes especializados, ou por
questões ideológicas. Há divergências sobre o seu conteúdo e já se observou, em muitos
locais, que o direito agrário, por não constar no rol das disciplinas obrigatórias dos
cursos jurídicos, integra a graduação, num curto período de seis meses, como disciplina
optativa, ou, ainda, seu programa se restringe à parte contratual e à defesa da
propriedade rural. O MEC tem trabalhado muito a tese da vinculação do conteúdo
programático à realidade local do curso, e, como o Brasil, na maioria das cidades que
apresentam propostas para abertura de cursos jurídicos, possui característica rural, com
a expectativa da aprovação, acabam por incluir a disciplina agrária sem muito entender,
algumas vezes, do seu conteúdo ou objeto.
Felizmente, as universidades, em sua maioria públicas, optam por estudar o
direito agrário no tempo de um ano, transmitindo um conteúdo crítico e detalhado que
perpassa por todos os institutos agrários, permitindo que o profissional do Direito esteja
apto a atuar em vários setores jurídicos, de forma convincente e justa. Hoje, também os
concursos públicos, principalmente os da esfera federal, apresentam em seus conteúdos
a disciplina agrária, como parte de suas exigências, o que acaba por ocasionar o
interesse pela matéria.
Por iniciativa da ABDA18 (Associação Brasileira de Direito Agrário), está
sendo motivado o ensino do direito agrário, ao longo de um ano, ao menos na
graduação, com amplo programa, que trata das questões públicas e privadas de tal
ciência. Junto aos cursos de pós-graduação, tem crescido a procura por pesquisas na
área rural, com vertentes sobre os movimentos sociais e também o Direito Ambiental;
contudo, há registro de muitos trabalhos que pesquisam exclusivamente o direito
agrário, nas mais diferentes questões.
A questão ideológica se faz presente no item didático, uma vez que muitos
docentes ou discentes se envolvem com a divisão de terras no Brasil, associando as
questões das lutas dos movimentos sociais sobre a ocupação do solo brasileiro e suas
reivindicações constitucionais. Nesse diapasão, incluem-se dados sociológicos justos,
que motivam e orientam uma melhor postura do direito diante das questões agrárias.
18
A Associação Brasileira de Direito Agrário, ABDA, com sede em Goiânia, promove esse direito por
meio de congressos e reuniões, e conta com o apoio imensurável de Maria Célia dos Reis, procuradora do
Incra e uma batalhadora das causas agrárias, em conjunto com Helio Novoa, outro grande agrarista e
também procurador do Incra. Em Goiânia, está presente o Mestrado da UFG, que formou inúmeros
mestres em direito agrário.
172
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Entende-se que essas ocupações, esses protestos, essas lutas19 devem, sim, se constituir
como institutos do direito agrário, uma vez que todos eles clamam por efetivação de
direitos, negados por séculos. Afirma-se essa postura declarando a importância deste
estudo como ilícito civil? Como assunto sociojurídico? Como direito negado à maioria
dos povos brasileiros? Como direito de protesto? Como crime? Enfim, este capítulo
novo, mas tão antigo em sua essência, integra o novo programa de Direito Agrário, sim,
apesar de alguns agraristas quererem ignorar as pressões e lutas. Essas situações têm
como fim a justiça, e os que trabalham com esta devem estar preparados para agir
nessas lides.
A autonomia científica consolidou-se com os trabalhos dos juristas envolvidos
nas pesquisas, com a análise histórica da evolução dos conceitos, das teorias e dos
institutos agrários. Há trabalhos dos estudiosos, com ideologias arcaicas, tradicionais,
fiéis às oligarquias rurais, que acreditam fielmente na propriedade absoluta e na
manutenção do direito da defesa do latifúndio, da monocultura e da economia de
exportação. Como há, também, os pensadores agraristas com viés social, preocupados
com injustiças seculares, em defesa dos que trabalham a terra, dos que valorizam a terra
como meio de sobrevivência, de luta pela erradicação da fome, viabilizando a produção
de alimentos. Uma nova bandeira integra essa luta, a dos que ambicionam um direito
agrário mesclado com o direito ambiental, na busca da preservação das matas, do solo,
das florestas, organizando um direito sustentável. Uma situação está ligada à outra. A
cientificidade cresce com luta e obstáculos, mas ganha posturas de ciência jurídica. A
criação da Abla20 (Academia Brasileira de Letras Agrárias) é a manifestação real da
preocupação dos agraristas em divulgar seus trabalhos e trocar experiências entre
regiões. O direito agrário cresce, enquanto doutrina e pesquisa, ampliando seus
horizontes.
Pontes de Miranda (1983, p. 248) descrevia em sua obra que “a ciência do
direito é o todo de conceitos e enunciados com que pode o jurista apanhar o sentido
histórico das regras e das instituições, sentido atual e toda a natureza da categoria
jurídica ou da regra, no quadro científico”.
Assim, ver ciência é mais que enxergar uma parte, requer toda uma estrutura de
19
O MST, apesar de hoje estar numa posição, em parte, criticável, é um grande responsável da luta pela
terra. Conseguiu grandes modificações na estrutura jurídica e faz pensar o direito plural.
20
A Abla foi uma criação dos agraristas, por iniciativa de Alcir Gursen, Altir Maia, Darcy Zibetti, Lucas
Barroso, Elisabete Maniglia. Reúne agraristas de todo o Brasil, e cada membro tem um patrono, sendo
que o desta autora é José Gomes da Silva.
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Helio Novoa (2001, p. 40) considera que a prevalência deve ser atribuída à
teoria de Vivanco (ROCHA, 1999, p. 20-21), abraçando-se o critério da acessoriedade,
pois, no Brasil, há a carência de um critério, ou de uma teoria tipicamente brasileira.
No Brasil, a atividade agrária vem delineada em diferentes diplomas legais e
torna-se motivo de controvérsia quando apreciada por jusagraristas. O Estatuto da Terra
trata de dizer, em várias oportunidades, da exploração extrativa agrícola, pecuária ou
agroindustrial, a saber: arts. 1º, 4º, 5º, 10, 25, 47, 75 e 92.
Conforme Dimas Scardoelli (2004, p. 30), o Estatuto da Terra utilizou-se da
noção de atividade agrária na determinação de muitos outros institutos, embora não
tenha definido legalmente o instituto jurídico da atividade agrária. Na mesma linha, o
178
Direito Agrário Ambiental
autor diz que outros diplomas legais elencam atividades tidas como rurais, sem defini-
las. São os casos da Instrução Especial Incra n. 5, de 1973 e de algumas leis que versam
sobre tributos relacionados à atividade rural.
A primeira, em seu artigo 3º, apregoa que os tipos de exploração rural no Brasil
são enquadrados nas classes de hortifrutigranjeiros, lavoura permanente ou temporária,
pecuária e florestal. A lei n. 8.629/93, em seu art. 4º, reza sobre exploração agrícola,
pecuária extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial. No âmbito tributário, o art. 2º
considera atividade rural a agricultura, a pecuária, a extração e a exploração vegetal e
animal, a apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e
outras culturas animais. Ainda, a transformação de produtos decorrentes da atividade
rural, sem que haja alteração da composição e das características do produto, o cultivo
de florestas que se destinem ao corte para comercialização, consumo ou
industrialização. O decreto tributário n. 4.382/2002 versa sobre ITR, e seu art. 18
descreve as mesmas atividades agrárias já mencionadas, o que faz afirmar que os
dispositivos não são conflitantes, quanto à eleição de atividades tidas como rurais.
Na realidade brasileira, outras dúvidas surgem quanto à criação de animais para
esporte, prestação de serviços de eqüoterapia, aprimoramento genético, serviços de
coleta de sêmen. Animais para esporte e lazer, jardinagem, sementes para plantio,
culturas hidropônicas e agroturismo. Seriam essas atividades agrárias? Todas elas
vinculam-se ao aspecto agrário, mas não são tratadas como tais, para fins de tributação e
outras considerações jurídicas. Mas, trazem a característica do meio rural, o que, dentro
das teorias, faria com que pudessem ser consideradas atividades agrárias acessórias e o
Direito Agrário poderia incidir sobre as mesmas, conforme entendimento hodierno.
Neste entendimento, vez que ampliando o leque das atividades agrárias, o meio
ambiente, principalmente, estaria mais bem protegido, assim como estar-se-ia diante de
outras opções de frentes de trabalho rural, valorizando, desta feita, o que Graziano
(1996, p. 8-11) sempre defendeu como uma Reforma Agrária não essencialmente
agrícola21.
Quanto ao turismo rural, Maniglia (1999, p. 226), em outros trabalhos, defende
a ideia de que este deverá ser incluído no rol das atividades agrárias, pois reflete um
compromisso com o local, os costumes rurais, a natureza e a paisagem rural; enfim,
21
Este trabalho será reapreciado, ao longo desta tese. Consiste em equacionar a questão do nosso
excedente populacional, com uma reforma agrária que permitisse a combinação de atividades agrícola e
não agrícolas, com a vantagem de usar menos terra e mais opções de emprego.
179
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito Agrário, em tempos hodiernos, vai muito além daquilo que
inicialmente foi proposto pelos agraristas em 1964. Obviamente não por descuido
daqueles que criaram há 50 anos o Estatuto da Terra, mas simplesmente porque, como
todo ramo jurídico, evolui e se adequa às necessidades sociais. Sem dúvida, a certeza
182
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de que muito do legado do estatuto está presente na vida agrária. A Politica fundiária e a
Politica Agrícola são divisões necessárias, assim como diversos institutos estão
presentes no quotidiano rural. As cooperativas, o crédito rural, o conceito de imóvel
rural, a importância da agricultura familiar, o resgate tributário do ITR- imposto
territorial rural, a reforma agrária não conclusa, a politica de assentamentos se fazem
presentes no momento agrário, aliados aos princípios constitucionais basilares,
elencados nos artigos 184 a 191 e em mais outros tantos, como o que é pertinente à
função social, às terras públicas e a espécie devoluta, as terras indígenas, as terras
quilombolas, aos povos da floresta, sem alijar os princípios ambientais descritos neste
documento.
Mais além, o conceito de direito agrário é universal, ressalvadas as
especificidades geográficas e populacionais, porque garante a sobrevivência das
espécies e desenvolve a proteção ambiental do planeta em grande parte envolvendo a
biodiversidade, as florestas, os rios, atividades agrárias sustentáveis, a água, os recursos
naturais e a produção de alimentos saudáveis. De maneira correta, implica a garantia de
trabalho rural, de subsistência para famílias agrárias e de proteção contra o inchaço das
cidades.
O direito agrário é de natureza jurídica mista, e, como se entende, muito
público, mais do que privado, pois suas diretrizes são advindas da Constituição Federal,
trata do interesse social, garante uma série de direitos sociais e depende em quase tudo
das normas públicas e da intervenção do Estado.
Vários são os conceitos que definem esse ramo jurídico rural; não importa qual
a opção de definição fundamental, o espírito agrarista é aquele que entende a terra como
algo diferente dos demais institutos de propriedade ou posse.
A luta pela mantença do estudo de Direito agrário é algo que deve proliferar
em todo mundo em especial no Brasil. A visão jurídica agrarista deve servir para
contemplar o progresso do País em toda atividade produtiva que sirva para garantir a
segurança e a soberania alimentar. Que o direito agrário seja difundido e associado a
todo serviço de proteção e exaltação do trabalhador rural e melhoria de dignidade para
esse homem. Que o direito agrário seja exemplo de construção de sustentabilidade e
preservação ambiental, construindo normas e premiando aqueles que desenvolvem suas
atividades em prol de um mundo ambientalmente melhor. Assim será a missão desse
ramo jurídico que se estrutura na missão de realizar a justiça social.
183
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MARCIAL, Alberto Ballarín. La función social del suelo rustico y de la propriedad
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Lorena Freitas23
INTRODUÇÃO
O objeto deste artigo é o exame da crise e dos limites heurísticos da matriz
liberal-individualista, a qual, no que concerne aos direitos humanos, tenta circunscrever
sua exegese a um caráter de mera promessa formal, confundindo (deliberadamente ou
não) o aspecto (necessário, porém não suficiente) de sua garantia instrumental com as
demandas sociais por sua concretização.
Tal objeto será efetivado através do exame de um problema secular em nosso
país, qual seja a questão do acesso à terra, isto é, da (não) implementação de uma
reivindicação histórica de nossa sociedade, a reforma agrária, a qual, por mera via da
aplicação da constituição vigente, no que concerne à função social da propriedade,
andaria bastante naquilo que envolve a sua expressão real na vida social.
Por isso, e para abordar o esgotamento teórico e prático da mencionada matriz
paradigmática liberal-individualista, é que se faz uso dessa questão premente na
realidade brasileira - mais especificamente, nordestina, a qual ganha a forma do
problema a ser enfrentado. Isso significa que se trata de responder à seguinte questão:
quais as causas pelas quais o secular problema agrário resta como questão pendente de
solução em nossos tribunais, em termos de concretização jurídica?
A hipótese que norteia a pesquisa é a de que, embora a questão agrária, por sua
complexidade, demande esforço de outras esferas estatais, cabe ao judiciário concretizá-
la e à doutrina, cuja função é inafastável para o direito, esclarecê-la.
Mais especificamente: a filosofia (e a teoria do direito), em suas vertentes
centrais, tratam a função social da propriedade como uma proposição genérica /
abstrata, de caráter meramente programático, e, no geral, limitam-se a uma aplicação
22
Este artigo foi originalmente apresentado no Encontro do GT Ética e Cidadania da Anpof ocorrido em
agosto de 2015 em Sobral-CE.
23
Doutora em Direito e Professora Adjunta na UFPB.
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privatista da Constituição, situação que pode ser pesquisada sob o viés realista da
racionalização legal da vontade e dos interesses que estão no cerne de qualquer decisão.
Para testar tal hipótese, foram usados os recursos de um aparato bibliográfico e
decisional concernentes à organização de uma pesquisa que tem produzido
investigações - este artigo é uma delas - desde 2012 e que conformam observatório
sobre a função social da propriedade da terra.
Isso tem resultado em estudos que examinam e fornecem argumentos no campo
da teoria e da práxis sobre a concretização da função social da propriedade, enquanto
direito fundamental, e suas repercussões positivas do ponto de vista social.
Isso porque o desvendar da temática proposta, ancorado num olhar descritivo,
isto é, materialista / realista (sem, nem por isso ou apesar disso, deixar de ser filosófico),
notadamente em questão tão premente quanto o conflito por terra, consegue dar conta,
com mais amplitude e profundidade, da compreensão das matrizes sociais e jurídicas do
conflito.
Tal olhar repercute na medida em que se opõe àquelas perspectivas cujo foco é
inteiramente voltado a apontar como a legislação deveria ser ao invés de examiná-la
como efetivamente é e compreendê-la em suas condicionantes sociais, sem que isso
signifique abrir mão da potencialidade crítica que tem o desvelar do direito como ele
objetivamente se apresenta ao aplicador.
Por isso mesmo é que a hipótese de pesquisa será levada adiante, tendo em
consideração um aspecto bastante peculiar, pois, na medida em que consiste num estudo
das práticas sociais, visa desenvolver uma reflexão crítica acerca de um momento
específico, ou seja, a aplicação do direito e suas implicações éticas.
Por isso, e para efeitos de delimitação do objeto, o conflito por terra rural será
sempre caracterizado por aquela situação em que uma das partes recorre à tutela estatal,
o que, em um dado momento, requer decisão judicial, e na qual a disputa envolve,
alternada ou cumulativamente, ações de resistência à desocupação, enfrentamento pela
posse, pelo uso e pela propriedade de terras.
No que concerne ao marco teórico, a abordagem será pautada na convergência
de matrizes filosóficas no campo da ética prática que entendem o direito de propriedade
enquanto feixe de obrigações do titular perante a comunidade e cujo marco se reflete
numa atitude descritiva preocupada em examinar, sob uma ótica realista e enquanto um
dado de fato da razão prática: juízes e tribunais são quem concretiza normas, o que nada
188
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24
A expressão “caldron of the courts” é de CARDOZO (2005, p. 6).
189
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permeado por ilusões de referência e por um discurso aparentemente neutro que não
leva em conta a ideologia contida na forma jurídica e que, por isso mesmo, subestima o
direito enquanto lugar de poder, dominação e justificação.
Aparentemente de forma contraditória, tal perspectiva liberal está mais focada
em uma atitude prescritiva perante o direito empiricamente verificável do que em
entender como ele efetivamente funciona, notadamente em seus padrões de
argumentação, justificação e tomada de decisões, desnudando o fato de que entre o
compromisso da razão com a vontade, no direito concreto, a segunda predomina.25
Isso se reflete no exame dos conflitos sobre direito de propriedade privada de
extensas porções de terra, como ocorre no Brasil, que segue, no que concerne à sua
questão agrária, vitimado por um atraso secular, iniciando-se de logo pelo status teórico
do problema.
A questão da propriedade foi bem estabelecida - e segue guardando atualidade
– por um jusfilósofo que não pode ser tido na conta de um “maximalista” – trata-se de
Duguit. Ele, ao criticar a concepção absoluta do direito de propriedade privada, aponta
algumas de suas consequências danosas: “A propriedade não é direito subjetivo do
proprietário: é função social do possuidor de riquezas” (DUGUIT, 2006, p. 147-159,
173).
Ora, tais conflitos não são problemas pontuais e têm raízes longínquas, desde a
primeira lei de terra promulgada no país, a Lei 601/1850, que consagra, em legislação
específica, pela primeira vez, a propriedade privada de terras, regulamentando e
consolidando o modelo de grande propriedade rural.
Os resultados contemporâneos dessa herança jurídica, cultural e política são
evidentes no país, no nordeste e, em especial, na Paraíba: a questão social -via de regra -
é tratada enquanto “caso de polícia” com o fim de proteger uma infinitésima parte do
corpo social, notadamente se se leva em conta que, já no final da década passada, em
nível nacional, propriedades rurais com mil ou mais hectares de dimensão
representavam apenas 1,4% do total de propriedades. No entanto, esses donos de
grandes propriedades detinham 49,4% das áreas rurais do país, ou seja, quase metade
das terras nas mãos de pouco mais de 1% de proprietários (CARDIM; VIEIRA, 2013).
25
Sobre as concepções que discutem o direito como atividade da razão ou de atos de vontade (que, quase
sempre, são manejos retóricos da racionalidade e de uma suposta “vontade geral”), ver: KAHN (2001, p.
9, 15) e ELY (2010), especialmente o 3º capítulo.
190
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26
Ainda no ‘estado de arte’ dessa pesquisa é obrigatório serem mencionados: Caio Prado Jr
(especialmente “A formação do Brasil contemporâneo”, 2011), Nelson Werneck Sodré (“A Formação
histórica do Brasil”, 1968), Alberto Passos Guimarães (“Quatro séculos de latifúndio”, 1989), Moisés
Vinhas (“Problemas agrário-camponeses do Brasil”, 1968) e Jacob Gorender (“O escravismo colonial”,
1976), para citar alguns dos principais.
191
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192
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operadores, isso porque combina, acerca do direito, tanto uma perspectiva interna
quanto a externa (aqui não no sentido que Hart confere a essa distinção em “O conceito
de direito”, mas sim entendendo a perspectiva interna enquanto aquela que opera no
âmbito mesmo da dogmática jurídica, não questionando seus alicerces, e a perspectiva
externa enquanto um olhar sociológico e no qual as características, os pressupostos e os
constrangimentos dessa mesma atividade dogmática são questionados, situados
historicamente e entendidos enquanto construções culturais cuja função é tão somente
viabilizar o funcionamento social)27.
A aceitação de um olhar ou perspectiva externa confere um potencial para se
perceber o direito como atividade centralmente determinada por atos de interpretação e
aplicação, na qual a ação do legislador é um dado de entrada como outro qualquer
(embora hierarquizada). E tal é assim na medida em que o que confere sentido ao direito
é a sua inserção enquanto cultura, isto é, como crença acerca de como ele equilibra
razão (expressada por certa justificação da atividade jurídica como dotada de per si de
racionalidade) e manifestação da vontade (enquanto expressão geral da soberania
popular) (KAHN, 2001, p. 38, 52) (KAHN, 1992, p. 1-8).
Como lembra Hart (2005, p. 217-218), acerca da perspectiva interna ao direito,
“uma sociedade com direito abrange os que encaram as suas regras de um ponto de vista
interno, como padrões aceites de comportamento” e não como predições fidedignas do
que as autoridades lhes irão fazer, se a elas desobedecerem28. A primeira concepção
deriva de uma perspectiva centrada na lei; a segunda, a da predição, numa outra
perspectiva, focada na decisão.
Assim, o que realmente os juristas fazem – e fizeram sempre – é, diante dos
casos, decidir (se forem aptos a praticar atos de vontade / poder) ou propor decisões,
como faz o advogado que, através de interpretação enquanto ato de conhecimento,
sugere aos juízes e tribunais o caminho a tomar, ou, ainda, numa outra hipótese, através
de sua atividade teórica, fornece às partes e aos que decidem argumentos para aplicarem
uma ou outra regra e decidirem um dado caso de uma ou outra forma.
Por isso que, nesse terreno, deve ter o devido destaque, como dotada de maior
instrumental quanto ao manejo da justificação como correlato da decisão, a combinação
27
Hart (2005, p. 65) distingue uma perspectiva da outra com base na observação pela qual se deve diferir
o fato de um grupo reconhecer determinadas regras e praticá-las (perspectiva interna) daquela outra
situação (perspectiva externa) na qual um observador não as compreende, não as pratica e acha-as sem
sentido.
28
“The prophecies of what the courts will do in fact, and nothing more pretentious, are what I mean by
the law” (HOLMES JUNIOR, 2009, p. 6).
193
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do foco teórico-metodológico proposto pelo realismo com uma análise marxista, isto é,
histórico-dialética do direito enquanto parte da totalidade social e por ela condicionada,
ao fornecer, se não a resposta, mais uma referência para o exame dos problemas que
aqui se constituem em objeto de pesquisa, como a seguir se passará a examinar.
Por esse motivo aqui se trata de verificar a aplicabilidade do princípio da
função social da propriedade, quando confrontado com a regra que protege o seu caráter
privado e teoricamente unitário, ao invés de pluralista, bem como de que forma e com
base em que teorias da eticidade esses conflitos são examinados.
Nesse aspecto, a influência doutrinária no judiciário é claramente delimitada
em torno de uma matriz explicativa unitária para a questão da propriedade, na qual se
reitera a existência de um disciplinamento comum e de caráter geral da propriedade, e
se evidencia, por toda uma corrente, a influência de PERLINGIERI (1971, p. 59, 138,
150, 153), muito embora este autor não deixe de falar, em vários trechos de sua obra,
acerca do tema, que, “no âmbito de uma situação concreta, a noção de função social,
desenvolve papel claramente jurídico e menos político, visto que a atividade proprietária
seria valorada in concreto” (PERLINGIERI, 1971, p. 77).
Ressalve-se que desde o início da reflexão aqui proposta, sobre o exame
descritivo da atividade judicial do direito de propriedade29, percebeu-se sua amplitude e
que, em consequência, ela precisava se tornar mais restrita. Por isso, dentre a gama de
direitos tidos como fundamentais e que servisse de teste para a hipótese de pesquisa,
escolheram-se aqueles que confrontassem o direito individual à propriedade, sua
necessária função social e como a ponderação de ambos é tratada na primeira instância e
nos Tribunais Estaduais, em comparação com seu exame nas instâncias superiores do
judiciário.
Isso porque, sendo o direito de propriedade uma manifestação material da vida
social, acaba por se tornar uma temática crucial para a concepção de sociedade
democrática que se defende e, ao mesmo tempo, é fruto de acirrados debates no
Judiciário. Não é à toa que já se assinalou que a propriedade pode ser estudada em dois
aspectos: o estrutural e o funcional:
29
Reflexão esta cujos primórdios já se desenvolveram em livros do Grupo de Pesquisa do proponente,
juntamente com o Grupo de Pesquisa “Realismo Jurídico e direitos humanos”, coordenado por Lorena
Freitas, docente do quadro permanente do nosso programa de pós-graduação. Ver: FEITOSA, ET ALL,.
(2009) e ENOQUE ET ALL (2012), notadamente o capítulo sobre direito de propriedade e sua função
social.
194
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195
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razoável concluir que o alcance dessa expressão não admite interpretação ou aplicação
de uma regra inferior que contrarie o seu sentido”, isto é, o sentido da norma superior,
em razão de que, “em cada época, a propriedade constituiu-se de contornos diversos,
conforme as relações econômicas e sociais de cada momento” (FACHIN, 2000, p. 284-
285) (FACHIN, 1988, p. 18).
30
Para uma análise dos dados históricos acerca da questão, ver: (STÉDILE, 2002, p. 103-128).
196
Direito Agrário Ambiental
ambiental e com a dignidade de seu uso e do trabalho ali exercido, enfim, como direito
fundamental que só adquire sentido se tratado enquanto feixe de atribuições cujo
cumprimento é que confere sentido à sua existência, e não com o viés privatista,
incondicionado e erga omnes que lhe querem atribuir alguns.
Como aponta Mário Losano, referindo-se à Constituição:
[o artigo 186] é de uma importância fundamental na medida
em que fixa os critérios com base nos quais se decide se uma
propriedade fundiária cumpre ou não sua função social.
Deve-se assinalar que estes critérios são os fundamentos de
qualquer ação e devem ser respeitados todos ao mesmo
tempo.
197
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o trato das questões humanas e sociais, importam as contribuições de uma
teorização de viés social acerca dos direitos fundamentais, entre eles o direito à terra e
ao trabalho. Assim, a iniciativa de fomentar o debate proposto no presente artigo dá-se
no conjunto da necessidade de interlocução dos vários tipos de conhecimento para que
se consiga uma comprensão real e aprofundada da questão, seguramente uma das mais
importantes agendas para a erradicação da miséria, como se pretende / propala, para os
próximos anos, na medida em que a reflexão cosntruída por vias isoladas e estanques
entre sí, típica de uma concepção filosófica jus-idealista que concebe o direito como
uma espécie de deus ex machina, não consegue enfrentar eficazmente esse que é um dos
problemas mais complexos da realidade brasileira.
Isso porque a especialização e a complexidade das demandas e dos conflitos
sociais têm exigido de todos que pensam o direito um grau de interlocução com outros
dados da realidade. E isso decorre, entre outros fatores da quase completa carência,
como já se mencionou anteriormente, de uma visão realista /materialista no estudo das
questões e de um ensimesmamento dos juristas em sua própria atividade, como se ela
fosse absoluta e conteudisticamente (e não apenas metodologicamente) autorreferente.
Essa visão formal e isolacionista retira dos juristas uma percepção
historicamente situada dos fatos, principalmente aqueles meandros concernentes ao
198
Direito Agrário Ambiental
enfrentamento político das questões de conflitos entre dois direitos, quando estes são
mutuamente excludentes ou mesmo, no caso do direito de propriedade de terras versus
sua função social, convivem num ordenamento único, a segunda pressupondo a
primeira, a sua visão privatista sendo considerada prevalente, em choque, a um só
tempo, com o texto normativo, com a realidade dos fatos e com o sentido e o alcance
que o legislador contituinte, de forma evidente, impôs ao texto.
A reflexão acerca da questão agrária, no momento em que o País se ufana da
situação de estar entre as dez maiores potências do mundo, visa contribuir para
promover uma nova tomada de posição diante do problema, sem negligenciar o aspecto
do desenvolvimento humano.
Assim, há que enfrentar, sob a égide das novas demandas sociais do século
XXI, as políticas sociais (ou a ausência delas) e o novo papel do Estado brasileiro,
notadamente naquilo que concerne à questão da agricultura familiar, especialmente os
aspectos jurídicos envolvidos nos projetos agrários existentes para a região nordeste e
os reflexos humanos e sociais da exploração do trabalhador rural e do não cumprimento
da função social da propriedade, o que demanda uma abordagem ancorada na análise de
temas como exclusão social, desenvolvimento humano, valores democráticos e
cidadania, o papel que a reforma agrária cumpre nas suas promoções, notadamente para
os trabalhadores e as trabalhadoras rurais, e a necessidade de encontrar novas formas de
regulação de conflitos, bem como a otimização dos instrumentos de defesa dos valores
não enquanto tais, mas porque constitucionalmente expressos.
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200
Direito Agrário Ambiental
201
Direito Agrário Ambiental
202
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa corresponde a compilado bibliográfico de busca ativa que
discorre a respeito do positivismo jurídico do direito agrário e sua correlação com o
direito ambiental tendo os princípios da função social da propriedade, justiça social no
meio rural e da sustentabilidade como garantia para o meio ambiente equilibrado e pilar
que apresenta a sociedade o incentivo para analisar os interesses do Estado
socioambiental do direito agrário, da evolução das relações sociais no campo, do
consumo que interfere sobremaneira nas relações sociais, demonstrando a importância
da defesa da manutenção do meio ambiente equilibrado, inclusive para o trabalhador
rural e seus próprios direitos e garantias fundamentais, incentivado e influenciado sua
relação individual e coletiva com a natureza.
A pesquisa está centrada no direito socioambiental do Direito Agrário e o
trabalho rural ecologicamente equilibrado, sendo importante mencionar os valores
socioambientais do século XXI, cabendo ao Estado mediante fiscalização, aplicação de
medidas preventivas, e repressivas de cumprimento das normas já existentes, fomentar
os valores socioambientais dominantes por meio de políticas públicas, que devem ser
respeitadas pela sociedade, pelo próprio Estado, pelas instituições públicas e privadas
garantindo a efetiva sustentabilidade que passa a compor medidas de proteção e
equilíbrio no campo, incrementando o progresso ecológico rural como veículo de
informação sustentável em atendimento às necessidades atuais, futuras e de toda a
coletividade. Cumpre defender a participação do Direito Agrário na perspectiva
socioambientalmente sustentável, sendo esta autoconfiante e autocentrada, partindo-se
da proposta permissiva de que o ambiente rural pode prestar-se positivamente a favor da
31
Docente do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba.
32
Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba
33
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
203
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sociedade que o criou e que estimula seu desenvolvimento por meio da validade,
dimensão e abrangência que as discussões que envolvem a questão da Terra
proporcionam ao futuro comum, a dignidade da existência humana e natureza.
A defesa desta pesquisa está pautada na conscientização do ambiente rural
ecologicamente equilibrado quando se utiliza o comportamento responsável, voltado a
novos paradigmas, a ser denominado pela sociedade, de consumo responsável; que
adotam abordagem de matrizes não poluentes do solo; que estabelecem investimento
agrícola respeitando marcos como a Revolução Verde, em debate constante com o
Estatuto da Terra, Código Florestal e política agrícola sendo esta responsabilidade
critério de escolha, com base nas informações do direito agrário relacionado à
sustentabilidade, informando e educando o indivíduo e a coletividade para as suas
escolhas conscientes; que, por sua vez, passarão a produzir de forma sustentável,
preservando os recursos ambientais, culturais e sociais, respeitando as diversidades e
promovendo a redução da desigualdade social, reequilibrando o sistema de produção,
consumo e sociedade.
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34
Os Tratados Internacionais no âmbito ambiental não surgiram recentemente, mas o despertar do Direito
Internacional Ambiental só se deu na segunda metade do século XX, mais precisamente com os efeitos
irradiados da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano de 1972 em Estocolmo.
Nessa linha, pontifica Guerra: “Para se ter a ideia da proliferação de documentos internacionais em
matéria ambiental após 1972, até os anos 60, existiam apenas alguns dispositivos para a proteção dos
pássaros úteis à agricultura, a proteção das peles de focas e sobre a proteção das águas. De 1960 até 1992,
foram criados mais de 30.000 dispositivos jurídicos sobre o meio ambiente, entre os quais 300 tratados
multilaterais e 900 acordos bilaterais, tratando da conservação e mais de 200 textos oriundos das
organizações internacionais”. (GUERRA, 2007, p.3)
35
Os países do leste europeu foram os primeiros a constitucionalizar o meio ambiente - como, por
exemplo, a Polônia, que o fez em 1976 – porém, as previsões constitucionais careceram de
desdobramentos práticos.
207
Direito Agrário Ambiental
1°, inc. IV, da C.F., torna-se obrigatório a realização do EIA/RIMA quando o poder
público estiver perante atividade potencialmente causadora de danos ao meio ambiente.
É preciso entender, que a palavra “potencialmente” engloba o dano manifestamente
iminente, bem assim o dano incerto e provável. Por outro lado, não é qualquer
modificação do ambiente que exige o EIA/RIMA, mas uma degradação potencialmente
relevante, ou seja, algo severo, de caráter negativo, que altere os atributos do ambiente.
Leff (2010) sustenta que o conhecimento, quando segregado em unidades
objetificadas para analiticamente perquirir os seus entes, poderá subjugar saberes e
menoscabar a complexidade ambiental. Os equívocos e os conflitos de todo o
conhecimento requerem uma filtragem crítica das multicausalidades dos saberes
historicamente tidos como incontestáveis. A necessidade de compreender os múltiplos
complexos e contingências subjacentes à complexidade ambiental torna imperiosa,
mediante novas estratégias teóricas inter e transdisciplinares, a construção de uma
racionalidade do saber ambiental. Concomitante a isso, é necessário dialogar com as
rupturas, lacunas e especificidades dos saberes culturais - encarados como não
científicos - existentes para além dos cânones científicos.
Assim, para Enrique Leff, a noção de uma nova racionalidade no trato do
ambiente demanda a reformulação das abordagens tradicionais com vistas a produzir
“novos conhecimentos, o diálogo, hibridação e integração dos saberes, bem como a
colaboração de diferentes especialidades, propondo a organização interdisciplinar do
conhecimento para o desenvolvimento sustentável”. (LEFF, 2010, p.162). Nos termos
de Leff (2010), a racionalidade ambiental é fruto dessas novas perspectivas
epistemológicas marcadas pela integração prática dos saberes no enfrentamento dos
problemas socioambientais.
O saber ambiental é uma síntese de teoria e práxis, uma relação dialética entre
as transformações teóricas, culturais e institucionais; movimento das contradições
socioambientais; e atuação dos movimentos sociais. Nesse ínterim, não podemos
ignorar as relações de poder que perfazem qualquer interferência no ambiente e os
discursos relacionados às análises energéticas e ecossistêmicas, responsáveis por
naturalizar – ou não – a desigualdade social e a destruição ecológica. (LEFF, 2011)
A produção de gêneros alimentícios pela agricultura, pecuária, extrativismo é
uma possibilidade de luta, que não depende apenas da vontade política, mas da
disponibilidade de recursos suficientes. É preciso investir no campo, portanto há que
incentivar recursos para o desenvolvimento agrícola, políticas de acesso a terra,
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36
A Lei 3.688/41 (lei das contravenções penais) - revogada em 2009 pela lei 11.983/09 – previa, em seu
art.60, que aquele que mendigasse “por ociosidade ou cupidez” poderia sofrer a pena de “prisão simples,
de quinze dias a três meses”.
210
Direito Agrário Ambiental
Chicago (EUA). A repressão policial provocou a morte de seis trabalhadores, bem como
mais de cinquenta feridos. Some-se a isso o 8 de março de 1857, marcado pelo massacre
das trabalhadoras nova-iorquinas. Elas foram assassinadas por lutarem pelo trabalho
digno. Por consequência, o 8 de março foi elevado à condição de Dia Internacional da
Mulher pela II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhague,
Dinamarca, em 1910. (ANDRADE, 2012)
A consolidação de uma racionalidade ambiental apropria a historicidade dos
direitos e problematiza as novas relações laborais (LEFF, 2011). Ao lado disto, observa-
se o surgimento de novas doenças37 que exigem uma adequação das novas tecnologias a
fim de manter um ambiente de trabalho centralizado no trabalhador e na realidade que o
circunda.
Subidiariamente, tal política promoveu planos de colonização, com venda de
terras a pequenos e médios agricultores, e de assentamentos de trabalhadores sem terra,
para deslocar milhões de famílias de áreas densamente povoadas, e de propriedade rural
muito dividida, para ocupar terras novas e aliviar tensões sociais nos lugares de origem,
no Sul, Sudeste e Nordeste do país. A escassez de recursos materiais e de apoio estatal a
produção agrícola dos pequenos e médios proprietários e das populações tradicionais,
bem como a disputa de terras com a agricultura empresarial, tem resultado no
deslocamento de milhões de famílias para os núcleos urbanos. (BRASIL, 2008, p. 219).
O direito fundamental a um meio ambiente do trabalho sadio não pode ser
encarado como um mero significante à espera de uma significação normativa arbitrária.
A sustentabilidade reflete o próximo estágio das relações trabalhistas, que possuem
como amparo toda a história de direitos sistematicamente (só)negados. Nos dizeres
constitucionais do art.7°, XXII, dirigentes e vinculativos, é imprescindível a “redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. A
modelagem constitucional38 vem agasalhar uma proteção alinhada à sustentabilidade
socioambiental espraiada em direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
(CUNHA, 2011)
O Estado Socioambiental de Direito assume a perspectiva da confluência da
tarefa estatal de tutelar e promover a sustentabilidade socioambiental com o direito
37
Os problemas psico-fisiológicos e ergonômicos – hoje tratados pela Norma Regulamentadora nº 17 e
seus anexos, com redação dada pela Portaria MTPS nº 3.751, de 23 de novembro de 1990 – e as doenças
ocupacionais, cuja emergência vem adquirindo notoriedade, especialmente, após a implantação do Nexo
Técnico Epidemiológico – NTEP, pela Previdência Social.
38
C.F.: Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...]
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
211
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39
Até 12 de junho de 2014 - data de abertura da Copa do Mundo FIFA - as obras dos estádios da Copa do
Mundo de 2014 já atingiam o número de oito mortes de trabalhadores, sendo três mortes apenas na Arena
Corinthians - Itaquerão.
212
Direito Agrário Ambiental
A luta pelo meio ambiente saudável implica a defesa dos recursos naturais
amplamente usados no setor agrícola não só em sua essência, como também em sua
produção, analisando inclusive a atividade agrícola e de onde provem os alimentos
oriundos da atividade agrícola devendo estar livres de agrotóxicos, devem ser
produzidos de sementes confiáveis e com racionalidade ambiental.
Também é importante consignar que a Convenção 187 da OIT ainda não foi
ratificada pelo Brasil. O diploma fixa a adoção de medidas para a consecução de um
ambiente laboral sadio, especialmente, a partir da constatação que a maioria dos danos
ambientais de grande proporção está relacionada às atividades laborais.
De outra banda, o Brasil é signatário da Convenção 155 da OIT, que prevê em
seu art. 3º, alínea e, que a saúde não pode ser definida apenas como “ausência de
doenças”, abarcando também os “elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão
diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho”.
Uma pesquisa feita pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep)
mostra que, para cortar 10 toneladas de cana, uma pessoa tem de flexionar a coluna 10
mil vezes e disparar 80 mil golpes de facão por dia. No vaivém para levar a produção,
cada bóia fria ainda caminha cerca de 6 quilometros diários carregando feixes de cana
que pesam 15 quilos. Além disso, embora seja necessário e obrigatório por lei, o
equipamento de proteção individual, usado sob o sol em atividade física contínua,
provoca uma perda média de 8 litros de água por dia. As cãibras são freqüentes, e o
contato com produtos químicos e fuligem traz grande parte dos problemas respiratórios.
Vê-se, assim, a importância do inciso I do art. 157 da CLT que imputa às
empresas a obrigação de “cumprir e fazer cumprir” as regras de segurança. No mesmo
sentido, o item II do mesmo artigo, imputa a responsabilidade ao empregador de
“instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no
sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais”, e o art. 158 fixa aos
empregados o encargo de “observar as normas de segurança e medicina do trabalho,
inclusive as instruções”.
Não é segredo que, historicamente, as práticas judiciárias têm empreendido
muito mais esforços para sonegar direitos trabalhistas do que para salvaguardar o
portfólio de direitos fundamentais. A toda evidência, cabe a nós subvertermos o habitus
preponderante. Por isso, exempli gratia, é paradigmático o art. 120 da Lei 8.213/91 ao
determinar o ajuizamento, pela previdência, de ação regressiva em face dos
responsáveis, quando constatada “negligência quanto às normas padrão de segurança e
213
Direito Agrário Ambiental
40
CLT: Art.876. As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito
suspensivo; [...]; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho
[...] serão executados pela forma estabelecida neste Capítulo. (grifo nosso)
41
LC 75/93: Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições
junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: [...] III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz do Estado Socioambiental de Direito, a sustentabilidade é incorporada ao
catálogo de objetivos fundamentais das Constituições compromissórias
contemporâneas. Com efeito, essa incorporação reclama um novo olhar para o Direito
do Trabalho, que reclama a reordenação do primado privatista com vistas a consagrar
uma imperiosa limitação ao risco residual das atividades potencialmente poluidoras ao
ambiente. (CUNHA, 2011)
Insiste-se: O meio ambiente do trabalho é o resultado da confluência sinérgica
entre o labor humano e a construção de novas relações materiais e produtivas de
existência que, consequentemente, instituem fissuras em todo o ambiente que nos
circunda42. Em tudo isto, importa referir que a Constituição Federal, mediante o art. 7º,
XXVIII43, fala em responsabilidade civil subjetiva ao tratar do acidente de trabalho
relacionado aos direitos individuais. Não é temerário afirmar, que não há óbice para a
215
Direito Agrário Ambiental
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44
C.F.: Art.225. [...] §3°. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da
obrigação de reparar os danos causados.
Lei 6.938/81: Art.14. [...] §1°. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. (grifo nosso)
216
Direito Agrário Ambiental
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217
Direito Agrário Ambiental
Elisabete Maniglia45
Paulo César Corrêa Borges46
45
Professora livre docente de direito agrário e direito ambiental: Graduação e Pós Graduação da
UNESP/Franca. Doutora pela UNESP , Mestre Pela USP. Membro da Associação Brasileira de Direito
Agrario- ABDA da Academia Nacional de Letras Agrárias-ABLA Membro da rede nacional dos
advogados populares – RENAP .Membro da Comissão Estadual de Direito Agrario da OAB/SP.
Avaliadora do INEP desde 1997. Várias obras publicadas.
46
Professor Assistente-doutor de direito penal , criminologia e tutela penal dos direitos humanos:
Graduação e Pós Graduação da UNESP/Franca. Doutor e Mestre pela Unesp. Membro da AIDP, do
IBCRIM e do MMPD. Foi representante da Unesp no Conselho Estadual de Direitos Humanos – SP.
Coordenador do PPGDIREITO/UNESP/FRANCA. Várias obras organizadas e publicadas.
218
Direito Agrário Ambiental
ambientalismo está estreitamente ligado a uma nova tendência ética religiosa voltada a
recuperar a empatia das pessoas a viver o essencial.47
A preocupação com o meio ambiente cresce em todos os segmentos e, muitas
vezes, apesar da consciência da necessidade de se estabelecerem prevenções e
reparações contra os danos ambientais, os danos contra a natureza se constituem numa
das mais sérias impunidades e numa grave violação aos Diretos Humanos. Esquivel
alerta que não se pode pensar na preservação do meio ambiente, sem se atentar para o
consumo, para a solidariedade, para o respeito cultural, para os pobres, para o Estado,
pois todos eles são direitos vinculados aos direitos econômico-sociais que, sem
embargo, devem ser respeitados na sua íntegra. 48
Soares afirma que: “os problemas da pobreza e do meio ambiente podem ser
evitados e sanados pela sociedade; não há falta de tecnologia que impeça sua superação;
na verdade, os obstáculos são sociais, políticos e econômicos”49. As causas da
degradação ambiental nos países são conseqüências das estruturas predominantes de
poder, seja capitalista, seja socialista, ou comunista. Com fundamento em Lutzemberg,
prossegue:
o poder se utiliza de instrumentos, tecnologias, métodos e
processos que geram dependência, ao concentrarem o capital e o poder de
decisão. O mais grave é que esta postura é considerada sinônimo de
progresso, a única alternativa para a humanidade alcançar produtividade e
eficiência. 50
47
LIVORSI, Franco. Il mito della nuova terra. Milão: Giuffré, 2000. contracapa.
48
ESQUIVEL, Adolfo Perez. Los derechos econômicos, sociales y culturales, hoy. In: CAMPOS,
German J. Bidart; RISSO, Guido (Coords.). Los derechos humanos del siglo XXI. Buenos Aires: Ediar,
2005. p. 108.
49
SOARES, Remi Aparecida de Araújo. Proteção ambiental e desenvolvimento econômico. Curitiba:
Juruá, 2004. p. 113.
50
Apud SOARES, Remi Aparecida de Araújo. Op. cit., p. 113.
51
MALUF, Renato Sérgio Jamil. Produtos agroalimentares, agricultura multifuncional e desenvolvimento
territorial no Brasil. In: COSTA, Luis Flávio; MOREIRA, Roberto. (Orgs.). Mundo rural e cultura. Rio
de Janeiro: Mauad, 2002. p. 257-258.
219
Direito Agrário Ambiental
52
CARDOSO, Artur Renato Albeche. A degradação ambiental e seus valores econômicos associados.
Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2003. p. 15.
220
Direito Agrário Ambiental
53
FERREIRA, Leila. A questão ambiental. 1. reimp. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 79.
54
MENDES, J. J. Amaral. O homem face ao meio ambiente. In: MENDES, Amaral (Org.). Problemas
ecológicos do mundo agrário. Coimbra: Almedina, 1977. p. 177-178.
221
Direito Agrário Ambiental
debatido que os alimentos podem ser produzidos em alta escala e que, mesmo assim, a
fome continuará existindo, porque suas causas são outras. Assim, pensar no meio
ambiente equilibrado para uma segurança alimentar é buscar um sentido ambiental que
evite pobreza e marginalização, que não gere destruição e que não expulse o homem
para as periferias das grandes cidades, para lá poluir, passar fome, produzir lixo e viver
abandonado pelas políticas públicas.
A responsabilidade ambiental no meio rural é extensiva às cidades. Um
primeiro ponto a ser tratado é o freio à migração. As cidades não comportam mais tantas
pessoas; retê-las no campo, com trabalho e infra-estrutura, é o primeiro passo para
conter os dramas citadinos de meio ambiente. A formação de um novo ciclo de
desenvolvimento rural pode gerar novos empregos. Sachs afirma que é um erro supor
que os refugiados do campo que migram para as favelas e para os bairros periféricos das
cidades se transformam, automaticamente, em citadinos. 55 Na visão otimista, as favelas
funcionam como purgatórios. Tudo indica que o custo da urbanização dos que já foram
arraigados no campo será muito mais elevado, do que seria a geração de empregos e
auto empregos decentes e a promoção do progresso civilizatório, no meio rural.
Os serviços que empregam a população rural podem ser variados, como já
salientado, e as reações ambientais devem ser controladas pelos municípios, o que é
permitido pela legislação ambiental. Por meio dos planos do biodiesel, pelo turismo
rural, pelo artesanato, pelo comércio em geral, pela agricultura familiar, ou até mesmo,
pela pouca mão-de-obra utilizada na monocultura, é fundamental manter a população
empregada no campo, para fins de preservação da espécie humana e do meio ambiente.
Os municípios devem zelar pela infra-estrutura rural e propiciar a sustentabilidade
orientada por políticas públicas ambientais, que empreguem as pessoas em seus locais,
explorando as atividades culturais, inclusive. Um bom exemplo são as festas de rodeios,
que empregam pessoas, fomentam a criação de animais, o comércio e a cultura, rendem
dividendos e, conseqüentemente, permitem que as pessoas tenham segurança alimentar,
sem sair de seus habitats.
Mais do que números, é necessário desenvolver em todos os setores. Assim,
pode-se dizer que desenvolvimento relaciona-se, primeiramente e preferencialmente,
com a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que escolheram e com a
55
SACHS, Ygnacy. Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Garamond,
2004. p. 124.
222
Direito Agrário Ambiental
provisão dos instrumentos e das oportunidades para fazerem suas escolhas.56 Esta é a
segunda grande opção que o meio rural deve fazer para obter segurança alimentar: deve
investir na sustentabilidade – aquilo que Veiga chama de caminho do meio entre a
57
produção e a preservação. O Direito Ambiental não pretende estancar a produção
agrária, ao contrário, busca conciliar os institutos, por meio da função social da
propriedade, do manejo sustentável e das alternativas de meios de produção. A
diminuição dos produtos químicos e fertilizantes com a troca de técnicas orgânicas,
biológicas, biodinâmicas, as chamadas agriculturas alternativas são respostas à melhoria
do meio ambiente, da qualidade dos alimentos e um não aos propósitos da Revolução
Verde. Caronbert Costa Neto estabelece que a meta da Revolução Verde, que propunha
uma agricultura incorporada aos pacotes tecnológicos de suposta aplicação universal,
que visava a maximização dos rendimentos dos cultivos, em distintas situações
ecológicas, trouxe duras destruições ambientais, mas, de positivo, até certo ponto,
pretendia emancipar o homem em relação aos limites impostos pela natureza, para que
não continuasse a ser dependente da generosidade da mesma e, além disso, os métodos
agrícolas tradicionais não eram suficientes para ampliar a gama de produtos
58
alimentícios, energéticos e industriais.
Porém, os danos decorrentes do uso do pacote verde revolucionário podem ser
assim definidos: degradação dos solos agrícolas, comprometimento da qualidade e
quantidade dos recursos hídricos, devastação das florestas e campos nativos,
empobrecimento da diversidade genética dos cultivares, plantas e animais e
contaminação de alimentos consumidos pela população.59 Mesmo cientes de todas estas
conseqüências, as práticas da Revolução Verde são repetidas, diuturnamente, no Brasil,
calcadas na lógica do imediatismo e nas falsas seguranças afirmadas pelos grandes
conglomerados multinacionais, que tornam seus compradores eternos dependentes da
utilização de produtos químicos e, agora, das sementes, o que resulta na compra casada
em que, comumente, os dois produtos (semente e herbicida) são oriundos da mesma
empresa – o que, certamente, provoca a dependência econômica do produtor para com a
mesma empresa, gerando os cartéis que impõem seus preços aos agricultores, os quais,
impossibilidade de manter seus débitos em dia, ou sem a alternativa de preços, acabam
56
VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do séc. XXI. 2. ed. Rio de Janeiro:
Garamond, 2006. p. 81.
57
Ibidem, p. 112.
58
COSTA NETO, Caronbert. Op. cit., p. 302.
59
Ibidem, p. 304.
223
Direito Agrário Ambiental
por perder suas terras para esta indústrias, ou para os grandes grupos econômicos.
Nascem assim, também, a miséria, a pobreza, a fome e o êxodo rural.
A agricultura sustentável tem retorno econômico, a médio e longo prazo;
produz alimentos de alto valor biológico; tem elevado objetivo social, baixa relação
capital/homem, alta eficiência energética (grande parte dela é reciclável) 60. Seria tudo
de bom para ser reinventado no campo. Mas, outros estudos revelam que a agricultura
sustentável representa mais um movimento social claramente promissor, porém, ainda
precário. Graziano61 coloca que, mesmo neste “admirável mundo verde alternativo”,
haveria mais justiça? Haveria bóias- frias? Far-se-ia Reforma Agrária? Desapropriar-se-
iam os que são improdutivos e os que não seguem as regras verdes? E os que
insistissem em continuar poluindo? Para o autor citado, é preciso pensar melhor sobre
estas questões alternativas, firmadas no verde. Não é fazer volta ao passado, o que
implicará em vultosos investimentos, até com mais sofisticação, nem também aguardar
longo prazo. A saída está no âmbito de políticas (paliativas, certamente), que sinalizem
para práticas conservacionistas já disponíveis (e, todavia, quase nunca adotadas) e na
indução de novas trajetórias científicas, que não impliquem em novas degradações da
natureza.
Pensa-se que nada pode ser decidido isoladamente; deverá haver um conjunto
de práticas que ambicionem servir com qualidade a população, melhorando suas vidas
num todo. Entretanto, dentro destas práticas, não se pode mais permitir o desgaste
ambiental contínuo, que vem se repetindo no Brasil, de forma ilegal e prepotente,
deixando a perplexidade imperar, quando se assiste a uma agricultura insustentável, que
destrói o solo, as reservas de água e a diversidade genética natural.
A agricultura que destrói a natureza destrói as chances do homem viver
melhor.
A agricultura é responsável por, aproximadamente, dois terços do uso global da
água e é uma das principais causas de sua falta, em algumas regiões. O desperdício está
presente e, se as práticas agrícolas fossem orientadas para sua conservação e não para a
maximização da produção, o resultado seria mais benéfico. Por exemplo, as plantas
poderiam ser irrigadas com sistema de gotejamento e culturas que requerem uso
60
COSTA NETO, Caronbert. Op. cit., p. 315.
61
SILVA, José Graziano da. Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 1999. p. 63.
224
Direito Agrário Ambiental
intensivo de água, como o arroz, poderiam ser deslocadas de regiões com recursos
limitados.62
A problemática da água impede a vida saudável de milhões de pessoas, neste
país. Afora a corrupção da indústria da seca, que consumiu milhões para a não solução
da falta de água no Nordeste, assiste-se à elaboração contínua de leis ambientais que, na
prática, não combatem os problemas básicos de sustentabilidade. O econômico continua
vencendo o ambiental e o social.
Para e por um fim, é necessário repensar-se a agricultura, que deve ser
sustentável e produtiva, para alimentar a crescente população humana. 63 Este duplo
desafio precisa de pesquisas, estudos, investimentos, para se estabelecer a agroecologia.
Muito embora, na lei de política agrícola, estejam presentes estes dispositivos, voltados
para a pesquisa, assisti-se ao sucateamento da Embrapa, ou se verifica o destino de
verbas para pesquisas da agricultura somente convencional, que renda muitos
dividendos.
O estudo da agroecologia abre as portas para o desenvolvimento de novos
paradigmas da agricultura, em parte, porque corta pela raiz a distinção entre a produção
do conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade. Valoriza o
conhecimento local e empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e
sua aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade.64
Dentro das perspectivas e orientações da Cúpula Mundial da Alimentação,
torna-se fundamental encarar ao direito à alimentação dentro de uma meta que aborde a
sustentabilidade plena, o direito ao alimento sólido e, também, a nutrição líquida, que
inclui a água potável, que sofre duras e sérias restrições, quando não se pratica a
agricultura correta. Gimenez65 se pronuncia, dizendo que, para a eficácia de uma
sustentabilidade, deve-se buscar o justo e o devido, enquanto objeto da justiça
ecológica, em amplitude universal e de temporalidade para o futuro. É preciso fundar
uma dinâmica construída no desenvolvimento e na aplicação dos conteúdos de justiça e,
em particular, dos Direitos Humanos fundamentais, firmados numa Justiça que exija
relação responsável entre o homem e seu meio.
62
GLIESSMAN, Stephen R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 3. ed. Porto
Alegre: UFRGS, 2005. p. 52.
63
GLIESSMAN, Stephen R. Op. cit., p. 53.
64
Ibidem, p. 54.
65
GIMENEZ, Teresa Vicente. El nuevo paradigma de la justiça ecológica. In: GIMENEZ, Teresa Vicente
(Coord.). Justicia ecológica y protección del médio ambiente. Madri: Trotta, 2002. p. 66.
225
Direito Agrário Ambiental
“Sabe-se que os custos ambientais não são baratos, por isto, o capital resiste a
assumi-los, assim como os custos sociais. Somente se pressionado ‘de fora’, por forças
externas a ele, o mercado absorve estas parcelas.”66 As pressões também podem
funcionar como uma diminuição da produção e da empregabilidade, o que afeta o
social. Assim, a luta e a pressão só obterão sucesso se forem racional e em nível
nacional e internacional.
Os modelos agrícolas, o desenvolvimento, o consumo, as inovações
tecnológicas pesam, inter-relacionam-se na busca de produção alimentar, segurança,
nutrição e, ainda hoje, é preciso refletir sobre outros fatores, como o modismo
alimentar, o desperdício e as pesquisas sobre a nutricionalidade dos alimentos e os
fatores de riscos a que estão expostos os consumidores.
Um bom exemplo da imposição desta lógica de mercado e de tecnologia no
campo ambiental são os alimentos transgênicos, que fazem parte do que se denominam
organismos geneticamente modificados (OGM’s), impostos pelas empresas de
sementes, sementes estas que não se reproduzem e conferem às empresas que as
vendem o monopólio global sobre o seu comércio e sobre a sua propriedade intelectual,
fazendo com os que os produtores, além de serem compradores contínuos, vejam-se
obrigados a pagar royalties sobre cada safra comercializada, bem como a comprar o
pesticida específico que esta semente demanda.67
Sobre o aspecto da segurança alimentar, encontra-se que as plantas
transgênicas são vistas como uma panacéia para muitos problemas contemporâneos:
fome, má nutrição, meio ambiente. Por outro, encontram-se avaliações opostas: a
difusão das plantas transgênicas entendidas como ameaça à conservação e ao controle
de recursos genéticos e como tal o equilíbrio do ecossistema e à segurança alimentar de
milhões de pequenos produtores, uma ameaça também à qualidade alimentar dos
consumidores afluentes e um golpe final do sistema de direitos exclusivos de
propriedade à sobrevivência do conhecimento tradicional e dos recursos genéticos como
patrimônio comum.68
66
MONTIBELLER FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável. 2. ed. Forianópolis:
Editora da UFSC, 2004. p. 281.
67
SCOTTO, Gabriela; CARVALHO, Isabel Cristina de Moura; GUIMARÃES, Leandro.
Desenvolvimento sustentável. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 45.
68
PESSANHA, Lívia; D. R.; JOHN, Wilkinson. Transgênicos, recursos genéticos e segurança
alimentar: o que está em jogo nos debates? 1. ed. Campinas: Armazém do Ipê, 2005. p. 1.
226
Direito Agrário Ambiental
69
NUTTI, M.R.E.; WATANABE, E. Segurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados
apud PESSANHA, Lívia D. R.; JOHN, Wilkinson. Op. cit., p. 125.
70
RODRIGUES, Melissa; ARANTES, Olívia. Direito ambiental e biotecnologia: uma abordagem sobre
os transgênicos sociais. Curitiba: Juruá, 2004. p. 94.
71
RIECHMANN, Jorge. Cultivos e alimentos transgênicos: um guia crítico. Petropólis: Vozes, 2002. p.
105.
227
Direito Agrário Ambiental
72
PROENÇA, Rossana; POULAI, Jean Pierre. Sociologia da alimentação: um enfoque na compreensão
dos comportamentos alimentares. In: TADEI, J. Augusto (Org.), op. cit., p. 165.
228
Direito Agrário Ambiental
estão sendo permanentemente criadas novas concepções sobre alimento, que passam a
responder a diferentes necessidades do homem na alta modernidade. Em suma, estas
tendências apontam para a personalização da comida no nível do consumidor final. A
nova safra de produtos agroalimentares, provavelmente, será produzida por empresas
em permanente atualização tecnológica, que acompanham as tendências do mercado e
introduzem novos processos responsáveis pelo estado de ebulição em que parece
encontrar-se no mundo agrobusiness.73
Passa-se, então, a pensar na qualidade dos alimentos e as exigências se
multiplicam, principalmente em nível internacional. Os produtores brasileiros estão
submetidos às regras internacionais de cuidados de produção, o que envolve o meio
ambiente, provocando alterações de hábitos e costumes. Os produtos orgânicos ficam
em alta e ganham preços salgados e podem seduzir não só os pequenos produtores,
como os grandes empresários.74 Os produtos naturais, vindos da Floresta Amazônica,
fazem sucesso nos cosméticos e na produção de bijuterias, exibindo que a origem dos
mesmos vinculam-se à preservação ambiental e são oriundos, em sua maioria, de
economia solidária, o que agrega valor social. A madeira vinda do reflorestamento
sustentável mostra que é possível explorar de forma correta e isto, porque muitos países
exigem os selos de que estes produtos foram elaborados com critérios de função social:
econômicos (rentabilidade do empreendimento ambiental, redução de danos,
conservação da fauna, recuperação da mata, proteção da biodiversidade) e sociais
(foram respeitados os direitos dos trabalhadores, o bem estar das comunidades e a
promoção destas).75 Estas certificações promovem os povos das florestas, garantem
melhores condições de vida e garantem o verde ambiental.
A rastreabilidade do gado é outra forma de se garantir segurança alimentar,
exigida pelo comércio internacional. O chamado Sisbov (Sistema Brasileiro de
Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina) funciona como controle na
73
CASTRO, Ana Célia. Agribusiness brasileiro e o papel do sistema de transportes intermodal. In:
COSTA, Luis Flávio; SANTOS, Raimundo; SILVA, Francisco. Mundo rural e política. Rio de Janeiro:
Campus, 1998. p. 179-180. 175 -194.
74
A família Balbo, na região de Sertãozinho/SP, é referência na produção de açúcar, chocolate solúvel e
café orgânicos, voltados para a preocupação ambiental e a função social. Seus produtos, denominados
Native, dominam os melhores mercados europeus. A família dispõe de 13.000 hectares, conforme vídeo
disponibilizado a esta pesquisadora e, ainda, diferentes reportagens nas revistas Globo Rural e Panorama
Rural.
75
BEZERRA, José Augusto. Nossos bosques têm mais vida. Revista Globo Rural, São Paulo, ano 19, n.
226, p. 22, ago. 2004.
229
Direito Agrário Ambiental
76
FRANCO, Maristela. Rastreabilidade. Revista DBO Rural, São Paulo, ano 240, p. 102, fev. 2002.
77
MIGUEL, Juan Francisco Delgado de. Estúdios..., p. 366.
78
CASTELO BRANCO, Telma. Segurança alimentar e nutricional no nordeste do Brasil. Rio de
Janeiro: CERIS, 2003. p. 109.
79
GIANELLA JUNIOR, Fúlvio. Os ralos agrícolas. Revista Família Cristã, ano 48, n. 10, p. 15-17, out.
2002.
230
Direito Agrário Ambiental
O Estado peca pela falta de infra-estrutura, permitindo que grande parte das
safras de grãos colhidos no Centro Oeste seja perdida, ao longo das estradas, pela
deficiência dos transportes. A falta de locais ideais de armazenamento, ou o descontrole
de abastecimento, trazem a perda de alimentos que se tornam sem condições de
consumo, por descaso dos órgãos governamentais. Formam-se, então, o que foi
chamado de “ralos agrícolas”, onde milhares de toneladas de alimentos são
desperdiçadas frente aos milhares de pessoas que passam dias sem alimentos. Falta,
mais uma vez, organização e interesse estatal na promoção de um ambiente que acolha
o homem como parte integrante deste.
No tocante, a áreas reservadas as reservas legais , e áreas de preservação
permanente, optamos em silenciar e respeitar o que esta posto na lei vigente que exige
seu cumprimento de acordo com o que esta vigente no Código Florestal em totalidade,
inclusive com sua modificações . As pretensas modificações neste código e a famosa
polemica entre ruralistas e ambientalistas. Deverá ficar para um, outro trabalho, uma
vez que este abordou a função ambiental sob uma ótica numa visão mais humanista e
menos técnica.
Os direitos humanos ocupam hoje em resguardar o meio ambiente em sintonia
com o homem, desempenhando o papel primordial em propiciar uma alimentação em
quantidade e qualidade capaz de gerar uma vida saudável. Os alimentos produzidos no
meio rural em sua maioria devem respeitar os princípios de manejo sustentável,
propiciando segurança alimentar e meio ambiente capaz de se reproduzir para gerações
futuras.
Isto não significa atraso ou falta de desenvolvimento em pesquisa e tecnologia
ao contrario, estas devem estar ao dispor da busca incessante de melhorias genéticas e
eficiência, porém tudo dentro do respeito ao meio ambiente.
Deve estar em jogo o cuidado com a pobreza e a exclusão social, pois estas são
razões oponentes ao meio ambiente equilibrado, como também o é o crescimento
econômico desenfreado e a busca incessante do lucro. Para a busca de um equilíbrio
sensato deverão intervir as normas jurídicas e os princípios ambientais que devem agir
como freios principalmente nas atividades agrárias, responsáveis pela segurança
alimentar.
A relação histórica da função ambiental com a função social da propriedade
não pode ser desvinculada . O meio rural traz uma realidade de violações de degradação
que resultaram numa ausência de sustentabilidade social, econômica que precisa ser
231
Direito Agrário Ambiental
resgatada, para assim ser concretizada a sua função ambiental. O Estado deve pensar
conjuntamente sem conflito, numa política sustentável para assim resguadar o meio
ambiente de suas violações.
Em pleno Século XXI, tais violações representam verdadeira afronta aos
direitos humanos e, assim, deve ser classificada a segurança alimentar e a sua
concretização: materialização das demandas sociais contemporâneas, atinente a mais
esta manifestação da dignidade humana.
232
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
A empresa, enquanto instituto jurídico e econômico, poderá apresentar-se sob
diversas facetas, sobretudo em razão do objeto ao qual se dedica. Este, por sua vez, o
dotará de peculiaridades próprias.
A empresa agrária,neste cerne, corresponde a uma espécie empresária dotada
de especificidades que a distinguem de outras, onde se destaca a singularidade da
atividade por ela exercida.
Todavia, o legislador pátrio, por diverso, desconsiderou a distinção da
atividade agrária como elemento definidor de uma espécie empresária, tratando-a como
se fosse uma empresa rural, o que nem sempre representará a realidade, posto que, nem
toda empresa rural será agrária.
O Brasil, por ser um país de economia preponderantemente agrária
exportadora, tem, na empresa agrária, um dos mais importantes mecanismos para a
prospecção do crescimento econômico e do desenvolvimento nacional, razão pela qual
se verifica a importância deste estudo, que se debruça sobreempresarialidade agrária,
apresentando suas singularidades, que fazem com que ela se distinga das demais
espécies empresárias, sobretudo da empresa rural, bem como busca demonstrar
elementos essenciais que devem ser observados em seu exercício, não só para sua
perpetuação, como também para que ela possa exercer o seu papel econômico e social.
Portanto, o presente estudo se propõe a responder aos seguintes
questionamentos: o que se entende por empresa agrária? É possível sua distinção em
relação àempresa rural?
Para tanto será abordado, em primeiro momento, o conceito de empresa,
notadamente por não haver, no Código Civil de 2002, determinação expressa desse
instituto jurídico. Em seguida, será debatida a atividade agrária, enquanto principal
particularidade da empresa agrária, bem como será apresentada a proteção legal a ela
80
Professora do Curso de Direito do UNIPÊ.
81
Professor do Curso de Direito do UNIPÊ.
233
Direito Agrário Ambiental
1. A ATIVIDADE AGRÁRIA
A empresarialidade agrária tem, no exercício da atividade agrária, sua principal
singularidade, sendo que esta atividade não deve ser reduzida à prática da agricultura,
uma vez que esta é tão somente uma das espécies pelas quais o gênero da atividade
agrária se verifica. Notadamente a pecuária e outras formas extrativas ligadas ao setor
primário da economia também são consideradas como atividade agrária. Neste sentido,
bem se posiciona Enrique Ballestero:
Tradicionalmente, a economia se divide em três grandes setores de
produção. O setor primário compreende as atividades extrativas, isto é, as
empresas que extraem seus produtos diretamente do solo, do subsolo, dos
rios ou do mar. Em outras palavras, as empresas do setor primário utilizam
diretamente a natureza como fator de produção, aplicando nela capital,
tecnologia e trabalho. No setor primário se incluem, pois, a agricultura, a
mineração e a pesca. Também a produção de energia é, por seu turno, setor
primário: o petróleo, o gás natural e outros recursos energéticos provém de
fontes extrativas (BALLESTERO, 2000, p. 21) (PINHEIRO, 2010, p.116).
234
Direito Agrário Ambiental
82
Roni Antônio Garcia da Silva (2009) acrescenta, ainda, que em razão da grande quantidade de
produtores gerando um produto basicamente sem diferenciação, o produtor não apresenta controle sobre o
preço de seu produto no mercado, sendo apenas tomador de preços, cenário que ele considera próximo de
à um cenário de concorrência perfeita, em que somente resta ao produtor “ a opção de buscar maior
produtividade e redução de custos de produção, para que possa viabilizar sua atividade” (SILVA, 2009, p.
23)
235
Direito Agrário Ambiental
Percebe-se, portanto, que o art. 2º da Lei 8.023/1990 tentou deixar claro aquilo
que poderia ser considerado como atividade agrária, apesar de ter-se utilizado da
denominação “atividade rural”,assim o legislador buscou exemplificar muitas das
atividades agrárias, para quefosse possível, em grande medida, a aplicação do princípio
da legalidade na delimitação do objeto agrário em concreto.
Ademais, vê-se que ao legislador pouco importou como se daria esta produção,
sejapor meios naturais ou artificiais, na medida em que o fato gerador do imposto fora a
atividade, considerada de per si, aproximando-se, portanto, da teoria da agrariedade, do
italiano AntonioCarrozza (1996)83, a quem pouco importava se a atividade seria
desenvolvida por meio natural ou artificial para que fosse considerada agrária.
83
Importante destacar a distinção entre as teorias de Carrozza (1996) Vivanco (1976). Em síntese, este
último admite atividades que acessórias possam ser incorporadas à atividade agrária, sem que essa perca a
236
Direito Agrário Ambiental
sua natureza. Carrozza, contudo, assevera que autilização de tecnologia, tampouco levará a
descaracterização da atividade agrária, desde que mantida a natureza do produto obtido.
237
Direito Agrário Ambiental
84
Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, de apuração anual, tem como fato
gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana
do município, em 1º de janeiro de cada ano.
238
Direito Agrário Ambiental
239
Direito Agrário Ambiental
suas atividades sem seu emprego,o que tão somente resultaria em desperdício da
capacidade produtiva e possível redução dos lucros85.
Outrossim, para o exercício da empresa agrária, pouco importará a
sazonalidade do gênero ao qual se dedique a empresa, devendo ser verificada, contudo,
a não ocasionalidade da atividade realizada, como leciona Fernando Campos Scaff
(1997):
O que importa é, justamente, o caráter da não ocasionalidade na
realização da atividade agrária, como aquela realizada por um indivíduo que
dedique um fim de semana de sua vida para a plantação de árvores frutíferas
ou decida, por exemplo, alimentar frangos por uma tarde inteira. Tais
atividades, que serão agrárias, não estarão inseridas no contexto de uma
determinada empresa, em virtude de sua natureza efêmera (SCAFF, 1997,
p.58).
85
A possibilidade de baixa utilização do potencial produtivo deve ser analisada com cautela, pois, em
alguns casos a não utilização de mecanismos tecnológicos para a produção poderá ser considerada como a
melhor estratégia do ponto de vista econômico.
240
Direito Agrário Ambiental
241
Direito Agrário Ambiental
242
Direito Agrário Ambiental
243
Direito Agrário Ambiental
86
Aqui, cumpre esclarecer que a Lei 8.023/1990, embora utilizasse em seu artigo 2º o termo atividade
rural, na verdade referia-se à atividade agrária, posto que o rol elencado no dispositivo dizia respeito a
ações que podiam ser exercidas tanto no âmbito de uma propriedade agrária, como no âmbito de uma
propriedade rural.
244
Direito Agrário Ambiental
que não somente ocorreu, como continua a ocorrer atualmente, como fenômeno de
crescimento das cidades.
Destarte, com a incorporação de áreas, outrora rurais, às cidades, passaram a
ocorrer diversas demandas no Poder Judiciário, posto que, em geral o IPTU é mais
expressivo que o ITR, quando comparados imóveis de mesmo tamanho.
Estas contendas levaram juízes e desembargadores a fazerem uma
interpretação extensiva do texto legal, para incorporar os casos em que a cidade avançou
à zona rural como sendo de competência incidental do ITR.Assim, percebe-se que a
aplicação dos tribunais vem modificando o teor do texto legal, contudo, não se verifica,
no âmbito do Supremo Tribunal Federal, nenhuma súmula que autorize a aplicação do
ITR nos parâmetros mencionados.
Ao que parece, portanto, os magistrados têm encaminhado o entendimento de
que o ITR incide não pela propriedade rural, mas pela atividade agrária, pois, uma vez
que a Lei 8.023/1990 se utiliza da denominação rural para designar o gênero da
atividade pecuária, de extração vegetal e animal, de cultura de animais e de pequenas
transformações que não alterem a estrutura in natura da matéria-prima, refere-se a elas
como gênero da atividade, não restringindo sua atuação a imóveis rurais.
Contudo, uma vez que é empregada a expressão rural, remete-se, ainda que
inconscientemente, a imóveis e culturas localizadas para além da zona urbana, o que
nem sempre se verifica, posto que a atividade agrária pode, também, ser exercida em
perímetro urbano.
Em razão desta problemática, há de se afirmar que nem sempre a atividade
exercida em âmbito rural será agrária, pois nada impede, por exemplo, que uma
indústria de calçados ou qualquer outra indústria de transformação se instale em imóvel
rural, sem, contudo, exercer a empresa agrária.
Assim, melhor juízo teria feito o legislador, se tivesse na Lei 8.023/1990
utilizado o termo agrário e não rural, pois teria reduzido esta confusãoque se reflete no
âmbito interpretativo da lei, uma vez que a atividade a exercida, à qual a lei se refere, é
tipicamente agrária, ainda que não realizada em zona rural.Outrossim, nem sempre a
atividade exercida no campo será também considerada agrária.
Ademais, a Lei 8.629/93, ao estabelecer que a denominação imóvel rural pode
ser utilizada não somente para imóveis localizados além da área urbana, mas para
qualquer prédio que se destine à atividade extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial,
245
Direito Agrário Ambiental
resta imprecisa, pois, na verdade a atividade exercida seria agrária e não rural, posto que
não importa a territorialidade onde esta se desenvolve.
Assim, quando o artigo 22, inciso III, alínea “a” do Decreto 84.685/1980
afirma que empresa rural é o “empreendimento de pessoa física ou jurídica que explore
atividade racionalmente imóvel rural” pode-se, em interpretação conjunta com a Lei
8.629/1993, estender o imóvel rural, para a zona urbana, desde que observado o
exercício de atividades tipicamente agrárias.
Portanto, por força interpretativa conjunta do Decreto 84.645/1980 e da Lei
8.629/1993 é possível afirmar que a empresa agrária e rural pode reunir-se como um
mesmo sujeito, porém, melhor juízo se faz quando se utiliza a denominação agrária,
para designar aquelas empresas que explorem as atividades elencadas na Lei
8.023/1990, uma vez que se verifica patente a relação destas empresas com a atividade
exercida e não com a localização do imóvel em zona rural.
Por outro lado, caso se verifique uma empresa de atividade tipicamente
industrial, localizada em zona rural, pode gerar a dúvida de que, in concreto, se estaria
diante de uma empresa ruralou não, pois se poderia estar diante de uma empresa que
atendesse aos requisitos de utilização do imóvel rural, descritos na Lei 8.629/1993,
sem,contudo, exercer a atividade agrária, posto que o sobredito ordenamento jurídico
estabelece que o imóvel rural terá como critério a localização em zona rural ou a
dedicação do imóvel à atividade agrária. O que resulta, portanto, em um dever de
interpretação conjunta da lei e do decreto para determinar se na situação em questão se
verifica conjuntamente uma empresa agrária e empresa rural ou tão somente a empresa
rural.
Portanto, em razão da localização do imóvel, se faz possível afirmar que nem
toda empresa rural será agrária, posto que para esta última tão somente importa a
atividade exercida, sem peso, portanto, a localização do imóvel.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme se observa deste estudo, a empresa agrária, enquanto espécie do
gênero empresa, é dotada de peculiaridades, sendo a principal delas o objeto a que se
dedica, qual seja, a atividade agrária, em que não deve ser alterada a natureza do
produto, inobstante seja admitido o uso de tecnologias.
246
Direito Agrário Ambiental
247
Direito Agrário Ambiental
concreto com relação às demais espécies empresárias, bem como destacar requisitos que
devem ser observados no decorrer do exercício desta atividade para que possa existir
uma conformação fática com a determinação legal, imposta pelo Decreto 84.685/1980
destacando-se, portanto, a área mínima agricultável, não sazonalidade, o não
amadorismo e o exercício da função social.
REFERÊNCIAS
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CAVALLI, Cassio. Empresa, direito e economia. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
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Direito), Universidade Federal de Goias: Goiânia.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, v.
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1997.
SILVA, Roni Antonio da. Administração rural: teoria e prática. 2. ed. Curitiba: Juruá,
2009.
248
Direito Agrário Ambiental
249
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro, presidido pela Constituição de 1988, recorre
aos valores denominadosvalores supremos, aos princípios e aos direitos e garantias
fundamentaiscom uma função fundamentadora e orientadora referentes ao conjunto da
legislação.
O presente trabalho tem como objetivo principal relacionar o direito de
propriedade com princípios fundamentais estabelecidos no Título I da Constituição de
1988. Dessa maneira, a história é instrumento auxiliar utilizados para a compreensão
dos objetivos que o estudo.
87
Doutorado em Direito Público pela Universitat Pompeu Fabra, Barcelona Espanha.
88
Segundo Sabine, adefinição feita pelo Direito Romano da propriedade era influenciada pelo fato de que
os atores da vida política também eram os grandes proprietários nas cidades, o que determinou um
vínculo estreito entre a propriedade e o poder político, atribuindo uma quantidade ilimitada de faculdades
ao respectivo titular sobre o objeto(SABINE, 1945, p. 362).
89
A doutrina da função social da propriedade foi exposta pela Igreja Católica nas Encíclicas Papais,
inspiradas nos ensinos de Tomás de Aquino. Um documento importante para os trabalhadores em geral
foi a Encíclica RerumNovarum, de 1891, escrita por León XIII. Ver as obras de VIANNA (1963. p. 30),
NASCIMENTO (1970, p. 41) e CAMARGO (1998, p. 54). Por outro lado, os positivistas também
afirmaram a função social da propriedade no fim do século XIX e no início do século XX. Augusto
Comte já apoiava a função social da propriedade em 1912
250
Direito Agrário Ambiental
90
Na distribuição sistemática dos temas do Código Napoleón, o primeiro livro está dedicado às pessoas, o
segundo trata dos bens e das diferentes modificações da propriedade, e o terceiro, das diferentes maneiras
por meio das quais se obtém uma propriedade. Neste último livro há a regulação da sucessão, das doações
entre os vivos e por causa de morte, bem como todos os contratos, inclusive o “contrato de casamento”
(Código Civil francês, 1804).
251
Direito Agrário Ambiental
formando pelo acúmulo de normas civis, econômicas e comerciais, todas elas inspiradas
no mesmo espírito liberal da época.
A caracterização da propriedade privada inspirada no direito natural servia à
burguesia como critério teórico para diferenciar claramente a nova forma de
propriedade da antiga, o Ancien Régime(regime representado pelo clero e pela nobreza).
Embora tivesse sido declarada, no início do constitucionalismo moderno, como
direito fundamental e como garantia inviolável e sagrada da liberdade individual, a
propriedade passou a ser analisada e discutida, na teoria jurídica, como direito absoluto
e ilimitado, tendo como base um código civil do século XIX, exclusivamente como algo
de direito privado, apartado, por tanto, da visão pública organização política do Estado.
Todavia, no século XX, a partir das críticas ao modelo de Estado
liberal/individualista, a propriedade consagrada no artigo 544 do Código francês perde
paulatinamente o seu caráter absoluto que era resultado da sua condição de direito
privado. A concepção liberal-individualista do direito de propriedade, nas suas versões
sucessivas, será questionada como consequência de certas mudanças econômicas,
políticas e ideológicas, que a corroerão até substituí-la por outra concepção dominical
totalmente diferente que incluiria, antes de tudo, a importância social e pública no
conteúdo desse direito (REY MARTÍNEZ, 1994).
Com o antecedente da Constituição Mexicana de Querétaro de 1917, o Art. 153
da Constituição Alemã de Weimar de 1919 marca a transição da concepção dominical
liberal-individualista para a concepção socializante. Este preceito garante a
propriedade, cujo conteúdo e limites serão resultados das leis; prevê a possibilidade de
expropriação por motivos públicos “para o bem da coletividade”, com sujeição à lei e
mediante indenização “proporcional”, “a menos que uma lei do Reich diga outra coisa”.
No entanto, ela acrescenta logo a seguir: a propriedade obriga; seu usa terá de
constituir ao mesmo tempo um serviço para o bem geral91.
Sobre o funcionamento do Art. 153 da Constituição de Weimar, houve uma
modificação essencial da propriedade privada e, por tanto, da prática de expropriação. A
91
Constituição Do Império (Reich) Alemão, de 11 de agosto de 1919, Art. 153 - “A Constituição garante
a propriedade, cujo conteúdo e limites determinarão as leis. Não pode haver nenhuma expropriação,
exceto por utilidade pública e com sujeição da lei. Esta será realizada mediante uma indenização
adequada, a menos que uma lei do império diga outra coisa. Referente à quantia da indenização, em caso
de discórdia, o assunto será apresentado aos tribunais comuns, a menos que as leis do império digam o
contrário. A expropriação realizada a favor do Império no que se referem a Países, a Municípios e a
estabelecimentos de utilidade pública só poderão ser realizados mediante indenização. A propriedade o
compele. Seu uso se constituirá, ao mesmo tempo, em um serviço para o bem geral” (Textos
Constitucionalesespañoles y extranjeros, Zaragoza, Editorial Athenaeum, 1930).
252
Direito Agrário Ambiental
partir de então, em quase todas as definições sobre o direito de propriedade, por mais
individualistas que sejam, nunca deixam de subordinar este direito ao uso que se faça
dela em função do bem social ou da utilidade pública.
O direito de propriedade no Brasil vem passando por alterações desde a época
das colônias, assumindo formas conceituais distintas. As normas do Código Civil
francês serviram de inspiração para um bom número de legislações civis no século XIX,
sendo que o Brasil não escapou desta influência.
Apesar das transformações ocorridas em outros Estados, no Brasil a base da
propriedade liberal permaneceu inalterada até a Constituição de 1934, que, sob a
influência de Weimar, abriu uma brecha no plano constitucional da concepção liberal-
individualista da propriedade privada (HORTA, 1995). Esta, embora continue
permitindo a inviolabilidade do direito de propriedade, usa as expressões utilidade
pública e interesse social92.
A experiência política do século XX nos permite observar que, em quase todos
os países, ainda que com intensidades e motivações bem diferentes, destaca-se a aptidão
dos bens para satisfazer não apenas as exigências do proprietário particular, mas
também as necessidades da coletividade. Com isso, podemos afirmar o caráter social da
propriedade.
Conseguimos chegar a essa afirmação graças uma mudança de ponto de vista
nas relações existentes entre as exigências individuais e as do Estado (MONTANCHEZ
RAMOS, 2005). Por conseguinte, tornou-se necessário coordenar os direitos individuais
de propriedade e a gestão dos bens produtivos, repensando o modo da pessoa situar-se
na sociedade, por meio do que se questiona o direito de propriedade que tende a
suprimir outros direitos básicos da coletividade.
No Brasil até o final do século XX os conceitos de propriedade privada eram
examinados e tratados de maneira diferente pelo direito civil e pelo direito
constitucional, separando os civilistas dos constitucionalistas. Assim, no âmbito das
relações civis, as disposições do Código Civil Brasileiro estabeleceram as faculdades do
uso, gozo e disposição dos bens. Hoje, a plenitude da propriedade, o caráter exclusivo e
ilimitado adquire outro aspecto e passam a ser delimitados e condicionados conforme as
normas e princípios constitucionais que regulam o direito em geral.
92
Veja a Constituição Brasileira de 1934, Art. 113.17.
253
Direito Agrário Ambiental
93
A Constituição de 1988 foi a primeira na história do constitucionalismo brasileiro que concebeu um
título próprio destinado aos princípios fundamentais na própria introdução do texto, imediatamente depois
do preâmbulo e antes dos direitos fundamentais. Por meio de tal mecanismo, a Assembleia Constituinte
de 1987/1988 expôs de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a
característica de normas embaixadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive dos
direitos fundamentais, que também integram aquilo que pode ser denominado de núcleo essencial da
Constituição material.
94
“TITULO I DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – Art. 1º. A República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamento I – a soberania; II - a cidadania; III – a dignidade da
pessoa humana ; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 2º. São Poderes da União, independentes harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o
desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outra forma de discriminação. Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas
relações internacionais pelos seguintes princípios: I – Independência nacional; II - Prevalência dos
direitos humanos; III – autodeterminação dos povos; IV – não-intervenção; V – igualdade entre os
Estados; VI – defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII – repúdio ao terrorismo e ao
racismo; IX – cooperação entre os povos; X – concessão de asilo político. Parágrafo único. A República
Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América
Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nação”.(Grifo nosso)]
254
Direito Agrário Ambiental
95
De acordo com o dicionário enciclopédico El Ateneo (t. II), o significado da palavra dignidade é: “a
qualidade de digno; que merece algo, em sentido favorável ou adverso; correspondente, proporcionado ao
mérito e condição de uma pessoa ou coisa”.
96
Para Kant, a pessoa humana não tem preço e sim dignidade. Aquilo – diz Kant – que constitui a
condição para que algo seja um fim em si mesmo, não tem meramente valor relativo ou preço, mas um
valor intrínseco, ou seja, dignidade – KANT, Immanuel,Fundamentación de la metafísica de
lascostumbres, p. 35.
97
O valor que o reconhecimento constitucional da dignidade humana tem é o de servir de pauta
interpretativa das normas jurídicas. Neste sentido, uma sociedade verdadeiramente democrática, a que se
refere à própria Constituição de 1988 (Art. 1), deve dar prioridade à intransigência dos direitos essenciais
que correspondem à dignidade da pessoa.
255
Direito Agrário Ambiental
Assim, os princípios constitucionais mencionados são, por sua vez, limites que
restringem a liberdade excessiva do direito de propriedade como direito fundamental
(CAMAZANO, 2004). Por exemplo, diante da concentração da propriedade rural às
custas dos direitos fundamentais básicos como trabalho, moradia, alimentação, saúde
98
No entanto, PECES-BARBA diz a origem da dignidade humana não se tratou de um conceito jurídico,
tal como pode ser o direito subjetivo, nem político, como a Democracia ou o Parlamento. Antes, tratou-se
de uma construção filosófica para expressar o valor intrínseco da pessoa, resultando de um conjunto de
características da identificação que a tornam única e irreproduzível, que é o centro do mundo e que está
centrada no mundo. A pessoa é um fim que ela mesma decide, submetendo-se à regra, que não tem preço
e que não pode ser utilizada como meio, por todas as possibilidades que encerra a sua condição que
supõem essa ideia de dignidade humana no ponto de partida (PECES-BARBA 1995).
99
Nas normas de Direito internacional reguladoras de Direitos Humanos é frequente a referência à
dignidade da pessoa humana. Em certos momentos, a dignidade da pessoa humanaé mencionada como
direito. Isso é feito, por exemplo, no Art. 11.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos: Toda
pessoa tem direito (...) ao reconhecimento da sua dignidade. Em outras ocasiões, a dignidade é
reconhecida como fundamento dos direitos. Isso acontece em muitas normas. Entre estas, podemos
mencionar a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Preâmbulo da Declaração afirma – no
primeiro considerando – que: a liberdade, a justiça e a paz no mundo têm por base o reconhecimento da
dignidade (...); o quinto considerando do Preâmbulo afirma que: os povos das Nações Unidas
reafirmaram, na Carta, sua fé na (...) dignidade e no valor da pessoa (...). O Artigo primeiro da Declaração
Universal declara que: todos os seres humanos nascem livres e igual em dignidade(...).
100
Constituição Federal de 1988, Art. 1 - “A República Federativa de Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV
- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”.
101
Veja Constituição Federal de 1988, Art. 3º.
256
Direito Agrário Ambiental
educação no meio rural, o direito de propriedade como direito fundamental dever está
condicionado e limitado tanto pela função social que a propriedade deve cumprir como
pelo respeito a estes princípios fundamentais (CRETELLA JÚNIOR, 1997)102. Estes
limites são resultado de uma interpretação unitária e sistemática da Constituição diante
da comparação com os direitos fundamentais de maior valor protegidos interna e
internacionalmente.
O Art. 3º, inciso III da Constituição “Erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdade sociais”, obtém a mesma categoria de princípios,a sua
consagração constitucional, obviamente, altera a sua eficácia jurídica tradicional,
anteriormente delegada pelo “Estatuto da Terra” Lei nº...de 1964, norma infra
constitucional, para situá-lo neste lugar privilegiado que lhes confere o formar parte da
Norma Suprema do Estado Democrático (AGUIAR DE LUQUE, 2001) (ÁLVAREZ
CONDE, 1996) (ARAGON REYES, 2001, p. 39-43) (BALAGUER CALLEJÓ, 2004).
Nesta mesma linha de pensamento, entende-se que os incisos XXII e XXIII, do
artigo 5º da Constituição de 1988, não podem ser desconectados (BARRETO, 1948, p.
285) (FERREIRA, 1949). Portanto, se estes dois incisos não podem ser desassociados,
a dimensão social/econômica do direito de propriedade também não pode ser.
A função social da propriedade entre os direitos e garantias fundamentais
também pode ser considerada como projeção da realização efetiva de igualdade material
no marco da utilização dos bens (propriedades), pois contribui para uma distribuição de
renda e riqueza (RAWLS, 1971) mais equitativa com o objetivo de superar a grande
desigualdadeno meio rural brasileiro (ALFONSIN, 1999)103.
Porém, não basta o reconhecimento deste conjunto de princípios na
Constituição por umórgão político do Estado. Estes princípios e direitos correspondem
aosPoderes Executivo, Legislativo e Judiciário; aos órgãos públicos e privados; e a
sociedade como um todo torná-los efetivos (LOBATO, 1997).
Sabemos que há uma relação estreita entre a política e o direito. Se antes o
direito estava sujeito à política como instrumento, agora a política também se converte
102
Encontramos termos muito semelhantes na obra de LEAL, Gesta Rogério, A função social da
propriedade e da Cidade no Brasil, Santa Cruz do Sul, Edunisc, 1998.
103
O autor lembra que “o chamado crescimento econômico é usado como fórmula para excluir qualquer
outra prioridade que intencione a satisfação das necessidades vitais de alimentação e moradia.”
257
Direito Agrário Ambiental
104
FERRAJOLI afirmou que no paradigma do Estado constitucional de direito, a relação entre direito e
política se inverte e já não se concebe mais o direito como instrumento da política, antes, a política se
transforma em instrumento para a atuação do direito (FERRAJOLI, 1996) (FERRAJOLI, 2000, p.170).
105
Para FERRAJOLI, o futuro do constitucionalismo jurídico e da demociracia é articulado em três
direções : em um constitucionalismo global, em adição ao estatal ; em um constitucionalismo social, em
adição ao liberal ; e em um constitucionalismo de direito privado, em adição ao estatal (FERRAJOLI,
2001, p. 374-375).
258
Direito Agrário Ambiental
USERA, 1998). Isto faz com que PÉREZ LUÑO (1984) chegue a afirmar que: Por sua
parte, os princípios representam um grau maior de concretização e de especificação do
que os valores referentes às situações às quais podem ser aplicadas e às consequências
jurídicas da sua aplicação.
Por sua vez, Dworkin apresenta os princípios como normas ou cláusulas
genéricas que enunciam um modo de ser do direito. Para o autor, “os princípios
oferecem argumentos para decidir”106. Mas o autor enfatiza que: Os princípios são
dinâmicos, mudam com rapidez e não há uma hierarquia preestabelecida entre eles, o
que torna mais difícil encontrar a “resposta certa” para os casos difíceis.
À medida que os princípios deixam de se tornar um processo meramente
contemplativo, transformando-se num processo construtivo (CITTADINO, 2000),
exige-se um raciocínio do juiz, que, depois de comparar os princípios, deve decidir pelo
que tem mais peso.
Para Cittadino (CALSAMIGLIA, 2002) a teoria de Dworkin não propõe, desta
forma, um procedimento mecânico para demonstrar quais são os direitos das partes nos
casos difíceis, tal como acreditava o juiz Hércules. Ou seja: o juiz que aceita que as leis
têm o poder geral de criar e eliminar direitos, e que os juízes têm o dever geral de
ajustarem-se às decisões anteriores do seu tribunal ou aos tribunais superiores cujas
bases lógicas compreendam o caso que têm em mãos107.
Independentemente do que digam, não há dúvidas de que os “princípios
fundamentais” declarados na Constituição de 1988 devem ser considerados como
referência diante de qualquer interpretação do direito de propriedade, principalmente da
propriedade rural, e é evidente que a realidade agrária brasileira atual contradiz tais
“princípios fundamentais”. Os dados são eloquentes. No final do século XX, segundo o
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), hava 20.291.412 (vinte
milhões duzentos e noventa e um mil quatrocentos e doze) hectares de terra que
pertencem a 20 latifundiários, os 20 maiores donos de propriedades rurais, sendo que
existem sete com mais de um milhão de hectares e nove com mais de 500 mil hectares.
Enquanto estes 20 proprietários retiverem o controle de mais de 20 milhões de hectares,
uma investigação, paradoxalmente realizada pelo Instituto de Pesquisas Económicas e
Aplicadas - IPEA, do Ministério de Planejamento, em 1993, divulgou os dados que se
106
Encontramos uma revisão das interpretações constitucionais em DWORKIN (1984).
107
DWORKIN imagina que “Hércules” tem habilidade, paciência e perspectiva sobre-humanas, e supõe
que ele aceita as principais normas constitutivas e reguladoras não controversas do direito na sua
jurisdição.
259
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
108
O autor analisa a fome no mundo com dados retirados da FAO e do Banco Mundial, e argumenta que:
“A fome não é simplesmente uma fatalidade. A fome e a desnutrição não vêm, portanto, de uma escassez
de alimento, mas que são consequências de uma distribuição desigual” (STRAHM.
109
Veja os dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) -Brasil, 1997.
110
Art. 5º § 2º - “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a república federativa do
Brasil seja parte”.
111
Constituição Federal de 1988, Art. 5, Parágrafo 2 .
260
Direito Agrário Ambiental
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CITTADINO, G. O. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Elementos da filosofia
constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.
112
Para FERRAJOLI, a rigidez da constituição ou a garantia de tal rigidez é a verdadeira invenção do
século XX (FERRAJOLI, 2000, p. 161-162).
113
Para FERRAJOLI, o paradigma da democracia constitucional é filho da filosofia contratualista, tanto
no sentido de que as constituições são pactos socais de convivência civil impostos historicamente por
movimentos revolucionários aos poderes públicos como fontes da sua legitimidade, como no sentido de
que a ideia do contrato social é uma metáfora da democracia: da democracia política, dado que ela faz
referência ao consenso dos contratantes e, por conseguinte, vale para fundar, pela primeira vez na história,
uma legitimação do poder político desde baixo; ela é também uma metáfora da democracia substancial,
visto que este contrato não é um acordo vazio, mas que tem cláusulas e, assim, causa precisamente a
tutela dos direitos fundamentais, cuja violação por parte do soberano legitima a quebra do pacto e do
exercício do direito de resistência (FERRAJOLI, 2001, p. 381).
261
Direito Agrário Ambiental
262
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263
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
Os princípios são mandamentos nucleares do sistema jurídico. São “alicerce,
pedra de toque, disposição fundamental, que espargem sua força por todos os
escaninhos do ordenamento” (BULLOS, 2010, p. 493). Não têm enumeração taxativa, e
podem estar de forma expressa ou implícita no ordenamento jurídico.
Estão eles, portanto, presentes em todos os ramos do Direito, sendo parte
essencial da Ciência Jurídica brasileira. De tal modo que no Direito Agrário, não
poderia ser diferente. Trata-se do “conjunto de normas jurídicas que visam disciplinar as
relações do homem com a terra, tendo em vista o progresso social e econômico do
rurícola e o enriquecimento da comunidade”, possuindo suas raízes também na
Constituição Federal, de modo que detém princípios que lhe são próprios, bem como os
que da Constituição decorrem. (BULLOS, 2010, p. 493).
O presente estudo versará acerca de alguns princípios constitucionais e
agrários, relatando onde podem ser encontrados, e como são fundamentais para que os
objetivos do Direito Agrário – que compreende a regulamentação das relações jurídicas
do ser humano com o campo – sejam alcançados, dentre estes a proteção do meio
ambiente. (FREITAS, 2012).
A matriz principiológica em que se deterá este ensaio diz respeito,
primordialmente, às divisões adotadas por Marques (2007) e por Oliveira (2004, p.
165). É fruto das pesquisas dos princípios expressos na legislação agrária e dos
norteadores e implícitos na Constituição Federal de 1988. São, portanto, objeto de
114
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
115
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
116
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
117
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
118
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
119
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
264
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Direito Agrário Ambiental
120
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
266
Direito Agrário Ambiental
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função
social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos,
a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
[...]
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definidas em lei, desde que
seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
267
Direito Agrário Ambiental
Há ainda outra parcela da população rural, que constitui a grande maioria que
habita o campo e que não dispõe de terra, nem de recursos e possibilidades
para ocupar e explorar terras alheias a título de arrendatário autônomo,
submetendo-se a procurar emprego a serviço dos grandes latifundiários,
razões estas que muitas vezes determinam os baixos padrões do trabalhador
rural brasileiro.
121
RESOLUÇÃO Nº 1, DE 15 DE JANEIRO DE 2013. Diário Oficial da União, de 23 de janeiro de
2013. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/areaterritorial/pdf/DOU_23_01_2013.pdf>. Acesso em: 31
jul. 2014.
268
Direito Agrário Ambiental
269
Direito Agrário Ambiental
Por tal princípio entende-se que, sempre que houver conflito entre um
particular e um interesse público coletivo, deve prevalecer o interesse público.
Sob a ótica do direito agrário, o princípio da supremacia do interesse público
sobre o privado está presente sempre que há limitação do direito de propriedade. O
maior exemplo da aplicação desse princípio é a desapropriação, tendo em vista a
suplantação do interesse privado do proprietário em prol do interesse de toda a
coletividade, consubstanciado, primordialmente, na redução da desigualdade social. Em
razão da supremacia do interesse público sobre o privado, pode a Administração
Pública, com base em lei, promover a desapropriação de bens de particulares.
Consoante o art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal, a desapropriação é
procedimento de direito público que gera a transferência de determinada propriedade
para o Estado, mediante prévia e justa indenização em dinheiro.
Existem três modalidades de desapropriação, segundo previsão constitucional,
baseadas na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, cada qual
correspondendo a algum aspecto do interesse público.
Como exemplo, toma-se a modalidade de desapropriação por utilidade pública,
regulada pelo Decreto-Lei nº 3.365/41, em cuja fase administrativa é feita a ponderação
entre o direito individual à propriedade e o interesse público, na medida em que é
analisada a presença de todos os pressupostos necessários à prevalência do interesse
público. Somente após sopesar o princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular e o princípio da proporcionalidade, legitimada está a atuação estatal com a
expedição do competente decreto expropriatório.
270
Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
272
Direito Agrário Ambiental
Depreende-se dos artigos citados acima que são necessários dois requisitos
para que a pequena propriedade rural seja tida como impenhorável: ser trabalhada pela
família e o débito responsável pela execução da propriedade ter sido originado da
atividade produtiva da mesma.
Ressalte-se que, em ambos os itens, deixou-se para a lei infraconstitucional a
tarefa de definir o que viria a ser essa pequena propriedade rural. Até o presente
momento, não se criou essa lei, provocando um vácuo legislativo, e dificultando a
aplicação do art. 5º, XXVI da CF/88, não obstante este possuir aplicação imediata,
conforme aduz o art.5º, §1º, do mesmo diploma.
Destarte, restou ao julgador solucionar os casos concretos utilizando-se dos
conceitos já existentes de pequena propriedade rural, como o constante na Lei 8.629/9,3
ou, ainda, utilizar-se da analogia, aplicando-se a definição de propriedade familiar
insculpida na Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra).
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm se
posicionando no sentido de aplicar o art. 4º, II, do Estatuto da Terra, conforme
demonstram as jurisprudências colacionadas abaixo:
122
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1007070 RS 2006/0081166-7, Rel. Min.
Massami Uyeda, DJe 01/10/2010. Disponível em
<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16714142/recurso-especial-resp-1007070-rs-2006-0081166-7>.
Acesso em: 02 jun. 2014.
273
Direito Agrário Ambiental
Caso fosse aplicado o art.4º, II, “a” da Lei 8.629/93, que explicita propriedade
rural como aquela que possui de um a quatro módulos fiscais, aumentaria sobremaneira
essa “pequena propriedade”, permitindo que propriedades com hectares consideráveis
utilizassem dessa impenhorabilidade, desvirtuando essa proteção constitucional.
Não se pode olvidar que a proteção discutida visa resguardar principalmente
aquele proprietário que não possui tantas posses e que se endividou para manter sua
propriedade produtiva e não aquele proprietário que foi negligente com seu imóvel
rural, evitando assim o aumento de pessoas sem terra e a evasão para as cidades.
Assim, a pequena propriedade rural é impenhorável pelas dívidas contraídas
por conta de suas atividades produtivas, desde que trabalhada pela família, carecendo de
lei que defina o que é essa pequena propriedade para fins de impenhorabilidade.
123
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 136.753, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 25/04/1997. Disponível em <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=207991>. Acesso em: 02 jun. de
2014.
274
Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
124
“Artigo 1.º 1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual todos
os seres humanos e todos os povos têm o direito de participar, de contribuir e de gozar o desenvolvimento
económico, social, cultural e político, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais se
possam plenamente realizar”.
276
Direito Agrário Ambiental
representa a utilização racional do solo e dos demais recursos naturais, com técnicas e
instrumentos que permitam o aumento da produção agrícola e o aprimoramento dos
meios de produção, garantindo o crescimento econômico, sem agressão ao meio
ambiente e sem comprometimento dos recursos, evitando-se, assim, a degradação e o
racionamento dos recursos.
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Direito Agrário Ambiental
125
Art. 50. Para cálculo do imposto, aplicar-se-á sobre o valor da terra nua, constante da declaração para
cadastro, e não impugnado pelo órgão competente, ou resultante de avaliação, a alíquota correspondente
ao número de módulos fiscais do imóvel, de acordo com a tabela adiante:
[...] § 2º O módulo fiscal de cada Município, expresso em hectares, será determinado levando-se em conta
os seguintes fatores: a) o tipo de exploração predominante no Município: I - hortifrutigranjeira; Il -
cultura permanente; III - cultura temporária; IV - pecuária; V - florestal; b) a renda obtida no tipo de
exploração predominante; c) outras explorações existentes no Município que, embora não
predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; d) o conceito de "propriedade
familiar", definido no item II do artigo 4º desta Lei.
126
Atualmente, esta Constituição a que se refere o inciso encontra-se revogada.
278
Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
[...] a dignidade implica também, em última ratio por força de sua dimensão
intersubjetiva, a existência de um dever geral de respeito por parte de todos (e
de cada um isoladamente) os integrantes da comunidade de pessoas para com
os demais e, para além disso, de certa forma, até mesmo um dever das
pessoas para consigo mesmas. (SARLET, 2009, p. 120)
281
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As modificações introduzidas no Direito Ambiental, pelos princípios
constitucionais e agrários, repercutem na relação que é estabelecida entre o homem e a
terra, devido ao impacto das normas ambientais e às inovações trazidas pelo direito
agrário.
Essas modificações constitucionais elevaram a função social da propriedade à
condição de base do Direito Agrário, razão pela qual há a primazia da atividade agrária
frente à prevalência do direito de propriedade, havendo, ainda, a reformulação da
atividade fundiária.
Em evidência também se encontra o princípio do meio ambiente sustentável, na
medida em que o desenvolvimento econômico deve guardar sintonia com o uso racional
dos recursos e a conservação ambiental para as futuras gerações, tendo em vista o
caráter intergeracional do meio ambiente saudável aplicável ao direito agrário.
Ressalte-se, enfim, que todos os princípios expostos são concretizações da
dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático Brasileiro, visto
282
Direito Agrário Ambiental
como qualidade intrínseca do ser humano, que serve de amparo para os demais
princípios e que com eles está vinculado.
REFERÊNCIAS
BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do Direito agrário. São Paulo: Saraiva,
1994
BULLOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
FREITAS, Aurélio Marcos Silveira de. Concepções princpiológicas do Direito Agrário.
In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em:
<http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11181&revista_caderno
=7>. Acesso em: 01 Ago. 2014.
LARANJEIRA, Raymundo. Direito Agrário Brasileiro – em homenagem à memória
de Fernando Pereira Sodero. 1ª Ed. São Paulo: LTr, 1999.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Saraiva, 2013.
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. 7. ed. Editora Atlas. São
Paulo, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19. ed.
Editora Malheiros. São Paulo, 2005.
OLIVEIRA, Umberto Machado. Princípios de Direito Agrário na Constituição
Vigente. Curitiba: Juruá, 2004.
PRADO JÚNIOR, Caio. A questão agrária no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2000.
RESOLUÇÃO Nº 41/128 DE 04 DE DEZEMBRO DE 1986. Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas. Disponível em <
http://direitoshumanos.gddc.pt/3_16/IIIPAG3_16_5.htm>. Acesso em: 31 jul. 2014.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009.
283
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
Analisando temáticas de extrema importância dentro do Direito Agrário e
Ambiental, e levando em conta seus desdobramentos, percebem-se a relevância da
discussão sobre os aspectos principais do direito agrário em face do biocombustível no
Brasil.
Com o claro intuito de aprofundar as discussões da referida área, iniciou-se
trazerendo um relato histórico apontando diferentes pontos fundamentais desde que a
atividade tomou lugar no Brasil a partir do momento em que foram atestadas as
vantagens econômicas que eram possíveis com este tipo de cultivo, tendo como
destaques o Café no Sudeste e no Sul do país e a cana-de-açúcar, no Nordeste.
Ainda na tentativa de uma visão pontual no tocante ao posicionamento do
Estado brasileiro e aos seus objetivos socioambientais, abordaram-se pontos de
importância destacada, voltando os olhos aos direitos fundamentais presentes na 3ª
Dimensão dos direitos humanos, ou seja, naqueles intitulados de direitos da fraternidade
ou solidariedade, mais precisamente no direito a um meio ambiente saudável, ainda
trazendo conceitos, como os de função social, aproveitamento racional e preservação do
meio ambiente.
Ainda se analisarão os possíveis impactos socioambientais advindos da
produção em nosso país, mostrando o intuito de amenizar os impactos ambientais e
assegurar uma possível preservação ao meio ambiente, e demonstrando que o Brasil, em
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Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
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Direito Agrário Ambiental
busca de amenizar esses impactos, apresenta leis que protegem as florestas, como, por
exemplo, o Código Florestal, que é a legislação mais importante nessa temática.
Por fim, far-se-á uma análise acerca da agroenergia no Brasil, que, por seu
clima favorável à produção e por sua grande dimensão territorial, pode fazer um intenso
investimento na produção agrícola ligada à agroenergia sem, ao mesmo tempo,
sacrificar a produção agrícola voltada à alimentação; por isso, o Brasil tem uma grande
vantagem na possibilidade da produção de agroenergia em relação a outros países.
Dessa maneira, serão esses os principais aspectos abordados neste trabalho
acadêmico, que não visa esgotar as discussões acerca da temática proposta, mas sim
aprofundar os debates e contribuir para um esclarecimento da matéria na comunidade
acadêmica.
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Direito Agrário Ambiental
recursos estão. Conclui-se, então, que a melhor forma de corrigir os erros do passado
seria a redução da desigualdade entre essas nações.
Para tanto, devem-se voltar os olhos aos direitos fundamentais presentes na 3ª
Dimensão dos Direitos Humanos, ou seja, naqueles intitulados de direitos da
fraternidade ou solidariedade, mais precisamente no direito a um meio ambiente
saudável. Esse ambiente saudável tem fundamento na preservação das gerações futuras
e na dignidade da pessoa humana, não se podendo permitir a coisificação do homem em
nome de um desenvolvimento econômico. Assim, tem-se que o Estado está em função
da sociedade, e não o oposto.
Na Constituição Federal de 1988, vê-se o Estado Brasileiro desenvolver
mecanismos de proteção ao meio ambiente quando no seu artigo 225, passou a adotar a
necessidade de um meio ambiente equilibrado, como pode ser visto a seguir (BRASIL,
1988):
Como pode ser visto a partir do caput do citado artigo, passou-se de um Estado
Social, no qual há uma visão voltada apenas a promover o bem-estar do indivíduo, a um
Estado Socioambiental, defendendo o direito transindividual de um meio ambiente
equilibrado, preservando-o para as gerações presentes e futuras. Esse mesmo artigo, em
seus seis parágrafos, prevê uma série de medidas que forçam o Estado a zelar por esse
respeito ao meio ambiente, podendo-se citar como exemplo o seu dever de proteger a
fauna e a flora.
Ainda no que se refere ao artigo 225 da Constituição Federal, tem-se que o seu
parágrafo 2º obriga não só o Estado a proteger o meio ambiente, mas também terceiros
que se utilizem da terra para a extração de recursos minerais, fazendo com que eles
devam restaurar o ecossistema, conforme as leis locais (BRASIL, 1988).
Com essa breve introdução dos objetivos socioambientais do Estado Brasileiro,
surge a cada vez maior preocupação com a devastação do meio ambiente, tendo sido
prevista na nossa Carta Magna a obrigação de protegê-lo, além da preocupação com o
legado que se deixará paras as gerações futuras.
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Direito Agrário Ambiental
legislação mais carente (FARIAS, 2010). O biodiesel pode ser produzido por diversas
espécies vegetais, tais como mamona, girassol, babaçu, soja, dentre outras.
Porém tantos benefícios podem vir acompanhados de sérios problemas,
sobretudo problemas ambientais, considerando que a maior ênfase no cultivo e na
exploração de um produto é regulada pelo retorno econômico obtido. Ou seja, o motor
que impulsiona o investimento nas monoculturas de cana-de-açúcar, soja e mamona não
se expande como maneira de contribuição social, porém muito mais voltado para a
perspectiva econômica.
Nesse contexto, por mais promissor que seja esse programa, o aspecto
econômico não pode ser unicamente levado em consideração. É necessária a ação de
uma legislação que considere também as questões ambientais e sociais. Sendo assim, a
Função Social, que é estabelecida pela Constituição Federal, determina que haja um
aproveitamento racional e adequado, bem como uma utilização consciente do solo e dos
recursos naturais, visando à preservação do meio ambiente, de modo que esse
“aproveitamento adequado” resulte numa maior produtividade sem a geração de tantos
danos (OLIVEIRA, 2007).
Da mesma forma que a preservação do meio ambiente como um todo estimula
discussões, a própria melhoria na qualidade de vida no campo também tem necessidade
de ser atendida, visto que agricultores investem no cultivo de produtos muito
promissores muitas vezes de maneira desordenada, causando desequilíbrio. Nesse caso,
o Poder Público tem o poder de intervenção, podendo limitar as práticas na plantação e
sua própria extensão. A desapropriação do imóvel rural pode ocorrer quando a
propriedade não cumpre sua Função Social (artigo 184), tendo estabelecido quais os
requisitos a serem obedecidos para a identificação do cumprimento de tal função (artigo
186) (BRASIL, 1988).
292
Direito Agrário Ambiental
cobertura vegetal de floresta por pastagens modifica as interações entre o sistema solo-
planta-atmosfera, com a consequente alteração do microclima, como afirma o
pesquisador Gilberto Fisch no estudo Implicações Microclimáticas dos processos de
superfície e da camada limite da Amazônia devido ao desmatamento de Floresta
tropical.(INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2014).
No Brasil, a monocultura mais antiga e que rendeu períodos de ouro ao país é a
de cana-de-açúcar. Dados históricos mostram que as primeiras mudas de cana foram
trazidas em meados de 1533, e logo a produção de açúcar tornou-se a principal base
econômica do Brasil-Colônia por mais de dois séculos (COTRIM, 2005). A
monocultura da cana no Brasil obteve sucesso desde o início em consequência do solo
extremamente propício ao seu desenvolvimento, do clima muito favorável e de,
economicamente, o açúcar, na época ser um produto de alto valor na Europa.
Da mesma maneira que a cana-de-açúcar trouxe e vem trazendo benefícios no
campo econômico, na visão ambiental, traz, porém, consigo problemas de larga escala.
É necessária para o seu cultivo uma grande área e isso já desencadeia um desequilíbrio,
porquanto a derrubada da vegetação natural surte efeitos danosos à sobrevivência dos
animais daquele habitat, provocando o êxodo de outros para áreas urbanas, e também o
desenvolvimento de pragas que, por mortalidade ou êxodo de seus predadores, se
reproduzem de maneira demasiada, sendo necessária, nesse caso, a utilização de
agrotóxicos que são muito prejudiciais ao ambiente. A queima da palha da cana
promove o aumento das concentrações de gases poluentes na atmosfera, e a fuligem
levada pelo vento gera problemas de saúde pública. O empobrecimento do solo está
relacionado também aos grandes problemas causados por essa monocultura.
Diante dessas consequências ambientais, a intervenção do poder público é
necessária, exigindo a abstenção da utilização do fogo em cultivos de cana-de-açúcar,
para que se estimule a busca pelo equilíbrio entre a utilização do solo para a produção e,
a preservação do meio ambiente, partindo do princípio de que todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado (LAFER, 1988, p. 131-132). Caso o cultivo da
monocultura de cana-de-açúcar, em determinada propriedade, esteja descumprindo o
que consta no artigo 186 da CF, é possível que ocorra desapropriação do imóvel rural
(artigo 184) (ROCHA, 2011).
Os biocombustíveis, que pretendem substituir os derivados do petróleo, são
obtidos a partir de monoculturas como a de cana-de-açúcar, e, nesse caso, o produto é o
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Direito Agrário Ambiental
etanol. Contudo, para que seja um tipo de combustível limpo, é necessária uma intensa
preocupação ambiental justa e uma atenção especial do Poder Público.
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3. A AGROENERGIA NO BRASIL
O Brasil, por seu clima favorável à produção de biocombustíveis e por sua
grande dimensão territorial, pode fazer um intenso investimento na produção agrícola
ligada à agroenergia sem, ao mesmo tempo, sacrificar a produção agrícola voltada à
alimentação; por isso o Brasil tem uma grande vantagem no que tange à possibilidade
da produção de agroenergia em relação a outros países. A matriz energética brasileira é
uma das mais limpas do mundo. De toda a energia produzida no país, pouco mais de
46% vêm de fontes renováveis, enquanto a média mundial é inferior a 14%. (ABAGRP,
2014).
O pontapé inicial para um aumento da demanda da agroenergia foi a pressão
social para a diminuição do uso das energias oriundas dos combustíveis fósseis. A
concentração de CO2 atmosférico aumentou 31% nos últimos 250 anos, atingindo,
provavelmente, o nível mais alto dos últimos 20 milhões de anos. Os valores tendem a
aumentar significativamente se as fontes emissoras de gases de efeito estufa não forem
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No plano normativo, o Brasil conta com um concerto harmônico de
dispositivos constitucionais que, em conjunto, delineiam um sistema de perfeita
proteção a valores que, pelo menos de início, poderiam parecer excludentes. Mas o
legislador constituinte teve o cuidado de demonstrar, ainda no plano normativo, que é
300
Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGRONEGÓCIO DA REGIÃO DE RIBEIRÃO
PRETO. Agronegócio: Matriz Energética. Disponível em:
http://www.abagrp.org.br/agronegocioMatrizEnergetica.php Acesso em: 30 jul. 2014.
BIODIESEL – Crédito de Carbono – MDL. Disponível em:
http://www.biodieselbr.com/credito-de-carbono/mdl/index.htm Acesso em: 30 jul.
2014.
FERREIRA, Kátia. Biodiesel e agricultura familiar no agreste pernambucano.
Recife. 2011. Disponível em: http://www.repositorio.ufpe.br
/bitstream/handle/123456789/7927/arquivo9573_1.pdf Acesso em: 31 jul. 2014
CARVALHO, Simone Pereira de; MARIN, Joel Orlando Bevilaqua. As contradições
presentes no discurso do atual Programa Nacional de Agroenergia. Disponível em:
http://www.sober.org.br/palestra/9/622.pdf. Acesso em 20.10.2010.
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Direito Agrário Ambiental
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Direito Agrário Ambiental
Brasil: quo vadis?. Revista de Economia e Socioogia Rural. 2007, vol. 45, n. 3, pp.
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PLANO NACIONAL DE AGROENERGIA. Disponível em:
http://www.agricultura.gov.br/portal/page?_pageid=33,2864458&_dad=portal&_schem
a=portal. Acesso em 29.10.2010.
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 34ª Ed. S.P.: Brasiliense,
1986.
RELATÓRIO DA ANISTIA DESTACA ABUSOS NO SETOR CANAVIEIRO.
Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/conteudo-tematico/trabalho-escravo/noticias-
da-oit/Relatorio_anistia. Acesso em: 03/12/2009.
RELATÓRIO SOBRE A CANA-DE-AÇÚCAR PRODUZIDO PELO CENTRO DE
MONITORAMENTO DE AGROCOMBUSTÍVEIS DA ONG REPÓRTER BRASIL.
O Brasil dos Agrocombustíveis. Impacto das lavouras sobre a terra, o meio e a
sociedade. Disponível em
http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/o_brasil_dos_agrocombustiveis_v6.pdf.
Acesso em 12.10.2010.
RELATÓRIO SOBRE A SOJA PRODUZIDO PELO CENTRO DE
MONITORAMENTO DE AGROCOMBUSTÍVEIS DA ONG REPÓRTER BRASIL.
Os impactos da soja na safra 2009/2010. Disponível em
http://www.reporterbrasil.com.br/estudo_soja_cma_reporter_brasil_2010.pdf. Acesso
em 10.10.2010.
VIAN, Carlos Eduardo Freitas. Anidro. Disponível em: http://www.agencia.
cnptia.embrapa.br/gestor/cana-de-acucar/arvore/CONTAG01_116_22122006154842.
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_______. Álcool hidratado. Disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/
gestor/cana-de-acucar/arvore/CONTAG01_120_22122006154842.html
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Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
A exploração mineral, enquanto vetor do crescimento econômico e afluente da
ideia precípua de desenvolvimento historicamente construída, foi marcada de forma
sintomática pelo modelo desenvolvimentista adotado no Brasil no decorrer do século
XX: inexistiam ferramentas de controle e fiscalização, bem como não havia parâmetros
mínimos de proteção ambiental. A atuação do Estado ainda não percebia a
sustentabilidade como característica inerente ao processo de desenvolvimento e, nesse
contexto de omissões e desinteresses, a exploração mineral tem como marco normativo
a Carta Política de 1988.
O presente trabalho abrange a análise da plataforma jurídica e política na qual
se pratica a exploração mineral, enquanto atividade econômica, com inegáveis
implicações no sistema agrário. A necessidade de viabilização de sistemas sustentáveis
foi um dos elementos que modificou o cerne da atuação do Estado na intervenção na
ordem econômica, incluindo-se, nessa perspectiva, a atividade supra.
A Constituição Federal inaugurou um novo modelo, com preocupações
ambientais que geraram, ainda em 1989, a alteração do Código de Minas, impondo
requisitos mais rígidos e mudando a sistemática da atividade aduzida. Nesse sentido,
incumbe à União, enquanto titular, proceder à respectiva autorização ambiental para que
possam ser desenvolvidas lavras ou pesquisas.
A partir de análise crítica do instituto da desapropriação, especificamente nos
casos em que ocorre por interesse social, tenta-se estabelecer comparações e visualizar a
transversalidade entre a temática da reforma agrária, baseada na necessidade de criação
de um sistema agrário equânime, e a exploração mineral, enquanto elemento propulsor
do crescimento econômico. Aponta-se para a ambivalência claramente existente entre o
interesse social ligado ao crescimento econômico e as preocupações advindas das
premissas do desenvolvimento sustentável e humano.
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recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com
a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.
Antes da Constituição de 1988, as atividades nesse setor eram quase que
totalmente desenvolvidas, em relação ao meio ambiente, despojadas de efetivos
controles, respeitos e proteções, bem como de recuperação das degradações, com a
desculpa da condição de “utilidade pública” no aproveitamento industrial (extração e
beneficiamento) das substâncias minerais.
O Código de Minas, por sua vez, já se modelou às atuais situações da atividade
mineradora inúmeras vezes. O referido código regula: os direitos sobre as massas
individualizadas de substâncias minerais ou fósseis, encontradas na superfície ou no
interior da terra formando os recursos minerais do País; o regime de seu
aproveitamento; e a fiscalização, pelo Governo Federal, da pesquisa, da lavra e de
outros aspectos da indústria mineral, conforme leitura do seu art. 3º.
O Código de Minas foi alterado pela Lei 7.805, de 1989, para criar o regime de
permissão de lavra garimpeira, extinguir o regime de matrícula, e dar outras
providências. Os principais artigos dessa lei federal são os arts. 16, 17 e 18. Veja-se:
308
Direito Agrário Ambiental
1
GUIO, Lidiane Bahiense. Comentários aos regimes de autorização e concessão da exploração mineral.
2012. Disponível em: <http://jus.com.br>. Acesso em 05 de Ago. 2014.
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Direito Agrário Ambiental
O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele,
pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que
lhe é inerente (CF, art5, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera
patrimonial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as
formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O
acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e
adequado ao imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais
disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de
realização da função social da propriedade. 3
Assim, uma propriedade que não estiver desempenhando a sua função social
deverá ser desapropriada, “mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida
agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte
anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”4.
O primeiro requisito para a terra ser considerada produtiva é o Grau de
Eficiência de Exploração (GEE), que, de acordo com a tabela do INCRA, deve ser de
100% ou mais, não atingindo esse patamar, não há produtividade. Para ser produtiva, é
necessário que a área não esteja dentre as hipóteses do art. 10 da Lei 8629/93:
Art. 10. Para efeito do que dispõe esta Lei, consideram-se não aproveitáveis:
I - as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas aquelas
destinadas a fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de
reprodução e criação de peixes e outros semelhantes; II - as áreas
comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de exploração agrícola,
pecuária, florestal ou extrativa vegetal; III - as áreas sob efetiva exploração
mineral; IV - as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas
protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à
preservação do meio ambiente. [GRIFO NOSSO]3STF, ADIn 2.213-MC,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-2004. 4BRASIL, Constituição Federal,
1988, art 184, caput.
Assim, observa-se que a atividade minerária não pode ser restringida por
projetos de reforma agrária, visto que não se vislumbra terra não produtiva, uma vez que
a propriedade que explora a atividade mineral atende à função social da propriedade.
Corroborando esse posicionamento, considera-se o disposto no artigo 10, III, da
Lei8629/93, que veda o assentamento de terras sob efetiva exploração mineral.
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Sem uma devida regularização de terras por parte do Estado, é como se este
simplesmente deixasse que as disputas continuassem, embora esteja claro que apenas os
pequenos continuarão perdendo. No caso dos índios, muitos hoje se encontram à beira
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das estradas, sem ter um local próprio para plantar e sem recursos nem mesmo para
comprar.
A lavra de riquezas minerais existentes em terras indígenas somente deveria
ocorrer, legalmente, após autorização do Congresso Nacional e oitiva das comunidades
afetadas, devendo ser assegurada a participação dos indígenas nos resultados da lavra,
sempre na forma disposta em lei.17
Ocorre que ainda não foi editada a necessária regulamentação que visa
disciplinar a participação das comunidades indígenas afetadas no resultado da lavra. Em
decorrência dessa falta de regulamentação, não se podem outorgar títulos minerários em
terras indígenas, pois falta a autorização, que é o pressuposto de sua validade.
Assim, a disputa pelas terras indígenas e seus recursos minerais é algo que
necessita de regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro. Como ainda não existe
qualquer norma regulamentando o assunto, qualquer tentativa de exploração de recursos
nessas áreas, seja por empresas de mineração ou garimpo, é inconstitucional; ilegal e,
como conseqüência, crime.
É necessária a regulamentação da lei de mineração em terras indígenas, mas
que a mesma seja adequada ao País, aos índios, ao meio ambiente e a toda a
biodiversidade e sociodiversidade existentes.
Recentemente, em meados do mês de junho do ano de 2013, a Presidente
Dilma Roussef enviou ao Congresso Nacional projeto para o novo marco regulatório da
mineração: o Projeto de Lei n° 5.807, de 2013, que, se aprovado, substituirá o atual
Código de Mineração, o Decreto-Lei n° 227, de 28 de fevereiro de 1967.
Em suas declarações, Dilma afirmou que o objetivo do projeto de lei é criar um
marco legal favorável aos negócios e investimentos produtivos, fortalecendo um novo
ciclo de desenvolvimento no Brasil, mas tudo isso aliado a novos ganhos para a
sociedade, para os trabalhadores e para o meio ambiente.
A ideia principal se assemelha àquela aplicada ao setor de petróleo. A proposta
contém inovações institucionais, como a criação do Conselho Nacional de Política
Mineral, órgão consultivo de caráter estratégico, e a Agência Nacional de Mineração,
agência reguladora do setor mineral, bem como mudanças regulatórias: a substituição
do regime de prioridade por um sistema de certames públicos para a outorga de títulos
minerários; e o aumento dos royalties incidentes sobre os minérios.
Esse projeto vem sendo amplamente criticado por aqueles que defendem os
interesses das grandes empresas de exploração mineral, já que visa aumentar a
318
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da confluência existente entre crescimento econômico e
desenvolvimento sustentável, faz-se necessária a reflexão acerca dos impactos causados
pela extração mineral sobre o meio ambiente, a partir de franco desrespeito às
diversidades biológicas e sociais. Essa conclusão revela a fragilidade do sistema
protetivo e, notadamente, a dificuldade em reconhecer as conotações jurídicas das
relações entre o homem e o meio ambiente.
O Brasil tem como matriz de seu processo de desenvolvimento o
desenvolvimentismo inaugurado na Era Vargas e esgotado ao fim do regime militar, que
propunha expandir as atividades econômicas, gerando o acúmulo da dívida social.
Nesse contexto, verificam-se processos históricos que denunciam a fragilidade da
plataforma política sobre a qual atuam os agentes de mercado em atividades como a
mineração: inexistem mecanismos de controle e fiscalização. As nuances absorvidas
pela Carta Política de 1988 deflagraram no âmbito interno, debate ainda inconcluso a
respeito da conciliação entre os vetores à ordem econômica e da proteção ambiental.
319
Direito Agrário Ambiental
REFERÊNCIAS
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<http://ambientes.ambientebrasil.com.br/gestao/areas_degradadas/atividades_de_minera
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do direito à consulta prévia como um processo e a visibilidade ao flagrante
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320
Direito Agrário Ambiental
<http://www.cetem.gov.br/files/docs/palestras/2013/sustenta101013-
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Produção Mineral – Ministério de Minas e Energia -ANO 1 Nº 7 – 2005. Disponível
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exploração mineral. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br>. Acesso em 05 de Ago.
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<http://tecnicoemineracao.com.br/o-novo-marco-regulatorio-da-mineracao/>. Acesso
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Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/15414>. Acesso em: 5 ago. 2014.
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Emenda Constitucional nº 57, de 18/12/2008. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p
47.
STF, ADIn 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-2004.
STF. Pet 3388 RR, Rel. Min. Ayres Brito, DJ de 3-2-2014.
321
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
A evolução constante do mundo atual obriga o direito a evoluir, adaptando-se
para cercear novos problemas que surgem a galope. A tecnologia de manipulação
genética usa do apelo econômico advindo da sua capacidade de melhoramento da
produção para forçar os países a seguir regras que a beneficiem.
A manipulação de espécies vegetais por meio de cruzamentos data de longo
tempo, mas essa interferência ganhou força nunca imaginada a partir da alteração dos
genes de forma invasiva.
Em todos os países do globo existe discussão a respeito dos riscos e dos
benefícios que a manipulação de genes pode provocar. A quebra de braço entre o
agronegócio e a sociedade, preocupada com seu bem-estar, está longe do fim. É objetivo
deste artigo contextualizar a evolução da biotecnologia e as alterações do Direito
Agrário em busca da regulamentação das manipulações genéticas e da consequente
proteção da vida.
1
Graduanda do curso de Direito da UFPB.
2
Graduando do curso de Direito da UFPB.
3
Graduanda do curso de Direito da UFPB.
4
Graduanda do curso de Direito da UFPB.
5
Graduando do curso de Direito da UFPB.
6
Graduanda do curso de Direito da UFPB.
7
Graduanda do curso de Direito da UFPB.
322
Direito Agrário Ambiental
Janaína Rosa Guimarães afirma que a justificativa para o uso dos transgênicos
no âmbito agrícola está no aumento da produtividade, bem como no controle de pragas
e intempéries que prejudicam a lavoura tradicional.
Para a autora, as empresas detentoras da tecnologia de engenharia genética
sustentam que os organismos geneticamente modificados podem suprir as deficiências
da produção de alimentos, servindo de mecanismo para o eficaz abastecimento da
população mundial e o combate à fome. Dessa forma, defendem a adoção de nova
tecnologia para a produção de sementes transgênicas em larga escala.
8
Disponível em: <http://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/48/ artigo175449-
1.asp > Acesso em 20 jul. 2014.
9
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 18. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros Editores, 2010, p.1039.
323
Direito Agrário Ambiental
10
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.617.
11
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p 620.
324
Direito Agrário Ambiental
12
Disponível em: <http://ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id= 11694 &revista_caderno=6>
Acesso em 20 jul. 2014.
325
Direito Agrário Ambiental
326
Direito Agrário Ambiental
13
Organização não governamental, sem fins lucrativos, fundada em 1974, que atua no semiárido
cearense, desenvolvendo atividades voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar.
14
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.
15
CUNHA, Maria C. B. da. Alimentos Transgênicos. Disponível em:
<http://mcnutrir.com.br/artigos/alimentos-transgenicos/>. Acesso em: ago. 2014.
328
Direito Agrário Ambiental
16
ABRAMOVAY, Ricardo. Agricultura familiar e desenvolvimento territorial. Revista da Associação
Brasileira de Reforma Agrária. Vols. 28 nºs 1,2 3 e 29, nº1 – Jan/dez 1998 e jan/ago 1999. Disponível em:
<http://www.fea .usp.br/feaecon//media/fck/File/ Agricultura_familiar.pdf>. Acesso em: ago. 2014.
329
Direito Agrário Ambiental
17
NEVES, Maria. Brasil é vice-líder em produção de transgênicos. Agência Câmara Notícias. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/428224-BRASIL-E-VICE-
LIDER-EM-PRODUCAO-DE-TRANSGENICOS.html>. Acesso em: ago. 2014.
330
Direito Agrário Ambiental
331
Direito Agrário Ambiental
18
PESSANHA. Lavínia Davis Rangel; WILKINSON. John. Transgênicos provocam novo quadro
regulatório e novas formas de coordenação do sistema agroalimentar. Cadernos de Ciência & Tecnologia,
Brasília, v. 20, n. 2, p. 263-303, maio/ago. 2003. Disponível em:
<http://r1.ufrrj.br/esa/V2/ojs/index.php/esa/article/view/ 167/163>. Acesso em: ago. 2014.
332
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito Agrário da atualidade é um direito preocupado com a agricultura,
com o meio ambiente e com a alimentação. Como visto, o desenvolvimento da
sociedade no mundo capitalista preocupa-se exclusivamente com o aumento da
produtividade e, consequentemente, dos lucros. As mudanças do Direito Agrário, que
outrora buscava apenas a regulamentação da produção e a sua estruturação, são uma
resposta às mudanças advindas da atividade econômica de produção em larga escala.
19
PELAEZ. Victor; SCHMIDT. Wilson. A difusão dos OGM no Brasil: imposição e resistências. CPDA
- Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro ICHS/DDAS. N.14, Abril de 2000. Disponível em:
<http://r1.ufrrj.br/esa/V2/ojs/index.php/esa/article/ view/167/163>. Acesso em: ago. 2014.
333
Direito Agrário Ambiental
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Ricardo. Agricultura familiar e desenvolvimento territorial. Revista da
Associação Brasileira de Reforma Agrária. Vols. 28 nºs 1,2 3 e 29, nº1 – Jan/dez 1998 e
jan/ago 1999. Disponível em: <http://www.fea.usp.br/feaecon//media/fck/File/
Agricultura_familiar.pdf>. Acesso em: ago. 2014.
ASSAD , Eduardo Delgado; MARTINS, Christian Martins; PINTO, Hilton Silveira.
Sustentabilidade no agronegócio brasileiro. Disponível em:
<http://fbds.org.br/fbds/IMG/pdf/doc-553.pdf>. Acesso em: ago. De 2014.
CUNHA, Maria C. B. da. Alimentos Transgênicos. Disponível em:
<http://mcnutrir.com.br/artigos/alimentos-transgenicos/>. Acesso em: ago. 2014.
MARTINHO, Sérgio. EcoD Básico: Transgênicos (OGMs). Disponível em:
<http://wwwecodesenvolvimento.org/posts/2012/abril/transgenicos?tag=ecod-basico>.
Acesso em: ago. 2014.
NEVES, Maria. Brasil é vice-líder em produção de transgênicos. Agência Câmara
Notícias. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/AGROPECUARIA/ 428224-
BRASIL-E-VICE-LIDER-EM-PRODUCAO-DE-TRANSGENICOS.html>. Acesso
em: ago. 2014.
PELAEZ. Victor; SCHMIDT. Wilson. A difusão dos OGM no Brasil: imposição e
resistências. CPDA - Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ICHS/DDAS. N.14, Abril de
334
Direito Agrário Ambiental
335
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
A realidade social do campo apresenta-se consabidamente permeada pela
desigualdade na distribuição de terras e por conflitos fundiários que contrapõem o direito de
propriedade de alguns ao direito de acesso à terra pelas coletividades campesinas. O presente
trabalho busca caracterizar a atuação do Poder Judiciário na ponderação desses direitos em
face de casos concretos, tendo em vista o potencial de suas decisões para a efetivação da
política de reforma agrária e a equalização das relações e estruturas fundiárias no âmbito rural
brasileiro.
Como objetivo geral, busca-se compreender como se opera a construção
jurisprudencial do conteúdo jurídico de institutos centrais, como a propriedade, a posse e a
função social a ser cumprida, que informam a concepção de “direito à terra” adotada pelos
Tribunais pátrios.
Para melhor elucidar o tema proposto, o trabalho segue, metodologicamente, uma
vertente operatória, valendo-se do método de abordagem indutivo, com a análise de julgados
emblemáticos, a fim de evidenciar os principais aspectos da postura conservadora esboçada
pelos órgãos jurisdicionais em face dos conflitos agrários submetidos a seu crivo,
privilegiando a tutela judicial da propriedade em detrimento da realização de outros direitos
fundamentais (econômicos, sociais, culturais e ambientais) ligados ao acesso à terra; para
tanto, será utilizado o método de abordagem hermenêutico, considerado essencial no
desenvolvimento de toda pesquisa jurídica, ora servindo à análise dos elementos que
convergem para a caracterização do perfil do Judiciário no trato da questão agrária.
1
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
2
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
3
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
4
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
5
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
336
Direito Agrário Ambiental
1. GENERALIDADES
Consoante delineado acima, o presente estudo busca contextualizar a atuação do
Poder Judiciário frente à questão agrária, enfocando os contornos jurisprudenciais do “direito
à terra” e dos institutos jurídicos que lhe são correlatos, como a propriedade, a posse e a
função social que devem desempenhar. A partir dessa abordagem, busca-se compreender
como os Tribunais vêm decidindo sobre os conflitos rurais – travados num contexto
caracterizado pela concentração fundiária e pela necessidade de reforma agrária –, a fim de se
verificar em que medida tais julgados podem contribuir ou obstar à verificação de mudanças
estruturais no campo.
Para uma adequada elucidação do tema, mister se faz analisar, de antemão, alguns
aspectos relativos à realidade social do campo, a fim de que se possa apreender o sentido que
o acesso à terra adquire nesse contexto específico, bem como os interesses sociais envolvidos
na tutela desse bem jurídico.
Hodiernamente, tem-se concebido o acesso à terra como um direito fundamental,
com assento constitucional, que deve ser assegurado aos indivíduos como meio para a fruição
de outros direitos, igualmente essenciais, como a moradia, o trabalho, a alimentação, o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros. É dizer: há um conjunto de direitos
humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais cujo gozo, para determinadas
coletividades, depende diretamente do acesso à terra rural.
337
Direito Agrário Ambiental
338
Direito Agrário Ambiental
desapropriação, não se pode descurar que muitas não logram um provimento final favorável à
realização da política de reforma agrária. Abundam as decisões que privilegiam o direito de
propriedade – ainda concebido nos moldes clássicos (preconizados por Ihering e
desenvolvidos sob a égide do liberalismo), que remontam a uma teoria dos direitos reais
marcadamente patrimonialista, individualista e tendente à sua absolutização – mesmo quando
em jogo a concretização de outros direitos, de caráter fundamental, que somente podem ser
viabilizados através do acesso à terra. Na acurada avaliação de Azevedo (2012, p.76), in
verbis:
[…] o quadro que se apresenta é o de que o Judiciário tem sido chamado para
intervir na realização de direitos humanos, principalmente diante da omissão do
Poder Executivo quanto ao seu dever de agir e promover políticas públicas; no
entanto, no caso da reforma agrária, ele pode ser apontado como elemento
impeditivo na realização de direitos ligados ao acesso à terra rural.[…] a promoção
de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais – DHESCAs para
os trabalhadores rurais e comunidades tradicionais requer a democratização e o
acesso à terra e ao território para esses grupos sociais. Dessa feita, não haveria como
desenvolver políticas públicas estruturais de garantia do direito humano à
alimentação adequada, à saúde, à moradia, à educação, à cultura para populações do
campo sem a garantia do direito à posse da terra e do território. Logo, entendimentos
de que o direito individual de propriedade seria um direito absoluto não vinculado
ao cumprimento da função social da terra (uma tutela jurídica que se inclinaria
mais ao patrimonialismo) configuram-se como afrontas ao principio da dignidade
humana e aos direitos humanos.
339
Direito Agrário Ambiental
Aduzindo-se uma generalização, pode-se dizer que predomina, nas decisões, uma
análise dos casos restrita a aspectos formais e procedimentais, com foco na tutela do direito de
propriedade – justificada pela necessidade de garantir a ordem pública e a estabilidade das
relações jurídicas, sem considerar a complexidade do conflito social e a necessidade de
concretizar outros direitos fundamentais envolvidos. O direito à propriedade, como visto, é
concebido como um direito quase absoluto e ilimitado – de modo que as considerações acerca
do cumprimento da função social da terra, para fins de tutela judicial da propriedade, muitas
vezes se resumem à análise da produtividade (em termos estritamente econômicos) do imóvel
rural, reduzindo o alcance da norma constitucional (CRFB/1988 art. 186)6. Nessa esteira, a
posse é concebida como um apêndice da propriedade, sem autonomia ou conteúdo funcional –
vale dizer, como mera exteriorização fática do direito individual de propriedade, restando
presumida pela comprovação deste último.
Porém o Judiciário “não é um bloco monolítico de sentido jurídico”, como bem
adverte o autor, existindo algumas construções jurisprudenciais alternativas, embora não
hegemônicas. Alguns julgados, por exemplo, enfatizam o cumprimento da função social como
limite necessário ao direito de propriedade, de modo que a tutela deste dependeria da
observância sistemática de todos os seus aspectos; já se entendeu que a propriedade deve
atender também aos interesses sociais e coletivos, buscando-se uma conciliação entre estes e o
interesse privado – a qual deve ser o foco do sistema jurídico e, portanto, da atuação do
Judiciário; sob essa perspectiva, a reforma agrária apresenta-se fundada no desrespeito à
função social da terra, como medida necessária para a resolução da desigualdade na estrutura
fundiária no campo e a realização de direitos fundamentais; por sua vez, o exercício da posse
– além de ser visto como autônomo – passa a ostentar uma função social, relacionada
especialmente ao trabalho, à moradia e à subsistência (posse como meio de acesso à terra e
garantia da dignidade humana).7
De todo modo, deve-se reiterar que o entendimento jurisprudencial predominante
ainda concebe o direito à terra sob uma perspectiva patrimonialista e privatista (ligada ao
direito abstrato de propriedade e à tutela de interesses individuais privados), tendo em vista
seu conteúdo econômico (terra como mercadoria), sem atentar para os impactos sociais de sua
6
A desconsideração da função social da terra na solução judicial dos conflitos agrários conduz a um tratamento
pelo qual os conflitos sociais são reduzidos à dimensão individual, sofrendo o influxo do direito privado.
7
“Construções de sentido jurídico alternativas e emergentes sobre ‘posse’, ‘propriedade’, ‘função social’ e
‘reforma agrária’ são encontradas já de forma sistemática e significativa em decisões jurídicas de alguns
tribunais do País, principalmente no TRF 4.ª região, de modo que podem ser indicativos de possíveis mudanças
da semântica do ‘direito à terra’, ressignificando o atual estado sistêmico de prevalência de direitos patrimoniais
sobre os direitos humanos, principalmente em situações de conflito agrário”. (AZEVEDO, 2012, p. 95).
340
Direito Agrário Ambiental
341
Direito Agrário Ambiental
executou uma inspeção nos Engenhos Pereira Grande e João Gomes, pertencentes a Usina
Estreliana. O INCRA emitiu laudo técnico tendo em vista ser a terra pertencente a esses
engenhos improdutivos. No final de 2003, houve a publicação de um Decreto Presidencial
anunciando que as terras do Engenho João Gomes (1.249 hectares) eram de interesse social
para os fins de Reforma Agrária. Dessarte, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária ajuizou uma ação de desapropriação (Nº 0014634-78.2005.4.05.8300). Diante disso, a
Usina Estreliana entrou com um Mandado de Segurança (MSTR n.24770-PE), em janeiro de
2004, no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de anular o laudo do INCRA e desfazer o
decreto de desapropriação. A liminar foi rejeitada pelo Ministro do STF, a Usina desistiu da
ação no STF. Entretanto, foi ajuizado na Justiça Federal de Pernambuco um Mandado de
Segurança (n.2004.83.00.021675-0) nos exatos termos e com o mesmo objeto, e sede de
recurso da decisão denegatória (AMS n.90327-PE), a Primeira Turma do Tribunal Regional
Federal da 5ª Região acolheu o pedido objeto do mandado de segurança e anulou o laudo do
INCRA e, conseqüentemente, o Decreto presidencial de desapropriação (AZEVEDO, 2012, p.
105).
Nessa senda, o INCRA ajuizou uma Reclamação Constitucional (RCl Nº 3972-PE)
junto ao Supremo Tribunal Federal, uma vez que a decisão prolatada pelo TRF5 era contrária
à anterior decisão em sede de liminar do STF, sobre a mesma situação, e nos pedidos arguia o
desfazimento da decisão do TRF5. Em um primeiro momento, liminarmente a Ministra
relatora, Ellen Gracie, cancela o julgamento do TRF, e o INCRA foi imitido na posse do
Engenho João Gomes. No entanto, uma semana depois, Ellen Gracie voltou atrás em seu
julgamento e revogou a decisão, após a manifestação processual dos advogados da Usina
Estreliana, contrariados com a decisão liminar. Assim, ela cassou a imissão de posse do
INCRA concedida anteriormente.
Em abril de 2006, a Usina ajuizou uma ação de reintegração de posse (Nº 5173-
48.2006.4.05.8300), na Justiça Federal, distribuída para a 7ª vara especializada, com fins de
desocupação do Engenho, a qual foi concedida pela sentença do juiz federal Élio Wanderley
de Siqueira Filho. Em face da sentença que privilegiou a posse da Usina Estreliana, o MST
protesta contra a lentidão do judiciário e o cancelamento da imissão de posse. Foi organizada
pelo MST, no dia 15 de dezembro de 2005, uma marcha com 3 mil trabalhadores sem terra.
Após a manifestação, percebeu-se que houve uma tentativa de criminalização do movimento
social: foi aberto um processo criminal no qual o Juiz Substituto de Gameleira, a pedido do
Delegado de Polícia, dos advogados da Usina e do Promotor Substituto, decretou as prisões
342
Direito Agrário Ambiental
A Usina Estreliana tem um histórico questionável no que diz respeito à sua relação
com a justiça e com os trabalhadores. Data de 1963 o episódio de assassinato de
trabalhadores relatado pela historiadora Socorro Abreu e Lima em sua publicação, O
sindicalismo rural em Pernambuco e o Golpe de 64. “Em janeiro de 1963
trabalhadores rurais foram à usina Estreliana, em Ribeirão, cobrar o pagamento do
décimo-terceiro salário e foram trucidados pelo dono da usina, que era deputado
pelo PTB. Cinco camponeses foram assassinados e houve mais três feridos.” Ainda
em se tratando das denúncias de violência, existem contra a Usina Estreliana relatos
sobre ameaças de morte sofridas pelo Deputado Federal e militante das causas
agrárias, Gregório Bezerra. O relato está mencionado no Cordel O ABC de
Gregório, de autoria de GenivaldoTenório, “Aquela corja tirana; Jurou Gregório de
morte; Pistoleiros de Zé Lopes; Da Usina Estreliana; Terror da zona da cana; Por
questões salariais; Assassinou três rurais; Na esplanada da Usina; Aquela fera
assassina; Hoje está com satanás”. No ano passado, trabalhadores sem terra
denunciaram à Relatora Especial da ONU, Hina Jilani, em sua visita ao Brasil, as
constantes ameaças de morte sofridas. Segundo os trabalhadores, além da conivência
de policiais militares com interesses dos usineiros, milícias privadas estariam sendo
contratadas para matar trabalhadores e lideranças sociais que disputavam a posse da
8
área.
8
Disponível em: <http://terradedireitos.org.br/2006/04/12/sai-imissao-de-posse-da-usina-estreliana-para-
reforma-agraria>. Acesso em: 26 jul. 2014.
9
BRASIL. Tribunal Regional Federal 5ª Região. Apelação cível AC492736-PE (processo originário nº 0005173-
48.2006.4.05.8300 PE). Apelante INCRA - INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA
AGRÁRIA e MISAEL DE LIMA E SILVA(e outro). Apelado USINA ESTRELIANA LTDA. Relator
DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI. Recife, j. em 10-12-2012.
343
Direito Agrário Ambiental
344
Direito Agrário Ambiental
de demandas organizadas por terra rural, Almir Muniz, bem como onde se deram outros casos
de violência no campo e pistolagem.
Nesse diapasão, traz-se à colação excerto do aludido relatório:
Na volta para casa, montado no trator, Almir Muniz foi visto entrando sozinho na
estrada de canavial que leva a Fazenda Tanques. Foi nessa hora, aproximadamente
8:00 horas da manhã, que foi visto pela última vez. Em 09 de julho de 2002, o
Centro de Justiça Global e a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba apresentaram
denúncia ao Relator Especial do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre
Desaparecimentos Forçados ou Involuntários, informando o ocorrido. Os indícios
levam a crer que o agricultor foi assassinado e enterrado na Fazenda Tanques, área
de grande litígio rural destinada para implementação da Reforma Agrária na Paraíba.
Essa mesma área havia sido vistoriada várias vezes pelo INCRA a pedido do grupo
de agricultores do qual Almir fazia parte. 10
Durante o inquérito policial revelou-se que o principal acusado era o policial civil e
administrador da Fazenda Tanques, Sérgio Azevedo, que também ameaçara de morte, além de
Almir Muniz, outros trabalhadores rurais daquela localidade.
Assim, vê-se o contexto extremamente contencioso em que se deu a desapropriação
da propriedade em comento. Tais conflitos não passaram alheios ao Poder Judiciário, tendo a
questão alcançado o Superior Tribunal Federal, por via do Mandado de Segurança intentado
pela proprietária da Fazenda Tanques em face do Presidente da República, mas indeferido
pela prova de que a aludida propriedade rural encontrava-se improdutiva, não atendendo
assim ao princípio econômico e constitucional de cumprimento da função social da
propriedade rural.
Maria Alaye Toscano Borges, proprietária do imóvel, pleiteou, assim, em 2004,
impedir que a autoridade coatora expedisse decreto que declararia o interesse social da
Fazenda Tanques, alegando que as vistorias realizadas pelo INCRA não levaram em
consideração os conflitos sociais que envolveriam o imóvel rural, além dos problemas
climáticos vivenciados na época, que acarretaram a decretação pelo Estado de calamidade
pública nos anos de 2001 e 2002. Aduziu, ainda, a impetrante, que tais condições ensejariam
a aplicação do §7º do art. 6 da Lei 8.629/93, o qual versa sobre exceção da qualificação de
propriedade produtiva por razões de força maior e caso fortuito.
Segundo o voto proferido pela Relatora, Min. Ellen Gracie, que indeferiu o remédio
constitucional, restou comprovado nos autos que os conflitos sociais existentes na propriedade
não se deveram às “invasões” do imóvel pelo MST, mas, sim, às disputas judiciais
provocadas pela própria impetrante que, em 1997, denunciou os contratos de arrendamentos
10
BRASIL. Relatório Situação dos Direitos Humanos no Estado da Paraíba, Brasil. Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_jg_dh_paraiba.pdf >. Acesso em: 25 jul. 2014. p. 27
345
Direito Agrário Ambiental
(mesmo sabendo que estes só terminariam em 1998), “através dos quais era procedido o uso
do solo em culturas que tornavam a propriedade produtiva”11.
A decisão liminar do STF foi condicionada à prestação de informações. Nesse
sentido, a AGU expediu parecer em que aduzia que as duas primeiras vistorias produzidas nos
anos de 1997 e 1999, respectivamente, não foram levadas a cabo em razão da tensão social
entre a proprietária e os arrendatários expulsos. Em contrapartida, a terceira vistoria, realizada
em 2002, ocorreu após o decorrer do prazo legal de dois anos previsto na Lei n. 8.629/93, em
seu art. 2.º, §6.º.
Assim, conforme este parecer, restou claro que a declaração de estado de calamidade,
em decorrência da seca na região, por si só não configurou motivo suficiente capaz de ensejar
a falta de produtividade daquela área, de maneira que outros fatores foram decisivos. Destarte,
após a vistoria de 2002, o INCRA considerou a propriedade imóvel em comento como
improdutiva, indeferindo posterior impugnação administrativa intentada pela impetrante.
Acolhendo o parecer do Procurador-Geral da República, a relatora do caso, Min.
Ellen Gracie, indeferiu então o writ, por entender, conforme as razões ora expostas, que se
tratava, a Fazenda Tanques, de terra improdutiva, em harmonia com o laudo do INCRA.
Ainda em sede do Judiciário, subsistem dois processos no Tribunal Regional Federal
da 5ª Região (TRF 5), a saber Apelação Cível n. 11549/PB, de 2010, e Apelação Cível n.
26905/CE, de 2014, que versam sobre o montante indenizatório devido pelo INCRA à
proprietária, porquanto da desapropriação do imóvel por interesse social para fins de reforma
agrária, conforme o art. 184 da CF/88.
Após a referida desapropriação da Fazenda Tanques, localizada na região do
semiárido paraibano, foi criado projeto de assentamento que levou o nome de Almir Muniz
em homenagem ao trabalhador assassinado na luta camponesa.
O assentamento tem área estimada de 443,0693 ha, sendo que os trabalhadores, que,
hoje, encontram-se assentados ali, há décadas já ocupavam a terra enquanto moradores ou
arrendatários das terras. As famílias subsistiam na área em um regime de produção familiar
em que plantavam milho, feijão, inhame, batata doce, mandioca, amendoim, etc., tudo isso
destinado ao consumo próprio, comercializando, esporadicamente, o excedente.
O contrato de arrendamento a que estavam submetidos era firmado verbalmente com
o administrador da Fazenda Tanques, tendo duração de dois anos. A contraprestação
11
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 24.494-1 PB. Impetrante Maria Alayde
Toscano Borges. Impetrado Presidente da República. Relatora Ministra Ellen Gracie. Brasília 03 de março de
2004.
346
Direito Agrário Ambiental
pecuniária era dada inicialmente ao final do ano, em dinheiro, contudo a proprietária passou a
demandar o pagamento antecipado. Pouco depois, em face desta e de outras querelas, teve
início propriamente o conflito por terras naquela região:
347
Direito Agrário Ambiental
Por seu turno, a desapropriação por utilidade pública é marcada pela conveniência e
vantagem para a administração pública. Dessa forma, não há o caráter imprescindível nessa
forma de transferência, pois é apenas oportuna e vantajosa para o interesse coletivo. O
Decreto-lei 3.365 /41 prevê no artigo 5.º as hipóteses de necessidade e utilidade pública sem
diferenciá-las, o que somente poderá ser feito segundo o critério da situação de urgência.
Por último, tem-se a desapropriação por interesse social, e, segundo Meirelles
(2007):
348
Direito Agrário Ambiental
firmado entre os réus que determina a incorporação das terras desapropriadas do Patrimônio
do Governo do Estado da Paraíba, de modo que as colônias e cooperativas de povoamento e
trabalho agrícola não teriam o pleno controle das terras ocupadas, que pertenceriam ao
Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho discutiu a situação agrária no Nordeste e, bem assim, no Brasil, sob a
perspectiva da atuação do Poder Judiciário quando provocado para dirimir os conflitos sobre a
terra. Antes de entender-se esta como uma questão que diz respeito, tão somente, à
propriedade privada, buscou-se compreender os imóveis rurais no contexto das relações
sociais travadas no campo e da relação homem-terra.
Como visto, emerge dessa perspectiva a preocupação do constituinte em tutelar os
interesses sociais e coletivos a partir da positivação do princípio da função social da
propriedade rural, buscando compatibilizar seu conteúdo eminentemente privatístico e
individualista com aqueles interesses e direitos mais amplos. A concretização desse
desiderato, porém, perpassa a atuação jurisdicional, de modo que a avaliação do cumprimento
da função social relacionada apenas à “produtividade” da terra – como se verifica na prática
dos órgãos judiciais – vem limitando o alcance da norma constitucional.
Com efeito, há a necessidade de uma reconfiguração das formas de operar do sistema
de justiça, na medida em que este fecha os olhos para os problemas sociais do campo no afã
de tutelar o direito individual de propriedade privada, potencializando (e não pacificando) as
disputas de terra verificadas entre latifundiários, trabalhadores rurais e camponeses sem terra.
Os despejos forçados, a criminalização dos movimentos sociais e as ações de
reintegração de posse contra os camponeses – muitas vezes alvos de ameaças e de violência –
deixam entrever em sua origem a negativa, pelo Judiciário – e, numa perspectiva mais ampla,
pelo próprio Estado –, da efetivação dos direitos humanos afirmados pelas declarações e
cartas internacionais, e positivados na própria Constituição brasileira de 1988, servindo a
transposição dos conflitos agrários à dimensão jurisdicional para legitimar as vetustas
estruturas de poder das relações sociais no campo.
Conquanto seja essa a realidade da vasta maioria dos órgãos jurisdicionais, é possível
encontrar nos corredores do Judiciário alguns agentes comprometidos, através das decisões e
dos votos proferidos, com a efetivação daqueles preceitos fundamentais, contemplando as
necessidades individuais e coletivas que vão além do conteúdo econômico do bem jurídico
350
Direito Agrário Ambiental
terra, tendo em vista a tutela dos direitos a esta correlatos, como direito ao trabalho, à
moradia, à alimentação, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros
igualmente essenciais à sadia qualidade de vida e à concretização do macroprincípio da
dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, André Luiz Barreto. Judiciário, direito à terra e reforma agrária no Brasil: um
estudo da posse e da propriedade à luz dos conflitos coletivos e dos tribunais. 2012. 126 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de Direito, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2012.
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 24.494-1 PB. Impetrante
Maria Alayde Toscano Borges. Impetrado Presidente da República. Relatora Ministra Ellen
Gracie. Brasília 03 de março de 2004.
BRASIL. Tribunal Regional Federal 5ª Região. Apelação cível AC492736-PE (processo
originário Nº 0005173-48.2006.4.05.8300 PE). Apelante INCRA - Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária e Misael de Lima e Silva (e outro). Apelado Usina Estreliana
Ltda. Relator Des. Federal Francisco Cavalcanti. Recife 10/12/2012.
______. Relatório da situação dos direitos humanos no estado da paraíba, Brasil. Disponível
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Direitos. Matéria disponível em: < http://terradedireitos.org.br/2006/04/12/sai-imissao-de-
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 33ª edição atualizada. São
Paulo: Editora Malheiros, 2007
RODRIGUES, Luana; SILVA, Áurea; MOREIRA, Emília. Do conflito de terra à construção
da vida na terra: o caso do PA Almir Muniz Silva. In: XIX ENCONTRO NACIONAL DE
GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009.
351
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento das normas jurídicas do Direito Agrário, incluindo o estudo dos
contratos agrários, tem por pilar três grandes princípios, quais sejam: função social da
propriedade, justiça social e prevalência do interesse público.
Os contratos agrários, objeto do presente artigo, contextualizam um interessante
debate, incluindo a observância dos princípios acima mencionados e a sua relação com a
garantia de acesso à terra. Assim, levando em consideração esses pressupostos, mostra-se
interessante verificar os limites e as contradições que os contratos agrários encontram na
legislação respectiva, principalmente no que se refere à sua utilização como meio de garantir a
função social da propriedade e de serem instrumentos para assegurar o acesso à terra.
Desse modo, utilizando-se de documentação indireta, com consulta à doutrina, à
legislação e à jurisprudência, foi possível encontrar elementos básicos para aferir o tema;
ainda, mediante um método de abordagem dedutivo, já que se partiu do geral para o
específico, chegou-se a elementos que indicam a utilização do contrato como meio de garantir
o uso da terra, de garantir a igualdade entre os contratantes.
Para o desenvolvimento do tema, o artigo foi dividido em três tópicos. O primeiro
tópico aborda o histórico legislativo e o conceito dos contratos agrários, tendo em vista que,
através da apreciação de tais parâmetros, é possível encontrar contradições; o segundo tópico
destina-se a analisar os tipos contratuais, sendo, ao mesmo tempo, encontrados limites nos
dispositivos legais destinados aos mesmos; por fim, o terceiro tópico busca analisar os limites
e as contradições dos contratos agrários, vendo se os mesmos se destinam a assegurar a
função social da propriedade e o acesso à terra.
352
Direito Agrário Ambiental
353
Direito Agrário Ambiental
354
Direito Agrário Ambiental
5
Lei n.º 4.504/64, art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela
sua função social, na forma prevista nesta Lei.
6
Lei n.º 4.504/64, art. 16. A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a
propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso, o bem-estar do trabalhador
rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.
355
Direito Agrário Ambiental
É possível, então, afirmar-se que o contrato agrário pode ser entendido como todas as
formas de acordo de vontades que se celebrem, segundo a lei, para o fim de adquirir,
resguardar, modificar ou extinguir direitos vinculados à produtividade da terra. (MARQUES,
2007, p. 177-178).
Os contratos agrários podem ser típicos ou atípicos. São típicos os contratos de
arrendamento rural e os de parcerias. São atípicos os contratos celebrados nos termos do art.
39 do Decreto n.º 59.566/66, ou seja, quando o uso ou a posse temporária da terra for
exercido(a) por qualquer outra modalidade contratual, diversa dos contratos de Arrendamento
e Parceria; serão observadas pelo proprietário do imóvel as mesmas regras aplicáveis a
arrendatários e parceiros, em especial a condição estabelecida no art. 38 supramencionado.
Por sua vez, Marques (2007, p.177) prescreve:
Art. 1º O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para
o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a
posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça
qualquer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista.
357
Direito Agrário Ambiental
contrato escrito é dotado de maior segurança quando comparado ao contrato verbal, que só
poderá ser comprovado por meio de testemunhas.
Pelo princípio da equivalência das prestações, considerando a função social a que se
destinam os contratos agrários, eles devem promover ganhos para ambos os contratantes;
assim, as prestações, os direitos e as obrigações devem ser equânimes e justos para todos.
O princípio da proteção do hipossuficiente prescreve que no ato de celebração dos
contratos agrários deve ser destinado espaço para cláusulas que assegurem a proteção social e
econômica dos arrendatários e dos parceiros, ou demais contratantes agrários. Exemplo disso
é encontrado no art. 13, inc. V, da Lei n.º 4.947/66, que impõe proteção social e econômica
aos arrendatários cultivadores diretos e pessoais; no art. 78 do Decreto n.º 59.566/66, que trata
da assistência jurídica e creditícia aos arrendatários e parceiros; e no art. 93, incisos I ao V, do
Estatuto da Terra, que, ao fixar regras de proteção, estipula também cláusulas de contratação
proibida, sendo que qualquer estipulação que contrarie as normas estabelecidas será
considerada nula de pleno direito.
Por fim, o princípio da proteção dos recursos naturais estabelece que qualquer
contrato agrário deverá, obrigatoriamente, assegurar a conservação dos recursos naturais,
obedecendo, portanto, à legislação ambiental e ao princípio do desenvolvimento sustentável.
Tal princípio só vem reafirmar a função socioambiental dos contratos agrários, de forma a
exigir que os contratantes observem normas de proteção ao meio ambiente. Aqui, a função
social dos contratos agrários é introduzida para tutelar as relações que tenham por objeto a
propriedade agrária, de modo a estabelecer a proteção das partes e do uso racional dos
recursos naturais, assegurando a efetividade da função social da propriedade agrária.
358
Direito Agrário Ambiental
Ainda, embora os contratos agrários, de acordo com nossa legislação, possam ser
escritos ou verbais (sendo a dispensa de documento escrito resultado da adequação à realidade
359
Direito Agrário Ambiental
social vivida no meio rural), eles presumem-se ajustados com cláusulas obrigatórias
estabelecidas no art. 13 do Decreto 59.566/66, as quais possuem dupla finalidade: proteger
social e economicamente a parte mais fraca e assegurar a conservação do Meio Ambiente.
As cláusulas expressas no art. 13 do referido decreto são irrenunciáveis, portanto
todo contrato deverá conter cláusulas destinadas a observar a: conservação dos recursos
naturais; estipulação dos prazos mínimos; observância de disposições do Código Florestal;
exigência de práticas agrícolas; fixação do preço do arrendamento; fixação das condições de
partilha dos frutos, produtos ou lucros havidos na parceria; observância de normas dirigidas à
renovação ou prorrogação dos contratos; observância de normas condizentes com as causas de
extinção ou rescisão contratual; observância de normas determinantes do direito e das formas
de indenização quanto às benfeitorias realizadas e quanto aos danos substanciais causados
pelo parceiro-outorgante; observância de normas de proteção social e econômica dos
arrendatários e dos parceiros-outorgados; observância de normas pertinentes ao direito e à
oportunidade de dispor dos frutos ou produtos repartidos na forma indicada pelo art. 96, V, f,
do Estatuto da Terra.
360
Direito Agrário Ambiental
7
O preço do arrendamento sempre deve ser ajustado em dinheiro, em valor certo, mas o pagamento pode ser
efetuado tanto em dinheiro, como em produtos ou frutos, conforme preço de mercado local, nunca inferior ao
preço mínimo oficial, como já prever o art. 18 do Decreto n.º 59.566/66.
361
Direito Agrário Ambiental
mínimo estabelecido na lei, presumindo-se feito pelo prazo mínimo de 3 (três) anos, com a
garantia de prorrogação até a ultimação da colheita; e, se a lavoura for permanente ou
pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias-primas de origem
animal, o prazo mínimo deve ser de 5 (cinco) anos, ou, ainda, de 7 (sete) anos nos contratos
em que ocorra atividade de exploração florestal.
Os prazos mínimos têm, entre outras, as finalidades de proteger o débil econômico,
ou seja, o arrendatário ou o parceiro-outorgado, e de evitar o mau uso da terra. Nesse sentido,
quanto maior a duração do contrato, maior será a possibilidade de obtenção de renda pelo
contratado; ao mesmo tempo, este se preocupará mais com a preservação ambiental no imóvel
objeto do contrato.
Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra,
por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou
partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o
objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária,
agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria,
invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante
partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos: (Incluído pela Lei nº
11.443, de 2007).
362
Direito Agrário Ambiental
do parceiro outorgado (inc. II do art. 96); dever de tratamento dos animais pelo parceiro-
outorgado (inc. III do art. 96); dever de prestar moradia higiênica e área para plantio e criação
de animais por parte do parceiro-outorgante (inc. IV do art. 96); e observância de quotas de
participação (inc. VI do art. 96).
Dessas obrigações, é importante detalhar as quotas de participação, que são
percentuais a serem observados pelos parceiros (outorgante e outorgado). Destarte, o Estatuto
da Terra computou os seguintes percentuais:
Tal dispositivo, a nosso ver, encerra uma flagrante contradição ou, na melhor das
hipóteses, uma falta de esclarecimento quanto ao conteúdo do direito de preferência
363
Direito Agrário Ambiental
interagem com a realidade brasileira no campo a ponto de promover o acesso à terra e de que
esta cumpra a sua função social.
A incongruência legislativa, notadamente devido ao excesso de leis, regulando da
mais diversa maneira um mesmo fato, acabou gerando incoerências no ordenamento, dando o
aspecto de insegurança jurídica. Esse fato implica a ocorrência de maior interferência do
Poder Judiciário em relações contratuais agrárias, já que o mesmo irá interferir em tal âmbito
com o intuito de solucionar o problema, o que pode gerar divergências no modo de execução
dos contratos agrários, dando um viés, por vezes, mais político à aplicação dos mesmos.
A legislação agrária regula de maneira bastante específica os contratos agrários,
estabelecendo, inclusive, várias regras obrigatórias, que são irrenunciáveis e válidas ainda
quando não escritas nos contratos ou no caso de contratos verbais. Prevalece nesse tipo de
contratação uma preocupação com a proteção do mais fraco economicamente, bem como com
a preservação dos recursos ambientais e o adequado uso da terra (COELHO, 2006, p. 21).
Entretanto, há discussão sobre os termos de realização desses contratos e os
princípios de direito que os regulam, pois a doutrina agrária mais crítica ressalta a
incongruência entre o que dispõe o Estatuto da Terra e a observância, por exemplo, da função
social da propriedade e do acesso do proprietário ou dos demais à terra; afirmam a
incongruência tendo em vista que o Estatuto da Terra tenta assegurar o acesso à terra, à justiça
social e ao cumprimento da função social da propriedade, mas os contratos agrários, a
depender da interpretação, podem representar restrição ao acesso a terra.
Essa restrição ao acesso à terra é discutida porque, com a formação de um contrato, a
propriedade não vai ser trabalhada, cultivada e produzida diretamente por quem tem o registro
do imóvel (quem é o seu proprietário formalmente), mas por um terceiro – arrendatário ou
parceiro – que, na maioria das vezes, é um trabalhador que não tem propriedade e encontra
como meio de ter acesso à posse da terra a estipulação de um contrato, com o fim de que com
o trabalho, o cultivo e a produção da terra possa garantir a sua sobrevivência.
Entretanto, é relevante trazer à baila o que dispõe a Constituição Federal. A Carta
Magna, em dispositivos como o art. 5º, XXII e XIII, art. 170, II e III e o art. 186, fala sobre a
propriedade e a função social que a mesma deve ter. O art. 5º, inc. XXII e XXIII, traz os
princípios basilares da propriedade, um garantindo-a e o outro a atrelando à função social.
O art. 170, dando início ao capítulo I, do Título VII, “Da Ordem Social e
econômica”, prescreve que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
365
Direito Agrário Ambiental
366
Direito Agrário Ambiental
do imóvel; por isso os contratos servem como meio de acesso a terra daqueles que não a
possuem e como meio para que os proprietários cumpram a função social da propriedade e
ganhem rendimentos.
Assim, a ideia de que os contratos agrários possam significar restrição ao uso da terra
não se justifica, considerando que, com a Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXII,
passou-se a exigir que a propriedade cumpra sua função social. A exigência de que a
propriedade cumpra função social encontra-se no rol dos direitos fundamentais, portanto o
descumprimento do direito fundamental à propriedade é uma ofensa à ordem jurídica
nacional, e os contratos servem para evitar que isso aconteça.
No mais, é imprescindível que a regulamentação dos contratos agrários exista
efetivamente e contenha preceitos de ordem pública, o que não terá o efeito de restringir o
acesso à terra, pelo contrário, terá a consequência de promover o acesso mais efetivo à
propriedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os contratos agrários possuem legislação específica destinada a regulá-los, normas
estas que estabelecem, inclusive, regras obrigatórias, que são irrenunciáveis e válidas ainda
quando não escritas nos contratos ou quando eles são firmados verbalmente, previsão que visa
garantir a função social da propriedade e do contrato, proteger aquele que na relação tenha
menor poder aquisitivo, bem como garantir a preservação dos recursos ambientais e o
adequado uso da terra.
Entretanto, a estipulação de termos e princípios que orientam a realização desses
contratos gera crítica, já que alguns asseveram que, embora o Estatuto da Terra tente
promover a justiça social e o cumprimento da função social e o acesso à terra, a fixação de
disposições regulamentando os contratos agrários pode representar restrição ao acesso à terra
– restrição que se dá tendo em vista que a terra não vai ser trabalhada e cultivada diretamente
por quem é seu proprietário, mas por meio de um terceiro, o arrendatário ou parceiro.
Considerando que a Constituição Federal prevê que a propriedade deve cumprir a sua
função social, a ideia de que a fixação de regras para os contratos agrários significa restrição
ao acesso à terra não deve ganhar relevância, pois mediante a celebração de contratos
agrários, os contratantes buscam utilizar a propriedade.
Assim, faz-se necessário que se estabeleça proteção às partes dos contratos agrários,
notadamente aqueles que exercem atividade na terra, que estâo garantindo a função social da
367
Direito Agrário Ambiental
REFERÊNCIAS
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normativo. Disponível em:
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 3.
LÔBO, Marcos Jatobá. Do contrato de parceria. Conceito, espécies e análise do art. 96 e
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OPITZ. Silvia C. B; OPITZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 4. ed. São Paulo:
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SOUSA, João Bosco Medeiros de. Direito Agrário: lições básicas. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
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368
Direito Agrário Ambiental
WEIBLEN, Fabricio Pinto; SILVA, Marcelo Scherer da; TECH, Tarso Whayhs; COLELHO,
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Disponível em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-
2.2.2/index.php/revistadireito/article/viewFile/6822/4138>. Acesso em: 20 jul. 2014.
369
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
O artigo apresentado trata de matérias relativas ao direito à água na temática do
Direito Agrário, em especial sobre como as águas públicas poderão ser destinadas à
manutenção da agricultura, da agroindústria e da pecuária.
Passa-se pela análise e diferenciação das águas públicas de uso comum e dominicais,
sendo que as primeiras poderão ser utilizadas pelos particulares nas suas atividades desde que
sejam insignificantes ou que detenham autorização do Poder Público para sua utilização.
Analisam-se ainda as mais diversas situações corriqueiras na seara agrícola, quando
se trata de direito à água, sendo elas a forma de uso das águas públicas, autorizações,
derivações, e mudanças das águas, a exemplo do seu leito e de sua poluição.
Todas essas questões são abordadas utilizando-se como base o Código das Águas,
bem como a Constituição Federal, na aplicação dos direitos de terceira geração que dizem
respeito ao meio ambiente sustentável, incluindo a utilização das águas de maneira consciente
e com o objetivo de não esgotá-las, garantindo-as para as futuras gerações.
Ainda assim, necessária se faz a demonstração da função social e ambiental da
atividade agrícola praticada pelos particulares que usufruem a extração das águas públicas,
novamente a fim de garantir a justiça social no âmbito do Direito Agrário e, ainda, do Direito
Ambiental.
1
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
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Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
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Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
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Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
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Direito Agrário Ambiental
Sabe-se que é o bem mais precioso para a vida terrestre, sendo uma questão
universal, política5 e que deve ser levantada quando do estudo de diversas áreas do direito,
em especial do direito ambiental e Direito Agrário.
A água, assim como o modo de seu uso, é considerada de interesse público, devendo
ser protegida por lei. Sendo assim, diz-se que toda água é considerada bem público.
Desde os primórdios, a sociedade cultua e aproveita a água para as mais diversas
atividades, dentre elas a atividade agrícola, e as técnicas de irrigação, como as utilizadas no
Rio Nilo, e ainda regras e normas sobre a água, como encontrado no Código de Hamurabi.
Entretanto, em razão do crescimento das populações e das organizações em
sociedade, ao longo dos anos, fez-se necessária uma nova ótica sobre a utilização e o direito à
água, precisando utilizar-se de um estudo aprofundado tanto em âmbito técnico, biológico e
científico quanto em âmbito jurídico sobre o seu uso. Tal utilização, de forma desenfreada e
desorganizada, sob o prisma jurídico, pode acarretar consequências irreversíveis para o
planeta; sendo assim, tem-se hoje como acepção social e jurídica que o uso da água e de
outros recursos naturais deve ser feito de forma sustentável, tanto para o consumo quanto para
as práticas agrícolas, visto que o melhor aproveitamento das águas visa atender aos princípios
de justiça social e ao aumento da produtividade, além de a forma sustentável utilizada e
regulada por leis poder promover o atendimento da função social e econômica necessária à
política agrícola.
Nesse contexto, em que a proteção dos recursos naturais, incluída na ampla proteção
conferida pelo direito ambiental, o uso da água é uma das reflexões mais polêmicas quando se
apresenta no conflito existente entre o desenvolvimento e o direito ao meio ambiente
equilibrado. O direito ao desenvolvimento deve admitir uma correlação entre a proteção dos
direitos fundamentais e, nitidamente, os sociais.
águas na lavoura, bem como delimita as diferenças entre águas públicas comuns e dominicais.
Quanto à lavoura, dispõe que é lícito o uso da água desde que não cause danos ou
prejuízos à navegabilidade dos rios, nem mesmo danos a terceiros, conforme dispõe o art. 68
do referido Código. Apenas duas exceções se encontram: quando a água for utilizada para as
primeiras necessidades vitais e quando houver lei especial em atendimento ao interesse
público que assim o permitir.
No tocante às diferenças entre águas públicas de uso comum e dominicais, o Código
define cada uma delas. Quanto às águas comuns:
Art. 7º São comuns as correntes não navegáveis ou flutuáveis e de que essas não se
façam.
372
Direito Agrário Ambiental
distintas, ambos os proprietários terão direitos sobre o uso das águas, ainda que de maneira
proporcional. Ainda assim, um prédio superior não poderá excluir o uso de prédio fronteiro à
porção que lhe é cabível, não podendo o dono superior obstar o uso ou realizar obras que
impeçam esse uso.
Quanto aos prédios marginais, destaca-se que a propriedade que tiver sido cortada
pela implantação de estradas públicas onde se faz a passagem da água não gerará ao
proprietário o prejuízo, podendo ainda utilizar-se da água. Já em caso de divisão de algum
prédio marginal onde essa quebra deixe uma das partes fora da margem do rio ou lago, o novo
proprietário também não será prejudicado, tendo direito ao que antes pertencia ao prédio, pois
“a servidão; do uso da água é do prédio, tanto que, alienado, com ele vai a servidão; assim
também em caso de divisão”.7 É o que se extrai do artigo 75 do Código das Águas:
Art. 75. Dividido que seja um prédio marginal, de modo que alguma ou algumas das
frações não limite com a corrente, ainda assim terão as mesmas direito ao uso das
águas.
Nos casos de derivação de água, algumas situações podem ser apontadas, como, por
exemplo, a de um particular (que tenha o direito à água concedido por autorização) que não
consiga ter acesso ao uso da água por esta se situar em ponto superior em altura da sua
propriedade, o que não impede que esse indivíduo possa se utilizar da água em outro ponto
acessível. Já no caso de derivação decorrente do terreno do vizinho, há de se ressaltar a
hipótese de um ribeirinho, autorizado a usar a água, não poder retirá-la pelas margens do seu
próprio prédio, necessitando retirá-la pelo prédio vizinho. Essa questão é bastante polêmica,
entendendo alguns pela possibilidade de retirada pelo prédio vizinho e outros, que não há tal
possibilidade. A jurisprudência do TJSP considerou no RT 164:644 que o ribeirinho não tem
direito de ir tirar a água em outro lugar. Entretanto, a regra que se estabelece pelo Art. 77 do
Código das águas é a de que sempre prevalece a servidão sobre os prédios intermediários,
salvo se a condução pelo prédio próprio for menos dispendiosa, devendo-se demonstrar que
não há como retirar a água pelo próprio prédio, o que fez surgir a necessidade do uso do
prédio vizinho.
Outra questão de que também emerge interesse é a possibilidade de o dono do prédio
ribeirinho adquirir outro imóvel junto ao seu que não goza das águas do rio que passa em sua
propriedade. Nesse caso, o dono pode ou não levar a água até ele? Conforme já mencionado, a
7
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 142
373
Direito Agrário Ambiental
regra é a possibilidade de levar a água até o prédio adjunto, salvo se tal derivação prejudicar o
direito às águas dos vizinhos.
Antigamente considerava que a servidão é real, aderindo ao prédio, por isso o uso da
água é do prédio e não pode, em regra, ser levada a outro, mesmo adjunto ao ribeirinho.
Contudo, o art. 78 do Código de Águas diz:
Essa ideia é a que mais convém à agricultura e à indústria agropastoril, pois é a que
permite o mais amplo aproveitamento e uso das águas.
O art. 78, segundo Opitz8, não distingue águas públicas ou particulares, mas se forem
águas públicas, quem quiser a água para a indústria ou a agricultura o uso é livre; e quem tirou
a água não se serviu de nada do vizinho, devendo suportar a servidão de passagem da água
pelos seus terrenos. Agora, se for privado, se serve da regra legal, segundo a qual pode desde
que não cause prejuízo aos vizinhos.
Há que se asseverar que a utilização de águas públicas ocasiona alguns direitos e
deveres tanto ao utente como ao concedente9, como: a impossibilidade de perturbar o uso
pacífico e tranquilo das águas, sendo, no caso de esbulho ou turbação, a ação possessória
cabível, na forma do CPC; o uso deve ser protegido contra terceiros ou contra o órgão estatal
autorizador; assim como o dever principal do utente é mantê-las na melhor situação possível,
sem prejudicar a sua navegação ou flutuação, se navegáveis ou flutuáveis.
Os proprietários marginais dessas águas são obrigados a se abster de fatos e atos que
prejudiquem ou embaracem o curso da água, exceto, se para tais fatos ou atos, forem
especialmente autorizados por alguma concessão; e caso venham a obstruir o regime ou o
curso das águas, deverão remover tais obstáculos, e não o fazendo, cabe à administração
removê-los às suas custas.
Essa possibilidade decorre do próprio dever do Poder Público de zelar pelo interesse
público, como também o art. 58 estabelece:
Art. 58. A administração pública respectiva, por sua própria força e autoridade,
poderá repor incontinente no seu antigo estado as águas públicas, bem como o seu
8
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 145
9
Idem, p. 146
374
Direito Agrário Ambiental
10
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 147
11
Idem, p. 147
12
Idem, p. 147
13
BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, 2013. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 02 ago. 2014.
375
Direito Agrário Ambiental
Se isso ocorrer, o TJPE já julgou no sentido de que o leito seco passa a pertencer aos
ribeirinhos meio a meio, sem que tenha direito à indenização o dono do terreno por onde as
águas abriram o novo curso14.
Um assunto que é bastante preocupante diz respeito à poluição das águas. O
lançamento de dejetos venenosos deve ser autorizado pelo Poder Público competente, antes de
poluírem a corrente d’água, e isso somente é possível quando os interesses relevantes da
agricultura ou da indústria o exigirem; caso contrário, não poderá ocorrer tal poluição, em
consonância com o art.111. Já o artigo seguinte indica o dever de indenizar devido aos danos
ocasionados pela poluição, in verbis: “Os agricultores ou industriais deverão indenizar a
União, os Estados, os Municípios, as corporações ou os particulares que pelo favor
concedido, no caso do artigo antecedente, forem lesados” (grifo nosso).
Quanto à extinção, no tocante aos usos gerais o art. 65 assevera que esses usos
gerais das águas públicas só se podem extinguir por disposição de lei. Já os usos derivados
podem se extinguir por15:
a) Renúncia (art. 66, “a”, do Código de Águas);
b) Caducidade (art. 66, “b”, do Código de Águas; art. 43, §3º do Código de Águas: A
água tem função social, então quem a usa deve sempre fazê-lo com o fim destinado, sob pena
de caducidade, mas o simples abandono do uso por breve período não enseja abandono pelo
não uso privativo das águas ou mesmo por caso fortuito ou força maior (doença do
agricultor);
c) Resgate (art. 58 do Código de Águas): uma vez que decorridos os dez primeiros
anos após a conclusão das obras e tomando-se por base de preço da indenização só o capital
efetivamente empregado;
d) Expiração do prazo (art. 43, § 2º do Código de Águas: Toda concessão ou
autorização se fará por tempo fixo, e nunca excedente de trinta anos, determinando-se também
um prazo razoável, não só para serem iniciadas como para serem concluídas, sob pena de
caducidade, as obras propostas pelo peticionário).
e) Revogação (art. 67 do Código de Águas: É sempre revogável o uso das águas
públicas). Deve-se indenizar quando for o caso. O direito à indenização cessa somente quando
o título da concessão reserva o direito de revogar, concedendo o uso da água a título precário,
o que, de resto, é excepcional.
14
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 147-148
15
Idem, p. 149-150
376
Direito Agrário Ambiental
O direito dos ribeirinhos ao uso da água é ainda, por sua essência, facultativo,
podendo ser exercido ou não. É um direito imprescritível, pois, sendo facultativo, não
constitui posse que é à base da prescrição. Essa imprescritibilidade é assegurada pelo art. 79,
in verbis:
Art. 79. É imprescritível o direito de uso sobre as águas das correntes, o qual só
poderá ser alienado por título ou instrumento público, permitida não sendo,
entretanto, a alienação em benefício de prédios não marginais, nem com prejuízo de
outros prédios, aos quais, pelos artigos anteriores, é atribuída a preferência no uso
das mesmas águas.
Parágrafo único. Respeitam-se os direitos adquiridos até a data da promulgação
deste código, por título legítimo ou prescrição que recaia sobre oposição não
seguida, ou sobre a construção de obras no prédio superior, de que se possa inferir
abandono do primitivo direito.
Quanto aos terrenos reservados, segundo Opitz16, a regra é que essas terras são
reservadas às margens das correntes públicas de uso comum, por interesse público, daí sua
denominação de bens públicos dominicais, desde que não estejam destinados ao uso comum
ou por algum título legítimo não pertençam, ao domínio particular. O uso do ribeirinho
depende de autorização (art. 11, §1º).
O art. 14 do Código de Águas conceitua terrenos reservados como sendo, in
verbis: “Os terrenos reservados são os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora do
alcance das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte de terra, contados desde o
ponto médio das enchentes ordinárias”.
A limitação do art. 11, § 1, não alcança os terrenos reservados que pertencerem a
particulares, o uso é livre, salvo o direito de passagem pelo Poder Público, numa faixa de 10
metros, estabelecendo-se uma serventia de trânsito para os agentes públicos quando em
execução do serviço.
Teixeira17 revela, em consonância com o exposto, que as margens dos rios
navegáveis são, em regra, de domínio público. Contudo, se possui o particular título legítimo
de propriedade dessas áreas, esses prolongamentos não são terrenos reservados, mas sim
terras particulares lindeiras ao curso d’água de domínio público.
Ainda assevera o autor que, em 2004, no recurso especial nº. 443.370, a Ministra-
relatora do STJ, Eliana Calmon, em decisão sobre a temática, indica que a decisão do
Tribunal de Justiça de São Paulo não abarcou o parecer da Capitania dos Portos, para concluir
pela indenização das terras marginais ao rio Cabuçu de Cima, mas sim o fato de os
16
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 150-151
17
TEIXEIRA, Roberto Tadeu. Terrenos reservados as margens dos rios públicos – código das águas. Revista A
Mira – Agrimensura e Catografia. Edição nº. 162. Disponível em:
<http://www.amiranet.com.br/files/produtos/sumario_2117.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2014.
377
Direito Agrário Ambiental
proprietários possuírem títulos legítimos, o que afasta a aplicação da Súmula 479 do STF,
segundo a qual as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de
expropriação e, por isso mesmo, excluídas de indenização. Entendeu, assim, que os
expropriados, por serem detentores de título legítimo, tinham o direito legal de propriedade,
cabendo ao Estado, que expropriou a área por intermédio do Departamento de Águas e
Energia do Estado de São Paulo (DAEE), arcar com as verbas indenizatórias.
Os terrenos reservados à margem dos rios públicos de propriedades particulares estão
sujeitos à prescrição aquisitiva, podem usucapir, mas o possuidor adquire o domínio por
sentença, com a servidão de passagem imposta ao prédio usucapido.
Já em relação à servidão de aqueduto em favor de um prédio para a irrigação, é um
direito real e não pessoal. Estabelece o art. 36 do Código de Águas: “É permitido a todos usar
de quaisquer águas públicas, conformando-se com os regulamentos administrativos”.
Todo prédio rústico está sujeito à servidão de aqueduto em favor de outro prédio
rústico que careça de águas necessárias à agricultura ou pecuária.
A lei não faz distinção entre águas públicas ou particulares quando permite a
canalização pelo prédio de outrem das águas a que tenha direito, mas, se as águas forem
exclusivamente particulares, outra é a solução. Não se tratará de servidão no sentido técnico,
mas de serventia das águas públicas, por autorização do poder público, quando não se tratar
de derivação insignificante, ou, pelo direito de uso sobre a água pública, conferido ao prédio,
e que adere a ele, pela indivisibilidade da propriedade e do uso da água.
Ciente do processo histórico, extrai-se que o rio público é do domínio público,
quando assim for definido. No entanto, além da classificação em público, necessário é que
suas águas sejam perenes, ainda que em época de intenso estio. Essa compreensão vem desde
o Direito Romano, e é recepcionada pelo Código de Águas. Fora dessa definição, o rio é tido
como particular. Assim, tem-se:
Código de águas – art.8º: São particulares as nascentes e todas as águas situadas em
terrenos que também o sejam quando as mesmas não estiverem classificadas entres
as águas comuns de todos, as águas públicas ou as águas comuns.
Destaca-se, porém, que nem todas as nascentes são tidas como particulares. Ainda
que tenham sua gênese em prédio particular, se por si sós formarem o caput fluminis, passam
a ser tidas como águas públicas. É o que consta no corpo do artigo 2º do Código de águas.
Nascendo em terreno particular, a água pertence ao seu dono de modo integral, sendo
facultado o desvio dentro do seu prédio, ainda que altere seu curso, exceto quando tal água
378
Direito Agrário Ambiental
abastecer uma população. Essa perspectiva leva em consideração a água como um dos frutos
naturais, daí porque faz parte da propriedade.
O Código de Águas traz diversos dispositivos que orientam o uso da água que nasce
ou passa em terrenos particulares. Cumpre destacar que o uso deve se destinar à indústria ou à
agricultura, sendo o remanescente do proprietário seguinte, que poderá utilizá-la para tais fins.
Em se tratando de nascentes, as águas podem ser naturais do solo ou fruto da
indústria humana, podem correr em uma só propriedade ou exceder seus limites. Sendo assim,
o dono da nascente pode usufruir das águas, no entanto, tendo suprido sua necessidade, não
pode impedir o seu curso natural.
Dessa feita, tem-se:
Já não se pode mais atribuir ao dono de nascente um direito absoluto. Esse direito
que remonta a duzentos anos não pode subsistir. A nascente se enquadra no conceito
de propriedade, como função social. Não se concebe seja ela excluída dessa
evolução do direito e da norma geral.18
Na análise da nascente, se for localizada em fosso que divide dois prédios, pertencerá
a ambos, ou seja, existirá um condomínio no uso comum das águas. O Código de águas
também se preocupou com a abordagem das nascentes artificiais, estabelecendo em seu artigo
92 a obrigação de o prédio inferior receber as águas artificiais dos prédios superiores. Essa
transferência ocorrerá por servidão legal.
O dever de receber essas águas não constitui direito dos prédios inferiores, por isso
são imprescritíveis os direitos de uso sobre essas águas que correm para eles, mesmo
por tempo imemorial, salvas as servidões de que estiverem gravadas por vontade dos
proprietários, ou no caso de alienação por título ou instrumento público a dono de
prédio marginal e sem prejuízo dos prédios com preferência sobre as águas. 19
Em se tratando do direito dos ribeirinhos às águas que fazem limites com outros
prédios, o próprio Código de Águas tratou da temática em seu artigo 71 ao estabelecer:
Art. 71 - Os donos ou possuidores dos prédios atravessados ou banhados pelas
correntes podem usar delas em proveito dos mesmos prédios, e com aplicação tanto
para a agricultura como para a indústria, contanto que do refluxo das mesmas águas
não resulte prejuízo aos prédios que ficam superiormente situados, e que
inferiormente não se altere o ponto de saída das águas remanescentes.
18
NUNES, Pádua. Código de águas. N.411, p.819.
19
NUNES, Pádua. Código de águas. N.438, p.336.
379
Direito Agrário Ambiental
2. SERVIDÃO EM AQUEDUTOS
Em se tratando de servidão legal de aqueduto, faz-se mister compreender sua
importância para a agricultura e a agroindústria. Aqueduto é a canalização, em proveito
agrícola ou industrial, das águas a que tenham direito por intermédio de prédios rústicos
alheios (CC, art.567). O Código de águas estabelece:
A todos é permitido canalizar pelo prédio de outrem as águas a que tenham direito,
mediante prévia indenização ao dono deste prédio:
a) Para as primeiras necessidades da vida;
b) Para os serviços da agricultura ou da indústria;
c) Para o escoamento das águas superabundantes;
d) Para o enxugo ou bonificação de terrenos.
Tomando como base o Alvará de 1804, apenas tinham direito às águas aqueles que
possuíam o domínio, de caráter pleno ou útil. No entanto, o Código de águas não recepcionou
tal restrição, pois estabeleceu que a todos é permitido canalizar.
Na necessidade de o aqueduto atravessar via pública, deverá ser feito sem prejudica-
las. Tem-se, portanto, no artigo 122:
Art. 122 - Se o aqueduto tiver de atravessar estradas, caminhos e vias públicas, sua
construção fica sujeita aos regulamentos em vigor, no sentido de não se prejudicar o
trânsito.
380
Direito Agrário Ambiental
Segundo Optiz20, se não houver acordo entre as partes, poderá ser solicitada perícia
judicial para decidir sobre o dispêndio e determinar a constituição da servidão. Desta feita,
salvo comprovado não haver maior dispêndio para a canalização via terreno próprio, restará
ao dono do terreno vizinho e aos intermediários apenas o direito à indenização.
Segundo o artigo 136 do Código de águas, essa servidão também se impõe quando o
terreno regadio, recebendo água por apenas um ponto, for dividido para mais de um dono, o
que é bastante comum nos casos de divisão de herança, mas também pode ser percebidos em
caso de venda ou outros títulos; nesses casos, o terreno da parte superior fica obrigado a dar
passagem à água, constituindo servidão de aqueduto em relação aos inferiores, caso em que
não haverá indenização, salvo se ajustado em contrário pelas partes.
Havendo concessão por utilidade pública, não poderá a parte questionar em juízo a
natureza e a forma do aqueduto, mas apenas o valor da indenização, não se cogitando o fato
de ser mais ou menos dispendioso para o Poder Publico, nos termos do artigo 125 do código
de águas. Pode, o proprietário, apenas discutir se a direção, a forma e a natureza foram
executadas de acordo com os projetos aprovados pelo Poder Publico.
Estabelecida a servidão, os artigos 126 a 128 determinam que todas as despesas
necessárias para a conservação, a construção e a limpeza do aqueduto correrão por conta do
detentor da servidão, não devendo arcar o dono do terreno serviente com tais despesas;
todavia, deverá ceder partes do terreno que forem indispensáveis à realização da obra,
podendo exigir caução para tanto. Nesse caso, destaca-se a servidão itineris, que seria a
possibilidade de trânsito na propriedade do serviente às margens do aqueduto para realizar tais
serviços. Em caso de negativa do dono da propriedade, é cabível ação possessória por parte do
dono do prédio dominante, uma vez que esse direito integra a servidão. Sendo proprietário do
aqueduto, poderá realizar obras para sua proteção, para isso podendo utilizar materiais como
relva, estacas e paredes de pedras soltas.
Nesse sentido:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO
DE POSSE. SERVIDÃO DE AQUEDUTO. CAUÇÃO. A exigência de caução
pelo autor para eventuais danos que o cumprimento da antecipação de tutela possa
causar ao réu constitui condicionamento em contracautela e pressupõe demonstração
da iminência de dano irreparável ou de difícil reparação sob pena de frustrar-se a
eficácia do provimento concedido. Não há no atual momento processual a mínima
evidência de que os serviços de manutenção do aqueduto possam ocasionar dano à
parte ré. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Agravo de Instrumento Nº
70055874093, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
João Moreno Pomar, Julgado em 11/08/2013)
20
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013 p. 164
381
Direito Agrário Ambiental
Por fim, como a servidão beneficia o dono do aqueduto, este deve construir obras
para não dificultar a comunicação entre vizinhos e correntes particulares, a exemplo de pontes
e canais; em caso de negativa deste, podem os vizinhos requerer tais medidas judicialmente,
inclusive tendo direito à indenização por perdas e danos, nos termos do art. 137 do Código em
referência.
A servidão, muito embora não altere a titularidade da propriedade, provoca nesta
uma série de limitações, como, por exemplo, não podem o proprietário realizar plantações, ou
construções que prejudiquem a canalização das águas, às margens do aqueduto, em virtude do
direito de passagem do dono do prédio dominante, para os fins já delimitados supra. Todavia,
tudo aquilo que a natureza lá produzir é de propriedade do prédio serviente, podendo o dono
do aqueduto interferir apenas caso haja uma possibilidade de dano ao aqueduto, por exemplo,
grandes raízes de plantas.
O código de águas, ainda sobre os limites da servidão de aquedutos, determina, em
seu art. 133, que a água, o álveo e as margens do aqueduto são parte integrante do prédio a
que as águas servem.
Não obstante tais limitações, pode o dono do terreno serviente cercar o aqueduto
desde que não prejudique a servidão quanto a suas reparações necessárias. Além dessa
prerrogativa, pode o dono do prédio serviente, caso não haja prejuízos à servidão, nem à
manutenção do aqueduto, edificar sobre ele, é o que dispõem os artigos 129 e 130 do Código
de Águas, bem como o artigo 1.295 do Código Civil. No caso da edificação, o artigo 1.293,
em seu parágrafo, dispõe que o proprietário do prédio dominante poderá exigir que a
canalização seja subterrânea caso atravesse áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou
quintais.
Mesmo com as limitações descritas o aqueduto não possui localização imutável,
podendo o dono do prédio serviente requerer sua mudança para local menos danoso à sua
propriedade, desde que não haja prejuízos no uso do aqueduto, caso em que despesas
ocorrerão por parte do serviente. Segundo Optiz21, caso não haja acordo para a mudança, pode
o serviente requerê-la judicialmente, desde que comprovadas a conveniência da mudança e a
ausência de prejuízos para o dono do aqueduto, podendo estas serem comprovadas, inclusive,
mediante perícia. O mesmo direito assiste ao dono do aqueduto, se comprovada a ausência de
dano ao prédio serviente, bem como se tais modificações forem feitas às suas expensas.
21
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013 p .167
382
Direito Agrário Ambiental
3. TERRENOS MARINHOS
O código de águas traz ainda a questão dos terrenos de marinha, entendidos como
aqueles banhados pela água do mar ou dos rios navegáveis, indo até uma distância de 33
metros, em uma faixa de terra, medida desde o ponto a que chega a preamar média, nos
termos de seu artigo 13.
Segundo o artigo 11 do código em análise, tais terrenos são classificados como bens
públicos dominicais, caso não estejam destinados ao uso comum, nem pertenciam ao domínio
particular, juntamente com os canais, lagos e lagoas, excetuadas as correntes que, não
navegáveis nem flutuáveis, concorram apenas para formar outras apenas flutuáveis. Tais
terrenos poderão ser utilizados por ribeirinhos quando o uso não colidir com o interesse
público.
Os terrenos de marinha, conforme trata o Código de Águas, em seu artigo 30, e a
Constituição Federal de 1988, em seu art. 20, são considerados bens da União, não podendo
ser alienados, não obstante a possibilidade de aforamento, ocupação ou arrendamento destes,
que são administrados pelo Serviço de Patrimônio da União. A concessão da exploração pelo
particular, no caso de aforamento, se submete ao pagamento de foro e laudêmio, nos moldes
do Decreto 2.398/87; já a concessão de uso real observa o que dispõe o Decreto-lei nº 271/67.
22
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013 p. 169.
383
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo, no que diz respeito ao direito das águas, é de suma relevância, tendo em
vista o contexto atual de escassez desse bem, sendo necessário um estudo de suas condições
de uso em um território tão vasto quanto o brasileiro; especificamente o do Código das Águas
deve ser analisado de forma pormenorizada, pois, apesar de existir há mais de 80 anos, criado
pelo Decreto-lei nº. 24.643, de 10 de julho de 1934, poucos o conhecem integralmente. Essa
lei indica regras concernentes ao uso das águas, componente essencial à manutenção da vida
humana.
A confluência entre a propriedade privada, o direito de vizinhança e o direito ao uso
das águas não se restringe, portanto, ao mero debate entre o código civil e o código de águas.
De fato, não obstante a discussão acerca das limitações à propriedade e sua relação com o
direito agrário, o bem sobre o qual se debruça essa relação jurídica é direito de todos, uma vez
que intimamente ligado ao direito à vida, trazendo ao debate as questões ambientais e sociais
para além das relações privadas.
A regulamentação do uso das águas é fundamental, tendo em vista que o acesso e
aproteção às/das águas integram a garantia à dignidade de vida e a um ambiente
ecologicamente equilibrado, cláusulas basilares da Carta Magna brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUGUSTIN, Sérgio; CUNHA, Belinda. Sustentabilidade ambiental [recurso eletrônico] :
estudos jurídicos e sociais. / org. Belinda Pereira da Cunha, Sérgio Augustin. – Dados
eletrônicos – Caxias do Sul, RS : Educs, 2014.
BRASIL. Código das Águas. Decreto nº 24.643, de 10 de Julho de 1934.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cciv> Acesso em: 15/07/2014
GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar. Direito de águas e
desenvolvimento sustentável. EDUFRN: Natal, 2010, p. 160. Disponível em:
<il_03/decreto/D24643.htm> Acesso em: 15/07/2014
OPITZ, Silvia C. B. Curso Completo de Direito Agrário. 7. Ed. e atual. São Paulo: Saraiva,
2013, p. 142.
TEIXEIRA, Roberto Tadeu. Terrenos reservados as margens dos rios públicos – código das
águas. Revista A Mira – Agrimensura e Cartografia. Edição nº. 162. Disponível em:
<http://www.amiranet.com.br/files/produtos/sumario_2117.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2014.
384
Direito Agrário Ambiental
INTRODUÇÃO
A propriedade constitui-se em um dos direitos mais antigos existentes na história.
Envolvendo muito mais do que apenas questões patrimoniais, o instituto mostrou-se elemento
de extrema relevância na promoção de uma vida digna ao ser humano, o qual foi a ela
vinculado por suas crenças e tradições. No contexto atual, a propriedade ainda desempenha
um papel crucial na vida do indivíduo e de toda a sociedade, uma vez que a sua exploração
interfere na realidade não apenas do seu possuidor, mas também de toda a coletividade.
Assim, procura-se, por meio do presente trabalho, analisar qual a relação entre a
função social da propriedade e o direito e o desenvolvimento agrário, considerando como
pressuposto os direitos fundamentais tutelados pela Constituição, tanto de caráter individual
como coletivo, inserido neste último o meio ambiente.
Elucida-se que as técnicas de pesquisa utilizadas foram essencialmente documentais
indiretas, já que se pretende aprofundar o tema através do estudo normativo-jurídico. A
consulta à legislação, aos livros e artigos científicos evidencia a preferência pelas fontes
jurídico-formais imediatas, exploradas através das técnicas bibliográfica e legal.
No primeiro momento, faz-se uma retrospectiva histórica acerca do direito à
propriedade, desde a antiguidade até a atual ordem constitucional brasileira. Em seguida,
passa-se a examinar de maneira mais detida a função social da propriedade à luz da Carta de
1988, bem como sua natureza de elemento constituinte do direito de propriedade. Mais
adiante, estuda-se o que seria desenvolvimento no âmbito agrário e sua relação com o direito
difuso no meio ambiente. Por derradeiro, observa-se o direito como um agente propulsor do
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Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
2
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
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Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
4
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
5
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
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Direito Agrário Ambiental
1. CONTEXTO HISTÓRICO
Antes de adentrar na função social enquanto princípio e fundamento, necessário se faz
entender, de forma bastante sucinta, como ela se originou, haja vista que a ideia de
propriedade nasce com as mais remotas sociedades, havendo registros, inclusive, no Código
de Hamurabi.
Em Esparta e Atenas, por exemplo, já se discutia o problema da terra, uma vez que a
agricultura e a pecuária eram atividades predominantes. Com o passar do tempo, o instituto
passa a ser previsto legalmente. O primeiro registro oficial ocorre com a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, quando foi considerado direito natural e
imprescritível.
Essa ideia de imprescritibilidade apenas se fortificou com o advento da Era
Napoleônica, porque se retomou a visão individualista da propriedade, o que fez gerar
inúmeras injustiças sociais, pois os menos favorecidos não tinham acesso à terra. Dessa
forma, percebe-se que a propriedade é um dos institutos mais antigos, residindo nela o cerne
da questão agrária para a consolidação da justiça social e econômica.
No plano interno, o direito pátrio foi, no primeiro instante, o reflexo da organização
jurídica portuguesa no Brasil. Nesse contexto, a propriedade privada se formou a partir da
propriedade pública, pertencente à monarquia de Portugal6. Com a colonização, surgiram as
Capitanias Hereditárias, bem como as sesmarias, a fim de que houvesse o real cultivo da terra.
A Constituição Imperial de 1824 garantiu o pleno direito à propriedade, sem ostentar
os problemas adquiridos das sesmarias e das terras devolutas. E esse foi o norte traçado pelas
demais constituições; inclusive, o Código Civil de 1916 refletiu exatamente o Código
Napoleônico. Vale ressaltar que o Brasil permaneceu sem legislação que regulamentasse as
questões agrárias até 1850, quando se editou a Lei de Terras.
Somente em 1946 é que o uso da propriedade passa a ser condicionado ao bem-estar
social, exigindo a promoção da justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para
6
MATTOS, Denise Souza Rodrigues de; SILVA, Vilmar Antônioda.A função social da propriedade: sua
importância para a Região Amazônica e Roraima. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun. 2012.
Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11865&revista_ca
derno=7>. Acesso em: 1 jun. 2014.
386
Direito Agrário Ambiental
todos. Em 1962 editou-se a Lei º 4.132, regulando a desapropriação por interesse social,
embora com lacuna em relação aos imóveis rurais para fins agrários.
A partir da Lei nº 4.504/1964, o Estatuto da Terra, primeira dentre as legislações
latino-americanas sobre reforma agrária, acolheu a noção de função social, não chegando a
defini-la, mas estabelecendo seus requisitos essenciais.
A atual Carta Constitucional tratou a propriedade como direito fundamental, sendo,
portanto, inviolável. Além disso, dispôs que a propriedade deverá atender à sua função social,
tendo, no artigo 186, estabelecido que a função social da propriedade rural só será cumprida
quando preencher, simultaneamente, os seguintes requisitos: (I) o aproveitamento racional e
adequado; (II) a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do
meio ambiente; (III) a observância das disposições que regulam as relações de trabalho;(IV) a
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores7.
Assim, conforme ensina o autor, nossa Carta Magna garante o direito à propriedade
em geral – Art. 5º, XXII, mas ao mesmo tempo, diferencia claramente a propriedade urbana
da rural. Destarte, se se falar em propriedades (urbana e rural), afirma-se que cada tipo possui
aspectos característicos e, consequentemente, uma função social própria.
Atualmente, a função social não tem sua regulamentação limitada ao código civil
brasileiro, mas em um complexo de normas administrativas, urbanísticas, empresariais
(comerciais) e civis, sob o fundamento das normas constitucionais. Nossa Constituição
incluiu a função social da propriedade entre os direitos e as garantias constitucionais,
atribuindo à mesma o status de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV), e manteve também a função
social da propriedade entre os princípios de ordem econômica – art. 170, III, além de prever
7
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 1 jun. 2014.
8
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo.25 ed., Malheiros Editores. 2005. p. 274.
387
Direito Agrário Ambiental
os requisitos para que os imóveis urbanos (art. 182, §2º)e rurais (art.186) cumpram suas
funções.
Conforme aduz Fábio Comparatto (1986) apud José Alves de Almeida Neto9, “A
chamada função social da propriedade representa um dever poder positivo, exercido no
interesse da coletividade, inconfundível como tal, com as restrições tradicionais ao uso dos
bens próprios”. Dessa forma, partilha-se da corrente que encara a função social não como um
limite para o direito da propriedade, mas como parte integrante e modeladora do mesmo.
Destarte, o instituto ora estudado não pode ser considerado como o limite do uso da
propriedade, mas sim como elemento definidor do conteúdo do direito de propriedade,
consistindo em elemento essencial, interno, que compõe a definição do conceito de
propriedade. Nesse sentido, ensina José Afonso da Silva10 que “a função social da
propriedade não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem
respeito ao exercício do direito ao proprietário, à estrutura do direito mesmo, à propriedade”.
Enquanto instituto largamente consagrado no ordenamento jurídico constitucional, a
função social da propriedade serve de diretriz para o livre exercício das atividades
econômicas, das políticas urbanas e agrárias, bem como, de forma geral, para o exercício do
direito de propriedade em seus atributos de uso, gozo e disposição. Dessa maneira, a
inobservância da função social gera a restrição ao bem, e não ao direito, uma vez que o direito
estaria descaracterizado ante a ausência do elemento função social, resultando na intervenção
estatal com a finalidade de conferir ao bem aproveitamento adequado aos fins coletivos, visto
que “a propriedade atenderá a sua função social”, conforme o artigo 5º, XXIII, CF.
9
NETO, José Alves de Almeida. Uma visão moderna da função social da propriedade rural. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3507> Acesso
em: 31 jul2014.
10
SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo.25 ed., Malheiros Editores. 2005. p. 281-
282
388
Direito Agrário Ambiental
Partindo para a análise da propriedade rural, tem-se que sob a ótica do Direito Agrário
brasileiro, especificamente em relação ao Estatuto da Terra (Lei 4.504 de 30 de novembro de
1964), já se podia observar em seu artigo 2º, caput, a seguinte previsão: "É assegurada a todos
a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na
forma prevista nesta Lei."11. Entretanto, é preciso observar que a constitucionalização de tal
disposição foi fundamental para que esse dispositivo legal ganhasse mais força e novos
contornos, perseguindo uma maior e mais eficaz efetivação, muito embora ainda haja muitos
desafios a serem enfrentados.
A constitucionalização do direito à propriedade, por sua vez, demonstra o
deslocamento dessa matéria do campo exclusivamente privatista do Código Civil e da
legislação correlata para a seara do interesse público, ou seja, o direito à propriedade deixa de
ser encarado como um direito puramente privado, passando a ser visto como um direito
privado de interesse público12. A ocorrência desse fenômeno pode ser constatada a partir da
leitura do artigo 5º, inciso XXIII, do artigo 170, incisos II e III, do artigo 182, parágrafo 2º, do
artigo 186, entre outros.
O instituto do direito à propriedade passa então a ser regido por regras tanto do ramo
do direito público como do direito privado. Com isso, no tocante ao Direito Agrário, observa-
se que, na medida em que esse direito lida com a relação entre o homem e a propriedade rural,
e estando tal relação sujeita à força reguladora do interesse público, o bem-estar geral,
devendo prestar obediência à função social consagrada na Constituição de 1988, essa área do
direito pode ser encarada, simultaneamente, como sendo do ramo do direito público e do
direito privado. Salienta-se, inclusive, que, a partir do texto constitucional, a noção de
desenvolvimento a ser empregada nas relações agrárias deve estar associada não apenas com
o aspecto econômico, mas também com o humano, conforme pode ser verificado a partir dos
próprios critérios de cumprimento da função social, apresentados em seguida.
Assim, admitindo-se a Lei Maior como fonte fundamental para a caracterização da
função social da propriedade rural e seu consequente cumprimento, tem-se no artigo 186 e
incisos que:
11
BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504compilada.htm>. Acesso em: 31 jul 2014.
12
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. A função Sócio-Ambiental da Propriedade Privada. Ministério Público
do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/ambiente/doutrina/id20.htm>. Acesso
em: 31 jul 2014.
389
Direito Agrário Ambiental
13
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> . Acesso em: 31 jul 2014.
14
FOWLER, Marcos Bittencourt; CRUZ, André Viana da. ; RIBEIRO, Dandara dos Santos Damas.
Desapropriação para fins de Reforma Agrária por descumprimento da função ambiental da propriedade. IN: In:
SONDA, Claudia (org.); TRAUCZYNSKI, Silvia Cristina (org.). Reforma Agrária e Meio Ambiente: teoria e
prática no estado do Paraná. Curitiba, ITCG, 2010. p.182-197. Disponível em:
<http://www.itcg.pr.gov.br/arquivos/File/LIVRO_REFORMA_AGRARIA_E_MEIO_AMBIENTE/PARTE_3_1
_CARLOS_MARES.pdf>. Acesso em: 31 jul 2014.
15
Artigo 2º, parágrafo 1º,alínea "b" da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964: "Art. 2º É assegurada a todos a
oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: [...] b)
mantém níveis satisfatórios de produtividade; [...].Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504compilada.htm>. Acesso em: 31 jul 2014
16
MATTOS, Denise Souza Rodrigues de; SILVA, Vilmar Antonioda.A função social da propriedade: sua
importância para a Região Amazônica e Roraima. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012.
Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11865&revista_ca
derno=7>. Acesso em: 1 jun. 2014.
390
Direito Agrário Ambiental
como a "função ambiental" da propriedade. Para Steigleder17, a função ambiental está ligada à
acepção do meio ambiente como direito difuso, independente dos elementos que o integram.
Dessa forma, a utilização da terra deve ser feita respeitando-se os recursos naturais, de
modo a garantir a preservação do meio ambiente. Tal questão está intimamente ligada com a
ideia de desenvolvimento sustentável, podendo-se afirmar que o princípio da preservação
ambiental também é caro ao Direito Agrário e não apenas ao Direito Ambiental. Com isso,
pode-se considerar também que tal imposição constitucional serve também como forma de
alertar sobre o cumprimento da legislação ecológica18.
Destaca-se, ainda, que segundo Portanova19:
Percebe-se, com isso, que, para o cumprimento do estabelecido no artigo 186, inciso
II, é preciso que se observa não apenas o que nele está contido propriamente dito, mas
também que se tenha uma interpretação sistêmica de outros dispositivos constitucionais que
tratam de meio ambiente e, além deles, das leis ambientais, entre as quais se pode citar o
Código Florestal. Inclusive, tal comando encontra-se previsto no caput do próprio artigo 186,
ao estabelecer que devem ser observados os critérios e graus constantes em outras normas.
Quanto ao aspecto social, encontrado nos incisos III e IV do artigo 186 da
Constituição Federal, conforme indicado anteriormente, percebe-se a preocupação do
legislador em dotar o proprietário de um imóvel rural da responsabilidade para com os
trabalhadores rurais, que representam um pilar importante no desenvolvimento das atividades
agrárias.
Nesse ponto, os direitos fundamentais do trabalhador devem ser rigorosamente
observados pelos proprietários rurais, que são encarregados de garantir as condições dignas de
trabalho, tanto em relação a aspectos como duração da jornada de trabalho, remuneração,
17
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. A função Sócio-Ambiental da Propriedade Privada. Ministério Público
do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/ambiente/doutrina/id20.htm>. Acesso
em: 31 jul 2014.
18
MATTOS; SILVA, op. cit., p. 05.
19
PORTANOVA, Rogério. Alguns Aspectos Preliminares sobre a Função Socioambiental da Propriedade. In:
CUNHA, Belinda Pereira da (org.); AUGUSTIN, Sérgio (org.). Sustentabilidade Ambiental: estudos jurídicos
e sociais. Dados Eletrônicos - Caxias do Sul, RS: Educs, 2014. p. 405-414.
391
Direito Agrário Ambiental
20
SANTIAGO, Emerson . Direito Agrário. Disponível em:<http://www.infoescola.com/direito/direito-agrario/>.
Acesso em: 01 de jun de 2014.
392
Direito Agrário Ambiental
dessa forma, que a propriedade deve ser plenamente utilizada e não assumir forma de
especulação.
Nesse sentido, visando ao bem coletivo, o desenvolvimento agrário é fundamentado
na melhoria das instituições, nas políticas públicas, nas condições de acesso e uso da terra, nas
relações de trabalho e em suas mudanças, nos conflitos sociais, nos mercados, dentre outros
aspectos,efetivando-se por meio de políticas públicas que visem à racionalização do solo,
beneficiando o lado mais frágil da relação, no caso o trabalhador rural. Por essa razão, a
garantia de acesso democrático à terra constitui uma condição de grande destaque para a
construção do desenvolvimento, uma vez que possibilita a criação de um mercado interno
forte e estreitas ligações entre o rural e o urbano.
Frise-se, entretanto, que o desenvolvimento agrário é muito mais do que uma política
de acesso à terra. Em sua dimensão mais ampla, o desenvolvimento agrário afeta todo o
conjunto de condições sociais, econômicas, ambientais e políticas, objetivando beneficiar não
somente a população rural, mas toda a coletividade, por exemplo, por meio da conservação do
meio ambiente e da sustentabilidade.
Ademais, no cenário contemporâneo, a questão da sustentabilidade é de extrema
importância e está intimamente ligada ao desenvolvimento agrário. Entende-se que, em se
tratando de propriedade rural, o texto constitucional ampliou a concepção de função social
para abarcar não apenas a produtividade adequada, mas também envolver o cumprimento da
legislação ecológica.
Reconhece-se a relevância da preocupação com o meio ambiente, visto que apenas a
tradicional divisão de grandes propriedades em parcelas menores, sem preocupação
ambiental, tem levado ao sobreuso dos solos, à redução da disponibilidade de água, aos
desmatamentos. Dessa maneira, caem a produtividade agrícola e a possibilidade de o lote
sustentar a família que o ocupa. Nada obstante, isso pode ser evitado com a adequação das
técnicas de manejo do solo, da água e da vegetação, e com educação ambiental no âmbito dos
assentamentos para a sustentabilidade ambiental.
Nesse diapasão, mister se faz que cada projeto de desenvolvimento agrário, por meio
da política de acesso à terra, leve em consideração a introdução do elemento de
sustentabilidade, incluindo também a educação ambiental das famílias.
5. DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
393
Direito Agrário Ambiental
21
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Disponível em: <www.mda.gov.br>. Acesso em: 30
jul 2014.
22
NEAD – Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. Disponível em:
<http://www.nead.gov.br/portal/nead/institucional/O_Nead>. Acesso em: 10 jun 2014.
394
Direito Agrário Ambiental
23
INCRA. Disponível em: <incra.gov.br>. Acesso em: 30 jul. 2014.
395
Direito Agrário Ambiental
396
Direito Agrário Ambiental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz da Carta Magna, o direito à propriedade constitui um direito fundamental,
sendo, portanto, inviolável, devendo desempenhar sua função social por meio da observância
dos requisitos constitucionalmente postos, quais sejam: o aproveitamento racional e
adequado; a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio
ambiente; a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; a exploração
que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Adota-se, nesse contexto, a função social não apenas como um princípio norteador
ou mesmo um limite ao direito de propriedade, mas como um elemento integrante deste, sem
o qual a propriedade não se perfaz. A função social da propriedade ainda revela sua
importância por ser necessária à construção de diretrizes para o livre exercício das atividades
econômicas, das políticas urbanas e agrárias, bem como para o exercício do direito à
propriedade em seus atributos de uso, gozo e disposição.
Frisa-se que a função social da propriedade rural tem seu sentido ampliado com a
edição da Constituição de 1988, apresentando aspectos importantes quanto à preservação do
meio ambiente no desenvolvimento das atividades agrícolas, razão pela qual se pode falar na
sua função "socioambiental", como forma de enfatizar que a manutenção de um meio
ambiente equilibrado e suas implicações são um requisito fundamental para que possa ser dito
que uma propriedade rural cumpre sua função social. Dessa forma, a função ambiental está
397
Direito Agrário Ambiental
ligada à acepção do meio ambiente como direito difuso, independente dos elementos que o
integram.
Afere-se, portanto, que o cumprimento da função social mediante o preenchimento
de requisitos que vão além da produtividade da terra revela-se como uma evidência da
pretensão de se ultrapassar o entendimento do desenvolvimento agrário como sinônimo de
crescimento econômico, não se fundando, pois, apenas em teorias econômicas. Isso porque,
conforme a concepção constitucional vigente, para que se possa falar em desenvolvimento
agrário, é preciso que haja uma harmonização econômica, social e ambiental.
Nesse diapasão, o Direito Agrário se estabelece como um conjunto de normas e
princípios jurídicos que organiza as relações da atividade rural, regulando a relação do
indivíduo com a terra, buscando o progresso social e econômico do trabalhador do campo e o
enriquecimento da coletividade a partir da promoção da função social da terra.
No âmbito das políticas públicas nacionais, o Ministério do Desenvolvimento
Agrário possui várias secretarias que atuam em áreas específicas do desenvolvimento agrário,
cuidando mais profundamente de cada política de desenvolvimento para que todas as
competências do Ministério sejam abarcadas e aprimoradas.Dentre os órgãos de assistência
direta e imediata ao Ministério, encontra-se o NEAD – Núcleo de Estudos Agrários e
Desenvolvimento Rural, que busca contribuir para o aperfeiçoamento das políticas de
desenvolvimento rural propriamente ditas, promovendo estudos e pesquisas com a intenção de
avaliar e aperfeiçoar as políticas públicas voltadas à reforma agrária, à agricultura familiar e
ao desenvolvimento rural sustentável.
Observa-se, portanto, que a garantia de acesso democrático à terra constitui uma
condição de grande destaque para a construção do desenvolvimento, uma vez que possibilita a
criação de um mercado interno forte e estreitas ligações entre o rural e o urbano. Entretanto, o
desenvolvimento agrário é muito mais do que uma política de acesso à terra. Em sua
dimensão mais ampla, o desenvolvimento agrário afeta todo o conjunto de condições sociais,
econômicas, ambientais e políticas, objetivando beneficiar não somente a população rural,
mas toda a coletividade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 1jun 2014.
398
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Direito Agrário Ambiental
400
401
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo principal avaliar a influência dos novos direitos de
3ª a 5ª geração sobre os fundamentos do Direito Agrário, em face de sua evolução no Direito
Civil, sob a influência direta dos ditames do Direito Constitucional.
A evolução e crescente importância dos direitos fundamentais e a crise do modelo
liberal de Estado, afastando-o da postura de mero abstencionista, trouxeram para o direito
privado diversos elementos de direito público a fim de viabilizar a conciliação do crescimento
econômico com o desenvolvimento social sustentável. Surge, neste ponto, a expansão da área
de influência do Direito Constitucional, que passa a interpenetrar-se nos diversos ramos do
direito privado, dentre eles o Direito Agrário.
A constitucionalização vem a ser o fenômeno da submissão do direito
infraconstitucional aos fundamentos de validade expressos na Lei Maior. No Direito Agrário,
tal mudança de paradigma é perceptível na modificação de seu próprio fundamento maior,
que deixa de ser a visão individualista de proteção da propriedade para tornar-se o princípio
da função social da propriedade e dos contratos. Vive-se um momento em que aspectos dos
direitos fundamentais, positivados pela Constituição de 1988, permeiam os próprios
fundamentos do Direito Agrário.
Inicialmente restrito aos direitos de primeira geração, com a crescente influência da
Constituição sobre as relações privadas a fim de preservar o interesse público, o Direito
Agrário abre-se também para as discussões envolvendo direitos sociais, coletivos, questões de
1
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
2
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
3
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
4
Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
5
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.
401
402
democracia, de engenharia genética e mesmo relativas ao direito à paz, ou seja, a partir de sua
evolução no direito civil, incorpora novos fundamentos para os direitos de 3ª a 5ª geração.
O desenvolvimento do artigo divide-se em cinco partes. Inicialmente é realizada a
classificação das quatro primeiras dimensões de direitos. A segunda parte cuida da
delimitação do conceito dos direitos de quinta dimensão. Em seguida é analisada a influência
das dimensões de direitos fundamentais sobre o Direito Agrário. Na quarta parte, verificam-se
o fenômeno da constitucionalização do direito privado e sua relação com o princípio da
função social da propriedade. A quinta parte, a seu turno, aborda o tratamento da questão na
jurisprudência.
[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos,
ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de
uma vez e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 2004, p.25)
402
403
E foi, de fato, com o pensamento de Bobbio que a teoria das gerações de direitos
ganhou ampla visibilidade. No entanto, segundo relato de George Marmelstein, a divisão foi
originalmente formulada pelo jurista tcheco Karel Vasak, em Estrasburgo, durante a aula
inaugural do Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em que foram tomados
como ponto de partida os ideais da Revolução Francesa: liberdade (1ª geração), igualdade
(segunda geração) e fraternidade (3ª geração). (MARMELSTEIN apud DIÓGENES JÚNIOR,
2012).
Porém “não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos
fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de
alternância [...]” (SARLET, 2009, p.50). Desse modo, é importante frisar que, não obstante a
atecnia de nomenclatura leve a supor, não há superação de uma geração pela outra, ou seja, a
ascensão de uma nova geração não implica a extinção daquela que a precede.
Por esse motivo, Antônio Augusto Cançado Trindade (1997) afirma que a visão das
gerações de direitos encontra-se desprovida de fundamento jurídico e histórico porque gerou
uma crença de que os direitos devem ser vistos de forma atomizada, fragmentada. Assim,
reputa-se necessária a desmistificação desse fenômeno, que não é de sucessão e, sim, de
integratividade e fortalecimento. “A visão compartimentalizada dos direitos humanos
pertence ao passado e, como reflexo dos confrontos ideológicos de outrora, já se encontra há
muito superada”. (CANÇADO TRINDADE, 1997, p.390)
Nesse diapasão, e em atendimento ao rigor técnico, adotar-se-á a nomenclatura
“dimensões de direitos”. Estabelecidas as razões pela predileção do termo a ser utilizado, resta
agora discorrer, de forma sucinta, sobre cada uma das dimensões traçadas pela doutrina, além
de direcionar uma atenta abordagem quanto aos pontos de consonância e discordância que
surgem no âmbito da delimitação dos direitos de quarta e quinta dimensões, posto que a teoria
clássica seja composta por apenas três vertentes.
403
404
dimensão de direitos é caracterizada pela consolidação dos direitos civis e políticos, cuja
titularidade pertence ao indivíduo, e podem ser traduzidos como ditames limitadores da
atuação estatal, oponíveis ao Poder Público. Nesse momento, o Estado exerce uma postura
abstencionista, não interventiva, que nada mais é do que uma prestação negativa com vistas a
se obter a liberdade dos indivíduos. (PFAFFENSELLER, 2007)
À guisa de exemplificação, englobam-se como primeira dimensão ou liberdades
públicas os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, de acordo
com o que preconiza o artigo 5º da Constituição Federal. “Derivados de tais direitos, também
podem ser destacados como direitos de primeira geração na Constituição brasileira as
liberdades de manifestação (art. 5º, IV), de associação (art. 5º, XVII) e o direito de voto (art.
14, caput)” (PFAFFENSELLER, 2007, p.7).
404
405
primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, e a
terceira, assim, completaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade,
fraternidade”. O autor acrescenta, ainda, que o desenvolvimento de tais direitos, cuja
titularidade é difusa e coletiva, ocorreu no plano do direito internacional.
Quando discorreu sobre tais direitos, Norberto Bobbio (2004, p.25) os concebia
como “[...] uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o
que impede que se compreenda de que efetivamente se trata. O mais importante deles é o
reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.
Assim, a doutrina cuidou de discutir o sentido e o alcance de tais direitos, elencando outras
nuances, além do recorte ambiental. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2009), por exemplo,
acrescenta ao direito a um meio ambiente sustentável, dentre outros, o direito ao
desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade e à autodeterminação dos povos.
405
406
conquanto não seja sequer pacífica a necessidade de seu reconhecimento enquanto dimensão
independente.
Em termos gerais, parte da doutrina, abalizada nas ideias pioneiras de Norberto
Bobbio, defende a existência de apenas três dimensões de direitos, tal qual concebido
primordialmente por citado jurista italiano, quais sejam: a primeira dimensão, consistente na
proteção dos direitos civis e políticos; a segunda dimensão, relativa à proteção dos direitos
ditos sociais, econômicos e culturais; e, por fim, a terceira dimensão, concernente aos direitos
metaindividuais, direitos coletivos e difusos, os direitos de solidariedade6 ou fraternidade.
Para essa parcela doutrinária, segundo professa Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p.50):
6
Quanto aos direitos de solidariedade, cumpre destacar que estes “[...] são mais recentes e não estão presentes na
Declaração Universal, mas fazem parte das Convenções e dos Pactos Internacionais proclamados pela ONU nas
últimas décadas. Eles referem-se à necessidade de preservar o ambiente natural (são os direitos ecológicos), de
preservar a cultura de um povo ou de uma minoria étnica (os direitos à identidade cultural), de garantir uma
informação correta e democrática (direito à comunicação), de construir uma nova ordem econômica e política
internacional (direitos ao desenvolvimento e à paz), etc. Estes tipos de direitos são difíceis de proteger, por
isso exigem atenção de cada membro da comunidade, para também lutar em sua defesa”. (grifos nossos).
Disponível em <http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/estaduais/pb/cartilhapb/6_dirsolidariedade.html>.
Acesso em 14 jul. 2014.
406
407
relacionados à democracia (no caso, a democracia direta). A quinta dimensão, por sua vez,
consistiria no direito à paz.
Inicialmente, Paulo Bonavides defendia que a terceira dimensão de direitos – que é
aquela referente aos direitos de solidariedade7 ou fraternidade – deveria ser interpretada de
forma mais abrangente, de modo a incluir os direitos relacionados ao desenvolvimento, à
autodeterminação dos povos, ao meio ambiente sadio, à qualidade de vida, o direito de
comunicação e o direito à paz.
Entretanto, consoante professa Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p.51), com a intenção de
assegurar ao direito à paz um lugar de destaque, de sorte a resgatar a sua indispensável
relevância no contexto multidimensional que marca a trajetória e o perfil dos direitos
humanos e fundamentais, Paulo Bonavides entendeu ser imprescindível a inserção do direito à
paz em uma dimensão nova e autônoma, qual seja, a quinta dimensão, cujo papel seria o de
agregar todos os outros direitos fundamentais em torno da paz.
Nesse contexto, o direito à paz, tal qual preconizado por Paulo Bonavides, cujo
respeito e preservação se impõem em razão da primazia da dignidade da pessoa humana, pode
ser compreendido como:
[...] um direito do qual todos devem se beneficiar e uma situação que torna possível
o desenvolvimento humano integral. A paz é a condição que faz com que todos os
outros direitos sejam possíveis; a realização dos direitos fundamentais conduz, em
última instância, à verdadeira paz, baseada na liberdade, na justiça e na
8
fraternidade.
7
“Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio (...) dispõe de acentuado conteúdo ético, pois
contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a
reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional,
tanto que em seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna”. (DIAS, 2013, p. 69).
8
Tal compreensão foi proferida pelo Observador Permanente da Santa Sé na ONU em Genebra, Dom Silvano
Maria Tomasi, durante a 23ª Sessão do Conselho dos Direitos Humanos sobre o “Direito à paz”, no ano de 2013.
Disponível em
<http://pt.radiovaticana.va/news/2013/06/08/dom_tomasi:_a_paz_%C3%A9_um_direito_de_todos_e_torna_pos
s%C3%ADvel_/bra-699528>. Acesso em 14 jul. 2014.
407
408
isto é, como ausência de violência direta. A paz também pode ser definida de uma forma
positiva, enquanto ausência de violência indireta, isto é, de violência estrutural.
A violência estrutural seria o oposto da justiça social e, em verdade, corresponde a
aspectos como: a concentração de rendimentos e riqueza; a falta de acesso a direitos políticos
e sociais (como bens e serviços) para todos os segmentos da sociedade; o desemprego
estrutural, massivo e crônico; a distância que existe entre a Justiça e as camadas mais
marginalizadas da população, empobrecidas e vítimas de uma estrutura brutalmente desigual.
A violência estrutural abrange, portanto, aquelas modalidades de violência socioeconômica,
de gênero, étnica, cujos reflexos têm o condão de produzir pessoas desesperadas e
marginalizadas, que acabam por perder, paulatinamente, o seu sentido de humanidade num
mundo que não as acolhe, não as valoriza, nem as promove9.
Dessa forma, reconhecer à paz um papel de destaque, dentre tantos outros direitos
fundamentais, ascendendo-o à condição de “supremo direito da Humanidade”, como outrora
defendera Paulo Bonavides, consiste em fazer a defesa não só de uma sociedade livre de
conflitos armados, mas também – e principalmente – de uma humanidade disposta a conferir a
todos os homens o direito de viver com dignidade, cidadania e justiça.
9
Pax Christi Portugal - Movimento Católico Internacional para a Paz. Violência estrutural ou violência do
poder? Disponível em: <http://semanapaz2009.blogspot.com.br/2009/03/violencia-estrutural-ou-violencia-
do.html>. Acesso em 14 jul. 2014.
408
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410
Adotando a classificação proposta por Bonavides (2010), no que toca aos direitos de
terceira geração, referentes à solidariedade, que abrangem os direitos coletivos ao
desenvolvimento, ao meio ambiente equilibrado, à autodeterminação dos povos, são diversas
as questões que se inserem no âmbito agrário.
Sendo o Brasil um país que se destaca no cenário internacional pela exportação de
alimentos, é notório que o Direito Agrário encontra-se intimamente ligado com o direito
coletivo ao desenvolvimento, o qual não se pode afastar da questão ambiental.
Destaca Taisa Cintra Dosso (2008) que a preocupação com o meio ambiente, direito
de terceira dimensão por excelência, não pode ser ignorada pelos jusagraristas. Pelo contrário,
a partir da Constituição de 1988 e da realização da ECO-92, o Brasil assumiu um
compromisso internacional com a elaboração de um novo modelo de desenvolvimento, no
qual a preservação ambiental e a utilização racional dos recursos são fundamentais.
Ainda com relação à terceira dimensão de direitos, é possível observar questões
relacionadas à autodeterminação dos povos indígenas, no que diz respeito ao direito às terras
que tradicionalmente ocupam, consagrado no artigo 231 da Constituição de 1988. Também
questões relacionadas à erradicação do trabalho infantil, que permeia questões de Direito
Constitucional, Agrário, do Trabalho e da Criança e do Adolescente.
Com relação aos direitos de quarta dimensão, introduzidos pela globalização política,
referentes à cidadania, não é diferente a necessidade de interação com o Direito Agrário. De
acordo com Lucas Abreu Barroso (2014), a livre iniciativa traduz a liberdade para participar
da economia colaborando para o desenvolvimento econômico e social, pelo que deve respeitar
os valores sociais do trabalho, compatibilizando o regime de produção com a dignidade da
pessoa humana e a dimensão econômica da cidadania.
Noutro aspecto, Elisabete Maniglia (2014) assevera que o povo reprimido, sem
acesso aos meios de garantia de sua subsistência, e a que se insere também a questão do
acesso à terra, não tem força para participar da cidadania. Para a autora, a cidadania, quando
ameaçada, não tem outra voz além das urnas e dos movimentos populares. Desse modo, a
questão agrária encontra-se também relacionada à efetivação da cidadania, direito de quarta
geração.
Partindo da classificação proposta pro Bobbio, que apresenta a quarta dimensão de
direitos como os direitos relacionados à engenharia genética, estes exercem grande influência
sobre o direito agrário, sobretudo no que diz respeitos às pesquisas envolvendo alimentos
transgênicos.
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412
jurídicas interpessoais não seriam afetadas por essas mudanças. Todavia isso não ocorreu.
Atualmente, o jurista deve interpretar o Código Civil à luz da Constituição Federal, e não esta
à luz daquele, como anteriormente acontecia.
O ramo do Direito Civil sempre disponibilizou os conceitos e as classificações que
eram utilizados para a consolidação dos diversos ramos do direito público, até mesmo o
constitucional, visto que surgiu bem antes dos ramos do direito público. Porém, hoje os
princípios, os valores e as normas constitucionais é que norteiam o direito civil. Assim, se o
Código Civil e as leis civis forem aplicadas sem uma interpretação conforme à Constituição,
haverá um desvio do verdadeiro significado.
Os códigos civis tinham como paradigma o cidadão dotado de patrimônio, livre do
controle público. Dessa feita, as primeiras Constituições não trouxeram regulações acerca das
relações privadas, havendo, assim, a delimitação de um Estado mínimo. O Estado apenas
estabelecia as regras das liberdades privadas, no âmbito infraconstitucional.
É de relevância para compreender a temática, observar que o Estado social, no
âmbito do direito, é aquele que dispõe na Constituição a regulação da ordem econômica e
social, limitando, desse modo, além do poder político, o econômico. Atenta-se em que, no
século XX, ganhou destaque a ideologia do social, que trouxe valores de justiça social. Desse
modo, a sociedade passou a exigir o acesso aos bens e serviços que advinham da economia.
Posteriormente, o neoliberalismo e a globalização abalaram o Estado Social, fortalecendo a
necessidade da ordem econômica e social. Observa-se que enquanto o Estado e a sociedade se
modificaram, alterando a Constituição, os Códigos Civis continuaram fundamentados no
Estado Liberal, persistindo privilegiados os valores patrimoniais e individualistas.
Dessa maneira, a legislação civil tornou-se obsoleta. Observa-se que a Revolução
Industrial e os movimentos sociais fomentaram as exigências de liberdade e igualdades
materiais e novos direitos, mostrando a inadequação da codificação civil. Para a codificação
civil liberal, o valor necessário à realização da pessoa era a propriedade, e, em redor desta,
figuravam os outros interesses privados, juridicamente tutelados. O cunho patrimonalizante
das relações civis pode ser observado no fato de que os seus principais institutos são a
propriedade e o contrato.
Contudo, a patrimonialização das relações civis existente na legislação civil é
adversa aos valores fundados na dignidade da pessoa humana, que se encontram dispostos nas
Constituições modernas, inclusive na do Brasil. Dessa forma, a doutrina, em geral, passou a
compreender que os princípios são autoexecutáveis. É importante ressaltar que o Supremo
412
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trazida por León Duguit. Para ele, em oposição às doutrinas individualistas vigentes, a
propriedade é uma instituição jurídica que foi constituída para responder a uma necessidade
econômica, e, assim, evoluiu conforme essas necessidades.
Atenta-se em que, dentre os dispositivos constitucionais da função social da
propriedade, destaca-se a função social da propriedade rural. Para que essa função seja
cumprida, não é suficiente apenas o aproveitamento racional e adequado da propriedade,
devem-se, ainda, respeitar os limites da exploração; atender ao critério do uso adequado dos
recursos naturais e preservar o meio ambiente; cumprir os critérios de respeito às relações
trabalhistas e do exercício do bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. O art. 186 da
Carta Maior dispõe os requisitos que, juntamente com os critérios estabelecidos em lei, devem
ser observados para que a função social da propriedade rural seja cumprida. Verifica-se que o
descumprimento da função social da propriedade rural possui como consequência a
desapropriação-sanção, que tem previsão no art. 184 da Carta Magna. Esta é efetuada visando
ao interesse público, “reforma agrária”, por meio do pagamento de indenização em títulos da
dívida agrária.
Faz-se, ainda, necessário salientar que há diferença entre as limitações
administrativas ao direito de propriedade e a função social da propriedade. Constata-se que o
objeto que é alcançado pelas limitações administrativas diz respeito ao exercício do direito de
propriedade, tocando no uso, no gozo e na disposição, quando for necessário ao interesse
público. Elas possuem como espécies as restrições, as servidões e a desapropriação, ao passo
que a função social da propriedade possui como objeto a modificação da estrutura da
propriedade, flexibilizando o uso ilimitado e incondicionado desta (EVANGELISTA, 2013).
414
415
Um desses métodos para se alcançar uma maior equidade é o acesso à terra, o qual
está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento. Olhando sob a perspectiva da cidadania, ou
seja, do fato de que a pessoa tem direito e deveres, o acesso à terra é caracterizado pelo direito
de as pessoas proverem seu próprio sustento e pelo dever de serem produtivos, tanto para o
seu grupo familiar como para toda a sociedade. Portanto, percebe-se que visto sob esse
ângulo, o acesso à terra interliga as dimensões de direito.
Em suma, os direitos à liberdade, à vida, à dignidade, ao meio ambiente sadio estão
todos presentes nesse contexto, e, além disso, é obrigatório ressaltar, também, que, nessa
visão, entra o conceito de sustentabilidade tendo em vista o desenvolvimento econômico. Ou
melhor, o acesso à terra, ao garantir o direito ao desenvolvimento, à paz e a um meio
ambiente equilibrado, nada mais respeita os direitos da solidariedade, na medida em que
demonstram uma preocupação de cada ser humano com o outro, assim como da coletividade
com as gerações futuras.
Assim, uma das formas para ter acesso à terra é a reforma agrária. Nesse sentido,
analisando um caso em concreto, a decisão do Mandado de Segurança de número 22.164-0/SP
corrobora esse pensamento. Um dos argumentos utilizados pelo impetrante foi o de que as
terras dele não poderiam ser utilizadas para reforma agrária, pois se localizavam no Pantanal
Mato-Grossense, o qual é definido pela Constituição Federal como patrimônio nacional e,
assim, é vedada qualquer atividade que coloque em risco a função ecológica, conforme o art.
225 do diploma citado. Veja-se:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações.
[...]
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio
ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
Na decisão foi afirmado que não resta dúvida de que o Pantanal Mato-Grossense se
constitui como um patrimônio nacional e que deve haver a sua preservação. Foi reconhecido,
ainda, o direito a um meio ambiente equilibrado, o qual é considerado como um direito de
terceira dimensão, materializando-se os poderes de titularidade coletiva, respeitando o
princípio da solidariedade, o qual é importante no processo de desenvolvimento.
O direito a um meio ambiente equilibrado não é só direito das gerações presentes,
mas também das futuras, sendo a sua utilização sempre voltada à preservação para que as
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416
futuras gerações não sofram as consequências dos atos presentes. Transcende a esfera
nacional, por ser um compromisso de todas as nações – sendo dever tanto do poder público
como da sociedade, pois é um direito que pertence a toda a humanidade. Inclusive, foi
reconhecido na Conferência Rio/92 que o homem tem direito “à liberdade, à igualdade e ao
gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar” 10.
Todavia, esse argumento não pode ser utilizado para impedimento de desapropriação
para fins de reforma agrária, pois, apesar de o Poder Público ter por obrigação garantir o meio
ambiente equilibrado, isso não o impede de desapropriar para fins desse fim, porquanto, nas
palavras do Ministro Celso de Mello:
10
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n.º 22164-0 São Paulo. Relator: Ministro
Celso de Mello. Impetrante: Antônio de Andrade Ribeiro Junqueira. Impetrado: Presidente da República.
Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=85691>. Acesso em: 01
jul. 2014. p. 21.
11
Ibidem. p. 22 e 23.
12
Ibidem. p. 26 e 27.
416
417
Portanto, ao retirar a propriedade que não está cumprindo com a sua função social –
partindo do pressuposto de que a preservação do meio ambiente também faz parte do conceito
da função social –, está garantindo não só os direitos de primeira a quarta dimensão, ou seja, à
vida, à dignidade, à igualdade, ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, entre outros,
mas, também, é uma forma de alcançar a concretização do direito à paz, no sentido de que a
presente geração terá, efetivamente, um pedaço de terra para que a sua dignidade seja
garantida, como as futuras gerações poderão ter e utilizar um ambiente equilibrado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em tempos de ascensão da dignidade da pessoa humana como valor universal a
pautar a atuação do Estado e da própria sociedade, o contemporâneo Direito Civil rompe com
sua concepção tradicional, abalizada em um modelo voltado à proteção incondicional da
propriedade privada, para inaugurar um modelo alicerçado nos ditames principiológicos
constitucionais, especialmente na ideia de função social e solidariedade. Sob a perspectiva da
constitucionalização do direito civil, o indivíduo passou a ser o centro do sistema jurídico, e a
propriedade privada deixou de ser um fim em si mesma para transformar-se num instrumento
de dignificação do homem.
Nesse contexto, orientado por esse fenômeno de constitucionalização do direito
privado e acompanhando as inexoráveis transformações por este propugnadas, o Direito
Agrário assumiu uma nova postura e um novo fundamento: como ramo autônomo da ciência
jurídica, passa a fundamentar-se no princípio da função social da propriedade. Dessa forma,
abre-se espaço às discussões envolvendo uma nova gama de direitos, que outrora não
mereciam atenção por parte deste ramo do Direito, em razão de sua perspectiva altamente
patrimonializada, dentre os quais se destacam os direitos relativos à 3ª e 5ª dimensões de
direitos.
O acesso à terra, finalidade primordial da funcionalização do direito à propriedade
privada, ao assumir a condição de instrumento essencial à garantia do direito ao
desenvolvimento, à paz e a um meio ambiente equilibrado, respeita, em última análise, os
direitos da solidariedade, tal qual previstos na ordem jurídica constitucional brasileira, na
medida em que demonstra uma preocupação recíproca entre os seres humanos, assim como da
coletividade com as gerações futuras.
Essa nova ordem de direitos, destinados à proteção do desenvolvimento sustentável,
da democracia, da cidadania e da paz, é o que permite uma crescente aproximação entre o
417
418
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420
CAPÍTULO XXIII – IMPACTOS DO DIREITO AGRÁRIO EMPRESARIAL
PARA A SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL
INTRODUÇÃO
O homem, durante séculos, preocupou-se unicamente com a exploração do
ambiente em que vive, modificando-o continuamente sem qualquer parâmetro, no
intuito primeiro de produzir riquezas. Nas últimas décadas, entretanto, tem sido patente
o discurso acerca da relevância da racionalização das formas de uso dos recursos
naturais disponíveis. Isso se deveu especialmente à contínua escassez dos recursos
energéticos não renováveis, a exemplo do carvão e do petróleo, que desencadearam
crises econômicas em nível mundial.
Inúmeras pesquisas científicas, por sua vez, constataram que a exploração
desenfreada da natureza já produz nos dias atuais danos irremediáveis, como o aumento
contínuo de intoxicação respiratória por causa da poluição, o aumento da incidência de
câncer em nível global e as rigorosas alterações climáticas ocasionadas pelo degelo dos
polos Ártico e Antártico. Ademais, é notório que as práticas violadoras do meio
ambiente põem em risco a existência de recursos naturais indispensáveis para a
satisfação das necessidades das gerações futuras.
Estudos demonstram que práticas alarmantes de produção de gases tóxicos
nocivos à atmosfera, de contaminação dos recursos hídricos e sua escassez, bem como
dos recursos energéticos, de desertificação dos solos também estão intimamente ligadas
às atividades agropecuárias. Estas, por sua vez, ainda nos dias atuais, consistem no
principal elemento constituidor do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.
O tema da exploração agrária no Brasil, por esse motivo, é de singular
importância, já que seus reflexos se sobrelevam às questões econômicas, possuindo
421
inúmeros desdobramentos no contexto ambiental e também social, gerando renda não
apenas aos trabalhadores rurais, mas indiretamente a toda a nação.
Diante da referida problemática, tem-se debatido acerca da implementação de
práticas sustentáveis às atividades agropecuárias, num esforço conjunto em nível
internacional e regional. Procura-se conciliar o lucro objetivado pelas empresas com o
fomentado uso racional dos recursos naturais disponíveis, através de programas
políticos eficazes, seja na prevenção da prática exploradora danosa, seja na punição das
mesmas. Nessa conjuntura, o presente artigo acadêmico se propõe a realizar uma breve
análise acerca dos impactos da atividade agrária empresarial na sustentabilidade
socioambiental.
1. SUSTENTABILIDADE
A sustentabilidade é um elemento que atualmente tem sido de fundamental
importância para a desenvoltura do agronegócio, já que a sociedade globalizada tem
continuamente ampliado suas exigências no que tange ao sistema de produção
agropecuária na tentativa de minimizar os danos à natureza, prolongar a vida útil dos
produtos, preservando ou tornando os recursos naturais mais duráveis. Corrobora isso a
crescente pressão política no sentido de promover a equidade e a bem-estar coletivo,
exigindo, em nível mundial, uma produção equilibrada de produtos alimentícios e
tecnológicos, menor poluição e maior racionalização do uso de todos os instrumentos de
produção e de consumo. Dessa maneira, é indispensável que seja estabelecido um
padrão de tecnologia sustentável apto a desenvolver todos esses aspectos.
O conceito de sustentabilidade, dessa forma, envolve o desenvolvimento
econômico, a qualidade ambiental e a equidade social. Foi moldado em 1972 quando a
Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu, em Estocolmo (Suécia), a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Nos últimos tempos,
a sustentabilidade acabou se tornando um princípio que encerra a ideia de que o uso dos
recursos naturais no presente não deve comprometer a satisfação das necessidades
futuras.
Nesse ínterim, entende-se que uma sociedade é sustentável quando não põe em
risco o uso dos recursos naturais dos quais depende. Entretanto, seu conceito abrange
mais que o uso racional do meio ambiente, uma vez que leva em consideração a
qualidade de vida dos homens, o uso de tecnologias limpas, a responsabilidade social,
422
dentre muitos outros aspectos. Assim, sustentabilidade é a capacidade de suporte ou
sustentação, tendo como elemento central a inteligência de que existe uma inadequação
econômica, social e ambiental nos meios de produção e consumo das sociedades
contemporâneas.
Tendo em vista essa múltipla faceta da sustentabilidade, é comum que seja
analisada em cada um de seus aspectos, nas chamadas Dimensões, das quais as mais
comuns são as dimensões humana ou social, ecológica ou ambiental e econômica.
423
seu esgotamento ou a sua vulnerabilidade. Dessa forma, visa à satisfação das
necessidades humanas com o uso racional dos recursos naturais disponíveis, sem
comprometer a existência destes para as gerações futuras. Deve envolver, ainda, a
promoção da saúde humana, com a diminuição do lançamento de gases tóxicos na
atmosfera e outras práticas nocivas ao ambiente e ao próprio homem, ou seja, com a
preservação ambiental dos seres vivos em geral (fauna e flora) como dos recursos
inanimados.
No agronegócio, a sustentabilidade ecológica/ambiental envolve ações que
visam reduzir a emissão de substâncias nocivas na atmosfera, nos efluentes líquidos e
no solo, através do uso consciente da energia e da água, do respeito às normas
ambientais, da compra de materiais de fornecedores também com consciência
ambiental, do investimento em biodiversidade, da reciclagem, do uso racional dos
produtos, dentre outros elementos.
424
A atividade econômica deve ser desenvolvida sempre com o devido respeito ao
meio ambiente. A atividade agrícola e fundiária, mais especificamente, tem a dimensão
econômica também atestada na Carta Maior, do art. 184 ao art. 191.
Dentro dessa conjuntura, percebe-se que as dimensões da sustentabilidade
supramencionadas frenquentemente se confundem. O que as delimita, em sua essência,
é a adequação da exploração racional dos recursos naturais à finalidade humana a que se
destinam.
Como restará demonstrado, a sustentabilidade tem fundamental importância
para o agronegócio, já que este frequentemente se utiliza de práticas nocivas ao meio
ambiente, causando-lhe, não raro, extremo dano, o que naturalmente põe em risco a
existência de recursos para a satisfação das necessidades humanas futuras. Entretanto,
esse quadro tem sido alterado, ainda que em ritmo menos acentuado em relação ao que
se propõem os tratados internacionais e as políticas regionais, especialmente em face de
concessões de vantagens tributárias aos empresários que investem na prática da
sustentabilidade.
Nessa conjuntura, cada vez mais empresas têm incorporado às suas estratégias
ações sustentáveis que lhes promovem uma vantagem competitiva, já que as põem na
dianteira desse novo mercado emergente.
425
seu objeto, tal conceito é válido não só para as empresas em geral, mas também para a
empresa agrária em particular.
Dessa forma, a diferença existente entre a empresa agrária e as demais
empresas reside somente na espécie de atividade exercida ou no seu objeto econômico
próprio. Assim, a forma de exercício das empresas é geral, pois todas contam com os
mesmos requisitos (economicidade, organização, profissionalismo e produção e/ou
circulação de bens e/ou serviços para o mercado), ao passo que o que diferencia a
empresa agrária das demais empresas é o exercício de uma atividade agrária por aquela.
Dessa maneira, a empresa agrária consubstancia-se em uma atividade de intuito
econômico, pois sua produção visa obter ganhos patrimoniais. Conclui-se, portanto,
estar excluída do conceito de empresa agrária a atividade agrária de mera subsistência,
em que os limitados produtos obtidos são suficientes só para a subsistência do produtor
e de sua família, não sendo destinados ao mercado consumidor em geral. Igualmente,
também estão excluídas as atividades recreativas e científicas.
Outra característica é a presença de um certo nível de organização que possa
sistematizar e incrementar os seus ganhos econômicos.
Ainda sobre a organização na empresa agrária, assim como modernamente não
se tem exigido das demais empresas em geral, destaque-se não haver
imprescindibilidade da contratação de mão de obra de terceiros, alheios ao núcleo
familiar do produtor agrário, ou associação entre produtores agrários visando formar
uma cooperativa.
Acerca do profissionalismo na empresa agrária, é importante salientar que a
sazonalidade intrínseca a várias das atividades agrárias não interfere na verificação
desse requisito empresarial imprescindível. No entanto, para caracterizar-se o
profissionalismo, é preciso ao menos que o produtor agrário, respeitadas as limitações
temporais impostas pela natureza, exerça a empresa agrária quando possível for. O que
importa para preencher tal requisito é que a atividade seja não ocasional.
Noutro giro, como o diferencial da empresa agrária é a dedicação,
prioritariamente, ao exercício de uma atividade agrária principal, poder-se-ia pensar que
tal empresa sempre se dedica à produção de bens agrários para o mercado. Contudo, ao
analisar a empresa agrária, não se pode perder de mira que existem atividades agrárias
acessórias que gravitam em torno da referida atividade agrária principal, nos termos da
correta interpretação do art. 971 do Código Civil – o cerne da empresa agrária no direito
brasileiro. Essas atividades agrárias acessórias são empresariais, e, dependendo do caso,
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além da produção de bens, também podem se dedicar à produção de serviços e à
circulação de bens e/ou de serviços.
Conforme visto, no direito brasileiro, o rol de atividades agrárias principais
consta dos incisos do art. 2º da Lei 8.023/90, dispositivo legal que traz a interpretação
legislativa ou autêntica da expressão atividade rural contida no art. 971 do Código Civil.
Logo, podem configurar a atividade agrária principal: (i) a agricultura; (ii) a
pecuária; (iii) a extração e a exploração vegetal e animal; (iv) a exploração da
apicultura, da avicultura, da cunicultura, da suinocultura, da sericicultura, da
piscicultura e de outras culturas animais; (v) a transformação de produtos decorrentes da
atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in
natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios
usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima
produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do
leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de
apresentação.
Por seu turno, as atividades agrárias acessórias, apesar de não serem a principal
profissão ou atividade preponderante da empresa agrária, são intrinsecamente
empresariais e podem destinar-se à produção e/ou circulação de bens e/ou serviços para
o mercado. Com efeito, no âmbito da empresa agrária podem ser também exercidas,
desde que acessoriamente à produção de bens agrários, atividades de transformação,
comercialização, transporte e, até mesmo, prestação de serviços (como no caso do
agroturismo).
Dessa forma, no âmbito da empresa agrária, conforme o art. 971 do Código
Civil, deve ser exercida obrigatoriamente uma atividade agrária principal (de produção
de bens agrários), com prioridade por ser a principal profissão, mas também é possível
o exercício de outras atividades agrárias acessórias, desde que o sejam pela mesma
pessoa (vínculo subjetivo) e em caráter de acessoriedade e com relativa dependência
econômico-funcional (vínculo objetivo).
Em conclusão, a empresa agrária é uma atividade econômica, organizada,
profissional (não eventual), destinada prioritariamente à produção agrária, relacionada
com alguma das atividades elencadas no art. 2º da Lei 8.023/90 e, eventualmente,
também com outras atividades empresariais acessórias àquelas.
427
2.2. Agronegócio
Já o agronegócio (ou agribusiness) expressa uma ideia mais ampla que a da
empresa agrária agroindustrial e a da agroindústria em sentido estrito. Engloba o
agronegócio a análise de toda e qualquer atividade econômica que tenha ligação com a
produção agrária. Dessa forma, o agronegócio relaciona-se com os setores econômicos
situados antes, dentro e depois da porteira. Pode-se defini-lo como o conjunto
organizado de atividades econômicas que envolve a fabricação e o fornecimento de
insumos, a produção agropecuária, o processamento, a armazenagem, a distribuição e a
comercialização de produtos de origem agrícola ou pecuária, as formas privadas de
financiamento e as bolsas de mercadorias e de futuros.
Infere-se que o agronegócio, além de buscar analisar amplamente os reflexos
econômicos da empresa agrária em vários setores, reflete também a tendência de adoção
de uma visão empresarial e mercadológica da atividade agrária.
2.3. Agroindústria
Com muita frequência, principalmente na atualidade, doutrina, jurisprudência e
legislação utilizam os termos empresa agrária, agronegócio e agroindústria sem precisão
técnica, confundindo-os ou lhes atribuindo significados mais ou menos amplos.
Hodiernamente, a correta interpretação do art. 971 do Código Civil não deixa
dúvidas quanto à definição de empresa agrária, conforme já demonstrado.
Porém, como a empresa agrária também pode ser integrada por atividades
empresariais intrinsecamente não agrárias – as chamadas atividades agrárias acessórias
–, eventualmente a própria empresa agrária vai se encarregar da produção agrária e
também da industrialização dos respectivos produtos primários daquela. Nesse caso, a
agroindústria integra o conceito de empresa agrária, sendo uma atividade agrária
acessória. Muitos autores empregam o termo ‘agroindústria’ sem precisar
especificamente o seu significado. Em sentido estrito, a agroindústria é um complexo
industrial de atividades econômicas secundárias de transformação e de processamento
de produtos primários, cuja atividade industrial é regulada precisamente pelo Direito de
Empresa, excluindo-se da tutela jurídico-agrária. É uma indústria cuja matéria-prima é
oriunda da atividade agrária.
Contudo, a agroindústria também pode existir de maneira relativamente
autônoma em relação à empresa agrária. Basta que determinada empresa se dedique à
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industrialização de produtos primários para que, dessa forma, já seja considerada
agroindústria.
O fato é que, como a mesma pessoa não é a encarregada de fornecer os
produtos primários e promover a respectiva industrialização, a agroindústria é apenas
relativamente autônoma perante a empresa agrária, pois a dependência não se dá entre a
atividade principal e a acessória, mas sim na mera dependência de fornecimento de
matéria-prima (produtos primários) para a agroindustrialização (dando origem a
produtos secundários).
[…] o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e por
sua família, lhes absorva toda a força do trabalho, garantindo-lhes a
subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para
cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalhado com a ajuda de
terceiros.
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econômico. Afirma-se, nesse ponto, que a proliferação da Propriedade Familiar
garantiria uma melhor distribuição de terras, tanto em termos qualitativos como
quantitativos.
São, portanto, elementos para a caracterização do imóvel rural como
Propriedade Familiar: a) titulação; b) exploração direta e pessoal, pelo agricultor e por
sua família, de tal maneira que lhes absorva toda a força de trabalho; c) área variável
conforme o tipo de exploração; d) possibilidade de ajuda de terceiros, em caráter
eventual. Dentre esses elementos, é a exigência de exploração direta e pessoal pelo
agricultor e por sua família que caracteriza o instituto em estudo, razão pela qual é
apontado como o mais importante, diferenciando a Propriedade Familiar da Pequena
Propriedade Rural.
2.4.4. Minifúndios
Conforme disposição do inciso IV, do art. 4º, do Estatuto da Terra, minifúndio
é o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da Propriedade Familiar,
exprimindo a ideia de uma gleba que, pelas proporções que apresenta, pode até absorver
toda a força de trabalho do agricultor e de sua família, mas não se presta a prover-lhes o
sustento ou, ainda, o progresso social e econômico. Assim, o minifúndio corresponde ao
que, no Direito Argentino, chama-se parvifúndio, ou imóvel rural deficitário.
Quanto à origem, os minifúndios caracterizam-se por serem produto de
imposições de ordem econômica ou, ainda, de grandes necessidades, afirmando-se,
nesse ponto, que o Brasil tem grande predisposição minifundiária, notadamente na
região nordeste, onde os complexos processos sucessórios, desencadeados nas famílias
constituídas por grande número de membros, são características marcantes. Por outro
lado, os instrumentos de combate ao Minifúndio são: a desapropriação; a proibição de
alienação de áreas inferiores ao módulo rural ou à fração mínima de parcelamento; e o
remembramento de áreas minifundiárias.
Fala-se em combate porque o Minifúndio, ao contrário do que se verifica com a
Propriedade Rural, é um instituto desestimulado, na medida em que não cumpre com a
função social, não se compatibilizando com o sistema fundiário brasileiro.
2.4.5. Latifúndio
Na forma do Estatuto da Terra, Latifúndio é o imóvel rural cuja área é igual ou
superior ao módulo rural, sendo mantido inexplorado ou explorado de forma
inadequada ou insuficiente, a saber, aquém de suas possibilidades, razão pela qual não
cumpre sua função social.
O Latifúndio pode ser classificado, ainda, em: a) latifúndio por extensão ou b)
por exploração, sendo o primeiro o imóvel cujo tamanho excede a área de 600
431
(seiscentos) módulos fiscais e o segundo, o imóvel inexplorado ou explorado de forma
inadequada, tendo em conta suas possibilidades.
Assim como os Minifúndios, os Latifúndios são prejudiciais à economia no
meio rurígena, razão pela qual sua manutenção é desestimulada ou combatida,
afigurando-se, como meios para tanto, a desapropriação e a tributação – tendo em vista
os critérios da progressividade e da regressividade. Nesse particular, afirma-se que uma
pesada tributação teria o condão de compelir, de forma indireta, os latifundiários ao
cumprimento da função social, seja desfazendo-se do latifúndio por extensão, ou
tornando produtivo o latifúndio por exploração.
432
Todavia, os sistemas de produção rural não são definidos exclusivamente por
seus componentes ambientais, destacando-se, também, as alterações dos fatores sociais,
a produzir reflexos significativos nos sistemas de produção. É que a sustentabilidade
também possui um viés social, campo em que os principais obstáculos relacionam-se à
capacidade do sistema de abastecer a sociedade e à repartição do produto da produção
agrícola. Assim, fala-se em: redução da pobreza; condições de moradia; acesso à terra;
participação social; acesso aos recursos naturais; salário digno, etc.
Nesse ponto, afirma-se que os principais óbices à sustentabilidade são: a) a
pobreza rural, causada pela incapacidade de produção em larga escala e pela carência de
educação básica, de conhecimentos técnicos e de capital; e b) a diminuição da força de
trabalho rurígena (êxodo rural), causada por aspectos como a brutalidade do trabalho no
meio agrícola, bem como pela pobreza rural.
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Rio+20, que teve como tema central a Economia Verde, que é um conceito melhorado
de Desenvolvimento sustentável. Para a aplicação da economia verde são necessários
incentivos governamentais através de políticas, subsídios e incentivos fiscais e de
financiamento para os empresários rurais que adotarem medidas sustentáveis.
A utilização de agrotóxicos é ampla na produção, o que gera incertezas acerca
de seus efeitos nocivos. Relatórios da ANVISA demonstram que o nível de resíduos nos
alimentos é alto, o que gera danos ao solo e aos consumidores. O crescimento no
consumo de agrotóxicos e a importância da agricultura para o Brasil representam um
desafio contínuo ao país. É necessário proteger o meio ambiente, mas a avaliação
ambiental deve também levar em consideração a competitividade e a produtividade
agrícolas. O uso de agrotóxicos aumenta a produtividade das lavouras, mas, em
contrapartida, gera um desequilíbrio ambiental, o que atinge, direta e indiretamente, a
população.
Para atenuar os danos causados, o IBAMA, através de decreto expedido pelo
Ministério do Meio Ambiente, é o responsável por catalogar o nível de periculosidade
dos agrotóxicos e, assim, controlar a utilização destes. Os fertilizantes também são
bastante utilizados na atividade agrícola brasileira, porém, após a sua utilização, alteram
as características físico-químicas do solo e podem contaminar o lençol freático.
Um dos fertilizantes mais utilizados é o NPK (nitrogênio, potássio e fósforo),
sendo o Brasil o 4º maior consumidor mundial do produto. Também no Brasil, devido à
acidez do solo, se utiliza amplamente a técnica de calagem, fonte de CO2. Para reduzir a
utilização de fertilizantes nocivos, devem ser estimuladas a utilização dos fertilizantes
naturais e a intensificação da rotação de culturas que utilizam plantas fixadoras de
nitrogênio.
A água, aparentemente, não seria um problema para o Brasil, que possui a
maior reserva hídrica do planeta. Porém os índices demonstram que estamos
caminhando para uma situação de escassez de água. O setor agrícola é o que consome a
maior quantidade de água em todo o mundo. No Brasil, a ANA estima que 69% de toda
a água consumida no país é para irrigação, com elevado grau de desperdício, pela
utilização de técnicas inapropriadas e pelo plantio de culturas em locais inadequados ao
seu desenvolvimento. Dados estimam que práticas racionais de irrigação podem reduzir
em 20% o consumo de água e, em 30%, o de energia. Tais práticas devem ser adotadas
e estimuladas.
434
Além disso, deve ocorrer a adequação de locais produtivos, de modo a diminuir
a necessidade de plantio irrigado, devem ser estimuladas práticas de reutilização da
água, tratamento in loco e medidas de proteção aos mananciais.
É importante salientar que todas essas práticas precisam estar atreladas no
sentido de promover também a dimensão social da sustentabilidade. Urge ser
considerada a capacidade de a agricultura e a pecuária gerarem empregos, sejam eles
diretos ou indiretos, e de contribuírem para regular a urbanização acelerada e
desorganizada. Esse desafio consiste em adotar sistemas de produção aptos a gerar
renda para o trabalhador rural, promover condições dignas de trabalho e subsistência
com remuneração compatível com sua importância no processo produtivo brasileiro.
É necessário construir novos padrões de organização social da produção
agrícola por meio da implantação de reforma agrária compatível com as necessidades
locais, levando em consideração a funcionalidade dos vários tipos de propriedades
rurais estudados e da gestação de novas formas de estruturas produtivas.
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a Política Nacional de Meio Ambiente sob os auspícios do Ministério do Meio
Ambiente.
Os Órgãos Seccionais são as entidades de cada Estado da Federação
responsáveis por executar programas e projetos de controle e fiscalização das atividades
potencialmente poluidoras.
Ademais, há órgãos locais que são os responsáveis pelas atividades de controle
e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática agropecuária consiste numa das formas de exploração dos recursos
naturais que mais agridem o meio ambiente. Isso porque os agricultores e os
empresários, como um todo, comumente desenvolvem suas atividades com o intuito de
satisfação de suas finalidades presentes, sejam de subsistência, sejam de obtenção de
lucros. Não analisam a natureza em seu aspecto macro, ou seja, a complexa inter-
relação dos ecossistemas, tampouco voltam seus olhares para os danos futuros.
No contexto brasileiro, percebe-se que a classificação da propriedade rural e a
sua administração por parte do governo têm avançado no sentido de promover o melhor
aproveitamento das terras, com a maximização do seu uso especialmente por parte dos
pequenos produtores e para a geração de emprego, no intuito de atender à função social
da propriedade. Entrementes, as políticas de incentivos fiscais intentam difundir práticas
sustentáveis que se coadunam com as atuais expectativas de uma sociedade atenta às
múltiplas facetas que a exploração do meio ambiente produz.
Nesse sentido, o discurso da sustentabilidade tem fundamental relevância para
a continuidade da exploração agrária e pecuária, uma vez que põe no cerne do debate a
importância da percepção de todos os fatores que envolvem as referidas atividades, seja
no seu contexto social, ambiental ou econômico. Procura abalizar as problemáticas
latentes nos diversos contextos e propor soluções que atendam aos interesses de todos
os envolvidos.
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436
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