Marcelo Faraldo Recski VC
Marcelo Faraldo Recski VC
Marcelo Faraldo Recski VC
São Paulo
2021
Marcelo Faraldo Recski
Versão Corrigida
(versão original disponível na Biblioteca da ECA/USP)
São Paulo
2021
Nome: RECSKI, Marcelo Faraldo.
BANCA EXAMINADORA
Instituição: USP
Julgamento: Aprovado
Instituição: UFSCar
Julgamento: Aprovado
Instituição: Pesquisador
Julgamento: Aprovado
AGRADECIMENTOS
Este trabalho tem como objetivo geral investigar, analisar e comparar os diferentes
processos de direção musical em Corais e Grupos Vocais, a partir do estudo do
fenômeno da comunicação que ocorre entre seus membros e da observação dos
trabalhos de seus respectivos líderes. O objetivo específico é identificar diferenças e
semelhanças nos procedimentos utilizados para que a melhor performance possível seja
alcançada, além de refletir sobre questões envolvidas nas práticas interpretativas. Os
referenciais teóricos para a pesquisa foram levantados em diferentes áreas, tais como
Comunicação, Neurociência, Psicologia, Educação Física, Musicologia, Musicoterapia,
Performance Musical e Regência, sendo ilustrada com vídeos, colecionando uma
amostra de imagens que exemplifica alguns procedimentos de comunicações que geram
soluções para eventuais problemas musicais na performance. O primeiro capítulo trata
de discutir o fenômeno da Comunicação Humana (verbal e não-verbal) e o processo de
empatia entre duas ou mais pessoas. Já no segundo, a Comunicação aproxima-se da
Música e da performance musical em si, através do estudo da relação entre gestos físico
e musical e dos trabalhos de regentes nos corais e de diretores musicais/cantores em
ensembles vocais, focando nos diferentes tipos de direção musical sob o prisma da
comunicação e da liderança. O terceiro capítulo é composto de exemplos em vídeos
comentados e devidamente analisados, exemplificando casos específicos. O trabalho se
encerra com considerações a respeito da experiência comunicacional em grupos
musicais, além de refletir sobre a sua importância no desenvolvimento e na ampliação
da consciência musical, tanto no âmbito individual quanto no coletivo.
The general objective of this work is to investigate, analyse and compare the different
processes of musical direction in choirs and vocal groups, based on the study of the
communication phenomenon that occurs among their members and on observing their
respective leaders' work. The specific objective is to identify differences and similarities
among the procedures used looking for achieving the best as possible performance,
besides reflecting on issues involved in the interpretative practices. The theoretical
references for the research were surveyed in different areas, such as Communication,
Neuroscience, Psychology, Physical Education, Musicology, Music Therapy, Music
Performance, and Conducting. These references are illustrated with videos, collecting a
sample of images that brings examples of some communication procedures that
generate solutions for eventual musical troubles in the performance. The first chapter
discusses the phenomenon of human communication (verbal and non-verbal) and the
process of empathy between two or more people. In the second chapter, communication
approaches music and musical performance itself, through the study of the relationship
between physical and musical gestures, the study of the work of conductors in choirs,
and of musical directors-singers in vocal ensembles, focusing on the different types of
musical direction from the perspective of communication and leadership. The third
chapter is composed of commented and analysed specific video examples. The work
ends with considerations about the communicational experience in musical groups and
reflects about its importance in the development and expansion of musical
consciousness, both individually and collectively.
LISTA DE ABREVIATURAS:
CNV – Comunicação não-verbal
CV – Comunicação verbal
NV – Não-verbal
‘ - minuto
“ – segundo
Tpt – trompete
Tpts - trompetes
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 A COMUNICAÇÃO
1. Conceito / Revisão Bibliográfica............................................................................. 4
1.1 A Comunicação Não-Verbal .................................................................................. 4
1.2 A Comunicação Humana: a inclusão da Linguagem Verbal.................................. 6
1.3 O Processo da Comunicação Humana.................................................................... 8
1.3.1 A Empatia ................................................................................................... 10
1.3.1.1 Os Neurônios-Espelho ........................................................................... 11
1.3.1.2 A Mímica Motora .................................................................................. 13
1.3.1.3 A Teoria da Percepção-Ação ................................................................. 15
1.3.1.4 As Influências na Interação Empática ................................................... 16
CAPÍTULO 2 A COMUNICAÇÃO NA PERFORMANCE MUSICAL
2. A Comunicação e a Música ................................................................................... 20
2.1 O Gesto ....................................................................................................... 24
2.1.1 O Gesto Físico ...................................................................................... 24
2.1.2 O Gesto Musical ................................................................................... 26
2.2 A Comunicação na Regência Coral ............................................................. 32
2.2.1 A Regência Coral e a Comunicação Não Verbal: uma Íntima Relação .32
2.2.2 A Regência Coral e a Comunicação Verbal: um Importante Auxílio ... 38
2.3 A Comunicação em Grupos Vocais ............................................................. 41
2.3.1 A Performance num grupo de solistas ................................................... 44
2.3.1.1 Comunicação Visual e Comunicação Aural ...................................... 48
2.3.1.2 Energia ............................................................................................... 50
2.3.1.3 Liderança num Conjunto Musical ..................................................... 52
CAPÍTULO 3 OS EXEMPLOS
3. Critérios para a Seleção dos Vídeos ...................................................................... 56
3.1 Soluções utilizando Comunicação Visual .................................................. 58
3.1.1 Vídeo 1 - Ajustando a precisão da letra ‘K’ com regência ………… 58
3.1.2 Vídeo 2 - Utilizando regência num grupo vocal ................................ 59
3.1.2.1 Vídeo 3 - Ajustando acordes ............................................... 62
3.1.2.2 Vídeo 4 - Ajustando nuances .............................................. 64
3.1.3 Vídeo 5 – Regência compartilhada .................................................... 65
3.1.3.1 Vídeo 6 – Regência não-compartilhada .............................. 68
3.2 Soluções utilizando Comunicação Aural ..................................................... 69
3.2.1 Vídeo 7 - Cantar em círculo virado para fora ..................................... 69
3.2.1.2 Vídeo 8 – Comparando a performance ................................ 72
3.2.2 Vídeo 9 – Cantando com microfone numa cena ................................ 75
3.3 Soluções Aurais e Visuais: utilizando coordenação externa ....................... 79
3.3.1 Vídeo 10 – Liderança musical coordenada ......................................... 79
-1-
Por outro lado, há um bom número de trabalhos – inclusive brasileiros – sobre
comunicação, notadamente a não-verbal, em áreas como Educação Física, Marketing,
Psicologia, Medicina, Musicoterapia, entre outras. Aparentemente, o interesse vem
aumentando consideravelmente:
O reconhecimento da existência e da importância de um modo não-verbal
expresso através do corpo e do movimento do ser humano, ao lado do
verbal, é de capital importância para profissionais que interagem com
pessoas no seu dia a dia, principalmente para aqueles cuja ação está mais
diretamente relacionada ao corpo e ao movimento como os psicólogos,
médicos e os profissionais de Educação Física. (...) estudos e pesquisas
desenvolvidos por estudiosos de diferentes áreas colocam em evidência a
importância e o interesse com que a expressividade humana vem sendo
estudada. (...) Fica então evidente que, conhecimentos teóricos sobre a
comunicação não-verbal, bem como a habilidade de emitir ou receber
sinais não-verbais podem estar intimamente relacionados à atuação
profissional do indivíduo na sociedade em determinadas profissões, os
sinais não-verbais assumem relevância, na medida em que contribuem
para uma maior percepção da outra pessoa (...) (MESQUITA, 1997,
p.160-162).
O foco deste estudo está nos procedimentos de comunicação entre músicos, mais
especificamente, os cantores de pequenos grupos vocais, que trocam informações
musicais entre si sem a regência tradicional, comparando-os aos procedimentos de
comunicação utilizados pelo regente coral.
Vale acrescentar neste momento, que a denominação ‘grupo vocal’ - que será
usada em toda esta dissertação – pode eventualmente causar alguma confusão ao leitor,
pois, no escopo do canto em conjunto, pode se referir a formações que abrangem de
duetos a grandes corais. No passado, um pequeno grupo de cantores, muito populares
-2-
nos principais meios de comunicação da época, era chamado de ‘conjunto vocal’ no
Brasil, numa denominação até mais adequada no nosso entender. Embora ainda
possamos usá-la, o termo ‘grupo vocal’, ao longo das últimas décadas, foi tomando
espaço até se tornar o mais usado ao se referir a esses mesmos conjuntos. Posto isto,
para evitar dúvidas, neste estudo, a denominação ‘grupo vocal’ sempre se referirá a
ensembles de até oito cantores, com e sem acompanhamento instrumental, com e sem o
uso de microfones, executando qualquer repertório.
Delimitamos esta pesquisa no âmbito dos Corais e Grupos Vocais por serem,
pela nossa experiência, mais familiares, embora outras formações sejam também
citadas. Por esse motivo, imaginamos que este trabalho também possa servir de
referência não só para regentes de corais e integrantes de conjuntos vocais, mas também
para regentes de outras formações, incluindo orquestrais, além de professores e
praticantes de música de câmara. Enfim, um trabalho dedicado a músicos que atuam em
conjunto em qualquer estilo musical.
1
Esta dissertação foi escrita nos anos de 2020 e 2021 - marcados pela pandemia de COVID-19. Isso
causou distanciamento social em todo o mundo, impossibilitando a ocorrência de ensaios presenciais de
grupos de cantores. Consequentemente, nossa participação como observador ou integrante nesses
grupos - planejada desde o início do mestrado e que serviria como fonte de informações para a redação
deste texto - não pôde acontecer. Por isso, optamos por usar somente vídeos públicos (livres de direitos
autorais) especialmente escolhidos para ilustrar este trabalho, acreditando que a finalidade de
exemplificar cada caso foi plenamente cumprida. Esses vídeos ainda estão disponíveis na internet, mas,
como garantia, foram também baixados de lá e guardados em arquivos que serão disponibilizados
juntamente com este texto.
-3-
CAPÍTULO 1: A COMUNICAÇÃO
Kendon2 (1981, apud RECTOR, 1975, p. 31), afirma que o termo CNV é “usado
para denominar todos os modos pelos quais a comunicação se efetua entre pessoas,
quando em presença umas das outras, por outros meios que não palavras.” Para Love3
(1993 apud FUELBERT, 2003, p.12), ela engloba “gestos, movimentos corporais, uso
de espaço interpessoal, expressões faciais, toque, postura, olhar, contato visual, para-
linguagem, além da aparência física e hábitos pessoais”.
Corraze (1982), afirma que a comunicação não-verbal é um dos meios de
transmitir informação, se referindo a este tipo de comunicação no plural: “as
comunicações não-verbais são definidas como os diferentes meios existentes de
comunicação entre seres vivos que não utilizam a linguagem escrita, falada ou seus
2
KENDON, A. Nonverbal communication, interaction and gesture. The Hague, Mouton, 1981
3
LOVE, E. B. The development and preliminary construct validity of a screening measure of nonverbal
communication: the emory dyssemia inventory. 1992. Tese (Doutorado) - Emory University, Atlanta,
1992 apud FUELBERTH, R. J. V. The effect of conducting gesture on singers’s perceptions of
inappropriate vocal tension. International Journal of Research in Choral Singing, [s.l], v. 1, n. 1, p. 13-21,
2003
-4-
derivados não-sonoros (linguagem dos surdos-mudos, por exemplo).” Como explica
Mesquita na sequência de seu artigo, o conceito de Corraze:
evidencia um extenso campo de comunicações, pois este não se restringe apenas
à espécie humana. A dança das abelhas, o ruído dos golfinhos, a expressividade
das artes: Dança, Música, Teatro, Pintura, Escultura etc., são também
consideradas como formas de comunicação não-verbal (MESQUITA, 1997, p.
158).
Fica evidente que é preciso restringir a abrangência desse conceito dentro deste
estudo, considerando somente a comunicação que ocorre entre os humanos. Porém, vale
lembrar a afirmação de Buyssens de que a ideia de uma pretensa linguagem natural
através da qual pode-se identificar o estado psicológico de um indivíduo segundo as
manifestações desse estado, foi originada pela questão de que a interpretação desses
determinados comportamentos “tanto de homens quanto dos animais podem estar
associados a estados psicológicos de um modo suficientemente natural ou regular para
que o fato sensível – gesto, mímica, atitude – permita à testemunha reconhecer aí a
manifestação de um estado psicológico” (BUYSSENS, 1972, p.28).
4
DAVIS, F. A comunicação não-verbal. (trad. Antonio Dimas), São Paulo, Summus, 1979.
-5-
Corroborando e complementando a afirmação de Davis, Covre e Zanini (2014)
citam outros autores para descrever o mesmo processo:
5
CARLINO, F.C. Efeito de um programa de habilidades sociais comunicativas para crianças com
distúrbio específico da linguagem. São Carlos, 2012. 159 páginas. Tese de doutorado. Centro de
Educação e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, Universidade Federal
de São Carlos, São Carlos, 2012.
6
LANGER, S. Filosofia em nova chave: um estudo do simbolismo da razão, rito e arte. São Paulo,
Perspectiva, 1971.
7
BIRDWHISTELL, R. Ellenguage de la expression corporal, Barcelona, Gustavo Gill, 1970.
-6-
duas pessoas. Isto, evidentemente, inclui todas as mudanças que possam, em
grau mínimo, ser discernidas por aparelhos registradores de alterações nas faixas
perceptivas como som, imagem, temperatura, tato, odor corporal etc. (WEIL,
1986, p.20).
a linguagem verbal pode ser usada para ampliar a não-verbal e vice-versa. Estas
duas formas de comunicação podem ainda corresponder no seu conteúdo
expresso ou ser discordantes, criando cisões entre o que o indivíduo está
verbalizando e o que seu corpo e movimento estão expressando (CORRAZE,
1982).
Numa conversa telefônica, por exemplo, a fala (verbal) está mais presente,
embora a para-linguagem (no caso, a entonação de voz, que é um canal não-
verbal) esteja atuando também. Por outro lado, quando se assiste a uma peça de
-7-
teatro ou a um espetáculo de dança, o corpo e o movimento (não-verbais) podem
ser a forma mais privilegiada de comunicação (MESQUITA, 1997).
8
BORDENAVE, Juan E. Díaz. O que é comunicação. 30 ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
9
BITTI, P. Communication et gestualité. Bulletin de Psychologie, v.27, p.559-64,1984.
-8-
considerado o pioneiro em estudar a dinâmica de grupos, sendo uma das principais
referências até hoje. Neste estudo, também seguiremos algumas teorias de Lewin.
Segundo Mailhiot (1977), a partir de Kurt Lewin a dinâmica dos grupos define
assim as cinco componentes essenciais de toda a comunicação humana:
1. O emissor é aquele que toma a iniciativa da comunicação. Ele deve ser capaz de
perceber e de discernir quando, em quê e como o outro lhe é acessível. Enfim,
ele deve poder transmitir sua mensagem em termos que sejam inteligíveis para o
outro.
2. O receptor é aquele a quem se dirige a mensagem. Ele a captará na medida em
que estiver psicologicamente sincronizado e sintonizado com o emissor. Além
disto se ele quiser favorecer a tomada de contato iniciada pelo emissor, deverá
estar psicologicamente em estado de abertura para o outro. De outro modo ele
poderá entender a mensagem, compreendê-la, mas não captá-la ou aceitá-la.
3. A mensagem constitui o conteúdo da comunicação. Se ela consiste unicamente
numa informação, então trata-se de uma mensagem ideacional. Se, por outro
lado, ala exprime um sentimento ou um ressentimento, trata-se de uma
mensagem afetiva. (...) Ela pode enfim comportar elementos tanto intelectuais
como afetivos.
4. O código é constituído pelo grupo de símbolos utilizados para formular a
mensagem de tal modo que ela faça sentido para o receptor. A linguagem, escrita
ou oral, é sem dúvida o código mais frequentemente utilizado. Mas a música, a
pintura, a escultura, a dança, a mímica, o teatro, o cinema, a televisão são outros
tantos códigos que nos permitem transmitir mensagens.
5. Destaque ou camuflagem: (modalidades adaptadas aos fins em vista) (...) “(é o)
conjunto das decisões que o emissor deve tomar, antes de entrar em
comunicação, quanto ao conteúdo da mensagem e quanto ao código utilizado.
Assim cabe a ele decidir o modo de apresentação, a tonalidade afetiva, a ordem e
a apresentação da mensagem. Se ele utiliza um código público, para melhor
atingir seus interlocutores e ir ao seu encontro, sua preocupação será a de pôr em
destaque a mensagem emitida. Assim, a encenação no teatro, a técnica do grande
plano na televisão, a orquestração na ópera. Se, ao contrário, o emissor usa um
código secreto, deverá camuflar sua mensagem de modo a torná-la imperceptível
e indecifrável para todos aqueles aos quais ela não é destinada (MAILLHIOT,
1977, p.77 a 79).
-9-
ainda que a comunicação pode ser efetiva, quando fecha o ciclo da comunicação, ou
não, quando existem intercorrências no processo de comunicação, como o não
compartilhamento de códigos, a existência de ruídos, entre outras” (COVRE &
ZANINI, 2014).
1.3.1 A Empatia
10
BAVELAS, J.; BLACK, A.; LEMERY, C.; MULLETT, J. Motor mimicry as primitive empathy. In: EISENBERG,
N.; STRAYER, J. Empathy and its development. New York: Cambridge University Press, 1987. p. 316-338.
- 10 -
alguém absorvido frente a outra pessoa ou mesmo um objeto inspirador” (BRANCO,
2010, p.6).
Em seu extenso estudo sobre empatia, no qual nos baseamos, Heloísa Castelo
Branco (2010), relata o desenvolvimento da conceituação desse fenômeno, até chegar
ao conceito de Hoffman, que é, segundo ela, o mais abrangente:
1.3.1.1 Os Neurônios-Espelho
11
PRESTON, S.; DE WAAL, F. B. M. Empathy: its ultimate and proximate bases. Behavioral and Brain
Sciences, Cambridge, v. 25, n. 1, p. 1-20, Dec. 2002.
12
GALLESE, V.; FERRARI, F.; UMILTA, M. A. The mirror matching system: a shared manifold for
intersubjectivity. Behavioral and Brain Sciences, Cambridge, v. 25, n. 1, p. 35-36, 2002.
- 11 -
um homem. Esses neurônios, localizados tanto no córtex frontal inferior, quanto
no córtex parietal posterior, foram denominados de neurônios-espelho
(IACOBONI13, 2005, p. 1). Esses neurônios entram em ação quando o macaco
executa ações orientadas a um objeto (...) e quando o animal observa essas ações
sendo feitas por um outro macaco ou por um homem. A função dessas células
nervosas parece estar ligada ao reconhecimento dos atos motores observados no
outro. Desde então, várias pesquisas têm sido feitas para elucidar seu
funcionamento com maior clareza (GALLESE; EAGLE; MIGONE, 2007, p. 133
apud BRANCO14, 2010, p.15).
13
IACOBONI, M. et al. Grasping the Intentions of Others with One’s Own Mirror Neuron System. Plos
Biology, San Francisco, v. 3, n. 3, p. 529-35, Mar. 2005.
14
GALLESE, V.; EAGLE, M. N.; MIGONE, P. Intentional attunement: mirror neurons and the neural
underpinnings of interpersonal relations. Journal of the American Psychoanalytic Association, New
York, v. 55, p. 131-76, 2007.
15
RIZZOLATTI, G. & ARBIB, M. (1998). Language within our grasp, in Trends in Neuroscience, 21, (5),
188-194.
16
TOLBERT, E. (2001). Music and Meaning: An Evolutionary Story, in Psychology of Music, vol. 29, 84-
94.
- 12 -
execução e observação de uma dada ação, mas também disparam quando
alguém escuta o som produzido pela ação” (KOHLER, 2002, p. 848 apud
BRANCO17, 2010. p.17).
3- Eles funcionam “quando alguém observa uma ação por inteiro, uma ação
direcionada a um objetivo. Movimentos elementares dissociados de uma
função lhe são indiferentes”. Então, agarrar, por exemplo, faz os
neurônios-espelho dispararem para uma série de ações que resultam em
agarrar, sem discriminar se foi a mão ou a boca que o fez (BRANCO,
2010, p.17). “Sonnby-Borgström, Jönsson e Svensson (2003, p.16, apud
BRANCO18, 2010, p.17) sugerem que os neurônios-espelho podem ser
responsáveis pela mímica motora e pela correspondência entre fazer a
mímica e ter empatia”.
17
KOHLER, E. et al. Hearing sounds, understanding actions: action representation in mirror neurons.
Science, Washington, v. 297, n. 5582, p. 846-48, Aug. 2002.
18
SONNBY-BORGSTRÖM, M.; JÖNSSON, P.; SVENSSON, O. Emotional empathy as related to mimicry
reactions at different levels of information processing. Journal of Nonverbal Behavior, New York, v. 27,
n. 1, p. 3-10, 2003.
19
MELTZOFF, A. N.; MOORE, M. K. Imitation of facial and manual gestures by human neonates.
Science, Washington, v. 198, p. 77-79, 1977.
- 13 -
observaram que “quando um sujeito identifica corretamente a emoção do objeto, há uma
resposta fisiológica que se correlaciona com o estado do objeto. Ou seja, o sujeito tende
a paralelizar sinais fisiológicos como batimento cardíaco, nível de condutividade
elétrica da pele, e outros”. Yabar (2006) afirma que as pessoas imitam de forma
inconsciente posturas, gestos, expressões faciais e padrões de inflexão de outras com
quem interagem (Ybar, 2006, p.98 apud BRANCO21, 2010, p.13).
Para Gallese (2003, p. 174 apud BRANCO22, 2010) “perceber uma ação é
equivalente a simulá-la internamente. Esse processo implícito, automático e
inconsciente de simulação corporificada permite que o observador use seus próprios
recursos para penetrar o mundo do outro sem a necessidade de teorização.”
Ao fazer estudos controlados, Bavelas et al. (1987) constataram que uma grande
variedade de incidentes como dor (episódios fictícios onde um ator simulava corte,
queimadura, choque etc.), risada, sorriso, afeto, desconforto, desgosto, embaraço e
outros, foram capazes de provocar mímica motora em observadores (Bavelas et al,
1987, p. 323 apud BRANCO, 2010, p.13).
Esses mesmos autores levantam a hipótese de que a mímica motora (uma
empatia primitiva), é um ato comunicativo, com a intenção de mostrar “sentimento de
companheirismo para o indivíduo com quem se teve a empatia”. Segundo eles:
Ela não espera pela compreensão total da situação do outro. Não requer que o
observador primeiro experimente em si os sentimentos da outra pessoa. A
prioridade é demonstrar similaridade ao outro, e faz isso rapidamente e com
precisão. Propomos que os seres humanos estão prontos para esta empatia
primitiva. Ou seja, estão precisamente afinados para com as situações de seus
pares; processam essa informação rapidamente e então imediatamente registram,
de modo não verbal, o que fizeram. Eles podem ir adiante e entender ou sentir a
situação do outro de modo mais deliberado, e isso pode levar a ações ou
palavras. Mas a prioridade social é tão importante que a comunicação acontece
primeiro (BAVELAS et al., 1987, p. 332, apud BRANCO, 2010, p.22).
Essa cognição social parece ter origem na relação mãe/bebê. Meltzoff e Brooks
(2001) apontam que “o estabelecimento de uma analogia ‘como eu’ na relação entre o
20
LEVENSON, R.; RUEF, A. M. Empathy: a physiological substrate. Journal of Personality and Social
Psychology, Arlington, v. 63, n. 2, p. 234-246, 1992.
21
YABAR, Y., et al. Implicit behavioral mimicry: investigating the impact of group membership. Journal
of Nonverbal Behavior, New York, v. 30, n. 3, p. 97-113, Sept. 2006.
22
GALLESE, V. The roots of empathy: the shared manifold hypothesis and the neural basis of
intersubjectivity. Psichopathology, [s.I.], v. 36, p. 171-80, 2003.
- 14 -
bebê e a mãe é o ponto de partida para o desenvolvimento de cognição social. Este
processo de identidade acontece em dupla direção. O bebê usa o comportamento
observado no seu parceiro humano como um espelho para ganhar mais conhecimento
sobre ele mesmo. Mas o mesmo processo também vai por outro sentido: permite aos
bebês conhecer também sobre os outros” (Meltzoff e Brooks23, 2001 apud GALLESE,
2003, p.172, BRANCO, 2010, p.21).
23
MELTZOFF, A.; BROOKS R. ‘Like Me’ as a building block for understanding other minds: bodily acts,
attention, and intention. In: MALLE, B. F.; MOSES, L. J.; BALDWIN, D. A. (Eds.). Intentions and
intentionality: foundations of social cognition. Cambridge: MIT Press, 2001, p. 171-91 apud GALLESE, V.
The roots of empathy: the shared manifold hypothesis and the neural basis of intersubjectivity.
Psichopathology, [s.I.], v. 36, p. 171-80, 2003.
24
ANDERSON, C.; KELTNER, D. The role of empathy in the formation and maintenance of social bonds.
Commentary/Preston & de Waal: Empathy: Its ultimate and proximate bases. Behavioral and Brain
Sciences, Cambridge, v. 25, n. 1, p. 21-22, 2002.
- 15 -
[...] a percepção observada do estado do objeto automaticamente ativa as
representações neurais do sujeito da situação e do estado do objeto, e que esta
ativação destas representações neurais automaticamente prepara ou gera a
resposta autonômica ou somática associada, a menos que inibida (Preston e De
Waal, 2002, p.9 apud BRANCO, 2010, p.19).
25
BUCHHEIMER, A. The development of ideas about empathy. Journal of Counseling Psychology,
Washington, v. 10, n. 1, p. 61-70, 1963.
26
Texto original: Wolf and Murray say: “A man can only understand what he has already experienced.”
- 16 -
conforme, por exemplo, o convívio em grupo ou entre pessoas que já se viram antes. O
mesmo acontece entre pessoas que falam a mesma língua, ou têm uma atividade
semelhante. As ações que pertencem ao repertório motor do sujeito e que, portanto, se é
capaz de realizar, aumentam ainda mais a capacidade de ter empatia: como exemplo,
“Calvo-Merino et al. (2005 apud OBERMAN; RAMACHANDRA27, 2007, p. 314)
demonstraram maior ativação dos neurônios-espelho no cérebro de dançarinos quando
eles observavam outros dançarinos executando um estilo de dança com a qual estavam
mais familiarizados” (BRANCO, 2010, p.24).
27
CALVO-MERINO, B. et al. Action observation and acquired motor skills: An fMRI study with expert
dancers. Cerebral Cortex, v. 15, p. 1243-249, 2005 apud OBERMAN L. M.; RAMACHANDRAN V. The
simulating social mind: the role of the mirror neuron system and simulation in the social and
communicative deficts of Autism Spectrum Disorders. Psychological Bulletin, Washington, v. 133, n. 2, p.
310-27, Mar. 2007
28
WILLIAMSON, D. K.; LUTZ, R. S.; DEAL, R. E. A case for silent vocal abuse. Journal of Singing,
Jacksonville, v. 61, n. 4, p. 379-85, 2005.
- 17 -
ações, mas também os órgãos vocais efetores implicados. Mesmo que essa ação
interna não se reflita em ação externa, a ativação existe e pode resultar em
sensação de fadiga. Se os alunos fazem constantemente manobras indesejáveis,
inconscientemente o professor imita o mesmo ato. Se todos os alunos usam boa
técnica, mas há excesso de trabalho, os professores podem cansar seu aparelho
vocal somente por colocá-lo em ação de forma subliminar por longas horas
diárias. (BRANCO, 2010, p.25)
Por fim, para acontecer uma interação empática é preciso ter atenção: todos os
outros fatores são inúteis se isso não acontecer. “Os objetivos de uma pessoa, aos quais
ela dirige sua atenção, podem sobrepor-se a todos os fatores anteriores”.
Por fim, “a pessoa que vive a experiência da empatia, chamada de sujeito pelos
pesquisadores, não precisa estar frente a frente à outra com a qual interage, o objeto. O
estímulo que leva à empatia pode originar-se de uma gravação, um filme, um romance,
uma pintura. Mesmo no caso em que duas pessoas se encontrem próximas, o sujeito
29
BARRET-LENNARD, G. T. The empathy cycle: refinement of a nuclear concept. Journal of Counseling
Psychology, Washington, v. 28, n. 2, p. 91-100, 1981.
- 18 -
pode ter empatia com alguém que não tem consciência de estar provocando o processo
empático” (Barret-Lennard, 1981, p. 98 apud BRANCO, 2010, p. 26).
- 19 -
CAPÍTULO 2: A COMUNICAÇÃO NA PERFORMANCE MUSICAL
2 Comunicação e Música
O relacionamento entre Música e Comunicação é, para alguns, questionável.
Afinal: Música comunica?
Para alguns autores a música não tem a intenção e nem a faculdade de
comunicar algo absoluto com sentido e significado assim como a
linguagem verbal tem. Desta forma não é possível estabelecer uma
comunicação clara entre emissor e receptor fazendo uso da música. Para
outros, compositores e intérpretes fazem uso dos elementos musicais para
afetar os ouvintes, estabelecendo uma comunicação emocional singular e
própria da apreciação musical (COVRE, 2014, p.7).
Entre os que afirmam que a música não comunica está Silvio Ferraz. Ele
fundamenta a afirmação partindo de uma frase proferida numa conferência pelo filósofo
francês Gilles Delleuze, alertando que a obra de arte “não tem nenhuma relação com a
comunicação; a obra de arte não tem nada a ver com informação”. Ao sustentar tal
afirmação, Delleuse retoma Foucault, baseando-se na ideia de que “informar, e por
consequência comunicar, corresponde a dar uma ordem, ou melhor impor uma ideia a
alguém sem deixar muito espaço para a fuga, a não ser o da desobediência” (FERRAZ,
2002, p.515).
- 20 -
invenção de uma nova escuta. (...) A música em si não comunica, embora ela
também seja um espaço de comunicações possíveis se assim se quiser. Mas ela é
sempre um espaço de escutas virtuais esperando decisões que as atualizem,
mesmo que alguém não a queira ouvir (FERRAZ, 2002, p.518, 519 e 521).
Anjos afirma que “de acordo com a Nova Teoria da Comunicação30, ainda que
não transmita qualquer significado, a música pode ser considerada como forma
“eficiente” de comunicação, uma vez que a transmissão exata de conteúdos, de forma
que o receptor compreenda especificamente o que o emissor transmitiu é considerada
uma falácia” (Anjos, s/d: 1-2 apud COVRE31, p.3).
De fato, ao ouvirmos, por exemplo, uma canção – que usa também a linguagem
verbal – muitas vezes a melodia se sobrepõe ao sentido do texto, ou vice-versa,
transformando (ou mesmo abandonando) o conteúdo, fazendo assim a música
comunicar aquilo que não se previa (FERRAZ, 2014, p.515-516). Ferraz usa também
esse argumento para questionar a efetiva comunicação em música, mas, no nosso
entender, a admite.
Por outro lado, outros autores tecem seus argumentos acreditando, como nós,
nessa comunicação: Luz e Davino (2009), apontam que para gerar propostas
comunicativas inovadoras e claras através de uma obra musical é necessário que o
músico esteja consciente dos objetivos e dos meios expressivos que utiliza. Os mesmos
autores afirmam que a música é constituída por códigos sonoros próprios, códigos esses
30
A Nova Teoria da Comunicação é uma proposta nascida na Universidade de São Paulo, frente a
necessidade de formas mais abrangentes sobre a comunicação (FILHO, Ciro Marcondes, 2008 apud
ANJOS, s/d: p.1-3). Para Anjos, na Nova Teoria, “as pessoas, os objetos, as coisas não comunicam; elas
sinalizam”, e “toda sinalização pode se transformar em informação ou comunicação, desde que acolhida
pelo receptor.” (ANJOS, s/d, p.2-3)
31
ANJOS, Guilherme H. L. dos. Música e Comunicação: a música barroca como processo
comunicacional em movimento. São Paulo, s/d. Disponível em:
http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/ata/pos/ppgmus/guilherme_dos_anjos-mus
_etno.pdf. Acesso em 15 jan. 2014.
32
BRUSCIA, K. Definindo Musicoterapia. 2 ed. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000.
- 21 -
utilizados como “(...) elemento secundário, ou melhor, elemento a serviço do intérprete,
a serviço do atrair do encantar” a fim de estabelecer comunicação entre intérprete
(comunicador/emissor) e ouvinte (receptor) (Luz e Davino, 2009, p.75-76 apud
COVRE33, 2014, p.3).
Correia (2006) afirma que quando ouvimos música não temos tempo para
estruturar/compreender com tranquilidade cada trecho, pois é preciso acompanhar o
fluir da música. Desta forma, a apreciação musical depende de constante interação e da
percepção das reações suscitadas no corpo do ouvinte (Correia, 2006 apud COVRE,
2014. p.3). Esse mesmo autor argumenta:
33
LUZ, Marcelo C. e DAVINO, Gláucia E. Música, sedução e comunicação. In: LEÃO, Eliseth R. (Org.).
Cuidar de pessoas e música. Uma visão multiprofissional. São Caetano do Sul, Yendis, 2009. p. 67-95
34
RIBEIRO, Mayara K. A. Música em musicoterapia: reações emocionais provocadas pela música
eletroacústica. In: VI ° Simpósio de Cognição e Artes Musicais. 2009, Goiânia. Anais do VI ° Simpósio de
Cognição e Artes Musicais. Goiânia, 2009.
35
PELLON, Bernardo. A teoria do contorno no estudo da emoção em música In: Simpósio de Cognição e
Artes Musicais, ano 8, Florianópolis, 2012. Anais do 8° Simpósio de Cognição e Artes Musicais.
Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina, 2012. P.88-94.
- 22 -
Para que a comunicação musical aconteça, os gestos produzidos pelos
performers devem encontrar os ouvintes adequados, isto é, ouvintes que são
capazes de preencher duas condições: primeiro, eles devem estar cognitivamente
equipados para reagir mimeticamente às ações dos performers, e, segundo,
devem estar social e culturalmente motivados para fantasiar sobre essas reações
miméticas. Esta perspectiva pode explicar até as descrições mais misteriosas de
experiências de entrar em transe a ouvir música relatadas por muitos ouvintes.
Estes relatos referem sentimentos de ‘se deixar ir’, de ‘voar’, de ‘flutuar’, etc.
(CORREIA, 2006, p141).
Essa afirmação de Cox nos remete ao fenômeno da mímica motora que ocorre
no processo da empatia, já exposto anteriormente: ao recriar em si mesmo o que percebe
no outro, o indivíduo é capaz, pela experiência, de entender a intenção de um ato
qualquer.37
36
COX, A. (2001). The mimetic hypothesis and embodied musical meaning, in Musicae Scientiae, Fall
2001, Vol V, 195-212.
37
Relembrando a afirmação de Gallese (2003) “perceber uma ação é equivalente a simulá-la
internamente. Esse processo implícito, automático e inconsciente de simulação corporificada permite
que o observador use seus próprios recursos para penetrar o mundo do outro sem a necessidade de
teorização”. (Gallese, 2003, p. 174 apud BRANCO, 2010)
- 23 -
3. A imaginação opera seguindo uma lógica emocional, sendo a construção das
narrativas emocionais no âmbito da linguagem gestual a base original de onde
emergiram todas as linguagens (verbais ou musicais). (...)
4. Os sentidos da linguagem gestual são sentidos simbólicos enraizados na
experiência física/corporal por definição, o que implica que eles têm de ser
representados quando são produzidos pelos intérpretes e re-representados pelos
ouvintes para serem compreendidos.
5. O ritual da comunicação musical parece ser inerentemente kinestético38 e
intermodal, e, portanto, intrinsecamente gestual:
a) Os ouvintes de música parecem reagir mimeticamente às ações
ritualizadas dos performers, representando ficcionalmente a partir delas as
suas narrativas emocionais e pessoais num processo de introspecção
contínua e criativa.
b) Os performers parecem representar presencialmente as suas coativadas
narrativas emocionais, reagindo no momento à atmosfera ritualizada das
performances musicais, num processo de improvisação contínua e
criativa. (CORREIA 2006, p.142-143)
2.1 O Gesto
2.1.1 O Gesto Físico
Durante toda a nossa vida praticamos gestos constantemente. São tão inerentes
ao nosso dia a dia que, muitas vezes, nem percebemos que estamos praticando um. O
antropólogo francês Marcel Jousse inscreve os gestos como “visíveis ou invisíveis,
38
Kinestesia ou cinestesia é o ramo da ciência que estuda o movimento humano. Pode ser percebido no
esquema corporal, equilíbrio, espaço e tempo. Vem do grego κίνησις / kínesis /, 'movimento' e αἴσθησις
/ aisthesis /, 'sensação'. Ou seja, etimologicamente, "sensação ou percepção de movimento" é o nome
das sensações nascidas da lógica sensorial que se transmitem continuamente de todos os pontos do
corpo ao centro nervoso das aferências sensoriais. (fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Cinestesia visto
em 13/02/2021)
- 24 -
macroscópicos ou microscópicos, [...] conscientes ou inconscientes, voluntários ou
involuntários, os gestos aduzem, invariavelmente, a uma ação radicada no corpo”
(Jousse 2008, apud Pereira39, 2010, p. 558, SIMÕES, 2012, p.14).
Segundo o mesmo autor, os “movimentos corporais involuntários” consistem em
atos/ações/atitudes que fazemos e que não dependem necessariamente de uma vontade,
como por exemplo, o ato de abrir e fechar os olhos, respirar, dentre outras ações
involuntárias que são consideradas como movimento (gesto) corporal involuntário.
Ainda nesta categoria temos os gestos de reflexo, como reação de uma ação” (ibid.,
p.15).
Por outro lado, Pereira (2010) afirma que “o gesto surge correlacionado a um
corpo em ação, movido quase sempre por uma intencionalidade ou desejo de expressão”
(Pereira 2010, apud SIMÕES, 2012, p.15). Este seria o “movimento corporal
voluntário”, que se contrapõe ao descrito no parágrafo anterior.
A intencionalidade, portanto, parece ser a chave para entender a diferença entre
os gestos voluntários e involuntários. Exemplificando: a respiração - mencionada
anteriormente como ‘movimento involuntário’ - pode se tornar um ‘gesto voluntário’ na
medida em que prestamos atenção ao ato de respirar. Assim, podemos interrompê-la a
qualquer momento e retomá-la depois, como quando mergulhamos numa piscina, por
exemplo: a ação de interromper a respiração é, neste caso, um gesto intencional,
voluntário, necessário para mergulhar e permanecer sem respirar até emergir. Porém, se
não há intensão de se fazer algo relacionado a respiração, ela acontece naturalmente por
todo o restante do tempo de nossas vidas. Em outras palavras, podemos controlar de
maneira consciente a nossa respiração, ou simplesmente não a controlar, esquecendo até
de que ela está acontecendo.
O foco da atenção parece ser mais uma vez um importante fator para que ocorra
o fenômeno gestual voluntário. Madeira e Scarduelli (2014, p.13) corroboram com o
exposto acima, porém sobre o prisma da significação e não da intencionalidade: “é
importante destacar que um dado movimento pode ser considerado como sem
significado por um indivíduo em uma ocasião, mas o mesmo movimento pode ter
significado para o indivíduo numa segunda ocasião”. Exemplificando então, uma
pessoa, ao prestar atenção no ‘suspirar’ de alguém, pode entender que ela o fez apenas
por uma necessidade involuntária do seu próprio corpo de maior oxigenação, ou
39
PEREIRA, Marcelo de Andrade (2010) A dimensão performativa do gesto na prática docente. Revista
Brasileira de Educação v. 15 n. 45 set./dez. 2010, p. 555 – 597.
- 25 -
interpretar que o ‘suspiro’ aconteceu pela lembrança de um amor não correspondido. O
movimento só teria significado no segundo caso.
Neste trabalho nos ateremos aos gestos corporais que veiculam expressão e,
consequentemente, significado, podendo ser este gesto consciente ou inconsciente.
Nessa abordagem, Ricardo Ferreira (2004) distingue o gesto corporal em estático
(quando não ocorre movimentação para transmitir a mensagem) e dinâmico (quando há
necessidade de movimento corporal para se exprimir). Neste último caso, portanto, há
uma intencionalidade de ordem expressiva. (Ferreira, 2004 apud SIMÕES40, 2012, p.16)
Jousse (2008) também afirma que nem todo gesto é visível: ele pode ser
imperceptível ou até mesmo estático, mas ainda assim deve ser considerado um gesto,
porque existe intensão e/ou ação ao realizá-lo (Jousse, 2008, 687 apud SIMÕES, 2012,
p.16)
Thays Peneda Simões (2012), baseada nas premissas de Jousse, Pereira e
Ferreira, categoriza o gesto a partir do gesto corporal:
O gesto corporal envolve todos os tipos de gestos que são radicados no corpo,
expressos visivelmente - que possuem movimentação perceptível - e expressos
de forma não visível - que possuem movimentação imperceptível a nível da
visão, ou seja, decorrem da movimentação interna (por exemplo, alterações no
trato vocal) (SIMÕES, 2012, p.16).
40
FERREIRA, Ricardo Sérgio Caetano (2004). Comando de movimento a partir da análise de gestos
simbólicos. Relatório de progresso da dissertação de mestrado do curso de Mestrado em Métodos
Computacionais em Ciências e Engenharia. Junho de 2004- Porto, Portugal. Disponível em:
http://uirvli.ai.uiuc.edu/~tankh/citations/gaze_wacv2002/Ferreira_Thesis2004.pdf Acedido em:
16/11/2011
- 26 -
de encontro com o alto grau de correlação entre a música e movimento
expressivo, revelando o quanto o movimento e o corpo estão conectados
com o fazer musical” (MADEIRA e SCARDUELLI, 2014, p.29).
Fernando Iazzetta entende gesto não apenas como movimento, mas como
movimento capaz de expressar algo, um movimento dotado de significação especial:
É mais do que uma mudança no espaço, uma ação corporal, ou um movimento
mecânico: o gesto é um fenômeno de expressão que se atualiza na forma de
movimento. Ações como girar botões ou acionar alavancas, são atos correntes no
uso da tecnologia moderna, mas não podem ser consideradas como gestos em um
sentido amplo do termo. (...) Não interessa quem ou o que realizou tal ação, nem
tão pouco de que maneira: o resultado é sempre o mesmo. A situação é, porém,
completamente diferente no caso de um músico executando uma peça no teclado
de um piano: o resultado final, a performance musical, depende, em vários
aspectos, dos gestos do instrumentista. (IAZZETTA, 1997, p.7)
Continuando, Iazzetta cita Bernadete Zagonel (1992) que distingue gestos físicos
e gestos mentais:
(...) os primeiros (gestos físicos) referem-se à produção do som enquanto
fenômeno físico, guardando uma relação causal entre ação gestual e seus
resultados sonoros. Um instrumentista sabe que de seus gestos dependem o
controle de toda uma série de parâmetros musicais, das dinâmicas à articulação,
- 27 -
do timbre ao fraseado. Existe também o gesto corporal, que é um gesto físico que
não produz, mas acompanha o som (Zagonel, 1992 apud IAZZETTA41, 1997,
p.8).
Os gestos mentais fazem referência aos gestos físicos e suas relações causais,
ocorrendo na forma de uma imagem ou ideia de um outro gesto. Assim o
compositor muitas vezes parte de uma ideia ou imagem mental de um gesto
sonoro para compor um determinado gesto instrumental. A ideia desse gesto é
aprendida através da experiência e armazenada na memória, servindo de
parâmetro para que o compositor possa prever o resultado sonoro no momento
em que a composição for realizada por um intérprete. Esse gesto mental não faz
referência apenas ao plano corporal do músico ou ao comportamento do
instrumento, mas pode apontar para uma estrutura sonora particular. Assim, um
arpejo é entendido como um gesto de deslocamento de um ponto a outro no
espaço das alturas sonoras e a marcação de um surdo em uma escola de samba
reflete, gestualmente, a delimitação de uma unidade temporal regular,
semelhante àquela determinada pelo gesto das mãos do maestro que rege uma
orquestra. O que não se pode esquecer é que o gesto mental faz sempre
referência a um gesto físico (musical ou não) aprendido anteriormente
(IAZZETTA, 1997, p.9-10).
41
ZAGONEL, B. (1992). O Que É Gesto Musical. São Paulo: Brasiliense.
42
CADOZ, Claude. Instrumental Gesture and Musical Composition. In: PROCEEDINGS OF THE 1988
INTERNATIONAL COMPUTER MUSIC CONFERENCE, 1988, San Francisco. Anais… San Francisco:
International Computer Music Association, p. 1-12, 1988.
- 28 -
Iazzetta completa o raciocínio citando, mais uma vez, Zagonel: "se o compositor
vai do gesto à composição, o intérprete faz o caminho inverso, isto é, vai da
composição, da partitura ao gesto" (Zagonel, 1992, apud IAZZETTA, 1997, p.10). O
gesto físico, então, estaria ligado mais diretamente à interpretação da música, enquanto
a composição, ao gesto mental. Iazzetta completa a cadeia adicionando o ouvinte, que
recria mentalmente os gestos físicos do intérprete no momento da audição. Ressalta a
importância expressiva do ‘ver’ aquilo que se ouve: “a visualidade expressiva dos
movimentos do intérprete funciona como referência para a compreensão do material
sonoro”. (IAZZETTA, 1997, p.10)
Freitas (2008) cita André Souza (2004), que sintetiza a tipologia criada por
Zagonel em sua pesquisa que buscou a definição de gesto musical. Para Zagonel
haveria, portanto, cinco tipos de gestos musicais:
43
SOUZA, André Ricardo de - Ação e significação: em busca de uma definição de gesto musical.
Dissertação (Mestrado) - UNESP, 2004 apud FREITAS, E. M. C. - O gesto musical nos métodos de
percussão afro-brasileira – Dissertação (Mestrado) – Escola de Música da UFMG, 2008.
- 29 -
Figura 1 Diagrama que relaciona movimento, técnica e gesto corporal. (MADEIRA; SCARDUELLI, 2014, p. 16)
44
PIERCE, Alexandra. Deepening Musical Performance through Movement. Bloomington: Indiana
University Press, 2007.
- 30 -
preocupação com o gesto corporal, ela seria debatida depois do ensino da técnica.”
(ibid, p.17)
45
No diagrama de Madeira e Scarduelli, a tripla intersecção entre movimento, técnica e gesto corporal
será chamada por nós de Técnica Gestual, misturando ‘técnica’ com ‘gesto corporal’. Os autores não
nomearam os movimentos dessa intersecção: essa denominação é nossa, para facilitar a referência, já
que iremos utilizá-la neste trabalho.
46
HANNA-WEIR, Scot. Developing a personal pedagogy of conducting. 2013. 148f.Ph. D. Thesis. Faculty
of the Graduate School of the University of Maryland, College Park, 2013. Disponível em
http://hdl.handle.net/1903/14085. Acesso em 10/02/2015.
- 31 -
A postura seria, portanto, intrínseca ao ato de reger e, por isso, já é ensinada
desde o começo do processo de aprendizagem simultaneamente à técnica. Postura é,
então, um dos mais importantes fatores da comunicação entre regente e coro. Sobre essa
comunicação falaremos agora.
- 32 -
Figueiredo (2006, p.12), afirma que “nós podemos reger até com o pé e que
nossos coros têm a capacidade de vir a entender qualquer gesto que venhamos a fazer,
pelo continuado contato com seu regente, que, normalmente, é único.”
Poderíamos citar vários outros maestros e estudiosos dos movimentos feitos por
regentes, mas as ocorrências seriam parecidas: parece haver concordância de que os
principais canais de comunicação não-verbal entre um regente e seu coro são a postura e
movimento corporal, contato visual, expressões faciais e gestos de regência.
A aceitação do regente pelos membros do grupo que ele dirige também está
fortemente relacionada à postura. A todo momento, o estado psicológico do regente é
47
OSTLING, A. Research on nonverbal communication with implications for conductors. Journal of
Band Research, [s.l.], v. 12, n. 3, p. 29-43, 1976.
48
FUELBERTH, R. J. V. The effect of conducting gesture on singers’s perceptions of inappropriate vocal
tension. International Journal of Research in Choral Singing, [s.I.], v. 1, n. 1, p. 13-21, 2003.
49
JULIAN, F. D. Nonverbal Communication: its application to conducting. Journal of Band Research,
[s.I.], v. 24, n. 2, p. 49-54, 1989.
50
KRAUSE, D. W. The positive use of stance and motion to affect vocal production and to assist
musicality in the training of children’s choirs. 1983. Tese (Doutorado) - University of Southern
California, California, 1983
- 33 -
exposto: desde o primeiro momento em que é visto, o modo como se desloca para se
posicionar frente ao grupo, a maneira como se posiciona. O regente é observado como
um líder e, como tal, é constantemente avaliado. Seja ele iniciante ou experiente, sua
atitude corporal pode determinar o alcance de sua liderança, determinando todo o
processo de relacionamento psicológico-social com o grupo. Seu estado íntimo é
permanente exposto e avaliado. Como citamos anteriormente, Gaiarsa afirma que “o
inconsciente está ‘por fora’ e visível; que é impossível disfarçar, que ninguém esconde
nada de ninguém” (GAIARSA, 2003, p.85).
Carlos Alberto Figueiredo, afirma que, “ao lidar com sua expressão gestual, o
regente está tocando em questões de sua história corporal e, consequentemente,
psicológica. Toda a sua atividade vai ser influenciada nesse processo” (FIGUEIREDO,
2006, p.12).
Branco cita James (1932) para listar orientações posturais que parecem indicar
informações afetivas e qualidades específicas, que podem ter alguma implicação aos
regentes:
Para James, a aproximação do corpo com uma inclinação à frente numa interação
pessoal denota atenção, além de aproximação. Já a inclinação do corpo para trás
denota recusa, retração. Da mesma forma, uma postura com o peito expandido,
cabeça ereta e ombros elevados passa uma sensação de arrogância, desdenho ou
orgulho. Por fim, a inclinação para frente acompanhada de curvatura da cabeça,
ombros caídos e peito afundado leva à comunicação de depressão e abatimento
(James, 1932 apud Ostling, 1976, BRANCO 51, 2010, p.39).
51
JAMES, W. T. A Study of the expression of bodily posture. Journal of General Psychology,
Provincetown, v. 7, p. 433-34, 1932 apud OSTLING, A. Research on nonverbal communication with
implications for conductors. Journal of Band Research, [s.I.], v. 12, n. 3, p. 29-43, 1976.
52
EKMAN, P. Differential communication of affect by hand and body cues. Journal of Personality and
Social Psychology , Washington, v. 2, n. 5, p. 726-35, 1965.
- 34 -
maior controle, é a face. Ela seria “o melhor mentiroso não-verbal” do corpo. Branco
completa afirmando:
(...) o autor (Ekman) está querendo dizer que o ser humano controla melhor suas
expressões faciais do que as corporais. A face é tida como o melhor lugar para
entender qual é a emoção a ser decodificada, e o corpo o local onde se percebe a
intensidade desta emoção. A face é, portanto, uma ferramenta expressiva que os
regentes podem treinar para obter determinados efeitos (BRANCO, 2010, p.40).
Isso corrobora com a citação anteriormente feita por nós de Bavelas et al (1987),
levantando a hipótese de que a empatia, é um ato comunicativo, com a intenção de
mostrar “sentimento de companheirismo para o indivíduo com quem se teve a empatia”.
O segundo aspecto, indica que a expressão facial do regente seria fator capital
para chamar atenção à concentração dos participantes, tanto quanto mantê-los em alerta
e com vitalidade. O regente se manteria como um ponto de convergência das atenções
do grupo. Por um outro viés, outro aspecto indicado por Junker é que a expressão facial
poderia levar a interpretações falhas por parte dos participantes, pelo fato do regente,
inconscientemente, transmitir uma mensagem não intencionada. Um exemplo disso
seria o regente expressar uma feição de desaprovação por uma entrada perdida: ao ter
contato visual, os cantores poderiam interpretar essa ‘careta’ como sendo uma
desaprovação a uma eventual desafinação, por exemplo, o que não corresponderia a
intensão original do regente. Neste exemplo, se configuraria um ‘ruído’ na comunicação
entre emissor e receptor.
Por último, Junker afirma que a face também pode ser usada para chamar a
tenção de entradas, efeitos musicais ou qualquer outro ato musical que possa ser
sugerido por meio do olhar (JUNKER, 2013, p.117).
- 35 -
é fundamental para que o cantor observe os movimentos do regente (BRANCO, 2010,
p.50).
Quando uma pessoa atenta à outra percebe sobre si o olhar desse outro é tomado
por uma reação geral de vigilância. Os sinais do eletroencefalograma e do ritmo
cardíaco mostram valores aumentados (Galle et al., 1972 apud CORRAZE53,
1980, p. 79). Da mesma forma, desviar o olhar é sair do campo de interesse de
uma pessoa e levá-la a uma diminuição da vigilância (ibid.).
Outro canal de CNV dos regentes é composto pelos gestos da regência. “Os
gestos de regência têm significado para o grupo, baseado numa relação construída entre
o coro e o regente. Pode-se considerar que o corpo inteiro participa dos gestos de
regência, mas estes se concentram na parte superior do corpo e são especialmente
executados pelos braços e mãos, considera Muniz” (2003 apud BRANCO55, 2010,
p.45).
53
GALLE, O. R.; GLOVE, W. R.; MCPHERSON, J. M. Population density and pathology: what are the
relations for man? Science, Washington, v. 176, p. 23-30, 1972
54
EHMANN, W. Choral directing. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1968.
55
MUNIZ, J. N. V. A comunicação gestual na regência de orquestra. São Paulo: Annablume, 2003.
- 36 -
No começo deste capítulo, já discorremos sobre a relação estreita entre gesto
corporal e gesto musical. Na regência essa relação também é fundamental. Segundo G.
Kurtenbach e E. Hulteen, a função do gesto dentro da música é proporcional ao seu
poder de expressão:
Os gestos amplificam suas funções em virtude de sua expressividade. Quer dizer,
um gesto pode controlar vários parâmetros ao mesmo tempo, permitindo assim
que o usuário possa manipular os dados de uma maneira que seria impossível se
tivesse que modificar um parâmetro de cada vez. Por exemplo, um maestro
controla simultaneamente o tempo e o volume do gesto musical. O ritmo do
gesto controla o tempo e o tamanho do gesto controla o volume. Isso permite
uma comunicação eficiente que não seria possível pelo ajuste individual do
tempo e do volume (Kurtenbach & Hulteen, 1990, 311-12 apud IAZZETTA56,
1997, p.8).
56
KURTENBACH, G., & HULTEEN, E. A. (1990). Gestures in Human-Computer Interaction. In B. Laurel
(Ed.), The Art of Human-Computer Interface Design (pp. 309-317). Massachusetts, California, New York,
et al.: Addison-Wesley Publishing Company, Inc.
57
EKMAN, P.; FRIESEN, W.V. The repertoire of nonverbal behavior: categories, origins, usage and
coding. Semiotica, v.1, n.1, p. 49-98, 1969.
58
MATHERS, A. The use of gestural modes to enhance expressive conducting at all levels of entering
behavior through the use of illustrators, affect displays and regulators. International Journal of Music
Education, v. 27, n. 2, p. 143-53, 2009.
59
COFER, S. Effects of conducting-gesture instruction on seventh-grade band students’ performance
response to conducting emblems, Reston, v. 46, n. 3, p. 360-73, 1998.
- 37 -
Outro gesto comum em regência, a respiração na entrada da música, também é
considerado um emblema pelo mesmo autor.
2. Ilustradores são atos não-verbais que acompanham a fala, acentuando ou
enfatizando uma palavra ou frase; esboçam o caminho dos pensamentos,
apontam objetos, denotam uma relação espacial ou uma ação corporal. Auxiliam
a comunicação, são conscientes, mas nem tanto quanto os emblemas. Berz 60
(1983, p. 132), após observação de regentes no ensaio, dividiu esta categoria em
ilustradores verbais, quando ajudavam o fluxo verbal; e ilustradores de conteúdo
musical, quando as mãos ilustravam uma ideia musical/emocional, ainda que
acompanhando o fluxo verbal das palavras. Mathers (2009, p. 144) considerou os
gestos que indicam o caráter da música como ilustradores: os gestos contínuos e
resistentes que indicam o legato, por exemplo.
3. Reguladores são comportamentos NV que mantêm e regulam a natureza da fala e
da escuta entre dois ou mais indivíduos em interação. Sugerem ao emissor que
continue, repita, elabore, apresse-se, pare de falar etc.
4. Manifestações afetivas são expressões faciais que indicam estados afetivos.
Podem repetir, aumentar, contradizer, ou não se relacionar com asserções
afetivas verbais. As manifestações afetivas em regência são as expressões faciais,
que comunicam aceitação, concordância ou desagrado, como o sorriso, o
levantar as sobrancelhas, o franzir as sobrancelhas, entre outros.
5. Adaptadores são gestos inconscientes, que nos apoiam quando não conseguimos
dizer o que sentimos. Parecem ser desenvolvidos na infância como o esforço de
adaptação para satisfazer necessidades, manejar emoções, desenvolver contatos
sociais. Por exemplo: roer unhas, enrolar uma mecha de cabelo. Mathers (2009,
p. 145) considera que os adaptadores deveriam ser controlados durante a
execução musical para não distrair os músicos (BRANCO, 2010, p.46-47).
60
BERZ, W. L. The Development of an observation instrument designed to classify specific nonverbal
communication techniques employed by conductors of musical ensembles. 1983. 195 f. Tese
(Doutorado em Filosofia) - Michigan State University, Michigan, 1983.
- 38 -
predominante e mais eficiente: pode passar muitas informações em apenas um pequeno
instante. Isso não acontece com CV que é limitada pelas palavras.
Figueiredo (2006, p.15), comenta que “todo bom ensaio tem uma pulsação, um
ritmo.” (...) Que “a manutenção desse ritmo ajuda na concentração do coro e do
regente.” (...) Que “o ensaio, pelo menos em seus momentos essenciais, não é lugar para
se falar.” O maestro não se refere aos coralistas, mas aos regentes: afirma que
“informações que deveriam ser puramente objetivas acabam virando discursos.”
Segundo Figueiredo, os regentes deveriam estar sempre atentos à proporção que existe
nos ensaios entre momentos em que se está cantando e os momentos em que se está
falando, pois o excesso de ‘falatório’ prejudica a sensação de pulsação do ensaio,
referido acima.
61
DICKEY, M. R. A comparison of verbal instruction and non verbal teacher-student modeling in
instrumental ensembles. Journal of Research in Music Education, Reston, v. 39, n. 2, p. 132-42, 1991.
62
GOOLSBY, T. Time use in instrumental ensembles rehearsals. Journal of Research in Music Education,
Reston, v. 44, p. 286-03, 1996.
63
Demonstração é considerada por Grimland (2005, p.5) uma atividade de modelagem, na qual o
professor demonstra técnicas ou comportamentos desejáveis e indesejáveis, como um modo de facilitar
as respostas dos alunos aos resultados musicais desejados. Watkins (1986 apud GRIMLAND, 2001, p.26)
- 39 -
Grimland (2001 apud BRANCO64, 2010, p.40), aprofundou o assunto,
pesquisando as atividades demonstrativas que ocorriam nos ensaios (modelagem),
chegando, então, a caracterizar e classificar três tipos de ação:
definiu modelagem como a demonstração de aspectos musicais feita pelo regente, com o uso de seus
próprios recursos corporais, ou outra fonte, como outro indivíduo ou ainda recursos tecnológicos.
(BRANCO, 2010, p.29-30)
64
GRIMLAND, F. Characteristics of teacher directed modeling evidenced in the practices of three
experienced high school choral directors. 2001. 307 f. Tese (Doutorado em Filosofia) - University of
North Texas, 2001.
- 40 -
resposta pode ser uma resposta paralela, uma imitação do próprio gesto do
regente, como no caso da forma de vogais, ou pode ser a realização de uma outra
ação indicada por aquele gesto, (ou) uma resposta cruzada, como no caso do
levantamento do palato a partir do gesto de colocar a mão em forma de concha
ao nível da articulação temporomandibular. A modelagem visível sincronizada
que ocorre durante a execução musical, quando paraleliza as ações do regente e
do cantor, pode ser investigada como episódio de mímica motora (BRANCO,
2010, p. 42).
- 41 -
John Potter (2000) – que foi integrante do grupo vocal inglês Hilliard
Ensemble65 - começa o seu artigo ‘Ensemble Singing’66 com o seguinte texto:
Desde que a polifonia se distanciou do cantochão por volta do final do primeiro
milênio, tem sido uma tradição as pessoas se unirem para cantar em harmonia. A
polifonia relacionada à catedral de Notre Dame em Paris contrasta
especificamente com o canto com solistas em até quatro vozes. É provável que
tenham sido os melhores cantores disponíveis, capazes de se sustentar como
solistas e, ainda assim, cantarem juntos com unidade; eles antecedem o canto
coral polifônico por várias gerações e o canto operístico por centenas de anos. Os
sucessores desses primeiros polifonistas encontrados hoje são de todos os ramos
da música ocidental, do Barbershop ao A-Ronne de Berio, da polifonia folclórica
da Córsega aos King’s Singers. O que todos esses músicos compartilham é a
capacidade de se comunicar uns com os outros e com seus ouvintes (POTTER,
2000, p.158).67
Potter chama a atenção para três aspectos importantes: primeiro, que a prática do
canto com solistas em polifonia é anterior ao coral polifônico, o que denota a influência
decisiva da primeira sobre a segunda. Em segundo lugar, que esses cantores deveriam
ser os melhores: ser o único responsável por uma das vozes mantendo a unidade com os
outros requer técnica e musicalidade. Por último, que tanto os cantores antigos como os
atuais têm em comum a capacidade de se comunicar entre si e com seus ouvintes.
Esta última frase, justamente o objeto deste nosso estudo, demonstra a diferença
entre cantar em um coral e em um grupo vocal: a comunicação acontece entre cantores e
não entre cantores e regente. Essa comunicação é complexa, pois envolve visão e/ou
audição periféricas, um bom nível musical, boa técnica vocal, e a habilidade de
65
O Hilliard Ensemble era um quarteto vocal masculino britânico originalmente dedicado à execução de
música antiga. O grupo recebeu o nome do pintor miniaturista elisabetano Nicholas Hilliard. Fundado
em 1974, o grupo se desfez em 2014. Embora a maior parte de seu trabalho se concentrasse na música
dos períodos medival e renascentista, o Hilliard Ensemble também executou música contemporânea. O
grupo foi fundado por Paul Hillier, Errol Girdlestone, Paul Elliott e David James , embora a associação
fosse flexível até que Hillier saiu em 1990. Depois disso, os membros principais foram David James
(contra-tenor), Rogers Covey-Crump (tenor / alto tenor), John Potter (tenor) e Gordon Jones (baixo),
exceto que em 1998 John Potter foi substituído por Steven Harrold.
Fonte: Wikiepedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Hilliard_Ensemble visto em 05/03/2021.
66
Todos os trechos desse artigo citados nesta dissertação foram traduzidos por nós.
67
Texto original: Since polyphony evolved out of plainchant sometime around the end of the first
millennium there has been a tradition of people coming together to sing in harmony. The polyphony
associated with the cathedral of Notre Dame in Paris specifically contrasts the singing of the chant choir
with that of soloists who sing in up to four parts. These are likely to have been the best singers available,
able to hold their own as soloists and yet sing with one another as a unit; They predate polyphonic
choral singing by several generations and opera singing by hundreds of years. The successors of those
Early polyphonists are found today in all branches of Western music from barbershop to Berio’s A-
Ronne, from Corsican folk polyphony to King’s Singers. What all these musicians share is an ability to
communicate with each other as well as with their listeners.
- 42 -
negociação constante na interpretação musical, cênica e, a mais difícil, social. Enfim,
um cantor de grupo vocal é um músico que busca a qualidade, que faz tudo para manter
a unidade do grupo antes, durante e depois da performance. Essas prerrogativas
demonstram que esse cantor de conjunto vocal é, na maioria das vezes, um apaixonado
pelo que faz.
Crismarie Hackenberg (2017), em seu artigo ‘Por que queremos cantar em um
grupo vocal?”, aponta três motivações para isso:
1. A busca pela excelência, que pode “habitar na brincadeira e na improvisação”,
mas só “depois de muitas repetições em ensaios e muito trabalho árduo”. O
prazer estaria na busca.
2. O sentido da originalidade diz respeito à busca por uma personalidade sonora
única e inédita, que pode vir através de arranjos e/ou peças feitas especialmente
para o grupo. Acrescento que essa originalidade também pode vir através de um
timbre característico das vozes, uma maneira de cantar (em solo ou em
conjunto), um repertório e um estilo diferenciados.
John Potter reforça em seu texto o sentido da originalidade de um grupo vocal:
Cada grupo tem seu som próprio. Não tente imitar o som dos outros: explore as
características próprias do seu grupo. Solistas profissionais dão uma atenção
considerável ao seu próprio timbre. No canto em grupo, o timbre pessoal é usado
para colorir o som de todo o conjunto, e, portanto, você pode ter que se contentar
com a riqueza no interesse de uma mistura geral (POTTER, 2000, p.161).68
68
Texto original: Every group has own distinctive sound. Don’t try and imitate someone else’s: exploit
your own group characteristics. Professional soloists give considerable attention to their own personal
tone colour. In ensemble singing your personal tone colour is used to colour the sound of the whole
group, so you may have to hold back on the richness in the interests of an overall blend.
69
Texto original: Ensemble singing is a co-operative activity and it is very inportant that everyone’s input
is used to its fullest extent.
- 43 -
motivar e inspirar os integrantes. Num grupo de solistas a inspiração e a motivação já
fazem parte do sentimento do cantor. A responsabilidade e o controle criativo são
divididos, e, muitas vezes a liderança é compartilhada.
Ruth DeFord (2015) faz alusão ao grande uso da prática do tactus – aqui como
movimento físico71 - nas performances naquela época:
70
O conceito de tactus foi extensamente discutido tanto no âmbito da musicologia moderna quanto no
próprio Renascimento e está frequentemente sujeito a mais de uma interpretação, razão pela qual não
são raros os conflitos entre autores que discutiram o termo e suas possíveis aplicações. (SABAG, 2020,
p.78)
71
Ruth DeFord distingue três significados principais para o vocábulo: (i) tactus de performance, (ii)
tactus composicional e (iii) tactus teórico. O trecho em questão refere-se ao primeiro, definido pela
autora como “o movimento físico, que mede o tempo na performance, ou a unidade de tempo
correspondente a este movimento.” (SABAG, 2020, p.78)
- 44 -
Grupos de cantores do século XV, na maioria das vezes, mantinham o
tempo (andamento) tocando nas costas um do outro, para que o tactus
fosse comunicado pela sensação, e não pela visão. Fontes iconográficas
testemunham o amplo uso dessa prática. (...) A Figura da página de
abertura de Practica musice de Gaffurio, de 1496, mostra uma cena (...)
com um professor e um grupo de meninos. Cantores tocando nos
ombros dos outros são visíveis em todas elas (fontes iconográficas). Por
volta de 1500, tornou-se comum uma pessoa liderar72 um grupo com um
‘pulso’ visível.73 (DEFORD, 2015, p.53) – (tradução nossa)
72
O líder do grupo é o homem mais velho, que bate nos ombros dos dois meninos na frente dele.
73
Texto original: “Groups of fifteenth-century singers most often kept time by touching each other’s
backs, so that the tactus was communicated by feel, rather than sight. (...)Iconographic sources testify to
the widespread use of this practice. Figure 3.3, from the opening page of Gaffurio’s Practica musice of
1496, shows a similar scene with a teacher and a group of boys. Singers tapping each others’ shoulders
are visible in all of them. Around 1500, it became common for one person to lead a group with a visible
beat.”
74
No caso, usamos a classificação de Lewin, que consta na página 9 deste trabalho.
- 45 -
1- O Relógio do Grupo: é o andamento global, o tempo básico da música, a referência
para se manter o andamento. Para um grupo sem regente, esse andamento é
negociado entre os membros do conjunto através de ‘tentativa e erro’, até se chegar
à um consenso. Na verdade, cada músico gera um pulso interno de acordo com o
andamento geral, que funciona, assim, como o ‘relógio do grupo’. É o controlador
de andamento partilhado dentro do andamento geral da música. Obviamente, o
andamento da peça é indicado quando se tem um regente.75
2- Habilidades para Manutenção do Andamento: tocar/cantar com outras pessoas
requer duas habilidades principais: antecipação e reação. Os músicos de um
conjunto reagem ao que está acontecendo com os outros, baseados na nota anterior.
Uma constante previsão antecipada do que se vai tocar/cantar com base no que se
acabou de ouvir. Outro processo de interação é a cooperação: os músicos continuam
reagindo à execução dos outros, mas assumem e transferem a liderança, mudando de
papel na obra.
Sobre essa cooperação, Potter coloca de uma maneira mais prática em uma de
suas sugestões de como conduzir um grupo vocal durante uma performance:
A pessoa com voz principal (mais ‘móvel’) tem o controle da música. Esta é uma
voz realmente criativa: muito poucas peças são cantadas metronomicamente, e é
na variação do tempo que os cantores têm a chance de personalizar sua
apresentação. Se você tiver uma melodia com mais notas do que as melodias
circundantes, elas deverão ouvi-lo, caso você sinta que um ritenuto é apropriado.
Então, quando alguém tem uma melodia mais rápida, você precisa apoiá-la.
Negocie: se você tem a parte móvel, corra riscos expressivos e confie nos outros
para segui-lo. Você provavelmente descobrirá que, para que isso funcione
efetivamente, é necessário manter o pulso básico em movimento. Ser expressivo
geralmente significa diminuir a velocidade, então lembre-se de voltar ao tempo o
mais rápido possível, ou a peça parecerá como se estivesse parando (POTTER,
2000, p.159).76
3- Ilusão da Sincronia: O ser humano não tem a precisão de uma máquina. Por isso,
sempre vai haver imprecisões, mínimas que sejam, ao tocar/cantar simultaneamente.
75
Ao nosso ver, a negociação sempre existe, mesmo quando há um condutor, tanto em grupos
profissionais de músicos como em grupos amadores. Nesse contexto, na nossa opinião, sempre há
‘tentativa e erro’, porém, administrada pelo regente.
76
Texto original: The person with the moving part has control of the music. This is the really creative
part: very few pieces are sung absolutely metronomically, and it is in tempo variation that singers have a
chance to personalise their performance. If you have a part with more notes in it than the surrounding
parts, then they have to listen to you in case you feel that something less than a strict movement is
appropriate. Then when someone else has the faster part you have to support them. Negotiate: if you
have the moving part, take expressive risks and trust the others to follow you. You’ll probably find that
for this to work effectively you have to keep the basic pulse moving. Being expressive often means
slowing down, so remember to get back to tempo as soon as you can, or the piece will feel as though it’s
grinding to a halt.
- 46 -
Muitos fatores podem agravar o problema de imprecisão rítmica, como a
característica de cada instrumento: o ataque na viola demora mais a soar do que no
violino, por exemplo. A acústica do teatro, a distância entre os músicos, podem
influenciar na maior ou menor precisão rítmica do grupo. Os trechos musicais onde
o andamento muda gradualmente, os ‘rubatos’, as entradas após o silêncio são
sempre mais difíceis. É preciso mesmo criar uma ilusão de que tudo acontece
simultaneamente antecipando ou retardando os ataques, dependendo do caso. No
caso das entradas após o silêncio, é difícil evitar uma comunicação visual entre os
músicos.
Potter (2000), sobre a acústica das salas usadas para performance, afirma:
O feedback do acústico informa, mesmo que subconscientemente, informações
vitais sobre equilíbrio, mistura e afinação, permitindo que você faça ajustes
minuciosos durante a performance. Ouvir é um processo de vários estágios:
você, ciente do seu próprio som, o mistura continuamente com as outras vozes,
mas uma parte importante da audição está completamente fora do seu corpo,
quase como se você estivesse na parte de trás do edifício. Pense no edifício
(especialmente se tiver uma acústica interessante) como uma extensão do grupo.
A acústica funciona como amplificador e alto-falante, e você deve sentir que está
cantando no edifício inteiro77 (POTTER, 2000, p.161).
77
Texto original: The feedback from the acoustic tells you, if only subconsciously, vital information about
balance, blend and tuning, enabling you to make minute adjustments as you go along. Listening is a
multi-stage process: you are aware of your own sound and are continuously blending it with the other
voices, but an important part of listening is outside yourself altogether, almost as though part of you is
at the back of the building. Think of the building (especially if it has interesting acoustics) as an extension
of the ensemble. The acoustic acts as both amplifier and speaker, and you should feel that you are
singing the whole building.
78
PA significa ‘Public Audiation’: são as caixas acústicas voltadas para o público. Os ‘monitores’ são
também chamados de ‘caixas de retorno’ e são voltadas especificamente para os músicos. A
combinação entre PAs e monitores é feita por uma mesa de som, operada por um técnico que, na
verdade, é a pessoa que tem o poder de determinar o som que será produzido.
- 47 -
adaptada a essa amplificação. Veremos mais adiante no próximo capítulo, alguns
exemplos de grupos que usam microfones e de grupos que optaram por não os usar.
- 48 -
ouvinte, mas também aos músicos intérpretes, principalmente aos regentes e aos que
fazem parte de pequenos grupos de câmara, como um grupo vocal, cujo gesto/som é
determinante na performance.
79
Texto original: Balance and blend: you should generally be able to hear your own voice and those of
the singers on either side of you at approximately the same volume. This is something that you will
monitor continuously, probably without being awere of it. Blend is difficult subject, something that the
Hilliard Ensemble is often asked about but which we rarely discuss. If you are listening and
communicating (...) you will probably find, as we do, that the blend takes care of itself. You may have to
fine-tune it occasionally.
- 49 -
Segundo Goodman, “os músicos de um conjunto confiam muito mais na
comunicação aural (...) do que na comunicação visual para se fazer música em grupo.”
Ela afirma que a comunicação aural é mais importante do que a comunicação visual,
pelo simples fato de que ouvimos música – não vemos música.
Ao questionarmos se, durante a performance, apenas a comunicação aural
bastaria, ou seja, somente ocorresse a comunicação entre músicos através do som sem o
auxílio da visualização, nos ocorreu de pesquisar como seria um grupo vocal formado
apenas por deficientes visuais. Lembramos então de um dos melhores e mais atuantes
grupos vocais brasileiros: os Titulares do Ritmo80: todos os seus integrantes eram
deficientes visuais e se conheceram justamente numa escola para cegos, ainda
adolescentes. Para eles, não havia outra possibilidade a não ser se comunicar em suas
performances de forma aural. A existência desse grupo, prova que é possível cantar e
tocar sem a comunicação visual e com qualidade.
2.3.1.2 Energia
Usando um outro exemplo envolvendo cantores com deficiência visual,
transcreveremos um pequeno trecho de um relato de uma ex-aluna de regência do
professor Marco Antônio da Silva Ramos. Cristiane Calumbi, deficiente visual total,
descreve seu primeiro dia de ensaio no Coral da ECA81:
Desde o primeiro dia de aula, quando participei do coral, percebi que a regência
não se limitava a um simples contato visual entre o regente e os músicos ou
coralistas, mas era algo que transmitia uma energia muito grande, indo além dos
gestos. Notei também que não era necessário alguém me avisar o momento exato
de iniciar uma peça, ou as intenções do regente quanto à dinâmica ou ao
andamento. (...) Era possível, por exemplo, perceber se um colega estava
80
Grupo vocal e instrumental, cujos componentes eram todos cegos. O grupo era um sexteto formado
por: Francisco Nepomuceno de Oliveira, o Chico - Líder, compositor, arranjador, violonista e pianista,
Geraldo Nepomuceno de Oliveira - Cantor e violonista, Domingos Ângelo de Carvalho – Cantor, João
Cândido Brito – Cantor, Joaquim Alves – Cantor, Sóter Cordeiro - Cantor. O conjunto foi organizado em
1941, quando seus futuros componentes se conheceram no Instituto São Rafael em Belo Horizonte, MG,
para cegos, onde cursavam o ginásio. Ficaram famosos pelas harmonizações e vocalizações requintadas
que elaboravam. Com uma grande discografia e muitos sucessos emplacados em programas de rádios, o
grupo fundou uma firma de publicidade chamada ‘Pauta’, onde gravaram vários jingles comerciais.
Fonte: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira – visto em 05/03/2021.
https://dicionariompb.com.br/titulares-do-ritmo/dados-artisticos
81
O Coral da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo é frequentado por alunos
de todos os cursos do Departamento de Música da mesma escola.
- 50 -
inseguro, ou se conseguia expressar-se claramente” (Calumbi, 2001 apud
RAMOS82, 2003).
82
CALUMBI, C. M. – O deficiente visual: estudo e ensino de música – Trabalho de conclusão de curso de
licenciatura em Educação Musical apresentado ao Departamento de Música da Escola de Comunicação
e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
- 51 -
confiança do ouvinte, e esse ouvinte, tanto pode ser o público que assiste a um concerto
quanto o músico que canta ou toca no espetáculo musical. Neste caso, está sempre
aberto a receber e emanar essa energia, numa troca constante.
- 52 -
ser aceita. Por outro lado, todos os membros de um conjunto musical podem trabalhar
democraticamente, garantindo uma convivência mais, natural e pacífica. Essa opção
pode também ser seguida pelos regentes, que, apesar de serem líderes ‘impostos’,
podem trabalhar em direção a uma abordagem menos ditatorial, liberando gradualmente
o controle, para o bem do esforço coletivo.
83
ERICEIRA, Alfredo – Liderança e produtividade: estudo de caso sobre as suas diferentes abordagens
visando ensaios eficientes
- 53 -
ressignifiquem as metas da organização, sobrepondo-as aos seus
interesses individuais. É uma tendência mais contemporânea.
6) Compartilhada: a liderança é descentralizada e colaborativa, podendo ir
inclusive, da liderança distribuída até a autogestão.
Um conjunto vai florescer na medida em que cada indivíduo sente que ‘ele/ela
está contribuindo ao máximo com sua capacidade artística e ao mesmo tempo
colaborando com os outros colegas para produzir uma coisa mais bonita do que
eles poderiam produzir individualmente (Harvey-Jones, 1994 apud
GOODMAN84, 2013, p.178).
Alguns grupos são efêmeros e outros mais duradouros pelos motivos acima
apresentados. Em nossa experiência, já fundamos vários grupos vocais e, alguns não
conseguiram passar de alguns ensaios e outros – mais raros - chegaram a durar mais de
vinte anos. Quando, por exemplo, um dos cantores tem que ser substituído por qualquer
motivo toda a energia do grupo muda e um período de adaptação precisa acontecer.
Praticamente um recomeço. Há grande vantagem em permanecer junto por mais tempo,
pois a comunicação amadurece com o convívio - nos ensaios e fora dele - e, com isso, o
grupo como um todo também amadurece musicalmente:
Claro que ajuda se você passou literalmente milhares de horas cantando com o
mesmo grupo de cantores. Você aprende os instintos e peculiaridades um do
outro; você aprende como relacionar sua experiência coletiva com seus
pensamentos pessoais sobre como deseja que a música seja, como influenciar
seus colegas mesmo quando eles estão realmente se apresentando e quando
apoiar as coisas que eles gostam. Para esses parâmetros, não há substituto para
cobrir muita quilometragem musical juntos85 (POTTER, 2000, p.163).
Por fim, Murningham e Colon questionam: “por que alguns grupos permanecem
juntos por mais tempo que outros?” Para eles, “grupos que são bem-sucedidos tentam
reconhecer a influência de estereótipos sociais e de paradoxos de liderança e
84
HARVEY-JONES, John. All together now. London: Heinemann, 1994.
85
Texto original: Of course it helps if you have spent literally thousands of hours singing with the same
group of singers. You learn each other’s instincts and idiosyncrasies; you learn how to relate your
collective experience to your personal thoughts on how you want the music to go, how to influence your
colleagues even while they are actually performing and when to support the things they like. For these
parameters there is no substitute for covering a lot of musical mileage together.
- 54 -
democracia, assim como a necessidade da confrontação e do compromisso.
(Murningham; Colon, 1991 apud GOODMAN86, 2013, p.178).
No final, é claro, você encontrará o seu próprio caminho. E é isso que conta.
Você pode aprender ouvindo outros grupos (sobre o que fazer e o que não fazer),
mas, no final das contas, você deve fazer a música do seu jeito, e desenvolver
algo que seja exclusivamente a soma (ou mais) de todas as suas partes. O que
funciona para você é o que funciona87 (POTTER, 2000, p.164).
86
MURNINGHAM, J.K.; COLON, D.E. The dynamics of intense work groups: a study of British string
quartets. Administrative Science Quaterly, v.36, p.165-186, 1991.
87
Texto original: In the end, of course, you will find your own way. And that’s what counts. You can
learn from listening to other groups (about what to do and what not to do), but ultimately, you have to
make the music your own, and develop something that is uniquely the sum (or more) of all your parts.
What works for you, is what works.
- 55 -
CAPÍTULO 3: OS EXEMPLOS
2. O segundo critério usado foi a preferência por vídeos não editados ou, mesmo que
fossem, não interferissem na veracidade do que se quis mostrar. Explicando por outro
ângulo, um vídeo artístico, por exemplo, é editado de modo a interferir (ou mesmo
esconder) no processo de construção real da sequência de imagens: o diretor usa uma
fração do que foi gravado para se expressar e, neste caso, a mensagem é mais
importante que o processo. Na direção oposta, procuramos registros de imagens que
mostrassem o processo, fossem de ensaios ou apresentações, sem nos preocuparmos
com a mensagem artística propriamente dita. Na verdade, procuramos os vídeos em que
o processo e/ou seu resultado fosse a própria mensagem. Mesmo se ocorresse edição, o
- 56 -
vídeo poderia ser escolhido, desde que não escondesse as soluções encontradas para as
resoluções dos problemas musicais.
3. O terceiro e último critério está relacionado ao anterior e não é menos importante: o
som dos vídeos selecionados deveria ser captado diretamente do ambiente, sem edição.
Portanto, imagem e som teriam que ser totalmente integrados, sempre buscando
autenticidade e nunca a artificialidade.
Assim, num escopo de milhões de vídeos, tais critérios nos permitiram encontrar
alguns capazes de exemplificar o processo de comunicação em grupos vocais e corais
que nos propusemos a estudar. Em cada um deles, há uma descrição (resumida ou
detalhada) com a indicação do intervalo de tempo em minutos e segundos. Alguns dos
exemplos são fragmentos de um vídeo maior, como um documentário, por exemplo.
Nesses casos, a minutagem original – que constará, quando for o caso, logo acima da
foto do vídeo - não coincide com a do Drive, pois lá somente constam os trechos
selecionados para este trabalho. A minutagem dos vídeos originais estará sempre entre
colchetes e, em itálico e entre parênteses, a do vídeo editado por nós constante na
nuvem.
Por exemplo:
[12’50”] (0’10”)
[minutagem do vídeo original público] (minutagem do vídeo editado para esta dissertação – drive)
- 57 -
3.1 Soluções utilizando a Comunicação Visual
Foto 188
Descrição:
[0’50”] (0’00”) Numa masterclass para um grupo de adolescentes, Cedric Dent (com
microfone na mão) do grupo Take 6 sugere um gesto de regência para que, num
determinado momento, o grupo consiga precisão ao pronunciar a letra ‘k’ no final de
uma palavra:
Cedric Dent: “Bom dia!!! .... porque vocês podem vir com algo que é bastante sutil,
por exemplo, uma pessoa faz um gesto, que olhando parece só um gesto expressivo, mas
na verdade é uma dica de que é aqui o lugar para se colocar a letra 'k'.”
88
Todas as fotos foram ‘printadas’ dos respectivos vídeos.
- 58 -
[1’09”] (0’19”) O menino imita o gesto de Cedric, que diz: “Vocês viram ele fazendo
isso?” (risos)
[1’13”] (0’23”) Cedric diz: “Ok, então vamos tentar ouvir, vejam...”
[1’15”] (0’25”) O coro canta e, na palavra York, o ‘k’ é pronunciado com precisão sob
regência do menino;
Comentários:
Cedric Dent, ao sugerir o gesto de regência muito provavelmente levou em conta
o posicionamento dos cantores na cena: escolheu um cantor visível a quase todos os
membros do grupo. O resultado foi extremamente efetivo, como se pode ver no vídeo,
já que a letra ‘K’ foi pronunciada por todo o grupo com grande precisão e sincronia.
Vale aqui destacar a importância da atenção no processo de comunicação.
Foto 2
- 59 -
Descrição:
Comentários:
89
Apresentação do conjunto vocal "A cappella Ammersee" por ocasião de um concerto em Freising-
Alemanha - em 1 de junho de 2014. O grupo é formado por Angelika Werner e Juliane von Meding
(sopranos), Cornelia Hösel e Heike Müller-Syhre (contraltos), Waldemar Weinheimer e Marcus Türk
(tenores) e Brad Robinson e Christof Büttner (baixos)
- 60 -
Como mencionamos anteriormente, o gesto da regência reforça visualmente o
que foi ensaiado anteriormente. A presença de um regente num coral ou numa orquestra
é necessária por causa do tamanho do grupo. Porém num conjunto vocal, os gestos de
significação musical são normalmente trocados ‘discretamente’ pelos integrantes,
mesmo que esse grupo possua apenas um líder, e este seja o único a expô-los.
Não mostrar os gestos de regência é algo que usualmente se busca em um
ensemble vocal. De acordo com Potter (2000): “Os ouvintes ficam muito mais
impressionados se tudo parece acontecer por mágica. Não entregue o jogo dando as
notas (especialmente com um diapasão de sopro) e não fique tentando conduzir,
principalmente no início e no final da peça” (POTTER, 2000, p.164)90
Claro está que essa ‘mágica’ deve acontecer nas apresentações, pois é lá que o
público a ser ‘impressionado’ está. O ritual coletivo que é um concerto exige um
trabalho muito sério de ensaio, não só musical, mas também de como realizar essa
‘mágica’. É no ensaio que o grupo ajusta o timbre, a afinação, o ritmo, mas também
‘sente’ quais as melhores possibilidades expressivas da peça e do próprio grupo.
Nesse âmbito musical do ensaio, a regência pode ser fundamental para o
aprendizado de uma nova peça mesmo num pequeno grupo de cantores. Ela reforça as
intenções musicais e as faz acontecer mais naturalmente, sendo absorvidas pelo grupo
de maneira mais rápida e eficiente.
90
Texto original: It is much more impressive for listeners if everything appears to happen by magic.
Don’t give the game away by obvious note giving (especially with a pitch pipe) and don’t be tempted to
conduct, especially at the beginning and end of a piece.
- 61 -
3.1.2.1 Vídeo 3 – Vocal Group pratice: Chords91
https://www.youtube.com/watch?v=FBJleH3uYno
(publicado em 26/03/2021 no canal ‘Accent’)
[visto em 29/03/2021]
Ajustando acordes
Foto 3
Descrição:
[0’00”] Simom Akesson: “Você está filmando isso? Oh!”
[0’01” a 0’08”] – TENORES 1 e 2 mais BARÍTONO cantam
[0’09”] – Andrew Kasler pergunta: “Adicionando quem agora?”
[0’10”] – Jean-Baptiste Craipeau rsponde: “Adicionando você, eu acho.”
Akesson aprova: “Yeah!”
[0’11” a 0’18”] – TENORES 1, 2 e 4 mais BARÍTONO cantam
[0’19”] – risos
[0’20” a 0’25”] – AS 5 VOZES MAIS AGUDAS cantam
[0’26”] – Akesson e Craipeau se olham e dizem ao mesmo tempo, respectivamente:
“Oh! O que acontece?” / “Oh! Não é o mesmo acorde!”
[0’28”] – Akesson diz: “Podemos incluir um baixo, talvez?”
[0’29”] – Evan Sanders responde: “Eu?” Akesson: “Yeah.”
91O grupo vocal Accent é formado por Jean-Baptiste Craipeau (tenor 1), Simon Akesson (tenor 2), Danny
Fong (tenor 3), Andrew Kesler (tenor 4), James Rose (barítono) e Evan Sanders (baixo).
- 62 -
Sanders: “The Cameraman?”
[0’31” a 0’38”] – TODAS AS 6 VOZES cantam
[0’39”] – Akesson: “Oh, isso não é ‘Singers Unlimited’?
[0’40”] – Craipeau diz: “Quatro Acordes?”
[0’41” a 0’48”] - Ele mesmo dá a entrada de cada acorde, regendo.
[0’49”] - Akesson sugere: “Num tempo lento”
[0’50”] – Craipeau dá a entrada com 4 estalos de dedos, estabelecendo um pulso.
[0’53” a 0’58”] – No ritmo definitivo do trecho da peça, James Rose e Craipeau
compartilham a regência.
[0’59”] – Craipeau: “Ooh!”
Comentário:
Este vídeo gravado (e editado) pelo baixo do grupo, Evan Sanders, mostra o
tempo que se gasta – mesmo num grupo de ótimo nível técnico – ajustando apenas
quatro acordes que ocupam apenas três segundos de música. O vídeo dura menos de um
minuto, mas o tempo dispendido nessa atividade deve ter sido bem maior: é preciso ter
equilíbrio de volumes e uma boa timbragem entre as vozes para afinar os acordes que
são muito dissonantes:
- 63 -
Até os 40 segundos, apenas os dois primeiros acordes foram executados,
começando com 3 vozes e acrescentando mais uma a cada vez. Só após isso é que se
ouve a cadência completa dos 4 acordes, e, em seguida, com o ritmo dos dois últimos
compassos transcritos acima, com a utilização da regência.
Foto 4
Descrição resumida:
O vídeo começa com o solo do tenor 1 – Jean-Baptiste Craipeau – indicando o
momento da primeira entrada de Andew Kesler. Por ser o arranjador, este conduz toda a
peça e tem nas mãos a concepção da interpretação dela. Há várias fermatas e mudanças
de andamento, além de algumas alterações pontuais no timbre e conduções harmônicas
em uma voz específica. Tudo isso é regido por Andrew, mas outros cantores também
regem em alguns instantes: James Rose à sua direita e Jean-Baptiste Craipeau a sua
esquerda.
- 64 -
Comentário:
O que o arranjador imaginou para o grupo se materializa em suas mãos, com sua
própria coordenação e regência. O grupo se apropria do arranjo gradativamente,
incorporando e contribuindo com a interpretação do arranjador até não precisar mais de
sua regência, elevando assim a comunicação a um nível mais sutil, com olhares e
respirações, podendo chegar a apropriação total que acontece quando os cantores não
precisam mais de nenhuma comunicação visual.
Regência compartilhada
Foto 5
Descrição:
[0’12” a 0’39”] Após a entrada, o coro é regido apenas com o olhar e, talvez, pequenos
movimentos das mãos, sem indicação visível do pulso. O maestro espera todos os
cantores chegarem ao acorde que conclui a primeira frase e efetua o corte.
[0’40” a 1’07”] O mesmo acontece na segunda frase, mas, logo no começo, há o gesto
pede mais volume do coro.
93Apresentação da peça Immortal Bach de Knut Nystedt (arranjo do Coral Komm Susser Tod), com o
Coro de Câmara Maria Magdalena conduzido por Mats Nilsson em St James 'Church Sussex Gardens,
Paddington, Londres, no dia 26 de maio de 2017.
- 65 -
[1’09 a 1’53”] A terceira frase, mais longa que as anteriores, também é conduzida da
mesma maneira, e o regente já sinaliza a chegada do acorde final aos 1’33”, 20
segundos antes de fazer o corte.
[1’55” a 2’16”] A peça recomeça, mas dessa vez com mais quatro regentes – um para
cada naipe. Eles vão dando entradas, mudanças de notas e cortes independentemente,
para continuar a criar dissonâncias causadas pela defasagem entre as vozes. Ao regente
principal cabe apenas a entrada e o corte do final do trecho.
[2’18” a 2’40”] O esquema se repete na segunda frase, mas agora, um pouco mais
movida que na primeira vez.
[2’42” a 3’24”] O mesmo acontece na terceira frase, com os cantores de cada naipe
obedecendo a regência dos respectivos monitores.
[3’26” a 4’02”] A peça de Bach reinicia-se pela terceira vez, porém da maneira como o
autor a escreveu, regida novamente apenas por Mats Nilsson, regente do coro.
Comentários:
A peça em questão é baseada em um Coral da Cantata BWV 478 de Johann
Sebastian Bach: ‘Komm, Süsser Tod’94, cuja partitura apresentamos a seguir:
94 Tradução: Venha, doce morte, venha, bendito descanso! Venha e me leve à paz.
- 66 -
O compositor Knut Nystedt (1915-2014) criou uma textura completamente nova
para a peça ao indicar a defasagem entre as vozes, causando assim muitas dissonâncias.
A ausência de pulso também contribui para o clima de música contemporânea.
Na versão em questão, preferiu-se começar pela parte, digamos, moderna da
peça, caminhando para a original barroca. A solução encontrada (muito provavelmente
pelo regente) para que as duas primeiras vezes soassem diferentes uma da outra, foi
delegar a regência a quatro cantores – um de cada naipe – que, claro, não seguiriam o
mesmo pulso. Só a entrada e o corte de cada frase eram coordenadas pelo regente
principal. Isso configura, então, um caso de liderança musical (regência) compartilhada
na performance. Um caso raro em coros e mais comuns em pequenos grupos.
Originalmente, a peça não obedece a ordem da versão do ‘Maria Magdalena
Chamber Choir’: Knut Nystedt imaginou a peça para cinco coros e recomendou as
seguintes instruções:
95
Print retirado do vídeo https://www.youtube.com/watch?v=foyQDp74vNY do canal Sheet Music.
- 67 -
4. Os sopranos começam a 2ª frase, segurando o mi bemol por 4 segundos
antes de as outras vozes (ATB) entrarem simultaneamente, e todos cantam a 2ª
frase de acordo com o esquema, sustentando sua nota em "Ruh" até que todos
estejam cantando sua nota em "Ruh".
5. Todos começam o compasso 5 juntos e cantam de acordo com o esquema,
segurando a nota final até que todos estejam cantando sua nota em "-de". O
acorde será sustentado com a fermata.
6. Dimensione a dinâmica: comece pp e aumente para forte no compasso 5.
Em seguida, comece um decrescendo gradual, terminando a peça pianíssimo.
A peça vai durar aproximadamente 5 minutos.
Para comparar as versões, escolhemos a de Princeton University Glee
Club, que segue as instruções acima e cuja condução foi feita apenas por um
regente96:
Regência não-compartilhada
Foto 6
96
Apresentação do coral ‘Princeton University Glee Club’, dirigido por Gabriel Crouch em 20/02/2016 no
‘Richard Auditorium’ no Alexander Hall.
- 68 -
3.2 Soluções utilizando Comunicação Aural
3.2.1 VÍDEO 7: The Hilliard Ensemble97: the A Capella group who revived "old
music" (Whenever Angels Sing, 2003) [trecho - 18’ a 21’30”]
https://www.youtube.com/watch?v=CAjQw295pZc&list=PLD_Sq2jS-
l6G6x8njizX7rEGZZTJm0HKC
(publicado em 30/11/2019 no canal ‘EuroArtsChannel’)
[visto em 07/03/2021]
Cantar em círculo virado para fora.
Foto 7
Descrição:
[18’00”] (0’00”): Gordon Jones (em close) ouve um grupo vocal98, ou ‘Grupo
Alpha’, a cantar um trecho de uma peça. Sua expressão é de estranhamento.
[18’18”] (0’18”): aparece o grupo e Gordon, olhando para a partitura diz:
97
Os membros originais do grupo foram David James (contra-tenor), Rogers Covey-Crump (tenor
agudo), John Potter (tenor) e Gordon Jones (baixo). Em 1998, Steven Harrold entrou no lugar de John
Potter.
98
O nome do grupo em questão não foi referido no vídeo. A partir de agora, atribuímos a ele o nome de
‘Grupo Alpha’, ou simplesmente ‘Alpha’ que usaremos sempre que a ele nos referirmos.
99
Nota do Autor.
- 69 -
[18’51”] (0’51”): Gordon convida o grupo Alpha a se deslocar para o meio da sala e
ficar em círculo, ombro a ombro, voltados para fora dele. O grupo parece estranhar sua
atitude:
“O que vocês podem fazer..., vocês venham para cá e façam agora. Venham aqui e
tragam a partitura. Agora, fiquem de pé em um círculo, de costas um para o outro.
Muito perto um do outro, ok?”
[19’19”] (1’19”): corta para o grupo The Hilliard Ensemble cantando em círculo e
de costas um para o outro a peça ‘Saphire’ de Piers Hellawell (1995). A câmera gira
lentamente em volta do grupo, as vezes mais distante, de baixo para cima e as vezes
mais próxima.
[21’26”] (3’26”): fim da peça
[21’32”] (3’32”): fim do trecho.
Comentários:
[referente a 18’00” a 18’17”]: A expressão de estranhamento de Gordon Jones é
causada pela falta de equilíbrio do Grupo Alpha. A peça executada é ‘A Quiet
Place’ (Ralph Carmichel) arranjada por Mervyn E. Warren, integrante do grupo
vocal americano Take 6. O trecho em questão, transcrito do cd100 original é este:
Partitura 1 (de referência):
100
Do cd ‘Do Be Doo Wop Bop’ lançado em 1988 (trecho equivalente da faixa 4: 0’57’’ a 1’12’’)
- 70 -
O grupo Alpha, executa a peça meio tom abaixo do original (cd). Porém, não se
pode garantir que tenha começado a execução nesse tom, pois a afinação pode ter caído
durante a performance. Considerando que a primeira nota esteja em uníssono, o acorde
do compasso 16 soa instável, permanecendo a execução assim até o final do trecho,
causando a interrupção da performance:
A solista e o tenor se mantêm no tom, fiéis ao que está escrito. O primeiro a errar
é o baixo logo na segunda nota, executando um intervalo de quinta justa no lugar de
sexta maior descendente. Isso causa a instabilidade no acorde do compasso 16,
acarretando um imediato estranhamento nos outros cantores (principalmente o
contralto), que tentam compensar, porém, sem sucesso.
- 71 -
3.2.1.1 VÍDEO 8: A Quiet Place - Take 6 Live at LMU101
https://youtu.be/ViqpSnNYDDQ
(publicado em 19/03/2011 no canal ‘Tiago Costa’)
[visto em 07/03/2021]
Comparando a performance
Foto 8
Devemos mencionar que a peça foi executada meio tom abaixo do original desde
o início por opção do próprio grupo Take 6102. O início foi impreciso: os outros cantores
começam um pouco depois do solista, porém o andamento (mais lento em comparação
ao original) se estabelece rapidamente. Chamam a atenção as respirações longas e
expressivas. No final da peça, ocorrem pequenas alterações em linhas melódicas e,
consequentemente, na harmonia também.
102
No vídeo é possível ver o solista David Thomas dar o tom através de um diapasão de sopro, já meio
tom abaixo. (em 0’23’’).
- 72 -
[referente a 18’18” a 18’50”]: Gordon Jones, em sua fala, aponta as dificuldades do grupo
Alpha, baseado em sua performance:
“A segunda a coisa realmente crucial (se vocês algum dia conseguirem fazer os
acordes corretamente e afinados) é que vocês tenham um equilíbrio muito melhor...”
“Se vocês não podem se ouvir... vocês estão cantando muito forte, isso nunca vai
funcionar.”
A falta de percepção do ‘todo’ por parte dos cantores de Alpha seria a causa
principal da desafinação. Esse seria um importante estágio a ser alcançado por um
pequeno grupo de cantores: a percepção do ‘corpo’ do grupo como um todo. O som
produzido por vários cantores deve ser ‘único’: todos na mesma sintonia, embora em
frequências diferentes. Cada cantor contribui ativamente para esse som conjunto, um
organismo musical.
[referente a 18’51” a 19’18”)]: Finalmente, a solução proposta por Jones para que o grupo
Alpha se escute como um todo para um melhor equilíbrio e afinação:
“O que vocês podem fazer..., vocês venham para cá e façam agora. Venham aqui e
tragam a partitura. Agora, fiquem de pé em um círculo, de costas um para o outro.
Muito perto um do outro, ok?”
- 73 -
A posição proposta impede que os integrantes do grupo se comuniquem
visualmente. Como o som é direcionado para fora do círculo, o que os cantores ouvem é
o seu reflexo, aumentando assim a percepção acústica da sala. O que se ouve é o som do
grupo como um todo e não mais uma parte dele: cada cantor é obrigado a se ‘encaixar’
nas vozes dos colegas e não pode esquecer um momento sequer que estão com elas, se
quiser cantar realmente junto. As informações musicais agora são passadas
coletivamente e nada pode ser realizado sem a percepção do todo. Esse tipo de ação
aumenta consideravelmente a escuta do conjunto, expandindo a consciência auditiva
musical, relacionando a contribuição de cada um na formação do tecido sonoro. Um
exercício eficaz de equilíbrio de volume, timbre e afinação.
103
Texto original: You cannot start properly unless you take an audible breath in which you share tempo
information, and the rhythmic information implied in breathing becomes essential throughout the
piece. You cannot do withouth note shaping, which tells your fellow singers what you expect to happen
next (don’t forget that Every musical event contains information about the next one). You cannot use
runato unless you are listening very carefully to the Other parts. Reading the whole score becomes na
invaluable aid. Eventually you kearn to think yourself into the Other singer’s minds and voices, and
become one creative unit.
- 74 -
O trecho seguinte é contrapontístico e é iniciado também pelo mesmo cantor.
(isso deve ter determinado o fato de que as duas entradas teriam que ser executadas pelo
mesmo cantor).
Volta o perfil homofônico e as respirações continuam determinando a fluência
da performance.
3.2.2 VÍDEO 9 - Canto Ma Non Presto104 - Brasil Vocal 2012 - Lamento Sertanejo
https://www.youtube.com/watch?v=avwZPfDB-Mg
Cantando com microfone numa cena
Foto 9
Descrição:
[0’02”] entrada sonora com dois estalos de dedos, executados por Marcelo Recski;
[0’25”] início da letra: o grupo permanece imóvel na posição de início com uma certa
distância um do outro, cada um voltado para um lado do palco sem trocar olhares.
104
Performance cênico-vocal do grupo Canto Ma Non Presto da música ‘Lamento Sertanejo’ de
Gilberto Gil com arranjo de Xavier Bartaburu no Festival Brasil Vocal 2012 no Centro Cultural Banco do
Brasil - RJ.
Os integrantes do grupo são Andressa Feigel (contralto), Daniel Reginato (baixo), Fábio Marins (tenor 2),
Joana Mariz (mezzo-soprano), Kenia Muraoka (soprano 1), Marcelo Recski (tenor 1), Marcos Lucatelli
(barítono), Paula del Rio (soprano 2). A Direção Cênica é de Luiz Eduardo Frin.
- 75 -
[1’07”] ponte curta
[1’21”] O grupo para de se mover novamente, agora numa posição mais próxima;
[1’53”] ponte longa (citação de ‘Assum Preto’ de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira)
[3’57”] Coda (igual ponte longa) começam a se deslocar para uma direção aleatória,
enquanto a luz vai diminuindo, chegando ao blecaute no acorde final;
Comentários:
[0’02”] Logo no início, ocorre a entrada sonora dada por dois estalos de dedos no pulso
da introdução. Essa foi a solução encontrada pelo grupo, que não podia, pela cena,
trocar olhares. Essa entrada poderia ser dada por respiração, mas, por tentativa e erro,
optou-se pelos estalos de dedos.
- 76 -
Partitura do início:
[3’43”] especialmente no final, a com rallentando no compasso 79, respiração longa entre os
compassos 80 e 81, as palavras ‘caminhando a esmo’ in bateri (num ritmo mais livre do que
está escrito), a retomada de um pulso mais lento no 82 e o rallentando final comandados pela
mezzo-soprano 1 e o barítono 1, com uma respiração antes da penúltima nota do compasso 85,
executando as últimas notas desse compasso in bateri também chegando ao acorde final,
cortado intuitivamente.
- 77 -
Partitura do trecho final:
- 78 -
3.3 - Soluções Aurais e Visuais: utilizando coordenação externa
Como consta na página 45 deste estudo, Goodman (2013, p.168) afirma que
“(...) a coordenação sonora pode ser assistida pelo planejamento de sinais visuais – por
exemplo, determinando quem vai dar a entrada no começo de uma peça ou quais dos
músicos vão estabelecer contato visual entre si depois de uma grande pausa”. Essas e
outras situações – que se apresentam primeiro no entendimento aprofundado da
partitura e, posteriormente, no decorrer dos ensaios - serão exemplificadas neste vídeo,
que, mesmo sendo de um grupo instrumental, é uma ótima amostra de procedimentos e
soluções que podem acontecer em um ensemble. Foi por este motivo a nossa opção de
fazer a análise do vídeo todo encerrando o capítulo. Vale lembrar que o autor da
adaptação da peça para trompetes - Benjamin Miles – é um dos membros do ensemble,
porém a direção musical geral foi feita pelo Dr. Ryan Gardner, configurando assim um
exemplo de orientação externa ao grupo, como acontece não só nas escolas em classes
de música de câmara, mas também em conjuntos que convidam outros músicos para
dirigi-los.
3.3.1 Vídeo 10 – Oklahoma State105
https://www.youtube.com/watch?v=YNLv2exFwqc
(publicado em 07/09/2015 no canal ‘NTC’)
[visto em 07/03/2021]
Liderança musical coordenada
Foto 10
105
Performance da ‘Tocata e Fuga em Ré Menor’ de J.S. Bach, adaptada por Benjamin Miles, um dos
integrantes do grupo, que, com esta apresentação, ganhou o ‘Getzen Trumpet Small Trumpet Ensemble
Division’ do concurso ‘2015 National Trumpet Competition’ no Messiah College, Mechanicsburg –
Pensilvania – EUA, no dia 21 de março de 2015, conforme os dados da descrição no YouTube. O
ensemble foi dirigido pelo Dr. Ryan Gardner e os integrantes são (na ordem da foto) Cleon Chai (A) – Tpt
1, Benjamin Miles (B) – Tpt 5, Tyler Murray (C) – Tpt 3, Natalie Upton (D) – Tpt 4 e Nick Doutrich (E) – Tpt
2. Para facilitar a descrição, nos referiremos aos respectivos instrumentistas pelas letras A, B, C, D e E.
- 79 -
Descrição comentada106:
[0’00” a 0’20”] A, E e C seguem suas entradas individualmente. No final, C indica a
entrada do próximo trecho;
[0’21” a 0’35”] Após a 2ª. fermata do compasso 2, a 1ª. nota é emitida por E (e não pelo
Flugelhorn (C) como está na partitura107), indicando a entrada da sequência que termina
com o ritenuto conduzido por C e o corte de E.
[0’54” a 1’19”] Ao iniciar o compasso 8 com a anacruse, A dirige seu olhar para C que
retribui. No compasso 9, C se volta para E que continua a sequência em aceleração,
106
Para facilitar a visualização dos procedimentos feitos pelos integrantes do grupo na performance e a
correspondente visualização da partitura, produzimos um novo vídeo em que aparecem performance e
partitura ao mesmo tempo. Tanto este vídeo - que foi feito especialmente para esta dissertação –
quanto os vídeos públicos da partitura e da apresentação (editados em separado), estão disponíveis no
Drive cujo link já fornecemos na página 54 deste trabalho.
107
Vale ressaltar que a partitura é de autoria de Benjamin Miles e foi copiada do vídeo postado por ele
próprio em seu canal:
https://www.youtube.com/watch?v=1I_u5olL6To&list=PLD_Sq2jS-l6G6x8njizX7rEGZZTJm0HKC&index=56
- 80 -
conduzindo o ritenuto do final do compasso 10. C dá a entrada do acorde que liga ao
próximo compasso, e E faz o corte. C conduz sozinho o compasso 11 dando a entrada,
após o trinado, ao acorde do início de 12, e este também é cortado por E.
- 81 -
[1’47” a 2’13”] C e A conduzem seus solos e E conduz os ‘tuttis’ visualmente nos
compassos 19 e 20. No final do compasso 21, E é que executa a linha que está escrita
para o Trompete 3 e é C que dá a entrada para o acorde do início do compasso 22, e o
corte novamente é feito por E.
- 82 -
Os Flugelhorns (C e D) executam notas mais longas e melodiosas, trabalhando sempre
juntos até o compasso 41.
[3’17” a 3’30] No compasso 41, A assume o 5º trompete para que B possa voltar ao seu
lugar, ao seu lado. Enquanto isso acontece, C e D mudam de instrumento. A executa as
últimas semicolcheias do compasso 42 do trompete 5. No 43, D faz a parte do 2º
trompete, C entra e E assume o trompete 5 na penúltima nota até o 45.
- 83 -
[3’31” a 3’52] No compasso 46 todos estão em suas respectivas linhas e executam o
trecho com todas as nuances até o compasso 53, usando visualização periférica e
comunicação aural.
[4’09” a 4’21”] C executa o compasso 60 inteiro, ou seja, as duas linhas escritas para
instrumentos diferentes, enquanto E retira a surdina. C assume o Trompete 2 e E entra
no 61 permanecendo no 3º trompete até o 64.
- 84 -
[4’22” a 4’38”] Na segunda metade de 64, A executa sua linha enquanto C a linha do
trompete 4, até o 66. Percebe-se, desde o 64, a intenção de um crescendo, não só pelo
fato de tocarem com mais volume, mas também pelo fato de que, nesse mesmo trecho,
simultaneamente, D e E se viram para ficar de frente para a plateia. A anacruse do
compasso 67 - feita pelo tpt 5 - é executado por E. B e C se voltam para a plateia
rapidamente e C executa o 1º grupo de notas do compasso 67, seguido por D
(assumindo o tpt 5), E (tpt 2), D (tpt 5) e, finalizando a sequência na 1ª metade do
compasso 68, o próprio C. Na 2ª metade desse compasso, E reassume o tpt 5 e faz o
dueto com A que ainda toca de costas para o público.
[4’39” a 4’55”] Na 2ª metade do compasso 70, C assume o dueto com A, que, ainda de
costas, se vira conforme vai executando o trinado (71 e 72) de modo a terminá-lo de
frente, conseguindo assim um efeito de crescendo maior do que se tivesse apenas usado
a pressão de ar. Para que C assuma o tpt 5 no compasso 73, B inicia a frase com as
quatro primeiras notas. C executa então - a partir da 2ª nota do 73 - o dueto com E até o
75, quando inicia o pedal para os tpts 3 e 4 - executados por A e E respectivamente.
[4’56” a 5’59”] Em 77, inicia-se um longo trecho em que várias mudanças de linhas vão
acontecendo entre os músicos. Muitas vezes, essas trocas são imperceptíveis, sem
conseguirmos distinguir quem está tocando o que. Não há ocorrência de novos e
relevantes procedimentos de comunicação nesse trecho da performance e, por isso,
apenas apresentaremos a partitura.
- 85 -
[6’00” a 6’31”] E, após conduzir o ritenuto, a entrada e o corte do acorde do compasso
99, também inicia o dueto com C, se comunicando visualmente para executar o
acelerando juntos. No 102, C assume o comando, conduzindo até o acorde do 105, que
é cortado por E.
[6’32” a 6’51”] E inicia o trio com D e C, mas no compasso 106, passa para o tpt 2. D
está no tpt 3 e C, no tpt 4. O acelerando também é feito com o contato visual entre os
três músicos. No final do 108, A conduz o ritenuto.
- 86 -
[6’52 a 7’20”] No Vivace (109), novo pulso é estabelecido por C, seguindo a
informação sonora sugerida por A. Todos seguem C em sintonia com A, inclusive
corporalmente, sendo possível ver os instrumentos em movimento comum e igual. O
Molto Adagio é conduzido visualmente mais uma vez por E.
Comentários:
- 87 -
Transcrição do que se vê no vídeo (de 4’21” a 4’31”):
Trecho original:
Por motivos que imaginamos virem da prática dessa peça, nos ensaios desse
grupo especificamente, foi preciso, pela tentativa e erro, designar funções de maior ou
menor protagonismo, levando em conta as dificuldades específicas do arranjo e de cada
músico participante. Percebemos assim, uma divisão desigual na liderança na
performance: Nick Doutrich (E) é o mais acionado, executando várias mudanças no
andamento, fazendo praticamente todos os cortes, assumindo as linhas melódicas mais
difíceis, enfim, foi o músico que mais trabalhou. Seguindo o critério de maior
participação, Tyler Murray (C) ocuparia o segundo lugar, pois também conduziu vários
- 88 -
ritenutos, deu entradas e fez vários duetos, além de ser o músico que mais toca
flugelhorn. Cleon Chai (A) é o instrumentista que mais executa as melodias na região
aguda: talvez tenha sido designado pelo diretor musical para assumir o Tpt 1 desde o
começo, justamente por ter essa aptidão. Natalie Upton (D) participa de vários duetos
(quase sempre com Murray (C) e trios inclusive com flugelhorn, além de ajudar os
colegas na execução de pequenos grupos de notas apenas para que os colegas tenham
algum tempo para respirar. Já o próprio arranjador, Benjamin Miles (B), foi o menos
acionado, principalmente na Fuga, onde, quando de costas para o público, quase não
tocou.
Não podemos afirmar os reais motivos pelos quais o diretor fez suas escolhas,
mas, essas maiores ou menores participações não têm a ver com importância, mas sim
com praticidade: como dissemos, a prática levou o diretor musical e o grupo às
melhores soluções para a execução desse arranjo. Uma outra peça conduziria os
músicos a outras soluções em que outros instrumentistas tivessem maior participação na
performance em comparação aos da Tocata e Fuga.
Vale destacar que esse grupo em questão, nessa performance, mostrou muita
qualidade ao passar os temas por entre as vozes quase que imperceptivelmente, de modo
a termos a ilusão de que apenas um tocava.
As mudanças de vozes na fuga e o consequente direcionamento da comunicação
visual entre os músicos, o deslocamento de Mils para ouvir melhor seu parceiro
Doutrich num trecho de notas curtas e repetidas (2’15 a 3’18”), o virar de costas para o
público para diminuir mais a dinâmica e poder fazer um crescendo mais expressivo
(3’53” a 4’44”), são exemplos de soluções que buscam sempre a interpretação mais
expressiva, a verdadeira essência, sempre desejada pelo músico artista.
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Considerações Finais:
Peço licença para continuar com o texto na primeira pessoa, pois serão
abordadas experiências em corais e em grupos vocais pelas quais passei pessoalmente.
Serão também colocadas posições construídas com base nessa experiência e reflexões
pessoais em fechamento a este trabalho.
Quando comecei a cantar em coral percebi que, o que eu sabia era considerado
pela maioria dos cantores (iniciantes como eu), mais do que eles tinham: saber ler as
notas já fazia muita diferença. Em pouco tempo, eu estava cantando em muitos corais e
sempre havia novos convites. Certa ocasião, me convidaram para fazer parte de um
pequeno grupo de 16 pessoas. Experimentei e gostei! A sonoridade era mais clara,
porém com menos volume. O grupo diminuiu para 12, depois oito, quatro. Os ensaios se
tornaram mais minuciosos e o melhor preparo dos cantores fazia com que o grupo
chegasse mais longe musicalmente.
Quando dei por mim, estava não somente cantando, mas também dirigindo um
quarteto misto. Cantávamos o que sabíamos dos corais mesmo, o que já era um bom
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tempo de repertório, mas o que valia mais era a experiência de dirigir poucas pessoas
com peças – geralmente arranjos – mais elaborados. Esses, logo se esgotaram e, tive que
aprender a fazer arranjos. Mais uma experimentação. Veio a primeira gravação em
estúdio, primeira troca de cantores, primeira crise, primeiro grupo desfeito.
Este trabalho nos traz, portanto, ao seguinte ponto: os cantores de coro deveriam
ser submetidos a trabalhos suplementares que proporcionassem o seu desenvolvimento
musical, através da experimentação em cantar em grupos menores, tão menores o
quanto pudessem, buscando assim uma capacidade de crescimento do grupo e para o
grupo.
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