Simbolo Ou Substancia Um Dialog - Peter Kreeft
Simbolo Ou Substancia Um Dialog - Peter Kreeft
Simbolo Ou Substancia Um Dialog - Peter Kreeft
Introduçã o
1. A Reuniã o
NOTAS
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1. A Reuniã o
NOTAS
(1) De acordo com algumas fontes, Lewis teve uma conversa com
duas pessoas da Associaçã o Evangelı́stica Billy Graham enviada por
Graham a Lewis para “senti-lo” – uma entrevista que soa um pouco
como a conversa entre Jesus e os dois mensageiros Joã o, o Batista
enviado a Ele quando estava na prisã o (cf. Lc 7,19).
(2) Lewis també m teve muitas conversas com seu amigo cató lico
romano mais pró ximo, JRR Tolkien; e a princı́pio algumas dessas
conversas eram sobre sua ú nica divergê ncia sé ria de opiniã o, que era
sobre o catolicismo. Lewis havia se convertido ao cristianismo com a
ajuda de Tolkien, e Tolkien o pressionou a dar o pró ximo passo, do
anglicanismo ao catolicismo. Lewis era um homem que adorava
contrové rsias e discussõ es como um urso adora mel; mas ele muito
estranhamente pediu a Tolkien para “cessar e desistir” daquele tó pico
de conversa por causa de sua amizade contı́nua, de acordo com
Christopher Derrick e Joseph Pearce, ambos os quais escreveram livros
sobre por que Lewis nunca “apareceu”. Ambos relatam que Lewis disse
a Tolkien algo como: “Você nã o poderia entender de onde estou vindo;
você nã o nasceu em Belfast.”
Portanto, o gê nero literá rio deste livro nã o é simplesmente icçã o
nem simplesmente nã o- icçã o. E o que CS Lewis chamou de “suposiçã o”
ao apontar que seus livros de Ná rnia nã o eram alegorias nem simples
fantasias, mas respostas imaginativas à questã o de que formas ele
supõ e que o Filho de Deus poderia ter tomado e quais açõ es Ele poderia
ter realizado se Ele havia se tornado nã o apenas um homem na terra,
mas també m um leã o em outro mundo (Ná rnia), um mundo de animais
falantes. Aslam nã o é uma alegoria para Jesus; Aslan é Jesus; foi o que
Lewis disse à s crianças que lhe escreveram que estavam preocupadas
com o fato de amarem Aslan mais do que amarem Jesus.
Assim como Aslan em Ná rnia é baseado na igura histó rica de Jesus
neste mundo, meus personagens neste livro (Lewis, Tolkien e Billy
Graham) sã o baseados nessas trê s iguras histó ricas neste mundo. A
diferença entre minha “suposiçã o” neste livro e a de Lewis nos livros de
Ná rnia (alé m da ó bvia de que As Crônicas de Nárnia é uma obra-prima)
é que Lewis colocou sua icçã o em um mundo que també m era iccional
– ele teve a imaginaçã o para invente todo um mundo iccional -
enquanto eu coloco o meu no mundo real, na casa de Tolkien em
Oxford.
Esta é uma grande simpli icaçã o, uma vez que durante a Reforma
surgiram vá rias posiçõ es diferentes tanto entre protestantes como
entre anglicanos, e ainda existem hoje. De fato, nesta questã o a
diferença entre anglicanos e batistas é muito maior do que a diferença
entre anglicanos e cató licos.
Meu personagem Lewis fala mais como Lewis, nã o apenas porque eu
o conheço melhor, mas també m porque ele era mais parecido comigo:
ao contrá rio de Graham ou Tolkien, ele era um iló sofo. (Depois de
estudar “Greats” em Oxford, ele aceitou um cargo em literatura inglesa
apenas porque nã o havia nenhum cargo aberto em iloso ia.) O maior
elogio que algué m já deu à minha escrita foi de George Sayer, amigo e
bió grafo de Lewis (ele escreveu o melhor biogra ia de Lewis, Jack ),
quando ele me perguntou quantas vezes eu havia encontrado Lewis, e
quando eu lhe disse que nunca o havia encontrado, ele disse: “Isso é
impossı́vel. Seu Lewis em Between Heaven and Hell combina nã o apenas
com o jeito que ele escreveu, mas com o jeito que ele falou.” Mas
suspeito que meus outros personagens neste livro falam muito mais
como dois outros Lewis do que eles mesmos. Espero que meus leitores
julguem que “um em cada trê s nã o é ruim”.
3. Procuro (na verdade, exijo de mim mesmo) ser nã o apenas tã o
justo, mas també m solidá rio e compreensivo com as posiçõ es nã o
cató licas, como eu esperaria que um nã o cató lico fosse com a posiçã o
cató lica. No entanto, porque sou cató lico, este livro é e deve ser um livro
escrito por um cató lico, nã o por um protestante ou mesmo um
agnó stico neutro. Se um protestante decidisse escrever tal livro, eu nã o
esperaria que fosse um livro cató lico, apenas que a posiçã o cató lica
fosse apresentada de forma iel e justa e argumentada a favor (e
contra).
Acho que posso fazer isso com a posiçã o protestante desde que fui
um protestante evangé lico (Igreja Reformada da Amé rica) nos
primeiros vinte e um anos de minha vida e ainda tenho grande
admiraçã o, respeito e amor pelas pessoas e convicçõ es do outro lado”
(como deve icar claro em meu recente livro Católicos e Protestantes: O
que podemos aprender uns com os outros? ). E acho que posso fazer isso
com a posiçã o anglicana, já que (a) meu escritor favorito (Lewis) era
anglicano; (b) a congregaçã o com a qual eu cultuo é uma congregaçã o
cató lica de “uso anglicano”; e (c) as duas maiores realizaçõ es verbais na
histó ria do cristianismo de lı́ngua inglesa sã o, a meu ver, a Bı́blia King
James e o Livro Anglicano de Oração Comum .
Você pode orar mesmo se for agnó stico. Apenas seja honesto o
su iciente para dizer a Deus que você duvida de Sua existê ncia, mas
você nã o está absolutamente certo, entã o você está fazendo uma
espé cie de Aposta de Pascal, endereçando sua carta de oraçã o para “A
quem possa interessar” e enviando-a para uma casa que você acha que
provavelmente está vazio, mas possivelmente pode nã o estar.
E mesmo que você seja ateu, você pode orar de qualquer maneira se
tiver a mente aberta. (A menos, é claro, que você esteja infalivelmente e
absolutamente certo — mas para isso, você nã o precisa ser Deus?) E
como um experimento de laborató rio para testar uma hipó tese. Como
você testa a hipó tese de que há um cadá ver enterrado neste pá tio? Você
nã o apenas pensa, você cava. O homem que a irmava ser Deus
encarnado prometeu solenemente que “todos os que buscam,
encontram”. Entã o, para testar essa hipó tese, procure, questione,
pergunte, investigue. Escavaçã o. Cave fundo. Do que você tem medo? Eu
sei que você nã o acredita em Deus, mas Ele acredita em você e tem um
grande senso de humor. Você s dois terã o uma gargalhada estrondosa
quando O encontrarem, neste mundo ou no pró ximo.
Eu acho que també m há uma maneira muito justa e honesta para
qualquer cristã o testar a a irmaçã o cató lica muito especı́ ica e
surpreendente de que Cristo está realmente presente na Hó stia
consagrada, total e pessoalmente e literalmente, Corpo e Sangue, alma e
divindade, escondido lá atrá s as apariçõ es do pã o e do vinho como um
anjo geralmente se esconde atrá s do que parece um corpo humano, mas
que nã o tem certidã o de nascimento ou talvez até umbigo. (Da pró xima
vez que você se perguntar se pode estar falando com um anjo, peça
permissã o para olhar!) O caminho é muito simples: vá a uma igreja
cató lica em algum momento em que ningué m esteja presente para
constrangê -lo ou distraı́-lo e rezar: “ Jesus, é realmente Você ali naquela
caixinha no altar sob aquela lâ mpada vermelha do santuá rio? Se for, oh,
por favor, por favor, me desenhe lá . Alimenta-me com Teu Corpo e
Sangue, como prometeste fazer. Se nã o é você , mas apenas um sı́mbolo,
entã o, por favor, por favor, nã o me atraia para este erro. Você é meu
ú nico absoluto; Eu só quero ir onde você estiver e nã o onde você nã o
estiver. As duas ú ltimas coisas que quero fazer sã o cometer idolatria e
adorar o que nã o é s Tu ou recusar-te a adorar-te onde realmente está s.
Nã o quero exaltar o sı́mbolo à substâ ncia nem reduzir a substâ ncia a
sı́mbolo”. Coloque o fardo de sua incerteza nos ombros Dele e deixe que
Ele faça o trabalho pesado.
Se você se opõ e a esse mé todo, acho que deveria, antes de tudo,
reavaliar nã o sua teologia eucarı́stica, mas seu cristianismo bá sico, sua
coragem e sua honestidade.
1
A Reunião
LEWIS [rindo com entusiasmo da piada]: Nã o, sou apenas Lewis, nã o
Livingstone; e você é apenas Billy, nã o Stanley, e esta é apenas a “Oxford
mais escura”, nã o a “Africa mais escura”.
LEWIS : Costumá vamos enviar missioná rios para lá , mas agora acho que
deverı́amos pedir a eles que enviem alguns para cá . Nunca ouvi falar de
um ateu africano.
GRAHAM : Estou muito feliz em conhecê -lo, doutor Lewis, mesmo que
você nã o seja o doutor Livingstone. Você é meu irmã o em Cristo.
Quando leio seus livros, sinto sua grande fé e amor por nosso Senhor e
Salvador comum. [Ele dá um passo à frente para dar um abraço
americano em Lewis, que Lewis aceita com alguma surpresa e
constrangimento.]
LEWIS : Eestou muito feliz em conhecê -lo també m, senhor. Admiro
profundamente o que você faz e o que conquistou. E eu honestamente
acredito que aos olhos de Deus você é um de Seus maiores guerreiros,
enquanto eu sou apenas um escriturá rio, um escrivã o. Nossas
personalidades sã o obviamente muito diferentes, assim como nossas
vocaçõ es – nã o sou um pregador ou evangelista, mas apenas o que você
chamaria de um professor distraı́do – mas acredito que estamos
lutando a mesma guerra, no mesmo campo de batalha, sob o mesmo
comando. O icial, e contra os mesmos inimigos.
GRAHAM : Essa é
uma maneira muito elegante e lisonjeira de dizer que
sou um evangelista e você é um teó logo.
LEWIS : Nem mesmo um teó logo. Nem mesmo um iló sofo. Nã o um
original, de qualquer maneira.
TOLKIEN : Nã o, cháserá bom para todos nó s. Acho que se nã o fosse o chá ,
o Impé rio Britâ nico provavelmente já teria desaparecido há muito
tempo. [Eles se sentam em cadeiras estofadas velhas e desalinhadas ao
redor de uma mesa de centro na sala de estar antiquada, mas nã o
desconfortá vel.] Minha famı́lia está de fé rias, todos menos meu ilho
Christopher aqui, que icará feliz em servir o chá para você .
[Christopher aparece, aperta a mã o, desaparece e reaparece com chá e
bolinhos em uma grande bandeja alguns minutos depois. Todos tomam
chá , mas apenas Tolkien come os bolinhos; os outros trê s estã o muito
ixados na conversa.]
LEWIS : Você
provavelmente tem boas razõ es para suspeitar de minha
piedade, mas nã o de minha ortodoxia, espero. Pelo menos nã o é minha
intençã o me afastar da antiga fé apostó lica.
BILLY : Nã o estou aqui como agente da Inquisiçã o Protestante! Estou
aqui para conhecê -lo, nã o para discutir com você .
LEWIS : Mas eu adoro argumentar! Entã o vou começar um. Insisto que o
que você faz pela nossa fé comum é muito mais importante e muito
mais e icaz do que o que eu faço. Quando você chegar ao cé u, você terá
uma ila muito longa de pessoas esperando para agradecer por ser um
instrumento na salvaçã o deles. Você luta como um grande velho
guerreiro na linha de frente do campo de batalha, enquanto eu me
sento atrá s das linhas em quarté is confortá veis rabiscando livros.
GRAHAM : Mas que livros sã o! Acho que sua linha de agradecimento será
mais longa que a minha. As Screwtape Letters serã o lidas daqui a mil
anos. As verdades que você conta ali nunca podem icar desatualizadas.
E como você conta isso! Eu nunca poderia começar a escrever tã o bem.
LEWIS : Você
simplesmente diz, com seu coraçã o maravilhosamente
simples, a coisa maravilhosamente simples: “Venha a Jesus”. Eu sou
muito orgulhoso e muito privado e muito facilmente envergonhado
para fazer isso.
GRAHAM : Eu discordo. Acho que é exatamente isso que você faz, mas
indiretamente, com seus livros. O Senhor nos usa de maneiras
diferentes porque Ele nos dá talentos diferentes. Se eu semeio as
sementes do Evangelho, você fertiliza os campos, as mentes daqueles
com quem falo; mas como o apó stolo Paulo disse: “Eu plantei, Apolo
regou, mas é Deus quem dá o crescimento”. Ele é o ú nico que dá vida,
que faz crescer as plantas e as almas. Eu nunca converti ningué m. E
somente o Espı́rito Santo que faz a conversã o.
LEWIS : E verdade.
GRAHAM : Entã o estamos ambos errados em nossa primeira pequena
discussã o aqui: nã o devemos nos comparar um com o outro, como
está vamos fazendo. Todo o poder e toda a obra efetiva em nossas
almas e em nosso mundo é obra de Deus, nã o nossa. Portanto, é errado
dois de Seus dedos discutirem sobre qual deles é o mais importante ou
o menos importante. Eu acho que é isso que o apó stolo Paulo estava
tentando passar para os corı́ntios quando ele escreveu isso.
GRAHAM : Aqui, olhe para nó s quatro aqui: dois evangé licos e um cató lico
romano e um anglicano, mas com o mesmo Senhor. Estamos unidos no
que você chamou de “ Mero Cristianismo ”. E como você mesmo disse
naquele livro, essa coisa – a coisa que você chamou de “mero
cristianismo” – nã o é um conjunto de ideias, uma iloso ia ou uma
ideologia ou um “ ismo ” – nã o existe tal coisa como “cristianismo”. E
uma Pessoa.
LEWIS : Sim, é .
GRAHAM : Claro que nã o nos importamos. Você també m está aqui, Guy.
Você nã o é apenas meu motorista, você faz parte da nossa conversa.
Qual é a sua pergunta?
LEWIS : Claro que importam. Mas acho que nossos acordos importam
ainda mais, muito mais. In initamente mais. Porque – como Billy
acabou de dizer e como tentei colocar no prefá cio daquele livro – o que
temos em comum nã o é apenas algum “mais alto fator comum”
abstrato, como nó s, britâ nicos, dizemos quando fazemos matemá tica.
(Acho que você s americanos chamam isso de “menor denominador
comum”.) O que nos une nã o é uma ideia ou um conjunto de ideias ou
nosso consenso sobre essas ideias. E uma Pessoa, uma Pessoa real,
uma Pessoa divina.
GUY : E
ainda assim temos sé rios desacordos, especialmente sobre essa
mesma Pessoa, nã o é ? Sobre Sua vontade para nó s e sobre qual igreja é
mais iel a Ele?
LEWIS : E
você está certo em se incomodar com isso, Guy.
Profundamente certo estar profundamente incomodado.
GRAHAM : Tanto Jesus quanto Paulo parecem ter icado profundamente
incomodados com isso.
LEWIS : Entã o, o que você acha que podemos fazer sobre isso, Billy?
TOLKIEN : Sim, tudo bem, mas acho que há um problema com isso, Billy, e
acho que Jack també m.
TOLKIEN : Oh, por favor me chame de Tollers, como Jack faz. Nã o estamos
em uma sala de aula.
LEWIS : Tollers, estou um pouco surpreso com o que você diz. Por que
você acha que eu teria um problema com o que Billy disse sobre “mero
cristianismo”? Até agora, acho que o que ele disse é a mesma coisa que
eu disse.
TOLKIEN : Como você mesmo diz naquele mesmo livro que Billy elogiou
tanto – aqui, deixe-me ler o que você escreveu na introduçã o desse
livro, onde você explica o tı́tulo “Mere Christianity”. Seu livro está aqui
em algum lugar entre todos esses escombros, como uma pepita de
ouro em uma mina grande e suja. [Ele vai até uma estante bagunçada e
encontra o livro, que ele abre, encontra a pá gina rapidamente e lê :]
GRAHAM : Acho que éuma imagem muito ú til e memorá vel. E concordo
com o que você disse, Tollers: nã o é su iciente. E um começo - é o
começo necessá rio - mas é apenas o começo. Você ainda tem que
escolher entre as igrejas, que infelizmente estã o divididas em algumas
questõ es muito importantes.
LEWIS : Oh, por favor, Guy, é "Jack", nã o "Doutor Lewis", eu nem sou um
mé dico, apenas um don.
LEWIS : Eu dou minha resposta à sua pergunta no pró ximo pará grafo, eu
acho. Mas se você nã o se importa, deixe-me perguntar primeiro: Como
você responderia a essa pergunta, Guy?
LEWIS : Mas nó s temos. Todos nó s cremos na Bı́blia, como a pró pria
Palavra de Deus para nó s. Mas interpretamos de forma diferente.
GUY : Mas sã o nossos dados comuns. As interpretaçõ es devem ser
julgadas pelos dados.
LEWIS : Sim, é
verdade. Mas todos os hereges da histó ria també m
apelaram para a Bı́blia.
GAROTO : Eu.
LEWIS : Mas isso éprecisamente uma das maiores coisas que nos
dividem. Como protestante da Reforma, você diz sola scriptura ; e,
como cató lico romano, Tollers aqui diz para sempre seguir a Sagrada
Tradiçã o da Igreja ao interpretar a Bı́blia porque é a ú nica
interpretaçã o infalı́vel; e nó s, anglicanos, tomamos uma via media , um
meio-termo.
TOLKIEN : Na verdade, estou quase tã o descon iado quanto Guy do seu
“mero cristianismo”, Jack. E uma abstraçã o. A Igreja é uma coisa
concreta, e ela está lá há quase dois mil anos, e Cristo é seu fundador. Se
isso for verdade, entã o nã o começamos em nenhum corredor comum
que você chama de “mero cristianismo”, como se fosse um ponto de
partida neutro. O ponto de partida é a Igreja que Cristo fundou. Seu
“mero cristianismo” pressupõ e a Reforma, pressupõ e a divisã o da
roupa sem costura em diferentes pedaços dela. Nã o somos iguais. Nó s,
cató licos, viemos primeiro. Você s sã o os rebeldes. Você quebrou
pedaços dela, como galhos de uma á rvore. Você cortou a roupa sem
costura em pedaços e agora está jogando dados pelos pedaços.
GUY : O que você vê como a ú nica coisa é a Igreja, Tollers, e essa é sua
unidade, sua soluçã o para nossa desuniã o. Mas o que nó s protestantes
vemos como essa coisa é a Bı́blia. Essa é a nossa unidade e nossa
soluçã o. E você , Jack, você diz que há uma terceira resposta, uma
posiçã o intermediá ria. Mas como pode haver uma via media entre
esses dois? Um lado a irma que todas as outras tradiçõ es, tudo fora da
Bı́blia, sã o apenas humanos e falı́veis; e o outro lado a irma que a
tradiçã o da Igreja Cató lica també m é revelaçã o divina e infalı́vel. Como
pode haver uma posiçã o intermediá ria entre sim e nã o para uma igreja
que a irma ser infalı́vel, ou entre sim e nã o para a sola scriptura ?
LEWIS : Acho que sim. Nó s, anglicanos, dizemos que a Tradiçã o Cristã
uniforme que vem dos Apó stolos e é ensinada pelo consenso de todos
os Padres da Igreja, ou quase todos eles, deve ser tratada como
autoridade, nã o apenas a simples Bı́blia. Porque nos chega dos
Apó stolos e, portanto, indiretamente, de Cristo. Nã o sã o apenas
opiniõ es humanas, mas parte da revelaçã o divina.
GUY : Como você s anglicanos diferem dos cató licos romanos, entã o,
sobre essa “Sagrada Tradiçã o”?
LEWIS : Sim.
BILLY : Entã o qual é a sua resposta para a pergunta de Guy, Jack? Como
algué m que entrou no corredor comum do “mero cristianismo” pode
decidir em qual cô modo da casa morar, em qual igreja ou denominaçã o
se unir?
LEWIS : A resposta está no mesmo pará grafo que Tollers acabou de ler.
Aqui, deixe-me encontrá -lo. [Pega de Tolkien e o larga
desajeitadamente, como um corredor de atletismo largando um bastã o.
Ele o pega e tenta encontrar a passagem. Ele é desajeitado porque tem
apenas uma articulaçã o funcionando em seus polegares, nã o duas; essa
foi uma das razõ es pelas quais ele se tornou um escritor em vez de algo
mais fı́sico. A Providê ncia deu a ele um corpo abaixo da mé dia e uma
mente excelente.]
GUY : Mas seja qual for a sua resposta a essa pergunta, tem as
impressõ es digitais de Lewis nela.
LEWIS : Claro. E
sua resposta també m tem suas impressõ es digitais.
Nenhum de nó s nega a Bı́blia, e nenhum de nó s pode evitar interpretá -
la.
LEWIS : Guy, eu acho que você icará surpreso ao descobrir que minha
resposta para a difı́cil questã o de qual igreja iliar-se nã o é nada
complexa ou so isticada, mas muito, muito simples.
GUY : Você
acha que há uma resposta simples para a pergunta sobre o
que nos divide? De como escolher a qual igreja se iliar e como escolher
em que acreditar?
LEWIS : Sim.
GAROTO : O que é ?
LEWIS : Sim. Aqui, encontrei a passagem. [Ele lê :] “Acima de tudo você
deve estar perguntando qual porta é a verdadeira; nã o o que mais lhe
agrada. . . . A pergunta nunca deveria ser: 'Gosto desse tipo de serviço?'
mas 'Essas doutrinas sã o verdadeiras? . . . Minha relutâ ncia em bater
nesta porta é devido ao meu orgulho, ou meu mero gosto, ou minha
antipatia pessoal por este porteiro em particular?'”
GRAHAM : Mas você nã o acha que devemos dar menos atençã o à s nossas
divisõ es e mais ao nosso Senhor comum?
LEWIS : Sim, claro. Nã o podemos fazer nossas divisõ es primá rias ou
anteriores. Mas també m nã o podemos ignorar o elefante na nossa sala.
LEWIS : Concordo plenamente com você que temos que começar com
nossos acordos, porque eles direcionam nosso tratamento de nossas
divergê ncias. Eles incluem algo muito prá tico, como ordens de marcha.
GUY : Você
está dizendo que a prá tica é mais importante que a teologia?
Que a obediê ncia é mais importante que a verdade?
LEWIS : Nã o, estou falando de uma guerra muito mais importante do que
essa.
LEWIS : Re
iro-me à guerra que começou com uma cobra e uma maçã
num jardim.
CARA : A invasã o?
GUY : E
a Bı́blia é nossa ordem de marcha. Mas nó s os interpretamos de
forma diferente. E por isso que lutamos nossas guerras civis,
especialmente aquela entre protestantes e cató licos.
GUY : Acho que todos concordamos com isso. Mas como isso responde
à s perguntas que nos dividem?
LEWIS : Sim. Mas també m há uma segunda coisa, que acho igualmente
necessá ria: nã o podemos ignorar nossas diferenças mais do que
podemos esquecer nossos acordos, mesmo que nossos acordos sejam
muito mais importantes que nossas diferenças. Nã o podemos escondê -
los – você nã o pode encapar um elefante.
LEWIS : Claro que você s cató licos pensam que tê m a resposta, mas é
exatamente sobre isso que discordamos.
GRAHAM : Nã o acho que seja um “claro”. Acho que é uma das tarefas mais
exigentes do mundo. E acho que nossa falta de amor um pelo outro foi
a primeira causa de nossas divisõ es. Você acha que se todos nó s
fô ssemos santos terı́amos as divergê ncias e divisõ es que temos agora?
GAROTO : Acho que nã o. Mas nã o somos todos santos, e ainda temos
essas divisõ es e desacordos, e eu esperava ouvir um debate sobre eles
entre duas ou trê s das minhas pessoas favoritas no mundo, sobre o
assunto mais importante do mundo, verdade religiosa, e icarei
desapontado se nã o puder ouvir isso. Entã o eu tenho que te perguntar
agora: vamos debater nossas diferenças ou nã o?
3
Debatendo as Diferenças:
A Agenda
GUY : Mas Billy, eu nunca soube que você evitava uma pergunta boa e
honesta.
GUY : Ah, eu nã o quis dizer que você era, nã o mesmo.
LEWIS : E
eu lhe dei as boas-vindas aqui, nã o para um debate, mas para
uma conversa amigá vel, Billy. E, como você , també m estou interessado
em ouvir antes de tudo – ouvir você , porque você tem um dom de Deus
que eu simplesmente nã o tenho. Mas devo confessar que també m
adoro uma boa discussã o entre amigos. Fazemos isso toda semana em
nossas reuniõ es do Inklings, e nã o apenas entã o, mas sempre que
temos vontade, durante o jantar ou em um pub ou enquanto estamos
andando pelo paı́s, o que fazemos muito. Comida, bebida, caminhada,
conversa e amizade — essas devem ser as cinco melhores coisas do
mundo. E quando se trata de conversa, nenhum de nó s gosta de
“conversa iada” e nó s dois adoramos discutir.
LEWIS : Espero que nã o. A propó sito, somos quatro cristã os aqui, nã o
trê s, Guy. Você conta tanto quanto nó s.
TODOS : Sim.
TOLKIEN : Como a rocha de Sã o Pedro, eu espero. Como o ú nico cató lico
romano aqui, icarei sobre aquela rocha e icarei feliz em tentar
defendê -la, mas apenas como um teó logo muito amador. Graças a Deus,
certamente nã o foi sobre mim que Nosso Senhor prometeu construir
Sua Igreja.
GRAHAM : Nã o apenas nã o tenho objeçõ es, mas estou ansioso para fazer
isso. Acho que os cristã os sã o os melhores debatedores.
LEWIS : Touché !
GUY : Acho que estamos sendo tocados. Mas para ir direto ao assunto, se
eu puder fazer a você s trê s a pergunta crucial: qual você acha que é o
desacordo mais importante que você tem?
LEWIS : Acho que sei o su iciente sobre a histó ria da Reforma para
responder a essa pergunta. Em que questã o ambos os lados pensam
que o outro lado nã o estava apenas errado, mas també m do lado do
diabo?
GRAHAM : Você disse que achava que sabia a resposta da histó ria, Jack. O
que é isso?
LEWIS : Acho que foram duas coisas. Uma era a a irmaçã o do papa de ser
o Vigá rio universal de Cristo, de ter autoridade divina sobre todos os
cristã os — e, associada a isso, as reivindicaçõ es da Igreja de poder
temporal e polı́tico. As vezes até poder total. Lembre-se da teoria do
Papa Gelá sio I das “duas espadas”, temporal e eterna, espiritual e
polı́tica. E lembre-se da Inquisiçã o Espanhola. Muitos protestantes
chegaram a chamar o papa de Anticristo. A outra era a doutrina da
Igreja sobre o que acontece na Missa, na Eucaristia. Isso é adoraçã o ou
idolatria? Cristo está realmente presente ali, ou é apenas pã o e vinho,
um sı́mbolo sagrado?
TOLKIEN : Como o ú nico cató lico romano aqui, eu concordo com isso.
Essas foram as duas questõ es mais ardentes.
LEWIS : Nã o. . .
GUY : Porque você nã o quer que nó s trê s nos agrupemos em Tollers?
LEWIS : Nã o. . .
LEWIS : Nã o. Porque eu nã o acho que essa questã o seja a que deverı́amos
discutir hoje.
LEWIS : Sim, essa era uma fó rmula inicial. Mas depois de Constantino e
durante a Idade Mé dia, a Igreja tornou-se muito mais forte
politicamente, e ela reivindicou cada vez mais poder polı́tico, e o
conseguiu, antes de ser dividida em 1054 e novamente em 1517, e
novamente depois disso. E isso diminuiu seu poder. E suas
reivindicações ao poder polı́tico. A Igreja despojou-se da maior parte de
seu poder polı́tico temporal ou secular nos tempos modernos, entã o
essa nã o é mais a questã o principal.
GUY : Você
quer dizer que foi tirado dela. Ela nã o abdicou
voluntariamente. A “Revoluçã o Gloriosa” teve que ser travada no
campo de batalha, nã o apenas nos seminá rios. E teve baixas. E se nã o
fosse pela carni icina da Guerra dos Trinta Anos, a Igreja nunca teria
concordado com a separaçã o da Igreja e do Estado na Paz de Vestfá lia.
TOLKIEN : Isso pode ser verdade, mas ela nã o estáreivindicando poder
polı́tico hoje. Entã o estarı́amos batendo em um cavalo morto se
discutı́amos sobre o que ela deveria ter feito no passado. E ela nunca
reivindicou o poder polı́tico de forma infalível ou dogmá tica. Apenas
seus dogmas sã o imutá veis, nã o sua polı́tica.
TOLKIEN : Apenas pela independê ncia, para ser deixada sozinha, nã o por
quaisquer ambiçõ es temporais pró prias. Os guardas suı́ços nã o vã o
começar uma guerra contra a Itá lia amanhã para restaurar os Estados
papais!
GRAHAM : Acho que você s dois estã o certos, entã o, quando dizem que a
questã o polı́tica nã o é mais algo para se discutir. O passado é passado.
Por que continuar lutando em guerras que terminaram?
GUY : Mas, Tollers, acho que você gostaria de voltar no tempo antes da
Revoluçã o Gloriosa e antes da Paz de Vestfá lia, nã o gostaria, antes da
separaçã o entre Igreja e Estado? Sempre pensei nisso como um
princı́pio protestante, e nã o acho que os cató licos estejam muito felizes
com isso.
TOLKIEN : Você
está errado. Como cató lico, nã o tenho nada contra. Na
verdade, acho que é um princı́pio muito saudá vel.
GUY : Porque evita que o Estado seja corrompido pela Igreja e seu desejo
de poder religioso?
TOLKIEN : Nã o, porque evita que a Igreja seja corrompida pelo estado e
seu desejo de poder polı́tico.
LEWIS : Sim, e també m com Hooker. Mas acho que esse tipo de equilı́brio
é o mais difı́cil de manter, o mais difı́cil de de inir, e també m o mais
lexı́vel e relativo.
LEWIS : O que é relativo sã o as formas que deve ter e quanto de cada um
desses trê s ingredientes deve haver.
GRAHAM : Você
mencionou duas questõ es, Jack, entã o se deixarmos a
primeira em paz, isso deixa a segunda, que foi a Eucaristia.
TOLKIEN : E eu acho que todos nó s podemos ver porque é tã o divisivo. Se
nó s cató licos estivermos certos, você s protestantes estã o perdendo
mais do que um sı́mbolo sagrado; é o pró prio Cristo.
GRAHAM : Você quer dizer que você s cató licos acreditam que nó s
protestantes nã o podemos ter Cristo em nossas almas e sermos salvos
se nã o participarmos de seus sacramentos cató licos?
LEWIS : Eu estava apenas... o que você diz? Brincadeira, nã o é sé rio.
GRAHAM : Eonde você se posiciona sobre isso, Jack? O que você acredita
sobre a Eucaristia, a Missa, a sagrada liturgia, a Sagrada Comunhã o ou
o sacramento da Ceia do Senhor? Todos nó s o chamamos por nomes
diferentes. E mais do que um sı́mbolo?
LEWIS : Para ser bem honesto com você , eu nã o sei exatamente , e nã o sei
se algué m sabe. Nunca gostei do termo “substâ ncia”, ou da explicaçã o
romana de “transubstanciaçã o”. “Presença Real” é su iciente para mim.
Para mim nã o é a explicaçã o teoló gica que conta; é a realidade de
Cristo. Ele está realmente lá , para ser adorado.
GRAHAM : Isso é
o que sua igreja ensina, assim como a Igreja Cató lica
Romana, certo?
LEWIS : Lamento desapontá -lo, mas, como disse antes, nã o sou teó logo.
Sou apenas um leigo comum e crente da Igreja da Inglaterra, e nã o
tenho nada original para ensinar sobre isso. Nã o sou um clé rigo,
apenas um escriturá rio. Acredito na posiçã o da minha pró pria igreja,
que me parece ser uma posiçã o intermediá ria razoá vel e moderada
entre a protestante e a cató lica.
GAROTO : Como? Parece-me muito mais pró ximo da posiçã o cató lica.
GRAHAM : Jack, você pode me dizer um pouco mais claramente por que
você acha que nó s protestantes acreditamos muito pouco? O que você
acha que acreditamos sobre a Ceia do Senhor?
GRAHAM : Eu nã o diria isso, nã o. Isso é muito simples. Eu nã o reduziria a
isso.
GUY : Eu faria.
LEWIS : Hummm. Parece que nã o temos apenas duas posiçõ es, como
dizem os cató licos – a deles e todas as negaçõ es deles – ou mesmo
apenas trê s, como eu disse, acrescentando o anglicano via mídia , mas
quatro posiçõ es.
TOLKIEN : Eu vou tentar. Vamos ver. Primeiro, havia a posiçã o cató lica,
que existia desde o inı́cio e que veio a ser de inida como
Transubstanciaçã o pelo Concı́lio de Trento. Depois havia a posiçã o de
Lutero, que era Consubstanciaçã o em vez de Transubstanciaçã o –
Lutero a irmou que Cristo está realmente presente, mas junto com o
pã o e o vinho; o pã o e o vinho permanecem pã o e vinho. Em terceiro
veio a posiçã o de Zwingli, que negou a Presença Real e disse que é
apenas um sı́mbolo. Acho que é aı́ que você está , Guy, se nã o me
engano. Em quarto lugar veio Calvino, que tentou reconciliar Lutero e
Zwinglio, mas, em vez de fazer isso, criou uma quarta posiçã o que
contradizia ambos. Ele negou a Presença Real de Cristo no Sacramento,
mas disse que era “um sinal e um selo”, que é mais do que apenas um
sı́mbolo. E agora acho que estamos ouvindo uma quinta posiçã o de
você , Billy, em algum lugar entre Zwingli e Calvin, se nã o me engano.
GRAHAM : Você está enganado. Nã o estou defendendo uma nova posiçã o
ou uma antiga. Nã o quero de inir minha posiçã o nesse espectro
teoló gico. Meu ponto nã o é qual teó logo eu digo que está mais pró ximo
da verdade; meu ponto é que devemos nos concentrar no quadro maior,
no Cristo em que todos cremos como nosso Senhor e nosso Salvador; e
acho que nossas diferenças se tornarã o muito menos importantes se
adotarmos essa perspectiva.
TOLKIEN : Tudo bem. Mas isso nã o resolve o problema. Ou Cristo está
realmente presente ali, ou nã o está . O que você diz sobre isso? Qual é a
verdade aı́?
GRAHAM : A verdade é
que Cristo nã o quer que Seus discı́pulos chamem
uns aos outros de demô nios! Ele quer que nos amemos.
TOLKIEN : Sim, claro que Ele sabe, mas isso ainda nã o nos diz o que é
verdade. Certamente você nã o está ignorando essa pergunta ou
reduzindo a verdade objetiva à sinceridade subjetiva?
GRAHAM : Dá -nos todos os dados de que precisamos: que há um só Deus,
que o Pai é Deus, que o Filho é Deus, que o Espı́rito Santo é Deus, e que
o Pai e o Filho e o Espı́rito Santo sã o diferentes Pessoas.
TOLKIEN : Mas como você sabe que Cristo nã o é apenas uma aparê ncia e
nã o é realmente um ser humano, como diziam os hereges docetistas e
gnó sticos? E como você sabe que Ele nã o é apenas a primeira e melhor
criatura, como diziam os hereges arianos, ou apenas “o homem para os
outros”, como dizem os modernistas? Como você sabe que Ele é
totalmente humano e totalmente divino ao mesmo tempo, uma Pessoa
com duas naturezas? A Bı́blia nunca diz isso diretamente.
GRAHAM : Todos os cristã os ortodoxos acreditam nisso.
TOLKIEN : Mas é
a Igreja que de iniu a ortodoxia. E ela teve que fazê -lo,
porque metade dos cristã os do mundo negaram Sua plena divindade
por mais de um sé culo, na heresia ariana. E ainda há muitas pessoas
hoje que se dizem cristã os que sã o “liberais” ou “modernistas” que
negam Sua divindade e negam completamente o sobrenatural.
TOLKIEN : Mas aqui estáoutro fato histó rico que você nã o pode negar: a
Escritura nã o veio primeiro; A Sagrada Tradiçã o o fez. O Evangelho foi
pregado oralmente muito antes de ser colocado em um livro. De acordo
com a Bı́blia, Cristo ordenou a Seus discı́pulos que pregassem, nã o que
escrevessem. E quando eles escreveram, eles escreveram o que haviam
pregado primeiro.
TODOS : Sim.
LEWIS : Entã o eu gostaria de ouvir mais de Billy sobre o que ele acredita
sobre isso, porque eu acho que nã o entendo bem o su iciente para
discutir sobre isso. Acho que entendo as posiçõ es clá ssicas, incluindo
trê s versõ es da Presença Real, a romana, a luterana e a anglicana, e
entendo a posiçã o que diz que é apenas um sı́mbolo - isso é Zwingli e
Guy també m - mas nã o entendo. Nã o conheço muito bem a posiçã o de
Calvin, e Billy, acho que sua posiçã o parece algo entre essas duas, Calvin
e Zwingli. Mas nã o entendo como pode haver uma terceira posiçã o
entre Presença Real e Presença Só Simbó lica. Você poderia me dizer
exatamente o que você acredita sobre a Eucaristia?
GRAHAM : També m nã o sou teó logo, mas posso lhe dizer no que acredito.
GRAHAM : Nã o, porque é muito té cnico, muito teoló gico. Quero me
concentrar no que penso que todos vimos como a questã o especı́ ica
que nos divide com mais seriedade e clareza: aquilo que se parece com
pã o e vinho é realmente o Corpo e Sangue de Nosso Senhor e, portanto,
deve ser adorado, ou é é apenas um sı́mbolo sagrado a ser respeitado,
mas nã o o pró prio Cristo e nã o deve ser adorado? Como Cristo está
presente na Sagrada Comunhã o? Nó s protestantes estamos reduzindo
Cristo a pã o, ou você s cató licos estã o adorando o pã o como se fosse
Cristo? Como você apontou, Jack, essa é a questã o que mais
apaixonadamente desencadeou muitas das guerras religiosas apó s a
Reforma. E podemos ver o porquê .
GRAHAM : Vamos começar com minha declaraçã o pú blica sobre isso.
Cara, você tem essas perguntas e respostas com você ? Os que nosso
ministé rio vai publicar?
A pergunta era esta: “A igreja que começamos a frequentar há vá rios
meses coloca muito mais ê nfase em observar a Ceia do Senhor do que
nossa igreja anterior. A Bı́blia diz muito sobre a Ceia do Senhor e como
devemos observá -la?”
LEWIS : Espero que sim. Nã o sou um herege, nem mesmo um pensador
teoló gico original, mas apenas um simples leigo comum do meu ramo
da Igreja, a Igreja da Inglaterra. Mas se você nã o se importa que eu
pergunte, o que você acha que eu diria? O que você acha que nó s
anglicanos acreditamos sobre a Eucaristia?
LEWIS : Sim.
LEWIS : Sim.
GRAHAM : E
o que este sinal signi ica é o fato de que Cristo morreu por
nossos pecados. E acho que você concorda com isso. Você ?
LEWIS : Sim, claro. Mas um sacramento é um sinal sobrenatural, nã o
apenas um sinal natural feito pelo homem. E isso lhe dá o poder de
realmente efetuar, ou trazer à tona, o que signi ica. A á gua do Batismo,
por exemplo, signi ica lavagem ou puri icaçã o, mas també m puri ica a
alma. E també m signi ica morte por afogamento, e també m realmente
faz a alma morrer para a carne e ressuscitar para a vida no Espı́rito,
morrer para o pecado e ressuscitar para a vida eterna. E assim cremos
que a Eucaristia nã o signi ica apenas o Corpo e Sangue de Cristo que
nos foi dado para nossa salvaçã o, mas o torna realmente presente.
Entã o eu nã o nego nada nessa declaraçã o que você leu, mas eu
acrescentaria algo a ela, algo muito importante.
Mas deixe-me começar com meus acordos. Posso ter uma có pia para
que eu possa responder ponto por ponto?
LEWIS [ele lê rapidamente, faz algumas marcas rá pidas, e entã o
responde]: Bem, eu certamente concordo que as igrejas divergem
sobre isso, como você diz em sua primeira linha. A questã o é quã o
importantes sã o essas diferenças. Eu també m certamente concordo
que as diferenças entre as crenças mais opostas sobre a Ceia do Senhor
sã o quase nada comparadas à s diferenças entre um cristã o e um nã o-
cristã o. E claramente o mesmo Cristo que nó s dois adoramos, embora
eu acredite no que chamamos de Sua Presença Real na Eucaristia e
você , eu acho, nã o, pelo menos nã o do jeito que eu acredito.
GRAHAM : Nã o creio que Ele esteja presente no pã o e no vinho ou por trá s
da aparê ncia do pã o e do vinho em alguma milagrosa mudança de
substâ ncia ou “transubstanciaçã o”, mas creio que Ele está real e
verdadeiramente e pessoalmente presente em nossos coraçõ es e almas
– o que me parece muito mais importante do que se Ele está presente
no pã o e no vinho, na verdade o essencial. Porque mesmo que Ele esteja
presente no pã o e no vinho, ou por trá s de suas aparê ncias, todo o Seu
propó sito nisso é se tornar mais presente em nossos coraçõ es e almas.
GRAHAM : E você a irma que Ele nos deu mais do que a fé sozinha poderia
nos dar?
GRAHAM : Etambé m pressupõ e fé – a fé que crê e pede por Cristo na
alma. Você nã o dá o Sacramento aos incré dulos.
GRAHAM : Entã o, se Sua presença nã o depende de nossa fé , por que você
nã o dá o Sacramento aos incré dulos? Se é tã o objetivo quanto o
remé dio, por que nã o dar ao paciente em coma?
LEWIS : Porque é
uma dá diva, e uma dá diva deve ser recebida livre e
conscientemente, bem como dada livre e conscientemente.
LEWIS : Sim.
LEWIS : O quanto de Sua graça recebemos depende de nossa fé . Isso sim é
subjetivo. Mas se é Sua graça e Sua Real Presença e Sua vida divina ou
nã o, isso nã o depende de nossa fé . Isso é objetivo. A quantidade de
á gua que entra em nosso estô mago depende de quanto abrimos a boca.
Mas a á gua entra em nó s das nuvens reais; nã o é gerado por nó s, como
o suor em nossos corpos.
GRAHAM : Eu entendo. Mas isso parece ser mais uma sutileza teoló gica da
teoria do que algo que faz uma grande diferença na prá tica.
LEWIS : Nã o vejo dessa forma. Parece-me muito importante por razõ es
prá ticas, nã o apenas teoló gicas. Porque a presença real e objetiva de
Nosso Senhor no Sacramento nos convida a deixar de colocar nossa fé
em nossa fé e simplesmente colocá -la nEle, em completo esquecimento
e adoraçã o.
LEWIS : Sim, mas acho que discordo sobre a importâ ncia do nosso
desacordo sobre essa segunda coisa.
E aqui está outra diferença entre nó s, penso eu, tanto no que diz
respeito aos meios quanto ao im, tanto o Sacramento quanto a alma. Eu
vejo Sua presença em nó s como incluindo nossos corpos assim como
nossas almas e como incluindo Seu Corpo assim como Sua alma.
Acredito que, já que Ele nos fez com corpos e almas, Ele quer se fazer
presente també m em nossos corpos e presente por Seu Corpo.
LEWIS : Vamos ver. A primeira é que, como você diz, “isso é verdade
desde o inı́cio da fé cristã ”. Nó s anglicanos, como os cató licos romanos,
chamamos isso de “Tradiçã o Sagrada”, nã o apenas tradiçã o humana,
feita pelo homem – pelo menos aqueles que se chamam “anglo-
cató licos”.
A segunda é que, como você diz, “Jesus disse aos Seus discı́pulos que
izessem isso até que Ele voltasse”. E um mandamento, nã o uma opçã o.
GRAHAM : Bem, eu entendo que você acredite nisso, mas eu nã o. Eu sei
que está na sua tradiçã o, mas é uma tradiçã o extra-bı́blica.
LEWIS : Nã o, nã o acho que seja verdade. Vem da Bı́blia. Ele nã o disse:
“Isto simboliza Meu Corpo” e “Isto simboliza Meu sangue”; Ele disse:
“Este é o meu corpo” e “este é o meu sangue”. Nã o é extra-bı́blico, é
bı́blico. Eu acho que é a sua posiçã o que é extra-bı́blica. E você quem
acrescenta à s Suas palavras. Você adiciona a palavra “simboliza”.
LEWIS : Desculpe. Aceito sua correçã o. Mas você descarta outra coisa
com muita facilidade, eu acho.
GRAHAM : O quê ?
GRAHAM : Onde?
LEWIS : Nas palavras seguintes Ele diz láem Mateus: “o que é derramado
por muitos para remissão dos pecados ”. Um mero sı́mbolo nã o tem o
poder de perdoar pecados! E por isso que o sangue de touros e bodes
no judaı́smo do Antigo Testamento nã o podia perdoar pecados, como a
Bı́blia explica na Epı́stola aos Hebreus: porque o sangue deles era
apenas um sı́mbolo do Seu sangue. Os cordeiros sacri icados no
judaı́smo eram apenas sı́mbolos; eles nã o eram “o cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo”.
GRAHAM : Justo. Mas ainda acho que nosso desacordo é secundá rio,
porque o que nó s dois fazemos , quando celebramos este sacramento,
nó s dois fazemos por nossa fé e amor comuns por Ele, para obedecer
ao Seu mandamento, e isso é mais importante do que como o
entendemos. e interpretá -lo de forma diferente. Como você mesmo
escreveu em algum lugar: “Ele disse, tome e coma; ele nã o disse pegue
e entenda.”
LEWIS : Sou içado no meu pró prio petardo! Isso é
verdade. Na verdade,
não entendemos. Pelo menos nã o adequadamente. Ningué m faz. E um
grande misté rio. E um milagre.
LEWIS : Sim, se vocêquer dizer com isso que o objeto de nossa religiã o é
o mesmo Cristo e també m que o motivo por trá s de acreditar nas
diferentes coisas em que acreditamos é o mesmo: colocamos nossa fé
nEle e queremos ser ié is a Ele , para obedecer o que acreditamos ser a
Sua vontade. E por isso que Tollers é cató lico romano e acredita na
Presença Real e em todas as outras coisas que sua igreja ensina; e é por
isso que você é um evangé lico protestante, e você nã o acredita em
todas as coisas que ele acredita; e é por isso que, como anglicano, nã o
concordo totalmente com nenhum de você s. O que acreditamos nã o é o
mesmo, mas por que acreditamos que é . Nosso Senhor é o mesmo, e
nosso motivo é o mesmo: idelidade a Ele.
LEWIS : Nã o.
GRAHAM : E a fé pode nos salvar sem os sacramentos?
LEWIS : Sim. Deus pode trabalhar fora de Seus sacramentos. Mas Ele
també m opera por Seus sacramentos.
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Porque a Bı́blia nã o diz isso. Por que você acredita?
LEWIS : Mas você nã o diz que nã o precisamos de ningué m ou qualquer
outra coisa fora da Bı́blia para interpretar a Bı́blia, como uma igreja ou
Tradiçã o? Você nã o diz que a Bı́blia interpreta a si mesma?
GRAHAM : Sim, e é
exatamente isso que estou fazendo. Estou
interpretando este texto na Bı́blia pelo que o resto da Bı́blia diz.
LEWIS : Onde está
escrito em qualquer outro versı́culo da Bı́blia que Ele
não está realmente presente em Seus sacramentos e que eles não tê m o
poder de nos comunicar Sua salvaçã o e Sua vida divina?
LEWIS : Esse éo texto que os hereges gnó sticos usaram para negar a
Encarnaçã o! Deus é um Espı́rito, de fato, mas Ele tomou para Si um
corpo e uma alma humanos na Encarnaçã o, e Ele continua trabalhando
por meio de instrumentos materiais: nó s. Adoramos “em espı́rito”, mas
també m no corpo, porque estamos em corpos. Nã o temos uma
experiê ncia fora do corpo quando adoramos.
LEWIS : Claro que sim. Cada heresia na histó ria parecia razoá vel. E
a
maneira de Deus fazer as coisas parecia irracional. Deus sempre nos
surpreende.
GRAHAM : Isso éverdade. Mas isso nã o prova que “o batismo te salva” nã o
é o que eu digo: uma espé cie de abreviaçã o de “a fé que o batismo
expressa te salva”.
LEWIS : Nã o, nã o. Entã o eu concordo que nã o provei meu ponto para
você .
GRAHAM : E você deve admitir que a minha é uma interpretaçã o razoá vel
e possı́vel.
LEWIS : Bem, sim, embora, como crı́tico literá rio, eu ache um pouco
tenso e so isticado, e nã o o que leitores comuns aceitariam. E a Bı́blia
foi escrita para pessoas comuns, nã o para estudiosos e teó logos
so isticados.
GRAHAM : Acho que você está simpli icando um pouco a histó ria da
Igreja. Mas nã o sou historiador ou estudioso, portanto nã o posso
discutir com você sobre os detalhes, mas meu princı́pio é simples e
claro: nã o aceito nenhuma igreja ou tradiçã o como infalı́vel. Portanto,
mesmo que seja isso que sua igreja ensinou por 1500 anos, isso nã o a
torna infalivelmente correta.
LEWIS : Era sua igreja també m, até que Lutero a dividiu. Havia apenas
um, lembra?
GUY : Jack, vocênã o acha que está transformando esse diá logo amigá vel
entre cristã os em um debate em Oxford?
LEWIS : Meu Deus, gracioso, eu nunca quis fazer isso! Talvez eu tenha
icado tã o perdido na discussã o que esqueci que outras pessoas tê m
sentimentos assim como intelecto. As pessoas me dizem que eu faço
isso habitualmente. Peço desculpas - nã o pelo que eu disse, mas por
como eu disse. Eu nã o quis ofender.
LEWIS : Esse é um bom argumento. E prova que Deus pode salvá -lo, ou
justi icá -lo, sem boas obras, pelo menos em casos excepcionais como o
dele. Mas as circunstâ ncias do Bom Ladrã o eram excepcionais, nã o
eram? Nã o existem també m centenas de outras passagens na Bı́blia,
dirigidas a todos nó s, em circunstâ ncias normais, que dizem que
seremos julgados por nossas obras?
GRAHAM : Sim, mas apenas se forem obras de amor que vê m da fé .
GRAHAM : E
verdade que o amor é provado por suas obras. Mas també m é
verdade que nosso amor, como cristã os, está enraizado em nossa fé .
LEWIS : Que, embora Deus possa salvá -lo somente pela fé , sem os
sacramentos do Batismo e da Sagrada Comunhã o em alguns casos,
ainda assim Ele instituiu os sacramentos como formas normais pelas
quais Ele salva você e coloca Sua pró pria vida eterna em você .
GRAHAM : Entã o você diz que Deus nos salva pela fé e pelos sacramentos.
LEWIS : Sim. E
assim como Ele geralmente te salva pela fé e pelas boas
obras que você faz por causa da sua fé , Ele geralmente te salva pela fé e
pelos sacramentos que você recebe pela fé . E um ambos/e, nã o um
ou/ou em ambos os casos.
GRAHAM : Concordo que a Bı́blia ensina que tanto as boas obras quanto
os sacramentos do Batismo e da Sagrada Comunhã o sã o ordenados.
Eles sã o a expressã o natural da nossa fé . Mas quando fazemos boas
obras, incluindo o trabalho de receber os sacramentos, é o elemento fé
que nos salva, nã o o elemento trabalho.
GRAHAM : Sim, tem. O apó stolo Paulo diz em sua carta aos romanos que
Abraã o foi justi icado somente pela fé sem as obras da lei.
LEWIS : Paul nã o disse isso. Lutero colocou a palavra “sozinho” lá . Nã o
está no grego original.
GRAHAM : Mas ainda se lê : “Entã o você vê que o homem é justi icado pela
fé sem as obras da lei”.
LEWIS : Acho que Paulo está falando sobre a lei litú rgica, os sacrifı́cios
litú rgicos judaicos ali, nã o as obras de amor.
LEWIS : Em todo caso, em outras passagens, Paulo parece dizer que nã o
somos salvos sem boas obras. E Nosso Senhor diz claramente a mesma
coisa na pará bola do juı́zo inal. Seremos julgados pelas nossas obras,
pelas obras do amor.
GRAHAM : Só se forem obras de fé . Nã o somos salvos sem fé .
LEWIS : E
verdade. Mas quando recebemos os sacramentos com fé ou
fazemos obras de amor por causa de nossa fé , por que você acha que é
apenas o elemento fé e nã o o elemento sacramento ou o elemento
caridade que nos salva? Sã o Paulo coloca a caridade acima da fé em 1
Corı́ntios 13.
LEWIS : Entã o você assume que apenas o elemento espiritual pode nos
salvar.
LEWIS : Nã o. Acho que somos salvos por algo fı́sico. Buda e Só crates e
todos os grandes iló sofos alegaram nos salvar dizendo: “Esta é minha
mente”, mas Cristo nos salvou dizendo: “Este é meu corpo” – na cruz e
no sacramento. Somos salvos pela morte de Cristo na Cruz, e essa
morte foi uma morte fı́sica, nã o uma morte espiritual; entã o somos
salvos por algo fı́sico. Você mesmo acredita nisso, eu acho.
GRAHAM : Acredito que Sua morte fı́sica nos salva, sim. Eu entendo isso,
mas nã o entendo como Ele nos salva derramando um pouco de á gua
sobre nossa cabeça, ou comendo pã o e bebendo vinho. Isso me parece
muito com magia ou um conto de fadas.
LEWIS : Acho que nenhum de nó s realmente entende como essas coisas
funcionam, incluindo como Sua morte fı́sica na Cruz nos salva. Havia
meia dú zia de teorias da Expiaçã o, e a Igreja nunca endossou
dogmaticamente nenhuma delas como explicaçã o de initiva, exceto
para negar a teoria de Lutero de que era apenas uma icçã o legal e nã o
uma transformaçã o real. Lutero nos chamou, mesmo depois de
aceitarmos a Cristo, apenas “um monte de esterco coberto de neve”.
LEWIS : Eu nã o sei como, mas eu sei – nó s dois sabemos – que de fato
acontece. Algué m bate em você , e isso o deixa com raiva. Algué m te
abraça, e isso te faz feliz.
GRAHAM : E verdade.
LEWIS : Porque Deus nos fez com corpos e almas, juntos, entã o Ele lida
conosco como corpos e almas juntos, nã o como almas sozinhas ou
como almas e corpos separadamente. Essa era a heresia dos gnó sticos:
eles eram puramente espirituais. Terrivelmente “espiritual”. Chesterton
diz que a Encarnaçã o nos salvou disso, da “espiritualidade – uma
terrı́vel condenaçã o”. Muitas pessoas hoje que nunca escureceriam a
porta de qualquer igreja dizem que sã o “espirituais” em vez de
religiosas. O que isso sempre signi ica é gnosticismo: imaterialidade
em vez de qualquer coisa material.
LEWIS : Bem, é
por isso que a religiã o – um relacionamento entre Deus e
o homem – inclui tanto a fé quanto os sacramentos e tanto a fé quanto
as obras. E por isso que Deus instituiu os sacramentos. Os anjos nã o
podem usá -los. Os anjos nã o precisam deles. Nó s fazemos.
GRAHAM : Concordo com tudo isso em princı́pio, mas nã o com a teologia
sacramental que você deduz disso. Mas talvez eu esteja entendendo
mal sua teologia. Você pode me dizer exatamente o que você acredita
sobre a Sagrada Comunhã o?
LEWIS : Eas trê s coisas que fazem isso sã o: “o batismo, a crença e aquela
açã o misteriosa que os diferentes cristã os chamam por nomes
diferentes – a Santa Comunhã o, a Missa, a Ceia do Senhor”.
LEWIS : E
como eu disse um minuto atrá s, nem eu! Essa é a pró xima
coisa que eu disse no livro: “Eu mesmo nã o consigo ver por que essas
coisas deveriam ser os condutores do novo tipo de vida. Mas entã o, se
algué m nã o soubesse, eu nunca teria visto qualquer conexã o entre um
prazer fı́sico particular e o aparecimento de um novo ser humano no
mundo.” Em outras palavras, a conexã o entre o sexo e o inı́cio da vida
natural. “Temos que encarar a realidade como ela vem a nó s; nã o há
boa tagarelice sobre como deveria ser ou como deverı́amos ter
esperado que fosse. Mas embora eu nã o consiga ver por que deveria ser
assim, posso lhe dizer por que acredito que seja assim. . . Jesus era (e é )
Deus. E parece claro, por uma questã o de histó ria, que Ele ensinou a
Seus seguidores que a nova vida foi comunicada dessa maneira. Em
outras palavras, eu creio na autoridade Dele.”
GRAHAM : Acho que meu primeiro princı́pio, minha razã o para acreditar
no que acredito, é o mesmo que o seu: a autoridade de Cristo.
LEWIS : Mas a razã o que você deu para preferir sua interpretaçã o à deles,
a razã o para nã o acreditar nessas coisas cató licas, foi que você
simplesmente nã o conseguia entender como ou por que Deus agiria em
nossos espı́ritos atravé s da maté ria. Mas “nã o consigo entender isso”
nã o implica a conclusã o de que “isso nã o pode ser verdade” porque, se
fosse, terı́amos que rejeitar a maioria dos misté rios da fé cristã ,
incluindo a pró pria Encarnaçã o.
LEWIS : Sim.
GRAHAM : E sacramentos sem fé nã o podem salvá -lo. Você acredita nisso,
nã o é ? Eles nã o sã o magia impessoal.
LEWIS : Certo.
GRAHAM : E
você nã o concorda que os sacramentos sã o relativos à fé ,
para expressar e fortalecer nossa fé ?
GRAHAM : Claro.
LEWIS : Eu tenho que fazer uma distinçã o ilosó ica aqui. Eles nã o sã o
relativos à nossa fé na ordem da causalidade e iciente. A fé nã o é a
causa e iciente dos sacramentos. Nã o é sua origem; a fé nã o os faz ou os
faz funcionar. Deus faz isso. Mas acho que o fortalecimento de nossa fé
é a causa inal dos sacramentos, o im ou propó sito dos sacramentos.
Acredito que Deus instituiu os sacramentos como meios para testar
nossa fé e para eliciar nossa fé e fortalecer nossa fé .
LEWIS : A fésempre tem que ir alé m de trê s coisas: tem que ir alé m das
aparê ncias para nossos sentidos, alé m de nossa compreensã o racional
e alé m de nossos sentimentos. E os sacramentos fazem todas as trê s
coisas. Principalmente a Eucaristia. No Batismo, a aparê ncia da á gua,
que usamos para lavar a sujeira fı́sica visı́vel, pelo menos sugere uma
limpeza espiritual invisı́vel do pecado; mas na Eucaristia, as aparê ncias
nem sequer sugerem o que realmente é . O Corpo de Cristo nã o se
parece com um pedaço de pã o. Amanhã de manhã um padre vai me dar
uma hó stia redonda, ina, fria e sem gosto que parece pã o. E nã o é o
que parece.
Nem é o que só a razã o pode saber: nã o posso provar que nã o é
apenas pã o apenas pela razã o.
LEWIS : Concordo que é bom que você olhe para eles em vez de olhar
para eles – isso é o que Ele queria que izé ssemos. Concordo que os
sacramentos nã o sã o aquilo em que temos fé : Cristo é . Claro que é
somente Cristo que nos salva; Seus sacramentos, como nossa fé , sã o
apenas os meios que Ele usa. Mas Ele realmente usa esses meios,
entã o, em um sentido secundá rio, eles sã o objetos legı́timos de nossa
fé quando os “olhamos” para Ele. (Embora mesmo nesse sentido
secundá rio, nã o seja bom ter fé em nossa pró pria fé , mas é bom ter fé
em Seus sacramentos.)
LEWIS : Mas e se Ele se colocar nas coisas que usa? E se Ele se izer
realmente presente nos sacramentos?
GRAHAM : Vocêacredita que Ele faz isso, mas eu nã o. Portanto, nã o vejo
como é certo colocar nossa fé nos sacramentos. Nã o tenho certeza
sobre essa coisa de “olhar adiante”, esse aspecto “secundá rio” da fé .
GRAHAM : Sim.
LEWIS : Você
con ia nele para fazer seu trabalho e nos dizer apenas a
verdade, e a verdade mais importante que existe?
GRAHAM : Sim.
LEWIS : Só porque acredito que Ele está realmente presente nele. E por
isso que realmente “efetua o que signi ica”. Essa é a de iniçã o cató lica
tradicional de sacramento. A Bı́blia é sagrada e tem autoridade, mas
nã o é um sacramento. Eu adoro o Deus da Bı́blia, mas nã o adoro a
Bı́blia, porque nã o é Ele, é apenas Sua Palavra. Entã o, quando tenho fé
na Bı́blia, estou fazendo isso apenas porque estou olhando para Ele. Ele
é o objeto inal da minha fé , e a Bı́blia é um objeto secundá rio ou
re lexivo ou pró ximo da minha fé porque é a Sua palavra. Você ainda
parece confuso. Eu tenho sido muito abstrato. Aqui, veja um exemplo
secular do princı́pio. Suponha que você está em uma batalha e está
prestes a ser morto com uma espada, e o Rei Arthur aparece para salvá -
lo, empunhando Excalibur. Sua fé está em Arthur principalmente, mas
també m está em sua espada secundariamente.
GRAHAM : Este é
um bom exemplo, porque a pró pria Bı́blia o usa: chama-
se “a espada do Espı́rito, que é a Palavra de Deus”, e diz que esta espada
“perfura o coraçã o e distingue a alma e o espı́rito como uma faca de
açougueiro distingue o osso e os tendõ es”.
Você diz em Mero Cristianismo que Deus usa três meios para nos
salvar, ou para nos dar Sua vida eterna – fé , Batismo e Eucaristia – e
acho que você expandiria isso para quatro se adicionar as obras do
amor cristã o – mas eu digamos que somos salvos somente pela fé ; que
assim como as boas obras sã o apenas expressõ es de nossa fé em Cristo,
os sacramentos també m sã o apenas expressõ es de nossa fé e sı́mbolos
de nossa fé que Cristo instituiu. Você acha que esse é o lugar essencial
onde nos diferenciamos?
GRAHAM : Mas nó s dois nã o olhamos apenas para o sacramento; antes ,
olhamos para o sacramento, como você diz, e vemos Cristo, com os
olhos da fé . Para nó s dois, é transparente para Cristo.
LEWIS : Mas se aquela hó stia nã o émais pã o, mas o pró prio Corpo de
Cristo, entã o você nã o pode dizer que é “transparente para Cristo”
porque é Cristo. Cristo nã o pode ser “transparente para Cristo”!
GRAHAM : Mas nã o podemos dizer que as aparê ncias materiais sã o
transparentes para Cristo? Nó s dois acreditamos que eles simbolizam
Cristo – é assim que eles sã o transparentes para Cristo – mas você
també m acredita que eles sã o o Corpo e Sangue de Cristo, que eles sã o
a coisa que simbolizam.
LEWIS : Eu també m nã o acho que isso váfuncionar, porque as aparê ncias
nã o sã o nada transparentes para Cristo, como uma imagem sagrada
seria. O pã o nã o se parece com Cristo.
GRAHAM : E verdade, nã o. Entã o, o que você diz que as aparê ncias fazem
se elas nã o simbolizam meramente Cristo e se elas nã o sã o Cristo e se
elas nã o sã o “transparentes para Cristo”?
GRAHAM : O que, exatamente, isso signi ica? O que você quer dizer com
“substâ ncia”?
GRAHAM : Sim, mas nã o acho que seja uma discordâ ncia acentuada; Acho
que é mais uma diferença de ê nfase.
LEWIS : Concordo.
LEWIS : Sim, é verdade. Mas mesmo aı́, nã o separo isso da fé . Acho que
cometi o erro, no Mero Cristianismo , de dizer que a vida de Cristo em
nossas almas nos é transmitida de trê s maneiras: pelo nosso ato de fé ,
pelo Batismo e pela Eucaristia. Isso soa como se eu pensasse que as
trê s maneiras nã o eram apenas diferentes, mas independentes uma da
outra. Acho que isso foi um erro porque todos os trê s sã o questõ es de
fé , incluindo a Eucaristia – embora nã o seja “somente fé ”.
TOLKIEN : Espere um momento, por favor! O que você quer dizer quando
diz que a Eucaristia é uma questã o de fé ? Parece-me que você está
dizendo que Sua presença ali depende de nossa fé .
LEWIS : Nã o, nã o estou dizendo isso. Digo o contrá rio, como você : que
Nosso Senhor está realmente presente ali, acreditemos ou nã o. Mas
acho que nossa fé é o propó sito e o im da Eucaristia.
TOLKIEN : Um deles, pelo menos. Quem sabe quantos ins ou propó sitos
diferentes Deus tem em mente quando faz algo tã o misterioso quanto a
Eucaristia?
Tolkien : Como?
LEWIS : Desta forma: a razã o pela qual acreditamos que Ele está
realmente presente é porque Ele disse isso, e nó s simplesmente
acreditamos no que Ele disse. Entã o, nesse sentido, a fé , nã o a razã o ou
sensaçã o ou sentimento, é a causa – nã o de Sua presença, mas de nossa
adoraçã o da Eucaristia.
GUY : Mas você acredita só porque sua igreja ensina. Entã o sua fé está
em sua igreja.
CARA : Você
acredita no que acredita porque sua igreja ensina isso. Eu
acredito no que acredito porque a Bı́blia ensina isso.
LEWIS : Entã o voltamos a esse assunto novamente.
TOLKIEN : Mas é
a Igreja que nos deu a Bı́blia. E é assim que toda a Igreja
tem interpretado a Bı́blia que ela nos deu, por 1500 anos. O Espı́rito
Santo estava dormindo todo esse tempo?
LEWIS : Porque é uma diversã o. Devemos manter o foco em nosso tó pico,
a Eucaristia.
GRAHAM : Eu aprecio seu foco ló gico e concordo com você . Vamos falar
sobre a relaçã o entre a Bı́blia e a Igreja mais tarde.
TOLKIEN : Justo.
GRAHAM : Fiquei muito encorajado pelo que você disse sobre todo o
objetivo e propó sito da Eucaristia ser a fé . Você poderia explicar isso
um pouco mais?
GRAHAM : E você pode me dizer exatamente o que você quer dizer com
fé ?
LEWIS : Sim, estamos, mas acho que icará mais claro dessa maneira,
contrastando com o meu.
LEWIS : Foi isso que eu pensei que você diria. Entã o, vamos explorar essa
objeçã o.
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Ea fé é um ato espiritual, nã o é ? Um ato de nossa alma, antes
de tudo, mesmo que se expresse corporalmente?
LEWIS : Sim, é .
TOLKIEN : Ele nã o está presente no pã o e no vinho porque nã o é mais pã o
e vinho.
GAROTO : Jack, você já teve muito tempo para criticar Billy, mas ele foi
educado demais para criticar você . Acho que a justiça exige igual tempo
e atençã o à s objeçõ es dele, nã o é ?
LEWIS : Eu realmente. Entã o vamos explorá -los agora, certo? Você está
de acordo com essa agenda, Billy?
GRAHAM : Eu sei que você s dois adoram conversar tomando uma cerveja
Guinness. Entã o eu sei que você pode falar e beber ao mesmo tempo.
Mas você nã o tocou no seu chá . Se você quiser beber algo mais forte
enquanto conversamos, por favor, nã o me deixe ser um obstá culo. Nã o
penso em você s como alcoó latras, nem mesmo secretamente. Eu sei
que o apó stolo Paulo recomendou vinho a Timó teo – “beba um pouco
de vinho por causa do seu estô mago” – entã o eu nã o sou um abstê mio
em princı́pio, apenas na prá tica. E nã o me oponho a ningué m fumar, em
princı́pio, e nã o sou alé rgico a fumar, embora eu mesmo nã o fume;
entã o, por favor, sinta-se à vontade para acender se quiser. Eu suspeito
que você s dois estã o sendo muito educados por minha causa.
TOLKIEN : Mas você quis dizer isso como um insulto aos americanos.
TOLKIEN : Esse é
o seu platonismo, Jack. Você deveria estudar mais
Tomá s de Aquino; você realmente nã o aprecia a unidade
psicossomá tica.
LEWIS : Austin Farrer, o melhor teó logo que conheço. Mas olhe aqui,
deverı́amos estar falando menos uns sobre os outros e outras pessoas
e mais sobre Cristo. Podemos voltar à Eucaristia?
GRAHAM : Para ser muito sincero, Jack, à s vezes sinto uma profunda
suspeita, que espero nã o ser justi icada, de que sua teologia
sacramental está pró xima de uma espé cie de magia pagã ; que a vossa
Eucaristia é , para dizer muito grosseiramente, uma espé cie de
má quina mecâ nica, uma “má quina de Jesus”. Como se a Eucaristia
fosse uma espé cie de má quina de venda sobrenatural e como se Cristo
fosse a garrafa de refrigerante que ela nos dava quando colocamos a
moeda correta.
GRAHAM : Sim. Como se a fése reduzisse à moeda que você paga para
obter o produto. E claro que é uma caricatura horrı́vel e injusta, mas
suspeito que sua teologia navega um pouco perto demais dessa costa.
Se estou perto demais de Cila, acho que você está perto demais de
Caribdis. Você me vê muito pró ximo de Zwinglio, mas eu vejo você
muito pró ximo do paganismo.
LEWIS : Vocêé mais versado nos clá ssicos do que a maioria das pessoas
suspeita, Billy. E acho que entendo sua suspeita; Eu vejo porque é assim
que parece para você . Bem, certamente nã o parece ou se sente assim
para mim – seja materialista ou má gico ou uma má quina. Vamos pegar
cada uma dessas trê s objeçõ es, ou suspeitas, uma por uma, e deixe-me
tentar dizer a você , tã o clara e honestamente quanto eu puder,
exatamente o que eu acredito – sobre a Presença Real de Nosso Senhor
na Eucaristia – contrastando com esses trê s mal-entendidos, que eu
nã o acredito.
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Concordo com você . Eu sou mais batista do que calvinista lá .
Eu nã o nego o livre arbı́trio. Mas suspeito que Calvino pretendia apenas
negar nosso livre-arbı́trio para nos salvar, nã o todos os tipos de livre-
arbı́trio. Ele certamente acreditava que é ramos responsá veis por
nossas escolhas. Nã o tenho certeza sobre Calvin. Mas nã o gosto de me
opor a essas duas ideias, predestinaçã o e livre arbı́trio. Acho que
ambas sã o verdadeiras, embora nã o pretenda entender ou explicar em
termos humanos como isso funciona.
LEWIS : Concordo com você . Acho que nó s dois queremos conciliar essas
duas ideias, nã o simplesmente escolher uma sobre a outra. Como
Agostinho, que tanto protestantes quanto cató licos adoram citar
seletivamente.
GRAHAM : Eu acredito, com os batistas, que temos que ter livre arbı́trio,
ou livre escolha, porque se nã o tivé ssemos, nã o poderı́amos ser
responsá veis. Mas eu també m acredito, como os calvinistas, que Deus é
soberano, porque se Ele nã o é , entã o Ele nã o é Deus.
LEWIS : Concordo. Na causalidade , Ele tem que ser anterior. Ele éa
Primeira Causa. Mas se Ele é eterno e atemporal, nã o é uma prioridade
no tempo .
GRAHAM : Nã o pretendo entender isso. Mas eu sei disso: seja a tempo ou
nã o, a graça divina tem que vir primeiro. Porque se graça é graça, nã o é
merecida. Isso seria justiça. Nã o merecemos graça. E por isso que se
chama graça, nã o justiça.
E aqui está outra razã o: se Deus é Deus, e nã o apenas um deus, entã o
Ele é absolutamente soberano. As açõ es dele nã o podem depender das
nossas. Deus nã o precisa esperar para ver se vamos escolher aceitar a
graça e entã o tomar Sua decisã o com base nisso. Sua graça nã o pode
depender de nossa resposta porque Ele nã o depende de nó s, nó s
dependemos Dele.
GRAHAM : Nã o sei até onde você pode levar essa analogia, mas o princı́pio
me parece correto.
LEWIS : Claro, “todas as analogias sã o fracas”, mas elas chegam a algum
lugar, pelo menos. Eu acho que o princı́pio é que a resposta a essa
pergunta – como a maioria das grandes questõ es teoló gicas – é um
tanto-e, nã o um-ou-ou.
També m nã o a irmo saber como a graça funciona, mas nã o posso
acreditar que seja como um ú nico mestre de marionetes divino
puxando todas as cordas de uma marionete ou como uma corrente de
dominó s, onde apenas a queda do primeiro dominó acontece
livremente porque o dedo que o empurra é parte de uma pessoa, que
tem livre arbı́trio, mas todos os dominó s subsequentes caem
automaticamente e nã o livremente. Pelo contrá rio, acredito que seja
como um romance: as açõ es dos personagens na histó ria sã o
predestinadas, pelo autor, e livremente escolhidas pelos personagens.
Sã o açõ es de pessoas, nã o açõ es de minerais ou má quinas. Toda boa
histó ria de alguma forma reconcilia predestinaçã o e livre arbı́trio.
LEWIS : Entã o está claro que a graça do Sacramento, como toda graça,
nã o é mecâ nica e nã o livre. A graça é um dom, e um dom deve ser dado
e recebido de graça. Essa é a ú nica razã o pela qual o Inferno é possı́vel.
Se fô ssemos forçados ao cé u contra nossa vontade, nã o seria um
presente, mas um castigo.
GRAHAM : Concordo.
LEWIS : Sua segunda objeçã o foi que minha teologia tornou a Eucaristia
“materialista”. Mas o materialismo nã o signi ica a a irmaçã o da
maté ria; signi ica a negaçã o do espı́rito. E essa certamente nã o é a
minha visã o. O homem é maté ria e espı́rito, corpo e alma, e Deus opera
Sua graça em ambos. O Sacramento é certamente material, mas
també m espiritual. E material, como todos os sacramentos, mas nã o
materialista.
LEWIS : O que vocêquer dizer com má gica? Concordamos que nã o
funciona sem liberdade, sem nossa vontade, como a magia. A magia é
mecâ nica. E tecnologia primitiva, ou tecnologia sobrenatural.
GRAHAM : Esse é
o cerne da minha objeçã o, eu acho: que na sua opiniã o
os sacramentos funcionam como má quinas. Nã o má quinas naturais,
mas má quinas sobrenaturais, mas ainda má quinas. Nã o má quinas
puramente materiais, mas ainda má quinas. Magia. Má quinas
sobrenaturais.
LEWIS : Essa é a fó rmula cató lica romana, sim, ex opere operato . . .
LEWIS : Sim. Pelo menos eu aceito o que eu acho que isso signi ica. O
sacramento nã o opera apenas por nossa açã o, de dentro para fora, por
assim dizer, mas por si mesmo, de fora para dentro, pelo poder de Deus,
nã o nosso. Em outras palavras, nã o é apenas espiritual e subjetivo, mas
també m objetivo e material: funciona atravé s de sua pró pria maté ria. O
poder de sua maté ria funciona nã o apenas em nossos corpos, mas
també m em nossas almas. Claro que é Deus quem é a primeira causa de
tudo isso, mas Ele usa a maté ria para trabalhar em nó s nos
sacramentos.
GRAHAM : Você
acredita que o Sangue de Cristo derramado por nó s na
Cruz nos salva de nossos pecados?
GRAHAM : E
esse Sangue é literal e fı́sico e é realmente derramado na
morte de Cristo?
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Entã o, se você estivesse lá dois mil anos atrá s, sob a Cruz,
quando Cristo morreu, e você recebesse Seu Sangue isicamente, com
fé , isso literalmente o salvaria?
LEWIS : Sim.
LEWIS : Nã o.
GRAHAM : Mas você nã o acha que somente sua fé o salvaria, como fez com
o Bom Ladrã o?
LEWIS : Claro.
LEWIS : Nã o, isso nã o necessariamente segue. Deus pode usar muitas
mangueiras diferentes, por assim dizer, para colocar a á gua viva em
mim. Alguns sã o fı́sicos, como os sacramentos, e alguns sã o espirituais,
como a fé .
LEWIS : Sim.
GRAHAM : E
se você estivesse ali debaixo da Cruz de Cristo e recebesse
Seu Sangue e nã o tivesse fé , você nã o seria salvo.
GRAHAM : Mas tem. E uma boa ló gica. Se você obté m uma reaçã o de um
composto apenas quando um determinado elemento está nele, e você
nã o obté m essa reaçã o quando esse elemento nã o está nele, e se você
pode obter essa reaçã o do elemento sozinho quando nã o está no
composto , entã o segue logicamente que é apenas esse elemento que
lhe dá a reaçã o, nã o todo o composto.
LEWIS : Parece uma boa analogia, mas nã o é , porque o que está faltando
nessa analogia dos produtos quı́micos é que na salvaçã o,
diferentemente da quı́mica, existem duas dimensõ es, a objetiva e a
subjetiva.
LEWIS : E verdade, eles nã o sã o iguais . Mas ambos sã o necessários ,
porque Deus nã o vai forçar a salvaçã o em você contra a sua vontade.
Essa é a ú nica razã o pela qual existe um Inferno. A salvaçã o é um dom,
mas um dom nã o é um dom se nã o for dado de graça, e també m nã o é
um dom se nã o for recebido de graça. Se eu livremente te der um tapa
na cara que você nã o quer, nã o é um presente.
GRAHAM : Entã o a fé é nossa resposta livre ao dom de Deus, nosso “sim”
ao dom.
LEWIS : Sim. Nã o podemos fazer isso sem Ele, e Ele nã o fará isso sem
nó s, sem essa resposta livre.
GRAHAM : Mas você admitiu que Ele pode nos salvar sem os sacramentos.
A Cruz é su iciente como dimensã o objetiva, e nossa fé é su iciente
como dimensã o subjetiva.
LEWIS : Sim, també m concordo com isso. Mas assim como somente a fé
sem boas obras pode nos salvar em uma situaçã o extraordiná ria como
a do Bom Ladrã o, també m a Cruz sozinha sem os sacramentos pode
nos salvar na situaçã o extraordiná ria do Protestantismo, onde você
nã o acredita em Sua Presença Real nos sacramentos. Mas assim como
as boas obras objetivas sã o o resultado comum e esperado da fé
subjetiva, os sacramentos objetivos que Ele instituiu sã o os meios
comuns que Ele usa para colocar Sua vida em nó s, se tivermos a fé
subjetiva para recebê -la.
LEWIS : Entã o temos que continuar martelando essa questã o até que
ique claro.
GRAHAM : Como?
GRAHAM : Você
nã o quer dizer um tipo de fatalismo, nã o é , com “a
natureza das coisas”?
LEWIS : Como escrevi lá , para nossos ancestrais, o problema primá rio da
vida humana era conformar nossas almas, nossas mentes e desejos, à
natureza nesse sentido, à natureza das coisas; e os meios para fazer
isso eram a sabedoria e a virtude, especialmente as quatro virtudes
cardeais e as trê s virtudes teologais, fé , esperança e caridade. Mas
tanto para a magia quanto para a tecnologia, o principal problema da
vida humana era como fazer a natureza se conformar com nossas
pró prias almas, nossas pró prias vontades, nossos pró prios desejos; e o
mé todo era a ciê ncia aplicada, a má quina, o poder, a força — o Anel.
LEWIS : Sim.
LEWIS : Boa pergunta. Eu nã o deixei isso claro ainda, nã o é ? Bem, vamos
tentar este exemplo. Digamos que você está lendo um conto de fadas e
o autor escreve: “Esta é uma caverna má gica, e se você entrar nela, ela
renovará sua juventude”.
TOLKIEN : Aqui, deixe-me citar uma de minhas cartas para tentar explicar
a diferença. Quando eu disse no ensaio sobre contos de fadas que a
magia ruim era a magia do “mago laborioso e cientı́ ico”, eu tinha em
mente o tecnologismo, o que Bacon chamou de “conquista da natureza
pelo homem”. Aqui está como eu coloquei isso em uma de minhas
cartas. E “uma magia de planos ou dispositivos externos (aparelhos)
em vez de desenvolvimento dos poderes ou talentos internos
inerentes. . . arrasando o mundo real, ou coagindo outras vontades. A
Má quina é nossa forma moderna mais ó bvia. . . . Eu nã o tenho usado
'magia' consistentemente, e de fato a rainha é l ica Galadriel é obrigada
a protestar com os Hobbits sobre seu uso confuso da palavra tanto
para os dispositivos e operaçõ es do Inimigo, quanto para os dos Elfos. .
. os elfos estã o lá [nos meus contos] para demonstrar a diferença. Sua
'má gica' é Arte. . . nã o Poder.”
GRAHAM : Você está dizendo que a arte pode salvá -lo?
GRAHAM : Ainda estou um pouco confuso sobre o que você quer dizer.
LEWIS : Deixe-me tentar explicar para você , Billy. Acho que você
concordaria, nã o concordaria, que a essê ncia da religiã o nã o é
conquistar o mundo, ou, certamente, conquistar Deus (o que é
impossı́vel, claro), mas deixar Deus conquistar você , certo?
GRAHAM : Claro.
Esse tipo de magia é o poder que inge fazer o seu pró prio direito. O
outro tipo de magia é o direito que faz seu pró prio poder. Os chineses
chamam de te , o poder espiritual de uma alma humana sá bia e santa
que in luencia livremente outras almas. E uma gravidade espiritual, o
poder do bem para atrair homens bons.
TOLKIEN : Nó s cató licos nã o vemos isso como meramente fı́sico. As
aparê ncias quı́micas e fı́sicas do pã o e do vinho permanecem
inalteradas apó s a consagraçã o na Eucaristia. Nã o é tecnologia.
GRAHAM : Entendo. Seja sua teologia verdadeira ou falsa, pelo menos nã o
é magia pagã , como eu temia.
GUY : Entã o, de quem você está mais pró ximo da Eucaristia? Para Billy
ou para Tolkien?
LEWIS : Veja dessa maneira. Suponha que um cató lico romano seja tã o
supersticioso, pagã o, materialista e “má gico” quanto você suspeita que
ele seja. Ele está cometendo um grave erro sobre a Presença Real. Ele
está pensando que é fı́sico e quı́mico. E digamos que isso é realmente
um erro simpló rio e até estú pido. Mas nã o há també m um erro oposto
e pior? - pensar que, como a Presença nã o é fı́sica, deve ser meramente
espiritual e pensar que isso signi ica que nã o deve ser objetiva, mas
subjetiva e pessoal e dependente de sua fé ; que o que realmente existe
nã o é Cristo, mas apenas um sı́mbolo sagrado de Cristo — que é o que a
maioria dos protestantes acredita.
GUY : Se você
estiver certo, entã o a diferença entre alguns protestantes e
outros, entre protestantes que nã o acreditam na Presença Real (como
eu) e protestantes que acreditam (como luteranos e anglicanos) é
muito maior do que a diferença entre aqueles Protestantes anglicanos
ou luteranos e cató licos romanos.
LEWIS : Sim.
LEWIS : Tudo bem, mas terá que ser bem curto e simples. Nã o sou
historiador pro issional nem teó logo pro issional, mas acho que sei o
su iciente sobre esse perı́odo para tentar distinguir trê s posiçõ es
protestantes diferentes naquela é poca. O que todos eles tê m em
comum é que discordam da posiçã o cató lica, que é a
Transubstanciaçã o, que signi ica que toda a substâ ncia ou essê ncia ou
ser do pã o e do vinho deixa de existir e se torna literal Corpo e Sangue
de Cristo. Restam apenas as aparê ncias do pã o e do vinho, como uma
espé cie de disfarce por trá s do qual Ele se esconde.
TOLKIEN : Euma mudança, nã o nas aparê ncias, mas na substâ ncia, o ser
essencial. A fı́sica e a quı́mica nos falam sobre as aparê ncias. Eles nã o
nos dizem qual é a substâ ncia.
LEWIS : Francamente, Tollers, nunca entendi isso. O que é
“substâ ncia”?
Quando tento pensar nesse conceito, minha mente vem com algo como
uma argila ou plá stico cinza que muda de cor e forma.
LEWIS : Sim, vamos. Há a visã o cató lica romana, e há a minha visã o
anglicana, que é pró xima dela, e entã o havia pelo menos trê s visõ es
protestantes principais na é poca da Reforma: Lutero, Zwinglio e
Calvino.
LEWIS : Nã o entendo muito bem, mas sei que ele chama o Sacramento de
“sinal e selo”, nã o apenas sinal. Ele nã o é um Zwingliano. Ele diz que
realmente recebemos graça por meio dela, e a graça vem de Deus,
entã o Deus está presente ali, objetivamente presente, todas as trê s
Pessoas, Pai, Filho e Espı́rito Santo, selando Seu povo com Seu nome,
realmente fazendo algo e nã o apenas signi icando algo com um
sı́mbolo. Mas nã o é a versã o de Lutero da Presença Real.
TOLKIEN : Eu nunca soube que Calvin disse isso. Achei que ele
simplesmente negava completamente a Presença Real.
CARA : Conheço um pouco o Calvin. Acho que ele quer dizer que Cristo
está realmente presente em nó s quando recebemos a Sagrada
Comunhã o e nos dá uma graça especial, mas Ele está presente, nã o
objetivamente, nos elementos materiais do Sacramento, mas apenas
em nossas almas. E uma presença espiritual.
GUY : Ele nã o usa esses termos, mas acho que éisso que ele quer dizer. A
graça está em nossas almas, mas nã o é de nossas almas.
GRAHAM : Como eu disse, nã o sou teó logo. Suponho que concordaria
mais com Calvin nesta questã o, embora nã o seja calvinista em outros
aspectos. A maioria dos batistas suspeita de Calvino e do calvinismo.
LEWIS : Uma coisa que essa contrové rsia pouco clara nos ensina
claramente é que “presença” nã o é um conceito tã o claro e simples
quanto pensamos.
LEWIS : Bem, vamos ver. Suponha que você diga que é espiritual, mental e
subjetivo. Suponha que eu acredite em sua existê ncia e ame muito
você , e esteja pensando clara, consciente e apaixonadamente em você ,
mas você está em um foguete a meio caminho da lua, nem mesmo na
terra. Você está realmente presente para mim?
GAROTO : Nã o.
LEWIS : Entã o, mesmo que cada um de nó s tenha um corpo e uma alma,
nã o podemos estar presentes um ao outro simplesmente de uma
maneira corporal ou mental (intelectual ou volitiva ou emocional ou
todas as trê s) ou simplesmente de ambas as maneiras ao mesmo
tempo. uma vez.
GUY : Entã o o que é presença?
LEWIS : Tem que ser pessoal, nã o é ? A pessoa, o “eu” que tem esse corpo
e essa alma, tem que estar presente para a outra pessoa.
GRAHAM : O que poderia signi icar “isso simboliza Meu Corpo”. Ele nã o
especi icou como interpretá -lo.
GRAHAM : Onde?
TOLKIEN : Em Joã o 6. Quando Ele disse que tı́nhamos que comer Seu
corpo e beber Seu sangue, e a maioria de seus discı́pulos icaram tã o
escandalizados que O deixaram ali mesmo, Ele nã o os chamou de volta
e os corrigiu e disse: “Nã o seja tã o materialista. Eu nã o quis dizer isso
literalmente. E apenas um sı́mbolo.”
GUY : Entã o você está dizendo que Billy nã o conhece sua Bı́blia?
GRAHAM : Ah, acho que nã o estou negando nada na Bı́blia. Na verdade,
posso dizer honestamente que també m acredito em Sua presença real,
embora nã o exatamente da mesma maneira que você , porque a Bı́blia
ensina isso claramente, mas nã o se limita à Eucaristia. Ele mesmo
disse: “Onde dois ou trê s estiverem reunidos em meu nome, ali estou
no meio deles”. “Aı́ estou eu” – isso certamente signi ica presença, nã o
é ?
GRAHAM : Como?
LEWIS : Bem, vamos ver. Como a Palavra de Deus que foi o instrumento
pelo qual Deus criou o mundo, Cristo está presente em toda a criaçã o,
em cada á tomo. Mas dentro da criaçã o, Ele nã o está tã o presente nas
coisas sem vida como está nas coisas vivas, pois Deus é vida no mais
alto grau. E Ele nã o está tã o presente na vida vegetal quanto na vida
animal, pois os animais tê m sentimentos e amor em um nı́vel inferior,
afeiçã o instintiva e algum tipo de consciê ncia e inteligê ncia, como as
plantas nã o. E Ele nã o está presente em nenhum outro animal como
está no homem, que tem uma alma espiritual que tem razã o,
consciê ncia e livre arbı́trio. E Ele nã o está tã o presente em um homem
mau como está em um homem bom, e nã o está tã o presente em um
incré dulo, que tem apenas vida humana natural, como está em um
crente, que tem vida sobrenatural, vida eterna. E Ele está mais presente
quando dois ou trê s crentes estã o reunidos do que quando há apenas
um – mais presente até mesmo na igreja mais rudimentar do que em
qualquer um de seus indivı́duos. E Ele está ainda mais presente quando
os sacramentos sã o administrados do que quando nã o sã o. Finalmente,
Ele nã o está tã o plenamente presente em nenhum dos outros
sacramentos como na Eucaristia, onde Ele está presente em Seu Corpo
e Sangue.
GRAHAM : Você
acredita que Ele está se escondendo atrá s das aparê ncias,
como um espiã o se esconderia atrá s de uma má scara?
GRAHAM : Mas realmente lá , tã o realmente quanto Ele estava lá nas ruas
empoeiradas de Jerusalé m dois mil anos atrá s.
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Acho que essa é a linha na areia que nã o posso cruzar. Posso ir
até Calvin, mas nã o mais.
LEWIS : Acho que essa érealmente a linha na areia – a linha divisó ria
mais importante, de qualquer maneira. Entã o, agora que de inimos a
diferença essencial, estamos prontos para dar o pró ximo passo, que é
discutir sobre isso, debatê -lo?
GAROTO : Espero que sim. Qual é
o sentido de entender uma crença a
menos que você descubra se ela é verdadeira ou nã o?
GRAHAM : Você está certo, Guy. Verdade — isso tem que ser absoluto.
GUY : E
argumentar e raciocinar é pelo menos uma maneira de
encontrar a verdade, nã o é ? Nã o é esse o objetivo do raciocı́nio, assim
como é o objetivo da de iniçã o?
GRAHAM : Eeu també m, e por isso concordo com o debate, desde que nã o
esqueçamos que o fazemos porque somos cristã os; estamos fazendo
isso por Ele, nã o apenas para ganhar discussõ es ou para satisfazer
nossa curiosidade.
GRAHAM : Eu vim aqui por duas razõ es, Jack: em primeiro lugar, para
conhecê -lo como um companheiro cristã o e agradecer por ajudar
tantas pessoas a encontrar o Caminho, a Verdade e a Vida atravé s de
seus escritos. Mas també m vim ao seu encontro para descobrir no que
você acredita e por que acredita nisso. Eu nã o vim para um debate, mas
acho que é hora de um agora. Mas quero deixar claro antes de
começarmos que só participarei se for uma busca sé ria pela verdade e
nã o apenas um jogo pessoal para vencer.
LEWIS : Isso é exatamente o que é um bom debate: uma busca sé ria pela
verdade.
GRAHAM : Etem que ser um assunto sé rio. E concordamos que a doutrina
da Eucaristia era talvez o ponto de desacordo mais sé rio e apaixonado
entre protestantes como eu e cató licos e anglo-cató licos como você .
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Isso é o que deveria ser para aqueles que nã o tê m a verdade, ou
que nã o tê m certeza disso, sim, claro. Mas e se acreditarmos
irmemente que já conhecemos uma verdade? Como podemos procurar
algo que temos? Você já viu algué m procurando por toda parte por sua
pró pria cabeça?
LEWIS : Ah, acho que você pode encontrar algum iló sofo maluco que faça
isso. Na verdade, uma vez escrevi um prefá cio para um livro de um
iló sofo assim: The Hierarchy of Heaven and Earth , de DE Harding, que
começou com sua busca por sua pró pria cabeça. Mas falando sé rio,
mesmo aqueles que acreditam já conhecer uma certa verdade podem
buscar uma maior apreciaçã o dela ou uma melhor compreensã o dela
ou melhores razõ es para ela. Entã o nó s dois podemos fazer isso, eu
acho.
GRAHAM : Tudo bem. Acho que minha preocupaçã o é que isso possa ser
um debate formal em vez de uma conversa informal entre amigos. Acho
que sua mente é tã o a iada que você ganharia facilmente um debate
formal comigo defendendo qualquer lado de qualquer tó pico.
GRAHAM : Ah, acho que todos nó s fazemos isso, sejam intelectuais ou nã o.
Só queremos superar um ao outro. Mas é claro que duas pessoas nã o
podem se superar ao mesmo tempo.
LEWIS : Bem, agora que nó s dois confessamos nossos pecados, espero
que possamos celebrar o resto de nossa liturgia de discussã o juntos.
[Risadas educadas.] E de initivamente nã o será um debate formal;
Tenho certeza de que vamos querer vagar à vontade onde quer que
nossa discussã o nos leve, como uma jangada em um rio. Mas vamos
começar pelo formato do debate, pelo menos.
GRAHAM : Mas seus motivos pessoais podem ser muito bons, honestos,
honrosos e até mesmo santos.
CARA : Você
está certo, Jack. Deus pode perdoá -lo por isso, mas Ele nã o
apenas acena com a mã o e diz alegremente: “Esqueça isso, nã o há nada
para perdoar”. Acho que Billy está sendo mais gentil com você do que
Deus. Nesse capı́tulo de O Grande Divórcio , você mesmo escreveu sobre
o bispo heré tico no Inferno, que també m há pecados do intelecto.
BILLY : Isso é
verdade, Guy, mas lembre-se que o coraçã o da adoraçã o é o
coraçã o. E acho que o coraçã o desse homem provavelmente está certo,
mesmo que sua mente esteja errada sobre esse assunto. A inal, o
apó stolo Paulo nã o acrescentou correçã o teoló gica à sua lista das trê s
maiores coisas do mundo. Eram fé , esperança e, sobretudo, caridade.
GRAHAM : Olha, cara. Suponha que você fosse a mulher samaritana que
Jesus conheceu e converteu no capı́tulo 4 do Evangelho de Joã o. E
suponha que Ele deixou sua pequena cidade samaritana, e você queria
encontrá -Lo e cair aos Seus pé s e adorá -Lo e segui-Lo aonde quer que
Ele fosse. E suponha que ele esteja realmente na Galilé ia, que ica ao
norte de onde você está , em Samaria, mas você pensa que Ele está
ensinando no Templo de Jerusalé m, ao sul, entã o você faz uma
peregrinaçã o a Jerusalé m. Suponha que você tenha que vender tudo o
que tem para fazer essa jornada, mas o faz por amor, por amor a Ele.
Você vira seu rosto para Jerusalé m em adoraçã o porque pensa que Ele
está lá . Mas mesmo que você esteja errado em sua mente, você está
certo em seu coraçã o. Agora suponha que há outra pessoa, um judeu
que vive na Galilé ia, onde Jesus está agora, e seu coraçã o nã o está em
Jesus. Suponha que esse judeu nem seja um sincero buscador da
verdade; ele simplesmente nã o se importa. Jesus está bem ali em seu
quintal, e ele sabe disso, mas nã o se importa. Qual dos dois é mais
agradá vel a Deus?
GRAHAM : Aqui está um exemplo bı́blico real. O Apó stolo Paulo, em Atos
17, está pregando aos gregos pagã os em Atenas, e ele vê todos os ı́dolos
ali, os falsos deuses, e ele vê um altar dedicado ao “Deus desconhecido”,
assim ele diz, à queles gregos que sã o sinceros o su iciente para admitir
sua ignorâ ncia e que estã o buscando o Deus desconhecido: “O Deus
que você já está adorando como desconhecido [o verbo grego está no
presente progressivo, signi icando algo habitual] agora vou revelar a
você ”. Seus coraçõ es estavam certos, embora suas mentes estivessem
erradas. Isso nã o é su iciente ; boas intençõ es por si só nã o sã o
su icientes; o Apó stolo tem que lhes dizer a verdade sobre Deus; mas é
um bom começo.
LEWIS : Esse “Deus desconhecido” era o Deus de que Só crates falava. Eu
nã o icaria surpreso se o pró prio Só crates cortasse essa inscriçã o. Seu
pai era um pedreiro, você sabe.
GRAHAM : Acho que nã o. Algué m que conhece Kierkegaard melhor do que
eu me disse que ele nã o está negando a verdade objetiva; na verdade,
ele está pressupondo uma verdade objetiva, mas está dizendo que há
algo ainda mais importante do que isso, e ele nã o chama isso de
“verdade subjetiva”, mas de “verdade como subjetividade”. Há uma
grande diferença.
GRAHAM : Emeth nã o éum narniano. Ele nã o conhece Aslan, o verdadeiro
Deus. Ele é um pagã o, um calormano, que adora um falso deus, Tash,
porque nã o conhece nada melhor, e pensa que Tash é o verdadeiro
deus. Quando ele morre, ele conhece Aslan, que o julga, e para sua
grande surpresa Aslan aceita a adoraçã o de Emeth porque é a adoraçã o
verdadeira, mesmo que seu objeto seja o objeto errado, o deus errado.
Ele explica a Emeth que tudo o que é verdadeiro e bom pertence a ele,
Aslan, o verdadeiro Deus. Portanto, havia uma espé cie de verdade na
adoraçã o de Emeth, embora nã o seja uma verdade objetiva. Toda
verdade é a verdade de Deus. Ele a irma isso.
LEWIS : Você
interpretou essa passagem corretamente, Billy. Na verdade,
escolhi esse nome, “Emeth”, porque é a palavra hebraica para verdade.
GRAHAM : Entã o me parece que você está dizendo a mesma coisa que
Kierkegaard está dizendo!
LEWIS : Mais uma vez eu sou “içado em meu pró prio petardo!” Você
ganha essa, Billy. Arrependo-me da minha injustiça para com
Kierkegaard. Eu nã o gosto de lê -lo – parece-me como tentar atravessar
uma tempestade de areia – mas isso nã o é prova de falsidade. Pode ser
areia verdadeira . Talvez eu tenha lido os livros errados sobre
Kierkegaard.
GRAHAM : Bem, eu nã o tenho certeza disso. A inal, nã o sou teó logo ou
iló sofo pro issional.
LEWIS : Provavelmente é
por isso que você não entendeu errado. Eu
con io em você mais do que eu con io neles.
GUY : Bem, quem está certo sobre Kierkegaard, o ponto sobre nosso
argumento aqui é que nó s dois concordamos com você , Billy, que o
coraçã o é mais importante que a cabeça. Mas Jack, eu ainda acho que
você é um herege de cabeça sobre a Igreja e Tradiçã o e especialmente
sobre a Eucaristia, mesmo que você nã o seja um herege de coraçã o.
Entã o, se Deus julga os coraçõ es mais do que as cabeças, nã o acho que
você vai queimar por isso, nem neste mundo nem no pró ximo. Mas
você será corrigido.
LEWIS : Devemos tentar explorar o que Ele quis dizer quando disse: “EU
SOU a verdade”? Como a verdade pode ser uma pessoa?
GRAHAM : Pre iro nã o entrar em uma questã o ilosó ica tã o abstrata, se
você nã o se importa. Todos nó s acreditamos na verdade objetiva, e
todos nó s acreditamos em Cristo, entã o nem a verdade nem Cristo
estã o em questã o aqui em nosso argumento. O que está em questã o é a
Eucaristia, se é verdade que Ele está realmente presente na Eucaristia.
E estou interessado em descobrir de onde você vem, Jack, o que o leva a
essa crença. Você pode me dizer o seu principal motivo?
LEWIS : Nã o vamos entrar em tudo isso. Vamos manter nosso foco,
certo?
Agora, se a Presença Real nã o for verdadeira, entã o por 1.500 anos
Deus permitiu que todo o Seu povo acreditasse e praticasse a idolatria
de adorar pã o e vinho. Como algué m disse, como o Espı́rito Santo pode
adormecer no trabalho por tanto tempo? Todos os cristã os, desde o
inı́cio, caı́ram em algum outro erro tã o sé rio? Esse me parece um
argumento muito pesado.
GUY : Discordo de outra coisa que você disse, Jack. Eu nã o acho que a
Eucaristia foi a única coisa sé ria que a Igreja errou por muito, muito
tempo. Havia muitas outras coisas, como o papa, oraçõ es aos santos,
Maria, relı́quias e Purgató rio. E por isso que teve que haver uma
Reforma.
LEWIS : Nã o, mas prova que precisamos de orientaçã o para interpretá -lo.
Isso nã o é uma prova ló gica, mas é uma prova histó rica.
GUY : O que você quer dizer com uma prova histó rica?
GAROTO : Ah. Mas nã o estamos discutindo sobre como abolir a heresia.
Provavelmente nã o há como fazer isso. Estamos discutindo se
podemos assumir qualquer coisa, exceto as Escrituras, como infalı́veis.
Assim, a ú nica coisa provada pelo fato de que todo herege també m
apela para as Escrituras é que a sola scriptura nã o acabou, como fato
histó rico, com as heresias. Isso nã o prova que a sola scriptura está
errada.
LEWIS : Everdade. Seu argumento é ló gico. (A propó sito, você nunca
respondeu ao meu argumento ló gico de que a sola scriptura é
logicamente autocontraditó ria.) Mas você nã o acha que a histó ria é
uma prova prá tica e prová vel muito persuasiva? A histó ria é como um
laborató rio para testar experimentos. Se cada cristã o por 1500 anos. . .
LEWIS : Assim como eu, Billy, assim como eu. Mas acho que devemos
voltar ao nosso foco na Eucaristia e na Presença Real, em vez de entrar
nessas questõ es mais gerais do ecumenismo, por mais importantes
que sejam.
GRAHAM : Concordo. Entã o você tem outras razõ es para acreditar na
Presença Real, Jack, alé m da Tradiçã o?
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Aposto que você pode adivinhar qual será minha pró xima
pergunta.
LEWIS : O que sã o, claro. Bem, eu tenho uma espé cie de argumento por
analogia. Vejo uma forte analogia entre esta questã o e quatro outras
questõ es que a cercam, ou a fundamentam, ou a justi icam. Mas vai
demorar um pouco para eu explicar isso.
Agora, uma dessas duas visõ es tem que estar nã o apenas errada, mas
desastrosamente errada. Se as alegaçõ es da religiã o – as alegaçõ es
comuns a todas as religiõ es do mundo – estiverem certas, entã o os
ateus estã o tã o errados quanto você pode estar. Eles estã o perdendo
todo o sentido da vida. E se essas a irmaçõ es religiosas estã o erradas,
entã o sã o os crentes religiosos que estã o total e desastrosamente
errados. Eles estã o nos dizendo para guiar toda a nossa vida por uma
estrela que nã o está lá . Eles estã o adorando um mito, uma mentira, uma
alucinaçã o. Freud chega a classi icar todas as religiõ es do mundo como
insanidade, alucinaçã o coletiva.
GRAHAM : Eu sigo seu raciocı́nio, mas nã o vejo o que isso tem a ver com a
Eucaristia.
LEWIS : Estou chegando a isso. Vejamos o pró ximo passo. Vamos passar
do mais geral para o mais especı́ ico. O pró ximo passo é a religiã o
particular que acredita que o pró prio Deus verdadeiro tomou a
iniciativa e se revelou na histó ria a um povo especı́ ico, os judeus; que
eles, e mais ningué m, sã o o “povo eleito” de Deus, escolhido para
conhecer o verdadeiro Deus; e eles sã o ordenados a nã o adorar
nenhum dos milhares de outros deuses de todas as outras religiõ es,
tenham eles nomes pessoais ou nã o.
GRAHAM : Acho que vejo onde você quer chegar com isso. Mas vá em
frente.
LEWIS : O pró ximo passo, o pró ximo passo mais especı́ ico, é a a irmaçã o
de Cristo. Ele sozinho entre todos os grandes fundadores religiosos e
mestres e santos e sá bios e profetas e mı́sticos a irma ser o Filho
unigê nito de Deus, o ú nico Deus encarnado de forma ú nica neste
homem ú nico. Se isso for verdade, todos nó s precisamos nos prostrar
aos Seus pé s e adorá -Lo; e se isso for falso, entã o precisamos cruci icá -
lo como o pior blasfemador e mentiroso do mundo, ou pelo menos
prendê -lo em uma cela acolchoada.
GRAHAM : Sempre achei que era um grande argumento. Nã o apenas por
sua ló gica, mas porque força as pessoas a confrontar suas
reivindicaçõ es honestamente; traz-os face a face com Jesus Cristo. E
agradeço-lhe por tirar o pó e expressá -lo de forma tã o clara e
convincente para o homem moderno.
GRAHAM : E
você vê essa “impressã o digital divina” em qualquer uma das
outras doutrinas do cristianismo, ou apenas na Eucaristia?
GRAHAM : Bem, há a contrové rsia, certo? Há o elo questioná vel na cadeia,
o elo humano. Todos os cristã os concordam com o que a Bı́blia diz que
Cristo disse e fez, mas nem todos os cristã os concordam com o que a
Igreja disse e fez ao longo da histó ria, incluindo ela alegando que seus
bispos tinham autoridade por “sucessã o apostó lica” e ela fazendo as
coisas que ela a irma fazer nos sacramentos como perdoar pecados
com autoridade divina.
LEWIS : De fato. Esse é exatamente o meu ponto. Você nã o pode suavizar
o ou/ou.
LEWIS : Como?
GRAHAM : Pelo que eu disse antes sobre o coraçã o ser mais importante
que a cabeça e que concordamos no amor de nossos coraçõ es pelo
mesmo Senhor, embora discordemos sobre Seu endereço.
LEWIS : Sim.
GRAHAM : Mas talvez seu argumento esteja errado. Nã o faz parte do
dogma, nã o é ? Sua igreja ainda nã o adicionou as obras de Lewis ao
câ non da Bı́blia, nã o é ?
GRAHAM : Quem sabe? Com Deus tudo é possivel. Talvez antes que o
sé culo termine, Roma e Constantinopla levantem suas excomunhõ es
mú tuas de 1054. E talvez até Lutero e o Concı́lio de Trento, que se
excomungaram quinhentos anos depois, se reconciliem. Se a justiça
dura e a paz suave podem se beijar quando a verdade divina surge da
terra e a misericó rdia humana olha para baixo do cé u, tudo pode
acontecer. 1
Até este ponto, a maior parte da discussão foi entre Lewis e Graham, com
Tolkien silenciosamente concordando com a maior parte do que Lewis
disse. Agora a conversa toma um rumo diferente quando Tolkien começa
a falar.
GRAHAM : Tollers, ainda nã o ouvimos muito de você s. Você concorda com
a maior parte do que Jack disse, nã o é ?
GRAHAM : Quã o importante você acha que essas divergê ncias sã o?
TOLKIEN : Eu nã o posso estimar quã o importantes eles sã o, mas posso te
dizer onde eles estã o. Eu acho que eles se concentram na identidade da
Igreja e onde a autoridade de Cristo deve ser encontrada. Tudo
depende de como você interpreta Henrique VIII e sua ruptura com
Roma e com a sucessã o apostó lica. A Igreja Cató lica diz que as
ordenaçõ es anglicanas de bispos e padres sã o invá lidas por causa
disso.
TOLKIEN : Nã o é
uma teoria , é um fato histó rico. Cristo disse a Seus
apó stolos que ensinassem com Sua autoridade. Ele lhes disse: “Quem
vos ouve, a mim me ouve”. E eles ordenaram outros para sucedê -los, e
estes foram chamados bispos. Está tudo no Novo Testamento, bem
como nas histó rias seculares. Isso é fato, nã o teoria. E esses bispos
ordenaram outros bispos e sacerdotes, alegando transmitir a
autoridade de Cristo e dos Apó stolos por aquela cadeia de sucessã o,
pelo sacramento da ordenaçã o. Esse é outro fato histó rico. E assim que
a autoridade de Cristo é transmitida atravé s da histó ria para nó s hoje,
assim como a relaçã o sexual é como a continuidade bioló gica da raça
humana é transmitida atravé s da histó ria. Isso é o que é a Sagrada
Tradiçã o. Dependemos de nossos pais na fé para nossa verdade sobre
Cristo, para nossa verdade sobrenatural, tanto quanto dependemos de
nossos pais na carne para nossa vida natural.
TOLKIEN : Sim, mas també m teve que ser transmitido atravé s da histó ria.
A Bı́blia é a parte escrita da Sagrada Tradiçã o. Mas a Bı́blia nã o é nosso
vı́nculo imediato com Cristo; a Igreja é . A Igreja é també m o elo entre
Cristo e a Bı́blia. Jesus nã o escreveu a Bı́blia e nã o ordenou que Seus
apó stolos ensinassem a Bı́blia. Ele ordenou-lhes que ensinassem tudo
o que Ele disse e fez. Ele nã o lhes deu uma Bı́blia; Ele lhes deu uma
Igreja. E entã o, anos depois, a Igreja escreveu a Bı́blia, o Novo
Testamento.
GRAHAM : Esses sã o fatos histó ricos, sim, mas nã o provam que a Igreja
seja tã o infalı́vel quanto a Bı́blia.
TOLKIEN : Sim, eles fazem. Porque nã o pode haver mais no efeito do que
na causa, entã o se você nega a infalibilidade na Igreja, você tem que
negar a infalibilidade na Bı́blia. Como tantas igrejas protestantes estã o
fazendo, tornando-se modernistas ou liberais. O que é exatamente o
que você esperaria, porque você nega o elo do meio da corrente.
TOLKIEN : Cristo éo primeiro elo. A Bı́blia, você diz, é o seu elo com Ele.
Mas a Igreja é o elo de ligaçã o entre Cristo e a Bı́blia. Depois de desfazer
o segundo elo da corrente, você també m desfaz o terceiro elo.
TOLKIEN : Entã o olhe para a corrente na outra direçã o, de nó s para cima.
Se aceitarmos o que você diz, devemos aceitar a Bı́blia. Multar. Mas se
aceitarmos o que a Bı́blia diz, devemos aceitar a Igreja, porque esse é o
elo entre Cristo e a Bı́blia e també m porque a Bı́blia nos diz que Cristo
nos deu a Igreja.
LEWIS : A propó sito, Ele nã o disse: “Seja um cató lico romano ”. Nó s,
anglicanos, acreditamos que ainda compartilhamos o que o Credo
chama de Igreja una, santa, cató lica e apostó lica e sua Tradiçã o e sua
autoridade.
TOLKIEN : Mas a Igreja da qual vocêdiz que ainda faz parte, a Igreja
Cató lica, diz que não , porque Henrique VIII quebrou a sucessã o
apostó lica quando rompeu sua uniã o com Roma e iniciou uma igreja
separatista. Você a chama de “a Igreja da Inglaterra”, mas nó s a
chamamos de “a Igreja de Henry” ou à s vezes “a Igreja dos Hormô nios
de Henry”.
LEWIS : Vamos voltar ao que deverı́amos estar falando agora, Tollers: sua
fé , nã o a minha.
LEWIS : Mas acreditamos que você está errado sobre isso porque nã o
acreditamos que sua Igreja seja infalı́vel. Acreditamos que temos a
Presença Real em nossos sacramentos tanto quanto você .
TOLKIEN : Mas acreditar que você tem isso nã o dá a você . Só Cristo pode
dar a você . E Ele a prometeu somente aos Seus Apó stolos, que a
prometeram somente aos seus sucessores, atravé s dos sé culos. Você
quebrou essa corrente.
LEWIS : Entã o meu problema com sua Igreja nã o é a teologia da Presença
Real – eu poderia até a irmar a Transubstanciaçã o, se eu pudesse
entendê -la e se ela nã o tivesse as reivindicaçõ es de um papado infalı́vel
por trá s dela – mas a questã o é se nó s anglicanos realmente tenha essa
Presença Real, mesmo que nossos bispos e padres tenham quebrado a
sucessã o apostó lica.
TOLKIEN : Claro.
TOLKIEN : E
autoritá rio, mesmo que nã o seja rotulado como infalı́vel
como os dogmas.
LEWIS : E entã o quando sua Igreja aplica esse dogma da sucessã o
apostó lica para nó s anglicanos e diz nã o, você nã o tem, e també m para
as igrejas ortodoxas orientais, que també m sã o cismá ticas, e diz que
sim, você tem, que é autoritá rio, mas nã o infalı́vel. As aplicaçõ es do
dogma imutá vel a coisas que mudam historicamente nã o sã o dogmas e
nã o sã o infalı́veis. Nã o estou a par da minha eclesiologia romana,
direito canô nico e coisas assim, mas acho que está certo, nã o é ?
TOLKIEN : Para ser perfeitamente honesto com você , eu també m nã o. Nã o
sei. Mas mesmo que nã o seja infalı́vel, é claramente autoritá rio. A
autoridade da Igreja nã o se limita à infalibilidade ou ao dogma.
LEWIS : A fala de Chesterton sobre Deus nã o obedecer Seu pró prio
primeiro mandamento, “Nã o fará s nenhuma imagem esculpida”. Ele diz
que Deus “violou Sua pró pria lei e fez uma imagem esculpida de Si
mesmo” quando Ele fez a humanidade à Sua imagem. Você nã o está
sendo mais como os fariseus do que como Cristo se você nã o der a Ele
esse espaço de manobra?
TOLKIEN : Claro que nã o podemos colocar Deus em uma caixa. Mas Ele
instituiu caixas especiais, sacramentos, que tê m uma identidade que
os diferencia. Isso é o que “sagrado” signi ica . Sacramentos nã o sã o
sacramentos a menos que sejam sacra , sagrados, e haja linhas claras
de inindo o sagrado. O espaço fora de uma igreja nã o pode ser sagrado
da mesma forma que o espaço dentro da igreja. E o tempo antes e
depois de uma Missa nã o pode ser sagrado da mesma forma que o
tempo nela, o tempo sagrado.
LEWIS : Concordo plenamente. No entanto, isso nã o signi ica que Deus
nã o pode ou nã o trabalhar “fora da caixa” e dar o poder de consagrar o
Sacramento aos padres anglicanos, mesmo que estejamos errados e
você esteja certo sobre sermos cismá ticos e quebrarmos a sucessã o
apostó lica. Sua conclusã o nã o necessariamente segue de suas
premissas.
TOLKIEN : Bem, se você estiver certo, entã o nã o há razã o para pensar que
Deus nã o traria a Presença Real nã o apenas para cismá ticos como os
anglicanos, mas até mesmo hereges como os protestantes que nem
mesmo acreditam nela. Ele poderia fazer isso, certo?
LEWIS : Ele poderia fazer qualquer coisa que nã o envolvesse uma auto-
contradiçã o. Mas temos boas razõ es para pensar que Ele nã o daria a
Presença Real para aqueles que nã o acreditam nela e nã o estã o abertos
a ela, como nó s anglicanos estamos.
Veja, Tollers, aqui está minha conclusã o: se a bula papal que declarou
as ordens anglicanas invá lidas nã o é infalı́vel, entã o pode estar errada.
TOLKIEN : Eaqui está minha conclusã o: Mesmo que eu nã o tenha certeza
de que você nã o tenha ordens vá lidas e a Presença Real, você nã o pode
ter certeza de que tem! E possı́vel, mas você precisa mais do que
possibilidade, você precisa de certeza. Esta nã o é apenas uma questã o
de teoria e teologia; é de prá tica e religiã o. Nã o é só pensar, é comer.
Você precisa saber que é comida de verdade que você está comendo.
Você precisa saber que esse é o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo
que você adora e recebe. Sua fé nã o pode estar em uma possibilidade!
LEWIS : Tollers, quero chamar sua atençã o para algo que você ignorou.
TOLKIEN : O que é isso?
TOLKIEN : O que, você acha que há alguma mosca invisı́vel na parede?
LEWIS : Quem sabe? Ele pode ser algum autor do sé culo XXI que levou
uma má quina do tempo ao passado e que está escrevendo tudo isso
para enviar a uma editora para imprimir e vender muito depois de
morrermos. Algum traidor, alguma prostituta intelectual que vende sua
mente por torpe ganâ ncia. Ele é provavelmente um americano.
TOLKIEN : Na Bı́blia.
LEWIS : Sim.
LEWIS : Mesmo que você esteja certo sobre isso – o que estou
convencido de que você nã o está – eu sei que tenho Sua vida em mim.
Conheço as duas coisas mais importantes do mundo: sei quem sou e
sei quem Ele é . Eu sou Seu salvo, e Ele é meu Salvador.
LEWIS : Mais uma vez, aceito o ró tulo. Mas també m aceito o ró tulo de
cató lico. E não aceito as divisõ es entre nó s e as excomunhõ es mú tuas
entre nó s que obscureceram nossa histó ria e que agora estã o
obscurecendo nossa conversa.
TOLKIEN : Nem eu. Mas há apenas uma maneira de acabar com eles.
LEWIS : Você refutou minha analogia com o chiqueiro, mas nã o meu
argumento.
GUY : Você s dois estã o realmente entrando nisso agora, estilo Oxford!
Isto é divertido.
TOLKIEN : Exatamente.
GRAHAM : Obrigado por nos colocar de volta aos trilhos, Jack. Deixe-me
sugerir uma possı́vel reconciliaçã o. Tollers, mesmo que você esteja
certo sobre sua teologia dos sacramentos e sobre a sucessã o apostó lica
e sobre os anglicanos nã o a terem, você nã o acha que Deus daria a um
cristã o anglicano santo e cheio de fé como Jack aqui tanta graça quando
ele participou de seus sacramentos como Ele daria a um cató lico
romano?
TOLKIEN : Porque isso seria dizer que nã o faz uma diferença real se você
tem a autoridade de Cristo ou nã o. Isso seria como Cristo nos
ordenando a fazer do Seu jeito, e quando nó s izemos do nosso jeito,
Ele nos recompensou de qualquer maneira, exatamente como se a
diferença entre o Seu jeito e o nosso realmente nã o izesse diferença
alguma.
GRAHAM : Bem, entã o, acho que voltamos à minha di iculdade sobre sua
visã o de que os sacramentos sã o má gicos. Nã o encontro esse tipo de
magia ex opere operato nos Evangelhos.
TOLKIEN : Sim.
GRAHAM : Onde?
TOLKIEN : Acho que sim. O pró prio Cristo disse que sentiu o poder sair de
Si mesmo quando ela o tocou. Sã o Pedro nã o tem esse poder. Ningué m
pode fazer milagres a nã o ser Deus.
GRAHAM : Deus está limitado por apenas um mé todo para operar
milagres?
TOLKIEN : Eu concedo isso a você . Mas sabemos que Cristo faz uma
diferença real.
GRAHAM : De fato, sim. Mas nã o sabemos como Ele administra essa
diferença, esse poder, essa graça. Mesmo se você estiver certo sobre os
sacramentos, sobre eles serem canais reais de graça real, você nã o sabe
que nã o existem outros canais ou quanta graça Ele dá atravé s desses
outros canais, especialmente atravé s da fé pura, fé simples, fé sozinho.
TOLKIEN : E
verdade que eu nã o sei disso. Mas també m é verdade que sei
que Ele instituiu os sacramentos para dar graça. Nã o temos nenhum
dogma sobre a inexistê ncia da graça fora dos sacramentos, mas temos
um dogma sobre sua existê ncia nos sacramentos.
GRAHAM : Claro.
GRAHAM : Certo. A Bı́blia nos diz que: “Sem derramamento de sangue, nã o
há remissã o de pecados.”
GRAHAM [apó s uma hesitaçã o]: Sim. . . Eu penso que sim. Nossa fé tem
um objeto, e esse objeto é Cristo, nã o ela mesma.
GRAHAM : Claro que nã o; somente Cristo pode nos salvar. Eu ainda digo
que somente a fé é tudo o que precisamos subjetivamente. També m
precisamos de Cristo objetivamente. Cristo é nosso alimento, e a fé
abre nossa boca.
TOLKIEN : E
nó s, cató licos, queremos dizer isso literalmente, pois
acreditamos que Cristo quis dizer tanto “Este é o meu corpo” quanto
“pegue e coma isso” literalmente.
TOLKIEN : Veja o contexto. Você conhece sua Bı́blia, Billy. Você tem que
ser um bom crı́tico literá rio quando lê a Bı́blia, porque embora seja um
livro divino, també m é um livro humano — tem uma natureza humana
e també m uma natureza divina, como Cristo. E você sabe que um dos
princı́pios bá sicos da crı́tica literá ria é interpretar cada frase em seu
contexto. Entã o, vamos olhar para o contexto das palavras de Cristo
quando Ele instituiu a Eucaristia na Ultima Ceia. Ele nã o está no
deserto agora; Ele está à mesa celebrando a Pá scoa e dando aos Doze
pã o literal e vinho literal, à mesa, e Ele está fazendo isso, nã o
casualmente, mas seriamente, cerimonialmente. Ele está instituindo
uma nova Pá scoa. Ele chama isso de “nova aliança”, e você sabe quã o
sé ria e central a aliança é para os judeus. E o cordã o umbilical deles
para Deus. E Ele está instituindo esta coisa nova para todos os tempos,
pouco antes de morrer, como Sua maneira de estar presente com eles
para sempre. Entã o agora, neste contexto, observe com que cuidado
Ele escolhe Suas palavras. Ele nã o diz: “Pegue e coma isso, mas nã o
quero dizer isso literalmente. Este pã o é apenas um sı́mbolo do Meu
Corpo, e você comê -lo é apenas um sı́mbolo de sua fé ”. Essa é uma
interpretaçã o literá ria muito tensa. E como interpretar as palavras do
capitã o de um navio para seus marinheiros quando seu navio está
afundando e ele diz “agarre este colete salva-vidas com as mã os”, no
sentido de “Nã o me leve ao pé da letra; o que quero dizer com suas
mã os é sua fé , e o que quero dizer com salva-vidas é meu amor.”
TOLKIEN : Mas você nã o acha que Nosso Senhor, com Sua inteligê ncia
divina, teria previsto que todos os Seus seguidores, todos os cristã os
do mundo, estariam cometendo esse erro muito sé rio por 1.500 anos, e
Ele nã o teria advertido eles contra isso? Ele ignorava o fato de que
estava instituindo um sacramento que todos os Seus seguidores
idolatrariam e que Sua santa Igreja cató lica e apostó lica ensinaria
o icialmente essa idolatria?
GRAHAM : Nã o sei a resposta a essas perguntas com certeza. Mas você
també m nã o.
GRAHAM : Ainda nã o concordo com sua teologia, mas concordo que soa
mais razoá vel do que eu pensava antes.
GRAHAM : E
sua Igreja nã o de iniu a lista de initiva – esses sete, nem
mais, nem menos – até sé culos depois.
TOLKIEN : Isso é
verdade. Mas a Igreja també m nã o de iniu
de initivamente o câ non, a lista dos livros que sã o revelaçã o divina, os
vinte e sete livros do Novo Testamento, até alguns sé culos depois
també m. De que outra forma você sabe que esses quatro Evangelhos
sã o verdadeiros e os outros falsos, como o Evangelho de Tomé ou o
Evangelho de Judas? Somente pela Igreja, nã o pela Bı́blia. A Bı́blia nã o
inclui um ı́ndice.
GRAHAM : Por uso universal. Esses vinte e sete livros sempre foram
tratados como revelaçã o divina.
TOLKIEN : Sim, usado pela Igreja, tratado como revelaçã o pela Igreja.
TOLKIEN : Isso depende do que você quer dizer com “da mesma forma”.
Em certo sentido, nã o, porque somente a Eucaristia é o pró prio Cristo,
Seu pró prio Corpo e Sangue, e, portanto, algo a ser corretamente
adorado e adorado. Mas todos eles dã o graça. De fato, o Batismo dá a
primeira graça, a graça salvadora, a vida eterna; mas nã o adoramos a
á gua no Batismo porque é apenas á gua, nã o Cristo, embora seja usada
por Cristo.
E por isso que Ele foi batizado no Jordã o mesmo nã o tendo pecados
para lavar: a á gua nã o O puri icou; Ele puri icou a á gua e deu-lhe o
poder de ser Seu instrumento para nos puri icar no Batismo.
GRAHAM : E
que quando o Novo Testamento fala sobre fé , nã o signi ica
apenas crença intelectual, porque “os demô nios també m crê em, mas
tremem de medo”.
TOLKIEN : Certo.
GRAHAM : O que ele quer dizer é que as boas obras sã o a expressã o da fé
salvadora. O amor e as obras de amor sã o o fruto natural e necessá rio
da fé , como os igos sã o o fruto da igueira. A prova visı́vel da realidade
invisı́vel.
TOLKIEN : Sã o duas partes da mesma coisa, pois os igos e as raı́zes sã o
duas partes da mesma igueira.
TOLKIEN : Verdade. Mas discordamos sobre como Ele faz isso, sobre
como o Salvador salva, sobre se Ele faz isso por meio de sacramentos
objetivos ou nã o. Concordamos que Ele nos salva pela fé , mas nã o
concordamos que Ele nos salva pela “fé somente”.
TOLKIEN : Oh, eu acho que sim, pelo menos para o Batismo – todos exceto
os Batistas, que nã o aceitam o Batismo infantil.
TOLKIEN : Oh, eu sei que vocênã o gosta da fó rmula. Mas uma rosa com
qualquer outro nome nã o apenas cheiraria tã o doce, mas ainda seria
uma rosa. Mas talvez eu esteja errado sobre isso. Você deve me dizer no
que acredita; Eu nã o posso te dizer. Entã o, por favor, me diga se estou
errado aqui. Acho que a maioria de você s, protestantes, acredita que
obtemos graça nos dois sacramentos em que você s acreditam, a saber,
o Batismo e a Ceia do Senhor, você nã o acredita, mesmo que você nã o
acredite que isso vem atravé s da questã o objetiva do sacramento, mas
somente por meio de sua fé subjetiva e pessoal — nã o é mesmo?
GRAHAM : Sim.
TOLKIEN : E
se você batiza crianças, entã o essa graça tem que funcionar
ex opere operato , ou objetivamente, porque uma criança ainda nã o
pode ter nenhuma fé pessoal e subjetiva.
GRAHAM : Eles acreditam que énossa fé que é o poder, por assim dizer, o
poder de abrir nossos coraçõ es e aceitar a graça de Deus. Nã o é o
sacramento material em si.
TOLKIEN : Mas a fé de quem? Uma criança ainda nã o pode ter fé .
GRAHAM : A fé dos pais.
GRAHAM : Sim.
TOLKIEN : Entã o é a fé da Igreja. Mas por que nã o sã o os sacramentos da
Igreja?
GRAHAM : Sim. E
somente a fé que te salva, mas a fé nã o permanece
sozinha; motiva boas obras.
TOLKIEN : Mas as boas obras nã o salvam você . E o Batismo é uma boa
obra. Entã o o Batismo nã o te salva.
GRAHAM : Dizemos que signi ica que o Batismo salva você apenas como
uma expressã o de fé ; assim como seu testemunho, suas palavras, sua
pro issã o de fé pú blica o salva, nã o por algum tipo de má gica nas
palavras, mas apenas porque essas palavras expressam sua fé .
TOLKIEN : A fé
é uma questã o de livre escolha individual, nã o é ? Eu nã o
posso ser salvo pela sua fé , apenas pela minha pró pria fé , certo?
GRAHAM : Certo.
TOLKIEN : Vamos juntar essas coisas. Ponto Um: A Bı́blia diz que o
Batismo salva você . Ponto Dois: Você diz que a salvaçã o é somente pela
fé . Ponto Trê s: Uma criança ainda nã o pode ter fé . Ponto Quatro: Nã o
podemos ter a fé de outra pessoa. Todos esses quatro pontos nã o
podem ser verdadeiros. Há uma inconsistê ncia ló gica em algum lugar. E
acho que você evita isso negando o ú nico ponto que a Bı́blia ensina
explicitamente, palavra por palavra, que o batismo salva você . Pedro diz
isso. Eu evito isso negando a ú nica coisa que a Bı́blia també m contradiz
explicitamente, novamente palavra por palavra, a saber, que somos
salvos, ou justi icados, somente pela fé . Tiago diz isso. Entã o, qual de
nó s está acrescentando à Bı́blia, e qual está indo de acordo com o que a
Bı́blia diz?
TOLKIEN : Entã o é
como uma profecia. Eles estã o profetizando uma fé
futura em seu ilho.
GRAHAM : Em dois lugares, eu acho: é uma certa fé que eles tê m no Cristo
que ordenou o Batismo, e é uma fé incerta e uma esperança incerta de
que seu ilho professará sua pró pria fé pessoal quando for mais velho.
TOLKIEN : Entã o o futuro esperado de alguma forma determina o
presente? A causalidade funciona ao contrá rio?
TOLKIEN : Você diz que “sabe” disso. Quer dizer que você acredita nisso,
nã o é ?
TOLKIEN : Isso é
verdade para a Fé , a fé cristã , a revelaçã o divina. Mas nã o
é necessariamente verdade para a sua fé .
GRAHAM : E verdade.
TOLKIEN : Entã o você acredita que somente a fé salva você , nã o o
Batismo.
GRAHAM : Sim.
TOLKIEN : Nã o, é
literal e explı́cito, em tantas palavras, e tã o claro quanto
possı́vel nessa passagem de 1 Pedro. Diz que “o batismo te salva”.
GRAHAM : Nã o, claro que é . Eu quis dizer que a coisa essencial a fazermos
nã o é entendê -lo, mas fazê -lo, obedecer à ordem de Cristo de batizar.
Como na Eucaristia, onde Ele nã o disse: “Tome e entenda isso”, mas
“Tome e coma isso”, assim com o Batismo Ele nã o disse: “Entenda isso”,
mas “Faça isso”. Um iló sofo como Só crates teria dito: “Entenda isso”,
ou “Prove isso”, mas Jesus nã o era um iló sofo.
TOLKIEN : Mas esse é exatamente o meu ponto: já que Ele nã o era um
iló sofo, Ele nã o disse “Esta é Minha Mente”, Ele disse “Este é Meu
Corpo”. E Ele disse que se você comer do Seu Corpo você obterá a vida
eterna!
GRAHAM : Eu sei que Ele disse isso, mas acredito que Ele quis dizer Seu
Corpo que morreria na Cruz e ressuscitaria. E nó s “comemos” pela fé . E
mesmo quando literalmente comemos o pã o na Ceia do Senhor, esse é
um sı́mbolo, que entendemos pela fé , de Seu Corpo que morreu na Cruz
por nossos pecados. Esse é o Corpo que nos salva, nã o a Eucaristia, que
é apenas um sı́mbolo disso.
TOLKIEN : Mas quando Ele disse essas palavras (“Isto é Meu Corpo”), Ele
nã o estava falando sobre a Cruz, que era futura e que aconteceria no dia
seguinte, Ele estava falando sobre a Eucaristia, que estava presente. De
fato, Ele estava criando a Eucaristia, ou inventando a Eucaristia,
naquele exato momento! Você tem que interpretar uma passagem em
seu contexto, lembre-se. Ele pegou o pã o e disse, essencialmente: “ Este
é o meu corpo. Será entregue por você amanhã na Cruz. Mas está aqui,
presente, nã o futuro, e apresentado a você como um presente, um
presente, neste momento presente. Você deve comê -lo. Nã o amanhã ,
mas agora.” Observe a unidade dos trê s signi icados de “presente” –
presente no tempo, presente no espaço e apresentado como um
presente, um presente. E Ele tomou vinho e disse: “ Isto é Meu Sangue.
Você deve beber.” Ele nã o apontou para Suas veias quando disse: “Isto é
Meu Sangue”. Eles já sabiam disso. O que era novo era que esta coisa,
esta coisa fora de Suas veias, esta coisa que parece vinho, agora é Seu
Sangue. Ele nã o disse: “Quando eu morrer na cruz, isso será o que você
terá que comer e beber, por sua fé nisso. E isso que quero dizer com
comer e beber: nã o o que você está prestes a fazer agora, com suas
bocas, mas o que você fará entã o, com sua mente e coraçã o, com sua
alma. E apenas uma metá fora — uma nova e estranha, que nenhum
judeu jamais usou — para acreditar. Estou inventando uma nova
metá fora para a fé ”. Essa é uma interpretaçã o muito tensa. E nã o é
estranho que essa sua interpretaçã o altamente simbó lica esteja
presente, nã o entre nó s cató licos, que sempre interpretamos a
Escritura em mú ltiplos nı́veis, tanto literais quanto simbó licos, mas
entre você s protestantes, especialmente aqueles que tendem a uma
teoria fundamentalista e literalista de interpretar as Escrituras. Você
tenta interpretar tudo na Escritura literalmente - exceto quando fala da
Eucaristia!
TOLKIEN : Ainda soa muito como magia pagã e materialismo para você .
GRAHAM : Sim.
TOLKIEN : Interpretar “coma Meu Corpo e beba Meu Sangue” literalmente
é uma teologia apropriada para canibais.
GRAHAM : Sim.
TOLKIEN : E
sua teologia de “somente fé ” soa muito como uma teologia
para anjos.
TOLKIEN : Sim. E
mais espiritual. Esse é todo o problema. E o antigo
gnosticismo, que foi o pai de quase todas as heresias da histó ria.
GRAHAM : Mas mesmo isso requer alguma fé : fé de que o hambú rguer é
comestı́vel, carne de verdade.
TOLKIEN : Você está certo. Você també m precisa de fé . Você precisa dessa
fé para motivá -lo a comê -lo. Mas você també m precisa realmente
comê -lo. O Novo Testamento sempre coloca essas duas coisas juntas,
maté ria e espı́rito. Sempre conecta fé e batismo, por exemplo, no
versı́culo de Joã o 3, onde Jesus diz a Nicodemos: “A menos que você
nasça de novo da água e do Espı́rito, você nã o pode entrar no reino dos
cé us”. Você precisa de ambos, porque somos ambos, e Deus projetou
nossa religiã o para ambos, para corpos e almas, nã o para meros
corpos, como animais, ou meros espı́ritos, como anjos. Assim como a
recepçã o meramente material dos sacramentos sem fé nã o é su iciente
(eles nã o sã o má gicos), també m a crença meramente espiritual
també m nã o é su iciente.
GRAHAM : Eu pensei que você e Jack admitiram que a fé por si só era
su iciente para salvá -lo – o Bom Ladrã o, por exemplo, foi salvo sem
tempo para sacramentos ou boas obras.
TOLKIEN : Porque como nó s dois admitimos, Deus pode trabalhar fora de
Seus sacramentos se Ele quiser. Ele pode fornecer portas traseiras para
o cé u, embora tenha estabelecido a Igreja e seus sacramentos como a
porta da frente. També m porque você recebeu o primeiro e mais
necessá rio sacramento, o Batismo. E os Batismos Protestantes sã o
vá lidos, a menos que sejam deliberadamente destinados a NAO serem
Batismos Cató licos.
GRAHAM : Mas nunca recebi nenhum outro sacramento vá lido, segundo
sua teologia. E de acordo com sua Igreja, mesmo meu Batismo pode ser
invá lido se o pregador deliberadamente o pretender contrá rio ao que a
Igreja ensina. E por isso que ela rebatiza os conversos
condicionalmente, com a fó rmula “Se você nã o foi batizado, eu o batizo
. . .” Nã o é verdade?
TOLKIEN : Sim. . .
TOLKIEN : Nã o.
GRAHAM : Mas se você tivesse que apostar nisso, você apostaria na minha
salvaçã o, eu espero.
GRAHAM : Eles també m podem chegar ao cé u, nã o pela porta da frente
cató lica, mas pela porta dos fundos protestante. (A porta da frente
sendo a fé e o Batismo, e a porta dos fundos sendo somente a fé .)
GRAHAM : Entã o deve haver uma grande multidã o entrando na casa dele
pela porta dos fundos.
TOLKIEN : Ele é .
GRAHAM : Entã o você deve ser cató lico porque quer algo além Dele.
TOLKIEN : Nã o, sou cató lico porque quero tudo Dele, mais Dele, incluindo
todas as coisas que Ele nos deu, que incluem uma Igreja e sacramentos.
Eles nã o sã o acré scimos a Ele; eles SAO Ele. A Igreja é Seu Corpo. E assim
é a Hó stia no Sacramento.
TOLKIEN : Sim. Para nó s, é substâ ncia; para você , é apenas um sı́mbolo.
TOLKIEN : Nã o, é
historicamente mais correto dizer que nã o estendemos
a infalibilidade; você encolheu para sola scriptura . Nó s viemos
primeiro. Nó s nã o nos separamos de você ; você se separou de nó s.
GRAHAM : Nó s tentamos reformá -lo, mas você nã o quis ouvir.
TOLKIEN : Isso nã o foi apenas uma Reforma, foi uma revoluçã o. A Igreja
precisava de uma reforma, e ela conseguiu, no Concı́lio de Trento, mas
nã o precisava de uma revoluçã o. Uma reforma permanece dentro; uma
revoluçã o é uma rebeliã o, uma guerra.
GRAHAM : Eu sei que essa é
a questã o histó rica chave entre nó s. Mas
ainda acho que estamos mais unidos do que divididos mesmo aqui;
que estamos essencialmente “na mesma pá gina”, como dizemos nó s
americanos; e eu aceito você como um irmã o em Cristo.
GRAHAM : Nã o.
TOLKIEN : Mas isso nã o resolveu nossas divisõ es. Você acha que eles
podem ser resolvidos?
GRAHAM : Eu certamente espero que sim. Nosso Senhor quer. Ele orou
apaixonadamente por isso em Joã o 17. E Paulo está constantemente
clamando por unidade, por crença correta, por ortodoxia.
GRAHAM : Ea ú nica maneira que vejo é que você s, cató licos, aceitem
nossas exigê ncias de reforma bı́blica.
TOLKIEN : Talvez haja uma terceira via. Talvez, como nossos irmã os
ortodoxos orientais adoram dizer, a ortopraxia pode ensinar a
ortodoxia – a prá tica correta pode ensinar a crença correta. Se todos
nos torná ssemos santos, acho que icarı́amos surpresos com a forma
como nossas mentes se uniram quando nossos coraçõ es se uniram.
GRAHAM : Anseio por aquele dia em que possamos icar juntos e ajoelhar
juntos e adorar juntos e servir ao nosso Senhor e Salvador comum
juntos. Talvez o caminho da ortopraxia seja o ú nico; talvez apenas se o
izermos juntos, isso nos ajudará a entendê -lo juntos.
TOLKIEN : Nem eu. Mas pelo menos você entende nossos motivos.
GRAHAM : Sim.
TOLKIEN : Você
está otimista, Billy? Você acha que é possı́vel se unir sem
compromisso e sem que um dos dois lados simplesmente diga que está
errado? A verdade é um absoluto, a inal, tanto quanto o amor.
GRAHAM : Nã o podemos ver como isso é possı́vel, podemos? Mas isso nã o
signi ica que Deus nã o possa ver isso. E isso nã o signi ica que Deus nã o
possa fazer isso. "Com Deus tudo é possivel."
GRAHAM : Bem, a Bı́blia me diz que quando Cristo vier novamente, Ele se
casará com Sua Igreja. E Cristo nã o é um bı́gamo. Ele nã o se casa com
um haré m, mas apenas com uma ú nica Noiva.
TOLKIEN : Obrigado por ser tã o sincero, Billy. Eu gostaria de ser tã o
otimista quanto você .
GRAHAM : Nã o é
otimismo; é esperança. O otimismo depende de nó s;
esperança repousa em Deus.
GRAHAM : Isso é
verdade para qualquer um de nó s quatro? Algum de nó s
comprometeu um pouquinho o que acredita ser a verdade hoje neste
pequeno diá logo ecumê nico?
TOLKIEN : Absolutamente nã o!
GRAHAM : E
nã o izemos nenhum progresso no sentido de nos
entendermos? Nem um pouquinho de progresso?
TOLKIEN : Sim.
LEWIS : Você está aprendendo a usar nossa ironia britâ nica, Billy!
TOLKIEN : Nã o é
apenas amor, é compreensã o també m. Acho que, embora
nã o estejamos mais perto de um acordo, nos entendemos melhor do
que antes.
CARA : Bem, você se levanta à s seis e ora por uma hora e toma um café da
manhã rá pido, e entã o temos trê s reuniõ es de equipe durante a manhã ,
antes de sua apariçã o pú blica depois do almoço. Se sairmos agora, você
ainda pode dormir seis horas.
GRAHAM : Cancele as trê s reuniõ es. Nó s nã o estamos saindo ainda. Eu
preciso de verdade e amor mais do que preciso dormir. Quero icar
acordado metade da noite com nossos queridos amigos aqui. Eles me
ensinaram algo sobre o tempo. E semelhante ao que Chesterton disse
sobre uma das mais tolas e difundidas de todas as idolatrias em nossa
cultura: que “você nã o pode voltar no tempo”. Ele disse: “Claro que
pode. E você deve, se estiver passando mal.
GRAHAM : Algué m uma vez me criticou por tentar voltar o reló gio cem
anos, e eu respondi que se eu izesse isso, eu falhei, porque eu estava
tentando voltar dois mil anos, para encontrar Jesus Cristo em pessoa.
Eu penso na igreja como uma má quina do tempo: ela nos traz de volta a
Ele.
TOLKIEN : Em uma pequena sala, mesmo que seja apenas uma pequena
sala de berçá rio para um de Seus bebê s espirituais.
TOLKIEN : Essa é
uma bela imagem, Billy. Tudo bem, tentarei ajudá -lo a
satisfazer essa nobre aspiraçã o, embora tenha certeza de que
fracassarei.
TOLKIEN : Se assim for, nã o será porque eu sou santo, mas porque você é .
TOLKIEN : Sim, claro, isso éverdade, mas você deve perceber, Billy, que
Jack e eu. . . bem, nã o somos muito bons nesse tipo de coisa.
Valorizamos muito as amizades, mas geralmente sã o restritas a
algumas pessoas pró ximas. Jack e eu somos pessoas muito reservadas.
Somos britâ nicos, você sabe, nã o americanos, e isso signi ica que
somos. . . somos adequados . Mantemos o lá bio superior rı́gido e
usamos um colarinho rı́gido para manter o queixo erguido, e nã o
falamos muito sobre nó s mesmos e nossos sentimentos e o que você
gosta de chamar de nosso relacionamento pessoal com Deus, como
você e Guy fazem tã o facilmente . Nã o tenho certeza se é porque você s
sã o americanos ou porque sã o protestantes. Provavelmente ambos.
TOLKIEN : Nã o, nã o somos estó icos. Na verdade, somos româ nticos. Os
estó icos desvalorizam suas emoçõ es, os româ nticos as valorizam; é
por isso que eles os colocam em grandes poesias e nã o em conversas
comuns.
TOLKIEN : Mas eu acho que vou precisar de sua permissã o para fazer
outra coisa primeiro.
TOLKIEN : Nã o, em minha casa você é meu convidado. Você nã o é alé rgico
a fumar?
TOLKIEN : Eu preciso de alguns minutos para fazer trê s coisas rá pidas, se
você nã o se importar.
CARA : O banheiro?
LEWIS : O WC
CARA : Oooh, entã o foi isso que aquele francê s quis dizer quando
perguntou: “Ou ay le dooble vay say?”
TOLKIEN : Você
me pergunta o que a Eucaristia signi ica para mim
pessoalmente. Bem, aqui está minha resposta impressa. Esta é uma
carta que escrevi ao meu ilho Michael. Eu nunca mostrei para mais
ningué m. Acho que Michael tinha vinte e poucos anos na é poca e tinha
acabado de se apaixonar, e ele me escreveu perguntando sobre amor
humano, casamento e romance e até que ponto eles podem satisfazer
nossas esperanças e desejos. E minha resposta para ele foi esta carta.
Vamos ver, onde está esse pará grafo? Ah, aqui está :
Da escuridã o da minha vida, tã o frustrada, coloco diante de você s a
ú nica grande coisa para amar na terra: o Santı́ssimo Sacramento. . . . Lá
você encontrará romance, gló ria, honra, idelidade e o verdadeiro
caminho de todos os seus amores na terra, e mais do que isso: a morte,
pelo paradoxo divino, aquilo que acaba com a vida, e exige a entrega de
todos, e ainda por o sabor (ou antegozo) do qual somente o que você
busca em seus relacionamentos terrenos (amor, idelidade, alegria)
pode ser mantido, ou assumir aquela aparê ncia de realidade, ou
resistê ncia eterna, que o coraçã o de todo homem deseja. 1
TOLKIEN : Sim. O que veio a seguir foi Seu escandaloso discurso sobre a
Eucaristia, apó s o qual a maioria de Seus discı́pulos O deixou. Isso veio
logo apó s a alimentaçã o dos cinco mil no Evangelho de Joã o, capı́tulo
seis. Era Seu comentá rio sobre o milagre que Ele acabara de realizar. A
alimentaçã o dos cinco mil tinha sido apenas um sı́mbolo da
alimentaçã o que estava por vir. Era o milagre maior que o milagre
menor simbolizava.
GRAHAM : Gosto muito dessa ú ltima parte de sua carta, Tollers, sobre se
misturar com pessoas comuns, como Jesus fazia, em vez de encontrar
um refú gio esté tico limpo e agradá vel delas. E me impressiona a
justaposiçã o que você faz entre o Sacramento e o povo. Sempre me
concentrei nas pessoas e nã o nos sacramentos, e pensei que você s,
cató licos, se concentrassem demais nos sacramentos do que nas
pessoas, mas você coloca os dois juntos.
TOLKIEN : E
isso é exatamente o que Jack faz, també m, em algo que ele
escreveu sobre o Sacramento. Posso ler isso para você també m?
GRAHAM : Você
conhece sua Bı́blia, Tollers. Eu nã o acho que os cató licos
normalmente o izessem.
GRAHAM : Você
diz que “a ú nica cura para a fé atrasada é a comunhã o
frequente”. Eu diria que a ú nica cura é a leitura frequente da Bı́blia.
GRAHAM : Concordo.
TOLKIEN : Agostinho diria que você está invertido. Ele escreveu: “Eu nã o
acreditaria nas Escrituras se nã o fosse pela autoridade da Igreja”.
GRAHAM : Bem, bons cristã os, e até mesmo os santos, podem discordar
sobre coisas importantes.
TOLKIEN : Eles podem, e fazem, mas nã o deveriam. Pelo menos nã o se
levarmos a sé rio Sã o Paulo quando disse aos corı́ntios que tinha
tolerâ ncia zero com o denominacionalismo. Lembrar? “Um diz, eu sigo
Paulo, e outro diz, eu sigo Apolo.”
TOLKIEN : Mas – para ser tã o sincero a ponto de ser indelicado – nós nã o
o criamos. Você fez. Você rasgou a roupa sem costura. Tentamos mantê -
lo juntos.
TOLKIEN [rindo]: E
de Jack, aqui, que é muito santo e humilde para
apresentar isso sozinho.
LEWIS : Você
vê , Billy, nó s dois estamos muito orgulhosos da humildade
um do outro.
GRAHAM : Certo.
GRAHAM : Certo.
TOLKIEN : E
o cerne do que você pode chamar de uma sensibilidade
sacramental tipicamente cató lica como a de Jack. E a minha també m,
embora nã o seja tã o eloquente. Aqui está a conclusã o do sermã o de
Jack:
GRAHAM : Isso é
profundamente verdade e muda a vida, e é exatamente a
conclusã o que chego do que a Bı́blia diz. Cristo se esconde em Seus
ilhos. Acho que há mais semelhanças entre sua devoçã o centrada na
Eucaristia e minha devoçã o centrada na Bı́blia do que qualquer um de
nó s pensava.
GRAHAM : E
eu també m vejo a profunda diferença, mas també m vejo a
profunda semelhança.
TOLKIEN : Estou um pouco relutante em dizer mais alguma coisa, embora
haja muito mais a dizer.
GRAHAM : Eu nã o vim aqui para ouvir sua teologia. Eu vim aqui para ouvir
seu coraçã o e sua fé .
GRAHAM : Mas estou aqui para ouvir a diferença que isso faz para seu
coraçã o e sua vida.
TOLKIEN : Sim. Drá cula écomo o diabo, ou como o Anticristo. Ele tira seu
sangue, sua vida, sua identidade, de você e dentro dele mesmo. Entã o
você perde sua humanidade, para sempre. Cristo é o oposto do
Anticristo. Ele dá -te o seu sangue, a sua vida, partilha contigo a sua
pró pria identidade, para que Sã o Paulo possa dizer: «Vivo, mas nã o eu,
mas Cristo vive em mim».
GRAHAM : Eu també m acredito nisso, mas acho que isso acontece pela fé .
GRAHAM : Você quer dizer que també m temos que fazer boas obras?
TOLKIEN : Bem, eles tê m, porque se nã o tivé ssemos fé , nã o irı́amos
receber os sacramentos. Mas é mais do que isso: é o nosso corpo, a
nossa boca, que recebe a Eucaristia. Somos como bebê s no peito.
GRAHAM : Acho que entendo essas categorias. Mas você pode colocar isso
em termos pessoais? Como você traduz essa teologia em experiê ncia,
essa literalidade em vida? Quã o literal é para você ?
Há outra histó ria, sobre um garotinho cuja irmã precisava de uma
transfusã o de sangue para sobreviver, mas a ú nica pessoa que
encontraram que tinha seu tipo sanguı́neo raro era seu irmã ozinho. Ele
se ofereceu para lhe dar uma transfusã o de sangue e, depois de alguns
minutos na mesa, perguntou à enfermeira: “Em quanto tempo vou
morrer?” Veja, isso é o que Ele disse: “Isto é o meu sangue, derramado
por você ”.
TOLKIEN : E. E
muito mı́stico e muito literal. As coisas literais sã o muito
mais mı́sticas do que meras idé ias. Muitas vezes pensei que uma das
coisas mais mı́sticas é uma á rvore. Especialmente aquela que foi feita
em cruz e que segurou Cristo.
GRAHAM : Como você passa disso para a dimensã o social, para viver uma
vida de caridade?
GRAHAM : Onde?
TOLKIEN : Bem, uma das minhas passagens favoritas nas Escrituras que
eu acho que algué m deveria chamar de “mı́stica” é quando Nosso
Senhor derruba Saulo de Tarso de seu cavalo alto primeiro isicamente
e entã o espiritualmente quando Ele diz: “Saulo, Saulo, por que você me
persegue?” Saulo tem perseguido os cristãos , nã o a Cristo. Ele pensa
que Cristo está morto. Ele sabe que esta é a voz de Deus, entã o ele
pergunta, em total confusã o: “Quem é você , Senhor?” Ele está em
choque. Sua pergunta mostra que agora ele sabe que entendeu errado a
Deus - o Deus que era toda a sua vida. E Nosso Senhor responde: “Eu
sou Jesus, a quem você persegue”. E isso foi um choque absoluto. E é
um choque duplo para Saulo: a identidade de Cristo com Deus e a
identidade de Cristo com os cristã os, com a Igreja de Cristo, que nas
Escrituras tem o mesmo nome da Eucaristia, ou seja, “o Corpo de
Cristo”.
GRAHAM : Como Joã o fez em Apocalipse. Eu cairia aos Seus pé s como um
morto.
GRAHAM : Sim.
GRAHAM : Entendo. E por isso que você ica em silê ncio depois da
Comunhã o.
TOLKIEN : Sim.
GRAHAM : Um teó logo nã o diria que você está confundindo abstraçõ es
sagradas com uma Pessoa santa?
TOLKIEN : Um bom teó logo nã o faria isso. Sã o Paulo nã o. Em 1 Corı́ntios
(1:30) ele disse que Deus o fez para ser nossa sabedoria, nossa justiça,
nossa santi icaçã o e nossa redençã o. Ele disse nã o apenas que Cristo
nos deu sabedoria, justiça, santi icaçã o e redençã o, mas que Ele é essas
quatro coisas. Ele nã o estava reduzindo Cristo a essas quatro coisas;
ele estava reduzindo essas quatro coisas a Cristo. O pró prio Cristo fez a
mesma coisa quando disse: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”.
Nã o “eu ensino o caminho, a verdade e a vida”, mas “EU SOU o caminho,
a verdade e a vida”. Isso é realmente, como você diz, muito mı́stico. E
també m muito pessoal. E muito concreto, nã o abstrato.
LEWIS : Mas é claro que Aslam é uma icçã o, mas a Eucaristia é um fato.
GRAHAM : Acho que sua teologia sacramental é tã o ictı́cia quanto Aslan,
mas acho que seu coraçã o está apaixonado pelo verdadeiro Leã o – “o
Leã o da Tribo de Judá ”. Onde quer que você acredite que Cristo esteja, é
aı́ que você quer estar. [Lewis e Tolkien concordam.]
Eu quero isso també m. Por isso vim aqui hoje. Minha Bı́blia me diz
que Ele prometeu que se dois ou trê s estiverem reunidos em Seu nome,
Ele estará realmente presente no meio deles.
TOLKIEN : Entã o você concorda com meu coraçã o, mas nã o com minha
cabeça.
GRAHAM : Sim.
TOLKIEN : Isso é
muito importante, é claro. Mas você acha que o coraçã o
pode substituir a cabeça?
TOLKIEN : E
você diz que o coraçã o pode ter razõ es que a razã o nã o pode
conhecer, como diz Pascal?
TOLKIEN : Sim.
GRAHAM [rindo]: Nem eu. Acho que devo estar pegando a doença de
você s dois. Oxford é famosa por isso, mas nã o pensei que a infecçã o
pudesse ser pega tã o facilmente.
Sé rio, Tollers, estou muito grato a você por ter vindo de sua
armadura britâ nica para mim. Você fez isso com seu coraçã o, e seu
coraçã o ensinou algo à minha mente, eu acho.
TOLKIEN : Mas nenhum de nó s moveu uma polegada em nossa fé . Nó s nos
aproximamos como amigos, sim, mas nã o como teó logos. O que esse
“olho do coraçã o” realmente ensinou à s nossas cabeças sobre o
assunto, sobre a verdade objetiva?
TOLKIEN : Tudo bem. Você quer algo simples e nı́tido e claro e concreto,
certo?
GRAHAM : Sim. E algo de você , nã o apenas citado do seu catecismo.
TOLKIEN : Tudo bem. Aqui está . Imagine que Jesus Cristo está aqui diante
de você , realmente aqui, tã o literalmente quanto Ele estava há dois mil
anos, seis metros à sua frente. Digamos que é Sua Segunda Vinda. Ele
desceu do cé u e pousou diretamente na sua frente, e Ele está prestes a
julgá -lo e levá -lo ao cé u com Ele. Ele sorri para você e diz que o ama,
apesar de todos os seus pecados estú pidos, tolos, super iciais e
egoı́stas. Ele mostra as cicatrizes em Suas mã os e pé s, como fez com
“Duvidando Thomas”. O que você faz? O que você disse?
TOLKIEN : Otimo. Agora imagine que depois de fazer isso, Ele segura um
pedaço de madeira compensada de dois metros de altura na frente Dele
como um escudo e ica atrá s dele. Você nã o pode mais vê -Lo, mas você
sabe que Ele está lá . Como isso muda sua reaçã o a Ele?
TOLKIEN : Estou feliz em ouvir seu “Oh”. Agora você vê porque eu digo
que há uma grande e pesada diferença entre nó s.
GRAHAM : Você
nã o entendeu. Eu disse “Oh” porque agora vejo que a
diferença entre nó s é tã o pequena e ina quanto madeira compensada.
TOLKIEN : Ah. Acho que agora é minha vez de pronunciar essa sı́laba
sagrada.
GRAHAM : Você notou que a mesma coisa que fez a diferença entre nó s
tã o grande foi a coisa que a fez pequena?
TOLKIEN : Isso é um grande paradoxo. O que você quer dizer?
GRAHAM : O que parece fazer a diferença entre nó s tã o grande? Por que
parecia ser um ou/ou preto ou branco? Foi o argumento de Jack que a
questã o da Presença Real é um ou/ou que é muito semelhante ao
argumento do “Senhor, Mentiroso ou Luná tico” sobre a a irmaçã o de
Cristo à divindade.
GRAHAM : També m nos une. Porque o seu amor por Nosso Senhor com
todo o seu coraçã o, alma, mente e força é a razã o pela qual você se
curva, por que você cai no lado cató lico da linha que nos divide. E esse
mesmo amor em mim é toda a razã o pela qual eu caio no lado
protestante. E a mesma razã o: é o mesmo Senhor.
TOLKIEN : Ah.
GRAHAM : Pelo contrá rio, estou entusiasmado. Estou emocionado por ter
estado entre os gigantes da terra.
LEWIS : Acho que você está confundindo hobbits com gigantes. Mas nã o
me re iro à minha pergunta pessoal, sobre seus sentimentos em
relaçã o a nó s, mas sobre sua fé . Nó s os ajudamos a ver algo melhor, a
ver mais luz?
GRAHAM : Claro.
LEWIS : Mas – apenas para tentar fazer de mim uma praga ú til
continuando a bancar o advogado do diabo – nã o é verdade que isso
era quase inevitá vel? Como você diz, sempre que os cristã os
comprometidos falam a sé rio, o ferro a ia o ferro.
GRAHAM : Sim, mas acho que a quantidade de nitidez foi notá vel, nã o
inevitá vel. E estou mais esperançoso em relaçã o ao ecumenismo agora
que o conheci do que antes, embora a distâ ncia entre nó s tenha se
tornado cada vez mais nı́tida e, portanto, aparentemente maior.
GUY [sem compreender que Tolkien está tentando fazer uma piada]: Eu
també m agradeço por suas boas obras, Tollers, mas nã o espero que
Deus me agradeça pelas minhas. Quando eu aparecer nos portõ es
dourados, nã o vou sacar dois ingressos, apenas um.
LEWIS : O que você quer dizer com dois ingressos? Há apenas um Cristo
para nó s quatro.
GUY : Mas você diz que há duas conexõ es com Ele: fé e boas obras, ou fé
e sacramentos (assumindo que sacramentos são boas obras). O bilhete
de fé é o ú nico que vou levar. Quando me pedirem meu ingresso, nã o
vou falar sobre os sacramentos, vou apenas dizer: “Sou apenas um
pecador, salvo pela graça”.
LEWIS : Ah, eu també m. Os sacramentos sã o pura graça. Eles nã o sã o
nossas obras; eles sã o de Deus.
GUY : E a natureza?
GRAHAM : Isso é lindo, mas, por favor, chega de argumentos teoló gicos!
LEWIS : Posso fazer uma proposta? O sol se pô s horas atrá s, entã o acho
que chegou a hora de imitá -lo e descer també m, por nossas estradas
separadas daquele cume, como o prisioneiro iluminado que saiu da
caverna de Platã o e depois desceu na caverna para tentar compartilhar
a luz com os outros prisioneiros.
GRAHAM : Você quer dizer compartilhar nossa paixã o ecumê nica com
outros cristã os.
LEWIS : Sim, mas també m algo mais literal: deixar o topo da montanha
da casa de Tollers e a hospitalidade. Tollers, acho que você s devem ter
algum sangue é l ico em você s; de que outra forma você poderia
escrever tã o convincentemente sobre Elfos? E de que outra forma você
poderia viver em um lugar real que se parece tanto com Rivendell?
Eles apertam as mãos e vão embora, mas os apertos de mão, assim como
os de cabeça, permanecem em seus corações.
NOTAS
Capı́tulo 2
1 Essas cartas, um modelo de diá logo ecumê nico que é mutuamente
respeitoso, mas nã o comprometedor, foram publicadas como The Latin
Letters of CS Lewis . (Eles estã o disponı́veis apenas em inglê s ou no
original em latim com a traduçã o em inglê s nas pá ginas opostas.) O
correspondente de Lewis, Dom Giovanni Calabria, foi canonizado como
santo pelo Papa Sã o Joã o Paulo II. A Igreja Cató lica ainda nã o canonizou
nenhum nã o-cató lico; mas quando ela o faz, suspeito que Graham e
Lewis podem ser dois dos primeiros. De volta ao texto .
Capı́tulo 4
1 A citaçã o que Graham lê
vem literalmente de um boletim
informativo online de 24 de setembro de 2007 Answers from the Billy
Graham Evangelistic Association. Alterei apenas a data. Mas acho que
isso é o que Graham teria dito nos dias de Lewis e dé cadas depois. De
volta ao texto .
Capı́tulo 6
1 Na verdade, Lewis abordou a questã o da “má gica” em seu ú ltimo
Capı́tulo 8
1 De fato, os dois milagres aconteceram. As excomunhõ es mú tuas
Capı́tulo 11
1 Foi compartilhado com mais alguns milhõ es de pessoas desde a