Análise de Obras Literárias O Velho Da Horta
Análise de Obras Literárias O Velho Da Horta
Análise de Obras Literárias O Velho Da Horta
O velho da horta
Gil Vicente
3. O AUTOR.................................................................................................. 12
4. A OBRA..................................................................................................... 14
5. Exercícios ........................................................................................... 38
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O teatro medieval
A Idade Média criou um teatro essencialmente popular, completamente
diferente do teatro da Antiguidade greco-romana. Ele surgiu e se desenvolveu
vagarosamente, atingindo sua autonomia depois do século X, e chegou até a
Renascença, quando entrou em conflito com o teatro de imitação clássica.
O teatro medieval se divide em sacro e profano. Tem sua origem atrelada
às cerimônias litúrgicas, isto é, religiosas. Ele toma como referência a missa, em
razão do caráter teatral que essa cerimônia exige. O altar funciona como palco, o
sacerdote, como ator, e os fiéis, como plateia. Os temas mais comuns são a ceia de
Cristo e os mistérios da paixão.
Por volta do século X, a Igreja valorizou sobremaneira a dramatização de
passagens bíblicas. Na missa da Páscoa, no altar, como se fosse o Santo Sepulcro,
o sacerdote, fazendo o papel de um anjo, pergunta a dois clérigos, que repre-
sentam as santas mulheres, o que estão procurando. Elas respondem que estão
procurando por Jesus, e o anjo lhes diz que Ele não está mais ali, que ressuscitou.
Pouco a pouco, a cena se desenvolve.
Dessa maneira, no altar, ligado ao ritual da missa, surgiu o chamado drama
sacro, que, aos poucos, passou a ocupar todo o espaço do templo e a adquirir
maior liberdade em relação à cerimônia.
No interior das igrejas, por toda a Europa, representavam-se, em latim,
episódios da Bíblia e da vida dos santos. Os atores eram os clérigos, que re-
presentavam inclusive os papéis femininos. Aos poucos, porém, começavam a
ser incorporados ao drama sacro elementos incompatíveis com o ambiente da
Igreja, como a mistura da língua do povo com o latim e a introdução de algumas
passagens cômicas. Quando a ousadia passou dos limites, o papa Inocêncio III
proibiu a realização do drama sacro dentro da Igreja.
No século XII, o teatro passou a ser representado na entrada das igrejas e
nas praças públicas, e o latim foi substituído pela língua popular em conformi-
dade com o país. Na península Ibérica, passou a ser chamado de auto, palavra
de origem latina que significa ato, designando, assim, uma peça breve, curta.
O teatro sacro possui três modalidades: os mistérios, os milagres e as
moralidades.
Nos mistérios representam-se episódios da Bíblia; nos milagres, represen-
tam-se feitos sobrenaturais operados por Deus, por intermédio da Virgem e dos
santos; nas moralidades, as personagens representam conceitos abstratos, como
a Bondade, o Vício, as Virtudes etc.
O teatro profano (pro = fora e fanum = templo) surgiu como consequência
da descaracterização do drama sacro. O elemento cômico e realista, que antes
era limitado, sobrepôs-se aos elementos sacros, levando o gênero sacro à dege-
neração. A prova mais cabal dessa degeneração está no fato de o parlamento de
Paris proibir, no ano de 1548, as representações sacras.
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3. O AUTOR
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4. A OBRA
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O Velho da Horta
Figuras: um Velho; uma moça; um Parvo, criado do Velho; Mulher (do
Velho); Branca Gil (alcoviteira) [mulher que promove encontros amorosos] uma
Moça; um Alcaide [oficial de justiça] e quatro Beleguins [oficiais inferiores que
secundavam o Alcaide, dando ordens de prisão aos criminosos].
Argumento
Esta seguinte farsa é o seu argumento que um homem honrado e muito rico, já
velho, tinha uma horta: e andando uma manhã por ela espairecendo, sendo o seu hor-
telão fora, veio uma moça de muito bom parecer buscar hortaliça, e o velho em tanta
maneira se enamorou dela que, por via de uma alcoviteira, gastou toda a sua fazenda.
A alcoviteira foi açoitada, e a moça casou honradamente. Entra logo o velho rezando
pela horta. Foi representada ao mui sereníssimo rei D. Manuel, o primeiro desse nome.
Era do Senhor de MDXII.
Cena 1: É a abertura da peça. Numa mistura de latim com português,
surge o Velho rezando mecanicamente, revelando toda sua crença e ignorância.
A entrada do Velho produz um efeito cômico, porque evidencia que as suas
intenções são antes materiais que espirituais.
Velho: Pater noster criador, [ Pai Nosso, criador
Qui es in coelis, poderoso, [que estais no céu, poderoso]
Santificetur, Senhor, [seja santificado, Senhor]
nomen tuum vencedor, [ o teu nome vencedor]
nos céu e terra piedoso.
Adveniat a tua graça, [venha a tua graça]
regnum tuum sem mais guerra; [o teu reino]
voluntas tua se faça [a tua vontade]
sicut in coelo et in terra. [assim no céu como na terra]
Panem nostrum, que comemos, [ o pão nosso]
cotidianum teu é; [de cada dia]
escusá-lo não podemos;
inda que o não mereceremos
tu das nobis hodie. [tu nos dás hoje]
Dimitte nobis, Senhor, [perdoai, Senhor, os nossos erros]
debita nossos errores,
sicut et nos, por teu amor, [assim como nós]
dimittimus qualquer error, [perdoamos os erros]
aos nossos devedores.
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Assim cantando, colheu a Moça da horta o que vinha buscar e, acabado, diz:
Eis aqui o que colhi;
vede o que vos hei de dar.
Velho: Que me haveis vós de pagar,
pois que me levais a mi?
Oh coitado!
Que amor me tem entregado
e em vosso poder me fino,
como pássaro em mão dado
de um menino!
Moça: Senhor, com vossa mercê.
Velho: Por eu não ficar sem a vossa,
queria de vós uma rosa.
Moça: Uma rosa? Para quê?
Velho: Porque são
colhidas de vossa mão,
deixar-me-eis alguma vida,
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Cena 3: A Mulher do Velho vai até a horta e percebe que seu marido está
apaixonado por outra mulher, tão logo vê a rosa e a viola. A Mulher adverte
o marido, dizendo que está na hora de ele criar juízo, pois já está na casa dos
sessenta anos. Ocorre uma discussão, o marido ofende a esposa e, em seguida,
pega a viola e começa a cantar.
Vem a Mulher do Velho e diz:
Hui! Que sina desastrada!
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Cena 4: Surge a alcoviteira Branca Gil. Esta reforça os desejos do Velho, dizen-
do-lhe que o amor não tem idade. Promete ajudar o Velho a conquistar a Moça.
Entra Branca Gil, Alcoviteira, e diz:
Mantenha Deus vossa Mercê.
Velho: Olá! Venhais em boa hora!
Ah! Santa Maria! Senhora.
Como logo Deus provê!
Alcoviteira: Certo, oh fadas!
Mas venho por misturadas,
e muito depressa ainda.
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Velho: Misturadas preparadas,
que hão de fazer bem guisadas
vossa vinda!
Justamente nestes dias,
em tempo contra a razão,
veio amor, sem intenção,
e fez de mim outro Macias
tão penado,
que de muito namorado
creio que culpareis
porque tomei tal cuidado;
e do velho destampado [Zombarás de um velho sem juízo.]
zombareis.
Alcoviteira: Mas, antes, senhor agora
na velhice anda o amor;
o de idade de amador
por acaso se namora;
e na corte
nenhum mancebo de sorte
não ama como soía. [Não ama como se costumava amar
antigamente.]
Tudo vai em zombaria!
Nunca morrem desta morte
nenhum dia.
E folgo ora de ver
vossa mercê namorado,
que o homem bem criado
até à morte o há de ser,
por direito.
Não por modo contrafeito,
mas firme, sem ir atrás,
que a todo homem perfeito
mandou Deus no seu preceito:
amarás.
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devoção (alguns na verdade nada tinham de santo), pedindo a ajuda deles na tarefa
de aproximar o casal. O plano de Branca Gil é tirar dinheiro do Velho, alegando
conhecer a Moça.]
Velho: Acudi-me Branca Gil,
que desmaio.
Esmorece o Velho, e a Alcoviteira começa a ladainha:
Ó precioso Santo Areliano,
mártir bem-aventurado,
Tu que foste marteirado [Martirizado]
neste mundo cento e um ano;
Ó São Garcia
Moniz, tu que hoje em dia
Fazes milagres dobrados,
dá-lhe esforço e alegria,
Pois que és da companhia
dos penados! [Almas penadas]
Ó Apóstolo São João Fogaça,
tu que sabes a verdade,
Pela tua piedade,
que tanto mal não se faça!
Ó Senhor
Tristão da Cunha, confessor,
Ó mártir Simão de Sousa,
pelo vosso santo amor.
Livrai o velho pecador
de tal cousa!
Ó Santo Martim Afonso
de Melo, tão namorado.
Dá remédio a este coitado,
e eu te direi um responso [Cantos ou rezas na Igreja Católica]
com devoção!
Eu prometo uma oração,
todo dia, em quatro meses,
Por que lhe deis força,
então, meu senhor São Dom João
de Meneses!
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Cena 5: Branca Gil coloca em ação seu plano: tirar dinheiro do Velho. Diz
precisar de dinheiro para convencer a Moça a aproximar-se dele.
Velho: Óh! Coitado!
Ai triste desatinado!
Ainda torno a viver?
Cuidei que já era livrado. [Cuidei que já estivesse morto.]
Alcoviteira: Que esforço de namorado
e que prazer!
Que hora foi aquela!
Velho: Que remédio me dais vós?
Alcoviteira: Vivereis, prazendo a Deus,
e casar-vos-ei com ela.
Velho: É vento isso!
Alcoviteira: Assim seja o paraíso.
Que isso não é tão extremo!
Não curedes vós de riso,
que eu farei tão de improviso
como o demo.
E também doutra maneira
se eu me quiser trabalhar.
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Cena 8: Por intermédio de uma outra Mocinha, o Velho fica sabendo que
a Moça estava se casando e que Branca Gil fora exilada.
Vem uma Mocinha à horta e diz:
Vedes aqui o dinheiro?
Manda-me cá minha tia,
que, assim como no outro dia,
lhe mandeis a couve e o cheiro.
Está pasmado?
Velho: Mas estou desatinado.
Mocinha: Estais doente, ou que haveis?
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Nesta última fala, o Velho, consciente do erro que cometeu, lamenta agora
sua condição: pobre, sem a Moça e sem o respeito da família. Neste triste encer-
ramento, Gil Vicente parece querer ensinar ao público que o amor é privilégio
dos jovens; que a primavera não pode florescer no outono, ou seja, a paixão amo-
rosa deve ser vivenciada na juventude e não na velhice, caso contrário o homem
passa a agir de forma tola e inconveniente. Eis o caráter moralista da peça, pois
Gil Vicente ridiculariza o que considera um vício (o amor na velhice por uma
jovem) para valorizar a virtude (um homem idoso deve valorizar e respeitar sua
mulher e seus filhos).
Velho: Ó roubado,
da vaidade enganado,
da vida e da fazenda!
Ó velho, siso enleado!
Quem te meteu desastrado
em tal contenda?
Se os jovens amores,
os mais têm fins desastrados,
que farão as cãs lançadas
no conto dos amadores?
Que sentias,
triste velho,
em fim dos dias?
Se a ti mesmo contemplaras,
souberas que não vias,
e acertaras.
Quero-me ir buscar a morte,
pois que tanto mal busquei.
Quatro filhas que criei
eu as pus em pobre sorte.
Vou morrer.
Elas hão de padecer,
porque não lhes deixo nada;
de quanta riqueza e haver
fui sem razão despender,
mal gastada.
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5. Exercícios
Leia os diálogos abaixo da peça O velho da horta,
de Gil Vicente.
Mocinha – Estás doente, ou que haveis?
Velho – Ai! Não sei, Desconsolado,
Que nasci desventurado!
Mocinha – Não choreis!
Mais mal falada vai aquela!
Velho – Quem?
Mocinha – Branca Gil.
Velho – Como?
Mocinha – Com cent’açoutes no lombo,
E uma carocha por capela.*
E ter mão;
Leva tão bom coração,**
Como se fosse em folia.
Ó que grandes que lhos dão!***
* Carocha – cobertura para a cabeça, própria das alcoviteiras; por capela – por grinalda.
** Caminha tão corajosa.
*** Ó que grandes açoites que lhes dão!
1.
a) A qual desventura refere-se o Velho neste diálogo com a Mocinha?
b) A que se deve o castigo imposto a Branca Gil?
c) Diante do castigo, Branca Gil adota uma atitude paradoxal. Por quê?
3.
No fragmento acima, transcrito da última fala do Velho, podemos concluir:
a) Os amores da juventude sempre acabam bem.
b) Poucos amores na juventude terminam mal.
c) Poucos amores na juventude terminam bem.
d) Os idosos têm mais sorte no amor.
e) O amor na velhice é um mal necessário.
4.
No texto transcrito, a palavra que permite identificar uma pessoa mais idosa é:
a) amores. d) cãs.
b) fins. e) amadores.
c) desastrados.
5.
Sobre o teatro de Gil Vicente, é correto afirmar que:
a) não tem como objetivo a moralização dos costumes.
b) foi todo escrito em português.
c) segue fielmente o modelo do teatro clássico grego.
d) apresenta um rico painel da sociedade portuguesa do início do século XVI.
e) apresenta personagens e situações fora do contexto social de sua época.
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GABARITO
1.
a) O Velho refere-se à frustração por não ter tinuará a exercer a mesma função. O castigo,
realizado satisfatoriamente os seus desejos então, em certo sentido, perde a razão, pois
pela Moça. não significa a correção da personagem.
b) Literalmente, “alcoviteira” é a proprietária 2.
de um prostíbulo. Na peça, Branca Gil é a) O Velho desmaia porque entrevê na fala
encarregada (mediante pagamento) de arru- de Branca Gil a possibilidade de realização
mar o encontro do Velho com a Moça. Abu- do seu desejo pela Moça. A cena torna-se
sando da ingenuidade do arrebatamento cômica porque o Velho sucumbe ante a ima-
amoroso do Velho, a alcoviteira vislumbra ginação de ter consigo a Moça, o que nos faz
nisso a possibilidade de ganhar dinheiro imaginar o que poderia suceder-lhe se ele
com da situação. Como ela tira proveito da realmente conseguisse realizar seu desejo.
boa-fé dos outros, é (socialmente) castigada b) A astúcia consiste em realçar as qualidades
pelos policiais. da Moça, comparando-a a uma “estrela”, a
c) A atitude de Branca Gil torna-se paradoxal uma “rosinha de abril”, a “uma frescurinha
na medida em que é açoitada por ser alcovi- de maio”. Tais comparações evidenciam a
teira, mas se mantém impassível e até indi- juventude e o frescor da beleza da Moça e
ferente a isso, “pois caminha tão corajosa”. induzem o Velho a imaginar as delícias do
Esse tipo de comportamento fica evidente prazer amoroso com tal criatura.
na peça, pois, após o castigo, a mulher con- 3. C 4. D 5. D
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