Apostila - Penal Especial

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 379

DIREITO PENAL III e IV

PARTE ESPECIAL COMPILADA E ADAPTADA

1
Levon Torossian Júnior
Professor de Direito Penal III e IV – Parte Especial

3ª Edição
Agosto – 2021
Atualizado até a Lei nº 14.188 de 28 de julho de 2021

**REPRODUÇÃO AUTORIZADA**

Data da atualização: 02/08/2021


Colaboração: Alessandro Elias Vitto da Silva

INTRODUÇÃO

O Estado é o titular do jus puniendi. No entanto, não o


exerce de forma discricionária, fazendo-o através do direito
normativo, vinculando juridicamente a si mesmo. É uma
autolimitação, consagrada no Princípio da Legalidade ou da
Reserva Legal e o Princípio da Anterioridade estipulados no Art.
1º do Código Penal Brasileiro.

Esses princípios são consagrados na maioria dos estados


democráticos do mundo.

2
Os Códigos Penais modernos dividem-se em duas partes: a
Parte Geral e a Parte Especial.

A Parte Geral contempla os princípios e regras gerais que


dizem respeito ao crime, à imputabilidade, à pena, à ação penal
correspondente, à prescrição, etc. A Parte Especial é integrada
pelos delitos considerados pelo Legislador. São os tipos, os quais
a conduta do sujeito ativo deve-se ajustar.

O nosso Código Penal distribuiu sistematicamente os tipos


penais, agrupando-os em Títulos, os quais se subdividem em
Capítulos, e em alguns casos em Seções. É a classificação dos
delitos.

Demonstrar no código essa classificação e sua importância.

O Código Penal não esgota os delitos existentes no nosso


ordenamento jurídico. Existem também as leis extravagantes,
como por exemplo a Lei nº 11.343/06 (Lei de Tóxicos, LCP, CTN
e tantas outras).

PARTE ESPECIAL

TÍTULO I - DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

Em seu Título I, o Código Penal traz a epigrafe Dos Crimes


Contra a Pessoa.

Pessoa para o Código Penal é criatura humana, sob o duplo


aspecto físico e moral. A vida, a intangibilidade corpórea, a honra
e a liberdade do indivíduo são requisitos fundamentais para a

3
vida em sociedade. Portanto o Estado os resguarda e os
defendes.

Pessoa Jurídica como sujeito ativo de um delito: No nosso


sistema não é admissível, aplicando-se as pessoas jurídicas
apenas punições de natureza administrativas e civil. No entanto,
nos países anglo-saxões se admitem a responsabilidade penal da
pessoa jurídica. Os crimes e contravenções não podem ser
praticados por pessoas jurídicas, posto que a imputabilidade
jurídico-penal e uma qualidade inerente aos seres humanos. A
doutrina quase na unanimidade repudia a hipótese de que a
conduta possa ser atribuída à pessoa jurídica, entretanto, hoje
admite-se uma exceção, no caso de crime ambiental, praticado
por pessoa jurídica.

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A VIDA

Art. 121 – Homicídio

O Código Penal Republicano de 1890 adotou a terminologia


homicídio para definir o crime de matar alguém. Já os diplomas
estrangeiros preferiam classifica-los como assassinatos, quando
apresentava maior gravidade e homicídio para a modalidade
comum.

O Código Penal de 1.940 também utilizou a expressão


homicídio para delito que suprime a vida alheia,
independentemente das condições ou circunstâncias que este
crime é praticado. Distingue-se, no entanto, quatro modalidades:

a) homicídio simples (Art. 121 – caput);

4
b) homicídio privilegiado (Art. 121 § 1°);

c) homicídio qualificado (Art. 121 § 2º);

d) homicídio culposo (Art. 121 § 3º).

Curiosidade: O Código Penal Republicano previa figuras


especiais como: parricídio (matar pai ou qualquer outro
ascendente), o matricídio (ato de quem mata sua própria mãe) e
o fratricídio (ato de matar irmão ou irmã).

Homicídio é a eliminação da vida de alguém por outro. A


vida é o bem fundamental do ser individual. Sua proteção legal
constitui um interesse compartido do indivíduo e do Estado.

O bem da vida não se limita apenas a tipificação do


homicídio, mas em outras figuras delituosas, como o aborto,
suicídio e o infanticídio, que são figuras autônomas.

O delito do Art. 121 é um tipo penal de mera descrição


objetiva – matar alguém – em que só existe núcleo (matar), e
sujeito passivo, ou objeto material (alguém).

Objetividade Jurídica: Como diz o capítulo, a objetividade


jurídica é a proteção da vida, não só no Art. 121, como também
por todos os crimes previstos neste capítulo, com reflexo na vida
intrauterina, como no caso do aborto.

Vida: Não é pacífico o conceito de vida. Segunda Galeno,


“viver é respirar”, “não ter respirado é não ter vivido”. Tal definição
não é exata. Pode-se nascer asfixio, sem que se deixe de estar
vivo. A respiração é prova de vida, porém esta se demonstra por
outros meios, como batimento do coração, movimento
circulatório, etc.

5
O Direito protege a vida desde a sua formação embrionária.
Desde então, até o início do parto a sua eliminação tipifica o
crime de aborto. Iniciado o parto a conduta de suprimi-la já
tipificará o crime de homicídio.

Existem tipos penais nos quais a morte não é objeto do tipo


penal. Sua superveniência, no entanto, pode representar causa
de maior reprovabilidade, refletindo na punição. Exemplo: lesão
corporal seguida de morte, omissão de socorro, abandono de
incapaz, latrocínio, etc.

Pode-se afirmar que os crimes contra a vida estão divididos


em dois grupos distintos:

a) Crimes de Dano: homicídio, participação em suicídio,


infanticídio e o aborto. São os casos em que a CF atribuí a
competência de julga-los ao Tribunal do Júri. Exceção do
homicídio culposo.

b) Crime de Perigo: não estão definidos como crimes contra


a vida, encontrando-se alojados no Capítulo III do mesmo Título I
da Parte Especial sob a denominação crimes de periclitação da
vida e da saúde, pois colocam em perigo a vida de pessoa
determinada. São eles: perigo de contágio venéreo, perigo para a
vida ou saúde de outrem, abandono de incapaz, etc.

Sujeito Ativo: é o ser humano, isolado ou associado. Pode


agir por si mesmo ou com emprego de meios dos mais diversos.
Pode ser qualquer pessoa, pois é crime comum, não requer
nenhuma condição particular do agente.

Sujeito Passivo: é o Estado e o indivíduo. Particularmente é


o indivíduo ou ser vivo nascido de mulher, ou que está nascendo.

6
A vida começa com o início do parto. Antes do início do parto, o
crime será de aborto. É suficiente a vida, sendo indiferente a
capacidade de viver. Para o nosso Código, a eliminação ou
destituição do feto durante o parto, já caracteriza homicídio e
excepcionalmente, pode caracterizar o crime de infanticídio.

Não se admite como sujeito ativo do homicídio a própria


vítima, uma vez que não é crime matar-se a si mesmo, e, ainda
que fosse, seria suicídio. Essa conduta isoladamente constitui um
indiferente penal.

Sujeito Passivo Especial: quando o sujeito passivo for o


Presidente da República, o Presidente do Senado Federal, o
Presidente da Câmara dos Deputados ou do STF., o crime será
contra a Segurança Nacional (Art. 29 da Lei 7170/83).

Quando se tratar de vítima menor de 14 anos, ou maior de


60 anos, a pena será majorada em 1/3 (2ª parte do § 4º do Art.
121, com redação dada pela lei 8069/90 – ECA e pela lei
10.741/03 Estatuto do Idoso).

Ação Física: constitui o núcleo do tipo, isto é, o verbo


MATAR. É a extinção da vida humana, não importando o meio
usado. Pode ser direto ou indireto. No primeiro, o agente age
diretamente no corpo da vítima. Será meio indireto, por exemplo,
a exposição da pessoa em lugar onde não seja possível a vida,
quer pela temperatura, quer pelo ar irrespirável, etc.

Tipo Objetivo: matar alguém. É o enunciado mais conciso,


objetivo, preciso e inequívoco de todo o CPB. A concisão deste
tipo penal, representa, ao mesmo tempo, sua extraordinária
amplitude, na medida em que não estabelece nenhuma limitação

7
na conduta de matar alguém, e nisso reside toda a sua
abrangência.

Tipo Subjetivo: é o dolo direto e eventual, constituindo-se na


livre vontade de matar alguém. A lei considera também o
homicídio culposo e o preterdoloso.

Consumação e Tentativa: o homicídio é um delito material


que requer um evento, um resultado – a morte da vítima –
causada pela ação do sujeito ativo. O momento consumativo é o
do resultado, ou seja, a morte do sujeito passivo. Como crime
material, admite-se a tentativa. Pode ocorrer também as
hipóteses da desistência voluntária e arrependimento eficaz.

Classificação do Crime de Homicídio: é um crime comum, de


dano, material, instantâneo, simples e de forma livre.

Observação: Incide sobre esse tipo legal as normas da parte


geral do CP, como o erro, as excludentes de antijuridicidade, o
crime impossível, o concurso de pessoas, a tentativa, etc.

Materialidade do Homicídio: é um crime que deixa vestígios.


O senso comum não desconhece que não se pode falar em
homicídio se não existir cadáver. No entanto, a ausência do
cadáver, por si só, não é fundamento suficiente para negar a
existência de homicídio, pois o próprio ordenamento jurídico
admite, como exceção, outros meios de prova que podem levar a
convicção segura da existência da morte de alguém.

Art. 121, caput – Homicídio simples

É a figura básica, elementar, original na espécie. É a


realização estrita da conduta típica de matar alguém. O homicídio

8
qualificado apenas acrescenta ao homicídio simples maior
desvalor da ação, representado por circunstâncias particulares,
que determinam sua maior reprovabilidade, sendo que a conduta
nuclear típica é a mesma, matar alguém. O homicídio simples, em
tese, não é objeto de qualquer motivação especial, morar ou
imoral, tampouco a natureza dos meios empregados ou dos
modos de execução.

Homicídio Simples e Crime Hediondo: quando o homicídio


simples for cometido em atividade típica de grupos de
extermínios, mesmo que por um único executor, é definido como
crime hediondo. (Art. 1º, I, da Lei 8072/90, com redação da Lei
8930/94).

Extermínio é a matança generalizada, é a chacina que


elimina a vítima pelo simples fato de pertencer a determinado
grupo ou classe social ou racial. Exemplo: mendigos, prostitutas,
homossexuais, presidiários, etc. É irrelevante a unidade ou
pluralidade de vítimas, desde que apresente a impessoalidade da
ação, ou seja, pertencer ou ser membro de determinado grupo
social, ético, econômico, etino, etc.

As chacinas de Vigário Geral, Carandiru e Candelária,


escancararam a violência grupal, culminando nesta Lei.

Frisa-se que todas as figuras de homicídio qualificado são


condutas hediondas.

Art. 121, § 1º - Homicídio privilegiado

As circunstâncias especialíssimas elencadas no § 1º do Art.


121 minoram a sanção aplicável ao crime de homicídio. Contudo

9
não se trata de elementares do tipo, mas causas de diminuição
da pena.

O privilégio está previsto em três figuras típicas:

a) matar alguém impelido por motivo de relevante valor


social;

b) matar alguém impelido por motivo de relevante valor


moral;

c) matar alguém sob o domínio de violenta emoção, logo


após injusta provocação da vítima.

As “privilegiadoras” não se comunicam na hipótese de


concurso de pessoas. (Art. 30 do CP).

Os motivos de relevante valor social e moral estão previstos


no Art. 65, III, “a” do CP como circunstâncias atenuantes
genéricas. Aqui o legislador transformou tais circunstâncias em
causas de diminuição de pena. Neste caso não incidem as
atenuantes genéricas. De outra forma, o homicida seria
beneficiado duas vezes em face do mesmo motivo,
caracterizando o bis in idem.

Motivo de relevante valor social: ocorre quando a causa do


delito diz respeito a um interesse coletivo. A motivação é ditada
em face de um interesse que diz respeito a todos os cidadãos de
uma coletividade. Exemplo: o sujeito mata o vil traidor da pátria.

Motivo de relevante valor moral: diz respeito a um interesse


particular. Exemplo: o sujeito mata o estuprador de sua filha,
eutanásia, etc.

10
Não será qualquer motivo social ou moral que terá condição
de privilegiar o homicídio. É necessário que seja relevante,
importante, notável e digno de apreço, em cada caso.

O valor social ou moral do motivo deve ser considerado


sempre objetivamente, segundo a média existente na sociedade,
e não subjetivamente segundo a opinião do agente.

A última figura típica privilegiada descreve o homicídio


cometido pelo sujeito sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação do ofendido.

Não se confunde com a atenuante genérica do Art. 65, II, “c“


em sua parte final, do CP. No homicídio privilegiado o agente se
encontra sob o domínio de violenta emoção e há de realizar a
conduta logo após a provocação da vítima. Na atenuante
genérica, ele se acha sob a influência da emoção, não exigindo o
requisito temporal.

Requisitos:

a) emoção violenta;

b) injusta provocação da vítima;

c) sucessão imediata entre a provocação e a reação.

É necessário que a vítima somente tenha provocado o


sujeito ativo. Se a provocação tomar ares de agressão,
estaremos em face de legitima defesa (tem que haver
proporcionalidade).

Uma vez reconhecido o privilégio pelo Tribunal do Júri, o juiz


fica obrigado a aplicá-lo, limitando-se o quantum de redução,

11
dentro do limite de 1/6 a 1/3, que será fixado de forma
discricionário pelo Juiz.

Curiosidade: a eutanásia ou homicídio piedoso é motivo de


relevante valor moral, provada a ausência de egoísmo no
matador (trabalho com o enfermo, gastos excessivos, etc.).
Porém sua prática é crime (Art. 121, § 1º do CP).

O marido que mata a mulher que o traiu, em estado


passional, comete o delito de homicídio, aplicando-lhe a
privilegiadora.

Art. 121, § 2º - Homicídio qualificado

Ocupa-se o § 2º do Art.121 com o homicídio qualificado. Do


elenco das circunstâncias agravantes do Art. 61 do CP, o
legislador tirou algumas delas definindo o crime de homicídio com
a pena majorada. É o oposto do homicídio privilegiado, já que as
circunstâncias deste suavizam as penas cominadas no homicídio
simples.

O rol das privilegiadoras são:

a) Paga ou promessa de recompensa: este é um crime de


execução atribuída aos famosos “jagunços”. É um crime
mercenário. Na paga o agente recebe previamente a recompensa
pelo crime, o que não acontece na promessa de recompensa, em
que há somente a expectativa de paga, cuja efetivação está
condicionada à prática do crime.

Não é necessário que a recompensa seja em dinheiro,


podendo revestir-se de qualquer vantagem para o agente, de
natureza patrimonial ou pessoal. Respondem pelo crime

12
qualificado o agente que praticou a conduta e o que pagou ou
prometeu a recompensa.

É desnecessário também, que o agente receba a


recompensa para qualificar o homicídio, sendo suficiente que
tenha havido a sua promessa. Os mandados gratuitos não
qualificam o crime, tampouco eventuais benefícios concedidos a
posteriori, com relação aos quais não haja acordo prévio.

Trata-se essa modalidade, de crime bilateral ou de concurso


necessário, no qual é indispensável à participação de, no mínimo,
duas pessoas, isto é, quem paga para o crime ser cometido e
quem executa pela paga ou recompensa.

b) Motivo Torpe: é o motivo que atinge mais profundamente


o sentimento ético-social da coletividade, é o motivo repugnante,
abjeto, vil, indigno, que repugna a consciência média. Exemplo:
matar alguém para adquirir-lhe a herança, por ódio de classe,
vaidade ou prazer de ver sofrer, vingança. A paga e a promessa
de recompensa são motivos torpes. O ciúme não é motivo torpe,
e também não pode ser confundido com motivo fútil, diz a
jurisprudência.

c) Motivo Fútil: é o motivo insignificante, banal, apresentando


desproporção entre o crime e sua causa moral. Exemplo: matar o
garçom porque encontrou uma mosca na sopa, matar o cobrador
porque errou no troco, matar a esposa porque deixou queimar o
feijão, acidente de trânsito, rompimento de namoro, pequenas
discussões familiares, vítima “olhou feito” para o homicida, ou rio
dele, etc.

13
O motivo fútil não se confunde com falta de motivo. Assim se
o agente pratica o fato sem razão alguma, não incide essa
qualificado. Na verdade, essa afirmação/constatação é uma
aberração jurídica. A presença de um motivo fútil qualifica o
homicídio, no entanto, a completa ausência de motivo, que deve
tornar mais censurável a conduta, pela gratuidade, não o
qualifica.

Damásio e Celso Delmanto entendem que a falta de motivos


não qualifica o crime. Fernando Capez, ao contrário, ensina que
matar alguém sem nenhum motivo é ainda pior que matar por
mesquinharia, estando, portanto, incluído no conceito de fútil. A
posição da jurisprudência pende para a equiparação entre
ambos.

As circunstâncias qualificadoras presentes no caso concreto,


não se comunicam entre os coautores. A menos que o partícipe
tinha conhecimento desta circunstância.

d) Veneno: é toda substância, biológica ou química, que


introduzida no organismo, pode produzir lesões ou causar a
morte. Uma substância teoricamente inócua pode assumir a
condição venenosa, segundo as condições especiais da vítima.
Exemplo: ministrar açúcar à pessoa diabética.

A utilização de veneno, que é meio insidioso, só qualifica o


crime se for feita dissimuladamente. Para o envenenamento
constituir meio insidioso é indispensável que a vítima desconheça
a circunstância de estar sendo envenenada. Sua administração
forçada ou com conhecimento da vítima não qualifica o crime.
Eventualmente pode caracterizar outra qualificadora, o meio

14
cruel. Convém destacar que o envenenamento exige prova
pericial toxicológica.

e) Fogo ou Explosivo: podem constituir meio cruel ou meio


de que pode resultar perigo comum, dependendo das
circunstâncias. Aliás, foram elencados no Código como exemplos
de crimes de perigo comum, mas nada impede de constituírem
meios cruéis, como vem ocorrendo nos atentados a mendigos e
indígenas nas grandes cidades. Explosivo é qualquer objeto
capaz de provocar explosão. O emprego de explosivo pode
ocorrer pelo manuseio de bomba caseira, coquetel molotov, etc.
Explica-se o emprego do fogo com a utilização de produtos
inflamáveis, seguido de ateamento de fogo. Exemplo: índio
pataxó.

f) Asfixia: é o impedimento da função respiratória, com a


consequente falta de oxigênio no sangue do indivíduo. Essa
supressão do oxigênio, por determinado período, leva à morte.

A asfixia pode ser mecânica ou tóxica. Ocorre a primeira nos


casos de enforcamento, afogamento, imprensamento,
estrangulamento, submersão e esganadura. Já a asfixia tóxica se
dá pelo ar confinado, pelo óxido de carbono e pelas viciações do
ambiente.

g) Tortura: é meio que causa prolongado e desnecessário


padecimento. A Lei nº 9.455/ 97, ao definir o crime de tortura,
cominou em uma pena de 8 a 16 anos de reclusão para a
hipótese de resultar a morte da vítima. (Art. 1º, § 3º, 2ª parte).
Então vejamos, se ao torturar alguém, o sujeito ativo age com
animus necandi, deverá responder pelo crime de homicídio
qualificado pela tortura (Art. 121, § 2º, III, 5ª figura). Contudo, se o

15
resultado morte for preterdoloso, isto é, se a tortura tenha sido
dolosa, mas o resultado morte, enquanto evento qualificador, for
produto da culpa, estaremos diante da figura capitulada na Lei nº
9.455/97, que configura uma nova modalidade de homicídio
preterintencional, além daquele do Art. 129, § 3º do CP. Vale
lembrar, que se durante a tortura o sujeito ativo resolve matar a
vítima, há dois crimes em concurso material (Art. 69 do CP).

h) Meios Insidioso e Cruel: insidioso é meio disfarçado,


dissimulado, ardiloso, que objetiva surpreender a vítima
desatenta e indefesa. Cruel é a forma brutal de perpetrar o crime,
é meio bárbaro, martirizante, que revela ausência de piedade,
sadismo. Causa a vítima sofrimento desnecessário. A crueldade
realizada após a morte da vítima não qualifica o crime (crime
impossível).

i) Meio que possa resultar perigo comum: é aquele que pode


atingir um número indefinido ou indeterminado de pessoas. Nada
impede que haja concurso formal do homicídio com crime de
perigo comum, quando o meio escolhido pelo sujeito ativo, além
de atingir a vítima visada, criar também situação concreta de
perigo para um número indeterminado de pessoas. Exemplo:
incêndio (Art. 250), explosão (Art. 251), inundação (Art.254), etc.

j) Traição: é o ataque sorrateiro, inesperado. Exemplo: tiro


pelas costas. Traição como qualificadora do homicídio, é a
ocultação moral ou mesmo física da intenção do sujeito ativo, que
viola a confiança da vítima, é a deslealdade. A traição pode ser
física, como matar pelas costas, ou moral, no caso de o sujeito
atrair a vítima a local onde existe um poço. Não se configura a
traição se a vítima pressente a intenção do agente. Igualmente
não se configura se houver tempo para a vítima fugir.

16
k) Emboscada: É a tocaia. Etimologicamente significa
esperar no bosque. É a ação premeditada de aguardar oculto a
presença da vítima para surpreendê-la. O homicídio qualificado
pela emboscada é sempre um crime premeditado. Trata-se de
uma das formas mais covardes da ação humana criminosa.

Cumpre esclarecer que a “premeditação” não constitui causa


de qualificação. Entretanto, tal circunstância não é irrelevante
diante da pena, podendo agravá-la nos termos do Art. 59 do CP
(circunstâncias judiciais), caso não seja emboscada.

l) Dissimulação: é a ocultação da intenção hostil, do projeto


criminoso. O sujeito ativo dissimula, se faz passar por amigo da
vítima, que assim não tem razões de desconfiar do ataque e é
apanhada desatenta.

m) Qualquer outro recurso que dificulte ou impossibilite a


defesa: é necessário que tais meios se assemelhem à traição,
emboscada ou dissimulação. Exemplo: surpresa. Em regra geral,
tem a finalidade de permitir a qualificadora mesmo quando o
recurso utilizado à prática do crime tenha dificuldade de adequar-
se a uma ou outra das modalidades especificas nos dispositivos.

Na verdade, traição, emboscada, dissimulação e surpresa


são recursos insidiosos que dificultam ou, muitas vezes, tornam
impossível a defesa da vítima.

n) Assegurar a execução, ocultação, impunidade ou


vantagem de outro crime: qualquer que seja ele. Na primeira
hipótese, o que qualifica o homicídio não é prática efetiva de
outro crime, mas o fim de assegurar a execução desse outro
crime, que pode vir a ocorrer ou não. Exemplo: quem para

17
sequestrar alguém, mata o guarda-costas. Responderá por
homicídio qualificado mesmo que a seguir desista de efetuar o
sequestro. Nas duas outras hipóteses de ocultação ou
impunidade – a finalidade do sujeito é destruir a prova de outro
crime e evitar as consequências jurídico-penais. Exemplo: o
sonegador mata o fiscal que o surpreende; o falsário com medo
de ser delatado, mata o coparticipe, etc. Finalmente para
assegurar vantagem de outro crime. É garantir o êxito do
empreendimento delituoso, o aproveitamento da vantagem que o
crime assegurado pode proporcionar-lhe, patrimonial ou não,
direta ou indireta.

É irrelevante que o que o autor do homicídio aja no interesse


próprio ou alheio.

Pergunta: É possível a coexistência de homicídio qualificado


(§2º) com homicídio privilegiado (§ 1º)?

Resposta: Há duas correntes. Para a primeira, não podem


coexistir, pois não se pode reconhecer, ao mesmo tempo,
situações que agravem e amenizem a sanção penal. Já para a
segunda corrente, (majoritária) poderão coexistir, desde que as
qualificadoras sejam de natureza objetiva, vez que todas as
privilegiadoras são de natureza subjetiva. Desta forma, admite-se
a figura do homicídio privilegiado-qualificado, sendo fundamental,
a natureza das circunstâncias.

A lei nº 13.104/15 criou uma nova qualificadora para o


crime de homicídio, chamada de FEMINICÍDIO, como abaixo
veremos:

18
Comentários ao tipo penal do feminicídio (Art. 121, § 2º, VI,
do CP):

Foi publicada em 10/03/2015, a Lei nº 13.104/2015, que


prevê o FEMINICÍDIO como qualificadora do crime de homicídio;
e inclui o FEMINICÍDIO no rol dos crimes hediondos.

Vejamos algumas impressões iniciais a respeito da novidade


legislativa.

O que é feminicídio?

Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra a mulher


por “razões da condição de sexo feminino”, ou seja, desprezando,
menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima
enquanto mulher, como se as pessoas do sexo feminino tivessem
menos direitos do que as do sexo masculino.

Existe diferença entre feminicídio e femicídio?

Femicídio significa praticar homicídio contra mulher (matar


mulher);

Feminicídio significa praticar homicídio contra mulher por


“razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero).

A nova Lei trata sobre FEMINICÍDIO, ou seja, pune mais


gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de
sexo feminino” (por razões de gênero). Não basta a vítima ser
mulher.

Como era a punição do feminicídio?

Antes da Lei nº 13.104/2015, não havia nenhuma punição


especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher

19
por razões da condição de sexo feminino. Em outras palavras, o
feminicídio era punido, de forma genérica, como sendo homicídio
(Art. 121 do CP).

A depender do caso concreto, o feminicídio (mesmo sem ter


ainda este nome) poderia ser enquadrado como sendo homicídio
qualificado por motivo torpe (inciso I do § 2º do Art. 121) ou fútil
(inciso II) ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se
defender (inciso IV). No entanto, o certo é que não existia a
previsão de uma pena maior para o fato de o crime ser cometido
contra a mulher por razões de gênero.

A Lei nº 13.104/2015 veio alterar esse panorama e previu,


expressamente, que o feminicídio, deve agora ser punido como
homicídio qualificado.

A Lei Maria da Penha já não punia isso?

NÃO. Até o advento da Lei nº 13.641 de 03/04/2018 a Lei


Maria da Penha não trazia um rol de crimes em seu texto. Esse
não era seu objetivo. A Lei nº 11.340/2006 trazia unicamente
regras processuais instituídas para proteger a mulher vítima de
violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas, salvo uma
pequena alteração feita no Art. 129 do CP.

Entretanto a Lei nº 13.641/2018 criou o Art. 24-A na Lei


Maria da Penha, tipificando como crime o descumprimento de
medidas protetivas de urgência, com uma pena de 3 meses a 2
anos. A nova lei interrompeu o ciclo de uma jurisprudência que se
desenvolvia no sentido de atipicidade do descumprimento da
medida protetiva de urgência.

20
Sujeito ativo do feminicídio: pode ser qualquer pessoa (trata-
se de crime comum). O sujeito ativo do feminicídio normalmente é
um homem, mas também pode ser mulher.

Sujeito passivo feminicídio: obrigatoriamente deve ser uma


pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que do
sexo feminino).

Mulher que mata sua companheira homoafetiva, pode


caracterizar feminicídio se o crime foi por razões da condição de
sexo feminino.

Diferenças entre transexual, homossexual e travesti:

Transexual é o indivíduo que possui características físicas


sexuais distintas das características psíquicas. Segundo a
Organização Mundial de Saúde, a transexualidade é um
transtorno de identidade de gênero. A identidade de gênero é o
gênero como a pessoa se enxerga (como homem ou mulher).
Assim, em simples palavras, o transexual tem uma identidade de
gênero (sexo psicológico) diferente do sexo físico, o que lhe
causa intenso sofrimento.

Existem algumas formas de acompanhamento médico


oferecidas ao transexual, dentre elas a cirurgia de redesignação
sexual (transgenitalização), que pode ocorrer tanto para
redesignação do sexo masculino em feminino, como o inverso.

A cirurgia para a transformação do sexo masculino em


feminino é chamada de “neocolpovulvoplastia” e consiste, na
maioria dos casos, na retirada dos testículos e a construção de
uma vagina (neovagina), utilizando-se a pele do pênis ou de parte
da mucosa do intestino grosso.

21
O Conselho Federal de Medicina editou a Resolução
1652/2002-CFM regulamentando os requisitos e protocolos
médicos necessários para a realização da cirurgia de
transgenitalização.

Importante, ainda, esclarecer que transexual não é o mesmo


que homossexual ou travesti. A definição de cada uma dessas
terminologias ainda está em construção, sendo ponto polêmico,
mas em simples palavras, a homossexualidade (não se fala
homossexualismo) está ligada à orientação sexual, ou seja, a
pessoa tem atração emocional, afetiva ou sexual por pessoas do
mesmo gênero. O homossexual não possui nenhuma
incongruência de identidade de gênero. A travesti (sempre se
utiliza o artigo de gênero no feminino), por sua vez, possui
identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, mas,
diferentemente dos transexuais, não deseja realizar a cirurgia de
redesignação sexual.

Vítima homossexual (sexo biológico masculino): não haverá


feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo
masculino.

Vítima travesti (sexo biológico masculino): não haverá


feminicídio, considerando que o sexo físico continua sendo
masculino.

Transexual que realizou cirurgia de transgenitalização


(neovagina) pode ser vítima de feminicídio se já obteve a
alteração do registro civil, passando a ser considerada mulher
para todos os fins de direito?

22
NÃO. A transexual, sob o ponto de vista estritamente
genético, continua sendo pessoa do sexo masculino, mesmo
após a cirurgia.

Não se discute que a ela devem ser assegurados todos os


direitos como mulher, eis que esta é a expressão de sua
personalidade. É assim que ela se sente e, por isso, tem direito,
inclusive de alterar seu nome e documentos, considerando que
sua identidade sexual é feminina. Trata-se de um direito seu,
fundamental e inquestionável.

No entanto, tão fundamental como o direito à expressão de


sua própria sexualidade, é o direito à liberdade e às garantias
contra o poder punitivo do Estado.

O Legislador tinha a opção de, legitimamente, equiparar a


transexual à vítima do sexo feminino, até porque são plenamente
equiparáveis. Porém, não o fez. Não pode o intérprete, a pretexto
de respeitar a livre expressão sexual do transexual, valer-se de
analogia para punir o agente. Enfim, a transexual que realizou a
cirurgia e passou a ter identidade sexual feminina é equiparada à
mulher para todos os fins de direito, menos para agravar a
situação do réu. Isso porque, em direito penal, somente se
admitem equiparações que sejam feitas pela lei, em obediência
ao princípio da estrita legalidade. Deve-se salientar, contudo, que,
em sentido contrário, a Prof. Alice Bianchini, maior especialista do
Brasil sobre o tema, defende, em palestra disponível no Youtube,
que a transexual que realizou a cirurgia pode sim ser vítima de
feminicídio.

Mas, afinal, o que são “razões de condição de sexo


feminino”?

23
O Legislador previu, no § 2º-A do Art. 121, uma norma penal
interpretativa, ou seja, um dispositivo para esclarecer o
significado dessa expressão.

§ 2º-A - Considera-se que há “razões de condição de sexo


feminino” quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Na violência doméstica e familiar (inciso I), haverá


feminicídio quando o homicídio for praticado contra a mulher em
situação de violência doméstica e familiar.

 Ao afirmar isso, o Legislador ampliou bastante o conceito de


feminicídio, já que, pela redação literal do inciso I não seria
necessário discutir os motivos que levaram o autor a
cometer o crime. Pela interpretação literal, não seria
indispensável que o delito tivesse relação direta com razões
de gênero. Tendo sido praticado homicídio (consumado ou
tentado) contra pessoa do sexo feminino envolvendo
violência doméstica, haveria feminicídio.

 Ocorre que a interpretação literal e isolada do inciso I não


me parece a melhor. É preciso contextualizar o tema e
buscar a interpretação sistemática, socorrendo-se da
definição de “violência doméstica e familiar” encontrada no
Art. 5º da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que
assim a conceitua:

 Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência


doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou

24
omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida


como o espaço de convívio permanente de pessoas,
com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a


comunidade formada por indivíduos que são ou se
consideram aparentados, unidos por laços naturais, por
afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o


agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,
independentemente de coabitação.

Desse modo, conclui-se que, mesmo no caso do feminicídio


baseado no inciso I do § 2º-A do Art. 121, será indispensável que
o crime envolva motivação baseada no gênero (“razões de
condição de sexo feminino”). Exemplo 1: marido que mata a
mulher porque acha que ela não tem “direito” de se separar dele;
Exemplo 2: companheiro que mata sua companheira porque
quando ele chegou em casa o jantar não estava pronto.

Por outro lado, ainda que a violência aconteça no ambiente


doméstico ou familiar e mesmo que tenha a mulher como vítima,
não haverá feminicídio se não existir, no caso concreto, uma
motivação baseada no gênero (“razões de condição de sexo
feminino”). Exemplo: duas irmãs, que vivem na mesma casa,
disputam a herança do pai falecido; determinado dia, uma delas

25
invade o quarto da outra e a mata para ficar com a totalidade dos
bens para si; esse crime foi praticado com violência doméstica, já
que envolveu duas pessoas que tinha relação íntima de afeto,
mas não será feminicídio porque não foi um homicídio baseado
no gênero (não houve violência de gênero, menosprezo à
condição de mulher), tendo a motivação do delito sido meramente
patrimonial.

No menosprezo ou discriminação à condição de mulher


(inciso II), é necessário que, além da vítima ser mulher, necessita
ser caracterizado que o crime foi motivado ou está relacionado
com o menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Exemplo: funcionário de uma empresa que mata sua colega de
trabalho em virtude de ela ter conseguido a promoção em
detrimento dele, já que, em sua visão, ela, por ser mulher, não
estaria capacitada para a função.

O feminicídio pode ser tentado ou consumado.

Tipo subjetivo: o feminicídio pode ser praticado com dolo


direto ou eventual.

Natureza da qualificadora: a qualificadora do feminicídio é de


natureza subjetiva, ou seja, está relacionada com a esfera interna
do agente (“razões de condição de sexo feminino”). Ademais, não
se trata de qualificadora objetiva porque nada tem a ver com o
meio ou modo de execução.

Por ser qualificadora subjetiva, em caso de concurso de


pessoas, essa qualificadora não se comunica aos demais
coautores ou partícipes, salvo se eles também tiverem a mesma
motivação. Exemplo: João deseja matar sua esposa (Maria) e,

26
para tanto, contrata o pistoleiro profissional Pedro, que não se
importa com os motivos do mandante, já que seu intuito é apenas
lucrar com a execução; João responderá por feminicídio (Art. 121,
§ 2º, VI) e Pedro por homicídio qualificado mediante paga (Art.
121, § 2º, I); a qualificadora do feminicídio não se estende ao
executor, por força do Art. 30 do CP, senão vejamos:

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as


condições de caráter pessoal, salvo quando
elementares do crime.

Impossibilidade de feminicídio privilegiado.

O § 1º do Art. 121 do CP prevê a figura do homicídio


privilegiado nos seguintes termos:

§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo


de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de
violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.

É possível aplicar o privilégio do § 1º ao feminicídio? É


possível que exista feminicídio privilegiado?

NÃO. A jurisprudência até admite a existência de homicídio


privilegiado-qualificado (objetiva). No entanto, para isso, é
necessário que a qualificadora seja de natureza objetiva. No caso
do feminicídio, a qualificadora é subjetiva. Logo, não é possível
que haja feminicídio privilegiado.

27
Causas de aumento de pena: A Lei n  13.104/2015 previu
também três causas de aumento de pena exclusivas para o
feminicídio:
§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a
metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao
parto;
II – contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60
(sessenta) anos ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.

Crime Hediondo: a Lei nº 13.104/2015 alterou o Art. 1º da


Lei nº 8.072/90 e passou a prever que o feminicídio é crime
hediondo.

HOMICÍDIO FUNCIONAL: foi acrescido o VII ao § 2º do Art.


121, pela Lei nº 13.142/15, onde o Legislador qualificou o
homicídio praticado contra integrantes do sistema de segurança
pública e membros das forças armadas. Mencionado inciso faz
menção a autoridade e agentes, descritos nos Art. 142 (Forças
Armadas) e Art. 144 (Integrantes da Segurança públicas- policias)
ambos da CF. Nota-se que a motivação da qualificadora está em
matar o policial, por ser pertencente à referidas instituições, ou
seja, no exercício da função ou em razão dela. Menciona ainda o
delito pratica contra seu cônjuge, companheiro ou parente
consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição.

Nota Importante: Há entendimento jurisprudencial que


filhos adotivos não estão incluídos na qualificadora supra, tendo
em vista que, por um erro, o legislador incluiu no texto legal a
palavra “consanguíneo”. Todavia, embora reconhecidamente
tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código Civil não

28
existir quaisquer diferenças entre filhos consanguíneos e
adotivos, em Direito Penal não há a analogia in mallan partem,
desta feita, não se reconheceria por analogia a qualificadora para
condição de filhos adotivos.

!! A Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), acrescentou


nova qualificadora ao crime de homicídio doloso - artigo 121,
§2º: VIII "Se o crime é praticado com emprego de arma de
fogo de uso restrito ou proibido. Pena — reclusão de 12 a 30
anos.

Embora esta qualificadora tenha sido incluída pela Lei nº


13.964/2019, encontrava-se vetada pelo Presidente da República,
vindo o veto a ser derrubado pelo Congresso Nacional apenas
em 19/04/2021.

Cumpre consignar que se trata de uma norma penal em


branco, devendo ser complementada por outros atos normativos.

O Decreto federal nº 10.030/19 define arma de fogo como


"arma que arremessa projéteis empregando a força expansiva
dos gases, gerados pela combustão de um propelente confinado
em uma câmara, normalmente solidária a um cano, que tem a
função de dar continuidade à combustão do propelente, além de
direção e estabilidade ao projétil". Tal conceito é completado pelo
artigo 2º, I, II e III, do Decreto federal nº 9.847/17, o qual elencou
as armas de uso permitido, restrito e proibido.

Para saber quais armas de fogo se adequam ao conceito de


uso restrito ou proibido deve-se observar o art. 3º, parágrafo
único, do Anexo I do Decreto 10.030/19:

29
Art. 3º (…). Parágrafo único. Para fins do disposto neste
Regulamento, considera-se: II – arma de fogo de uso restrito –
as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre,
semiautomáticas ou de repetição que sejam: a) não portáteis; b)
de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição
comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética
superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte
joules; ou c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a
utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova,
energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil
seiscentos e vinte joules”. III – arma de fogo de uso proibido: a)
as armas de fogo classificadas como de uso proibido em acordos
ou tratados internacionais dos quais a República Federativa do
Brasil seja signatária; e b) as armas de fogo dissimuladas, com
aparência de objetos inofensivos.

A nova qualificadora é de natureza objetiva, estabelecendo-


se maior reprimenda àquele que se utiliza de armamento de uso
restrito para realizar sua empreitada criminosa.

Concurso aparente de normas e à proibição ao bis in idem:


tendo em vista a proibição de se punir o indivíduo mais de uma
vez em razão do mesmo fato ou circunstância (ne bis in idem),
não é possível, em regra, a punição pelo crime de homicídio e
também de porte de arma. Conforme o entendimento existente
mesmo antes da alteração, aplica-se o princípio da consunção,
sendo o porte de arma (crime-meio), absorvido pelo homicídio
(crime-fim). Isso porque o porte foi somente um meio para a
consumação do homicídio, o qual era efetivamente o crime-fim
buscado pelo agente.

30
No entanto, se restar comprovada que houve a posse ou
porte da arma de fogo em ocasião anterior não relacionada com o
homicídio, será possível a punição por ambos os crimes, em
concurso material. Assim, se o agente comprou a arma uma
semana antes com o objetivo específico de realizar o homicídio,
somente há punição por este; se comprou porque efetivamente
queria ter a arma que não possuía autorização para ter ou portar,
por outro motivo, e só eventualmente decidiu usar no homicídio,
há o concurso material.

Pluralidade de qualificadoras: é quando a conduta do agente


se enquadrar em mais de uma qualificadora, temos então o
homicídio duplamente ou triplamente qualificado. Porém, basta
uma única circunstância qualificadora para deslocar a conduta do
caput para o § 2º do Art. 121. As demais qualificadoras são
consideradas como circunstâncias judiciais do Art. 59 do CP.

Art. 121 § 3° - Homicídio culposo

Quando o Código admite a modalidade culposa, faz


referência expressa à figura culposa, quando não a admite,
silencia a respeito. Por isso, quando o sujeito pratica o fato
culposamente e a figura típica não admite a forma culposa, não
há crime.

O § 3º do Art. 121 do CP deve ser interpretado em conjunto


com o Art. 18, II do mesmo diploma: “Disse o crime culposo,
quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia”.

O tipo culposo tem uma estrutura diferente do injusto doloso,


não contendo o chamado tipo subjetivo, em razão da natureza

31
normativa da culpa. Não há em que se falar em tentativa de crime
culposo. A doutrina brasileira admite a coautoria em crime
culposo. No entanto o Direito Penal Brasileiro não admite a
compensação de culpa. Eventual culpa da vítima não exclui a do
agente. Elas não se compensam.

Homicídio culposo no trânsito: o homicídio culposo e a lesão


corporal culposa recebem tratamento diferenciado no CTB com
aumento da sanção. Pelo princípio da especialidade, os delitos
dessa natureza se enquadram no Art. 302 e 303 do CTB, e não
mais no Código Penal. Os demais casos de homicídio ou LCC,
continuam sendo apreciados à luz do CP.

Ação Penal: É ação pública incondicionada em todas as


suas formas.

Súmula 605 do STF: Não se admite a continuidade delitiva


nos crimes contra a vida. (Art. 71 do CP).

Art. 121, § 4º - Aumento de pena no homicídio culposo

A inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício


é uma majorante, que não se confunde com a imperícia
(modalidade de culpa). Imperícia indica inaptidão, inabilidade
profissional ou insuficiência de capacidade técnica. Nesta
majorante, o agente conhece a regra técnica, mas não a observa.
Há uma displicência de regra técnica. Só é aplicável a
profissional, uma vez que somente nessa hipótese é maior o
cuidado objetivo necessário.

Deixar de prestar imediato socorro à vítima após a


ocorrência de um fato culposo, também é uma majorante. Se o
sujeito, após causar um acidente qualquer causando vítima, sem

32
risco pessoal, não lhe presta assistência, vindo ela a falecer, não
responde por dois crimes: homicídio culposo e omissão de
socorro (Art. 135 CP). Responde por homicídio culposo
qualificado pela omissão de socorro (§ 4º). Somente incide a
qualificadora se cabível o socorro. Se a vítima falece no local, não
há em que se falar na circunstância de exasperação da pena.

No que diz a respeito da fuga para evitar a prisão em


flagrante, exige-se a finalidade específica. Não se confunde com
a omissão de socorro, embora de difícil identificação de uma e
outra. Não incide a qualificadora quando o sujeito foge para evitar
um linchamento.

A 2ª parte do parágrafo se refere a menor de 14 anos.


Quando ocorrer o delito de homicídio (forma dolosa) em que a
vítima for menor de 14 anos, ou maior de 60 anos, a pena é
aumentada de 1/3. Redação dada pelo Estatuto do Idoso e pelo
ECA.

Art. 121, § 5º - Perdão judicial

Refere-se a hipótese em que o agente é punido diretamente


pelo próprio fato que praticou. A gravidade das consequências
deve ser aferida em função da pessoa do agente. As
consequências de que se cogita não se limitam aos danos
morais, podendo constituir-se de danos materiais. Exemplo: pai
causa acidente automobilístico, matando a mulher e a filha.

Art. 121, §6º - Homicídio praticado por milícia privada

Refere-se ao homicídio praticado por milícia privada, sob o


pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de

33
extermínio. O homicídio praticado nestas condições, gera um
aumento de 1/3 até a metade na pena.

Art. 121, § 7º - Feminicídio- causas de aumento de pena

Supracitado – Lei nº 13.104/2015.

Art. 122 – Participação em suicídio:

Inexiste em nosso Direito Penal punição para o suicídio, seja


ela consumado ou tentado. É um indiferente penal. No entanto,
constitui figura típica a participação em suicídio alheio. Suicídio é
a supressão da própria vida.

É um crime comum, não exigindo nenhuma condição


especial para os sujeitos (ativo e passivo). Podem ser qualquer
pessoa. Entretanto, a pessoa induzida, instigada ou que recebe
auxílio deve ter capacidade de entender o ato que pratica. Caso
contrário, será homicídio. O mesmo se diga se a vítima age
coagida, por erro ou é alienada.

O crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio era


a denominação do delito previsto no artigo 122 do Código Penal,
que possuía, até 26 de dezembro de 2019, o seguinte teor:
Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe
auxílio para que o faça:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou
reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão
corporal de natureza grave.

Não se punia, nem se pune atualmente a tentativa de se


matar. A norma penal tutela a vida alheia, não aceitando que o

34
agente dê a ideia, reforce o projeto ou forneça algum auxílio
material para que um terceiro se mate.

O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa.


Entretanto, o sujeito passivo deve ser pessoa capaz de
compreensão, sob pena de se configurar o homicídio. Caso o
agente induza, por exemplo, uma criança de 8 anos de idade a
beber veneno, deverá responder pela prática de homicídio, já que
a vítima não possuía capacidade de compreender o que estava
fazendo.

A conduta deve se dirigir a pessoa determinada ou a


pessoas determinadas. Se a conduta se voltar a pessoas
indeterminadas, pode-se configurar o delito de incitação ao crime,
previsto no artigo 286 do Código Penal.

Os núcleos do tipo possuem os seguintes significados:

 Induzimento: o agente cria na vítima a ideia.

 Instigação: o agente reforça uma ideia preexistente.

 Auxilio: o agente presta assistência material à vítima.

O auxílio material deve ser acessório, pois, se o agente


praticar atos executórios, pode-se configurar o crime de
homicídio. Por exemplo, se o agente fornece a corda para que o
sujeito se enforque, temos auxílio ao suicídio. Se ele empurra o
sujeito para que a corda o enforque, o crime é o de homicídio.

O delito de instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio é


crime de ação múltipla, isto é, possui mais de um núcleo do tipo,
sendo que basta que a conduta do agente se subsuma a um dos
verbos nucleares para sua configuração. Ainda como

35
consequência de ser crime de tipo misto alternativo, caso ele
pratique mais de uma das ações nucleares no mesmo contexto,
responderá por crime único.

Pode ser comissivo ou omissivo impróprio, neste último caso


quando o sujeito tiver o dever de garantidor. Há divergência se,
no caso de colaboração moral, é cabível a conduta omissiva.
Seria o caso da mãe que se cala quando a filha, de 17 anos de
idade, diz que pretende se matar por ter visto uma série sobre
isso e entender que é a solução para o caso. Para alguns, a mãe
deveria agir, por seu dever de garante (a vítima é sua filha menor
de idade), razão pela qual sua omissão configuraria o crime em
estudo.

O elemento subjetivo é o dolo. Não há previsão de punição


de modalidade culposa.

Se a vítima não tentasse se matar ou apenas sofresse lesão


leve, não havia crime, para a doutrina majoritária, conforme a
redação anterior ao advento da Lei 13.968/2019. Só havia
relevância penal se a vítima sofresse lesão corporal de natureza
grave ou se ela efetivamente conseguisse se matar. Seguindo
este entendimento, a tentativa não era juridicamente possível.

Nelson Hungria, entretanto, defendia o entendimento de que


o crime se consuma com a própria instigação, induzimento ou o
auxílio. Deste modo, a morte ou a lesão corporal de natureza
grave consistiriam em condição objetiva de procedibilidade.

Com a Lei 13.968/2019, o artigo 122 passou a ter a seguinte


redação:
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar
automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:

36
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

A principal modificação operada, no preceito primário, foi a


inclusão da participação em automutilação. Isto é, também passa
a ser típica a conduta de instigar, induzir ou auxiliar alguém a
praticar a automutilação.

Automutilação é a conduta de causar lesões em si próprio.


Vale recordar, até mesmo pelo princípio da transcendentalidade
ou da alteridade, o qual veda a punição de condutas que não
ultrapassem o âmbito de disponibilidade do agente, que a
autolesão, por si só, não é punida. Assim como o suicídio não é
punido, o que o legislador veda é o induzimento, a instigação ou o
auxílio material a que alguém suicide ou que se mutile.

Ademais, também foi alterado o preceito secundário,


trazendo a sanção de 6 meses a 2 anos de reclusão. A maior
modificação, neste âmbito, foi a não previsão de condicionamento
da punição à existência de resultado naturalístico. Como
consequência, o crime passa a admitir a modalidade tentada, já
que o óbice apresentado pela doutrina majoritária, quando da
análise da redação anterior do dispositivo, era a necessidade do
resultado morte ou lesão corporal de natureza grave para a
imposição de pena.

Forma qualificada

Antes da alteração realizada pela Lei 13.968/2019, o artigo


122 só previa pena para as condutas que tipificava no caso de o
suicídio se consumar ou de a tentativa de suicídio resultar lesão
corporal de natureza grave. Atualmente, a ocorrência dos
resultados naturalísticos lesão grave ou morte tornará o crime
qualificado, ou seja, com novos limites mínimo e máximo de pena

37
abstratamente cominada, conforme previsão dos parágrafos
primeiro e segundo de referido dispositivo:
§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão
corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º
do art. 129 deste Código:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Portanto, o resultado lesão grave tornará a conduta punível


com a pena de reclusão, de 1 a 3 anos. Se o resultado for a
morte, seja por consumação do suicídio, seja como consequência
da automutilação, a pena será de reclusão, de 2 a 6 anos.

Vale recordar que, em pobre técnica legislativa, o dispositivo


menciona lesão corporal grave e gravíssima. Ocorre que o
Código Penal não menciona lesão gravíssima, chamando as
hipóteses de lesão qualificada, de forma genérica, como “lesão
corporal de natureza grave”. Como há duas gradações diferentes
da pena, a doutrina passou a diferenciá-las como lesão grave e
lesão gravíssima, não havendo, entretanto, a última denominação
no texto legal.

Formas majoradas

O parágrafo terceiro do artigo 122, inserido pela Lei


13.968/2019, passou a abrigar as mesmas causas de aumento de
pena que já estavam previstas no antigo parágrafo único, sem,
entretanto, prever a causa de aumento para os casos de motivo
torpe ou fútil:
§ 3º A pena é duplicada:
I – se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;

38
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a
capacidade de resistência.

Vale recordar que o motivo egoístico consiste no interesse


pessoal do agente. Seria o caso de quem induz o sujeito, com
classificação superior em lista de espera de concorrido concurso,
a se matar.

As únicas hipóteses que foram introduzidas com a Lei n.


13.968/2019 foram a do crime praticado por motivo torpe e a do
cometido por motivo fútil.

Quanto à vítima menor de idade, como vimos, não pode se


tratar de pessoa sem capacidade de compreender aquilo que faz,
como uma criança. Hoje pode-se utilizar o limite de 14 anos de
idade, introduzido pela Lei 13.968/2019 como parâmetro.
Anteriormente, a doutrina discutia sobre a sua adoção, tomada
por analogia dos crimes sexuais, ou a análise casuística, com a
verificação da capacidade da vítima de decidir por si só.

A vítima com diminuição da capacidade de resistência é


aquela que, por qualquer motivo, está mais suscetível ao
induzimento ou à instigação, como aquela que padece de alguma
enfermidade, como uma depressão.

Novas formas majoradas

A Lei 13.968/2019 trouxe novas majorantes ao crime do


artigo 122 do CP, com a inserção dos parágrafos terceiro e
quarto:
§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por
meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em
tempo real.

39
§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou
coordenador de grupo ou de rede virtual.

A primeira majorante, prevista no parágrafo quarto, traz o


aumento da pena até o dobro se a conduta for realizada por meio
da rede de computadores, de rede social ou transmitida em
tempo real. Vale recordar que a conduta típica, para a
configuração do delito em estudo, deve se voltar a uma pessoa
determinada ou a pessoas determinadas. Haverá, portanto, o
aumento da pena, até o dobro, no caso de o agente se utilizar,
por exemplo, de chamada de vídeo ou mesmo o serviço de
mensagens do Facebook (Ex.: Baleia Azul).

A fração de aumento deve ser até o dobro, devendo o juiz


adotar como critério, em nosso entendimento inicial, o maior
potencial de dano da conduta. Com efeito, o aumento deve ser
menor se houver o uso de uma chamada de vídeo entre duas
pessoas já conhecidas, sendo o uso da internet apenas um
instrumento que possibilita sua ação à distância. Por outro lado, a
majoração deve ser mais elevada se o agente procura suas
vítimas em uma rede social, transmitindo suas mensagens a uma
dezena de pessoas, escolhidas a partir de um grupo de apoio por
abuso de álcool, por exemplo.

Já o parágrafo quinto traz a causa de aumento de pena que


incide no caso de o agente ser o líder ou o coordenador de grupo
ou de rede virtual. Neste caso, a lei fixa a fração em metade, ao
contrário do parágrafo anterior (“até o dobro”, naquele caso). O
maior desvalor da conduta reside no fato de o sujeito ativo ter
uma posição de liderança ou de coordenação em grupo ou rede
virtual, ou seja, com formação realizada pela internet, a rede
mundial de computadores. Com isso, sua conduta possui maior

40
probabilidade de eficácia e menor controle, já que sua própria
posição demanda dele tal responsabilidade no grupo.

Hipóteses de configuração de crime mais grave

Foram inseridos, pela Lei 13.968/2019, os parágrafos sexto


e sétimo, com previsão de hipóteses de não configuração do
delito do artigo 122, mas de crime mais grave:
§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão
corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14
(quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência
mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou
que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência,
responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste
Código.
§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra
menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra
causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime
de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código.”

Na redação anterior à Lei 13.968/2019, a doutrina já


destacava que o sujeito passivo deveria ser pessoa capaz de
compreensão, sob pena de se configurar o homicídio. Caso o
agente induza, por exemplo, uma criança de 9 anos de idade a se
jogar de uma janela, deverá responder pela prática de homicídio,
já que a vítima não possuía capacidade de compreender o que
estava fazendo.

Os parágrafos 6º e 7º destacaram o que já decorria da


redação do dispositivo, com a inovação de destacar uma idade
limite, a mesma prevista nos crimes sexuais contra vulnerável.
Assim, configura lesão corporal gravíssima ou homicídio se o
crime qualificado pelo resultado for praticado contra:

41
Menor de 14 anos de idade: a lei presume de forma absoluta
a incapacidade do menor de 14 anos a resistir a uma ideia de
suicídio ou automutilação. Deste modo, se a vítima com referida
idade se mata ou se mutila, neste último caso com configuração
de lesão de natureza gravíssima, o agente responderá pelo crime
de homicídio ou de lesão corporal gravíssima, respectivamente.

Vítima que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem


o necessário discernimento contra a prática do ato: cuida-se de
vítima que, por enfermidade (como esquizofrenia) ou deficiência
mental (como quem nasceu com microcefalia), não tem
capacidade de decidir, de forma consciente e livre, sobre o fim de
sua própria vida ou sobre a automutilação.

Vítima que, por qualquer outra causa, não pode oferecer


resistência: a última hipótese abarca qualquer causa que torne o
sujeito passivo mais vulnerável, sem possibilidade de resistir ao
induzimento, à instigação ou ao auxílio material ao suicídio ou à
automutilação. É o caso de alguém que abusou do consumo de
bebida alcoólica ou que usou cocaína a ponto de não ter o
domínio de sua própria vontade.

Quanto à punição, a lei determina que, caso o sujeito


passivo seja algum dos elencados acima, a punição deve ocorrer
de acordo com o resultado obtido:

Lesão corporal gravíssima: Se o resultado for uma lesão


corporal gravíssima, sendo a vítima uma das acima mencionadas,
o agente deve responder nos termos do artigo 129, § 2º, do
Código Penal. Vale recordar que a lesão de natureza gravíssima,
como denominada pela doutrina, se configura se ensejar
incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável;

42
perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade
permanente ou aborto:

Morte: se a vítima for uma das destacadas pelo parágrafo 7º


do artigo 121 e lhe sobrevier o óbito como consequência da
conduta típica, haverá a configuração do homicídio, por expressa
previsão legal, afastando-se a forma qualificada do parágrafo
segundo do artigo 122 do Código Penal.

Pergunta: e se o sujeito instiga, após ter induzido a vítima a


suicidar-se, responde por dois crimes?

NÃO. A participação em suicídio é crime de conduta múltipla


ou de conteúdo variado. Significa que o sujeito responde por
delito único, ainda que tenha realizado as várias condutas
descritas no tipo penal.

Roleta Russa: o sobrevivente responde por participação em


suicídio. O mesmo ocorre com o duelo americano. A ação penal é
pública incondicionada.

Art. 123 - Infanticídio

Define-se o infanticídio como a morte da nascente ou do


neonato pela própria mãe sob a influência do estado puerperal
(condição fisiopsíquica durante o parto ou logo após). “Puérpera”,
do latim, mulher que está de parto.

Sujeitos do crime: o sujeito ativo somente por ser a mãe.


Trata-se de crime próprio, tendo em conta os elementos
estruturadores do tipo. Entretanto, isso não impede que terceiros
respondam pelo crime diante do concurso de agentes. O sujeito

43
passivo é o filho. Nascente (durante o parto) ou recém-nascido
(logo após o parto).

O núcleo do tipo é o verbo matar, podendo o agente servir-


se de qualquer meio. Admite-se seja o crime praticado por
omissão.

O infanticídio é semelhante ao homicídio. No entanto,


considerando as circunstâncias, recebe tratamento especial, com
diminuição da pena. O critério adotado é o fisiopsicológico. O
apenamento mais brando encontra-se fundamento nas
perturbações fisiopsíquica sofridas pela mulher durante o parto,
em consequência das dores, perda de sangue e excessivo
esforço muscular, que atenuam a imputabilidade.

Para fins do Direito Penal, o estado puerperal pode ser


considerado como um conjunto de sintomas fisiológicos, que se
inicia com o parto e permanece algum tempo após sua
ocorrência.

O infanticídio é delito excepcional. Não havendo perturbação


do psiquismo não haverá motivo para tratamento privilegiado. A
averiguação deste estado resulta de perícia médica, que não é
mais considerada indispensável.

Como no homicídio, não se exige neste crime, capacidade


de viver, bastando à vida, ou seja, no momento da ação do
agente, a vítima tem que estar viva. Verifica-se a consumação
com a morte do nascente ou do recém-nascido. A tentativa é
admissível, sendo o infanticídio crime material e de dano,
apresentando um processo executivo que pode ser interrompido.

44
A hipótese de concurso de agente é controvertida. Pergunta-
se: O terceiro que ajuda a parturiente a matar o filho, responde
por infanticídio, ou por homicídio?

As opiniões se dividem. Para Nelson Hungria, o terceiro


responde por homicídio. Já Damásio, Noronha e outros opinam
pela coautoria, isto é, o terceiro responde juntamente com a mãe
por infanticídio. (Art. 30 do CP - não se comunicam as
circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo quando
elementares do tipo).

Art. 124 a 128 - Aborto

Aborto é a interrupção da gravidez com a consequente


morte do feto, ou destruição do produto da concepção (ovo,
embrião ou feto).

O aborto pode ser natural, acidental, criminoso e legal ou


permitido. Os dois primeiros casos não constituem crime. A
doutrina e a jurisprudência conhecem várias espécies de aborto
legal ou consentido. Há o aborto terapêutico, empregado para
salvar a vida da gestante. Há, também, o aborto eugenésico ou
eugênico, permitido quando há a possibilidade de que a criança
nasça com taras hereditárias. Aborto social ou econômico é o
permitido em casos de família numerosa, para não agravar a
situação social.

O nosso CP só permite duas formas de aborto legal: o


aborto necessário ou terapêutico (Art. 128, I), caso em que o fato,
quando praticado por médico, não é punido, desde que não haja
outro meio de salvar a vida da gestante. O segundo caso, é a

45
gravidez resultante de estupro, também chamado aborto
sentimental ou humanitário (Art. 128, II).

O aborto é crime material, uma vez que as figuras típicas


descrevem a conduta de provocar, e o resultado, que é a morte
do feto, exigindo a sua produção. É delito instantâneo, a
consumação ocorre num só momento e aí se esgota, não tendo
continuidade a lesão do bem jurídico. É crime de dano e não de
perigo, uma vez que se consuma com a efetiva lesão do objeto
jurídico. Crime de forma livre, podendo ser executado por
qualquer meio, ação ou omissão, físico, químico, mecânico,
material ou moral.

Sujeitos Ativo e Passivo: no auto aborto e no aborto


consentido (Art. 124) a própria mulher gestante é o sujeito ativo.
Somente ela pode provocar aborto em si mesma, ou consentir
que outro lhe provoque, tratando, portanto de crime de mão
própria.

No aborto provocado por terceiros, com ou sem


consentimento da gestante, o sujeito ativo pode ser qualquer
pessoa. O sujeito passivo no auto aborto e no aborto consentido,
é o feto, ou genericamente falando, é o produto da concepção. Já
no caso do aborto provocado por terceiro sem o consentimento
da gestante, há dupla subjetividade jurídica: o feto e a gestante.

Para se configurar o crime de aborto é insuficiente a simples


expulsão prematura do feto ou mera interrupção do processo de
gestação, mas é indispensável que ocorra a morte do feto, pois
somente com a ocorrência desta o crime se consuma.

46
Elemento Subjetivo do Tipo: O aborto somente é punido a
título de dolo. Não existe aborto culposo. O dolo pode ser direto
ou eventual. Direto, quando há vontade firme de interromper a
gravidez e de produzir a morte do feto. Eventual quando o agente
assume o risco de produzir esses resultados. Exemplo: mulher
que pratica esporte violento, tendo consciência de que poderá vir
a abortar.

No aborto qualificado pelo resultado (Art. 127), o crime é


preterdoloso, isto é, há dolo no antecedente (aborto) e culpa no
consequente (lesão grave ou morte).

O auto aborto: previsto no Art. 124 do CP, e possui duas


figuras típicas: 1) provocar aborto em si mesma; 2) consentir que
outrem lhe provoque.

No primeiro, a gestante, por intermédio de meios executivos


químicos, físicos ou mecânicos, provoca em si mesma a
interrupção da gravidez. Na segunda figura típica, a gestante
presta consentimento no sentido de que terceiro lhe provoque o
aborto.

Pergunta: existe crime se a gestante provoca em si mesma o


aborto terapêutico ou sentimental?

No caso do aborto necessário, Art. 128, I, não há crime, em


face da exclusão da antijuridicidade (estado de necessidade –
Art. 24 do CP). No caso do aborto sentimental (Art. 128, II)
entende Damásio, que subsiste o delito, uma vez que essa
disposição só permite a provocação do aborto por médico.

O aborto provocado por terceiro sem o consentimento da


gestante está previsto no Art. 125 do CP pode ser real ou

47
presumido. É real quando o sujeito emprega violência, fraude ou
grave ameaça. Presumido, quando a vítima é menor de 14 anos,
alienada ou débil mental (Art. 126, § único). É a interrupção da
gravidez provocada contra a vontade da gestante.

No aborto provocado por terceiro com consentimento da


gestante, nesta hipótese o consenso prestado pela gestante
constitui elementar do tipo. O consenso não exclui o delito. Trata-
se de dupla subjetividade passiva, ou seja, o feto e a gestante. A
gestante não provoca o aborto, somente consente que terceiro o
realize.

O agente dessa forma de delito, a rigor, deveria ser coautor


do crime do Art. 124. No entanto, por disposição expressa, o
Código enquadra o terceiro em dispositivo próprio, ou seja o Art.
126. A gestante estará incursa no Art. 124, segunda parte.

É necessário que a gestante tenha capacidade para


consentir. Caso contrário, se a gestante não é maior de 14 anos,
ou é alienada ou débil mental, ou se o seu consentimento é
obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, a infração
será a do Art. 125, nos termos do que preceitua o Art. 126 em seu
parágrafo único.

Aborto qualificado previsto no Art. 127: as penas dos crimes


de aborto provocado com e sem o consentimento da gestante são
aumentadas de 1/3, se em consequência do fato ou dos meios
empregados para provocação, a gestante sofre lesão corporal de
natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas
causas lhe sobrevém à morte.

48
Os aumentos de pena acima descritos, somente se aplicam
nos crimes dos Art. 125 e 126 do CP, não se aplicando ao auto
aborto (Art. 124) uma vez que a legislação brasileira não pune a
autolesão. Da mesma forma, se ocorrer lesão corporal de
natureza leve, o sujeito só responderá pelo aborto. O crime do
Art. 129 fica absorvido pelo aborto.

Aborto legal, previsto no Art. 128 do CP: nosso Código


previu o chamado aborto necessário ou terapêutico e o aborto
sentimental ou humanitário. Dá-se o primeiro quando não há
outro meio de salvar a vida da gestante. Já o segundo ocorre
quando a gravidez é resultante de estupro e o aborto é precedido
do consentimento da gestante, ou quando incapaz de seu
representante legal.

O artigo supramencionado ressalta que o aborto deve ser


praticado por médico.

Pergunta: e se o aborto for praticado por enfermeira?

Tratando-se de aborto necessário, em que não há outro


meio de salvar a gestante, o agente não responde pelo delito. Na
hipótese a enfermeira é favorecida pelo estado de necessidade,
que exclui a ilicitude do fato. O Art. 128 só permite ao médico
provocar o aborto neste caso. No entanto, em se tratando de
aborto sentimental, a enfermeira responde pelo delito, uma vez
que a norma permissiva faz referência expressa a qualidade do
sujeito que pode ser favorecido, isto é, o médico.

O aborto necessário só é permitido quando não há outro


meio de salvar a vida da gestante. Assim, subsiste o delito
quando provocado a fim de preservar a saúde. No caso de

49
gravidez resultante de estupro, o aborto só é permitido em face
de prévio consentimento da gestante.

O médico deve valer-se dos meios à sua disposição para a


comprovação do estupro ou atentado violento ao pudor (inquérito
policial, processo criminal, etc.). Inexistindo esses meios, ele
mesmo deve procurar certificar-se da ocorrência dos delitos
sexual. Não é exigida a autorização judicial pela norma
incriminadora. Tratando-se de dispositivo que favorece o médico,
deve ser interpretada restritivamente. Como o tipo não faz
nenhuma exigência, as condições da prática abortivas não podem
ser alargadas.

A ação penal é publica incondicionada, sendo competente


para julgar o aborto o Tribunal do Júri. Como os demais crimes
deste Capítulo.

CAPÍTULO II

DAS LESÕES CORPORAIS

Art. 129 – Lesão corporal

O Código Penal define este crime como sendo o fato de


ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem. Está
englobado nessa incriminação a integridade física e fisiopsíquica
da pessoa humana. Compreende toda e qualquer ofensa
ocasionada à normalidade funcional do corpo ou organismo, seja
do ponto de vista anatômico, fisiológico ou psíquico.

Sujeito do crime: O crime de lesão corporal não é próprio,


podendo ser cometido por qualquer pessoa. Da mesma forma,
não se exige qualificação para o sujeito passivo, sendo que

50
qualquer um pode ser ofendido, salvo nas hipóteses dos
parágrafos 1º, IV, e 2º, V do referido Art.. Nestes casos somente
a mulher grávida pode ser a vítima. (vide Art.). Se o delito, na sua
forma dolosa, é cometido contra menor de 14 anos, incide um
aumento de pena (§ 7º- ECA), e também para maiores de 60
anos.

Autolesão: O CP não pune a autolesão. Não constitui crime


o fato de o sujeito ofender a própria integridade corporal ou a
saúde. Excepcionalmente a conduta poderá constituir outra
infração penal. Exemplo: o sujeito lesa o próprio corpo visando
receber indenização de seguro, respondendo pelo subtipo de
estelionato. (Art.171, § 2º, V)

Tipo objetivo: A conduta típica consiste em ofender, lesar,


ferir, a integridade corporal ou a saúde de outrem. A lesão, a
integridade física ou a saúde de outrem deve ser, juridicamente,
relevante. É indispensável que o dano à integridade física ou a
saúde não seja insignificante. Segundo Aníbal Bruno “Não
caberia punir como lesão corporal uma picada de alfinete, um
beliscão ou uma pequena arranhadura, um resfriado ligeiro, uma
dor de cabeça passageira”. No entanto, a insignificância deve ser
valorada através da consideração global da ordem jurídica,
observando-se a proporcionalidade e o grau da lesão sofrida pelo
bem jurídico protegido.

Questões várias: Cabe a prática de lesão corporal no estrito


cumprimento de dever legal, como nos casos de vacina
obrigatória, e de resistência à prisão. Aquele que aplica a vacina
obrigatória não deixa de estar ofendendo a integridade física de
outrem. O fato, entretanto, é permitido pelo direito. O mesmo se
diga na resistência de prisão, os agentes da autoridade policial

51
podem usar dos meios necessários para vencer a resistência.
Havendo lesão corporal e provando-se a necessidade de sua
prática o autor não responde pelo crime, tendo agido no exercício
regular de direito reconhecido pelo Art. 292 do C.P.P.

Pergunta: Qual a diferença entre vias de fato e lesão


corporal? As vias de fato constituem contravenção penal (LCP
Art. 21). A diferença está em que a lesão corporal o sujeito causa
um dano à incolumidade física da vítima, o que não ocorre nas
vias de fato. Assim se o sujeito dá um empurrão na vítima,
responde pela contravenção; se lhe desfere um soco, ferindo-a,
pratica crime de lesão corporal.

Pergunta: A dor constitui lesão corporal? NÃO. O CP de


1890 em seu Art. 303 previa o fato de “ofender fisicamente
alguém, produzindo-lhe dor ou alguma lesão corporal, embora
sem derramamento de sangue”. Em face do CP vigente a simples
dor desacompanhada de ofensa à incolumidade física não
constitui delito.

Consumação e tentativa: O crime de lesão corporal atinge a


consumação com efetiva ofensa à integridade corporal da vítima.
Tratando-se de crime material, admite a figura da tentativa. A
dificuldade que pode ocorrer reside na dúvida a respeito da
espécie de lesão desejada pelo sujeito, se leve, grave ou
gravíssima. Nessa hipótese, o juiz deve aplicar o princípio do “in
dubio pro reo”, condenando-o por tentativa corporal de natureza
leve.

Elemento subjetivo: O crime de lesão corporal admite o dolo,


culpa e o preterdolo (dolo no antessente e culpa no
consequente). A figura dolosa está prevista no caput. As formas

52
culposas estão previstas nos §§ 6º e 7º. O primeiro prevê a lesão
corporal culposa simples; o segundo, a lesão corporal culposa
qualificada. O preterdolo é admitido nas formas qualificadas dos
§§ 1º, 2º e 3º do Art. 129.

Lesão corporal de natureza leve: O critério de classificação


da lesão corporal como sendo de natureza leve é obtida por
exclusão. A lesão corporal de natureza leve se encontra descrita
no Art. 129 do caput do CP com a seguinte redação: “Ofender a
integridade corporal ou a saúde de outrem”. As lesões corporais
se classificam em leve, grave e gravíssima, e ainda, como
culposa e preterdolosa. Há delito de lesão corporal leve sempre
que o fato não se enquadra nas descrições dos §§ 1º, 2º e 3º do
referido Art., que define as lesões graves, gravíssimas e lesão
corporal seguida de morte.

Lesão corporal de natureza grave: As lesões corporais de


natureza grave encontram–se descritas nos §§ 1º e 2º do Art. 129
do CP. São classificadas em lesões corporais de natureza grave
em sentido lato e em sentido estrito. As lesões corporais graves
em sentido estrito são as previstas no Art. 129 § 1°. As lesões
graves em sentido lato abrangem as graves em sentido estrito e
as lesões gravíssimas estas descritas no Art.129 § 2º.

Observa-se que a expressão lesão corporal de natureza


gravíssima não é legal, mas doutrinária, significando que tal
expressão não é empregada pelo CP, mas criada pela doutrina.

O § 1º prevê circunstâncias qualificadoras que, agregadas


ao tipo fundamental previstas no caput, agravam a pena. São
condições de maior punibilidade.

53
São lesões corporais de natureza grave (§ 1º), quando
resulta:

I – incapacidade para ocupações habituais por mais de 30


dias. O conceito de ocupação habitual está relacionado ao
aspecto funcional e não econômico. É aquela atividade que o
indivíduo exerce costumeiramente. A incapacidade pode ser
física ou psíquica. Não depende de cura completa, podendo a
vítima retornar as suas ocupações, embora não curada. Existe
prova pericial após o 30º dia (exame complementar), contados da
data do crime.

II – perigo de vida: Para configuração desta qualificadora há


necessidade de um perigo concreto e não apenas presumido, o
qual deverá ser demonstrado e comprovado por perícia médica
devidamente fundamentada. Assim mesmo que a lesão se
verifique em local letal, pode não ter havido perigo de vida, pois
este e detectado em função da natureza da lesão.

III – debilidade permanente de membro, sentido ou função:


Os membros de uma pessoa podem ser superiores (braços,
mãos e antebraços) e inferiores (pernas, coxas e pés). Os
sentidos são 5: audição, paladar, olfato, visão e tato. Função é a
atividade de um órgão (circulatória, respiratória, secretora,
reprodutora, digestiva, motora). A debilidade consiste na
diminuição da capacidade funcional, que não necessita que seja
perpétua, mas que seja duradoura. Quando se tratar de órgão
duplo a perda de um deles debilita a função. Assim caso a vítima
perca uma vista ou um ouvido haverá lesão grave. Quando
houver perda de ambos haverá lesão gravíssima. Aplica-se o
mesmo raciocínio quando se tratar de rim, testículo, ovário, etc. A
perda de dentes enfraquece permanentemente a função

54
mastigatória constituindo lesão grave. Já a perda de um só dente
e lesão leve, pois será demasia dizer que a falta de um único
dente ocasiona perda da função. Toda via, a perícia e que
deverá, no caso concreto, resolver o problema.

IV – Aceleração de parto: Segundo Romeu de Almeida Sales


Junior, melhor seria dizer “Antecipação de parto”. Ocorre quando
se verifica a expulsão do feto antes do tempo normal,
apresentando-se o produto da concepção com capacidade para a
vida extrauterina. É preciso que venha nascer com vida e
sobreviva, caso contrário, será lesão gravíssima.

Lesões corporais gravíssimas (§ 2º):

São as que resultam:

I – incapacidade permanente para o trabalho: Refere-se a


dispositivo à profissão, emprego, oficio lucrativo. Exclui-se desta
definição os sujeitos passivos que não podem dedicar-se ao
trabalho e as crianças. A incapacidade não necessita que seja
eterna, mas duradoura. Deve ser total caso contrário
desclassifica-se do § 2º para o 1º. Emprega agora a lei a palavra
trabalho e não ocupações habituais.

II – enfermidade incurável: O entendimento dominante é o


de que enfermidade e qualquer estado mórbido ou de evolução
lenta, processo patológico em curso. É incurável, aquela
enfermidade cuja cura está relacionada ou dependente de
tratamento excepcional, arriscado ou que dure anos, ou fora das
possibilidades da vítima. É a alteração permanente da saúde. A
perícia deverá declarar a incurabilidade, não se exigindo certeza,

55
mas probabilidade fundada de não haver cura. O ofendido não
está obrigado a se submeter à intervenção cirúrgica.

III – perda ou inutilização de membro, sentido ou função: O


sentido das expressões é o mesmo já examinado no Art. 129, §
1º, III. Resta sabermos o que é perda. Esta ocorre por: mutilação
no momento do delito, se, por exemplo: a vítima perde a mão no
golpe desferido pelo agente. Existe também a inutilização que é a
perda funcional e não anatômica. O membro permanece ligado
ao corpo, porém sem função. Existe a perda quando cessa o
sentido ou a função ou quando membro do corpo é extraído ou
amputado. Existe inutilização quando cessa ou interrompe-se
definitivamente a atividade do membro, sentido ou função. Na
inutilização não há exclusão, mas subsistência embora com
inoperância.

IV – deformidade permanente: É o dano estético incurável.


Pode ocorrer em qualquer parte do corpo, e não apenas no rosto.
Exige-se que o dano seja permanente, visível, irreparável, de
certa monta, e capaz de causar impressão vexatória. A
deformidade deverá causar aos olhos de terceiros má impressão
no aspecto estético da vítima, levando-se em conta o seu sexo,
condição social, profissão, idade, etc. O uso de olho de vidro,
orelha de borracha ou aparelho ortopédico não faz desaparecer a
qualificadora. A deformidade deve causar aos olhos de terceiros
má impressão quanto ao aspecto estético.

V - aborto: É um caso de preterdolo em que se pune a lesão


corporal a título de dolo e o aborto a título de culpa. É necessário
que o agente tenha conhecimento da gravidez da vítima, caso
contrário, ocorrerá o erro de tipo, que exclui o dolo. Caso o aborto
tenha sido querido o crime será do Art. 125 e não o Art. 129. O

56
desconhecimento da gravidez afasta a qualificadora. Se o agente
agride a vítima e ainda quer o aborto e o provoca, responde por
ambos os delitos em concurso material.

§ 3 º do Art. 129 - Lesão corporal seguida de morte

Nos termos do Art. 129, § 3º do CP, se resulta morte e as


circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado,
nem assumiu o risco de produzi-lo, sofre pena de 4 a 12 anos.
Note que no caso do delito de homicídio, a pena varia de 6 a 20
anos.

Temos aqui o denominado homicídio preterintencional ou


preterdoloso. Trata-se de crime qualificado pelo resultado, misto
de dolo e culpa. É necessário que as circunstâncias do caso
concreto evidenciem que o sujeito não quis o resultado morte,
nem assumiu o risco de produzi-lo.

A lesão corporal seguida de morte não admite a figura da


tentativa, pois o resultado qualificador culposo não permite essa
figura.

O exemplo clássico da doutrina é o agente que desejando


ferir, desfere um soco na vítima. Essa vai ao solo, bate a cabeça
e morre.

Pergunta: Qual a distinção entre lesão corporal seguida de


morte e homicídio culposo? No primeiro caso, há um antecedente
de um delito doloso de lesão corporal, de tal proporção que
decorre a morte da vítima. Já no homicídio culposo, a morte
decorre de um fato não querido pelo agente, no entanto, o evento
morte ocorre em função das modalidades da culpa. Em ambos os

57
casos há o resultado letal, sendo que no primeiro caso existe a
intenção delitiva, sendo punido de forma mais severa.

Pergunta: E se a morte decorrer de lesão corporal culposa?


Neste caso, o fato será punido como homicídio culposo, pois o
crime-base deve ser uma lesão corporal dolosa.

Art. 129, § 4° - Lesões corporais privilegiadas

Nos termos deste dispositivo, se o agente comete o crime


impelido por motivo de relevante valor moral ou social, ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta
provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a
um terço.

Essas circunstâncias já foram estudas no homicídio


privilegiado (Art.121, §1º, CP). São causas de diminuição da
pena, subjetivas e incomunicáveis em caso de concurso de
agentes.

A redução da pena é obrigatória, não obstante o emprego da


expressão “pode”. Desde que presente às circunstâncias legais, o
juiz está obrigado a proceder à diminuição. A faculdade diz
respeito ao quantum da redução. Há entendimento em sentido
contrário.

Art. 129, § 5º - Substituição da pena

De acordo com esse parágrafo, o juiz, não sendo graves as


lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela multa, se
ocorrer qualquer das hipóteses do § 4º ou se as lesões são
recíprocas. Alcança apenas a hipótese de lesão leve. A

58
substituição é obrigatória, desde que presentes os seus
pressupostos.

Art. 129, § 6 - Lesão corporal culposa

Fundada na culpa em sentido estrito, compreende as lesões


corporais leves, graves e gravíssimas. Renovam aqui os mesmos
comentários acerca do homicídio culposo. Não se recorre à
classificação da lesão, como ocorre na lesão corporal dolosa.
Para a lesão culposa, seja leve, grave ou gravíssima, a pena será
sempre a mesma e a tipificação sempre no mesmo dispositivo.
No entanto, o grau da lesão deve ser considerado na fixação da
pena pelo juiz (circunstâncias judiciais).

Art. 129, § 7º - Lesão corporal culposa qualificada

A pena será aumentada de 1/3 se ocorrer qualquer das


hipóteses do Art. 121, §§ 4ºe 6º, ao qual submeto os meus caros
alunos, pois as noções são as mesmas.

Aliás, o mesmo se diga no caso do parágrafo 8º do Art. 129


do CP. Ou seja, o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as
consequências da infração atingirem o próprio agente de forma
tão grave que a sanção se torne desnecessária.

Até o advento da Lei 9099/95, que instituiu o Juizado


Especial Criminal em nossa legislação, todas as figuras típicas
estudadas, constituíam crimes de ação penal pública
incondicionada. De tal forma que, após essa Lei, as lesões
corporais de natureza leve e as lesões culposas, passaram a
dependem de representação do ofendido, sendo de ação pública

59
condicionada à representação. Já as lesões graves e
gravíssimas, são de ação pública incondicionada.

A Lei nº 10.886 de 17 de junho de 2004 acrescentou os §§


9º e 10º ao Art. 129 do CP. Criando a chamada violência
doméstica.

§ 9º: Se a lesão for praticada contra ascendente,


descendente, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou
tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: pena –
detenção, de três meses a três anos. Esta pena foi majorada Lei
nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, que entrou em
vigor em 07/08/2006.

§ 10: Nos casos previstos nos §§ 1º a 3 deste artigo, se as


circunstâncias são as indicadas no § 9º deste dispositivo legal.,
aumenta-se a pena em 1/3.

§ 11: Na hipótese do § 9°deste artigo, a pena será


aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa
portadora de deficiência.

Este último parágrafo também foi acrescido pela Lei Maria


da Penha.

§ 12: Lesão corporal contra autoridade ou agentes de


segurança pública. A Lei 13.142/15 acresceu o § 12 ao Art. 129,
que majora a pena da lesão corporal dolosa de um a dois terços,
quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos
Artigos 142 e 144 da CF, no exercício da função ou em razão
dela, estendida a proteção aos seus cônjuges, companheiro ou

60
parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa
condição.

Por meio deste mesmo diploma, a Lei nº 8072/90 (crimes


hediondos) foi alterado para que o rol dos crimes hediondos fosse
inserido duas novas modalidades de lesão corporal, ou seja,
lesão gravíssima e seguida de morte, quando praticadas nas
condições do parágrafo acima.

Lesão Corporal Culposa na direção de veículo automotor


(Art. 303 da Lei 9503/97) – Código de Trânsito Brasileiro: O
mesmo que foi dito em relação ao homicídio culposo no trânsito
se aplica a lesão corporal. Art. 303 “Praticar lesão corporal
culposa na direção de veículo automotor. Pena: detenção de 6
meses a 2 anos. Aos casos capitulados neste Art. aplica-se a Lei
nº 9.099/95, sendo, portanto, os crimes aqui ocorridos de ação
pública condicionada à representação.

§ 13: Lesão Corporal Praticada Contra Mulher (Lei


14.188/2021). Norteada pelo princípio da especialidade, a Lei
14.188 de 28 de julho de 2021, alterou-se o Código Penal,
incluindo o § 13, para positivar a lesão corporal praticada contra a
mulher, por razões da condição do sexo feminino, cuja pena é de
reclusão, de um a quatro anos.

Suponhamos, assim, que, em virtude de recorrente


humilhação, praticada pelo sujeito ativo em virtude de
menosprezo à condição de mulher, a vítima passe a sofrer de
síndrome do pânico, mantendo-se reclusa em sua casa por medo
de acessar logradouros públicos. Essa situação caracteriza o
crime previsto no art. 129, § 13, do CP (lesão corporal contra
mulher em razão do sexo feminino), que prevalece sobre o art.

61
147-B, por ser delito mais grave. Contudo, se não existe a
condição de sexo feminino e a lesão é leve, o art. 147-B
prevalecerá sobre o art. 129, caput, desde que, além da afetação
à saúde psíquica, o agente provoque prejuízo à
autodeterminação feminina.

CAPÍTULO III

DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

Art. 130 - Perigo de Contágio Venéreo

Consiste o crime em expor alguém, por meio de relações


sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia
venérea, de que sabe ou deve saber que esta contaminado,
incluindo a hipótese em que o agente manifesta a intenção de
transmitir a moléstia. Trata-se de crime de perigo. Entretanto, o
legislador definiu um crime formal com dolo de dano. (Caso do §
1º)

O legislador protege, nessa disposição, a saúde física da


pessoa humana. Existem três figuras típicas: 1ª) expor alguém
por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a
contágio de moléstia venérea, de que sabe estar contaminado;
2ª) expor alguém.de que deve saber estar contaminado; 3ª) ter a
intenção de transmitir a moléstia (hipótese mais grave, punido de
modo mais acentuado).

Trata-se de crime comum, não se exigindo qualidade


especial dos sujeitos ativo e passivo. Pode ocorrer o delito,
mesmo em se tratando de marido e mulher.

62
Tipo objetivo: a lei fala em expor (colocar em perigo) de
contágio de moléstia venérea de que sabe ou deveria saber ser
portador. O perigo deve ser direto e iminente, concreto,
demonstrado e não presumido. Não é necessário a ocorrência do
dano (contágio), sendo suficiente a exposição ao perigo de dano.

O delito se consuma com a efetiva prática do ato sexual ou


do ato libidinoso, ainda que não ocorra o contágio. A sua
verificação representa exaurimento do delito. Trata-se, portanto
de crime formal. A ação de expor deve ser feita por relações
sexuais ou ato libidinoso.

Tipo Penal Aberto ou norma penal em branco: o texto legal


fala, genericamente, em moléstia venérea, sem qualquer outra
definição ou limitação. Ante a omissão do texto legal, a definição
de moléstia venérea compete à medicina. Assim, a exemplo do
que ocorre com as substâncias entorpecentes, são admitidas
como moléstias venéreas, para efeitos penais, somente aquelas
que o Ministério da Saúde catalogar como tais, e esse rol deve
variar ao longo do tempo, acompanhando não só a evolução dos
costumes, mas, particularmente, dos avanços da própria ciência
médica. Podemos citar como exemplo, a sífilis, gonorreia, cancro,
etc.

A AIDS, que não é moléstia venérea e que não se


transmite somente por atos sexuais, poderá tipificar o crime do
Art. 131, lesão corporal seguida de morte ou até mesmo
homicídio, dependendo da intenção do agente, mas nunca o
crime de perigo de contágio venéreo. O sujeito responde por
homicídio doloso consumado, se estiver contaminado com o vírus
da AIDS, souber da contaminação e quiser transmitir a outrem ou
assumir este risco, causando-lhe a morte.

63
Elemento subjetivo do tipo: No tocante ao tipo simples,
definido no caput, exige-se dolo de perigo direto ou eventual. O
dolo de perigo está na expressão “sabe que está contaminado”. O
indireto se encontra na expressão “deve saber que está
contaminado”. Na hipótese do Art. 130, §1º, o sujeito deve agir
com dolo direto de dano. Cuida-se, neste caso, de um crime
formal com dolo de dano.

Trata-se de um crime de perigo (caput), de dano (§1º)


simples, comum, instantâneo, comissivo e formal. A tentativa é
admissível, por possibilidade de fracionamento do processo
executivo. Não existe a forma culposa.

Segundo o § 2º do dispositivo, a ação penal é pública


condicionada à representação.

Art. 131 - Perigo de Contágio de Moléstia Grave

O bem jurídico protegido é a incolumidade física da pessoa


humana. Trata-se de um crime de dano e não de perigo.

Tipo objetivo: A ação típica punível é praticar, realizar ato


capaz de transmitir moléstia grave. A transmissão pode ocorrer
através de qualquer ato, desde que capaz de produzir o contágio.
O ato praticado precisa ter idoneidade para transmissão, e a
moléstia além de grave deve ser contagiosa. A conduta realizada
tem que ter a finalidade de transmitir a moléstia. Pode
caracterizar a conduta não só o emprego de meios diretos como
o contato físico, como também indiretos, com o uso de utensílios
pessoais previamente infectados. Exemplo: xícara de café.

64
Tipo subjetivo: É o dolo direto, constituído pelo fim especial
de transmitir a moléstia. Por isso, diante do fim específico, não há
dolo de perigo, mas de dano.

Sujeitos: O sujeito ativo deste delito pode ser qualquer


pessoa que esteja contaminada de moléstia grave e
transmissível. Da mesma forma, o sujeito passivo também poderá
ser qualquer pessoa desde que não se encontre contagiada por
moléstia grave.

Consumação e tentativa: O delito se consuma com a pratica


de ato idôneo para transmitir a moléstia, independentemente do
efetivo contágio, que se houver, constituirá exaurimento do crime.

É uma norma penal em branco, sendo que o conceito da


moléstia grave deverá ser fornecido por meio de perícia médica
em consonância com o regulamento do Ministério da Saúde.
Exemplo: febre amarela, varíola, lepra, peste, cólera, meningite,
tifo, tuberculose, etc. A ação penal é pública incondicionada. Não
há a forma culposa.

Art. 132 - Perigo para a Vida ou a Saúde de Outrem

É necessário que o agente ocasione para a vítima situação


de perigo direto ou eminente à vida ou a saúde. É a vontade livre
e consciente de tal perigo. O perigo deve se direto (em relação à
pessoa determinada) e iminente (prestes a acontecer). Deve ser
demonstrado e não presumido. Não é necessário o dano sendo
suficiente a exposição ao perigo. A exposição pode ser realizada
por intermédio de conduta positiva ou negativa (ação ou
omissão). Exemplo: efetuar disparos com arma de fogo em
direção a local habitado, pondo em risco a vida de pessoas que

65
nele se encontram. Outro exemplo é o caso de empreiteiro que,
para poupar dispêndio com medidas técnicas de prudência, na
execução da obra, expõe o operário ao risco de grave acidente.

Subsidiariedade: É um crime, subsidiário, isto é, só deve ser


reconhecido quando o fato não constitui crime mais grave. Assim,
se a vítima vier a morrer, em decorrência da ação, o crime será
de homicídio culposo; se chegar a sofrer lesão culposa, o crime
continuará sendo o deste artigo, cuja pena é mais grave do que
daquela.

Hoje com o estatuto do desarmamento, o qual prevê o crime


de disparo de arma de fogo, se o agente disparar arma de fogo
contra alguém, com a intenção de expor sua vida a perigo,
responderá pela lei especial, e não pelo Art. 132 do CP. O
mesmo se diga em relação ao CTB, ou seja, sujeito usa veículo
automotor para expor a vida ou saúde de outrem a perigo.
Responderá pelo Art. próprio do CTB. Nos demais casos, pelo
presente dispositivo legal.

Sujeitos: tanto o sujeito ativo, como o sujeito passivo, podem


ser quaisquer pessoas. Exige-se apenas que o sujeito passivo
seja determinado, pois o crime ora em estudo é pacificamente
havido como de perigo individual. A jurisprudência já se
manifestou no sentido que se exige vítima certa que esteja sendo
visado pelo réu.

Elemento subjetivo do tipo: é o dolo de perigo que pode ser


direto ou eventual. Exemplo: praticam, com dolo eventual, avô e
mãe de menor que, por motivos religiosos, não autorizam urgente
transfusão de sangue prescrito em caso de anemia (TA CrimSP,
RT 647/302).

66
Se classifica como sendo um delito de perigo concreto,
comissivo ou omissivo, simples, instantâneo de forma livre e
subsidiário. Não existe a forma culposa. A tentativa é possível na
forma comissiva, embora de difícil ocorrência. A ação penal é
pública incondicionada.

Parágrafo único: É uma causa de aumento de pena. A Lei


nº 9.777/98, acrescentou este parágrafo único ao Art. 132,
determinando o aumento de pena de 1/6 a 1/3, se a exposição da
vida ou da saúde de outrem a perigo, decorre do transporte de
pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de
qualquer natureza em desacordo com as normas legais. Na
verdade, criou-se uma figura típica relacionada com a segurança
viária. A norma visa a coibir o transporte, na maioria das vezes de
trabalhadores chamados “boias-frias”, em veículos motorizados
sem as devidas cautelas. A exposição a perigo de dano de um só
trabalhador já constitui o delito. O transporte pode ser realizado
para empresas ou propriedades de qualquer natureza (sítios,
lojas, recreação, etc.). O autor principal deste delito é o
responsável pelo transporte, geralmente denominado “gato”.
Pode também ser autor do delito o responsável pelo
estabelecimento ou propriedade, aparecendo o motorista do
veículo como coautor. A expressão “em desacordo com normas
legais” se refere às normas do Código de Trânsito.

Art. 133 - Abandono de Incapaz

Consiste na ação de deixar a vítima sem assistência,


desamparada, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do
abandono. É indiferente que o abandono seja temporário ou
definitivo, desde que seja por espaço de tempo juridicamente
relevante, isto é, capaz de colocar a vida em risco.

67
O objeto jurídico é o interesse do Estado em proteger certas
pessoas que não podem defender-se sozinhas, tutelando-se
desta forma, sua incolumidade física.

Sujeitos: o sujeito ativo é qualquer pessoa que tenha


especial relação de assistência com a vítima, estando ela sob seu
cuidado, guarda, vigilância ou autoridade. É, portanto, um crime
próprio. Já o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que se
encontre numa das relações antes referidas e não somente um
menor. É necessário que a vítima seja incapaz de defender-se
dos riscos decorrentes do abandono.

Tipo subjetivo: é o dolo de perigo direto ou eventual. É a


vontade consciente de expor a vítima a perigo. O delito se
consuma com o abandono efetivo desde que ocorra perigo, ainda
que momentâneo. A tentativa é admissível. Não há modalidade
culposa, no entanto, se ocorrer abandono culposo, que é
impunível, e resultar danos para a vítima, o agente responderá
por eles, Exemplo: lesão corporal culposa e homicídio culposo
(são crimes autônomos e não formas qualificadas deste tipo
penal).

Os parágrafos 1º e 2º do Art. 133 preveem duas figuras


qualificadas: no 1º caso, se do abandono resultar lesão corporal
de natureza grave, com pena de reclusão de 1 a 5 anos; e no 2º
caso, se resulta morte com pena de reclusão se 4 a 12 anos. São
casos de crimes preterdolosos ou preterintencionais.

O § 3º do Art. 133 determina o aumento de pena de 1/3 se o


abandono ocorrer em lugar ermo ou se o sujeito ativo é
ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da

68
vítima. O inciso III (se a vítima for maior de 60 anos) foi inserido
pelo Estatuto do Idoso.

Lugar ermo é o local solitário: pode ser habitualmente


solitário ou acidentalmente solitário. Para caracterizar a
qualificadora é preciso que o local seja habitualmente solitário,
quer de dia quer de noite. Para que haja o crime é suficiente que
o local seja relativamente solitário. Tratando-se de local
absolutamente solitário, o fato constitui meio de execução de
homicídio. Não há a qualificadora quando no momento do
abandono o local, que é habitualmente solitário, encontra-se
frequentado.

A ação penal é publica incondicionada.

Não configura o delito, a mãe que, por absoluta necessidade


deixa os filhos trancados em casa para ir trabalhar.

Art. 134 – Exposição ou abandono de recém-nascido

A ação física consiste em expor ou abandonar, sendo que as


expressões se equivalem. Importa a ideia de deixar desassistido,
desamparado o recém-nascido. Pode ser cometido por um
comportamento positivo ou negativo. É um delito de perigo
concreto e não simplesmente presumido. Portanto, se a vítima é
deixada em lugar onde possa receber assistência, não há em que
se falar em abandono. Este delito exige um motivo para sua
prática, que é a ocultação de desonra própria. Este fato

69
fundamenta a natureza privilegiada deste delito em relação ao
crime de abandono de incapaz (Art. 133).

Sujeitos: figuram no polo ativo a mãe, bem como o pai que


visam ocultar desonra própria, tratando-se de crime próprio.
Como exemplo: a mãe que concebeu fora do matrimônio, ou o pai
que oculta incesto ou relação adulterina. Já no polo passivo figura
o recém-nascido assim considerando até a queda do cordão
umbilical.

Tipo subjetivo: é o dolo de perigo, direto ou eventual. É a


vontade livre de abandonar a vítima, expondo a perigo. Exige-se
o elemento subjetivo do tipo, já que a ação do agente tem por fim
ocultar desonra própria.

Este delito se consuma com o efetivo abandono do recém-


nascido, desde que ocorra perigo ainda que momentâneo. Não
há modalidade culposa. No entanto, se decorrente do abandono
culposo, resultar danos para a vítima, o agente responderá por
eles. Exemplo: lesão corporal culposa ou homicídio culposo, que
são crimes autônomos, e não como formas qualificadas deste tipo
penal que exige dolo.

O tipo penal exige que o fato seja cometido para ocultar


desonra própria. Como dito, este delito é privilegiado em relação
ao anterior, sendo que a base deste privilégio é de natureza
psicológica e restritiva (ocultar a desonra).

A honra de que se cuida é a de natureza sexual, a boa fama


e a reputação que goza o autor. Se é pessoa desonesta ou de
desonra conhecida, não cabe alegação de preservação da honra.
Se se trata de outro motivo, como, por exemplo, o de extrema

70
miséria, excesso de prole, receio de um filho doentio, o fato
constitui abandono de incapaz (Art. 133).

Como no delito anterior preceitua os parágrafos 1º e 2º as


formas qualificadas, quando se do fato resulta lesão corporal de
natureza grave e se resulta morte. São hipóteses de preterdolo.
Se, no entanto, a vontade do agente era de matar o delito será
homicídio ou infanticídio.

Art. 135 - Omissão de socorro

Omitir socorro segundo este artigo é deixar de prestar


assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a criança
abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao
desamparado ou em grave ou eminente perigo; ou ainda não
pedir socorro a autoridade pública.

A objetividade jurídica é a solidariedade que deve existir


entre os homens no sentido da obrigação jurídica genérica a que
estamos submetidos na convivência social.

Sujeitos: qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo do crime


de omissão de socorro, não se tratando de crime próprio. Não é
necessário que haja qualquer vínculo entre os sujeitos deste
delito, como ocorre no abando de incapaz (Art.133). Já os
sujeitos passivos são limitados pelo tipo penal, podendo ser: a
criança abandonada ou extraviada, pessoa inválida ou ferida e
pessoa em grave e eminente perigo.

O código se refere à criança abandonada ou extraviada. A


criança extraviada é a perdida; a criança abandonada é a
largada. Deve-se entender como criança àquela que não pode
ainda se defender, sem fixação de idade, dependendo de análise

71
do caso concreto. Pessoa inválida é aquela que, por doença ou
velhice, não pode defender-se, encontrando-se desamparada no
momento do fato. Pessoa ferida é aquela que sofreu lesão
corporal. Pessoa em grave eminente perigo é aquela que se
encontra neste estado em função das circunstâncias.

Tratando-se de omissão de socorro cometida no trânsito,


aplica-se o Art. 304 do CTB. (Lei nº 9503/97).

Trata-se de crime omissivo próprio, que somente pode ser


praticado por omissão. Pelos verbos do tipo o agente deixa de
prestar assistência ou não pede socorro da autoridade pública. O
delito, nas duas formas, é baseado no dever e assistência
genérica. Esse dever desaparece, quando para socorrer, a
pessoa corra risco pessoal. Se para socorrer a pessoa sofra
risco, sua omissão não é punível. Se o risco é moral ou
patrimonial, e o socorro, por tal motivo não for prestado, haverá
crime.

Pergunta: E se a vítima recusar o socorro? Resposta:


Persiste o crime, uma vez que o objeto jurídico é irrenunciável.

O motorista que culposamente atropela a vítima e não lhe


presta socorro, responde pelo Art. 135? NÃO, responde por crime
de homicídio culposo qualificado ou lesão corporal culposa
qualificada (Art. 302, § único III e 303, § único do CTB).

E se o sujeito, com dolo necandi (desejo), atropela a vítima


não lhe prestando socorro? Responde por homicídio ou tentativa
de homicídio, conforme as circunstâncias, sendo que a omissão
de socorro fica absorvida.

72
Elemento subjetivo do tipo: é o dolo de perigo, direto ou
eventual, consistente na intenção de omitir-se com a consciência
do perigo. Não há forma culposa. O erro quanto à existência do
perigo exclui o dolo. No entanto, sobrevindo dano (lesão corporal
ou morte) o agente responderá pelo crime culposo. (Art. 20 e §
1º).

O parágrafo único deste artigo é um caso de aumento de


pena quando da omissão resulta lesão corporal grave e se resulta
morte. Não se trata de omissão qualificada, sendo causa de
aumento de pena.

O autor de homicídio culposo e lesão corporal culposa que


foge em seguida, sem socorrer a vítima, não responde por dois
delitos, homicídio ou a lesão em concurso com a omissão. Nestes
casos, a omissão deixa de ser crime autônomo e atua como
qualificadora (Art. 121 § 4° e 129 § 7º).

A ação penal é pública e incondicionada. Havendo várias


pessoas a assistência de uma delas exclui o dever das demais.
No entanto se ninguém assistir, todos responderão pelo crime de
omissão de socorro.

Art. 135-A - Condicionamento de atendimento médico-


hospitalar emergencial

O crime de condicionamento de atendimento médico-


hospitalar emergencial consiste em “exigir cheque-caução, nota
promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento
prévio de formulários administrativos, como condição para

73
atendimento médico-hospitalar emergencial” (CP, Art. 135-A,
caput).

Trata-se de uma espécie de omissão de socorro introduzida


pela Lei nº 12.653, de 28 de maio de 2012, com a finalidade de
proibir o comportamento bastante comum, praticado por
hospitais, clínicas médicas e outros estabelecimentos de saúde,
consistente na exigência de cheque-caução, nota promissória ou
outra garantia para que alguém, em situação de emergência,
possa receber o devido atendimento médico-hospitalar.

Fixação de cartaz ou equivalente: o estabelecimento de


saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial
fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com
a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-
caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como
do preenchimento prévio de formulários administrativos, como
condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos
termos do Art. 135-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1.940 – Código Penal” (Lei 12.553/12, Art. 2º).

Classificação doutrinária: trata-se de crime próprio (aquele


que exige do agente determinada qualidade: o poder de prestar
atendimento médico-hospitalar emergencial), unissubsistente (em
regra, costuma se realizar com um só ato e não admite a
tentativa), comissivo (decorre de uma atividade positiva do agente
“exigir”) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (quando o
resultado deveria ser impedido pelos garantes – Art. 13, § 2º, do
CP), de forma vinculada (somente pode cometido pelos meios de
execução descritos no tipo penal), de perigo concreto individual (o
perigo deve ser demonstrado e atinge uma pessoa determinada),
instantâneo (a consumação não se prolonga no tempo),

74
monossubjetivo (pode ser praticado por um único agente), doloso
(o agente quer ou assume o risco de criar situação de perigo para
a saúde ou a vida da vítima).

Objetos jurídico e material: o objeto jurídico do crime de


condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial
é a saúde e a vida da pessoa humana. O objeto material é a
pessoa humana sobre a qual recai a conduta criminosa, ou seja,
é a pessoa de quem é exigido o cheque-caução, nota promissória
ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de
formulários administrativos, como condição para atendimento
médico-hospitalar emergencial, como também o próprio paciente
(vítima), que necessita de atendimento imediato.

Sujeitos do delito: trata-se de crime próprio, assim, o sujeito


ativo somente pode ser a pessoa que o poder de determinar a
exigência de cheque-caução, nota promissória ou qualquer outra
garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários
administrativos, como condição para o atendimento médico-
hospitalar emergencial.

Normalmente, essa exigência é determinada pelo diretor ou


gestor do estabelecimento de saúde (hospital, pronto socorro,
clínica etc.). Entretanto, em regra, é o funcionário que trabalha na
recepção do estabelecimento quem faz a referida exigência,
cumprindo ordem manifestamente ilegal da administração. Nesse
caso, entendemos que haverá concurso de pessoas, devendo,
ambos (diretor e empregado) responderem pelo crime de
condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial
em estudo.

75
Sujeito passivo é tanto o paciente (vítima) que necessita de
atendimento imediato, quanto o terceiro de quem, em razão da
impossibilidade do paciente, foi exigido o cheque-caução, nota
promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento
prévio de formulários administrativos, como condição para o
atendimento médico-hospitalar emergencial.

Conduta típica: o núcleo do tipo penal está representado


pelo verbo exigir (ordenar, obrigar, solicitar como condição, pedir
com autoridade). Trata-se de crime de forma vinculada, assim, a
conduta típica somente pode ser praticada pelos seguintes meios
de execução: (1) mediante exigência de cheque-caução, nota
promissória ou qualquer outra garantia que se traduza em um
reconhecimento de dívida passível de ação de cobrança ou
execução; (2) mediante o preenchimento prévio de formulários
administrativos que priorizam a burocracia em detrimento do
socorro que deve ser imediatamente prestado.

Entendemos que no primeiro caso (exigência de cheque-


caução etc.), somente se aplica aos estabelecimentos privados,
uma vez que não é possível qualquer tipo de cobrança na rede
pública, sob pena de incorrem os responsáveis pelos delitos de
concussão (Art. 316, CP) ou corrupção passiva (Art. 317, CP). No
segundo caso (preenchimento prévio de formulários
administrativos), a conduta típica pode ser pratica em ambas as
redes de estabelecimentos de saúde (pública e particular).

É necessário que essas exigências devam servir como


condição para que seja prestado o atendimento médico-hospitalar
emergencial. Assim, deverão ocorrer anteriormente ao
atendimento de que necessita o paciente (vítima), que não pode
ser socorrido na ausência daquelas exigências.

76
O Conselho Federal de Medicina difere terminologicamente,
urgência de emergência[1], porém, em ambas as hipóteses há
necessidade de tratamento medito imediato. Assim, embora o tipo
penal em estudo faça menção apenas ao atendimento médico-
hospitalar emergencial, devemos nele também compreender o
atendimento médico de urgência.

Elemento subjetivo: é o dolo de perigo, direto ou eventual. O


dolo do agente deve abranger o conhecimento da real situação
de perigo em que se encontra a vítima que necessita de
atendimento médico-hospitalar emergencial. O dolo é direito
quando o agente quer o perigo de dano, e eventual quando o
agente, com sua conduta, assume o risco de produzir o perigo ou
manter o estado de perigo preexistente para a saúde ou a vida da
vítima. O tipo penal não admite a modalidade culposa.

Consumação e tentativa: o condicionamento de atendimento


médico-hospitalar emergencial é crime instantâneo que se
consuma no momento em que o agente exige o cheque-caução,
nota promissória ou qualquer garantia, bem como no momento do
preenchimento prévio de formulários administrativos, como
condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, ou
seja, antes do efetivo e necessário atendimento médico.

A tentativa é inadmissível, pois, ou o sujeito não impõe


nenhuma condição para prestar o atendimento médico-hospitalar
emergencial, e não há crime, ou faz as referidas exigências, e o
crime está consumado.

Causas de aumento de pena: nos termos do parágrafo


único, do Art. 135-A, do Código Penal, a pena cominada para o

77
crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar
emergencial é aumentada nas seguintes circunstâncias:

a) se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de


natureza grave (ou gravíssima), a pena é aumentada até o dobro.
A expressão lesão corporal de natureza grave foi utilizada em
sentido amplo, ou seja, abrange as lesões corporais graves e
gravíssimas (Art. 129, §§ 1º e 2º, CP);

b) se da negativa de atendimento médico-hospitalar


emergencial resulta morte, a pena é aumentada até o triplo.

Essas causas de aumento de pena são exclusivamente


preterdolosas, onde há dolo em relação ao crime de perigo
(condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial)
e culpa em relação ao resultado agravador (lesão corporal ou
morte).

A ação penal é pública incondicionada.

Art. 136 – Maus-tratos

O delito compreende o ato de expor a perigo a vida ou a


saúde de pessoa submetida à autoridade, guarda, vigilância do
agente, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia,
através de meios que revelem abusos de correção. Protege a lei
a incolumidade da pessoa.

Crime de conteúdo variado, que é a prática de mais de uma


figura nuclear, pelo mesmo sujeito ativo contra a mesma vítima,
constitui crime único. Várias condutas são tipificadas: a) privar de
alimentação; b) privar de cuidados indispensáveis; c) sujeitar a
trabalho excessivo; d) abusar dos meios corretivos ou

78
disciplinares. O núcleo do tipo é representado pelo verbo expor,
envolvendo a ideia de risco.

Sujeitos: trata-se de crime próprio, sendo que o tipo exige


especial vinculação jurídica entre os sujeitos. O sujeito ativo deve
ser pessoa que se encontre na condição especial de exercer
autoridade, guarda ou vigilância sobre o sujeito passivo. Este
somente pode ser pessoa que se encontre sob autoridade,
guarda ou vigilância de outrem.

O tipo subjetivo é o dolo de perigo, direto ou eventual. Não


existe a modalidade culposa. A consumação ocorre com a efetiva
exposição a perigo. Exige-se o perigo concreto.

O crime pode ser executado de várias maneiras. Sobre a


privação de alimentos, esta pode ser absoluta ou relativa. Para a
tipificação deste crime é suficiente a privação relativa de
alimentos. Tratando-se de privação absoluta de alimentação, o
fato pode constituir meio de execução de homicídio.

Outra forma de execução é a privação de cuidados


indispensáveis. Exemplo: privar o débil mental de agasalhar-se
durante o frio. O código também se refere a sujeição da vítima a
trabalho excessivo ou inadequado. Exemplo: O sujeito submete
empregado menor a trabalho excessivo ou inadequado para a
idade.

Por fim o abuso dos meios de correção e disciplina. Os


meios de correção dos pais em relação aos filhos, apresentando-
se como moderados, são lícitos. A imoderação constitui delito. O
excesso do sujeito que pretende corrigir ou disciplinar pode ser

79
constituído de violência física ou moral (ameaças, intimidações,
agressões, etc.).

O ECA (Lei nº 8069/90) criou novas figuras típicas


relacionadas com os maus-tratos. Em seu Art. 232 descreve o
fato de “submeter criança ou adolescentes sob sua autoridade
guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento”, impondo
pena de 6 meses a 2 anos de detenção. O Art. 233 define o crime
de “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda
ou vigilância a tortura”, cominando pena de 1 a 5 anos de
reclusão, agravando-a em caso de produção de lesão corporal
grave, gravíssima ou morte (§ 1º, 2º,3º).

Figuras típicas qualificadas: os parágrafos 1º e 2º, definem


crimes preterintencionais ou preterdolosos. São figuras
qualificadas pelos resultados, que podem ser lesão corporal de
natureza grave e a morte. Sofrendo a vítima lesão corporal leve o
sujeito responde pelo “caput” do artigo. Reza ainda o § 3 º que
haverá aumento de pena se o crime for praticado contra pessoa
menor de 14 anos. Parágrafo acrescido pelo ECA.

CAPÍTULO IV

DA RIXA

Art. 137 - Rixa

Para lei penal, rixa é a briga com a participação de no


mínimo 3 pessoas, lutando umas contra as outras, caracterizando
tumulto, agindo os contendores individualmente, acompanhado
de vias de fato, ou violências físicas recíprocas. Se existem duas
pessoas lutando contra uma terceira, não há rixa. Os dois, de um
lado, respondem pelos resultados produzidos no terceiro. Este

80
por sua vez será sujeito ativo de lesão corporal ou outro delito
contra aqueles dois.

Não será rixa quando dois bandos se digladiarem,


praticando lesões corporais recíprocas, distinguindo-se do
comportamento de cada componente. Quando isto ocorre, os
componentes de cada bando, sobre o regime do concurso de
agentes, respondem por lesão corporal ou homicídio que
praticarem.

Estando definida a posição dos contendores não haverá rixa.


Quem intervém para separar não infringe o tipo penal. A conduta
de participar da rixa será típica tanto na hipótese de atuação
desde o início da contenda, quanto na de ingresso durante a
mesma.

A rixa pode ser praticada por meios de vias de fato ou


violências materiais. Desta forma, uma alteração verbal violenta
não constitui o delito. O corpo-a-corpo não é imprescindível. A
luta pode ser realizada por meio de lançamento de objetos
(pedradas ou disparos).

Sujeitos: os participantes da rixa são ao mesmo tempo


sujeitos ativos e passivos. Rixa é um crime plurissubjetivo
recíproco. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo,
desde que envolvida na pratica de violência recíproca. É
classificado como crime bilateral, exigindo o concurso necessário
de várias pessoas.

Elementos subjetivos do tipo: é o dolo eventual ou direto.


Não há forma culposa. Se houver além do dolo de perigo, a
intenção de ferir ou matar, e, sendo possível identificar o agente,

81
este responderá por lesão corporal ou homicídio, tentado ou
consumado. Segundo Magalhães Noronha, a consumação se dá
no momento e no lugar onde cessou a atividade dos contendores.

O crime será qualificado na eventualidade de ocorrência de


lesão corporal de natureza grave ou morte. As lesões que
qualificam o crime são aquelas do Art. 129, §§ 1º e 2º, excluída a
lesão leve. Está excluída, igualmente, como qualificadora a
tentativa de homicídio, pois o tipo exige o resultado morte. Todos
os rixosos respondem por crime qualificado, inclusive aquele que
sofreu a lesão. Se não identificado o autor da lesão ou da morte
todos respondem por rixa qualificada. Se identificado o autor de
tais resultados responde ele por lesão grave ou homicídio em
concurso material com rixa.

Nota: quando há participação de grupos bem definidos não


há rixa, que se caracteriza pelo tumulto, pela indeterminação da
atividade dos participantes.

CAPÍTULO V

DOS CRIMES CONTRA A HONRA

O CP preocupa-se também com a defesa de um bem


imaterial, a honra.

Definida como complexo ou conjunto de predicados, ou


condição da pessoa que lhe confere consideração social e estima
própria. A honra pode ser: a) objetiva - é o respeito,
consideração, reputação e fama que o indivíduo goza no meio
social. É o sentimento alheio incidido sobre os nossos atributos. É
a reputação, aquilo que os outros pensam a respeito de nós; b)

82
subjetiva - é o apreço próprio, dignidade da pessoa, juízo que
cada um faz de si próprio.

Embora seja bem individual, interessa a sociedade a sua


defesa. Os crimes contra a honra reclamam dolo de dano,
embora não seja necessária lesão efetiva para a consumação. É
um crime formal.

A honra ainda pode ser comum e especial ou profissional. É


comum quando diz respeito ao cidadão como pessoa humana,
independentemente da qualidade de suas atividades. Honra
especial ou profissional é aquela que se relaciona com a
atividade particular de cada um. Assim, dizer que alguém é
ladrão, ofende a honra comum. No entanto, se digo que é mal
comerciante, estou ofendendo a honra profissional.

Os crimes contra a honra são três: calúnia, difamação e


injúria.

De maneira geral, a calúnia é a falsa imputação de fato


descrito como crime. Já a difamação é a imputação de fato
ofensivo à reputação da vítima. O agente atribui a terceiro ter
praticado fato que não constitui delito, porém é ofensivo à sua
honra objetiva. A injúria é a ofensa à honra-dignidade ou a honra-
decoro da vítima. O sujeito não atribui a outrem a prática de fato
(criminoso ou não), mas lhe atribui qualidade negativa.

A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva da vítima


(reputação). A injúria ofende a honra subjetiva (ferindo a honra-
dignidade).

Art. 138 - Calúnia

83
Nos termos deste artigo, calúnia é a falsa imputação a
alguém de fato definido como crime. A descrição típica do crime
de calúnia exige um elemento normativo, contido na expressão
“falsamente”. Diante disso, é necessário que seja falsa a
imputação formulada pelo sujeito. Se atribui a terceiro a prática
de crime que realmente ocorreu, inexiste calúnia. A falsidade da
imputação pode recair sobre o fato ou sobre a autoria do fato
criminoso.

Tipo objetivo: são previstas duas figuras típicas: a) imputar


falsamente (caput), que tem o sentido de atribuir, acusar; b)
propalar ou divulgar (§1º), sabendo falso é tornar público.

Para que haja delito de calúnia é necessário que o sujeito


atribua ao ofendido, falsamente, a prática de fato definido como
crime. Se há atribuição de prática de contravenção, não existe a
tipicidade do fato como calúnia, subsistindo o delito de difamação.

A calúnia é um crime formal, instantâneo, simples (atinge um


só objetivo jurídico – a honra objetiva), comum e comissivo.

Sujeitos: os crimes contra a honra são delitos comuns,


podendo ser cometidos por quaisquer pessoas. O sujeito passivo
também pode ser qualquer pessoa. Os desonrados, infames ou
depravados podem ser vítimas. O mesmo se diga dos doentes
mentais e os menores de 18 anos.

Pessoa jurídica: como não pratica crime, prevalece na


doutrina o entendimento de que não pode ser caluniada. Pode,
entretanto, ser a pessoa jurídica vítima de difamação. O mesmo
ocorre com a injúria. O crime de injúria tutela a honra subjetiva.
Não se pode dizer que a pessoa jurídica possui consciência de

84
seu valor moral ou social. Existe divergência doutrinária e
jurisprudencial.

Momento consumativo: ocorre no instante em que a


imputação chega ao conhecimento de um terceiro que não a
vítima. Basta que apenas uma pessoa tome conhecimento da
calúnia. Exige-se, pois, a publicidade, já que o crime ofende a
honra objetiva da pessoa. A tentativa é admissível, dependendo
do meio empregado. A calúnia verbal não é admitida (ou diz ou
não diz). No entanto, a forma escrita admite a tentativa. Exemplo:
carta extraviada.

Propagação e divulgação da calúnia: (§ 1º) o agente incorre


nas mesmas penas do “caput”. Esse tipo penal visa a pessoa que
divulga. Ocorre quando, o agente, sabendo falsa a imputação
feita por outrem, a prolata ou divulga.

Calúnia contra os mortos: (§2º) morto não pode cometer


crime, não sendo, portanto, o sujeito passivo deste tipo. Os serão,
o cônjuge, ascendente, descente e irmão do falecido. Estes são
titulares da objetividade jurídica, que se reflete na honra dos
parentes sobrevivos.

Por não haver disposição expressa na Lei Penal, não há


difamação ou injúria contra a memória dos mortos.

Exceção da verdade: (§ 3º) significa a possibilidade que tem


o sujeito ativo de provar a veracidade do fato imputado. A calúnia
é a imputação falsa de um crime. A ofensa à honra só deixa de
existir se ficar provada a veracidade do crime atribuído ao
ofendido. A Lei Penal admite que o agente realize prova do que

85
alegou, afastando, dessa forma o crime. Entretanto, os incisos I,
II, III do estudado § limita essa possibilidade. Vejamos:

Inciso I - nos crimes de ação privada, fica a critério do


ofendido promover persecução penal. Se preferir o silêncio, que a
Lei assegura, não é aceitável e justo que outrem promova a
publicidade.

Inciso II - quando o fato é imputado ao Presidente da


República ou a chefe de governo estrangeiro. Tais pessoas são
julgadas por órgãos previstos especialmente na Lei. Não podem
ficar à mercê da acusação de qualquer pessoa.

Inciso III - se o ofendido foi absolvido não cabe à exceção da


verdade, pois esta verdade não foi provada em processo público.
O mesmo se diga se o fato imputado é crime de ação penal
privada.

No delito de difamação, a exceção da verdade somente é


admitida se o ofendido é funcionário público, e a ofensa é relativa
às suas funções. Já a injúria não admite a exceção da verdade,
uma vez que não há imputação de fato.

Observação: se a calúnia é praticada por meio de


informação da imprensa, TV, rádio – vide lei de imprensa. Lei nº
5250/67 (REVOGADO).

Observação: se o agente der causa a instauração de


inquérito policial ou processo, responderá por crime de
denunciação caluniosa (Art. 339, CP).

86
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, sendo a vontade livre
de lesar a honra de outrem. A ação penal é exclusivamente
privada, procedendo-se mediante queixa.

Art. 139 - Difamação

A difamação compreende a imputação a alguém de fato não


criminoso, mas ofensivo à reputação. É levar fato ofensivo a
reputação ao conhecimento de terceiro. A Lei Penal protege
neste dispositivo a honra objetiva, isto é, o conceito que o
indivíduo goza no meio social.

Neste delito, ao contrário da calúnia, o fato não precisa ser


falso e nem ser definido como crime. Na difamação é irrelevante
que o fato imputado seja falso ou verdadeiro.

Sujeitos do delito: - o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa,


já que é crime comum. Sujeito passivo é também qualquer
pessoa, inclusive o menor e o doente mental. A pessoa jurídica
segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, pode ser
sujeito passivo de difamação. O próprio STF já se manifestou no
sentido que a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime
de difamação (RTJ 113/88).

Não há difamação contra a memória dos mortos, somente


calúnia.

Elemento subjetivo do tipo: é o dolo de dano direto ou


eventual, identificado com o propósito de ofender. Na difamação,
a prova da verdade não afasta o caráter delituoso do fato.
Excepcionalmente, quando se tem o ofendido como funcionário
público e a ofensa se relaciona ao exercício das funções, a
exceção da verdade tem o poder de excluir a ilicitude da conduta

87
(parágrafo único do Art. 139). Neste caso, há interesse da
administração em fiscalizar a atuação do funcionário. Exemplo: se
o funcionário se embriaga em serviço, admite-se a prova da
verdade.

Não há difamação ou mesmo calúnia, por falta do elemento


subjetivo, se é fruto de incontinência verbal e provocada por
explosão emocional no decurso de acirrada discussão. (TACrim
SP, RT, 544/381).

Como no crime de calúnia, o momento consumativo da


difamação se dá, quando um terceiro, que não o ofendido, toma
conhecimento da imputação ofensiva à reputação. A tentativa não
é admitida na forma oral, apenas na escrita. A difamação se
classifica como sendo um crime comum, de dano, formal,
comissivo, instantâneo e doloso. Não há forma culposa. A ação
penal é privada.

Art. 140 - Injúria

Além da honra objetiva, a pessoa tem também a honra


subjetiva (estima própria, dignidade ou decoro). Estas podem ser
ofendidas pela injúria, que exprime sempre uma opinião do
agente, traduzindo menosprezo pelo injuriado. Dignidade é o
sentimento próprio a respeito dos atributos morais do cidadão.
Decoro é o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos e
intelectuais da pessoa humana. Assim, se o sujeito chama a
vítima de analfabeto, lhe esta ofendendo a honra-decoro. Se a
chama de cafajeste, ofende sua honra-dignidade. Em qualquer
caso, comete o crime de injúria.

88
Sujeitos: ativo é qualquer pessoa, tratando-se de crime
comum. Sujeito passivo é o injuriado. É qualquer pessoa que
tenha capacidade de discernimento do conteúdo da expressão ou
atitude ultrajante. A pessoa jurídica não pode ser vítima, uma vez
que não possui este atributo de natureza pessoal. Os
inimputáveis também são vítimas.

Tipo objetivo: na injúria, ao contrário da calúnia e difamação,


não há imputação de fatos, mas emissão de conceitos negativos
sobre a vítima que atingem a sua dignidade pessoal. É preciso
que a injúria chegue ao conhecimento do ofendido ou de qualquer
pessoa que leve o fato até ele, podendo ser praticado de
qualquer forma: gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras, etc.

O tipo subjetivo é o dolo de dano direto ou eventual. Não há


forma culposa.

Consuma-se o delito quando o ofendido ouve, lê, ou vê a


ofensa proferida. O crime é formal, comissivo, instantâneo, de
forma livre, simples e doloso, sendo admitido a tentativa
dependendo do meio utilizado.

Não se admite a exceção da verdade. A ofensa não se


perfaz num fato, mas numa opinião. Logo inexiste o denominado
tema probando.

Tratando-se funcionário público sendo fato cometido em sua


presença e razão da função, o delito é de desacato (Art. 331).

Perdão judicial: de acordo com o parágrafo 1º deste artigo, o


juiz pode deixar de aplicar a pena quando: a) o ofendido, de
forma reprovável, provocou diretamente a injúria. É o próprio
ofendido, com seu estado de alteração de ânimo, quem provoca a

89
ofensa; b) no caso de retorsão imediata que consista em outra
injúria. Trata-se de compensação. Embora o direito penal trate de
questões indisponíveis, onde a compensação não possa ser
admitida. Neste caso trata-se de política criminal em matéria de
perdão. A retorsão deve ser sem intervalo, constituindo em outra
injúria.

Injúria real (§ 2º): é a ofensa praticada mediante violência ou


vias de fato, com a finalidade especifica de ofender a dignidade
ou o decoro da vítima. Exemplo: cuspir na pessoa visada, puxar-
lhe as orelhas. Vias de fato é uma contravenção penal (Art. 21 da
LCP). Constituindo-se de comportamento ofensivo sobre o
aspecto físico, sem lesão a integridade física da pessoa, pode
caracterizar injúria real, quando a intenção é humilhar a vítima.

Quando o sujeito comete injúria real, empregando vias de


fato, estas são absorvidas pelo delito de maior gravidade.
Quando for cometida por intermédio de lesão corporal, o sujeito
responde por dois crimes em concurso material: injúria real e
lesão corporal. É o que determina o preceito sancionador da
injúria real.

Injúria preconceituosa (§ 3º): a Lei nº 9459/97 introduziu este


parágrafo ao Art. 140. A injúria será preconceituosa ou
discriminatória quando a ofensa à dignidade ou ao decoro utilizar
elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. A
pena passa ser de reclusão de 1 a 3 anos. De prático, a inclusão
deste parágrafo trouxe apenas o apenamento mais severo.
Exemplo: caso do jogador argentino, que ofendeu jogador negro
brasileiro.

Art. 141 - Disposições comuns dos crimes contra a honra

90
Os incisos I, II, III do Art. 141 do CP, são situações que
autorizam o aumento da pena em relação a qualquer dos delitos
contra a honra (calúnia, difamação e injúria).

O inciso I faz referência ao crime cometido contra o


Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro. O
dispositivo leva em conta a importância das funções do ofendido
e as relações internacionais. Em segundo lugar, a pena é
agravada quando o crime for cometido contra funcionário público,
desde que haja relação de causalidade entre o fato e o exercício
da função. A ofensa praticada na presença do funcionário público
constitui desacato. Na sua ausência, será delito contra a honra
qualificada. Já o inciso III, trata do fato cometido na presença de
várias pessoas. Exige-se no mínimo três, conclusão tirada por
estudo comparativo entre outros artigos do CP. Preocupa-se
ainda o dispositivo com meio que facilite a divulgação da calúnia,
da injúria ou da difamação. Exemplo: alto-falante, pintura,
escultura, cartaz, panfletos, etc.

O §1º do Art. 141 dobra a pena se o crime for cometido


mediante paga ou promessa de recompensa. É motivo destacado
em outros pontos do CP como agravante genérica ou qualificada.

!O pacote anticrime (Lei nº 13.964/19), havia trazido em


sua redação original o §2º no Art. 141 do CP, qualificando o
crime de injuria, ou seja, a pena deve ser aplicada no triplo,
se o crime for cometido ou divulgado em quaisquer
modalidades das redes sociais da rede mundial de
computadores. Este §2º havia sido vetado pelo Presidente da
República por ocasião da promulgação da lei supramencionada.

91
Todavia, em 19/04/2021, o veto presidencial foi derrubado pelo
Congresso Nacional, tornando vigente a norma.

Art. 142 - Exclusão de crime

O dispositivo limita-se aos crimes de injúria e difamação.


Não faz o CP referência a calúnia, pois é interesse do Estado
investigar os fatos imputados ao ofendido.

O inciso I fundamenta-se na liberdade de defesa no decorrer


da discussão da causa. Exige a Lei que a ofensa seja irrogada
em juízo, que tenha relação com o objeto da demanda. É a
imunidade judiciária. Parte é autor, réu, litisconsorte, membro do
MP.

O inciso II versa sobre a opinião desfavorável da crítica.


Quando o autor lança uma obra, expõem-se às críticas. Estas são
limitadas, inexistindo imunidade quando inequívoca a intenção de
ofender.

Por último, o inciso III exclui o crime quando o conceito


desfavorável é emitido por funcionário público, em apreciação ou
informação que preste no cumprimento de dever de oficio.
Exemplo: a autoridade policial, no relatório do inquérito policial,
das informações a respeito dos péssimos antecedentes do
indiciado.

O parágrafo único deste do Art. 142 praticamente cria um


novo tipo penal quando diz que responderá por injúria ou por
difamação quem der publicidade nas hipóteses dos itens I e III do
citado dispositivo legal.

92
Art. 143 - Retratação

Tem o sentido de desdizer-se, retirar o que foi dito, admitir


que errou. A retratação só é cabível na calúnia e na difamação.
Isto porque, nestes delitos incidem a imputação de fato atribuído
ao ofendido. Importa a vítima que o ofensor se retrate, negando
que ela praticou o fato imputado. Na injúria há atribuição de
qualidade negativa, ofensiva a sua honra subjetiva. Assim dizer
que a vítima é ignorante e depois afirmar que é sábio, não repara
o dano. A retratação não se confunde com a negação do fato,
pois retratar-se pressupõe o reconhecimento de uma afirmação
confessadamente inverídica.

A retratação só é admitida quando feita antes da sentença


condenatória. Deve ser cabal, completa e não vinculada há
condições. Como consequência da retratação o querelado fica
isento de pena. Professor Damásio defende que a retratação
deveria ser causa de diminuição da pena e não de extinção da
punibilidade.

Trata-se de circunstâncias subjetivas e incomunicáveis, em


caso de concurso de agentes. Não depende de aceitação da
vítima. Somente é possível quando se trata de ação penal
privada.

Foi acrescido a esse Art. o parágrafo único através da Lei nº


13.188/15, dizendo que nos casos de calúnia e difamação,
quando utilizado meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se
assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se
praticou a ofensa.

93
Art. 144 - Pedido de explicações

Havendo dúvida na manifestação de alguém, se inferindo o


cometimento de crime contra a honra, quem se julgar ofendido
pode pedir explicação em juízo. O juízo de equivocacidade é do
próprio ofendido. O interpelado, no entanto, pode recusar-se a
prestar explicações. Aquele que se recusa a dá-la ou, a critério do
juiz não as da satisfatoriamente, responde pela ofensa.

O pedido de explicações em juízo segue o rito processual


das notificações avulsas. Requerido, o juiz determina a
notificação do autor da frase para vir explicá-la em juízo.
Fornecida a explicação, ou no caso da recusa certifica-se nos
autos, sendo que estes são entregues aos requerentes para
eventual ingresso em juízo ou requerer instauração de inquérito
policial.

Art. 145 - Ação penal

Os crimes contra a honra são em regra, de ação penal


privada. Fica a critério do ofendido a promoção da medida. O
direito de acusar é transferido ao sujeito passivo, que no prazo
decadencial, poderá, se quiser, propor a ação. Se preferir o
silêncio, tal direito será assegurado. O dispositivo excepciona o
caso da injúria real (Art. 140 § 2º), que, se dá a violência resulta
lesão corporal, a ação penal será pública incondicionada, uma
vez que o crime de lesão corporal é de ação pública. Após a lei
9099/95, a lesão leve passou a depender de representação.
Desta forma, seria correto afirmar que no caso de injúria real
(com lesão leve), o crime passou a ser de ação pública, porém
condicionada à representação.

94
O parágrafo único do artigo em baila., sofreu alteração com
edição da Lei nº 12.033/09, que também passou a exigir
representação do ofendido, quando a injúria consistir em
elementos referentes a raça, cor, etnia, origem ou condição de
pessoa idosa ou portadora de deficiência, além das duas
exceções já existentes: 1º) no caso de crime cometido contra
Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro exige-
se requisição do Ministro da Justiça. Neste caso a ação será
pública condicionada a esta requisição, sendo uma condição de
procedibilidade; 2º) hipótese de crime praticado contra funcionário
público, em razão de suas funções (Art. 141, II). De tal forma,
ficou assim redigido o Art. 145 do CP: No caput nada mudou,
sendo que o parágrafo único, foi acrescido “bem como no caso do
§ 3º do Art. 140 deste código”. A mudança tornou pública
condicionada a representação a ação penal na chamada injúria
preconceituosa.

CAPÍTULO VI

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL

Este capítulo define os crimes contra a liberdade individual,


que se perfaz somente com a lesão desse objeto jurídico,
independentemente da produção de qualquer resultado. A
existência do delito se exaure com a lesão da liberdade individual.
A objetividade jurídica desses crimes (Art.146 a 154) é a
liberdade jurídica, considerada como a faculdade de realizar
condutas de acordo com a própria vontade do sujeito. A liberdade
é um dos maiores bens que o homem pode desfrutar.

Os crimes contra a liberdade individual são subsidiários. Isso


quer dizer que ingressam na definição legal de outros crimes,

95
como acontece no roubo, extorsão, estupro, etc. Exemplo: O
constrangimento ilegal, descrito no Art. 146 funciona como
elementar no delito de estupro, ficando por ele absorvido.

O CP divide os crimes contra a liberdade individual em


quatro seções: seção I – dos crimes contra a liberdade pessoal
(Art. 146 a 149); seção II – dos crimes contra a inviolabilidade de
domicílio (Art. 150); seção III – dos crimes contra a inviolabilidade
de correspondência (Art. 151 e 152); seção IV – dos crimes
contra a inviolabilidade dos segredos (Art. 153 e 154).

Nos crimes contra a liberdade pessoal o CP protege a


liberdade de autodeterminação, de locomoção e a livre disposição
de si próprio.

Seção I – Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal

Art. 146 - Constrangimento ilegal

É o fato de obrigar alguém a não fazer o que a Lei permite


ou a fazer o que ela não manda, mediante violência ou grave
ameaça, ou ainda depois de haver reduzido, por qualquer outro
motivo a capacidade de resistência. O Estatuto Penal protege a
liberdade de autodeterminação. A CF no seu Art. 5º, II, de modo
idêntico prescreve: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”.

O sujeito ativo e o sujeito passivo podem ser quaisquer


pessoas, não requerendo nenhuma condição especial. O sujeito
passivo deve possuir capacidade de autodeterminação.

96
O tipo importa constrangimento, coação. Constranger
alguém significa obrigar a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a
que não está obrigada. A lei estabelece que o constrangimento
pode ocorrer mediante violência (força física) ou grave ameaça
(violência moral, intimidação) ou qualquer outro meio (ingestão de
álcool, drogas, hipnose), reduzindo-lhe a capacidade de
resistência. A vítima é constrangida, logo a pretensão do agente
deve ser ilegítima. Se legítima, configura o delito do Art. 345 do
CP (exercício arbitrário das próprias razões).

Se o constrangimento for meio para a pratica de outro crime


(estupro), não se caracterizara o delito do Art. 146 que é
subsidiário, havendo absorção deste pelo outro.

O tipo subjetivo é o dolo direto ou eventual, representado


pela vontade livre e consciente de constranger. Deve estar
presente a consciência da ilegitimidade. O motivo do agente é
irrelevante. Não há constrangimento ilegal culposo.

Consuma-se o constrangimento ilegal quando a vítima faz


ou deixa de fazer o que foi constrangido. É crime material, sendo
admitido a tentativa. Classifica-se como um crime comum,
material, doloso e subsidiário.

O parágrafo 1º do estudado artigo é uma causa de aumento


de pena quando ocorrer às hipóteses nele descritas. Ou seja,
reunirem-se mais de 3 pessoas (no mínimo 4), ou quando há
emprego de armas, sejam instrumentos destinados ao ataque e
defesa ou que apresente poder ofensivo.

O parágrafo 2º preconiza a possibilidade de concurso de


crimes. Se, da violência empregada para o constrangimento, a

97
vítima vier a sofrer lesão corporal, o agente responde
cumulativamente.

Já o parágrafo 3º prevê as hipóteses de exclusão de


tipicidade, previstas nos incisos I e II. São intervenções médicas
ou cirúrgicas justificadas por iminente risco a vida do paciente,
independente do seu consentimento. O outro caso é quando a
coação é exercida para impedir o suicídio. A presença dessas
circunstâncias exclui a própria tipicidade do fato.

Observação: Existem vários crimes afins com este (ameaça,


exercício arbitrário, abuso de poder, violência arbitrária). Quando
o constrangimento for meio ou elemento de outro crime, fica
absorvido por este. O constrangimento ilegal é sempre absorvido
nunca absorvente.

Art. 147 - Ameaça

O delito consiste em ameaçar alguém, por palavra, escrito


ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar a vítima
mal injusto e grave. Ameaçar significa intimidar, meter medo. A
ameaça para constituir o crime tem que ser idônea, séria e
concreta, capaz de efetivamente imprimir medo na vítima.

Grave: ameaçar de morte, lesão, danos, etc.

Injusto: contrário ao direito, caso contrário o fato é atípico.


Exemplo: dizer que vai despejar o inquilino que não paga o
aluguel, ou de protestar cheque não honrado. De tal modo que, a
injustiça da ameaça é elementar do tipo penal em estudo.

Ameaçar tem o significado de prometer algum malefício,


(dano físico ou econômico podendo ser também moral).

98
A objetividade jurídica é a paz de espírito, a tranquilidade da
pessoa. O delito de ameaça é subsidiário em relação a outros
crimes. Funciona como elementar das descrições típicas dos
crimes de roubo, extorsão, estupro, etc.

Ameaça se diferencia do constrangimento ilegal, pois neste


o agente busca uma conduta positiva ou negativa da vítima. Na
ameaça, pretende-se somente atemorizar o sujeito passivo.

O sujeito ativo, sendo crime comum, é qualquer pessoa.


Sujeito passivo também é qualquer pessoa, desde que capaz de
ser intimidada.

O tipo subjetivo é o dolo, traduzido pela vontade livre e


consciente de intimidar. É posição vencedora nos tribunais que o
delito exija ânimo calmo e refletido. Inexiste quando o fato é
praticado pelo agente em estado de ira. Da mesma forma, é
dominante a jurisprudência que entende que não há crime de
ameaça quando o fato é praticado pelo sujeito em estado de
embriagues. Damásio de Jesus é contrário a estes dois
entendimentos jurisprudenciais.

Trata-se de crime comum, formal, doloso. Instantâneo e


subsidiário. Consuma-se quando o ofendido toma conhecimento
da ameaça.

A ação penal é pública condicionada à representação. É o


que dispõe o parágrafo único deste artigo. Assim, o termo
circunstanciado só pode ser elaborado, a ação penal só pode ser
iniciada, por intermédio de denúncia, em face da representação.

99
Art. 147 – A – Perseguição (Stalking)

A Lei nº 14.132/2021 de 01/04/2021, introduziu o Art. 147-A


no Código Penal, tipificando o crime de perseguição, também
conhecido como stalking (palavra de origem inglesa que é
utilizada na prática de caça, derivação do verbo stalk, que
significa perseguir incessantemente, no contexto, ocorrendo
quando o predador persegue a presa de forma contínua).

Embora o fenômeno da perseguição seja estudado há algum


tempo pela Criminologia, somente agora recebeu uma figura
típica no Código Penal Brasileiro.

A conduta consiste em forma violenta que o sujeito invade a


vida privada da vítima, de forma reiterada, visando restringir sua
liberdade, atacando sua privacidade ou reputação, causando
resultado temporário ou permanente à integridade psicológica e
emocional da vítima.

Os motivos que levam a tipificação da conduta podem ser os


mais variados possíveis, como violência doméstica, inveja,
vingança, ódio ou o simples pretexto de brincadeira.

Os ataques podem ocorrer de diversas formas, de forma


concreta ou virtual, bastando configurar a perseguição. Como
exemplo pode-se configurar a perseguição por meio de ligações
telefônicas, envios de SMS, mensagens de aplicativos ou email
(cyberstalking), publicação de fatos ou boatos, remessa de
presentes, espera da vítima em lugares que frequenta, etc.

Objeto jurídico: O crime está inserido no capítulo que


protege a liberdade individual da vítima (liberdade da pessoa
humana), bem jurídico de estatura constitucional (art. 5º) e

100
convencional (art. 7º, I, da Convenção Americana de Direitos
Humanos).

Objeto material: A conduta criminosa recai sobre a pessoa


que sofre a perseguição.

Sujeitos do crime: O crime é comum, pois o legislador não


exigiu nenhuma qualidade especial do criminoso (perseguidor) ou
da vítima (pessoa perseguida). Porém, a pena será majorada da
metade se a vítima for criança, adolescente, idoso ou mulher
perseguida por razões da condição do sexo feminino (§ 1º).

Tipo Objetivo - perseguição ameaçadora: Pune-se a


conduta de perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer
meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica,
restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer
forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou
privacidade.

O verbo principal do tipo penal é o perseguir, no sentido de


atormentar, importunar, ir atrás de maneira insistente, seja
fisicamente ou virtualmente, sendo considerado, inclusive, por
meio de terceira pessoa.

Por se tratar de um tipo penal novo, ainda surgem


divergências acerca da conduta tipificada, podendo ampliar
demasiadamente o espectro da norma, alcançando
indevidamente a figura do detetive particular, oficial de justiça,
paparazzi e até mesmo operadores de telemarketing.

Todavia, analisando de forma mais sistemática e teleológica,


o delito de stalking deve ser configurado apenas diante da
perseguição reiterada que ameace a integridade física ou

101
psicológica da vítima, quando restrinja sua capacidade de
locomoção ou por qualquer outra forma, invada ou perturbe sua
liberdade ou privacidade.

Elemento subjetivo: O crime é punido a título de dolo. O


legislador não exigiu nenhuma finalidade específica animando a
conduta do agente, tampouco previu a modalidade culposa.

Consumação e tentativa: O crime é habitual,


aperfeiçoando-se com a reiteração dos atos de perseguição. A
tentativa não é admitida em virtude da natureza do delito
(habitual).

Sanção penal: A pena cominada ao delito é de reclusão, de


6 meses a 2 anos, e multa.

Causas de aumento da pena: A pena aumenta-se da


metade quando a infração for praticada (§1º): a) contra crianças,
adolescentes ou idosos; b) contra mulher por razões da condição
do sexo feminino, nos termos do §2º, do Art. 121, do CP; c)
mediante concurso de 2 ou mais pessoas ou com o emprego de
arma.

Fique atento: A mesma Lei que incluiu o Art. 147-A no


Código Penal, revogou o Art. 65 da LCP (perturbação da
tranquilidade), que punia a conduta de molestar alguém ou
perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável.

Concurso de crimes e conflito de leis penais:

Falsa identidade: No caso de utilização de perfis falsos


para a prática delituosa, o agente responderá pelo crime do art.
147-A em concurso com o art. 307 do CP, pois não é necessário

102
que todo stalkeador encubra sua identidade, ou seja, a falsa
identidade não deve ser considerada ante factum impunível do
referido delito,j á que não é meio de execução ordinário do crime
de perseguição.

Invasão de dispositivo informático: Se houver


cyberstalking com o perseguidor agindo pela internet , e não se
limitar a mandar mensagens, mas hackear o celular ou
computador da vítima, violando indevidamente mecanismo de
segurança para obter, adulterar ou destruir dados sem
autorização, ou instalando vulnerabilidades para obter vantagem
ilícita, incide nas penas do art. 154-A em concurso formal ou
material, a depender do caso concreto, com o art. 147-A do CP,
não se falando em absorção dada a proteção de bens jurídicos
distintos e o fato da invasão do dispositivo não ser meio
necessário para concretizar uma perseguição.

Porn Revenge: Se o intimidador enviar mensagens ou


perseguir pessoalmente informando que registrou fotos ou vídeos
de nudez da vítima, ou as divulgou, aplica-se também o delito do
art. 216-B ou art. 218-C do CP, respectivamente, em concurso
formal ou material, a depender do caso concreto, não havendo
consunção em razão da tutela de interesses distintos e de a
vingança pornográfica não ser meio necessário para concretizar
uma perseguição.

Arma de fogo: Se o crime de perseguição for praticado com


o emprego de arma de fogo, algumas situações podem ser
vislumbradas: a) se o agente possuir porte de arma, responderá
apenas pelo crime de perseguição, incidindo a causa de aumento
de pena (art. 147-A, § 1º, III do CP); b) se o agente não possuir
porte de arma de fogo, mas a utilizar única e exclusivamente para

103
perseguir a vítima, responderá apenas pelo crime de perseguição
majorado (art. 147-A, § 1º, III do CP). O crime de porte ilegal de
arma de fogo fica absorvido (princípio da consunção), sendo
considerado meio para a prática do crime fim. c) se o agente
portar ilegalmente a arma de fogo em contexto fático distinto, seja
antes de iniciar as investidas em desfavor da vítima ou depois
daperseguição, responderá pelo crime do art. 147-A, caput , em
concurso material com o crime do Estatuto do Desarmamento
(art. 14 ou 16, conforme o caso). Não se cogita da majorante do
crime de perseguição nessa hipótese para evitar o bis in idem.

Descumprimento à medida protetiva de urgência:


Quando a perseguição caracterizar ato de não obedecer à
medida protetiva de urgência, haverá concurso material entre a
perseguição majorada – contra mulher por razões da condição de
sexo feminino (art. 147-A, § 1º, II do CP) e o descumprimento de
medida protetiva de urgência (art. 24-A da Lei Maria da Penha).

Por mais que o stalking tenha pena maior, o que pode


justificar a opção de alguns pela absorção, há outro fator que
permite a cumulação: os bens jurídicos tutelados não são afins.

No artigo 24-A da Lei 11.340/06 protege-se a administração


da Justiça, ao passo que no novo art. 147-A, tutela-se a liberdade
pessoal da vítima. O cúmulo material parece a melhor
interpretação.

Se a perseguição se der por descumprimento de medidas de


proteção ao idoso (art. 45 da Lei 10.741/03) ou criança ou
adolescente (art. 101 do ECA), a perseguição majorada (art. 147-
A, § 1º, II do CP) não será cumulada com outro delito, seja
porque inexiste previsão típica de crime específico, seja porque

104
não se aplica o crime de desobediência (art. 330 do CP) quando
o agente desatende a ordem e existe lei prevendo sanção não
penal para esse descumprimento sem ressalvar a sanção
criminal, cabendo a decretação da prisão preventiva (art.313, III
do CPP).

Ação penal: O crime é de ação penal pública


condicionada à representação (§ 3º), ainda que seja praticado
no contexto de violência doméstica contra a mulher, pois o
legislador não fez qualquer ressalva. Nessa hipótese, contudo,
não se aplicamos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95, por
força do art. 41 da Lei11.340/06.

Suplantado o prazo decadencial de 6 meses sem


manifestação da vítima ou de seu representante legal, opera-se a
extinção da punibilidade do agente (art. 107, IV do CP). Por
óbvio, a utilização de perfil falso por parte do sujeito ativo impede
o transcurso do prazo decadencial, que só começa a correr
quando descoberta a identidade do stalkeador.

Competência e atribuição: Em regra, o crime será


processado e julgado pela Justiça Estadual, e investigado pela
Polícia Civil. No entanto, poderá atrair a competência da Justiça
Federal e a atribuição da Polícia Federal, por exemplo quando
praticado pela internet e estando configurada a
transnacionalidade (arts. 109, V e 144,§1º, I da CF), ou quando a
vítima for servidor público federal no exercício de suas funções
(art. 109, IV e 144, §1º, I da CF).

Art. 147-B – Dano Emocional à Mulher

105
A Lei nº 14.188 de 28 de julho de 2021 incluiu no Código
Penal o artigo 147-B, segundo o qual configura violência
doméstica contra mulher, e está sujeito a pena de reclusão de
seis meses a dois anos e multa, se a conduta não constitui crime
mais grave, quem:

"Artigo 147-B — Causar dano emocional à mulher que a


prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a
degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação,
manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação
do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à
sua saúde psicológica e autodeterminação".

Cumpre salientar que, além da positivação do crime em


comento, esta lei, adicionou-se ao artigo 12-C da Lei nº 11.340/06
o termo "psicológica", permitindo-se esta forma de violência como
fundamento para afastar o agressor do lar.

Não menos importante, também se definiu o programa de


cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como
uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e
familiar contra a mulher, mediante a criação de um canal de
comunicação, a fim de viabilizar assistência e segurança à vítima,
a partir do momento em que houver sido efetuada a denúncia por
meio do código "sinal em formato de X", preferencialmente feito
na mão e na cor vermelha (artigos 1º e 2º da Lei nº 14.188/21).

Pode ocorrer confronto do art. 147-B com o crime de


violência doméstica, previsto no art. 129, § 9º. Tomemos como
exemplo o caso da mãe que pratica violência psicológica contra a
filha, sem que essa conduta seja baseada no gênero da vítima

106
(ou seja, o crime não foi praticado porque a vítima é mulher),
causando-lhe prejuízo à saúde psíquica e à autodeterminação.
Não há se falar no crime do art. 129, § 13, pois a ação não foi
motivada por razões de sexo feminino, mas em violência
doméstica (art. 129, § 9º).

Ainda em tema de concurso aparente de normas, o art. 147-B


predomina sobre uma série de outros delitos, como os crimes
contra a honra – com exceção da injúria por preconceito –, o
constrangimento ilegal, a ameaça e a perseguição, desde que
presentes as demais elementares (dano à saúde psíquica +
afetação da autodeterminação).

Nessa esteira, importa assinalar que o dano emocional deve


prejudicar a mulher e perturbar seu pleno desenvolvimento, ou
visar a degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças ou decisões.

Partamos do pressuposto que todo dano emocional é


prejudicial à vítima, ou não seria um dano. Assim,
compreendemos que o prejuízo decorre necessariamente de uma
perturbação ao pleno desenvolvimento feminino (e, justamente
por isso, o legislador usou a conjunção aditiva e entre as
expressões). A expressão se refere a qualquer forma de
tolhimento das potencialidades, seja no que concerne ao aspecto
fisiopsicológico, seja no que tange às habilidades sociais,
afetando a essência individual. Nessa toada, o dano emocional
que limita o desenvolvimento cognitivo, ou que embaraça
aptidões artísticas, intelectuais ou profissionais, entre outras
hipóteses, é perturbador do pleno desenvolvimento.

107
O dano emocional também pode visar a degradar ou
controlar ações, comportamentos, crenças ou decisões da
mulher, ainda que não lhe cause efetivamente perturbação do
pleno desenvolvimento. Temos, aqui, um dano direcionado à
degradação ou ao controle, ou seja, ao causá-lo, o autor pretende
atingir essas finalidades (ainda que efetivamente não o consiga).
Degradar significa deteriorar, desgastar. O sujeito ativo, por
exemplo, pode causar a intervenção emocional para fazer com
que a vítima tenha dúvidas acerca de sua capacidade de decidir
corretamente, degradando sua assertividade. Controlar significa
governar. Ou seja, o autor assume o comando de aspectos da
vida da vítima, impondo modos de pensar, de agir etc. Assim, faz
com que a vítima, por exemplo, deixe de frequentar determinados
lugares, ou impede-a de escolher sua vestimenta, solapando a
liberdade individual feminina.

Assim, o dano emocional pode ser causado por ameaça,


constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica
e autodeterminação. A opção legislativa, em alguns trechos,
rompe para com a sistemática das leis penais.

O crime é material, exigindo duplo resultado (afetação da


saúde psíquica e da autodeterminação), consumando-se quando
o último resultado ocorrer (qualquer que seja ele), ainda que a
simultaneidade seja possível. Não há ressalvas quanto à
possibilidade de tentativa.

Fica claro que o crime é invariavelmente doloso. Assim, por


exemplo, em uma relação conjugal, se um dos cônjuges é
indiferente ao outro e isso afeta a autoestima do parceiro a tal

108
ponto que surja um dano emocional limitador da
autodeterminação, mas esse processo é desconhecido por
aquele que demonstra a indiferença, não há delito a ser
apreciado.

Art. 148 - Sequestro e cárcere privado

A proteção penal é dirigida à liberdade individual,


especialmente a de locomoção, sendo o direito de ir e vir. O
artigo utiliza as expressões sequestro ou cárcere privado como
sinônimas. Entretanto, a doutrina as distingue. No sequestro, a
vítima tem maior possibilidade de locomoção apesar de ter sido
privada de sua liberdade. Exemplo: prender alguém em uma
fazenda ou ilha. Já no cárcere privado, a vítima fica confinada em
um recinto fechado. Exemplo: prender alguém em um quarto. Em
qualquer caso a pena é a mesma.

O crime pode ser cometido mediante duas formas: 1ª


detenção, exemplo: levar a vítima em um automóvel e prende-la
em um quarto; 2ª retenção, exemplo: impedir que a vítima saia de
uma determinada casa. Pode ser ainda praticada por omissão, no
caso de deixar de pôr em liberdade pessoa que se restabeleceu
de doença mental.

Os sujeitos ativos e passivos podem ser quaisquer pessoas,


sendo crime comum.

O tipo subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de privar


a vítima da liberdade de locomoção.

Consuma-se o crime quando a vítima é privada da sua


liberdade de locomoção. Trata-se de um crime permanente,
perdura a consumação enquanto o ofendido estiver submetido à

109
privação de sua liberdade. É ainda classificado como crime
comum, material, doloso, comissivo ou omissivo.

Prevê o artigo duas formas qualificadas. No inciso I do § 1º,


fala a Lei de vítima ascendente, descendente, cônjuge ou
companheiro do agente ou maior de 60 anos (acrescido pelo
Estatuto do Idoso). Justifica-se pelas ligações do agente com a
vítima. O inciso II define o fato de internação em casa de saúde
ou hospital. Tem por fundamento o meio empregado que é
fraudulento. O inciso III prevê a possibilidade da duração de mais
de 15 dias. Neste caso, a conduta do sujeito revela malignidade,
o que a torna mais censurável.

A lei nº 11.106/05, acrescentou os incisos IV e V ao


estudado parágrafo. O inciso IV contempla o aumento da pena,
se o crime é praticado contra menor de 18 anos. Já o inciso V
prevê a possibilidade do sequestro ou cárcere privado for
praticado com fins libidinosos.

Este último inciso, em verdade veio a substituir todo o


capítulo “Do Rapto”, previsto nos Artigos 219 a 222 do CP. De tal
sorte, não existem mais os delitos de rapto, seja consensual, seja
violento. Após a lei 11.106/05, alguém que “raptar” outrem para
fins libidinosos, responderá pelo Art. 148, §1º, V do CP.

A outra forma qualificada deste delito está prevista no § 2º.


Trata-se do sofrimento físico ou moral da vítima, provocado por
maus-tratos ou pela natureza da detenção. Maus-tratos é a
conduta agressiva do sujeito, sem causar lesão. Se esta ocorre,
há concurso material de crimes. Natureza da detenção diz
respeito ao aspecto material da privação da liberdade da vítima,
como amarrá-la em uma árvore, colocá-la em lugar úmido, etc.

110
O consentimento da vítima afasta o crime. Pai que encarcera
menor com finalidade corretiva pratica maus-tratos e não cárcere
privado.

Art. 149 - Redução a condição análoga a de escravo

Protege o legislador a liberdade individual. Ação física


importa qualquer meio que leve uma pessoa a sujeitar-se a outra,
de forma absoluta, em condições semelhantes á de escravo. Não
se exige a verdadeira escravidão. Pode o agente recorrer a
violência, a fraude, a retenção dos salários, documentos, meios
de transporte e intimidação.

O consentimento da vítima é irrelevante, uma vez que a


situação de liberdade do homem constitui interesse predominante
do Estado. Há divergências doutrinárias e jurisprudencial. Pode
afastar o caráter ilícito, desde que não ofenda a ética social/bons
costumes.

O sujeito ativo e passivo podem ser quaisquer pessoas. O


fato só é punível a título de dolo. Atinge o momento consumativo
quando a vítima é reduzida à condição análoga a de escravo. O
crime é permanente, sendo que sua consumação se prolonga no
tempo. É também material, admitindo a tentativa.

A lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, alterou o Art.


149, acrescentando várias outras figuras típicas para essa
espécie de delito, tanto no “caput” do Art., como nos parágrafos
1º e 2º.

Art. 149: - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo,


quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva,
quer sujeitando-a condições degradantes de trabalho, quer

111
restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena


correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte


do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se


apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com
o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou


origem.

Ainda hoje este crime ocorre em fazendas ou plantações


distantes, sem se falar nos sertões nordestino e até nas grandes
cidades.

Art. 149-A – Tráfico de pessoas (Incluído pela Lei nº


13.344/2016)

Com o advento da Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016,


que dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e
internacional de pessoas, foram revogados os Arts. 231 e 231-A
do Código Penal, que tipificavam os crimes de tráfico
internacional de pessoas para fim de exploração sexual e tráfico

112
interno de pessoas para fim de exploração sexual, fazendo surgir
em seu lugar o art. 149-A, mais completo e abrangente:

Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir,


comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça,
violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de


escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal; ou

V – exploração sexual.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Trata-se de crime de tipo misto alternativo. Logo, a prática


de uma ou de mais de uma das condutas identificadas no tipo, no
mesmo contexto fático, produz somente um delito. Classifica-se
doutrinariamente como crime comum; formal (não exige resultado
naturalístico, sendo suficiente para a consumação a realização de
qualquer uma das condutas alternativas previstas no tipo); de
forma livre; comissivo; instantâneo nas condutas agenciar, aliciar,
recrutar e comprar; e permanente nas condutas transportar,
transferir, alojar e acolher.

Indo além, o crime em tela é duplamente comum, ou


bicomum, visto que qualquer pessoa pode ser autor ou vítima,
pois a lei não exige qualquer qualidade específica. O objeto
material é a pessoa humana, sem qualquer tipo de distinção

113
(raça, origem étnica, nacionalidade, etc.) conforme se observa no
art. 2º, incisos IV e V da Lei 13.344/2016. Já o objeto jurídico é a
liberdade individual.

Para Guilherme de Souza Nucci “cuida-se de um tipo de


múltipla proteção, envolvendo a dignidade sexual, o estado de
filiação, a integridade física, enfim, a própria vida. Pode-se, então,
afirmar cuidar-se de uma tutela penal à dignidade da pessoa
humana”.

O crime de tráfico de pessoas só pode ser praticado


dolosamente, exigindo-se dolo específico consistente em atingir
uma das cinco finalidades descritas nos incisos I a V do art. 149-
A do CP. A ausência do dolo específico poderá desfigurar o delito
para outro, como o sequestro ou redução à condição análoga à
de escravo, previstos nos Arts. 148 e art. 149, do CP. A
modalidade culposa, por sua vez, é inadmissível.

Por se tratar de crime formal, a prática de qualquer uma das


condutas alternativas previstas no tipo é suficiente para a
consumação. Segundo Nucci (2017) a tentativa é possível,
embora de difícil configuração.

As causas de aumento de pena estão enumeradas no § 1º,


do art. 149-A do CP. Assim, a pena será aumentada de um terço
até a metade se o crime for cometido por funcionário público no
exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; se o crime
for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com
deficiência; quando o agente se prevalecer de relações de
parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de
dependência econômica, de autoridade ou de superioridade
hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função;

114
ou quando a pessoa vítima do tráfico for retirada do território
nacional.

Por sua vez, as causas de diminuição estão no § 2º: a pena


é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não
integrar organização criminosa.

Seção II – dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio

Art. 150 - Violação de domicílio

A própria CF em seu Art. 5º, XI prescreve que “a casa é o


asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial”

O CP sancionou esse preceito constitucional em seu Art.


150. A incriminação da violação de domicílio não protege a posse
nem a propriedade. O objeto jurídico é a tranquilidade doméstica.
Portanto, não há em que se falar neste tipo penal, quando alguém
entra ou permanece em casa desabitada, que não se confunde
com ausência de moradores.

O conceito de domicílio para efeitos penais não se confunde


com o sentido dado ao direito civil. No Art. 150, o legislador
procurou proteger o lar, a casa, o barraco, o lugar onde alguém
mora. Fala o artigo ainda em suas dependências, se entendendo,
os pátios, jardins, quintais, garagens, etc., desde que cercados,
além de local de trabalho, desde que fechado ao público.

O sujeito ativo é qualquer pessoa. O sujeito passivo é o


morador, que impede ou anui a entrada ou permanência na casa.

115
O núcleo do tipo é representado pelos verbos entrar ou
permanecer. Na eventualidade das duas condutas haverá um
único delito. Entrar significa introduzir-se, ingressar, invadir.
Permanecer significa ficar, conservar-se dentro. Nesta segunda
figura pressupõe a entrada, incriminando-se a recusa em sair.

O delito se consuma com a entrada ou permanência


contrariadas. É um crime instantâneo na primeira figura, e
permanente na segunda.

O tipo subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de


praticar a ação consistente em entrar ou permanecer sem
consentimento.

O delito em estudo tem caráter subsidiário. Só é reconhecido


quando a ação descrita constituir um fim em si mesmo, e não
meio para a prática de outro delito.

Prescreve o parágrafo primeiro a forma qualificada do delito


de invasão de domicílio, quando o delito é praticado durante a
noite ou em lugar ermo. Menciona ainda o emprego de violência,
de arma ou por duas ou mais pessoas.

O parágrafo segundo que previa o aumento da pena (1/3)


se o crime for cometido por funcionário público de forma
ilegal ou com abuso de poder foi revogado pela Lei nº 13.869
de 05/09/2019 (LEI DOS CRIMES DE ABUSO DE
AUTORIDADE). Exemplo: policial ou oficial de justiça que
visa cumprir mandados fora das especificações legais
(atualmente não há mais aumento da pena).

Já o parágrafo terceiro do estudado em baila institui


hipóteses que exclui a antijuricidade. No primeiro caso, se refere

116
o código a efetuar a prisão de alguém ou outra diligência, desde
que durante o dia. No inciso segundo, permite o legislador que a
qualquer hora do dia ou da noite se ingresse em residência
habitada, quando algum crime estiver sendo praticado ou na
eminência de o ser

Nos termos do Art. 150, § 4º do CP, a expressão “casa”


compreende: 1º) qualquer compartimento habitado; 2º) aposento
ocupado de habitação coletiva; 3º) compartimento não aberto ao
público onde alguém exerce profissão ou atividade. Segundo
Damásio, o inciso II é redundante ao I. No entanto visa o
legislador evitar dúvida de interpretação quanto a determinados
compartimentos como quarto de hotel, cabine de navio, etc. De
acordo com o inciso III, pode-se concluir que compartimento
aberto ao público não é protegido por Lei, como museu, cinema,
bar, lojas, etc. Como exemplos de compartimentos não abertos
ao público estão: consultórios médicos, de dentistas, escritórios
de advogados, etc. Não incluem-se as salas de recepção ou
espera.

Já o parágrafo 5º especifica o que não é “casa”, referindo-se


as hospedarias, estalagens ou qualquer outra habitação coletiva,
enquanto aberta ao público. Entretanto o quarto de hospedes de
um hotel ou pensão é protegido por este dispositivo, sendo crime
quando alguém o invade. Menciona ainda este artigo as tavernas,
casas de jogos e outras do mesmo gênero. Evidentemente não
há que se considerar estes lugares como casa ou moradia de
alguém.

É necessário que a entrada ou permanência seja realizada


contra a vontade do dono. Havendo consentimento expresso ou

117
implícito, o fato é atípico. Da mesma forma que entrar em casa
desabitada.

Seção III - Violação de Correspondência

Art. 151 – Violação de correspondência

O objeto da proteção é a liberdade individual de garantia do


sigilo de correspondência. O núcleo do tipo é devassar, que
significa tomar conhecimento, descobrir, olhar, indevidamente
correspondência alheia fechada. Não é necessário que haja
abertura da correspondência, desde que o agente, por qualquer
meio tome conhecimento de seu conteúdo.

O objeto material é a correspondência, que pode ser


telegrama, a carta, o bilhete, etc. O elemento normativo no tipo é
a expressão indevidamente, exigindo-se que a devassa seja
ilegítima, indevida, sem autorização.

O sujeito ativo é qualquer pessoa. O sujeito passivo é o


destinatário e também o remetente. O tipo subjetivo é o dolo
consistente na vontade de praticar a ação. O delito se consuma
com a ação de tomar conhecimento da correspondência alheia,
na primeira figura e com efetivo apossamento na segunda figura,
ou seja, no § 1º. A tentativa é admissível.

Reza o parágrafo 1º sobre a sonegação ou destruição de


correspondência. Diz o código que incorre na mesma pena quem
se apossa individualmente de correspondência alheia, mesmo
não fechada, sonegando-a total ou parcialmente. A ação física é
representada pelos verbos: apossar (apoderar), sonegar (deixar
de entregar) ou destruir (arruinar).

118
Os incisos II, III, IV dizem respeito à violação de
comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica. O delito se
consuma nesta modalidade quando o agente realiza as condutas
descritas no tipo penal. Tem que ser a uma ação indevida e de
forma abusiva. O inciso III refere-se a quem impede a
comunicação ou conversação nos casos referidos no inciso
anterior. Impedir tem o sentido de interromper a comunicação
dirigida a terceiro ou a conversação entre outras pessoas.
Finalmente o inciso IV faz referência: a instalar ou utilizar estação
ou aparelho radioelétrico sem observação de disposição legal. Se
houver instalação ou utilização com observância a disposição
legal à conduta será atípica. O Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4117/62 trata da matéria).

De regra a ação penal é pública condicionada a


representação, com exceção do § 1º, IV e § 3º, cuja ação nestes
casos será pública incondicionado.

Seção IV - Dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos

Art. 154 - Violação do segredo profissional

A Lei protege o segredo profissional sobre o aspecto de


proteção da liberdade individual, relacionada ao sigilo
profissional.

O sujeito ativo é somente quem tem ciência do segredo em


razão da função. Sujeito passivo é qualquer pessoa que venha a
sofrer danos com a divulgação. O tipo subjetivo é o dolo. O tipo
objetivo consiste em revelar segredo de que tenha ciência.
Protege a Lei o segredo profissional, a criação, a invenção,
punindo a espionagem industrial, comercial ou artística.

119
Existem casos em que as pessoas se tornam confidentes,
em razão de ministério, função, oficio ou profissão, tendo por
obrigação legal resguardar o que lhe foi confiado. Por exemplo:
criminoso que confessa ao seu advogado a autoria de um crime
ou um doente que revela ao médico doença grave e contagiosa,
ou alguém confessar ao padre a pratica de ato indecoroso, etc.

A Lei fala em justa causa, sendo que sua presença torna


atípica a conduta. O consentimento do ofendido também torna
atípico o fato. No caso do Art. 269 do CP (omissão de notificação
de doença), no estado de necessidade, exercício irregular de
direito, também são casos de justa causa. Advogado que revela
segredo profissional de seu cliente a parte contrária, em prejuízo
daquele, pratica o crime de patrocínio infiel (Art. 355 do CP).

Ação penal é publica condicionada a representação (Art.


154, parágrafo único).

Art. 154-A – Invasão de dispositivo informático

A Lei nº 14.155/2021 promoveu alterações no art. 154-A


(inserido no CP pela Lei nº 12.737/2012 – “Lei Carolina
Dieckmann”), ampliando a incidência do tipo penal e majorando a
pena cominada, visando coibir os crimes cibernéticos,
principalmente no momento pós advento da pandemia covid-19,
onde o uso dos meios virtuais teve um grande aumento em todos
os setores da econômica, ocasionando assim, um aumento
expresso nas fraudes eletrônicas.

Bem jurídico protegido: O bem jurídico protegido neste


crime é a privacidade, gênero do qual são espécies a intimidade e

120
a vida privada. Desse modo, esse novo tipo penal tutela valores
protegidos constitucionalmente (art. 5º, X, da CF/88).

Sujeito ativo: Pode ser qualquer pessoa (crime comum).


Obviamente que não será sujeito ativo desse crime a pessoa que
tenha autorização para acessar os dados constantes do
dispositivo.

Sujeito passivo: A vítima pode ser qualquer pessoa, física


ou jurídica.

Observações: Alterações trazidas pela Lei nº 14.155 de 27


de maio de 2021:

 Antes: o tipo penal falava em invadir dispositivo


informático alheio;

 Agora: o crime é invadir dispositivo informático de uso


alheio.

 Antes: o tipo falava que era crime invadir sem


autorização expressa ou tácita do TITULAR do
dispositivo.

 Agora: o crime é invadir sem autorização expressa ou


tácita do USUÁRIO do dispositivo.

A mudança teve por objetivo deixar claro que o sujeito


passivo do delito não precisa ser necessariamente o proprietário
do dispositivo, podendo a invasão ocorrer em um dispositivo que
esteja sendo utilizado por alguém – que não é seu dono – mas
que teve a sua privacidade violada.

121
Assim, na maioria dos casos, a vítima é o proprietário do
dispositivo informático.

No entanto, é possível identificar, em algumas situações,


como sujeito passivo, o indivíduo que, mesmo sem ser o dono do
computador, celular etc., é a pessoa que efetivamente utiliza o
dispositivo para armazenar seus dados ou informações que foram
acessados indevidamente. É o caso, por exemplo, de um
computador utilizado por vários membros de uma casa ou no
trabalho, onde cada um tem perfil e senha próprios.

Análise das elementares do tipo: Invadir - Ingressar, sem


autorização, em determinado local. A invasão de que trata o
artigo é “virtual”, ou seja, no sistema ou na memória do
dispositivo informático.

Dispositivo informático: Em informática, dispositivo é o


equipamento físico (hardware) que pode ser utilizado para rodar
programas (softwares) ou ainda para ser conectado a outros
equipamentos, fornecendo uma funcionalidade. Exemplos:
computador, tablet, smartphone, memória externa (HD externo),
entre outros.

De uso alheio: O dispositivo no qual o agente ingressa deve


ser de uso de terceiro.

Conectado ou não à rede de computadores: Apesar do


modo mais comum de invasão em dispositivos ocorrer por meio
da internet, a Lei admite a possibilidade de ocorrer o crime
mesmo que o dispositivo não esteja conectado à rede de
computadores. É o caso, por exemplo, do indivíduo que, na hora

122
do almoço, aproveita para acessar, sem autorização, o
computador do colega de trabalho.

Figura Equiparada: § 1º - Na mesma pena incorre quem


produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou
programa de computador com o intuito de permitir a prática da
conduta definida no caput.

Aumento da Pena: § 2º - Se a invasão gerar prejuízo


econômico ou se praticada contra Presidentes da República,
STF, Câmara, Senado e dirigentes máximos da administração
direta e indireta federal, estadual, municipal ou DF.

Qualificadora: § 3º - Se da invasão resultar a obtenção de


conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos
comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas
em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo
invadido: (...).

Art. 154-B: O delito previsto no Art. 154-A somente se


procede mediante representação, salvo se o crime for cometido
contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos
Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou
contra empresas concessionárias de serviços públicos.

TÍTULO II - DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

CAPÍTULO I

DO FURTO

Art. 155 - Furto

123
A parte especial do CP abre o Título II referindo-se ao
patrimônio. Como sabemos, o Título I, já estudado, se refere aos
crimes praticados contra a pessoa.

O primeiro artigo a ser estudado neste novo título é o furto,


previsto no Art. 155 e seus 6 parágrafos.

Furto é a subtração de coisa alheia móvel com o fim de


assenhoramento definitivo. A Lei penal protege dois objetos
jurídicos: a posse e a propriedade. A objetividade jurídica
imediata do furto é a tutela da posse, que é a relação de fato
estabelecida entre o indivíduo e a coisa. De forma secundária o
estatuto penal protege a propriedade, que é o conjunto dos
direitos inerentes ao uso, gozo e disposição dos bens.

O crime de furto possui as seguintes figuras típicas:

a) furto simples: é o tipo fundamental previsto no “caput” do


Art. 155;

b) furto noturno: previsto no § 1º, sendo uma causa de


aumento de pena;

c) furto privilegiado: denominado furto mínimo, ou de coisa


de pequeno valor - § 2º.

d) furto qualificado: causas de aumento de pena descritos


nos incisos no § 4º do Art. 155.

A lei nº 9426/96 criou o § 5º do estudado dispositivo legal ,


criando uma nova figura, quando se tratar de furto de veículo
automotor, que venha a ser transportado para outro Estado ou
para o exterior.

124
A norma prevista no § 3º é explicativa, quando equipara a
energia elétrica ou qualquer outra energia, desde que com valor
econômico, à “coisa”.

Por fim foi ainda acrescido o § 6º, que trata do abigeato, que
é a subtração de animais domesticável de produção, com pena
maior.

Sujeitos: qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo do crime


de furto, exceto o proprietário. Não existe furto de coisa própria. A
Lei fala que tem que ser coisa alheia. Já o sujeito passivo é o
possuidor ou proprietário, podendo figurar também a pessoa
jurídica que possui patrimônio próprio. Se a coisa for própria, vide
Art. 346 do CP.

Objeto material: o objeto material do crime de furto é a coisa


alheia móvel. O homem vivo não pode ser objeto material de
furto, pois não é coisa. Conforme o caso, se alguém for “levado” o
sujeito ativo não respondera por furto, mas, por sequestro,
cárcere privado ou subtração de incapaz.

Coisa é toda substância corpórea, material, suscetível a


apreensão e que tenha um valor econômico. Deve ser coisa
móvel, aquela que pode ser deslocada de um lugar para o outro.
A coisa imóvel não pode ser objeto de crime de furto. Igualmente,
as coisas que nunca tiveram dono (res nullius) e as coisas
abandonadas (res derelicta) não podem ser objeto de furto. Já as
coisas perdidas (res desperdita) podem ser objeto material do
crime de apropriação indébita (Art. 169, § único, II do CP).

Pergunta: o furto de um talão ou de folha de cheque,


constitui o delito de furto? Há duas posições: 1ª) não pode ser,

125
pois o cheque não possui valor patrimonial expressivo; 2ª) pode
ser, embora tenha valor insignificante como papel, possui valor de
uso e potencialidade para lesar.

É necessário que a coisa tenha um valor econômico.


Entretanto, embora sem valor econômico, os objetos também
possuem valor estimativo, podendo ser objeto material de furto.
Exemplo: uma fotografia antiga.

Elemento subjetivo do tipo: é o dolo, consistente na vontade


de subtrair coisa alheia móvel. Além do dolo, o crime de furto
exige outro elemento subjetivo “para si ou para outrem”, que
indica o fim de assenhoramento definitivo. (animus furandi).
Portanto, a simples subtração de coisa alheia móvel não é o
bastante para configurar o delito de furto. Se o agente subtrai a
“res” para satisfazer pretensão jurídica, comete o crime de
exercício arbitrário das próprias razões – Art. 345. Igualmente,
para a caracterização do delito, é necessário que o
assenhoramento seja contra a vontade do dono.

Furto de uso: é a subtração de coisa infungível (não pode


ser substituído por outra) para fim de uso momentâneo e pronta
restituição. Não constitui crime em face do CP vigente, uma vez
que o Art. 155 exige que a subtração seja “para si ou para
outrem”. Tal fato é apenas um ilícito civil e não penal. Exige-se
dois requisitos: 1º) subjetivo – que é intenção de uso
momentâneo da coisa; 2º) objetivo – que é a restituição imediata
e integral do objeto da vítima. Em razão disso, a jurisprudência
entende que não existe o furto de uso quando o objeto é
abandonado em local distante daquele que foi subtraído, ou
quando é apreendido danificado. Também haverá crime, quando
for feito uso prolongado e não meramente momentâneo do

126
objeto. Não se confunde com estado de necessidade, como por
exemplo subtrair um carro para socorrer alguém.

Furto Famélico: é o furto praticado por quem, em estado de


extrema penúria, é impelido pela fome a subtrair alimentos ou
animais para poder alimentar-se. Não há crime nesse caso, pois
o agente atuou sob a excludente de antijuridicidade, estado de
necessidade.

Momento consumativo: consuma-se o crime no instante em


que o objeto material é retirado da esfera de posse e
disponibilidade do sujeito passivo, ingressando na livre
disponibilidade do autor, ainda que não obtenha a posse
tranquila. Consuma-se o delito no momento em que a vítima não
pode mais exercer as faculdades inerentes a sua posse ou
propriedade.

Quanto ao momento consumativo do crime de furto/roubo,


temos as seguintes posições:

Celso Delmanto: quando a coisa é retirada da esfera de


disponibilidade do ofendido e fica em poder tranquilo, mesmo que
passageiro do agente.

Damásio E. de Jesus: quando o objeto é retirado da esfera


de posse e disponibilidade do sujeito passivo, ingressando na
livre disponibilidade do autor, ainda que este não obtenha a
posse tranquila.

Júlio F. Mirabete: também é favorável a posse tranquila.

Fernando Capez: a consumação do furto ocorre com a


inversão da posse, ou seja, no momento em que o bem passa da

127
esfera de disponibilidade da vítima para a do autor. Basta,
portanto, que o bem seja retirado do domínio de seu titular e
transferido para o autor. Não se exige a posse tranquila e
desvigiada da “res”.

Posição do STJ: exige dois requisitos para o


aperfeiçoamento completo do crime de furto: retirada do bem da
esfera de disponibilidade da vítima, mais posse tranquila da “res”,
ainda que por certo período de tempo. É a corrente dominante.

A tentativa é admissível. Ocorre sempre que o sujeito ativo


não consegue seu intento por circunstâncias alheias a sua
vontade. Não basta o propósito de furtar, pois para haver
tentativa, são necessários atos efetivos de realização da infração.
Se o agente foi preso após ingressar no prédio, mas sem nada ter
ainda furtado, é ato preparatório impunível (TACrim SP 65/289).
Se foi preso dentro da casa com dinheiro no bolso, isto configura
a tentativa. Poderá haver crime impossível quando inexistia a
coisa que se pretendia furtar.

Questão: suponha-se que o punguista, desejando subtrair


bens da vítima coloque a mão em seu bolso. Três situações
podem ocorrer: 1) conseguir consumar o furto; 2) a vítima havia
esquecido a carteira ou não tinha nada. Neste caso, trata-se de
crime impossível; 3) o ladrão põe a mão no lado esquerdo e a
carteira está no lado direito do bolso da vítima. Neste caso,
haverá o crime de furto na forma tentada, uma vez que o delito
não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade.

Concurso de crimes: o furto admite o concurso material,


formal e o nexo de continuidade. Concurso material: entra na
casa, subtrai bens e ainda estupra. Responde por dois delitos,

128
furto e estupro em concurso material. (Art. 69 do CP). A invasão
de domicílio (Art. 150) fica absorvido por ser crime subsidiário.
Concurso formal: o sujeito para penetrar em uma joalheria para
furtar, explode a parede, vindo a matar terceira pessoa. Neste
caso, responde por dois delitos em concurso formal- Art. 70 (furto
qualificado e homicídio). Já o nexo de continuidade ocorre
quando os delitos são praticados nas mesmas condições
objetivas de homogeneidade, como condição de tempo, lugar,
maneira de execução (Art. 71).

Diferenças entre furto e roubo: no primeiro (furto) ocorre a


subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem, sem que
haja violência a pessoa. Pode haver violência à coisa, como no
caso de arrombamento. Já no roubo, também ocorre a subtração
de coisa alheia móvel para si ou para outrem, entretanto,
mediante grave ameaça ou violência à pessoa. Note-se que o
arrebatamento de objeto, se a violência for empregada contra o
objeto, e não contra a pessoa, ainda que resulte, por
repercussão, lesão leve no pescoço ou no braço da vítima, o
crime será de furto e não de roubo. Se ao contrário, o agente
intencionalmente atinge a vítima para subtrair, haverá roubo (Art.
157). Exemplo: Se o agente atrapalha os movimentos da vítima,
mediante um esbarrão ou toque no seu corpo, haverá furto. No
entanto, estará caracterizado o delito de roubo se o sujeito
desequilibrar a vítima com pancada ou choque, se vier a segurá-
la, ou aplicar uma gravata ou ainda um encontrão.

Furto Noturno: (§ 1º do Art. 155). A pena é aumentada de


1/3 se o crime é praticado durante o repouso noturno. Este é o
período em que as pessoas se recolhem para descansar. Note
que a Lei fala em fato praticado durante o período de repouso

129
noturno, não havendo critério fixo para conceituação dessa
qualificadora. Qual seria o horário do furto noturno? Resposta:
dependerá dos costumes da vítima.

O fundamento da qualificadora reside na circunstância de


maior facilidade de que pode obter o sujeito quando pratica o
furto em altas horas da noite. Verifica-se relaxamento natural na
vigilância dos bens. Alguns julgados somente reconhecem tal
causa quando a casa se encontra habitada, estando a vítima
repousando no momento do furto. No entanto, a lei não menciona
tais circunstâncias. Também se aplica a casa comercial.

A qualificadora do repouso noturno somente é aplicável ao


furto simples, previsto no caput do Art. 155, não se estendendo
ao furto qualificado do § 4º. A doutrina e a jurisprudência
divergem neste assunto.

Furto privilegiado ou de coisa de pequeno valor: previsto no


§ 2º do estudado artigo, exige-se que o agente seja primário e
que a coisa subtraída seja de pequeno valor, ou seja, quando
subtraída não ocasione dano sensível à generalidade dos
homens. Verificado tais requisitos, a pena pode ser substituída,
diminuída ou imposta somente a de multa.

O CP não define primariedade, devendo ser considerado


todo aquele que não é reincidente. Quanto ao pequeno valor, a
jurisprudência vencedora considera o salário mínimo como teto
para o pequeno valor do privilégio. O outro critério, leva em
consideração a estimativa do pequeno valor em função das
posses da vítima. O último critério, ficaria a cargo do julgador.

130
Na pratica, todo o crime de furto é feito um Auto de
Avaliação, onde peritos compromissados, auferem o valor exato
ou aproximado das “res furtivas”, justamente para demonstrar ao
julgador e mesmo ao membro do Ministério Público, para um
perfeito enquadramento da ação do sujeito ativo.

Entretanto, não se pode confundir o privilégio, em que existe


condenação do réu com uma pena abrandada, com o princípio da
insignificância ou da bagatela, aceito pela maioria da doutrina.
Neste caso, não se reconhece a existência de justa causa para a
propositura da ação penal em virtude de não haver interesse na
movimentação da máquina judiciária, uma vez que o valor do
bem jurídico (patrimônio) é irrisória, ínfima. Exemplo: subtração
de uma folha, rosa, alfinete, etc.

Há sérias divergências acerca do alcance do privilégio, ou


seja, se pode ser ele aplicado a todas figuras do crime de furto,
como à aplicação do privilégio ao furto qualificado. A opinião
majoritária é no sentido de que essa situação privilegiadora
somente pode ser aplicada ao furto simples (caput) e ao furto
noturno (§ 1º), até pela posição geográfica dos parágrafos. Existe,
toda via entendimento de que os institutos (qualificadora e
privilegiadora) podem ser aplicados conjuntamente, já que a Lei
não veda tal hipótese.

O privilégio é um direito do réu, presente seus requisitos, a


sua aplicação é obrigatória. Entretanto, a Lei usa a expressão
“pode”, havendo divergência na doutrina, se o juiz está obrigado a
conceder o privilégio.

Furto de energia: (§ 3º do Art. 155) O CP equiparou a


energia elétrica à coisa móvel, bem como qualquer energia de

131
valor econômico, como energia genética, mecânica, térmica, sinal
de satélite e a radioativa. Exemplo: de furto de energia elétrica
ocorre quando o consumidor desvia a corrente elétrica antes de
passar pelo medidor. É um crime permanente. Todavia, a
adulteração do relógio medidor, para acusar o consumo menor é
fraude, já qualificando o crime de furto (mediante fraude).

Furto qualificado: as qualificadoras estão previstas no § 4º


no Art. 155 do CP. O código leva em conta a maior periculosidade
do agente, a intensidade do dano e o alarma social.

Caso sejam reconhecidas duas ou mais qualificadoras, uma


servirá para qualificar o furto e as demais serão aplicadas como
circunstâncias judiciais (Art. 59 CP).

I - Destruição ou rompimento de obstáculo: é o furto com


violência à coisa. Todavia, a violência deve ser contra o obstáculo
à subtração da coisa. Como exemplos mais corriqueiros, estão o
arrombamento de trincos, portas, fechaduras, cofres, e a
destruição de janelas. São os chamados obstáculos passivos.
Existem também os obstáculos ativos, como armadilhas e
alarmes, desde que desarmados de forma violenta ou destruídos.
O simples fato de desligar um alarme não configura a
qualificadora, pois, nesse caso, não há rompimento ou destruição
do obstáculo.

A qualificadora do inciso I, somente tem vez quando o


rompimento/destruição do obstáculo, ocorre antes ou durante a
consumação do furto, ou seja, quando funciona como meio da
subtração do bem. Por isso, o crime de dano fica absorvido. Se
depois de consumado o crime, o agente quebrar a janela, sem
que isso tenha sido necessário para a consumação do delito, o

132
agente responderá por furto simples e crime de dano em
concurso material.

Na pratica exige-se perícia para constatar o


rompimento/destruição do obstáculo, já que se trata de infração
que deixa vestígios (Art. 158 do CPP).

É necessário que a conduta atinja algum obstáculo que


impeça a subtração. Deste modo, não se aplica a qualificadora
quando o agente destrói o quebra-vento de um carro para levá-lo;
mas quando o objeto visado é a bolsa que está em seu interior ou
o toca fitas, a qualificadora se aperfeiçoa. Também existe a
qualificado quando é arrombado o cadeado do portão para o furto
do carro na garagem.

II - Abuso de confiança, mediante fraude (ver também Art.


155, §4B, incluído pela Lei nº 14.155/21), escalada ou destreza: a
primeira figura (abuso de confiança), é circunstância subjetiva,
revela maior periculosidade, já que importa violação de confiança.
Essa qualificadora pressupõe dois requisitos: subjetivo e objetivo.
No requisito subjetivo o sujeito ativo abusa da confiança nele
depositada, o que pressupõem uma relação de confiança
(amizade, parentesco, relações profissionais).

A mera relação empregatícia por si só não configura essa


especial situação de confiança. Depende do caso concreto, uma
vez que determinados empregos não pressupõem qualquer de
relacionamento ou contato entre patrão e empregado. Até mesmo
para os empregados domésticos a jurisprudência vem exigindo a
demonstração de que em virtude do emprego o patrão
dispensava uma menor vigilância sobre seus pertences.

133
No requisito objetivo está na facilidade para a prática do
delito, em virtude de a coisa encontrar-se na esfera de
disponibilidade do sujeito ativo por força da confiança. Se o
agente praticar o furto de uma maneira que qualquer outra
pessoa poderia fazê-lo, não dependendo da relação que tem com
a vítima, não haverá a qualificadora.

Essa modalidade de furto qualificado tem um aspecto em


comum com o crime de apropriação indébita, já que em ambos
ocorre uma quebra de confiança. A diferença é clara, posto que,
no furto, o agente retira objeto da vítima aproveitando-se da
menor vigilância dispensada em razão da confiança. Enquanto na
apropriação indébita a própria vítima, por confiar no agente
entrega-lhe o bem, e ele não o devolve.

O furto cometido por empregada doméstica, que exige


vínculo especial de lealdade, é chamado de famulato.

A segunda figura se refere à fraude (ver também Art. 155,


§4B, incluído pela Lei nº 14.155/21), que é o artifício, o meio
enganoso usado pelo agente capaz de reduzir a vigilância da
vítima e permitir a subtração do bem. Exemplo: dois indivíduos
penetram num estabelecimento, sendo que um finge interessar-
se por objetos e o outro subtrai coisas. Outro exemplo é o uso de
disfarce ou de falsificações.

O furto mediante fraude não se confunde com estelionato.


No primeiro a fraude visa diminuir a vigilância da vítima e
possibilitar a subtração. O bem é tirado da vítima sem que esta
perceba que está sendo desapossada. No estelionato, a fraude
visa fazer com que a vítima incida em erro e entregue
espontaneamente o objeto ao agente.

134
Escalada é a utilização de via anormal para adentrar no local
onde o furto será praticado. É qualificadora de natureza objetiva,
sendo que o agente nela estará incurso quando adentrar no local
de furto (lócus delicti) pulando janelas, pelo teto ou cavando túnel.
Predomina a opinião de que tal entrada requer emprego de meio
instrumental, como o uso de uma escada ou corda, ou ainda que
se exija do agente um esforço incomum. Muros ou janelas
relativamente baixas não qualificam o delito. Exige-se a prova
pericial, podendo, entretanto, ser suprida por prova testemunhal.
A remoção de telhas pode configurar tanto a qualificadora do
rompimento de obstáculos, ou este referente à escalada.

A destreza é a habilidade física ou manual que permite ao


agente executar uma subtração sem que a vítima perceba que
está sendo despojada. Essa qualificadora tem aplicação quando
a vítima traz seus pertences junto a si, pois apenas nesse caso é
que a destreza tem relevância. Exemplo: trazer algo no bolso do
paletó, em uma bolsa, um anel, etc.

Se a vítima percebe a conduta do agente não tem aplicação


a qualificadora, pois não ficou demonstrada a especial habilidade
do agente. Nesse caso, há tentativa de furto simples. Por outro
lado, se a conduta do agente é vista por terceiro que impede a
subtração sem que a vítima perceba o ato, há tentativa de furto
qualificado. Se a subtração é feita em pessoa embriagada ou que
está dormindo existirá apenas furto simples, pois não é
necessária habilidade para subtração.

Emprego de chave falsa: (Art. 155, § 4º, III) é todo e


qualquer instrumento, com ou sem forma de chave, capaz de
abrir uma fechadura sem arrombá-la. Exemplo: grampos, “mixas”,
arame, chaves de fendas, etc. A imitação da chave verdadeira

135
obtida de forma clandestina, sem autorização, também é
considerada chave. Magalhães Noronha entende que qualifica o
crime, pois o que a lei veda é a abertura ilícita da fechadura não
importando se com chave verdadeira ou falsa. Já Damásio e
Nelson Hungria entendem que não qualifica, pois o que
caracteriza é a condição objetiva “chave falsa”, sendo que esta
nunca será a verdadeira. É a posição majoritária. Da mesma
forma, é vencedor o entendimento sobre a necessidade de
perícia para constatação da “chave falsa”.

No caso de ligação direta em veículos, não há o emprego de


qualquer objeto sobre o ponto de ignição, não incidindo a
qualificadora. Entretanto se a chave falsa for usada para abrir o
veículo, estará caracterizada a qualificadora.

Mediante concurso de duas ou mais pessoas: a qualificadora


é cabível ainda que um dos envolvidos seja menor ou apenas um
deles tenha sido identificado em razão de fuga dos demais do
local. Tem-se em conta a maior periculosidade e facilidade para a
pratica do delito. Não se exige acordo prévio entre os agentes.

Divergem a doutrina e a jurisprudência acerca da


necessidade da presença de duas ou mais pessoas no local do
crime praticando os atos de execução do crime. Nelson Hungria e
Celso Delmanto entendem que a qualificadora somente se aplica
quando há pelo menos duas pessoas executando diretamente a
subtração. Damásio e Hélio Fragoso interpretam que a
qualificadora atinge todas as pessoas envolvidas na infração
penal, ainda que não tenham praticado atos executórios e mesmo
que uma só tenha estado no lócus delicti. Tal entendimento
prende-se ao fato de a Lei utilizar a expressão “concurso de duas
ou mais pessoas”, que, por não fazer qualquer distinção, abrange

136
tanto a coautoria quanto a participação, sendo que nesta última o
agente não pratica atos executórios. Este último entendimento
prevalece na doutrina.

No furto cometido por associação criminosa (3 pessoas ou


mais, Art. 288) respondem os sujeitos pelos Art. 288 e 155 na
forma simples e não na forma qualificada, pois se assim não
fosse haveria bis in idem.

Veículo automotor transportado para outro estado ou


exterior: (Art. 155, § 5º) este parágrafo foi inserido no CP pela Lei
nº 9426/96. Trata-se de qualificadora que, ao contrário das
demais, não se refere ao meio de execução do furto, mas sim a
um resultado posterior, qual seja o transporte do veículo para
outro estado ou outro país. A qualificadora somente terá
aplicação quando, por ocasião do furto, já houvesse a intenção
de se efetuar o transporte.

Essa qualificadora somente se aperfeiçoa quando o veículo


automotor efetivamente transpõe a divisa de outro Estado ou
fronteira. Se o agente for detido antes, responderá por furto
consumado (simples ou qualificado por uma das hipóteses do §
4º), mas nunca por tentativa de furto qualificado pelo § 5º, porque
não se pode cogitar de tentativa em uma hipótese em que a
subtração se consumou.

O objeto material subtraído tem que ser “veículo automotor”


compreendendo-se as aeronaves, automóveis, caminhões,
lanchas, jet-skis, motocicletas, etc. O transporte de parte desses
veículos não é abrangido pela figura típica.

Lei nº 13.330/16 – furto de animal: ABIGEATO § 6º DO 155

137
Lei nova, incriminadora, tipificando de forma mais gravosa
os crimes de furto e receptação de semovente domesticável de
produção, ainda que abatido ou dividido em partes. Semovente é
a definição jurídica dada ao animal criado em grupos (bovinos,
suínos, caprinos etc.) que integram o patrimônio de alguém,
passíveis, portanto, de serem objetos de negócios jurídicos. A lei
claramente não abrange os animais selvagens, mas somente os
domesticáveis, mesmo que já abatidos ou divididos em partes. Os
animais devem ser, ainda, de produção, isto é, preparados para o
abate e comercialização. Não abrange apenas os quadrupedes,
mas também os bípedes e ápodes (animais desprovidos de
membros locomotores, como répteis).

Art. 155, § 6º: A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco)


anos se a subtração for de semovente domesticável de produção,
ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração.

Considerações gerais:

A opção legislativa, como se percebe, foi tratar o abigeato


(subtração de animais) como nova qualificadora do furto, punida
com 2 a 5 anos, leia-se, infração de maior potencial ofensivo, não
admitindo sequer a suspensão condicional do processo, salvo se
caracterizada a tentativa. No entanto, sabendo que esse tipo de
crime, especialmente quando envolve a subtração dos animais
vivos, quase nunca é praticado por um só agente, mas em
concurso, com rompimento de obstáculos e uso de via anormal
para ingressar na propriedade rural (escalada), pergunta-se: os
furtadores vão responder pelo crime de furto qualificado pelo §
6o (punido com 2 a 5 anos) ou pelo § 4o (punido com 2 a 8 anos,
em razão do rompimento de obstáculos, escalada e/ou concurso
de pessoas)?

138
A resposta “tanto faz” ou “pelos dois parágrafos”,
obviamente, não serve; muito menos tem razão aquele que
respondeu que os agentes sofrerão os “rigores” do § 6o. É que,
nas hipóteses de coexistência de qualificadoras, não existindo
entre elas relação de especialidade – mas pluralidade de
circunstâncias, deve prevalecer aquela que pune o
comportamento do criminoso com mais rigor, sob pena de se
violar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. A
outra deve ser considerada pelo magistrado na fixação da pena-
base, salvo se prevista também como agravante, caso em que
será aquilatada pelo juiz na segunda fase da aplicação da
reprimenda.

Apesar de na prática não ser comum, em tese a nova


qualificadora, sendo objetiva, é compatível com o furto
privilegiado (ou mínimo), previsto no Art. 155, §2o, do CP, nos
exatos termos da Súmula 511 do STJ: “É possível o
reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do Art. 155 do CP
nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a
primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a
qualificadora for de ordem objetiva”.

Lei nº 13.654/2018 – Qualificadora por furto de explosivos e


acessórios

A Lei nº 13.654 de 23/04/2018, criou § 4º-A, qualificando o


delito se houver emprego de explosivo ou artefato análogo que
cause perigo comum, e também criou o § 7º, que traz uma pena
de reclusão de 4 a 10 anos caso a subtração for de substâncias
explosivas ou acessórios que, conjuntamente ou isoladamente,
possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.

139
A supracitada lei de 2018, impôs diversas alterações no
Código Penal, especialmente nos crimes de furto e roubo. No
furto, foram criadas novas qualificadoras no caso de emprego de
explosivo e, ainda, se o objeto material for substância explosiva.
A óbvia preocupação aqui era incrementar a repressão ao furto
de caixas eletrônicos, infração que a todo tempo ganha espaço
nos noticiários.

! Vale ressaltar que a Lei nº 13.964/19, incluiu a qualificadora


do furto com o emprego de explosivo ou de artefato análogo que
cause perigo comum, no rol da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº
8.072/90).

Lei nº 14.155 de 27 de maio de 2021 - Alterações no Art. 155


do Código Penal – incluindo §§ 4ºB e 4ºC

A Lei nº 14.155/2021 também promoveu duas alterações no


art. 155, que trata sobre furto:

 Inseriu o § 4º-B, prevendo a qualificadora de furto mediante


fraude cometido por meio de dispositivo eletrônico ou
informático;

 Acrescentou o § 4º-C, com duas causas de aumento de


pena relacionadas com o § 4º-B.

Se o agente invade o computador da vítima, lá instala um


malware (programa malicioso), descobre sua senha e subtrai
valores de sua conta bancária, comete qual delito?

Antes da Lei nº 14.155/2021: essa conduta se amoldava ao


crime de furto mediante fraude (art. 155, § 4º, II, do CP). Confira a
redação:

140
Art. 155 (...) § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos,
e multa, se o crime é cometido: II - com abuso de confiança, ou
mediante fraude, escalada ou destreza;

Depois da Lei nº 14.155/2021: passou a existir um tipo


penal específico para tratar sobre essa hipótese. Trata-se do art.
155, § 4º-B, do CP: Furto mediante fraude cometido por meio de
dispositivo eletrônico ou informático

Art. 155. (...) § 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8


(oito) anos, e multa, se o furto mediante fraude é cometido por
meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à
rede de computadores, com ou sem a violação de mecanismo de
segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer
outro meio fraudulento análogo.

Causa de aumento de pena: Se p delito for praticado


mediante uso de servidor de internet mantido fora do território
nacional, devido a maior dificuldade no rastreio ou se a vítima for
idoso ou vulnerável.

Art. 156 – Furto de coisa comum

Trata-se de infração penal que possui basicamente as


mesmas características do furto, uma vez que o núcleo do tipo
também é “subtrair”. Em razão disso tudo que foi dito em relação
ao furto se aplica neste dispositivo. O código se refere ao
condomínio, herança e sociedade.

Condomínio é a propriedade comum exercida por dois ou


mais indivíduos simultaneamente. Herança é a universalidade
dos bens como objeto de sucessão universal. Sociedade é a
reunião de duas ou mais pessoas, que mediante contato, se

141
obrigam a combinar seus esforços ou bens para consecução de
fim comum. Nesses casos, o direito do sócio, herdeiro ou
condômino é limitado pelo direito dos outros. Desta forma, se
subtrai a coisa comum, exclui o direito dos outros. É o
fundamento da punição penal.

O fundamento da incriminação reside em que o sujeito, tira a


coisa comum de quem legitimamente a detém, seja condômino,
co-herdeiro ou sócio, não subtrai só a coisa própria, mas também
à parte que pertence a terceiro.

O sujeito ativo deste delito é o condômino, o co-herdeiro ou


o sócio, tratando-se de crime próprio. O sujeito passivo é também
os outros condôminos, co-herdeiros ou sócios, ou terceira pessoa
que possua a coisa legitimamente.

O objeto material desta infração penal pode ser somente a


coisa móvel comum. O momento consumativo é o mesmo do
delito de furto real. Quanto ao elemento subjetivo, só é punido a
título de dolo. Exige-se outro elemento subjetivo do tipo contido
na expressão “para si ou para outrem”.

O parágrafo 1º do citado artigo faz menção ao tipo de ação


penal pertinente ao caso, ou seja, ação pública condicionada a
representação.

Já o parágrafo 2º é uma causa de exclusão de


antijuridicidade, quando o código menciona não ser punível a
subtração de coisa comum fungível, cujo valor não exceda a cota
a que tem direito o agente.

Coisa fungível é aquela que pode ser substituída por outra


da mesma espécie, quantidade e qualidade. Desta forma, pode-

142
se concluir que, quando o bem é infungível há crime, pois, a
vítima sempre sofre prejuízo. Note-se, mesmo com bem fungível
somente haverá infração penal se ultrapassado o valor da cota do
agente.

Observação: o sócio que furta da sociedade - pessoa


jurídica - comete o crime do Art. 155. O patrimônio pertence
exclusivamente à sociedade e não aos sócios, pelo menos
diretamente. Há divergência doutrinária-jurisprudencial. O sócio
ou acionista de sociedade que se constitui como pessoa jurídica
pratica o furto comum, pois subtrai coisa alheia (da pessoa
jurídica), e não coisa comum (dos sócios), RT 168/492.

CAPÍTULO II

DO ROUBO E DA EXTORSÃO

Art. 157 - Roubo

Roubo é a subtração de coisa móvel alheia, mediante


violência, grave ameaça ou qualquer meio de anular a
capacidade de resistência da vítima. Constitui também roubo, o
fato de o sujeito, logo depois de tirar a coisa móvel alheia,
emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, com o
objetivo de confirmar a impunidade de fato ou continuar na
detenção do objeto material.

O roubo em princípio, possui os mesmos requisitos do furto:


a) subtração como conduta típica; b) coisa alheia móvel como
objeto material; c) fim de assenhoramento definitivo para si ou
para terceiro. Entretanto, é infração penal mais grave, uma vez
que para sua existência é necessário que o agente, para
efetivação da subtração, tenha empregado violência, grave

143
ameaça, ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de
resistência.

Violência: é o emprego de esforço físico sobre a vítima a fim


de possibilitar a subtração (socos, pontapés, facada, tiro,
paulada, amarar a vítima, etc.).

Grave ameaça: é a promessa de um mal grave e iminente


(de morte, de lesões corporais, etc.)

Qualquer outro meio que reduza a capacidade de


resistência: temos aqui a utilização de uma fórmula genérica cuja
finalidade é possibilitar a punição por crime de roubo em várias
situações não abrangidas pelas expressões “violência ou grave
ameaça”. Exemplo: uso de soníferos, hipnose, superioridade
numérica, etc.

O roubo é um crime complexo, pois atinge mais de um bem


jurídico. Tem por objetividade jurídica proteger a posse, a
propriedade, a integridade física, saúde e liberdade individual. O
tipo subjetivo é o dolo. O tipo objetivo é subtrair. A ação penal é
pública incondicionada.

Este delito possui duas figuras típicas simples: O roubo


próprio (Art. 157, caput) e o roubo impróprio (§ 1º).

Roubo próprio: é o fato de o sujeito subtrair coisa móvel


alheia para ele ou para terceiro, mediante grave ameaça ou
violência, ou depois de haver, por qualquer meio, reduzido a
capacidade de resistência da vítima.

Roubo impróprio: ocorre quando o sujeito, logo depois de ter


subtraído a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave

144
ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a
detenção da coisa, para ele ou para terceiro. Neste caso, a
violência é exercida após ter o agente se apoderado da coisa,
com o fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da
“res”. Pressupõe detenção anterior.

A distinção entre o roubo próprio e o roubo impróprio reside


no momento em que o sujeito emprega a violência ou a grave
ameaça contra a pessoa. No roubo próprio, a violência ou a grave
ameaça são empregadas antes ou durante a subtração, pois
constituem meios para que o agente consiga efetiva-la. No roubo
impróprio, o agente inicialmente quer apenas praticar um furto, e,
já tendo se apoderado do bem, emprega violência ou grave
ameaça para garantir a impunidade do furto que estava em
andamento, ou assegurar a detenção do bem.

Momento consumativo: para o roubo próprio existem duas


correntes: a) o momento consumativo é o mesmo do furto, ou
seja, quando a “res” sai da esfera de vigilância da vítima e o
agente obtém sua posse tranquila, ainda que por pouco tempo; b)
o roubo consuma-se no exato instante em que o agente, após
empregar violência ou grave ameaça, consegue apoderar-se do
bem da vítima, ainda que seja preso no próprio local, sem que
tenha conseguido a posse tranquila. É o atual entendimento do
STF.

Já o momento consumativo do roubo impróprio é quando o


agente emprega violência ou grave ameaça contra a pessoa,
após perpetrada a subtração, visando assegurá-la.

É pacifico o entendimento de que o roubo próprio admite a


figura da tentativa. Já o roubo impróprio possui duas correntes:

145
1ª) é admissível a tentativa. O sujeito, tendo efetuado a
subtração, antes da consumação, tenta empregar violência contra
pessoa; ou, ainda, empregada à violência após a tirada da coisa,
não consegue consumar a subtração. 2ª) não é admissível a
tentativa no roubo impróprio. Ou o agente usa violência ou grave
ameaça após a subtração (e o crime estará consumado), ou não
a usa, então, o crime não será roubo impróprio, mas furto
consumado ou tentado. Esta é a corrente dominante.

Sujeitos: ativo pode ser qualquer pessoa, menos o


proprietário (coisa alheia). Trata-se de crime comum. Sujeito
passivo é o proprietário possuidor ou detentor da coisa, bem
como qualquer outra pessoa que seja atingida pela violência ou
grave ameaça. Assim, em se tratando de delito complexo, torna-
se possível à existência de várias vítimas em um só roubo.

Causas de aumento de pena (§ 2º do Art. 157): são


aplicáveis tanto ao roubo próprio quanto ao roubo impróprio. São
5 as causas de aumento de pena e não são qualificadoras,
embora chamadas corriqueiramente como tais. Tecnicamente os
5 incisos do § 2º são causas de aumento de pena de 1/3 até a
metade.

A Lei nº 13.654/2018, revogou o inciso I, que previa o


aumento se a violência ou ameaça é exercida com emprego de
arma, entretanto incluindo o § 2º-A, aumentando a pena em 2/3
em caso de emprego de arma de fogo na prática do delito.

O emprego de arma revela maior periculosidade do agente.


As armas podem ser próprias (objetos utilizados com a finalidade
especifica de matar ou ferir, como revolveres, espingardas,
pistolas, etc.); ou impróprias (objetos confeccionados com outras

146
finalidades, mas que também podem ofender a integridade
corporal da vítima, exemplo: facas, navalhas, machados, etc.).

A alteração trazida pela Lei nº 13.654/2018, deixou uma


lacuna acerca dos roubos praticados com o emprego de armas
diversas das de fogo.

Como anteriormente à Lei nº 13.654/18 falava tão somente


“arma”, prevaleceu na doutrina e na jurisprudência a interpretação
ampla, ou seja, o termo é aplicável a todo e qualquer objeto com
potencial vulnerante utilizado para a prática do roubo.

! Entretanto, a questão foi aparentemente pacificada


com a inclusão do inciso VII, no §2º, do Art. 157, do Código
Penal, pelo “Pacote Anticrime” do Min. Sérgio Moro, que se
tornou a Lei nº 13.964/19, vigente desde 23/01/2020, o que
tipifica como qualificadora “a violência ou grave ameaça
exercida com o emprego de ARMA BRANCA”.
Outrossim, a simulação de estar portando arma não é causa
de aumento de pena, servindo apenas para caracterizar a grave
ameaça. (caput). Da mesma forma, não é suficiente que o sujeito
porte um revólver para que o fato seja agravado. O CP fala em
“emprego de arma”, exigindo-se seu uso efetivo. Como dito, a
razão da circunstância que eleva a pena, está na maior
probabilidade de dano que resulta do emprego de um revólver, de
um punhal, etc. Diante disso, Damásio entende que a arma deva
apresentar idoneidade ofensiva.

Segundo seu entendimento, o emprego de arma


descarregada ou defeituosa, ou ainda de brinquedo não pode ser
causa de aumento de pena (§ 2º-A, I do Art. 157).

147
Agora, o que mais causa divergência na doutrina e na
jurisprudência, é quando o agente se utiliza de “arma de
brinquedo”.

Pergunta: arma de brinquedo, quando utilizada, é causa de


aumento de pena? Resposta: Damásio, Fragoso e Delmanto
entendem que não. Ensinam que é circunstância objetiva, ou
seja, arma de brinquedo não é instrumento dotado de poder
vulnerante, não havendo tipicidade, nem idoneidade lesiva. Já
Nelson Hungria e Magalhães Noronha entendem que sim. Dizem
que se trata de circunstância subjetiva, tem idoneidade para
intimidar, sendo instrumento capaz de infundir medo.

O STJ chegou a editar a Súmula 174: “No crime de roubo, a


intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da
pena”. Esta Súmula foi revogada. O entendimento hoje é que
arma de brinquedo não é causa de aumento de pena.

II – Se há concurso de duas ou mais pessoas. Valem aqui


todas as regras e comentários feitos em relação ao furto
qualificado pelo concurso de agentes.

III – Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o


agente conhece tal circunstância. Cuida-se de instituto que tem
por finalidade proteger quem trabalha no transporte de valores,
assim como aqueles que necessitam desse tipo de serviço para
deslocar seus bens de um local para outro (bancos, joalheiros,
etc.), uma vez que os assaltantes, em face do lucro elevado, têm
predileção por essa espécie de roubo.

Somente será aplicado se a vítima estiver prestando esse


tipo de serviço, e não quando estiver fazendo transporte

148
particular. Da mesma forma, a lei exige que o roubador tenha
plena ciência de que a vítima está transportando valor, sendo
incabível no dolo eventual.

IV – Se a subtração for de veículo automotor que venha a


ser transportado para outro estado ou para o exterior. Inciso
inserido no CP pela Lei nº 9426/96. Vide comentários acerca do
furto qualificado (Art. 155, § 5º do CP).

V- Se o agente mantém a vítima em seu poder restringindo


sua liberdade. Inciso inserido também pela lei 9426/96. Trata-se
do chamado sequestro relâmpago. Quando o agente constrange
a vítima a se deslocar consigo, mediante ameaça, para retirar
dinheiro, valores ou coisas que se encontram em diversos pontos,
havendo restrição da liberdade (leva a vítima consigo).

Se, no entanto, a privação da liberdade da vítima ocorrer


após a subtração, o que se confere é a pluralidade de crimes em
concurso material (Art. 70 do CP).

VI – Se a subtração for de substâncias explosivas ou de


acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua
fabricação, montagem ou emprego. Inciso incluído pela Lei nº
13.654/2018, visando coibir a escalado do número de ataques
ocorridos em caixas eletrônicos, carros fortes e empresas de
transporte de valores no país nos últimos anos.

O §2º-A, incluído no Código Penal, pela Lei nº 13.654/18,


estabeleceu uma causa aumento de pena de 2/3, caso a violência
ou ameaça seja exercida com emprego de arma de fogo; afinal,
sabe-se que, objetivamente, a vítima corre um risco muito maior
de perder a vida, quando há arma de fogo no cenário.

149
No entanto, foi inserido o inciso II, no mesmo parágrafo 2º-A,
prevendo qualificadora de dois terços se o roubo for praticado
com destruição de obstáculo em face de emprego de explosivo.

Como fica o aumento se estiverem presentes as duas


situações (incisos I e II do par.2º.-A)? Tratando-se de uma causa
de aumento de valor fixo (dois terços), ela será aplicada na
terceira fase da fixação; mas há outra circunstância no mesmo
parágrafo, que não pode ser ignorada, mas também não pode ser
duplicada, vale dizer, aplicar duas vezes dois terços. Então, o
ideal é aplicar o aumento de 2/3 na terceira fase por uma das
duas e utilizar a outra no momento de aplicar a pena-base.
Entretanto, por se tratar de lei penal prejudicial ao réu, o novo
parágrafo 2º.-A só pode ser aplicado a crimes cometidos a partir
de 23 de abril de 2018.

! O “Pacote Anticrime”, Lei nº 13.964/19, também, incluiu


o §2º-B, no Art. 157, do Código Penal, trazendo a seguinte
redação.
§ 2º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com
emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido,
aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste
artigo.”

Isto é, a pena é aplicada em dobro se a violência ou


grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso
restrito ou proibido.

! O “Pacote Anticrime”, Lei nº 13.964/19, alterou a Lei nº


8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), incluindo em seu rol o
inciso V, do §2º, inciso I, do §2º-A, §2º-B e §3º do Art. 157 do
Código Penal.

150
Dessa forma, passou a ser considerado crime hediondo,
a partir de agora, o roubo circunstanciado pela restrição de
liberdade da vítima (§2º, V), circunstanciado pelo emprego de
arma de fogo (§2º-A, I), ou pelo emprego de arma de fogo de
uso proibido ou restrito (§2º-B), ou qualificado pelo resultado
lesão corporal grave ou morte (§3º).

Roubo qualificado (§ 3º, inciso I, do Art. 157, como


alteração dada pela Lei nº 13.654/2018): as lesões graves que
qualificam o roubo são as descritas no Art. 129, §§ 1º e 2º do CP.
A provocação de lesão leve por ocasião do roubo não qualifica e
tão pouco é crime autônomo. As lesões leves ficam absorvidas
pelo crime mais grave, no caso o roubo. As qualificadoras do
parágrafo terceiro incidem tanto no roubo próprio, como no roubo
impróprio, já que a violência pode ser empregada antes, durante
ou depois da subtração.

As causas de aumento de pena do parágrafo anterior


não incidem sobre as formas qualificadoras deste § 3º, possuem
pena em abstrato já bastante majorada.

Latrocínio: está previsto no Art. 157, § 3º, inciso II do CP,


agora incluído pela Lei nº 13.654/2018. Trata-se de hipótese de
roubo qualificado pelo resultado.

Ocorre o latrocínio quando a violência física contra a pessoa


é empregada como modo executivo de subtração, ocasionando a
morte da vítima. Pena de 20 a 30 anos de reclusão e multa.

O latrocínio é crime complexo, composto de dois delitos


distintos, um na condição de crime-meio e outro como crime-fim.

151
O homicídio e o furto perdem sua individualidade própria para
compor uma nova figura, autônoma.

A competência para julgamento do crime de latrocínio é do


juízo singular, e não do Tribunal do Júri. Trata-se de crime contra
o patrimônio e não contra a vida (Súmula 603 do STF).

Consumação e tentativa de latrocínio: podem ocorrer 04


hipóteses:

1ª) havendo subtração patrimonial consumada e morte


consumada, teremos o latrocínio consumado. (Art. 157, § 3º, 2ª
parte do CP);

2ª) havendo subtração patrimonial consumada e a morte


tentada, teremos latrocínio tentado. (Art. 157, § 3º, 2ª parte c.c.
Art. 14-II do CP);

3ª) havendo subtração tentada e morte consumada, teremos


latrocínio consumado por força da Súmula 610 do STF;

4ª) havendo subtração tentada e morte e tentada, teremos


latrocínio tentado.

Latrocínio é roubo seguido de morte? Na verdade, não, o


latrocínio é o roubo que tem por resultado a morte. Ele não pode
ser “seguido” de morte, uma vez que o indivíduo pode matar para
depois roubar.

O que prevalece, portanto, é a situação em relação à vida. A


jurisprudência do STF e do STJ está se orientando no sentido de
que “comete o crime de latrocínio, inobstante não existir a
intenção de roubar, se após matarem a vítima os meliantes
levaram consigo bens pertencentes ao morto”. Anteriormente

152
havia concurso material entre furto e homicídio doloso. Agora,
firma-se a jurisprudência no sentido de que há latrocínio.

Pela lei nº 8072/90, o latrocínio é tratado como crime


hediondo. Dessa forma, além do aumento de pena, o latrocínio é
delito insuscetível de anistia, graça ou indulto (Art. 107, II, do CP).

No terreno processual, a nova lei eliminou para o| latrocínio


a possibilidade de concessão de fiança e de liberdade provisória.
Quando ao cumprimento da pena, o rigor é marcado por tempo
maior no regime fechado. Antes era cumprimento integral. Agora
o regime inicial é fechado, sendo que somente haverá
progressão, após o cumprimento de 2/5 do cumprimento da pena.

Pergunta: O que é crime hediondo? A expressão “crime


hediondo” nada significa na técnica do direito penal. Na
linguagem popular, é o fato criminoso que reveste de requintes
extremos de perversidade, revelando frieza e falta de
sensibilidade do agente.

Observação: não importa saber qual dos coautores do


latrocínio desferiu os tiros, pois todos respondem pelo mesmo
fato (STF, RT 633/380). Se há diversidades de vítimas fatais, há
um único latrocínio e não um concurso formal, devendo o número
delas ser considerados nos termos do Art. 59 do CP (TJSP,
RJTJESP 112/474).

Art. 158 - Extorsão

Extorsão é o fato de o sujeito constranger alguém, mediante


violência ou grave ameaça, e com intuito de obter para si ou para
outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar, que se
faça ou deixar de fazer alguma coisa (Art. 158, caput).

153
Como elemento normativo do tipo, temos a finalidade de
obtenção, para o agente ou para terceiro, de indevida vantagem
econômica, que é aquela não permitida por lei, não exigível da
vítima.

A conduta típica é constranger, que significa obrigar, coagir


alguém a fazer algo (entrega de dinheiro ou um bem qualquer,
realizar uma obra, etc.), tolerar que se faça ou deixar de fazer
alguma coisa (tipo objetivo).

A objetividade jurídica principal é a inviolabilidade do


patrimônio. Como crime complexo (fusão de várias figuras típicas)
protege ainda a vida, a integridade física e a liberdade pessoal.

A extorsão se assemelha ao roubo em face dos meios de


execução, que são a violência e a grave ameaça. Entretanto, na
extorsão é imprescindível o comportamento da vítima, enquanto
no roubo ele é prescindível. Assim, no assalto, é irrelevante que a
coisa venha a ser entregue pela vítima, ao agente ou que este a
subtraia. Trata-se de roubo. Já na extorsão, o apoderamento do
objeto material depende da conduta da vítima.

Nelson Hungria, entende que a diferença entre estes dois


institutos é que, no roubo, o bem é tirado da vítima, enquanto na
extorsão a própria vítima é quem entrega ao agente. Esse
entendimento não esgota a matéria, uma vez que a vítima pode
ser obrigada a entregar sua carteira ao sujeito por ter uma arma
apontada para sua cabeça. Na extorsão a vítima deve ter alguma
possibilidade de escolha (se entrega ou não o objeto), e, assim,
sua conduta é imprescindível. Esse é o entendimento atualmente
adotado pela doutrina e jurisprudência dominante. Segunda essa
corrente, existe extorsão na hipótese conhecida como “sequestro

154
relâmpago”, em que o agente obriga a vítima a fornecer a senha
de seu cartão para que ele saque o dinheiro do caixa. Entende-se
que a colaboração da vítima era imprescindível, porque o agente
não teria como adivinhar a senha.

Outra diferença é que no roubo, a vantagem é concomitante


ao emprego da violência, enquanto na extorsão o mal prometido
e a vantagem visada são futuros. Para essa corrente a hipótese
de “sequestro relâmpago” seria de roubo.

Na verdade, se o agente ameaça a vítima ou pratica


violência contra ela, visando a obter a coisa na hora, há roubo,
não sendo importante para a caracterização do fato que ele tire o
objeto da vítima ou este lhe seja dado por ela. É que, nesta última
hipótese, não se pode dizer que a vítima agiu, pois, estando
totalmente submetida ao agente, não passou de um instrumento
de sua vontade. Só se pode falar em extorsão, quando o mal
prometido é futuro e futura é a obtenção da vantagem pretendida,
porque neste caso a vítima, embora ameaçada, não fica
totalmente a mercê do agente e, portanto, participa, ainda que
com a vontade viciada, do ato de obtenção do bem.

A Lei 11.923/09 criou mais uma modalidade do chamado


sequestro relâmpago, além daquela prevista no § 2º, inciso V do
Art. 157 do CP.

Foi acrescido por citada Lei o § 3º no Art. 158, que


prescreve: Se o crime for cometido mediante a restrição da
liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a
obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 a
12 anos, além de multa; se resulta lesão corporal grave ou morte,

155
aplicam-se as penas previstas no Art. 159, §§ 2º e 3º,
respectivamente.

Prevaleceu que o sequestro relâmpago se trata do crime de


extorsão, por ser imprescindível a colaboração da vítima em
fornecer a senha do banco. O legislador pacificou o tema com a
Lei 11.923/2009, quando acresceu o § 3º ao Art. 158,
transformando o sequestro relâmpago em figura qualificado do
crime de extorsão.

Merece ser frisado que a Lei 11.923/09 desigualou o


tratamento até existentes entre os crimes de roubo e extorsão,
que tinham as mesmas penas nos tipos fundamentais, bem como
nas majorante. Agora, a privação da liberdade da vítima imporá
no reconhecimento de uma qualificadora (Art. 158, § 3º do CP),
ao invés de uma causa especial de aumento de pena, como havia
sido prevista para o crime de roubo (Art. 157, § 2ª, V do CP).
Assim, fatos iguais terão penas diferentes, ofendendo-se os
princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sem condição


especial. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa,
podendo haver dupla subjetividade passiva: quem sofre o
constrangimento embora não experimente a lesão patrimonial.

O tipo subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de


constranger. Prevalece na doutrina o entendimento de se tratar
de crime formal. Consuma-se com ato de constranger a vítima, a
fazer, tolerar que se faça, ou deixar de fazer alguma coisa. Crime
formal é o que descreve conduta e resultado, não se exigindo a
sua produção.

156
Nesse sentido a Súmula 96 do STJ “o crime de extorsão
consuma independente da obtenção da vantagem pretendida”. É,
portanto, um crime formal.

Os §§ 1º e 2º do estudado dispositivo legal já foram vistos


nos delitos de furto e roubo, sendo que os seus ensinamentos e
aplicabilidades são os mesmos.

Observação: A jurisprudência tem entendido que existe


crime de extorsão por parte daquele, que tendo provas de
relacionamento extraconjugal de alguém, exige-lhe dinheiro para
não divulgar o fato para a família (chantagem).

! A Lei nº 13.964/19, alterou a Lei dos Crimes Hediondos


e o inciso III (Lei nº 8.072/90) que previa apenas a extorsão
qualificada pela morte como crime hediondo, a partir de
agora, é considerado hediondo a extorsão qualificada pela
restrição da liberdade da vítima, pela ocorrência de lesão
corporal ou morte.

Art. 159 - Extorsão mediante sequestro

O fato é definido como sequestrar pessoa com o fim de


obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem como condição
ou preço de resgate.

A objetividade jurídica imediata é a inviolabilidade do


patrimônio. De forma secundária, tutela a Lei a liberdade de
locomoção. Trata-se de crime complexo, onde se protege, ao
mesmo tempo, dois bens jurídicos: patrimônio e liberdade
pessoal.

157
Qualquer pessoa pode ser o sujeito passivo e ativo deste
delito. Pode haver dois sujeitos passivos no mesmo caso, como
por exemplo, uma pessoa é sequestrada sendo da outra exigida a
vantagem como condição ou preço de resgate.

O elemento subjetivo é o dolo. Há também outro elemento


subjetivo do tipo, contido na expressão “com fim de obter para si
ou para outrem”. Essa intenção é que diferencia o delito de
sequestro ou cárcere privado do crime descrito no Art. 159. A
inexistência deste elemento subjetivo configura o delito previsto
no Art. 148.

Consuma-se o crime com efetivo sequestro por tempo


juridicamente relevante, ainda que o agente não obtenha a
vantagem visada. Trata-se de crime permanente, cuja
consumação se alonga no tempo. Assim, enquanto a vítima
estiver submetida à privação de sua liberdade o crime estará se
consumando. É também crime formal, onde a produção do
resultado não é exigida. O exaurimento representa a obtenção
efetiva da vantagem almejada. É ainda delito complexo,
resultando da fusão da extorsão (Art.158) e do sequestro e
cárcere privado (Art. 148). Segundo o Art. 1º da Lei 8072/90, é
considerado crime hediondo.

Sequestro qualificado: acontece caso o sequestro dure mais


de 24 horas, ou se o sequestrado é menor de 18 anos ou maior
de 60, ou se ainda, o crime for cometido por associação
criminosa. No 1º caso, há maior lesão causada ao direito de
locomoção; no 2º caso, há maior repercussão e temor causado a
família. Por fim, se o crime for cometido por quadrilha ou bando
(que pressupõe uma união permanente de pelo menos 3 pessoas
com o fim de cometer crimes), há maior alarma social, visto haver

158
igualmente o crime do Art. 288 do CP. Neste caso, será aplicada
somente a qualificadora do § 1º, ficando absorvido o crime de
quadrilha, visando não incorrer no “bis in idem”.

Lesão corporal e morte: (§ 2º) em ambas as hipóteses, o


resultado agravador deve ter recaído sobre a pessoa
sequestrada. Assim, se os sequestradores matam um segurança
da vítima, ou a pessoa que está efetuando o pagamento do
resgate, haverá crime de extorsão na sua forma simples, em
concurso material com homicídio qualificado.

Para que as qualificadoras sejam aplicadas, é indiferente


que o resultado (lesão grave e morte) tenha sido provocado
dolosa ou culposamente. No 1º caso, todavia, o juiz deve levar
em conta a conduta intencional na fixação da pena-base.

Se a morte ou a lesão grave forem causadas por caso


fortuito ou culpa de terceiros, não se aplica as qualificadoras (Art.
19 do CP – tem que haver ao menos culpa do agente). Exemplo:
um relâmpago atinge a casa em que a vítima está sendo mantida
ou ela é atropelada por terceiros após sua libertação.

A pena de extorsão mediante sequestro qualificada pela


morte é a maior prevista no CP (24 a 30 anos).

O Art. 9º da Lei 8072/90 estabelecem que a pena de


extorsão mediante sequestro será aumentada de metade se a
vítima não for maior de 14 anos, se for alienada ou débil mental e
o agente souber disso. Essas causas são aplicáveis a todas as
formas de extorsão mediante sequestro. Se a vítima for menor de
14 anos somente se aplicara o Art. 9º da Lei especial, sendo
incabível a qualificadora do § 1º do Art. 159.

159
Delação premiada: esse dispositivo foi inserido no CP pela
Lei dos crimes hediondos e teve sua redação alterada pela lei
9269/96. Trata-se de causa obrigatória de redução da pena. São
necessários os seguintes requisitos: crime praticado em concurso
de pessoas e que qualquer delas se arrependa e delate as
demais para a autoridade pública, de tal forma que o sequestrado
venha a ser libertado.

As informações efetivamente devem facilitar a localização e


a liberação da vítima. Se, em nada colaborarem, a pena não
sofrerá qualquer diminuição. A delação tem que ser eficaz.

Observação: a participação da vítima na extorsão mediante


sequestro, desclassifica o crime para extorsão (Art. 158).
Exemplo: filho simula sequestro para extorquir o pai.

CAPÍTULO III

DA USURPAÇÃO (bens imóveis)

Art. 161 – Alteração de limites - caput

Com esse dispositivo a lei visa proteger a posse e a


propriedade imóvel.

A ação tipificada é suprimir, que significa eliminar, destruir,


fazer desaparecer, ou deslocar, isto é afastar de lugar sinal
divisório de propriedade imobiliário. Tapumes são cercas, muros;
marcos são sinais materiais, tocos, estacas indicativas da
divisória.

160
A infração penal consuma-se quando ocorre a efetiva
supressão o deslocamento do marco, ainda que o agente não
atinja a sua finalidade de apropriar-se do imóvel alheio. É crime
formal.

O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor do imóvel em


que a ação delituosa é praticada. Já o sujeito ativo somente pode
ser o proprietário vizinho, aquele em que é realizada a alteração
de limites.

O tipo subjetivo é o dolo consistente na vontade livre e


consciente de suprimir e deslocar. O elemento subjetivo do tipo
está traduzido na expressão “para apropriar-se do todo ou em
parte, de coisa imóvel alheia”.

§ 1º, I - Usurpação de águas

A lei protege o patrimônio, com interesse especial para o


direito sobre o uso das águas. Visa a lei resguardar as águas
públicas ou particulares que passam por determinado local,
evitando que o dono do terreno sofra prejuízo caso alguém queira
desviar o seu curso ou represá-las.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Já a vítima é a


pessoa que pode sofrer o dano em virtude do desvio ou do
represamento, ou seja, quem tem a posse ou o direito de
utilização das águas.

Consuma-se o crime no exato instante em que o agente


efetua o desvio ou o represamento, ainda que não venha a obter
o proveito próprio ou alheio a que o texto legal se refere. Trata-se
também de crime formal.

161
A ação física é representada pelo verbo “desviar”, que
significa mudar de direção; e “represar”, que é conter.

§ 1º, II - Esbulho possessório

Protege a lei a propriedade imobiliária. A ação típica é


invadir, que significa penetrar, ingressar, introduzir-se. Trata-se
de delito que pressupõe a invasão de propriedade imóvel alheia,
edificada ou não. A forma de execução é alternativa: com
violência a pessoa, grave ameaça ou mediante concurso de mais
de duas pessoas.

Consuma-se este delito com a efetiva invasão do imóvel. A


infração penal somente existe quando a conduta ocorre “para fim
de esbulho possessório”, sendo este o elemento subjetivo do tipo.
Ou seja, desde que o agente queira excluir a posse do sujeito
passivo para passar a exercê-la ele próprio.

Reforma Agrária: quanto a movimentos populares cujos


integrantes invadem fazendas, visando exclusivamente
pressionar o governo a desapropriá-las, a fim de acelerar a
implantação da reforma agrária prevista na CF (Art. 184 a 191),
não configura o crime ora estudado. Inexiste o elemento subjetivo
exigido pelo tipo, ou seja, a intenção de tomar a propriedade
alheia, apropriando-se da terra. Não há que se confundir o
esbulho da posse e a turbação, previsto no CC, com o crime de
esbulho possessório.

A figura típica exige que o sujeito realize a conduta com fim


determinado: o de excluir o sujeito passivo do exercício da posse,
submetendo o imóvel à sua disponibilidade, com intenção de
espoliar o sujeito passivo do exercício da posse do imóvel.

162
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, exceto o dono do
imóvel. Ao contrário, o sujeito passivo é o possuidor ou
proprietário do imóvel invadido.

§ 2º - Concurso de delitos

Se o agente, ao praticar o delito, usando de violência, e por


meio desta incorrer em outro delito, haverá concurso material. O
crime em estudo e mais lesão corporal ou morte.

§ 3º - Ação Penal

A ação penal será privada se a propriedade for particular e


não houver emprego de violência, promovendo a persecução
penal o próprio ofendido mediante queixa. Ao contrário, se a
propriedade for pública, ou o agente usar de violência, a ação
será pública incondicionada.

Art. 162 - Supressão ou alteração de marcas em animais

Esse delito visa proteger a propriedade e a posse dos


animais semoventes, tendo como sujeito ativo qualquer pessoa e
como vítima o dono do animal. A conduta típica consiste em
modificar ou apagar a marca ou sinal indicativo de propriedade
em gado ou rebanho alheio. Quando a lei se refere a “gado”, está
falando em animais de grande porte, como bois, cavalos, e ao
mencionar “rebanhos”, o faz em relação aos animais de pequeno
porte, como porcos, ovelhas, etc.

O objeto material é a “marca ou sinal indicativo”. O tipo


subjetivo é o dolo, e mais o elemento subjetivo do tipo que
consiste na intenção de estabelecer dúvida acerca da
propriedade. A figura contém ainda o elemento normativo

163
“indevidamente”. Assim, é óbvio que quem compra os animais
licitamente tem o direito de remarcá-los, sem que cometa o delito.

Esse delito fica absorvido pelo crime de furto do animal,


estelionato, apropriação indébita, sendo raramente aplicado na
prática.

CAPÍTULO IV

DO DANO

Art. 163 - Dano

O crime importa em inutilizarão de coisa alheia, sua


destruição ou deterioração. O CP tutela a propriedade de coisas
móveis e imóveis alheias (objeto material).

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de dano,


exceto o proprietário, que será o sujeito passivo.

Quanto à ação física, (tipo objetivo) o tipo apresenta três


verbos ou núcleos: destruir, inutilizar e deteriorar. A primeira, que
é a mais grave em relação ao objeto atingido, este deixa de existir
em sua individualidade, é eliminado, extinto. Exemplo: colocar
fogo em livros, matar um animal, por abaixo uma casa, um muro,
etc. No segundo, (inutilizar) o objeto continua existindo, mas sem
poder ser utilizado para finalidade a que se destinava. Exemplo:
quebrar os ponteiros de um relógio, quebrar as hélices de um
ventilador, etc. Por fim, (deteriorar), é na verdade uma fórmula
genérica que abrange qualquer outra forma de dano que não

164
esteja englobado pelas duas hipóteses anteriores. Exemplo:
quebrar o vidro de um carro ou de uma casa, amassar a lataria de
um veículo, etc.

Nota: a conduta de desaparecer um objeto alheio, sem que


se trate de caso de furto, também não constitui delito de dano,
uma vez que não se amolda aos verbos contidos no Art. 163 do
CP. Exemplo: soltar um animal alheio, atirar um anel em um rio,
etc. Nesses casos existe o ilícito civil (dever de indenizar) é uma
lacuna da lei penal.

Vide também o Art. 346 do CP.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, direto ou eventual.


Não existe previsão legal de crime de dano culposo.

Por sua vez, para que exista o crime em estudo é necessário


que o dano seja um fim em si mesmo. Assim, se constituir meio
para a pratica de outra infração penal, fica por esta absorvida.
Exemplo: destruir obstáculo para subtração de objetos constitui
furto qualificado, não sendo possível à acusação por delito de
dano.

Parágrafo único - Dano qualificado

I – com violência à pessoa ou grave ameaça: se aplica


quando a violência ou a grave ameaça constituem meio para que
o agente consiga danificar o objeto alheio. Assim, se o agente
praticou o dano, posteriormente, ao ser abordado pela vítima,
vem a agredi-la de forma a lhe causar lesões, responde por dois
crimes em concurso material.

165
Ocorrendo dano qualificado pela violência, se esta causar
lesões na vítima, responderá por elas, em razão de previsão
expressa no próprio artigo quando trata da imposição da pena. A
violência pode ser contra o dono da coisa, ou contra terceiro.

II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se


o fato não constitui crime mais grave: revelam maior capacidade
de danificar, além de perigo comum. Se o fato se constituir em
crime mais grave, fica por ele absorvido. Exemplo: homicídio
qualificado pelo emprego de fogo ou explosivo, o crime de
incêndio (Art. 250), o crime de explosão (Art. 251), etc. Essa
qualificado tem caráter subsidiário.

III – contra o patrimônio da União, Estado, DF, Município,


autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de
economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos
(redação dada pela Lei nº 13.531/2017): a finalidade desse
dispositivo é dar uma especial proteção aos bens públicos, que
estão mais expostos a ação de vândalos. Se o objeto é particular,
ou está apenas alugado a uma dessas pessoas jurídicas, não se
aplica a qualificadora, pois o texto da lei fala em patrimônio da
União, Estado ou Município.

IV – por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para


a vítima: temos na verdade duas qualificadoras nesse inciso. A
primeira refere-se ao motivo egoístico, ou seja, ao dano praticado
por quem, com ele, visa conseguir algum benefício de ordem
econômica ou moral. A segunda tem como razão da maior
punição o fato de o agente ter causado um prejuízo patrimonial
elevado à vítima. Essa situação deve ser analisada em face ao
patrimônio específico de cada sujeito passivo e somente será

166
aplicado quando ficar demonstrado que o agente queria causar
tal prejuízo considerável.

Art. 164 - Introdução ou abandono de animais em


propriedade alheia

É punida a conduta daquele que introduz ou deixa animais


em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito,
devendo deste fato resultar prejuízo. Apesar de a Lei mencionar a
palavra animais (no plural), basta a introdução de um único
animal para configurar o delito. Para que exista o crime, o tipo
exige que a conduta advenha algum prejuízo financeiro para a
vítima.

Consuma-se o crime com efetivo prejuízo. Na sua ausência,


a conduta será um indiferente penal. Da mesma forma, não
haverá delito na hipótese de existir prévio consentimento do
proprietário ou possuidor.

Os termos do Art. 167 do CP a ação penal é privada. O bem


jurídico protegido é a posse e a propriedade imóvel,
especialmente contra dano causado por animais em implantações
e terrenos cultivados. Tipo subjetivo é o dolo. O sujeito ativo é
qualquer pessoa com exceção do proprietário, sendo este o
sujeito passivo.

Art. 167 - Ação Penal

A ação penal no crime de dano é de iniciativa privada, na


figura simples do caput, bem como na hipótese qualificada do
inciso IV. Nas demais figuras qualificadas, a ação penal é pública
incondicionada. O Art. 164 também é de ação privada.

167
CAPÍTULO V

DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

Art. 168 - Apropriação indébita

É a lesão de um direito patrimonial sobre coisa alheia móvel,


mediante abuso da posse ou da detenção não criminosamente
conseguida. Se caracteriza pela quebra de confiança, uma vez
que a vítima espontaneamente entrega um objeto ao agente, e
este, depois de já estar na sua posse ou detenção, inverte seu
ânimo em relação ao objeto, comportando-se como o dono. O
agente faz sua coisa de outrem.

Pode-se apropriar de várias maneiras: a) consumindo a


coisa; b) alterando a coisa; c) retendo a coisa; d) ocultando a
coisa.

Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que tenha a posse


ou detenção lícita de coisa alheia móvel. O sujeito passivo é
qualquer pessoa física ou jurídica, titular de direito patrimonial
atingido pela ação criminosa. É aquele que experimenta o
prejuízo. Em regra, é o proprietário.

O tipo objetivo é apropriar-se, isto é, inverter a natureza da


posse, passando a agir como se dono fosse da coisa alheia de
que se tem posse ou detenção.

O tipo subjetivo é o dolo, consistente na intenção do agente


em inverter o título da posse ou detenção. Neste crime o dolo é
subsequente, pois a apropriação segue-se à posse lícita da coisa
alheia.

168
A consumação deste delito é de difícil precisão, pois
depende, em última análise, de uma atitude subjetiva. Consuma-
se com a inversão na natureza da posse, caracterizada por ato
demonstrativo de disposição de coisa alheia ou pela negativa em
devolvê-la. Como crime material, a tentativa é possível embora de
difícil configuração.

§ 1º - Causas de aumento de pena

O § 1º do estudado artigo possui 3 incisos que são causas


capazes de aumentar a pena de 1/3, quando o agente recebe a
coisa:

I) em depósito necessário: que é o depósito que se efetua o


desempenho de obrigação legal ou aquele que é efetuado por
ocasião de alguma calamidade como incêndio, inundação,
naufrágio, etc., chamado de depósito miserável. Há também o
chamado depósito necessário por equiparação. É o caso de
bagagens de viajantes, hóspedes ou fregueses, nas hospedarias,
hotéis ou pensões. Depósito necessário está previsto nos Arts.
647 a 652 do CC)

II) na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário,


inventariante, testamenteiro, ou depósito judicial: o fundamento
desta majorante é que nas condições elencadas, o sujeito ativo
também viola deveres inerentes ao cargo ou função que
desempenha, na verdade, justificador de maior confiança. Rol
taxativo.

III – em razão de oficio, emprego ou função: Para que se


configure agravante é necessário que o sujeito tenha recebido a
posse ou detenção de objeto material em razão do emprego, ou

169
seja, deve existir um nexo de causalidade entre a relação de
trabalho e o recebimento. Exemplo: mecânico, costureiro,
relojoeiro, médicos, advogados, engenheiros, etc.

Nota: a demora em restituir a coisa, segundo entendimento


dominante, não chega a constituir o crime de apropriação
indébita. Da mesma forma, pessoa que recebe pagamento
adiantado para execução de serviços profissionais, e não os
executa. Neste caso há descumprimento contratual. Mesmo
porque, o dinheiro não seria devolvido após a realização do
trabalho.

Pergunta: O uso da coisa recebida validamente configuraria


o crime de apropriação indébita? Em princípio não. Inexiste a
apropriação de indébita de uso. A situação caracteriza “abuso da
posse”. Exemplo: o uso de um veículo deixado em um posto, para
guarda, por empregado para simples passeio.

Art. 168-A - Apropriação indébita previdenciária

Trata-se de mais um crime contra o patrimônio; contudo,


esse novo artigo protege o patrimônio não de uma pessoa ou de
algumas pessoas, como nos demais crimes previstos neste
Título, mas o patrimônio de todos os cidadãos que fazem parte do
sistema previdenciário.

O caput do artigo incrimina a conduta de deixar de


repassar, isto é, deixar de transferir, não encaminhar à
Previdência Social (INSS) as contribuições recolhidas dos
contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional. Trata-se de
crime omissivo puro.

170
A lei faz referência ao prazo e a forma pelos quais a
contribuição deverá ser repassada. Trata-se de norma penal em
branco, que dependerá para sua efetiva aplicação de definições
contidas nas leis previdenciárias.

Cuida-se de crime próprio. Somente pode ser praticado por


aquele que tem o dever legal de repassar à Previdência Social as
contribuições recolhidas dos contribuintes. O sujeito passivo é o
Estado, em especial o órgão da Previdência Social, que é o
responsável pelo recolhimento das contribuições.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. O delito se consuma


no momento que se exaure o prazo legal ou convencional para o
recolhimento das contribuições. A tentativa é inadmissível pois
trata-se de crime omissivo.

O § 1º do Art. 168-A, I a III, prevê outros tipos penais


assemelhados que visam punir o contribuinte-empresário, que
deve recolher a contribuição que arrecadou do contribuinte.

O inciso I prevê a hipótese de deixar de recolhe, no prazo


legal, contribuição ou outra importância destinada a Previdência
Social que tenha sido descontada de pagamento efetuado
assegurados, a terceiros ou arrecadado do público.

O inciso II prevê a hipótese de deixar de recolher as


contribuições devidas à Previdência Social que tenham integrado
despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à
prestação de serviços. Já não se trata de deixar de recolher
aquilo que se descontou de outras pessoas, e sim de deixar de
recolher o que tenha integrado despesas contábeis ou custos
relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços.

171
O inciso III prevê a hipótese de deixar de pagar benefício
devido assegurado, quando as respectivas cotas ou valores já
tiverem sido reembolsados à empresa pela Previdência Social.
Nesta modalidade é dever do agente pagar os benefícios ao
segurado, uma vez realizado o reembolso pelo INSS.

O § 2º do estudado artigo é uma causa extintiva da


punibilidade quando diz que “se o agente, espontaneamente
declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições,
importâncias ou valores e presta as devidas informações a
Previdência Social, na forma definida em lei ou regulamento,
antes do início da ação fiscal”. Desta forma, haverá extinção da
punibilidade se as contribuições forem pagas antes do início da
ação fiscal, e não mais antes do recebimento da denúncia. Caso
o pagamento se realize após o início da ação fiscal e antes de
oferecida da denúncia, poderá incidir o § 3º do estudado artigo
que é causa de perdão judicial.

Prevê o § 3º que é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena


ou aplicar a de multa se o agente for primário e de bons
antecedentes, desde que: a) tenha promovido após o início da
ação fiscal e antes de oferecimento da denúncia, o pagamento da
contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; b) o valor
das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou
inferior àquele estabelecido pela Previdência Social. Atualmente o
limite para não ajuizamento de execução fiscal é de R$ 5.000,00.
Débitos de até referido valor, dão ensejo ao perdão judicial ou
aplicação unicamente da multa.

A Lei nº 13.606/2018, incluiu o § 4º, ao presente dispositivo


legal e traz que a faculdade prevista no § 3º não se aplica aos
casos de parcelamento de contribuições cujo valor, inclusive

172
acessórios, seja superior àquele estabelecido de forma
administrativa, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas
execuções fiscais.

A ação penal é pública incondicionada e segue o


procedimento comum, porém de competência da Justiça Federal.

Art. 169 - Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito


ou força maior

O núcleo da ação tipificada é igual ao do artigo anterior. O


objeto material é diverso. Neste caso, a coisa alheia não é
entregue ou confiada licitamente ao agente, mas vem ao seu
poder por erro, caso fortuito ou força da natureza. O erro pode se
referir à pessoa, à coisa ou a existência de obrigação. Exemplo:
entregar algo à pessoa errada, entregar algo errado, ou pagar
novamente uma conta.

A apropriação da coisa havida por erro tem como requisito


fundamental que o agente somente perceba o equívoco da vítima
depois de já estar na posse do bem, e só então resolva dela se
apoderar, não restituindo ao proprietário. Se o agente percebe o
erro de início e silencia, comete o crime de estelionato. Exemplo:
marido que paga conta que mulher já paga. Se o funcionário
percebe logo de início o erro, e recebe, se apropriando do valor,
comete estelionato. No entanto, se percebe o erro apenas no
fechamento do caixa, e então, resolve se apoderar do dinheiro,
comete o delito do Art. 169 “caput” do CP.

A segunda parte do artigo fala em caso fortuito ou força da


natureza. Na hipótese do caso fortuito, pressupõe alguma
participação humana. Exemplo: um acidente de veículo, lança

173
objetos em um quintal. O dono percebe tal situação e se apropria.
No caso de força da natureza, o fato ocorre sem qualquer
participação humana. Exemplo: vendaval que lança roupas do
vizinho em quintal alheio. Este morador se apropria e não devolve
ao legítimo proprietário.

Apropriação de tesouro: tesouro é o depósito antigo de


moedas ou coisas preciosas, enterradas ou oculta, de cujo dono
não se tem notícia. Pela lei civil (CC Art. 607) deve ser dividido
entre quem acha e o proprietário do prédio onde foi encontrado. A
lei penal tem a mesma prescrição, punindo quem acha o tesouro
e se apropria da parte (metade) do dono do terreno ou prédio
(parágrafo único, I).

Apropriação de coisa achada: o crime tem por objeto


material a coisa perdida em lugar público ou de uso do público e
não a coisa abandonada nem a “res nullius”. Coisa abandonada é
a coisa que alguém atirou fora, não mais a quer. Quem a
encontra e se apropria não comete o delito, e sim passa a ser o
legítimo proprietário.

O objeto esquecido em lugar público ou de uso do público é


considera coisa perdida, mas se o esquecimento ocorreu em local
privado (casa, escola), o apoderamento constituirá crime de furto.
Se o agente provocar a perda do objeto, também haverá crime de
furto, só que qualificado pela fraude.

Art. 170 – Forma privilegiada

O Art. 170 do CP prevê a forma privilegiada de apropriação


indébita, ou seja, primariedade e pequeno valor. (Art. 155, § 2º)

174
CAPÍTULO VI

DO ESTELIONATO E OUTRAS FRAUDES

Art. 171 - Estelionato

É um crime que se caracteriza pelo emprego de fraude, uma


vez que o agente, valendo-se de alguma artimanha, consegue
enganar a vítima e convencê-la a entregar-lhe alguma coisa, e,
na sequência, locupletar-se ilicitamente com tal objeto.

A ação física ou nuclear é representada pelo verbo “obter”,


importando a ação do agente conseguir a vantagem ilícita em
prejuízo alheio, induzindo (levando) ou mantendo quem foi levado
a erro, mediante artifício, ardil ou outro meio fraudulento. A fraude
integra o tipo. A indução ou mantença opera-se por: a) artifício:
significa fraude no sentido material. É a encenação, o disfarce,
efeitos especiais, documentos falsos, etc.; b) ardil: é a fraude no
sentido imaterial, intelectualizada, dirigindo-se a inteligência da
vítima e objetivando excitar nela uma paixão, emoção ou
convicção pela criação de uma motivação ilusória. É a conversa
enganosa; c) qualquer outro meio fraudulento: é uma fórmula
genérica que tem por finalidade englobar qualquer outra
artimanha capaz de enganar a vítima. Exemplo: silêncio.

Seja como for, o meio fraudulento deve ser idôneo a iludir. O


erro é elemento estruturador do tipo. É efeito do meio fraudulento
e pode ser conceituado como a manifestação viciada da vontade.

O estelionato é um crime material e por tal motivo apresenta


resultado. Para a existência do estelionato, entretanto, o
resultado visado pelo agente deve ser a obtenção de uma
vantagem ilícita em prejuízo alheio e de natureza econômica, já

175
que o estelionato é um crime contra o patrimônio. Somente se
consuma no instante em que o agente efetivamente consegue
obter a vantagem ilícita por ele visada. Diz a doutrina que o
estelionato possui duplo resultado: a vantagem ilícita e o prejuízo
alheio.

A tentativa é admissível. Pode ocorrer que o agente


empregue a fraude e não consiga enganar a vítima. Nesse caso,
somente haverá tentativa se a fraude empregada for idônea para
enganar a vítima. Se for inidônea, estaremos diante do “crime
impossível”. Leva-se em conta a vítima em concreto, e não o
critério do homem médio. Também pode ocorrer a hipótese em
que o agente emprega a fraude, engana a vítima, mas não
consegue obter a vantagem ilícita visada, não causando prejuízo
à vítima.

Sujeitos: trata-se de crime comum, que pode ser praticado


por qualquer pessoa (sujeito ativo). Já o sujeito passivo é a
pessoa enganada, ou seja, aquela que sofre o prejuízo. A pessoa
enganada pode ser diferente da pessoa que sofre o prejuízo.
Somente se prática o crime de estelionato contra pessoa física ou
jurídica. A pessoa deve ser determinada.

O número indeterminado de pessoas (vítimas) caracteriza o


crime contra a economia popular. Exemplo: balança viciada de
um açougueiro (RT. 561/398). Da mesma forma, o enganado terá
que ter capacidade para ser iludido, pois, se for louco ou menor,
incorrerá o agente no crime de abuso de incapazes (Art. 173).

Elementos subjetivos do tipo: o estelionato só é possível a


título de DOLO, que consiste na vontade de enganar a vítima. É
necessário que o agente tenha consciência da ilicitude da

176
vantagem que obtém da vítima. O tipo requer um segundo
elemento subjetivo, contido na expressão “para si ou para
outrem”. Não há fraude culposa.

Simples inadimplemento de compromisso comercial não é


suficiente, por si só, para caracterizar o crime. Só há crime
quando o dolo haja atuado na formação do contrato.

Concurso de crimes: (estelionato e falsidade


documental/cheque). Há quatro posições na jurisprudência:

1ª) os delitos de estelionato e falsificação de documento


devem ser aplicados autonomamente em concurso material, uma
vez que atingem bens jurídicos diferentes;

2ª) os crimes devem ser aplicados autonomamente em


concurso formal;

3ª) A falsificação de documento público absorve o


estelionato, uma vez que possui pena maior;

4ª) A falsificação do documento fica absorvida pelo


estelionato por tratar-se de crime-meio (princípio da
consumação). Na prática, esse é o entendimento adotado desde
o advento da Súmula 17 do STJ: “Quando o falso se exaure no
estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este
absorvido”.

Pergunta: O que é fraude bilateral? Existe crime de


estelionato nessa hipótese? Resposta: Ocorre fraude bilateral
quando a vítima também age de má-fé no caso concreto. É o
caso, por exemplo, de quem compra máquina falsa de fazer

177
dinheiro. Segundo o entendimento majoritário, existe o crime de
estelionato.

Figura típica privilegiada: (§ 1º do Art. 171) embora


semelhante à previsão do furto privilegiado, aqui se requer
pequeno valor do prejuízo; enquanto que no furto exige-se
pequeno valor da “res furtivas”. Esta minorante constitui direito
subjetivo do réu, cujo reconhecimento é obrigatório estando
presentes os requisitos legais (primariedade e pequeno prejuízo –
não superior a um salário mínimo).

Figuras Especiais: o § 2º do Art. 171 prevê seis espécies de


estelionatos, que possuem a mesma pena da figura do “caput”:

I – Disposição de coisa alheia como própria: a proteção legal


continua a ser dirigida ao patrimônio. Os verbos componentes do
núcleo são: vender, permutar, dar em pagamento, local ou dar em
garantia. Essa enumeração é taxativa. A ação consiste em
realizar qualquer dos atos jurídicos mencionados, tendo por
objetivo coisa alheia, como se fosse própria. Exige a má-fé do
sujeito ativo e a boa-fé do sujeito passivo, no caso o comprador
enganado, além do proprietário.

II – Alienação ou onerarão fraudulenta de coisa própria: em


qualquer das hipóteses é necessário que o sujeito iluda a vítima
sobre a condição da coisa, silenciando sobre qualquer das
circunstâncias enumeradas. O sujeito ativo só pode ser o dono da
coisa. Sujeito passivo é quem recebe a coisa nas condições
enumeradas, e na última hipótese, também o promitente
comprador.

178
A inalienabilidade pode ser legal, convencional ou
testamentária. O ônus pode ser legal ou contratual. Para que a
coisa seja litigiosa é necessário que ela seja objeto de demanda
judicial.

O objeto material é a coisa (móvel ou imóvel) própria


inalienável, gravada de ônus ou litigiosa. O elemento subjetivo do
tipo é o dolo.

Salienta-se, ainda, que a alienação ou a onerarão dos bens,


em si, não constituem crime. O ilícito penal consiste em silenciar
a respeito das circunstâncias a que a lei se refere.

III – Defraudação de penhor: a coisa empenhada pode ficar


em poder do devedor, como ocorre no penhor agrícola (CC. Art.
781), pecuário (CC. 784), etc.

O sujeito ativo do delito é o devedor do contrato de penhor.


Sujeito passivo é o credor pignoratício.

O fato consiste em defraudar o objeto material que constitui


a garantia pignoratícia. Defraudar significa espoliar com fraude,
privar com dolo. Pode ser praticada a ação por intermédio de
alienação (venda, permuta, doação, etc.), ou outro modo qualquer
(destruição, ocultação, desvio, abandono, etc.).

O dissentimento do credor pignoratício constitui elemento


normativo do tipo. Se presente o consentimento, o fato é atípico.
O elemento subjetivo é o dolo.

IV- Fraude na entrega da coisa: a presente infração penal


pressupõe a existência de um negócio jurídico envolvendo duas
pessoas e que a responsável pela entrega do objeto, de alguma

179
forma, modifique-o fraudulentamente e o entregue a vítima. Essa
alteração pode recair sobre a própria substância (entregar objeto
de vidro no lugar de cristal, cobre no lugar de ouro), sobre a
qualidade (entregar mercadoria de 2ª no lugar de 1ª, objeto usado
como novo), ou sobre a quantidade (dimensão, peso).

O crime somente se consuma com a efetiva entrega do


objeto, e a tentativa é admissível (se a vítima, por exemplo,
percebe a fraude e rejeita o objeto).

V- Fraude para recebimento de indenização ou valor de


seguro: requisito indispensável desse crime é a previa existência
de um contrato de seguro em vigor, sem o qual haveria crime
impossível.

A lei pune alternativamente três condutas: a) destruir ou


ocultar, no todo ou em parte, coisa própria: b) lesionar o próprio
corpo ou saúde; c) agravar as consequências da lesão ou
doença.

Além disso, para que exista o crime é necessário que o


agente tenha atuado com intenção de receber o valor do seguro.
O delito, entretanto, é formal e consuma-se no momento da
conduta, ainda que o agente não consiga receber o que
pretendida. A tentativa é possível, como por exemplo, no caso de
quem tenta empurrar seu veículo morro abaixo e é impedido por
terceiros.

Sujeito ativo do delito é o segurado e também uma terceira


pessoa que, ciente da intenção do segurado, venha provocar-lhe
as lesões, destruir o veículo, etc. Sujeito passivo é o segurador.

180
O bem jurídico tutelado nessa infração é o patrimônio do
segurador, sendo a coisa ou o corpo do agente meros
instrumentos do delito.

VI – Fraude no pagamento por meio de cheque: o delito se


configura quando ocorre pagamento por meio de cheque sem
suficiente provisão de fundos. Esse dispositivo prevê duas
condutas típicas autônomas: a) emitir cheque sem fundos: nessa
hipótese, o agente preenche e põe o cheque em circulação sem
possuir a quantia em sua conta bancária; b) frustrar o pagamento
do cheque: nessa modalidade, o agente possui a quantia no
banco por ocasião da emissão do cheque, mas, antes de o
beneficiário conseguir recebê-la, aquele saca o dinheiro ou susta
o pagamento do cheque.

Para que exista o crime é necessário que o sujeito tenha


agido de má-fé quando da emissão do cheque. Imaginar possuir
saldo ou esquecer de “cobrir” a conta, não configura o delito.
Sumula 246 só STF: “Comprovado não ter havido fraude, não se
configura o crime de emissão de cheques sem fundos”.

O cheque tem natureza jurídica de ordem de pagamento a


vista. Qualquer atitude que retire esta característica afasta a
incidência do crime. Exemplo: emissão de cheque pré-datado ou
do cheque dado como garantia de dívida (NÃO SÃO CRIMES).

É necessário que a emissão do cheque tenha sido a causa


direta do convencimento da vítima e, portanto, a razão de seu
prejuízo e do locupletamento do agente. Não há crime na
emissão de cheque sem fundos para pagamento de dívida
anterior já vencida. Nesse caso o prejuízo da vítima é anterior ao

181
cheque, e não em decorrência dele. Exemplo: acidente de
trânsito.

Quando o agente susta o cheque ou encerra a conta


corrente antes da emissão do cheque, responde pelo estelionato
comum (Art. 171- caput), também neste caso a fraude foi
empregada anteriormente à emissão do cheque.

O cheque pré-datado perde a qualidade de ordem de


pagamento, assumindo a função de garantia, como promessa de
pagamento, não tipificando estelionato. O STJ extinguiu, por falta
de justa causa, a ação penal que condenou um ex-dono de casa
noturna à pena de um ano e dois meses de reclusão por
estelionato.

Diz o STJ que o cheque tem que ser emitido como ordem de
pagamento à vista. Aquele que recebe o título para desconto
futuro, à falta de provisão de fundos em poder do sacado no
tempo da emissão, não está sendo induzido, nem mantido em
erro, mas aceitando promessa de pagamento futuro, sendo, pois,
sujeito passivo, pura e simplesmente, de obrigação descumprida.

Cheque especial, em que o banco garante o pagamento, até


um determinado valor, somente haverá crime se este for
ultrapassado.

Sujeito ativo desta modalidade de estelionato pode ser


qualquer pessoa, menos o endossante, posto que endossar não
se confunde com emitir. Já o sujeito passivo é o tomador, o
beneficiário do cheque, podendo ser, pessoa física ou jurídica.

A consumação se dá apenas quando o banco sacado


formalmente recusa o pagamento, quer por ausência de fundos,

182
quer em razão da contraordem de pagamento. Sumula 521: “O
foro competente para o processo e julgamento dos crimes de
estelionato, sob a modalidade de emissão dolosa de cheque sem
provisão de fundos, é do local onde se deu a recusa do
pagamento pelo sacado”.

Para configurar o delito é necessária uma única


apresentação do cheque.

Não é suficiente a simples emissão do cheque para que o


crime esteja consumado. Ainda que a emissão do cheque sem
fundos tenha sido dolosa, se o agente se arrepende e deposita o
valor antes da apresentação da cártula, haverá arrependimento
eficaz e o fato tornar-se-á atípico.

Entretanto, se o agente se arrepende depois da consumação


(após a recusa por parte do banco) e vier a ressarcir a vítima
estaríamos diante do instituto do arrependimento posterior (Art.
16 do CP). A Súmula 554 do STF dizia que o pagamento
efetuado após o recebimento da denúncia, não obsta o
prosseguimento da ação penal”. Assim, o pagamento do cheque
antes do recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do
agente. A reforma penal de 1984 criou o arrependimento posterior
(Art.16). Diante disso, a situação apontada seria a causa de
diminuição da pena. O Pretório Excelso, reexaminando a
questão do pagamento do cheque sem fundos manteve o
entendimento anterior a reforma, firmando-se no sentido: “No
caso de pagamento antes do recebimento da denúncia, não há
arrependimento posterior, e sim afastamento da “justa causa”
para a propositora da ação penal”. A Súmula 554, portanto, fica
valendo como uma exceção à regra contida no Art. 16 do CP.

183
Depois do recebimento da denúncia e antes da sentença a
reparação do dano no estelionato é circunstância atenuante
genérica (Art. 65, III, b).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. É necessária a


consciência da falta de provisão de fundos quando da emissão do
cheque. Há também outro elemento subjetivo que é o propósito
de obter vantagem indevida mediante o emprego de fraude.

O § 3º do Art. 171 é causa de aumento de pena, se o crime


é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de
instituto de economia popular, assistência social ou beneficiária.

O § 4º discorre sobre o estelionato contra idoso, isto é,


vítima sendo pessoa com idade de 60 anos ou mais. A Lei nº
13.228/15 criou esse parágrafo, culminando uma pena em dobro,
se a vítima for pessoa idosa. Trata-se de um critério objetivo para
aumento da pena: idade da vítima.

! O “PACOTE ANTICRIME”, LEI Nº 13.964/19, TROUXE


UMA SIGNIFICANTE ALTERAÇÃO NO ART. 171, DO CÓDIGO
PENAL. A NOVA LEI INCLUIU O §5º, NO ART. 171, que traz a
seguinte redação:
“§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a
vítima for:
I - a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.”

Antes do vigor da nova legislação (23/01/2020), o crime de


estelionato era uma infração de ação penal pública

184
incondicionada à representação, entretanto o §5º, alterou tal
disposição.

Como se vê, proceder-se-á mediante ação penal pública


incondicionada apenas se a vítima for a Administração Pública,
direta ou indireta; criança ou adolescente; pessoa com deficiência
mental; ou maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz, sem
prejuízo da aplicação do §4º do mesmo dispositivo legal.

Observação: Ressalta-se que desde a entrada em vigor do


Pacote Anticrime, o tema acerca da necessidade de
representação do ofendido nos crimes de estelionato, diversos
entendimentos jurisprudenciais vêm ocorrendo para delitos
consumados antes da alteração legal e com ações penais em
curso, com o ajuizamento de milhares de habeas corpus
buscando a nulidade dos processos.

Em algumas decisões determinou-se que o ofendido deveria


ser intimado para apresentar sua representação antes da
decadência da punibilidade. Entretanto, encontra-se em vias de
pacificação nos Tribunais Superiores que nos casos em que a
ação penal já tenha denúncia recebida, a representação seria
prescindível, pois trata-se de ato jurídico perfeito, não havendo
possibilidade de aplicação de novatio legis in mellius.

! A Lei 14.155 de 27 de maio de 2021 realizou três


alterações no art. 171, que trata sobre estelionato:

 inseriu o § 2º-A, prevendo a qualificadora do estelionato


mediante fraude eletrônica;

 acrescentou o § 2º-B, com uma causa de aumento de pena


relacionada com o § 2º-A;

185
 modificou a redação da causa de aumento de pena do § 4º.

Fraude eletrônica: Art. 171 (...) § 2º-A. A pena é de


reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é
cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima
ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos
telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por
qualquer outro meio fraudulento análogo.

Em que consiste o crime: O agente obtém vantagem ilícita


por meio de informações da vítima que ele obteve da própria
vítima ou de um terceiro que foram induzidos em erro. O grande
diferencial aqui é que a atuação do agente foi por meio eletrônico,
ou seja, a vítima ou o terceiro foram induzidos a erro por meio de:
redes sociais (ex: Facebook, Instagram); contatos telefônicos (ex:
simulando que se trata de ligação da operadora de cartão de
crédito); envio de correio eletrônico fraudulento (ex: e-mail que
imita correspondência da loja, banco etc.); ou qualquer outro meio
fraudulento análogo.

Cuidado para não confundir:

 Furto mediante fraude por dispositivo eletrônico ou


informático (art. 155, § 4º-B) - O agente subtrai coisa alheia
móvel por meio de dispositivo eletrônico ou informático,
conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a
violação de mecanismo de segurança ou a utilização de
programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento
análogo. Exemplo de Rogério Sanches: “Aproveitando a
vulnerabilidade de pessoas que utilizam uma rede pública de
internet, um hacker intercepta a conexão e obtém dados de
acesso a contas bancárias. Com esses dados à disposição,

186
acessa as contas e transfere quantias em dinheiro para
outra conta da qual efetua saques. É um caso típico de furto
mediante fraude, no qual a manobra ardilosa (interceptar os
dados transmitidos entre o usuário e o ponto de conexão) é
utilizada para que as vítimas sejam despojadas de seus
bens sem que nada percebam”.

 Estelionato mediante fraude eletrônica (art. 171, § 2º-A) - O


agente obtém vantagem ilícita com a utilização de
informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a
erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou e-
mail fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento
análogo. Exemplo de Rogério Sanches: “Pretendendo
adquirir um televisor, um indivíduo faz uma pesquisa na
internet e encontra a página de uma conhecida rede
varejista na qual o produto está sendo anunciado por um
preço muito abaixo das concorrentes. Insere seus dados
pessoais e bancários sem saber que, na verdade, se trata de
uma página clonada, que apenas copia os caracteres da
famosa rede varejista, para induzir as pessoas em erro.
Efetuado o pagamento, o dinheiro é creditado ao autor da
fraude, que evidentemente não pretende entregar o produto
anunciado. Nesse exemplo, ao contrário do anterior, a vítima
tem participação direta, pois, induzida por um anúncio
enganoso, fornece os dados para que o autor da fraude
possa obter a vantagem. Trata-se, portanto, de estelionato”.

Causa aumento de pena: A pena será aumentada de 1/3 a


2/3, caso seja o delito praticado mediante utilização de servidor
de internet localizado fora do território nacional, devido a maior
dificuldade no rastreio.

187
Art. 172 – Duplicata Simulada

Com nova redação dada pela lei 8137/90, tem como


objetividade jurídica a tutela do patrimônio e a credibilidade dos
títulos de crédito.

A conduta típica vem expressa pelo verbo emitir, que além


do preenchimento dos requisitos formais do título, exige a sua
colocação em circulação.

Fatura é o título representativo de uma compra e venda


mercantil.

Duplicata é um título de crédito sacado a partir da fatura,


visando à circulação, representando uma compra e venda
mercantil.

Nota de venda é o documento emitido por comerciante para


atender ao fisco, especificando a quantidade, a qualidade, a
procedência e o preço das mercadorias que foram objeto de
transação mercantil.

A duplicata é um título eminentemente causal, devendo,


necessariamente, corresponder a uma efetiva venda de
mercadorias ou prestação de serviços. Assim, responde pelo
delito do Art. 172 do CP comerciante ou industrial que se dispõe a
sacar duplicata com vistas, tão somente, à obtenção de
numerário, não eximindo o agente de eventual pratica do
comercio, pois se cuida de crime definido em lei vigente.

A nova lei (8137/90), que trata dos crimes contra as relações


de consumo, não revogou o crime de duplicata simulada. Deste
modo, aquele que emite título sem fornecer a mercadoria, ou

188
quando fornecida não corresponde à prometida, em qualidade ou
quantidade, ou ainda, ao serviço prestado, comete o crime
previsto neste artigo.

O sujeito ativo é o emitente da duplicata, fatura ou nota de


venda. Sujeito passivo é aquele que desconta a duplicata e,
secundariamente, o sacado.

A consumação ocorre com a colocação da duplicata em


circulação ou com a emissão da fatura ou nota de venda. Trata-
se de um crime doloso. A ação penal é pública incondicionada.

O parágrafo único do Art. 172 do CP estabelece a aplicação


das mesmas penas do caput àquele que falsificar ou adulterar a
escrituração do livro de registro de duplicatas.

Art. 173 - Abuso de incapazes

Abusar significa fazer mau uso, aproveitar-se de alguém. No


delito em tela, o abuso consiste em o agente valer-se da
necessidade, paixão ou inexperiência de pessoa menor de 18
anos ou portadora de doença mental e convencê-la a praticar um
ato jurídico que possa produzir efeito em seu próprio prejuízo ou
em prejuízo de terceiro. Para que exista o crime é necessário,
além do dolo direto ou eventual, que o agente tenha a intenção
de obter vantagem econômica para si ou para outrem.

Pela redação do artigo conclui-se que se trata de um crime


formal. Diferencia-se do estelionato por que não é cometido
mediante fraude.

189
Art. 176 – Outras fraudes

A Lei descreve 3 condutas distintas: a 1ª conduta é tomar


refeição em restaurante, sendo este termo genérico abrangendo
lanchonetes, bares, etc., sem dispor de recursos para pagar; a 2ª
conduta é alojar-se em hotel (podendo se também motéis,
pensões, etc.); e a 3ª é utilizar-se de meios de transporte (ônibus,
táxis, trem, metro).

Em face da redação típica, que exige que o agente não


disponha de recursos para pagamento, entende-se que não há
crime nas chamadas “pinduras” realizadas pelos estudantes de
direito, desde que eles disponham de numerário para pagar a
conta do restaurante. Também não há crime quando o agente se
recusa a efetuar o pagamento por discordar do valor cobrado na
conta apresentada. Isso não impede eventual ação civil de
ressarcimento.

A ação penal é pública condicionada a representação. O juiz


pode conceder o perdão judicial conforme a circunstâncias do
caso (pequeno valor, antecedentes favoráveis). Havendo estado
famélico, não haverá crime ante ao estado de necessidade.

Art. 179 - Fraude à execução

Esse delito pressupõe a existência de uma sentença a ser


executada ou de uma ação executiva. O agente com fim de
fraudar à execução desfaz-se de seus bens (alienando,
desviando, destruindo ou danificando bens ou, ainda simulando
dívidas). Com sua ação o agente deve tornar inviável a execução
da dívida pela inexistência ou insuficiência do patrimônio do
agente.

190
O sujeito ativo será sempre o devedor de mandado
judicialmente. Já o sujeito passivo será o credor que estará
acionando o devedor.

Se a conduta do agente não afetar seu patrimônio,


permanecendo a possibilidade de fazer frente à demanda judicial,
sua ação será atípica. É indispensável que o agente tenha
conhecimento da ação ajuizada.

CAPÍTULO VII

DA RECEPTAÇÃO

Art. 180 - Receptação

Receptação é o fato de adquirir, receber, transportar,


conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe
ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a
adquira, receba ou oculte.

Segundo Damásio, este delito é autônomo, com sanção


própria, desvinculada do delito precedente. Entretanto para sua
ocorrência há necessidade da existência de um crime anterior. O
crime antecedente não precisa ser necessariamente contra o
patrimônio, embora normalmente o é. O objeto material do crime
de peculato também pode ser passivo de ser receptado (Art.
312).

Há autores que consideram receptação como crime


acessório, uma vez que constitui pressuposto indispensável para
sua existência a ocorrência de crime anterior.

191
A Lei se refere claramente a “produto de crime”, qualquer
que seja ele, não se admitindo contravenção.

O sujeito ativo deste crime pode ser qualquer pessoa,


menos o autor, coautor ou partícipe de crime anterior. Sujeito
passivo será sempre o sujeito passivo do crime de que proveio a
coisa. A receptação renova a ofensa provocada pelo delito
original.

O delito de receptação se divide em doloso e culposo. A


receptação dolosa por sua vez pode ser: a) simples, que pode ser
própria (caput 1ª parte) ou imprópria (caput 2ª parte); b)
qualificada (§ 1º); c) agravada (§ 6º); d) privilegiada (§ 5º).

A receptação simples própria é o fato de adquirir, receber,


ocultar, etc., em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser
produto de crime. Já receptação simples imprópria está prevista
na 2ª parte do caput, e consiste no ato de influir para que terceiro
de boa-fé, a adquira, receba ou oculte coisa que sabe ser produto
de crime. É indispensável que o terceiro esteja de boa-fé, caso
contrário será igualmente autor da receptação. O terceiro de boa-
fé não comete crime.

No caso de receptação dolosa, cabe o disposto no § 2º do


Art.155 do CP. Ou seja, sendo receptação dolosa e o condenado
primário e de pequeno valor o objeto material receptado, o juiz
deve aplicar o privilégio (§ 5º do Art. 180).

A receptação culposa está prevista no § 3º do estudado Art.,


constituindo no fato de o sujeito adquirir ou receber coisa que, por
sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou

192
pela condição de quem oferece, deve presumir-se obtida por
meio criminoso.

A modalidade de receptação qualificada foi criada pela Lei nº


9426/96, cuja razão da maior gravidade da pena é o fato de o
agente cometer o crime no exercício de atividade comercial ou
industrial, situação que demonstra um forte desvalor da conduta,
pois o agente acaba utilizando-se do seu próprio trabalho para
cometer o delito. Além disso, em razão da atividade comercial ou
industrial, o agente encontra maior facilidade e confiabilidade
para repassar o produto da receptação a terceiros de boa-fé.

A qualificação em estudo é uma espécie de delito próprio,


pois somente pode ser imputado a quem se encontra no exercício
de atividade comercial ou industrial.

O § 2º do Art. 180 também é uma norma explicativa, que


para efeito do § anterior, equipara a atividade comercial, a
qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o
exercido em residência. Tem por finalidade não deixar dúvida
sobre a possibilidade de aplicar a qualificadora a camelôs, ou
qualquer outro comerciante que não tenha sua situação
regularizada junto aos órgãos competentes.

A forma agravada do delito de receptação é na verdade uma


causa de aumento de pena, quando o objeto material do delito
tratar-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado,
DF, Município, etc., no caso de receptação dolosa do caput do
Art. 180. Neste caso a pena é aplicada em dobro. (§ 6º - Lei nº
13.531/2017).

193
Explica-se a necessidade de maior rigor na pena porque na
receptação dolosa o agente sabe da procedência ilícita do bem, e
sendo bens públicos, fica evidente a maior gravidade da conduta.

Para que a majorante possa ser aplicada, exige-se que o


agente saiba que o objeto material seja um produto de crime, e
ainda, pertencente ao patrimônio público.

A receptação própria é crime material e se consuma com a


tradição da coisa. Admite-se a figura da tentativa. Exemplo: “O
sujeito é interceptado pelo dono do objeto material quando está
vendendo a terceiro”. Na receptação imprópria o crime é formal,
consumando-se com a influência exercida pelo sujeito ativo. Não
admite tentativa. Ou o sujeito influencia o terceiro e o delito está
consumado, ou não influencia e não há fato algum relevante para
o direito penal.

A ação penal em todas as modalidades será sempre pública


incondicionada. O objeto material será sempre coisa móvel que
foi produto de um crime.

O tipo subjetivo é o dolo. A exceção é o caso do § 3º do Art.


180. O dolo deve ser antecedente ou contemporâneo à ação
criminosa, não admitindo o dolo subsequente. Assim, se uma
pessoa ao receber a coisa não tinha conhecimento ser ela
produto de crime, vindo a saber posteriormente, não responde
por receptação. A dúvida configura, em tese, a receptação
culposa. Exige-se ainda, o elemento subjetivo do tipo constituído
pelo fim especial de obter proveito ou vantagem, para si ou para
outrem.

194
Para que alguém responda por receptação dolosa é
indispensável que tenha prévia ciência de que a coisa que recebe
tenha origem criminosa (RT. 592/353- TACRIM).

O § 4º do Art. 180 do CP é uma norma explicativa ou


complementar, uma vez que regulamenta a aplicação dos
dispositivos do delito. O § 4º aplica-se a todas as formas de
receptação. Nesse sentido a receptação é punível ainda que
desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio
a coisa.

Pode-se concluir que para a existência de receptação é


necessário que se prove que houve um crime anterior,
independentemente de prova da autoria dessa infração.

Se forem identificados tanto o receptador, quanto o autor do


crime antecedente, serão os crimes considerados conexos e,
assim, sempre que possível, deverá haver um só processo e uma
só sentença.

Lei nº 13.330/16 – Receptação Animal

O Art. 3º da nova Lei acrescenta ao Código Penal nova


figura criminosa, receptação de animal, assim tipificada no Art.
180-A:

Art. 180-A

Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em


depósito ou vender, com a finalidade de produção ou de

195
comercialização, semovente domesticável de produção, ainda
que abatido ou dividido em partes, que deve saber ser produto de
crime:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Considerações iniciais:

O novel tipo é punido com reclusão de 2 a 5 anos, infração


penal de maior potencial ofensivo, não admitindo qualquer das
medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/95, salvo se tentado,
caso em que será possível o beneplácito da suspensão
condicional do processo.

A objetividade jurídica é, evidentemente, o patrimônio, com


ênfase na produção ou comercialização de semoventes
domesticáveis de produção, diante do crescente número de furtos
e roubos cometidos em áreas rurais, o que consequentemente
fomenta a receptação (e outros bens). Mas não se pode ignorar a
preocupação do legislador em tutelar, ainda, a saúde pública,
ainda que de forma mediata, considerando, especialmente, que
esse crime abastece o comércio clandestino de alimentos, “livres”
da fiscalização dos órgãos competentes (sem ignorar, também, a
sonegação de impostos sempre presente nesses
comportamentos).

Ainda nestas considerações iniciais, não podemos deixar de


observar que o legislador atuou com nenhuma técnica.

Efetivamente, não nos parece aconselhável que se crie tipo


penal específico simplesmente em razão da natureza do objeto
receptado. São, afinal, diversos os produtos que, por inúmeras
razões, passam a figurar entre os alvos preferidos de criminosos.

196
Especialmente nas grandes cidades, é altíssimo o número de
furtos e roubos de automóveis. É ascendente o índice de
subtração de aparelhos de telefone celular. Há não muito tempo,
matérias jornalísticas davam conta de uma série de subtrações
que ocorriam na cidade de São Paulo e que tinham por alvo
bicicletas de alto valor. Nos três casos, as subtrações ocorrem
para que os produtos sejam posteriormente receptados e
vendidos no mercado clandestino. Seria absurdo, no entanto,
sustentar a criação de tipos penais de receptação para cada
situação ou diferente objeto.

Sujeitos: O crime é comum, ou seja, pode ser cometido por


qualquer pessoa, com exceção 1a.) do proprietário do semovente
2a.) ou do próprio autor do crime antecedente. Vejamos as duas
ressalvas:

Quis o legislador punir, basicamente, os receptadores que


atuam nos setores primário (pecuária) e terciário (comércio), mas
não no setor secundário (indústria). O receptador em atividade
industrial responde pelo Art. 180, §1o. do CP, punido com 3 a 8
anos. Percebam, contudo, que esse mesmo §1o também pune o
agente em atividade comercial. E agora, como resolver esse
conflito? O conflito, portanto, existe quando o receptador de
semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou
dividido em partes, está na atividade comercial: responde ele pelo
Art. 180, §1o, punido com 3 a 8 anos, ou Art. 180-A, punido com
2 a 5 anos?

Novamente recordamos que a ementa da nova Lei foi


tipificar, de forma mais gravosa, o crime de receptação de
semovente domesticável de produção. Essa sua intenção, no
entanto, foi traída pela redação no novo tipo. Se a finalidade for

197
comercial, a nova lei, especial em relação ao Art. 180, § 1º,
acabou sendo mais benéfica. O comerciante, de fato ou de
direito, deixa de responder nas penas do Art. 180, § 1º, ficando
sujeito às sanções do Art. 180-A. Como se percebe, repetimos,
se a intenção do legislador foi punir mais severamente esse
crime, “o tiro saiu pela culatra”. O crime consiste em adquirir
(obter, a título gratuito ou oneroso), receber (qualquer forma de
aceitação da posse, que não seja a propriedade), transportar
(carregar), conduzir (dirigir), ocultar (esconder), ter em depósito
(exercer posse protegida) ou vender (alienar em qualquer
condição), com a finalidade de produção ou de comercialização,
semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou
dividido em partes, que deve saber ser produto de crime. O tipo
repete, portanto, algumas das condutas estabelecidas no Art.
180, mais precisamente as da receptação própria. Para que se
configure a receptação do Art. 180-A, é imprescindível a
existência de delito precedente, figurando como objeto material
semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou
dividido em partes. Esse crime antecedente não precisa ser
necessariamente de furto, mas também roubo, extorsão,
estelionato ou até mesmo outra receptação (receptação de
receptação ou receptação sucessiva).

No mais, o tipo contém um elemento subjetivo específico,


consistente no ato de receptar com a finalidade de produção ou
de comercialização.

Consumação e tentativa: Assim como ocorre na receptação


própria do Art. 180, o novo crime é material, consumando-se no
momento em que a coisa é incluída na esfera de disponibilidade
do agente. As hipóteses de transporte, condução, ocultação e de

198
manutenção em depósito são formas permanentes do crime,
possibilitando a prisão em flagrante a qualquer tempo.

CAPÍTULO VIII

DISPOSIÇÕES GERAIS

Disposições Gerais Crimes contra o Patrimônio: este é o


último capítulo dos crimes contra o patrimônio e trata
basicamente das chamadas imunidades penais absolutas e
relativas nos delitos contra o patrimônio.

Art. 181 - Imunidades absolutas

As imunidades absolutas, também chamadas de escusas


absolutórias, tem como consequência a total isenção de pena
para o autor da infração penal. Em razão disso, se a autoria for
conhecida, a autoridade policial estará proibida de instaurar
inquérito policial.

A enumeração legal é taxativa, e as imunidades só valem


para os crimes contra o patrimônio, sendo, pois, inaplicáveis aos
delitos conexos de outra natureza.

Pelo próprio texto legal é fácil perceber que a isenção de


pena somente existe quando a conduta do sujeito gera prejuízo
para as pessoas ali mencionadas (cônjuges, ascendentes ou

199
descendentes). Por isso, se a infração penal causa prejuízo para
terceiros, não se aplica à imunidade.

O inciso I refere-se à isenção de pena decorrente do


matrimônio, desde que o fato delituoso ocorra durante a
constância da sociedade conjugal, ou seja, antes de eventual
separação judicial. Veja-se, portanto, que se deve levar em conta
a data do fato e não a de eventual sentença. Assim, se o marido
furta a esposa enquanto estão casados e depois se separam,
permanece a imunidade. Da mesma forma, se o delito ocorre
antes do matrimônio, a celebração deste não traz qualquer
imunidade, tampouco extingue a punibilidade do agente.

O regime de bens do casamento, por sua vez, não traz


qualquer diferença na aplicação desse instituto. Por isso, mesmo
que os cônjuges tenham adotado o regime de separação de
bens, a escusa será cabível.

A existência de separação de fato não exclui a imunidade,


uma vez que as partes ainda se encontram na constância da
sociedade conjugal.

A escusa absolutória pode ser aplicada aos concubinos


durante a Constância da união?

A doutrina tradicional é unânime em asseverar que o


instituto não se aplica aos concubinos, porque a lei é clara no
sentido de afastar essa hipótese ao fazer referência a cônjuges,
durante a constância do da sociedade conjugal. Assim, apenas os
casamentos civil e religioso com efeitos civis estão englobados
pela escusa.

200
Acontece que o legislador constituinte, atento às
modificações sociais ocorridas nas últimas décadas, estabeleceu
no Art. 266, § 3º, da Constituição Federal que, “para efeito de
proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre um
homem e uma mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento”. Em face disso, não
obstante o casamento e concubinatos continuem possuindo
características diversas, surgiu o entendimento no sentido de que
não existe, na atualidade, qualquer razão para a imunidade deixe
de ser aplicada aos concubinos, uma vez que formam, tal como
os cônjuges, uma entidade familiar.

Já o inciso II determina a aplicação da escusa absolutória


quando o crime é praticado contra ascendentes ou descendentes,
qualquer que seja o grau na linha reta (contra pai, avo, bisavô,
filho, neto, bisneto etc.). O esclarecimento feito pela lei, no
sentido de que a imunidade abrange parentesco legítimo ou
ilegítimo, natural ou civil, atualmente seria dispensável, em face
da Constituição Federal vedar qualquer distinção em razão do
estado de filiação.

A imunidade, entretanto, não atinge o parentesco por


afinidade (sogro, sogra, genro ou nora).

Art. 182 - Imunidades Relativas

Somente se procede mediante representação, se o crime


previsto neste capítulo é cometido em prejuízo:

I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;

II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;

201
III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

As imunidades relativas, também chamadas de processuais,


tem como consequência a transformação da ação penal pública
incondicionada em condicionada à representação. Essas
imunidades, portanto, não se aplicam aos crimes contra o
patrimônio que se apuram mediante queixa (por exemplo: dano
simples).

O inciso I aplica-se quando o fato ocorre enquanto as partes


encontram-se separadas judicialmente ou desquitadas (pela
antiga legislação civil). Se o fato ocorre após o divórcio, não há
qualquer imunidade.

O inciso II é cabível quando o delito se verifica entre irmãos.


A regra vale tanto para os germanos (filhos do mesmo pai e da
mesma mãe) quanto para os unilaterais (filhos apenas do mesmo
pai ou da mesma mãe).

O inciso III, por sua vez, somente tem aplicação quando tio e
sobrinho moram, de forma não transitória, na mesma residência.
Em tal hipótese, pressupõe-se que a existência do processo pode
acarretar sérios desgastes a convivência, daí a necessidade de
representação.

Veja-se, por outro lado, que é irrelevante que o crime tenha


sido praticado no local em que as partes moram ou em outro
lugar qualquer.

Art. 183 – Exceções

Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:

202
I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral,
quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa.

Percebe-se, portanto, que as imunidades absolutas e


relativas não são aplicáveis a todos os crimes contra o
patrimônio. O inciso I afasta a aplicação dos institutos para todas
as modalidades de roubo e extorsão (inclusive extorsão indireta),
bem como para todos os demais crimes contra o patrimônio
cometidos com violência ou grave ameaça, que, na verdade, são
apenas o dano qualificado (CP, Art. 163, § único, I) e o esbulho
possessório (Art. 161, § 1º, II).

II – ao estranho que participa do crime.

Assim, se a subtração de um televisor é feita pelo filho e por


um amigo seu, aquele é totalmente isento de pena, enquanto este
responde pelo crime, aplicando-se inclusive a qualificadora do
concurso de agentes.

III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou


superior a 60 anos. Este inciso foi acrescido pela Lei nº
10.741/03, Estatuto do Idoso. De tal forma, não há que se falar
em imunidade, seja absoluta ou relativa, sendo a vítima maior de
60 anos.

TÍTULO III - DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE


IMATERIAL

Não se confundem os bens pessoais com os imateriais. Os


primeiros são, por exemplo, a honra, a liberdade, etc., que não se
separam da pessoa humana e não possuem valor econômico. Já

203
os bens imateriais se destacam do indivíduo, uma vez
concretizados numa coisa ou nela projetadas. O pensamento
humano é insuscetível de qualquer apropriação por parte de
terceiros, enquanto enclausurado na mente humana. No
momento em que se ele se exterioriza, expressa-se em uma obra
literária, científica ou artista, passando, pois, a tomar corpo, e a
ter um valor econômico. O seu criador tem direito sobre sua
proteção.

Os crimes que estudaremos ofendem interesses


econômicos. Não se classificam como crimes patrimoniais, pois
estes ficaram restritos aos fatos violadores dos direitos nos ou
aos bens materiais, passando a constituir classe distinta os fatos
lesivos dos direitos imateriais, que são ideações criadoras ou
entidades ideais consideradas em si mesmas ou abstraídas da
matéria na qual ou pela qual se exteriorizam (como a alma do
corpo).

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INTECTUAL

Art. 184 - Violação de direito autoral

O homem tem direito sobre a sua produção intelectual. A


ação delituosa consiste em violar direito de autor. Violar significa
transgredir, infringir. A lei penal não define o que é direito autoral.
Essa definição deve ser buscada na lei civil, caracterizando-se
como uma norma penal em branco.

204
O direito autoral surge com a criação de obra original,
independentemente de qualquer formalidade ou registro.

O tipo penal prevê três figuras típicas: a) violar direito


autoral, isto é infringir, ofender, transgredir direitos autorais; b)
reprodução, por qualquer meio, de obra intelectual, total ou
parcialmente, para fins comerciais, sem autorização expressa do
detentor do direito (§ 1º); c) vender, expor a venda, alugar,
introduzir no país, adquirir, ocultar, emprestar, troca ou ter em
depósito, com o fim de lucro, original ou cópia de obra intelectual,
fonograma ou videofonograma, produzidos ou reproduzidos com
violação de direito autoral (§ 2º). É indispensável à finalidade de
vender, sem o que as condutas serão atípicas.

Para a doutrina, os direitos autorais abrangem as seguintes


obras: a) obras literárias – são os livros e outros escritos, como
discursos, conferências, artigos de jornal, etc.; b) obras científicas
- são livros ou escritos contendo a exposição, elucidação ou
crítica dos resultados reais obtidos pela ciência, em todos seus
ramos, inclusive obras didáticas; c) obras artísticas – são
trabalhos de pintura, esculturas, desenhos, músicas, cinema,
trabalhos de TV, etc.

Viola-se o direito do autor publicando, reproduzindo ou


modificando a sua obra. É a chamada contrafação. Segundo M.
Noronha, o plágio também é uma forma de violação de direito
autoral. Consiste no fato de alguém atribuir a si, como autor, obra
ou partes de obra de outrem.

A Lei nº 9610, alterou, atualizou e consolidou a legislação


sobre os direitos autorais e deu outras providências. Os Artigos

205
46 a 48 da citada lei dispõem sobre as limitações aos direitos
autorais.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, sem nenhuma


condição especial. Já o sujeito passivo somente pode ser o titular
do direito autoral, isto é, o criador de obra literária, científica ou
artista, ou seus herdeiros ou sucessores.

O tipo subjetivo é o dolo.

Prescreve o § 3º que em caso de condenação, ao prolatar a


sentença, o juiz determinará a destruição da produção ou
reprodução criminosa. A destruição somente será executada com
o trânsito em julgado da sentença condenatória.

A proteção à propriedade intelectual de programa de


computador está previsto na lei nº 9609/98. Trata-se de um crime
específico de violação de direito autorais (Art. 12).

Art. 185 - Usurpação de nome ou pseudônimo alheio –


Revogado pela Lei nº 10.695/2003

Art. 186 – Tipo de ação penal

Trata do tipo de ação penal no capítulo em estudo. Em


regra, ambos os delitos são de ação privada, e somente se
procede mediante queixa-crime. Nas hipóteses dos §§ 1º e 2º, e
se o delito for praticado em prejuízo de entidade de direito
público, a ação penal será pública incondicionada.

206
TÍTULO V - DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO
RELIGIOSO E CONTRA OS RESOEITO AOS MORTO

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO

O crime de ultraje a culto, e impedimento ou perturbação de


ato a ele relativo, divide-se em três modalidades: 1ª) escarnecer,
que significa zombar, troçar, ridicularizar de forma a ofender
alguém, em virtude de crença ou função religiosa. O escárnio
pode ser praticado por diversas formas: oral, escrita, simbólica,
etc. Tem que ser público. Se o escárnio for particular e não
chegar ao conhecimento das pessoas em geral, não se adequa
ao tipo penal.

Cumpre ressalvar que a ofensa à religião, sem ofender


diretamente a uma pessoa determinada, não configura o crime
em tela.

A 2ª modalidade é impedir ou perturbar cerimônia ou prática


de culto religioso. Impedir consiste em não permitir o início ou
prosseguimento da cerimônia ou prática de culto religioso.
Perturbar é atrapalhar, tumultuar a cerimônia ou culto religioso,
por exemplo, proferindo palavrões, fazer barulho para que o
sermão não seja ouvido pelos fieis, etc.

Cerimônia é o ato religioso solene, por exemplo, missa,


casamento, procissão batizado. Já a prática de culto consiste no
ato religioso sem as solenidades da cerimônia, por exemplo,
novena, oração, etc.

207
A única modalidade é vilipendiar publicamente ato ou objeto
de culto religioso. É tratar com desprezo, desdém, de modo
ultrajante o ato ou objeto de culto religioso. Pode-se vilipendiar
por escrito, palavras, gestos, etc., por exemplo., proferir palavrões
contra a imagem de um Santo, atirar objetos contra ele, etc. Deve
o vilipêndio ser realizado publicamente, na presença de várias
pessoas.

O parágrafo único é uma causa de aumento de pena,


prevendo ainda a possibilidade de haver concurso de crimes. Se
há emprego de violência, a pena é aumentada de 1/3, sem
prejuízo da correspondente à violência. Trata-se de violência
física contra a pessoa ou coisa. Haverá concurso material de
crimes se a violência empregada configurar, por si só algum
crime (L.C / dano, etc.). Nessa hipótese, o concurso dar-se-á com
a forma majorada dos crimes contra o sentimento religioso em
virtude do emprego de violência.

O tipo subjetivo é dolo, e o elemento subjetivo do tipo é


representado “por motivo de crença ou função religiosa”. A ação
penal é pública incondicionada em todas as modalidades.

CAPÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS

Art. 209 - Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária

Tutela-se com o dispositivo o sentimento de respeito pelos


mortos, sendo essa sua objetividade jurídica. Qualquer pessoa

208
pode praticar o crime em estudo. A vítima do delito não é
evidentemente, o cadáver, que não é mais titular de direitos, mas
a coletividade, as pessoas da família ou amigos que tenham
relação de afetividade. Trata-se de um delito vago, em que se
ofende uma coletividade, destituída de personalidade jurídica,
como a coletividade, a família, etc.

Enterro consiste na transladação do corpo para o local onde


será sepultado ou cremado. A cerimônia fúnebre consubstancia-
se em ato por meio do qual o defunto é assistido ou
homenageado. Exemplo: velório, embalsamento, honras militares,
etc.

O delito se consuma com o efetivo impedimento ou


perturbação do enterro ou cerimônia. Admite-se a tentativa. O tipo
subjetivo é o dolo. A ação penal é pública incondicionada.

O mesmo que foi dito sobre o § único do Art. anterior (208)


se aplica no parágrafo único do artigo em estudo.

Art. 210 - Violação de sepultura

O objeto jurídico tutelado continua a ser o respeito aos


mortos. Qualquer pessoa, inclusive o proprietário do túmulo, pode
violar ou profanar sepultura. Como no delito anterior, a violação
se sepultura é também um crime vago, sendo sujeito passivo a
coletividade.

As ações nucleares do tipo estão consubstanciadas nos


verbos violar e profanar. Violar é devassar, abrir, descobrir,
destruir, no caso, sepultura ou urna funerária. Com a violação, o
cadáver ou as cinzas do defunto devem ficar expostas, mas não
há necessidade de que sejam removidas. Profanar é tratar com

209
desprezo, ultrajar, macular, aviltar, por exemplo, jogar
excrementos sobre a sepultura ou urna funerária, destruir os
ornamentos, escrever palavras injuriosas, etc.

Furto em sepulturas: haverá crime de furto se o agente violar


a sepultura e subtrair objetos (joias, dinheiro) enterrados junto ao
corpo do falecido. Neste caso, a violação é absorvida pelo crime
de furto, por ser crime meio. Entretanto, se for praticado vilipêndio
(Art. 212), haverá concurso material de delitos, pois para furtar
não é necessário vilipendiar. Damásio e Mirabete entendem
haver concurso material (Art. 210 e 155).

Há quem entenda que a subtração dos dentes de ouro do


cadáver configura o crime do Art. 211, ou mesmo do Art. 210, e
não do Art. 155, pois cadáver é coisa fora do comércio, não
pertence a ninguém.

Furto de objetos da sepultura, sem violação ou profanação,


tipifica o crime do Art. 155 do CP. A ação penal é pública
incondicionada. O elemento subjetivo do tipo é o dolo.

Art. 211 - Destruição, subtração ou ocultação de cadáver

O objeto jurídico deste delito é o sentimento de respeito aos


mortos. Qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo deste delito,
inclusive membro da família. O sujeito passivo é ainda a
coletividade e o Estado.

Trata-se de crime de ações múltiplas ou conteúdo variado.


As ações nucleares típicas são: a) destruir, que significa atentar
contra a existência da coisa, por exemplo, queimar, esmagar o
cadáver ou parte dele. Não é necessário a destruição total; b)
subtrair, significa tirar o cadáver ou parte dele da esfera de

210
proteção da família, vigia do cemitério, etc.; c) ocultar significa
esconder, mas sem que isso implique destruir o cadáver ou parte
dele. Há apenas o desaparecimento do objeto do crime, por
exemplo, após o atropelamento, o agente esconde a vítima, no
interior de uma mata ou a joga em um rio, etc. A ocultação
somente pode ocorrer antes do sepultamento, ao passo que a
subtração pode dar-se antes ou depois do sepultamento.

O objeto material do delito é o cadáver ou parte dele.


Cadáver é o corpo privado de vida, mas que ainda conserva a
forma humana. As cinzas constituem objeto material do deleito
previsto no Art. 212. O natimorto também é cadáver. Não o é o
feto, por não ter chegado à maturação necessária. Fala a lei
também em parte do cadáver.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. A ação penal é


pública incondicionada.

Haverá concurso material de crimes se o agente matar a


vítima e depois destruir ou ocultar o seu cadáver (Art. 121 e 211).

Art. 212 - Vilipêndio a cadáver

Protege a lei o sentimento de respeito aos mortos. Os


sujeitos deste delito são os mesmo do delito anterior.

O tipo tem como núcleo o verbo vilipendiar, que significa


ultrajar, tratar com desprezo, no caso o cadáver e suas cinzas. O
vilipêndio pode ser praticado de diversos modos, por exemplo,
atirar excrementos no cadáver, proferir palavrões contra ele,
praticar atos sexuais com ele. A ação criminosa deve se dar
sobre ou junto ao cadáver ou suas cinzas.

211
O objeto material é o cadáver ou suas cinzas. Cinzas
humanas constituem os resíduos da combustão ou cremação do
corpo. Segundo Noronha, a “vontade da lei é tutelar não só as
cinzas, e o cadáver, mas também o esqueleto”.

Os sujeitos do delito e o elemento subjetivo são os mesmo


do delito anterior. A ação penal é pública incondicionada.

Se o agente violar sepultura e ultrajar cadáver, por exemplo,


jogando sobre ele excrementos, haverá concurso formal de
crimes (Art. 210 e 212).

TÍTULO VI - DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

Redação da Lei nº 12.015/2009

O Título VI do CP, com a nova redação dada pela Lei


12.015/09, passou a prever os chamados crimes contra dignidade
sexual, modificando a redação anterior constante do referido
Título, que previa os Crimes contra os Costumes, terminologia já
ultrapassada.

As modificações ocorridas na sociedade trouxeram novas e


graves preocupações. Ao invés de procurar proteger a virgindade
das mulheres, agora o Estado está diante de outros desafios,
como a exploração sexual de crianças.

Através desse novo diploma legal, foram fundidas as figuras


do estupro e do atentado ao pudor em um único tipo penal, que
recebeu o nome de estupro. Além disso, foi criado o delito de
estupro de vulneráveis (Art. 217-A), dentre outras modificações.

212
CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

Art. 213 - Estupro

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a


ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso: Pena: reclusão, de 06 a 10 anos.

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave


ou se a vítima é menor de 18 ou maior de 14 anos: pena:
reclusão, de 8 a 12 anos.

§ 2º Se da conduta resulta morte: pena: reclusão de 12 a 30


anos.

O objeto jurídico protegido pelo tipo penal é a liberdade


sexual. O legislador unificou os crimes similares de estupro e
atentado violento ao pudor, sob a única denominação – estupro.
Denomina-se tal delito como toda a forma de violência sexual
para qualquer fim libidinoso, incluindo, por óbvio a conjunção
carnal.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, assim como o


passivo. É possível haver estupro cometido por homem contra a
mulher, de homem contra homem, de mulher contra mulher e de
mulher contra homem.

Da mesma forma, a mulher casada poderá ser vítima do


marido, assim como a prostituta, ou pessoa de má fama ou
garoto de programa.

213
Quanto ao elemento subjetivo do tipo permanece o mesmo,
ou seja, o dolo.

A expressão conjunção carnal possui interpretação restritiva,


significando a introdução do pênis na vagina. Conjunção carnal é
espécie do gênero ato libidinoso. O revogado 214 – atentado
violento ao pudor, falava em ato libidinoso, diverso da conjunção
carnal. Dava a ideia de qualquer outro ato libidinoso. Agora, com
a nova redação, o legislador fundiu os conceitos em um só tipo
penal.

Quanto à consumação, em se tratando de conjunção carnal,


não se exige a completa introdução peniana na vagina, nem a
ejaculação. No tocante a outro ato libidinoso, a forma
consumativa é mais ampla. Basta o toque físico para gerar a
lascívia ou o constrangimento efetivo da vítima a se expor
sexualmente ao agente. Porém, somente o caso concreto poderá
delimitar a finalização do iter criminis, permitindo-se visualizar a
consumação.

Quanto aos objetos, a pessoa que sofre o constrangimento é


o objeto material do delito; já o objeto jurídico é a liberdade
sexual.

O novo delito de estupro possui a seguinte classificação:


crime comum quanto aos sujeitos, de forma livre, material
(demanda resultado – tolhimento da liberdade sexual), comissivo,
instantâneo, de dano, unissubjetivo (pode ser cometido por um só
agente) e plurissubsistente (praticado em vários atos).

Quanto à possibilidade de concurso de crime, altera-se


substancialmente, não havendo mais possibilidade de existir

214
concurso material de estupro e atentado violento ao pudor. Se o
agente constranger a vítima e manter conjunção carnal e cópula
anal estará cometendo crime único (estupro), pois a figura típica
passa a ser mista alternativa. Já em relação ao crime continuado,
ocorrerá somente se o agente cometer, novamente, em outro
cenário, ainda que com a mesma vítima, outro estupro.

A realização de exame de corpo de delito permanece


desnecessária. Em caso de violência real, faz-se o exame para
se demonstrar a materialidade do estupro. Porém, não se
depende desse exame para condenação, pois o estupro pode ser
praticado em forma que não deixa vestígios.

Não se é exigido contato físico com a vítima, que poderá ser


constrangida a se despir ou praticar atos libidinosos em si mesma
ou em terceiros.

Importante ainda frisar a existência da contravenção


penal de importunação ofensiva ao pudor (Art. 61, LCP)
“importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de
modo ofensivo ao pudor. Portanto, atos de pouca importância,
não devem ser classificados como estupro, e sim como
contravenção penal.

Nas modalidades qualificadas do Art. 213 (§§ 1º e 2º),


deslocou-se parte do Art. 223, que foi revogado expressamente.

No § 1º, trata-se de lesão grave causada na vítima em


virtude do constrangimento, sendo conduta preterdolosa.
Menciona ainda o fato da vítima ser menor de 18 e maior de 14
anos. Se for menor de 14 o crime será o do Art. 217-A.

215
Já o § 2º se refere à morte da vítima, sendo que a pena foi
então fixada em 12 a 30 anos de reclusão.

O crime de estupro em todas as suas formas são condutas


hediondas.

Há que se diferenciar ainda o crime de estupro da


contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, prevista
no Art. 61 da LCP “ Importunar alguém, em lugar público ou
acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”.

Atos ofensivos ao pudor, como passar a mão nas pernas da


vítima, devem ser considerados uma contravenção penal, e não
um crime. Outro exemplo e o chamado beijo lascivo. Ao crime
(estupro), é preciso reservar o ato realmente lascivo, que serva
para satisfazer a ânsia sexual do autor, que se vale da violência
ou da grave ameaça.

Art. 215 - Violação Sexual mediante fraude

“Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com


alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a
livre manifestação de vontade da vítima”. Pena: reclusão de 2 a 6
anos.

Parágrafo único: Se o crime é cometido com o fim de obter


vantagem econômica, aplica-se também a multa.

Houve aqui a junção dos antigos 215 e 216. A pena, no


entanto, dobrou.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, assim como o


sujeito passivo. O tipo misto alternativo, comportando a

216
realização de mais de um ato, mas implicando na punição por um
só crime.

O elemento subjetivo continua sendo o dolo. Embora de rara


configuração, é possível imaginar a violação sexual mediante
fraude (ardil, engodo). Entretanto a expressão “ou outro meio que
impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”,
pode gerar confusão com o disposto no Art. 217-A, § 1º, onde se
prevê o estupro de vulnerável com pessoa que não tenha
discernimento suficiente ou que, por qualquer causa, não possa
oferecer resistência. Exemplo: Se o agente se aproveita da
embriaguez da vítima, que não tem condições de oferecer
resistência, e com ela mantiver relação sexual, deverá responder
por violação sexual (Art. 215) ou por estupro de vulnerável (Art.
217-A, § 1º)? Resposta: Deve-se analisar o grau de resistência da
vítima, o grau de perturbação da sua livre manifestação. Quando
houver resistência relativa, alguma condição de se entender o
ato, estaremos diante do artigo ora estudado. Contudo, havendo
resistência nula, sem qualquer condição de entender o que se
passa, deve-se ter em mente o 217-A.

A fraude faz com que o consentimento da vítima seja


viciado, pois que se tivesse conhecimento da realidade não
cederia aos apelos do agente.

Outro exemplo deste delito (Art. 215) é o médico que ao


atender a paciente em seu consultório, venha a realizar, de forma
desnecessária o exame de toque, simplesmente com a finalidade
de satisfazer a sua libido (pastor, padre, etc.).

Art. 215-A – Importunação sexual – incluído pela Lei nº


13.718/2018

217
Este dispositivo criado pela Lei nº 13.718 de 24/09/2018
trata da conduta de “praticar contra alguém e sem a sua anuência
ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a
de terceiro”, à qual é cominada pena de reclusão, de um a cinco
anos, se o fato não constitui crime mais grave.

À evidência, a conduta surge na esteira dos numerosos


casos em transportes públicos em que o agente esfrega seu
órgão sexual contra o corpo da vítima, ou mesmo se masturba e
nela conscientemente ejacula, situações para as quais não existia
uma subsunção precisa.

No que concerne à masturbação, por exemplo existiam


diversas posições: (a) crime de estupro (art. 213 do CP,
adotando-se a vaga e criticável ideia de violência simbólica); (b)
estupro de vulnerável (art. 217-A do CP, especialmente quando a
vítima era atingida em situação de temporária vulnerabilidade,
como ao dormir no transporte público); (c) violação sexual
mediante fraude (para quem deixava de lado a interpretação
analógica exigida pelo art. 215 do CP); (d) ato obsceno (que
considerávamos a mais correta, em que pese a
inconstitucionalidade do art. 233 do CP, apontada por boa parte
da doutrina nacional); e a contravenção penal de importunação
ofensiva ao pudor, que se encontrava no art. 61 da LCP e foi
revogada pela lei ora em apreço.

Teoricamente, a nova incriminação alcança boa parte


dessas situações.

De início, já parece criticável a expressão “praticar contra”. É


uma inovação em relação aos crimes de estupro e estupro de
vulnerável, que usam a palavra “com”, ao invés de “contra”.

218
Quando a norma diz praticar “com”, a palavra pressupõe que o
ato recaia sobre o corpo da vítima, ainda que está adote uma
postura passiva, ou que não haja contato físico entre autor e
vítima.

Por exemplo, apalpar os seios da vítima enquanto está


distraída é um ato praticado com a vítima; obrigar a vítima a se
desnuar e contemplar seu corpo nu, também (não se quer dizer,
com isso, que em ambos os casos haja estupro ou estupro de
vulnerável; os exemplos se limitam à expressão estudada).

Em ambos os casos, o ato é praticado com a vítima. “Contra”


a vítima, imaginamos, pode contemplar a hipótese em que esta é
atingida pelas consequências do ato praticado pelo agente,
resultado por ele pretendido. Por exemplo, ejacular sobre a
vítima, ainda que não haja qualquer toque em seu corpo ou sem
qualquer participação corporal desta no ato libidinoso em si,
embora não seja um ato praticado “com” a vítima, é praticado
“contra” ela.

Outro ponto importante: se o dolo do agente não é o de


praticar o crime “contra” a vítima, mas esta é atingida por
descuido ou acidente, não se caracteriza o crime do art. 215-A. O
sujeito que, se masturba em um coletivo sem a intenção de
ejacular sobre ninguém, mas cujo esperma acaba respingando
em outrem, pratica crime diverso (possivelmente, ato obsceno,
mas para quem advoga a inconstitucionalidade do delito, a
conduta é atípica).

Aliás, o crime de importunação exige um especial fim de


agir, qual seja, a intenção de satisfazer a lascívia própria ou de
terceiro. Essa intenção abrange o fato de a conduta ser praticada

219
“contra” a vítima. Em outras palavras, essa é a forma através da
qual o agente alcança a satisfação da lascívia.

Falecendo a intenção, o crime muda, ou deixa de existir.


Exemplificando: o agente que, num rompante, levanta a saia de
uma mulher para humilhá-la em público, pratica injúria real (art.
140, § 2º, CP), não importunação, ainda que eventualmente
revele sua nudez.

É um tipo penal expressamente subsidiário.

Art. 216-A - Assédio Sexual

A Lei nº 10.224/01 incluiu no capítulo dos crimes contra a


liberdade sexual o delito de assédio sexual. Protege esse
dispositivo a liberdade da pessoa, quando está submetida a
outrem numa relação de poder, em decorrência de superioridade
administrativa ou trabalhista.

A conduta típica é constranger alguém, que significa, além


de forçar, coagir, obrigar, sentidos empregados nos delitos dos
Artigos 146, 213 e 214, mas também significando incomodar,
tolher a liberdade, cercear, embaraçar, molestar a pessoa da
vítima.

Como a lei não esclarece os meios de execução, todos


devem ser admitidos (crime de ação livre), com por exemplo,
atos, gestos, palavras, convites expressos ou mesmo com
insinuações implícitas. Tais atos não podem ser confundidos com
simples flerte ou gracejo. Da mesma forma, não basta que o
patrão conte uma anedota que a vítima fique envergonhada.
Também não configura o delito, simples elogios ou convite para
jantar, já que isso não é algo constrangedor.

220
Para que haja o crime, é indispensável que o sujeito ativo se
prevaleça da sua condição de superioridade, de sua relação de
mando no trabalho, seja ele público ou particular, e que exista por
parte da vítima o temor de ser demitida, que não consiga
promoção, etc.

Na hipótese de hierarquia existe um superior e um


subalterno, o que não ocorre na hipótese de ascendência, em
que o agente goza de prestígio, influência em relação à vítima.

Se o assédio for feito pelo subalterno contra seu chefe, o


fato será atípico. Da mesma forma, se o assédio for feito por
superior de um departamento contra inferior de outro. Em ambos
os casos não há hierarquia.

Em razão do veto presidencial ao parágrafo único, somente


o assédio laboral constitui crime, sendo atípico o assédio
proveniente das relações domésticas, de coabitação,
hospitalidade ou aquele proveniente de abuso de dever inerente a
ofício ou magistério.

O sujeito ativo pode ser o homem ou a mulher. Pode


envolver pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto. Da mesma
forma, o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa (homem ou
mulher) que esteja subordinada ao agente ou esteja sob sua
influência.

O tipo subjetivo é o dolo. A ação penal é pública


condicionada a representação. Trata-se de crime formal, cuja
consumação ocorre no exato instante em que o agente importuna
a vítima, independente de obter a vantagem ou favor sexual
visado.

221
A Lei nº 12.015/09, acresceu ao estudado Artigo o § 2º,
porém errou o legislador, pois referido tipo penal não possuiu o §
1º, sendo que não poderia ter § 2º. Apesar desta falha,
estabelece o dispositivo um aumento de pena em até 1/3 se a
vítima é menor de 18 anos. O aumento de pena é boa colocação
uma vez que o menor a partir de 16 anos pode trabalhar (Art. 7º,
XXXIII), e como aprendiz, a partir dos 14 anos de idade. Eventual
assédio a menor de 14 anos, pode constituir crime de estupro de
vulnerável, na forma tentada.

CAPÍTULO I-A

DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL

(CAPÍTULO INCLUÍDO PELA LEI Nº 13.772/2018)

Art. 216-B – Registro não autorizado da intimidade sexual

Este capítulo foi incluído no CP pela Lei nº 13.772 de


19/12/2018, criando o Art. 216-B que narra:

“Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio,


conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de
caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena
- detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”.

Este dispositivo legal além de criar o supracitado artigo,


alterou a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), para reconhecer
que a violação da intimidade da mulher configura violência
doméstica e familiar e alterar o CP para criminalizar o registro não
autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou
libidinoso de caráter íntimo e privado.

222
O artigo em estudo foi criado pois sabe-se que os meios de
comunicação têm evoluído de forma célere e o Direito Penal – a
ultima ratio -, tem sido constantemente acionado para defender
bens jurídicos que outros ramos do direito não têm defendido
satisfatoriamente. Exemplo disso se trata da neocriminalização
das filmagens não consentidas de atos sexuais (CP, art. 216-B),
que se tornaram comum nos últimos anos, causando abalos
psicológicos e irreparáveis em diversas vítimas.

Em resumo, citamos a disposição contida no art. 1º da novel


Lei nº. 13.722/2018: “Art. 1º Esta Lei reconhece que a violação da
intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e
criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com cena de
nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado”.

Em seu parágrafo único o dispositivo discorre que na mesma


pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio
ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de
nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo”.

CAPÍTULO II

DOS CRIMES SEXUAIS DE VULNERÁVEIS

Art. 217-A - Estupro de vulnerável

Grupo de vulnerável é o conjunto de pessoas que por


questões ligadas a gênero, idade, condição social, deficiência e
orientação sexual, tornam-se mais suscetíveis à violação de seus
direitos.

223
Estupro de vulnerável é a conjunção carnal ou ato libidinoso
com o menor de 14 anos. A presunção de violência antes prevista
no Art. 224, “a”, tornou-se agora crime de estupro de vulnerável,
punindo-se toda relação sexual com o menor de 14 anos.

O objeto jurídico aqui é a liberdade sexual do menor de 14


anos. Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; e o sujeito passivo
é qualquer pessoa menor de 14 anos.

O tipo penal é de forma livre, podendo ser cometido por


qualquer meio. Poderá ser com violência real ou grave ameaça,
com consentimento, fraude, etc.

Já o § 1º estabeleceu que incorre nas mesmas penas quem


pratica as ações do caput (conjunção carnal ou ato libidinoso)
com alguém que por enfermidade ou deficiência mental, não tem
o necessário discernimento para a prática do ato, ou não possa
oferecer resistência. O legislador estabeleceu aqui que está
incurso nas penas do estupro de vulnerável aquelas situações de
violência presumidas previstas nas alíneas “b” e “c” do revogado
Art. 224, das disposições gerais.

Não se falou no § 1º a idade da vítima, incluindo-se os


maiores e o menores de idade.

O § 2º foi vetado, sendo que os §§ 3º e 4º do estudado Art.


fala em lesão corporal e natureza grave e morte,
respectivamente, eventualmente causadas com a conduta do
agente.

Outrossim, a Lei nº 13.718/2018 incluiu no artigo em baila o


§ 5º, que narra que as penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e
4º no Art. 217-A, aplicam-se independentemente do

224
consentimento da vítima ou de fato de ela ter mantido
relações sexuais anteriores.

O dispositivo tenta sepultar a antiga discussão sobre o


caráter relativo ou absoluto da presunção de violência, prevista
no art. 224 do CP até este ser revogado pela Lei nº 12.015/2009,
e sobre a interpretação do art. 217-A, criado pela mesma lei.

A ação penal, nos crimes contra a liberdade sexual e contra


vulneráveis, foi transformada em ação pública incondicionada,
sepultando a regra anterior que previa a representação do
ofendido como regra nos crimes contra a liberdade sexual. O
estupro, a violação sexual mediante fraude, a importunação
sexual e o assédio sexual, doravante, não mais exigem condição
de procedibilidade.

Discorrer sobre a relatividade das antigas causas de


presunção de violência do Art. 224, hoje estupro de vulnerável.

Art. 218 - Corrupção de menores

A Lei nº 12.015/09, dando nova redação ao Art. 218 do CP,


passou a entender como corrupção de menores o fato de induzir
alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem.
Trata-se, na verdade, de uma modalidade especial de lenocínio
(satisfazer a lascívia alheia).

A nova redação do artigo em estudo mudou


significativamente os elementos do tipo, uma vez que passou a

225
incriminar o agente que induz alguém menor de 14 anos a
satisfazer a lascívia de outrem.

Assim, por exemplo, poderia o agente induzir a vítima a


fazer ensaio fotográfico nua, tomar banho na presença de
alguém, ficar deitada sem roupas, praticar automasturbação,
fazer danças eróticas, seminua, strip-tease, etc., pois essas
cenas satisfazem a lascívia de alguém, que atua como voyer –
observador.

Importante frisar que em nenhum momento a vítima menor


de 14 anos poderá ser submetida a conjunção carnal ou a outros
atos libidinosos, o que tipificaria o crime de estupro de vulnerável
217-A.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, homem ou mulher.


Igualmente, o sujeito passivo é qualquer pessoa, menor de 14
anos.

O bem jurídico protegido é a dignidade sexual do menor de


14 anos, bem como o direito a um desenvolvimento sexual
condizente com a sua idade.

O objeto material é a pessoa contra a qual recai a conduta


pratica pelo agente, o menor de 14 anos.

Quanto ao momento consumativo, embora o núcleo induzir


nos dê a impressão de que a consumação ocorreria no momento
em que a vítima fosse convencida pelo agente a satisfazer a
lascívia de outrem, o delito somente ocorre com a realização, por
parte da vítima, de algum ato tendente a satisfazer a lascívia de
outrem, tratando-se, pois, de crime material.

226
A Lei nº 12.015/09 revogou expressamente a Lei nº 2252/54,
que previa o crime de corrupção de menores, criando o Art. 244-B
do ECA: Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 anos,
com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la.
Pena de reclusão de 1 a 4 anos.

Para se demonstrar a pratica da infração penal em estudo, é


preciso demonstrar que o menor de fato se corrompeu com a
pratica da infração penal. Assim, imagine-se a hipótese em que
um menor tenha participado no cometimento de uma infração
penal. Logo depois se arrepende e deixa de praticar qualquer
outro ato infracional, levando uma vida “normal”. Não se pode
dizer, neste caso, que ele tenha se corrompido. Há divergências.

Da mesma forma, se a vítima já se encontra corrompida, não


se pode cogitar no reconhecimento do delito em estudo, pela
absoluta impropriedade do objeto, a caracterizar crime
impossível.

Art. 218-A - Satisfação de lascívia mediante presença de


criança ou adolescente

Introduzido pela nova lei, podemos apontar os seguintes


elementos que formam a figura típica: a) a conduta de praticar
conjunção carnal ou outro ato libidinoso; b) na presença de
alguém menor de 14 anos; c) ou induzi-lo a presenciar a prática
desses atos; d) com a finalidade de satisfazer a lascívia própria
ou de outrem.

227
Assim, a presença do menor, que a tudo assiste, é um
motivo também de prazer sexual para o agente.

Fala ainda o artigo em induzir o menor a presenciar tais


atos, o que nos dá a ideia de que o agente havia convencido o
menor a presenciar atos sexuais.

Objeto material e objetividade jurídica, continua sendo o


menor de 14 anos e o desenvolvimento e a dignidade sexual do
menor.

Sujeito ativo é tanto o agente que pratica atos sexuais


presenciados por menor, ou o terceiro que satisfaz a sua lascívia
sabendo da presença do menor naquele local. Sujeito passivo é o
menor de 14 anos, que presencia o ato libidinoso.

Nada impede que o menor presencie o ato pela internet, ou


presencie cenas pornográficas através da rede.

Art. 218-B – Favorecimento da prostituição ou outra forma de


exploração sexual de vulnerável

Também inserido no código pela Lei nº 12.015/09 e com


redação dada pela Lei nº 12.978/2014, criou-se uma modalidade
especial de delito de favorecimento da prostituição, com a
diferença que a vítima é alguém considerada vulnerável.

Compõem esta figura típica os seguintes elementos: a) as


condutas de submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra
forma de exploração sexual; b) alguém menor de 18 anos; c) ou
que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato; d) facilitando ou dificultando
que a vítima a abandone.

228
O bem jurídico protegido e tanto a moralidade e o
desenvolvimento sexual do vulnerável, num sentido mais amplo,
a dignidade sexual. Já o objeto material é o vulnerável.

Qualquer pessoa poderá ser o sujeito ativo deste delito. A


vítima, será somente o menor de 18 anos ou que por enfermidade
ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento para
a prática do ato.

Consuma-se por meios das condutas de subjugar, induzir ou


atrair a vítima ao comércio carnal, ou seja, atividades próprias
características da prostituição, com a colocação de seu corpo à
venda, mesmo que não tenha, ainda, praticado qualquer ato
sexual com algum “cliente”. Desta forma, o fato de estar em um
bordel, nas casas de massagem, com a finalidade de vender o
corpo, já seria suficiente para efeitos de caracterização do delito,
pois a vítima já fora, efetivamente, subjugada, induzida ou atraída
a prostituir-se.

No que diz respeito à facilitação, entende-se por consumado


o delito com a prática, pelo agente, do comportamento que, de
alguma forma, facilitou, concorreu para que a vítima praticasse a
prostituição. Exemplo: arrumar o local, ponto, clientes, etc.

Consuma-se também a figura típica mediante impedimento


ao abandono da prostituição, quando a vítima, já decidida a
deixar o meretrício, de alguma forma é impedida pelo agente,
permanecendo no comércio carnal.

O delito restará consumado quando ficar provado que o


agente, de alguma forma, dificultou, criando problemas para que

229
a vítima abandonasse a prostituição ou a exploração a que
estava sujeita.

O elemento subjetivo é o dolo, sendo a ação penal pública


incondicionada.

O § 2º do estudado artigo visa punir no inciso I, aquele que


pratica a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém
menor de 18 e maior de 14 anos, nas situações descrita no caput.

Embora a prostituição seja um comportamento lícito,


tolerado pelo direito, em se tratando de menores de 18 anos,
haverá a responsabilidade penal daquele que com eles
praticaram o delito. Para responde pelo delito, o agente tem que
ter conhecimento da idade da vítima. O erro sobre a idade
importará em atipicidade do comportamento.

O inciso II do § 2º, responsabiliza o proprietário, o gerente ou


responsável pelo local em que se verifiquem as práticas da
prostituição ou outra forma de exploração sexual.

Tal descrição, se assemelha ao delito de Casa de


prostituição (Art. 229). No entanto, por envolver vulnerável, as
penas são duas vezes maiores.

Art. 218-C – Divulgação de cena de estupro de vulnerável,


cena de sexo ou de pornografia (Incluído pela Lei nº
13.718/12018)

O tipo penal criado pela Lei nº 13.718/2018 foi inculcado no


recém-criado art. 218-C, CP, com a seguinte redação:

“Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à


venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio –

230
inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de
informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro
audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de
vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem
o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não


constitui crime mais grave”.

Trata-se de incriminação semelhante aos Arts. 241 e 241-A


da Lei n. 8.069/1990 (ECA). Todavia, o ECA se restringe às
imagens de crianças e adolescentes em cenas de sexo explícito
ou pornográficas, ao passo em que o objeto do art. 218-C é mais
amplo, contemplando fotografia, vídeo ou outro registro
audiovisual que contenha: (a) cena de estupro ou de estupro de
vulnerável; (b) apologia ou indução ao estupro ou ao estupro de
vulnerável; (c) cena de sexo, nudez ou pornografia de pessoa que
não consentiu com os verbos incriminados no tipo penal.

A divulgação de cena de estupro (propriamente dito ou de


vulnerável), antes da atual reforma, poderia caracterizar os
crimes dos artigos 286 ou 287 do CP, se houvesse a intenção de
estimular a prática do crime sexual; crime do ECA (Arts. 240, 241
ou 241-A), em sendo a vítima criança ou adolescente; ou
difamação (art. 139 do CP), em caso de vítima adulta e
comprovada a intenção de atingir a vítima em sua honra.

Em outras palavras, o caráter criminoso da conduta ficava


atrelado às circunstâncias do caso concreto, podendo até mesmo
se revelar uma conduta atípica. Doravante, a incriminação
específica colmatou a lacuna observada. Saliente-se, ainda, que
a divulgação não autorizada de fotos, vídeos e outras mídias

231
contendo pessoas em cenas íntimas – salvo no caso de crianças
e adolescentes – era tratada como difamação, novamente
impondo-se a demonstração do propósito de atingir a vítima em
sua reputação.

A atual previsão legal é mais taxativa e, pensamos, razoável.


Perceba-se que o dispositivo não incriminou o sexting, que é a
conduta de trocar fotos, vídeos e congêneres com conteúdo
erótico, a fim de excitar a libido de alguém. A prática continua
permitida e é uma decorrência da liberdade sexual, como aspecto
da autonomia da vontade.

Se pessoas querem trocar imagens eróticas entre si, não há


vedação legal sequer para o armazenamento, ao contrário do que
acontece quando há crianças ou adolescentes envolvidos. Pune-
se, no art. 218-C, um comportamento posterior: após a obtenção
da imagem, que pode se dar por qualquer meio, sua difusão
desautorizada.

Não é necessário que a obtenção se dê diretamente por ato


voluntário da vítima, isto é, o sujeito ativo pode conseguir a
imagem de forma clandestina ou através de terceiros.
Suponhamos que uma pessoa instale uma vulnerabilidade em
computador alheio, valendo-se desse expediente para ter acesso
remoto à máquina, o que lhe permite a ter acesso às fotos da
vítima nua, por exemplo.

A obtenção, nesse caso, configura o crime do art. 154-A do


CP. Posterior divulgação, crime do art. 218-C. Outro exemplo: a
mulher repassa ao namorado uma foto em que aparece nua e
esse namorado, sem autorização, divulga a foto em um grupo de
WhatsApp. Vários dos participantes desse grupo armazenam a

232
foto consigo e um deles confere nova publicidade, publicando-a
em um site de fotos eróticas.

O namorado, ao obter a foto, não comete crime algum, mas


sim ao repassá-la; os integrantes do grupo de WhatsApp que
armazenaram a foto, igualmente não cometem crime, desde que
não tenham estimulado a divulgação (se estimularam, são
partícipes da conduta do namorado), mas aquele que expôs a
foto a pessoas indeterminadas, comete o crime do art. 218-C.
Pensamos, inclusive, que os administradores do site, desde que
tenham ciência de que a foto ali se encontra publicada de forma
não autorizada, cometem o mesmo delito.

O último exemplo é interessante para que se trabalhe a


causa de aumento da pena prevista no § 1º do art. 218-C,
aplicável ao sujeito ativo que mantenha ou tenha mantido relação
íntima de afeto para com a vítima (namorado, marido,
companheiro, ex-namorado, ex-marido e ex-companheiro).

A majorante não se aplica às relações de parentesco entre


ascendentes e descendentes, ou entre colaterais, embora, nessa
hipótese, possa ser usado o art. 226, II, do CP, que aumenta a
pena em metade. A situação, portanto, é curiosa: se a mídia
audiovisual é exposta pelo ex-marido, por exemplo, a pena pode
ficar mais suave ou mais gravosa do que na exposição feita pelo
pai ou pelo irmão, pois a majoração prevista no § 1º do art. 218-C
começa em 1/3 (inferior ao aumento de pena do art. 226, II) e
termina em 2/3 (patamar superior).

Em relacionamentos fugazes, como nos flertes em redes


sociais, pensamos não ser aplicável a majorante, salvo se

233
demonstrada a afetividade, não sendo suficiente as conversas
com propósito meramente libidinoso.

Há outra causa de aumento de pena prevista no dispositivo:


quando o crime é praticado por vingança ou com o fim de
humilhação (naquilo que se convencionou chamar de porn
revenge). Nessa hipótese, dispensa-se a afetividade, bastando o
especial fim de agir.

Caso a imagem contenha duas ou mais pessoas filmadas ou


retratadas, todas em cena de sexo, nudez ou pornográfica,
teremos concurso formal de crimes. O número de crimes será
equivalente ao número de pessoas que foram expostas de forma
não autorizada.

O § 2º traz uma hipótese de exclusão da ilicitude,


concernente ao uso de vídeos, fotos ou outros registros
audiovisuais em atividade jornalística, científica, cultural ou
acadêmica, desde que preservada a identidade da vítima. Por
exemplo, em uma revista médica, o ginecologista publica a foto
de uma lesão pubiana ilustrando ponderações científicas, mas
sem expor a identidade da vítima.

Nessa hipótese, a conduta, parece-nos, é amparada pelo


exercício regular de um direito (o que, dependendo da posição
doutrinária adotada, afasta a ilicitude ou a tipicidade do
comportamento. Se houver autorização da vítima, o fato sequer é
típico.

CAPÍTULO IV

234
DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 225 - Ação Penal

Pela antiga redação do Art. 225, em regra a ação penal, nos


crimes contra os costumes eram de ação condicionada à
representação da vítima, com algumas exceções em que a ação
penal era pública.

A nova redação legal, trazida pelo advento da Lei nº


13.718/2018 estabelece que o padrão (REGRA) passou a ser a
ação penal pública incondicionada, para todos os crimes
definidos nos capítulos I e II do presente Título, revogando
expressamente o parágrafo único do presente artigo.

Entretanto tal mudança é criticada, pois os contrários alegam


que a vítima face ao novo dispositivo perdeu o poder sobre o
próprio corpo, sendo a tutela exclusiva ao próprio Estado, e em
casos quais a vítima não queira se expor face aos fatos, não teria
mais essa escolha de se preservar.

Por outro lado, a corrente que aprova a mudança alega ser


necessário que o Estado aja de maneira potestativa face a um
crime tão grave.

Art. 226 - Causas de aumento de pena

Os crimes contra a dignidade sexual, catalogados nos


Capítulos I a IV, deste Título, receberam um aumento de pena, 4ª
parte se ocorrer a hipótese do inciso I deste artigo; e de metade,

235
se ocorrer as hipóteses do inciso II. O inciso III foi expressamente
revogado pela lei 11.106/05.

São hipóteses que dificultam a defesa da vítima, violam os


princípios morais, familiares, além do abuso da autoridade
exercida sobre a vítima. Em todas essas hipóteses o legislador
considerou o maior desvalor da ação.

A 1ª hipótese (inciso I), baseia-se na quantidade de agentes.


A majorativa funda-se na maior periculosidade que decorre da
associação. É cabível tanto na coautoria quanto na participação.

Nas hipóteses do inciso II, com nova redação dada pela Lei
nº 13.718/18, o legislador entendeu ser necessário a majoração
da pena por ser delito cometido por pessoas que exercem
autoridade sobre a vítima. A lei descreve inicialmente, uma série
de hipóteses especificas, e, ao final, utiliza-se de forma genérica
para abranger toda e qualquer relação de fato ou de direito que
implique autoridade sobre a vítima. Como por exemplo, do
carcereiro sobre a presa, do amásio da mãe da vítima, etc.
Preceptor é sinônimo de mestre, mentor.

O fundamento da exasperação da pena é a circunstância do


sujeito ativo ser o orientador da vítima, tendo obrigação legal de
velar por sua integridade.

A nova lei também incluiu o inciso IV, que prevê o aumento


de pena de 1/3 a 2/3, se o crime é praticado mediante concurso
de 2 ou mais agentes (a), ou para controlar o comportamento
social ou sexual da vítima (b).

236
CAPÍTULO V

DO LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS

Art. 227 - Mediação para servir à lascívia de outrem

A prostituição é uma fatalidade da vida social, sendo


conhecida desde os tempos mais remotos. Mas como a
prostituição, em si mesma, não atinge nenhum bem jurídico, não
constitui delito. Entretanto, o legislador não deixou de reprimir
aquele que contribui para ela.

Lenocínio é o fato de prestar assistência à libidinagem de


outrem, ou dela tirar proveito. A diferença entre o lenocínio e os
outros crimes sexuais, está em que, naquele o agente não quer
satisfazer a própria lascívia, mas a alheia, por meio da pratica
sexual.

O Art. 227 define o crime de servir à lascívia de outrem,


sendo que as formas qualificadas estão previstas nos parágrafos
do artigo.

O objeto jurídico é a disciplina da vida sexual, de acordo


com os bons costumes, a moralidade pública e a organização da
família.

Tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeitos (ativo e


passivo) deste delito. Se a vítima for pessoa inteiramente
corrompida, não haverá crime.

A ação tipificada consiste em induzir, isto é, persuadir,


aliciar, levar alguém a satisfazer a lascívia de outrem. O agente
visa, com sua conduta, satisfazer os desejos sexuais de outrem e
não a própria.

237
Lascívia é a sensualidade, luxuria, libidinagem. Pode ocorrer
de qualquer modo.

O parágrafo 1º descreve uma série de qualificadoras que se


referem à idade da vítima, 14 a 18 anos, ou à relação de
parentesco ou vínculos entre agente e vítima. Essas
qualificadoras aplicam-se também aos crimes de favorecimento
da prostituição, rufianismo e tráfico de pessoas.

A segunda parte do parágrafo 1º do Art. 227 contempla o


denominado lenocínio familiar, praticado por ascendentes,
descendentes, marido, irmão, tutor ou curador da vítima, etc. A
enumeração contida no artigo é taxativa. Padrasto e enteado não
qualificam o delito.

Já o parágrafo 2º pune mais severamente o delito


quando cometido com emprego de violência, grave ameaça ou
fraude. Se da violência resultarem lesões corporais leves, o
agente responderá também pelo crime do Art. 129, caput, do CP,
por haver disposições expressa neste sentido.

Por último, se o crime for cometido com o fim de


lucro, será aplicado também pena de multa. Não é necessário
que o sujeito ativo efetivamente obtenha lucro. Basta o propósito
de auferir vantagem econômica.

Não se confunde com o crime de favorecimento da


prostituição (Art. 228), pois, no crime em estudo, a vítima não é
prostituta.

A regra deste parágrafo terceiro também se aplica aos


crimes de favorecimento da prostituição e rufianismo.

238
O tipo subjetivo é o dolo, e o elemento subjetivo do tipo é
representado pelo especial fim de satisfazer a lascívia de outrem.

A ação penal, como em todos os crimes deste capítulo é


pública incondicionada.

Art. 228 - Favorecimento da Prostituição

Prostituição é o modo de viver da pessoa, constituindo em


entregar-se sexualmente a quem solicita, mediante o recebimento
de preço. A prostituição a que se refere a lei pode ser masculina
ou feminina. Por esta razão, os sujeitos do delito (ativo e passivo)
podem ser qualquer pessoa, homem ou mulher, sem nenhuma
condição especial. Até a pessoa já prostituída pode ser vítima
deste crime, uma vez que o tipo fala em “facilitar ou impedir que
alguém a abandone”.

O bem jurídico protegido é a moralidade pública sexual


objetivando evitar o incremento da prostituição.

O tipo possui núcleo composto. A ação física é representada


pelos verbos “induzir”, que significa persuadir, incitar, levar,
“atrair”, que é induzir de forma menos direta, dissimulada, não tão
as claras como induzir, “facilitar”, que tem o significado de
auxiliar, tornar mais fácil. EX. arranjar clientes para a vítima,
coloca-la em ponto estratégico, etc., e “impedir”, opor-se ou
impossibilitar que alguém abandone a prostituição.

O fim de lucro é dispensável. Se este, todavia, estiver


presente, o crime será qualificado, nos moldes do parágrafo 3º do
artigo.

239
Também qualifica o delito o fato do delito ser cometido com
emprego de violência, grave ameaça ou fraude. (§ 2º).
Finalmente, se a vítima for menor de idade (14 a 18 anos), ou o
autor for ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou
curador da vítima, o delito também será qualificado. (§ 1º).

O dolo é o tipo subjetivo deste delito, sendo que o elemento


subjetivo do tipo é representado pelo fim especial de levar alguém
a prostituição ou impedir que dela saia.

A ação penal é pública incondicionada.

Observação: aquele que se serve da ação criminosa, isto é,


que se aproveita da vítima para satisfazer sua lascívia não é
coautor do crime, pois a finalidade exigida do tipo é satisfazer a
lascívia de outrem, e não a própria. Vítima maior de 18 anos. Se
menor, vide Art. 218-B.

Art. 229 - Casa de Prostituição

É o local onde as prostitutas exercem o comércio carnal. O


núcleo do tipo é o verbo “manter”, que significa conservar,
permanecer, sustentar, prover.

A conduta de manter casa de prostituição ou lugar destinado


a encontros libidinosos exige habitualidade, ou seja, que o sujeito
conserve o local de forma a permitir a reiteração de atos. Assim,
uma só ação não tipifica o delito.

Casa de prostituição é o imóvel onde permanecem as


prostitutas à espera de seus clientes. Lugar destinado a
encontros libidinosos, são locais diferentes dos prostíbulos,
destinados a encontros para a prostituição. São os falsos hotéis e

240
pensões, que são usualmente utilizados para encontro com
prostitutas. Ao dispositivo interessa qualquer local em que haja
prostituição.

A tendência atual é considerar o conceito de “lugar


destinado a encontros para fim libidinoso” restrito ao encontro
para a prostituição, consoante o título do crime do Art. 229, e não
encontro libidinoso. Desta forma, motel não configura o delito,
pois não tem a finalidade de prostituição. Não há comércio carnal.
O mesmo se diga do “drive in”. Já, saunas, casas de massagem,
“relax for men”, configuram, pois, os funcionários se prestam a
prostituição, tendo por intermediário o dono da casa ou o gerente,
porém, há decisões em sentido contrário.

Além dos motéis, os hotéis de alta rotatividade, destinados a


encontros de namorados, amantes ou companheiros, cônjuges,
casais, para fins libidinosos, que não se confundem com
prostituição.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Exige-se ainda um


especial elemento subjetivo do tipo, consistente na intenção de
satisfazer a lascívia alheia. Não existe punição a título de culpa.

O sujeito ativo é quem mantém a casa de prostituição,


podendo ser tanto homem como mulher. Não comete crime a
prostituta que mantém o lugar e explora sozinha o comércio
carnal, sendo apenas imoral. Da mesma forma, o dono de imóvel
alugado a prostitutas não é sujeito ativo deste delito.

Os sujeitos passivos são as pessoas que praticam a


prostituição, podendo ser homem ou mulher. Também é sujeito

241
passivo do crime a sociedade, uma vez que o delito ofende os
bons costumes.

A ação penal é pública e incondicional.

Art. 230 – Rufianismo

É uma forma de lenocínio. Uma vez que alguém presta


assistência a libidinagem de outrem ou dela tira proveito.

A ação tipificada é tirar proveito da prostituição alheia, isto é,


auferir vantagem, aproveitar-se economicamente de pessoa que
exerce a prostituição. Há duas modalidades de aproveitar-se: a)
participando diretamente dos lucros, onde o agente participa dos
lucros como um verdadeiro sócio da prostituta; b) fazendo-se
sustentar por quem exerça a prostituição.

Nas duas hipóteses, é indispensável à habitualidade. A


simples vantagem ocasional ou recebimento ocasional de um
presente não tipificam o delito. Fala a lei ainda em prostituição
alheia, significando que deve tratar-se efetivamente de prostituta
e não simplesmente de mulher que vive às expensas de amantes
determinados.

O sujeito ativo é o rufião, podendo ser qualquer pessoa,


homem ou mulher. O sujeito passivo é a pessoa que exerce a
prostituição, também podendo ser homem ou mulher. O crime
persiste ainda que a iniciativa do sustento parta da própria vítima.

Os parágrafos 1º e 2º do Art. 230 preveem formas


qualificadas do delito de rufianismo.

242
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, ou seja, a vontade de,
habitualmente, tirar proveito da prostituição alheia. A ação penal é
pública incondicionada.

Art. 231 - Tráfico Internacional de Pessoas (Revogado pela


Lei nº 13.344/16 – substituído pelo Art. 149-A)

Art. 231 - (Revogado pela Lei nº 13.344/16 – substituído pelo


Art. 149-A)

Art. 232-A - Promoção de migração ilegal

Art. 232-A. Promover, por qualquer meio, com o fim de obter


vantagem econômica, a entrada ilegal de estrangeiro em território
nacional ou de brasileiro em país estrangeiro:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem promover, por qualquer meio,
com o fim de obter vantagem econômica, a saída de estrangeiro do
território nacional para ingressar ilegalmente em país estrangeiro.
§ 2º A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se:
I – o crime é cometido com violência; ou
II – a vítima é submetida a condição desumana ou degradante.
§ 3º A pena prevista para o crime será aplicada sem prejuízo das
correspondentes às infrações conexas.

Considerações iniciais

A Lei nº 13.445/17, revogou o Estatuto do Estrangeiro para


instituir a Lei de Migração. Dentre suas disposições, o art. 115
acrescentou ao Código Penal o art. 232-A, tipificando como crime
a promoção de migração ilegal.

Destacamos, inicialmente, a impropriedade da inserção


dessa figura criminosa no Título relativo aos crimes contra a

243
dignidade sexual, especificamente no Capítulo V, que trata do
lenocínio. O crime de promoção de migração ilegal não tem
conotação sexual e não se confunde, de forma alguma, com o
tráfico de pessoas para exploração sexual, que antes da Lei nº
13.344/16 fazia parte do mesmo Capítulo.

Trata-se, simplesmente, de viabilizar a entrada no território


brasileiro de estrangeiro que não cumpre os requisitos legais
estabelecidos na própria Lei de Migração.

A flexibilização das leis migratórias tem sido uma tendência


mundial para facilitar o trânsito de pessoas entre países.
Flexibilizar, no entanto, não significa permitir a entrada e saída de
pessoas sem o atendimento de pressupostos legais que visam a
manter a ordem interna e a evitar o livre trânsito de indivíduos
que podem trazer risco para a segurança dos cidadãos nacionais.
Por isso, ainda que a migração possa, em alguns casos, ser
incentivada, sua promoção ao arrepio da lei deve ser punida.

Tanto é assim que os mais diversos países punem


criminalmente o ato de promover migração ilegal. A Lei de
Estrangeiros de Portugal, por exemplo, pune “Quem favorecer ou
facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegal de
cidadão estrangeiro em território nacional” com prisão de até três
anos (art. 183º). A lei italiana também contempla figura criminosa
que pune com reclusão de um a cinco anos aquele que pratica
conduta dirigida a promover a entrada de estrangeiro no território
italiano violando as disposições do Texto Único sobre Imigração
(art. 12).

Objetividade jurídica

244
A tutela penal recai, sobretudo, na manutenção da soberania
nacional, da qual deriva toda a disciplina para entrada e saída de
pessoas do território brasileiro.

São também objetos jurídicos deste crime, ainda que


mediatos, a segurança nacional e a manutenção da ordem
interna, pois a entrada ilegal de estrangeiros em território
brasileiro impede que os órgãos de imigração tomem
conhecimento de quem está penetrando no país e a que título.

Por fim, como a figura criminosa pune também a promoção


de entrada ilegal de brasileiro em território estrangeiro e a saída
ilegal de estrangeiro para outro país, é possível dizer que se
tutela a manutenção da regular relação entre o Brasil e outros
países.

Sujeitos

O crime é comum, razão por que pode ser cometido por


qualquer pessoa. Note-se, no entanto, que o migrante ilegal não
comete o crime, pois o tipo pune promover a migração de
terceiro, com intuito de obter vantagem econômica.

Será sujeito ativo deste crime quem promover a migração de


terceiro, tanto para dentro do território nacional quanto para fora
dele, visando obter vantagem econômica. Mais precisamente,
pode ser autor deste crime quem promover a entrada ilegal de
estrangeiro em solo brasileiro, como também quem promover a
saída ilegal do Brasil, para ingressar em outro país, neste caso,
tanto de brasileiro quanto de estrangeiro, desde que tenham
saído do Brasil. Contudo, não será sujeito ativo deste crime o
estrangeiro que “for ingressado” no Brasil, nas mesmas

245
circunstâncias, mas somente que promoveu seu ingresso
irregularmente.

O sujeito passivo é o Estado.

Conduta

Consiste a conduta típica em promover, por qualquer meio,


com o fim de obter vantagem econômica, a entrada ilegal de
estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país
estrangeiro.

A ação nuclear de promover a entrada ilegal de estrangeiro


deve ser interpretada de forma ampla, punindo-se quem agencia
a vinda do estrangeiro, quem o transporta para o território
nacional, quem o recebe no momento do ingresso ou quem de
qualquer forma pratica algum ato com o propósito de tornar
possível a entrada do estrangeiro sem a observância das
disposições legais, sendo que a entrada ilegal pode ocorrer tanto
por meio de desvio dos postos de imigração (ex.: o agente
promove a entrada do estrangeiro por fronteira terrestre ou
marítima onde não existe forma de controle) quanto mediante
utilização de meios fraudulentos perante o controle de imigração
(ex.: documentos falsos).

O § 1º contém uma forma equiparada ao caput, consistente


em promover, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem
econômica, a saída de estrangeiro do território nacional para
ingressar ilegalmente em país estrangeiro.

A forma equiparada pune, corretamente, a saída – não a


entrada – de estrangeiro do território brasileiro para ingressar

246
ilegalmente em outro país. Aplicam-se aqui as mesmas
considerações sobre o que se consideram território brasileiro.

Voluntariedade

É o dolo, consistente na vontade consciente de promover a


entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de
brasileiro em país estrangeiro, bem como a saída de estrangeiro
do território nacional para ingressar ilegalmente em país
estrangeiro.

O tipo contém um elemento subjetivo: a finalidade especial


de obter vantagem econômica. Com isso afasta-se a
possibilidade de punição se alguém praticar uma das
modalidades do crime com o intuito de simplesmente auxiliar a
pessoa que pretende ingressar ilegalmente no território nacional
ou em país estrangeiro.

Consumação e tentativa

Nas modalidades tipificadas no caput, consuma-se o crime


com a entrada ilegal do estrangeiro no território nacional ou com
a entrada ilegal do brasileiro em outro país.

Na forma equiparada, a consumação se dá com a saída do


estrangeiro do território brasileiro.

O § 3º estabelece que a pena prevista para o crime será


aplicada sem prejuízo das correspondentes às infrações conexas.
Isso significa que eventuais infrações penais cometidas no
mesmo contexto da promoção de migração ilegal serão punidas
em concurso, sem que seja possível aplicar o princípio da
consunção. Dessa forma, se, por exemplo, a entrada ilegal no

247
território nacional – ou a saída dele – se der por meio da
falsificação de documentos, o agente responde pelo art. 232-A
em concurso material com o crime contra a fé pública.

A tentativa é possível nas situações em que o agente adota


as medidas necessárias para o ingresso ou a saída ilegal do
estrangeiro, mas não alcança seu propósito por circunstâncias
alheias à sua vontade.

Causas de aumento - §2º, I e II

a) O crime é cometido com violência:

Nesse sentido, a violência à pessoa, nos termos previstos neste


parágrafo segundo, consiste no emprego de força contra alguém,
ou seja, contra qualquer pessoa e para caracterizá-la é suficiente
que ocorra lesão corporal leve ou a simples vias de fato, porque a
previsão legal não exige que a violência configure lesão corporal.
Com efeito, o termo “violência” empregado no texto legal significa
a força física, material, a vis corporalis. Embora o legislador penal
não raro equipare a ameaça grave à violência física, não é o caso
desta previsão legal, pois, quando deseja equipará-la o faz
expressamente e, na sua ausência, o intérprete não pode fazê-lo.

b) A vítima é submetida a condição desumana ou degradante:

Não atinamos a razão de ser desta majorante, só pode ser


produto de uma grande desatenção do descuidado legislador. A
referida infração não é executada contra a pessoa, ou seja, a
ação tipificada não é realizada contra ninguém, mas contra uma
abstração, ou seja, contra o Estado.

248
Ação penal

A ação penal é pública incondicionada.

Tendo em vista os bens jurídicos tutelados, a competência é


da Justiça Federal.

CAPÍTULO VI

DO ULTRAJE PÚBLICO AO PUDOR

Art. 233 - Ato Obsceno

É o ato revestido de sexualidade e que fere o sentimento


médio de pudor. Só pode ser ato obsceno aquele que se refira à
sexualidade, não a caracterizando a manifestação verbal obscena
(gostosa), embora possa configurar a contravenção penal de
importunação ofensiva ao pudor.

É necessário que o ato obsceno seja praticado em lugar


público, que é o local acessível a número indeterminado de
pessoas. Exemplo: praça pública. Lugar aberto ao público é o
local acessível a pessoas, ainda que neles só possam penetrar
mediante determinadas condições. Exemplo: cinema, bares, etc.
Lugar exposto ao público, é o local que pode ser visto pelo
público. Exemplo: jardins de residência.

São exemplos de ato obsceno a exposição de órgãos


sexuais, seios, nádegas, práticas de atos libidinosos em local
público. A micção voltada para a via pública com exposição do
pênis caracteriza o ato obsceno. Entretanto se a micção for feita
de costas para a rua, é grosseria, mas não tipifica o Art. 233.

249
Ato libidinoso praticado em interior de veículo em local
iluminado, que permita ver o que ocorre ali, é considerado lugar
exposto ao público. Entretanto, não configura o delito, se o ato for
praticado no interior de automóvel, à noite e em lugar ermo.

Se o lugar é público, mas nula a possibilidade de ver o ato,


não se configura.

Qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo deste delito,


homem ou mulher. Sujeito passivo é o titular do objeto jurídico
tutelado que é a coletividade. No caso, o objeto jurídico é o pudor
público, a moralidade pública, no que tange a moralidade pública
no grupo social.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, vontade de praticar


ato obsceno em local público. O dolo pode ser direto ou eventual.
Não existe modalidade culposa.

O crime se consuma com a pratica de ato que ofende a


moralidade pública social. Não é necessário que o ato obsceno
seja presenciado por outrem, mas desde que pudesse sê-lo, ou,
ainda, quando o assistente não se sente ofendido. Trata-se de
um crime formal. A ação penal é pública incondicionada.

Art. 234 - Escrito ou Objeto Obsceno

O objeto jurídico é a moralidade pública sexual. O tipo é


misto, alternativo, ou seja, abriga diversas modalidades de
conduta. Se o sujeito realiza mais de uma dentre as incriminadas,
responde por delito único.

O crime se consuma com a realização de qualquer das


condutas dentre as alternativas descritas. Não é necessário que

250
alguém tenha acesso ao escrito ou objeto obsceno. Basta a
possibilidade de que tal aconteça.

As condutas típicas tipificadas devem ser realizadas para fim


de comércio, distribuição ou exposição pública. Em relação às
obras artísticas, literárias e cientificas é discutível o caráter de
obscenidade, mesmo que tenha o propósito de excitar a
sensualidade. Com o advento da CF de 88, e a evolução e
liberalidade dos costumes, dificilmente as hipóteses dos incisos II
e III serão puníveis, configurando- se a hipótese do princípio da
adequação social. Por essas razões, não se tem punido o dono
do cinema que exibe filme pornográfico, ou o jornaleiro que vende
revistas da mesma natureza.

O tipo subjetivo é o dolo. A ação penal é pública


incondicionada.

CAPÍTULO VII

DISPOSIÇÕES GERAIS

Nos crimes previstos em todo esse Título (dignidade sexual),


a pena será aumentada da metade a 2/3, se do crime praticado
resultar gravidez, e de um 1/3 até 2/3, se o agente transmite à
vítima doença sexualmente transmissível, que sabe ou deveria
saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com
deficiência (Art.234-A – com alteração pela Lei nº 13.718/2018).

Fica ainda estabelecido (Art. 234-B), que os processos em


que se apuram crimes deste Título, correrão em segredo de
justiça. Visa-se com isso resguardar a privacidade das vítimas,

251
sendo que somente as partes, seus procuradores e o MP terão
acesso ao feito.

TÍTULO VII - DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA O CASAMENTO

Art. 235 - Bigamia

A conduta típica consiste no fato de pessoa casada contrair


novas núpcias, sendo pressuposto para o delito a existência
formal de casamento anterior.

A lei tem por finalidade proteger a organização da família,


assentada no princípio do casamento monogâmico.

O sujeito ativo é a pessoa casada (caput). O parágrafo 1º


também aponta como autor do delito, a pessoa que, não sendo
casada contrai casamento com pessoa casada conhecendo esta
circunstância.

Sujeito passivo principal é o Estado. Também são sujeitos


passivos o cônjuge do 1º casamento e o contraente do 2º, desde
que de boa-fé.

O delito se consuma no lugar e no momento em que se


efetiva o novo casamento. O processo de habilitação, do
casamento, que é anterior à celebração constitui mero ato
preparatório, não configurando a tentativa de bigamia, mas crime
de falsidade ideológica.

252
A tentativa é admissível, quando iniciada a celebração do
casamento e esse não se completa. O tipo subjetivo é o dolo e a
ação penal é pública incondicionada.

A separação judicial não extingue o casamento, mas tão


somente a sociedade conjugal, de forma que a pessoa separada
judicialmente que vier a se casar novamente cometera o crime. O
simples casamento religioso, exceto o previsto no Art. 226,
parágrafo 2º da CF, não constitui crime.

Art. 240 - Adultério - REVOGADO PELA LEI Nº 11.106/05.

CAPÍTULO II

DOS CRIMES CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO

Art. 241 - Registro de Nascimento Inexistente

Visa a Lei a tutela da formação da família e a fé pública nos


documentos oficiais. A conduta é registrar, dar causa ao registro
de pessoa que não nasceu.

ESTADO DE FILIAÇÃO É O VINCULO EXISTENTE ENTRE


PAIS E FILHOS.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, uma vez que o


tipo não exige nenhuma qualidade especial. Já os sujeitos
passivos são o Estado, e, em particular, todas as pessoas
prejudicadas com o registro.

253
O delito se consuma no momento em que é feito o registro.
A tentativa é possível quando a efetivação do registro é obstada
por terceiro ou quando o oficial desconfia da documentação
apresentada e não o lavra. Trata-se de crime de mera conduta.

Por se tratar de crime especial, a configuração do crime em


análise afasta a aplicação do crime de falsidade ideológica, que é
uma forma genérica (Art. 299 do CP).

Os meios e os fins visados são irrelevantes. Para a


consecução do delito haverá necessidade de uma afirmação
falsa, feita ao oficial encarregado do registro.

Determina o Art. 111, IV do CP, que o prazo prescricional


passa a correr na data em que o fato se torna conhecido. A ação
penal é pública incondicionada.

Elemento subjetivo é o dolo. Exige-se que o sujeito tenha


conhecimento da inexistência do nascimento que leva a efeito.

A ação penal é pública incondicionada.

Art. 242 - Parto Suposto. Supressão ou Alteração de direito


inerente ao Estado civil de recém-nascido

Os objetos jurídicos são a segurança e certeza do


estado de filiação. A especial proteção que o legislador dispensa
à família para que sejam punidas as condutas que visem a
destruir o liame que liga um indivíduo à sua família.

O tipo apresenta quatro formas de conduta. A primeira é dar


parto suposto como próprio. Consiste em dar (conceber, outorgar)
parto alheio como próprio, onde a mulher atribui a si a
maternidade de filho alheio, em regra, simulando prenhes e parto.

254
É um crime que só pode ser praticado por mulher, cuja
ação incriminada é a de apresentar à sociedade um recém-
nascido como se fosse seu próprio filho. É necessário que a
mulher tenha a intenção especifica de criar uma situação jurídica
em que se faça passar por mãe do infante, introduzindo-o em sua
família. Os sujeitos passivos são o Estado e os herdeiros do
agente.

A consumação ocorre no instante em que é criada uma


situação que importe alteração do estado civil do recém-nascido.

A segunda figura é registrar como seu filho de outrem.


Cuida-se de infração penal em que o agente (homem ou mulher)
promove a inscrição de registro civil de criança declarando tratar-
se de filho próprio, quando, em verdade, cuida-se de filho de
outrem. Respondem também pelo crime, o oficial do Cartório e os
pais verdadeiros, se cientes da intenção dos agentes, colaboram
para a efetivação do registro. Comete ainda crime a pessoa que
passa a viver maritalmente com a gestante, ciente de que ela se
encontra grávida de outro homem, e, após o nascimento, registra
o recém-nascido como sendo filho dele próprio e de sua
concubina.

Os sujeitos passivos são o Estado e as pessoas lesadas


pela conduta. A consumação se dá no momento em que o
registro é efetivado.

Ocultar recém-nascido, suprimindo ou alterando direito


inerente ao estado civil, é a terceira modalidade do delito. Pratica
o crime aquele que, dolosamente, esconde o recém-nascido,
visando suprimir-lhe os direitos civis. Assim, comete também o
crime quem intencionalmente deixa de registrar o menor, ainda

255
que continue a sustenta-lo. A consumação é atingida quando a
ocultação atinge os direitos do recém-nascido. São sujeitos
passivos o Estado e o neonato prejudicado.

A última figura é substituir recém-nascido, suprimindo ou


alterando direito inerente ao estado civil. O crime é trocar recém-
nascido em berçário, creches, etc., pouco importando se um
deles seja natimorto. O delito também se consuma quando os
direitos do neonato são atingidos.

O parágrafo único privilegia ou mesmo pode ser


descriminado, quando o fato for praticado por motivo de
reconhecida nobreza. No caso, o juiz pode reduzir a pena, e até
mesmo deixá-la de aplicá-la. A reconhecida nobreza é
evidenciada quando a conduta demonstra generosidade ou afeto
do agente que visa criar e educar a criança.

Todas as figuras deste tipo são punidas a título de dolo. São


também crimes matérias e admitem tentativa. A ação penal é
publica incondicionada, possuindo uma forma privilegiada no §
único.

CAPÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR

Art. 244 - Abandono Material

O tipo objetivo prevê três figuras:

A primeira consiste em o agente deixar de prover (atender,


abastecer) os meios necessários à subsistência (alimento,

256
remédio, vestuário e habitação) do cônjuge, filho menor de 18
anos ou inapto ao trabalho, ascendente inválido ou valetudinário
(com idade avançada e enfermo).

A segunda conduta típica requer que o agente falte com o


pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada
ou majorada, sendo necessário a existência de sentença judicial
alimentícia, seja homologando acordo entre as partes, seja
fixando a pensão, ou majorando-a.

A terceira modalidade é deixar de socorrer (largar,


abandonar) ascendente ou descendente gravemente enfermo,
podendo a doença ser física ou mental.

Somente existirá o crime se a vítima estiver passando por


necessidades materiais e o agente, podendo promover-lhe a
subsistência, intencionalmente deixa de fazê-lo.

A objetividade é a proteção do organismo familiar, no que


concerne ao apoio material devido reciprocamente entre os
parentes.

Esse tipo penal tem como sujeitos ativos os cônjuges,


genitores, ascendentes ou descendentes. Os sujeitos passivos
são o cônjuge, o filho menor de 18 anos ou inapto ao trabalho,
ascendente inválido e ascendente ou descendente enfermo.

O abandono material em qualquer de suas modalidades,


somente é punível a título de dolo.

Possui um elemento normativo, contido na expressão – sem


justa causa. Assim, não há tipicidade dos fatos se o sujeito não

257
prestar às pessoas os recursos necessários por carências de
recursos.

No caso da segunda modalidade, a existência de prisão civil


pela inadimplência do dever de alimentar, não exclui o crime, mas
o tempo que o agente permaneceu preso, poderá ser descontado
na execução penal, sendo um caso de detração penal (Art. 42 do
CP). Significa que o devedor da prestação alimentar pode ficar
sujeito ao mesmo tempo a prisão civil e penal.

Os tipos do Art. 244 são omissivos próprios, e, portanto, não


admitem tentativa.

O parágrafo único do Art. 244 pune com as mesmas penas o


sujeito que frustra ou ilide de qualquer modo o pagamento da
pensão alimentícia. É comum o comportamento de abandonar o
emprego para não mais pagar a pensão, ou reduzi-la. A ação
penal é pública incondicionada.

Crime punido na forma dolosa, e ação penal é pública


incondicionada.

Art. 246 - Abandono intelectual

O crime de abandono intelectual consiste no


descumprimento, por parte dos pais, de um dos deveres do
casamento, o de prover à instrução intelectual dos filhos menores
em idade escolar. O dispositivo visa tutelar a educação dos filhos
menores, para evitar que eles se tornem pessoas analfabetas ou
com parca instrução que lhes dificulte o convívio social e o
ingresso no mercado de trabalho.

258
A conduta típica consiste em deixar os pais de prover à
instrução dos filhos em idade escolar, sem que haja justa causa
para isso. A jurisprudência entende como justa causa para
desconfigurar o delito, a ausência de vagas em escolas públicas,
ou penúria da família, etc. Este delito somente é praticado na
forma dolosa.

Não há configuração do delito quando a educação do menor


é ministrada em casa, em decorrência do local em que se
encontre (local ermo, afastado).

Somente os pais podem ser sujeitos ativos, e é irrelevante


se vivem ou não em companhia de seus filhos. Assim, mesmo
que não convivam com seus filhos, são obrigados a lhes
promover instrução. Trata-se de crime próprio, não abrangendo
tutores ou curadores do menor.

Os filhos menores em idade escolar são os sujeitos passivos


deste delito.

O crime se consuma no momento em que após os sete anos


de idade do filho, os genitores revelam inequivocamente à
vontade de não cumprir com o dever paterno de lhe propiciar
instrução primária. É crime permanente, pois sua consumação
perdura enquanto o menor não for enviado à escola.

Trata-se igualmente de crime omissivo, doloso, permanente


e a ação penal é pública incondicionada.

Art. 247- Abandono Moral

259
CAPÍTULO IV

DOS CRIMES CONTRA O PÁTRIO PODER, TUTELA OU


CURATELA

Art. 249 - Subtração de incapazes

O objeto jurídico protegido é a família, em especial o direito


decorrente do poder familiar, a guarda de menor de 18 anos e de
interdito. O crime não ofende sempre o pátrio poder, tutela ou
curatela, uma vez que pode ser praticado contra quem possui
apenas a guarda do menor de dezoito anos ou interdito.

Subtrair significa tirar, retirar. Para a configuração do delito é


necessário que o sujeito tire o menor ou interdito da esfera de
vigilância de quem exerce sobre ele o pátrio poder, tutela,
curatela ou guarda, e o submeta à sua própria esfera de
vigilância. É indispensável que haja um deslocamento espacial do
objeto material do delito, que é o menor.

Para a caracterização do delito é irrelevante se houve o


consentimento do menor, pois esse consentimento é inválido.

O sujeito ativo deste delito pode ser qualquer pessoa,


inclusive os pais, tutores ou curadores do menor, desde que
destituídos ou afastados temporariamente do direito do direito de
guarda. Já os sujeitos passivos são os pais, tutores, ou
curadores, bem como o incapaz.

Somente não podem cometer o delito os titulares do poder


familiar. O genitor que não detiver a guarda do menor (hipótese
viável quando houver separação judicial ou divórcio) poderá
comer a infração. O pai que subtrai a criança da companhia da

260
mãe, levando-o para passar com ele o fim de semana. Em se
tratando de promover o envio do menor ao exterior, haverá
deleito mais grave, previsto no Art. 239 do ECA.

A lei não exige qualquer intenção especifica de agir por parte


do sujeito. Assim, há crime ainda que a intenção seja dar um
futuro melhor ao menor, ou afastá-lo da convivência da mãe que
passou a morar em concubinato com outro homem, etc.

O crime se consuma com a subtração efetiva contra a


vontade do titular do direito de guarda do menor. É crime
permanente.

Prevê o parágrafo 2ª uma hipótese de perdão judicial


quando o agente restitui o menor, sem tê-lo submetido a maus-
tratos ou privações de qualquer ordem.

O delito é expressamente subsidiário, pois o Art. 249


determina sua aplicação apenas quando o fato não constitui
crime mais grave, como por exemplo, extorsão mediante
sequestro, Art. 237 do ECA e Art. 148, § 1º, V do CP (sequestro
com fim libidinoso), etc.

O tipo subjetivo é o dolo. A ação penal é pública


incondicionada.

261
TÍTULO II - DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMINDADE
PÚBLICA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES COMUM

Art. 250 – Incêndio

O legislador protege a incolumidade pública, isto é, a


segurança e tranquilidade de um número indeterminado de
pessoas, evitando que a integridade corporal ou os bens das
pessoas sejam expostos a riscos. Diz-se incolumidade pública,
porque se refere à colocação a salvo de perigos, um número
indeterminado de perigo.

A conduta típica consiste em causar incêndio. Este deve


expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de um
nº indeterminado de pessoas. Se, portanto, o fogo não tiver
nenhuma potencialidade lesiva à vida, a integridade física ou ao
patrimônio de um número indeterminado de pessoas, o delito não
estará caracterizado, podendo configurar-se o crime de dano, se
presente seus elementos.

Se o agente ateia fogo em choupana distante, onde não é


possível a criação do perigo, tal fato não configurará o delito em
estudo.

O incêndio é o fogo perigoso, potencialmente lesivo a vida, a


integridade corporal ou a um número indeterminado de pessoas.
É irrelevante, para a caracterização do delito a natureza da coisa
incendiada, bem como os meios executórios dos quais se vale o
agente, desde que válidos para a configuração do incêndio.

262
O tipo subjetivo é o dolo, dolo de perigo. Delito se consuma
com a criação de uma situação de perigo comum. A tentativa é
admissível.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o


proprietário da coisa incendiada. O sujeito passivo é a
coletividade ameaçada pela ação delituosa do agente.

Se a intenção do agente era matar alguém, responde por


crime de homicídio, qualificado pelo emprego de fogo.

O parágrafo 1º do artigo em estudo prevê causas de


aumento de pena. O inciso I refere-se à obtenção de vantagens
pecuniárias, para si ou para outrem, não se exigindo que o sujeito
ativo obtenha a vantagem. Se o agente incendeia a própria casa
a fim de obter indenização de seguro, responde pelo delito de
estelionato. Entretanto, em ocorrendo perigo comum, não há que
se falar em fraude, mas sim em incêndio qualificado, que absorve
está.

O inciso II do parágrafo 1º prevê 8 hipóteses em que o crime


de incêndio terá a pena majorada.

O parágrafo 2º prevê modalidade culposa do crime de


incêndio. Trata-se de crime que ocorre quando alguém não toma
os cuidados necessários em determinada situação e provoca um
incêndio que expõe a perigo a incolumidade física ou patrimônio
de nº indeterminado de pessoas. Exemplo: atirar ponta de cigarro
em local onde pode ocorrer combustão, etc.

As causas de aumento do parágrafo 1º não se aplicam ao


crime de incêndio culposo. A ação penal é publica
incondicionada.

263
Art. 251 - Explosão

O crime consiste em expor a perigo a vida, a integridade


física ou o patrimônio de outrem mediante explosão, arremesso,
ou simples colocação de dinamite ou de substâncias de efeito
análogo.

O crime de explosão tem as mesmas características do


crime de incêndio, sendo que possuem a mesma objetividade
jurídica e os mesmos sujeitos.

Possui três condutas típicas: a) provocar explosão: significa


provocar o estouro de substância, com a produção de estrondo e
violento deslocamento de ar pela brusca expansão das
substâncias que a compõe. b) arremessar explosivos: é
lançamento feito à distância com as mãos ou aparelhos. Para a
configuração da situação de risco, basta o arremesso, sendo
desnecessário a efetiva explosão. c) colocação de explosivos:
significa armar o explosivo em determinado local, como por
exemplo, colocar minas explosivas em um terreno. A situação de
risco existe, ainda que não haja a efetiva explosão.

Engenho é a bomba, o artefato que contém o explosivo.


Dinamite é nitroglicerina misturada com areia. Como substâncias
de efeitos análogos deve se entender qualquer substância que
cause o mesmo efeito produzido pela dinamite.

Trata-se de crime de perigo concreto, este a de ser


demonstrado caso a caso. Se ninguém for exposto a perigo a
conduta do agente não será punível.

O parágrafo 1º prevê uma situação privilegiada se a


substância utilizada pelo agente não for dinamite ou explosivo de

264
efeitos análogos. A substância prevista neste parágrafo, terá que
ter eficácia explosiva menor do que o previsto no caput.

O parágrafo 2º prevê causas de aumento de pena para o


crime de explosão quando ocorrer as hipóteses do parágrafo 1º
do Art. anterior.

O parágrafo 3º do citado Art. prevê a modalidade culposa do


crime de explosão. Valem aqui as observações feitas sobre o
crime de incêndio culposo.

Art. 254 – Inundação

Causar inundação significa causar o alagamento de um local


de grande extensão, pelo desvio das águas de seus limites
naturais ou artificiais, de forma que não seja possível controlar a
força da corrente. Exemplo: rompimento de um dique.

É indiferente que a inundação seja violenta ou lenta,


bastando que tenha o potencial de pôr em perigo a coletividade.

O crime é punido a título de dolo ou culpa. Na forma dolosa


tem se em vista a vontade de provocar inundação com exposição
da vida, da integridade física ou do patrimônio de outrem a
perigo. Na modalidade culposa o crime é mais brandamente
apenado, e resulta da inobservância do agente em relação ao
dever de cuidado para evitar a inundação.

O delito se consuma com efetivação da inundação e


consequentemente do advento do perigo concreto.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, o sujeito passivo é a


coletividade, além das pessoas que tem sua vida, integridade
física e patrimônios expostos.

265
Art. 256 - Desabamento ou desmoronamento

Protege também a lei a incolumidade pública. O sujeito ativo


pode ser qualquer pessoa inclusive o dono do prédio que desaba,
sendo que o sujeito passivo é a coletividade.

A conduta incriminada (tipo objetivo) consiste em causar,


produzir, provocar, desabamento ou desmoronamento.
Desabamento é a queda de obras construídas pela ação do
homem. Desmoronamento é queda de formações naturais como
barrancos, pedreiras, etc.

Como nos delitos anteriores, é indispensável que o


desmoronamento ou o desabamento provoque uma situação de
perigo a um nº de indeterminado de pessoas ou bens. Pode ser
total ou parcial.

Admite-se qualquer meio de execução. No entanto, se for


utilizado explosivo e resultar perigo comum, o crime será de
explosão.

O crime é punível a título de dolo e de culpa. Esta última


resulta da não observância pelo sujeito ativo, do dever de cuidar
do objetivo necessário.

Caso não sobrevenha risco a incolumidade pública, poderá o


desabamento caracterizar a contravenção penal prevista no Art.
29.

Art. 258 - Formas qualificadas de crime de perigo comum

A 1ª parte do artigo descreve o delito qualificado pelo


resultado, ou preterdoloso, em que a lesão corporal de natureza
grave ou morte é imputada ao agente do crime doloso contra a

266
incolumidade pública a título de dolo. A 2ª parte trata de lesão
corporal ou morte provocada pelo atuar culposo do sujeito ativo
do delito de perigo comum.

Em havendo várias vítimas, responderá o agente por apenas


um delito qualificado pelo resultado, excluindo-se o concurso
formal. Se do crime resulta morte e lesão corporal aplica-se a
qualificadora da morte, por ser mais grave.

Art. 259 - Difusão de doença ou praga

Protege a lei a incolumidade pública. O sujeito ativo é


qualquer pessoa, inclusive o proprietário. O sujeito passivo é a
coletividade.

A ação física é difundir, que significa espalhar, disseminar,


propagar. Doença é a perturbação, a alteração da saúde, o
processo que causa enfraquecimento ou morte de plantas e
animais. Exemplo: peste bubônica, febre aftosa, lagarta nas
plantas. Praga é um surto maléfico capaz de danificar florestas,
plantação e animais de utilidade econômica.

O delito se consuma com a difusão da doença ou praga


desde que seja potencialmente lesiva ou seja com capacidade de
causar perigo comum.

O tipo prevê a modalidade culposa em seu parágrafo único.


Esta se verifica quando a difusão é produto de desatenção do
agente ao cuidado exigível pelas circunstâncias.

Observação: o presente artigo foi tacitamente revogado pelo


disposto no Art. 61 da lei 9605/98 (lei dos crimes ambientais).

267
CAPÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

Art. 267 – Epidemia

O tipo visa proteger a incolumidade pública, no particular


aspecto da saúde pública.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive a pessoa


contaminada. Já o sujeito passivo é a coletividade.

A conduta típica consiste em causar epidemia. Causar


epidemia significa provocar doença que surge rápido num local e
acomete, sucessiva ou simultaneamente, numerosas pessoas.
Propagar significa difundir, disseminar. Ex. meningite, sarampo,
gripe, febre amarela, etc. O crime pode ser praticado por qualquer
meio, contaminação do ar, da água, transmissão direta, etc.

Germes patogênicos são todos os microrganismos capazes


de produzir moléstias infecciosas.

Para a tipificação do fato é necessário que os germes


patogênicos disseminadores pelo agente, acometam de doença
infecciosa um número considerável de pessoas, não sendo
consideradas epidemia as doenças infecciosas que atinjam uma
ou outra pessoa.

O § 1º prevê um resultado qualificador. Se resulta morte, a


pena é aplicada em dobro. É possível que a morte seja culposa
ou dolosa, bastando à ocorrência de um único caso. O crime de
epidemia qualificado pela morte é considerável crime hediondo
pelo Art. 1º, VII da Lei 8072/90.

268
O elemento subjetivo é o dolo. No entanto, o crime de
epidemia também é punido a título de culpa (§ 2º). Caracteriza-se
o tipo culposo a inobservância do cuidado objetivo necessário.

A pena é alta, principalmente no § 1º. A ação penal é pública


incondicionada.

Art. 270 - Envenenamento de água potável ou de substância


alimentícia ou medicinal

Tem como objetivo jurídico à incolumidade pública, no que


tange a saúde pública.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o


proprietário da água potável ou da substância alimentícia ou
medicinal destinada a consumo. O sujeito passivo é a
coletividade.

O núcleo do tipo é o verbo envenenar, que significa por


veneno. Veneno é substância, química ou orgânica, que altera ou
destrói as funções vitais.

Para que haja o crime, o agente deve querer a


contaminação de água potável, de uso comum ou particular. Na
realidade, como se cuida de crime de perigo comum, só haverá
crime se a água se destina ao consumo de toda a coletividade ou
a consumo particular de pessoas indeterminadas (hóspedes de
um hotel, detentos de uma prisão, funcionários de uma
repartição, etc.). Assim, o envenenamento da água contida numa
garrafa ou num copo que se sabe será ingerida por pessoa
determinada, caracteriza o crime de lesão corporal ou homicídio
qualificado.

269
Fala o código ainda em substância alimentícia e medicinal. A
1ª é toda a substância sólida ou líquida, destinada à alimentação.
Pouco importando tratar-se de alimento de primeira necessidade
ou não. Medicinal é toda substância, sólida ou liquida, empregada
na cura ou prevenção de moléstias, seja de uso interno ou
externo.

O § 1º prevê duas figuras equiparadas, para as quais aplica-


se a mesma pena do caput, incriminando quem entrega a
consumo a água envenenada por outrem. É evidente que por se
tratar de figura equiparada, a punição se dá a título de dolo.
Incrimina-se também, quem tem em depósito, para fim de ser
distribuída, a água ou substância envenenada por outrem. Essa
figura consuma-se com o ato de ter a água ou substância em
depósito, ainda que o agente não consiga atingir sua finalidade
de distribui-la. Trata-se de crime formal e permanente.

O envenenamento, a entrega a consumo ou o depósito de


substância ou o depósito de substância envenenada também são
punidas a título de culpa. O sujeito, neste caso, descurando-se do
cuidado objetivo, expõe a coletividade a perigo com sua conduta
culposa (§ 2º do Art. 270).

A ação penal é pública incondicionada.

Observação: a primeira parte desse Art. foi tacitamente


revogada pelo disposto no Art. 54 da Lei nº 9605/98 (Lei dos
Crimes Ambientais), enquanto o §1º foi revogado pelo Art. 56 da
mesma lei.

Ler em sala o Art. 271 e o Art. 54 da Lei nº 9605/98.

270
Art. 272 - Falsificação, corrupção, adulteração de substância
ou produtos alimentícios

O presente tipo penal apresenta a mesma objetividade


jurídica e as mesmas partes dos delitos anteriores.

São quatros as condutas alternativamente incriminadas: a)


corromper (estragar, infectar), b) adulterar (deturpar), c) falsificar
(dar ou referir como verdadeiro o que não é), e d) alterar
(modificar, transformar). O objeto material é a substância ou
produto alimentício destinado a consumo. É preciso que a
conduta do agente torne essa substância efetivamente danosa à
saúde de um número indeterminado de pessoas, ou tenham seu
valor nutritivo diminuído. No primeiro caso, é necessária a
demonstração de que, com a ingestão do alimento haverá
consequências maléficas para a saúde do consumidor. Na
segunda hipótese, deve-se demonstrar que a conduta do agente
reduziu a perfeição calórica, proteica, etc. (adição de água em
leite, adição de carne de segunda em salsichas ou linguiças).

O delito se consuma no exato instante em que o agente


corrompe, adultera, falsifica ou altera a coisa. Por se tratar de
crime de perigo, não exige o efetivo malefício às vítimas.

São figuras equiparadas ao caput do artigo, os parágrafos


1º-A e § 1º. Nos termos do § 1º-A, incorre nas penas deste
dispositivo, quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em
depósito para vender, ou, de qualquer forma, distribui ou entrega
a consumo a substância alimentícia ou produto falsificado,
corrompido ou adulterado. O § 1º, por sua vez, esclarece que
está sujeito às mesmas penas, quem pratica as ações previstas

271
nestes artigos em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico
(cerveja, uísque, guaranás, sucos, etc.).

O delito prevê ainda a forma culposa em seu parágrafo


segundo. Neste dispositivo a nocividade da substância ou do
produto alimentício resulta da inobservância do dever de cuidado
objetivo exigido pelas circunstâncias.

Art. 273 - Falsificação, Corrupção, adulteração ou Alteração


de Produto Destinado a Fins Terapêuticos ou Medicinais

O enunciado deste artigo foi dado pela Lei nº 9677/98, que


prevê o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração
de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.

Em razão do grande número de casos de falsificação e


venda de medicamentos falsos, foram aprovadas e promulgadas
duas leis a respeito dos temas. A Lei nº 9677/98, modificou o tipo
penal antes existente e aumentou a pena para a reclusão, de 10
a 15 anos, e multa. Em seguida a Lei nº 9695/98, incluiu esse
delito no rol dos crimes hediondos, passando a constar no Art. 1º,
VII – B, da Lei nº 907290.

O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa. De regra,


o crime é praticado por comerciante ou industrial, visando
maiores lucros em seus negócios. Eventual empregado desses
estabelecimentos pode ser sujeito ativo deste crime em concurso
com o patrão. O sujeito passivo é a coletividade.

As condutas típicas deste tipo são as mesmas do delito


anterior, entretanto, devem recair sobre produto destinado a fim
terapêutico ou medicinal, que é o objeto material deste delito.
Abrange os medicamentos destinados à cura, melhora, controle

272
ou prevenção de doenças de nº indeterminado de pessoas.
Abrange os medicamentos alopáticos e homeopáticos. Exemplo:
moderadores de apetite, anestésicos, analgésicos, etc.

O delito se consuma no instante em que o agente corrompe,


falsifica, adultera ou altera o produto, independentemente de
qualquer resultado ou do efetivo consumo por qualquer pessoa.

Trata-se de crime de perigo. Se em virtude de eventual


nocividade do medicamento ou da ausência de seus efeitos no
doente sobrevém lesão grave ou morte, serão aplicadas as
qualificadoras do Art. 258 (com remissão do Art. 285).

O § 1º do Art. 273 do CP tipifica condutas equiparadas à


alteração de produto medicinal ou terapêutico. Ocorre nas
mesmas penas do caput quem vende, expõe a venda, tem
depósito para vender, importa, ou de qualquer maneira distribui
ou entrega a consumo o produto ou substância alterada, etc. Se o
agente realiza mais de uma conduta dentre as alternativas
previstas neste §, responde por delito único.

Já o § 1º-A- inclui entre os produtos a que se referem o


“caput” os medicamentos, as matérias primas, os insumos
farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em
diagnósticos.

Prescreve o §1º-B que está sujeito às penas deste artigo quem


pratica as ações previstas no §1º em relação a produtos em
qualquer das seguintes condições: a) não possuir registro,
quando exigível, no órgão de vigilância sanitária; b) em
desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso
anterior; c) sem as características de identidades e qualidades

273
admitidas para a sua comercialização; d) com redução do seu
valor terapêutico ou de sua atividade; e) de procedência ignorada;
f) adquiridos em estabelecimentos sem licença da autoridade
sanitária competente.

A amplitude desses dispositivos é latente. O considerável


alcance do dispositivo resulta do fato do legislador conferir
condição de crime de ação múltipla a essa modalidade de
violação legal.

Os crimes praticados contra a saúde pública, tendo por


objetivos produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais,
atingiram as raias do absurdo. A insensibilidade dos delinquentes
é flagrante, visto que não se detém ante ao sofrimento alheio,
principalmente se consideramos que as vítimas das condutas
violadoras são pessoas que padecem de enfermidades, algumas
em estado terminal.

Observem que as penas impostas para esses delitos são


altas, além do caráter hediondo das condutas. Tal fato poderá
trazer injustiças, pois, acaba sendo mais grave falsificar um mero
frasco de aspirina, ou vitamina “C“, ou ainda, um simples batom,
com pena de reclusão de 10 a 15 anos, do que a pena do crime
de homicídio, que protege o bem mais valioso que o ser humano
possui, com pena de 6 a 20 anos de reclusão.

O artigo ainda prevê a forma culposa, com pena de


detenção de um a três anos, e multa.

A ação penal é pública incondicionada.

274
Outras modalidades ilícitas: os artigos. 274 a 276 do CP,
tem redação alterada pela lei nº 9677/98, pune com penas de
reclusão de 1 a 5 anos e multa, as seguintes condutas ilícitas:

a) empregar, no fabrico de produtos destinados ao consumo,


revestimento, gaseificação artificial, matéria corante, substância
aromática, antisséptica, conservadora ou qualquer outra não
expressamente permitida pela legislação sanitária. (Art. 274);

b) inculcar em invólucro ou recipiente de produtos


alimentícios, terapêuticos ou medicinais a existência de
substância que não se encontra em seu conteúdo ou que nele
existe em quantidade menor que a mencionada. (Art. 275);

c) vender, expor a venda, ter em depósito para vender ou,


de qualquer forma, entregar a consumo produto nas condições
dos Artigos 274 e 275 (Art. 276).

Substância destinada à falsificação: o Art. 277 do CP pune


quem vende, expõe à venda, tem em depósito ou cede
substância destinada à falsificação de produtos alimentícios,
terapêuticos ou medicinais. A pena é de reclusão de um a cinco
anos e multa.

Art. 282 - Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou


farmacêutica

Prossegue a lei protegendo a incolumidade pública, no


aspecto particular da saúde pública.

O exercício de determinadas profissões exige conhecimento


técnico e teórico bastante aprofundado, por isso são fiscalizados
pelo Poder Público. É o que ocorre com a medicina, a odontologia

275
e a farmácia, em que o exercício da profissão por pessoa não
capacitada pode gerar danos à saúde pública. Por esse motivo o
legislador incriminou o exercício ilegal dessas profissões.

O sujeito ativo, nos termos do artigo será qualquer pessoa,


na 1ª modalidade. Já na 2ª modalidade, o crime é próprio e
somente pode ser praticado por médico, dentista ou farmacêutico.

O sujeito passivo é a coletividade. De modo secundário


figura como vítima à pessoa em relação à qual houveram sido
exercidas as profissões de modo ilegal.

O Art. 282 do CP contém duas modalidades de condutas: 1ª)


exercer, ainda que gratuito, a profissão de médico, dentista e
farmacêutico, sem autorização legal; 2ª) exercer, ainda que a
título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico,
excedendo-lhe os limites.

Na 1ª modalidade o exercício é feito sem autorização legal.


Não basta ao médico, ao dentista ou farmacêutico à habilitação
profissional, sendo necessário o registro do título, diploma ou
licença, ou seja, a habilitação legal. Este registro deve ser feito no
Serviço Nacional de Fiscalização do Departamento Nacional da
Saúde.

Assim, comete o crime àquele que, sem possuir tal registro,


mantém consultório para atender clientes, expede receitas,
ministra tratamento, realiza cirurgia, etc.

Na 2ª figura típica, o sujeito tendo seu título diploma ou


licença registrados no órgão competente, excede os limites no
exercício de sua profissão. É a hipótese, por exemplo de um
médico fazer uma extração de dentes, ou dentista que faz cirurgia

276
de tórax, etc. Os limites seguidos pelo médico, dentista ou
farmacêutico são os funcionais, estabelecidos em lei.

É elemento objetivo do tipo o exercício, ainda que a título


gratuito, de profissão. Exercer profissão significa praticar,
reiteradamente, atos próprios da ocupação especializada. Não
tipifica o delito a prática de atos privativos de qualquer das
profissões mencionadas no tipo penal, ocasionalmente. Exige-se
a reiteração de tais atos, de forma a constituir um estilo ou hábito
de vida.

Pouco importa se a reiteração de atos privativos da profissão


de médico, dentista ou farmacêutico seja a título oneroso ou
gratuito. Mas se for com o fim de lucro terá incidência o parágrafo
único do Art. 282 do CP, que prevê ainda a aplicação de multa.

Se o sujeito exercer qualquer outra profissão, não descrita


no estudado artigo, responderá pelas penas do Art. 47 da LCP.

O delito consuma-se com a caracterização da habitualidade


da prática de atos privativos de médico, dentista ou farmacêutico.
A tentativa é inadmissível, por se tratar de crime habitual, e,
portanto, não possui iter passível de ser fracionado.

O exercício ilegal de atividade hemoterápica sem o registro


de que trata o Decreto-lei nº 311/67, configura o delito previsto no
Art. 282 do CP, por força do disposto em seu Art. 5º.

A ação penal é pública incondicionada.

Por fim, o Art. 285, manda aplicar, o Art. 258, sendo as


formas qualificadas dos delitos, quando ocorrer lesão corporal de
natureza grave ou morte, tanto na forma dolosa, quanto na forma

277
culposa. A exceção é feita ao crime de epidemia (Art. 276), para o
qual existem qualificadoras especificas (§§ 1º e 2º do Art. 267).

Art. 283 – Charlatanismo

Também protege a incolumidade pública, com particular


ênfase à saúde pública.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, sendo o sujeito passivo a


coletividade.

Os núcleos alternativos do tipo são inculcar (propor como


vantajoso, indiciar, aconselhar) ou anunciar (apregoar, difundir,
noticiar). No caso, a inculca ou anúncio é de cura por meio
secreto (oculto) ou infalível (que não falha).

Na realidade, o charlatão é um estelionatário que busca


fraudar a credulidade pública mediante promessa de cura. É o
estelionatário da medicina que ilude a boa-fé dos doentes,
inculcando ou anunciando cura por meio secreto ou infalível,
ciente de que a afirmação é falsa.

Se o agente pratica o crime com o intuito de lucro, comete


também o delito de estelionato em concurso formal.

O charlatanismo não se confunde com o exercício ilegal da


medicina, uma vez que, neste, o agente crê no tratamento
recomendado, enquanto, naquele, o agente não crê na cura que
anuncia. Também não se confunde com o crime de
curandeirismo, onde o agente prescreve, ministra ou aplica
medicamento.

278
O crime de charlatanismo não exige habitualidade da
conduta criminosa. Basta à configuração do delito a prática, ainda
que só uma vez, do ato descrito no tipo.

O elemento subjetivo é o dolo. A ação penal é pública


incondicionada.

Art. 284 - Curandeirismo

O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa. Já o


sujeito passivo é a coletividade, bem como qualquer pessoa
tratada pelo agente.

Da mesma forma, o presente delito visa proteger a


incolumidade pública, particularmente a saúde pública.

Em geral, os curandeiros gozam da boa-fé das pessoas


atrasadas, que os procuram para tratamento de doenças,
ocasionando o retardamento do tratamento adequado.

O curandeirismo pode ser conceituado como o exercício da


arte de curar de quem não tem a necessária habilitação
profissional, por meios não científicos.

Exerce curandeirismo quem prescreve, ministra ou aplica,


habitualmente, qualquer substância. Prescrever é receitar.
Ministrar é entregar algo para que seja consumido. Aplicar é
injetar, administrar. Objeto da conduta pode ser qualquer
substância, seja de origem animal, vegetal ou mineral, inócua ou
não. É necessário que o agente prescreva ou aplique a
substância a pretexto de cura ou de prevenção de doença. Trata-
se de crime mais grave que o charlatanismo, no qual o agente se

279
limita a anunciar, afirmar, a existência de cura secreta ou infalível
(inciso I).

Da mesma forma, comete o crime o fato de usar gestos,


palavras ou qualquer outro meio, como métodos de cura. Gestos
são os passes. Palavras são as rezas, benzeduras. Além disso, a
lei utiliza-se de uma fórmula genérica, punindo quem, por
qualquer outro meio, exerce praticas inócuas e fantasiosas no
sentido de curar alguém (magias, simpatias, etc. – inciso II).

O inciso III fala em fazer diagnósticos, ou seja, afirmar


existência de uma doença com base nos sintomas apresentados
nos pacientes. Diagnóstico somente pode ser feito por médico.

É delito habitual, sendo que este requisito é exigido em


todas as suas formas.

O parágrafo único é uma forma qualificada, sendo que se


pune também com multa, se o delito foi praticado com intuito de
lucro.

Somente existe na forma dolosa. A ação penal é pública


incondicionada.

TÍTULO IX - DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA

Art. 286 - Incitação ao crime

Sujeitos: todos os crimes previstos neste título visam


resguardar a paz pública, e por esse motivo, o sujeito passivo é
sempre a coletividade. Já o sujeito ativo é qualquer pessoa, por
ser um crime comum.

280
O objeto do delito é a paz pública. O tipo objetivo é incitar a
pratica de crime. Incitar significa açular, excitar, provocar. Pune-
se o comportamento de quem incita a pratica de crime. Portanto,
deve tratar-se de fato expressamente previsto em lei como crime,
não se enquadrando na figura o incitamento para praticar
contravenção penal ou ato imoral.

É imprescindível que se trate de fato criminoso determinado,


pois a instigação feita genericamente, por ser vaga, não teria
eficácia ou idoneidade. Exige-se que a conduta seja praticada em
público, ou seja, na presença de número elevado de pessoas,
uma vez que a conduta de induzir pessoa certa e determinada à
pratica de um crime constitui participação no delito efetivamente
cometido.

É necessário, ainda, que o agente estimule grande número


de pessoas a cometer determinada espécie de delito, pois a
conduta de estimular genericamente o ingresso de pessoas à
delinquência não constitui crime.

Nos termos da lei, a incitação pública à prática de ato


contravencional não constitui crime.

A incitação ao crime pode ser praticada por qualquer meio:


panfletos, cartazes, discursos, gritos em públicos, etc.

É indiferente que o incitamento se dirija a pessoa


determinada, contanto que percebido ou perceptível por
indefinido número de pessoas.

O delito se consuma com a prática de incitação perceptível


por indeterminável número de pessoas. Trata-se de crime formal,

281
sendo desnecessário que alguém, efetivamente, cometa o crime
objeto da incitação.

O tipo subjetivo é o dolo. A tentativa é admitida na forma


escrita.

Se a incitação for feita por meio da imprensa, configura o


crime do Art. 19 da Lei de Imprensa.

A pena é alternativa, detenção ou multa. A ação penal é


pública incondicionada.

Art. 287 - Apologia de Crime ou Criminoso

O objeto jurídico protegido também é a paz pública. O sujeito


ativo pode ser qualquer pessoa. Da mesma forma, o sujeito
passivo é a coletividade.

Tipo objetivo: a ação incriminada é fazer apologia, isto é,


louvar, elogiar, enaltecer, exaltar. Assim sendo, não se confunde
a apologia com a simples manifestação de solidariedade, defesa
ou apreciação favorável. O que se pune é elogiar fato criminoso
(não incluído a contravenção), ou de autor de crime, que é a
apologia do criminoso em razão de crime que cometeu.

A conduta deve ser praticada publicamente, sendo a


publicidade requisito deste crime.

A apologia deve ser realizada de maneira a ser percebida ou


perceptível por indeterminado número de pessoas, assim como o
delito anterior.

282
O meio utilizado também é indiferente, sendo que o crime
pode ser praticado por meio de palavras, gestos, escritos,
inclusive pela internet.

O tipo subjetivo é o dolo. Trata-se de crime formal, sendo


que o delito estará consumado, independente de outras
consequências.

A tentativa também é admitida na forma escrita. A ação


penal é pública incondicionada.

Se a apologia é feita por meio da imprensa, o


enquadramento deverá ser feito no Art. 19, par. 2° da Lei nº
5250/67.

Referindo-se o Art. 287, em sua segunda parte, a autor de


crime, e não acusado de crime ou simplesmente acusado,
pensamos que, diante das garantias constitucionais, do direito à
desconsideração previa da culpabilidade ou presunção de
inocência (Art. 5° LVII) e da reserva legal, que veda a
interpretação extensiva ou da analogia para punir, a apologia a
que este tipo penal incrimina, em sua última parte, é somente a
de autor de crime que assim tenha sido considerado por decisão
condenatória passada em julgado. Diante deste entendimento, o
fato seria atípico. Mesmo porque, o agente poderá ser absolvido.

Art. 288 - Associação Criminosa (antigo quadrilha ou bando)

Modificação introduzida pela Lei 12.850/13, que criou o


crime de organização criminosa no pais, além de alterar o Art.
288 de dar novas providências.

283
Sujeito ativo: é um crime coletivo, plurissubjetivo ou de
concurso necessário de condutas. Exige-se para a configuração
do ilícito a associação de pelo menos três pessoas, sendo nesse
número computados os agentes inimputáveis, quer por
menoridade, quer por doença mental.

Já o sujeito passivo é a coletividade, pois ofende a paz


pública. A sociedade é presumidamente colocada em risco pela
associação de delinquentes.

Tipo objetivo: o núcleo do tipo penal é a associação de no


mínimo três pessoas para a prática de crimes, sendo irrelevante
que tenham elas outras finalidades. Não basta a reunião de
pessoas para o cometimento de um crime determinado, existindo
aí simples concurso de agentes. Para a tipificação do delito em
tela, é necessário que haja um vínculo associativo permanente
para fins criminosos, uma predisposição comum de meios para a
pratica de uma série indeterminada de delitos. Exige-se, assim,
uma estabilidade ou permanência com o fim de cometer crimes.

O delito se consuma com a simples associação de três


pessoas para a pratica de crimes, pondo em risco,
presumidamente, a paz pública. A tentativa do crime de quadrilha
ou bando não é admitida. Havendo associação de três pessoas, o
crime está consumado, caso contrário, o fato será atípico.

A associação entre os componentes deve ser estável e


permanente, para o fim de cometer crimes. Neste caso, não se
pode confundir o delito ora estudado com o simples concurso de
agentes (Art. 29 do CP), onde a reunião de pessoas, mais que
dois, é para o cometimento de crime determinado, havendo após
sua dissolução.

284
O parágrafo único do estudo artigo prevê a forma
qualificada. Se a associação criminosa é armada, a pena é
aumentada de metade. Também ocorrerá o aumento se houver a
participação de criança ou adolescente. Tal fato ocorre, pois
revela maior potencialidade agressiva da associação criminosa.
Para alguns doutrinadores, basta que um membro da quadrilha
esteja armado para se configurar a qualificadora. A melhor
interpretação é a de que ela só existe se, pela quantidade de
membros que portem armas ou pela natureza destas, for
consideravelmente aumentado o perigo para a sociedade.

A Lei dos crimes hediondos (8072/90), em seu “caput”,


determina a aplicação da pena de 3 a 6 anos de reclusão ao
delito do Art. 288, quando se tratar de crimes hediondos, prática
de tortura, tráfico de drogas e terrorismo e, atualmente por força
do “Pacote Anticrime”, Lei nº 13.964/19, considera hediondo
quando o crime de organização criminosa for direcionado à
prática de crimes considerados ou equiparados à hediondo.

O associado que denunciar a autoridade o bando ou


quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena
reduzida de um a dois terços. (Art. 8°, par. único da lei 8072,90)
Trata-se da denominada delação premiada.

A Lei nº 11.343/06 (Lei de drogas) em seu Art. 35, também


previu a associação de duas ou mais pessoas para o fim de
praticar crime de tráfico de drogas. Crime de associação para o
tráfico, que é autônomo em relação ao eventual tráfico.

Então poderá surgir dúvida em relação a qual artigo aplicar


no caso tráfico de drogas praticado em concurso de pessoas: o
Art. 35 da Lei de Drogas ou o Art. 8º da Lei dos crimes hediondos.

285
Com a recente alteração da Lei de Drogas (11.343/06), que é
posterior a lei dos crimes hediondos (8072/90), será aplicado no
caso concreto o Art. 35 da 11.343/06, que é um delito autônomo e
posterior.

Temos aqui que estabelecer a diferença entre associação


criminosa e organização criminosa. É fato que a Lei nº 12.850/13,
criou o crime de organização criminosa, bem como alterou o Art.
288 do CP, antes chamada de quadrilha ou bando.

A tipificação de organização criminosa está no Art. 1º, § 1º


da lei: “considera-se organização criminosa a associação de 04
ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela
divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de
obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a pratica de infrações penais máximas sejam
superiores a 04 anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
Menciona ainda o § 2º, a aplicação da Lei às infrações penais
prevista em tratado ou convenção internacional, e às
organizações terroristas.

Pode se concluir pelas seguintes diferenças entre


associação criminosa e organização criminosa: a) número de
pessoas: mais de três no CP, e mais de quatro na Lei: b) crimes
cometidos pelo grupo: quaisquer crimes pelo 288, e crimes
graves (com pena superior a 4 anos); c) objetivo da associação:
fim especifico de cometer crimes no Art. 288, e obter vantagem
de qualquer natureza mediante pratica de infrações penais; d)
estrutura organizacional: no CP não se exige, já na lei especial
deve ser ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.

286
O crime de associação criminosa (quadrilha ou bando) é
sempre autônomo, independente daqueles que são praticados
pelas societas delinquentuim, assim como na lei especial,
configurando, pois, o concurso material de crimes.

Art. 288-A – Constituição de Milícia Privada

A Lei nº 12.720/12 criou uma nova infração penal, instituindo


o Art. 288 – A no Código Penal nos seguintes termos:

“Constituir, organizar, integrar, manter ou custear


organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão
com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste
Código: Pena – reclusão, de 4 a 8 anos”.

Bem Jurídico Tutelado: similarmente ao crime de quadrilha


ou bando, (associação criminosa) são tuteladas a paz e a
segurança públicas.

Sujeito Ativo: trata-se de crime comum, podendo ser


perpetrado por qualquer pessoa civil ou militar. Também neste
crime haverá a discussão acerca do número mínimo de
integrantes a configurarem organização paramilitar, milícia
particular, grupo ou esquadrão. A verdade é que a lei é silente. O
ideal seria que o legislador houvesse se manifestado
expressamente, conferindo maior segurança jurídica. No entanto,
em seu silêncio, já se podem vislumbrar ao menos dois
entendimentos defensáveis: a) o número mínimo seria de três
pessoas, já que não se pode cogitar de um grupo de uma ou
duas pessoas; b) o número mínimo seria de quatro pessoas,
utilizando-se de uma interpretação sistemática com o crime de
quadrilha ou bando, previsto no Art. 288, CP.

287
Em pioneira manifestação sobre o tema, Cunha se posiciona
pelo número de pelo menos 4 (quatro) indivíduos. No entanto
acena com o entendimento divergente de Luiz Vicente
Cernicchiaro que afirma que o número mínimo seria de 3 (três)
pessoas, até para que não haja confusão com o ilícito de
quadrilha ou bando, indicando inclusive que essa tendência
parece se configurar na doutrina em geral.

Entende-se que, no silêncio do legislador, a tendência é que


a interpretação seja pelo mínimo de 3 (três) pessoas, tal como já
ocorreu no delito de Rixa (Art. 137, CP) onde também não há
determinação de número mínimo, sendo a marca de 3 (três)
pessoas aceita de forma pacífica pela doutrina e jurisprudência.
Mas, o que é induvidoso é que esse tipo penal tem a
característica de infração plurissubjetiva ou de concurso
necessário.

É fato que o atual delito do Art. 288 – associação criminosa,


exige-se no mínimo 3 (três) pessoas, sendo que a melhor
interpretação para o número mínimo de pessoas no delito do Art.
288-A, também seja de três indivíduos.

Sujeito Passivo: crime é vago, pois tem como sujeito passivo


toda a coletividade, inclusive pelo fato de tutelar bens jurídicos de
natureza difusa ou coletiva.

Tipo subjetivo e Tipo objetivo: O crime é doloso, não


havendo previsão de figura culposa. Esse dolo é específico, pois
que a lei estabelece a finalidade de formação dos grupos que é a
de praticar crimes previstos no Código Penal. Neste ponto é
interessante notar que houve um cochilo do legislador, pois que
se tais grupamentos forem criados com o intento de praticar

288
crimes previstos em legislação esparsa (v.g. Lei de Drogas, Lei
de Tortura etc.) não haverá adequação típica. Seria bem melhor
que houvesse o legislador optado pela redação similar à
associação criminosa, apenas se referindo a “crimes”, sem
especificar o diploma legal de onde devem se originar. Devido a
essa falha, se a formação do grupo for para a prática de crimes
fora do Código Penal, somente restará a figura da associação
criminosa (Art. 288, CP ou eventualmente Art. 288, CP c/c Art.
8º., da Lei 8.072/90). Observe-se que se trata de denominado
“crime de empreitada ou empreendimento”, no qual a mera
reunião das pessoas com o fito de cometer crimes já configura
infração penal. Praticamente se trata de uma situação de
antecipação da tutela penal para a fase de cogitação. Desse
modo, não importa se o grupo efetivamente vem a perpetrar os
crimes intencionados. Se isso ocorre, haverá concurso de
infrações penais (material). Mas, se não se chega a praticar os
crimes pretendidos, mesmo assim estará perfeito o Art. 288 – A,
CP. Portanto, para o Art. 288-A do CP, o cometimento efetivo de
infrações pretendidas já constitui fase de exaurimento no “iter
criminis”, muito embora não se trate de “post factum não punível”,
já que os crimes efetivamente cometidos serão punidos em
concurso material com a infração de “Constituição de Milícia
Privada”.

É também importante ter em mente que para a configuração


desse ilícito sob comento há necessidade de que a associação
criminosa seja estável ou permanente, visando a prática de
“crimes” (no plural). Ou seja, a mera reunião de um grupo para a
prática isolada de um crime, ainda que configurando grupo,
esquadrão, organização paramilitar ou milícia particular, não é
suficiente para a tipificação do Art. 288 – A do CP. Observe-se,

289
porém, que principalmente nos casos de “organização paramilitar”
e “milícia particular”, será muito difícil inexistir tal liame de
permanência ou estabilidade, o qual é inerente a essa espécie de
grupamento.

O crime do Art. 288–A do CP é de ação múltipla, conteúdo


variado ou tipo misto alternativo, sendo dotado de vários núcleos
ou verbos:

“Constituir” tem o significado de formar, criar ou compor o grupo


criminoso.

“Organizar” é ordenar o grupo de forma mais eficaz para sua


atuação.

“Integrar” é compor ou fazer parte, participar do grupo criminoso.

“Manter” significa sustentar a coesão do grupo e seu


funcionamento, inclusive mediante fornecimento de materiais
bélicos e de outras espécies, logística, abrigos, meios de
comunicação, transporte etc.

Finalmente, “custear” tem o sentido de cobrir os custos,


financiar com dinheiro ou materiais e recursos em geral.

A prática por determinada pessoa, em um mesmo contexto,


de mais de um dos verbos ou núcleos do tipo não implica em
concurso de crimes. Por exemplo, se um indivíduo “integra” e
“organiza” um grupo não responde por dois crimes, mas apenas
por um. É claro que se os contextos divergem, há pluralidade
criminosa. Se, por exemplo, um sujeito integra um grupo de
extermínio na Baixada Santista e está constituindo outro grupo,

290
distinto do primeiro, na Capital do Estado, então está cometendo
duas infrações ao Art. 288–A do CP.

Como bem destaca Cunha, o legislador, ao arrolar os grupos


enfocados no dispositivo infringiu a regra de hermenêutica de que
na lei não existem palavras inúteis, pois que foi repetitivo, usando
expressões sinônimas como “grupo de extermínio” ou
“esquadrão”. Já quanto à “organização paramilitar”, se refere a
grupos armados civis que se estruturam de forma similar aos
militares. “Milícia particular” ou “Milícia privada”, conforme referida
no novo § 6º, do Art. 121, CP, pode ser conceituada como um
grupo armado de pessoas que tem por finalidade prestar serviços
de segurança em comunidades carentes, supostamente criando
uma situação de pacificação, aproveitando-se da omissão do
Poder Público. Esses grupos ocupam, por meio de coação e
violência, certos espaços territoriais, prestando os serviços de
segurança e ignorando o monopólio estatal do controle social. Já
os “grupos de extermínio” ou “esquadrões da morte” podem ser
definidos como a reunião de indivíduos na qualidade de
“justiceiros” e/ou matadores, os quais também atuam nas brechas
deixadas pela omissão estatal no campo da segurança pública.
Atuam perpetrando matanças generalizadas ou mesmo
individualizadas e chacinas de pessoas indicadas como
marginais, perigosas ou infratoras. Normalmente esses grupos
atuam mediante pagamento da população local e de
comerciantes e/ou industriais de determinada região.

Consumação e Tentativa: a consumação se dá com a efetiva


constituição, organização, integração, manutenção ou custeio dos
grupamentos arrolados no dispositivo. Como já frisado, é

291
desnecessária a prática efetiva de crimes. Basta a formação do
grupamento com esse intuito. A tentativa não é possível, vez que
se trata de crime formal, tal qual ocorre com a quadrilha ou
bando.

Ação Penal e Competência: a ação penal é pública


incondicionada e a competência para o julgamento é do Juiz
Singular.

TÍTULO X - DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

CAPÍTULO I

DA MOEDA FALSA

Art. 289 - Moeda falsa

O bem jurídico atingido é a fé pública, em particular a


circulação monetária.

Por se tratar de crime comum, pode ser cometido por


qualquer pessoa. Já o sujeito passivo é o Estado, bem como a
pessoa ofendida.

A conduta típica é falsificar, ou seja, apresentar como


verdadeiro algo que não é original. A falsificação pode dar-se pela
fabricação (cria-se um novo objeto, uma moeda falsa), ou
alterando, que significa modificar, adulterar o já existente para
aumentar o seu valor. A conduta deve recair sobre a moeda
metálica ou papel-moeda, que é o objeto material deste tipo
penal.

O dinheiro deve dispor de curso legal, ou seja, ter


recebimento obrigatório, ter validade. Falsificar moeda já extinta

292
não configura o delito. A moeda pode ser nacional ou qualquer
moeda estrangeira.

A falsificação grosseira não caracteriza esse delito, pois é


necessário que a falsificação seja hábil a enganar uma pessoa de
inteligência normal. A Súmula 73 do STJ diz que se a falsificação
for grosseria, não estará configurando o crime, podendo constituir
estelionato.

O delito de moeda falsa se consuma com a falsificação,


independentemente de qualquer outro resultado.

Crime formal.

A ação penal deste tipo é pública incondicionada, de


competência da Justiça Federal.

O § 1° prevê as mesmas penas para quem importa, exporta,


adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda (delito
permanente) ou introduz em circulação o objeto material, que é a
moeda que o agente sabe ser falsa. Se o agente realizar mais de
uma das condutas típicas responde por um só crime.

Já o § 2° prevê uma figura privilegiada (pena menor) para a


hipótese de a pessoa ter recebido a moeda falsa de boa-fé e,
posteriormente, ao tomar conhecimento da falsidade, recoloca em
circulação. É atípico o fato de o sujeito devolver moeda falsa a
quem lhe entregou.

Consuma-se o delito privilegiado no momento em que o


agente coloca a moeda falsa em circulação, isto é, no instante em
que a entrega à terceiro.

293
O § 3° pune a fabricação ou emissão irregular de moeda.
Trata-se de crime próprio, sendo que determinadas pessoas
podem ser sujeitos ativos, ou seja, o funcionário público, o diretor,
gerente ou fiscal de banco de emissão de moeda. O sujeito
passivo é o Estado.

No inciso I deste parágrafo, o delito consiste em o agente


fabricar, emitir ou autorizar a fabricação ou emissão de moeda
com título ou peso inferior ao previsto em lei. Título é à proporção
que deve existir entre o metal fino e a liga metálica empregados
na confecção da moeda. Para que haja delito é necessário que se
produza moeda metálica com título ou peso inferior ao padrão
legal.

Na segunda hipótese (inc. II), o sujeito produz papel-moeda


em quantidade superior a autorizada. A produção de quantidade
inferior não tipifica o delito.

Finalmente, o § 4° prevê a hipótese de desviar e fazer


circular, isto é, deslocar o dinheiro se sua destinação legal e
introduzi-lo em circulação. O delito ocorre, pois, a circulação
ainda não está autorizada.

O elemento subjetivo do tipo em todas as modalidades é o


dolo.

Ler o Art. 291 – Petrechos para falsificação de moeda.

Ler o Art. 293 – falsificação de papeis públicos.

CAPÍTULO III

294
DA FALSIDADE DOCUMENTAL

Este capítulo abrange a falsidade material e a falsidade


ideológica. Em ambos o objeto material é um documento.

Documento pode ser conceituado como sendo todo escrito


devido a um autor determinado, contendo exposição de fatos ou
declaração de vontade, dotado de significado ou relevância
jurídica e que pode, por si só, causar um dano, por ter valor
probatório.

O documento possui certas características:

a) forma escrita. Tem que ser escrito sobre coisa móvel,


transportável e transmissível (papel, pergaminho, etc.).

Nesta linha de pensamento, não é documento a pichação


em muro, escrito em porta de ônibus, pois não são transportáveis
mão a mão. Da mesma forma, não é documento o escrito a lápis.
Quadro ou pintura, bem como fotos isoladas, também não são
documentos. Não possuem escrita no vernáculo.

A jurisprudência tem entendido que a troca de fotografia feita


em documento de identidade configura o crime de falsidade
documental, pois a fotografia é parte do documento que é escrito.

b) que tenha autor certo. Que seja ele identificável por


assinatura, nome ou, quando a lei não faz essa exigência, pelo
próprio conteúdo do documento. Exemplo: o RG é um documento
porque nele consta o responsável por sua emissão (delegado de
polícia, diretor do instituto de identificação, etc.).

c) o conteúdo deve expressar uma manifestação de vontade


ou a exposição de um fato. Assim, a assinatura em um papel em

295
branco não constitui documento, uma vez que não há qualquer
conteúdo. O mesmo se diga em relação a uma receita, um recado
etc.

d) relevância jurídica. Para que seja considerado


documento, o escrito deve ter o potencial de gerar consequências
no plano jurídico, ou em outras palavras, deve ter valor probatório
por si só.

e) dano potencial. A falsificação não pode ser grosseira, tem


que possuir capacidade para enganar.

Art. 297 - Falsificação de Documento Público

O bem jurídico protegido é a fé pública, em particular a


autenticidade do documento público.

Trata-se de crime comum, sendo que qualquer pessoa pode


figurar no polo ativo. Tratando-se de funcionário público, tendo
cometido o crime com abuso de seus deveres, incide a
qualificadora do par. 1° deste artigo. O sujeito passivo é o Estado.
Secundariamente pode ser o particular se vier a ser prejudicado.

Documento público é aquele formado, elaborado por


funcionário público, de acordo com as formalidades legais, no
desempenho de suas funções. Exemplo: RG, CIC, CNH, escritura
pública, etc.

A falsificação de documento é também chamada de


falsificação material, ou seja, diz respeito à forma do documento.

Estão previstas duas condutas típicas alternativas:

296
A primeira modalidade típica, em que o verbo é falsificar,
que indica a contrafação, isto é, a formação total ou parcial do
documento. O agente forma o documento por inteiro (contrafação
total) ou acresce dizeres, letras ou números ao documento
verdadeiro (contrafação parcial).

Na segunda conduta típica o verbo é alterar documento


público verdadeiro. Neste caso, o agente modifica o conteúdo do
objeto material (modificação de dizeres, signos, números, letras,
etc.).

Em qualquer caso, é indispensável que a falsificação seja


idônea a iludir terceiro. Se for grosseira, perceptível à primeira
vista, inexiste o delito em face da ausência da potencialidade
lesiva do comportamento.

A consumação se dá com a falsificação ou alteração. Não se


fazendo necessário qualquer outro resultado, independentemente
do uso ou qualquer consequência posterior. Por se tratar de crime
de perigo, sua consumação independe do uso efetivo.

O § 1° é uma causa de aumento de pena. Aumenta-se a


pena de 1/6 se o agente é funcionário público e comete o crime
prevalecendo-se de seu cargo. Não basta a qualidade jurídica do
sujeito ativo, sendo necessário que o comportamento tenha sido
realizado em face da facilidade que o exercício da função lhe
permite.

O § 2° equipara alguns documentos particulares a


documento público, permitindo, assim, a punição de quem
falsifica como incursos em crime mais grave.

297
A Lei n° 9983/00 acrescentou os parágrafos 3° e 4° ao Art.
297, punindo com as mesmas penas da falsidade material de
documento público a falsificação de determinados documentos
que têm reflexos na previdência social. Na realidade, as condutas
típicas descritas nesses dois parágrafos, caracterizam crime de
falsidade ideológica. (Art. 299)

No crime de falsidade material, que é infração que deixa


vestígios, torna indispensável o exame de corpo de delito para a
prova da materialidade. Esse exame chama-se
documentoscópico.

Se o documento foi ou deveria ter sido emitido por


autoridade federal, a competência é da Justiça Federal. Exemplo:
passaporte. Se, porém, foi ou deveria ter sido emitido por
funcionário público estadual ou municipal, a competência é da
Justiça Estadual.

O elemento subjetivo é o dolo. A ação penal é pública


incondicionada. Embora sendo crime formal, cabe a tentativa.

Art. 298 - Falsificação de Documento Particular

Visa proteger a fé-pública, em especial a autenticidade dos


documentos particulares.

Este tipo penal possui os mesmos sujeitos do delito anterior.


Aliás, em relação aos modos de execução, consumação,
tentativa, elemento subjetivo, também se aplicam as mesmas
regras.

As ações incriminadas são as mesmas do delito anterior. No


entanto, o objeto material desse tipo é o documento particular.

298
Documento particular é o que não é público ou ainda o
equiparado ao público (§ 2° do Art. 297). É aquele feito sem a
intervenção de um funcionário público ou de alguém que tenha fé
pública.

Os requisitos do documento particular são os mesmos do


documento público. São exemplos: contratos de compra e venda,
de locação, nota fiscal, etc.

O documento particular registrado em cartório continua


sendo documento particular. O registro é apenas para dar
publicidade ao documento, não lhe alterando a natureza.

A competência é da Justiça Estadual, salvo se a falsificação


tiver a finalidade de prejudicar interesse da União, suas
autarquias ou empresas públicas.

O documento particular falsificado, para integrar a tipicidade


penal, deve ser idôneo a causar engano. É necessário a
potencialidade lesiva.

A Lei nº 12.737/12, criou o parágrafo único a esse artigo,


equiparando a documento particular o cartão de crédito ou de
débito. De tal forma, que falsificar referidos cartões, constitui
delito o delito do Art. 298 do CP.

Art. 299 - Falsidade Ideológica

Protege também este dispositivo a fé pública, referente à


autenticidade dos documentos, sejam públicos ou particulares.
No entanto, neste caso, o documento é formalmente perfeito,
sendo falso o seu conteúdo intelectual, ao contrário da falsidade
documental, em que se considera o aspecto material.

299
Na falsidade ideológica, o documento é autentico em seus
requisitos extrínsecos e emana realmente da pessoa que nele
figura como seu autor, mas o conteúdo é falso. É também
chamado de falsidade intelectual, falso ideal ou falso moral.

Trata-se de um crime comum, podendo ser praticado por


qualquer pessoa. Quando ao sujeito passivo, existe o principal
que é o Estado e secundário, que é a pessoa que sofre ou pode
sofrer o dano referido no tipo.

O tipo objetivo possui condutas alternativamente


incriminadas consistente em:

a) omitir declaração que deveria constar. Trata-se de


conduta omissiva. O agente elabora um documento deixando de
inserir informação que nele deveria constar;

b) inserir declaração falsa ou diversa da que deveria constar.


Temos aqui uma conduta comissiva. Declaração falsa é a
inverídica. Declaração diversa da que devia constar é uma
declaração verdadeira colocada no local de outra que deveria
efetivamente constar do documento;

c) fazer inserir. O agente vale-se de terceira pessoa para


incluir no documento a informação falsa ou diversa da que
deveria constar.

A declaração deve recair sobre fato juridicamente relevante,


ou seja, é mister que a declaração falsa constitua elemento
substancial do ato de documento. Uma simples mentira, mera
irregularidade, simples preterição de formalidade, não constituirão
o delito.

300
Nas duas primeiras figuras (omitir e inserir) existe a
chamada falsidade imediata, pois é a pessoa que confecciona o
documento quem comete o falso ideológico. Na última
modalidade (fazer inserir) a lei não pune quem confecciona o
documento, mas quem lhe passa a informação falsa (falsidade
mediata).

Essas condutas podem recair sobre documento público ou


particular. No primeiro caso a pena é maior.

Como exemplo do crime de falsidade ideológica é o sujeito


que vai lavrar uma escritura pública e declara ser solteiro quando,
em verdade, é casado, visando assim, prejudicar os direitos de
sua esposa.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Não basta, porém, a


vontade de alterar a verdade, é necessário que o agente queira
prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato
juridicamente relevante. Ausentes tais finalidades, o fato será
atípico.

Trata-se de crime formal, não necessitando da ocorrência


efetiva do dano, bastando à capacidade de lesar terceiro.

O delito se consuma com a omissão ou inserção direta ou


indireta da declaração no documento público ou particular.

O parágrafo único é uma causa de aumento de pena. Se o


crime for cometido por funcionário público que se prevalece do
cargo, ou ainda, se o agente falsifica ou altera assentamento de
registro civil (nascimento, casamento, óbito, emancipação,
interdição, etc.), terá a pena aumentada de sexta parte.

301
Em se tratando de folha assinada em branco podem ocorrer
duas situações: a) se o papel foi assinado em branco e entregue
em confiança a alguém, para que o preencha posteriormente, e o
agente o faz em desacordo com as instruções dadas, há crime de
falsidade ideológica, b) se o papel assinado em branco foi obtido
de forma ilícita (furto, roubo, etc.) o crime será o de falsidade
material.

A dificuldade reside no fato que a folha assinada em branco


não é documento, pois não possui conteúdo. Apenas se torna
documento com o seu preenchimento.

Ler e comentar o Art. 300.

Art. 301 - Certidão ou Atestado Ideologicamente Falso

O bem jurídico protegido é a fé pública, em especial as


certidões e atestados.

Não se deve confundir o crime em tela com o delito de


falsidade ideológica (Art. 299), que se refere à falsidade de um
documento. Aqui a conduta recai sobre atestado ou certidão feito
por funcionário público acerca de fato ou circunstância. Exige-se
ainda para a configuração do delito que o atestado ou certidão
tenha sido dado para habilitar alguém a obter cargo público,
isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou ainda
qualquer outra vantagem.

Trata-se de crime próprio, só pode ser cometido por


funcionário público em razão do ofício. O sujeito passivo é o
Estado.

302
Os núcleos do tipo são os verbos atestar e certificar. Atestar
significa provar, afirmar alguma coisa em caráter oficial. Certificar
quer dizer convencer da certeza, verdade de alguma coisa,
também de natureza pública.

As ações incidem sobre fato ou circunstância inerente à


pessoa a quem se destina o atestado ou certidão e condicionante
da obtenção de um benefício de ordem de caráter público.

Os exemplos mais comuns na doutrina são atestados de


antecedentes para concurso público, certidão de serviço ao
Tribunal do Júri, dar atestado de boa conduta carcerária, atestar
que alguém é pobre para obter defensor público, etc.

Trata-se de crime formal e se consuma com a efetiva


entrega da certidão ou atestado ao terceiro interessado.

Nos termos do § 1º do Art. 301, constitui crime o fato de


falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o
teor de certidão ou atestado verdadeiro, para prova de fato ou
circunstancia que habilite alguém a obter cargo público, isenção
de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer vantagem.

Nesta modalidade a falsidade do atestado ou certidão é


material e, portanto, consiste em falsificar, no todo ou em parte,
atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou atestado
verdadeiro. É também necessário que o objeto da falsificação
seja fato ou circunstância que habilite alguém a obter as
vantagens descritas no tipo penal.

Nesta modalidade o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa,


inclusive o próprio funcionário público expedidor do documento.

303
O elemento subjetivo é o dolo. O delito se consuma no exato
instante em que o atestado ou certidão é falsificado ou alterado,
independentemente da produção de qualquer resultado.

Se há intenção de lucro aplica-se também pena de multa. É


o que dispõe o par.2° do estudado artigo. Essa regra vale tanto
para o caput quanto para o § 1 °.

Ler e comentar o Art. 302.

Art. 304 – Uso de documento falso

O objeto jurídico tutelar é a fé pública.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, pois trata-se de crime


comum. Quando o usuário do documento é o próprio falsificador,
só existe um crime, isto é, crime progressivo, como unidade
jurídica, pois o crime de uso não pode ser cometido sem a
anterior falsificação.

A falsificação será etapa ou escala para o uso. Embora haja


pequena divergência jurisdicional, prevalece o entendimento de
que o falsário que posteriormente usa o documento responde
apenas pela falsificação, sendo o uso um "post factum" impunível.

Já o sujeito passivo principal é o Estado. Eventualmente


pode e ser a pessoa prejudicada pelo delito.

A ação física é representada pela expressão "fazer uso",


importando a ideia de o agente utilizar-se do documento
falsificado ou alterado, quer sob o aspecto material, quer sob o
aspecto ideológico. O objeto material do presente delito é o
documento referido nos Arts. 297 a 302. O uso de documento

304
falso é um crime remetido, uma vez que a descrição típica se
integra pela menção a outros dispositivos legais.

O documento deve ser empregado pelo agente como se


fosse documento verdadeiro. Deve apresentar relevância jurídica.
Pode o uso ser judicial ou extrajudicial. O uso deve ser real ou
efetivo.

Se a falsificação for grosseira, ou seja, sem potencialidade


alguma de causar dano, não há o crime de uso. STF-RTJ
121/140. A incidência é sobre documento público ou particular. O
uso do documento pode se dar de qualquer maneira.

Caracteriza-se o crime pela apresentação do documento a


qualquer pessoa e não apenas a funcionário público. É
necessário, entretanto, que tenha sido apresentado com a
finalidade de fazer prova sobre fato relevante.

Se o documento é apreendido em poder do agente, em


ocorrência de busca domiciliar ou em revista pessoal feita por
policiais, não haverá crime, pois não houve apresentação do
documento. Assim, o mero porte do documento é atípico.

Há divergência na jurisprudência, se o fato do documento


falso for apresentado diante de solicitação ou exigência da
autoridade. Reside a dúvida, pois a iniciativa do uso não foi
espontâneo por parte do agente. Entretanto, em sendo, C.N.H. de
acordo com o C.T.B., é documento de porte obrigatório por quem
conduz veículo. Nesse caso, quando o policial solicita e o agente
apresenta uma habilitação falsa, há o crime.

A tentativa é inadmissível, vez que o "tentar usar" já


configura o uso.

305
A pessoa que usa documento verdadeiro de outra pessoa
como se fosse próprio infringe o Art. 308 do CP. Tipo subjetivo é
o dolo. Ação penal pública incondicionada.

Art. 305 – Supressão de documento

A lei preocupa-se com a proteção da fé pública. O


documento é a base principal da fé pública, apresentando-se
como elemento indispensável ao apoio das relações jurídicas, em
qualquer órbita do direito.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, inclusive o proprietário do


documento, desde que não possa desfazer-se dele. Sujeito
passivo de forma direta é o Estado; indiretamente a pessoa
prejudicada.

O núcleo do tipo é representado pelos verbos "destruir,


suprimir e ocultar", significando a extinção, o desaparecimento.

A ação do agente deve voltar-se para documento público ou


particular verdadeiro, sendo estes o objeto material do delito.

O delito é formal e, assim, consuma-se no momento em que


o agente destrói, suprime ou oculta o documento, ainda que não
atinja sua finalidade de obter vantagem ou causar prejuízo.

O tipo subjetivo é o dolo. O elemento subjetivo do delito


refere-se ao especial fim de agir em benefício próprio ou de
outrem, ou em prejuízo de terceiro.

Entende-se que a supressão de documento descaracteriza a


prática de furto ou de apropriação indébita anterior. Em se
tratando de documento judicial ou processo, e o agente for
procurador ou advogado, configura o delito do Art. 356 do CP.

306
Não há o crime do Art. 305 do CP, se o objeto material for
translado, certidão ou cópia autenticada de documento original
existente. O dano previsto no Art.163 do CP não concorre com a
supressão de documento, ficando por este absorvido.

CAPÍTULO IV

OUTRAS FALSIDADES

Art. 307 – Falsa identidade

Identidade é o conjunto de características que servem para


identificar uma pessoa: nome, estado civil, profissão, sexo, etc.
Nesse crime, não há uso de documento falso ou verdadeiro. O
agente simplesmente se atribui, ou atribui à terceiro uma falsa
identidade, mentindo a idade, dando nome inverídico, etc.

O comportamento delituoso pode verificar-se por escrito ou


verbalmente. O silêncio quanto à identidade falsa não se ajusta
ao artigo em estudo. Desta forma, inexiste delito na conduta de
quem, confundido com terceiro, não esclarece ao interlocutor sua
verdadeira identidade.

A lei protege a fé pública, referindo-se à identidade da


pessoa. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa; trata-se de um
crime comum. O sujeito passivo é o Estado, e indiretamente, a
pessoa que venha a ser prejudicada.

Para a caracterização do crime é necessário que o agente


vise obter alguma vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou
causar dano a outrem. A vantagem visada pode ser de qualquer

307
natureza, mas se a conduta é apenas meio para a prática de
estelionato, ficará absorvida.

A conduta típica consiste em atribuir a si ou a outrem falsa


identidade, sendo esta constituída por todos os elementos de
identificação civil da pessoa, ou seja, o seu estado civil (idade,
filiação, matrimônio, nacionalidade, etc.) e seu estado social
(profissão). O tipo subjetivo é o dolo. Este artigo possui um
elemento subjetivo consistente no fim especial de agir “para
obter’’, em proveito próprio ou alheio ou causar dano a outrem.

O crime em estudo é subsidiário, sendo que o preceito


sancionador ressalva a possibilidade de o fato configurar
elementar de crime de maior gravidade. Assim, a falsa identidade
fica absorvida quando aparece integrando o estelionato.

Quando a falsa atribuição se refere a funcionário público o


agente responde pelo Art. 45 das leis das contravenções penais.
Da mesma forma o Art. 68 da LCP pune quem se recusa a
fornecer dados referentes à identidade ou os fornece falsos.

Trata-se de um crime formal que se consuma com a falsa


atribuição de identidade, independente da obtenção da vantagem
ou produção de dano à terceiro.

A tentativa somente é admissível quando a falsa atribuição é


realizada por escrito. Só existe na forma dolosa. A ação penal é
pública incondicionada.

Art. 308 – Subespécie da falsa identidade

308
O bem jurídico protegido também é a fé pública, em
particular a identidade pessoal. Qualquer pessoa poderá ser
sujeito ativo desse crime; sendo que o sujeito passivo é o Estado.

A lei incrimina duas condutas distintas: A primeira é usar


como próprio documento alheio. Nessa hipótese o agente tem em
suas mãos um passaporte, título de eleitor, carteira de reservista,
ou qualquer outro documento de identidade, pertencente à
terceiro, e deles se utiliza para fazer-se passar por outra pessoa.
O documento deve ser verdadeiro, pois, se for falso caracteriza
crime mais grave (Art. 304).

O crime se consuma com o uso independente de qualquer


outro resultado (crime formal). A tentativa não é admissível.

A segunda modalidade é ceder a outrem, para que dele se


utilize, documento próprio ou de terceiros. Nessa modalidade a lei
pune apenas o sujeito que cede, entrega a alguém um
documento verdadeiro, próprio ou de terceiros, para que dele se
utilize.

O crime se consuma com a tradição do documento, sendo


possível a tentativa quando o agente não consegue efetivá-la.

Aquele que recebe o documento deve estar imbuído da


intenção de utilizá-lo para fazer-se passar por outra pessoa, mas,
enquanto não faz uso de tal documento, o fato é atípico em
relação a ele.

O legislador, ao disciplinar a pena relativa a essas infrações,


estabelece que somente se aplica quando não constituir elemento
de crime mais grave. Trata-se de hipótese de subsidiariedade
expressa. A cessão do documento poderá ser a título oneroso ou

309
gratuito. Ainda, que a pessoa recebe o documento não faça uso
dele o delito estará consumado em relação a quem cedeu.

O tipo subjetivo é o dolo.

A ação penal é pública incondicionada.

Art. 311 – Adulteração de sinal identificador de veículo


automotor

O bem jurídico tutelado continua sendo a fé pública, que


pode ser abalada pela adulteração ou remarcação de n° de
chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor.

O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, tendo em


conta a descrição típica do caput. Quanto aos seguintes,
parágrafos 1° e 2°, exige-se do agente a qualidade de funcionário
público. Da mesma forma, o sujeito passivo é o Estado e o
indivíduo eventualmente lesado.

Essa infração penal (Art.311) foi inserida no CP pela Lei n°


9426/96, em que se pune quem adultera ou remarca número de
chassi ou qualquer outro sinal identificador de veículo (placas,
numeração do motor, do câmbio, numeração do chassi gravado
nos vidros, etc.).

A adulteração deve ter caráter permanente. Por essa razão,


não se tem reconhecido a infração penal pelo uso de fitas
isolantes em placa de automóvel para modificar em determinado
dia o último número identificador, com a finalidade de burlar
rodízio de veículos.

Os crimes em espécie são autônomos em relação ao


eventual furto ou receptação de veículo automotor. O delito

310
consuma com a efetiva adulteração ou remarcação do chassi ou
outro sinal identificador. Prevê o parágrafo 1° que se o crime for
praticado por funcionário público no exercício de suas funções, a
pena será aumentada em 1/3. Estabelece o parágrafo 2° que na
mesma pena incorre o funcionário que contribui para o
licenciamento ou registro de veículo remarcado ou adulterado,
fornecendo indevidamente material (espelhos de registro de
veículo, documento de licenciamento, carimbos, etc.) ou ainda
dando informação oficial.

Essas condutas do funcionário público dificultam a


descoberta e apuração dos delitos, pois visam esquentar a
documentação, que normalmente é de origem ilícita. O tipo
subjetivo é o dolo, e a ação penal é pública incondicionada.

TÍTULO XI - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA

CAPÍTULO I

DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO


CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Art. 312 – Peculato

O bem jurídico é a proteção da Administração Pública,


dando relevância à tutela sob o aspecto patrimonial (preservação

311
do erário público) e moral (fidelidade e probidade dos agentes do
poder).

O sujeito ativo deste tipo penal é o funcionário público.


Sujeitos passivos são o Estado e a entidade de direito público. Se
o bem móvel é particular, o proprietário ou possuidor desse bem
será o sujeito passivo também.

Conceito: O peculato nada mais é do que uma apropriação


indébita praticada em decorrência da função pública. É o delito do
sujeito que arbitrariamente faz sua ou desvia, em proveito próprio
ou de terceiros, a coisa móvel que possui em razão do cargo,
seja pertencente ao Estado ou a particular, ou esteja sob sua
guarda ou vigilância.

O objeto material do delito é a coisa sobre a qual recai a


conduta do funcionário público: dinheiro, valor ou qualquer bem
móvel de natureza pública ou privada. Não existindo peculato de
bem imóvel.

Tipo objetivo: O “caput” do Art. 312 abriga duas modalidades


de peculato:

a) peculato-apropriação (1ª parte) - apropriar-se significa


fazer sua a coisa de outra pessoa, invertendo o ânimo sobre o
objeto. O funcionário tem a posse do bem, mas passa a atuar
como se fosse seu dono. Essa posse, tem que ser em razão do
cargo.

Não há crime na conduta de usar serviços ou mão de obra


pública. Não é coisa. Exemplo: mandar subalterno pintar a casa.
Neste caso, ocorre ato de improbidade administrativa, previsto no
Art. 9°, IV, da Lei 8.429/92. Nesta hipótese, se o funcionário for

312
prefeito, haverá o crime específico do Art. 1°, II, do Decreto Lei nº
201/67 - Crimes de Prefeitos.

b) peculato-desvio (2ª Parte) - o funcionário público dá ao


objeto material a aplicação diversa da que lhe foi determinada,
em benefício próprio ou de outrem. Exemplo: o funcionário
público que paga a alguém por serviço não prestado ou objeto
não vendido à Administração Pública, emprestar dinheiro público
de que tem aguarda para ajudar amigos, etc. Essa modalidade de
crime se consuma no momento em que ocorre o desvio, pouco
importando se a vantagem visada é conseguida ou não.

Pergunta: há crime de peculato de uso? A Jurisprudência diz


que somente haverá crime quando se tratar de bem fungível.
Exemplo: dinheiro. Se for bem infungível, e o funcionário devolve
após o uso, não responde pelo crime, pois a lei não pune o mero
uso. Exemplo: usar trator do Estado para arar terras particulares.
Entretanto, se o autor for prefeito, infringe o Art. 1°, II do Decreto
Lei nº 201/67. Para os demais funcionários, será improbidade
administrativa.

c) O §1º do Art. 312 do CP, prevê o chamado peculato-furto.


Também chamado de peculato impróprio, ocorre quando o
funcionário público não tem a posse do objeto e o subtrai, ou
concorre para que outrem o subtraia, em proveito próprio ou
alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade
de funcionário. Essa facilidade é qualquer circunstância que de
fato propícia à prática do crime, como por exemplo, o fácil
ingresso à repartição ou local onde se achava a coisa subtraída.

Essa modalidade possui duas espécies:

313
a) subtrair (furtar com ânimo de assenhoramento. Exemplo:
funcionário público abre o cofre da repartição em que trabalha e
leva valores guardados, policial subtrai toca-fitas de carro
apreendido que está no pátio da Delegacia de Polícia;

b) concorrer para que terceiro subtraia - Neste caso, o


funcionário público deve colaborar dolosamente para a subtração.
Se ocorrer colaboração por imprudência ou negligência, haverá
peculato culposo. Essa modalidade está prevista no § 2° do artigo
em baila.

Peculato Culposo: ocorre quando funcionário concorre para


que outrem se aproprie, desvie ou subtraia o objeto material em
razão de sua inobservância ou dever de cuidado, objetivo
necessário. Exemplo: policial deixa a janela da viatura aberta e se
afasta do local. Alguém subtrai o rádio transmissor. Neste caso, o
policial responde por peculato culposo e o autor da subtração por
furto doloso.

Outro exemplo, é o chefe que esquece a porta do cofre


aberta e o subalterno, percebe e subtrai valores. O chefe
responde por peculato culposo e o subalterno por peculato-furto.

O § 3° prevê a reparação do dano ocorrido no peculato-


culposo. Se antes da sentença irrecorrível extingue a
punibilidade, se posterior, reduz a pena pela metade.

Art. 313 - Peculato mediante erro de outrem

Neste artigo, como no anterior, tutela-se a Administração


Pública no seu aspecto moral e patrimonial.

314
A conduta consiste em apropriar-se (apossar-se) de dinheiro
ou qualquer outra utilidade que, no exercício do cargo, recebeu
por erro de outrem. E indispensável que tal erro seja espontâneo
e não provocado pelo sujeito ativo e que ocorra em função do
cargo ocupado por este. A entrega pode ser efetuada por um
particular (extraneus), ou mesmo por outro funcionário público
(intraneus).

O sujeito ativo é necessariamente, um funcionário público. O


sujeito passivo é o Estado e a pessoa lesada pela conduta. Essa
modalidade é denominada “peculato-estelionato”, uma vez que a
vítima entrega um bem ao agente por estar em erro.

O dolo é o elemento subjetivo deste delito. Exige-se que o


agente tenha ciência de que o bem lhe foi entregue por erro.

Consuma-se o crime com a apropriação, isto é, quando o


funcionário, ciente do erro de outrem, toma a coisa sua, agindo
como se fosse dono.

A Lei nº 9.983/00 acrescentou algumas figuras típicas ao Art.


313, que, embora não guardem qualquer relação lógica com o
crime de peculato. A doutrina tem chamado esses novos crimes
de “peculato-eletrônico”.

O Art. 313-A, pune com reclusão de 02 a 12 anos o


funcionário público autorizado que inseri ou facilita a inserção de
dados falsos, alterar ou excluir dados corretos nos sistemas
informatizados ou banco de dados da Administração Pública, com
o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem, ou para
causar dano.

315
A objetividade jurídica deste delito é proteger a
Administração Publica, particularmente a segurança do seu
conjunto de informações, inclusive no meio informatizado, que
para a proteção de toda a coletividade, devem ser modificadas
somente nos limites legais.

Trata-se de crime funcional próprio, só pode ser praticado


por funcionário público. Admite-se a coautoria de particular.

Os núcleos do tipo são os verbos inserir, e facilitar, além de


alterar e excluir.

O elemento subjetivo é o dolo, além do fim especial de agir,


contido na expressão “com o fim de obter vantagem indevida
para si ou para outrem ou para causar dano”.

O Art. 313-B, pude com detenção de 03 meses a 02 anos e


multa o funcionário que modifica ou altera sistema de
informações ou programa de informática, sem autorização ou
solicitação de autoridade competente. O parágrafo único
estabelece um aumento de 1/3 até a metade da pena se dá
modificação ou alteração resulta dano para a Administração ou
administrado.

Também protege a Administração Pública, particularmente a


incolumidade de seus sistemas de informações e programas de
informáticas, que só podem sofre modificações ou alterações
quando a autoridade competente solicita ou autoriza a
determinado funcionário.

É um crime funcional próprio, só pode ser praticado por


funcionário público no exercício do cargo. O Estado é o sujeito

316
passivo. Admite-se como sujeito passivo secundário, o
administrado, na hipótese de dano a terceiro.

Os núcleos do tipo são os verbos modificar e alterar.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Este tipo penal possui


um elemento normativo contido na exigência de que a conduta
seja realizada “sem autorização ou solicitação de autoridade
competente”.

Trata-se de crime de mera conduta, consuma-se com a


alteração ou a modificação. Exemplo: funcionário modifica um
software.

Art. 315 - Emprego Irregular de verbas ou Rendas Públicas

A Lei tutela a regularidade da Administração Pública, o que


concerne à aplicação dos recursos públicos de conformidade com
a destinação legal prévia.

O sujeito ativo deste delito é o funcionário público que tenha


o poder de disposição de verbas e rendas públicas. Se for o
Presidente da República, ocorrerá o crime de responsabilidade
previsto no Art. 11 da Lei nº 1.079/50. Se for Prefeito Municipal,
haverá o delito de responsabilidade previsto no inciso III do Art. 1
° do Decreto Lei nº 201/67.

Os sujeitos passivos são a União, os Estados, os Municípios


e as Entidades lesadas pelo desvio.

Nesse delito o funcionário público não se apropria ou subtrai


as verbas em proveito próprio ou de terceiros. O crime se
caracteriza pelo emprego de verbas ou rendas públicas em
benefício da própria administração.

317
Para a existência deste delito, é necessário a existência de
lei regulamentando o emprego da verba ou renda pública e o
agente as empregue de maneira contrária àquela descrita na lei.

O tipo se consuma com o efetivo emprego irregular da verba


ou renda pública. A tentativa é admissível.

Não é necessário a ocorrência de dano ao erário. Da mesma


forma é irrelevante ter havido o objetivo de lucro.

O dolo é o elemento subjetivo do tipo. E a vontade livre e


consciente de aplicar diferentemente de sua destinação
específica, rendas ou verbas de natureza públicas.

As causas de exclusão de ilicitude previstas no Art. 23 do


CP são aplicáveis à espécie, deixando de existir o delito.
Exemplo: o funcionário diante de uma calamidade pública
emprega verba destinada à construção de uma ponte no socorro
das vítimas.

Art. 316 – Concussão

O objetivo jurídico deste delito é proteger o normal


desenvolvimento dos encargos funcionais por parte da
Administração Pública e a conservação e tutela do seu decoro.
De forma secundária, protege-se também o patrimônio do
particular contra a forma especial da extorsão cometida pelo
funcionário, que se vale, para a prática do delito, de função que
desempenha, empregando-a com meio de coação para a
obtenção de seus fins.

O sujeito ativo é o funcionário. Já os passivos são o Estado,


a entidade de direito público e também o particular lesado.

318
Tipo Objetivo: A conduta típica está centrada no exigir
vantagem indevida. O funcionário público constrange, exige
vantagem indevida. A vítima, temendo alguma represaria, cede à
exigência.

A exigência pode ser direta, isto é, o sujeito expressamente


a formula ao sujeito passivo, ou indireta, quando o autor do fato
se vale de interposta pessoa para chegar ao conhecimento da
vítima, a sua pretensão, ou formula a exigência de forma velada
ou maliciosa.

Quanto à natureza da vantagem indevida, há duas posições:

a) vantagem deve ser patrimonial (Damásio, Hungria e


Noronha);

b) qualquer espécie de vantagem, podendo ser de cunho


patrimonial, sentimental, sexual (Fragoso e Capez).

A concussão é uma forma especial de extorsão praticada


por funcionário público com abuso de autoridade. Deve haver
nexo entre a represaria prometida, a exigência feita e a função
exercida pelo funcionário público.

Na concussão não é necessário que o funcionário esteja


trabalhando no momento da exigência. O próprio tipo diz que ele
pode estar fora da função (horário de descanso ou férias) ou, até
mesmo, nem a ter assumido (quando já passou no concurso, mas
ainda não tomou posse).

Este crime é de natureza formal, consuma-se com a simples


exigência da vantagem indevida, independentemente de sua
obtenção. Se ocorrer, será exaurimento.

319
O particular que vier a entregar a vantagem ilícita ao
funcionário público, não cometerá o crime de corrupção ativa (Art.
333 CP), pois é vítima, uma vez que somente o terá feito por ter-
se sentido constrangido.

O elemento subjetivo é o dolo. A exigência da vantagem é


"para si ou para outrem". Se a vantagem for para a administração
não há o delito de concussão.

! A derradeira alteração trazida no Código Penal pelo


“Pacote Anticrime” do Min. Sérgio Moro, Lei nº 13.964/19, se
dá no preceito secundário do tipo penal estudado (art. 316).
A nova redação eleva o patamar máximo de pena aplicável
para 12 (doze) anos. Anteriormente, a baliza máxima era de 8
(oito) anos.

Excesso de Exação: vem descrito nos parágrafos 1° e 2° do


Art. 316. Trata-se de subtítulo do crime de concussão. Exação é a
cobrança rigorosa de dívida ou de impostos.

A figura descrita no § 1° diferencia-se da figura fundamental,


pois o sujeito ativo não visa ao proveito próprio ou alheio, mas
exige o tributo e o encaminha aos cofres públicos, ou, então, no
desempenho de sua função excede-se nos meios de sua
execução.

Na primeira hipótese (excesso no modo de exação), há uma


exigência de tributo que não é devido, tendo o sujeito ativo
consciência da ilegitimidade. Na segunda (exação fiscal
vexatória), há exigência é de imposto devido, mas a cobrança se
faz de modo vexatória, que causa humilhação, vergonha ao
sujeito passivo.

320
O § 2° visa punir a conduta do funcionário que após praticar
a primeira modalidade do delito de excesso de exação (§ 1°), ou
seja, exigir imposto que sabe indevido, em vez de recolher o
tributo aos cofres públicos, o desvia em proveito próprio ou
alheio.

Art. 317 - Corrupção Passiva

Existem duas espécies de corrupção:

a) ativa, quando se tem em mira a figura do corruptor. (Art.


333);

b) passiva, em face da figura do funcionário público


corrompido.

Trata-se de hipótese de concurso de agentes entre o


corruptor e o corrompido. Nosso Código Penal adotou a posição
típica de dois delitos, um para cada participante do fato. Descreve
a corrupção passiva (do funcionário), no Art. 317, e a ativa (do
terceiro) no Art. 333.

O objeto da tutela jurídica é o funcionamento normal da


Administração Pública no que diz respeito à preservação dos
princípios de probidade e moralidade do exercício da função. Este
crime compromete a eficiência do serviço público e por outro
lado, põe em perigo o prestígio da Administração e da Autoridade
do poder público.

A Corrupção Passiva pode ser considerada uma forma de


"comércio" de atos de ofício que devem ser realizados pelo
funcionário.

As condutas típicas são:

321
 Solicitar (pedir);

 Receber (entrar na posse), e;

 Aceitar promessa (concordar com a proposta).

Na solicitação a conduta inicial é do funcionário público. Ele


é quem pede algo ao particular.

No recebimento ou aceitação de promessa, a conduta inicial


é do corruptor (particular). Nesses casos, o funcionário responde
por corrupção passiva e o particular por corrupção ativa.

A lei se refere a "vantagem indevida em razão do cargo".


Ocorre uma espécie de troca entre a vantagem indevida visada
pelo agente público e a ação ou omissão funcional que
beneficiará o terceiro.

Diferença entre Concussão e Corrupção Passiva: Na


concussão a vítima entrega a vantagem em razão de uma
ameaça (exigir) para não sofrer um mal. Ela tem medo em razão
da conduta do funcionário público. Na corrupção passiva a vítima
visa obter benefícios em troca da vantagem prestada. Na
concussão o funcionário público constrange, exige a vantagem
indevida. Na corrupção passiva, há mero pedido, mera
solicitação. A concussão descreve fato mais grave e possui pena
mais elevada.

A corrupção passiva por ser:

a) própria: quando se pretende que o ato que o funcionário


público realize ou deixe de realizar seja ilegal;

322
b) imprópria: Quando se pretende que o funcionário público
venha a realizar ou deixe de realizar seja legal;

c) antecedente: quando a vantagem é entregue ao


funcionário público antes da ação ou omissão funcional;

d) subsequente: quando a vantagem é entregue após.

Pergunta: qualquer dádiva, presente ou recompensa


configura o delito de corrupção passiva? Não. Nem todas as
coisas podem ser consideradas objeto material de corrupção.
Assim, as gratificações comuns, de pequena importância, em
forma de gratidão, em face da correção de atitude de um
funcionário, não integram o delito: Exemplo: Boas Festas. Nesses
casos, não há consciência por parte do funcionário público de
estar aceitando retribuição pela prática de ato de oficio. Não há
dolo, já que o funcionário está apenas recebendo um presente.

O tipo subjetivo é o dolo e o elemento subjetivo do tipo está


contido na expressão "para si ou para outrem".

Trata-se de crime formal. Consuma-se no momento em que


o funcionário solicita, recebe ou aceita a vantagem. Pouco
importa se o funcionário efetivamente obtém a vantagem visada
ou se pratica ou não algum ato em face dessa vantagem.

O § 1 ° do Art. 317, por expressa previsão legal, diz que a


ação ou omissão do ato não é mero exaurimento do delito. A
pena será aumentada de 1/3 se, em consequência da vantagem
ou promessa indevida, o funcionário público retarda ou deixa de
praticar ato de ofício ou pratica infringindo dever funcional. É a
forma qualificada do delito de corrupção passiva. Há ainda a
forma qualificada especial, prevista no Art. 327, § 2° do CP.

323
O § 2° do estudado artigo é classificado como corrupção
passiva privilegiada. Diferencia-se das outras formas típicas pelo
motivo que determina a conduta do funcionário. Ele não vende o
ato funcional em face de interesse próprio ou alheio, pretendendo
receber uma vantagem. Transgrede com seu dever funcional
perante a Administração Pública para atender pedido de terceiro
(normalmente um amigo).

Nessa hipótese, o crime é material em razão da forma como


está redigido o dispositivo (cedendo).

Observação: para configuração do delito de corrupção


passiva não é imprescindível a ocorrência concomitante da
corrupção ativa, o que somente se verifica nas modalidades
receber e aceitar.

Tratando-se de crime funcional contra a ordem tributária,


aplica-se o Art. 3°, II da Lei nº 8.137/90 (Fiscal). O Art. 229 da Lei
nº 7.437/65 (Código Eleitoral), prevê crimes idênticos à Corrupção
Passiva e Ativa, mas praticados com a intenção de conseguir
votos. A Ação penal é publica incondicionada.

Art. 318 - Facilitação de Contrabando ou Descaminho

Protege a lei a Administração Pública. O sujeito ativo


somente pode ser o funcionário público (Art. 327). O sujeito
passivo é o Estado.

O núcleo do tipo é representado pelo verbo facilitar tornar


fácil, devendo o agente atuar de modo a afastar as dificuldades

324
que possam haver e que se interponham à prática do
contrabando ou descaminho. A conduta pode ser omissiva ou
comissiva. É exigência do dispositivo que a ação do agente seja
praticada com infração a dever funcional. Se inexiste essa
infração ao dever funcional, o crime será o mesmo que o de
contrabando ou descaminho, previsto no Art. 334 do CP.

O funcionário que pratica o crime de contrabando ou


descaminho facilitando tais condutas com violação do dever
funcional, comete crime autônomo. Não é coautor do delito
previsto no Art. 334. A consumação ocorre com a ação de
proporcionar facilidade a prática de contrabando ou descaminho
ainda que estes delitos não sejam consumados.

A ação penal é publica incondicionada de competência da


Justiça Federal.

Contrabando é a importação ou exportação de mercadorias


cuja entrada ou saída é absoluta ou relativamente proibida.
Descaminho é toda fraude empregada para iludir, total ou
parcialmente o pagamento de impostos.

É necessário que o funcionário tenha dever funcional de


reprimir e combater o contrabando ou descaminho.

Art. 318 - Prevaricação

O bem jurídico protegido continua sendo a Administração


Pública. O sujeito ativo é o funcionário público e o passivo é o
Estado, secundariamente pode ser o particular.

Prevaricar consiste na infidelidade ao dever de oficio, em


que o agente não cumpre as obrigações inerentes a sua função,

325
ou a pratica contra disposição legal, para satisfazer à interesse ou
sentimento pessoal.

São 3 as condutas típicas alternativamente previstas:

a) retardar, indevidamente (elemento normativo do tipo), ato


de oficio;

b) deixar de praticar, indevidamente (elemento normativo do


tipo) ato de oficio;

c) praticá-lo contra disposição expressa de lei (elemento


normativo do tipo).

As duas primeiras condutas são omissivas e a última é


comissiva.

O agente em qualquer dos casos visa à satisfação de


interesse ou sentimento pessoal. O interesse pode ser material
ou patrimonial. O sentimento é resultado da paixão ou emoção do
agente.

Ato indevido é ato ilegal, injusto. O objeto do delito é ato de


oficio. É necessário que o funcionário seja responsável pela
função relacionada ao fato que esteja em suas atribuições ou
competência.

O tipo subjetivo é o dolo, vontade de retardar, omitir ou


praticar ilegalmente ato de oficio. Este tipo penal exige, porém, o
elemento subjetivo do tipo que é o intuito de satisfazer interesse
ou sentimento pessoal, indispensável à caracterização do delito.

326
Negligência, preguiça ou desleixo exclui o dolo. No entanto,
se ficar caracterizado que o agente por preguiça, regularmente
não pratica ato de oficio, há crime.

A prevaricação se diferencia da corrupção passiva, pois


nesta o agente público negocia seus atos visando uma vantagem
indevida. Na prevaricação, o funcionário viola sua função para
atender a objetivos pessoais.

Art. 319-A - Prevaricação Imprópria

Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou Agente Público, de


cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho
telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com
outros presos ou com o ambiente externo: Pena: detenção, de
três meses a um ano (redação dada pela Lei n°.11.464/07).

Referida lei inseriu nova figura criminosa, com a mesma


pena da prevaricação, exceto multa, para punir o diretor de
penitenciária e/ou agente público que se omite em seu dever de
ofício, de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio
ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com
o ambiente externo.

A necessidade de inserção desse dispositivo ao CP deve-se


à constatação de que enorme número de presos tem tido acesso
a telefones celulares com os quais comandam quadrilhas de
dentro das cadeias, cometem crimes (extorsões, estelionatos,
etc.) e organizam fugas.

O crime aqui é próprio é só pode ser cometido por diretor de


penitenciária ou agente penitenciário. A conduta típica é
exclusivamente omissiva. Caso o funcionário introduza o aparelho

327
no presídio, incorre no crime do Art. 349-A do CP. Caso se omita
ou introduza o aparelho no presidio em troca de vantagem
indevida, responde por corrupção passiva, conforme previsto no
Art. 317 do mesmo dispositivo legal.

Art. 320 - Condescendência Criminosa

Trata-se o artigo de uma espécie de prevaricação


privilegiada, em que o sentimento pessoal do agente é a
indulgência e a omissão refere-se à responsabilização de
subalternos.

O sujeito ativo é o funcionário público. É indeclinável que o


agente seja superior hierárquico do funcionário infrator. O sujeito
passivo é o Estado.

Tendo o funcionário no exercício de suas funções, cometido


infração administrativa ou penal que deva ser objeto de apuração
na esfera da administrativa, constituirá crime a omissão por parte
do superior hierárquico, que por clemência, tolerância, deixe de
tomar as providências a fim de responsabilizá-lo.

O tipo penal incrimina duas condutas típicas:

a) deixar o superior hierárquico de responsabilizar o


funcionário autor de infração no exercício do cargo;

b) não levar o fato ao conhecimento da autoridade


competente quanta lhe falta competência.

Deixar de responsabilizar significa não apurar o fato


cometido pelo subordinado que cometeu a infração, ou não lhe
aplicar a sanção adequada, dentro da esfera de sua competência.

328
Na segunda hipótese, o funcionário não sendo competente
para efetuar a responsabilidade do subordinado não dá notícia a
autoridade competente.

A falta quer pode ser penal ou administrativa, deve guarda


conexão com o exercício do cargo.

O tipo subjetivo é o dolo e o elemento subjetivo do tipo


consiste no especial motivo de agir "por indulgência".

A ação penal é pública incondicionada.

Não se admite a tentativa, pois se trata de crime omissivo


puro.

Art. 321 - Advocacia Administrativa

A lei visa proteger a regularidade administrativa.

Não deve a Administração Pública submeter-se a influência


ou ao prestígio de seus funcionários, que pretendam atuar em
função de interesse particular, comprometendo a normalidade e a
moralidade administrativa.

O sujeito ativo é o funcionário público. O passivo é o Estado.


Pode haver coautoria do particular no polo ativo.

O delito se aperfeiçoa quando o funcionário público, valendo


de sua condição (amizade ou prestigio junto a outros
funcionários), defende interesses alheios legitimo ou ilegítimo,
perante a Administração Pública. Se o interesse for ilegítimo,
aplica-se a qualificadora no parágrafo único.

O tipo objetivo consiste em patrocinar (advogar, proteger,


defender, etc.), direta ou indiretamente, interesse privado perante

329
a Administração Pública, valendo da qualidade de funcionário, do
acesso junto a seus colegas e da camaradagem, consideração ou
influência.

Não é necessário que o fato ocorra na própria repartição em


que trabalha o agente, podendo ele valer-se de sua qualidade de
funcionário para preitear favores ou qualquer esfera da
administração.

É indiferente que o funcionário tenha realizado a conduta


pessoalmente, ou por interposta pessoa, podendo ser direta ou
indiretamente.

O crime se consuma no momento em que o agente realiza o


ato de patrocinar o interesse alheio, por escrito ou oralmente,
ainda que não obtenha êxito em beneficiar o particular. É crime
formal.

Art. 322 - Violência Arbitraria

Revogado pela Lei 4898/65, que trata do abuso de


autoridade. Há entendimento ao contrário.

Art. 324 - Exercício Funcional Ilegalmente Antecipado ou


Prolongado

Este tipo penal tem por finalidade resguardar a regularidade


na prestação dos serviços pela Administração Pública evitando o
desempenho de funções por quem não perfaz os requisitos
legais, ou porque deixou de reuni-los.

330
O sujeito ativo é o funcionário público. Que antecipa ou
prolonga suas funções. Quando particular pratica ato de oficio de
funcionário público comete outro crime, chamado de usurpação
de função pública (Art. 328), e o sujeito passivo é o Estado.

São duas as condutas incriminadas:

a) entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas


as exigências legais. Essa forma de delito acontece quando o
agente já foi nomeado, mais ainda não pode legalmente exercer
suas funções;

b) continuar a exercer a função pública depois de saber


oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou
suspenso. Nesta última hipótese é necessário que o agente tenha
sido oficialmente comunicado.

A doutrina entende que não há crime no ato de continuar de


exercendo as funções após ter entrado em férias ou licença. Da
mesma forma, não constitui a conduta de continuar,
indevidamente, a praticar as funções públicas, após a
aposentadoria por ausência de previsão legal.

O tipo subjetivo é o dolo. O fim do agente ao antecipar ou


prolongar o exercício das funções é irrelevante (querer auxiliar a
Administração). Entretanto estará afastado o crime se houver
estado de necessidade.

O delito se consuma com a prática de qualquer ato inerente


à função pública.

Art. 325 - Violação de Sigilo Funcional

331
Os artigos 153 e 154 do CP tutela a inviolabilidade dos
segredos da pessoa física. No presente artigo está tutelado o
sigilo da Administração Pública. Embora impere hoje o princípio
da publicidade da atividade administrativa, há fatos que devem
ser mantidos em sigilo.

O sujeito ativo é o funcionário público que pode ser também


o funcionário afastado ou aposentado.

O sujeito passivo é o Estado. Eventualmente o particular que


sofra prejuízo material ou moral com a revelação.

O tipo objetivo prevê duas condutas:

a) revelar o fato que tenha conhecimento em razão do cargo


e que deva permanecer em segredo. Nessa modalidade o
funcionário intencionalmente dá conhecimento do segredo a
terceiro por escrito, verbalmente ou mostrando documentos, etc.;

b) conduta é facilitar a revelação. Esta se dá quando o


funcionário adota determinado procedimento que torna a
descoberta acessível a outras pessoas, como por exemplo, deixar
anotações ou documentos em local que possa ser facilmente
visto por outras pessoas. Exemplo: servidor incumbido de
elaborar provas de concurso faz chegar ao conhecimento de
candidatos as questões.

O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a intenção livre e


consciente de revelar o sigilo funcional. Não se admite a forma
culposa.

332
Trata-se de crime formal. O delito se consuma no momento
em que o terceiro (funcionário público ou particular) toma
conhecimento, independente da ocorrência de prejuízo.

Figuras equiparadas: a Lei nº 9983/00, acrescentou o § 1º


ao Art. 325; “Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: I -
permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e
empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de
pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de
dados da Administração Pública; II - se utiliza indevidamente de
acesso restrito”. Tutela aqui especificamente o sigilo do sistema
de informações ou banco de dados da Administração Pública.
Nas duas primeiras modalidades típicas (permitir ou facilitar), o
funcionário público, que tem acesso liberado ao banco de
informações ou dados, autoriza ou auxilia pessoas não
autorizadas ater acesso a esse sistema. Na terceira modalidade
típica (inciso II), é o próprio funcionário público quem se utiliza,
indevidamente do acesso restrito.

Referida lei acrescentou ainda o § 2º ao artigo em baila: “se


da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a
outrem, a pena será de reclusão, de dois a seis anos, e multa.
Nessa hipótese, a conduta típica não só viola o regular e normal
funcionamento da atividade administrativa, como também acaba
por lhe acarretar prejuízos de ordem patrimonial. A qualificadora
também abrange o prejuízo provocado a qualquer particular.

Art. 326 - Violação do Sigilo de Proposta de Concorrência

333
Esta infração penal nada mais é do que uma violação do
segredo funcional que se refere especificamente a sigilo quanto à
proposta de concorrência pública, o dispositivo foi tacitamente
revogado pelo Art. 94 da Lei nº 8.666/93 - Lei das Licitações, que
tem uma redação mais abrangente, envolvendo procedimentos
licitatórios. A concorrência pública é apenas uma das formas de
licitação.

“Art. 94 da Lei nº 8.666/93: “Devassar o sigilo de proposta


apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a
terceiro o ensejo de devassa-lo: Pena- detenção, de dois a três
anos, e multa”

Art. 327 - Conceito de Funcionário Público

O conceito de funcionário público para os efeitos penais não


é o mesmo que para o direito administrativo. Para o direito penal
é considerado como tal pessoa que exerce função pública, ainda
que sem remuneração.

Fala o artigo em Cargo Público que o oposto criado por lei


na estrutura hierárquica na estrutura da administração, com
denominação e padrão de vencimentos próprios, ocupado por
servidor com vinculo estatutário. Exemplo: Delegado de Polícia,
Oficial de Justiça, etc. Emprego Público, é o oposto criado por lei
com denominação próprios, ocupados por servidor com vínculo
contratual sob a regência da CLT. Função Pública, é a
denominação residual, que envolve todo aquele que presta
serviços para a administração, embora não seja ocupante de
cargo ou emprego (exemplo: servidor contratado
temporariamente, mesário de eleição, etc.).

334
É equiparado a funcionário público quem exerce cargo ou
emprego em função em entidade paraestatal, como autarquia,
mas também em sociedades de economia mista, empresas
públicas e fundações instituídas pelo poder público, conforme
parágrafo 2º do estudado artigo.

A equiparação mencionada se restringe ao sujeito ativo do


delito, não tendo cabimento estender ao sujeito passivo.
Menciona ainda pessoas que trabalham em empresas que
celebra contrato de prestação de serviços ou convênios com a
administração, também poderão responder pelos delitos previstos
neste capítulo. Contrato administrativo é todo ajuste que a
administração celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas
ou privadas, para concepção de seus fins públicos, segundo
regime jurídico de direito público. Convênio é a forma de ajuste
entre o poder público e entidades públicas ou particulares para
realização de objetivos de interesse comum mediante mutua
colaboração.

O § 2º é uma causa de aumento de pena, quando o


funcionário exercer cargo em comissão ou função de direção ou
assessoramento, devem ser mais severamente punidas, caso
venham a cometer qualquer dos crimes funcionais.

335
CAPÍTULO II

DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A


ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Art. 328 - Usurpação de função pública

Trata-se de infração penal cuja finalidade também são


tutelar a regularidade e o normal desempenho das atividades
públicas.

Usurpar significa desempenhar indevidamente uma atividade


pública, ou seja, o sujeito assume uma função pública, vindo a
executar atos inerentes ao ofício, sem que tenha sido aprovado
em concurso ou mesmo nomeado para tal função.

Trata-se de crime comum, que pode ser cometido por


qualquer pessoa, inclusive por funcionário que exerce função que
não lhe compete. O sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, devendo o agente ter


ciência de que está usurpando a função pública.

A simples conduta de se intitular funcionário público perante


terceiros, sem praticar atos inerentes ao oficio, pode constituir
apenas as contravenções penais do Art. 45 ou 46 da LCP (fingir
ser funcionário público).

Se o agente obtém a vantagem moral ou material em razão


da usurpação, o crime é qualificado (parágrafo único).

Art. 329 - Resistência

Esse estatuto penal protege a autoridade e o prestígio da


função pública, procurando resguardar os agentes do poder

336
público da conduta de quem, mediante violência física ou grave
ameaça, tenta impedir a execução de ato legítimo. Com isso, o
Estado confere proteção à autoridade, pressupondo a eficiência
de seus agentes e de quem lhes presta colaboração.

O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa. O


passivo é o Estado, e de forma secundária, o funcionário público
contra quem é dirigida à violência ou ameaça.

A conduta típica consiste em opor-se à execução de ato


legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente
para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio.

Para que exista o crime é necessário que o funcionário


público seja competente para o cumprimento do ato. Funcionário
incompetente para o ato não pode ser sujeito passivo de
resistência.

Se a violência ou ameaça forem empregadas após a


realização do ato, o agente responderá ou por ameaça ou lesão,
uma vez que a violência ou ameaça devem ser usadas como
meio de evitar a prática do ato funcional. Entretanto, se a
violência for empregada com o fim de fuga, após a prisão ter sido
efetuada, o crime será aquele do Art. 352 do CP.

O ato a ser cumprido pelo funcionário público deve ser legal.


Se for ilegal, a oposição mediante violência ou ameaça não
tipifica resistência.

O crime se consuma no momento em que for empregada a


violência ou a ameaça. Trata-se de crime formal, pois, para a
consumação, não se exige que o sujeito consiga impedir a

337
execução. Se isso ocorrer, será aplicado o § 1º do artigo, que é a
forma qualificada.

Nesse caso, o que seria exaurimento no “caput” funciona


como qualificadora no § 1º.

O § 2º determina que as penas do crime de resistência são


aplicadas sem prejuízo das correspondentes à violência. De tal
forma, se da violência resulta lesão ou morte, o sujeito
responderá por dois crimes (resistência e lesão ou homicídio). As
penas serão somadas. Essa regra se aplicará mesmo se as
lesões sofridas forem de natureza leve.

O mero xingamento contra funcionário público constitui crime


de desacato. Se o agente xinga e emprega violência contra
funcionário público, teria cometido dois crimes, mas a
jurisprudência firmou entendimento de que, nesse caso, o
desacato fica absorvido pela resistência.

O emprego de violência contra dois ou mais policiais


configura crime único e não concurso formal, pois o sujeito
passivo direto e principal é o Estado.

No caso de embriaguez do agente, há três posições:

a) é incompatível com o elemento subjetivo do crime de


resistência;

b) a embriaguez voluntária do agente não exclui sua


responsabilidade, uma vez que o tipo não exige dolo específico;

c) exclui-se a responsabilidade apenas quando o agente


está inteiramente dominado pela intoxicação alcoólica
(dominante).

338
Art. 330 - Desobediência

Procura a lei tutelar o cumprimento de


determinações legais emanadas de funcionários públicos.

Sujeito ativo é qualquer pessoa inclusive o funcionário


público, desde que não esteja nessa condição. O sujeito passivo
é o Estado.

A ação física é representada pelo verbo desobedecer,


importando não-atendimento ou descumprimento. A
desobediência deve ser dirigida a ordem legal de funcionário
público, isto é, uma determinação efetiva para fazer alguma coisa
ou deixar de fazê-la.

Para a caracterização do delito deve haver uma ordem; a


ordem deve ser legal; e deve ser emanada de funcionário público
competente para proferi-la; e finalmente, o destinatário deva ter o
dever jurídico de cumprir a ordem.

Não basta para a caracterização do crime que haja pedido


ou solicitação, sendo mister a efetiva ordem. Assim, um simples
oficio que solicita providência, caso não respondido, não basta
para a caracterização do ilícito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, vontade livre e


consciente de desobedecer à ordem de funcionário público. Deve
o sujeito estar consciente de que está deixando de cumprir o
conteúdo de uma ordem emanada de funcionário público. É
necessário também que o sujeito saiba que tem o dever de
cumpri-la.

339
De acordo com a jurisprudência, se alguma norma civil ou
administrativa comina sanção dessa natureza (civil ou
Administração) para um fato que poderia caracterizar crime de
desobediência, mas deixa de ressalvar a sua cumulação coma
pena criminal, não pode haver a responsabilização penal.
Exemplo: a) o Art. 219 do CPP que se refere a sanção aplicável à
testemunha intimada que sem motivo justificável falta à audiência
em que seria ouvida. O dispositivo permite a cumulação da multa
e das despesas da diligência, “sem prejuízo do processo penal
por crime de desobediência”; b) o CTB prevê multa àquele que
desrespeita ordem de parada feita por policial, mas não ressalva
a aplicação autônoma do crime de desobediência. Assim, o
motorista somente responde pela multa de caráter administrativa.
Não responde pelo crime.

Art. 331 - Desacato

O bem jurídico tutelado é a dignidade, o prestígio, o decoro,


o respeito, devidos à função pública.

O núcleo do verbo é desacatar, que significa


ofender, vexar, humilhar, espezinhar, desprestigiar, menosprezar,
ofendendo a dignidade ou o decoro da função. Pode o desacato
constituir-se em palavras ou atos (gritos, gestos, escritos), vias de
fato, agressão física, ameaça.

Para a configuração do delito de desacato é


indispensável o nexo funcional, ou seja, que a ação ocorra
quando o funcionário esteja no exercício da função ou, não
estando, que a ação se verifique em função dela. É indispensável
a caracterização do desacato a presença do funcionário por
ocasião da ofensa. A ofensa feita contra funcionário em razão de

340
suas funções, mas em sua ausência, caracteriza o crime de
injúria qualificada.

Para a existência do crime de desacato, a lei prevê duas


hipóteses: a) que a ofensa seja feita contra funcionário que esteja
no exercício de suas funções, ou seja, que esteja trabalhando no
momento em que é ofendido.; b) que seja feita contra funcionário
que está de folga, desde que a ofensa se refira às suas funções.

O sujeito ativo do delito em princípio pode ser qualquer


pessoa. Em se tratando de funcionário público, há três posições:
a) não há crime, pois, o presente delito está previsto no capítulo
dos crimes praticados por particulares contra a Administração em
geral. Nesse caso haveria apenas o crime de injúria; b) só será
possível o desacato se o ofensor for subordinado
hierarquicamente ao ofendido; c) sim, pois o funcionário, ao
ofender o outro, se despe da qualidade de funcionário público e
se equipara a um particular. É a opinião majoritária.

Pergunta: Advogado pode cometer desacato? Resposta: O


Estatuto da OAB (Lei nº 8906/94) em seu Art. 7º, §2ª, estabelece
que o advogado não comete crimes de injúria, difamação ou
desacato quando no exercício de suas funções, em juízo ou fora,
sem prejuízo das sanções disciplinares junto à OAB.

Entretanto o advogado comete desacato, pois se entende


que esse dispositivo é inconstitucional no que tange ao crime de
desacato, pois a imunidade dos advogados previstas no Art. 133
da CF somente poderia abranger os crimes contra a honra e não
os crimes contra a ADMINISTRAÇÃO (STF).

341
O sujeito passivo é primeiramente o Estado. De forma
secundária, o funcionário público que foi ofendido.

Em relação à embriaguez, se exclui ou não o desacato,


também existem três posições. A posição dominante é que o
desacato exige dolo específico, sendo a embriaguez do agente
incompatível com esse elemento subjetivo, exclui o delito. (vide
crime de resistência). Quando se tratar de exaltação de ânimos,
existem duas posições sobre a exclusão do desacato:

a) para a corrente majoritária o crime de desacato exige


ânimo calmo, sendo que a exaltação ou cólera exclui o seu
elemento subjetivo;

b) a emoção não exclui a responsabilidade pelo desacato,


posto que o Art. 28, I do CP, estabelece que a emoção e a paixão
não excluem o crime.

O tipo subjetivo é o dolo e o elemento subjetivo do tipo,


informado pelo fim especial de agir, já que o agente tem por
objetivo desrespeitar a função pública.

O desacato absorve, pelo princípio da consunção as


infrações de menor gravidade, com vias de fatos, lesão leve
difamação e injúria. Se a outra infração for mais grave, como a
lesão corporal grave haverá concurso formal.

Art. 332 - Tráfico de influência

A Lei nº 9127/95 deu nova redação a este tipo penal, que se


chamava exploração de prestígio.

O bem jurídico protegido é a Administração Pública no seu


particular aspecto de seu prestígio, confiança e respeito.

342
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o
funcionário público. O sujeito passivo é o Estado.

O tipo objetivo é representado pelas condutas de solicitar


(pedir), exigir (ordenar, impor), cobrar (receber, exigir em troca),
obter (conseguir). O agente atua no sentido de alcançar, para si
ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto
de influir em funcionário público no exercício da função.

O agente gabando-se de influir sobre funcionário público


realiza os tipos verbais a fim de influir em ato praticado por tal
funcionário no exercício de sua função.

Temos uma espécie de estelionato em que o agente anuncia


influência sobre um funcionário e assim procura tirar vantagem de
suas alegações, no sentido de, em troca da vantagem beneficiar
o terceiro. Este, enganado pela conversa do agente dispõem-se a
entregar-lhe a vantagem em troca do ato que o agente pode levar
o funcionário a praticar. O delito tutela também o patrimônio do
terceiro, ludibriado pela conduta do sujeito. Por isso, se o agente
realmente gozar de influência sobre o funcionário e dela fizer uso,
haverá outro crime, como corrupção ativa e passiva.

O crime, nas modalidades solicitar, exigir e cobrar, consuma-


se com a prática de uma dessas ações criminosas,
independentemente da obtenção da vantagem almejada. Trata-
se, portanto, de crime formal. Já na modalidade obter, o crime se
consuma no momento em que o agente obtém a vantagem ou
promessa. É, nessa hipótese, delito material.

O crime de tráfico de influência tem sua pena aumentada


quando o agente diz que a vantagem é também endereçada ao

343
funcionário. Se a vantagem se destina efetivamente a funcionário
público que está mancomunado com o agente, há crimes de
corrupção passiva e ativa.

Se o agente visa vantagem patrimonial a pretexto de influir


especialmente em juiz, jurado, órgão do MP, funcionário da
justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha, o crime é o de
exploração de prestígio, descrito no Art. 357 do CP.

Art. 333 - Corrupção ativa

De acordo com a teoria monista ou unitária, todos os que


contribuem para um crime responderão por esse mesmo crime.
Ás vezes, entretanto, a lei cria exceções a essa teoria, como
ocorre com a corrupção passiva e a corrupção ativa. Assim, o
funcionário público que solicita, recebe ou aceita promessa de
vantagem indevida comete crime de corrupção passiva, enquanto
o particular que oferece ou promete essa vantagem prática o
crime de corrupção ativa.

Existe uma correlação entre as figuras típicas dos


delitos de corrupção ativa e passiva:

Corrupção passiva Corrupção ativa

(Func. Púb - intraneus) (Particular - extraneus)

1 - solicitar---------------------------------------1 - não há correlação

2 - receber---------------------------------------2 - oferecer

3 - aceitar promessa--------------------------3 - prometer

Na modalidade “solicitar” da corrupção passiva, não existe


figura correlata na corrupção ativa. Neste caso a solicitação é de

344
iniciativa do funcionário público, e no caso, se o particular dá ou
entrega dinheiro, só existe a corrupção passiva. O fato é atípico
quanto ao particular

Nos demais casos, existem uma correlação entre o ato de


oferecer e o de receber e prometer e aceitar promessa. Pode
ocorrer o crime de corrupção ativa sem o crime de corrupção
passiva. É o caso do funcionário público que não recebe e não
aceita a promessa de vantagem ilícita.

Pergunta: Existe crime de corrupção ativa quando o agente


se limita a pedir para o funcionário “dar um jeitinho?

Resposta: Não há corrupção ativa, pois, o agente não


oferece nem promete qualquer vantagem indevida. Entretanto, se
o funcionário “dá o jeitinho” e não pratica o ato que deveria,
responde por corrupção passiva privilegiada (Art. 317, § 2º do
CP) e o particular figura como participe. Se o funcionário não dá o
jeitinho, o fato é atípico.

A vantagem a que se refere o Art. pode ser de qualquer


natureza e não apenas patrimonial.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O passivo é o


Estado.

A conduta típica alternativamente prevista consiste em


oferecer (colocar à disposição) ou prometer (obrigar-se a dar)
vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a
praticar, omitir, (deixar de praticar) ou retardar (atrasar) ato de
oficio incluído na esfera de competência do funcionário.

345
O tipo subjetivo é o dolo; e o elemento subjetivo do tipo está
representado pelo especial fim de agir, ou seja, “para determiná-
lo a praticar, omitir ou retardar o ato de oficio”.

O delito se consuma com o efetivo conhecimento, pelo


funcionário, do oferecimento ou promessa de vantagem indevida.
A tentativa é admissível apenas na hipótese de oferta escrita.

Se o funcionário vier a aceitar a vantagem e retardar, omitir


ou praticar ato infringindo dever funcional, a pena da corrupção
ativa será aumentada de um terço, nos termos do § único do
estudado artigo.

Art. 334 - Descaminho

A Lei nº 13.008/14, alterou o Art. 334 deste Código. Antes


contrabando e descaminho era tipificado neste mesmo tipo penal,
e, portanto, tinham as mesmas penas e formas equiparadas.
Agora, são dois artigos, o 334 (descaminho) e o 334-A
(contrabando).

O bem jurídico protegido é o erário da Administração


Pública, ou seja, o controle do Poder Público sobre a entrada ou
saída de mercadorias do pais e os interesses em termos da
Tributação da Fazenda Nacional.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo


é o Estado. O funcionário que facilitar o contrabando ou o
descaminho comete o crime do Art. 318 do CP.

Conceitos:

a) contrabando: consiste em importar ou exportar


mercadoria absolutamente ou relativamente proibida;

346
b) descaminho: é o ato de iludir, no todo ou em parte, o
pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída
ou pelo consumo de mercadoria, não proibida.

Apesar de decisões em sentido contrário, a mera omissão


na declaração ao fisco da quantidade de mercadorias, sem
emprego de fraude ou malícia, não caracteriza o delito, mas
infração tributária, pois o artigo fala em iludir.

O STF tem decidido que este crime é formal, não


necessitando de efetivo prejuízo ao erário, independente da via
administrativa.

Trata-se de crime doloso, sendo que embora formal, admite


a tentativa, sendo de competência da Justiça Federal.

O STJ decidiu que o princípio da insignificância só se aplica


em casos de crime de descaminho se o valor questionado for
igual ou inferior a R$ 10 mil.

O § 1º prevê, em suas 4 alíneas, várias figuras equiparadas


ao contrabando ou descaminho.

a) navegação de cabotagem tem a finalidade de realizar o


comércio entre os portos de um mesmo país. Assim, constitui
crime a prática desta fora dos casos permitidos em lei. Trata-se
de norma penal em branco, cuja existência pressupõe a
desrespeito ao texto de outra lei;

b) a prática de um ato assimilado previsto em lei, com, por


exemplo, a saída de mercadorias da Zona Franca de Manaus
sem o pagamento de tributos, quando o valor excede a cota que

347
cada pessoa pode trazer. Também é uma norma penal em
branco;

c) neste dispositivo, o legislador pune, inicialmente, o próprio


contrabandista que vende, expõe a venda, mantém em depósito
ou de qualquer forma utiliza a mercadoria, no exercício de
atividade comercial ou industrial. Quando isso ocorre, o agente
não será punido pela figura do caput, que fica absorvida. Em 2º
momento, a lei pune quem toma as mesmas atitudes em relação
às mercadorias introduzidas clandestinamente ou importadas
fraudulentamente por terceiros;

d) a lei pune, por fim, a pessoa que no exercício de atividade


comercial ou industrial, adquire (obtém a propriedade), recebe
(obtém a posse) ou oculta (esconde) mercadoria de procedência
estrangeira desacompanhada de documentos ou acompanhada
de documentos falsos. Trata-se de delito que possui as mesmas
condutas típicas do crime de receptação, mas que se aplica
especificamente a mercadorias produto de descaminho. A norma
explicativa do § aplica-se também aos crimes nesta alínea.

O § 2º é uma norma explicativa, que equipara à atividade


comercial qualquer forma de comércio irregular (sem registro
junto aos órgãos competentes) ou clandestinos (camelôs),
inclusive o exercício em residências.

O § 3º é uma causa de aumento de pena. Esta será aplicada


em dobra quando o contrabando ou descaminho for praticado
mediante transporte aéreo, marítimo ou fluvial. A facilidade
decorrente da utilização de aeronaves e embarcações para a
prática do delito é a razão da maior severidade deste parágrafo.

348
O tipo subjetivo é o dolo. A ação penal é pública
incondicionada, de competência da Justiça Federal. Para o STJ,
o pagamento do tributo devido não extingue a punibilidade do
crime.

Art. 334-A - Contrabando

São tutelados além do bem-estar econômico da


Administração Pública, a saúde, a higiene, a moral, a ordem
pública, quando se trata de importa mercadorias proibidas, e até
a indústria nacional, protegida pelas barreiras alfandegarias.

Tem como sujeito ativo qualquer pessoa, sendo o sujeito


passivo a Estado.

O tipo pune a importação e exportação clandestina ou


exportação clandestina de mercadorias no país, que é absoluta
ou relativamente proibidas.

Estamos diante de uma norma penal em branco, pois


necessita de uma norma (extrapenal) para completa-la, ou seja,
apontar as mercadorias proibidas.

Os tribunais superiores não têm admitido o princípio da


insignificância neste delito, pois o bem juridicamente tutelado vão
além do mero valor tributário devido.

Tipo subjetivo é o dolo, sendo que o delito se consuma com


a passagem na barreira fiscal com a mercadoria proibida. Já se
for feito por meio clandestinos, a consumação depende da
transposição da fronteira do país.

349
Existem mercadorias cujo tráfico tipifica crime diverso,
previsto em lei especifica, como o tráfico de drogas (Lei
11.343/06) ou armas de fogo (Lei 10.826/03).

A tentativa é possível, sendo de competência da justiça


Federal.

O § 1º prevê fatos assimilados ao contrabando. No inciso I,


fato assimilado em lei especial: mesmo exemplo e entendimento
do descaminho; o Inciso II, fala em mercadoria que dependa de
registro, análise ou autorização de órgão competente. É o caso
de fertilizantes, corretivos, biofertilizantes, que devem ser
registrados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária; Incisos III faz
menção a reinserção no território nacional de mercadoria
brasileira destinada à exportação. Tal produto não pode circular
no Brasil, e somente no exterior; Incisos IV e V incrimina vender,
expor a venda, manter em depósito, adquirir, receber ou ocultar,
no exercício de atividade comercial ou industrial mercadoria
proibida pela lei brasileira.

Tem se ainda o parágrafo 2º, que é uma norma explicativa,


equiparando a atividade comercial, a qualquer forma de comercio
irregular ou clandestino.

Finalmente, o artigo também faz referência no § 3º, a forma


de transporte das mercadorias, punindo-se mais severamente o
transporte feito por meio aéreo, marítimo ou fluvial.

** (Ler em sala o Capítulo II-A – 337-B, 337-C e 337-D)

CAPÍTULO II-B

350
DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS
ADMINISTRATIVOS

A lei 14.133/21 concentrou os crimes em licitações e


contratos administrativos incluindo o Capítulo II-B, do Título XI, do
Código Penal, que trata dos crimes contra a administração
pública (Ler os artigos 337-E a 337-P).

Em 1º de abril 2021, foi publicada a lei 14.133, conhecida


como "Nova lei de Licitações e Contratos Administrativos". A lei
trouxe importantes alterações no procedimento e nas regras a
serem aplicadas nas licitações e contratos administrativos, bem
como acrescentou doze novos tipos penais ao Código Penal.

Apesar de a lei 8.666/93 (Lei de Licitações) ainda continuar


aplicável aos contratos iniciados antes da vigência da nova lei, os
crimes previstos na antiga legislação foram imediatamente
revogados e substituídos (art. 193, I, da lei 14.133/21).

A revogação dos crimes da antiga lei 8.666/93 não levará à


extinção da punibilidade, pois houve continuidade normativo-
típica, isto é, as condutas seguem criminalizadas, mas agora pelo
Código Penal.

A lei 14.133/21 aumentou a pena e previu regime inicial mais


rigoroso para várias condutas previstas como crimes em
licitações e contratos administrativos, como: (i) dispensa ilegal de
licitação (de detenção de 3 a 5 anos para reclusão de 4 a 8 anos);
(ii) frustração do caráter competitivo de licitação (de detenção de
2 a 4 anos para reclusão 4 a 8 anos); (iii) fraude em licitação (de
detenção de 3 a 6 anos para reclusão de 4 a 8 anos). Assim, para
condutas anteriores à 1º.4.2021 (a lei não possui período de

351
vacância - art. 194), deve ser aplicado o preceito secundário
previsto na antiga lei 8.666/93, por força do princípio da
anterioridade.

Considerações importantes:

A pena de reclusão, agora prevista para a grande maioria


dos crimes licitatórios, representa uma verdadeira novatio legis in
pejus, pois permite que a reprimenda seja cumprida em regime
inicialmente fechado. A detenção, anteriormente prevista para a
integralidade dos crimes previstos na Lei 8.666/93, por sua vez,
não permitia que o início do cumprimento de pena dos crimes
licitatórios se desse no regime inicialmente fechado, pois ela
somente é compatível com regimes aberto e semiaberto,
consoante expressa determinação legal.

A possibilidade de aplicação do regime inicialmente fechado


para cumprimento de pena refletirá certamente na possibilidade
de imposição de prisões cautelares em regime fechado sem que
isso represente afronta ao princípio da homogeneidade
amplamente defendido pelos Tribunais.

Fraude na licitação para contratação de serviços: A lei


14.133/21 agora prevê expressamente como crime a fraude na
contratação de serviços (art. 337-L), situação que, segundo a
jurisprudência do STJ, não era tipificada pela lei 8.666/93 (Tese
11 da Edição 134 do "Jurisprudência em Teses").

Dolo específico na dispensa ilegal de licitação: Apesar


de inexistir descrição legal, o STJ havia previsto os requisitos do
"dolo específico" e do "prejuízo efetivo ao erário" para aplicação
do art. 89 da lei 8.666/93, que tratava da dispensa ou

352
inexigibilidade ilegal de licitação (Informativo 494). A nova lei
seguiu a redação da antiga lei 8.666/93 e não incorporou tais
requisitos jurisprudenciais, o que poderá ser interpretado como
um silêncio eloquente do legislador e alterar o antigo
entendimento do STJ.

Novo crime de omissão de dado ou informação: A lei


14.133/93 trouxe um crime sem anterior correspondência na lei
8.666/93, qual seja, o art. 337-O do Código Penal, que pune a
conduta de omitir, modificar ou entregar levantamento cadastral
ou condição de contorno discrepante da realidade durante as
fases de elaboração do projeto básico, executivo ou anteprojeto.
A conduta, na legislação antiga, poderia ser classificada como
falsidade ideológica do art. 299 do Código Penal e receber pena
superior ao novo preceito do art. 337-O, devendo haver aplicação
retroativa do art. 337-O caso ocorra tal situação no caso concreto,
por força do princípio da incidência da lei penal mais benéfica.

Alterações na pena de multa: A lei 8.666/93 previa o limite


de até 5% do valor do contrato para a fixação da pena de multa.
A lei 14.133/21 retirou o teto, mantendo apenas o piso de 2% do
valor do contrato e prevendo expressamente a adoção dos
critérios do Código Penal para fixação da pena de multa (art. 337-
P do Código Penal).

Por fim, esclarece-se que, apesar da nova lei ter eficácia


imediata, pelos próximos dois anos a Administração Pública
poderá optar por licitar sob a nova ou antiga lei, o que poderá
gerar indesejável alargamento da discricionariedade e
insegurança jurídica. Dessa forma, é certo que, apesar de
representar um valioso e indiscutível instrumento de efetivação
dos princípios administrativos, a nova Lei de Licitações ainda será

353
alvo de intensos e acalorados debates doutrinários e de
indiscutível aperfeiçoamento jurisprudencial para que sejam
podados eventuais excessos.

CAPÍTULO III

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA

Art. 339 - Denunciação caluniosa (Alterado pela Lei nº


14.110/2020)

O objeto jurídico deste delito é a administração da Justiça,


que deve ficar a salvo das falsas imputações de crime. Protege
também a liberdade e a honra daquele que poderá ser o objeto
de investigação ou acusação de crime/infração ético-
profissional/ato improbo que não praticou.

A Lei nº 14.110, de 18/12/2020, alterou o caput do art. 339


do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal), para dar nova redação ao crime de denunciação
caluniosa.

A alteração legislativa buscou melhorar a redação do caput


do referido artigo, bem como inseriu a possibilidade de punição
de denunciação caluniosa em órgão de classe, quando se realiza
a falsa notificação de infração ética e contra profissional nos
órgãos fiscalizadores, como conselhos profissionais.

354
Redação anterior: Dar causa à instauração de investigação
policial, de processo judicial, instauração de investigação
administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe
inocente:

Nova redação: Dar causa à instauração de inquérito


policial, de procedimento investigatório criminal, de processo
judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito
civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém,
imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo
de que o sabe inocente.

A conduta nuclear foi mantida, consistindo em “dar causa a”,


que significa motivar, provocar, ocasionar.

Desta forma o tipo objetivo do delito consiste em dar causa


(motivar, originar), instauração de inquérito policial, de
procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de
processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de
ação de improbidade administrativa contra alguém,
imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de
que o sabe inocente.

Sobre a troca da expressão genérica “investigação policial”


por suas espécies, consistentes no inquérito policial, via de regra
a cargo da polícia judiciária, e no procedimento investigatório
criminal, que é utilizado pelo Ministério Público em sua atividade
investigativa. Vale lembrar que, no julgamento do Recurso
Extraordinário (RE) 593727, o STF reconheceu o poder de
investigação do MP.

355
Deve-se destacar, entretanto, que, no caso de investigação
pela polícia, o tipo não exigia a instauração do inquérito, mas se
contentava com o início da investigação policial em virtude da
falsa imputação do crime a alguém. Atualmente, exige-se mais,
pois é necessária a efetiva instauração do inquérito ou do
procedimento investigatório. Antes, bastava qualquer diligência
investigatória para a consumação do delito.

Quanto ao termo “investigação administrativa”, parece ter


havido a troca por um termo menos amplo, já que “procedimento
administrativo disciplinar” tem um significado mais restrito. Como
infelizmente é comum na área jurídica, as expressões muitas
vezes são usadas sem uniformidade de sentido, o que pode levar
a confusões terminológicas. O tipo atual, entretanto, exige que se
dê causa à instauração do procedimento administrativo
disciplinar. Ainda que isso mereça maior discussão e possa trazer
conclusões diferentes a depender da definição dos termos, a lei
pode ter deixado mais restrita, nesse ponto específico, a conduta
tipificada. Em caso de o agente saber que aquele a quem acusa
de crime é inocente, pode-se concluir que é exigido, atualmente,
o procedimento administrativo disciplinar, não bastando a
investigação preliminar.

Além disso, é necessário que se acuse alguém que se saiba


inocente de ter praticado crime, infração ético-disciplinar ou ato
ímprobo. Anteriormente, a lei só mencionava crime. Há novatio
legis incriminadora, portanto, no caso da infração ético disciplinar
que não configure, ao mesmo tempo, um crime.

No caso de improbidade administrativa, antes havia duas


situações:

356
a) se o ato ímprobo também fosse crime, era possível que o
agente respondesse pelo artigo 339 do CP. Por isso, mesmo
quando a lei só mencionava a imputação de crime a alguém que
sabia inocente, já previa a instauração de ação de improbidade
administrativa. Isso porque é possível que um mesmo fato
configure crime e ato de improbidade administrativa.

b) caso o ato ímprobo não configurasse crime, haveria a


possibilidade de responsabilização penal pela infração prevista no
artigo 19 da Lei 8.429/92, com sanção penal menor. Atualmente,
a imputação de ato de improbidade a alguém que se sabe
inocente configura o crime do artigo 339 do CP, desde que haja a
instauração de inquérito civil, de procedimento administrativo
disciplinar ou de ação de improbidade administrativa.

Trata-se de crime de forma livre, que pode ser praticado de


modos diversos: oralmente, por escrito, telefone, etc. O delito
pode ainda ser praticado direto ou indiretamente.

Se o próprio policial coloca droga na bolsa de alguém e o


prende em flagrante, comete o crime de denunciação caluniosa
direta, pois foi o próprio autor da farsa quem deu início à
investigação policial. Responderá, também, por crime de abuso
de autoridade.

A Lei nº 10.028/00 já havia alterado a redação original do


Art. 339, aumentando seu âmbito de abrangência, possibilitando
o agente de ser punido também se der causa ao início de
investigação administrativa (sindicâncias e processos), inquérito
civil e ação de improbidade administrativa (que tem por finalidade
a punição e ressarcimento ao erário), além dos já existentes,
investigação policial ou processo judicial.

357
O delito se consuma com o início da investigação policial ou
administrativa. No caso de investigação policial é possível que a
polícia realize atos investigatórios antes mesmo de instaurar
qualquer procedimento. Nesta situação o delito também estará
consumado. No processo judicial o crime se consuma quando o
juiz recebe a denúncia ou a queixa.

É indispensável para a configuração do delito que se impute


falsamente a prática de crime, infração ético-disciplinar ou ato
ímprobo, ou seja de um fato determinado e preciso, atribuindo
pessoa certa, identificada. Sem isso, o crime será o de
comunicação falsa de crime ou contravenção (Art. 340). Se o fato
não é típico ou não se trate de infração ético-disciplinar ou ato
improbo, exclui-se ab initio a possibilidade de instauração de
qualquer procedimento pelo crime previsto no Art. 339 do CP.

Prescreve do § 2º do estudado Art. que quando o fato


falsamente imputado for de contravenção penal a pena será
reduzida pela metade.

É requisito da denunciação caluniosa a espontaneidade. A


iniciativa deve ser exclusiva do denunciante. Assim, se ele faz a
acusação em razão de questionamento de outrem não existe
crime.

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado por


qualquer pessoa. Quanto ao sujeito passivo, existe dupla
subjetividade passiva: o Estado e a pessoa atingida em sua honra
pela denunciação caluniosa.

O elemento subjetivo é o dolo, vontade livre e consciente de


denunciar caluniosamente a vítima, tendo conhecimento que está

358
dando causa à investigação policial ou processo penal. Exige-se
um seguindo elemento subjetivo, contido na expressão “de que o
sabe inocente”.

Por ser sua conduta fracionável, classifica-se com


plurissubsistente e admite a tentativa. Imagine que alguém envie
uma notitia criminis falsa ao Ministério Público, procurando
prejudicar um inimigo seu por uma discussão em uma partida de
futebol. Entretanto, o membro Ministério Público já havia sido
advertido sobre essa possibilidade e, ao receber as informações,
percebe que se trata de mais uma perseguição pessoal com base
falsa e arquiva a informação. Houve, então, modalidade tentada,
pois o crime se consuma com a instauração do procedimento.

Denunciação caluniosa não se confunde com o crime de


calúnia (Art. 138 do CP). Nesta o agente somente quer atingir a
honra da vítima, contando para outras pessoas que ela cometeu
um crime (que não é verdade). Na denunciação, o agente quer
prejudicar a vítima perante a Justiça enganando órgãos policiais,
o próprio judiciário ou a autoridade competente, ao imputar à
vítima infração penal/infração ético-profissional/ato improbo que
não foi por ela praticada. A denunciação caluniosa absorve a
calúnia.

A denunciação caluniosa não admite a retratação do agente,


quando feita após a instauração de I.P. ou PAD, visto que o crime
já atingiu seu momento consumativo.

O § 1º prevê uma forma qualificada se o agente se serve de


anonimato ou de nome suposto para denunciar alguém
caluniosamente.

359
A ação penal é pública incondicionada.

Por fim, uma nota importante: em razão das características


do art. 339 antes da Lei 14.110/20, quem desse causa à
instauração de ação de improbidade imputando falsamente a
alguém um ato exclusivamente ímprobo respondia pelo crime do
art. 19 da Lei 8.429/92 (“Constitui crime a representação por ato
de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário
quando o autor da denúncia o sabe inocente”). Ao conferir maior
abrangência ao art. 339 do CP, a Lei 14.110/20 revogou
tacitamente o dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa.

Leitura complementar – Art. 326-A do Código Eleitoral


(Denunciação Caluniosa com Finalidade Eleitoral):
Lei nº 4.737 de 15 de Julho de 1965 (Código Eleitoral)
Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de
processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou
ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de
crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade
eleitoral: (Incluído pela Lei nº 13.834, de 2019) - Pena - reclusão, de 2
(dois) a 8 (oito) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.834, de 2019)
§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do
anonimato ou de nome suposto. (Incluído pela Lei nº 13.834, de 2019)
§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de
contravenção. (Incluído pela Lei nº 13.834, de 2019)
§ 3º Incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem,
comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade
eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato
que lhe foi falsamente atribuído. (Incluído pela Lei nº 13.834, de 2019)

Art. 340 - Comunicação falsa de crime ou de contravenção

O objeto jurídico protegido é a regular Administração da


Justiça. A falsa comunicação de infração penal ofende o prestígio
e a eficácia da atividade judiciária.

360
A conduta núcleo do tipo é provocar (dar causa, ocasionar) a
ação da autoridade. Tal provocação deve se dar pela
comunicação da ocorrência de crime ou contravenção que não se
verificou. A comunicação pode ser verbal ou escrita, anônima ou
com nome imaginário. Não se exige que seja tomado por termo.
A lei refere-se não só à autoridade policial, destinatária normal da
notitia criminis, mas também, ao representante do MP, ao Juiz.

Não se confunde com a denunciação caluniosa, pois nesta,


o agente aponta pessoa certa e determinada como autora da
infração, enquanto que no Art. 340 isso não ocorre. Nesse crime,
o agente se limita a comunicar falsamente a ocorrência de crime
ou contravenção, não apontando qualquer pessoa como
responsável por ele.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Sujeito passivo é o


Estado.

O delito se consuma quando a autoridade inicia as


investigações, com a ação da autoridade policial (audiência de
pessoas, coleta de informações, diligências), mesmo que não
chegue a instaurar inquérito policial.

Não basta a mera comunicação falsa de crime ou de


contravenção, deve haver início de trabalhos por parte da
autoridade, pois o tipo penal fala em “provocar a ação da
autoridade”.

O tipo subjetivo é o dolo. A ação penal é publica


incondicionada.

Art. 341 - Autoacusação Falsa

361
O objeto jurídico é a regularidade da Administração da
Justiça pela autoacusação falsa.

O agente imputa a si mesmo a prática de um crime (doloso,


culposo, de ação pública ou privada) que não ocorreu ou que foi
praticado por outra pessoa. Se for contravenção o fato é atípico.
O delito exige que o sujeito ativo não tenha sido autor, coautor ou
participe de crime cuja autoria atribui a si próprio. Pode ser
qualquer pessoa. Já o sujeito passivo é o Estado.

Não se exige que o agente tenha espontaneamente


procurado autoridade para se auto acusar. Assim, se alguém é
ouvido como suspeito ou testemunha em um inquérito policial e
assume a autoria de um crime que não praticou, responde pelo
crime do Art. 341.

Não existe o crime se o sujeito confessa a prática de delito


que não cometeu em virtude de tortura ou coação irresistível por
parte do verdadeiro autor da infração.

A lei não exige qualquer motivação específica para


caracterização da infração, pouco importando se o agente quer
beneficiar o verdadeiro autor do crime, ou assegurar abrigo e
alimentação na cadeia.

O delito se consuma quando a autoacusação chega ao


conhecimento da autoridade, sendo irrelevante a tomada de
alguma providência. A retratação não gera qualquer efeito por
falta de previsão legal a respeito.

O tipo subjetivo é o dolo. A ação penal é pública


incondicionada.

362
Art. 342 - Falso Testemunho ou Falsa Perícia

Tutela igualmente a Administração da Justiça. As condutas


típicas consistem em:

a) fazer afirmação falsa, que significa afirmar inverdade;

b) negar a verdade, o sujeito nega o que sabe;

c) calar a verdade, silenciar a respeito do que sabe.

O sujeito ativo é qualquer pessoa que, como testemunha,


perito, tradutor ou intérprete, realizou uma ação descrita no tipo
penal. Sujeitos passivos são o Estado e de forma secundária o
particular ofendido pelo delito.

A vítima não é considerada testemunha e, portanto, não


comete falso testemunho. As partes (autor e réu) também não
cometem falso testemunho.

Antes de serem ouvidas as testemunhas devem fazer, sob


palavra de honra, a promessa de dizer a verdade sobre o que
sabe e o que lhe for perguntado. É o chamado compromisso,
previsto no Art. 203 do CPP.

Quanto à falsa perícia podem ser sujeitos ativos o perito,


contador, tradutor ou intérprete. Perito é o técnico incumbido de
averiguar certos fatos, pessoas ou coisas e emitir perante a
autoridade a que serve, seu juízo ou parecer como meio de
prova. Contador é o responsável pela elaboração de cálculos.
Tradutor é o perito incumbido de verter para o vernáculo os
documentos em idioma estrangeiro. Intérprete é o perito
encarregado de fazer com que se entendam quando necessário à
autoridade e alguma pessoa (acusado, ofendido, testemunha)

363
que não conhece o idioma nacional ou que não pode falar em
razão de defeito psicofísico.

O elemento subjetivo é o dolo, vontade deliberada de mentir


com consciência de que está faltando com a verdade. Não existe
forma culposa. O engano e o esquecimento, portanto, não
tipificam o crime.

Para que exista o crime o falso deve ser cometido em


processo judicial (civil, trabalhista, penal, etc.) inquérito policial
(comum ou militar), processo administrativo e juízo arbitral.

O § 1º do estudado artigo é causa de aumento de pena


quando o crime for praticado mediante suborno. Nesse caso a
pessoa que deu prometeu ou ofereceu dinheiro a perito ou
testemunha incide no Art. 343 do CP. Será ainda causa de
aumento de pena se o delito foi praticado com o fim de obter
prova destinada a produzir efeito em processo penal (inquérito
policial ou ação penal), ou em processo civil (em que for parte
entidade da Administração pública).

O falso testemunho se consuma quando se encerra o


depoimento. A falsa perícia se consuma quando o laudo é
entregue.

O § 2º prevê a hipótese de retratação quando o agente antes


da sentença do processo em que ocorreu o ilícito se retrata ou
declara a verdade. Neste caso o fato deixa de ser punível. Trata-
se de uma causa extintiva da punibilidade. Para que gere seus
efeitos, a retratação deve ser completa. É cabível até a sentença
final de primeiro grau em que foi praticado o falso.

Art. 343 - Corrupção ativa de testemunha ou perito

364
Temos aqui nova exceção à teoria unitária ou monista, uma
vez que o corruptor responde pelo crime do Art. 343, enquanto a
testemunha corrompida incide no Art. 342, § 1º do CP. Veja,
também, que a corrupção ativa tratada neste Art. se consuma
ainda que a oferta ou promessa não sejam aceitas, de forma que
é possível a caracterização mesmo que o falso testemunho ou
falsa perícia não se verifique. Trata-se, portanto, de crime formal.

Sendo a ação destinada a produzir efeito em processo


penal, ou em processo civil em que seja parte entidade da
Administração Pública direta e indireta a pena será aumenta de
um sexto a um terço. Trata-se de causa de aumento de pena
(parágrafo único).

Art. 344 - Coação no Curso de Processo

O objeto jurídico protegido é a administração da Justiça.


Esse dispositivo tem por finalidade punir o sujeito que visando
seu próprio benefício ou de outrem, emprega violência física ou
grave ameaça contra qualquer pessoa que intervenha em um dos
procedimentos elencados no tipo penal.

A conduta típica consiste em usar de violência (física) ou


grave ameaça (promessa de mal sério, justo ou injusto, com
potencialidade intimidatória), com fim de favorecer interesse
próprio ou alheio (de natureza material ou moral), contra
autoridade (juiz, promotor, delegado), parte (autor e réu), ou
qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir
(testemunha, perito, intérprete, etc.) em processo judicial, policial
ou administrativo, ou em juízo arbitral. Eventual ameaça feita fora
de um desses procedimentos caracteriza apenas crime de
ameaça do Art. 147 do CP.

365
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa contra quem foi
instaurado o procedimento, ou 3º que esteja visando o benefício
deste. O sujeito passivo é o Estado (Administração da Justiça),
bem como a pessoa que sofre a coação pelo agente.

O delito se consuma com emprego da violência ou grave


ameaça, independente do êxito visado. Trata-se de crime formal.

A Lei estabelece pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa,


além da pena correspondente a violência. Dessa forma, se da
violência resultar lesão corporal ou morte na vítima, o sujeito
responderá pelo crime do Art. 344 e também pelo crime de lesão
corporal ou homicídio. As penas serão somadas. Meras vias de
fato ficam absorvidas pelo delito hora estudado.

Tipo subjetivo é o dolo e o elemento subjetivo do tipo é “com


fim de favorecer interesse próprio ou alheio”.

A ação pena é pública incondicionada.

Art. 345 - Exercício Arbitrário das Próprias Razões

Protege também a administração da Justiça. Impõe-se que


alguém que tenha uma pretensão não a satisfaça pessoalmente,
incumbindo à Justiça a sua realização. Ninguém deve ser juiz e
parte a um só tempo.

A conduta incriminada consiste em fazer justiça pelas


próprias mãos, ou seja, valer-se, de qualquer meio de execução
(violência física, ameaça, fraude, etc.) tendente à satisfação de
uma pretensão, embora legítima suscetível de apreciação pela
autoridade judiciária. É irrelevante a natureza do direito objeto da
pretensão. Um exemplo deste delito seria o fato de subtrair objeto

366
do devedor para se auto ressarcir de dívida vencida e não paga
(nesse caso não há crime de furto por ausência de dolo).

É pressuposto do crime que pretensão do agente, pelo


menos em tese possa ser satisfeita pelo judiciário. Caso contrário
não existira o crime do Art. 345 porque não há desrespeito à
administração da Justiça. Caso ocorra, poderá haver fato atípico
ou outra espécie de qualquer infração penal.

A expressão “salvo quando a lei permite” é um elemento


normativo do tipo. Ressalva o artigo que em alguns casos a Lei
permite que a pessoa faça justiça com as próprias mãos.
Exemplo: direito de retenção, de esforço imediato, legitima defesa
da posse, reação contra esbulho, etc.

Havendo emprego de violência física e desta resultar lesões


ou morte de alguém, o agente responderá pelo Art.345 e também
pelo 129 ou 121. As penas serão somadas, pois o preceito
secundário fala em pena de detenção de 15 dias a um mês, ou
multa, além da pena correspondente a violência.

A ação penal deste tipo poderá ser pública incondicionada


quando houver violência física. Será privada quando houver outro
meio de execução, incluindo-se a violência moral (grave ameaça)
e a violência contra a coisa.

Art. 346 – Subtipo

Descreve um delito com características próprias, mas que


também está descrito no nomem júris do exercício arbitrário das
próprias razões.

367
São os seguintes núcleos alternativamente previstos: a) tirar
(subtrair); b) suprimir (fazer desaparecer); c) destruir (inutilizar); d)
danificar (estragar). O objeto material é a coisa de propriedade do
sujeito ativo, de natureza móvel ou imóvel, que se acha em poder
de terceiro por determinação judicial (depósito de coisa
penhorada ou arrestada) ou convenção (locação, comodato).

O sujeito ativo do delito é o dono do objeto que está em


poder de terceiro em razão de uma ordem judicial (penhora,
depósito, etc.), ou de um contrato.

O sujeito passivo é o Estado e, secundariamente a pessoa


lesada pela conduta.

O deleito se consuma no momento da ação. O tipo subjetivo


é dolo e ação penal é pública incondicionada.

Art. 347 - Fraude processual

Nesse dispositivo o legislador pune o agente que,


empregando um artifício qualquer altera o estado de local, de
algum objeto ou de pessoa com o fim de enganar juiz ou perito
durante o tramitar da ação civil ou processo administrativo.
Exemplo: alterar características de objetos que serão periciados,
simular maior dificuldade auditiva ou qualquer outra redução da
capacidade laborativa em ação acidentária.

Se o fato visa produzir efeito em ação penal, aplica-se a


pena em dobro (parágrafo único). Nesse caso, há crime ainda
que não tenha iniciado o processo penal com o recebimento da
denúncia. Exemplo: colocar arma na mão da vítima de homicídio,
para parecer que está se suicidou, suprimir provas, eliminar
impressões digitais, etc.

368
O CTB em seu Art. 312 também previu situação
semelhante, quando o agente inova artificiosamente em caso de
acidente automobilístico com vítima, na pendência do respectivo
procedimento policial preparatório, inquérito policial ou processo
penal, o estado do lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir
em erro o agente policial, perito ou juiz.

O crime pode ser cometido por qualquer pessoa


que tenha ou não interesse no desfecho da causa. O sujeito
passivo é o Estado.

O tipo subjetivo é o dolo e o elemento subjetivo do tipo é


representado pelo espacial fim de agir com o fim de induzir a erro
o juiz ou o perito. A ação penal é pública incondicionada.

O delito se consuma no momento da alteração do local,


coisa ou pessoa, desde que idônea a induzir o juiz ou perito em
erro. É desnecessário, entretanto, que se consiga efetivamente
engana-los. Crime formal.

Art. 348 - Favorecimento pessoal

A objetividade jurídica é a Administração da Justiça,


prejudicada pelo auxílio prestado ao autor do crime. O presente
delito pode ser executado de qualquer forma. Ex. ajudar da fuga,
esconder a pessoa para não ser encontrada, enganar a
autoridade dando informações falsas acerca do paradeiro do
autor do delito (despistar).

Esse somente pode ser praticado na forma comissão e


nunca por omissa. Assim, aquele que diz que nada sabe ou que
não comunica o que sabe quando questionado pela autoridade
não comete o crime de favorecimento de pessoal.

369
Pune-se a conduta de quem auxilia (favorece) autor de
crime, seja ele doloso ou culposo, consumado ou tentado a
subtrair-se (escapar, esquivar-se) à ação da autoridade policial
publica (policial, judiciária e administrativa). É pressuposto do
delito que o sujeito ativo do favorecimento não seja participe do
crime principal, e que o auxílio tenha sido prestado após seu
momento consumativo.

O favorecimento pessoal é crime acessório, que exige como


pressuposto a existência de crime anterior, já que é indispensável
para a caracterização do ilícito em tela, o auxílio a autor de crime.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, exceto o coautor ou


participe do crime anterior. O sujeito passivo é o Estado.

O tipo subjetivo é o dolo. O delito se consuma com a efetiva


subtração do favorecido, mesmo se isso se dê apenas
momentaneamente.

A figura do caput pune quem auxilia autor de crime apenado


com reclusão, enquanto o § 1º refere-se a quem auxilia autores
de crimes apenados com detenção e ou multa. Nesta última
hipótese temos o chamado o favorecimento pessoal privilegiado.

O parágrafo § 2º é uma escusa absolutória, quando diz que


“se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou
irmão do criminoso, fica isento de pena”. Esse rol é taxativo e
vedado qualquer distinção, abrangendo inclusive o parentesco
por adoção.

Art. 349 - Favorecimento real

370
O bem jurídico protegido é a Administração da Justiça. O
sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, desde que não
seja coautor ou participe do crime anterior. O sujeito ativo é o
Estado e o proprietário do crime antecedente.

Trata-se também de um crime acessório, que pressupõe a


existência de outro delito.

A conduta incriminada consiste em prestar a criminoso, fora


dos casos de coautoria (Art. 29) ou de receptação (Art. 180),
auxilio direto ou indireto, material ou moral, destinado a tornar
seguro o proveito do crime (vantagem de qualquer natureza
oriunda do delito principal). As hipóteses mais comuns são as de
esconder o objeto do crime para que o autor do delito venha
busca-lo posteriormente, transportar os objetos do crime, etc.

A expressão “proveito do crime” não abrange o instrumento


do crime (arma utilizada para roubar, chave falsa, etc.), já que
proveito do crime é o advém de sua prática.

O delito se consuma no instante em que o agente presta o


auxílio, independente de saber se o agente conseguiu ou não
tornar seguro o proveito do crime anterior. Trata-se de crime
formal.

O crime de favorecimento pessoal se diferencia do crime de


favorecimento real, pois naquele o agente visa tornar seguro o
autor do crime antecedente, enquanto que no 2º, o agente visa
tornar seguro o próprio proveito do crime. Também se diferencia
o favorecimento real do crime de receptação, pois nessa o agente
age em proveito próprio ou de 3º, que não o autor do crime. No

371
favorecimento real o sujeito ativo age exclusivamente em favor do
autor do delito antecedente.

O tipo subjetivo é o dolo. E o elemento subjetivo do tipo, é


representado pelo intuito de “tornar seguro o proveito do crime”. A
ação penal é pública incondicionada.

Art. 349-A

Quatro condutas neste dispositivo: ingressar (dar entrada de


algo em algum lugar), promover (propiciar), intermediar, auxiliar
ou facilitar (tornar mais fácil, favorecer). O Art. 319-A, modalidade
de prevaricação, passou a criminalizar a conduta do funcionário
público que deixe de cumprir seu dever de impedir o acesso do
preso a aparelho telefônico, de rádio ou similar. Entretanto,
faltava a tipificação do outro lado da questão, consistente na
criminalização da conduta de quem leva o aparelho de
comunicação para o interior do presídio. Nesta situação pune-se
o particular, que promoveu, de algum modo, a entrada do
aparelho no presídio.

Caso o funcionário seja quem cometeu as condutas do tipo,


também responderá, e se houver vantagem indevida, daí
estaremos diante de corrupção passiva.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, já o sujeito


passivo principal é o Estado. Trata-se de um delito doloso.

O objeto material no delito é o aparelho telefônico de rádio


ou similar. O objeto jurídico é a administração da justiça, com
ênfase à segurança pública.

372
O aparelho de comunicação deve apresentar capacitação
para comunicar, caso contrário estaremos diante do crime
impossível (Art. 17 do Código Penal). No caso de mau
funcionamento, configura o delito, o mesmo se diga com aparelho
sem crédito ou com bateria descarregada, pois a qualquer
momento tais obstáculos poderão ser sanados. O mesmo se diga
da existência de sistema de proteção instalado no presidio para
obstar a comunicação dos aparelhos.

O preso portar celular é atípico.

O Art. 350 (Exercício arbitrário ou abuso de poder) - Era


aplicado a lei nº 4898/65 – Abuso de Autoridade, a qual teve
revogação em 05/09/2019 pela Lei nº 13.869/2019. O Art. 350
também foi expressamente revogado pela nova Lei dos
Crimes de Abuso de Autoridade.

Art. 351 - Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de


segurança

Descreve a lei as condutas de promover ou facilitar a fuga


de pessoa presa ou submetida a medida de segurança detentiva.

Na 1ª figura (promover), o agente provoca, dá causa à fuga.


Nessa hipótese é desnecessária ciência prévia por parte do
detento. Ao contrário, na modalidade facilitar a fuga exige
colaboração de alguém para a iniciativa de fuga do preso.

Não há crime se a prisão é ilegal, como por exemplo prisão


para averiguação.

373
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que promova ou
facilite a fuga. O preso, não responde pelo crime, em razão de
sua fuga, exceto se há emprego de violência, no caso em que
incorrerá no Art. 352. O sujeito passivo é o Estado.

O delito de consuma com a fuga, ainda que o preso seja


capturado em seguida.

Os §§ 1º e 3º descrevem formas qualificadas. Na 1ª


hipótese, a pena é de 2 a 6 anos se o crime é cometido com
emprego de arma, mediante concurso de duas ou mais pessoas,
ou mediante a arrombamentos (cadeados, grades). Na 2ª
hipótese, a pena é de 1 a 4 anos quando o crime é cometido por
quem tem a guarda ou custódia do detento (carcereiro, agente,
policial, etc.)

O § 2º ressalva que se o delito for cometido com emprego de


violência, responderá o agente pelo crime do Art. 351 em
concurso material com as lesões eventualmente provocadas,
ainda que leves.

Já o § 4º descreve a modalidade culposa do delito. Trata-se


de modalidade de crime próprio, que somente pode ser cometido
por quem tem a guarda ou custódia do detento, que no
desempenho de sua função, comete um descuido quanto à
segurança, de forma a permitir a fuga. Exemplo: esquecer
destrancada a porta da sela ou cadeado.

Art. 352 - Evasão mediante violência contra a pessoa

O legislador pune o preso que foge ou tenta fugir com


emprego de violência contra pessoa. A fuga pura e simples
constitui mera falta disciplinar (Art. 50, II da LEP). O emprego de

374
grave ameaça não caracteriza o delito em análise, constituindo
apenas crime de ameaça (Art. 147). O emprego de violência
contra coisa pode caracterizar crime de dano qualificado (dolo
específico).

O sujeito ativo do delito é a pessoa que se encontra presa


ou sujeita a medida de segurança detentiva. Se a violência for
empregada para impedir a efetivação da prisão haverá crime de
resistência. O sujeito passivo é o Estado.

Nos termos da descrição típica, o delito se consuma com a


fuga ou com a tentativa de fuga violenta. A Lei equipara, para fim
de consumação, a fuga efetiva e a tentada. Assim a infração
penal não admite a figura da tentativa.

Se do fato resultarem lesões ou morte o agente responderá


em concurso material como delito hora estudado.

O tipo subjetivo é o dolo. A ação pena é pública


incondicionada.

Art. 353 - Arrebatamento de preso

O bem jurídico protegido é administração da justiça. O


sujeito ativo é qualquer pessoa. O sujeito passivo imediato é o
Estado, e o mediato o preso arrebatado.

A conduta típica consiste em arrebatar que significa tirar o


preso com violência ou grave ameaça de quem o tenha sobre
custódia ou guarda a fim de maltratá-lo (indo desde vias de fato
vexatórias até o extremo do linchamento). É indiferente que o
preso esteja no interior de prisão ou na rua sob escolta.

375
A finalidade de maltratar o preso é elementar do crime. A
consumação do delito se dá com a tomada do preso, ainda que o
agente não atinja a finalidade de maltrata-lo. Trata-se de crime
formal.

O tipo subjetivo é o dolo. A ação penal é pública


incondicionada.

Art. 354 - Motim de presos

O bem jurídico é a administração da Justiça. Sujeito ativo


são apenas os presos. O sujeito passivo é o Estado.

O tipo objetivo (amotinar-se) significa revolta conjunta de


grande número de presos em que os participantes assumem
posição de violência contra os funcionários provocando
depredações com prejuízo ao Estado e a ordem e disciplina da
cadeia.

Trata-se de crime de concurso necessário, cuja


caracterização pressupõem o envolvimento de excessivo nº de
presos.

Se do fato resultam lesões mesmo que leves, ou morte,


haverá concurso material de infrações.

Art. 355 - Patrocínio infiel

Constitui infração penal que tem por finalidade punir o


advogado (bacharel inscrito na OAB) ou procurador judicial que
venha a prejudicar interesse de quem esteja representando.
Trata-se de crime próprio. O sujeito passivo é a pessoa lesada
pela conduta do agente. O crime só existe se o fato existe em

376
juízo, pouco importando sua natureza (civil, penal, trabalhista),
além do Estado.

No caput tem-se a tipificação do patrocínio infiel que


consiste em trair, na qualidade de advogado ou procurador o
dever profissional, prejudicando o interesse do cliente.

É necessário que o advogado ou procurador lesem interesse


do representado, que pode ser de patrimonial ou moral.

O delito pode ser cometido por ação (desistir de testemunha


imprescindível, fazer acordo lesivo, etc.) ou por omissão (não
recorrer, dar causa a perempção, etc.)

Trata-se de delito doloso, que somente se caracteriza


quando o agente tem a intenção de prejudicar interesse do
representado. O erro profissional ou a conduta culposa não
tipificam o delito, podendo gerar responsabilização civil, bem
como punições pela OAB.

No § único, a conduta incriminada é a defesa, na mesma


causa, de causas contrárias (titulares de interesses antagônicos),
de forma simultânea (patrocínio simultâneo) ou sucessiva que é a
figura da tergiversação. No 1º caso o agente toma para si, ao
mesmo tempo interesses contrários; no 2º, após ter abandonado
ou ter sido dispensado por uma das partes, assume o patrocínio
da parte contraria.

A consumação desta figura ocorre com a pratica de algum


ato processual em favor da segunda parte. Ao contrário do que
ocorre na figura do caput, é desnecessário que o agente cause
algum prejuízo para qualquer das partes.

377
Art. 357 - Exploração de prestígio

Trata-se de crime assemelhado ao delito de tráfico de


influência, descrito no Art. 332 do CP, mas que se diferencia
daquele por exigir que o agente pratique o delito a pretexto de
influir em pessoas ligadas à aplicação da lei, mais
especificamente em juiz, MP, funcionário da Justiça, perito,
tradutor, interprete ou testemunha. No tráfico de influência, o
crime é cometido a pretexto de influir em qualquer outro
funcionário público.

O crime de exploração de prestigio se consuma no instante


em que o agente pede ou recebe dinheiro ou qualquer outra
espécie de utilidade (material, moral, sexual, etc.), independente
da ocorrência de outro resultado.

O sujeito ativo é qualquer pessoa, mas o crime normalmente


é praticado por advogados inescrupulosos. O sujeito passivo é o
Estado e a pessoa lesada.

O parágrafo único descreve aumento de pena se o agente


alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a
qualquer das pessoas referidas neste artigo. Se o agente estiver
efetivamente em conluio com o funcionário público, para que
ambos obtenham alguma vantagem indevida, haverá crime de
corrupção passiva por parte de ambos.

A ação penal é pública incondicionada. O tipo subjetivo é o


dolo.

Ler os Arts. 358 e 359 em sala.

378
** Capitulo IV – Dos crimes contra as finanças Públicas.
Ministrar tal matéria em forma de trabalho.

Última atualização: 02 de agosto de 2021.


Legislação incluída:
 Lei nº 13.869 de 05 de setembro de 2019 (abuso de autoridade)
 Lei nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019 (Pacote Anticrime)
 Lei nº 13.968 de 26 de dezembro de 2019 (Alteração Art. 122)
 Lei nº 14.110 de 18 de dezembro de 2020 (Alteração Art. 339)
 Lei nº 14.132 de 31 de março de 2021 (Incluiu o Art. 147-A)
 Lei nº 14.133 de 01 de abril de 2021 (Incluiu Arts. 337-E a 337-P)
 Lei nº 14.155 de 27 de maio de 2021 (inclui os crimes cibernéticos – Art. 154-A,
§2º; Art. 155, § 4ºB e §4ºC; Art. 171, § 2ºA e §4º)
 Inclui derrubada do veto do Art. 121, §2º, VIII (homicídio arma uso restrito)
 Lei nº 14.188 de 28 de julho de 2021 (Lei sinal vermelho contra a violência à
mulher – Art. 129, § 13 e Art. 147-B)

379

Você também pode gostar