Nzinga Mbandi - Selma Pantoja

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DADOS DE ODINRIGHT

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1. A HISTORIOGRAFIA E O
UNIVERSO NEGRO-
AFRICANO

Questões preliminares
É  importante serem elucidadas questões pertinentes aos
Estudos Africanos, quando se fala em História da África e
principalmente em África Pré-Colonial. Uma discussão de
algumas décadas anteriores: nomenclaturas que servem
para o Ocidente denominar as estruturas de poder e suas
hierarquias como rei, rainha, príncipe, duque, reino, estado
que estão, na verdade, vinculadas à história européia (1).
Como cunhar o termo rei para estruturas de poder tão
distantes, se pensarmos em forma de poder, como as
africanas? A situação que trouxe aos meios acadêmicos dos
Estudos Africanos essa polêmica, situa-se na década de
setenta. Como definir estado para a maioria das formações
sociais africanas, que como se sabe, são muitas as
dificuldades de se encaixarem nesse padrão do estado
moderno europeu (2). Diante dessa discussão é de suma
importância deslindar aqui o uso do termo rei, reino e o seu
enquadramento em situações em que um determinado
poder possa ser similar às unidades políticas ocidentais
assim denominadas. Mas cabe argumentar ainda, como o
historiador africano Ki-Zerbo já assinalou, que com todas as
especificidades da África Negra, ela não é um caso à parte
na História Universal e, por isso mesmo, imperceptível para
a análise histórica ou social. As suas peculiaridades não
inviabilizam seu estudo, muito pelo contrário, são seus
grandes desafios que vêm permitindo sua avançada
participação na atual transformação da Historiografia
Internacional.

Outra ponta da discussão são as fontes. Assunto central


para a historiografia africanista hoje. As fontes escritas e
seus problemas, obras feitas por estrangeiros, com olhares
etnocêntricos, europeus imbuídos de superioridades,
levados pela modernidade européia aos mais longínquos
pontos do litoral africano. Fora estes escritos resta um
continente, principalmente no caso preciso da África Negra,
com uma população ágrafa. Em muitas partes e épocas não
se tem nenhum testemunho escrito. E antes da chegada dos
europeus, como reconstruir a história? A grande
contribuição da historiografia africanista à Historiografia
Universal situa-se aqui, na década de 60, período das
emergentes nações africanas, na necessidade da
construção da História da África que impôs ao fazer
histórico, naquele continente, um dos maiores desafios. O
reconhecimento da importância da tradição oral como
testemunho histórico, categoria de um saber peculiar,
possuidora de outra lógica que não a da escrita, foi tarefa
árdua. A leitura dos ‘textos orais’ requer técnicas
específicas, com suas várias tipologias, como as
genealogias e narrativas. Mas hoje, além de reconhecida,
profundamente enriquecedora e com uma produção
destacável, contribui para o desenvolvimento de uma
emergente História Oral, aplicada as sociedades
industrializadas contemporâneas (Prins, 1992, p. 165-6).
Saindo das pontas, chegando ao centro da discussão, aquilo
que norteia os textos sobre Estudos Africanos: onde se
colocar para observar e inserir-se nos períodos distantes,
buscar uma construção próxima do possível, fazer chegar à
tona os sujeitos desses atos em cenários de pleno encontro
de culturas diversas, como o caso do século XVII no litoral
angolano? Uma enxurrada de literatura nos diz da África
sem os africanos, ou com visões profundamente
estereotipadas, nos informam sobre as populações
africanas. Essas são as nossas fontes e com certeza ainda
nos preparam fecundas armadilhas. Que se cuidem os bem
intencionados! Porque a memória, em si coletiva, nos trai a
cada passada.

A par das boas intenções, inevitáveis, o texto que se segue


pretende se posicionar relevando a autonomia dos povos e
a independência das estruturas africanas perante a
aparição dos europeus (3). Permeando as respostas dadas
pelos africanos e as dificuldades encontradas pelos
portugueses, na tentativa destes ocuparem pequenos
trechos no litoral, que será feito o recorte na reconstrução
do período histórico aqui analisado.

Escravidão africana e/ou a atlântica


Ao tentar a nossa síntese da região de Angola Central, do
povo Mbundu em seu maior momento de tensão na relação
com os portugueses — características, basicamente, da
primeira metade do século XVII —, resta-nos justificar em
que medida nosso texto, ao tentar reconstruir este período,
insere-se no debate da bibliografia existente. Sobre a
escravidão veremos a problemática da especificidade desta
relação social na África.
No Brasil não é comum a discussão da diferença: o ser
escravo nas Américas e ser escravo na África. Por isso
mesmo, apresento uma discussão que na historiografia
inglesa e francesa já vem sendo analisada há mais de
quarenta anos e tem se renovado constantemente.

Nossa idéia é apresentar um quadro sumário das diferentes


correntes teóricas com as quais a historiografia tem tentado
explicar o escravismo nas complexas relações sociais do
mundo africano, desde o período pré-colonial até a chegada
dos europeus no século XVI, quando ocorreram
transformações violentas.

A princípio, prendemo-nos ao estudo do escravismo no


contexto de todo o continente africano — o escravismo na
África de uma maneira genérica. Posteriormente, nossa
análise se deterá apenas em sua incidência numa
determinada região, por volta do século XVII — transição
para a escravidão Atlântica e seu estabelecimento no
contexto específico das sociedades do litoral angolano.
Neste ponto, detalhamos a estrutura linhageira daquelas
sociedades.

Por fim, apresentamos nosso estudo sobre a ocorrência da


escravidão no reino do Ndongo, procurando inseri-la na
discussão das diferentes abordagens teóricas que, ainda
hoje, provocam grandes divergências que têm estimulado
pesquisa acerca desse contexto de mudanças.

A escravidão africana
São conhecidas desde o século XI referências ao escravismo
africano pelos testemunhos dos viajantes árabes. Nos
séculos XVI e XVII são numerosos, em algumas áreas, os
relatos dos viajantes, missionários e funcionários europeus a
respeito da presença da escravidão no seio das populações
africanas. Já nos séculos XVII e XIX os testemunhos
confirmam a importância desta instituição, chegando os
escravos, às vezes, a constituírem mais de 50% da
população.

Observação feita por um autor no século XVII chama a


atenção para o fato de que no reino do Kongo, o número dos
escravos é igual ao das pessoas livres (Cavazzi, 1965,
p.356).

A hesitação do termo ‘escravo’ (4) que fez parte do debate


na década de 1970 demonstra o aspecto polêmico acerca
de identificar o escravo africano, por exemplo, com o
brasileiro. Restringimo-nos, porém, a uma discussão das
tendências no estudo do escravismo africano na região
subsaariana, sem qualquer pretensão a um estudo
exaustivo da questão.

A nossa atenção concentra-se no debate em torno da


natureza da ‘escravidão’ africana e das discussões, até
agora, na busca de uma definição dessa forma de
submissão. Diretamente relacionada à definição de
escravidão, está a questão da real posição do ‘escravo’
nestas sociedades. E para tal, reportamo-nos ao conceito de
propriedade nas sociedades africanas — posse,
propriedade, compra de gente — com suas várias outras
categorias de dependentes.

Sistemas de parentesco, direitos pessoais, transferências


desses direitos, casamento e adoção de crianças perpassam
toda a polêmica relativa à escravidão africana. É impossível
discutir o assunto sem considerar cada um dos itens
anteriores. Consta também que, ao remontar tais
problemáticas, defrontamo-nos com os dilemas atinentes à
abordagem da especificidade da realidade africana. O
assunto, portanto, se prende à origem, natureza e
desenvolvimento dessas formas de escravidão.

A bibliografia tradicional sobre a África não deu conta de


discernir esse tipo de relação, as várias categorias de
dependentes e sua relação com o sistema de parentesco.
Com apoio nos dados históricos e na Antropologia
Econômica (além de uma nova metodologia), a literatura da
década de oitenta sobre escravidão tenta melhor situar esta
instituição específica, discutindo os seus atributos e
natureza.

Descartamos, aqui, aquela linha de interpretação que


sugere a idéia da escravidão africana como benigna, menos
brutal e por isso mesmo um tipo desviante do modelo
Ocidental, tendo este último como padrão do verdadeiro
modelo de escravidão. Alguns estudos avançaram com
propostas para uma reflexão sobre a noção de escravidão,
suscetíveis de atenuar as incertezas conceituais relativas à
especificidade africana.

Os esquemas rígidos de grau de evolução definidos para a


Europa Ocidental (escravismo, feudalismo e capitalismo) se
mostraram pouco ajustáveis às formações socioeconômicas
do chamado Terceiro Mundo. Para o caso do mundo africano
tentou-se aplicar o conceito de modo de produção asiático
ou tributário (5). Com isto, considerou-se que a África Negra
Pré-colonial apresentaria três fases: a comunidade primitiva,
a estrutura intermediária tribo-patriarcal e a sociedade com
estados. Tal esquema não foge muito à oposição entre
sociedade com estado e sem estado, nas sociedades
africanas; porém, a nível político, coexistiam elementos de
ambas as sociedades, ocorrendo, em comunidades
‘intermediárias’, formas econômicas bem mais
diferenciadas (Coquery-Vidrovitch e Moniot, 1974, p. 260-
261).

No estudo dessas sociedades, na década de sessenta,


Godelier propõe que se analise o parentesco com a função
dupla de infraestrutura e superestrutura (Godelier, 1976).
Economia e parentesco, diz, se confundem a ponto das
relações de parentesco funcionarem como relações de
produção e práticas ideológicas e políticas. Esta
‘plurifuncionalidade’ do parentesco explicaria não só a
complexidade destas relações bem como sua importância.
Esta equivalência economia-parentesco se apresenta como
uma relação interna que se torna necessária pelo nível de
desenvolvimento das forças produtivas.

As analogias com a escravidão e o escravo africano têm


provocado profundos debates. Para Watson, o movimento
de revisão dos escritos de Mace causou impacto no meio
dos antropólogos e historiadores. As principais
consequências têm a delineação e análise de vários ‘modos
de produção’, incluindo o modo de produção de base
escravista (Watson, 1980, p. 14).

Com mais eco entre os estudiosos, em 1975, Claude


Meillassoux, através de uma visão da Antropologia
Econômica, defendeu a tese de que estas comunidades
agrícolas têm como base um modo de produção com
relação especificamente doméstica (Meillassoux, 1976). Na
questão de situar as relações de parentesco, recusa a
solução apontada por Godelier de analisar o parentesco com
função múltipla. Na sua análise da economia ‘primitiva’,
Meillassoux distingue formas de organização social
diferentes, com leis próprias e conceitos específicos. Assim,
poderíamos caracterizar o modo de produção doméstico
como uma sociedade em que a distinção fundamental está
na diferença de idade e sexo, não havendo antagonismo de
classe, detendo os mais velhos os meios de produção e o
controle de acesso às mulheres. É um governo baseado na
gerontocracia. Neste tipo de formação social a mulher,
muitas vezes, é o principal trabalhador agrícola. Neste caso,
havia uma relação íntima entre produção e reprodução (6).

A sociedade existe em função do número de mulheres


férteis e do resultado de seu trabalho produtivo na
agricultura. O viés da questão do poder está na capacidade
de os mais velhos controlarem: as trocas de mulheres com
outras comunidades (a mobilidade matrimonial); o número
de crianças nascidas por cada esposa (a filiação); e a
cooperação dos mais jovens na produção.

De um grupo de produtores a outro, ocorre uma circulação


constante de ‘adiamento’ e ‘restituição’, compreendendo
sementes e subsistência cedidas pelos mais velhos aos
grupos de produtores mais jovens. Os mais velhos têm a
função de armazenar o produto, garantindo o ciclo produtivo
e a reprodução do grupo.

Esse tipo de formação social não se altera, no essencial,


com a escravidão. Os escravos servem para aumentar a
população controlada pelos decanos e são encontrados nas
mesmas funções dos membros livres, numa situação em
que o parentesco permanece dominante e a escravidão é
um dos muitos tipos de dependência. Além dos escravos,
existem os dependentes por penhor e por idade, todos sob
o controle dos mais velhos da linhagem. Normalmente, os
homens controlam várias mulheres, penhoradas, escravas e
livres. Independente disto exige-se o dote para a realização
do casamento. É necessário fazer o ‘pagamento’ à família
da mulher e aquele que tenha filhas ou sobrinhas
(dependendo se matrilineares ou patrilineares) pode obter
alguma riqueza e melhorar sua posição através dos arranjos
matrimoniais.
Para se livrar ‘do pagamento por uma noiva’, um homem
pode casar-se com uma escrava ou penhorada, sendo neste
último caso a dívida cancelada. Uma escrava com um
homem livre faz parte da família e, depois de ter filhos de
um homem livre, torna-se uma ‘dependente livre’. Uma
escrava casada com um escravo, no entanto, mantém seu
status de escrava. Mulheres e escravos nascidos na família
são, com o tempo, assimilados e raramente vendidos.
Muitas vezes desempenham tarefas domésticas, mas
podem assumir funções de responsabilidade. A segunda
geração dos cativos já será mais integrada à comunidade.

Esta forma de subordinação nas sociedades africanas, para


alguns, pode ser apresentada como uma instituição que
congrega a ‘marginalidade’ de determinada população
(Miers & Kopytoff, 1977). Os que defenderam esta
formulação preferem ‘escravidão’ a escravidão, a principal
ênfase recaindo na confrontação dos conceitos
escravidão/liberdade. Esta dualidade se caracteriza como
uma maneira Ocidental de aproximar-se dessa relação de
submissão. A mentalidade ocidental tende a englobar tudo
que se apresenta como submissão neste rótulo de
escravidão. Às vezes, tais rótulos se adequam a alguns
traços, mas no geral não se encaixam no caso africano.
Percorrendo os meandros da dicotomia
escravidão/liberdade, no relativo à sociedade africana, uma
pessoa pode ser vendida ou comprada e, logo depois,
incorporada a uma determinada comunidade, integrando-se
de maneira diferente das pessoas nascidas naquela mesma
comunidade. A partir daí, surgem os primeiros limites a
possíveis analogias com o modelo Ocidental de escravidão.
A própria noção de ‘vendável’ não era sempre aplicada aos
escravos, mas muitas vezes o era às pessoas livres. Assim,
segundo este enfoque, para entender, ou melhor,
aproximar-se do que seria esta ‘escravidão’ africana,
necessitamos ressaltar o exato contexto das questões dos
‘direitos pessoais’ nestas culturas. Esses direitos eram
objeto de negociações entre comunidades, ou no interior de
uma determinada comunidade. Não seria adequado
identificar a escravidão a partir do atributo ‘propriedade’
especialmente na África, onde os direitos pessoais não eram
facilmente separáveis de outros direitos de posse. Tais
direitos — incluindo direitos sobre o trabalho, sexualidade e
procriação — eram definidos pelas leis e pelos costumes.

Do ponto de vista dessa linha de interpretação, a posição de


‘escravo’ africano só pode ser compreendida estudando-se
os canais pelos quais fluíam esses direitos; mais ainda, sua
articulação com o sistema de parentesco predominante e
com o casamento africano, o que nos daria uma noção dos
mencionados direitos no interior dessas sociedades. Diante
desta perspectivas é fundamental, na tentativa de
equacionar a questão, descartar a noção de propriedade. Os
direitos pessoais eram negociáveis, sendo a transferência
desses direitos uma prática comum entre os africanos.
Muitas vezes, uma pessoa ou grupo de pessoas se submetia
a outra comunidade, normalmente em troca de mercadoria
ou dinheiro.

Os grupos de parentes podiam dispor dos seus membros


com possibilidades de transferência de mulheres, crianças e
escravos, envolvendo pagamento e a noção de venda. Para
observador ocidental, direitos de parentesco não podem ser
adquiridos por ‘compra’. Daí a dificuldade de perceber que,
entre os africanos, tanto pessoas ‘livres’ como ‘escravas’
podiam ser ‘propriedade’.

Para este tipo de análise, o ponto de partida para explicar a


escravidão africana seria entender esses mecanismos
internos (parentesco, aquisição de esposas, adoção de
crianças) que marginalizam alguns dos membros da
sociedade e incorporaram os estrangeiros como escravos.
Está implícito nestas afirmações o pressuposto de que a
escravidão foi um processo contínuo de incorporação dos
elementos não integrados às estruturas fundamentais
dessas sociedades, tais como parentesco, linhagem e etnia.
Para esses autores é impossível aplicar o termo ‘liberdade’
no contexto africano.

Outra análise que trouxe valiosa contribuição e importante


matéria de reflexão foi apresenta por Lovejoy no seu estudo
da escravidão na África (Lovejoy, 1983). O autor não recorre
a eufemismo e prefere utilizar os termos escravos,
escravidão e status. Sua imediata preocupação é a definição
desses termos e a sua relação com outras formas de
submissão. Procura situar a posição escravo/livre nas
sociedades africanas e identificar outros status
intermediários nesta dicotomia.

A escravidão, segundo Lovejoy, era um meio de negar aos


estrangeiros os direitos e privilégios numa sociedade, de
modo que eles pudessem ser explorados com objetivos
econômicos, políticos e sociais. A ausência de parentesco
seria o traço mais comum na distinção entre um escravo e
um não-escravo, enfatizada pela distância a que eram
levados os escravos em relação ao seu local de origem,
acentuando assim a sua procedência estrangeira.

Quanto à circulação dos cativos nestas comunidades, o


artigo de Pierre-Philippe Rey sobre três grupos étnicos da
região do Kongo demonstra esta ocorrência em sociedade
linhageiras (Rey, 1975). As descrições tradicionais mostram
estes escravos passando de uma etnia a outra. Nestes
estudos de caso, a análise desta circulação permite
apreender o movimento dos escravos do interior para o
litoral. O indivíduo, excluído de sua linhagem, circulava
entre várias comunidades sem ser inserido na produção. Em
um dado momento, ele era reintegrado a uma unidade de
produção em outra linhagem e perdia o status de escravo
ou cativo. A exclusão da produção nunca era definitiva, a
não ser a partir do tráfico de escravos, quando o cativo era
inserido na produção da economia colonial nas Américas.

Retomando o enfoque de Lovejoy, a definição de


estrangeiro seria uma das características para identificação
do escravo. Ele aponta, também, o tripé em que a
escravidão está baseada: violência, trabalho e propriedade.
A guerra, o sequestro, as razias eram as formas mais
comuns de escravização, não invalidando outros
procedimentos, como o religioso e o judiciário. Os escravos
não estavam somente alocados nas tarefas produtivas:
existiam escravos desempenhando cargos políticos e sociais
em todos os setores da sociedade. A escravidão era uma
entre várias formas de trabalho dependente. Coexistiam,
então, outros tipos de trabalho ao lado da escravidão:
servidão, clientela, trabalho assalariado, penhor, trabalho
comunal.

O autor nega a particularidade, americana, asiática ou


africana, da escravidão, sendo esta uma forma determinada
de exploração. Em caso particular da escravidão ocorrem
semelhanças e diferenças, dependendo de lugares e
épocas.

Quando a estrutura básica da economia de uma sociedade


depende do escravo, temos o caso de uma sociedade
escravista. A partir daí Lovejoy constrói os seus argumentos
para demonstrar em que momento poderia se chamar uma
sociedade de escravista, ressalvando, porém, que a simples
presença do escravo ou da escravidão não determinava
necessariamente que esta sociedade fosse escravista. O
autor distingue três situações ao tratar as culturas
africanas: a escravidão como um traço marginal sem
importância, como uma instituição central ou como um
modo de produção, podendo ocorrer uma transformação da
escravidão de um traço marginal para uma instituição
central, chegando a um modo de produção baseado na
escravidão.

O caso de Daomé entre os séculos XVII e XIX é um exemplo


que encontra certo consenso entre os historiadores como
tendo a maior semelhança com o escravismo americano.
Num ensaio em que estuda o Daomé pré-colonial,
caracterizado com um modo de produção escravista,
Roberta Kilkeny faz algumas ressalvas às abordagens dos
autores anteriormente mencionados quanto à escravidão
africana (Kilkeny, 1981). Primeiramente questiona a pouca
atenção dada à origem da escravidão na África. Considera
que aqueles autores em geral minimizaram esta questão ao
argumentarem que a procura de uma possível causa da
escravidão fora do continente seria negar qualquer
dinamismo interno ao continente. Mas para Kilkeny, tal
posição leva a perder de vista o relacionamento dialético
existente entre o desenvolvimento (e subdesenvolvimento)
da África e o capitalismo emergente a partir do século XV.

Na discussão sobre a escravidão africana esbarra-se na


dificuldade de se chegar a uma definição satisfatória entre
os especialistas. Tal fato é compreensível, na medida em
que as definições que se conhecem evocam mais um
aspecto da escravidão (a característica de estrangeiro,
propriedade, liberdade etc.) em detrimento de outros traços
gerais. Aponta-se a possibilidade de remeter ao contexto de
estudos de casos específicos, a saber, onde e quando ocorre
o fenômeno da escravidão. E diante das muitas
ambiguidades que sugerem os termos definidores da
relação de subordinação na realidade africana, muitos
autores têm adotado nomes de origem local do escravo. É o
caso de Miller e outros que concebem a escravidão em
termos de estruturas de parentesco inseridas numa
sociedade de linhagem (Miller, 1977).

Toda essa discussão sobre o tráfico Atlântico e escravidão


africana trouxe enriquecedoras contribuições para os
estudos da história da África como um todo, e pré-colonial
em especial.

A escravidão, vista pela última geração de africanistas, trata


o tráfico de escravos entre africanos e europeus a partir de
um contexto de mudança social na África em que um
conjunto de elementos tornaram-se indispensáveis:
demografia e economia, incluindo preços, quantidade,
composição social e sexual, e exportação. Esses fatores
articulados à estrutura social africana determinada se
conjuga com os dados empíricos (7). Além disso, o estudo
do tráfico levantou a questão do impacto da escravidão
entre as mulheres africanas. As pesquisas apontam que o
número de mulheres envolvidas com a escravidão, entre
escravas e usuárias, foi muito maior do que o de homens no
continente africano. Outro dado importante, a demanda por
mulheres na escravidão africana sempre foi maior do que na
escravidão Atlântica. Até então, essa tendência era
justificada pela necessidade de homens na América pelo
trabalho pesado. No continente africano quem trabalha na
agricultura são as mulheres. A hipótese que se tem
considerado, para esse caso, tem sido de uma provável
estratégia por parte da elite africana em guardarem as
mulheres e cederem os homens para o tráfico Atlântico.
Como vimos em análises anteriores, são elas membros
fundamentais da estrutura das sociedades pré-coloniais,
objeto valioso para assegurar a produção e a
reprodutividade das comunidades.

Uma outra arena do debate, nos Estudos Africanos, foi a


história da formação do estado e classes, principalmente
pela década de 80 à fora. O registro generalizado dos
debates sugere linhas de análise movendo-se em torno de
pesquisa histórica concreta, de situações com intricadas
relações entre produção e reprodução com os seus vários
mecanismo de mudanças de apropriação de bens e as
origens de hierarquização de relações de gêneros (Tadesse,
1981, p. 359). Esse debate tem trazido contributo
fundamental à complexidade das respostas africanas aos
tipos de dominação nos contatos com os europeus. A
discussão foi aberta colocando no centro os termos
produtividade e reprodutividade, a partir da história do
trabalho considerando o impacto da escravidão para o caso
das mulheres, na história da África pré-colonial (8).

Hoje a historiografia africanista, com temas emergentes,


como a história das mulheres, da agricultura, vida urbana,
história da doença mental na África, das epidemias, das
guerras, faz parte de uma historiografia internacional,
porém, resguardando suas singularidades. Á história das
enfermidades, por exemplo, tem sido um tema constante
entre historiadores da África do Sul do pós- apartheid
(Birmingham. 1995, pp43).
© by Selma Pantoja 2000 

Todos os direitos reservados ao autor

Editoração eletrônica: Victor Tagore

Revisão: Autor

Capa: Selma Pantoja, Adriana Brito e Victor Tagore

Ilustrações: Ezio Bassani. Quaderni Poro 4 "I desendi dei


monoescritti arladi dei padre Giovanni Antonio Cavazzi da
Montecuccolo", 1987 

Cópias cedidas pelo historiador John Thorton

P19n Pantoja, Selma

Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão / Selma


Pantoja. — Brasília : Thesaurus, 2000.

180 p. il. color.

CDU 967.3 CDD 967

ISBN 85-7062-199-X
Todos os direitos em língua portuguesa, no Brasil,
reservados de acordo com a lei. Nenhuma parte deste livro
pode ser reproduzida ou transmitida de qualquer forma ou
por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou
informação computadorizada, sem permissão por escrito do
autor. 

THESAURUS EDITORA DE BRASÍLIA LTDA. SIG Quadra 8, lote


2356 - CEP 70610-400 - Brasília, DF. Fone: (061) 344-3738 -
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www.thesaurus.com.br- Endereço eletrônico:


[email protected]

Composto e impresso no Brasil Printed in Brazil


PREFÁCIO

Este livro tem origem na minha dissertação de mestrado,


iniciada em 1984 e finalizada em 1987, quando escolhi por
tema a História de Angola no século XVII. A década de
oitenta foi prolifera nas contribuições para a historiografia,
com as discussões sobre escravidão e escravismo no Brasil.
Aproveitando o silêncio sobre as questões na área dos
Estudos Africanos, no nosso meio acadêmico, apresentei
uma temática africana em torno da escravidão e do
escravismo. No centro da questão destaquei a importância
de uma mulher africana, percorri os caminhos que a
levaram ao poder e às guerras nesse contexto.

Anos depois, com tese de doutorado, artigos e livro em


produção como trabalho de pós-doutorado, com base nos
arquivos portugueses e africanos, passei a reunir
informações que dariam condições de uma reformulação do
meu texto de 1987, introduzindo os novos debates sobre o
tema. Daquela época até hoje, novos campos emergentes
tomaram conta da cena historiográfica brasileira, como o
debate em torno da história das mulheres e da questão de
gênero. Novas metodologias podem contribuir com a
temática poder/mulher.

O estudo da escravidão tomou formas e caminhos diversos,


com a última geração de africanistas, apontando da
necessidade que as pesquisas tendam a um estudo com
uma visão atlântica, um universo só, que englobe as duas
margens do Oceano. Optei por manter a estrutura do texto
de 1987, com pequenas modificações informando da
situação atual quanto a bibliografia mais recente. 

 
APRESENTAÇÃO

Desde menino, ouço falar na rainha Ginga. Nas conversas


de calçadas e de cozinha, ela surgia, ora como a mulher do
rei do Congo, ora como sua adversária. Nesta congada,
desfilava sob um grande guarda-sol colorido, ao lado do rei;
naquela, soava apenas o seu nome de inimiga, e mantinha-
se oculta ou distante — e bela, e irresistível, e terrível. O
que eu não ignorava é que ela não era personagem de
fábula, mas existira em carne e osso, em inteligência e
vontade, trezentos anos antes de minha infância, e fora
uma das mais finas e hábeis políticas de quem aprendi a
história.

Não lhe conto a vida, porque é isto o que faz Selma Pantoja
neste livro. E não só lhe narra a existência corporal e
terrena, como explica o mundo que lhe foi dado e como
procurou obstinadamente preservá-lo e protegê-lo da
expansão da Luanda portuguesa, usando em sua resistência
tanto a violência dos exércitos quanto a diplomacia do
adiamento e da conformidade. Se seus dotes de
negociadora e sua habilidade impiedosa no uso da força
impressionaram os europeus, não causaram menor impacto
entre seus súditos e seus adversários africanos, a quem deu
guerra e escravizou.

Foram alguns daqueles que ao lado dela ou contra ela


lutaram, os que embarcaram o seu mito pela primeira vez
num navio negreiro e o trouxeram para o Brasil. E não
permitiram que ela morresse neste lado do Atlântico, mas
sim, que continuasse viva na boca e nas festas do povo, por
toda a parte, até mesmo na Fortaleza de minha meninice,
onde os negros se contavam pelos dedos de poucas mãos.
Eram tão raros, que, nos maracatus, as moças e os rapazes,
brancos, cafuzos e caboclos, se pintavam de preto. Antes,
porém, de serem vendidos para o Sul ou de se confundirem,
pela mestiçagem, nas camadas populares, os africanos e
seus descendentes deixaram na memória de todos a figura
da rainha irredutível de Andongo, Matamba e Cassanje.

Selma Pantoja a traz de volta do mito para a história e a


recoloca na sua parte da África, no seu tempo. Entre os
bantos; e, neles, entre os ambundos; e nestes, entre os
andongos. Descreve-nos os seus vizinhos (os congos e os
lundas) e os modos de vida que lhes eram comuns ou
distintos. Fala-nos das mudanças, dos desafios e dos
traumas causados pela instalação dos portugueses no
Congo e em Luanda e das respostas que lhe deram
ambundus, jagas e imbangalas. Analisa o tráfico de
escravos português e suas consequências sobre as
estruturas políticas e sociais dos povos da região,
principalmente os andongos, assim como as transformações
que provocou na escravidão tradicional. Mostra como os
africanos, em especial a rainha Ginga, procuraram utilizar
em seu favor a disputa militar entre lusitanos e holandeses.
E, ao fazer história de Angola, contribui para ampliar o
entendimento da história do Brasil.

Pois o Brasil parcialmente se povoou com as campanhas


que os portugueses então empreenderam — e muitas delas
não passavam de razias para prear gente — e com as
guerras que contra eles e contra outros grupos africanos a
rainha Ginga promoveu. Os cativos dessas lutas não
desceram nas praias brasileiras sem memória — e basta
olhar ao derredor para disso ter certeza. Trouxeram com
eles um passado que continua nosso. Só que teimamos em
não ir procurá-lo onde se encontra, quase convencidos de
que os escravizadores tiveram êxito e lograram
desumanizar as suas vítimas, e de que o negro se
reinventou a si próprio no Brasil.

Tome-se, por exemplo, o auto popular que tem, em muitas


de suas versões, a rainha Ginga como personagem presente
ou encoberta: a congada. Não tenho dúvidas sobre as
influências portuguesas, na forma como se organizaram as
falas e os versos, na roupagem e em muito mais. Todavia,
noto que rei, rainha e altos dignitários vêm cobertos por
grandes guarda-sóis — o símbolo mais evidente do poder
em boa parte do continente africano. E lembro — e isto é
mais importante — que os dois partidos adversários,
dispostos um frente ao outro, repetem uma cerimônia
festiva que se realizava quando ascendia ao poder, no
Congo, um novo rei. Todos os anos, pela mesma época, era
ela reencenada, com os dois grupos a simularem, dançando
e a cruzar lanças, uma batalha.

Os africanos e os seus descendentes não reproduziram no


Brasil tudo o que deixaram nas suas terras de origem
(como, aliás, tampouco os portugueses, ainda que
estivessem na posição de senhores). Escravos de distintas
nações, reunidos ao acaso, não o poderiam ter feito. Viram-
se obrigados a modificar cerimônias, costumes e
comportamentos, a converter-se, quase sempre
parcialmente, a modos de vida que não eram os deles, a
adaptar os seus valores aos dos brancos, aos dos crioulos e
de outros africanos que ao derredor prevaleciam. Mas, entre
os negros, a maioria não se impunha em tudo e sempre. Se
aqui predominavam hungus, pendes ou andongos,
aparentados linguística e culturalmente, um grupinho coeso
de fons podia convencê-los a sacrificar a um vodu
daomeano.

No Brasil, compuseram-se novas etnias, criaram-se novos


etnônimos e ampliou-se a abrangência de alguns daqueles
que só se aplicavam na África e uma pequena grei.
Passamos a distinguir entre angolas, benguelas, cabindas,
jejes, minas, moçambiques, nagôs. Aquele a quem os outros
chamavam nagô sabia-se, contudo, ijebu, ijexá, oió ou
queto, sem recusar seu novo nome. Que assim tenha sido,
não seria matéria de surpresa, se estudássemos mais a
história da África. Pois lá as nações não eram estáticas e se
formavam e refaziam por soma e aglutinação de grupos
diferentes ou por ruptura e clivagem. Como, de resto, em
quase todo o mundo. Os imbangalas, de cujos rituais e
organização militar a rainha Ginga se apossou, são exemplo
disso.

Os africanos — repito — não reproduziram as suas Áfricas


no Brasil. Mas as trouxeram consigo e delas nos
impregnaram. E de tal modo, com tamanha extensão e
intensidade, que não nos explicamos sem elas. Durante três
séculos, os navios negreiros alimentavam o Brasil de gente
— e, sem estudarmos o que se passou nas diversas regiões
da África, em cada momento desses trezentos anos, não
saberemos de onde, como e porquê foram determinados
povos, e não outros, os que se trouxeram à força para o
Brasil. Durante mais de três séculos, o Atlântico não passou
de um rio, e entre as suas margens trocaram-se sem cessar
bens e experiências. Por isso, no lado de cá, por muito
tempo, fundiu-se o ferro à africana; e no de lá, uma casa de
farinha de mandioca é em tudo idêntica a uma brasileira,
herdada dos tupis.

Ainda crianças, estudamos na escola quem foram Pedro o


Grande e Catarina II da Rússia, mas não aprendemos nada
sobre aquele Mbemba Nzinga também chamado Afonso I,
nem sobre o obá Osemwede, que foi quem primeiro mandou
um embaixador reconhecer a independência do Brasil, nem
sobre o rei Guezô do Daomé, nem sobre o poeta, teólogo e
líder fulo Osmã dan Fodio, cuja guerra santa derramou na
Bahia, no início do século XIX, uma grande quantidade de
iorubas e houçás, nem sobre quem era o angola a quiluanje,
o oni de Ifé, o alafim de Oió, o damel de Caior, nem sobre
como se moviam os seus exércitos, e se organizavam os
seus estados, e, dentro deles, as classes sociais e a família.
Retemos na memória o sistema europeu dos três
afolhamentos, mas ignoramos como era a agricultura nas
distintas regiões da África. Tampouco nos ensinam como
cada grupo comerciava com os vizinhos e à longa distância.
Ou como vestia cada nação. Ou vivia a sua gente. E, no
entanto, essa gente é nossa ancestral, e as suas histórias
tiveram mais influência sobre a nossa história e sobre o que
hoje somos do que todos os reis da França.

Dito isso, fica evidente a importância deste livro de Selma


Pantoja sobre a rainha Ginga. Recebi os seus originais com
alegria. E com alegria ainda maior o colocarei na minha
estante, ao lado daqueles poucos, pouquíssimos volumes
que os brasileiros escreveram sobre a África. Que não se
demore um outro. Que Selma Pantoja nos dê logo a obra
que promete sobre a condição da mulher, ao longo do
tempo, em Angola. Afinal, África é uma palavra feminina e,
no Brasil, deveria ser sinônimo de mãe-pátria.

Alberto da Costa e Silva


INTRODUÇÃO

A história da África, antes da chegada dos europeus,


chamamos história pré-colonial. O nosso interesse pelo
tema foi consequência de um período de experiência
profissional em país africano que, diríamos, acentuou nossa
relação com aquele continente. Essa mesma experiência
nos colocou sob uma nova perspectiva, a historiografia
africana.

O elo comum do assunto proposto com a história do Brasil


está na colonização portuguesa. O período de maior
relacionamento do Brasil com a África, especialmente a
África Central Ocidental, deu-se justamente na época do
escravismo brasileiro. A historiografia brasileira é marcada,
porém, pela insuficiência do estudo das relações Brasil-
África e ressente-se de uma quantidade maior de trabalhos
nesta área.

A análise das contribuições e trocas recíprocas Brasil-África


permitirá uma visão clara de muitos aspectos de nossa
história. Por exemplo, para um adequado estudo do que foi
a sociedade escravista brasileira, seria desejável estender a
análise até as sociedades de onde foram retirados os
africanos escravizados no Brasil. Portanto, o estudo objetivo
das relações passadas, Brasil-África, forçosamente remete
ao melhor exame dessas formações sociais.
O nosso estudo tem como objetivo, de uma maneira geral,
avaliar o caráter específico da organização e do
desenvolvimento histórico das sociedades do litoral
angolano no século XVII. Para tal, tentamos caracterizar a
divisão interna desta sociedade levando em conta o
surgimento de grupos privilegiados; o significado das
estruturas de parentesco e linhagens; as formas de
concepção do poder. Mais especificamente, ao longo desta
análise, tratamos de investigar com maior precisão as
funções do escravo e em que categorias ele se enquadra
nas estruturas sociais.

Por outro lado, preocupamo-nos em situar o tráfico Atlântico


— como fator externo — no contexto da África e avaliar o
seu peso e as suas consequências nas estruturas sociais
africanas.

Este livro visa a um público brasileiro que, pela escassez de


publicações e produção na área de Estudos Africanos em
língua portuguesa, se vê sem acesso a este tipo de
informação. Portanto, um primeiro intuito será de
divulgação da história da África e, mais especialmente, da
História de Angola. 
2. POVOS E SOCIEDADES
DA REGIÃO DA ÁFRICA
CENTRAL OCIDENTAL

Os Bantu e os não-Bantu
Os povos situados ao norte do rio Zambeze, ao sul da
floresta equatorial e ao centro da região de savanas são
predominantemente população de língua Bantu. Sabe-se,
através das peças arqueológicas, gravuras e pinturas
rupestres, que os primeiros habitantes desta região foram os
bosquímanos, povos caçadores e coletores. A partir do
primeiro milênio da nossa era, os bosquímanos foram
deslocados pelas migrações Bantu, dispersando-se para o
sul de Angola. Os Bantu, poderíamos assinalar, introduziram
a agricultura e a metalurgia na região da África Central.

Na sua atividade produtiva, os Bantu apresentavam uma


certa uniformidade: praticavam no geral a agricultura
itinerante. Por conta deste aspecto econômico, viviam em
busca de novas terras (Vansina, 1965, p. 19).

Os agricultores Bantu, por volta de 1400, já tinham


estabelecido núcleos às margens dos rios.

As precárias condições para a prática agrícola em


consequência das prolongadas estações secas explicariam a
distribuição dessa população em relação aos fatores
climáticos. A concentração da população e a estruturação
das comunidades se deu em função de fatores como a
existência de fontes d’água (Miller, 1983, v. l, p. 121-3).

As regiões como os vales do rio Zaire e do médio Kwango


constituíram centros populacionais importantes. Outros
locais de concentração da população foram o curso do rio
Kunene, o baixo Kubango, o alto Zambeze e os afluentes do
Kasai.
Os Bantu complementavam a sua atividade principal — a
agricultura — com a caça, a pesca, a coleta e o comércio.
Utilizavam o fogo como preparação dos terrenos para a
agricultura: a chamada queimada. No século XV, estes povos
chegaram a desenvolver um tipo de agricultura semiperene
ou perene. A irrigação dos grandes rios e as terras
periodicamente alagadas condicionavam o tipo e a dimensão
da agricultura.

Cabia às mulheres a maior parte do trabalho na atividade


agrícola. Eram elas que semeavam, colhiam e preparavam a
terra; os homens derrubavam as matas, limpavam o terreno
e construíam as casas e os artefatos. A caça e a pesca
desempenhavam papéis importantes para a sobrevivência
dessas comunidades. Características marcantes deste tipo
de sociedade são a pouca divisão social do trabalho e a
quase nenhuma especialização.

Estes povos conheciam o regime de descendência


matrilinear, patrilinear e ainda a descendência dupla. A
matrilinearidade está associada à comunidade original da
mulher, sendo a filiação por intermédio das irmãs ou filhas
dos homens da comunidade. O tio materno tem autoridade
sobre os filhos das suas irmãs. Esta regra de descendência
não estabelece os laços principais de parentesco entre a
mãe e os seus filhos, mas entre o irmão e os filhos desta. O
regime patrilinear ocorre quando a descendência de uma
mulher está associada à comunidade do marido,
estabelecendo a relação pai-filho. A descendência dupla
seria a forma mista de compartilhar os laços maternos e
paternos (Meillassoux, 1977, p. 48).

Com base na aldeia podem-se distinguir vários tipos de


organização política. Cada aldeia tem origem numa
linhagem, constituindo-se, por vezes, em um conjunto de
linhagem principal, e em outros casos, às aldeias
correspondem dimensões de chefias e o papel político do
chefe é limitado: representa as chefias e têm algumas
obrigações religiosas, com insignificante participação no
processo político (Vansina, 1965, p. 4-5).

Caçadores e agricultores
Angola é parte da África Central Ocidental, região que
compreende os seguintes países: os Camarões, O Gabão, a
República Democrática do Congo, República Popular do
Congo e a Zâmbia.

Á África Central Ocidental é uma zona formada por desertos,


pela floresta Equatorial e por savanas, áreas cujas
especificidades são pertinentes ao estudo da fixação
humana (mapa 3). O norte da região inclui a floresta úmida
equatorial até o rio Congo; no sul estão as franjas
semidesérticas do Kalaari. Característica do
desenvolvimento da região no passado foi a expansão dos
povos de língua Bantu. Hoje em dia quase toda a população
da África Central Ocidental é de origem Bantu. O início dessa
expansão, provavelmente, foi consequência da busca de
áreas de ocupação mais favoráveis para a sobrevivência. A
população autóctone, pressionada, não tinha como se
defender contra os migrantes, agricultores que conheciam o
ferro.

Em toda a África Central Ocidental havia, antes da chegada


dos ancestrais dos Bantu, caçadores e coletores, conhecidos
como bosquímanos. Estes primeiros habitantes viveram na
floresta por muitos milênios até adquirirem suas atuais
características. Eram grupos pequenos, isolados, nômades,
cada grupo possuindo sua própria língua. Não se conhece a
língua originária desses povos e a maioria da sua população
foi absorvida pela grande expansão dos povos de língua
Bantu. Se, por um lado, os primeiros habitantes da África
Central Ocidental sofreram a influência linguística dos Bantu,
por outro, estes últimos tiveram que aprender técnicas de
caça com estes caçadores especializados. Em épocas de
calamidades climáticas ou de qualquer outro desastre da
colheita os agricultores tomavam-se nômades, caçadores e
coletores (Vansina, 1984, p. 140-3; Birmingham, 1983, p.
1/29).
Os grupos Bantu chegaram em massa com seus cultivos e
técnicas metalúrgicas, o que abalou profundamente a
maneira de viver dos povos caçadores e coletores. As
grandes migrações Bantu resultaram num violento impacto
no modo de vida dos antigos caçadores. O povo San, por
exemplo, vive nas áridas terras do sudeste de Angola e da
Namíbia.

A África Central Ocidental foi ocupada, inicialmente, pelos


Bantu ocidentais, em pequenas migrações sucessivas. A rota
da expansão pode ser reconstruída, em parte, com o apoio
das pesquisas arqueológicas, escavando os vestígios
neolíticos e, pela localização dos grupos linguísticos.

Grupos de língua Bantu cruzaram as altas terras do interior


dos Camarões e foi a primeira expansão desse ramo
ocidental. Esses Bantu se expandiram depois ao longo da
costa, em direção ao norte e ao sul. Outros estenderam-se
na sua maioria entre a floresta e a savana, próximo ao rio
Mbam (mapa 2).

No centro dos Camarões, os agricultores cruzaram o rio


Sanga e se dirigiram às terras férteis da floresta. Um grupo
voltou-se para leste indo além do rio Kadei em direção à
floresta e à savana. Outros, caminhando para o sul e
encontrando ricas savanas e florestas, chegaram ao médio
Ogwe, na região do Gabão. Deste grupo, um novo ramo dos
Bantu seguiu em direção ao oeste e chegou ao sudeste do
atual Zaire. Tratava-se do grupo Lualaba-Atlântico, que, por
sua vez, se subdividiu: o primeiro bloco foi em direção à
floresta e às savanas até atingir o baixo Zaire, enquanto
outros grupos se estabeleceram ao longo do rio Kwango, em
Angola. Os que chegaram ao rio Kwango ocuparam áreas
florestais entre o rio Kuilo e Kasai. Numerosos traços do
neolítico foram encontrados no baixo Zaire. As regiões entre
os rios eram arenosas, pedregosas e sujeitas a estiagem. O
nível de conhecimento técnico dos Bantu permitiu-lhes,
porém, estabelecerem-se entre os vales dos rios e nas
galerias das florestas.

Todos esses deslocamentos evidenciam que na África Central


Ocidental a população sempre foi extremamente dispersa.
As zonas das savanas foram sempre mais povoadas que a
zona da floresta. Ainda que favorecida pelos cursos d’água
que tornam possível a agricultura, o solo da floresta é pobre
e pantanoso. Sua vegetação densa com altas árvores criava
obstáculos à agricultura, favorecendo a especialização na
caça (Birmingham, 1983, p. 3).

Há cerca de quatro mil anos, aproximadamente, os


agricultores da região dos Camarões iniciaram a expansão e
difusão da sua prática agrícola, implementada ainda pelo
uso do ferro em toda a África Central Ocidental, iniciada há
mais ou menos três mil anos (Birmingham, 1983, p. 13-15).

A  atividade agrícola mais antiga na África Central (9) com


vistas à produção de alimentos foi a cultura do inhame (10),
para cujo cozimento empregava-se óleo de palmeiras
cultivadas na zona de florestas. A cultura de cereais se deu
basicamente nas savanas, enquanto que a cultura de
tubérculos ocorreu na floresta. A introdução do uso do ferro
na agricultura teve um efeito explosivo, com a população
agrícola crescendo e se expandindo para os lados das
savanas e dos lagos. O cultivo da banana, segundo Vansina,
data de época anterior ao ano 1000. A difusão da
metalurgia, facilitando a abertura de clareiras nas florestas
úmidas, área ideal para a plantação da banana, permitiu
essa cultura, essencial para a dieta alimentar dos Bantu até
o advento do milho e da mandioca. A banana se adaptou
melhor que o inhame e as palmeiras à zona da floresta
úmida, pois dispensava a preparação do solo e tinha um
bom rendimento na colheita (Birmingham, 1983, p. 12-13).
A cultura de cereais significou outra etapa na produção de
alimentos e foi um processo complexo, não linear em termos
de tempo e espaço. O seu desenvolvimento, na maioria das
vezes, foi em conjunto com culturas relativamente simples
de outros vegetais. O plantio de cereais se inicia com a
domesticação de grãos como o sorgo agreste. Outro
processo paralelo ao cultivo de alimentos foi a domesticação
de animais. O norte da África Central foi pioneiro na
domesticação de galinhas, cabras, carneiros e gado bovino.
A produção dos derivados do leite já era uma antiga
habilidade conhecida pelos Bantu desta região.
Originalmente, a prática da pastorícia foi uma atividade
vinda da região norte do continente e o sal, decisivo para o
consumo de grãos, passou a ser um produto altamente
valorizado nas trocas entre essas comunidades.

Por volta do século XV, a África Central já tinha uma


agricultura importante ao longo das margens dos rios e das
savanas. As altas terras do interior de Angola, por exemplo,
possibilitaram o surgimento de uma zona desenvolvida e um
crescimento significativo da população. A região de savanas
em direção a leste, pelos seus vales férteis, foi outra área
escolhida pelos agricultores (Vansina, 1984, p. 140-41).

A história do sul da África Central difere da história das zonas


norte e oeste. Aí o gado se desenvolveu em maior escala,
porque esta região não estava infestada pela tsé-tsé e, além
disto, a produção do cobre na Zâmbia e, a partir do ano
1000, a mineração do ouro no Zimbabwe, contribuíram para
sua riqueza.

A zona nordeste da África Central, por volta do ano 1000,


entre o baixo Upemba e o alto Zaire, distingue-se por um
razoável crescimento demográfico e pelo desenvolvimento
do nível técnico das comunidades. Os habitantes do lago
Kisale, por exemplo, fabricavam cerâmica em diferentes
estilos, e comunidades pesqueiras exploravam os lagos,
fabricavam canoas para carregar os peixes, que depois de
secos, eram enviados a mercados distantes. O contato do
Kisale com o exterior trouxe das regiões norte e sul o sal e o
cobre (Birmingham, 1983, p. 19).

A zona oeste da África Central teve uma população


caracteristicamente dispersa. A produção do cobre no
nordeste do rio Zaire e de Angola não chegou a ter grande
importância.
Na maior parte dessas sociedades, o processamento do
minério de ferro tomou o aspecto de um ritual sagrado. Em
algumas comunidades os fornos eram mesmo colocados em
um ponto central da aldeia ou, então, em local secreto. O
ferreiro, o mestre do ferro, tinha um tão alto prestígio que,
por vezes, originava rivalidades com o mestre caçador na
disputa por maior poder na coletividade. Com o tempo, o
ferreiro se transformou no mais importante artesão da
aldeia.

Os instrumentos de pedra e ferro usados pela população


Bantu no segundo milênio comprovam a expansão da
agricultura entre os Bantu mesmo antes de 1100 de nossa
era: a agricultura já era praticada, exceto em regiões
próximas ao deserto do Kalahari e alguns pontos da floresta.
A população ao sul da floresta dedicava-se ao cultivo do
sorgo, alguns tubérculos e cereais. A metalurgia do ferro, do
cobre, a cerâmica, a tecelagem da ráfia e a extração do sal
eram então técnicas artesanais comuns na região (Vansina,
“L’Afrique Equatoriale et l’Angola: 1100-1500”, ex. mim. p.6;
Vellut, Ob. cit. p. 2-4).

Com grande prática da agricultura de cereais e o constante


uso do ferro, os Bantu estabeleceram-se nesta região,
dispersando-se em direção à floresta e ao litoral. Viviam em
aldeias e se organizavam em linhagens matrilinear e
patrilinear, enfraquecida pelo regime de residência virilocal
(regra de residência pela qual o casal vive com a família do
marido), que fortalecia a estrutura aldeã (Vansina, L’Afrique
Equatoriale et., p. 6).
O poder dos chefes políticos locais baseava-se no princípio
territorial. O chefe era aquele que primeiro ocupava uma
determinada terra (Vansina, L’Afrique Equatoriale et... p. 7).
A estrutura política da aldeia permite, através de um
excedente, que o chefe se afaste da produção. Inicialmente,
era impossível deslocar da produção o patriarca e alguns
conselheiros. Mas, com o tempo, um excedente cada vez
maior era necessário para manter fora da produção não só o
soberano como também os conselheiros (Id. ib. p. 7-8).

Os Mbundu e as linhagens
A complexidade do sistema político de alguns grupos levou à
construção de estados organizados em confederações de
linhagens.

O estudo dos Mbundu, centrado no estado do Ndongo


constituiu um exemplo, além dos bakongos, de unidade
política da região. Pode-se acompanhar a sua construção
histórica por meio das mudanças institucionais. A grande
análise até hoje feita sobre os Mbundu, sem dúvida
nenhuma, se encontra na obra de Miller em 1976. Num
território complexo e desafiador, das linhagens, parentescos
e da tradição oral sua obra sugere novas atitudes com
revisões de abordagens convencionais da historiografia até
então.

Os limites para as fronteiras do espaço de população


Mbundu, dados por Miller aos falantes Mbundu, são: entre o
rio Longa a sul e o Bengo a norte; para leste o rio Luhando
no sul até a parte inferior do Kambo. As fronteiras sul
parecem ter sido mais fixas. Os grupos Mbundu centrais
incluíam os Lenge, os Ndongo, os Songo, os Mbondo, os
Pende, os Hungu, os Libolo (Mapa 4).

Anterior à chegada dos europeus ocorreram muitas


alterações que impossibilitam definir divisões étnicas
profundas e antigas. Portanto, a não generalização da idéia
de unidade e homogeneidade, que apressadamente sempre
nos ocorre fazer, de um povo Mbundu como um único grupo
e língua, próximo da idéia de ‘nação’ é a primeira lição que
se retira da obra de Miller.

No estudo das formações sociais da região da África Central


Ocidental o importante é destacar alguns traços básicos
dessas sociedades. São povos de diversas etnias, com
predominância do regime de descendência matrilinear,
estruturados em linhagens (11), sendo comum entre eles o
sistema do dote.

O preceito principal entre os mbundu era a idéia de


igualdade. Toda população que vivia junta deveria ter laços
de parentesco. Na linhagem, tratando-se de grupo de
parentes unilinear, os seus membros se identificavam como
um corpo constituído e aceitavam a direção dos mais velhos.
Qualquer estudo que se coloque do ponto de vista da
ideologia subjacente àqueles povos, se prenderá às origens
da ideologia linhageira. A ideologia, neste caso, está ligada
ao parentesco e à oposição anciãos/ jovens dentro das
comunidades. Nas comunidades mbundu existiam muitos
dependentes em situação de desigualdade. Vansina afirma
que o status de escravo desmascara a ideologia da
igualdade (Vansina, 1980).

O estabelecimento da estrutura linhageira parece ter


resultado da chegada dos agricultores Bantu nesta região. O
crescimento demográfico e a sua contrapartida — a escassez
de terras férteis — conduziram a população a uma constante
procura de terras ainda não exploradas. Esta situação serviu
para aumentar o número de dependentes. Por outro lado, as
secas periódicas teriam sido outra fonte, à medida que
populações famintas se colocavam sob a proteção de uma
determinada chefia (Miller, 1981, p. 44).

Obter um número significativo de dependentes (crianças,


mulheres, prisioneiros de guerra, endividados, condenados
por crimes, penhorados etc.) seria a garantia de controle da
mão-de-obra. Para isso poderiam lançar mão de troca de
mulheres ou fazer alianças entre os mais velhos de
diferentes grupos. Constituíam-se, assim, grupos vizinhos,
que mantinham um sistema de trocas, garantindo deste
modo o acesso de cada grupo ao controle de mão-de-obra. A
poligamia, no caso, servia como um canal de apropriação do
trabalho feminino, além daqueles outros tipos de
dependentes. Nestas sociedades as mulheres e os escravos
estariam na última escala do poder. No tocante à região que
estudamos, Cavazzi afirma que, no campo, a maior parte dos
trabalhos cabia às mulheres e aos escravos (Cavazzi, 1965,
p. 85), e que quando os senhores morriam, seus escravos e
mulheres eram enterrados com eles (Cavazzi, 1965. p. 124-
5).

O conflito no sistema de linhagem ocorria pela competição


por mulheres e outros dependentes. Formava-se o que se
convencionou chamar de comunidades de parentesco
segmentada porque, em consequência da falta de
trabalhadores, de mulheres e da necessidade de expansão
das terras por parte dos mais jovens, ocorriam disputas
entre anciãos e jovens, resultando em um novo segmento
(Miller, 1981, p. 46).

A região do litoral da África Central, no século XVI, viu


crescerem os estados centralizados (Mbundu, Kongo). Estes
novos estados vão se apoiar na ideologia linhageira ao
tentar superar a autonomia das chefias locais; por outro
lado, as comunidades tentam defender direitos e privilégios
em relação a esta centralização. Os soberanos dos novos
estados pautam-se pela preservação dos privilégios dos mais
velhos contra os jovens e estrangeiros. A tendência será de
formar pequenos estados em relação aos grandes estados
do século XV, aparecendo a fragmentação, portanto, como a
tônica dos séculos XVI e XVII (Miller, 1981. p. 52).
Sociedades linhageiras
Estas sociedades africanas tinham uma forma de
organização social e política mais complexa do que se pensa.
As instituições sociais, em sua maior parte, se baseavam no
sistema de parentesco: relação em que duas pessoas são
parentes, descendem de um ancestral comum e a
dominância desse sistema passa a caracterizar essas
sociedades. O termo parentesco no sentido em que o
empregamos aqui é utilizado principalmente como uma
relação social no interior destes grupos e também como uma
relação de parentesco consanguínea. Se discute hoje da
centralidade do parentesco nas sociedade africanas, o caso
aqui estudado se configura tratar de uma forma básica da
organização social.

Entre alguns grupos a descendência se dá pela linha paterna


e neste caso considera-se a filiação por meio do homem
ficando a mulher associada à comunidade onde vive o
marido. Este sistema de parentesco é chamado patrilinear.
Outras vezes a filiação está associada à comunidade da
mãe, descende-se das irmãs ou filhas do homem da
comunidade. O tio materno tem maior autoridade sobre o
filho da irmã do que o marido desta. A este sistema de
parentesco chama-se matrilinear. Em outras palavras, a
patrilinearidade se estabelece entre pai e filhos da esposa e
a matrilinearidade não se estabelece entre a mãe e seus
filhos, mas entre o irmão da mãe e os filhos desta. Então, às
vezes, os tios têm mais autoridade sobre os sobrinhos do
que o pai, e a relação entre primos muitas vezes é mais forte
do que entre irmãos. Todos são sobrinhos de alguém e
descendem de um fundador de alguma linhagem, isto é, um
grupo de parentes organizados segundo um sistema de
filiação. As sociedades dos Mbundu são predominantemente
matrilineares e linhageiras. Mas apesar do princípio de
contar o parentesco e herança através das mulheres a maior
forma de autoridade fica com os homens.

Toda linhagem tem um antepassado comum e, portanto,


todos são parentes desse fundador, formando uma linha de
descendência direta. Na África Central Ocidental, o sistema
predominante de parentesco era o matrilinear. E os
agrupamentos humanos se baseiam em formas linhageiras
de organização. Fator importante se pensarmos nos
pequenos estados Mbundu. Sobrepondo a esses laços
linhageiros uma rede de instituições, horizontais, verticais e
transversais, recobria e unia os diversificados grupos sociais
Mbundu. Como demonstrou Miller a presença de
diversificadas instituições foi central para o desenvolver da
história política dos Mbundu. 
3. ANGOLA: ASPECTOS DO
MUNDO NATURAL

Os caminhos fluviais e oceânicos


Os rios e os mares sempre foram áreas de demarcação do
domínio dos povos. Ao contar a história dos Mbundu,
antepassados dos angolanos no século XVII, esses meios de
transportes de mercadorias e homens, como se poderia
esperar estavam sob controle dos soberanos africanos. O
alto mar pertencia aos europeus com suas técnicas
européias. Mas o litoral com viagens costeiras, os caminhos
dos rios em contato direto com o interior, ou ainda, por
meios de conexões, estavam e se mantiveram por tempos
sob o controle restrito dos reis africanos. As passagens por
essas vias dependiam de negociações que requeriam tempo
e paciência por parte dos europeus que por muitas vezes
não souberam esperar e pagavam custos altos por guerras
desastrosas, que por sua vez, nem sempre resolviam a
questão restando a negociação.

A região onde se concentra nosso estudo, corresponde ao


atual território de Angola. Localizada ao sul da floresta
equatorial, área de transição entre a África Central e a
Meridional. É banhada pelo oceano Atlântico a oeste (uma
costa com a extensão aproximada de 1600 quilômetros); faz
fronteira ao norte com República Popular e a Democrática
dos Congos; a leste limita-se com a Zâmbia e ao sul com a
Namíbia.

Este território pode ser delimitado, do ponto de vista


hidrográfico, por quatro grandes bacias: as bacias do Zaire,
do Kwanza, do Cunene e do Zambeze. Esta abundância de
sistemas hidrográficos no território angolano favoreceu a
fixação humana na região. Na região norte angolana está
situado o rio Kwanza (formando a maior bacia hidrográfica
inteiramente em território angolano) que tem cerca de 900
quilômetros de extensão e deságua no oceano Atlântico.
Esses rios são os principais sistemas de comunicação que
davam acesso aos mercados e às feiras. A população do
litoral, baseava sua sobrevivência na pesca, agricultura e
prática da pastorícia. Utilizavam a navegação de cabotagem
ao longo da costa com embarcações construídas com
instrumentos de ferro extraídos, das minas localizadas na
floresta próximas a embocadura do Kwanza. A partir de
grossos troncos de árvores fabricavam as suas embarcações
em que percorriam em direção ao interior o rio Kwanza.

Situado no norte angolano, o rio Zaire tem uma extensão


de, aproximadamente, 150 quilômetros navegáveis; é
considerado o maior rio da África em caudal. A maior parte
do curso deste rio está em território congolês. Outros rios,
ainda no norte angolano, correm em direção ao oceano
Atlântico e formam bacias hidrográficas menores. Junto ao
Kwanza, o rio Zaire fazia as conexões das rotas fluviais e
oceânicas, conectava pontos distantes do interior para o
Atlântico (12). As viagens de cabotagens aconteciam entre
a barra do Kwanza e a foz do rio Zaire, como descreveram
os primeiros portugueses que pisaram a região.

A bacia do Kuango, pertencente à região norte, juntamente


com o Zaire e o Kwanza constituem os três maiores rios do
norte angolano. Mais para leste encontra-se o rio Kasai,
afluente do Zaire, que delimita a fronteira leste angolana.

Na região sudeste o sistema hidrográfico mais característico


é o rio Zambeze que nasce em Angola e chega até o Índico.
Na parte sul de Angola, o Cunene — que corre em direção
norte-sul e nasce na região de Huambo — forma a principal
bacia hidrográfica. O rio Cubango é outro importante rio da
região sul, correndo em direção norte-sul e tendo na sua
margem esquerda os afluentes mais importantes.

Além de outros rios da região sul temos o Coriango, que


corre em direção norte-sul e tem um curioso sistema
hidrográfico, na maior parte de sua extensão forma
correntes subterrâneas, que afloram somente em curtas
extensões. Este fenômeno é conhecido como mulolas ou
malongas.

Os rios angolanos, em sua maior parte, não são navegáveis


e as grandes vias são, principalmente, o Zaire e o Kwanza. E
como veremos, estes dois rios foram fundamentais
formando sistemas de transportes de pessoas e
mercadorias com o litoral Atlântico, antes e depois da
chegada dos europeus àquele litoral.

O clima e seus históricos mal-


entendldos
A descrição do clima africano foi o vilão da história desde
que os primeiros portugueses chegaram ao litoral e por
meio dos rios penetraram o sertão africano, até os
detetores do colonialismo.
O momento de conhecer e dominar aquela natureza parecia
não chegar perante cada europeu que tombava, vítima do
clima africano. Criou-se uma série de mitos justificadores
dos males que passavam, ou pensavam passar, os brancos
no meio-ambiente africano. O clima serviu para justificar o
que os portugueses consideravam de errado ao adentrar
cultura africana a dentro. Luanda será conhecida pela
‘tumba do homem branco’ e o comportamento e
sexualidade pareciam se alterar frente esse ‘insalubre
clima’. O caso não se aplicou somente ao litoral Ocidental
da África, de qualquer jeito, a literatura a respeito é
abundante.

Que clima é esse?

O clima da região angolana sofre influência da diversidade


de solos, do relevo e do sistema hidrográfico. Outros fatores
contribuem para modificação climática em Angola, como é o
caso da latitude e da corrente fria de Benguela. O clima é do
tipo intertropical com sub tipos climáticos: clima equatorial
litorâneo, com temperaturas úmidas e alta pluviosidade;
clima subtropical do litoral, influência pela corrente fria de
Benguela; clima tropical continental, com temperaturas
altas e constantes, grande umidade e abundantes chuvas; e
clima planáltico na região sul.

Em Angola se distinguem duas estações: uma seca e fresca,


ou de cacimbo, outra de chuvas e temperaturas quentes. A
pluviosidade aumenta quando nos afastamos do litoral, na
costa as chuvas são curtas, no interior chegam a 1800 mm.
por ano.

No litoral norte o clima é úmido e quente, transitando para


clima equatorial litoral, e mais para o sul o clima é tropical
de variações térmicas. O clima tropical predomina na região
e na parte interior central. No litoral este clima torna-se
mais suave, influenciado pelo oceano; na região planáltica,
o fator altitude modifica o clima, que transita para
temperado, propício às atividades agrícolas. Ao sul, as
precipitações tornam-se nulas: é o deserto.

O litoral, quanto à vegetação, é uma zona árida e arenosa


ao longo de toda extensão. De Benguela, em direção ao
norte, a vegetação aumenta e o solo é próprio para
agricultura, principalmente do norte do Kwanza para o
interior. A região costeira apresenta altitude superior a 1000
metros e a vegetação é influenciada pelo clima e pela
natureza do solo. Nas regiões úmidas existe uma vegetação
tropical com grande diversidade de espécies; o mesmo
acontece com a vegetação de transição para o deserto e no
planalto do interior.

O relevo compreende três regiões: a zona litorânea retilínea;


a encosta de planalto, com montanhas paralelas à costa; e
o planalto (13).

Um harmonioso convívio acontece entre litoral Atlântico de


um lado e deserto do outro, oferecendo uma bela paisagem
de contrastes aos seus observadores. 
4. OS MBUNDU

Os mbundu e seus vizinhos

A história dos Mbundu, como foi visto, está intimamente


ligada à trajetória dos imigrantes de língua Bantu da Idade
do Ferro, que se infiltraram por toda a região da África
Central. Esses Bantu, dos quais se originaram os Mbundu,
formaram vários estados ou confederações de estados, cada
um adotando determinado tipo de organização política.
Algumas dessas unidades políticas influenciaram
profundamente a história dos Mbundu. Foi o caso do Kongo,
Lunda, Loango. Ao sul do Rio Zaire e a oeste do estado
Lunda localizava-se o território dos Mbundu.

Os primeiros contatos dos europeus nesta região se


estabeleceram com o Kongo, muito antes de qualquer
relação com os Mbundu do Ndongo, daí a necessidade de
nos determos um pouco na história do Kongo (mapa 5 e 6).
O Kongo localizava-se na parte norte da atual Angola, região
habitada pelos Bakongo. O seu território limitava-se ao norte
pelo rio Zaire, a leste pelo baixo Kuango, ao sul a fronteira
era o rio Loge e, a oeste o Oceano (Mapa 6).

Costuma-se em termos de divisão territorial do Kongo dizer


que ele estava organizado em seis províncias — Soyo,
Mbamba, Nsundi, Mpango, Mbata e Mpemba — nesta
situando-se a capital, Mbanzakongo (14). Além dessas
províncias, havia os estados independentes e chefias como
os Mbundu do nordeste de Angola que, possivelmente,
pagavam tributos ao soberano, o Manikongo (Birmingham,
1966, p. 18). Os estados nesta situação eram o Ndongo,
Matamba, Loango, Ngoyo, Dembe, Cakongo, entre outros
(Santos, 1964, p. 6).

O Kongo
O Ndongo, onde nasceu Nzinga, era tributário de um grande
estado ao norte, o Kongo dotado de uma complexa
organização administrativa, o Kongo estava dividido em seis
unidades, cada uma com um titular nomeado pelo soberano
africano, o Manikongo. A principal função administrativa do
Manikongo e dos chefes locais era a coleta das taxas em
diferentes níveis da sociedade. Além das unidades
administrativas, alguns estados independentes pagavam
tributo ao Manikongo, como era o caso do Ndongo.

Na sua organização interna o Kongo apresentava uma


distinta separação quanto à produção e à organização social.
Os habitantes das mbanza (cidades) eram aqueles que
virados para outros tipos de atividades se diferenciavam
quanto à visão de mundo, viviam em separado da população
das aldeias e por sua posição na produção formavam uma
‘elite’ étnica. Politicamente os títulos e as posições estavam
com os habitantes das mbanza (Thornton, 1983, p. 38-445).
Em Mbanzakongo, residência do soberano, os chefes
pagavam pontualmente suas taxas em produtos regionais,
como tecidos, sal e couros. A inspeção fiscal estava a cargo
de funcionários. O Manikongo tinha o poder de nomear e
destituir os funcionários com os quais não estava satisfeito,
aproveitando para isto, a cerimônia anual de prestação de
contas. Era importante para as unidades administrativas
pertencerem a uma grande e segura comunidade. A maneira
de garantir esses laços era pagar o tributo a um chefe, de
forma pública, através de uma grande festa.

Alguns historiadores consideram que foi para manter esta


estrutura centralizada que os Manikongo, justamente com os
mani, fizeram aliança com os portugueses e se converteram
tão rapidamente ao cristianismo. Mas a presença da religião
cristã encontrou uma forte resistência e a cristianização se
operou apenas entre o grupo ‘aristocrático’ congolês. Pode-
se dizer que no século XVI o Kongo era um estado governado
por um grupo pertencente a uma etnia distinta que
controlava o comércio a longa distância. Somente em 1556,
na luta contra o Kongo enfraquecido pelos conflitos das
facções internas, o Ndongo consegue a sua completa
independência, deixando de pagar tributo ao manikongo.

Pode-se considerar o Kongo no século XV como um exemplo


da estrutura sócio-política dos estados africanos nesta
região, levando-se em conta o poderio e a extensão
congolesa. A aldeia era a unidade política mínima e, nesta
época, já comportava homens livres e alguns cativos ou
prisioneiros de guerra (Vansina, 1965, p. 36). Cada conjunto
de aldeias era governado por um funcionário nomeado pelo
Manikongo, que poderia ser substituído segundo a vontade
do soberano. A frente de cada província estava também um
funcionário escolhido pelo Manikongo. No cimo desta escala
estava o senhor africano (Vansina, 1965, p. 33).
Todos os titulares eram denominados mani; alguns tinham
funções específicas como, por exemplo, o manivangu, juiz
em adultério e governador de Mbanzakongo. Os mani
formavam um segmento privilegiado na estrutura do Kongo.
Não existia um clã herdeiro para o caso da sucessão ao
cargo de mani Kongo: em princípio, todos os descendentes
homens dos Manikongo podiam reivindicar a sucessão.
Algumas vezes o sucessor era eleito por uma espécie de
colegiado composto de nove membros, dos quais o mais
importante era aquele que detinha o direito de veto
(Vansina, 1965, p. 34). A partir de 1504, o direito de
sucessão foi restringido aos descendentes do Manikongo
Afonso I (15), o que acirrou o espírito de facção em todos os
pontos da estrutura do poder no estado congolês. Havia
alguma exceção, como a província de Mbata, onde a
sucessão era hereditária. A partir de 1512 os conselheiros do
Manikongo eram os portugueses, os quais durante o século
XVII conseguiram, de fato, um lugar no colegiado eleitoral
com direito a veto, influindo de forma decisiva na escolha do
Manikongo (Vansina, 1965, p. 35-6).

Não havia exército permanente, embora o Manikongo


dispusesse de uma guarda composta de estrangeiros, talvez
escravos. Em caso de guerra, o exército era convocado pelos
chefes de aldeias quando assim ordenassem os funcionários.
Uma guerra prolongada era impossível por falta de
organização e estratégia militar: só em 1575 criaram-se
formações militares especializadas e permanentes (Vansina,
1965, p. 35-6).

O  governo central mantinha-se por meio da cobrança de


impostos em produtos e em trabalho compulsório: o tributo
podia ser pago em tecidos de ráfia, marfim e cativos. Outras
fontes de rendimentos eram a cobrança do direito de
alfândega e a pesca das conchas zimbo (que serviam de
moeda), monopólio do Manikongo vindos da ilha de Luanda
(16). No comércio um dos produtos mais importantes era o
sal. A palmeira era uma mercadoria valiosa nas transações:
dela se extraía o óleo para cozinhar, se fazia bebidas
alcoólicas e de suas folhas fabricava-se fibras para tecer as
roupas.

Além da colheita da palma cultivavam o inhame, a banana e


a pimenta. Os homens usavam peles de animais como roupa
e as mulheres raspavam seus cabelos e enfeitavam-se com
panos coloridos na cabeça. As pessoas não livres podiam
cultivar a terra ou prestar serviços para outros. Um homem
poderoso sempre tinha numerosos escravos que capturava
nas guerras, os quais podiam estar alocados em tarefas
como as transações comerciais, ou prestar serviços em
mercados distantes para seus senhores (Birmingham, 1966,
p. 5)

Explorando a costa africana, uma expedição marítima


portuguesa chegou ao estuário do rio Congo, em 1482.
Assim, os portugueses estabeleceram contatos com o
governante do maior estado da África Central — o Kongo. Os
interesses dos portugueses pelo Kongo eram essencialmente
comerciais, sendo secundária a missão de cristianizar.

Comercializavam basicamente ouro, marfim e pimenta. Os


lusos levavam para a costa africana manufaturas da região
do Mediterrâneo e, especialmente, tecidos do norte da
África. A introdução dessas mercadorias facilitou a entrada
dos portugueses no Kongo. O consumo e redistribuição
desses produtos entre os Bakongo eram fortemente
controlados pelo soberano: o uso dessas mercadorias
exóticas e de ostentação distinguia os governantes do
restante da população. Desenvolveu- se um acentuado gosto
pelos tecidos, mantas de lã, facas de ferro, espelhos, contas
e porcelanas chinesas.
O aumento da autoridade do Manikongo no início do século
XVI foi paralelo às novas ‘contribuições’ dos portugueses,
não só em mercadorias, mas também em artesãos,
professores e padres. A princípio amistosas, as relações luso-
bakongo foram declinando à medida que o pretexto da
cristianização do estado africano era posto de lado e
expandia-se o comércio de escravos (Birmingham, 1977, v.
4, cap. 8, p. 329).

Nos primeiros contatos, os Bakongo trocaram presentes com


os portugueses e uma embaixada de quatro africanos foi
levada até Lisboa, sendo que o Manikongo chegou a ser
batizado. O mecanismo de captação e venda de escravos era
controlado pelo soberano do Kongo. Já na primeira metade
do século XVI, porém, as relações bakongo-lusas declinavam:
são constantes na vasta correspondência dos Manikongo
com a Coroa lusa as queixas sobre o comportamento
‘degradante’ dos súditos portugueses no Kongo (Delgado,
1948, v. I, p. 154). Na luta pela sucessão ao título de
Manikongo havia grupos pró e contra a presença portuguesa
no Kongo. Em 1526, o Manikongo aponta a grande
quantidade de comerciantes portugueses como causa da
miséria de seu povo, pois mesmo pessoas livres eram
escravizadas, não se respeitando nem os membros da
aristocracia Kongo (Lopez, 1949, p. 115).

A relação com o mundo europeu aumentou a autoridade e a


riqueza do Manikongo e dos mani. Este grupo privilegiado se
envolveu numa busca de recursos para adquirir mercadorias
e serviços (técnicos e professores) estrangeiros.

Para os Manikongo e a aristocracia bakongo, a única maneira


de satisfazer os seus desejos pelos produtos estrangeiros era
utilizar os recursos advindos do tráfico de escravos. Além do
mais, sua sobrevivência política dependia dele (Birmingham,
1977, v. 4, cap. 8, p. 337). As conchas, tecidos e os
ornamentos de cobre e marfim eram somente símbolos de
riquezas, pois a verdadeira riqueza era o potencial humano
de cada comunidade, a capacidade física de homens e
mulheres trabalharem a terra. Os Manikongo pediam em
suas cartas aos dirigentes portugueses que mandassem
professores e técnicos para ensinar os bakongo. Além disso,
pagavam (em escravos) os estudos de jovens africanos em
Lisboa.

O historiador Birmingham, mostra que a ‘zona de caça’


preferida era a região dos Mbundu, ao sul do Kongo, as quais
os viajantes no século XVI se referiam como uma populosa
nação (Birmingham, 1974, p. 115).

A exportação das ‘peças’ dava-se pelo porto africano de


Mpinda, onde o Manikongo cobrava imposto por cada cativo
exportado. Desde o início do século, o comércio feito a partir
da região da Ilha de Luanda, apesar de ilegal, era praticado
pelos comerciantes portugueses de São Tomé.

Desde o final do século XV o rei de Portugal deu aos


comerciantes da ilha de São Tomé a concessão do litoral do
Kongo, que já vinha sendo visitado por eles há algum tempo.
A ilha, colonizada no século XV por famílias vindas de
Portugal, era explorada por donatários. Os comerciantes da
ilha, durante todo o século XVÍ, esforçaram-se por impedir
todas as tentativas de acordo entre os soberanos
portugueses e africanos. A lista de sabotagens é longa, e os
navios que vinham de Lisboa com destino ao litoral angolano
trazendo encomendas para os soberanos africanos, sofriam
verdadeiras razias em sua passagem pela ilha. O que
chegava ao Manikongo e ao Ngola eram peças de
vestimentas senhoriais, muito apreciadas por aqueles
governantes, vinhos avinagrados, cartas adulteradas. Houve
até o caso de sequestro de representantes do Manikongo. O
intercâmbio era interceptado sempre que não convinha aos
interesses daqueles comerciantes.

Em 1512, por meio de um Regimento, o comércio de


escravos no litoral do Kongo tornou-se monopólio real. Isto
implicava anulação dos privilégios dos comerciantes de São
Tomé. Os portugueses envolvidos no tráfico de escravos
nesta região dividiam-se em partidários do rei português e
partidários de São Tomé. A luta entre facções intensificava-
se à medida que o comércio de cativos se expandia.

Desde 1504 aproximava-se do Ngola o grupo de


comerciantes de São Tomé, insatisfeito com o monopólio do
tráfico imperante no Kongo.

Quando os portugueses chegaram à região do rio Kwanza


encontraram os Mbundu organizados no estado do Ndongo.
O soberano desta sociedade tinha o título de Ngola. A partir
daí os lusos passaram a chamar toda a região ao sul do rio
Zaire de Angola.

Inicialmente, o comércio de escravos entre portugueses c


africanos era de colaboração: o acesso dos europeus às
rotas comerciais dependia desta colaboração africana. O
tráfico de escravos era mantido pelas guerras entre os
estados africanos mais fortes e os povos menos organizados.

O estado do Kongo, em meados do século XVI, foi invadido


pelos grupos guerreiros dos Yagas, que capturaram e
saquearam a capital Mbanzakongo (São Salvador) em
1560/1569. Os Yaga (ou Jaga) eram povos que habitavam o
interior e que com grande agressividade, atacavam os povos
vizinhos. O fenômeno dos Yagas — período de violentos
ataques — foi um golpe para os chefes locais, os Manikongos
e os comerciantes portugueses. Em 1556, na guerra Kongo-
Ndongo, os Yagas, lutaram ao lado dos Mbundu do Ndongo. É
possível que tenha sido a partir daí que os portugueses
passaram a chamar de Yagas a todos os povos que usassem
métodos similares de guerra (Oliver e Atmore, 1981, p. 157).

A invasão do Kongo resultou na desorganização do comércio


de escravos pelo porto de Mpinda. Este século representou o
declínio para o Kongo, e a hegemonia para o Ndongo na
região. Este tinha, a princípio, algumas vantagens em
relação ao Kongo: estava situado mais para o interior, não
tendo contato direto com os europeus; mantinha, portanto,
suas trocas sem interferência dos lusos, o que lhe permitia
fortalecer-se através do comércio de escravos.

Os Lunda
O reino Lunda foi outro importante estado situado na região
do planalto de Katanga, a leste dos Mbundu. Formavam- se
pequenas famílias que, inicialmente, viviam em aldeias
dispersas. A sua economia era basicamente de subsistência,
mas conheciam a maneira de fabricar instrumentos 66 de
ferro e cerâmica. Durante o século XV o seu território foi
invadido pelos luba, originários da bacia do Lualaba. Esses
invasores, detentores de técnicas metalúrgicas superiores,
formaram vários pequenos estados luba. No século XV,
porém, já existiam os estados Lunda (Oliver e Atmore, 1981,
p. 7-10), (mapa 6 e 8). Mais para norte do Kongo estava o
reino do Loango. Parece ter sido fundado antes do Kongo,
com um soberano que gozava de poder centralizado e que,
além disto, desempenhava a função mágica de fazer chover.
A região conhecia grandes estiagens, o que levava a
população a trazer presentes ao soberano, na esperança do
fim da seca. O Loango estava dividido em províncias e a
língua, o vili, não tem relação com as outras línguas da
África Central Ocidental, tratando-se provavelmente de
idioma originário dos Bantu do leste (Oliver e Atmore, 1981,
p. 10) (mapa 8).

Havia longo tempo que os Mbundu mantinham contatos com


todos esses reinos. A tradição oral dos Mbundu sugere que a
formação do povo que originou o Ndongo sofreu influências
tanto do Kongo como do Luba.

Por volta de 1500, próximo a um dos afluentes do Kuango,


desenvolveram-se algumas chefias sob o poder dos Pende.
Essa população deixou Angola no século XVI e foi
estabelecer-se na região do rio Kasai. A tradição entre os
Pende conta, ainda que uma população formada de pastores
e caçadores, que não utilizava instrumentos de ferro, viveu
durante longo tempo nas planícies de Luanda, onde
encontrou povos vindos do norte, liderados por um ferreiro
que ensinou àquela população a agricultura e a fundição do
ferro. Estes migrantes do norte teriam fundado o reino do
Ndongo antes da chegada dos portugueses (Vansina, ex.
mim. s/d, p.14-15; Birmingham, 1966, p. 10-11; Miller, 1976.,
p.65-68), (mapa 4).
O clã que descendia diretamente dos primeiros agricultores,
estabelecidos numa pequena localidade, era o mais forte. A
sua autoridade política advinha deste princípio e a sua
liderança era simbolizada pelo culto a um objeto de madeira
chamado malunga. Os grupos migrantes de ferreiros usavam
insígnias de ferro, chamadas Ngola e fabricavam armas para
caçadores c bandos guerreiros; eram artesãos c
comerciantes que se interessavam em contatar
comunidades e pequenos estados. Na região central de
Angola, os povos possuidores da insígnia Ngola entraram em
disputa com os portadores da insígnia malunga para
estabelecerem sua autoridade política na região (Miller,
1976, p. 70 ). O poder, nestas chefias, estava associado ao
título de Ngola. No século XV surgiram, com o crescimento
das chefias o estado de Matamba, que se constituiu entre o
rio Kuango e o rio Bengo; e o estado do Ndongo (Vansina, ex.
mim. p.2), (mapa 4 e 8).

Tanto o estado de Matamba como o do Ndongo tinham uma


relação tributária com o grande estado situado ao norte: o
Kongo. Dos estados que se estabeleceram nos arredores,
Mbondo, Libolo e Kissama, este produzia o sal-gema, e no
Ndembe localizavam-se as minas de sal. O sal parece ter
sido o artigo mais importante no comércio antes da chegada
dos europeus à costa angolana. O sal extraído na região de
Kissama era tido como de melhor qualidade; era negociado e
transportado em barras e se transformou em uma forma de
estocar riquezas. Em torno de Kissama se formou uma
importante rede comercial, para a qual convergiam
comerciantes do mais longínquo interior, em busca de tal
produto (Birmingham, 1970, p. 165).

Ondongo dos Mbundu


A  partir dos recentes estudos da tradição oral dos Mbundu
(kimbundu), ampliou-se o conhecimento sobre a história
desse povo ao longo dos séculos XVI-XV1I. Sabe-se que os
laços de linhagem entre os Mbundu ocupava lugar
dominante para c desenvolvimento da sua história política.
Os pesquisadores que até hoje estudaram a região (17)
acentuam a importância das linhagens para a compressão
da história Mbundu.

Os Mbundu da região Ocidental da África Central parecem


ter-se estabelecido no planalto de Luanda desde o início da
Idade do Ferro. Foram favorecidos por encontrar solos
próprios para a agricultura e o pastoreio, embora houvesse
período de escassez de chuvas e ataques da mosca tsé-tsé.

Além da coleta das conchas e da pesca, os Mbundu se


dedicavam à produção do sal. Desde o início do século XVI já
existia, porém, alguma atividade comercial, direcionada para
o Kongo. Inicialmente o Ndongo mantinha pouco comércio
com o litoral.

Os grupos Mbundu lutavam para dominar a região e com


isso controlar as linhagens autônomas por meio da
introdução de novas instituições. Em estudos mais recentes
os historiadores da região tendem a interpretar essas lutas
não só como resultantes de conquistas militares mas por
influências e conflitos das linhagens que introduzem títulos e
insígnias dentre outros povos linhageiros e passam a ter
maior extensão de domínio. São assim, formadas as
inúmeras linhagens hierarquizadas, subordinadas umas a
outras mas de autonomia espacial intensa, já que a
tendência a fragmentação era o comum, surgindo novas
linhagens com posições titulares recentes. Resultava uma
dinâmica altamente volátil e, por isso mesmo, de intrincados
malabarismos para o entendimento da sua estrutura política.
As primeiras formas sociais de organização foram as
pequenas aldeias, submetidas aos grupos de parentes,
constituindo-se em um conjunto de irmãos e sobrinhos,
formando assim um grupo de filiação. As esposas residiam
com os seus maridos, apesar de pertencerem ao seus grupos
próprios de parentes. Os filhos moravam com suas mães,
porém, quando crescidos, juntavam-se aos tios, na aldeia de
parentes da mãe. No geral os membros mais velhos de um
grupo de filiação concentravam-se em uma aldeia
reforçando seu padrão de identidade linhageira. Abaixo de
uma geração de mais velhos vinha uma intermediária de
sobrinhos e suas esposas (filhos de suas irmãs) e uma
geração dos mais jovens resultantes desses casamentos que
viviam e eram membros do grupo de filiação de suas
respectivas mães. As mulheres sozinhas retornavam a sua
aldeia de origem, de seus irmãos. As jovens casadas
residiam em outras aldeias de seus maridos. (Miller, 1976;
Birmingham, 1966, p. 17-20 e 1977, p. 535-6).

Os rituais eram comandados e preservados por um ancião e


só podiam ser celebrados entre os grupos de parentes. O
culto malunga parece ter sido uma primeira tentativa de
estruturar uma unidade política entre os Mbundu. Constava
de pequenas figuras de madeira que eram colocadas nos
leitos dos rios para intercederem junto ao deus do tempo,
que tinha a função de fazer chover. Os responsáveis em
preservar o culto usavam sua autoridade para cobrar tributo
e lealdade. Os cultos malunga se restringiram a alguns locais
e, com o tempo, foram substituídos ou incorporados a forças
políticas mais poderosas (Miller, 1976, p. 70-86).

Os membros de uma aldeia, ou de um grupo de filiação,


tinham o controle das suas terras férteis para a prática da
agricultura, os rios para a pesca e a floresta para a caça. Por
motivo de esgotamento do solo os agricultores são
itinerantes. Pelo princípio de matrilinearidade os sobrinhos
crescidos vão para a aldeia da mãe, portanto, ficavam um
tempo longe de sua linhagem. Uma linhagem estrangeira
poderia viver na aldeia mas não tinha direito de repassar
seus privilégios, herança, a sua descendência. Todo esse
padrão de comportamento refletia uma grande mobilidade
de indivíduos entre aldeia-linhagem.

Era comum a fragmentação das linhagens onde um


sobrinho, com a morte do mais velho do grupo de filiação,
poderia se deslocar para outras terras com membros da sua
geração. A memória da linhagem fundadora se mantinha
nessa nova linhagem. (Miller, 1976).

Os títulos e posições dentro das linhagens jogavam papéis


importantes para sua estrutura de centralização política.
Assim temos uma série de títulos considerados perpétuos e
de sucessão. Esses títulos eram concedidos a membros de
linhagens vizinhas ou estrangeiras. À ocupação de uma
posição titular correspondia uma serie de usos de insígnias
sagradas, com alocadoras funções de autoridades e
responsabilidades perante o grupo de filiação. Essa linhagem
que aceitava os títulos e insígnias (linhagem filha) passa ser
subordinada à linhagem que concedeu os títulos (linhagem
mãe). As concessões posteriores das linhagens filhas vinham
as linhagens sobrinhas, irmãs, tios. Essa era uma das
maneiras mais comuns de expansão da autoridade de um
determinado rei em um espaço geográfico determinado.
Esse sistema linhageiro de expansão das instituições pode
ser visto no caso do Ngola Kiluanji do Ndongo por volta do
século XVI.

A introdução no Ndongo do ritual dos símbolos chamados


Ngola esteve relacionada diretamente com este período de
crescimento econômico c político. Os soberanos-ferreiros
aparecem na tradição Mbundu, nesta época, como os
guardiões dos objetos sagrados ligando este culto ao fabrico
do ferro. A noção de autoridade entre os Mbundu estava
relacionada aos poderes espirituais e estes se conseguiam
por meio da posse de objetos considerados sagrados, um
mediador para as linhagens entre os mortos e vivos. O
símbolo Ngola oferecia maior flexibilidade para outras
linhagens e permanecia menos hierarquizado se comparado
com os símbolos anteriores de malunga e mulemba.

Nos espaços Mbundu, o Ngola inicialmente era considerado o


protetor das linhagens frente à invasão dos grupos étnicos
estranhos. Cada aldeia buscava um Ngola protetor para
garantir sua autonomia linhageira, portanto os Ngola eram
títulos locais conciliáveis com a autonomia linhageira. O
poder do título de Ngola se inclinou cada vez mais para
adquirir influência política c militar. É por volta do século XVJ
que parecem ter surgido formas de parentesco Ngola.
(Birmingham, 1977, v. 3, cap. 7, p. 538). Segundo a tradição
os Samba introduziram os instrumentos de ferro. O mítico rei
Samba Ngola Musuri chegou com a técnica do ferro (ver
gravura). Eles difundiram entre os Mbundu a instituição do
Ngola, como novo símbolo linhageiro (Miller, 1976)

Em meados do século XVI o poder do Ngola Kiluanji já havia


se expandido rapidamente, às custas de um maior controle
do comércio, reforçando o seu poder espiritual e político. O
Ngola controlava os depósitos de ferro situados no vale do
rio Lucala e as rotas de comércio que levavam o sal à região
do interior (Miller, 1983, v. I, p. 138). Quando os portugueses
chegaram a esta região encontraram um reino dirigido por
um Ngola, com bem sucedida centralização e controle sobre
as linhagens. Um exército que enfrentava os portugueses
além do controle territorial por meio das instituições
derivadas do Ngola, com sentidos políticos diferentes de seu
significado original.
É provável que, no início do século, os chefes políticos dos
Lunda, originários do norte da savana, tenham travado
contato com os povos Mbundu no vale do alto Kwanza.
Resultou daí uma organização centrada em campos de
guerra chamados quilombos. A participação nos quilombos
se dava especificamente pelo rito de iniciação e não por
laços com as linhagens. Com isto enfraquecia-se o poder das
antigas linhagens e aumentava o do líder guerreiro.

Ainda no século XVI os partidários de Kasanje entre os Lunda


criaram uma espécie de unidade militar chamada Mbangala,
e se expandiram na região Mbundu até o Atlântico. Todos os
Mbangala da região do rio Kwanza abandonaram a sua
filiação étnica e os antigos costumes. Os Mbangala recebiam
este nome através de ritos de iniciação que, juntamente com
cuidadoso treinamento militar, estabeleciam severas normas
de comportamento, incluindo o canibalismo ritualístico. As
unidades militares Mbangala se segmentavam
frequentemente a partir de novos chefes guerreiros, que
formavam novos regimentos militares. No final do século XVI
os Mbangala alcançaram o litoral Atlântico e entraram em
contato com o tráfico de escravos para o exterior. Os
Mbangala atacaram, então, o populoso estado Ndongo.

Títulos e funções: Ngola, Ngolambole,


Moenelumba, Muenequizoile, Tendala
No Ndongo, o chefe com título mais importante era o Ngola,
assistido por um conjunto de poderosos senhores, cada um
com funções específicas. Assim, Cadornega nos fala da
existência do cargo de Ngolambole, que era uma espécie de
comandante de guerra em todo o Ndongo. Cada parte do
território era governada por um chefe local. Ao conselho de
paz e guerra, presidido pelo Ngola, cabiam as grandes
decisões. E existia um auxiliar com o título de Moenelumba,
responsável pela residência e outros bens do Ngola.
Ocupando o cargo de ajudante direto, o Muenequizoile
cuidava da alimentação dos assistentes e convidados do
Ngola. Mas o cargo de maior poder depois do Ngola era o do
Tendala, tanto na época de guerra como de paz (Cadornega,
1940, v. 3, p. 29).

Os livres e os não-livres
Toda a população, aparentemente, estava submetida ao
Ngola, mas havia diferenças na forma de submissão. Por
exemplo, os prisioneiros de guerra eram considerados
cativos e assim trabalhavam um pouco mais do que os não-
escravos. Nem só os prisioneiros de guerra eram escravos.
Existiam os escravos perpétuos, os escravos por dívidas e
aqueles que eram punidos por crimes, adultério e,
principalmente, bruxaria. Os órfãos, quando cresciam, eram
vendidos como escravos. Comumente os filhos de escravos
já não precisavam trabalhar tanto e os filhos destes últimos
deixavam a condição de escravos (Cadornega, 1940, p. 30-
31).

Um escravo podia acumular bens e com isto tornar-se livre,


em outras situações, chegava a ocupar cargo de confiança.
O cativo perpétuo, com a morte do seu dono, ficava
completamente livre. Alguns cativos chegavam à função de
chefes ou conselheiros do Ngola; foi o caso de Ginga Amona,
que chegou a auxiliar direto de Nzinga. Os cativos não
estavam inseridos em qualquer relação de parentesco e, por
isto mesmo, estavam ao nível mais baixo da escala
hierárquica da sociedade.
Os cativos formavam uma parte significativa da população
do Ndongo e, juntamente com as mulheres, eram
encarregados das tarefas agrícolas.

A produção
O Ndongo era uma sociedade agrária e utilizava
instrumentos de ferro no cultivo da terra. A prática agrícola
desta região era o cultivo do solo de forma primitiva. Com o
esgotamento da terra, o agricultor procurava nova área para
se instalar. Havia a irrigação natural das terras, pois era
região relativamente privilegiada em bacias hidrográficas.
Apesar disto, era pouca a quantidade de terras férteis
propícias á atividade agrícola. Fatores como as secas
periódicas, os parasitas e as guerras contribuíam para a
desorganização da colheita e para longos períodos de fome.

Os Mbundu dedicavam-se à pesca que complementava a


atividade principal, a agricultura. Tinham uma produção
artesanal em tecido de ráfia e faziam fios, cordas e lonas
para sacos da casca dos embondeiros, árvore grande e
grossa (Cavazzi, 1965, p. 31-34).

As mulheres Mbundu dedicavam-se ao trabalho agrícola:


semeavam, colhiam e cuidavam da plantação. Os homens se
ocupavam da derrubada das florestas, da preparação dos
terrenos para a lavoura e da queimada. A caça de animais
de grande porte era uma atividade masculina. Além disso,
eles estavam encarregados da construção de residências
para a comunidade, de canoas e barcos, bem como de
instrumentos para trabalhar a terra (Cavazzi, 1965, p. 38).

Os primeiros visitantes portugueses ao reino do Ndongo, os


missionários, descreveram a existência de uma malha de
mercados que cobria a região que eles percorreram para
chegar à corte do Ngola. Em cada junção de rotas de
comércio se apresentava uma feira com os produtos
alimentícios e outros: era comum os mercados venderem
farinha, legumes, sal, ferro (Silva, 1997, p. 408-9). Produtos
originários da pastorícia e do fabrico local formavam a rede
comercial no Ndongo, para abastecer a população e
estrangeiros como os recém-chegados portugueses (18). As
feiras neste caso não eram, ainda, mercados especialmente
para o comércio de escravos.

A pesca em alto mar era feita pelos homens, mas a pesca do


marisco zimbo, cujas conchas serviam de moeda nesta
região, era tarefa exclusivamente feminina. Cavazzi, ao
descrever o Ndongo, fala dos habitantes que se vestiam de
peles de animais e das mulheres que usavam os cabelos
encrespados, enquanto os homens raspavam a cabeça.

Ainda outra testemunha descreve os Mbundu do Ndongo: “os


pretos costumam raspar a cabeça deixando somente uma
ponta de cabelo em cima, como uma coroa de bispo”,
assinalando depois que um gesto cordial, entre eles, era o
bater palmas, uns para outros (Cordeiro, 1881, p. 59).

Nzinga Mbandi e sua época


Na África Central, a história da região de Angola, ao longo do
século XVII sofreu uma grande mudança com a luta pela
sobrevivência do estado do Ndongo. Foi durante o governo
de Nzinga Mbandi que o Ndongo viveu sua fase mais terrível,
atacado por dois inimigos simultâneos. De um lado, a oeste,
os portugueses, com atividades militares e comerciais
pressionavam na procura de escravos; do outro, pelo norte e
pelo sul, os bandos Mbangala se lançavam ferozmente
contra o Ndongo. Os Mbangala eram populações nômades
que viviam do saque aos outros povos, não se dedicando,
portanto, à produção de alimentos. Coagida pela situação de
intermediária no tráfico de escravos, Nzinga lutou
desesperadamente para manter o equilíbrio entre ser fonte
de escravos vindos de seus vizinhos a leste e, ao mesmo
tempo, formar cerrada defesa contra os ataques Mbangala.

Nzinga Mbandi nasceu por volta de 1582 e seu pai era o


temido Ngola Mbandi, chefe do Ndongo, poderoso estado
africano habitado, principalmente, pelos povos Mbundu.

Conta a tradição que, quando o exército de Mbandi voltava


de uma de suas vitoriosas batalhas aprisionou uma africana
por nome Chinguela. O Ngola Mbandi a transformou em sua
cativa e com ela teve uma filha, que chamou Nzinga.
Seguindo os costumes de sua gente, alguns dias após o
nascimento da criança, o Ngola pediu aos adivinhos que
predissessem o futuro de sua filha. Os Achinguela
profetizaram um futuro terrível e cruel para a filha do
Mbandi. Durante uma noite inteira os Achinguela vaticinaram
o futuro da menina Nzinga. Na sua época — diziam os
adivinhos — o povo do Ndongo sofrerá os ataques dos
brancos vindos do mar, os rios transbordarão, a fome estará
por todos os lados, as doenças espalharão a dor e a tristeza.

Mas esta não é a única versão da origem e nascimento de


Nzinga. Segundo um soldado português, Antônio Cadornega,
que foi com as tropas portuguesas para a região de Angola
combater o exército do Ndongo, o Ngola tinha várias
mulheres das quais uma era escolhida para ser a principal,
Amvalia Inene, e outra era escolhida como a secundária. Os
filhos dessas recebiam terras para cultivar e delas
sobreviverem. Os Ngola escolhiam suas esposas entre as
filhas dos chefes locais mais fiéis ao soberano. Um desses
chefes mandou sua filha ao Ngola Mbandi, que a escolheu
como principal. Desta teve um filho, que o substituiu no
cargo de Ngola, e três filhas sendo, uma delas, Nzinga
Mbandi.

Segundo a tradição o Ngola Mbandi considerava a


possibilidade de a filha mais velha, pela sua inteligência e
vivacidade, vir a sucedê-lo no cargo de chefe do povo
Mbundu. Sabia antecipadamente das restrições a estas
idéias por parte dos seus conselheiros, os macotas, anciãos
que, baseados nos costumes e tradições Mbundu, auxiliavam
o Ngola no governo. Com este propósito, o Ngola não se
descuidou da formação de sua filha mais velha. Assim, aos
cuidados de uma velha muito conhecida em todo o Ndongo,
Nzinga aprendeu os princípios da religião de seu povo. Uma
das deusas que Nzinga aprendeu a adorar foi Temba-
Ndumba que segundo a tradição deu origem ao Ndongo.
Cavazzi, padre italiano que viveu nesta região, recolheu a
seguinte tradição a respeito dessa deusa: o chefe Zimbo e
sua mulher Temba-Ndumba percorreram muitos lugares até
chegarem à região dos Mbundu. Fizeram aí aliança com
estes povos e, após a morte de Zimbo, sua mulher Temba
assumiu o poder, instituindo princípios rígidos aceitos a
partir daí por estes povos: estabeleceu os ritos de sacrifícios
humanos e proibiu os sacrifícios de mulheres nessas
cerimônias, a não ser quando elas acompanhassem os
funerais dos maridos ou dos seus senhores. Foi também
permitido, a partir de Temba-Ndumba, que os chefes
levassem suas mulheres favoritas durante as guerras.

Tanto o soldado Cadornega como padre Cavazzi merecem


uma leitura cuidadosa que por sua vez devem ser
confrontadas com outros manuscritos e a tradição oral para
que se apure até que ponto a figura de uma mulher nas
estruturas de poder dos Mbundu significava uma exceção,
hipótese de alguns autores, ou era comum para o estado dos
Mbundu o acesso das mulheres às insígnias e títulos
principais, segundo argumentam outros pesquisadores. Essa
questão é das mais polêmicas hoje no estudo da história de
Nzinga Mbandi que ainda não mereceu um estudo mais
acurado com fôlego suficiente para esgotar as fontes
possíveis. Como até hoje faltam estudos mais aprofundados
sobre a questão, a resposta fica sem uma hipótese possível.

Os artigos de Miller, sobre a legitimidade Nzinga, respondido


por Thornton, não chegam a elucidar a questão da
legitimidade/feminino, se pelo fato de ser mulher a
contestação se fazia naquele momento, ou não. Se por um
lado, as fontes de época são categóricas na afirmativa: da
condição de ser mulher como um impedimento, por outro,
sabemos da existência de precedentes mitos de fundação
femininos e de figuras femininas em toda a história Mbundu.

Onde e como?
No século XVII não havia uma região ‘angolana’: Angola era
como os portugueses chamavam as sociedades africanas
situadas ao sul do rio Zaire, e isto porque um dos chefes
dessas sociedades tinha o título de Ngola.

Na verdade, essa região da África Central, durante essa


época, compreendia várias sociedades. As mais conhecidas
pela sua expansão política na região eram Zaire, Ndongo,
Loango, Kuba, Luba entre outras, com ascendências na
região muitas das vezes cm épocas diferentes. O nosso
enfoque centra-se em duas regiões litorâneas: a do rio
Congo e a do rio Kwanza.

A região que nos interessa é a do rio Kwanza. Este rio era o


principal acesso ao estado do Ndongo, onde nasceu Nzinga.
Algumas versões são contadas a respeito da origem do
Ndongo. A tradição refere-se ao Ngola Mussuri (significa
ferreiro) que teria se enriquecido e submetido todos os seus
vizinhos durante um período de penúria. Nestas sociedades
de base agrícola, a profissão de ferreiro era muito
importante, pois se utilizava instrumentos de ferro no
trabalho da terra, além disso, lanças, catanas e facas
serviam para a guerra e para serem trocados por alimentos
com outros povos.

A partir de uma pequena chefia este ferreiro chegou ao título


de Ngola. O Mussuri foi sucedido por sua filha Zundu que,
em disputa com sua irmã Tumbia, morre. Seu sobrinho
assumiu então o título de Ngola Kiluanji, sendo a seguir
sucedido pelo Ngola Ndambi, que morreu em 1575. O quinto
Ngola teria sido Kiluanji Kia Ndambi, sucedido por Ngola
Kilombo Kia Kasenda. Esta sequência é extremamente
discutível, mas os cronistas da época concordam na
referência ao Ngola que se chamou Mbandi, morreu em 1617
e era o pai de Nzinga Mbandi (19).

A mulher africana na sociedade pré-colonial, particularmente


entre os Mbundu, ocupava posição de destaque social e
econômico. Um assunto polêmico, ainda hoje, na história da
região é o alembamento. Por quase toda a África Tropical era
comum que o marido ‘pagasse’ por suas mulheres, o
chamado dote (20), mas elas tinham o direito de retomar a
sua casa para fugir aos maus tratos e, nestes casos, o
marido era ridicularizado pela sua comunidade. O dote era
uma generalização na África Negra, simbolizando a ‘compra
da mulher’. Este ‘pagamento’ significava, além de tudo, a
transferência da capacidade produtiva de uma mulher
(trabalho e procriação). O ‘preço’ da noiva constituía um
importante caráter legal do matrimônio; ratificava uma série
de alianças incluindo direitos e obrigações entre a família
que cedia a esposa e aquela que a recebia. Em muitos casos
assegurava à mulher a construção de sua casa pelo marido e
terras para cultivar. Quando da dissolução do casamento, a
esposa era devolvida à sua família e o dote ao marido. Nesta
explicação simplificadora pode-se dizer que a evolução que
esse sistema de ‘compra de mulheres’ tem no continente,
ainda hoje, passou aos bens considerados de valor nas
sociedades industrializadas (21).

O Ngola possuía centenas de mulheres (22) e algumas delas


moravam na mbanza a Ndongo (Coelho, 1994) e respeitando
as hierarquias possuíam direitos e deveres.

O sistema de matrimônio mais comum na África pré-colonial


subsaariana era a poliginia, forma de casamento em que o
homem podia ter diversas esposas. É comum identificar a
poliginia com as formas sociais baseadas na agricultura de
subsistência nas quais as mulheres, além de assegurarem as
atividades domésticas, desempenhavam papel fundamental
na agricultura. A poliginia representava um sistema de
exploração da mulher enquanto produtora e reprodutora,
porém permitia que ela tivesse um certo controle sobre os
frutos de seu trabalho (23).

De uma maneira resumida, pode-se apresentar aqui, a


discussão sobre o papel das mulheres na escravidão africana
nesse contexto de sociedades linhageiras e poligâmicas. A
respeito da escravidão, ao contrário do que ocorreu no Brasil
e no resto das Américas, a demanda de mulheres foi sempre
maior do que a de homens no mercado interno africano de
escravos. Tradicionalmente se buscou explicar este fato pela
condição feminina de procriação. Do ponto de vista de
Claude Meillassoux foi justamente em função da sua
capacidade reprodutora que se dava a submissão da mulher,
o que a tornava, além disso, um elemento submisso também
na produção (Meillassoux, 1976, p. 3-19). A preferência pela
escrava justificava-se à medida que o trabalho produtivo
feminino sempre foi predominante em todo o continente
africano. Na África, é comum o trabalho físico pesado, como
tarefa feminina, ao contrário do mundo Ocidental Cristão,
em que a imagem de fragilidade feminina foi sempre
incompatível com trabalhos pesados e atividades guerreiras.
Porém, acrescenta Meillassoux, a ‘nobreza’ da mulher frágil
foi sempre esquecida pelas classes dominantes Ocidentais.
Pelo que sugerem Robertson e Klein a importância da mulher
na escravidão africana foi bem maior do que se pode
imaginar. Dizem os especialistas que a maioria dos escravos
na África subsaariana era mulheres, mas que os estudos
sobre escravidão africana consideraram escravos
exclusivamente os homens. Além disso, a visão habitual é
que os proprietários e usuários de escravos eram, na
maioria, homens. Segundo esses mesmos autores, seria
possível afirmar que a maioria dos proprietários de escravos
era homens, mas que uma grande percentagem de usuários
era de mulheres (C. Robertson e M. Klein, 1983, p. 3-19).

Esta perspectiva aponta para a configuração de um contexto


em que a mulher não era somente vítima ou participante
passiva na escravidão. As mulheres livres nestas
comunidades, em sua maioria, tinham suas propriedades
separadas das dos seus maridos. A função principal do
trabalho da escrava era, de preferência, produtivo (C.
Meillassoux, 1983, p. 45-49).

Uma característica da escravidão feminina era a frequente


assimilação da escrava. Isto, considerando do ponto de vista
dessas sociedades agrárias, resultava de vários fatores,
sendo um deles a sua função reprodutora. Por exemplo, a
escrava era sempre incorporada ao grupo quando tinha um
filho do seu senhor. Outro fator seria a ‘socialização
submissa’ comum em muitas sociedades, nas quais as
mulheres eram e são ensinadas a obedecer aos homens. A
facilidade de incorporação da escrava se opõe ao caso dos
escravos, que percorriam outros cominhos na busca de sua
liberdade, por exemplo por meio da aquisição de um outro
escravo ou de esposas (Meillassoux, 1983, p. 45-50).

Se, por um lado, as mulheres conseguiam sua liberdade por


meio de sua função reprodutiva, por outro, eram presas por
estas mesmas funções ao se recusarem, frequentemente, a
abandonar seus filhos. As mulheres, como em outras
sociedades, cumpriam função não só de reprodutora
biológica, mas também de reprodutora das relações sociais.

Em seus relatos os europeus sempre estranharam o


aparente formalismo das relações familiares entre os
africanos e suas esposas, que lhes pareciam indicar uma
ausência de demonstração de afeto entre os pais. É claro,
que tais observadores não tinham acesso à vida privada dos
africanos. Os ocidentais partiam, e ainda partem, de uma
imagem ideal de relação mulher/homem, baseada na
organização familiar nuclear, a partir da qual se constitui sua
sociedade (24). Parece mais razoável pensar que esses laços
afetivos não eram tão evidentes ou não se externavam da
maneira que estamos acostumados a vê-los.

Por mais tentador que seja, temos que ter o cuidado de não
constituir a imagem de uma África homogênea, sem as
variantes locais e regionais, que são numerosas.
Principalmente para esses casos das relações
homem/mulher, embora, no caso de síntese, as
generalizações sejam tão perigosas como necessárias, como
nas reflexões acima mencionadas. 
5. AFRICANOS E
PORTUCUESES NO
COMÉRCIO E NA
ESCRAVIDÃO

O  encontro de portugueses e Mbundu do reino Ndongo


aconteceu na região de Luanda. Para as populações que
tiveram este primeiro contato os europeus foram
comparados aos espíritos errantes, como no litoral da região
do Congo (25) em que a identificação se deu pelo hábito
dos europeus de andarem em transportes gigantes pelo
mar, além da cor da pele branca que associavam aos
espíritos dos antepassados. Na análise de Virgílio Coelho
(1997, p. 447-448), os portugueses, chegados ao litoral de
Luanda, foram tratados por ndele que significava um
espirito malévolo que passeava pelo mundo dos mortos e
que vinha do mar. Portanto, era natural que fossem tidos na
conta de seres perigosos. Sucedendo entretanto que depois
desses primeiros tempos o termo ndele ficou como
designação para identificar O outro.

Desde 1540 os portugueses tiveram contatos com os


soberanos Mbundu, foram reis africanos que tomaram a
iniciativa de buscar contatos com os europeus. Algumas
hipótese são formuladas para saber qual foi a razão dessa
busca dos Ngola do apoio aos portugueses. O detentor do
cargo de Ngola a Kiluanje estaria provavelmente em
situação de pressão por parte de outro grupo de parentes
do norte. Seja como for, o socorro pedido aos portugueses
levou vinte anos para chegar. O provável conflito entre as
linhagens do sul e norte parecem ter norteado essa busca
de auxílio.

Por volta de 1560 o Ngola Kiluanji aumentou o número de


escravos no reino do Ndongo, provavelmente em função do
longo período de seca por que passou a região. Nesta época
o Ndongo já fornecia escravos aos plantadores de cana-de-
açúcar da ilha de São Tomé (Miller, 1983, v. I, p. 139-40).

Neste mesmo ano uma pequena expedição, enviada pela


Coroa portuguesa, chegou à embocadura do rio Kwanza. O
capitão era Paulo Dias de Novais, neto de Bartolomeu Dias.
O objetivo era iniciar os contatos comerciais diretamente
com o Ngola. Este último, acreditando que tais contatos lhe
trariam mais poder e riqueza, pediu ao rei luso o envio de
padres e comerciantes, tendo em troca mandado alguns
objetos de prata. Pensando existir fabulosas minas de prata
e diante das possibilidades comerciais, a Coroa lusa
encarregou Paulo Dias de Novais da embaixada ao Ndongo,
acompanhado de seus padres. No Kwanza, enquanto
aguardavam a tradicional recepção de boas-vindas do chefe
local, residente mais próximo ao litoral, foram informados
de que o Ngola não estava interessado em recebê-los. Na
verdade, o Ngola que fizera o primeiro contato com os lusos
morrera, e o seu substituto não demostrou o mesmo
entusiasmo pelos portugueses. O contexto que os
portugueses encontraram era outro: das disputas entre
linhagens do sul e norte, estas últimas pareciam ter a
hegemonia com os títulos independentes. Parecia não haver
motivo nenhum para que o Ndambi a Ngola fosse gentil com
os estrangeiros e poderia ser que o fato da capital situar-se
no coração da linhagem do sul traria certa fragilidade na
posição do Ngola perante os estrangeiros (Miller, 1976).

Depois de esperar cinco meses no litoral — durante os quais


morreram um padre e vários tripulantes — para serem
recebidos pelo Ngola, Novais avançou para o interior, pouco
se importando com a postura hostil do chefe. Tanto o
historiador Delgado como os escritos da época de Lopez e
Pigafetta justificaram a hostilidade do soberano africano,
argumentando que o Ngola além de estar desiludido com o
comportamento dos comerciantes de escravos, estava
naquele momento sob forte influência dos comerciantes da
ilha de São Tomé. Eram conhecidos, provavelmente, o
comportamento e a intervenção dos comerciantes
portugueses no Kongo que nesta altura já estavam
perdendo suas privilegiadas posições no interior da corte do
ManiKongo.

Novais conseguiu finalmente chegar à capital Mbundu que


foi descrita por um visitante em 1564 como do tamanho da
cidade universitária de Évora. Relata, também, que nesta
época um grande incêndio queimou Angoleme e, por isso, o
Ngola mudou-se para Kabaça (26), futura capital localizada
a 160 quilômetros do litoral. Este visitante, o padre Gouveia
que ficou preso na corte do Ngola, descreveu Angoleme
como uma cidade cheia de palmeiras, rodeada por cerca de
palha e com cinco ou seis mil casas de madeira (27). A
questão das capitais do estado do Ndongo serem uma em
cada tempo ou itinerantes, espera-se por um estudo mais
conclusivo. Apenas resta afirmar que as capitais estavam
sempre estrategicamente bem localizadas em relação às
minas e rotas do sal e das minas de ferro. Foi com muita
tenacidade que o Ngola defendeu esta área contra os
avanços portugueses.
O Ngola não apenas se recusou a ser convertido ao
cristianismo, como prendeu Novais juntamente com o padre
Gouveia. Nessas condições Novais ficou cinco anos em
Kabaça, sendo libertado somente quando, ao que parece,
serviu de intermediário junto ao governo português para
obter reforço no combate aos adversários locais do Ngola
(Lopez e Pigafetta, 1949, p. 46-7).

Os reis Mbundu teriam passado nesta época por momento


de fortes conflitos internos entre as chefias locais cujas
facções disputavam a expansão de seus domínios. A
chegada dos portugueses, neste momento, serviu como
suporte ao Ngola para enfrentar os seus adversários. A
facção derrotada dividiu-se em pequenos grupos guerreiros,
que não estavam sob o poder central do reino do Ndongo e
que se dedicavam a atacar o Ngola. Foi o caso dos Ndembu
situados entre a região dos Mbundu e do Kongo e, mais para
o sul, os do Ndala Kisua (Miller, 1983, v. I, p. 46-7).

Em 1575 Novais em Lisboa, recebe a donatária de Angola,


iniciada campanha para obter o monopólio de comercio e
encontrar as hipotéticas minas de prata de Cambambe.

Ralph Delgado aponta a fundação da vila de Luanda em


1575 como o primeiro passo na conquista militar do
Ndongo. Em 1586 um exército conjugado Kongo-Ndongo-
Yagas impôs aos portugueses uma dura derrota. Tão
efêmera foi a aliança entre os africanos que, no final do
século, o exército luso retomou a ofensiva, fundando o forte
Massangano na confluência dos rios Lucala e Kwanza, ponto
estratégico para as guerras subsequentes e grande ameaça
para o Ndongo (mapa 4), (cf. Delgado, 1949, v. I).

Ao longo do século XVII os portugueses combateram o


Ndongo na tentativa de destruir o povo Mbundu,
objetivando incrementar o comércio de escravos. Na luta
pelo controle do comércio de escravos, tanto os
governantes africanos como os europeus queriam reservar
para si o direito a este comércio.

Na verdade, os lucros do tráfico justificavam tal monopólio e


os portugueses tiveram de guerrear por todo o século XVII
para controlar o Ndongo. Esta tarefa facilitada, por um lado,
pela adesão que conseguiram dos povos Mbangala, mas
dificultada, por outro, pela fabulosa resistência de Nzinga
Mbandi.

A partir de 1611 os portugueses fizeram aliança temporária


com os Mbangala. No período de 1614-1615 a seca
favoreceu o aumento do número dos bandos guerreiros que
ajudavam os portugueses no combate ao Ndongo (Miller,
1983, v. I, p.140; Heintze, 1984).

O início do século testemunhou os grandes avanços dos


portugueses na luta contra o Ndongo, no sentido de
aumentar o comércio de escravos em Luanda. Os
portugueses usavam o termo ‘resgate’ ao se referirem ao
aprisionamento dos africanos para transformá-los em
escravos nas Américas, no sentido de estarem retirando-os
do mundo africano e trazendo-os para o mundo cristão,
Ocidental.

No estudo sobre a penetração portuguesa do Ndongo,


Birmingham descreve os principais métodos de captura dos
escravos. A primeira forma de aquisição de escravos pelos
traficantes se dava diretamente nas ‘feiras’ (locais de venda
de escravos, marfim, mel, ráfia, etc.) no interior e nas
fronteiras do Kongo e Ndongo. Os comerciantes, que no
início eram europeus (os pombeiros), passaram a ficar no
litoral, enquanto os mulatos, seus escravos ou forros, iam
até as ‘feiras’. Outra maneira de captação se dava pela
cobrança de tributo em cativos aos chefes Mbundu
dominados pelos portugueses. A forma mais direta de
captação era através das expedições militares, destinadas
ao ‘resgate’ de negro. Acompanhavam as expedições os
comerciantes que compravam dos soldados os escravos
aprisionados.

Os governantes portugueses, em Luanda, usavam diversos


pretextos para iniciar uma campanha militar, como punir
um chefe Mbundu por não pagar tributo, o que garantia o
fluxo de escravos em direção ao porto de Luanda
(Birmingham, 1974, p. 31-34).

No princípio os chefes africanos (sobas) mais próximos se


tornavam tributários dos portugueses de maneira indireta.
Desde a época de Paulo Dias de Novais, os ‘donos’ dessas
possessões mantinham a população sob o controle
tributário. Esta prática deu origem à ‘instituição do amo’,
como o interesse pelo cultivo do solo não estava em
questão, para os proprietários a população africana era em
si, a verdadeira fonte de seus rendimentos. Cada chefe local
era obrigado a pagar o tributo na forma de escravos
(Heintze, 1983, p. 57-8).

Cardonega calculou que saíram mais de dez mil escravos


por ano (28) do porto de Luanda para o Brasil. As
consequências para o povo Mbundu foram desastrosas,
como o despovoamento e o desaparecimento de
comunidades inteiras. Cada governador usava métodos
mais violentos de captação de escravos, estabelecia novas
fortificações e as lutas locais forneciam crescente número
de escravos para o litoral: a única meta era aumentar o
tráfico de escravos.

Na luta contra os portugueses foi constante a questão das


rotas comerciais e das ‘feiras’. O acesso a elas era o ponto
regulador das relações luso-africanas. As guerras foram
apenas uma das suas consequências. Geralmente, quando
um parceiro africano não se comportava dentro dos padrões
esperados (subordinação e tributação) era punido por uma
campanha militar. Outras vezes, as expedições eram
devidas à necessidade de aumentar o número de cativos.

Sem os africanos como parceiros, os portugueses não


teriam acesso às rotas comerciais. Mas a continuidade
destes contatos levou a um maior controle de comércio
pelos europeus e a uma maior ingerência interna nestas
sociedades Mbundu. Os governantes africanos tinham
interesse em manter contatos comerciais. Pensavam
fortalecer-se e, na verdade, perderam o controle do
comércio. Alguns estados realmente se fortaleceram com as
trocas, outros acabaram destruídos. No geral, aquelas
sociedades que se localizavam mais para o interior do
continente puderam dar maior continuidade a este
comércio; as outras, mais próximas do litoral sofreram mais
rapidamente o impacto do tráfico Atlântico.

A resistência obstinada de Nzinga, ‘aquela tão belicosa


mulher’, como a descreveu Cadornega, será o grande
entrave para o fluxo comercial ao longo do século XVII. Era
preciso, cada vez mais, buscar os cativos no interior do
continente. A diversidade do meio — tipo de clima e
doenças — tornou indispensável a criação dos postos
(presídios), em tomo dos quais funcionavam as ‘feiras’. Mas
se estes postos eram situados em território de algum chefe
africano não submisso aos lusos, frequentemente eclodiam
os conflitos. Nzinga significou esta insurgência diante da
força militar dos europeus.
Portugueses contra o Ndonco
No ano de 1617 morreu o pai de Nzinga, o Ngola Mbandi. Os
auxiliares diretos do Ngola morto estavam divididos quanto
ao seu sucessor. Os partidários de Kia Mbandi, irmão de
Nzinga, reconheceram-no como herdeiro do título de Ngola.
Nos relatos da época conta- se que, na luta pelo poder, o
irmão de Nzinga mandou executar os seus possíveis
inimigos. Além de mandar matar os velhos conselheiros do
Ngola, que eram partidários de Nzinga, ordenou o
assassinato de um futuro candidato ao título máximo de
Ngola, o filho de Nzinga. Esta se refugiou na região nordeste
do Ndongo, local chamado de Matamba. De um ponto de
vista mais realista, Nzinga não teria muitas chances de ficar
com o título: em caso de eleição, segundo as fontes da
época, porque as linhagens tradicionais não admitiriam uma
mulher no cargo. Por outro lado, seus laços de parentesco
com o Ngola morto, segundo as mesmas fontes, não eram
definidos o bastante para reivindicar a sucessão. Já vimos
que alguns cronistas asseguram que ela era filha da mulher
principal do Ngola; outros, que era filha de uma escrava.
Este último argumento, no entanto, nunca foi usado contra
Nzinga na sua luta pelo poder.

Ainda no começo do ano de 1617, o governador de Luanda


declarou guerra ao Ndongo. Luís Mendes de Vasconcelos,
ajudado pelos Mbangala e por um grupo de mercadores de
escravos, abriu hostilidades contra o Ngola Kia Mbandi (doc.
24, 06/08/1625, Heintze, 1985, p. 197). O período do
governo de Luís Vasconcelos foi de constantes guerras que
devastaram o Ndongo. Subjugou cento e nove chefes
africanos, obrigando-os a pagar o tributo, chamado na
época baculamento, na forma de ‘peças da índia’. A causa
imediata foi a transferência do forte Hango para Mbaca, nas
margens do rio Lucala, que seria o ponto limite da
penetração militar no interior do Ndongo. O forte estava a
um dia de caminhada da capital Mbundu, e tal afronta seria
objeto de disputa entre os soberanos do Ndongo e o
governo português, que se prolongaria até a segunda
metade do século XVII. A construção do forte Mbaca serviu
para intimidar os chefes locais que se mantinham fiéis ao
Ngola e, sobretudo, para abrir o caminho às cobiçadas
minas de prata de Cambambe (doc. 23, 1624, Heintze,
1985, p. 195).

Este posto avançado dos portugueses contribuiu para que o


Ngola fosse pressionado pela própria irmã Nzinga, que
capitalizaria politicamente o fato ao iniciar um aproximação
prevendo a reconciliação.

Com o pretexto de que o Ngola Mbandi estimulava a


rebelião do soba Caita Calabalange contra os portugueses, o
governador empreendeu uma campanha militar ao Ndongo.
Na verdade a rebelião do soba foi provocada pelo
comandante do forte Hango. Para combater o Ndongo os
portugueses contaram com o apoio dos Mbangala Casa
Cangola, Donga e Kasanje ( doc. 23, Heintze, 1985, p. 195-
6).

No decorrer dos combates foram capturados africanos,


enviados para o Brasil ou para a América Espanhola como
escravos. Um dos resultados dessa guerra foi a diminuição
do comércio com o interior e a extinção de muitas ‘feiras’.

As residências do Ngola (Vunga, Kabaça) foram invadidas


pelos portugueses, e o Ngola Mbandi refugiou-se na
fronteira oriental do Ndongo. A capital foi destruída e os
portugueses tiveram, mais tarde, que reconstruir o Ndongo
para restabelecer o comércio de cativos. O governador de
Luanda impôs o soba Sumba a Ntumba como o novo Ngola.
A população Mbundu recusou obediência ao novo Ngola por
ele não ter laços de parentesco com a linhagem Mbandi.
Foi pedido a Lisboa um apoio militar para fazer frente à
resistência e aos contra-ataques do Ndongo, e também para
combater os holandeses, que passaram a frequentar
assiduamente a costa angolana.

Nesta época, o ambicioso governador de Luanda avançava


a conquista portuguesa para o interior, no desejo de unir os
territórios da África Austral sob governo português. Apesar
de estarem em consonância com a política da Coroa
portuguesa, tais tentativas de ligar as regiões atuais de
Angola e Moçambique se frustraram.

Enquanto ao norte o grande estado do Kongo agonizava,


fragilizado pelas intrigas e corrupção das diversas facções
portuguesas, ao sul, na região de Benguela, seguindo as
instruções régias, Manuel Cerveira devastava as populações
com suas guerras de fazer escravos. Na região central do
litoral angolano o Ndongo resistia.

As campanhas militares se estenderam pelo Bengo, Ambuíla


e Caconda. Os portugueses foram obrigados a combater os
antigos aliados Mbangala, Cangola e Donga (doc. 23,
Heintze, 1985, p, 210).

O governador de Luanda preocupava-se em ‘pacificar a


terra’, e mais ainda, normalizar o comércio das ‘feiras’.
Depois da degola de vinte e oito sobas e do aprisionamento
de grande quantidade da população, as ‘feiras’ deixaram de
funcionar, bem como o comércio em todo o interior. A região
passou por um longo período de fome em consequência das
guerras e de uma época de secas que durou quatro anos,
afetando inclusive a região de Luanda.

No segundo assalto à Kabaça foram aprisionadas a mãe e a


mulher principal do Ngola. A região ficou desabitada, não
havendo o quê ou com quem comercializar e muito menos a
quem cristianizar. O Ngola Mbandi fugiu para a ilha do
Kwanza, Quindonga. Com a saída mais tarde das tropas
portuguesas da região, o Mbangala Kasanje ocupou parte do
Ndongo.

Diante de tais violências e destruição, que desarticulava o


tráfico, o rei espanhol Filipe IV (período de união das Coroas
Ibéricas) tomou posição contra tais atrocidades e preferiu
voltar a uma política de aliança e contemporização.

Em 1621 o governador de Luanda, João Correia de Souza,


iniciou a política de conciliação com o Ngola Mbandi.
Durante os acordos, as irmãs do Ngola foram levadas à
Luanda na qualidade de reféns. O governador esperava
transformá-las em mediadoras do acordo. Foram feitos
pedidos ao soberano africano na intenção de que saísse das
ilhas do Kwanza, voltasse para a capital Mbundu e
restabelecesse relações pacíficas com os portugueses.
Como vitoriosos os lusos tinham colocado com título
principal Aire a Kiluanje, de uma outra linhagem, para
substituí-lo, mas não conseguiram que os outros chefes
locais lhe prestassem obediência. Os portugueses não
puderam expulsar todos, e Kasanje ainda controlava grande
parte do Ndongo.

A resposta do Ngola foi de que isso dependia, entre outras


condições, da retirada do forte Mbaca, com o que o
governador português aparentemente concordou. Os
entendimentos para o acordo de paz começaram com a
troca de embaixadas. Era preciso encarregar dessa
importante missão alguém com grande habilidade de
negociação, o Ngola pensou na sua irmã, Nzinga, que
estava em Matamba, onde passara a viver como forma de
oposição ao irmão, por este ter ficado com o título e cargo
de Ngola.
Derrotada na luta pelo poder, Nzinga organizou um exército
na região de Matamba e, além disso, adotou alguns ritos e
cerimônias do povo dessa região, os Mbangala. São os
quilombos de Nzinga, que passaram a ser reconhecidos e
respeitados por toda aquela região.

Quilombos contra portugueses


Nos quilombos de Nzinga prevaleciam os ritos e costumes
dos Mbangala. Estes eram povos do interior do continente,
da região dos Lunda. Mais tarde deslocaram-se para Oeste
e, na sua migração em direção ao litoral, confrontaram-se
com os Mbundu. Os Mbangala, conhecidos pelas suas
habilidades guerreiras, sobreviviam pelos ataques que
faziam a outros povos.

Segundo a tradição oral recolhida pelo padre Cavazzi, era


proibido o nascimento de crianças nos quilombos mas, por
outro lado, permitia-se a incorporação dos prisioneiros de
guerra à comunidade.

Os cronistas da época são unânimes na descrição dos


Mbangala como antropófagos que matavam suas próprias
crianças. Na verdade, por meio de pesquisas mais recentes
sabemos algo mais sobre a polêmica questão da origem
desses grupos Mbangala (Miller, 1972; Thornton, 1978;
Hilton, 1981).

O assassinato de crianças refere-se a um sistema militar de


iniciação conhecido como quilombos; a entrada no quilombo
significava o fim dos vínculos de linhagem e as crianças
eram educadas pela comunidade com formação guerreira,
simbolizando o fim dos laços familiares. A adoção desses
ritos incluía várias cerimônias de sacrifícios humanos. Ainda
pelas descrições de Cavazzi sabemos que, ao nascerem nos
quilombos, as crianças eram escondidas e depois
reintroduzidas no grupo pelos ritos de iniciação. As
mulheres e as crianças acompanhavam o exército Mbundu e
Mbangala. Estes quilombos impunham às tropas lusas
ferrenhos combates e nem sempre era fácil reconhecer o
vencedor das batalhas. Cadornega chegou a comentar que
a cada vitória européia correspondia, no entanto, um
grande número de mortes, de portugueses devido à
habilidade dos quilombos na guerra e ao grande número de
soldados africanos de que dispunham.

Os quilombos de Nzinga eram verdadeiras fortificações


protegidas pelos Mbangala. E mais uma vez Cadornega que
destaca o significado destes quilombos para o exército
português:

[...] havendo pelo caminho muitas ocasiões de guerra e


reencontros dispostos e ordenados por aquela valiosa
amazona, que não sossega em buscar os meios de arruinar
o poder português, e mais sabendo que nossa fatiga era
toda em buscá-la e fazer-lhe o mesmo que nos deseja fazer
[...] (Cadornega, Ob. cit. v. I, p. 150).

Ditas por um soldado português no século XVII, estas


palavras, apesar da ótica etnocêntrica, demonstram a dupla
identificação da figura de Nzinga. Por um lado, a mulher-
demônio, com poderes sobrenaturais e, por outro, líder
elogiada pela capacidade guerreira e pelas manobras
políticas que assustavam os próprios adversários.

Além de fortificações militares, os quilombos eram a


residência da população Mbangala e da ‘rainha’ Nzinga.
Mas, antes de tudo, os quilombos serviam como depósito de
escravos a serem comercializados com os traficantes, e
eram os alvos prediletos dos portugueses quando Nzinga
criava dificuldades para o comércio das ‘peças’ (Cadornega,
Ob. cit. p. 14).

Os quilombos brasileiros, considerados uma das maiores


manifestações de resistência escrava no Brasil, possuíam
algumas características Mbangala. Mas eles eram
diferentes, no sentido e na função, em relação aos
quilombos da região angolana dos séculos XVII/XVI1I.
Embora a etimologia da palavra quilombo seja kimbundu as
semelhanças, para os citados séculos, não vão muito além.
Segundo os testemunhos escritos na época, os quilombos
africanos naquela região eram povoações ou
acampamentos militares que aprisionavam os escravos para
vendê-los aos traficantes, enquanto que os quilombos
brasileiros poderiam ser definidos como uma forma peculiar
de resistência ao escravismo no Brasil.

Quanto à organização interna, os quilombos africanos


estavam divididos em vários quarteirões. No centro ficava a
residência do chefe e, em volta desta, as moradas dos
principais conselheiros e auxiliares. O Moenelumba residia
também dentro de um quarteirão central que incluía a
habitação dos principais. Um quarteirão, em especial, era
supervisionado pelo Ngolambole e o songo era a unidade
militar básica (Cadornega, Ob. cit. p. 344; Cavazzi, Ob. cit.
p. 192).

Uma embaixada à Luanda


O Ngola Mbandi sabia da força desses quilombos e por isso
fez um longo caminho até chegar a Nzinga. Os enviados do
Ngola chegam em Matamba para tratar das negociações
com a senhora africana e iniciar a campanha de
reconciliação com a irmã, através de boas propostas para o
futuro.

Pelo seu lado, Nzinga, deve ter ponderado a necessidade de


unir o Ndongo, para que, durante um período de paz com o
inimigo externo, pudesse fazer frente à luta com o irmão.
Agora que ganharia prestígio se conseguisse assinar um
acordo não muito desvantajoso com os portugueses.

Durante as negociações de paz Ndongo-Portugal em 1622,


destaca-se a figura de Nzinga, a irmã do Ngola, que
brilhantemente desempenhou suas funções diplomáticas. A
embaixada chefiada por Nzinga impressionou os
portugueses.

Nos relatos, acompanhados de gravuras e pinturas, dos


cronistas da época, o desempenho de Nzinga marcou a tal
ponto os seus contemporâneos que os acontecimentos
estão envoltos em lendas, o que torna difícil discernir fato
de ficção.

Segundo estes relatos Nzinga foi recebida, pela segunda


vez, em Luanda com todo o aparato cerimonial de boas-
vindas, salvas de canhões e perfilhação dos soldados
portugueses. A entrada na cidade foi triunfal, com tapetes
até o local onde deveria ficar alojada a soberana.
Descrevem os documentos da época que toda a população
veio ver e confirmar a existência real daquela mulher. Na
presença do governador, ao se iniciarem as discussões,
Nzinga constatou a existência de somente uma cadeira, na
qual se sentou o governador, para ela restando uma
almofada. Rapidamente, sentou-se no corpo de uma de suas
escravas, para não ficar em nível inferior ao governador (ver
gravura da Rainha Nzinga negociando em Luanda).
Neste acordo reafirma-se a independência dos Mbundu, ao
se negar o pagamento de qualquer tributo, garante-se o
apoio dos portugueses na organização do Ndongo mas não
se consegue dos lusos a retirada do forte Mbaca, no centro
do território dos Mbundu. Nzinga permanece em Luanda por
algum tempo. Em 1622 foi batizada, segundo consta (29) e
com grande solenidade e muita assistência, recebeu o nome
de Ana de Souza. Mas esse batismo para Nzinga
aparentemente devia ser só uma formalidade, ela
permaneceu com a prática de seus cultos (Cadornega, Ob.
cit. p. 117; Brásio, 1952, v. 7, p. 137; Heintze, 1985, p.
201,Cavazzi, 1965).

O Ngola continuou insistindo com os portugueses na


mudança do forte Mbaca, oferecendo em troca ‘peças’,
permitindo a entrada dos padres jesuítas no Ndongo e
autorizando a conversão daqueles que assim o desejassem.

Mas de nada adiantavam essas ofertas de paz do Ngola


porque a atenção do governo de João Correia de Souza
estava voltada para a região norte do Ndongo. A área
situada entre os Ndembu e o Kongo, seria o palco das
atenções dos portugueses: primeiro porque em termos de
abastecimento de escravos estava melhor do que o Ndongo;
segundo porque havia o desejo antigo dos portugueses,
agora compartilhado pelos espanhóis, de apoderar-se das
minas de cobre do Kongo, na província de Bembe.

A procura de metais preciosos na África vinha se tornando


frustrante para os portugueses. Depois de não encontrarem
prata em Cambambe, os esforços se canalizaram para o
cobre no Kongo. A questão era relevante, pela grande
demanda do cobre na Península Ibérica, para a cunhagem
de moeda. Portanto, esforços militares nesse sentido, na
África, eram bem-vindos para o rei espanhol.
O próximo governador (1623), Pero de Sousa Coelho,
empreendeu esforços para chegar a um acordo de paz com
o Ndongo, estabelecendo tratados e se encarregando de
expulsar o Mbangala — Kasanje do Ndongo. Com a
instauração do governo de Frei Simão de Mascaranhas
nenhum acordo foi realizado.

À situação interna do Ndongo mostrava-se tensa. A política


do Ngola Mbandi visava à paz com os portugueses. Por um
lado, o Mbangala Kasanje mantinha-se no Ndongo e com
isso o Ngola estava enfraquecido politicamente para
retornar à Kabaça; por outro, restava-lhe o interesse dos
portugueses em normalizar o comércio de escravos na área
Mbundu.

O novo governador empenhou-se nas guerras na região sul


do Kwanza, rota de comércio de escravos constantemente
atacada pelos Mbangala. Aparentemente estes povos do sul
eram aliados do Ndongo, o que indiretamente funcionava
como um ataque ao próprio Ngola.

Coincidindo com um longo período de seca, o Ndongo viveu


momentos de extrema instabilidade política que resultaram
na morte do Ngola, assassinado em 1624. O governo de
Luanda retornou à política de aliança com os Mbangala
(Miller, 1983, v. I, p. 140).

Durante a década de vinte os portugueses conseguiram


estabelecer aliança com uma facção da elite Mbundu pró-
portuguesa no Ndongo. Com a morte do Ngola Mbandi,
Nzinga ficou como tutora do sobrinho, facilitando o seu
acesso ao título Ngola. Detentora das insígnias reais,
Nzinga, com o apoio de uma facção da realeza, se apoderou
do poder. Este ato de usurpação do título Ngola foi facilitado
não só pela instabilidade reinante no Ndongo como também
pela insatisfação de grupos anti-portugueses com a
aproximação do Ngola com os lusos.
6. NZINGAMBANDI NO
PODER

Entre os Mbangala e portugueses


Em 1624 morreu o Ngola Mbandi e subiu ao poder do
Ndongo Nzinga Mbandi que, segundo alguns
contemporâneos, teria envenenado o irmão para substituí-
lo. Entre 1624 a 1663 o cenário desta região foi dominado
pela figura desta africana.

Luanda, no ano de 1624, e a Coroa portuguesa dirigiam


suas forças contra os holandeses que, neste ano,
declararam-lhe guerra, capturaram barcos de comerciantes
e ocuparam Benguela.

Aliada aos Mbangala, Nzinga Mbandi adotou os costumes


destes povos, acolheu os cativos fugidos dos portugueses e
convenceu os chefes africanos sob controle dos lusitanos a
juntarem-se a ela. Os portugueses passaram um ano sem
retomar a ofensiva, pois estavam ocupados em defender a
vila de Luanda da ameaça holandesa.

A política do governador Fernão de Sousa foi de incrementar


o comércio de escravos no Ndongo, incentivando a abertura
das ‘feiras’, e exercer o controle de fato sobre os chefes
africanos ‘vassalos da Coroa’. Com estes objetivos o
governador pretendia ter sob o seu domínio o Ndongo,
estabelecendo laços de vassalagens. Para Nzinga era
inaceitável esta proposta: a conciliação não incluía, para
ela, o Ndongo como tributário dos portugueses.

O governador de Luanda, diante da necessidade de cooptar,


dentre os africanos, parceiros para reativar o tráfico,
manteve uma atitude aparentemente conciliatória em
relação a Nzinga. Datam desta época as constantes cartas
de Nzinga ao governador, dizendo da necessidade de retirar
o forte Mbaca do seu território. Inteligentemente, Nzinga
enviava cartas aos funcionários portugueses em Luanda,
sempre na tentativa de demonstrar que a causa maior dos
conflitos com os lusos era a afronta da construção do forte
no ‘coração da nação Mbundu’(ver cartas em anexo). Por
parte do governador as respostas eram positivas, ou porque
tencionava contemporizar com Nzinga até ter condições de
enfrentá-la, ou porque acreditava efetivamente na
possibilidade de reabrir as negociações sobre o forte Mbaca
(Brásio, 1952, v. 8, p. 362).

Em 1624 Nzinga Mbandi escreveu ao governador de Luanda


pedindo que ele cumprisse o que seu antecessor havia
prometido: mudar o forte Mbaca e devolver os sobas que
estavam sob seu controle tributário. Lembrou-lhe ainda
como foi injusta a guerra imposta a seu irmão pelo
governador anterior. Prometia se retirar das ilhas do
Kwanza, retornar a Kabaça, permitir a entrada dos padres
nos seus domínios para cristianizar a população, além, é
claro, de reabrir as ‘feiras’. O governador em Luanda,
informando ao soberano português sobre a carta de Nzinga,
sugeriu-lhe efetuar a mudança do forte pois, sem isto, era
impossível a paz (Brásio, 1952, v. 8, p. 141).

Em 22 de agosto de 1625, o governador Fernão de Sousa


refere-se, em relatório, a uma carta de Dona Ana de Souza,
senhora de Angola (assim os portugueses se referiam a
Nzinga), na qual a soberana pedia padres para residirem no
Ndongo, prometendo devolver os escravos fugidos dos
portugueses e refugiados no seu quilombo. O governador
explicou que estas constantes fugas significavam grandes
prejuízos para os portugueses, pois fugiam senzalas
inteiras, e, muitas vezes, eram perdidos, de uma só vez de
cem a cento cinquenta escravos (Brásio,1952, v. 7, p. 361-
63; Heintze, 1995, p. 16-8).

Passava pelos planos do governador a necessidade de que o


Ndongo voltasse a ser um grande fornecedor de escravos.
Mas ponderava sobre a impossibilidade de acordos com
Nzinga e urgia, do seu ponto de vista, a que se buscasse
outra solução. Da parte de Nzinga as fugas constantes de
escravos dos portugueses reforçavam o seu contingente
militar. Constituía assim um exército leal, desprovido de
laços de linhagem: alguns sobas ‘vassalos’ da Coroa
passavam para o seu lado na expectativa de que ela, com
esta força militar, viesse a fazer frente às tropas lusas.

No mesmo relatório de 1625, o governador reconhecia que


o poderoso exército de Nzinga estava constituído de
escravos fugidos e, por isso, ela não os entregaria aos
portugueses. Diante disso, pediu ao rei para ‘castigar a
Dona Ana sem muito dano e substituí-la por um Ngola
submisso aos seus interesses’ (Brásio, 1952, v. 7, p. 392).

No ano de 1626 o governador escreveu ao rei dando notícia


de que ‘Dona Ana continua a colocar a conquista da região
em perigo’. Alegou a não-legitimidade de Nzinga no poder,
por ser uma mulher, e o fato de ela sublevar os sobas
submissos à Coroa. Aparentemente a atitude do governador
seria, a partir daí, de reabrir as conversações e, até mesmo,
discutir o forte Mbaca (Brásio, 1952, v. 7, p. 355).
Os objetivos de Fernão de Sousa eram manter a unidade do
Ndongo, porém, substituindo Nzinga por um Ngola vassalo
da Coroa. A guerra contra Nzinga foi declarada ‘justa’ e o
governador, na intenção de provocar militarmente Nzinga,
convidou o soba Aire Kiluanji à fortaleza de Mbaca. Nzinga,
ameaçada pelas disputas de fronteira, declarou guerra ao
seu vizinho da fortaleza de Mbaca, Aire Kiluanji.

Os portugueses optaram pela política agressiva, decididos a


destruir Nzinga. A primeira medida neste sentido foi
expulsá-la do Ndongo e colocar em seu lugar um chefe
submisso aos seus interesses, Aire Kiluanji. A nova capital
do Ndongo, então, passou a ser Maopungo, uma fortaleza
natural no interior das rochas, na descrição de Cavazzi
similar a um palácio calcado nas pedras. O novo Ngola
começou por reabrir as rotas comerciais fechadas desde o
ataque português que arrasou o Ndongo.

Os períodos de seca serviram para aumentar a instabilidade


interna do Ndongo. A esperança dos portugueses era
instalar o seu domínio, finalmente, com a escolha e eleição
de um rei favorável aos seus interesses.

Nzinga fugiu para Matamba, onde, dizem as fontes, para


selar um acordo político, casou-se com o Mbangala Cangola,
tornando-se sua tambaza (esposa) e, a partir daí,
arregimentando os seus aliados, obteve o apoio de Kissama
e do Kongo. As tropas portuguesas se deslocaram para o
litoral pela necessidade de enfrentar a ameaça holandesa.
Fortalecida, Nzinga retornou, então, às ilhas do Kwanza.

Apesar de todo o apoio dado a Aire Kiluanji para transformá-


lo em Ngola, os portugueses não contornaram o problema
da legitimidade do poder, que não era reconhecida pelos
chefes locais. Estes não aceitavam alguém estranho à
linhagem Mbandi e, neste caso, as irmãs do Ngola eram as
mais apropriadas para substituir Nzinga (Documento em
Heintze, 1985, p. 201).

Durante a guerra imposta ao Ngola Mbandi, as duas irmãs


de Nzinga tornaram-se prisioneiras e, nesta qualidade,
estavam em Luanda. Muitos cronistas da época afirmam
que Nzinga nada fazia para negociar a liberdade das irmãs
porque estas eram suas informantes, o que poderia ser
possível se levarmos em consideração o quanto Nzinga era
bem informada sobre o que acontecia e se decidia em
Luanda, como deixam ver suas habilidosas manobras
políticas ao longo da correspondência com o caso de uma
carta de sua irmã, presa em Massangano, informando da
movimentação das tropas portuguesas. Quando prisioneira
em Luanda, uma de suas irmãs, Mocambo, era tratada com
certas regalias, e podia se movimentar livremente pela vila.

Enquanto isto, os administradores de Luanda discutiam a


possibilidade de o Ngola ser uma das irmãs, porque a luta
era contra Nzinga; porém os jesuítas — ordem religiosa
extremamente influente no período da penetração lusa na
África — sustentavam a posição de manter Aire Kiluanji
(Documento em Heintz, 1985, p. 201).

Aparentemente Nzinga aceitava que uma de suas irmãs


ocupasse o cargo de Ngola, neste caso, prometia até pagar
o tributo de cem ‘peças’ por ano. Não se sabe o que
pretendia ela com isto, ou mesmo se pretendia cumprir tais
promessas. A situação na região do Kwanza era de completa
rebelião por parte dos chefes locais, que não aceitavam o
Ngola imposto pelos portugueses. Em Luanda foi capturado
e morto o Manilumbo, que acreditavam ser um espião de
Nzinga.

A partir de 1627 rompeu-se a aliança entre Nzinga e Casa


Cangola, por este não concordar com um confronto direto
com os portugueses. Em 1629 Nzinga atacou, através de
guerrilha, as ‘feiras’ e as rotas comerciais, que foram
novamente bloqueadas; combateu implacavelmente as
tropas de Kiluanji e, para defendê-lo, o exército luso se
deslocou de Luanda no momento em que chegava ao litoral
os holandeses. Refugiadas em uma ilha do rio Kwanza, as
forças de Nzinga sofreram grande derrota.

A debilidade da autoridade de Aire Kiluanji ante os sobas e a


sua expressa submissão aos portugueses fizeram com que o
Ngola ficasse sem moral junto à população para presidir os
ritos de fecundidade dos campos e fazer chover. Durante a
guerra, Nzinga pôde contar com os sobas das províncias de
Moseque e de Kissama, além dos sobas da região do
Kwanza e das ilhas. Ao que parece, estes sobas nunca
estiveram ou só estiveram temporariamente — sob o
domínio português. Mas este tipo de resistência se
caracterizava mais pela posição contra os portugueses do
que por um apoio incondicional ao domínio de Nzinga. Na
verdade, o que permeava esta resistência era o sentimento
anti-português na região (Heintze, 1984, p. 38-9).

Os portugueses não tiveram êxito na captura de Nzinga e os


chefes Mbundu continuaram não reconhecendo o Ngola.
Nesta época as tropas lusas e a ‘guerra preta’ (30) foram
devastadas pela varíola. O exército de Nzinga também foi
vitimado pela mesma doença, inclusive a própria Nzinga.
Mas a luta prosseguiu e Nzinga reconstitui sua força militar
na ilha e preparou uma rebelião geral, estimulando os
outros chefes submetidos aos portugueses.

A partir de 1629 os portugueses constataram que, para


acabar com as guerras, teriam que capturar Nzinga viva ou
morta, pois os efeitos dos ataques por ela perpetrados
repercutiam no fornecimento de escravos para o comércio.
Ao longo do ano de 1628, em razão do ataque dos
holandeses e da morte, mais tarde, do comandante Bento
Banha, foi adiado o grande ataque a Nzinga. Somente no
final do ano de 1628 o governador Fernão de Sousa pôde
dar início à campanha que daria fim a Nzinga. O ano de
1629, devido muito mais a incursões das tropas
portuguesas pelo Ndongo do que a um apoio espontâneo a
Nzinga, foi marcado por grande resistência dos sobas e da
população em geral. O governador empreendeu, então, um
assalto à ilha do Kwanza, mas Nzinga escapou para a região
do Matamba, à nordeste do Ndongo. A partir desse
momento, Nzinga adotou, além dos ritos, crenças e
costumes dos Mbangala, todas suas formas militares nos
ataques.

O Ndongo sem Mbundu: o


despovoamento
Durante o século XVII a população Mbundu manteve
acirrada guerra contra a invasão dos portugueses. A região
do Kwanza conseguiu manter um certo grau de
independência neste período. Foi justamente através do rio
Kwanza que se deram as primeiras tentativas de penetração
portuguesa nas terras do interior. A maior vítima desta
contínua agressão foi o estado do Ndongo: o confronto
militar e o fluxo do tráfico demoliram as suas bases. No
século XVII os testemunhos portugueses e holandeses
referem-se a 10.000 escravos retirados de Angola por ano.
Esta perda de população se dava, especialmente entre os
elementos mais jovens e foi extremamente alta. Desde o
início da invasão dos portugueses a procura de escravos
ocorria na área central dos Mbundu. Durante o século XVI
um padre jesuíta descreveu a região dos Mbundu como rica
e populosa, passado um século, os capuchinhos a
descrevem como uma região deserta e de população
dispersa.

O tráfico trouxe não só um esvaziamento demográfico como


também um processo migratório. Os Mbundu fugiram para o
sul, indo para o interior da região de Benguela. Desde o
início do século XVII, os povos com atividades ligadas aos
europeus, em consequência das guerras devastadoras,
começaram a afastar-se, mantendo o comércio mas
evitando o exército português que efetuava verdadeiros
massacres entre a população africana. Durante essas
guerras matava-se grande parte da população e
transformava-se os prisioneiros em escravos para o trabalho
compulsório nas minas e plantações. Os povos vizinhos de
Luanda foram os primeiros a serem despojados de suas
terras, que eram entregues aos soldados veteranos para
serem cultivadas. Essas manobras militares resultaram em
destruição das terras mais férteis. O objetivo era iniciar a
chamada exploração e fixação do solo, como ocorreu no
Brasil, com uma diferença valendo para o continente em
geral: havia nessa região uma grande densidade
populacional que impediu a chamada ocupação do solo.
Para ocupar era necessário desocupar. O tráfico de escravos
era muito mais vantajoso do que a prática agrícola que
apresentava várias dificuldades: a constante resistência da
população africana, a dificuldade com o clima, e, por último,
a chegada dos holandeses.

Na região sul de Matamba, desde o início do século XVII


alguns grupos de Mbangala começaram a se estabelecer
em volta do vale do Kwanza, o que lhes proporcionava
contatos com as rotas comerciais de Luanda. No processo
de fixação, os Mbangala identificavam-se com os Mbundu e
adotavam suas linhagens mas, como estes, tiveram que se
manter mais para o interior, resguardando sua
independência ao não ultrapassar a fronteira com os
portugueses.

O possuidor de um importante título entre os Mbangala era


o Kasanje, um chefe que em 1617 ajudou os portugueses na
luta contra o Ndongo. Este chefe, ao se fixar na região entre
os rios Lui e Kwango, tomou-se líder de um estado poderoso
e comercialmente forte, o Kasanje, importante abastecedor
de escravos para os portugueses na África Centro-Oeste.

Os Mbangala em aliança com os portugueses tinham


especial apreço pelo vinho, bebida teoricamente proibida de
ser vendida no interior. O comércio de bebida até a primeira
metade do século XVII era dominado pelo vinho português
depois dessa época a cachaça, geribita, introduzida pelos
comerciantes da colônia brasileira, entrou em disputa com o
vinho dos comerciantes portugueses. No final do século XVII
a cachaça brasileira será predominante na troca por
escravos em terras angolanas (31).

O crescimento de Matamba e Kasanje não foi logo


enfrentado pelos portugueses, pois eles tiveram que se
defender de um terceiro inimigo nesta primeira metade do
século: os holandeses.

Na época, concorriam para um quadro demográfico


devastador, além das guerras e secas, as doenças
epidêmicas. Destas, a varíola foi o flagelo da população; a
doença se propagava a ponto de despovoar aldeias inteiras
(Carreira, 1977, p. 47-8). Tanto Cavazzi, Cadornega como
Elias Corrêa dão exemplos constantes de vítimas dessas e
de outras doenças. As consequências no tráfico eram,
também, desastrosas, pois somente em alto mar os
tumbeiros detectavam o contágio e, aí, a mortalidade era
especialmente alta.
As doenças, como foi o caso da varíola no ano de 1626
dizimaram parte da população, fazendo com que muitos
fugissem para a região de Matamba. Por outro lado, a falta
de alimentos em razão da seca no ano seguinte completaria
o quadro desolador pelo qual transitavam africanos e
europeus.

Uma outra espécie de movimentação da população, a fuga


dos escravos dos seus senhores portugueses para não
serem levados para as Américas. No, período de Nzinga, a
fuga direcionava-se para a região do Ndongo primeiro, e
depois para Matamba (Heintze, 1995, p. 16-17); em sua
carta de 13/12/1665, Nzinga descreve ao governador o
quanto pode devolver os escravos fugidos. Na verdade o
número de população que fugia na busca de proteção junto
a Nzinga chegou a ser bem considerável. Pelo menos
significava um bom custo nas despesas para os
portugueses. Calcula-se aldeias inteiras e que era comum a
fuga às centenas. Na documentação, como relatórios do
governador Fernão de Sousa, é sempre recorrente falar em
escravos que eram acolhidos pela Nzinga (no Ndongo ou
Matamba), e este fato servia de argumentação para
justificar a guerra contra a rainha Mbundu. Heintze, em sua
análise, atribui além da erosão da autoridade portuguesa no
interior, a fuga dos escravos como contributo para opção
pela guerra contra a Nzinga.

Essas fugas de escravos para junto de Nzinga trazia o


dilema também de serem em sua maioria de homens aptos
à guerra, fortalecendo sua capacidade militar com um
exército fiel. Em Matamba, como soberana, Nzinga
continuava a manter-se como um atrativo ponto para a fuga
de escravos das regiões sob relativo controle dos
portugueses.
Ser rainha na Matamba
Refugiada em Matamba, Nzinga tornou-se soberana da
região, embora estabelecida em Matamba, ela jamais
desistiu da intenção de retomar o Ndongo. Expulsa pelos
portugueses, como já foi visto, adotou os rituais dos
Mbangala e se apoderou de Matamba, de onde atacava com
seus quilombos. Por volta de 1633 dedicou-se a atacar o
Ngola Kiluanji. Esta luta não se dava somente sob a forma
de investidas diretas, pois Nzinga instigava a fuga dos
cativos e a rebelião dos sobas do Ngola. Em Matamba, na
sua corte, Nzinga tinha apurado gosto pela vestimenta
ocidental, e assim tudo fazia para obter os tecidos
europeus, tapetes e joias. Vestia-se, segundo as descrições
dos europeus, como uma senhora européia. Através de suas
cartas, oferecia sempre presentes ao rei português e pedia
tecidos e objetos de adorno (ver carta em anexo). Nas
reuniões com os seus conselheiros, cumpria o protocolo dos
soberanos e dirigia o andamento dos trabalhos, tomando
decisões sobre cada assunto. Os chefes locais pagavam os
tributos e contribuíam no trabalho agrícola. Ainda são os
cronistas da época que afirmavam que o seu braço direito
era o guerreiro Ginga Amona.

São comuns, em todos os escritos contemporâneos de


Nzinga, descrições dos ritos de canibalismo, dos quais
participava toda a população de Matamba. Os cronistas
europeus dedicaram várias páginas ao assunto. Outro fato
sempre relembrado por esses testemunhos é o que eles
chamam de orgias sexuais comandadas por Nzinga. O modo
de vida de Nzinga, com seus costumes, muito escandalizou
os observadores europeus. Outro fato descrito com grande
perplexidade e perpassado por comentários moralistas, são
as histórias dos amantes de Nzinga. Contam que ela tinha
um séquito de homens, escolhidos dentre os sobas, e que
ela os obrigava a vestir-se como mulheres e lhes dava um
nome feminino. De um ponto de vista pouco aprofundado
do assunto, diríamos que, aparentemente, se tratava de um
caso de poliandria, forma de matrimônio em que uma
mulher pode ter mais de um marido. Neste caso Nzinga
teria assumido a forma usual de casamento na região, a
poligamia. A sua ascensão ao poder, pode ser encarada
como um rompimento com as normas estabelecidas pelas
linhagens tradicionais: os macotas não ‘admitiam uma
mulher com o título Ngola’. Tanto no Ndongo, onde para se
impor teve que enfrentar as linhagens tradicionais, como
em Matamba, Nzinga usou de força militar para chegar ao
poder. Importante ressaltar que, embora as informações
sejam poucas, a elite dos macotas estava dividida e Nzinga
não contava com a unanimidade daqueles que decidiam
sobre os títulos e posições.

Novos parceiros comerciais: os


holandeses
Embora entre 1580 e 1640 Portugal estivesse sob o domínio
da Coroa espanhola, as duas monarquias mantiveram em
bases nacionais o controle administrativo das áreas
ultramarinas. Os holandeses, oriundos da região
denominada Países-Baixos, lutavam pela sua independência
contra o rei de Espanha. Os holandeses mantinham um forte
intercâmbio comercial com as regiões atlânticas
pertencentes às duas coroas ibéricas. Nada mais natural
que, em situação de guerra, atacassem as fontes de riqueza
dos ibéricos. No Brasil, os flamengos estavam
extremamente envolvidos com o setor de comercialização
da região produtora do açúcar. Portanto, compreende-se
acontecimentos como a presença da armada comandada
por Piet Heyn, primeiro na Bahia, depois em Pernambuco e
finalmente em Luanda, fonte de abastecimento de mão-de-
obra para a produção açucareira. Como se dizia na época,
sem Angola não havia negros, sem negros não havia açúcar.

No ano de 1641, os holandeses tomaram Luanda: a Coroa,


para evitar duas frentes de luta (no interior, Matamba, e no
litoral, os holandeses), decidiu ser ‘injusta’ a guerra contra
Nzinga. A partir de 1639, Kasanje e Matamba receberam
embaixadas portuguesas, com promessas de paz, sem
resultados práticos: a luta de Nzinga prosseguiu. No interior
do continente, os maiores inimigos dos portugueses eram
Nzinga e Kasanje.

Desde 1633, navios holandeses controlavam Benguela e, a


partir de 1639, os flamengos detinham o controle do
estuário do rio Zaire. Em 1641, Luanda foi efetivamente
ocupada pelos holandeses. Para isto, os holandeses tiveram
o apoio dos Kongo, de Nzinga, de Kissama, do Bengo e de
todos os outros inimigos dos portugueses. Ao se retirarem
para Massangano, em 1643, os portugueses passaram a
contar somente com a fidelidade do Ngola Kiluanji e de um
chefe, Kandonga.

O manikongo esperava vantagens comerciais com a


chegada dos holandeses; Nzinga, além disto, desejava seu
apoio político. O Manikongo já, há muito, mantinha contatos
(correspondência) com os holandeses. Em 12 de maio de
1642 o Manikongo, de nome cristão D. Garcia II, escreveu a
Maurício de Nassau, em Pernambuco, propondo uma aliança
contra os portugueses; pediu também reforços contra os
lusos, e informações a respeito da guerra entre Portugal e
Espanha (Brásio, Ob. cit., v. 8, p. 584). No início do ano de
1643, o manikongo escreveu novamente a Maurício de
Nassau, pedindo a deportação do governador de Luanda
para o Brasil, e demostrando, mais uma vez, o desejo de se
inteirar da situação entre Portugal e Espanha. Desde 1639,
quando escreveu ao papa Urbano VII, interessava-se pela
situação dos países ibéricos (Brásio, Ob. cit. v. 9, p. 13-16).

Devido às ações dos missionários e dos comerciantes, os


europeus estavam muito mais informados sobre a África do
que os africanos sobre a Europa, o que não quer dizer que
não houvesse tentativas, por parte dos soberanos africanos,
de se inteirarem da conjuntura européia. Foi o caso do
Manikongo que, além de desejar saber do conflito Portugal-
Espanha, enviou no final de 1643 uma embaixada à
Holanda para propor um pacto de amizade com o Príncipe
de Orange. Este fato foi denunciado pelo embaixador
português entre os flamengos, observando este que as
Companhias das Índias estavam muito enfraquecidas para
aumentarem o conflito com o rei português.

Bem antes destes contatos houve vasta correspondência


entre o Vaticano e os Manikongo, estes sempre na tentativa
de saírem da esfera de controle dos lusos. A presença
holandesa estimulou os projetos de Nzinga de expulsar os
portugueses para reaver o Ndongo e estabelecer relações
comerciais mais vantajosas, com melhores produtos e em
melhores condições.

Enfim, tanto os dirigentes Kongo como Nzinga procuraram


melhor parceiro comercial. Para a execução dos seus planos,
Nzinga se transferiu com sua força militar para perto do rio
Dande. Mas as expectativas frustraram-se logo: os
holandeses agiram com bastante tolerância em relação aos
portugueses que, refugiados em Massangano, vendiam os
cativos que conseguiam para os holandeses em troca de
alimentos. Reduzidos à posição de intermediários, os
portugueses ficaram na situação de qualquer estado
africano em relação ao comércio de escravos.
Numa segunda fase, os holandeses reconheceram a postura
de Nzinga, favorável à expulsão dos portugueses, como a
atitude mais sensata. No ano de 1645 o governador do
Brasil, Teles da Silva, enviou reforço militar para tomar
Luanda aos holandeses. A tentativa resultou numa batalha
em que morreram cento e três soldados portugueses num
efetivo de cento e sete! No ano seguinte a guerra, lenta até
então, passou a um combate mais ativo. Os motivos foram,
por um lado, o reforço militar vindo do Brasil, que derrotou
Nzinga, expulsando-a do Dande; por outro, um novo aliado
dos portugueses, o imbagala Kasanje, que se tornara
importante no fornecimento de escravos para o tráfico.

Em 1646/48 as forças holandesas, conjugadas a Nzinga,


avançaram na derrubada dos portugueses. Em 1648, as
tropas de Massangano foram vencidas, mas foi questão de
pouco tempo, pois chegou do Brasil Salvador Correia de Sá
e Benevides que, com sua armada, tomou Luanda,
obrigando os holandeses a se renderem e partirem. Os
chefes africanos tentaram se defender mas foram
massacrados pelas tropas de Salvador de Sá, que tinham
por objetivo restabelecer o tráfico de escravos para o Brasil.
Para isto, após a expulsão dos holandeses, organizou uma
campanha militar punitiva ao Kongo, forçando-o a um
acordo de paz com cláusulas extremamente duras.

Depois da retomada de Luanda, Salvador de Sá permanece


na costa angolana por algum tempo, para pôr ordem na
região, incursionando entre os chefes africanos e praticando
verdadeiras razias. Dessa maneira, garantia a volta ao Rio
de Janeiro com bom carregamento de escravos. Além da
missão de liberar o tráfico era proprietário de grandes
plantações de cana-de-açúcar, tencionava reabrir o tráfico
para Buenos Aires.
Desta época em diante, governadores e outros funcionários
administrativos provenientes do Brasil ocuparam
importantes cargos em Luanda. Na verdade, estavam em
jogo interesses escravistas nesta região e neste contexto é
que se compreende a chegada de Salvador de Sá. As
camadas proprietárias da economia açucareira no Brasil
garantiam através de vários meios os seus interesses,
sobretudo o suprimento de mão-de-obra escrava. Somente
a partir daí pode-se entender a identificação administrativa
entre Rio de Janeiro, Recife e Salvador com Luanda. Explica-
se, também, o desequilíbrio existente entre a colônia
brasileira e a metrópole, que chegava a restringir os
interesses lusos instalados em Luanda.

Desde 1643, Salvador Correia de Sá e Benevides fazia


sugestões à Coroa portuguesa para a retomada de Luanda:
a amizade com os Yagas e o combate ao Manikongo. Em
1647, Salvador de Sá recebeu a carta régia de governador
de Angola. O ex-governador do Rio de Janeiro, a partir de
então, inicia um longo período de governadores e altos
funcionários que iam diretamente do Brasil para Luanda. A
característica marcante desta administração foi a violência
contra a população, sem contemporização com os chefes
africanos, sendo motivada pelo desejo de ativar o tráfico. O
exemplo máximo de tal política foi o governo de Vidal de
Negreiros; esta situação durou até 1666 com o governador
‘brasileiro’ Tristão da Cunha, que, gerando uma revolta da
população branca contra a administração ‘brasileira’, foi
expulso de Luanda. Só em 1668 foi nomeado um novo
governador, Francisco de Távora, que chegou em 1669
diretamente de Lisboa (Almeida, 1978, p. 326).
7. A INTEGRAÇÃO DE
NZINGA AO TRÁFICO
ATLÂNTICO DE ESCRAVOS

Os dois inimigos mais importantes dos portugueses eram,


agora, Kongo e Matamba. A questão era destruí-los ou
torná-los aliados para assegurar o comércio de escravos, e
as negociações duraram anos. Quanto ao Kongo, desde a
metade do século XVI vinha tentando manter contatos com
outros estados europeus que não Portugal. A Coroa lusa
tentava impedir esses contatos e os Bakongo percebiam as
restrições que lhes eram impostas, mas por meio dos
estudantes africanos em Lisboa, os Manikongo tinham a
noção da conjuntura européia. A partir do final do século
XVI, o estado Kongo se fechou à cultura e à religião
portuguesas, fracionado que estava pelas intrigas dos
comerciantes e padres. No século XVII desenvolveu-se uma
hostilidade crescente em relação aos portugueses, daí se
compreendendo as várias tentativas de aproximação com o
Vaticano. O Kongo enviou embaixada a Roma e buscou
apoio militar do rei espanhol, já na época separado da Coroa
portuguesa. Quando os holandeses começaram a frequentar
o litoral angolano, o Kongo aliou-se aos flamengos.

Como vimos, após a saída dos flamengos e o


restabelecimento dos portugueses em Luanda, Salvador
Correia de Sá fez uma expedição punitiva ao Kongo, que
resultou na imposição de um acordo de paz com
indenização de mil ‘peças’, a entrega das minas de ouro e o
monopólio da pesca das conchas zimbo.

Foi no governo de Vidal de Negreiros que o Kongo sofreu o


seu golpe fatal, com a guerra que o retirou do cenário
político da região. Em 1665 a cabeça do Manikongo foi
levada para Luanda. As cisões entre os Bakongo, sem um
poder central forte, tornaram-se fontes de abastecimento do
tráfico de escravos. Apesar de totalmente enfraquecido, o
estado do Kongo continuaria existindo até o século XIX.

O segundo inimigo a ser enfrentado pelos portugueses era o


estado de Matamba. Nzinga assinara um acordo de paz em
1656, pelo qual renunciava a todos os direitos na região do
Ndongo; não se tornava, porém, tributária de Portugal.
Depois disto, Nzinga se afastou do tráfico de escravos, mas
os portugueses tentaram tornar Matamba parceiro
comercial em virtude das dificuldades em satisfazer a
demanda de escravos para o Brasil e colônia espanholas na
América, porque não bastavam os escravos dos Mbundu,
Kongo e Kasanje.

O acordo de paz e amizade assinado por Nzinga com os


portugueses incluíra a libertação de sua irmã, prisioneira em
Luanda. Em contrapartida, Nzinga se comprometia a
entregar cento e trinta escravos. A soberana de Matamba
converteu-se ao cristianismo, estabeleceu relações
comerciais com os portugueses e aceitou a presença de
missionários em seu território. As negociações visavam,
antes de tudo, a regularizar o tráfico de escravos, abrindo
com isto as rotas comerciais que levavam aos mercados
internos. Por outro lado, os contatos diplomáticos com
Nzinga reconciliavam os portugueses com Matamba,
atingindo diretamente o Ngola Kiluanji, que passou a
desconfiar desta aproximação Luanda/Matamba.

No decorrer das negociações, Nzinga se aproximou do chefe


Mbangala Kandonga, antigo aliado dos portugueses. O
governo de Luanda, ao suspeitar do fato, mandou chamar
Kandonga. As manobras diplomáticas de Nzinga, ao tentar
uma conspiração juntamente com este chefe africano,
foram desmontadas pelos portugueses. Em Luanda discutia-
se, por um lado, o perigo de uma aliança com Nzinga e, por
outro, a necessidade de libertar as rotas do tráfico no
interior.

Impelidas por este último argumento, avançavam as


negociações de paz. Frente a isto, entenderam-se as
imposições do tratado: conversão à fé católica, abdicação
dos costumes Mbangala e adoção pela população dos rituais
cristãos.

Nzinga aceitou as condições impostas pelos portugueses,


pois não podia contar com outros chefes africanos. Era
impossível reorganizar um grande exército no Ndongo,
devido ao despovoamento da região. Além de tudo, Nzinga
já estava com mais de setenta e cinco anos.

Os exércitos: a guerra preta, Uiake


Mbundu e as tropas potuguesas
Ao escrever para o reitor do Colégio de Luanda em 1643, o
Manikongo referiu-se à ‘desigualdade das armas como
causa de ter perdido tudo’ (Brásio, Ob. cit., v. 9, p. 16). A
luta era desigual entre as forças militares européias e
africanas.
O exército português tinha, na época, recursos materiais
superiores aos africanos, sem dúvida nenhuma, mas
também enfrentou sérios obstáculos quase intransponíveis.
A premissa de que um combate desigual trouxesse uma
vitória fácil para os portugueses não se verificou. Para
começar, o número de soldados portugueses era sempre
insuficiente para o controle da população local. As
fortificações contavam com um grupo de, no máximo, mil
europeus, dispersos entre as dezenas de pequenas
fortalezas próximas ao vale do rio Kwanza. Além desses
soldados contavam com a ‘guerra preta’.

A estratégia para aumentar o contingente da ‘guerra preta’


era conquistar as pequenas chefias Mbundu, forçando os
chefes locais a uma aliança com o pagamento de tributo em
escravos. Os europeus dispunham de um exército
profissional, enquanto que os estados africanos não tinham
exército permanente, com exceção dos grupos
Yaga/Mbangala. As armas de fogo dos lusos, os mosquetes,
a artilharia e as forças navais, além da utilização do cavalo
como transporte, foram recursos extremamente valiosos
nas guerras,

Ser um militar em Angola no século XVII nunca foi um futuro


promissor para um português. Para os que eram designados
para o maior cargo, governador e Capitão-Mor, aquilo não
parecia exatamente uma promoção. Eles chegavam em
uma região onde a instabilidade em todos os níveis era o
comum: política, jurídica, econômica etc. Eram poucas as
localidades que se poderia dizer sob controle português.
Ainda por cima, os inimigos estavam em todas as frentes,
incluíam os africanos, em geral, e os portugueses com seus
interesses particulares. Os recursos, em termos de
armamentos e soldados, eram escassos (Heintze, 1981). O
comércio de escravo era a medida para todas as coisas e o
que valia eram campanhas militares com pilhagens para se
obter escravos, ou seja riquezas. O exército era pobre,
miserável, o soldo em moeda local, panos africanos.

Apesar disso, a margem de recursos era superior, apoiados


no desenvolvimento técnico europeu, os portugueses
enfrentaram fortes barreiras. A primeira foi a resistência das
populações africanas à invasão estrangeira, aliada ao
desconhecimento do meio geográfico e das diferenças
climáticas pelos europeus. A barreira natural para a
penetração européia foi a malária, que impunha grandes
baixas às fileiras das tropas lusas. Só no século XIX, com a
descoberta do uso do quinino contra a malária, o temor dos
europeus em relação à África diminui e o continente ficou
mais vulnerável.

Onde Angola era portuguesa no


século XVII?
Até a primeira metade do século as áreas de controle
efetivo dos portugueses eram as poucas praças fortificadas.
Em 1620 havia os presídios Muxima, Massangano,
Cambambe e Hango. Já um pouco mais tarde, a
documentação faz referência aos presídios de Benguela e
Mbaca. Além dos presídios existiam as capitanias-mores
guarnecidas de tropas e no rio Kwanza utilizava-se, no
serviço especial de defesa da navegação, o capitão-mor do
rio (Ferreira, 1979, p. 31 -2). Estas fortificações tinham que
se defender dos africanos e dos portugueses não
identificados com os interesses da Coroa (que eram uma
quantidade expressiva). Contavam para isso com um
número reduzido de soldados, armas e recursos financeiros.
Em termos de limites, a Angola portuguesa estendia-se dos
rios Dande, no norte, Longa, ao sul e forte Mbaca no interior.

As atividades de comércio de escravos, marfim e cera


inicialmente aconteciam nas feitorias e, mais tarde, nas
‘feiras’ em volta dos presídios. Foi ao longo deste século
que se proibiu a ida de homens brancos ao sertão para fazer
o resgate, ficando a cargo dos pombos, mulatos e negros
forros. Mais para a região central de Angola alguns sobas
estiveram sob o domínio português, mas somente na
segunda metade do século este controle seria efetivo
(Heintze, 1983, p. 56-7).

A forma da administração portuguesa era o controle indireto


da população africana dominada, mas quando necessário se
fazia ingerência nos assuntos internos dos soldados. Cada
chefe subjugado passava, através de uma cerimônia solene
de investidura (unda), a ser um ‘vassalo’ da Coroa. No
princípio cada ‘vassalo’ tinha um amo, a quem pagava o
tributo. Mais tarde este tributo passou a se chamar
baculamento e a ‘instituição do amo’ foi abolida.

O tributo era cobrado juntamente com outras taxas


adicionais, criando uma situação extorsiva que impedia o
‘vassalo’ de efetuar o pagamento. Sempre que isto
acontecia, seguia-se uma situação de rebeliões e
campanhas punitivas dos portugueses e a população fugia
por meio da migração.

No entanto, esses recursos arrecadados com o tributo não


iam para a Coroa no seu total. Ficavam, substancialmente,
com os encarregados da coleta (comandantes dos fortes,
feitores do rei, provedores etc.) e com os governadores.
Serviam fundamentalmente para o enriquecimento pessoal
dos funcionários e representantes do estado português.
Na verdade, a coleta do tributo tomava a forma de uma
ação de pilhagem. O pagamento era em escravos,
especialmente em ‘peças da índia’. A população reagia a
isto: no lugar de ‘peças da índia’ eram entregues crianças e
velhos. Em outra fase a Coroa sentiu a necessidade de ter
maior controle sobre esses rendimentos e revertê-los aos
gastos com a própria empresa lusa em Angola, já que a
estimativa da perda para o tesouro real era altíssima. Foi no
governo de Fernão de Sousa que a Coroa fez a sua primeira
tentativa de manter o controle da conta anual dos tributos
pagos pelos cento e nove ‘vassalos’.

Nzinga, ao se estabelecer em Matamba, defrontou-se com o


problema da legitimidade do poder, pela falta de laços com
as linhagens locais. Como no Ndongo onde, em determinada
altura de suas contendas com os portugueses, a paz era a
solução para os conflitos internos — nesse caso, em
Matamba, sua estabilidade política passava pela paz com os
portugueses. Por volta de 1656, Matamba era um
importante estado comercial, e os ‘pombeiros’ chegavam
em caravanas trazendo tecidos, aguardente, tabaco, além
de outros objetos de luxo, e retornavam abastecidos de
escravos. Um funcionário português ficava em Matamba
para fazer o controle dos preços das mercadorias. Uma
missão de padres capuchinhos, liderados por Cavazzi,
converteu Nzinga e seus auxiliares à fé cristã.

Nzinga Mbandi morreu em 1663, e Matamba tomou-se o


maior intermediário no tráfico de escravos. O
superintendente português controlava o negócio das
‘peças’, enquanto os ‘pombeiros’ não tinham mais
dificuldades de acesso às ‘feitorias’ localizadas em
Matamba. Os capuchinhos receberam autorização para a
construção de igrejas naquele território.
Nzinga era temida por ter adotado os ritos Mbangala e ter
sobrevivido à varíola e às perseguições dos portugueses: a
população, por conta disto, lhe atribuía poderes
sobrenaturais.

Nesta época, houve um maior desenvolvimento da


escravidão entre os Mbundu-Mbangala. As funções dos
cativos no processo produtivo não diferia muito das dos
outros membros da comunidade.

Em 20 de fevereiro de 1643 o Manikongo, ao escrever a


Maurício de Nassau, em Pernambuco, ofereceu os portos do
seu ‘reino’ para os holandeses fazerem o comércio. Mas,
escrevendo em 23 do mesmo mês e ano para o diretor do
Colégio dos Jesuítas em Luanda, queixou-se de que, no seu
país, a moeda corrente eram as pessoas e que isto causava
devastação no Kongo. Indignado, o Superior dos jesuítas fez
com que a carta chegasse ao rei de Portugal e pediu que
castigasse o Manikongo.

As transformações advindas dos contatos comerciais, as


guerras que massacraram a população, o aumento de
cativos na comunidade em função da demanda do tráfico, a
escravização de pessoas livres, cada vez mais frequente,
foram as sequelas da expansão e da disputa pelo controle
do comércio de escravos.

Cada comunidade Mbundu subjugada ao domínio português


significava uma interferência direta na organização social
daqueles povos, como por exemplo o combate à poligamia,
aos cultos e ritos e às regras de sucessão. Sem renegar o
tráfico negreiro, Nzinga não aceitava as regras impostas
pelos lusos. Na defesa de seus interesses, lutou apoiada em
seu poderio militar e em sua habilidade política para forjar
pactos que liderava, provando a sua tenacidade na busca
de regras comerciais mais favoráveis. Os portugueses
impuseram um sistema de monopólio do tráfico, com preços
fixos que limitavam bastante os benefícios auferidos pelos
chefes Mbundu neste tipo de comércio. As campanhas
militares do início do século XVII foram extremamente
destrutivas: além da perda de efetivos humanos com o
tráfico, o Ndongo perdia a sua autonomia, com a construção
de fortalezas próximas à capital Mbundu. Os movimentos
das guarnições portuguesas em território Mbundu
aceleraram a migração da população em direção ao sul.

Nzinga lutou contra os portugueses para manter a


autonomia do Ndongo, e contra os grupos Mbangala que
saqueavam suas rotas comerciais.

O tráfico Atlântico e os Mbundu


Os estados Mbundu no século XVII tiveram vários pontos de
semelhança no que diz respeito ao seu traço básico: a
estrutura de parentesco e as transformações sociais
ocorridas a partir do comércio Atlântico. Receberam da
região do litoral para o interior o impacto da mudança e foi
justamente neste litoral angolano que o tráfico se tornou
substancial. A mudança radical do papel destes estados no
tráfico foi paralela à mudança no tipo de escravos e na
escravidão interna. O escravo, de elemento acidental,
passou nestas sociedades a elemento comum. O uso do
escravo, para fornecê-lo como item principal do comércio
com os europeus, não seria possível sem que as lideranças
africanas reajustassem os mecanismos internos de
escravização e por outro lado, desenvolvessem canais
próprios de apoio ao crescimento comercial. Neste contexto,
os Mbundu se colocavam em posição estratégica para
participar do comércio de escravos e se tornar grandes
fornecedores. Além de ter participado do comércio de
mercadorias, humanas, os Mbundu entraram em contato
com o mundo Atlântico significando intercâmbios através de
convivências e familiaridades com este novo universo.

Desde o final do século XVI os portugueses se


estabeleceram na região litorânea angolana e canalizaram
seus esforços para tornar aquela região uma área de seu
completo domínio. Levaram mais que um século de guerras
para conseguirem o seu objetivo.

Antes de se estabelecerem em Luanda, os portugueses


mantinham comércio com o reino do Kongo, a maior fonte
de escravos da região, mas que no início do século entrara
em declínio devido a conflitos internos, acirrados com a
ingerência dos mercadores portugueses na política
congolesa. A desintegração política do Kongo, na primeira
metade do século, culminou ao consumar-se numa guerra
civil, favorecendo a fundação de um novo eixo comercial
sediado em Luanda. Apesar do declínio do Kongo e suas
respectivas mbanzas, centros do fluxo de escravos, algumas
delas como o Soyo e Mbata mantiveram o comércio através
de Luanda, nas antigas mbanzas, só ocasionalmente a
aristocracia congolesa esteve interessada na obtenção de
escravos. Através de cobranças de tributos ou falta de
pagamento das taxas, aprisionava os camponeses, que
eram levados para o comércio de exportação. A aristocracia,
entretanto, não soube manter o comércio do antigo Kongo
(Cadornega, 1940, v. 1, p. 257; Birmingham, 1966, p. 80;
Heintze, 1985, p. 195-7).

Os portugueses transformaram Luanda no porto principal


pelo qual saíam as cargas de escravos para as Américas.
Além de comerciar e ‘expandir sua fé’, os lusos queriam
estabelecer um governo no local, garantidos por sua
superioridade militar. O volume do tráfico de escravos que
saía de Luanda justificava todo este esforço de um século
de guerras. Eram anualmente exportados, através de
Luanda, de cinco a doze mil escravos. A região da África
Central foi, durante os séculos XVII-XVIII, a maior na
exportação de escravos para as Américas, cabendo a
primazia desse comércio à região litorânea de Loango,
Cabinda e Luanda. Calcula-se que, do total da exportação
de escravos pelo Atlântico, de 1600 a 1800, um quarto
coube à África Central. A partir da década de trinta do
século seguinte esta região predominou sozinha neste
tráfico (Lovejoy, 1983, p. 52).

Os estados Mbundu estiveram intimamente relacionados


com este crescimento comercial. Os momentos de ascensão
ou baixa de alguns destes estados implicavam em uma
série de interesses conjugados da parte das lideranças
africanas em manejar estes acordos com os portugueses.
Kasanje, Ndongo e Matamba, organizados em linhagens
matrilineares, eram os principais pequenos estados
profundamente integrados ao tráfico de escravos. Para
manterem o monopólio do fornecimento de escravos aos
europeus, os comerciantes africanos eram os próprios
representantes do estado. Obrigavam as linhagens ao
pagamento de taxas, o que era feito na forma de entrega de
escravos. No caso de recusa a punição era o ataque, sendo
os prisioneiros transformados em escravos.

Por esta época, os povos Mbangalas se expandiram por toda


a região Mbundu. Pela sua prática virulenta de guerras eram
temidos pelos Mbundu, estabelecendo alianças com os
portugueses para o fornecimento de escravos. Seus
costumes não se baseavam no parentesco e repeliam,
‘aparentemente’, o sistema de parentesco e a reprodução
humana, o que contrastava profundamente com os hábitos
Mbundu e Bakongo, centrados na linhagem.
O Ndongo e a escravidão
No início do século XVII, o Ndongo era um estado
independente e poderoso. Tinha uma relação estreita com o
comércio Atlântico de escravos estabelecido entre a elite
Mbundu e os portugueses no litoral. Neste momento, o
Ndongo era o principal fornecedor de escravos para a região
de Luanda.

Na primeira metade do século XVI foram feitos os primeiros


contatos com os portugueses. Numa das primeiras
observações, em 1564, a descrição é bastante interessante,
à medida que nos fornece elementos acerca da organização
interna do Ndongo. São notícias de um incêndio que teve
lugar na capital, Angoleme. Neste ano, o rei se mudou para
a nova residência, a futura capital Kabaça (32). Este tipo de
informação já permitia perceber o Ndongo como um estado
centralizado. Na segunda viagem de Paulo Dias de Novais, o
padre Garcia Simões, ao escrever ao provincial de Luanda,
dizia que o Ngola submetia por volta de dez sobas, e que o
reino estava dividido em espécie de ducados, onde grandes
senhores tinham poder de morte e vida sobre os seus
‘vassalos’ (33). O mesmo padre, em 1575, admirava-se da
submissão da população ao Ngola e, por outro lado, da
rigidez das leis, pelas quais qualquer transgressão era
punida severamente:

“[...] acho que quase toda essa gente é escrava cativa do


rei, por serem alevantadas cada passo, em que concorrem
por suas leis em pena de morte, por adultérios ou roubos, e
em tal caso os vendem se os acham em coisa sua, pelos
não matarem, e sobretudo houve um angola Grande que
dizem sujeitou toda esta gente por armas, donde foram eles
cativos. E os senhores têm vilas e lugares que o mesmo rei
lhes dá com alçada, e sendo-lhe credores e alevantados os
sujeitam, de maneira que os podem matar ou os vender.
Também dizem ser certo que, se provar que homem compra
ou vende pessoa livre, será destituído e punido como ladrão
com pena de morte, e que também que as mesmas peças
se não são cativas, logo reclamam e se não deixam vender”
(34).

Estas primeiras impressões de que os soberanos africanos


podiam fazer o que bem entendessem dos seus súditos
ficaram marcadas fortemente entre os portugueses.
Fortalecendo esta visão, afirma Cadornega que “[...] para o
rei todos eram suas peças e reputados por esses até os do
seu próprio sangue” (Cadornega, Ob. cit. v. 1, p. 29).

As fontes escritas da época sugerem uma escalada de


poder e, pairando acima de todos, a autoridade máxima do
Ngola. Mas sabemos, através dessas mesmas fontes, que
um grupo formava um segmento privilegiado que se
encarregava de guardar a tradição da linhagem e decidir
sobre a escolha do Ngola. Como vimos em capítulo anterior
tanto Cadornega como Cavazzi destacam os poderosos
além do soberano: o Ngolambole, Tendala, Muenelumba,
Muenequizoile com suas respectivas funções. Deste
segmento muito sabiamente se aproveitaram os
portugueses, que quando queriam submeter determinada
região davam especial atenção aos macotas (35) e sobas
(36), pois eles compunham a elite do estado e jogavam as
cartas definitivas do poder. Expressa muito bem esta
importância um trecho do relatório de Fernão de Sousa a
seus filhos. No ataque a Nzinga, o governador aconselhava
o capitão-mor a aprisioná-la e, se não conseguisse, que
submetesse os sobas e os macotas por serem estes os que
elegiam os reis, dado que era necessário garantir a não-
legitimidade de Nzinga como rainha (Heintze, 1985, p. 254-
5).

Neste mesmo sentido, para legitimar o novo rei, o


governador dizia ser necessário transformar os sobas em
aliados do comércio, para que tais sobas abrissem as
‘feiras’, o comércio e passagem. Portanto, esses
conselheiros e os chefes, os soldados, detinham um espaço
importante no processo decisório, a eles cabendo o ato de
legitimar o poder. No caso da escolha dos comandantes
auxiliares de guerra, dependia-se das consultas aos
macotas.

No entanto, dois outros segmentos aparecem citados


sempre como as camadas mais submissas aos sobas. Aos
chefes locais cabia fidelidade ao Ngola, mas da sua
autoridade sobre a população dependia, em última
instância, o poder do soberano. Esta relação de dominação,
que está expressa na descrição das fontes como os
‘vassalos do Ngola’, toma uma dimensão manifesta na
referência constante de certos grupos sociais, como são os
morindas e os quisicos. A população do Ndongo estava
constituída, pelo que transparece, de quisicos e morindas.
Constata-se dos textos que os quisicos seriam os Mbundu
que tinham uma situação social próxima ao que chamamos
de escravos. Enquanto que morindas seriam os não-
escravos, pertencentes às comunidades e considerados,
também, ‘vassalos do Ngola’ (Cadornega, Ob. cit. p. 252;
Cavazzi, v. 2, p. 252).

Os morindas (murindas) que, em oposição aos quisicos,


seriam a população livre, “São vassalos seus livres que
vivem com eles em povoações” (37). Ou ainda: “As
mulheres e filhas e vassalos a que chamam filhos de
morinda que são forros” (Id. ib. nota 134). “Morinda, que
pela língua da terra são vassalos” (Id. ib. nota 135). Para
Cadornega toda a população estava submetida ao Ngola, da
seguinte maneira:

“Todos os seus vassalos se dividiam em dois gêneros, uns a


que chamam filhos de morinda que eram tidos por vassalos,
e os filhos de quissicos por peças que eram os que tinham
nas guerras" (Cadornega, Ob. cit. p. 29).

Em carta ao governador Fernão de Sousa, em 1624, Nzinga


pede a restituição dos seus quisicos e sobas que o
governador, Luiz Mendes, lhe havia tomado (38). Ainda
outro documento afirma a autoridade do Ngola: “quisicos
são povoações cujos moradores são escravos do dito rei [...]
(Cx. 1, n. 18, 1612, Angola, A.H.U.). O documento citado nos
fornece, contudo, o elemento quisico como escravo do rei. É
em torno dessa autoridade que parece iniciar-se o processo
de poder proveniente das linhagens que legitimava a
escravização.

Apesar da sagacidade encontrada em muitos testemunhos


dos séculos XVI e XVII, eles parecem não alcançar a visão
hierárquica do poder nestas sociedades. Associam todo o
poder ao Ngola; os quisicos, entretanto, dependendo da sua
origem, não estariam ao inteiro dispor dos sobas e, estes,
do Ngola. O sistema de descendência, definido a partir da
ideologia linhageira, era o eixo em tomo do qual a relação
de poder se estruturava.

A respeito da escravidão, Cavazzi distingue três espécie de


escravos no Ndongo e Matamba:
“Os primeiros, chamados ‘escravos de quisicos’, são filhos
naturais de outros escravos e, como tais marcados com o
sinal dos seus donos. Se estes não forem arguidos de algum
crime, ficam quase livres e ordinariamente não são
vendidos. Os segundos são os prisioneiros de guerra, que
não só são marcados e vendidos, como também
sacrificados para serem comidos. Os que pertencem à
terceira classe chamam-se ‘escravos do fogo’, e vivem em
perpétuo serviço até a morte do comprador ou enquanto a
família deste sobreviver. Poucos destes escravos são
vendidos, pois prefere-se doá-los, o que afinal é a mesma
coisa. Os patrões estimam-nos muito, por serem julgados
obedientes e fiéis” (Cavazzi, Ob. cit. p. 161).

Observa-se aqui que Cavazzi induz a uma possível


diferenciação entre escravos. Aqueles que nunca são
vendidos, os que podem ser vendidos e os escravos
perpétuos. Estes Mbundu somente se identificariam com
uma posição semelhante à dos escravos no seu aspecto
social, no seu status de inferioridade, porém, sem grandes
obstáculos quanto à acumulação de bens. Como afirma o
próprio Cavazzi, era possível mudar de status, pois muitas
vezes “[...] um escravo pode oferecer um presente a seu
dono e este em troca oferecer um cargo de confiança ao
seu escravo” (Id. ib. p. 61). Ou ainda, como assinala
Cadornega no caso do Kasanje, ao enfatizar que daí vinham
as melhores ‘peças’ e que, os desse reino, “quando não tem
gentio apanhado em suas guerras, para fazerem emprego
‘(no caso o autor está se referindo a sua troca por vinho),
vendem dos de seu serviço já doméstico só para beberem”
(Cadornega, v. 2, p. 78-80).
Ilustra ainda a diferença entre o escravo que resulta da
presa de guerra e aquele que chama de doméstico, este
último podendo ser o nascido em cativeiro, endividado etc.
Os prisioneiros de guerra eram mais utilizados para a
venda, trocas ou sacrifícios nas cerimônias religiosas ou
guerreiras. Eram estranhos à linhagem, menos ‘obedientes
e fiéis’. Também é significativo que, no período do tráfico
Atlântico e mesmo antes, em algumas regiões, o valor do
cativo no mercado aumentava à proporção que se tomava
maior a distância do seu local de origem, o que garantia a
sua falta de vínculo com o grupo de parentesco local.

Para o prisioneiro de guerra estava mais recente em sua


memória o ato de prisão. Todavia, para o escravo
doméstico, o ato inicial como forma de violência não existia,
embora ambos estivessem sob o arbítrio do seu senhor e
dele dependessem completamente. Numa última instância
o seu senhor poderia decidir vendê-lo, trocá-lo ou matá-lo.

Veremos que os morindas seriam a população livre entre os


Mbundu, pois não podiam ser escravizados. Quando o
capitão-mor informa o governador sobre o cerco a Nzinga,
ele parece reafirmar esta situação. Ao informar sobre a fuga
de Nzinga, dá notícia também da captura de cento e
cinquenta ‘peças’, dentre as quais alguns se diziam filhos de
morinda. Diz o capitão-mor: “mandei-os a Maçangano com
ordem a Pero de Carvalho que averiguasse se eram filhos de
morinda, e que se o fossem os mandassem entregar a
Dumbo Apebo, e que disso me mandem certidão e modo
que faça fé” (39).

Deve-se atentar para o fato de que, se à primeira vista o


status de escravos não era um diferenciador a nível
econômico, por outro, a população morinda também estava
envolvida na atividade produtiva, a saber a agricultura. No
período do Ngola Aire, no poder com apoio dos portugueses,
na intenção de provar que se tinha estabelecido na nova
capital Maopungo, ele diz que “tinha mandado descer sua
morinda para arimar por haver muitos anos que o não fazia
[...]” (Id. ib. p. 258).

Os escravos inseriam-se aí, aparentemente, sem ter peso


econômico na comunidade. Eles deveriam trabalhar um
pouco mais do que as pessoas livres e lhes prover um
excedente, como explica Vansina (Vansina, L’Afrique
Equatoriale et l’Angola. Ob. cit. s/d). Mas a eles eram
negados os direitos e privilégios. O que os diferenciava dos
outros membros era a ausência de parentesco, o que
significava poderem ser explorados pelos vários setores da
sociedade.

Mas se nos cuidamos contra qualquer generalização


apressada, ainda assim, isto nos permite aprender que
diferenças entre morindas e quisicos só transparecem
quanto a um determinado status na escala social. A
possibilidade de troca de status ocorria; porém, a marca de
inferioridade do status ocupado antes permanecia. A sua
inserção na sociedade não acontecia da mesma maneira
que a das pessoas que tinham nascidas livres.

Assim, um dos argumentos sempre encontrados nas fontes,


quando os sobas negavam a legitimidade do novo rei Ngola
Aire, era o fato de ser ele filho de escravo “nascido em casa
do Ngola Mbandi e que é peça de sua filha Dona Graça
Quifunge, que por nascer em casa se não pusera marca,
pelo que nenhum soba dos da casa do rei lhes quer
obedecer nem o há de fazer” (40).

A população que vivia no Ndongo também repudiava o novo


Ngola, Aire, que ‘não haveriam de servir a quem é peça
como eles’ (Id. ib. p. 346). É perceptível, também, que o
acesso a certos cargos podia ser limitado para os que
tinham a marca de ascendência escrava. A perda de certas
posições de prestígio poderia ser consequência de uma luta
política e/ou respaldada pela marca de descendência
inferior.

Numa época posterior esta situação foi vista quando, em


Matamba, por ocasião da morte de Nzinga, na luta por
substitui-la, o comandante Ginga Amona ascende ao poder,
mas os seus adversários, apoiados pelos portugueses, o
derrotam, argumentando contra a sua chegada ao topo do
poder ser ele “filho de uma escrava” (Cavazzi, Ob. cit. p.
357-8). Se, por um lado, a mobilidade social do status de
escravo, a chamada assimilação não parecia ser muito
definida, o ato de emancipação nem sempre era muito
claro, e não tornava alguém livre, mas apenas não escravo.
O historiador Miller refere-se ao ‘mito de assimilação na
escravidão africana’, qualificando a situação de dependente
como um início de assimilação. Essa tendência dependia de
lugar e época, pois nem sempre foi o caminho típico da
escravidão linhageira (Miller, 1981, p. 55).

Um sistema definido pelo nascimento, a alteração na


posição dentro do grupo social requeria uma assimilação
gradual, só ocorrendo ao longo de algumas gerações.

Já no século XVIII, Corrêa registra a facilidade de se tornar


escravo e a decadência dos costumes, em consequência da
demanda do tráfico externo: “[...] sendo a venda dos
escravos objeto que produziu mais conveniência, é o
cativeiro a pena dos mais insignificantes delitos [...]”
(Corrêa, 1937, v. 2, p.94). A utilização das leis sociais para
satisfazer a demanda de escravos para o tráfico é
exemplificada pelo autor quando chama a atenção para a
proliferação do uso da lei quituxe, que previa a perda da
liberdade como punição por atos como esbarrar ou pisar no
pé de alguém (Id. ib. p. 19).
Mesmo no século XVII a produção interna da categoria
dependente, escrava ou não, estava relacionada aos
costumes, como por exemplo no caso dos endividados.
Aponta Cavazzi: “Quando alguém não paga uma dívida, é
feito um refém de sua aldeia e, se não pagam a dívida pelo
seu resgate, este refém é vendido como escravo” (Cavazzi,
Ob. cit. p. 157). Isto chama a atenção para uma análise das
variadas formas de servidão. No contexto das comunidades
Mbundu existia uma diferenciação entre aqueles com status
de escravos e o restante dos membros dessa sociedade.
Embora os livres, morinda, estivessem submetidos ao
arbítrio dos senhores, das cobranças das taxas, limites das
leis, costumes, débitos e punições, para o escravo a
situação se apresentava de modo diferente: não tinha que
pagar taxas, não era punido pelos costumes e podia
alcançar altos postos na comunidade.

As crises constantes — logo após os contatos com os


europeus, a substituição das antigas linhagens, as tensões e
conflitos que caracterizaram as relações Ndongo-
portugueses, não nos permitem analisar com mais
profundidade o processo que conduzia à condição de
escravo entre os Mbundu.

O caso de Nzinga foi exemplar: por meio do apoio de um


grupo de escravos tentou apoderar-se do poder e do título
de Ngola. O caminho que possibilitou a ascensão de Nzinga
teve início num ato de seu irmão, ao nomeá-la para
negociar a paz com as autoridades portuguesas, em
Luanda. Na sua trajetória, apoderou-se do título de Ngola,
tentando legitimar o seu poder. Para isto necessitava
primeiro do apoio dos mais velhos da linhagem, os macotas,
e dos chefes locais. O que a princípio não conseguiu, pois o
grupo em torno do poder se dividiu, para resolver o
problema da ausência de vínculo de linhagem, tentaria
tudo: tomou-se poderosa militarmente, recorreu aos ritos
mbagala e, finalmente, converteu-se ao cristianismo. O
grande apoio de Nzinga foi o seu grupo de escravos, que lhe
permitiu recompor sua força várias vezes destruída. Não
existindo uma relação direta entre estes dependentes e a
linhagem, seus cativos não surgiram em função da antiga
escravidão de linhagem, mas formavam grupos específicos
que serviam de apoio político aos Ngola.

Em 1625 o governador Fernão de Sousa, preocupado com a


fuga dos escravos dos portugueses, alerta: “A fuga dos
escravos para o Ndongo ameaça grande perigo, por ser
gente de guerra com que Dona Ana se faz poderosa, e este
reino se enfraquece, e dá ânimo aos sobas que são inimigos
conquistados sem fé e verdade” (Brásio, Ob. cit. p. 362).

Muitas escravas eram ‘preferidas’ do rei e a descendência


delas contribuía para a constituição de grupos autônomos
de escravos, manejados politicamente pelos soberanos.
Eram auxiliares considerados fiéis pelos reis, sem laços com
as linhagens locais (Miller, 1981, p. 58).

A partir dos meados do século XVII, os reinos africanos


escravistas envolvidos com o comércio Atlântico passaram a
se localizar em torno das rotas que levavam a Luanda. Em
tal contexto surgiram as poderosas chefias militares que se
dedicavam de forma impetuosa à busca de escravos, isto
acontecendo por meio dos ataques que faziam aos povos
mais vulneráveis, enquanto que nas áreas mais populosas
as chefias Mbangala impunham o seu poder aos agricultores
locais.

Incorporando este tipo de liderança guerreira, Nzinga se


deslocou com seu exército para Matamba. Os líderes
Mbangala se estabeleceram no Kasanje. Como em geral
acontecia, estes povos constituíam pequenos estados
segmentados e rejeitavam qualquer tipo de poder central. O
problema da legitimidade do poder voltou a ser colocado
para as elites governantes que imigraram da região do
Ndongo. Encontraram uma nobreza local estabelecida na
região e comunidades estruturadas em linhagens.

Nzinga buscou a retomada dos antigos acordos com os


portugueses como garantia de apoio político, enquanto os
Mbangala recorreram ao apoio externo e procuram integrar-
se à nobreza regional.

Em nossa análise, um dos aspectos sempre enfatizado pelos


textos foi a importância dada à autoridade do Ngola. Como
vimos, esse poder estava limitado pela própria estrutura do
estado com base nas comunidades linhageiras. O controle
por parte dos mais velhos cerceava o poder central, e este
mesmo mecanismo explica a legitimação das diferenças
sociais. Os escravos, as mulheres e outros dependentes
estavam subordinados aos mais velhos, membros legítimos
das linhagens. Em qualquer situação, essas categorias de
dependentes explicitavam as diferenças sociais. A
existência da escravidão, mesmo nos seus níveis mais
elementares, pressupõe a estratificação (Goody, 1980, p.
26).

Apesar da distinção entre tipos de escravos (prisioneiros de


guerra ou domésticos), esse status encobria em todos os
casos uma relação de dominação. As diferenças entre
morindas e quisicos existiam mesmo no contexto de uma
sociedade como o Ndongo, onde os direitos dos livres eram
extremamente restritos. A distinção entre escravos e livres
permanecia, embora fosse difícil estabelecer esses limites.
Contudo, a relativa liberdade nestes casos assegurava que
uns tivessem autonomia sobre o seu destino e outros, não.
A marca da violência estava implícita nesta relação
senhor/escravo. Em que pese, porém, sua legitimidade ou
não, foi sempre um status instável (Id. Ib., p. 28-9).
Apesar do uso intensivo do escravo a partir do tráfico
Atlântico, a ideologia linhageira se manteve. Fatores como
períodos de seca, oferta de terras férteis e o vazio
demográfico causado pelos homens adultos exportados,
colaboraram para a continuidade do controle das linhagens,
especialmente na região do Ndongo, de solo pobre e grande
instabilidade pluviométrica. Cadornega faz referência a um
período de seca que durou quatro anos, na região de
Luanda. Uma das consequências desse fato era uma
conjuntura de guerra, fome, pilhagem, situação aproveitada
pelos portugueses para a captura de escravos. Estes fatos
explicariam a migração da população Mbundu para as zonas
menos áridas e sem guerras.

Como foi visto, no século XVII, na região dos Mbundu, o


problema clássico era a legitimidade do poder central frente
às sociedades de estados segmentados. Os mais recentes
estudos sobre estados africanos tendem a demonstrar que o
aumento da centralização na maioria desses sistemas
políticos resultou da expansão e não do crescimento
interno. Poderia ser a difusão pacífica ou violenta o único
meio. Esta nova perspectiva tem colaborado para modificar
a visão da dicotomia entre povos com e sem estado,
permitindo conceber a idéia de uma centralização
gradativa. O núcleo do sistema de estados poderia ser
encontrado entre as linhagens, nos grupos de idade na
associação de cultos etc.

No seio dos estados segmentados, a partir do comércio


externo pelo Atlântico, a escravidão passou a ser um
componente para o crescimento total da sociedade. 
CONCLUSÃO

A escravidão no Ndongo, até a chegada dos portugueses,


ou, pelo menos, antes daquela região se transformar no
principal fornecedor de escravos, mantinha-se como uma
instituição não hegemônica na organização social dos
Mbundu. Os pequenos estados como o Ndongo,
anteriormente à abertura do comércio Atlântico,
participavam da compra e venda de escravos. A escravidão
era uma instituição importante dentro da estrutura de
parentesco e linhagem, não sendo porém, essencial no
processo produtivo. Podemos perceber que era, por isto
mesmo, tênue o limite que separava um livre de um
escravo. O status de escravo não era nitidamente definido,
mas em qualquer situação este status significava a perda
de direitos e privilégios que, com o tempo, poderiam vir a
ser readquiridos.

A meados do século XVII, o uso comercial, de forma


intensiva do escravo e a luta pelo controle do comércio
alteraram profundamente esta situação.

Para finalizar, poderíamos dizer que escravidão é sempre


uma relação social específica, seja o escravo ‘doméstico’ ou
‘produtivo’. O historiador Finley a define como a mais servil
da séries das relações de dependência. De qualquer
maneira, é sempre menos confusa esta conceituação se
conhecermos o contexto.
No caso africano, o termo escravo ou escravidão encobre
uma série de imposição de julgamentos de valores
ocidentais, desconsiderando as peculiaridades africanas.
Entretanto, em qualquer tentativa de traçar um quadro
comparativo do escravo nos dois lados do Atlântico,
justifica-se a perspectiva de uma relação de caráter
universal da exploração escravista.

A pressão do tráfico, por um lado, e as necessidades dos


governantes africanos, por outro, explicariam as mudanças
dos mecanismos de produção e circulação do escravo que
por esta época — como se viu — extrapolavam a
capacidade interna dessas comunidades. A sua utilidade na
percepção dos dirigentes africanos assentava-se na idéia de
que — exceção para Nzinga na constituição de um exército
fiel de cativos — era fundamental para sua sobrevivência
política se manterem integrados ao tráfico.

Em primeiro lugar é impossível pensar que o processo de


abertura do comércio Atlântico gerou, por si só, total
desequilíbrio entre essas comunidades; pelo contrário, a
medida que crescia a demanda por escravos no litoral, mais
se comprometiam os segmentos dominantes africanos com
o comércio de escravos.

Temos ainda a considerar que o escravo desempenhava, na


sociedade pré-colonial Mbundu, papel importante, uma vez
que a própria estrutura linhageira propiciava o surgimento
dos dependentes — aqueles que não tinham laços de
parentesco na comunidade. Esta condição de estrangeiro,
basicamente garantia por parte dos mais velhos o controle
de tais indivíduos, o que significava poder e prestígio.

A documentação leva, contudo, à constatação da existência


dos quisicos e morindas, mas não permite situar a relação
concreta destes grupos com outros segmentos; apenas, de
maneira muito vaga, percebe-se que são todos ‘vassalos do
rei’. Os extremos na escala social são facilmente
identificados, configurando-se os grupos dos macotas e
sobas no topo e os morindas e quissicos no plano inferior.

A população Mbundu não reagiu de maneira uniforme aos


contatos com os portugueses. Enquanto algumas áreas
estiveram sob o controle luso durante quase toda a primeira
metade do século, outras conseguiram fugir ao domínio
português até a segunda metade. Kissama, por exemplo, foi
um caso de área conhecida rebelde à penetração européia
por toda a primeira metade do século XVII. Entretanto, em
alguns casos, a aliança com o governo luso se estabeleceu
desde o início.

O pensamento de que os soberanos aceitavam qualquer


coisa, como quinquilharias, em troca de escravos, é um mito
que deve ser repensado, considerando-se que nem sempre
era bem assim. Dependendo da sua força política, os
governantes africanos exigiam artigos como joias, objetos
esculpidos em ferro, sedas, artesanatos raros, o que para os
comerciantes europeus tinha um custo altíssimo.

Não foi nossa intenção fazer um estudo exaustivo da


trajetória política da Nzinga Mbandi que, acreditamos, está
ainda por ser feito, mais sim exemplificar num determinado
momento da existência do Ndongo, os interesses que
presidiram à instituição da escravidão, e acentuar os
mecanismos utilizados, na época, no tráfico de escravos. 
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ANEXOS

CARTAS DE NZINGA MBANDI


“Senhor. Receby a carta de V. Sa., aqual me entregou o
Capitão Frois Peixoto, embaixador de V. Sa., e por ela vejo
gosar V. Sa. saude, aqual nosso Senhor aumente por largos
anos, com muita paz e quietação, como para mim desejo.
Eu tenho saude para servir a V. Sa. com larga vontade, que
o tempo amostrará. O dito embaixador chegou tão fraco e
maltratado do caminho, por razão das aguas, o qual
mandey logo aposentar e descansar; dahi a três dias, que
foi hu sabado, cinco de dezembro, me deu a embaixada de
V. Sa. em nome de sua Majestade, que Deos guarde, com
tanta autoridade, e propôz com tanto valor, que logo vy me
fala verdade em tudo o que diz, porque estou tão queixosa
dos governadores passados, que sempre me prometerão
entregarem minha Irmãa, pela qual tenho dado enfinitas
peças e feito milhares de banzos e nunca ma entregaram
mas antes movião logo guerras, com que me inquietarão e
fizerão sempre andar feita jaga, usando tiranias, como he
não deixar crear creanças, por serestilo de quilombo, e
outras cerimônias e todas deixarei e dou a V. Sa. minha
palavra, tanto que tiver religiosos, que me deem bom
exemplo a meus grandes, para que os ensinem a viver na
Santa Fé Catholica, assim que espero que V. Sa. me faça
merce mandar o padre Frei Serafim e o padre Frei João do
Carmo, por ser habito, que desejo ver e também me dizem
ser bom pregador, e saber a lingua de Dongo. Com estes
dois religiosos pode V. Sa. fazer-me merce mandar-me
minha Irmãa, que com eles vem bem acompanhada, e
autorizada e quando V. Sa. fôr servido que venha mais
alguma pessoa, seja hum soldado, que faz foquetes para
com eles festejar minha Irmãa, querendo Deos também vir
um soldado para que sirva de são Cristão aos Reverendos
padres; e tanto que tiver noticia que estaminha Irmãa na
Embaça, partirá desta minha corte o Capitão Manuel Frois
Peixoto a buscala, que a ele compete, pois teve o trabalho
de reduzir meus grandes que tão desconfiados estão de
enganos passados, e não pareça a V. Sa. que merce o
capitão Manuel Frois Peixoto pouco louvor, pois chegou a
acabar com eles e comigo, ser esta embaixada verdadeira e
não como as passadas, que tenho dito; e da quem estou
mais quixosa he do Governador Salvador Correia, a qual dey
as peças que V. Sa. já saberá e fiz duzentos banzos, por ver
me mandava pessoa, como foi o Capitão Môr Ruy Pegado
por embaixador em nome de Sua Majestade, que Deos
guarde, que me entregarião minha Irmãa e haveria muita
paz, entendy que não podia alterar a palavra Real e por
estes enganos e outros ando pelos matos, fora de minhas
terras, sem tem quem informe a Sua Majestade, que Deos
guarde, de meu pouco sossego tendo eu tantos desejos de
estar em paz com o dito senhor e seus governadores; mas
todos os os passados virão tratar do seu proveito, e não do
serviço real, de que estão informada, que tanto lhes
encomenda Sua Majestade pois tanto lhe importa este reino
a seus reais direitos e mais importava estando eu
sossegada em paz fazendo feiras mais perto para
pombeiros lhes não custar tanto trabalho trazer as fazendas
tão longe e eu gosa-las mais baratas; alfim, espero em Deos
que só V. Sa. ha-se louvar com Sua Majestade, que Deos
guarde, de me deixar em paz e sossegada, e a Quiçama
conquistada cousa que nenhu governador fez nem mereceu
tal gloria.

Eu me ofereço para ajudar a V. Sa. na Conquista dela,


quando não queria dar obdiencia, mandarei hum dos meus
grandes com mór poder que ser possa, quando V. Sa. levar
gosto. Isto farey em sinal de obdiencia que dou a Sua
Majestade, que Deos guarde, e também dou a minha
palavra que, tanto que chegarem os reverendos padres com
minha Irmãa, tratarey logo de deixar parir e criar as
mulheres seus filhos, cousa que até agora não consenty por
ser estilo de quilombo, que anda em campo, o que não
haverá, havendo paz firme e perpetua, e em poucos annos
se tornarão minhas terras a povoar como dantes, por que
ate agora me não sirvo senão com gente de outras
provincias e nações que tenho conquistado, e me obdecem
como sua senhora natural com muito amor e outros por
temor. Não podia V. Sa. mandar-me embaixador que mais
me alegrasse, que o Capitão Manuel Frois Peixoto, por saber
bem declarar- me tudo pela lingua deste meu Reyno. Todos
meus grandes estão contentes, que dizem que só ele me
traz verdadeira, e fala verdade e tudo o que V. Sa. lhe
ordena por seu Regimento e já me considero com a prenda
que desejo e com muita paz e quietação esses dias que
viver que já sou velha e não quero deixar minhas terras,
senão a minha Irmãa, não a meus escravos, que haverá
muita ruina enão saberão obedecer a Sua Majestade, que
Deos Grande, e como minha Irmãa o saberá fazer pois ha
tantos annos que assiste com os brancos e he tão coa
christã como me dizem. E não se leve V. Sa. de ditos de
moradores que sempre tratarão de me enemistarem com os
governadores passados. E V. Sa. como parente do senhor
governador João Correia de Souza, meu Padrinho que Deos
tem em gloria, me ha-de fazer merce alcançar esta pás, por
carta firmada da mão de Sua Majestade para mais firmeza
minha e de meus grandes para que sosseguem e tratem de
cultivar as terras, como dantes. O Capitão Manuel Frois
Peixoto me pediu da parte de Sua Majestade o jaga Cabuco,
por tão bom estilo, que lho não pude negar, posto que
tenha dito de Cabuco muita queixa por me haver destruído
minhas terras, razão fora, que andasse em meu serviço
alguns annos para me satisfazer parte de tanta perda, como
meu deus: Contudo são tão grandes os desejos que tenho
de ver mina irmãa, que tanto que ela chegar a esta minha
Corte, darei logo licença ao dito Jaga para que se vá com o
Capitão Frois Peixoto quando partir e que logo esteja as
suas ordens. Isto pode V. Sa. ter por certo, como o socorro
que digo darey par a Quissama, se a V. Sa. lhe for
necessário e tudo o mais que me for mandado, amigos,
damigos, enemigos denemigos. No que toca as duzentas
peças que V. Sa. me pede pelo resgate da minha irmãa
Dona Barbara he um preço muito rigoroso, havendo eu dado
as peças que V. Sa. já deve saber aos governadores
passados e embaixadores, fora mimos a secretários e
creados de sua casa, e a muitos moradores, que ainda hoje
sinto enganos. O queme atrevo a dar a V. Sa., serão cento e
trinta peças, ocento mandarey tanto que estiver minha
Irmãa na Embaça e par isso ha-de ficar em refens o
embaixador até que a dita minha Irmãa entre nesta minha
corte, que veja eu a verdade, porque me não suceda o que
me tem sucedido e usarão comigo os governadores
passados, e não estranhe V. Sa. querer-me segurar, he
escusar desgostos, suposto que entende ser esta
embaixada muio verdadeira mas meus grandes estão
duvidosos, por lhes lembrar o passado. V. Sa. perdoe ser
esta carta tão larga, porque emporta assim. O embaixador
me entregou omimo que V. Sa. me enviou, pelo qual lhe
rendo as graças; estimey muito o copo de madre pérola; V.
Sa, senão canse comigo, porque tudo me sobra nesta minha
corte, só de minha Irmãa careço, e com a sua vinda hei-de
servir a V. Sa. muito a seu gosto, como V. Sa. Verá este
portador vay pela posta dar a V. Sa. aviso do que assentey
com o embaixador, e por hir depressa, leva doze peças, não
mais, que são para doces de V. Sa. Matamba minha Corte
treze de Dezembro de mil seiscentos e cincoeta e cinco
annos. R. D. Anna de Sousa.”

(Antônio de Oliveira Cadornega. História Geral das Guerras


Angolanas. Lisboa, Agência Geral das Colônias, 1940, v. 2,
p. 500-503).

“Faço esta a V. Sa. de filha de Pay, mando este meu criado


de minha parte, que já avisei mais largo na carta que levão
os portadores, que saberá V. Sa. que sou sua filha, por hora
não tenho que mandar a V. Sa. como samos parentes
espirituais possa também ter mimo de parte do parentesco,
não lhe por falta de vontade, senão he por não ter com que
na mão possa servir; o nosso Cabuco entregará a V. Sa.
huma peça muito boa, que he sinal de amor; passo a V. Sa.
me mande hum brinco muito bom, e mais não tenho em
ponda, se V. Sa. tiver me mande. Não sou largo. Nosso S.
Gde. a V. Sa. hoje doze de janeiro de mil e seis centos
cincoenta e sete annos. Rainha Dona Anna.”

(Antônio de Oliveira Cadornega. História Geral das Guerras


Angolanas. Lisboa Agência Geral das Colônias, 1940, v.2, p.
507).

OS REIS DO NDONGO

Segundo Harveaux, G. L. 


La Tradition Historique des Bapendi Orientaux. Bruxelas,
1954. 

Ngola Ngobe

Ngola Irene Kiluanji (1557?)

Ngola Ndambi Ireni Ndgenge

Ngola Kiluanji Kia Samba

Ngola Nzinga in Bandi

Nzinga Pande (ou rainha Nzinga) (1624-63)

Segundo Cavazzi, G.

Relação Histórica, p. 294-96.

Ngola Kiluanji (Mussuri)

Ndambe Ngola 

Ngola Kiluanji 

Nzinga Ngola 

Kilombo Kia Kasenda 

Mbandi Ngola Kiluanji 

Ngola Mbandi (1617)


Nzinga Mbandi (rainha Nzinga) (1623)
NOTAS DE RODAPÉ

1. A HISTORIOGRAFIA E O UNIVERSO
NEGRO-AFRICANO
(1) A questão ortográfica de como escrever os nomes
africanos foi e tem sido objeto de imensas discussões.
Dentro dessas polêmicas há um entendimento sobre a
versão fonética mais próxima a pronúncia. Procurei uma
aproximação do que tem sido escrito pelos historiadores
africanistas da região.

(2) A UNESCO publicou uma coletânea onde se discute a


questão do poder em África: “Le concept de povoir dans
l'Afrique Tradictionnelle: Paire culturelle yoruba”. I. A.
Akinogbin; Le pouvoir en Afrique de Pathé Diagne. Cf.
referência completa na Bibliografia Geral.

(3)  Em seu artigo “Algumas formas de hegemonia Africana


nas Relações com os Europeus”, Alfredo Margarido disseca
essa questão, de o lugar do historiador quando conta a
História.

(4) Ver por exemplo a coletana organizada por Claude


Meillassoux l'Esclavage en Afrique Précoloniale. Diz-etudes.
Paris, François Maspero, 1975. Esta obra polemiza o assunto
com algumas propostas do termo cativo e cativeiro em
relação ao período pré-colonial.

(5)  Um bom exemplo é a obra de Jean Suret-Canale. As


Sociedades Tradicionais na África Tropical e o Conceito de
Modo de Produção Asiático. Em C.R.M. O Modo de Produção
Asiático. Lisboa, Searra Nova, 1974, p. 111-146
(Universidade Livre).

(6)  Ainda na década de oitenta as perspectivas feministas


apontam no trabalho de Meillassoux um caráter muito
esquemático, onde se torna difícil situações concretas de
atuação das mulheres, por exemplo, ver Margaret Strobel
em African Women, Signs, 1988, n.8, p. 109-131;
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(7)  Esse tipo de analise, publicado em português, pode ser


visto na síntese feita por Patrick Manning no artigo
Escravidão e Mudança Social, Novos Estudos CEBRAP, n. 21,
julho de 1988.

(8)  Resultado desses debates, Women and in África,


organizado por C. C. Robertson e M.A. Klein. Neste livro se
analisa o impacto da escravidão para as mulheres e o seu
papel no sistema social com o controle da reprodução e
produção. Para isto foi preciso fazer a conexão: escravidão,
classe, estado e mulheres abrindo um campo bem mais
abrangente.

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2.  POVOS E SOCIEDADES DA REGIÃO
DA ÁFRICA CENTRAL OCIDENTAL
(9) Antigas idéias de difusão da agricultura a partir de um
berço no crescente fértil do Oriente Médio, tiveram que ser
modificadas, pois botânicos afirmaram que muitos dos
grãos alimentícios africanos evoluíram a partir de plantas
indígenas” ( J.R. Harlan et al, Origins of African Plant
domestication, 1976). Citado por Birmingham em History in
África. 1994, p. 33.

(10) A domesticação das espécies vegetais selvagens


africanas forneceram a base para o cultivo de grãos como o
sorgo, ingrediente da cerveja, papa de aveia e do pão (T.
Lewicki West African Food in the Midle Ages, 1974; Marvin
Miracle, Maize in Tropical África, 1966). Em Birmingham, Ob.
cit, 1994, p. 33-34.

(11)  Importa acentuar que outras instituições sem


parentesco, comoveremos mais adiante, existiram na
região.

3.  ANGOLA: ASPECTOS DO MUNDO


NATURAL
(12) Sobre a temática dos rios e do mar para os povos
africanos da região angolana ver as seguintes obras: John
Thornton African and Africans in Making of the Atlantic
World -1400-1680, principalmente no capítulo 1; Rosa Cruz
e Silva, “Contatos e relações dos africanos com o mar à
chegada dos portugueses: Congo e Ndongo”, II RIHA.
(13) Conferir os dados em Grande Enciclopédia Portuguesa
Brasileira. Angola I. Geografia, p. 612-18;

4. OS MBUNDU
(14) Mas existe toda uma discussão sobre a unidade do
Kongo que não seria assim tão centralizado como os
cronistas de época descreveram. Por não ser de nosso
interesse imediato não entramos nesses debates. Acho
importante frisar que para a história do Kongo a
documentação é muito mais numerosa do que para a região
dos Mbundu. A bibliografia, portanto, é bem extensa,
principalmente, em inglês e francês.

(15) Mbemba-a-Nzinga, segundo soberano congolês


batizado, recebeu os ensinamentos da língua portuguesa e
da religião católica dos padres que chegaram com Rui de
Souza em 1495.

(16) A respeito desse provável monopólio sobre a ilha ver os


argumentos de Virgílio Coelho que tende a enfatizar a pouca
importância dada pela população de ilhéus aos búzios a não
ser para utilizar como alimentos os moluscos e a falta de
informações, pelas fontes, de como se dava essa
redistribuição dos búzios.

(17) Claro está que tento citar alguns, os mais atuais:


D.Birmingham, Joseph Miller, Virgílio Coelho, Beatrix
Heintze, Adriano Parreira.

(18) A historiadora Rosa Cruz e Silva no seu artigo formula


uma provável diferença entre mercados e feiras na época
do Ndongo (1997, p. 410).
(19)  A respeito da dinastia Ngola no Ndongo a
documentação apresenta-se confusa e escassa em termos
de informação (Ver listas em Anexo).

(20)  Entendemos o termo dote das seguintes maneiras:


“Termo que designa realidades geralmente muito diferentes
das que evoca nas civilizações ocidentais. [...] trata-se de
prestações, em bens ou serviços, fornecidos por um
pretendente, como o apoio dos seus, em reconhecimento do
dom da mulher que é concedida em casamento” (Dicionário
Geral das Ciências Humanas. Lisboa, Ed. 70, 1984, p. 280);
“[...] conjunto de bens materiais e/ou de prestações e
exigidas convencionalmente da comunidade que recebe a
mulher pela comunidade que a cede. O dote distingue-se
dos arras, objetos pessoais que a noiva leva para junto do
marido e que continuam na sua posse, e presentes
atribuídos a título pessoal por certos parentes”. (Claude
Meillassoux Mulheres, Celeiros e Capitais. Porto,
Afrontamento, 1977, p. 105).

(21) Algumas autoras tem avançado nos estudos do sentido


do dote e da poligamia nas sociedades africanas. Segundo
algumas delas, a difusão da poligamia que se viu em maior
expansão no século dezoito no litoral angolano, explica o
acentuado papel da maternidade na vida das africanas até
hoje.

(22)  Tido como fator estratégico, já que cada uma, na sua


hierarquia, residia em lugares diferentes.

(23) Uma discussão sobre esses temas pode ser encontrado


em: J. Farpart e K. Staudt (orgs) Woman and lhe Stalen
AlVica. Londres, Lynnen Riennen, 1989 (Capítulo I); Maria
Rosa Cutrusfelli Woman of Alrica. Rootsol Oppression.
Londres, Zed Book, 1983 (Parte 2); Gwendppyn Mikell
“African Feminism: Toward anew politiesof representation”
Feminist Studies, 21, (summer 1995), p.405-425; M.
Maynes, A. VValtner, B. Soland e U. Strasser (Orgs) Gendcr,
Kinship, Power. New York, Routledge, 1996.

(24) Ver sobre essa questão: Achola O. Pala e Ly Madina La


Mujer Africana en la Sociedad Precolonial. Barcelona,
Serbal/UNESCO, 1982, p. 83.

5.  AFRICANOS E PORTUCUESES NO


COMÉRCIO E NA ESCRAVIDÃO
(25) Ver em Antônio Luís Ferronho em “Quando o sagrado se
manifesta — as brancas imagens”. O Confronto do Olhar. O
Encontro dos Povos na época das Navegações Portuguesas.
Caminho, Lisboa, 1990. Analisa as possíveis formas de
recepção dos africanos no litoral Ocidental da África e na
região do Congo.

(26)  Uma discussão sobre o termo e a situação de capital


pode ser vista no texto do pesquisador angolano Virgílio
Coelho “Em busca de Kábàsá: uma tentativa de explicação
da estrutura político-administrativa do ‘reino de ndongo’”.
Em Atas do Seminário Encontro de Povos e Culturas em
Angola, CNCDP, 1997.

(27)  Carta do padre Francisco Gouveia para o padre Diogo


Mião, 1564. In: Relação de Angola. Biblioteca Nacional de
Lisboa, p. 41-44.

(28)  Segundo Heintze (1995, p. 7), para o século XVII as


exportações de Luanda chegavam a cifra de 10.000 a
12.000 escravos por ano e poucas vezes foram menos do
que 5.000.
(29) Cadornega diz que sabia do fato pelos mercadores que
viviam nesta época em Luanda.

6. NZINGAMBANDI NO PODER
(30) Exército sob o controle dos portugueses constituído de
africanos (Cadornega). A maior parte das tropas
portuguesas na região era de guerra preta.

(31) Para este assunto ver os trabalhos de José Curto que


cobre o período aqui estudado e vai até final do período do
tráfico, cf. referência na bibliografia.

7.  A INTEGRAÇÃO DE NZINGA AO


TRÁFICO ATLÂNTICO DE ESCRAVOS
(32) Carta do Padre Francisco Gouveia para o Padre Diogo
Mião em 1564. Relação de Angola. Biblioteca Nacional de
Lisboa, p. 41-44.

(33) Ver Coleção de Documentos Luciano Cordeiro, B.N.L., p.


56.

(34)  Carta do padre Garcia Simões para o padre Luiz


Perpinhão, 1576, Relação de Angola. B.N.L.

(35) “gente principal de uma terra sob o poder de um soba”.


Homens mais velhos numa linhagem, conselheiros do soba,
entre os mbundu eram os conselheiros do ngola do Ndongo.
Cadornega, tomo 3.
(36) (sova) - régulo, regedor, chefe local. (Domingues Baião
O Kimbundo Sem Mestre); “Título político dos mbundu, que
já se encontra nos documentos mais antigos sobre Angola.
Os portugueses utilizam o termo como significado de chefe
de tribo. É erro pelo menos para os séculos XVI/ XVII, a
definição que aparece, de vez em quanto, na literatura
científica e que afirma que sobas eram apenas os chefes
sob o domínio português (vassalos), ou os que colaboraram
com os portugueses”. Beatriz Heintze, 1985, p. 127.

(37) Documento 20, folha 255, v, s/d, B.A.L., nota 133.


Fontes para história de Angola do Século XVII. Ob.cit. p. 123.

(38)  Relatório de Fernão de Sousa. Antônio Brásio


Monumenta Missionária Africana. Ob. cit. v. 2, p. 256

(39) Relatório de Fernão de Sousa. Fontes para História de


Angola. Ob. cit. p. 252.

(40) A ilegitimidade do novo rei do Ndongo, Angola Aire.


doc. Fontes para História de Angola. Ob. cit. p.209 

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