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Geologia
O CICLO DA ÁGUA
Christine Laure Marie Bourotte

6.1 Introdução
6.2 Propriedades geoquímicas da água
6.3 Hidrosfera
6.4 Ciclo hidrológico
6.5 As águas continentais
6.5.1 Águas superficiais
6.5.2 Água subterrânea
6.6 O ciclo da água e o ciclo das rochas
6.7 A água e Tectônica de Placas
Referências

Licenciatura em Ciências · USP/ Univesp


Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2 119

6.1 Introdução
Diferentes componentes interagem em diferentes escalas nas esferas terrestres, com troca de
energia e massa. Vimos, no tópico Tectônica Global, que a Tectônica de Placas está ligada
à convecção no manto que, por sua vez, é controlada pela energia interna da Terra. Em contraste,
as interações entre a atmosfera, a hidrosfera e a biosfera estão vinculadas a outra fonte de energia – a
energia solar –, que influencia a dinâmica externa terrestre, determinante na evolução da paisagem.
Em movimento, a água, o gelo e o ar modelam as superfícies continentais, e as paisagens
resultantes refletem não apenas a ação destes agentes da dinâmica externa, mas também o tipo, a
composição e a estrutura das formações geológicas locais e regionais. Nesse contexto, vários pro-
cessos combinados atuam no aplainamento do relevo, com rebaixamento das regiões mais altas e
sedimentação nas regiões mais baixas: o intemperismo (Tópico Intemperismo e Pedogênese),
que prepara as rochas duras para o ciclo erosivo, transformando-as em materiais fragmentados e
decompostos, e os processos seguintes, que são a erosão, o transporte e a sedimentação, que geram
depósitos sedimentares pela denudação continental; esses depósitos, posteriormente, serão transfor-
mados em rochas sedimentares (Tópico Sedimentos e Rochas Sedimentares). Assim, graças à
dinâmica externa, os continentes tendem a atingir o nível de base, que é o nível mais baixo em cada
paisagem. Levando-se em conta os continentes em geral, esse nível é o dos oceanos, em cada época,
já que há oscilações do nível do mar ao longo do tempo. Não fosse a dinâmica interna, formando
cadeias de montanhas continuamente, o relevo terrestre seria bem mais monótono do que é hoje.
Todos os processos da superfície acima mencionados são, porém, intimamente associados ao
movimento da água no planeta: o ciclo da água. Esse ciclo pode ser definido como a contínua
transferência de água de um reservatório para outro, com destaque para o fato de que, em cada fase
do movimento, a água realiza um trabalho geológico, com consequências diretas para a biosfera.
A interação entre os diferentes subsistemas ou as diferentes esferas terrestres – a chamada
Terra Fluida (atmosfera, hidrosfera, biosfera) e a Terra Sólida (geosfera representada na superfície
pela litosfera), ao longo da sua evolução, mudou e transformou o planeta do ponto de vista
climático, biológico e geológico. Os ciclos biogeoquímicos, que também se alteraram ao longo
da história, representam outro aspecto dessas interações e são particularmente importantes, pois
são responsáveis pela reciclagem natural dos elementos essenciais à vida, na qual a água tem um
papel preponderante.
Após o acrescimento planetesimal e formação da Terra, há 4,56 bilhões de anos, houve um
período de intensa perda de gases (degasagem) do manto por meio da atividade vulcânica global

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(processo que continua ainda hoje em escala subordinada); durante essa perda de gases, a água foi
liberada em forma de vapor e armazenada na atmosfera primordial do planeta. Quando a tempe-
ratura diminuiu o suficiente, parte importante do vapor d’água condensou e a água líquida, ao se
acumular na superfície, formou os primeiros oceanos. Uma pequena quantidade de vapor d’água
permaneceu na atmosfera, em quantidade suficiente para manter, junto com a presença de outros
gases, inclusive o CO2, o efeito estufa, sem o qual o planeta seria coberto por gelo.
Evidências da presença de oceanos são associadas a rochas sedimentares com idades de 3,8 bilhões
de anos. Essas rochas, por suas características, necessitam da presença de água para sua formação,
indicando que já naquela época ocorriam o intemperismo de rochas primitivas, a erosão, o trans-
porte e a deposição de sedimentos, processos que serão detalhados nos tópicos Intemperismo e
Pedogênese e Sedimentos e Rochas Sedimentares.
A Terra é um planeta único no sistema solar, por possuir água nos seus três estados físicos
(sólido, líquido e gasoso) e oxigênio na sua atmosfera, e também porque seu efeito estufa natural
mantém uma temperatura média global moderada (~15 °C) (Figura 6.1). Dois principais
fatores podem explicar essas condições peculiares, em comparação com os demais planetas do
sistema solar: a sua distância em relação ao Sol, reunindo as condições ideais de temperatura e
pressão atmosférica, e a existência da biosfera.

Figura 6.1: Temperatura média da superfície e presença de água nos planetas internos do Sistema Solar. Pela sua
localização e distância em relação ao Sol, a Terra é o único dos planetas que apresenta água nos seus três estados
físicos (gasoso, líquido e sólido), em função das temperaturas e pressões reinantes na sua superfície e do efeito estufa.

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A circulação da água representa a maior movimentação de uma substância química na super-


fície do nosso planeta. Os processos envolvidos no ciclo da água são relacionados à sua transfor-
mação nos diferentes estados físicos, sólido, líquido e gasoso, o que implica em troca de energia
(liberação ou absorção). Dessa forma, esses processos têm um papel importante na liberação ou
absorção de calor, o que reflete na capacidade da água de armazenar e transportar energia, seja na
atmosfera ou nos oceanos, tendo, portanto, um importante papel na regulação do sistema climático
terrestre. Pelos processos de evaporação-precipitação e pela circulação oceânica, a água transfere,
dos Trópicos até os Polos, uma grande parcela da energia calorífica recebida pela Terra a partir do
Sol, regulando as temperaturas; assim, o movimento da água determina os padrões climáticos da
Terra e sua sazonalidade, bem como a própria evolução biológica.
Além disso, a circulação da água entre os diferentes reservatórios permite o transporte de
partículas e íons, promovendo a parte superficial do ciclo das rochas. Assim, o escoamento das
águas continentais transfere os produtos do intemperismo físico e químico (partículas sólidas e
substâncias dissolvidas) em direção às partes mais baixas dos continentes e aos oceanos, promovendo
a mobilização de nutrientes, que podem entrar no ciclo biológico dos organismos durante esse
trajeto ou seguirem até o oceano, onde farão parte de novas fases, em solução (contribuindo para
a manutenção da salinidade dos oceanos) ou como minerais precipitados, com ou sem a partici-
pação de organismos. Percebe-se, assim, que o ciclo da água é fundamental à manutenção da vida.

6.2 Propriedades geoquímicas da água


A composição da água (duas partes de hidrogênio e uma
de oxigênio) foi descoberta pelo cientista londrino Henry
Cavendish (1731-1810), em 1781. A geometria dipolar da molé-
cula confere propriedades físicas e químicas muito peculiares à
água (Figura 6.2).
Do ponto de vista geológico e ambiental, as propriedades da água
como densidade, pontos de fusão e ebulição, capacidade térmica, calor
Figura 6.2: Estrutura molecular da
de vaporização, tensão superficial, absorção de radiação (importante água, que determina a distribuição
de carga elétrica predominantemente
para o balanço energético da superfície terrestre ou como solvente) positiva de um lado, e predominante-
mente negativa do outro, formando
permitem qualificar a sua importância e caráter peculiar. um dipolo elétrico.

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A densidade máxima da água, por exemplo, é atingida a 4 °C; temperaturas abaixo ou


acima desse valor promovem uma estratificação em corpos d’água, o que pode promover
movimentação dentro dos corpos d’água.
Quando congelada, a água se expande. Caso a água congelada esteja aprisionada em fissuras
nas rochas, ela promoverá a expansão das fissuras, ou seja, contribuirá para o intemperismo
físico (quebra a desagregação das rochas). Pela mesma propriedade, sendo o gelo menos
denso que a água líquida, ele permanece na superfície de corpos d’água (lagos, por exemplo)
quando ocorre seu congelamento parcial, agindo como uma cobertura térmica e reduzindo
a perda de calor. Assim, as formas de vida adaptadas a essa situação podem manter-se na parte
líquida abaixo da cobertura congelada.
A capacidade térmica da água, isto é, a quantidade de calor necessária para aumentar sua
temperatura em um grau Celsius também é muito elevada. Por isso, a água absorve grandes
quantidades de calor durante os períodos de insolação, retendo energia, o que lhe dá um
papel regulador do clima em escala global: a energia armazenada no período de insolação é
lentamente liberada depois, permitindo que os grandes corpos d’água, como oceanos e grandes
lagos, forneçam o calor armazenado para a atmosfera.
As constantes mudanças de estado físico da água durante seu ciclo natural também
exercem inf luência no clima (Tabela 6.1), devido à liberação e absorção de calor, conforme a
transformação física.
Tabela 6.1: Processos de mudança de estado físico da água e suas consequências no balanço de energia do sistema.

Mudança de estado físico Nome do processo Consequência energética


Gasoso para líquido Condensação Liberação de calor
Liquido para sólido Solidificação (cristalização) Liberação de calor
Gasoso para sólido Solidificação Liberação de calor
Líquido para gasoso Evaporação Absorção de calor
Sólido para liquido Fusão Absorção de calor
Sólido para gasoso Sublimação Absorção de calor

Além disso, a água é um excelente solvente, o que permite o transporte de substâncias


nutritivas e residuais nos sistemas biológicos. Nos ambientes geológicos, facilita o intemperismo
químico de rochas e o transporte de substâncias em solução.
Todas essas características são produto das propriedades advindas da estrutura dipolar da molécula
de água (Figura 6.2), que permite interações moleculares do tipo pontes de hidrogênio, 10 a

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50 vezes mais fracas que as ligações covalentes entre H e O dentro das moléculas, mas com força
suficiente para as moléculas manifestarem sua tendência ao agrupamento molecular. A presença
dessa atração entre as moléculas permite uma organização, tanto maior quanto menos energia tiver o
sistema, ou seja, é maior no estado sólido e menor no estado gasoso, conforme mostra a Figura 6.3.

d
c

Figura 6.3: Estrutura da molécula de água e interação intermolecular nos três estados físicos. A. Pontes de
hidrogênio unindo moléculas de água. B. Organização das moléculas nos diferentes estados físicos: sólido, líquido e
gasoso. No gelo, a coordenação da molécula é 4 e, no estado líquido, a coordenação é 4,4.

6.3 Hidrosfera
A hidrosfera é o conjunto de toda a água existente na Terra, distribuída em seus vários
reservatórios. Os principais são os oceanos, as águas continentais (superficiais e subterrâneas),

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a atmosfera e a água presente nos seres vivos (biosfera). Considerando somente a massa e o
volume dos diferentes reservatórios em superfície, o volume total de água no planeta é de apro-
ximadamente 1,4 bilhão de km3, distribuídos conforme indicado na Tabela 6.2. Esta tabela
demonstra que a distribuição da água é bastante desigual pelos diversos reservatórios no planeta.
Há ainda , água na estrutura de vários minerais constituintes nas rochas, solos e sedimentos.
Tabela 6.2: Reservatórios de água na Terra. / Fonte: Caron et al., 2003.

Reservatórios Volume de água


(106 km3) (%)
Oceanos 1.340 97,1
Gelo 24 1,7
Águas subterrâneas 16 1,2
Águas superficiais 0,176 0,01
Atmosfera 0,013 0,001
Seres vivos 0,00112 0,0001
TOTAL hidrosfera (*) 1.380
(*): desconsiderada a quantidade de água presente nos diversos minerais que
a contêm em sua estrutura, e que constituem as rochas, solos e sedimentos.

As águas salgadas contêm, em média, 35‰ de sais em forma de íons. Os mais abundantes são
Na , Mg2+, Ca2+, K+, Cl- e SO42-. Esses íons são trazidos para os oceanos pelas águas continentais,
+

durante a lixiviação dos íons mais solúveis (ver Tópico Intemperismo e Pedogênese) e pela
atividade hidrotermal nas zonas de dorsais mesoceânicas.
Há água também na crosta e no manto, na estrutura de alguns minerais; a quantidade
estimada nesses materiais é de 1% (crosta) e 0,05% (manto) do seu peso. Considerando a
massa e a densidade da crosta e do manto, a massa de água corresponde a 243 × 1018 kg
e 150 × 1018 kg, respectivamente.
Esses valores representam 23% da
hidrosfera, o que não foi conside-
rado nos cálculos aqui indicados,
que consideram apenas os reser-
vatórios superficiais fora da litos-
fera. A Figura 6.4 apresenta a
repartição da água nos diferentes
reservatórios da hidrosfera.

Figura 6.4: Repartição da água nos diferentes


reservatórios da hidrosfera.

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A repartição da água doce no planeta depende muito das condições climáticas que influenciam
regionalmente, ou de modo localizado, o ciclo hidrológico, ou seja, o balanço hídrico (balanço
entre as quantidades de precipitação e evaporação somada com transpiração, sendo que a diferença
representa o escoamento e a infiltração). Isso explica, em parte, a distribuição da água nos diferentes
continentes. Nas regiões tropicais, onde se situam os grandes desertos áridos e quentes da África do
Norte, da Austrália e do Oriente Médio, o balanço hídrico é negativo, devido à elevada evaporação
e escassez de precipitação. Nas regiões temperadas e intertropicais, o balanço é geralmente positivo
e elas são, portanto, regiões favorecidas do ponto de vista da disponibilidade de água. O Brasil, com
suas grandes bacias hidrográficas (Amazonas,Tocantins, Paraná, São Francisco) e seus aquíferos, como
o Guarani (a ser definido mais adiante), possui 40% da água doce do mundo. Sendo a água doce um
recurso fundamental, e até mesmo estratégico, esta é uma situação privilegiada, a ser reconhecida
para a valorização da conservação dos recursos hídricos nacionais.A Figura 6.5 destaca os recursos
globais das águas doces, em termos de quantidade e distribuição na Terra.

Figura 6.5: Recursos Globais de Águas doces (quantidade e


distribuição por continente, em km3).

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6.4 Ciclo hidrológico


A água contida em cada reservatório não é estática. Ela se movimenta continuamente, sendo
transferida entre os diferentes reservatórios. Assim, o ciclo da água representa a circulação contínua
da água através da hidrosfera, atmosfera, biosfera e geosfera. Estima-se que esses fluxos movimentam
aproximadamente 580.000 km3 de água todo ano entre a atmosfera, a biosfera, os oceanos e os
continentes. No sentido figurado, podemos dizer que a Terra funciona como um gigantesco desti-
lador, no qual a água evapora continuamente, deixando seus íons dissolvidos, passa por condensação,
retornando à superfície na forma líquida (chuva), principalmente, mas também sólida (neve/gelo).
A velocidade dessas transferências varia em função das características intrínsecas de cada reservatório,
pois depende do seu tamanho e dos fluxos de entrada ou saída (Tabela 6.3).
Tabela 6.3: Fluxos e tempo de residência da água nos grandes reservatórios terrestres. / Fonte: Caron et al., 2003.

Tempo de residência
Reservatório Quantidade (1017 kg) Fluxo (1017 kg/ano)
médio (anos)
Atmosfera 0,13 0,40 0,3

Rios e lagos 2,25 0,40 5,6


Oceanos 13.480 4,25 3.172
Água intersticial 3.300 0,40 8.250

O ciclo externo da água pode ser observado facilmente. O calor solar fornece energia para a
transformação da água líquida em vapor, em toda a superfície do globo; nos oceanos, ocorre apenas
a evaporação; já nos continentes, ocorre tanto a evaporação das águas livres como a transpiração
dos seres vivos; por isso, o processo, nos continentes, é chamado evapotranspiração. O produto da
evaporação e da evapotranspiração se acumula na atmosfera, visível quando condensa em forma de
nuvens que se movimentam, distribuindo a água na atmosfera.Assim, parte da água que evaporou dos
oceanos passa para o estado líquido, precipitando-se como chuva ou neve sobre os continentes. Esse
mecanismo natural fornece o excesso de água aos continentes, que, de outra parte, mantêm o trabalho
de escoamento superficial e subterrâneo, promovendo intemperismo das rochas, cujos produtos (mate-
riais soltos) são erodidos e transportados em direção aos oceanos, principalmente pelos rios (ver Tópico
Sedimentos e Rochas Sedimentares). Esses processos, associados à movimentação das nuvens, são
responsáveis pela transferência de água entre oceanos e continentes e ocorrem em escala global.
Nos continentes, a água que atinge a superfície pode evaporar novamente, ou ser inter-
ceptada pelos seres vivos, absorvida e evapotranspirada novamente. Parte da água escoa na

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superfície, alimentando os rios e retornando aos oceanos ao longo dos litorais. Uma parte da
água infiltra-se nas rochas e nos solos, recarregando as águas subterrâneas. As condições locais
de clima, relevo, litologia e cobertura vegetal são fatores condicionantes do ciclo da água, que
pode variar de uma região para outra.
Pode ser estabelecido um balanço hidrológico global, conforme apresentado na Figura 6.6.
A quantidade de água evaporada anualmente é de 505.000 km3, o que representa 0,04% da água
total da hidrosfera. Daquele valor, mais de 85% são evaporados diretamente dos oceanos, sendo o
restante evaporado a partir da água superficial dos continentes; também a água de transpiração dos
seres vivos incorpora-se nesse fluxo, que é comumente denominado de evapotranspiração. O fluxo
de água que retorna da atmosfera para a superfície terrestre por meio das precipitações é igual ao
fluxo da evapotranspiração. Entretanto, o balanço é negativo nos oceanos, com 398 mil km3 de
precipitação e 434 mil km3 de evaporação. Nos continentes, esse balanço é positivo: 71 mil km3 de
água evaporam e 107 mil km3 de água precipitam. O excedente nos continentes (36 mil km3)
retorna aos oceanos por meio do escoamento superficial, ou seja, das redes de drenagem. Esse
retorno da água dos continentes para os oceanos é mais lento que o fluxo atmosférico, pois parte
da água dos continentes pode estar estocada em forma de gelo ou em reservatórios profundos.

Figura 6.6: O ciclo hidrológico, com o fluxo de transferência de água, por ano, entre os reservatórios.
Pela evapotranspiração, a água é transferida dos continentes e oceanos para a atmosfera, de onde retorna para a
superfície pela precipitação (chuva, neve). A evaporação mais elevada a partir dos oceanos em relação à precipitação
é compensada pelo escoamento superficial que corresponde ao excedente de precipitação sobre os continentes (em
relação à evaporação), que retorna para os oceanos.

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6.5 As águas continentais


As águas continentais podem ser classificadas em águas superficiais e águas contidas em
reservatórios subterrâneos.

6.5.1 Águas superficiais

Rios e lagos são importantes reservatórios superficiais de água doce tanto para o consumo
humano quanto para a manutenção e sobrevivência dos organismos vivos (plantas e animais).
Os rios são formados pelo escoamento superficial da água nos continentes e drenam grandes áreas de
captação da água da precipitação, formando bacias hidrográficas. O rio Amazonas, por exem-
plo, descarrega para o oceano 3.768 km3 de água por ano, drenando uma área de 7.049.980 km2.
Neste volume drenado, estão incluídas 46,4 t/km3 de íons e substâncias dissolvidas e 79 t/km3
de sólidos em suspensão, que alcançam o oceano Atlântico; esses sólidos em suspensão depositam-se
parcialmente próximo à foz do rio, formando um enorme cone de deposição.
A quantidade de água que escoa na superfície e não se infiltra no subsolo depende de vários
fatores: a duração e intensidade da precipitação, o tipo de material superficial e suas características
de permeabilidade, a quantidade de água presente no solo, a topografia e a cobertura vegetal
(tipo, extensão, densidade). Quando o material na superfície é impermeável, ou quando se torna
saturado de água, é o escoamento superficial que predomina em relação à infiltração. Filetes
de água se juntam em riachos que, por sua vez, formam rios. Em área urbana, é o escoamento
superficial que predomina, devido à impermeabilização da superfície (pavimentação de ruas, alta
densidade de construções etc.), o que muitas vezes provoca enchentes e inundações nas áreas de
planície de inundação dos rios ocupadas pelo ser humano.

6.5.2 Água subterrânea

Embora escondida abaixo da superfície, existe grande quantidade de água subterrânea nas
fissuras, fraturas e poros das rochas, solos e sedimentos, que podem se tornar saturados de água,
formando um volume que se distribui por todo o subsolo. Na verdade, a água subterrânea repre-
senta um dos maiores recursos de água potável do mundo. Alguns países ou regiões dependem
totalmente desse recurso para sobrevivência de sua população (ver Figura 6.4)

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A água do subsolo tem sua origem principalmente na parcela infiltrada das chuvas. A facilidade
com que a água se infiltra, devido à força da gravidade, depende das características dos materiais
locais (tipo, textura, estrutura) que determinam sua porosidade e permeabilidade, e controlam o
armazenamento e o movimento da água no subsolo. A porosidade é a porcentagem de vazios
por unidade de volume presente em uma rocha, solo ou sedimento em função das características e
disposição dos minerais constituintes. A permeabilidade corresponde à capacidade do sedimento
ou da rocha de transmitir os fluidos que ocupam os poros, ou seja, de permitir o fluxo de água.
Para que um sedimento ou uma rocha seja permeável, os poros existentes entre os grãos minerais
precisam estar conectados uns com os outros.
Materiais terrestres (rochas, sedimentos, solos) que armazenam e transmitem água são deno-
minados aquíferos. Areias ou arenitos porosos são geralmente bons aquíferos, por permitirem uma
boa infiltração, armazenamento e circulação de água subterrânea. Rochas fraturadas também
podem ser excelentes aquíferos, desde que as fraturas estejam conectadas entre si, formando
uma rede. Contudo, sedimentos muito finos, ricos em argila e rochas argilosas, como folhelhos
(ver Tópico Sedimentos e Rochas Sedimentares), por exemplo, constituem uma barreira à
circulação da água subterrânea. De fato, argilominerais possuem uma estrutura em folha (filos-
silicatos, ver Tópico Minerais Formadores de Rochas) cujo arranjo muito fino e fechado
torna o conjunto do material pouco permeável, ou mesmo impermeável à passagem da água.
Essas camadas de materiais impermeáveis são chamadas aquicludes.
Assim, se os materiais são permeáveis, as águas de chuva infiltram-se até atingir um certo
nível, a partir do qual se acumulam. Dessa maneira, no subsolo, a água distribui-se em duas zonas
principais: a zona não-saturada e a zona saturada. Na zona saturada, todos os poros da rocha
ou sedimento são preenchidos por água, enquanto na zona não-saturada (também chamada zona
vadosa), situada acima dela, os poros são preenchidos por água e ar. O limite entre as duas zonas
representa o nível d’água, ou a superfície do lençol freático (ver Figura 6.6). No topo da
zona saturada e localizada na zona vadosa, existe uma pequena faixa onde a água pode subir por
capilaridade a partir do lençol freático; essa zona é chamada franja capilar.
O limite superior do lençol freático oscila conforme a estação do ano: na estação chuvosa,
ele sobe, podendo até atingir a superfície da topografia, enquanto na estação seca esse nível
desce. Os poços abertos para retirada da água subterrânea mostram bem essa oscilação, pois seu
nível é reflexo direto do nível da água em cada momento. A água subterrânea tem um papel
importante na recarga dos rios em períodos de seca, já que há comunicação direta entre a água

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subterrânea e a água superficial (Figura 6.7). Por outro lado, nas épocas de seca, são os rios
que podem levar água para o lençol subterrâneo, se houver água suficiente na região de suas
cabeceiras, mantendo a perenidade do curso d’água. Além disso, outros ecossistemas dependem
da descarga da água subterrânea em áreas como lagos e pântanos.

Figura 6.7: Distribuição da água subterrânea: zonas não-saturada e saturada e relação com a topografia, estação do ano
e recarga dos rios.

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Já o limite inferior da água subterrânea pode localizar-se em profundidades de até algumas


centenas de metros, onde a pressão torna os poros pequenos demais para a água se infiltrar.
Quanto mais profunda na crosta, mais a água se enriquece em substâncias minerais, incluindo
metais e outros íons solúveis, o que pode torná-la imprópria para consumo.
Em média, as águas subterrâneas se movimentam em velocidades da ordem de alguns centí-
metros por dia, ou seja, alguns metros por ano ou um quilômetro a cada cem anos. Isto indica
que a água que bebemos, desde que seja proveniente de alguma fonte de água subterrânea,
pode ter-se movimentado no subsolo durante dezenas, centenas ou até milhares de anos até
ser captada para nosso consumo. Esse longo tempo de permanência no subsolo significa que a
renovação da água subterrânea é muito lenta, o que demonstra a fragilidade do equilíbrio entre
a recarga (entrada de água) e a descarga (saída de água), equilíbrio esse que pode ser alterado
pela exploração descontrolada da água subterrânea. Além disso, o longo tempo de permanência
da água no reservatório subterrâneo promove uma maior interação água-rocha. A água reage
quimicamente com os materiais, o que pode afetar sua composição química, tornando a água
mais rica em determinados íons dissolvidos.
Muitas pessoas imaginam que a água subterrânea forma verdadeiros rios e lagos subterrâneos,
pois alguns livros didáticos trazem esse tipo de representação. Esse conceito só é verdadeiro em
regiões onde há ocorrência de rochas calcárias, uma vez que elas são facilmente dissolvidas pela
água, e isso promove o aumento das fraturas das rochas, formando galerias, grutas, cavidades
subterrâneas e dolinas (depressões formadas por abatimentos subterrâneos, eventualmente com
lagos). Essas belas feições, típicas de regiões calcárias, representam o relevo característico cárstico,
que não é, em absoluto, regra geral na superfície da Terra, mas sim uma exceção.

6.6 O ciclo da água e o ciclo das rochas


O ciclo hidrológico tem um papel importante no ciclo das rochas. A água (líquida, princi-
palmente, e também a sólida) é o principal agente de intemperismo (Tópico Intemperismo
e Pedogênese) das rochas da crosta terrestre e de erosão dos produtos de intemperismo
(Tópico Sedimentos e Rochas Sedimentares) e contribui, dessa forma, para a reciclagem
de numerosas substâncias químicas. Pela ação da gravidade e da água que escoa na superfície,
o material oriundo da decomposição das rochas é constantemente transportado e depositado.

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Esses depósitos de sedimentos tornam-se, com o tempo, rochas sedimentares. Essas transfor-
mações ocorridas nas rochas e nos materiais delas provenientes não existiriam sem o movi-
mento da água, ou seja, o ciclo hidrológico (Figura 6.8).

Figura 6.8: Interação entre o ciclo da água e o ciclo das rochas.

Pode-se dizer que o ciclo da água é caracterizado pela interdependência de seus compo-
nentes, por sua estabilidade e seu equilíbrio dinâmico. Se um processo é perturbado, todos os
outros (ciclo do nitrogênio, ciclo do fósforo etc.) são afetados. Em particular, o ciclo hidrológico
pode ser influenciado em graus diversos pela atividade humana. Com efeito, o ser humano

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age diretamente sobre o processo de transformação da água de várias formas: a construção de


reservatórios, o transporte de água para indústria, a captação de águas freáticas para irrigação,
drenagem, correção de cursos d’água, utilização agrícola dos solos, urbanização, etc. são exemplos
da intervenção humana com efeitos evidentes no ciclo da água. Como exemplos, pode-se
mencionar a extração em grande escala de água subterrânea no estado de São Paulo, por meio de
poços e cacimbas, que abaixou o nível médio da água subterrânea e, em alguns casos, promoveu
a perda de sustentação de certas áreas, causando o colapso dos grãos do solo, abaixando o relevo
e destruindo construções (como em 1986, em Caieiras).

6.7 A água e Tectônica de Placas


A água também está presente no interior da crosta e do manto, na estrutura dos minerais
constituintes das rochas, e é de grande importância do ponto de vista da evolução dinâmica
do planeta. A presença de água diminui a temperatura de fusão dos minerais e, consequen-
temente, das rochas, e sua deformação e viscosidade podem ser modificadas também. Assim,
nas zonas de subducção (Tópico Tectônica Global), os materiais da litosfera oceânica
sofrem desidratação pela pressão crescente; esta água, junto com a água expulsa da poro-
sidade dos sedimentos levados pela placa, facilita a fusão parcial, quando forma-se magma
ácido, que sobe por fissuras em direção à superfície; estes volumes podem ser presos dentro
da litosfera, formando câmaras magmáticas, cuja consolidação dará origem aos corpos ígneos
plutônicos; por outro lado, se o magma conseguir irromper à superfície, dará origem a um
evento ígneo vulcânico (Tópico Rochas Ígneas).
A continuidade da subducção também introduz água no manto, contribuindo para a formação
de minerais hidratados.
Além destas interações entra a dinâmica interna e a dinâmica externa da Terra por meio da
água, deve-se lembrar que a água inserida no manto e na litosfera pode ser expelida novamente
ao ambiente externo por meio do vulcanismo, das fumarolas, do hidrotermalismo nas cadeias
dorsais oceânicas e demais eventos similares; nestes casos, a água expelida é chamada de água
juvenil, pois foi renovada ao passar pela dinâmica interna. Esta água aquecida é um potente agente
de intemperismo químico das rochas do assoalho oceânico contribuindo para a modificação da
composição química das águas oceânicas.

Geologia
134 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp · Módulo 2

Existe, portanto, uma interação entre o ciclo interno e o ciclo externo da água: nas zonas
de subducção e nas zonas de alteração na região das dorsais mesoceânicas (Figura 6.9).
Os volumes envolvidos são consideráveis, alcançando cerca de 330 milhões de km 3 de água
nas fraturas, fissuras e poros da cobertura sedimentar; na litosfera e astenosfera, o volume
estimado é de 400 milhões de km3.

Figura 6.9: O ciclo interno da água e a interação hidrosfera-litosfera em zona de subducção e nas
dorsais mesoceânicas.

Referências
Press, F., Siever, R., Grotzinger, J., Jordan,T. H. Para entender a Terra. 4. ed.Tradução R.
Menegat (coord.) [et al ]. Porto Alegre: Bookman, 2006. 656p.
Teixeira, W.; Fairchild, T. R.; Toledo, M. C. M. de; Taioli, F. Decifrando a Terra. 2. ed.
São Paulo: IBEP Editora Nacional-Conrad, 2009.
Tarbuck, E. J.; Lutgens, F. K.; Tasa D. Earth - An introduction to physical geology. 10. ed.
New Jersey: Prentice Hall, 2010. 724p.

6  O Ciclo da Água

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