Andre Passos

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EM AMBIENTE VIRTUAL – 11 a 13 de maio de 2021

ENGENHOS E ESTRUTURA DA POSSE DE


ESCRAVIZADOS EM LAGUNA, SANTA CATARINA (1799-1859)1

André Fernandes dos Passos2

Resumo:

Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa feita em 196 inventários post-
mortem de moradores de Laguna entre os anos de 1799 e 1859. Procurou-se identificar os principais
setores produtivos da agricultura local e o padrão da posse escrava na região. Analisou-se a
concentração e ampliação da posse dos escravizados ao longo dos anos, em especial, de lavradores
de terras próprias e de senhores de engenho locais. Comparou-se a posse escravizada no litoral de
Laguna com outras regiões do Brasil que praticavam a agricultura, especialmente a de alimentos, no
inicio do século XIX. Os resultados apresentados ajudaram a entender um pouco mais sobre as
relações da escravidão no litoral de Santa Catarina com a economia mundial.
Palavras-chaves: Agricultura; Engenhos; Escravidão; Santa Catarina

Introdução:

Em Santa Catarina, a virada do século XVIII para o XIX correspondeu a um período de


aumento da escravidão em todo o seu litoral. Diversos registros de batizados de africanos nas
paróquias das suas principais vilas, a de Desterro e Laguna, assim como nas freguesias do Ribeirão
e da Lagoa, situadas na Ilha de Santa Catarina, foram localidades que tiveram um aumento nos

1
Texto apresentado no 10º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, em ambiente virtual (UNIFESP e
UNESP), de 11 a 13 de maio de 2021. Anais completos do evento disponíveis em
http://www.escravidaoeliberdade.com.br/
2
Mestrando em História Global pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina.
[email protected]

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registros anuais dos africanos covertidos impositivamente ao catolicismo. Tais registros também
funcionavam para legitimar a posse de uns sobre os outros. 3 Em Laguna, entre 1790 e 1819, foram
batizadas pelo vigário da paróquia diversas pessoas de origem africana, que receberam um nome
português, acompanhado do registro do seu proprietário, como de Josefa, de nação Congo: “aos sete
dias do mês de janeiro de mil oitocentos e quatorze [...] batizei e pus os Santos Óleos a inocente
Josefa Nação Conga de idade quinze anos, Escrava do Capitão João Antônio Tavares”,4
O aumento da escravidão no litoral de Santa Catarina acompanhou o ritmo de desembarque
de africanos no Brasil. A proibição do tráfico ao norte da linha do Equador em 1815, que tornou o
comércio com a Costa da Mina ilegal, principal abastecedora de escravos da Bahia e Pernambuco,
contribuiu para o aumento das importações pelos portos do sudeste brasileiro. Com o risco do
comércio ilegal e com a maior proximidade do Rio de Janeiro com os portos de Angola, o
desembarque de africanos no Brasil se reorganizava para uma maior participação dos embarques
feitos na África Central Atlântica e desembarques nos portos do Rio de Janeiro.5
Os africanos desembarcados nos principais portos do Brasil não ficavam todos nestes locais.
Do Rio de Janeiro havia um enorme mercado de redistribuição via navegação de cabotagem. Muitos
dos africanos importados tiveram como destino final as capitanias de Paraná, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Colônia de Sacramento. Considerando os navios que saíam carregadas com
africanos do Rio de Janeiro, 9% deles tiveram como destino final os portos de Santa Catarina.6

3
BASTOS, Ana Carla. Escravidão nos engenhos de farinha da Lagoa da Conceição. In: MAMIGONIAN, Beatriz
Gallotti e VIDAL, Joseane Zimmermann. História diversa: africanos e afrodescendentes na Ilha de Santa Catarina.
Florianópolis: Editora da UFSC, 2013, pp. 69-84; PASSOS, André Fernandes. Rotas internas do comércio de escravos:
Laguna, primeiras décadas do século XIX. Ano de 2015. 94 páginas. (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis; MALAVOTA, Claudia Mortari. Os africanos de uma vila portuária do Sul do
Brasil: criando vínculos parentais e reinventando identidades. Desterro, 1788/1850. Ano de 2007. 204 páginas. (Tese de
Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, pp. 80-94; PASSOS, André
Fernandes. Rotas internas do comércio de escravos: Laguna, primeiras décadas do século XIX. Ano de 2015. 94
páginas. (Trabalho de Conclusão de Curso). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, pp. 48-62.
4
Livro de Registro de Batizados de Escravos da Paróquia de Santo Antônio dos Anjos de Laguna (1790-1819), fl. 90.
5
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro:
séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das letras, 1997, pp. 78-82.
6
Ibidem, p. 38.

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O litoral de Santa Catarina estava na rota do tráfico para os portos do Sul. Desde 1680 a
região era utilizada como rota de contrabando para os portos do rio da Prata. Ela também ficava na
rota dos navios que partiam carregados com africanos para o Rio Grande do Sul.7
Quando esteve na Ilha de Santa Catarina no ano de 1785, o conde de La Perouse, relatou que
as lavouras locais “seriam muito prósperas para o cultivo da cana de açúcar, não podem ser
aproveitadas por falta de escravos”.8 Depois de ancorar na Ilha de Santa Catarina no ano de 1815,
Chamisso percebeu que “o tráfico de escravos ainda florescia aqui. Só o governo de Santa Catarina
necessitava, anualmente, de uma quantidade de cinco a sete navios negreiros, cada um com uma
média de cem negros.”9
No início do século XIX, uma multidão de africanos importados via navegação de
cabotagem desembarcava em Santa Catarina para trabalhar na lavoura e nos engenhos locais.

As roças e os engenhos locais

Em Santa Catarina, um espaço periférico em relação aos principais centros urbanos do


Brasil, precisa-se levar em conta a dimensão da propriedade da terra e dos grupos dominantes locais
em relação ao padrão global. Diferentemente de Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, no litoral de
Santa Catarina havia pessoas de baixo poder econômico, proprietários de posses menores de terras,
de menor prestígio social, ainda que todos se considerassem nobres e súditos de Portugal. Em Santa
Catarina, os proprietários das terras ao invés de migrarem para a Colônia para serem grandes
investidores ou grandes proprietários de terras, foram pessoas de posses bem mais modestas. Se os
senhores de engenhos das regiões açucareiras do Recôncavo Baiano ficaram famosos por conta do

7
SILVA, Augusto da. O governo da ilha de Santa Catarina e sua terra firme: território, administração e sociedade
(1738-1807). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013, pp. 46-47; ALADRÉN, Gabriel. A região platina enquanto
espaço produtivo articulado ao tráfico transatlântico de escravos (c. 1777-1831). In: VI Jornadas Uruguayas de História
Económica. Montevidéu: VI Jornadas Uruguayas de Historia Económica, 2015.
8
Ilha de Santa Catarina: relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX (compilado por Paulo Berger), 2ª
edição. Florianópolis, Editora da UFSC / Assembleia Legislativa, 1984, p. 113.
9
Ibidem., p. 235.

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alto grau de concentração da mão de obra escravizada em suas unidades de produção, o fato é que,
nas palavras de Stuart Schwartz “o Recôncavo não era a Bahia e a Bahia não era o Brasil”. 10
Sem dúvidas, o Recôncavo Baiano representou o limite máximo da concentração da posse
escrava no litoral do Brasil. Mas, mesmo nesta região, apenas 15% das propriedades contavam com
cem ou mais escravizados. Em 1815, nas regiões predominantemente açucareiras da Bahia, mais de
80% dos engenhos de açúcar funcionavam com entre vinte a cinquenta escravizados. No Rio de
Janeiro, diversos engenhos de açúcar, em finais do século XVIII, funcionavam com uma média de
trinta escravizados.11
Os distritos meridionais do Recôncavo Baiano, que não se ocupavam com a grande
produção açucareira e que praticavam mais amplamente a de farinha de mandioca, situados nas
areias mais distantes às regiões portuárias, estiveram caracterizados por unidades menores de
produção, quando comparadas às regiões produtoras de açúcar. As vilas de Jaguaripe e Maragogipe
são exemplos da pouca concentração da posse de escravos nessas regiões, onde cerca de 65% a 75%
dos proprietários tinham menos de cinco escravizados e onde somente uma pequena parcela da
população tinha mais de vinte.12
Apesar das unidades produtoras de açúcar serem bem maiores do que as de farinha de
mandioca, todos os tipos de engenhos podiam ser bastante variados quanto aos seus tamanhos.
Freguesias como Nazaré das Farinhas e Santiago do Iguapé, áreas, respectivamemente, produtoras
de farinha de mandioca e açúcar da Bahia, tinham em média a propriedade composta por entre 5 a
19 escravizados. Em ambas, haviam unidades que funcionavam, inclusive, com menos de cinco
escravizados. A principal diferença entre unidades produtoras de farinha de mandioca e açúcar, era
de que além do capital necessário para aquisição de um maquinário ser menos custoso no caso da
farinha, nestas undiades de produção havia uma ausência de grandes plantações, funcionando com

10
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988, p. 368.
11
Ibidem, pp. 357-368.
12
Ibidem, pp. 357-358.

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mais de cinquenta escravizados. Em Nazaré das Farinhas, por exemplo, nenhuma propriedade
utilizava mais que 34 escravos. 13
Onde a propriedade da terra era menos concentrada e mais distante dos grandes centros
urbanos de exportação, assim também foi a posse dos escravos. Nestes locais, os indivíduos tinham
uma capacidade limitada de produção por conta da sua acessibilidade geográfica, nomeadamente o
tamanho e a qualidade da área cultivada e sua distância em relação aos centros exportadores, fatos
que impactavam na lucratividade e no conquente número de escravizados em cada propriedade.
Como notou S. Schwartz, as vilas mandioqueiras de Jaguaripe e Maragogipe, quando comparadas
às regiões açucareiras de Santo Amaro e São Francisco, tiveram a concentração da posse de
africanos escravizados menos concentrada em grandes plantações.14
Os inventários de Laguna não informam também os tamanhos das roças, mas apenas se são
novas ou velhas, estas últimas geralmente valiam mais, talvez por estar mais próximas da colheita.
Certo que as roças inventariadas devessem levar em consideração variações de tamanho, se
próximas ao plantio ou colheita, localização, entre outros fatores. Os valores da Tabela 1 indicam o
valor daquilo que era produzido por 51 lavradores de terras próprias. Do total, apenas 18% deles
possuíam engenhos. Ou seja, a ampla maioria dos lavradores deveriam negociar suas safras ou tê-
las subordinadas a algum.

Tabela 1 - Qualidade das roças na vila de Laguna (1799-1859)15

Roça Quantidade Valor total em réis (%) do total Valor médio em réis
Algodão 1 6.000 0,3 6.000
Arroz 2 7.200 0,4 3.600
Cana 23 174.120 9,0 7.570
Mandioca 62 1.737.340 89,4 2.802
Milho 3 17.800 0,9 5.933

13
BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, pp. 237-240.
14
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Op. Cit. 357.
15
Arquivo Histórico Municipal de Laguna Casa Candemil. Inventários. (1799-1859).

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As roças de cana valiam em média 15$449 réis e em sua maioria variaram entre 10$000 e
25$000 réis ao longo dos anos. Corresponderam a 9% do valor total inventariando em roças. As
roças de mandioca, mesmo possuíndo um valor médio menor quando comprada com as demais,
somaram 89% do valor total em réis das roças inventariadas, sinal de que não eram somente as mais
encontradas, mas também as maiores.16

Tabela 2 - Relação dos Engenhos e Fábricas de toda a qualidade, que há na Ilha de Santa
Catharina, e nos mais Distritos de sua jurisdição no ano de 1796:17

Vilas e Engenhos Fábricas Engenhocas Engenhos Engenhos Atafona Curtumes


freguesias açúcar de de de de pilar de moer de couros
açúcar aguardente mandioca arroz trigo
Desterro - 12 23 87 - 17 9
Ribeirão 1 11 29 51 2 7 -
Lagoa - 10 28 101 - 32 5
Necessidades - 5 22 111 - 11 2
S. Miguel 1 5 15 190 2 44 6
S. José - 6 11 164 - 82 5
N. S. de Brito - 11 25 65 - 39 4
Laguna - - 13 62 - 8 1
Vila Nova 1 - 7 39 - 39 -
S. Francisco - - 19 14 - - -
Total 3 60 192 884 4 279 32

No ano de 1796, o então governador da capitania de Santa Catarina, o tenente coronel João
Alberto de Miranda Ribeiro litou todos os engenhos que havia em sua jurisdição. Dos 1.454
maquinários, 884 (61%) correspondiam a engenhos de farinha de mandioca. Destaque também para
as 279 atafonas de moer trigo, que correspondiam a 19% do total dos maquinários, que também
poderiam ser utilizadas para moer o milho e que devessem ser utilizadas, principalmente, para ralar

16
Casa Candemil. Inventário de Antônio José Dias (1810), n. 204-A. Inventário de Manoel Garcia de Medeiros (1854),
n. 264.
17
Relatório assinado pelo governador da capitania de Santa Catarina, tenente-coronel João Alberto de Miranda Ribeiro.
Arquivo Histórico Ultramarino. OFÍCIO. Freguesia das Necessidades. 17 de novembro de 1797. AHU-Santa Catarina,
cx. 8, doc. 7. AHU_ACL_CU_021, Cx. 6, D. 387.

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a mandioca. As fábricas de aguardente correspondiam a 13% do total dos equipamentos e 4% eram


compostos por unidades de produção açucareira.18

Estrutura de posse dos escravizados em Laguna

Quando esteve na Ilha de Santa Catarina no ano de 1803, Langsdorf notou que eram os
negros escravizados quem executavam as tarefas mais pesadas da lavoura local.19 Kotzebue, que
aportou na Ilha de Santa Catarina no ano de 1815, também pode comprovar que eram os negros
empregados nos serviços da colheita do arroz, nos terrenos alagadiços próximos aos manguezais.20
Duperrey, em 1822, disse que na Ilha de Santa Catarina “negros escravos são destinados ao labor
nas terras, [colhiam], principalmente, milho mandioca e arroz”.21 E Lesson, na Ilha de Santa
Catarina, também em 1822:
São os escravos que trabalham a terra ou, melhor ainda, capinam a superfície. Para desbravar um terreno eles
cortam as árvores à altura do homem e tocam fogo: são nos espaços vazios que eles semeiam em seguida o
milho, plantam o algodão ou a mandioca.22

Nas fazendas de cana da Bahia, os negros eram quem executavam as tarefas mais pesadas,
que eram aquelas em que difícil encontrar quem a realizasse a custos reduzidos. Preparavam o
campo, faziam as covas para o plantio e participavam da colheita, que realizando os trabalhos mais
penosos da agricultura.23
No início do século XIX, diversas regiões produtoras do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São
Paulo e Rio Grande do Sul desenvolveram uma economia mercantil de alimentos cada vez mais
baseada na mão de obra escravizada, na medida em que direcionavam seus excedentes de produção
para o mercado do Rio de Janeiro. 24 Neste mesmo período, na Bahia também se desenvolveu uma

18
Tabela 1.
19
Ilha de Santa Catarina. Op. Cit., p. 166.
20
Ibidem, p. 228.
21
Ibidem, p. 260.
22
Ibidem, p. 273.
23
SCHWARTZ, S. Segredos internos. Op. Cit., p. 128.
24
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de Grossa: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro
(1790-1830). 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
pp. 119-147.

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economia mercantil de alimentos fundamentada na mão de obra escrava voltada ao seu mercado
urbano.25
Acompanhando o ritmo do mercado atlântico de escravos para o sudeste brasileiro, os
proprietários de Laguna aumentaram suas posses em escravos na medida em ampliavam suas
plantações.

Figura 2 - Inventários com e sem escravos na vila de Laguna (1799-1859):26

A evolução da posse da população escravizada ao longo dos anos evidencia que houve uma
ampliação da escravidão no interior das unidades locais na medida em que a região de integrou com
maior intensidade nas cadeias do comércio. Se na década de 1810-1819 as unidades que mantinham
pessoas em escravidão eram apenas 55%, na década seguinte foram 70% e entre 1830 a 1859 a
porcentagem anual de inventários contendo escravos não baixou de 80%, chegando na década de
1830-1839 a 94% e na de 1850-1859 a 91% das propriedades inventariadas.

25
BARICKMAN, B. Um contraponto baiano. Op. Cit., pp. 213-266.
26
Arquivo Histórico Municipal de Laguna Casa Candemil. Inventários. (1799-1859).

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Tabela 3 - Concentração da posse escrava por ano:27

Período 1799-1809 1810-1830 1831-1850 Total Esc. por


Tipo A B A B A B A B prop.
0 18 0 30 0 12 0 21 0 0/1
1a4 64 43 37 26 47 20 43 23 2/1
5a9 9 16 22 42 21 26 21 32 7/1
10 a 14 - - 10 32 11 26 10 27 11/1
15 a 20 9 40 - - 6 19 4 13 16/1
20+ - - - - 2 9 1 5 23/1
Total 100 99 99 100 99 100 100 100 4/1
A: % de proprietários.
B: % de escravizados.

A análise sobre a composição do tipo da propriedade escravizada ao longo dos anos


demonstra que houve um aumento nas propriedades que continham mais de dez escravos. Se na
década de 1799-1809 estas unidades eram compostas por 9% dos proprietários e que concentravam
40% dos escravizados da vila, nas décadas de 1830-1859 essas unidades eram compostas por 19%
dos proprietários e que concentravam 54% da propriedade escravizada. Neste último período,
houve, inclusive, o aparecimento de proprietários de mais de 20 escravos. Ou seja, quando o
aumento da integração local a economia de mercado no incício do século XIX, houve uma
concentração dos escravizados nas maiores unidades. A ampliação dos proproprietários de mais de
dez escravos ao longo dos anos também indica que a posse dos escravos viabilizava a ascensão
socioconomica de uma minoria.
Na camada mais baixa dos proprietários, teve-se que 18% dos inventários não possuía
escravo algum, o que entre os anos de 1830-1859 correspondeu a 12%. Nota-se que os proprietários
de até nove escravos, os quais compunham 73% dos inventariados e que possuíam 59% dos
escravizados antes de 1809, entre as décadas de 1830 e 1850, eram 68% e possuíam 46% dos
escravizados.
Isto significa que se a escravidão se ampliou no litoral de Santa Catarina nas primeiras
décadas do século XIX, isto não ocorreu de forma uniforme. Houve uma maior concentração da

27
Arquivo Histórico Municipal de Laguna Casa Candemil. Inventários. (1799-1859).

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posse nas maiores unidades, mesmo que se considere que a propriedade escrava se tornou mais
acessível aos moradores, pois esteve presente em mais inventários com o passar dos anos. No
entanto, mesmo em maioria, os proprietários da vila de Laguna concentravam cerca de 20% dos
escravizados na região.

Figura 3 - Perfil dos proprietários e concentração dos escravizados em Laguna (1799-


1859):28

No litoral de Laguna 55% das unidades escravistas possuíam até quatro escravizados.
Somadas aos 26% das unidades que detinham até nove, chega-se ao total de 81% de unidades
escravistas compostas por pequenos proprietários.
Os proprietários de mais de nove escravos eram 18% do total. No entanto, apesar de estarem
em menor número, concentravam mais escravos, eram possuidores de 45% do total. Apenas 1%
eram donos de mais de vinte escravizados. A concentração da mão de obra escravizada nos médios
e grandes planteis (dez escravos ou mais) revela que para além de uma economia fundamentada na

28
Arquivo Histórico Municipal de Laguna Casa Candemil. Inventários. (1799-1859).

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mão de obra livre e pobre, que complementava a mão de obra familiar com o uso da escravidão,
havia setores da sociedade local que se distinguiam dos demais pela posse de mais de nove
escravizados.
No Vale do Paraíba, as localidades de Cunha e Jacareí, que produziam alimentos para o
mercado, as suas unidades produtoras que contavam com mais de dez escravizados eram
responsáveis pelo maior o maior volume e diversificação da produção.29
Em geral, na vila de Laguna, a média de todos os escravizados encontrados por proprietário
foi quatro para cada, número semelhante ao encontrado por B. Barickman para a posse de escravos
nas freguesias produtoras de mandioca do Recôncavo.

Tabela 6 - Distribuição da posse escrava entre lavradores (1799-1859):

Tamanho do plantel % proprietários % escravizados Média de escravizados por proprietário


1a4 47 17 2
5a9 29 33 6
10 a 19 23 50 12
Total 99 100 5
* 10% dos lavradores não tinham escravizados.
Fonte: Casa Candemil. Inventários.

Tabela 7 - Distribuição da posse escrava entre senhores de engenho (1799-1859):

Tamanho do plantel % proprietários % escravizados Média de escravizados por proprietário


1a4 48 16 2
5a9 24 25 7
10 a 19 25 49 13
20 ou + 2 9 23
Total 99 99 7
*13% dos proprietários de engenho não tinham nenhum escravizado.
Fonte: Casa Candemil. Inventários.

29
LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Escravidão Africana na Produção de Alimentos. São Paulo no Século
19. In: Estudos Econômicos. São Paulo, v. 40, N. 2, pp. 295-317.

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No Recôncavo Baiano, os lavradores de cana possuíam cerca de dez escravizados, o mais


comum era terem entre cinco a vinte, grupo que concentrava a maior parte dos escravizados desta
categoria de trabalhadores. A disparidade de lavradores do Recôncavo entre aqueles que possuíam
um ou dois escravizados daqueles que contavam com quarenta revela a ampla diversidade social e
de poder econômico deste grupo na colônia e sugere que os lavradores não compunham um grupo
homogêneo. Em 1835, dos lavradores de cana encontrados em Iguapé, freguesia açucareira da
Bahia, mais da metade tinha entre 5 a 19 escravizados. Até mesmo a lavoura de cana, no geral, pode
ser considerada como uma atividade composta majoritariamente por médias unidades escravistas,
ainda que alguns possuíam mais ou mesmo nenhum escravizado.30
Na vila de Laguna, a propriedade escravizada dos lavradores de terras próprias releva que
esta categoria também não era homogênea. Dentre eles 47% possuíam até cinco escravos e 76% até
nove. Juntos, estes lavradores de poucas posses detinham 50% dos escravizados da categoria.
O mais surpreendente é que uma parcela considerável dos lavradores eram proprietários de
mais de dez escravos, os quais representavam cerca de 23% dos lavradores e que possuíam 50% da
mão de obra escravizada por esta categoria. Isto revela, que para uma parcela da população, o
cultivo da mandioca e da cana de açúcar parece ter sido mais atraente do que possuir o próprio
engenho.
Entre 1799 e 1859, foi possível encontrar na vila de Laguna, entre os 196 inventários
analisados, um total de 91 proprietários de engenhos (46% do total dos inventariados). Nesta
categoria, a posse média de escravizados era um pouco mais alta se comparada com o padrão geral.
Havia, entre eles, sete escravizados para cada proprietário, ainda que doze proprietários de engenho
não tivessem escravo algum.
No geral, os escravizados estiveram presentes em 86% dos proprietários de engenhos locais
e em 89% da posse dos lavradores de terras próprias.

Considerações finais:

30
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Op. Cit., p. 243, p. 366.

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No início do século XIX, a escravidão no litoral de Santa Catarina acompanhou o aumento


no dinamismo da economia mundial. Este fato correspondeu a uma ampliação das roças e dos
engenhos locais, especialmente de farinha de mandioca, de cana e aguardente.
A ampliação da escravidão no litoral de Santa Catarina resultou no aumento da concentração
da propriedade escravizada em médias e grandes unidades escravistas produtoras de farinha de
mandioca, ou seja, naquelas acima de 10 africanos escravizados, que correspondiam a 19% do total
das propriedades escravistas da região e que concentraram 45% dos escravizados da vila. Mas
ampliação da escravidão no litoral também significou a pulverização da posse escravizada nas
faixas mais baixas de riqueza. Se entre 1799-1809 18% da população inventariada não possuía
escravo algum, na década de 1850-1859 os africanos e seus descendentes foram encontrados em
91% dos inventários.
Os senhores de engenho da região eram os proprietários das maiores unidades escravistas.
Mas 48% dos proprietários de engenho tinham entre um a quatro africanos escravizados e 72%
eram proprietários de até nove escravizados. Na verdade, somente 2% dos proprietários de engenho
foram caracterizados como grandes proprietários no litoral de Laguna, compostas por aqueles que
possuíam mais de vinte escravizados.
A analise da escravidão na vila de Laguna no início do século XIX revela que na medida em
que a região se integrou com maior intensidade na economia mundial, igualmente foi o aumento dos
escravizados no interior das unidades de produção. A escravidão viabilizava não somente o
aumento da produção, mas também demarcava as posciões socioconômicas, ao colocar uns sobre a
posse de outros e entre aqueles que se distanciavam entre si.

Fontes:

Manuscritas:

Arquivo Municipal de Laguna Casa Candemil. Inventários. (1799-1859)

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Livro de Registro de Batizados de Escravos da Paróquia de Santo Antônio dos Anjos de Laguna
(1790-1819).
Arquivo Histório Ultramarino. OFÍCIO. Freguesia das Necessidades. 17 de novembro de 1797.
AHU-Santa Catarina, cx. 8, doc. 7. AHU_ACL_CU_021, Cx. 6, D. 387.

Impressas:

Ilha de Santa Catarina: relatos de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX (compilado por
Paulo Berger), 2ª edição. Florianópolis, Editora da UFSC / Assembleia Legislativa, 1984.

Bibliografia:

ALADRÉN, Gabriel. A região platina enquanto espaço produtivo articulado ao tráfico


transatlântico de escravos (c. 1777-1831). In: VI Jornadas Uruguayas de História Económica.
Montevidéu: VI Jornadas Uruguayas de Historia Económica, 2015.
BARICKMAN, Bert. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o
Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das letras, 1997.
FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de Grossa: acumulação e hierarquia na praça mercantil do
Rio de Janeiro (1790-1830). 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
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MALAVOTA, Claudia Mortari. Os africanos de uma vila portuária do Sul do Brasil: criando
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(Tese de Doutorado). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
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Santa Catarina, Florianópolis.
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

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EM AMBIENTE VIRTUAL – 11 a 13 de maio de 2021

SILVA, Augusto da. O governo da ilha de Santa Catarina e sua terra firme: território,
administração e sociedade (1738-1807). 1ª edição. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2013.
ZIMMERMANN, Fernanda. De armação baleeira a engenhos de farinha: fortuna e escravidão em
São Miguel da Terra Firme - SC: 1800-1860. Ano de 2011. 142 páginas. (Dissertação de Mestrado).
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

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