TEXTO 02 ALVES - Concepção de Trabalho-Manuscrito I

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UNIDADE I
GÊNESE HISTÓRICA E CONCEITUAL DO
TRABALHO, DA EDUCAÇÃO E DA ESCOLA

ITEM 01:
CONCEPÇÃO DE TRABALHO

Prof. Dr. Dalton Alves


Pedagogia/UNIRIO/LIPEAD
Departamento de Fundamentos da Educação
Disciplina: Educação e Trabalho

 Conceito e gênese histórica do Trabalho e do seu papel como atividade central


de produção da existência humana no processo de humanização.

Primeiramente faça o seguinte exercício, de preferência antes de ler este texto, se


conseguir: Pare, pense e responda para si mesmo, sinceramente (se puder, vá anotando
num papel ou num lugar qualquer): O que é trabalho ou processo de trabalho para você?
Ao pensar nisto, quais são as primeiras ideias, imagens, experiências de trabalho que
veem à sua mente? Quando você vê uma pessoa trabalhando, o que você pensa? Tem
algum trabalho que você acha ser do tipo ideal, o melhor de todos? Por quê? Quais os
sentimentos que você associa ao trabalho, ao se ver trabalhando e ao ver alguém
trabalhando? São sentimentos positivos ou mais negativos? Pense nesta frase: “O trabalho
dignifica o homem (o ser humano) ”. Você concorda com esta frase? Por quê? O que mais
lhe ocorre quando você pensa em TRABALHO?

Bem, agora, depois de fazer este exercício, vamos tentar explicar o que a
literatura, ou seja, o que algumas teorias nos dizem sobre o que podemos entender por
trabalho ou processo de trabalho. A ideia é que durante este estudo você possa comparar
a sua noção inicial de trabalho, manifesta em suas respostas às perguntas do parágrafo
anterior, problematizando-as com base em outros pontos de vista que iremos conhecer
através da literatura sobre este assunto que estudaremos nesta Disciplina.
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E podemos começar demarcando certa distinção que há no uso dos termos


“trabalho” e “processo de trabalho”. O termo “trabalho”, isoladamente, não oferece uma
compreensão adequada para aquilo que deve ser entendido por este conceito.
Isoladamente, o termo “trabalho” é uma abstração. Já o termo “processo de trabalho”, por
sua vez, oferece uma noção mais objetiva daquilo que se quer significar com o uso do
termo “trabalho”, pois, em última instância, trata-se sempre do processo de trabalho,
trata-se, do método de organização e de realização da produção, do processo produtivo,
ou seja, diz respeito ao modo pelo qual a espécie humana cria, constrói e faz coisas úteis
para o seu consumo, para a sua sobrevivência e que não resulta de uma geração
espontânea da natureza. Consiste em algo que para existir precisou do trabalho humano
para ser criado.

Por exemplo, o processo de trabalho dos primeiros grupos humanos na face da


terra, na Pré-História, tinham como método a coleta, caça e pesca, não dominavam ainda
a habilidade de produzir o seu próprio alimento e não domesticavam os animais, não
fabricavam o próprio abrigo etc. Eram totalmente dependentes do que o ambiente que os
cercava, a natureza, lhes provinha. Por isto, migravam de uma região para outra sempre
quando as condições de sobrevivência em dado território ficavam escassas ou
comprometidas. Eram nômades.

Por outro lado, quando desenvolveram a capacidade de cultivar e de domesticar


os animais puderam se fixar em determinado território, tornaram-se sedentários e, ao
contrário do período do nomadismo, os seres humanos passaram a “forçar” a natureza a
produzir segundo as suas necessidades, quantidades e de acordo com o tempo humano.
Assim, passaram a depender cada vez menos da “vontade” da natureza. Eles passaram a
interferir e alterar o curso natural das coisas, instituindo o “tempo humano”. E conforme
avançavam no conhecimento do ciclo da natureza, do metabolismo dos animais e de si
mesmos, na criação de instrumentos de trabalho e de novas técnicas para a realização das
ações as quais precisavam para atender às suas necessidades de subsistência, aumentava,
também, a sua capacidade produtiva, extraindo da natureza toda matéria-prima disponível
e depois transformando-a, modificando-a, adaptando-a ao seu modo de vida e às suas
necessidades: humanas.

O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. Assim é,


com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais
que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do
que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E
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em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou
o próprio homem (ENGELS, 1999, p. 04)).

É neste sentido que Saviani (1994, 1995, 2007) irá dizer que ao contrário dos
animais, que se adaptam à natureza, os seres humanos adaptam a natureza a si. E isto só
foi possível à espécie humana devido ao processo de trabalho.

Ora, afinal, o que é então trabalho? Trabalho/processo de trabalho é, nesta


acepção, uma atividade de transformação da natureza em benefício da existência
humana, de produção de coisas úteis para o consumo e uso humanos.

Conforme afirma Saviani,

A medida em que determinado ser natural se destaca da natureza e é


obrigado, para existir, a produzir sua própria vida é que ele se constitui
propriamente enquanto homem. Em outros termos, diferentemente dos
animais, que se adaptam à natureza, os homens têm que fazer o
contrário: eles adaptam a natureza a si. O ato de agir sobre a natureza,
adaptando-a às necessidades humanas, é o que conhecemos pelo
nome de trabalho. Por isto podemos dizer que o trabalho define a
essência humana. Portanto, o homem, para continuar existindo, precisa
estar continuamente produzindo sua própria existência através do
trabalho. Isto faz com que a vida do homem seja determinada pelo modo
como ele produz sua existência. (SAVIANI, 1994, p. 02, grifos nossos).

E esta “atividade” é uma ação criativa, própria dos seres humanos, de fazer existir
o que não existia, de criar o novo. Essa ação de trans-forma-ação nada mais é do que esta
capacidade humana de, pela sua “ação” direta, poder “transcender”, “ir além” da “forma”
natural dada e atribuir-lhe outro formato, mais adequado aos interesses e necessidades
humanas. Pense, por exemplo, na árvore, que na natureza em estado bruto, in natura, é
derrubada pelo homem e dela ele faz uma mesa, uma canoa, madeiramento para
construção de abrigos etc. A matéria continua sendo a árvore, mas, na forma, ela foi trans-
formada em outra coisa, distinta e imprevista pela natureza, porém, mais adequada aos
seres humanos. Imprevista pela natureza, pois não se pode contar com a geração
espontânea destes produtos pela natureza. Trata-se de algo que para existir precisou da
intervenção humana, do trabalho humano e que sem isto ele não existiria.

Faça um exercício e olhe a sua volta, neste momento, e de tudo que você pode
observar o que aí é totalmente natural, espontâneo, gerado pela natureza, sem intervenção
humana alguma? A água é encanada, a luz é artificial, até o ar é condicionado, se possuir
aparelho de ar-condicionado ou ventilador etc. Por isto tudo se percebe o quanto os seres
humanos rompem com o padrão natural das coisas (NETTO e BRAZ, 2010, p. 30),
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impondo o seu padrão: humano. É bom que se diga que “artificial” significa, em linhas
gerais, o que se faz por arte ou indústria; produzido pelo homem; que não é natural.
Neste caso podemos afirmar que o mundo artificial é o mundo propriamente humano,
criado por ele e é o que o diferencia dos demais seres da natureza, porém, vale lembrar
que nunca o ser humano irá se desligar totalmente da natureza, pois sempre ele será parte
dela também. Os seres humanos são sim diferentes, mas não completamente
independentes da natureza.

Então, todo tipo de trabalho é uma ação de “trans-forma-ação” (ação de modificar


a forma natural de algo), ação de criação. Daí que podemos afirmar que o trabalho é o
processo pelo qual o homem ser-biológico/natural se transforma em homem ser-
social/cultural. O processo de trabalho, assim, é o meio pelo qual o animal humano se
torna propriamente ser-humano. Ele transcende o seu padrão natural herdado da natureza
e o transforma em algo “imprevisto”: o ser-social. Donde irá surgir a Sociedade.

Quando o homem se separa definitivamente do macaco esse


desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau
diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as diferentes
épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de caráter local
ou temporário, mas avançando em seu conjunto a grandes passos,
consideravelmente. Impulsionado e, por sua vez, orientado em um
determinado sentido por um novo elemento que surge com o
aparecimento do homem acabado: a sociedade (ENGELS, 1999, p.
13).

E mais ainda:

O homem sempre enfrentou problemas em sua luta pela sobrevivência,


para solucioná-los ele foi criando e inventando soluções a partir dos
recursos da própria natureza [...] Para se defender do frio e o ataque de
outros animais, o homem teve que aprender a produzir e a controlar o
fogo, todo o planeta era muito frio, todos os diferentes grupos
espalhados pela terra do planeta precisavam de fogo. É provável que
cada grupo tenha descoberto diferentes técnicas de produzir fogo com
os recursos e conhecimentos de que dispunham. Tudo o que o homem
inventava, criava e aprendia ia sendo aplicado na solução de outros
problemas, na criação de novas soluções. O domínio do fogo, por
exemplo, surgiu da necessidade que o homem tinha de se proteger do
frio, mais tarde o fogo passou a ser utilizado para coser alimentos,
transformar metais, fabricar peças mais resistentes. Aos poucos o
homem foi transformando o ambiente, criando novos elementos que
antes não existiam na natureza. Sempre que o homem assimilava novas
técnicas e soluções ele e seu grupo se transformavam. O homem pré-
histórico, por exemplo, era caçador nômade e não possuía abrigo fixo,
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abrigava grutas e cavernas, e dependiam de atividades de caça, pesca e


coleta. (TELECURSO SEGUNDO GRAU, s/d [a]).1

O homem sempre extraiu da natureza tudo aquilo que precisava para


sobreviver. Seu alimento, seu abrigo, suas vestimentas. Mas as
maneiras de extrair os elementos da natureza mudaram muito ao longo
do tempo [...] Eles se alimentavam somente de animais e plantas que
ocorriam na natureza. Com o tempo o homem foi desenvolvendo
instrumentos que facilitavam o seu trabalho na busca da sobrevivência.
Eram instrumentos feitos de pedra, osso e madeira, talhados e lascados.
(TELECURSO SEGUNDO GRAU, s/d [b]).

A concepção ontocriativa do trabalho e o seu papel no processo de humanização


não é outra coisa senão isto. E é este processo de criação de si, de autoprodução do próprio
ser, da sua essência, um processo também pedagógico-educativo. Isto será retomado e
desenvolvido mais adiante, por ora fiquemos com a noção da importância do trabalho na
formação do Ser do Homem.

Trata-se do trabalho como princípio ontológico de formação do Ser/Essência do


Homem em seu processo de humanização. O termo processo de humanização, é bom
esclarecer, implica que o homem não nasce humano, ele se torna humano. Ao nascer a
criança tem as pré-condições biológicas para se tornar humana, mas ela somente se
tornará humana efetivamente se receber os condicionamentos sociais, necessários, para
isto. Pense, o que aconteceria com um bebê humano se ao nascer fosse abandonado à
própria sorte? Sem outro humano para alimentá-lo, cuidar dele, protegê-lo do frio, calor
etc., o que aconteceria? Mesmo passada esta fase inicial, se depois a criança não contar
com outro humano para ensiná-la a andar, falar, se alimentar, se proteger, como seria o
desenvolvimento dessa criança? Conforme Paulo Freire, “Ninguém nasce feito. Vamos
nos fazendo aos poucos, na prática social de que tornamos parte” (FREIRE, 2001, p. 40).

E mais ainda: segundo Immanuel Kant,

O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação


entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a
disciplina e a instrução com a formação. Consequentemente, o homem
é infante, educando e discípulo [...] A espécie humana é obrigada a
extrair de si mesma pouco a pouco, com suas próprias forças, todas as
qualidades naturais, que pertencem à humanidade [...] O homem não
pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo
que a educação dele faz. Note-se que ele só pode receber tal educação

1
Para saber mais sobre o período em que o homem na pré-história aprendeu a dominar o fogo, assistir ao
clássico: “A Guerra do Fogo (1981)”. Este filme é bom também para discussões acerca do desenvolvimento
da linguagem humana articulada. Disponível: ANNAUD, Jean-Jacques. A guerra do fogo. Filme, 1981.
Disponível em: https://drive.google.com/open?id=1jtcxIgRioZMh6BOQLH2JcSBaTvP66gWm Acesso:
19.03.2019.
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de outros homens, os quais a receberam igualmente de outros. (KANT,


1999, p. 11-15).

Em outros termos, o homem nasce inacabado e somente se faz Ser Humano pela
cultura. Por cultura entendemos tudo aquilo que é feito pelos seres humanos, que não
deriva de geração espontânea, natural. Por exemplo, uma árvore na floresta é natureza,
uma árvore no jardim é cultura, está ali para atender a uma necessidade humana, seja ela
estética ou qualquer outra.
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E ainda no vídeo-aula: O Homem e a Cultura, vemos que


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E tem mais:

Esses homens que viveram num período de quinhentos mil e vinte mil
anos atrás dependiam inteiramente da natureza, dos ambientes que os
cercavam. Sua vida era uma luta diária contra a fome, o frio e a fúria de
outros animais.
Os grupos humanos que viviam próximo ao mar acabaram
desenvolvendo técnicas e instrumentos específicos para pesca. Grupos
que viviam na floresta desenvolveram melhor utensílios para a caça.
Sendo totalmente dependentes do ambiente que os cercavam, os
homens foram desenvolvendo técnicas e culturas bastante
diversificadas.
Hoje, homens de diferentes civilizações sabem que num solo seco e
duro uma semente não pode germinar e crescer, mas para os primeiros
homens que viveram na face da terra a milhares de anos atrás este era
um fato novo.
Foi muito lentamente, observando, experimentando, aprimorando
suas técnicas e ferramentas que os homens aprenderam a plantar e
a produzir o seu próprio alimento. (TELECURSO SEGUNDO
GRAU, s/d [b]).
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Segundo Marx,
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Qual é afinal a diferença entre os homens e os animais? Por que não podemos
denominar de “trabalho” a atividade de sobrevivência dos animais?
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Engels é categórico em relação a isto:


só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo
mero fato de sua presença nela. O homem, ao contrário, modifica a
natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está, em última análise,
a diferença essencial entre o homem e os demais animais, diferença que,
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mais uma vez (em última análise), resulta do trabalho. (ENGELS, 1999,
p. 22).
Contudo, ele se apressa para explicar que isto não é sem consequências em relação a
natureza e sua vingança:
(...) não nos deixemos dominar pelo entusiasmo em face de nossas
vitórias sobre a natureza. Após cada uma dessas vitórias a natureza
adota sua vingança. É verdade que as primeiras consequências dessas
vitórias são as previstas por nós, mas em segundo e em terceiro lugar
aparecem consequências muito diversas, totalmente imprevistas e que,
com frequência, anulam as primeiras. [...] Assim, a cada passo, os fatos
recordam que nosso domínio sobre a natureza não se parece em nada
com o domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, que não
é o domínio de alguém situado fora da natureza, mas que nós, por nossa
carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza,
encontramo-nos em seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste
em que, diferentemente dos demais seres, somos capazes de
conhecer suas leis e aplicá-las de maneira adequada. (ENGELS,
1999, p. 22).

Se pelo trabalho, que se trata da intervenção humana sobre a natureza para


transformá-la e extrair dela o que necessita para sobreviver, o ser humano encontrou o
meio mais adequado para garantir a sua perpetuação como espécie no mundo, por outro
lado, isto pode (tende a) causar terríveis danos à natureza em geral (estão aí para prova-
lo a questão ecológica, aquecimento global, enchentes, epidemias etc.), os quais irão, cedo
ou tarde, voltar-se globalmente contra a própria espécie humana. Por contraditório que
pareça, por outro lado, são próprios homens que pelo seu trabalho, por esta sua capacidade
de intervenção na natureza, é quem pode (deve) evitar que isto aconteça. Temos
conhecimentos e tecnologias para isto, não é mais uma questão de ignorância, no entanto,
nossos interesses localistas, egoístas, a ganância econômica pela acumulação ampliada
do capital, impede que esses conhecimentos sejam direcionados para a organização da
produção do existir humanos hoje de forma sustentável, preservando a natureza.

Não obstante as implicações nocivas do processo de trabalho sobre a natureza em


geral, à quais iremos ainda acrescentar outras consequências no próximo item (02), mas
aí em relação ao próprio ser humano, de como o trabalho pode fazer mal também ao
próprio homem, em especial ao homem-que-vive-do-trabalho, aos trabalhadores, todavia,
neste momento nosso objetivo é destacar o aspecto positivo do trabalho, digamos assim,
ou seja, pretendemos enfatizar a concepção ontocriativa do trabalho, do trabalho como
atividade fundante do ser social, do ser humano.

Nesta linha citamos mais uma vez Engels, que resume a importância histórica do
trabalho no processo de humanização, nos seguintes termos:
Graças à cooperação da mão, dos órgãos da linguagem e do cérebro,
não só em cada indivíduo, mas também na sociedade, os homens foram
aprendendo a executar operações cada vez mais complexas, a propor-
se e alcançar objetivos cada vez mais elevados. O trabalho mesmo se
diversificava e aperfeiçoava de geração em geração, estendendo-se cada
vez a novas atividades. À caça e à pesca veio juntar-se a agricultura, e
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mais tarde a fiação e a tecelagem, a elaboração de metais, a olaria e a


navegação. Ao lado do comércio e dos ofícios apareceram, finalmente,
as artes e as ciências; das tribos saíram as nações e os Estados.
Apareceram o direito e a política [...] (ENGELS, 1999, p. 18).
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Devemos recordar o que diz Marx de que o trabalho é humano, pois implica
intencionalidade e consciência dos seus objetivos ao figurar primeiro na mente um plano
antes de executá-lo. Isto implica “liberdade”, por isto os animais não trabalham, pois
realizam suas ações por um condicionamento genético que os obriga a garantir a sua
sobrevivência de um modo determinado e invariável. Por isto não é possível termos um
“joão-de-barro” decidido a garantir o seu abrigo construindo uma toca no chão ou um
castor construindo uma casinha de barro na árvore. Para o ser humano isto já é possível,
pois ele se serve com liberdade do que o ambiente dispõe.

Mas de que “liberdade” se trata quando nos referimos ao processo de trabalho?


Marilena Chauí sugere uma forma de pensar a “liberdade” que muito se adequa à noção
de “trabalho ontocriativo” que procuramos desenvolver neste texto.
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Entender a liberdade como “o poder de criar o possível”, proposto por Marilena


Chauí, alarga os horizontes e permite ir além na compreensão do papel do trabalho em
nossas vidas. Vez que assim podemos pensar o processo de trabalho como uma ação
humana de criação do novo, que faz existir o que não existia. Podemos recuperar assim
o sentido originário do trabalho, em seu sentido ontocriativo e confrontá-lo com a
experiência atual de trabalho e analisar e criticar até que ponto a vivência que se tem
do trabalho na atualidade corresponde aquilo que deveria ser no seu sentido
ontológico. E aí isto pode conduzir a formas de luta e engajamento por melhores
condições de trabalho. Para que se exerça com dignidade o próprio trabalho, de forma
livre, criativa e emancipada.

Isto implica refletir sobre o tipo de trabalho que se exerce hoje, na sociedade atual,
capitalista. E podemos adiantar a afirmação de que o trabalhador na sociedade capitalista
exerce um trabalho alienado, estranhado. O qual pode ser tudo, menos criativo, livre e
emancipado. Não é criativo porque se faz o que é determinado pela empresa; não é livre
porque o trabalhador não tem ingerência alguma ou quase nenhuma sobre a forma de
organização do processo produtivo, a jornada de trabalho também não; e não é
emancipador porque o produto do seu trabalho não é seu, mas de um outro. Até o seu
metabolismo (hora de beber, de comer, ir ao banheiro, dormir, acordar) é controlado por
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esse outro. E por ele exercer o seu trabalho, na maior parte dos casos, por necessidade e
não por opção, trabalha-se no que for possível, no que aparecer, o negócio é estar
empregado etc.

Veremos no próximo item dessa Unidade, que nesta acepção a noção de trabalho
aqui apresentada, de trabalho ontocriativo, ontológico, como atividade de produção da
existência humana, o processo de trabalho assim reconhecido foi reduzido a atividade de
produção de mercadorias, ou de venda, transporte, estoque, segurança de mercadorias etc.
As formas e as percepções atuais e imediatas que temos do trabalho, do processo de
trabalho, reduziu-se a noção simplista e vulgar de “EMPREGO”, não importando mais o
trabalho que se realiza, e sim, só interessa o salário que esta atividade irá render ao final
do mês.

É o que afirma FRIGOTTO, segundo o qual, o TRABALHO “(...) é um processo


que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especificidade (sic). Por isso, o mesmo
não se reduz à ‘atividade laborativa ou emprego’, mas à produção de todas as dimensões
da vida humana” (2008, p. 400).

Para melhor elucidar esta questão devemos analisar e compreender o conceito de


trabalho alienado, estranhado ou de alienação do trabalhador no trabalho. Passaremos
agora a tratar deste assunto no item 02, da UNIDADE I, do Cronograma.

Referências deste texto:

CHAUÍ, Marilena; BORNHEIM, Gerd. Vídeo completo: “Ética e Política – O Drama


Burguês”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=I6BrqfJaaqM>. Acesso em:
19.03.2019.

ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do Trabalho na transformação do macaco em Homem.


Fonte Digital: RocketEdition de 1999 / Ed. Ridendo Castigat Mores. Disponível em:
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/macaco.pdf

FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 5ª. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

FRIGOTTO, Gaudêncio. “Trabalho” (p.399-404). In: PEREIRA, Isabel Brasil; LIMA, Júlio
César França. Dicionário da educação profissional em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008.
Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Material&Tipo=8&Num=43>.
Acesso em: 18.07.2014.

KANT, Immanuel. Sobre a pedagogia. 2ª. ed. Piracicaba, SP: Editora UNIMEP, 1999.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I, vol. 01. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
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NETTO e BRAZ. “Trabalho, sociedade e valor”. In: NETTO e BRAZ. Economia Política: uma
introdução crítica. 6ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2010, p. 30).

SAVIANI, Dermeval. “Escola: Dominação ou Transformação? ”. In: Painel sobre educação –


VI Congresso da APP-Sindicato. Foz do Iguaçu, PR: APP-Sindicato, 26 de outubro de 1995.
(Vídeo da Conferência). Disponível em:
https://drive.google.com/open?id=1zKiPebXGTe78lyNdXLx4REhnMb--tsxA Acesso:
19.03.2019.

SAVIANI, Dermeval. “O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias”. In:
FERRETTI, Celso [et ali]. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate
multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. Disponível em:
<http://www.forumeja.org.br/go/files/demerval%20saviani.pdf>. Acesso em: 20.jul.2018.

SAVIANI, Dermeval. “Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos” – (p.01-


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jan./abr., 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n34/a12v1234.pdf>. Acesso
em: 20.jul.2018.

TELECURSO SEGUNDO GRAU. Vídeo-aula: O Homem e a Cultura, s/d. Disponível em:


https://drive.google.com/open?id=1LkzHqyPUKXOzFONDpuT2vncu2_zrbpsc Acesso:
19.03.2019.

TELECURSO SEGUNDO GRAU. Vídeo-aula: Pré-História e História, s/d. Disponível em:


https://drive.google.com/open?id=14ml5XclYBnl78geku_HuS_9ung2uwLuL Acesso:
19.03.2019.

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