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http://dx.doi.org/10.

1590/2175-3539/2015/02031019

Relato de Prática Profissional

A importância de nomear as emoções na infância: relato de experiência

The importance of naming the emotions in childhood: experience report

La importancia de nombrar las emociones en la infancia: relato de experiencia

Fernanda Tabasnik Schwartz


Universidade Federal de Ciências da Saúde – Porto Alegre – RS – Brasil

Graziela Pereira Lopes


Colégio Israelita Brasileiro – Porto Alegre – RS – Brasil

Lauren Frantz Veronez


Universidade Federal de Ciências da Saúde – Porto Alegre – RS – Brasil

Introdução social e menos problemas de comportamento. Já alguns


fatores interferem de modo negativo no desenvolvimento e
Os sentimentos são sensações corporais próprias regulação emocional infantil, como a invalidação ou críticas
dos seres humanos; porém, a nomeação desses sentimen- referentes à emoção expressada pela criança (Denham,
tos é algo aprendido e possui origem social. Ou seja, há Mitchell-Copeland, Strandberg, Auerbach, & Blair, 1997).
uma distinção entre sentir e nomear sentimentos (Skinner, A habilidade de identificar e expressar emoções tem
1974). Quando nos tornamos capazes de identificar nossas sido relacionada com a competência social (Del Prette & Del
próprias emoções, cria-se a possibilidade de inferirmos o Prette, 1999; Eisenberg, Fabes, & Murphy, 1996), em razão
sentimento de outra pessoa frente à determinada situação de ser considerada pré-requisito para outras habilidades,
(Skinner, 1978). como a empatia (Falcone, 1998). A experiência interpessoal
O papel dos responsáveis pelo desenvolvimento das também é apontada, sugerindo que esta pode maximizar a
emoções é considerado de grande importância, visto que habilidade de identificar e nomear emoções (Eisenberg &
estes respondem às emoções das crianças e são modelos cols., 1996). Muito estudada por psicólogos e educadores,
para elas (Zahn-Waxler, Klimes-Dougan e Kendziora, 1998). a competência social é um indicador considerado bastante
As práticas que estimulam este desenvolvimento são nome- preciso do ajustamento psicossocial e de um desenvolvimen-
adas Socialização Emocional Parental (SEP), sendo relacio- to positivo, enquanto que um baixo repertório social pode ser
nadas aos conceitos de saúde mental, regulação emocional um indicador ou até um sintoma de problemas psicológicos
e competência social futura (Lukenheimer, Shields, & Corti- (Del Prette & Del Prette, 2013).
na, 2007). Para lidar com as demandas atuais, é necessário
Algumas práticas importantes da SEP são mostrar que, desde a infância, seja estimulado o desenvolvimento de
abertura à expressão de emoções das crianças, sejam estas um repertório cada vez mais variado de habilidades sociais,
positivas ou negativas (Hastings, Rubin, & DeRose, 2005) e entre estas o autocontrole e a expressividade emocional,
conversar com frequência a respeito das emoções. Desta que dizem respeito principalmente ao reconhecimento e à
forma, é possível gerar níveis mais altos de competência nomeação de sentimentos, expressão de emoções e saber

Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 20, Número 3, Setembro/Dzembro de 2016: 637-639. 637
lidar com os próprios sentimentos (Del Prette & Del Prette, dor, vacina, medo de que aconteça algo com a sua mãe,
2013). entre outros. À medida que as crianças falavam, os colegas
Tendo em vista que a escola é um espaço privilegia- pensavam em maneiras para lidar com a situação. Além dis-
do para promover o desenvolvimento social das crianças, so, foi utilizado o livro ilustrado “Quando sinto medo” como
um colégio particular da cidade de Porto Alegre (RS) conta recurso para exploração do tema, pois, segundo Friedberg
com uma série de projetos que buscam desenvolver habi- e McClure (2004), atividades que envolvam histórias são
lidades sociais relevantes nos seus alunos. A meta é que um modo eficaz de trabalhar com as emoções. Os autores
os estudantes mantenham relações sociais mais saudáveis acrescentam ainda que, durante a leitura, é recomendado
com os demais, enfrentem as demandas do meio social de conversar com as crianças a respeito do que estão com-
forma adaptativa e tenham um rendimento acadêmico mais preendendo, assim como os sentimentos percebidos nos
positivo. As atividades são realizadas por meio do currículo personagens da história.
socioafetivo desenvolvido pela escola, onde as relações in- A fim de introduzir o sentimento tristeza, utilizou-se o
terpessoais, as emoções, a identidade e a autoestima são livro “Estou triste”. Os alunos se identificaram com situações
contempladas nas práticas educativas, evitando o enfoque ao longo da leitura, e contaram histórias pessoais nas quais
apenas na dimensão cognitiva dos alunos (Chem & cols., se sentiram tristes. Além de relatar suas vivências, foi pro-
2007). Assim, neste relato serão apresentadas vivências porcionado que pensassem em maneiras de lidar com este
com duas turmas de primeiro ano ao longo de sete meses, sentimento. Pode-se usar como exemplo a fala de um meni-
com encontros semanais de 50 minutos, onde são trabalha- no, que ao contar sobre a falta que sentia do avô, já falecido,
dos autocontrole e expressividade emocional. chorou muito. Neste momento, os colegas se mobilizaram
na busca de ideias para amenizar a saudade e tristeza que
ele sentia, e toda a turma elaborou um cartaz com maneiras
Relato de experiência pensadas por eles para lidar com estes sentimentos.

Inicialmente, buscou-se compreender o que as tur-


mas sabiam a respeito de sentimentos, quais conheciam Considerações Finais
ou já haviam experienciado. Neste momento, tudo o que as
crianças mencionavam era escrito no quadro, pois permitia a Sabe-se que as crianças, ao mesmo tempo em que
visualização e a organização do que era trazido pelos alunos. desenvolvem a inteligência, também evoluem em fatores
Objetivando que as crianças pudessem reconhecer como a socialização e a afetividade (Piaget, 1994). Neste
suas próprias emoções, foi entregue a cada um uma folha sentido, sendo as relações interpessoais essenciais para o
com a pergunta “Como estou me sentindo?”, para que de- desenvolvimento humano, uma educação completa deve
senhassem como se sentiam naquele momento. Algumas contemplar os níveis cognitivo, emocional e moral, visando
crianças optaram por desenhar apenas seu rosto e expres- ampliar a competência social (Morales, 2009). Portanto, vis-
são facial, enquanto outras lançaram mão de outras partes to que a escola é um local onde as crianças passam grande
do corpo para mostrar o que sentiam. parte do tempo, seu papel é de fundamental importância no
No encontro seguinte, os alunos receberam uma fo- desenvolvimento de habilidades e comportamentos adapta-
lha com cinco círculos, nomeados por sentimentos (raiva, tivos e saudáveis, contribuindo assim para a formação de in-
medo, alegria, tristeza e surpresa), e foi proposto que dese- divíduos muito além do aspecto cognitivo (Pinheiro, Haase,
nhassem dentro do círculo como ficava o seu rosto quando Del Prette, Amarante, & Del Prette, 2006).
sentiam cada uma daquelas emoções. Após a realização Em relação às atividades propriamente ditas, pode-
da atividade, as crianças tiveram a oportunidade de expres- -se destacar a flexibilidade como uma característica ex-
sar um sentimento com o rosto para o restante da turma tremamente necessária, visto que muitas vezes, surgem
adivinhar qual era. Grande parte das crianças demonstrou demandas diferentes do que foi proposto no momento da ta-
interesse em participar, mostrando-se muito animadas com refa. Friedberg e McClure (2004) acrescentam que o adulto
a atividade. responsável por auxiliar as crianças na tarefa de identificar
Dando início ao trabalho sobre felicidade, foi lido para emoções aja de modo criativo, a fim de estimulá-las a pen-
as turmas o livro “Duas dúzias de coisinhas à toa que dei- sar acerca do que sentem.
xam a gente feliz”. Ao longo da leitura, foram feitas pausas A partir das vivências relatadas, torna-se clara a
para discutir com as crianças, percebendo-se que elas se importância de se trabalhar no âmbito escolar visando o de-
identificaram com muitas situações mencionadas no livro. senvolvimento da expressividade emocional e autocontrole
Posteriormente, foram questionados sobre o que os deixa entre as crianças, visto que estão diretamente ligadas a
felizes na escola. outras habilidades de competência social, como por exem-
Para trabalhar sobre medo, as crianças foram ques- plo, a empatia. Desta forma, é possível que a escola atue
tionadas a respeito do que elas têm medo e que estratégias prevenindo problemas e promovendo saúde, favorecendo o
utilizam para lidar com este sentimento. Surgiram diversas desenvolvimento pleno dos seus alunos.
situações, como o medo do escuro, de helicóptero, eleva-

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Referências Hastings, P., Rubin, K., & DeRose, L. (2005). Links Among Gender,
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Friedberg, R. & McClure, J. (2004). A prática clínica de terapia
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Recebido em: 30/06/2015


Reformulado em: 28/01/2016
Aprovado em: 24/02/2016

Sobre as autoras

Fernanda Tabasnik Schwartz ([email protected])


Psicóloga, Especialista em Infância e Adolescência, Mestranda em Psicologia e Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde –
Porto Alegre – RS – Brasil.

Graziela Pereira Lopes ([email protected])


Psicóloga, Mestre em Psicologia.

Lauren Frantz Veronez ([email protected])


Psicóloga, Mestranda em Psicologia e Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde – Porto Alegre – RS – Brasil.

A importância de nomear as emoções na infância * Fernanda Tabasnik Schwartz, Graziela Pereira Lopes & Lauren Frantz Veronez 639

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