Apostila - Civil - LINDB

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CURSO DIREITO CIVIL

CONCURSO: EsFCEx e Marinha do Brasil

Capítulo 1 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)


1. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)
1.1. Vigência e validade das normas
1.2. Revogação da lei e suas formas
1.3. Repristinação
1.4. Normas gerais e normas especiais
1.5. Da integração das normas
1.5.1. Analogia
1.5.2. Costumes
1.5.3. Princípios gerais de direito
1.6. Da equidade
1.7. Da aplicação e interpretação das normas jurídicas
1.8. Da irretroatividade das leis
1.8.1. Do ato jurídico
1.8.2. Direito adquirido
1.8.3. Da coisa julgada
1.9. Conflito de leis no tempo
1.10. Da vigência da lei no espaço

Capítulo 2 – Da Parte Geral do Código Civil


2. Das pessoas
2.1. Da personalidade jurídica
2.2. Do nascituro
2.3. Da capacidade
2.4. Da incapacidade
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2.4.1. Dos absolutamente incapazes
2.4.2. Dos relativamente incapazes
2.4.3. Do estatuto da pessoa com deficiência – aspectos relevantes
2.5. Maioridade civil
2.5.1. Da emancipação
2.5.1.1. Da emancipação voluntária
2.5.1.2. Da emancipação judicial
2.5.1.3. Da emancipação legal
2.5.1.4. Da revogação da emancipação
2.6. Da extinção da personalidade jurídica – morte
2.6.1. Da morte sem declaração de ausência
2.6.2. Da morte com declaração de ausência
2.6.3. Da comoriência
2.7. Direitos da personalidade
2.7.1. Aspectos gerais
2.7.2. Disposição do próprio corpo
2.7.3. Disposição pós-morte
2.7.4. Tratamento sem consentimento
2.7.5. Do nome
2.7.6. Do direito de imagem
2.7.7. Vida privada e intimidade
2.7.8. Direito dos mortos
2.7.9. Direito de personalidade das pessoas jurídicas
2.8. Das pessoas jurídicas - aspectos gerais
2.8.1. Classificação das pessoas jurídicas
2.8.2. Das associações
2.8.3. Das fundações
2.9. Do domicílio
2.9.1. Classificação do domicílio
2.10. Dos bens

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CAPÍTULO 1 – LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)
1. LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO (LINDB)

1.1. VIGÊNCIA E VALIDADE DAS NORMAS


A vigência da lei ocorre a partir do momento em que ela passa a ter força coercitiva, ou
seja, a partir do instante em que todas as pessoas devem obedecê-la. Não se pode confundir a
vigência da lei com a sua existência. Pode ser que a lei exista, todavia, ainda não esteja em vigor.
Assim, o primeiro passo é a existência da lei, uma vez que não tem como exigir a
obrigatoriedade da lei sem que ela exista. A lei passa a existir com sua promulgação. Após a sua
promulgação, é possível que ela entre em vigor nessa mesma data ou em data distinta, a depender
da vontade do legislador.
A regra é que a lei passe a vigorar em todo o território dentro do prazo de 45 dias depois
de oficialmente publicada. É o que dispõe o art. 1º da LINDB. Denomina-se vacatio legis o prazo
entre o início da existência da lei e o início de sua vigência, caso exista esse intervalo. Trata-se
de um período necessário para que a sociedade se habitue tanto com a lei quanto com o regime
jurídico que ela impõe. Nesse sentido, em atenção ao princípio da obrigatoriedade da lei, ninguém
pode alegar seu desconhecimento. Entende-se que esse princípio não é absoluto, uma vez que
há exceção, como o caso do erro de direito, em que a parte negociante poderia revogá-lo, desde
que não tenha o objetivo de descumprir a lei (CC, art. 139, III).
Há uma corrente que entende que a vacatio legis é imprescindível em leis que tenham
relevante repercussão, não podendo ela entrar em vigor na data da publicação (art. 8ª caput da
LC 95/1998).
Por fim, ainda sobre a vacatio legis, é importante mencionar a forma de contagem. Dispõe
a Lei Complementar nº 95/1998, que trata sobre a elaboração, a redação, a alteração e a
consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal,
em seu art. 8º, §1º que “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam
período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo,
entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”. Isto é, inclui-se o primeiro e o
último dia, entrando a lei em vigor no dia subsequente à consumação integral do prazo. Por isso,
não se pode confundir com os prazos processuais do Código de Processo Civil, no qual não se
inclui a data da publicação na contagem.

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A lei que nasce e que tem data certa para entrar em vigor pode sofrer alteração em seu
texto antes da vigência ou depois da vigência. A LINDB trata das duas situações. Se, antes de
entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo dos
dispositivos alterados começará a correr da nova publicação (LINDB, art. 1º, § 3º). Em outras
palavras, a vacatio se reinicia para esses dispositivos alterados, dando nova oportunidade de se
familiarizar com a lei. Agora, se as correções forem em texto de lei já em vigor consideram-se lei
nova (LINDB, art. 1º, § 4º).
Existe uma questão que pode gerar dúvidas em concurso por confundir a parte técnica
com o que comumente se fala ou se aplica. Alguns entendem que vigência e vigor são situações
distintas. Vigor é a força da lei, da norma. Vigência é a norma que já esteve em vigor, mas que
agora não tem mais aplicabilidade. Assim, no cenário em que vivemos, o CPC/73 não possui mais
vigência. Todavia, em maior número, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, vigência é o
termo utilizado para indicar a norma que tem força, ou seja, sinônimo de vigor.
Para finalizar a questão da vigência da lei é importante lembrar que uma lei pode ingressar
no território nacional em um prazo e no estrangeiro em outro. No concurso da Magistratura do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em 2010, o examinador fez a seguinte pergunta: é possível
que um mesmo fato seja regulamentado por duas leis distintas? A resposta para essa indagação
está no art. 1º, §1º da LINDB, uma vez que “nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei
brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada”. Assim, se a lei
tem uma vacatio de 45 dias, no 60º dia da sua publicação terá validade no Brasil, mas ainda não
no estrangeiro, o que acarreta a aplicação da lei antiga para uma situação e a lei nova na mesma
situação, só dependendo o local em que o fato for praticado.

1.2. REVOGAÇÃO DA LEI E SUAS FORMAS

Revogar significa anular, invalidar, desfazer, desvigorar. Em outras palavras, significa


tornar sem efeito uma lei ou qualquer outra norma jurídica. É a supressão da força obrigatória da
lei, retirando sua eficácia.
A revogação da lei tem previsão no art. 2º da LINDB, existindo quatros formas de se
revogar uma lei que está em vigor. A revogação pode ser total, parcial, expressa ou tácita. A

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revogação total, também conhecida como ab-rogação, ocorre quando uma lei nova regula
inteiramente a matéria da lei anterior, ou então, quando existir incompatibilidade entre elas.
A revogação parcial, denominada de derrogação, acontece quando apenas parte da lei é
tida como sem efeito, permanecendo parte dela em vigor. Ex.: o novo Código de Processo Civil
derrogou alguns dispositivos do Código Civil, por exemplo, o art. 227.
A revogação pode ser, ainda, expressa ou tácita. A revogação expressa é aquela que
taxativamente se diz qual norma está revogada. O art. 9º da Lei Complementar nº 98/1995, com a
redação da Lei Complementar nº 107/2001, estabelece que “a cláusula de revogação deverá
enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. Essa é uma forma de
revogação expressa. A tácita, ao contrário, ocorre quando há incompatibilidade entre elas. Diz o
art. 2º, §1º da LINDB, que ocorre essa forma de revogação quando “seja com ela incompatível ou
quando regule inteiramente a matéria que tratava a lei anterior”.
Quando se fala em revogação, questiona-se se o costume pode revogar norma. No Direito
Brasileiro, não existe a possibilidade de retirar o efeito de uma lei em razão de um costume. É a
chamada supremacia da lei sobre os costumes. O desuetudo, ou seja, o costume negativo
(desuso) não revoga lei. Ele pode, em outro giro, ser considerado um método de integração para
fins de julgamento.
Por fim, é importante mencionar que lei temporária é aquela que nasce com termo
prefixado de duração ou com um objetivo a ser cumprido. A lei já nasce com um prazo para perder
sua vigência. Ela é uma exceção ao princípio da continuidade, já que não tem eficácia continua,
ou seja, não precisa de uma lei para revogá-la, pois seu fim tem um prazo certo, determinado.

1.3. REPRISTINAÇÃO

Repristinação significa restaurar a vigência de uma lei pelo fato de a lei revogadora ter
perdido a sua vigência. É o que dispõe o art. 2º, §3º da LINDB: “salvo disposição em contrário, a
lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
Desta forma, em regra, não há repristinação no ordenamento jurídico vigente. Todavia,
esse efeito pode acontecer quando o legislador fizer constar essa previsão na lei revogadora.
Desta forma, se ficar consignado na lei revogadora que um de seus efeitos é ressuscitar a lei
revogada, verifica-se o efeito repristinatório da lei.

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Alguns doutrinadores fazem a distinção entre repristinação e efeito repristinatório. O efeito
repristinatório é estudado no campo do Direito Constitucional, mais especificadamente em controle
concentrado de constitucionalidade. Ex.: Lei “A” foi revogada pela Lei “B”. Posteriormente, o STF
declara a inconstitucionalidade da Lei “B”, restaurando-se os efeitos da norma revogada, já que a
norma revogadora será considerada como nunca tivesse existido. É o que preleciona o artigo 27
da Lei nº 9.868/99. A decisão de inconstitucionalidade é declaratória e possui efeitos retroativos,
ex tunc, concretizando-se com a chamada modulação dos efeitos da decisão.

1.4. NORMAS GERAIS E NORMAS ESPECIAIS

Há uma classificação de normas no art. 2º, §2° da LINDB em que se entende por norma
especial aquela que possui um conteúdo especializado dentro de um ramo do direito (por exemplo,
Lei de Alimentos, Código de Defesa do Consumidor). Já a norma geral aborda o conteúdo de um
ramo do direito de maneira geral.
A norma geral não revoga a especial e a norma especial não revoga a geral. Tais normas
caminharão conjuntamente. A norma especial pode revogar a geral de duas formas: de forma
explícita, ou então, de forma implícita. A revogação expressa ou explicita ocorre quando há
previsão de que a norma especial está revogando a geral. A revogação implícita, por sua vez,
acontece no momento em que regula a mesma matéria que a geral, modificando o seu conteúdo.
Pode ser que uma lei especial contenha uma parte específica e outra parte geral que também está
disposta em um Código, sem que haja, entre elas, contradição. Nesse caso, ambas continuarão
em vigor, coexistindo.

1.5. DA INTEGRAÇÃO DAS NORMAS

Pelo fato lógico de que o legislador não consegue prever todos os acontecimentos, seja
para o presente seja para o futuro, e da mesma forma que o juiz não pode ser furtar ao seu mister
de julgar alegando ausência de norma legal sobre o assunto, é que existe o instrumento de
integração das normas, permitindo-se que haja o preenchimento de lacunas (CPC, art. 140).
Dispõe o art. 4º da LINDB: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. O juiz não pode deixar de decidir uma

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questão alegando que não existe norma regulamentadora para aquele caso em concreto
(julgamento non liquet). Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
O fenômeno da subsunção se perfaz no encaixe perfeito da norma ao caso concreto.
Contudo, na ausência da subsunção o juiz deverá se valer da analogia, dos costumes e dos
princípios gerais do direito. Com isso, não deixa nenhum caso sem solução.
A doutrina defende que existe uma hierarquia entre os instrumentos de integração da
norma, devendo ser aplicada em primeiro lugar a analogia, depois os costumes, e por fim, os
princípios gerais de direito. Diz que a analogia tem preferência em razão do sistema brasileiro
adotar a supremacia da lei escrita.

1.5.1. ANALOGIA

Consiste a analogia na busca da solução em outra norma que é similar ao caso desprovido
de lei. Utiliza-se de uma norma ou conjunto de normas aproximadas a um caso. A analogia pode
ser classificada como analogia legal e analogia jurídica.
A analogia legal, segundo os ensinamentos de Limongi França, é exatamente a aplicação
de uma lei àquele caso em específico. Cita-se como exemplo o caso da convalidação do negócio
jurídico praticado com o vício da lesão. Dispõe o § 2º do art. 157 do Código Civil que “não se
decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida
concordar com a redução do proveito”. Porém, e se o caso for cometido em estado de perigo? O
Código Civil não traz a convalidação do negócio praticado em estado de perigo.
Assim, a doutrina e a jurisprudência se valendo da analogia legal permitem a utilização da
convalidação também para o estado de perigo. Inclusive, o enunciado 148 da III Jornada de Direito
Civil é nesse sentido.
A analogia jurídica é diversa. Consiste em utilizar-se de princípios, conceitos, preceitos
consagrados pela doutrina e pela jurisprudência a um caso em específico. Cumpre mencionar que
para alguns doutrinadores, a analogia jurídica se constitui na aplicação dos princípios gerais do
direito.

Há diferença entre a analogia e a interpretação extensiva. A interpretação extensiva visa


adequar o que o legislador realmente pretendia com aquela norma, ou seja, a norma diz menos

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do que deveria. É o caso do art. 12 do Código Civil, em caso de violação aos direitos da
personalidade do de cujus, o cônjuge se torna lesado de forma indireta (dano por ricochete), e tem
legitimidade para postular em juízo. Em face dessa regra, deve-se aplicar uma interpretação
extensiva para garantir ao companheiro o mesmo direito previsto ao cônjuge.

1.5.2. COSTUMES

O costume é a conduta reiterada, de forma lícita, e que possui relevância no mundo


jurídico. Assim, um determinado costume pode ser aplicado com forma de integração desde que
apresente esses elementos, ou seja, a prática reiterada (elemento objetivo) e observância da lei
(elemento subjetivo), com relevância no ordenamento jurídico.
Os costumes podem ser classificados como contra legem, praeter legem, secundum
legem, e por fim, costume judiciário. O costume contra legem é o que contraria a lei. O costume
praeter legem é aquele que preenche os requisitos para servir como método integrativo, ou seja,
a conduta reiterada, de forma lícita, e que possui relevância no mundo jurídico. Já o costume
secundum legem é aquele em que a sua aplicação é imposta pela lei.
Caracteriza o ato emulativo – aquele praticado com abuso do direito – o titular de um
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (CC, art. 187). Isto é, se a pessoa excede o bom
costume pratica abuso do direito e comete ato ilícito.
Alguns doutrinadores ainda trazem o costume judiciário, também conhecido como
jurisprudência sedimentada. Atualmente vivemos em uma era de precedentes obrigatórios,
súmulas vinculantes e não vinculantes, repercussões gerais e jurisprudências uníssonas. Há
casos, como a súmula vinculante, recursos repetitivos e repercussões gerais, em que o juiz não
pode se recusar a aplicar o precedente. Outros, como jurisprudência sedimentada e súmulas não
vinculantes, embora não tenham observância obrigatória, são considerados costumes jurídicos a
serem seguidos na ausência de lei específica sobre o tema.

1.5.3. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

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Segundo sustenta Miguel Reale, os princípios constituem verdadeiros pilares fundantes
do ordenamento jurídico. O artigo 8º do Código de Processo Civil trabalha com a ideia de que os
princípios devem ser compulsoriamente observados.
Os princípios Gerais de Direito são crenças jurídicas já consolidadas na sociedade e que
são universalmente aceitas, como a regra de que ninguém pode ser valer da própria torpeza para
se beneficiar, nem se enriquecer indevidamente à custa de terceiro, dentre outros.

1.6. DA EQUIDADE

A equidade não é método de integração das normas, sendo considerado um recurso de


julgamento na aplicação das leis. A equidade é o julgamento com senso de justiça, com bom
senso. Para que se aplique a equidade, a lei precisa autorizar o magistrado a fazê-lo (CPC, art.
140, parágrafo único).
Alguns doutrinadores entendem que há diferença entre julgamento por equidade e
julgamento com equidade. O primeiro é a aplicação da equidade em si, quando a lei autorizar. O
segundo e o julgamento com senso de justiça, com bom senso. Entende-se que o julgamento com
equidade é ínsito a toda decisão judicial proferida.

1.7. DA APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

A hermenêutica consiste na teoria científica de interpretar e descobrir o sentido da norma


jurídica, fixando seu alcance. Na interpretação, observa-se a verdadeira essência da norma
jurídica, ou seja, o que verdadeiramente se pretende alcançar. É a chamada mens legis, isso é, a
real intenção da lei.
Há diversos métodos e critérios de interpretação. Dentre eles podemos citar a
interpretação autêntica, doutrinária, jurisprudencial, gramatical, lógica, ontológica, histórica,
sistemática, e por fim, a teleológica.
A interpretação autêntica é a feita pelo próprio legislador por meio de outro ato normativo.
A doutrinária é elaborada pelos estudiosos do direito, como doutores, mestres e livre docente. A
interpretação jurisprudencial é feita pelos Tribunais. Quanto aos meios, a interpretação gramatical
é mais pobre de todas, pois leva em conta o sentido literal da palavra.

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A ontológica busca a essência da lei, sua razão de ser (ratio legis). Na interpretação
histórica se investigam os antecedentes da lei, analisando o processo legislativo. A interpretação
sistemática é a que faz a interpretação de acordo com as demais normas presentes no
ordenamento jurídico. Por fim, a teleológica (sociológica) busca a finalidade da lei diante da nova
perspectiva social. Carlos Roberto Gonçalves diz que essa interpretação é endereçada ao
magistrado e consta do art. 5º da LINDB, quando diz que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos
fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

1.8. DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS

A regra é que a lei não retroage, abarcando apenas as situações jurídicas criadas a partir
da sua vigência. Trata-se de um princípio que visa dar estabilidade e segurança ao ordenamento
jurídico, preservando situações já consolidadas sob a lei antiga, em que o interesse particular deve
prevalecer. Denomina-se de regra do tempus regit actum. Todavia, essas regras não são
absolutas, podendo sofrer mitigações no âmbito do Direito Penal, por exemplo.
Observa-se, por fim, o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal que determina: “a lei
não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Nessa mesma linha,
temos o disposto no art. 6º da LINDB que prevê: “a lei em vigor terá efeito imediato e geral,
respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

1.8.1. DO ATO JURÍDICO

O ato jurídico perfeito e acabado é aquele que já se consumou perante a lei vigente do
tempo em que se efetuou. Pense em um contrato de compra e venda de bem imóvel, sem escritura
lavrada porque o imóvel tem valor de 28 salários vigentes (CC, art. 108) e com registro realizado.
Posteriormente ao ato, vem uma lei que altera a obrigação de lavrar escritura para os negócios
que tenham como objeto imóvel acima de 20 salários. Essa lei não vai atingir aquele contrato
celebrado.

1.8.2. DIREITO ADQUIRIDO

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Consiste no direito que já se incorporou ao patrimônio e a personalidade de seu titular,
podendo ser exercido a qualquer momento. Para ser considerado “direito adquirido” mister se faz
a presença de dois requisitos: a existência de um fato e a existência de uma norma que faça
originar direito do fato. Enquanto não estiverem presentes esses elementos, não há direito
adquirido, mas expectativa de direito.

1.8.3. DA COISA JULGADA

A coisa julgada é a decisão que não comporta mais recurso, tendo atingido o trânsito em
julgado. Assim, uma lei nova não pode alterar aquilo que já foi apreciado em definitivo pelo Poder
Judiciário.
Sobre a coisa julgada é importante constar que consta o enunciado 109 da Jornada de
Direito Civil que diz: “a restrição da coisa julgada, oriunda de demandas reputadas improcedentes
por insuficiência de provas, não deve prevalecer para inibir a busca da identidade genética pelo
investigando”.

1.9. CONFLITO DE LEIS NO TEMPO

É possível que existam leis que se contrariem, aparentemente. Quando isso acontece há
uma antinomia. Diz-se aparentemente porque, em tese, o ordenamento jurídico é perfeito e não
apresenta tais conflitos. Não é o que acontece.
A antinomia pode ser aparente e real. A antinomia real ocorre quando duas leis são
exatamente conflitantes entre si. No caso desse conflito o sistema jurídico não traz uma solução,
devendo ser tal conflito resolvido pelo Poder Judiciário. O Código de Processo Civil, no art. 8º,
prevê que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do
bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a
proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Embora esteja
dentro do Código de Processo Civil, pode servir de norte par aplicação de outros ramos do
ordenamento jurídico.
O conflito aparente, como o próprio nome diz, é apenas ilusório. Menciona-se, como
exemplo, o prazo de prisão civil do devedor de alimentos. Na Lei dos Alimentos há uma previsão

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de prisão de 1 a 60 dias, enquanto o Código de Processo Civil, no art. 528, §3º, prevê um prazo
de 1 a 3 meses.
Diante de um conflito aparente de normas a doutrina criou alguns critérios para eliminar a
antinomia, sendo o hierárquico, o especial e, por fim, o cronológico. Pelo critério hierárquico uma
lei superior prevalece sobre a lei inferior. Assim, buscase na “pirâmide de Kelsen” o fundamento
para a aplicação desse critério. Desta forma, a lei hierarquicamente superior tem preferência em
relação a uma lei inferior. Ex.: norma constitucional possui hierarquia em face de uma norma
infraconstitucional. Esse é o primeiro critério a ser aplicado.
No critério da especialidade leva-se em consideração a amplitude das normas. Isto é, se
o legislador tratou um determinado assunto com mais cuidado e rigor, ele deve prevalecer sobre
o outro que foi tratado de forma geral. Portanto, uma norma especial deve prevalecer em relação
a uma norma geral.
Por fim, no critério cronológico se aplica o momento em que a norma jurídica entra em
vigor, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão. Dessa
forma, utilizando-se o critério cronológico, uma lei mais recente tem preferência em relação a uma
lei anterior. O critério cronológico será utilizado sempre que o conflito não puder ser solucionado
pelos critérios hierárquico e da especialidade.
Alguns doutrinadores classificam as antinomias em graus. Entende-se por antinomia de
primeiro grau aquela que envolve apenas um dos critérios de eliminação do conflito. Para o conflito
entre uma norma anterior e outra posterior, aplica-se o critério cronológico. Para o caso de conflito
entre uma norma geral e outra especial, usa-se o critério da especialidade.
A antinomia de segundo grau envolve mais de um critério. Assim, concorrendo os critérios
hierárquico e cronológico, prevalece o hierárquico. Concorrendo o critério hierárquico e o de
especialidade, prevalece o hierárquico. Por fim, concorrendo os critérios de especialidade e
cronológico, prevalece o da especialidade.

1.10. DA VIGÊNCIA DA LEI NO ESPAÇO

A regra geral é que, dentro do território brasileiro, aplica-se a lei brasileira. O Estado
politicamente organizado tem soberania sobre o seu território e sobre seus habitantes. Decorre

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disso que toda lei, em princípio, tem seu campo de aplicação limitado no espaço pelas fronteiras
do Estado que a promulgou.
O critério a ser utilizado para aplicação das leis no espaço é o critério territorial. O Brasil
adotou a Teoria da Territorialidade, mas de forma moderada, também chamada de Territorialidade
Temperada ou Mitigada. Isso porque, excepcionalmente, nos deparamos com leis ou decisões
estrangeiras que podem ser reconhecidas e aplicadas no Brasil.
Dessa forma, para que haja a aplicação de leis e sentenças estrangeiras no
ordenamento jurídico pátrio, faz-se necessária a observância de duas regras. A primeira
prevê que não se aplica leis, sentenças ou atos estrangeiros no Brasil quando ofenderem a
soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. A segunda, por sua vez, prevê que não
se cumprirá sentença estrangeira no Brasil sem o devido exequatur, que é a permissão dada pelo
Superior Tribunal de Justiça, por meio de homologação, para que esta decisão produza seus
efeitos. É a homologação de sentença estrangeira.
Ainda sobre a sentença estrangeira, dispõe o art. 15 da LINDB que será executada no
Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: a) haver sido
proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver legalmente se verificado a
revelia; c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução
no lugar em que foi proferida; d) estar traduzida por intérprete autorizado; e) ter sido homologada
pelo Superior Tribunal de Justiça (corrigindo de ofício o erro da LINDB, pois lá ainda consta a
homologação pelo STF, modificação que ocorreu pela EC 45/2004).
Por fim, a sentença estrangeira poderá ser executada perante a Justiça Federal, de
primeira instância – art. 109, inciso X da CF. Quanto aos títulos executivos extrajudiciais
estrangeiros, estes não precisam ser homologados para serem executados no Brasil. A LINDB
ainda tratou da vigência da lei no espaço no que concerne às questões de estado da pessoa. Com
isso, A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da
personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família (LINDB, art. 7º).
No que tange ao casamento e ao regime de bens, realizando-se o casamento no Brasil,
será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares
do país de ambos os nubentes.

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Por fim, no que concerne ao direito sucessório, deve-se obediência à lei do país em que
domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens
(LINDB, art. 10). A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre
que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus (LINDB, art. 10, § 1º). Por fim, a lei do
domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder (LINDB, art. 10, § 2º).
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CAPÍTULO 2 – DA PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL

1. DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO CÓDIGO CIVIL

O Código Civil é rodeado de princípios que moldaram o que é atualmente chamado de o


moderno direito civil. O mais importante de todos é o princípio da dignidade humana que irradia
efeitos para todos os ramos do ordenamento jurídico, não sendo exclusividade do direito privado.
Os princípios norteadores do Código Civil são a eticidade, a socialidade e a operabilidade.
Tais princípios vieram para quebrar a ligação que o Código Civil de 1916 mantinha com o
individualismo e patriarcalismo, que colide frontalmente com os ditames da Constituição Federal
de 1988. Desta feita nota-se uma inspiração constitucional nesses princípios.

1.1. SOCIALIDADE
O Código Civil de 2002 visa atingir um maior número de pessoas, deixando de lado a
aplicação estrita ao indivíduo, passando a respeitar direitos sociais, e assim, exigir uma função
social, como a função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII e art. 1.228, § 1º do Código Civil),
do contrato (art. 421), da posse e da empresa. A atividade, ainda que privada, deve considerar em
seu contexto a sociedade e não apenas os sujeitos do negócio. Exemplo que podemos citar: a
diminuição dos prazos para a usucapião, quando a pessoa ali exerce posse e trabalho; o contrato
nulo, quando ofende direito dos trabalhadores. Tanto é que a LINDB, no art. 5º, diz que “na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves defendem que esse princípio encontra-se atrelado
ao direito subjetivo. O direito subjetivo consiste no direito do indivíduo de agir amparado pelo
ordenamento jurídico com o objetivo de satisfazer um interesse legítimo. Para esses
doutrinadores, o direito subjetivo corresponde a uma função social. O sujeito ao agir sempre age
no interesse próprio, mas esse interesse individual não pode contrariar um direito social, sob pena
de perder força.

1.2. ETICIDADE
O Código Civil de 1916, de Beviláquia, não possuía preceitos éticos. O atual Código Civil

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mudou isso, tanto que a atuação ética, proba, honesta é valor quase que supremo no Código Civil
de 2002. Prestigia-se a boa-fé objetiva. Abandona o formalismo do direito romano. Em vários
dispositivos do Código Civil, pode-se notar a presença do princípio da eticidade, a exemplo dos
art. 113 (negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos); art. 187 (abuso
do direito que excede os fins econômicos e sociais) e, o principal, art. 422 que valoriza a boa fé
na conclusão e execução dos contratos.
A violação positiva do contrato é um reflexo da boa-fé objetiva na relação civil. Assim a
parte contratual que cumpre a obrigação pactuada, todavia, o faz com ofensa a boa-fé objetiva,
eleva a sua conduta contratual a um inadimplemento.
Processual Civil (art. 80, CPC), já que se exige a ética na condução dos processos, assim
como não alterar a verdade e evitar recursos procrastinatórios, sob pena de litigância de má-fé.

1.3. OPERABILIDADE

O princípio da operabilidade, também chamado de concretude, vem para facilitar a aplicação


e a interpretação das normas pelas pessoas comuns e não apenas pelos operadores do direito.
Há dois exemplos que precisam ser mencionados: o primeiro é a localização, no Código Civil, de
prazos prescricionais e decadenciais. Antes não se sabia qual prazo era prescricional ou
decadencial. Com o princípio operabilidade sabe-se que os prazos dos artigos 205 e 206 são
prescricionais, sendo os demais do Código Civil decadenciais.
O outro exemplo é a concretude, ou seja, aplicar a regra do Código de forma simples e efetiva,
visando a solução do caso concreto. Insere-se, no ordenamento jurídico, cláusulas/normas gerais
e conceitos indeterminados, vagos ou abstratos, a serem interpretados no caso concreto.
Diante disso, surgiu a teoria das janelas abertas idealizada por Judith Martins Costa. Por essa
teoria, na atual codificação material, é possível que se perceba um sistema aberto, um sistema de
janelas abertas, que permitem uma constante incorporação e solução para novos problemas. É o
magistrado, aplicador da lei, que tem a incumbência de preencher esses espaços abertos, de
conceitos indeterminados, com o conceito social da época. Exemplo é a atividade de risco que
permite a responsabilidade civil (CC, art. 927, parágrafo único). O que é uma atividade perigosa?
Uma atividade de risco podia ser perigosa em 1930, e com as técnicas de segurança e de

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eletrônica deixou de ser assim taxada em 2020. Nessa senda, é o Magistrado quem vai dizer qual
atividade se encaixa no perigo ou não.

1.4. DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

O Código Civil está umbilicalmente ligado à Constituição Federal. A expressão Direito Civil
Constitucional advém do Direito Italiano e baseia-se em uma visão unitária do ordenamento
jurídico. É imprescindível a leitura dos artigos do Código Civil sob a luz da Constituição Federal.
Exemplo claro que reflete a questão é a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas
(eficácia horizontal dos direitos fundamentais), assim como a aplicação da dignidade humana nas
relações privadas.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é a possibilidade que se tem de aplicar os
direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, na relação entre particulares. Notase que
o Código Civil, acompanhando essa permissão, modificou o art. 57 que assim passou a ser
redigido: “A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em
procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto”.

1.5. DIÁLOGO DAS FONTES

Entende-se que os ramos jurídicos diversos não podem se excluir quando da análise de um
caso concreto. Isso quer dizer que se mostra perfeitamente possível a complementação entre os
ramos jurídicos distintos, aplicando-se no caso concreto, sem exclusão mútua. Caso mais comum
é a aplicação harmônica entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil.
39A jurisprudência do STJ já aplicou a teoria do diálogo das fontes4, em caso envolvendo o
contrato de leasing.

2. DAS PESSOAS
Pessoa é todo aquele que titulariza direitos. Para a via processual, pode ser aquele que
ocupa tanto o polo ativo quanto o polo passivo de uma relação jurídica. É comum ao se falar em
pessoa logo imaginar a pessoa como ser humano. Todavia, no direito civil a pessoa pode ser
natural, ou física, ou então, jurídica ou coletiva.

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2.1. DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Dispõe o art. 1º do Código Civil que “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem
civil”. Ao nascer com vida, a pessoa adquire a personalidade jurídica, que nada mais é do que a
aptidão genérica para se titularizar direitos e deveres.
Diante disso, a pessoa adquire a personalidade jurídica ao nascer com vida, ou seja, ao
respirar. É o disposto no art. 2º, primeira parte, do Código Civil. Para tanto, existia o exame
denominado de docimasia hidrostática de Galeno. Esse método consistia em colocar o pulmão do
recém-nascido em recipiente com água. Se o pulmão boiasse, é porque entrou ar; com isso,
adquiriu personalidade jurídica. Se o pulmão afundasse, é porque não entrou ar, o que indica a
ausência de aquisição de personalidade jurídica. A relevância disso é auferida no direito das
sucessões, já que interfere na ordem da vocação hereditária.
Por fim, a personalidade jurídica coincide com a capacidade de direito, capacidade que
todos têm.

2.2. DO NASCITURO

O art. 2º do Código Civil ao mesmo tempo em que confere personalidade jurídica às


pessoas que respiram, põe a salvo o nascituro, desde a concepção, o que nos faz indagar: teria
também o nascituro personalidade jurídica?
Segundo a doutrina de Limongi França, o nascituro é o ente concebido, mas ainda não
nascido, em outras palavras é o ente de vida intrauterina. Há uma acirrada discussão sobre a
aquisição da personalidade jurídica pelo nascituro.
Com isso surgiram três teorias, a natalista, a da personalidade condicional e a
concepcionista. Pela teoria natalista o nascituro teria personalidade jurídica desde o nascimento.
Antes do nascimento, ou seja, enquanto detentor de vida intrauterina, teria apenas expectativa de
direitos. Essa teoria é defendida por Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Silvio Venosa.
A teoria da personalidade condicional divide a aquisição da personalidade jurídica a
depender do direito exercido. Por ela, o nascituro seria dotado de personalidade apenas para
direitos existenciais (como o direito à vida). Se, todavia, fosse para direito negocial ou econômico

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o seu exercício dependeria do nascimento com vida, ou seja, ficaria condicionado. Serpa Lopes
defende essa teoria.
Por fim, no que tange a teoria concepcionista, teria o nascituro personalidade jurídica
desde sua concepção. A concepção é o momento em que o óvulo da mulher é fertilizado pelo
espermatozoide do homem. Assim, ela acontece entre 11 e 21 dias após o primeiro dia da
menstruação.
Percebemos que, aos poucos, a teoria concepcionista ganhou mais espaço nos Tribunais,
inclusive na própria legislação brasileira, a exemplo da lei de alimentos gravídicos (Lei nº
11.804/08) e de recentes decisões do STJ que admitiram o dano moral ao nascituro ou pela morte
de nascituro (AgRg no REsp 1341790/RS e REsp 931556 /RS) e até mesmo pagamento de
DPVAT a beneficiária que teve a gestação interrompida por acidente de trânsito (Resp 1.415.727-
SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014 – informativo de jurisprudência nº 0547).
Para encerrarmos a questão do nascituro, ainda precisamos fazer alguns apontamentos.
Nascituro é diferente do natimorto. O natimorto é o ser que nasce morto. Sobre o natimorto, a nova
roupagem que recebeu o Código Civil trouxe a ele alguns direitos que não eram reconhecidos na
vigência do Código Civil de 1916. Assim, a proteção que se confere ao nascituro alcança o
natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura
(isso com base na dignidade da pessoa humana e na eficácia horizontal dos direitos
fundamentais). É o que dispõe o Enunciado nº 1, da 1ª Jornada de Direito Civil.
Também não se pode confundir nascituro com o concepturo. O concepturo o ente que
nem concebido foi. Trata-se da prole eventual que, nos termos do direito sucessório (CC, art.
1.799, I), pode ser herdeiro testamentário.
Com o advento da Lei nº 11.105/2005, conhecida como lei da biossegurança, é preciso
tecer algumas considerações sobre o embrião. Essa lei tutela os direitos do embrião, reforçando
a adoção da teoria concepcionista.
O art. 5º da lei diz que é permitida a utilização de células-tronco embrionárias para fins de
pesquisa e terapia, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não
utilizados no respectivo procedimento, desde que sejam embriões inviáveis; ou seja, embriões
congelados há 3 anos ou mais, na data da publicação da lei, ou que, já congelados na data da
publicação dessa lei, depois de completarem 3 anos, contados a partir da data de congelamento.

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Ainda, para fins de utilização de embrião com o fito de pesquisa e uso terapêutico, a lei
autoriza tal utilização, desde que, em qualquer caso, seja indispensável o consentimento dos
genitores.
A utilização de células-tronco embrionárias é excepcional, pois a regra é a não utilização.
O STF considerou constitucional essa lei. É importante expor que o descarte dos embriões não
utilizados se dá pelo encaminhamento às pesquisas de células-tronco. Isto é, não terá o embrião
direitos da personalidade. A existência dos direitos da personalidade é condicionada à concepção
intrauterina.

2.3. DA CAPACIDADE
A capacidade é a medida da personalidade. A pessoa plenamente capaz é aquela que
está apta para o exercício dos atos da vida civil sem estar assistido ou representado. A capacidade
pode ser de direito ou de fato.
A capacidade de direito, também conhecida como capacidade de gozo, confunde-se com
a personalidade jurídica, sendo adquirida no momento em que a pessoa nasce com vida. A
capacidade de direito ou de gozo é uma capacidade geral, genérica, que qualquer pessoa tem.
Bebê de 21 dias tem capacidade de direito, homem maior de 18 também. Todos têm.
Capacidade de fato ou de exercício nem toda pessoa a tem. Ela traduz a aptidão para a
prática dos atos da vida civil. O absolutamente incapaz não a tem. Quando um sujeito reúne as
duas capacidades (de direito e de fato), ele atinge a capacidade civil plena.
A capacidade plena não se confunde com a legitimação. Legitimação é a capacidade
especial para um determinado ato ou negócio jurídico. Ex.: necessidade de outorga conjugal para
vender o imóvel, sob pena de anulabilidade do contrato. Esta legitimação é conferida ao cônjuge.
Veja, o cônjuge varão é plenamente capaz, no entanto, não pode vender o bem imóvel sem a
outorga do outro, sob pena de faltar legitimação para o ato.
Em contraposição à capacidade, temos a incapacidade, que nada mais é do que a
ausência de capacidade de fato.

2.4. DA INCAPACIDADE

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A incapacidade é a ausência de capacidade de fato, que torna a pessoa inapta para os
atos da vida civil sem estar assistida ou representada. Assim, no ordenamento jurídico vigente não
existe incapacidade de direito, uma vez que todos se tornam capazes (de direito) ao nascer com
vida.
O instituto da incapacidade sofreu, recentemente, uma reviravolta com a edição do
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Em suma, o Estatuto entendeu que não
é correto atribuir às pessoas com deficiência a pecha de incapazes. Diante disso e atraindo o
princípio da dignidade humana mais uma vez, as pessoas portadoras de deficiência são
consideradas capazes para os atos a vida civil. Essa lei trouxe para o ordenamento jurídico uma
valorização da dignidade/liberdade em detrimento de uma dignidade/vulnerabilidade.
A incapacidade de exercício pode ser de natureza absoluta ou de natureza relativa. A
incapacidade absoluta é a total ausência de exercício de direito. Somente pode praticar o ato o
representante do incapaz, sob pena de nulidade do ato. Os absolutamente incapazes estão
elencados no rol do art. 3º do Código Civil.
A incapacidade relativa, por sua vez, é aquela em que o sujeito detém certo discernimento
para praticar um ato, no entanto, precisa ser assistido para que o ato tenha validade. Nessa
assistência não há supressão da vontade, mas sim, convergência de vontades, na qual o assistido
pratica o ato junto com o relativamente incapaz. Nessa senda, o ato praticado pelo relativamente
incapaz é um ato anulável (CC, art. 171, I). Os relativamente incapazes estão no rol do art. 4º do
Código Civil.

2.4.1. DOS ABSOLUTAMENTE INCAPAZES

Dispõe o art. 3º do Código Civil que: “são absolutamente incapazes de exercer


pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”. Nota-se que o Legislador
trouxe um critério objetivo para definir os absolutamente incapazes, ou seja, ou a pessoa tem
menos de 16 anos e é absolutamente incapaz, ou ela tem mais de 16 anos e pode ser
relativamente incapaz ou capaz.

2.4.2. DOS RELATIVAMENTE INCAPAZES

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Os relativamente incapazes estão no rol do art. 4º do Código Civil, que assim vem redigido:
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por
legislação especial.
O critério adotado pelo Legislador, nesse caso, é um critério misto, pois adota tanto o
critério biológico (objetivo) quanto o critério psicológico (subjetivo). Veja que no inciso I adotase o
critério biológico. Nos demais o critério é o psicológico.
O surdo-mudo pode ser considerado um relativamente incapaz ou não. A pessoa surda é
capaz. No entanto, na hipótese dessa pessoa não conseguir manifestar sua própria vontade, é
que ela poderá ser considerada relativamente incapaz, nos moldes do art. 4º, inciso III, do Código
Civil.
No Código Civil de 1916, o ausente era considerado um relativamente incapaz. No Código
Civil de 2002, a ausência não se relaciona com a incapacidade, possuindo um rito próprio para
que se tenha a declaração de ausência e, com isso, dê procedência aos bens deixados pelo
ausente.
Em 2016 foi editada uma lei que trouxe o conceito do que é a primeira infância da pessoa.
A Lei nº 13.257/2016 regula alguns pontos interessantes sobre a questão da primeira infância, que
é tida nos 72 primeiros meses (6 anos) de vida da criança. Diante da lei, busca-se o
estabelecimento de políticas públicas para melhor desenvolvimento da criança nesses primeiros
meses de vida. Dispõe o art. 2º da referida lei que “considera-se primeira infância o período que
abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança”.
O pródigo é a pessoa que dissipa seus bens desvairadamente. Sobre o pródigo, importa
fazer uma ressalva sobre a modificação da visão do direito privado ao logo dos anos. Certa vez,
em uma prova de ingresso no concurso da Magistratura do Estado de São Paulo, o

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Desembargador Examinador perguntou ao candidato: analise a interdição do pródigo na visão do
Código atual (2002) no cotejo com o Código anterior (1916).
O que justifica a interdição do pródigo é a proteção do mínimo vital para a sua
sobrevivência. Não somente, a proteção do patrimônio mínimo, corolário do princípio da dignidade
humana. Assim, verifica-se o cunho social da intervenção (princípio da socialidade).
No Código Civil de 1916, a finalidade era estritamente patrimonialista, sem se preocupar
com a pessoa do pródigo. Simplesmente preservar o patrimônio para os herdeiros. Essa
modificação de visão é que deu outra roupagem ao direito civil moderno.
Por fim, sobre os índios, é preciso apenas fazer uma pequena observação, no mesmo
sentido que foi feita em relação ao surdo mudo. No Código Civil de 1916, os índios eram
denominados de “silvícolas” e considerados relativamente incapazes, simplesmente por serem
índios. Com o novo modelo de código, o Código Civil de 2002 passou a prever que a capacidade
dos índios é regida por legislação específica (CC, art. 4º, parágrafo único).
A Lei nº 6.001/73 que trabalha o Estatuto do Índio estabelece, no art. 8º, que o índio não
inserido na sociedade, caso pratique algum ato, esse ato será nulo. Por outro lado, caso o índio
esteja inserido na sociedade, os atos serão válidos. A FUNAI (Fundação Nacional do Índio) é o
órgão público encarregado de proteção dos direitos dos índios.

2.4.3. DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – ASPECTOS RELEVANTES

A Lei nº 13.146/2015 entrou no nosso sistema jurídico em julho de 2015, teve período de
vacatio legis de 180 dias, tendo em vista a grande repercussão no mundo jurídico. Sua criação
teve por finalidade dar maior proteção às pessoas com deficiência.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência revolucionou nosso sistema de incapacidade,
conferindo maiores oportunidades às pessoas com deficiência, inclusive, para atuarem no mundo
cível com maior de liberdade.
Em virtude disso, antes da entrada em vigor da Lei n° 13.146/2015, as pessoas que tinham
discernimento reduzido eram chamadas de relativamente incapaz, ao passo que, aqueles que não
tinham qualquer discernimento, eram denominados de absolutamente incapaz.

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Hodiernamente, a pessoa com deficiência, pela simples deficiência, não é considerada
incapaz, podendo atuar nos atos da vida civil e tomar decisões. Portanto, a pessoa com deficiência
possui capacidade civil plena.
É claro que, na prática, a pessoa com deficiência, ainda possui certa vulnerabilidade
necessitando de atenção especial. A lei não ficou indiferente a essa situação, criando uma divisão
de atos a serem praticados por eles.
Desta forma, entende-se que a pessoa com deficiência não precisa estar amparada por
curador quando estiver diante da prática de atos existenciais, uma vez que é capaz. Assim, para
alterar seu nome ou para casar não precisa do curador. O art. 6º da lei traz essa menção quando
elenca atos, de forma exemplificativa, que podem ser praticados sem que isso afete a plena
capacidade.
Contudo, quando o ato tiver cunho patrimonial, há a necessidade do curador para a
proteção da pessoa com deficiência. O art. 85 da lei deixa isso claro quando diz que: “a curatela
afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”.
Nesse sentido, também foi editado um enunciado pela Jornada de Direito Civil (Enunciado
138 da JDC), que diz: “a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inciso I do artigo
3°, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes,
desde que demonstrem discernimento suficiente”.
Conclui-se, assim, que a curatela ainda persiste no nosso ordenamento jurídico. No
entanto, nos termos do art. 84, §3º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a definição de curatela
de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades
e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.
Outra questão relevante que foi introduzida pelo Estatuto é a tomada de decisão apoiada.
A tomada de decisão apoiada encontra-se prevista no art. 1.783-A do Código Civil. É o processo
pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais
mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão
sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa
exercer sua capacidade.
A doutrina civilista afirma que essa decisão é, efetivamente, “apoiada”. Somente é possível
ter tomada de decisão apoiada se a pessoa a ser apoiada tiver o mínimo de discernimento. A
decisão não é substituída, ou seja, a decisão final será da pessoa que está sendo apoiada.

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Os limites do apoio estarão inseridos no termo, inclusive prazo de vigência do acordo,
conforme §1º do 1.783-A do Código Civil, in verbis:
para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com
deficiência e os apoiadores devem apresentar termo em que constem
os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores,
inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos
direitos e aos interesses da pessoa que devem apoiar. O pedido de
tomada de decisão apoiada é feito perante o Juiz, com a participação
do Ministério Público (CC, art. 1.783-A, § 3º).
Outro ponto interessante a mencionar é quando os apoiadores não estão em harmonia
com a decisão. Neste caso, o juiz vai decidir, após manifestação do Ministério Público, tudo nos
termos do §6º do art. 1.783-A do Código Civil.

2.5. MAIORIDADE CIVIL

A maioridade põe fim à menoridade. Conforme ensina Fábio Ulhoa, a maioridade inicia-
se à zero hora do primeiro dia seguinte àquele em que a pessoa completou seu décimo oitavo
aniversário.
A partir desse instante a pessoa é plenamente capaz para os atos da vida civil. Embora a
maioridade só inicie aos 18 anos, é possível que haja a antecipação de seus efeitos. Muitos dizem,
de forma equivocada, que a maioridade pode ser antecipada. Não, não pode. O que se antecipa
são os efeitos da maioridade. Isso se dá com a emancipação.
Dois pontos merecem atenção quando se fala em maioridade. O primeiro deles diz
respeito a pensão alimentícia. Significa que o genitor que paga pensão alimentícia não fica
automaticamente desobrigado do dever alimentar pelo simples fato do seu filho atingir a
maioridade. Nesse caso, é preciso que se ingresse com ação de exoneração de alimentos,
garantindo, assim, o direito ao contraditório1. Isso porque é possível que esse filho esteja
estudando, fato que prorrogará a pensão alimentícia até os 24 anos de idade.

1
Súmula 358 do STJ: O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão
judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

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O segundo ponto é sobre o termo final de recebimento de pensão por morte. Isso porque
o art. 16, I da Lei nº 8.213/91 diz que são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na
condição de dependentes do segurado, os menores de 21 anos de idade. Ora, o Código Civil diz
que o maior de 18 anos é maior e capaz e a lei específica diz que o menor de 21 anos de idade é
dependente. Como fazer diante desse conflito? Em primeiro, a lei surgiu quando a maioridade era
atingida aos 21 anos de idade. Em segundo, a doutrina e a jurisprudência entendem que a redução
da maioridade para os 18 anos não atingiu a lei da previdência, uma vez que ela presume que a
dependência econômica, para fins previdenciários, não cessa aos 18 anos, mas sim, aos 21 anos
de idade.
Nesse sentido foi editado o enunciado 3 da I Jornada de Direito Civil.

2.5.1. DA EMANCIPAÇÃO

A emancipação é a antecipação dos efeitos da maioridade. Ela está prevista no art. 5º,
parágrafo único, do Código Civil, podendo ser voluntária, legal ou judicial. A emancipação somente
pode acontecer para os maiores de 16 anos de idade, mesmo nas hipóteses de emancipação
legal. No caso do casamento é preciso fazer apenas uma observação. A regra é a de que o
casamento só pode ser contraído por quem tenha a idade núbil.
Essa é atingida aos 16 anos de idade. Portanto, mesmo no caso de emancipação pelo
casamento, é necessário ter 16 anos de idade. Por fim, é interessante, antes de ingressar nas
formas de emancipação, falar sobre a emancipação e a permissão para conduzir veículo
automotor.
Embora o emancipado esteja, com a emancipação, apto a praticar os atos da vida civil,
podendo, inclusive, comprar um carro, não poderá conduzi-lo. Isso porque o Código de Trânsito
Brasileiro, no art. 140, I, diz que é requisito para adquirir a habilitação ser penalmente imputável,
ou seja, enquanto a maioridade penal for atingida apenas aos 18 anos de idade, somente com
essa idade a pessoa pode dirigir.

2.5.1.1. DA EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA

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A emancipação voluntária é aquela concedida pelos pais, sendo realizada diretamente no cartório,
mediante escritura pública, ao menor que já tenha atingido 16 anos. Ela prescinde de homologação
judicial, basta a vontade dos pais.
Trata-se de um ato discricionário dos genitores, ou seja, os filhos não podem exigir de
seus pais a disposição do poder familiar. Ex.: Não se pode ajuizar uma ação de obrigação de fazer
contra os genitores exigindo que eles o emancipem.
Aquele que tem o poder familiar tem que participar do ato emancipatório. E se os pais não
concordam com o ato de emancipar? Havendo divergência entre a vontade dos pais, o juiz
decidirá. Sobre a emancipação voluntária há uma questão relevante que vem sendo decidida pelo
Poder Judiciário. Quando os pais emancipam o maior de 16 anos de idade, isso não tem o condão
de livrá-los o pagamento de indenização pela prática do ato ilícito do filho.
Nesse sentido já decidiu o STJ (AgRg no Ag 1239557/RJ – Rel. Ministra Maria Isabel
Gallotti). Nesse sentido, o enunciado 41 da Jornada de Direito Civil traz que “a única hipótese
em que poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter sido
emancipado nos termos do art. 5º, parágrafo único, inc. I, do novo Código Civil”.

2.5.1.2. DA EMANCIPAÇÃO JUDICIAL

A emancipação judicial acontece em uma única hipótese, qual seja, quando concedida a
pedido do tutor. É necessária a oitiva do tutor e do Ministério Público. É importante ponderar que
o tutor não pode emancipar o tutelado de forma voluntária.

2.5.1.3. DA EMANCIPAÇÃO LEGAL

Por fim, a emancipação legal acontece nas hipóteses trazidas pelo Código Civil, sendo
aquelas previstas no art. 5º, parágrafo único, II, III, IV e V do Código Civil, ou seja, pelo casamento,
pelo exercício de emprego público efetivo, pela colação de grau em curso de ensino superior, e
por fim, por ser titular de estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos tenha economia própria.
Sobre a emancipação legal é preciso pontuar: a) economia própria é um conceito vago,
que será interpretado no caso concreto. É a aplicação efetiva da teoria das janelas abertas;

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b) não há homologação judicial na emancipação legal, basta a ocorrência dos fatos
previstos em lei; c) em relaç relação ao casamento como hipótese de emancipação legal, não se
aplicará nos casos de união estável. Isso porque, a união estável não possui o fato constitutivo,
como se tem no casamento. Havendo divórcio, o menor não retorna ao estado de incapaz, no
entanto, se o casamento for considerado nulo ou inválido, o menor voltará à condição de incapaz.
Ademais, em se tratando de casamento putativo (casamento nulo ou anulável contraído
de boa-fé por um ou ambos os nubentes) a pessoa permanece da condição de capaz; d) a hipótese
de emprego público efetivo, previsto no Código Civil, tornou-se um dispositivo inócuo, pois
atualmente é necessário ter 18 anos para esse tipo de emprego.

2.5.1.4. DA REVOGAÇÃO DA EMANCIPAÇÃO

A emancipação possui caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade. No entanto, não


significa dizer que não possa ser anulada. A emancipação voluntária, embora não seja um ato
jurídico em sentido estrito, cujos efeitos estão na lei, não significa que não possa ser invalidado.
Até porque, o artigo 185 do CC, estabelece que “poderão aplicar aos atos jurídicos, os
dispositivos relacionados a negócio jurídico”. Ex.: se o filho coage o pai para emancipá-lo, é
possível invalidar essa emancipação. Portanto, quando presente qualquer vício do negócio
jurídico, como coação, erro, dolo, simulação, fraude contra credores, será possível se cogitar em
uma anulação da emancipação.
Outra questão é a revogação da emancipação caso fique comprovado que os
responsáveis legais do relativamente incapaz realizaram a emancipação apenas para se livrarem
do dever de auxiliar o assistido. Nessa hipótese, é possível se cogitar em uma revogação da
emancipação.

2.6. DA EXTINÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – MORTE

A personalidade jurídica é extinta pela morte. De modo geral, a extinção da personalidade


jurídica é extremamente relevante no mundo jurídico, uma vez que interfere diretamente em outros
ramos, como a abertura da sucessão; transmissão da herança pelo princípio da saisine; extinção
do poder familiar; extinção do matrimônio; fim de relações personalíssimas, dentre outros.

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No direito civil temos dois tipos de morte, a real e a presumida. A morte real é aquela em
que temos um corpo morto. Tem-se morte real com a paralisação da atividade encefálica, segundo
dispõe a Lei nº 9.434/97 – Lei dos Transplantes de Órgão. Por essa razão, a extinção da
personalidade jurídica não acontecerá da mesma forma que à sua inquisição, ou seja, com a
respiração. Portanto, basta que um médico ateste o fim da atividade encefálica para se decretar a
morte. Todavia, se a morte tiver fins de transplante de órgãos, a morte precisa ser atestada por
dois médicos que não integre a equipe de remoção do órgão (art. 3º da Lei nº 9.434/97).
A morte presumida é considerada como sendo aquela em que não há a presença de um
corpo morto. A morte presumida pode ser com declaração de ausência ou sem declaração de
ausência. O art. 7º do Código Civil trata dos casos em que a morte é sem declaração de ausência,
uma vez que a probabilidade da morte ter ocorrido é alta. Já a morte presumida com declaração
de ausência se encontra disciplinada nos artigos 22 ao 39 do Código Civil, possuindo um
procedimento específico de três fases.

2.6.1. DA MORTE SEM DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA

Dispõe o art. 7º, incisos I e II, Código Civil, que pode ser declarada a morte presumida,
sem decretação de ausência, se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo
de vida, ou então, se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado
até dois anos após o término da guerra7. Na primeira hipótese temos os casos recentes de
tragédias envolvendo as companhias aéreas, como Air France; Air Malasia, barragem de
Brumadinho, dentre outros.
É importante constar que a declaração da morte presumida, nesses casos, somente
poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a
data provável do falecimento. Para que o juiz profira essa sentença é preciso que haja o
procedimento de justificação.

2.6.2. DA MORTE COM DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA

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A morte com declaração de ausência possui um procedimento próprio, previsto no Código
Civil, que visa arrecadar os bens do ausente, dar a posse dos bens aos herdeiros de forma
provisória, e por fim, declarar a morte com a transmissão definitiva da posse e propriedade dos
bens.
Com isso, tal procedimento possui três fases, sendo a primeira a da arrecadação dos bens
do ausente, a segunda da sucessão provisória, e por fim, a terceira que é a sucessão definitiva.
Na fase de arrecadação dos bens do ausente, que se inicia com a judicialização da notícia do
desaparecimento da pessoa, o juiz nomeia um curador dentre as pessoas elencadas no art. 25 do
Código Civil, devendo seguir a ordem da lei.
Esse período de arrecadação, que pode ser de 1 (um) ano ou de 3 (três) anos, encerra a
primeira fase. Será de três anos quando o ausente deixou procurador para administrar seus bens,
sendo de um ano quando não existir procurador constituído (CC, art. 26).
Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores, no
sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça,
onde permanecerá por 1 (um) ano, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da
comarca, durante 1 (um) ano, reproduzida de 2 (dois) em 2 (dois) meses, anunciando a
arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens (CPC, art. 745).
Findo o prazo previsto no edital, ou seja, após um ano da arrecadação dos bens do
ausente, poderão os interessados (CC, art. 27) requerer a abertura da sucessão provisória. Na
fase da sucessão provisória, ao ser prolatada a sentença, que somente produzirá efeitos 180 dias
depois de publicada pela imprensa. No entanto, ao transitar em julgado já poderá dar proceder-
se-á à abertura do testamento, se houver, e ao inventário e partilha dos bens, como se o ausente
fosse falecido (CC, art. 28).
Dessa forma, ao permitir o ingresso dos herdeiros na posse, o juiz exigirá deles uma
garantia de que eles serão restituídos. Essa garantia pode ser de penhor ou de hipoteca. Os
herdeiros necessários estão dispensados dessa garantia (CC, art. 30, § 2º). Os demais, que não
puder prestar a garantia serão excluídos, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a
administração do curador, ou de outro herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia
(CC, art. 30, § 1º).

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Nessa fase não se pode alienar os imóveis, salvo para evitar ruína e com autorização do
juiz. O mesmo para se hipotecar o bem. É o que se extrai do art. 31 do Código Civil. Por fim, é
importante tecer algumas considerações acerca dos frutos que os bens dão.
O descendente, ascendente ou cônjuge que for sucessor provisório do ausente, fará 100%
dos frutos que os bens dão. Os outros sucessores (herdeiros facultativos), porém, deverão
capitalizar metade desses frutos e rendimentos, com obrigação de prestar contas anualmente ao
juiz. Essa capitalização ocorre em títulos garantidos pela União, nos termos do art. 29 do Código
Civil. Essa capitalização é necessária para o caso do retorno do ausente. Se isso acontecer, e
ficar provado que a ausência foi voluntária e injustificada, perderá ele, em favor do sucessor, sua
parte nos frutos e rendimentos.
Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida a posse
provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando, todavia,
obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono. É o
que dispõe o art. 36 do Código Civil.
Dez anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão
provisória abre-se a sucessão definitiva, por requerimento. Com a sucessão definitiva atesta-se a
morte do ausente e os herdeiros tomam os bens para si, de forma definitiva. No entanto, ainda é
permitido ao ausente reaver os bens.
Nos termos do art. 39 do Código Civil, regressando o ausente nos dez anos seguintes à
abertura da sucessão definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes
haverão só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o
preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens alienados depois
daquele tempo.
Se, nos dez anos da sucessão provisória, o ausente não regressar, e nenhum interessado
promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do
Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da
União, quando situados em território federal (CC, art. 39, parágrafo único).
Por fim, é interessante anotar que o art. 38 do Código Civil traz uma conversão direta em
sucessão definitiva, sem passar pelas fases anteriores. Se comprovar que uma pessoa ausente,
esteja desaparecido a mais de 5 anos e que conta com 80 (oitenta) anos de idade, poderá ser
requerida a abertura da sucessão definitiva. Isso porque a idade do ausente traz uma presunção

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de que as chances de sobrevivência dessa pessoa são mínimas. Desta forma, as medidas
protetivas do seu patrimônio também poderão ser mitigadas.

2.6.3. DA COMORIÊNCIA

Comoriência tem relação com o momento da morte, interferindo diretamente nos direitos
sucessórios. Segundo o art. 8 do Código Civil, se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma
ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-seão
simultaneamente mortos.
Há uma discussão na comoriência se o Código Civil, ao se valer do termo mesma ocasião,
pretendeu adotar comocomorientes as pessoas que morrem do mesmo evento, ou então, que
faleceram ao mesmo tempo. A doutrina majoritária, que enfrenta o assunto, posiciona-se no
sentido de que mesma ocasião leva a ideia de tempo e não de lugar. Nesse caso, considera-se
comorientes as pessoas que morreram ao mesmo tempo, independentemente de ser sido do
mesmo evento.

2.7. DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade por muitos anos ficaram no esquecimento, sem relevância


jurídica, já que a proteção do patrimônio era a única a ser tutelada. O ser humano não será
protegido apenas no seu patrimônio, mas também em elementos que integram a sua alma.
Os direitos da personalidade têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da
pessoa, mas não apenas individualmente, mas também socialmente. São direitos inatos, ou seja,
que nascem com o ser humano que não podem ser renunciados ou dispensados.
Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves fazem uma correlação interessante sobre os direitos
da personalidade. Eles dizem que, assim como os direitos fundamentais estão para a Constituição
Federal, os direitos da personalidade estão para Código Civil.

2.7.1. ASPECTOS GERAIS

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O Código Civil não exauriu todos os direitos da personalidade, podendo existir outros
esparsos pelo ordenamento jurídico. Os direitos autorais é um exemplo que pode ser mencionado
de um direito da personalidade não previsto no Código Civil.
Nesse sentido foi editado o enunciado 274 da Jornada de Direito Civil que diz:
os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo
Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa
humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade
da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode
sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.

O enunciado representa muito bem a Escola do Direito Civil Constitucional que procura
analisar o direito privado a partir da Constituição Federal e dos seus princípios fundamentais. O
artigo 11 do Código Civil menciona que “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária”.
O referido artigo trabalha com mais uma das características dos direitos de personalidade,
o qual não consta no rol já mencionado. Desse modo, quando falamos em intransmissível e
irrenunciável, tem-se que os direitos de personalidade são indisponíveis.
Todavia, tais características não estão revistas de caráter absoluto. Significa que em
algumas situações pode-se dispor desses direitos de personalidade. A parte destacável dos
direitos da personalidade é aquela de cunho patrimonial, realizada mediante um contrato, que tem
que respeitar a sua função social. Essa parte disponível tem um limite temporal e moral, ou seja,
a disponibilidade não pode ser eterna e não pode ofender a moral e os bons costumes, além de
não atentar contra a dignidade humana. Aqui, não tem como não lembrar do famoso caso de
arremessos de anão na França.
Além disso, o contrato que trata dessa parte destacável tem que respeitar a eficácia interna
da função social, ou seja, entre as partes do contrato é preciso que haja um respeito aos interesses
sociais. A Jornada de Direito Civil da Justiça Federal editou três enunciados sobre o tema, sendo
o 49, 2310 e 36011.
O Código Civil prevê a proteção dos direitos da personalidade em seu art. 12. Os direitos
da personalidade são protegidos pelos princípios da prevenção e da proteção integral dos danos.

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Pelo princípio da prevenção inibe-se, por meio da tutela inibitória o nascimento do ilícito. É a busca
e apreensão de uma revista que está prestes a publicar uma reportagem que ofende a honra de
uma pessoa. Todavia, quando o ilícito já produziu seus efeitos, a proteção é por meio da tutela
ressarcitória ou reparatória. Inclusive, permite-se que o juiz, de ofício, fixe utela específica para a
proteção dos direitos da personalidade, como é o caso de astreintes.
Nesse sentido, o enunciado 140 da Jornada de Direito Civil traz que “a primeira parte do
art. 12 do Código Civil refere-se às técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas
no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada com resultado extensivo”.
Por fim, mister se faz tecer considerações acerca da existência de conflito de direitos da
personalidade, como um possível conflito entre a honra e a informação; liberdade de imprensa e
privacidade; direito de crença e a vida, dentre outros. Diante desses conflitos, e sabendo que um
direito não se sobrepõe ao outro, é preciso socorrer-se ao método da ponderação de princípios.
Os direitos fundamentais não possuem natureza, e assim, devem ser vistos diante do caso
concreto e dos argumentos fornecidos pelas partes envolvidas. Dessa forma, evidencia-se a
necessidade de se ponderar para se chegar a solução do conflito. A ponderação nada mais é do
que atuar com proporcionalidade diante do caso posto.
Na opinião do Ministro do STF Luís Roberto Barroso, a ponderação é uma “técnica de
decisão jurídica, aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou
insuficiente”. Assim, em breve resumo, a ponderação é o método de redução proporcional de um
determinado princípio em detrimento do outro que, naquela circunstancia mostrou uma maior
relevância jurídica.

2.7.2. DISPOSIÇÃO DO PRÓPRIO CORPO

Dispõe o art. 13, caput e parágrafo único, do Código Civil que, salvo por exigência médica,
é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da
integridade física, ou contrariar os bons costumes. O ato de disposição será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial.
O Código estabelece que essa disposição do corpo de forma permanente é vedada, salvo
se existir uma exigência médica nesse sentido. Caso não exista exigência médica, não há de que
se falar em disposição de parte do corpo vivo de forma permanente, salvo para fins detransplante.

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Nesse ponto, não há como não se falar em transgenitalização. Trata-se do procedimento
cirúrgico que possibilita a retirada de parte do corpo, especificadamente órgão genital, para a
pessoa se transformar no sexo e incorporar a personalidade que acredita possuir.
São denominados de wannabes (essa expressão decorre da língua inglesa, que significa
“I want to be”, e que traduzida para o português significa “eu quero ser”), ou seja, pessoas que
possuem um sexo, mas que querem possuir outro.
O transexualismo, no meio médico, é uma patologia, visto que a pessoa tem um desvio
psicológico permanente de sua sexualidade. Isto é, o sujeito rejeita o fenótipo. Não somente,
segundo o Conselho Federal de Medicina, teria o sujeito uma sujeição à automutilação ou
autoextermínio.
Com isso, entende-se que somente com autorização de um médico, após sessões com
psiquiatra, é que seria autorizada a realização da cirurgia de mudança de sexo. Nesse caso,
haveria a recomendação médica para cirurgia do transexual. Existem movimentos científicos que
pretendem considerar o transexualismo uma condição sexual.
Com a alteração do sexo surge uma questão jurídica a ser resolvida, qual seja, o registro
civil da pessoa, seja no aspecto do gênero seja no nome da pessoa. Com isso, inicialmente, o
Poder Judiciário vinha entendendo que a alteração do gênero e do nome, incluindo o prenome,
era medida a ser adotada para àqueles que procedessem a alteração do sexo.
Todavia, recentemente o STF possibilitou aos transgêneros a possibilidade de alteração
do registro civil sem a mudança de sexo. A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4275, em março de 2018. Todos os ministros da Corte reconheceram
o direito, e a maioria entendeu que, para a alteração, não é necessária autorização judicial.
Assim, o STF não apenas reconheceu o direito de mudança do registro civil (gênero e
nome) sem cirurgia, mas também, sem necessidade de ordem judicial. Com isso, foi a ação julgada
procedente para dar à Lei dos Registros interpretação conforme a Constituição Federal e pactos
internacionais que tratam dos direitos fundamentais, a fim de conceder aos transgêneros que
desejarem o direito à alteração de nome e gênero no assento de registro civil, independentemente
da cirurgia.

2.7.3. DISPOSIÇÃO PÓS-MORTE

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Segundo o art. 14 do Código Civil, é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a
disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. O dispositivo
legal reflete a possibilidade de doação de órgãos.
A disposição de órgão para depois da morte é plenamente possível, porém esta disposição
do próprio corpo pode ser revogada a qualquer momento. Significa que se permite o
arrependimento, conforme se nota do parágrafo único do art. 14 do Código Civil.
Para regulamentar a questão da doação de órgãos foi editada uma lei específica sobre o
tema. Quando o doador manifesta sua vontade, de forma expressa, em vida, não há qualquer
discussão sobre o tema. Trata-se do princípio do consenso afirmativo. Antes da edição desse
princípio se entendia que, na omissão, a pessoa era doadora de órgão. Atualmente, não é mais
assim.
A discussão jurídica ocorre quando o doador morre. Segundo o Enunciado 277 CJF/STJ
da IV Jornada de Direito Civil12, o artigo 14 do Código Civil ao tratar da disposição gratuita do
próprio corpo determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece
sobre a vontade dos familiares.
Todavia, quando a pessoa não manifesta, de forma expressa, que é doador de órgãos, a
lei permite que essa decisão seja tomada por parentes. O art. 4º da Lei nº 9.434/97 estabelece
que a retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou
outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade,
obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau, inclusive, firmada em
documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte.
Em outras palavras, a retirada de órgãos post mortem deverá ser precedida de diagnóstico
de morte encefálica, e depende de autorização de parente maior, na linha reta ou colateral até o
2º grau, ou do cônjuge sobrevivente. É importante mencionar que, para pessoas não identificadas,
não será permitida a doação de órgãos. É o disposto no art. 4º, § 6º da Lei nº 9.434/97.

2.7.4. TRATAMENTO SEM CONSENTIMENTO

Dispõe o art. 15 do Código Civil que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com
risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Significa que no caso em que o
paciente, ao ser previamente esclarecido do risco do procedimento, tem o direito potestativo de se

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negar a realizar o procedimento cirúrgico, sem que, com isso, atraia a responsabilidade civil do
médico. Tanto é que o STJ entendeu que a internação forçada do paciente, ainda que por decisão
dos pais, é descabida, configurando constrangimento ilegal.
O caso ganha contornos diversos quando o paciente, diante de um caso grave, não tem
condições de manifestar sua vontade. Nessas hipóteses o médico tem o dever de realizar o
procedimento cirúrgico tentando salvar a vida da pessoa humana.
A VI Jornada de Direito Civil aprovou o Enunciado 533, dizendo que o paciente plenamente
capaz pode deliberar sobre todos os aspectos concernentes ao tratamento médico que possa lhe
causar algum risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergências no curso
de procedimentos médico e cirúrgicos que não possam ser interrompidos.
Por último, a grande questão polêmica sobre esse dispositivo legal é o conflito que pode
surgir entre a crença religiosa e o direito à vida. Sabe-se que os seguidores da cresça
denominados de testemunha de Jeová, não aceitam, em hipótese nenhuma, a transfusão de
sangue. Assim, imagine a situação da testemunha de Jeová que, inconsciente, chega ao pronto
socorro, estando entre a vida e morte, precisando de transfusão de sangue. Nessa hipótese deve
ser aplicado o método da ponderação, critério utilizado para resolver conflitos entre princípios.
Nessa senda, conforme posição majoritária na jurisprudência, deve o médico salvar a vida,
bem maior protegido pela Constituição Federal. Desta forma, o direito à liberdade de crença não
é absoluto, ele pode ser limitado se ofender outro direito fundamental garantido na Constituição,
como o direito à vida.
O TJSP já julgou demanda em que a testemunha de Jeová ingressou com ação judicial
contra o médico que a salvou. Segundo o TJSP14 não há que se falar em exercício regular das
próprias funções, modalidade de exercício regular de direito (Código Civil, artigo 188, I).
Para finalizar, existe doutrina que diz que a Jornada de Direito Civil foi contra a posição
exposta acima, editando o Enunciado 403. Ao contrário, o enunciado reforma a posição expressa
no art. 15, ou seja, a pessoa consciente, alertada do risco do procedimento, tem o direito de decidir
em prol da cresça religiosa e se negar a realizar o procedimento de transfusão de sangue.
Segue a redação do enunciado:
O Direito à inviolabilidade de consciência e de crença, previsto no
art. 5º, VI, da Constituição Federal, aplica-se também à pessoa que
se nega a tratamento médico, inclusive transfusão de sangue, com

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ou sem risco de morte, em razão do tratamento ou da falta dele,
desde que observados os seguintes critérios: a) capacidade civil
plena, excluído o suprimento pelo representante ou assistente; b)
manifestação de vontade livre, consciente e informada; e c) oposição
que diga respeito exclusivamente à própria pessoa do declarante.

2.7.5. DO NOME

O nome é o instrumento que identifica a pessoa no meio social. “É o nome que identifica
a pessoa nos circuitos familiar, profissional e social, daí exsurgindo a sua importância como traço
individualizador que molda e projeta a sua personalidade” (JAMES, Eduardo Oliveira – Código
Civil Anotado e Comentado – Editora Forense).
O nome encontra-se protegido pelo Código Civil e pelas leis especiais, e emerge do
princípio da segurança jurídica. Protege-se a sociedade evitando-se que a pessoa mude seu
nome, sem fundamento, prejudicando terceiros, tanto na esfera criminal quanto na esfera cível.
Diante disso, o nome é protegido pelo princípio da imutabilidade do nome. Todavia, esse princípio
não é absoluto.
São elementos do nome o prenome; sobrenome, e ainda, o agnome. O prenome é o
primeiro nome da pessoa, podendo ser ele simples ou composto. O sobrenome, antigamente
conhecido como patronímico de família (mudança ocasionada pelo princípio da operabilidade) é o
identificador familiar. Por fim, o agnome é o elemento que identifica, dentro de uma mesma família,
pessoas com o mesmo prenome e sobrenome. Se o patriarca se chama Antenor Zuliani, seu filho
vai se chamar Antenor Zuliani Filho, e seu neto se chamará Antenor Zuliani Neto.
Conforme ressaltado, o nome se sujeita ao princípio da imutabilidade do nome. No
entanto, essa imutabilidade não é absoluta. Dispõe a Lei de Registros Públicos, no art. 56, que: “o
interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por
procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-
se a alteração que será publicada pela imprensa”. Significa que, entre os 18 e 19 anos, a pessoa
pode, administrativamente, alterar o nome, desde que isso não prejudique a sua identificação no
seio familiar.

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A lei traz no art. 57 que a alteração posterior de nome, ou seja, após o primeiro ano da
maioridade, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será
permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e
publicando-se a alteração pela imprensa.
Em uma leitura rápida de ambos os dispositivos é possível extrair a tese de que no primeiro
ano da maioridade seria possível a alteração do nome administrativamente, enquanto, após esse
primeiro ano, somente mediante ação judicial, com presença do Ministério Público.
No entanto, a posição da ARPEN (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do
Estado de São Paulo) defende a tese de, em ambos os casos, a modificação depende de sentença
judicial. O requerimento deve ser efetuado através de processo a ser manejado em juízo, assim
como no caso do art. 57. O que muda é que na hipótese do art. 56 a modificação, realizada no
prazo legal, não precisa ser justificada. Na hipótese do art. 57 a alteração só pode se operar por
exceção e justo motivo.
Por fim, a jurisprudência, interpretando tal dispositivo, chegou à conclusão de que essa
alteração é somente do sobrenome, não se permitindo a alteração do prenome, e sempre,
preservando a identificação familiar. Assim, seria possível modificar a ordem dos nomes; incluir
sobrenome de família que não foi colocado pelos pais; retirar sobrenome que o titular acredita não
se identificar, dentre outros casos.
Sobre a possibilidade de se alterar o prenome, o art. 56 utiliza a expressão nome, o que
engloba todos os elementos. Todavia, é pacífico que a alteração do prenome somente seria
possível diante do procedimento previsto no art. 57, apresentando um justo motivo.
Ainda sobre a relativização do princípio da imutabilidade do nome, permite-se a alteração
nas seguintes hipóteses: exposição ao ridículo; erro de grafia crasso; adequação de sexo
(transgenitalização); introdução de alcunha (alcunha também é conhecida como apelido ou
cognome); introdução do nome do cônjuge ou convivente; introdução do nome do pai ou da mãe
no caso de adoção do filho; tradução de nome estrangeiro, e por fim, proteção de testemunhas.
A chamada Lei Clodovil (Lei nº 11.924/09), em homenagem ao Deputado Federal e
apresentador de Televisão, modificou o art. 57, incluindo o § 8º, permitindo-se que o enteado ou
a enteada, havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de
nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que
haja expressa concordância desses, sem prejuízo de seus apelidos de família.

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Além desses casos permitidos pela Lei de Registros Públicos, a jurisprudência, a cada dia
que passa, enaltecendo o princípio da dignidade humana, tem flexibilizado mais o princípio da
imutabilidade do nome, como passamos a mencionar.
O STJ, recentemente, entendeu que no caso de abandono afetivo e econômico por parte
de genitor, o filho poderá fazer requerimento de retirada no nome de identificação familiar desse
pai ou mãe.
O mesmo STJ também entendeu que é possível a retificação do registro civil para
acréscimo do segundo patronímico do marido ao nome da mulher durante a convivência
matrimonial.
Não se desconhece que a princípio, o propósito de alteração do sobrenome se revela mais
apropriada na habilitação para o futuro casamento, quando o exercício do direito é a regra.
Contudo, não há vedação legal expressa para que, posteriormente, o acréscimo de outro
patronímico seja requerido ao longo do relacionamento, por meio de ação de retificação de registro
civil, conforme artigos 57 e 109 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), especialmente
se o cônjuge busca uma confirmação expressa de como é reconhecido socialmente, invocando,
ainda, motivos de ordem íntima e familiar, como, por exemplo, a identificação social de futura prole.
Em contrapartida, ainda dentro desse tema, existe a proteção que o ordenamento jurídico
confere ao pseudônimo (CC, art. 19). O pseudônimo é nome adotado por autor ou responsável
por uma obra (literária, artística ou científica, ou de qualquer outra natureza), que não usa o seu
nome civil verdadeiro ou o seu nome consuetudinário, por modéstia ou conveniência ocasional ou
permanente, com ou sem real encobrimento de sua pessoa. Na verdade, nos termos do art. 5º,
VIII, “c” da Lei dos Direitos Autorais, aquele autor que se oculta sob nome suposto.
O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome. Por
fim, sobre a proteção jurídica do nome, dispõe o art. 17 do Código Civil que nome da pessoa não
pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo
público, ainda quando não haja intenção difamatória. No mesmo sentido é o art. 18 do Código Civil
que diz que sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial. Caso
haja infringência ao dispositivo citado haverá a prática de ato ilícito, passível de indenização,
material e moral.

2.7.6. DO DIREITO DE IMAGEM

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A imagem é um direito inato da pessoa humana consistindo na sua fisionomia física e
social. É a forma como a pessoa fisicamente se apresenta, bem como o modo que a sociedade a
enxerga. É baseado nesse conceito que a doutrina classifica a imagem em imagem retrato e
imagem atributo. A imagem-retrato é a sua fisionomia e aparência. A imagem-atributo é a sua
qualificação, sendo a imagem pela qual as pessoas lhe julgam.
As duas modalidades de imagem estão protegidas pelo artigo 20 do Código Civil, que
assim dispõe:
salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à
manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de
uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo
da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Pela leitura do dispositivo legal podemos extrair que, nos casos de interesse da ordem
pública e de interesse da administração da justiça, o direito de imagem da pessoa pode ser
utilizado sem necessidade de autorização. Ordem pública e administração da justiça são cláusulas
gerais, ou seja, é o Juiz quem vai dizer, no caso concreto, se fica autorizada a divulgação dessa
imagem da pessoa sem a sua autorização.
Nos demais casos, a autorização de seu titular é imprescindível. Não havendo
autorização, é possível aplicar o princípio da prevenção, impedindo que novas publicações sejam
feitas, bem como o princípio da reparação integral do dano, de forma que, caso haja violação,
deverá reparar o dano.
Outra questão é que, pelo dispositivo legal, somente pode proibir a utilização da imagem
sem autorização, caso ela atinja a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a
fins comerciais. Essa interpretação é equivocada do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial.
Isso porque, atualmente, em razão da relevância da dignidade humana e dos princípios
fundamentais, a proibição pode ocorrer em qualquer caso quando não exigir autorização. A
natureza da utilização da imagem é que vai ser analisada para gerar ou não indenização. Assim,
se a utilização sem autorização atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se

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destinarem a fins comerciais, nascerá o direito de indenizar. Se não houver essa ofensa, apenas
existe o direito de evitar a publicação ou de retirá-la de circulação.
Sobre o dever de indenizar, quando o uso da imagem atingir a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, cabe ao ofendido comprovar o prejuízo. É ônus do detentor do direito de imagem.
É claro que o Juiz tem sensibilidade para analisar se a utilização de imagem de alguém ofende a
honra, boa fama ou respeitabilidade, não sendo um ônus probatório árduo.
No entanto, em se tratando da publicação de imagem de pessoa não autorizada, com fins
econômicos ou comerciais, o prejuízo é presumido, gerando um dano in re ipsa. Nesse sentido, a
Súmula 403 do STJ diz que “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não
autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”
Em relação às pessoas públicas, não se desconhece que tais cidadãos também são
detentores de direito de imagem. Todavia, o direito de imagem dessas pessoas sofre uma
mitigação em razão do interesse público e do direito de informação. Desta forma, o STJ entendeu,
em caso envolvendo a pessoa pública, que o seu direito de imagem não pode ser proibido desde
que haja compromisso ético com a informação verossímil, que se preserve os direitos da
personalidade, entre os quais se incluem os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à
intimidade, e por fim, que se vede a veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar
ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi). Entendeu que a princípio, não configura
ato ilícito as publicações que narrem fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões
severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam
atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e a crítica referirem-
se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.
Por fim, é importante constar que a captação do direito de imagem, em ambiente público,
somente passa a ser ofensivo quando contextualizada ou específica, dando a interpretação de
que o foco não é o ambiente, mas sim, a sua pessoa. Caso isso aconteça ocorrerá violação ao
direito de imagem.

2.7.7. VIDA PRIVADA E INTIMIDADE

A intimidade e a vida privada da pessoa humana angariam proteção pelo Código Civil, como se
nota do art. 21 do Código Civil, in verbis: “a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a

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requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar
ato contrário a esta norma”.
Existe diferença entre vida privada e intimidade. A vida privada é um núcleo restrito da
vida social da pessoa que ela abre apenas para um grupo seleto de pessoas, enquanto a
intimidade é aquele momento íntimo da pessoa, ou seja, núcleo mais restrito ainda.
No que concerne a proteção, ambos possuem o mesmo peso, tendo a mesma proteção.
Na visão do ato ilícito, o que a faz diferenciar uma da outra é no quantum indenizatório, sendo que
a indenização é maior quando se viola a intimidade. Mesmo o direito à vida privada e à intimidade
não são revestidos de caráter absoluto.
Anderson Schreiber diz que é necessária a ponderação. Um exemplo claro de ponderação
de vida privada é a segurança, por exemplo. No caso do aeroporto, quando se coloca a bagagem
no raio-x, o agente da Infraero visualiza tudo. Todavia, nesse caso, o direito à segurança se
sobrepõe ao direito à privacidade.
Ainda dentro do tema da intimidade e da vida privada encontra-se o a questão da
biográfica. A biografia é um gênero literário em que o autor narra a história da vida de uma pessoa
ou de várias pessoas (conceito retirado da Wikipédia).
Sobre a biografia, surgiu uma discussão jurídica sobre a necessidade ou não de
autorização do personagem principal para que sua vida seja narrada. O STF, por unanimidade,
julgou procedente uma ADIN18, para dar interpretação conforme a Constituição aos arts. 19 e 20
do Código Civil, sem redução de texto. O STF declarou inexigível o consentimento da pessoa
biografada. Ou seja, ela não tem que autorizar para que sua vida seja contada. É igualmente
desnecessária a autorização das pessoas que sejam coadjuvantes na biografia, bem como
aquelas que tenham morrido, mas que foram mencionadas.
Além disso, o Supremo reafirmou que o direito à inviolabilidade, da privacidade,
intimidade, da honra e da imagem da pessoa, caso haja lesão aos seus direitos, deve-se haver a
reparação dos danos.
Outra questão polêmica é a publicidade do salário do servidor público. A publicação da
folha de pagamento de um determinado servidor público ofende a sua intimidade (ou vida
privada)? O TJDFT julgou um caso em que determinada imprensa escrita publicou uma
reportagem expondo o salário de um servidor da Câmara dos Deputados. Esse Analista ingressou

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com ação dizendo que aquela publicidade ofendeu a sua intimidade, pois a partir de então
familiares passaram a pedir dinheiro emprestado, além de despertar a cobiça de vizinhos.
Nota-se que há forte corrente que entende que o salário do servidor público é pago pela
sociedade, tendo ela interesse e direito de conhecer quanto que o servidor recebe e se estão
observando os ditames legais. Assim, entende-se que a simples publicidade de salário, sem
exposição de descontos da vida pessoal, e sem falácias, não configura ato ilícito.

2.7.8. DIREITO DOS MORTOS


O parágrafo único do artigo 20 do Código Civil, assim como o § único do artigo 12,
reconhecem direitos da personalidade do morto, havendo legitimidade dos lesados indiretos. A
lesão a direito da personalidade atinge tanto o morto quanto os seus parentes (dano em ricochete).
É uma das hipóteses excepcionais em que se admite a transmissão de direitos personalíssimos.
Art. 20. (...)
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são
partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os
ascendentes ou os descendentes.

A única observação que deve ser lembrada, embora retórica, é a de que, não obstante se
tenha esquecido da pessoa do companheiro, em razão da interpretação pacífica que se faz sobre
o Código Civil, tem ele legitimidade, ao lado do cônjuge. Nesse sentido, existe o Enunciado 275
da IV Jornada de Direito Civil.

2.7.9. DIREITO DE PERSONALIDADE DAS PESSOAS JURÍDICAS

A pessoa jurídica, tida como ente fictício, tem alguns dos direitos da personalidade, como
ser observa do art. 52 do Código Civil, que assim se encontra redigido: “aplica-se às pessoas
jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”.
Quando falamos em dano moral a pessoa jurídica, a mesma se justifica na ofensa a honra
objetiva. A honra objetiva pode ser compreendida como o juízo que terceiros fazem acerca dos
atributos de alguém. A honra subjetiva, noutro giro, se revela no sentimento que a pessoa tem
dela mesma.

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Realmente, a pessoa jurídica tem alguns dos direitos da personalidade, caso do nome, da
honra objetiva (repercussão social da honra) e da imagem. No entanto, não tem ela sentimento
próprio, uma vez que se trata de um ente fictício. Por isso, prevê a súmula 227 do STJ que a
pessoa jurídica pode sofrer dano moral (nunca em relação à honra subjetiva, pois a Pessoa
Jurídica não tem sentimento).
Por fim, é importante constar que a pessoa jurídica de direito público não tem direito a
indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou imagem. É o que decidiu o
STJ20.

2.8. DAS PESSOAS JURÍDICAS - ASPECTOS GERAIS

Temos no nosso ordenamento jurídico os sujeitos de direitos com personalidade jurídica,


a qual é constituída pela pessoa natural e pessoa jurídica.
O princípio da legalidade no campo do direito civil se materializa na ideia de que a pessoa
natural e a pessoa jurídica podem fazer tudo que a lei não proíba.Desse modo, a pessoa jurídica
é uma atividade de criação, que se distingue da pessoa natural. Por isso, fala-se que a pessoa
jurídica tem personalidade jurídica própria, diversa, portanto, da personalidade jurídica dos seus
componentes/sócios.
Trata-se da necessidade ou conveniência de os indivíduos unirem esforços e utilizarem
recursos coletivos para a realização de objetivos comuns, que transcendem as possibilidades
individuais.
O Código Civil adota a expressão “pessoa jurídica” para identificar esse ser fictício. No
entanto, isso não exclui outras terminologias, como: pessoa civil, pessoa moral, pessoa coletiva,
pessoa abstrata, pessoa mística, pessoa fictícia, ente de existência ideal (teoria abordada por
Teixeira de Freitas).
O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves nos ensina:
A pessoa jurídica é, portanto, proveniente desse fenômeno histórico e
social. Consiste num conjunto de pessoas ou de bens dotado de
personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei para a
consecução de fins comuns. Pode-se afirmar, pois, que pessoas

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jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-
as a serem sujeitos de direitos e obrigações.

Muito se discute sobre a teoria adotada pelo Código Civil no que concerne a criação das
pessoas jurídicas. O Código Civil adotou a teoria da realidade técnica. Essa teoria é uma junção
de outras duas teorias, a teoria da ficção, idealizada por Savigny, e, ainda, a teoria da realidade
orgânica, criada por Otto Gierke.
Por essa teoria afirma-se que a pessoa jurídica teria existência real, não obstante a sua
personalidade ser conferida pelo direito. Uma vez personificada pelo direito, a pessoa jurídica
passa a ter a atuação social na condição de sujeito de direito. Não se olvida que a personalidade
jurídica, uma vez concedida pelo direito, passa a ter ela uma função social, atendendo, assim, ao
princípio da socialidade, um dos pilares do Código Civil de 2002.
A teoria da realidade técnica se revela, basicamente, no artigo 45 do Código Civil, que
assim dispõe:
Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado
com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida,
quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder
Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que
passar o ato constitutivo.

Denota-se que, a aquisição da personalidade jurídica da pessoa jurídica de direito privado,


existe a partir do registro dos atos constitutivos, produzindo efeito ex nunc, logo, possui natureza
constitutiva.
Por ter natureza constitutiva que o parágrafo único, do mesmo dispositivo, assenta que
decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por
defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
Por último, não se pode perder de vista a questão da presentação da pessoa jurídica. É
muito comum em provas e em doutrinas, utilizarem a expressão de que a pessoa jurídica é
“representada” pelos sócios, administradores e gerentes. Porém, o termo correto é “presentação”.
Isso porque, representação, é um instituto das incapacidades e, a presentação, é instituto da
pessoa jurídica.

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Segundo ensinamentos de Pontes de Miranda, por não poder atuar por si própria, a
pessoa jurídica, como ente da criação da lei, deve ser presentada por uma pessoa natural,
exteriorizando sua vontade, nos atos judiciais ou extrajudiciais. O art. 47, do Código Civil diz que
todos os atos negociais exercidos pelo presentante, dentro dos limites de seus poderes
estabelecidos no estatuto social, obrigam a pessoa jurídica, que deverá cumpri-los. Contudo, se o
presentante extrapolar estes poderes, responderá pessoalmente por este excesso.
Para essas circunstâncias, temos a chamada teoria intra viris societatis e ultra vires
societatis. A teoria intra viris societatis ocorrerá, quando a pessoa natural que a administra, o sócio,
atua de acordo com o previsto no ato constitutivo. Tais atos vinculam a pessoa jurídica. O ato ultra
vires societatis ocorrerá quando o sócio extrapola os poderes que lhes foram concedidos através
do contrato social, como consequência, o próprio sócio responde pelos atos praticados. Não
vincula a pessoa jurídica.
A questão do ato intra e ultra vires é bastante pertinente, no que tange à desconsideração
da personalidade jurídica. Isso porque quando o sócio pratica um ato intra vires e não possui
condições de arcar com essa responsabilização, ocorrerá o fenômeno da desconsideração da
personalidade jurídica (CC, art. 50).
Em regra, a pessoa natural é a indicada no ato constitutivo da pessoa jurídica. Na sua
omissão, a presentação será exercida por seus diretores. Se a pessoa jurídica tiver administração
coletiva, as decisões serão tomadas pela maioria dos votos, salvo se o ato constitutivo dispuser
de modo diverso (CC, art. 48).

2.8.1. CLASSIFICAÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS


No ordenamento jurídico vigente a pessoa jurídica pode ser nacional ou estrangeira, sendo
que, esse último caso, precisará de autorização do Poder Executivo. Quanto à estrutura interna,
poderá a pessoa jurídica ser classificada como Corporação ou como Fundação. Naquela há um
conjunto de pessoas que atuam para determinados fins. Por exemplo, as empresas possuem a
finalidade de lucro, enquanto as associações possuam uma natureza sem fins lucrativas e
recreativa.
A entidade religiosa possui a finalidade de buscar as suas crenças, e assim por diante. Já
a Fundação, por sua vez, é um conjunto de bens, os quais são arrecadados para uma finalidade
de interesse social.

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Por fim, quanto a natureza, podem ser elas de direito público ou de direito privado. As de
direito público podem, ainda, ser de direito público interno e externo. Será de direito público interno
quando visar atender interesse público intrínseco. São elas a União, Estados, DF e Municípios,
autarquias, associações públicas. A pessoa jurídica de direito público externo representa o País
perante os países estrangeiros. A Pessoa jurídica de direito privado é aquela instituída pela
vontade dos particulares. O art. 44 do Código Civil elenca as pessoas jurídicas de
direito privado.
O rol do art. 44 do Código Civil não é um rol exaustivo, podendo existir outras pessoas
jurídicas de direito privado esparsas pelo Código Civil ou pela legislação civil especial. Cita-se,
como exemplo, o condomínio edilício, que tem uma personalidade jurídica anômala.
Atente-se que pessoas jurídicas não se confundem com entes despersonalizados. Entes
despersonalizados não têm personalidade jurídica. São conjuntos de bens ou de pessoas que não
tem personalidade própria, tais como a família, a massa falida, espólio, herança jacente, sociedade
de fato e a irregular, dentre outros.

2.8.2. DAS ASSOCIAÇÕES

O art. 53 diz que se constituem as associações pela união de pessoas que se organizem
para fins não econômicos. Por fins não econômicos entende-se pela ausência de finalidade
lucrativa. Isso não significa que a pessoa jurídica não possa angariar dinheiro, o que é proibido é
a distribuição de dividendos.
Geralmente o estatuto de uma associação prevê, no que se refere à sua estrutura, uma
diretoria, uma presidência, um conselho fiscal, um conselho administrativo. No entanto, o órgão
máximo de toda e qualquer associação é a sua assembleia geral, cuja atribuição está delineada
no art. 59 do Código Civil, sendo resumidamente a destituição de administradores e a alteração
de estatuto.
Para as deliberações a que se referem os incisos do art. 59 é exigido deliberação da
assembleia especialmente convocada para esse fim, cujo quórum será o estabelecido no estatuto,
bem como os critérios de eleição dos administradores.
Em uma associação não existe entre os associados direitos e obrigações recíprocos. Isso
porque não há intuito de lucro. A diferença entre a associação e a sociedade é a de que aquela

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não tem fins lucrativos e a sociedade sempre tem fins lucrativos. A diferença entre associação e a
fundação é a de que aquela é um conjunto de pessoas e a esta é um conjunto de bens.
O Código Civil dispõe que dentro da associação deverão os associados ter iguais direitos,
mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais. Quem não lembra do sócio
remido do clube. O que não se admite é que dentro de uma mesma categoria de sócios haja
diferenciação entre eles.
Há uma discussão sobre a intransmissibilidade da qualidade de associado. Dispõe o art.
56 do Código Civil que a qualidade de associado é intransmissível, se o estatuto não dispuser o
contrário. Trata-se de uma definição de natureza personalíssima (intuito personae) da qualidade
de sócio. Todavia, essa característica não se reveste de natureza absoluta, podendo o estatuto
autorizar a transmissão.
No que tange as associações, é importante ressaltar sobre a possibilidade da expulsão do
associado. Explica o art. 57 do Código Civil que “a exclusão do associado só é admissível havendo
justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso,
nos termos previstos no estatuto”.
A exclusão do associado só é possível se houver justa causa. Mesmo assim, é preciso
que a exclusão seja decorrente de um procedimento que assegure ampla defesa e recurso, nos
termos previstos no estatuto. Há, aqui, uma aplicação da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais.
Outro tema importante envolvendo as associações é a possibilidade de cobrança de taxa
de manutenção criada por associações de moradores. Quando se envolve um bairro de uma
cidade a questão é simples, que não se associa não pode ser obrigado a pagar a referida taxa.
No entanto, a questão ganha contornos complexos quando se está diante de um
condomínio de fato, ou seja, irregular. A matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal que decidiu
pela não obrigatoriedade de pagamento se a pessoa não aderiu à associação. Sustenta que a
Constituição Federal, em seu art. 5°, incisos II e XX, não aceita a adesão compulsória à
associação. Ademais, pelo fato da associação de moradores não ser igual à associação de
condôminos, a imposição compulsória da mensalidade é ilegal, vez que a obrigação tem como
fonte a lei ou a declaração de vontade.
Se não há amparo em nenhuma dessas duas fontes só resta reconhecer a mensalidade
dentro do campo da ilicitude. Assim, não está obrigado ao pagamento da mensalidade imposta

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pela associação dos moradores aquele que não aderiu. O STJ firmou, em sede de repetitivo, a
tese (882) de que a taxa de manutenção não é obrigatória, com fundamento na Constituição
Federal de que ninguém é obrigado a associar-se (REsp 1439163 / SP).
Por fim, não há como não tratar do tema da dissolução da associação. O tema vem
delineado no art. 61 do Código Civil. Se for dissolvida a associação, o patrimônio líquido
remanescente será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto. Caso o
estatuto seja omisso, os associados irão deliberar a respeito. O remanescente poderá ser
destinado à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.
Existe discussão em que se considera nula a previsão no Estatuto que determina que nos
casos de dissolução da associação, o patrimônio vai ser rateado entre os associados, eis que
haveria um esbarrar na vedação de lucro. Bastaria pensar numa associação que cresceu muito e
que tenha um patrimônio de 100 milhões de reais com 100 associados.
Maria Helena Diniz comenta que se a finalidade da associação não for altruística, “o
associado poderá receber uma quota de liquidação daquele acervo social, ante seu direito de
participante no patrimônio comum, de quota ideal, conforme os fins da associação, exceto se o
estatuto prescrever o contrário” (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – Editora
Saraiva).
Os que discordam dessa posição defendem que inexiste um patrimônio em comum, eis
que a associação possui personalidade e autonomia patrimonial. Logo, ainda que a associação
não possua finalidade altruística, a quota a ser liquidada não poderá representar uma parcela do
patrimônio associativo. Isso, porque é notório que o associado não poderia ser considerado um
proprietário de quota do capital associativo, mas mero participante (BITTI, Eduardo Silva – A
dissolução de associação e a repartição do patrimônio entre “sócios proprietários).
Francisco Loureiro, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e
professor em diversas entidades, já decidiu que independente da finalidade altruísta ou não da
associação, isso não afasta o caráter não lucrativo da associação, ao certo que, no final de sua
existência o patrimônio não será compartilhado entre os associados, mas, sim, direcionado pelo
estatuto a “entidade de fins não econômicos designada”. Não somente, “à falta de deliberação da
assembleia, se um dia vier a ser extinta a pessoa jurídica, a escolha da entidade destinatária do
patrimônio cabe o juiz, com base na afinidade dos objetivos de entidades congêneres21”.

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Existe a possibilidade de eventualmente o associado recuperar aquilo que ele investiu na
cota. Trata-se do ressarcimento, não havendo falar em enriquecimento. Vale atentar que, não
existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver
sede, instituição nas condições indicadas, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à
Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

2.8.3. DAS FUNDAÇÕES

Fundações podem ser conceituadas como um conjunto de bens, os quais são arrecadados
e personificados para uma determinada finalidade. A fundação é uma pessoa jurídica especial,
pois ela resulta de um patrimônio destacado e se personifica para se constituir. Só constitui
fundação quem tem muito patrimônio.
O art. 62 do Código Civil diz que as fundações são criadas por escritura pública ou por
testamento. A sua criação pressupõe a existência de afetação de bens livres, a especificação da
sua finalidade, a previsão de como será administrada a fundação, e por fim, a elaboração de
estatuto.
O art. 64 do CC diz que constituída a fundação, num negócio jurídico entre vivos, o
instituidor é obrigado a transferir à fundação a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens
dotados. Caso não o faça, os bens serão registrados em nome da fundação por mandado judicial.
A elaboração do estatuto é submetida à apreciação do Ministério Público, eis que ele
fiscaliza a fundação, cabendo a ele a função de aprovar a elaboração. No entanto, pode ser que
o Ministério Público tenha que, ele próprio, elaborar o estatuto. Isso acontece quando o estatuto
não é elaborado dentro do prazo assinado pelo instituidor, ou, não havendo prazo, em cento e
oitenta dias. É o que dispõe o art. 65, parágrafo único, do Código Civil. Nesse caso, a quem cabe
a aprovação do estatuto elaborado pelo Ministério Público? Caso o Ministério Público elabore o
estatuto, o art. 764, II do Código de Processo Civil estabelece que deverá o mesmo ser aprovado
pelo juiz.
É importante constar que Pablo Stolze critica essa norma. Ele defende que isso escapa
da função jurisdicional. Se o juiz aprovar um estatuto, ele não poderá julgar as lides que envolvam
esse estatuto, pois ele o aprovou. Assim, a aprovação do estatuto não parece ser uma função
jurisdicional.

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Sobre a atribuição fiscalizatória do Ministério Público, explica o Código Civil, no art. 66,
que velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde estão situadas. Se funcionarem
no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal.
Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles,
ao respectivo Ministério Público. Quando se tratar de fundações instituídas ou mantidas pela
União, autarquia ou empresa pública federal, ou que destas recebam verbas, poderá o Ministério
Público Federal atuar.
A alteração das normas estatutárias de uma fundação somente é possível peladeliberação
de 2/3 dos competentes para gerir e representar a fundação. Além disso, esta alteração não pode
contrariar ou desvirtuar o fim desta. Ademais, quando a alteração não se der por votação unânime,
os administradores, ao submeterem o estatuto à análise do Ministério Público, irão requerer que
seja cientificada a minoria vencida para impugnar a votação se quiser, em 10 dias.
Por fim, tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou
vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe
promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato
constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual
ou semelhante. É o art. 69 do Código Civil tratando da extinção da fundação.

2.9. DO DOMICÍLIO
As regras quanto ao domicílio da pessoa natural estão entre os arts. 70 e 78 do Código
Civil. Domicílio é o local em que a pessoa pode ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada.
É o local onde poderá ser cobrada ou cobrar direitos e deveres na ordem jurídica.
Domicílio é o local da sua residência. Há quem diga que domicílio é residência com ânimo
definitivo. O domicílio eleitoral é mais amplo do que o domicílio civil. Existe o elemento objetivo e
o elemento subjetivo do domicílio. O elemento objetivo representa a fixação da pessoa em um
determinado lugar. É a cidade que o sujeito escolhe para morar, por exemplo. O elemento
subjetivo, por sua vez, é a vontade de ali permanecer de forma definitiva.
O Código Civil admite a pluralidade de domicílios, ou seja, a pessoa poderá ter duas ou
mais residências, o qual ela viva alternadamente, considerando-se domicílio seu qualquer delas.
É o que se extrai do art. 71 do código privado.
O art. 72 do Código Civil diz que o local em que a pessoa exercitar profissão também é

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domicílio da pessoa natural, também sendo permitida a pluralidade domiciliar. Nesse caso, se a
pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as
relações que lhe corresponderem.
É possível a mudança de domicílio. Estabelece o art. 74 do Código Civil que se muda o
domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de mudar o domicílio. Para se provar
a intenção manifesta de mudar, basta que a prova da intenção resulte da declaração da pessoa
às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da
própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.
Essa intenção é vislumbrada por meio das declarações da pessoa à municipalidade, tanto
de onde ela está saindo como onde ela está indo morar. Ex.: alteração do domicílio eleitoral é
exemplo de intenção manifesta de se mudar.

2.9.1. CLASSIFICAÇÃO DO DOMICÍLIO


O domicílio pode ser voluntário, de eleição, legal ou necessário, contratual, e por fim,o
aparente. O domicílio voluntário, também conhecido como convencional, é o que decorre de um
ato de escolha da pessoa como exercício da autonomia privada. O legal ou necessário é o fixado
pela lei.
O artigo 76, do Código Civil, apresenta um rol daqueles que possuem domicílio legal, e
em seu parágrafo único, define o local onde elas terão domicílio. Dessa forma, o domicílio do
incapaz é o do seu representante ou assistente. Vale lembrar que a súmula 383, STJ, estabelece
que a competência para processar e julgar ações conexas de interesse de menor, em geral, é o
foro do domicílio do detentor da sua guarda.
O domicílio do servidor público é o lugar em que ele exerce permanentemente as suas
funções. Até para o servidor público admite-se a pluralidade de domicílios. O domicílio do militar é
o do local onde ele servir e se for da marinha ou da aeronáutica é da sede ou comando a que se
encontrar imediatamente subordinado.
O domicílio do marítimo é o do lugar em que seu navio estiver matriculado. Por fim, o
domicílio do preso é o do lugar em que ele cumpre a sentença. E o preso preventivo? Ele não está
cumprindo sentença, então, não há para ele essa hipótese de domicílio legal.
No que tange as pessoas que não tem domicílio, o Código Civil classifica esse como o de
domicílio aparente, ou seja, seu domicílio é o local em que elas forem encontradas (CC, art. 73).

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Domicílio contratual é aquele que consta em contrato escrito especificando local para cumprimento
de deveres e obrigações contratuais. Nesse ponto, não podemos confundir domicílio contratual
com foro de eleição.
O foro de eleição é utilizado para aspectos processuais, para fins de definição de uma
determinada ação judicial. Por exemplo, em uma cláusula contratual consta que eventuais conflitos
resultantes do contrato serão discutidos na cidade “A”. O domicílio contratual ocorrerá nos
contratos escritos, em que os contratantes poderão especificar domicílio onde se exercitem, e
cumpram os direitos e obrigações deles resultantes. É o disposto no art. 78, do Código Civil. Dessa
forma, estabelece a Súmula 335 do STF que “é válida a cláusula de eleição do foro para os
processos oriundos do contrato”.
No entanto, quando estivermos diante de contrato de adesão, ou seja, aquele com
conteúdo imposto por uma das partes, principalmente, no que tange as relações consumeristas,
a imposição de cláusula de eleição de foro é abusiva, podendo ser declarada de ofício se houver
prejuízo ao aderente.
É importante ponderar que o contrato de adesão não necessariamente é de consumo23.
Por conseguinte, os contratos de adesão e de consumo, possuem proteção no Código de Defesa
do Consumidor, no entanto, no campo das relações civilistas, possuem proteções aos contratos
civis que não envolvam necessariamente relações de consumo.
O domicílio da pessoa jurídica pode ser estatutário ou aparente. Domicílio estatutário é
local previsto no estatuto. O domicílio aparente, noutro giro, é o local de funcionamento das
diretorias ou administrações. Se a pessoa jurídica tiver sede no exterior, deve-se considerar como
seu domicílio o local da filial no Brasil (CC, art.75, § 2º).

2.10. DOS BENS


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