Asti Vera - Metodologia Da Pesquisa Cientifica

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matndnkpa M ET O D O LO G IA

DA PESQUISA C IE N T IF IC A

dapasquisa A R M A N D O ASTI VERA

A rm a n d o
p re se n te o b ra
A s ti V e ra d e d ic o u
e s p e c ia lm e n te . à q u e le s
a

Qiaitííisa
q u e se in ic ia m na p e sq u isa e nos es­
tu d o s u n iv e rs itá rio s . O A u to r possui
um o e x te n s a b ib lio g r a fia já p u b li-
c o d o , o p a r tir de sua e x p e riê n c ia c o ­
mo p ro fe s s o r de filo s o fia do c iê n ­
c ia e m B uenos A ire s e e m Lo P lo to
O o b je tiv o p r im o rd ia l de M etodolo­
gia da pesquiso científica é c e x p o ­
s iç ã o e o n a lis e c r ític o d o s ig n ific a ­
d o e dos lim ite s dos m é to d o s e té c ­
n ica s a tu a is de investiga ção,, v is a n ­
d o ig u a lm e n te fa m ilia r iz a r os jo v e n s
com os d ive rso s p ro c e d im e n to s do
tr a b a lh o in te le c tu a l e o c o n v e n ie n ­
te p re p a ra ç ã o das pe sq u isa s c ie n t í­
fic a s .

A o b ra d iv id e -s e em trê s p a rte s
fu n d a m e n ta is . A p r im e ir a p a rte
o b rq n g e a in v e s tig a ç ã o nos c iê n c ia s
fa tu o is ( fís ic a , b io lo g ia e m e d ic in a ),
nos c iê n c ia s do hom em (p s ic o lo g ia ,
s o c io lo g ia , té c n ic a s e s ta tís tic a s , m à -•
te m á tic a e c iê n c ia s socia is; o m é to d o
fe n o m e n o ló g ic o e sua v a lo riz a ç ã o c r í ­
tic a ) e a in ic ia ç ã o na in v e s tig a ç ã o
filo s ó fic a . A s e g u n d a p a rte c o m p re ­
en de o in ic ia ç ã o d a in v e s tig a ç ã o (o
p ro b le m a , a c o m p re e n s ã o e a e s c o ­
lh a d o te m a , o p la n o e o re a liz a ç ã o
da in v e s tig a ç ã o e a in fo rm a ç ã o b i­
b lio g rá fic o ). A te rc e ira p a rte tr a ta
d o p re p a ro d a m o n o g r a fio (c o n c e ito ,
e s tru tu ra , re d a ç ã o e im pressão).

N ã o é p re c is o s a lie n ta r 'q u e o
e s tu d a c u id a d o s o e o o p ro v e ito m e n to

(C on tin u a na 2 a aba)

editora globo asti vera


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d ic tO U i -í. T a c íõ ' t t A~ á c w
ji O wvo
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metodologia da
pesquisa científica
Este Jhrrò foI composto nus oflctos* grâflo** d*
Livraria do Globo S A * Impresso em oHeet pola
gráfica da EscJa Profissional Champagnat
Av, Santo Gonçalves, 4ÜM Fona; 23-17-31
«0.000 Portai Alegra

O K ílO t* T I A —i F m p n tid S s I t l w M I n i á o | « ll»ro, k a c ti h d ln i


4 nliEbEro U H A» antepondo ■ Msn nin H ii A ^U nU didt d w l i l i , F «
•H b p lflv p*M M d lr í « M n p lS n s | m lliltD b i t 4 l l ( u l > T s ts ln i: D |d * n iH >
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f Ifcn», i b 1 n p ííM Í r io t n n i m l t l i * l e l i s A.

FICHA CATALOQRAFICA

(Preparada pelo Centro de Catalogação-na-tonte,


Câmara Brasileira do Livro, SP)

Asti Vera, Armando, 1914-1972.


A875m Metodologia da pesquisa cientifica; tra­
dução, MariaHelena Guedes Crespo e
Beatriz MarquesMagalhães.Porto Alegre,
Globo, 1976.
p. ilust.
Bibliografia.
1. Metodologia 2. Pesquisa 3. Traba­
lhos monográficos — Redação I. Titulo.

17. CDD-001.42
72-0493 18. -001.4
17. e 18. -808.066

índices para catálogo sistemático:

1. Metodologia da pesquisa 001.42 (17.)


2. Metodologia e pesquisa 001.4 (18.)
3. Monografias : Redação : Retórica 808.066
4. Pesquisa : Metodologia 001.42 (17.)'
5. Pesquisa e metodologia 001.4 (18.)
6. Redação : Monografias : Retórica 808.066
7. Trabalhos morfogréfícos : Redação : Retórica 808.066
armando asti vera
professor titular de filosofia da ciência
na universidade nacional de buenos aires

r m É k fe g jsd s
I B s p J s a s is n tiiis s
Iraduçio
m aria helena guedes crespo
e beatriz m arques m agalhães

1.* EdiçâO
3 .* impressão

editora globo
porto alegre
1976 I,
r
Titulo do original argentino:
METODOLOGIA DE LA INVESTIGACIÓN

Copyright © 1968, by Editorial Kapelusz S. A.,


Buenos Aires.

1.» Edição
1. a impressão — março de 1973
2. a impressão — outubro de 1974

Capa:
Roberto Miguens

Planejamento Gráfico:
Maria Laia Fett Lima

Direitos exclusivos de tradução, em língua


portuguesa, da Editora Globo S. A.
Porto Alegre — Rio Grande do Sul — Brasil
S U M A R I O

Introdução . 1

PRIMEIRA PARTE

OS MÉTODOS ATUAIS DE PESQUISA

A pesquisa e seus métodos 7


O problema metodológico 7
O que é pesquisa 9
As ciências e a investigação 12

A pesquisa nas ciências táticas 14


A pesquisa na física 14
A pesquisa biológica 18
A pesquisa na medicina 23

A pesquisa nas ciências do homem 27


A pesquisa em psicologia 27
A pesquisa na sociologia 34
As técnicas estatísticas 49
A matemática e as ciências sociais: considerações
críticas 53
O método fenomenológico nas ciências dohomem 61
A fenomenologia como método de investigação na
psiquiatria atual 69
Avaliação crítica da investigação fenomenológica 75
Valor instrumental da noção de encontro 79

A iniciação na investigação filosófica 83


Estabelecimento e edição dos textos filosóficos 85
Como iniciar-se na investigação filosófica 87
O tema da investigação 88
O "laboratório" filosófico 89

SEGUNDA PARTE

A INICIAÇÃO NA PESQUISA "

O problema e o tema 97
Ver o problema . 97
Compreender o tema 98
Escolher o tema 100
Originalidade 102
O piano de investigação 106
O que é-o plano? 106
Tipos de planos 108
Alguns exemplos 110
Informação bibliográfica 115
As fontes 115
A busca metódica 118
A técnica das fichas 120
Análise e crítica da documentação bibliográfica 126
Uso da filosofia, da ciência e da literatura 127
Realização da pesquisa 131
O experimento científico 131
A verificação das hipóteses 134
O uso do raciocínio no desenvolvimento e na solução
do problema 139
A construção da teoria científica 145
A teoria dos modelos 150
Significação, valor e limites do uso dos modelos na
pesquisa 155

TERCEIRA PARTE

PREPARAÇAO DA MONOGRAFIA

Conceito de monografia 163


A monografia e outros tipos de informações 163
A estrutura da monografia 165
Redação da monografia 174
Apresentação do problema 174
Questões semânticas 174
Composição gramatical 180
O estilo e a expressão 180
Normas para as referências bibliográficas 183
Impressão da monografia 186
A preparação do manuscrito 186
Problemas especiais 187
Indicações tipográficas 189
Correção de provas 191
Bibliografia 195
Apêndice à edição brasileira 197
IN T R O D U Ç Ã O

A finalidade primordial deste livro é a exposição e a análise


crítica do significado e limites dos métodos e técnicas atuais de
investigação. Em segundo lugar, aspira a contribuir para iniciar os
jovens no trabalho científico reflexivo, ordenado e crítico, familia­
rizando-os, ao mesmo tempo, com as técnicas do trabalho intelectual
e da preparação de relatórios científicos.
Tivemos o cuidado especial de evitar a exposição desnecessária
de problemas filosóficos que pudessem distanciar-nos dos objetivos
propostos: somente introduzimos a reflexão filosófica e o exame
metacientífico quando assim o exigia a própria natureza das ques­
tões ou a necessidade de meditar sobre o alcance dos métodos e
técnicas considerados. Esta não é uma obra de epistemologiá nem
de filosofia das ciências, mas de metodologia científica, e nesse
nível deve ser julgada.
Está fora das finalidades que nos propusemos, ao escrever este
trabalho, a exposição completa de todos os métodos e a análisi».
detida dos aspectos especiais de algumas técnicas usadas na inves­
tigação científica. Existem excelentes obras que se ocupam do es­
tudo do método de uma disciplina, bem como do exame crítico das
respectivas técnicas. Nosso propósito foi escrever um manual de
metodologia geral e não um livro de metodologia científica especial;
creio que do primeiro se carece, enquanto amiúdam-se os segundos.
Não obstante, ainda que a exposição dos métodos estudados
neste livro seja o resultado de uma seleção, ao cumpri-la guardamos
o critério de que nela estivessem representados métodos e técnicas
dos três grupos de ciências: formais, fáticas e do homem.
Julgamos conveniente que os pesquisadores das ciências de
fatos — habituados a pensar mediante formas mentais baseadas no
2 Introdução

senso-perceptivo — se acostumem a disciplinar logicamente esse


“instrumento dos instrumentos”, que é o pensamento mesmo. Por
isso, ao expor e analisar o método das ciências fáticas, consideramos
detidamente os fundamentos lógicos que o sustentam, sem reduzir
em nenhum momento a abordagem metodológica à mera questão
epistemológica.
O método dedutivo, característico das ciências formais, assume
sua forma mais perfeita na axiomática, mas a noção de modelo
teorético, estreitamente ligada à formalização moderna, mostrou-se
eficaz não apenas na lógica e na matemática, como também nas
ciências fáticas e do homem. A multiplicidade de sentidos da palavra
“modelo” e a possibilidade do emprego dos modelos na investigação
justificam a atenção que lhe dedicamos neste livro.
Ainda que a reflexão filosófica sobre os fundamentos das
ciências seja tão antiga quanto as próprias ciências, deve-se reco­
nhecer que as investigações epistemológicas têm a idade de nosso
século. A investigação metacientífica iniciada no estudo dos pro­
blemas metodológicos e epistemológicos da matemática e da física
— devido, sobretudo, à crise precipitada pelo aparecimento da teoria
dos conjuntos e da teoria da relatividade e pelo descobrimento dos para­
doxos lógicos e semânticos — deslocou-se depois para a biologia, con­
centrando finalmente seu interesse nas ciências do homem. Resolvidos
mediante a axiomática os problemas fundamentais das ciências for­
mais, erguem-se ante o pesquisador as questões ainda sem solução
que as novas ciências do homem apresentam, a primeira das quais
é a do método. Por essas razões, o estudo do método das ciências
do homem ocupa lugar de preferência neste livro.
A crescente utilização do método fenomenológico em disciplinas
como a psicologia, a sociologia, a etnologia, a economia, a psicolo­
gia social e a história das religiões explica sua inclusão em um
trabalho de metodologia científica, tanto mais se se tem em conta
o sentido não restritivo que damos aqui à palavra ciência. Com o
objetivo de que se veja o valor, inclusive na pretxis médica, de um
método originado na melhor tradição filosófica, explicamos o sentido
de seu emprego na psiquiatria contemporânea.
A segunda e a terceira partes do livro foram escritas com o
pensamento nos que se iniciam na pesquisa e, muito especialmente,
nos estudantes universitários que devem cumprir tarefas escolares
que, sem se confundirem com a indagação científica no sentido
estrito, estão muito próximas dela do ponto de vista metodológico:
redação de informes, relatos escritos sobre capítulos de um livro,
preparação de monografias e de teses. Em várias faculdades de nosso
país — e especialmente nas de humanidades — os professores exi-
Introdução 3

gem, como culminância de trabalhos práticos, seminários, aulas de


análise de textos ou cursos de promoção sem exame, a redação de
uma monografia. Entretanto, em nenhuma cadeira se ensina ao estu­
dante o que é uma monografia, qual é seu arcabouço lógico, como se
devem pensar suas partes e de que maneira pode ser levada à prática.
Uma comunicação científica, um ensaio literário, uma memória
filosófica, uma monografia ou um livro respondem estruturalmente
a um esquema lógico. Não poucos professores aceitam que os tra­
balhos monográficos sobre temas pertencentes às ciências do homem
devem sujeitar-se a normas de rigor análogas às que regem a elabo­
ração de monografias sobre questões pertinentes às ciências positivas
ou à filosofia. Mais dificilmente se admitirá que uma monografia
sobre um tema literário — estilístico, por exemplo — possua a
mesma forma lógica que um estudo sobre álgebra abstrata ou sobre
a teoria platônica das idéias. No máximo, costuma-se aceitar o
recurso comum para o manejo seguro dos textos, a organização
material do trabalho, a busca da informação, o uso técnico das
fichas, etc., mas considera-se fora de lugar o tratamento metodoló­
gico de um tema literário com procedimentos análogos aos que se
põem em jogo para estudar uma questão científica.
Todavia — como veremos — a estrutura de uma monografia
é essencialmente a mesma, seja qual for seu tema e o plano no qual
se desenvolvam suas idéias. As normas básicas que presidem uma
investigação e os procedimentos para a elaboração do respectivo
trabalho obedecem a cânones lógicos semelhantes. Mais ainda, a
preparação de uma monografia implica um trabalho intelectual se­
melhante ao exercido em certos raciocínios filosóficos e matemáticos.
Ê forçoso reconhecer que este aspecto da metodologia não tem
sido objeto de preocupação pedagógica em nosso país; situação que
contrasta ostensivamente com o que ocorre na Europa e, em certa
medida, também nos Estados Unidos da América, onde se propor­
ciona este tipo de instrução não só na Universidade, como também
já nos estabelecimentos de ensino médio ou secundário. Tanto na
França, como na Alemanha e Suíça, publicam-se obras sobre estes
temas, escritas pelos próprios professores universitários. Esse tra­
balho é complementado, além disso, por meio de atividades de semi­
nário que, em certos países, constituem uma verdadeira escola for­
madora de pesquisadores, como ocorre na Alemanha.
Escrevemos este livro com esperança e com fé, tentando pre­
encher um vazio existente na metodologia do trabalho intelectual;
mais que com uma intenção teorética — também presente — , com
o desejo de contribuir, ainda que parcialmente, para esclarecer e
dar maior rigor às técnicas de investigação. Estamos convencidos
4 In tr o d u ç ã o

de que os estudiosos de países jovens como o nosso, de limitada


tradição científica e filosófica, devem adquirir hábitos de pensa-
mento ordenado e preciso, único meio de evitar os riscos da falta
de autocrítica e de imaturidade intelectual.
PRIMEIRA PARTE

OS MÉTODOS ATUAIS
DE PESQUISA
A P E S Q U IS A E S E U S M É T O D O S

O problema metodológico

Devido, talvez, ao prestígio atual da lógica e da epistemologia,


difundiu-se o critério de que basta uma metodologia correta para
assegurar o êxito de uma pesquisa. Ainda que esta afirmação seja
inexata, é forçoso reconhecermos a importância do método em todo
trabalho científico. Antes de definir metodologia, convém espe­
cificar que esta palavra pode ser usada com dois significados, e, em
ambos os casos, seu sentido tem relação com o estudo do método.
Com efeito, há uma disciplina chamada metodologia, que é, na
realidade, um ramo da pedagogia, pois se ocupa do estudo dos mé­
todos adequados à transmissão do conhecimento. Assim, por exem­
plo, esta metodologia expõe, analisa e avalia os diversos métodos
usados no ensino da matemática, gramática ou música, nos diferentes
níveis (fundamental, médio, universitário e especial).
Um problema metodológico, no sentido indicado, seria, por
exemplo, o de determinar qual o procedimento mais apropriado para
o ensino da matemática no curso fundamental, médio ou univer­
sitário. Assim, é fácil ver que a noção de número natural deverá
ser apresentada mediante recursos pedagógicos diferentes, quando
se transmite essa noção a crianças em idade escolar ou quando
se ensina a jovens do curso médio. Se atendemos aos aspectos psico-
pedagógicos pertinentes, dever-se-á usar a intuição sensorial (in­
clusive o jogo) na escola fundamental; por outro lado, no ensino médio,
o método aconselhado será um adequado equilíbrio entre a intuição
e a lógica; finalmente, em nível universitário, convém utilizar exten­
8 Os Métodos Atuais de Pesquisa

samente o método dedutivo, a formalização mais estrita. Inclusive,


no nível mais alto de ensino, deve-se distinguir a finalidade do ensino
desta ciência para adequar a ela a metodologia. Por exemplo, às
escolas técnicas interessa, fundamentalmente, o manejo de algo­
ritmos facilmente aplicáveis, assim como traz resultados satisfatórios
formular problemas e exercícios em grande quantidade.
Outro exemplo do problema de metodologia do ensino é o de es­
tudar os métodos e técnicas especialmente adequados ao ensino de
uma língua estrangeira. Dois novos procedimentos deverão ser ava­
liados pelos estudiosos de metodologia: o uso do laboratório e os
métodos estruturalistas. Se a investigação metodológica estivesse
suficientemente desenvolvida, deveria estar em condições de opinar
oom autoridade a respeito da validez das técnicas subliminares no
ensino dos idiomas. Para saber se é possível aprender uma língua
estrangeira enquanto se dorme, deve-se não somente conhecer essa
língua, como também dominar certos problemas didáticos e estar
informado dos resultados das investigações neuropsicológicas sobre
o sonho.
Há uma segunda maneira de entender a palavra metodologia,
e esta é a que nos interessa especialmente: o estudo analítico e crí­
tico dos métodos de investigação e de prova1. Deste ponto de vista,
podemos definir a metodologia como a descrição, análise e avaliação
crítica dos métodos de investigação. A tarefa fundamental desta
disciplina será avaliar os recursos metodológicos, assinalar suas li­
mitações e, sobretudo, explicitar seus pressupostos e as consequên­
cias de seu emprego. Poder-se-ia afirmar que, ainda que a metodo­
logia não seja uma condição suficiente para o êxito de uma pesquisa,
é, sem dúvida, uma condição necessária (no sentido matemático do
termo).
Entretanto, somente se delimitará perfeitamente o sentido da
expressão se distinguirmos outras duas de significados próximos: téc­
nica e método. Entre o método e a técnica há uma diferença semân­
tica análoga à que distingue o gênero da espécie. Pode-se definir o
método como um procedimento, ou um conjunto de procedimentos,
que serve de instrumento para alcançar os fins da investigação; por
outro lado, as técnicas são meios auxiliares que concorrem para a
mesma finalidade. O método é geral, as técnicas são particulares;

1 Em nosso livro Fundamentos de la filosofia de la ciência, Buenos Aires,


Nova, 1967, ocupamo-nos, com o devido detalhe, da* relações da metodologia
científica com a lógica, a filosofia das ciências e a história, psicologia e sociologia
das ciências.
A Pesquisa e seus Métodos 9

por isso, alguns autores definem em primeiro lugar as técnicas e,


em seguida, generalizando, chegam à noção de método.
Vejamos alguns exemplos: em biologia, a observação e a expe­
riência são métodos, mas a coloração do tecido nervoso com sais
de prata é uma técnica (criada por Ramón e Cajal). No campo das
ciências do homem, pode-se considerar como método o psicanalí-
tico ou o reflexológico; por outro lado, o uso de palavras indutoras
(Jung) na psicoterapia ou de luzes e sons na reflexologia são sim­
plesmente técnicas. Assim, pois, o método é um procedimento geral,
baseado em princípios lógicos, que pode ser comum a várias ciências;
uma técnica é um meio específico usado em uma determinada ciência,
ou em um aspecto particular desta. Por exemplo: o método dedutivo
é usado tanto na lógica como na matemática ou física teórica, ao
passo que as técnicas de observação usadas em psicologia social
são próprias deste aspecto especial da investigação.
Em síntese, a metodologia somente pode oferecer-nos uma
compreensão de certos métodos e técnicas que provaram seu valo.
na prática da pesquisa, mas de forma alguma nos assegura o êxito
da mesma; serve para afastar do caminho os obstáculos que podem
entorpecer o trabalho científico.

O que é pesquisa

O significado da palavra “pesquisa” não parece ser muito claro


ou, pelo menos, não é unívoco, já que, desde o presidente da Ge­
neral Motors até os membros da Phi Delta Kappa Fratemity,
tentaram defini-la. Anos atrás (em 1929), foram propostas quatro
definições da palavra “pesquisa” para que vários estudiosos esco­
lhessem uma delas. O resultado foi que as quatro definições tiveram
votos, e, inclusive, houve quem considerasse o conceito de pesquisa
como indefinível.
Talvez devéssemos começar por perguntar a nós mesmos: O
que leva o homem a investigar? Einstein disse, certa vez, que l i
ciência consiste em criar teorias: “Ideamos uma teoria após outra”,
— disse — “e o fazemos porque nos deleitamos compreendendo”,
A compreensão, para Einstein, se alcança, quando reduzimos “os
fenômenos, por um processo lógico, a algo já conhecido ou (na
aparência) evidente”2.

2 E instein , A., On the generaliied theory of gravitation, Scientific American,


vo!, 182, n.° 4. abril de 1950.
10 Os Métodos Atuais de Pesquisa
Copi crê que o valor essencial da investigação científica reside
no fato de que satisfaz nossa curiosidade, ao realizar nosso desejo
de conhecer, e recorda que já Aristóteles havia escrito: . .Apren­
der é o maior dos prazeres, não só para o filósofo, mas também
para o resto da humanidade, por pequena que seja sua capacidade
, para is s o ...”3.
Rodolfo Mondolfo afirma que a pesquisa surge quando se tem
consciência de um problema e nos sentimos impelidos a buscar sua
solução. A indagação realizada para alcançar essa solução constitui,
precisamente, a pesquisa propriamente dita4.
O emprego nem sempre rigoroso da palavra “pesquisa” tem
levado a algumas identificações abusivas: (a) pesquisa é igual a ciên­
cias positivas ifb) pesquisa equivale~à indagação empírica. Aqueles
que assmTpensam esquecem que não é apenas no terreno das ciên­
cias positivas que se pode investigar: há uma investigação huma-
nística também. Pesquisa-se — e se tem pesquisado desde mais de
dois mil anos — tanto no terreno científico como no filosófico.
Por outro lado, a redução da pesquisa à mera busca experimen­
tal de fatos ou de dados é invalidada pelas mesmas ciências fáticas.
Do ponto de vista histórico, a evolução do pensamento científico
mostra a passagem da fase descritiva à experimental em primeiro
lugar e, em seguida, à dedutiva. Não obstante, cabe destacar que
a teoria constitui o núcleo essencial da ciência, sem a qual a descrição
e a experiência perderíam o sentido, como veremos adiante.
Alguns homens de ciência nos têm explicado o conteúdo especula­
tivo da tarefa científica no terreno experimental. Rapoport demons­
trou que a zoologia do século xvm — considerada geralmente como
ciência puramente descritiva — formulava descrições de “classes”
de animais, isto é, de e sp é c ie s. Na realidade, não eram estudados
mais que uns poucos exemplares, desconhecendo-se a origem e os
antecessores de determinados animais; entretanto, a noção de espécie
era estendida a esses antecessores. Essa atitude implicava uma tácita
presunção, isto é, uma teoria.
Da mesma forma, a teoria evolucionista também implica a
hipótese de que sucessivas gerações de animais tendem a modificar-
se no sentido de melhor adaptação ao meio. Muitos autores aceitam-?
na como um dogma, embora alguns biólogos insistam em que, mais

3 Aristóteles, Poética, 1448b 14.


4 M ondolfo, R„ Problemas y métodos de investigaeión en la historia de la
filosofia, Tucumán, Instituto de Filosofia, 1949, p. 28. (H á uma reimpressão editada
por Eudeba.)
A Pesquisa e seus Métodos 11

que uma teoria, é uma hipótese: Jean Rostand, biólogo evolucio-


nista de prestígio universal, reconheceu que a única razão pela qual
se deve aceitar a teoria da evolução é a de que se trata de uma “hi­
pótese racional” — a única — que nos permite rejeitar a criação
direta e independente das espécies ou sua formação direta por gera­
ção espontânea.
De tudo isso é fácil concluir que a pesquisa experimental depende
da existência de teorias. Ademais, antes de serealizar um experimento,
deve-se planejá-lo e delineá-lo teoricamente, porque toda experiência
deve ter um propósito, que é justamente o que confere sentido à in­
vestigação científica.
A universidade atual tende a unir a teoria à prática, formando,
ao mesmo tempo, profissionais e pesquisadores. Nossas faculdades ei
institutos de ensino superior não são apenas fábricas de técnicos prá-
ticos, mas também centros de pesquisa. Na antiguidade grega, a inves­
j
tigação teórica e a atividade profissional estavam separadas; mais que
isso, os gregos depreciavam a prctxis, em especial o trabalho manual.
Isso a tal extremo que chegaram a afastar da medicina toda a prática
cirúrgica, cujo exercício ficava relegado aos praticantes incultos, como
barbeiros e massagistas. A correlação entre pesquisa e profissão,
entre a teoria e a praxis, que caracteriza a universidade contem­
porânea. é uma herança medieval, não apenas renascentista, como se
costuma afirmar: o processo se inicia com a criação dos grêmios
culturais de estudantes (Universitas scholariwn) e de mestres (Uni-
versitas magisírorum). A exigência de progresso, expressa por Ber­
nardo de Chartres no século xn, “se faz mais profunda depois, em
Sto. Tomás de Aquino, por influência de Aristóteles, e adquire a
plenitude de sua força no Renascimento; impõe-se à cultura, em
geral, e ao ensino universitário, em particular, a obrigação de não
se limitar à conservação do antigo, senão de elaborá-lo sob novas
formas, de explorar novos terrenos, aprofundar e estender as inves­
tigações, fazer progredir a ciência. A pesquisa, por certo, conforme
indicado, não era estranha à cultura medieval e às universidades,
nem mesmo enquanto tratavam de conservar e recuperar a herança
da antiguidade; mas ganha novo impulso e mais poderosa energia
quando o Renascimento introduz a exigência de imitar os antigos
em sua própria cfependéncra espiritual e originalidade criadora”5.
O ponto de partida da pesquisa é, pois, a existência de um pro-

5 M ondolfo. R., Preparación profesional y investigaçión científica. Separata


do volume La um venidaâ dei siglo X X , Lima, Universidad Nacional de San Mar-
■cos, 1951, p. 336 c seguintes.
12 Qs Métodos Atuais de Pesquisa
biema que se deverá definir, examinar, avaliar e analisar critica­
mente para, em seguida, ser~tentada sua solução. O primeiro passo
será, então, delimitar o objeto da invêstlgãcãõ — o problema —
dentro dos temas possíveis. Platão, em seu diálogo Menon, estabe­
leceu-o com meridiana claridade: “E como buscarás, ó Sócrates,
aquilo que ignoras totalmente? E das coisas que ignoras, qual te
proporás a investigar? E se porventura chegares a cncontrá-la, como*
te advertirás que essa é a que conheces?” — “Entendo o que queres
dizer, M enon.. . Queres dizer que ninguém pode indagar aquilo
que sabe, nem o que não sabe; porque não investigaria o que sabe,
pois já o sahe: nem o que não sabe, pois nem ao menos sabería o
gue_deve investigar”8.

A s ciências e a investigação

Na atualidade, há um acordo bastante generalizado no sentido


de aceitar a divisão das ciências em dois grupos: a) formais; b) fá­
ticas. A classificação se baseia na natureza de seus objetos, métodos
e critérios de verdade.
Os objetos das ciências formais são ideais, seu método c a
dedução, e seu critério de verdade é a consistência ou não contra­
dição de seus enunciados. Todos os seus enunciados são analíticos,
isto é, deduzidos de postulados ou teoremas.
Os objetos das ciências fáticas são materiais, seu método é
a observação e a experimentação (e, em segundo lugar, também a
dedução) e seu critério de verdade é a verificação. Os enunciados
das ciências fáticas são predominantemente sintéticos, embora haja
também enunciados analíticos.
Toda classificação é convencional; além disso, como supõe
um ponto de partida restritivo — a dicotomia das ciências — , deve
enfrentar o problema da ubiquação das denominadas ciências da
cultura. Ã medida que estas cumprem as exigências que supõe a
teoria das ciências positivas, são incluídas em uma ou outra classe.
A tendência predominante consiste em incluí-las no grupo de ciên­
cias fáticas.
A nosso ver, esta classificação é extremamente esquemática e
implica uma atitude prévia de caráter doutrinário, condenando as
ciências da cultura a uma contínua oscilação entre o grupo das ciên­
cias fáticas e das formais, como o prova a história da ciência. Com6

6 Citado por M ondolfo em m a obra Problemas y métodos de la imvestiga-


cãd* ea historia de la filosofia.
A Pesquisa e seus Métodos 13

efeito, a linguagem foi, durante o século passado, uma ciência fá-


tica; atualmente é uma ciência formal (lingiiística estrutural). Con­
siderações análogas poderíam ser feitas sobre direito, psicologia e
sociologia.
Um procedimento mais adequado seria o de aceitar um terceiro
grupo, c), integrado pelas ciências da cultura, que conviría chamar
“ciências do homem”7, evitando os rótulos — pouco convenientes,
mas também usados — “ciências do espírito” (por suas implicações
metafísicas) e “ciências do comportamento” (porque supõe uma
ideologia condutista). Poder-se-ia ainda acrescentar um quarto
grupo, d) ciências interdisciplinares, como a biologia matemática
e a cibernética, e até um quinto, e) ciências novas, como a parapsi-
cologia e a semiótica.
As ciências humanas são, em certo sentido, fáticas, mas os
fatos (dados) dos quais partem pertencem à cultura criada pelo
homem. Por exemplo, os “fatos” lingüísticos pertencem à cultura,
não à natureza física. Uma pedra qualquer pode ser objeto de inves­
tigação física ou química (ciências fáticas), mas, se há nelas picto-
grafias ou petroglifos, converte-se num objeto cultural. As ciências
humanas estudam uma certa experiência (histórica, psíquica, social)
e, por isso, se aproximam das ciências de fatos, mas diferem destas
pelo caráter de seus objetos, pela maneira de considerá-los (enfoque
ou perspectiva) e pelos métodos de investigação e de prova.

7 Ocupamo-nos analiticamente deste problema em nosso livro já citado, fim -


damenlos de la filosofia de Ia ciência.
A PESQUISA N A S C IÊ N C IA S F Á T IC A S

A pesquisa na física

Pode-se estar informado cientificamente, sem que isso ofereça


garantias de que se pensa cientificamente. Compreender o que é
ciência significa conhecer o que J. B, Conant denominou “a estratégia
e as táticas científicas”, ou seja, saber qual é o processo real da
investigação científica: a) que relações vinculam a observação ou
o experimento com os novos conceitos e as novas teorias; b) em
que medida as novas técnicas modificam a investigação; e c) a ade­
quação das teorias aos experimentos até que sejam moditicadas por
novas observações, por experiências ou por uma revolução teórica.
Do ponto de vista da investigação científica, costuma-se dividir
as ciências em: a) empíricas e b) não empíricas. Estas últimas, entre
as quais figuram a lógica e a matemática, comprovam suas proposi­
ções sem recorrer à experiência. As primeiras, ao contrário, explo­
ram, descrevem, explicam e formulam predições sobre os aconte­
cimentos do mundo que nos rodeia: suas proposições devem ser
confrontadas com os fatos e somente são válidas se verificadas ex­
perimentalmente.
As ciências empíricas são classificadas, por sua vez, em ciências
naturais e sociais; as primeiras incluem a física, a química e a biologia,
e as segundas compreendem a sociologia, a ciência política, a eco­
nomia, a história, etc. A psicologia — conforme os autores e as
escolas — é incluída em uma ou outra classe, e inclusive em ambas.
Ilustraremos o processo de investigação na física com a análise
de alguns exemplos extraídos da história da ciência: nos tempos de
Galileu (século xvn), sabia-se que uma bomba de sucção não
A Pesquisa nas Ciências Fáticas 15

podia elevar a água a mais de 10,33 m, aproximadamente. O


funcionamento da bomba baseava-se no conceito aristotélico de que
a natureza detesta o vácuo; ao levantar o pistão em um tubo, cria-
se um vácuo, mas, como a natureza “tem horror ao vácuo”, a água
sobe pelo tubo, enchendo-o. Galileu sentiu-se intrigado ante o fato
de que este princípio somente tivesse validade dentro de certos li­
mites (entre 0 e 10,33 m ): se à natureza aborrece o vácuo, por que
somente se verifica esse “horror ao vácuo” até a altura de 10,33 m?
Galileu equivocou-se ao propor a solução do problema; julgou
que a coluna de água “se quebrava” pela ação de seu próprio peso.
Depois da morte de Galileu, seu discípulo Torricelli formulou uma
nova teoria. Aqueles que ainda hoje se assombram de que os físicos
da época aceitassem a hipótese do “horror ao vácuo” demonstram
seu desconhecimento de como se desenvolve o processo científico.
Uma hipótese, uma lei ou uma teoria têm validade enquanto podem
explicar adequadamente um conjunto de fatos, o que acontecia com
a teoria à qual nos referimos. A dificuldade — que exigia uma am­
pliação da teoria — residia na limitação da explicação e, inclusive,
na projeção prática, que não permitia elevar a água por sucção a uma
altura superior aos 10,33 m.
Galileu criou o método experimental, e seus discípulos sabiam
que, para que um conjunto de proposições científicas — ou sim­
plesmente uma proposição — seja válido, deve s.er verificado. Tor­
ricelli associou ao fato observado um conhecimento já adquirido
em seu tempo: o peso do ar. Se o ar tem peso, poder-se-ia conjeturar
que exercesse certa pressão sobre a superfície da água de um poço e,
ao subir o pistão e produzir sucção, esta pressão fizesse subir a
água pela bomba de sucção. Em conseqiiência, a altura de 10,33 m
representava o peso da água que podia sustentar esta pressão do ar.
O segundo passo da pesquisa consistia em comprovar se a
hipótese proposta era correta. Para verificar sua proposição, Torri­
celli pensou em realizar um experimento com uma coluna de mer­
cúrio, líquido que é 14 vezes mais pesado que a água. O enunciado
preditivo que devia provar era o seguinte: a pressão do ar sustentaria
uma coluna de mercúrio a uma altura 14 vezes menor que a da
água, isto é, um pouco mais de 0,60 m de altura. Tomou um
tubo de vidro de 0,90 m de longitude e um dedo de diâmetro,
fechou-o hermeticamente em um de seus extremos, encheu-o d.e
mercúrio e, tapando o outro extremo com o dedo, introduziu-o,
invertido, em uma vasilha cheia de mercúrio. Aconteceu o previsto:
o mercúrio desceu a uma altura de 0,76 m e o espaço superior do
tubo ficou vazio. Este vazio se chamou então “vazio de Torricelli”
16 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Este experimento de Torricelli não apenas provou sua hipótese,


como também permitiu incorporar à ciência três novas técnicas,
usadas ainda hoje: 1) o emprego do mercúrio como meio de expe­
rimentação com os gases; 2) o descobrimento de uma técnica para
produzir o vácuo; e 3) a invenção do barômetro.
Uma nova verificação e, ao mesmo tempo, uma ampliação da
hipótese foi realizada por Pascal, que pensou que, se a natureza
tem horror ao vácuo, este horror deve manifestar-se com a mesma
intensidade na planície e na montanha; mas, se a hipótese de Tor­
ricelli fosse certa, a coluna de mercúrio deveria diminuir em altura
à medida que diminuísse a pressão do ar. Perier, cunhado de Pascal,
verificou o enunciado preditivo levando o “barômetro de Torricelli”
para o alto de uma montanha; a altura da coluna de mercúrio di­
minuía progressivamente à medida que o barômetro era levado a
maiores alturas.
A experimentação científica baseia-se em provocar situações
artificialmente para, em seguida, controlar as variações produzidas.
A observação, por outro lado, está limitada pelo fato de não poder
produzir os acontecimentos cujas variações se quer observar. Há
ciências, como a astronomia, que contam apenas com a observação
para investigar. Vejamos como se pratica a observação e como é
possível alcançar resultados novos e rigorosàmente válidos apenas
com o uso deste método.
Durante uma das reuniões de um congresso de psicologia, em
Gotinga, um homem irrompeu sala adentro, seguido de outro que
esgrimia um revólver. Após percorrerem rapidamente a habitação,
saíram, vinte segundos depois de terem entrado. Os participantes da
reunião científica ignoravam que o incidente havia sido previamente
planejado e fotografado. O presidente do congresso convidou os
assistentes a redigirem um informe sobre o que haviam presenciado.
Foram apresentados 40 informes; o menor número de erros cometi­
dos no relato atingiu 20% e correspondeu a apenas um dos par­
ticipantes do congresso. 14% cometeram de 20 a 40% de faltas;
25% incorreram em 40% de erros. O mais curioso foi que metade
dos sujeitos inventou detalhes em uma proporção de 10%. Leve-se
em conta, para avaliar adequadamente a experiência, que o acon­
tecimento foi brevíssimo, o suficiente para despertar a atenção, e
que os participantes eram homens de ciência, acostumados à obser­
vação científica.
O primeiro problema da observação é, pois, constituído pelas
falsas observações, devidas a erros dos sentidos ou falhas originadas
na mehte. As primeiras vêm sendo assinaladas desde Heródoto: as
A Pesquisa nas Ciências Fáticas 17

ilusões produzidas pela refração da luz, ao atravessar a água, o


vidro ou o ar quente, são bem conhecidas. As segundas podem ser
sintetizadas na frase de Goethe: “Vemos somente o que conhece­
mos”.
W. I. B. Beveridge, num livro muito lido pelos pesquisadores8,
relata uma anedota atribuída a um médico de Manchester: durante
uma aula, introduziu um dedo em uma amostra de urina diabética
com o objetivo de prová-la. Em seguida, convidou os estudantes a
imitá-lo. Estes, com gestos de repugnância, provaram a urina e ad­
mitiram que tinha um sabor doce. O médico sorriu, dizendo-lhes:
“Para ensinar a vocês a importância de observar os detalhes, intro­
duzí na mina o dedo polegar, mas lambi o dedo indicador”.
Observar não significa simplesmente ver algo: a observação
implica um processo mental. Segundo Beveridge, em toda observa­
ção intervém dois elementos: 1) o fator senso-perceptivo (habitual­
mente visual) e 2) o elemento mental, que pode ser parcialmente
consciente e parcialmente inconsciente.
Não se pode olvidar o conselho de Claude Bemard: “Assim como
$e tira o casaco ao se entrar no laboratório, da mesma forma deve-
se deixar fora a imaginação”. Isto não quer dizer que a observação
científica seja um processo passivo; ao contrário, é uma atividade
mental ativa. Observar cientificamente implica estabelecer associa­
ções sugestivas entre os objetos examinados e entre estes e o conhe­
cimento.
A observação pode constituir-se também em um método de
prova científica, quando associada à matemática. Inclusive, pode
até vincular-se ao descobrimento científico, como veremos no exem­
plo seguinte: Aplicando-se a teoria newtoniana e mediante observa­
ções das posições do planeta Urano, foi determinada sua órbita. Mas
a órbita calculada não coincidia com as posições observadas poste­
riormente, isto é, com a trajetória registrada. Adams (em 1845) e
Le Verrier (em 1846) postularam a seguinte hipótese: as variações
na trajetória calculada de Urano obedecem a perturbações produ­
zidas por um planeta desconhecido. De imediato, calcularam a tra­
jetória que o planeta desconhecido deveria cumprir para produzir
as perturbações registradas na órbita de Urano. Posteriormente, Le
Verrier solicitou ao astrônomo Galle que verificasse sua hipótese,
observando o firmamento. Nesse, mesmo dia, Galle encontrou o
novo planeta a 52 * da posição prevista por Le Verrier.

8 B everidge, W. I. B,, The art oj jcientific investigation, N . Y., Vintagc


Book, 1957.
18 Os Métodos Atuais de Pesquisa

A pesquisa biológica

A experimentação constitui a base fundamental da pesquisa


biológica; todavia, nem sempre é possível, sobretudo na investigação
clínica humana. Um conceito essencial da experimentação bioló­
gica é o experimento controlado: provocar um fato, em condições
prefixadas, eliminando ao máximo as influências exteriores ao
acontecimento que se experimenta, e submetê-lo a uma cuidadosa
observação.
No experimento controlado, separam-se dois grupos semelhan­
tes: a) grupo de controle e b) grupo experimental. Os grupos de­
vem ser tão semelhantes quanto possível e diferir somente no fator
de variação que se quer investigar. Em biologia, nem sempre é fácil
assegurar-se de que ambos os grupos são semelhantes em relação ao
sexo, idade, peso, etc. As diferenças ainda possíveis podem ser cor­
rigidas mediante técnicas matemáticas na estimativa dos resultados.
Antigamente — e ainda hoje, em certos experimentos — cos­
tumava-se fazer variar um fator em cada experiência. Atualmente,
as técnicas estatísticas possibilitam provar, ao mesmo tempo, um
conjunto de variáveis.
Na pesquisa farmacológica, emprega-se o grupo de controle nos
experimentos denominados double blind (duplamente cego). Uma
vez estabelecida a ação medicamentosa de um remédio em uma en­
fermidade, primeiro em laboratório e depois em animais, a prova
de sua eficácia em nível humano deve eliminar a ação psicológica
inerente a todo meio terapêutico usado nos seres humanos. Para
evitá-la, são fabricados dois medicamentos exteriormente iguais,
porém um deles contém apenas algo passivo, inócuo, como água
destilada ou açúcar, e o outro contém o medicamento cuja ação
se quer provar. Às vezes, nem o próprio médico que administra o
remédio sabe quais são realmente medicamentos e quais são “pla-
cebos” (nome técnico do produto inócuo). A experiência é reali­
zada com dois grupos humanos, ambos afetados pelo mesmo mal
e com características semelhantes. Ao término do experimento, com­
prova-se que se verificou melhoria em ambos os grupos; por exem­
plo, 20% no grupo ao qual se administrou o placebo, dizendo-se-lhe
que se tratava de um novo e poderoso remédio, e 90% no segundo
grupo, que/recebeu o remédio verdadeiro. Subtrai-se 20 de 90, e
o resultado, 70, é a média provável da ação terapêutica do produto
que foi submetido à prova.
O procedimento do double blind é adotado para evitar que o
próprio médico, com sua atitude consciente ou inconsciente ante o
produto, deixe transparecer ao paciente qual é realmente o remédio.
A Pesquisa nas Ciências Fáticas 19
Os placebos — e outros procedimentos terapêuticos inócuos —
são empregados também como medicamentos em enfermos neuró­
ticos ou histéricos. Alguns psiquiatras, por exemplo, utilizam em
pacientes neuróticos complicados aparelhos, aos quais atribuem vir­
tudes terapêuticas para o paciente. A melhoria ou a cura obedecem
à ação dos mecanismos psicológicos. A escolha de aparelhos mecâ­
nicos ou eletromecânicos (que são, como os placebos, inócuos far-
macologicamente) baseia-se no prestígio atual da tecnologia entre
o povo.
Na experimentação bioquímica, costuma-se usar o procedimento
da eliminação sistemática, base do conhecido jogo infantil de adivi­
nhar uma palavra desconhecida, começando por perguntar se é
animal, vegetal ou mineral. Este método é efetivo quando se pro­
cura uma substância desconhecida usando substâncias químicas.
Com equipes de pesquisadores e grandes inversões em dinheiro,
chegou-se a isolar a estreptomicina, depois de haver eliminado
grande quantidade de cepas de fungos. A descoberta da penicilina,
por obra do misterioso acaso e do gênio observador de Fleming, foi
muitíssimo mais econômica. A descoberta do PAS (ácido paramino-
salicílico) foi resultado de um processo dedutivo: seu autor buscou
um produto químico que, ao inibir o metabolismo do bacilo de
Koch, anulasse sua ação patógena.
Em biologia, é muito freqüente o uso de experimentos “piloto”,
que consistem em pesquisas em escala reduzida ou in vitro,
preparatórias à experiência in vivo. Todos estes procedimentos su­
põem o conhecimento, pelo pesquisador, das técnicas e aparelhos
utilizados no experimento. E, o que é muito importante, supõe que
o pesquisador admita a possibilidade do erro inclusive em experiên­
cias aparentemente bem planejadas. Beveridge recorda o caso de
John Hunter, que se auto-inoculou a gonorréia com o objetivo de
estudar as diferenças entre essa doença e a sífilis. Lamentavelmente,
inoculou-se inadvertidamente também a sífilis. Contraiu ambas as
infecções e, durante muito tempo, acreditou que os sintomas das
duas doenças fossem manifestações de uma única: a gonorréia.
Nas pesquisas biológicas baseadas em auto-experiências, corre-
se o risco de somar aos fatores de erros possíveis pelas técnicas expe­
rimentais os provenientes da própria subjetividade. O caso das auto-
experiências de Brown-Séquard, o pioneiro da endocrinologia contem­
porânea, é sumamente eloqüente. Sua primeira comunicação foi
apresentada à Sociedade de Biologia em l.° de junho de 1889, sob
o título “Efeitos produzidos no homem pelas injeções subcutâneas
de um líquido extraído dos testículos frescos de cobaio e de cão”.
Podemos imaginar as dificuldades de suas tentativas de automedi-
20 Os Métodos Atuais de Pesquisa

cação hormonal através de uma comunicação posterior, também


apresentada à sociedade de biologia, onde escreve: “A dor e a infla­
mação que sofri após cada injeção poderíam ser notavelmente dimi­
nuídas mediante o emprego de um líquido mais diluído em ág u a...
Porém .. . deveria empregar outro procedimento.. . Por exemplo, a
injeção do líquido testicular no intestino. £ provável que pudesse
introduzir na cavidade retal um líquido muito menos irritante. . . ”
Na primeira comunicação dizia: “Tenho 72 anos. Meu vigor geral
tem diminuído gradualmente e de forma perceptível, de 10 a 12
anos para cá. Antes das experiências às quais aqui me refiro (as
injeções de extrato testicular), devia necessariamente sentar-me, de­
pois de permanecer meia hora de pé no laboratório. Ao entrar em
casa, de carro, por volta das 6 da tarde, sentia-me tão fatigado que,
depois de um refrigério, tinha que ir para a cama. Por vezes, o esgo­
tamento era tão grande que, apesar de necessitar dormir e de sentir
uma sonolência que inclusive me impedia de ler os jornais, não
podia conciliar o sono até depois de muitas horas. Hoje, depois do
segundo dia — e, sobretudo, após o terceiro — de tratamento com
as injeções (3 injeções até este momento), tudo mudou e recuperei,
pelo menos, toda a força que possuía há alguns anos”.
Sabe-se que, para a obtenção do equivalente a alguns miligra­
mas do hormônio propinato de testosterona — hoje sintetizado —
eram necessárias algumas centenas de quilos de testículos. Pois bem,
Brown-Séquard injetava-se um centímetro cúbico de extrato, corres­
pondente à quarta ou à quinta parte do hormônio de um testículo,
quantidade de ação praticamente nula. A explicação do “êxito te­
rapêutico” descrita pelo cientista deriva do diagnóstico de sua enfer­
midade: síndrome melancólico de frustração, caracterizado por
insônia, astenia, adinamia, improdutividade intelectual, transtornos
hipocondríacos. A melhora só pode ser atribuída a uma ação-placebo
das injeções, isto é, a um mecanismo puramente psicológico. Se bem,
que este fato em nada desmereça o trabalho pioneiro de Brown-
Séquard, constitui um chamado de alerta para as conclusões apres­
sadas no campo da pesquisa biológica9.
Examinemos o processo da investigação biológica através da cria­
ção de uma grande teoria científica contemporânea: a teoria do
j tress, cujo autor, Hans Selye, escreveu centenas de memórias cien­
tíficas, meia dúzia de livros e realizou experimentos durante trinta
anos para provar e aplicar as conseqüências de suas investigações

9 Veja-se o capítulo “Hormone et revitaliiation” , no livro de F. Dagognet,


La raiso* t t let remides, Paria, TJniversitaire* de France, 1964.
A Pesquisa nas Ciências Fáticas 21

no campo da medicina, especialmente à fisiologia, à farmacologia e à


terapêutica humanas.
Em um livro quase autobiográfico, Selye descreve minuciosa­
mente os passos percorridos na investigação, desde suas primeiras
observações como estudante de medicina até a formulação da teoria
e respectivas provas10. Aos 18 anos, quando começava a cursar
medicina interna, Selye adverte que, na descrição das doenças, o
professor não dava maior importância a um conjunto de sinais e
sintomas dos pacientes: dores difusas, perda de apetite, febre, dis­
túrbios intestinais, dilatação do fígado, inflamação das amígdalas.
Esta sintomatologia variada e constante não parecia interessar ao
professor, porque constituía sintomas não específicos e, por isso,
não utilizáveis no diagnóstico específico da doença.
Não obstante sua juventude e inexperiência — o que indica
sua capacidade para o que chamamos anteriormente “observação
científica” — , adverte que a constância desses sinais e sintomas em
todas as enfermidades determinava um síndrome especial: o de sen­
tir-se enfermo, isto é? o síndrome que caracteriza a enfermidade como
tal. Dez anos depois, realizava experiências com ratazanas, às quais
injetava um extrato de ovário e placenta. Observa que se produz nos
animais um aumento do córtex supra-renal, uma atrofia do timo,
do baço e dos nódulos linfáticos e que áparecem, úlceras gastroduo-
denais. O conhecimento endocrinológico não permitia, até esse mo­
mento, atribuir essas mudanças a nenhum hormônio conhecido.
Selye pensou, então, que talvez estivesse por descobrir um novo
hormônio do ovário. Formula, pois, uma hipótese: existe um hor­
mônio do ovário, ainda desconhecido, que é capaz de produzir
certas mudanças no organismo.
O passo seguinte devia ser a projeção de experimentos que pro­
vassem sua hipótese. Inferimos, pelo que ele próprio nos diz, que,
talvez sem se propor explicitamente, pôs em prática a técnica da
eliminação sistemática. Foi assim que decidiu injetar nos anim ais
sob experiência extrato pituitário. A escolha dos hormônios da
hipófise se explica pela função coordenadora que este hormônio
desempenha na fisiologia das secreções internas (através das gona-
dotrofinas, por exemplo, rege as funções dos ovários).
Ao comprovar que se reproduzia a sintomatologia anterior, su­
põe que o novo hormônio era fabricado pela hipófise. Decide injetar,
então, extratos de fígado e rim e, com surpresa, comprova que vol­

10 Selye. Hans, The itre it of life, Londres, Longmans, Green and Co,, 1957.
(H á tradução para o espanhol,}
22 Os Métodos Atuais de Pesquisa

tem a se apresentar as mesmas modificações orgânicas. Formula,


então, uma nova hipótese: existirá um hormônio, até hoje desconhecido,
produzido por uma célula qualquer do organismo, algo assim como
um “hormônio tissular”? Sem dúvida, esta nova suposição não é
muito compreensível, porque Selye comprova algo inesperado: ao
purificar os extratos, ao invés de aumentar sua potência, como ocorre
quando se trata de hormônios, a atividade diminuía sensivelmente.
Decide, então, realizar um experimento crucial, injetando formalina,
uma substância tóxica muito irritante usada nos laboratórios bio­
lógicos como fixador de tecidos. Sua hipótese de trabalho pode ser
sintetizada, nesse momento, na seguinte pergunta: pode uma subs­
tância não derivada de um tecido vivo, inclusive tóxica, produzir o
mesmo síndrome?
Quarenta e oito horas depois de haver injetado a formalina,
examinou os órgãos dos animais e comprovou um aumento ainda
maior do córtex supra-renal, a conhecida atrofia timolinfática e a
formação de úlceras intestinais. O experimento e a observação con-
seqiiente eliminavam radicalmente toda possibilidade de descoberta
de um “novo hormônio”. Cabia formular, então, uma nova hipótese
de trabalho: a existência de um síndrome geral inespecífico da en­
fermidade. A investigação experimental havia conduzido Selye ao
limiar de um problema que ele vislumbrara quase intuitivamente em
sua juventude: o síndrome geral da enfermidade.
O esboço dos experimentos que devia realizar foi consequên­
cia de um conjunto de indagações que o pesquisador se propõe:

19 Até que ponto se pode dizer que este síndrome é inespe­


cífico?
29 Que manifestações apresenta o síndrome, além das já
conhecidas?
39 Como se desenvolve no tempo?
49 Até que ponto as manifestações do síndrome específico
são influenciadas pelas ações específicas dos agentes que
o produzem?
59 Qual é o mecanismo — a “dinâmica” — desta reação?

O relato minucioso das sucessivas experiências que conduziram


ao estabelecimento da teoria do stress, validada por provas fisio­
lógicas estritas, que chegam, inclusive, ao estabelecimento de rela­
ções quantitativas e mensuráveis, tomar-nos-ia muito espaço e está
A Pesquisa nas Ciências Fáticas 23

fora dos objetivos deste livro. Mais interessante será destacar al­
gumas reflexões do próprio Selye sobre a investigação científica11.
Muita gente está convencida — segundo Selye — de que, para
pesquisar, requerem-se grandes somas de dinheiro, laboratórios mo­
dernos, equipados com máquinas complexas e caras, e equipes de
ajudantes bem treinados. A descoberta do síndrome geral de adap­
tação, que constitui o fundamento da teoria do síress, não necessitou
de laboratórios luxuosos. O único “laboratório” de Selye, nessa época,
estava integrado por umas tesouras (para abrir as ratazanas), uma
seringa (para as injeções) e um ajudante. É verdade que há um
ingrediente sem o qual não há investigação científica possível: o
talento.

A pesquisa na medicina

_ Vejamos, finalmente, um exemplo de investigação científica


realizada no campo específico da medicina, através da narrativa de
Carl Hempel12: Ignacio Semmelweis trabalhou durante os anos de
1844-1848 no Hospital Geral de Viena como médico da materni­
dade desse nosocômio. No primeiro ano de seu ingresso na mater­
nidade, morreram 260 mulheres de febre puerperal sobre um total
de 3157 mães internadas, isto é, 8,2% ; no ano seguinte, a mortandade
média diminuiu para 6,8% e, em 1846, subiu para 11,4%, Nos
mesmos anos (1844, 1845 e 1846), em outra sala de maternidade
do mesmo hospital, a média de mortes por febre puerperal regis­
trada foi muito menor: 2,3%, 2% e 2,7% , respectivamente. Esta
diferença notável entre as médias das duas salas constituía um ver­
dadeiro enigma.
_ Semmelweis iniciou sua investigação, considerando várias expli­
cações propostas em sua época, rejeitando sistematicamente as que
não fossem compatíveis com os fatos cientificamente estabelecidos
e submetendo as restantes a provas concretas:
1) Uma opinião muito difundida atribuía os estragos da febre
puerperal a “influências epidêmicas”, que eram descritas como “mu­
danças atmosférico-cósmico-telúricas”. Esta hipótese era insusten­
tável, por pouco que se pensasse em: a) por que a “epidemia” di­

M Na obra ja citada de Selye, pode-se ver o desenvolvimento minucioso da


pesquisa.
J2 H empel , C. G „ Phüosophy oj natural Sciences, Nova Iorque, Prentice-Hall
Inc., Englewood Cliffs, 1966.
24 Os Métodos Atuais de Pesquisa

minuía de intensidade na segu sala da maternidade do hospital


e b) como explicar uma ação ep^ Smica que se verifica em um hos­
pital e se apresenta excepcionalmente na vizinha cidade de Viena
Uma verdadeira epidemia não pode ser seletiva, mas total.
2) Outra opinião era que a mortalidade era causada pelo aglo­
merado das mães na maternidade; hipótese contrariada pelos fatos,
uma vez que na segunda sala havia muito mais mulheres (pelo temor
que a primeira inspirava, com sua elevada mortandade).
3) Uma terceira opinião — também rejeitada por Semmelweis,
por ser contrária aos fatos — atribuía a catástrofe a diferenças na
dieta ou na atenção médica.
4) Uma comissão médica encarregada de estudar o fenômeno
atribuiu-o às feridas causadas pelo exame realizado nas parturientes
por estudantes imperitos. Semmelweis observou: a) que as feridas
naturais conseqüentes do parto eram mais extensas que aquelas que
um exame rude ou mais ou menos inábil podia provocar; b) que as
parteiras que examinavam as pacientes na segunda sala realizavam
as mesmas manobras que os estudantes da primeira, mas sem que
se produzissem os mesmos resultados, e c) quando se reduziu o
número de estudantes à metade — por recomendação da citada co­
missão — e sua intervenção na maternidade foi mínima, a morta­
lidade alcançou níveis mais elevados que antes.
3) Não faltaram as hipóteses psicológicas, como a que atribuía
a elevada percentagem da febre puerperal à passagem “terrorífica
e debilitante” (sic) de um sacerdote que percorria a maternidade,
precedido de um ajudante que fazia soar uma campainha, para mi­
nistrar os últimos sacramentos a uma mulher agonizante. O sacerdote
cruzava apenas a primeira sala da maternidade. Para submeter à
prova mais esta hipótese, Semmelweis pediu ao sacerdote que mu­
dasse seu percurso, de modo que não cruzasse a sala onde se re­
gistrava o alto percentual de enfermas: nem por isso a mortalidade
decresceu.
6) Alguém sugeriu a Semmelweis uma nova hipótese: as mu­
lheres da primeira sala descansavam sobre a espádua, ao passo que
as da segunda o faziam de costas. A consequente mudança de po­
sição na cama não trouxe modificação alguma nas percentagens.
A chave decisiva para a solução do problema foi proporcionada
a Sentmelweis por um acidente ocorrido com um colega: durante
uma autópsia, um estudante feriu o dedo de um médico com o bis-
turi. Este morreu, após uma agonia em que manifestou os mesmos
sintomas que caracterizam a febre puerperal. Embora não se co­
nhecesse ainda o papel dos microrganismos nas infecções, Semmel-
A Pesquisa nas Ciências Fáticas 25
weis atribuiu a morte do colega à introdução de "matéria cadavé^
rica” no sangue do médico. As semelhanças entre a enfermidade
que produziu a morte de seu colega e a febre puerperal conduziram-no
à hipótese de que a causa era a mesma: certo envenenamento do
sangue. Os transmissores de material infeccioso deviam ser seus
colegas, os estudantes e ele próprio, já que nenhum deles tomava
precauções especiais, ao realizar as autópsias e examinar em seguida
as parturientes, fazendo-o depois de uma lavagem superficial das
mãos.
Formulada esta hipótese, Semmelweis decidiu submetê-la a uma
verificação: exigiu dos estudantes que, antes de examinar uma par-
turiente, desinfetassem as mãos. O resultado de seu experimento
comprovou sua suspeita, porque, durante o ano de 1848, a mortan­
dade média desceu a 1,27% na primeira sala, sendo menor ainda
que a da segunda, 1,33%. A verificação de sua hipótese foi encon­
trada no fato de que, na segunda sala, as pacientes eram atendidas
por parteiras que não realizavam dissecação de cadáveres. Outro
apoio experimental aà sua hipótese proveio do fato de que as mulhe­
res que tinham seus filhos na rua eram internadas rapidamente, sem
ser examinadas, e nunca sofriam de febre puerperal. .
Novas experiências serviram para que Semmelweis ampliacw
sua hipótese. Em uma ocasião, examinaram uma mulher que sofria
de um câncer cervical ulcerado e, após lavarem superficialmente as
mãos, examinaram vinte mulheres na mesma sala: onze delas mor­
reram de febre puerperal. Deste acontecimento fúnebre Semmelweis
extraiu uma conseqüência que ampliou sua hipótese inicial: a febre
puerperal não é causada apenas por matéria cadavérica, mas também
por “matéria pútrida derivada de organismos vivos”.
Hempel analisa o processo lógico da proya de hipótese, na pes­
quisa biológica, através do exemplo de Semmelweis. Por vezes, a
prova é imediata, como nos casos das hipóteses que atribuíam a
enfermidade à dieta, à superpopulação da sala ou à atenção médica:
todas estas conjeturas foram rejeitadas como falsas por serem con­
trárias a fatos facilmente verificáveis.
Outras vezes a prova não é tão simples, como no caso da hi­
pótese que atribuía o mal à presença do sacerdote. O raciocínio de
Semmelweis — segundo Hempel — deve ter sido o seguinte: se
esta hipótese fosse verdadeira, então uma modificação apropriada
no comportamento do sacerdote deveria ser seguida por uma dimi­
nuição na mortandade. Submeteu ài prova esta relação, por meio do
simples experimento que relatamos anteriormente, e constatou ser
falsa; em conseqüência disso, rejeitou essa hipótese. Um processo
26 Os Métodos Atuais de Pesquisa

análogo levou à rejeição da hipótese que atribuía a enfermidade à


posição das pacientes no leito (o leitor pode reconstruir o respectivo
raciocínio por analogia ao anterior).
Examinemos com algum detalhe o processo lógico subjacente
neste aspecto da investigação biológica. A prova reside num argu­
mento acerca do efeito verificável por dbservação que deverá ocor­
rer, se a hipótese considerada for verdadeira em certas circunstân­
cias bem determinadas. A hipótese — que chamaremos H — é a “pas­
sagem do sacerdote pelas salas. . o efeito esperado é “o declí-»
nio da mortalidade” — que denominaremos I — ; e as circunstâncias
são “a proibição ao sacerdote de cruzar as salas” . A hipótese foi
rejeitada — segundo se explicou —, e seu mecanismo lógico pode ser
assim esquematizado:

Se H é verdadeira, então I também o será,


mas (como a observação o comprova) I não é verdadeira
H não é verdadeira.
A PESQUISA N A S C lt N C IA S DO H O M E M

A pesquiso em psicologia

Há os que sustentam que basta um método paia definir uma


disciplina; outros, ao contrário, centram a definição na natureza do
objeto. Para nós, uma ciência se define por seu objeto, seu método
e seus fins. £ evidente que o que distingue o trabalho de investigação
nos diferentes campos da ciência é fundamentalmente a natureza
dos respectivos objetos científicos. Isto não significa que se possa
separar o objeto do método; há dois excessos igualmente perigosos:
a ) estudar um objeto sem considerar a influência sobre ele dos
métodos usados para investigá-lo e b) determinar o objeto pelo
uso de um método. Na realidade, existe uma estreita relação entre
os objetos científicos e os métodos empregados no seu estudo.
Qual é a natureza dos objetos psicológicos? Na psicologia, como
em qualquer outra ciência, os objetos não são entes materiais, mas
conceitos, e o que em rigor se estuda são as relações entre esses
conceitos. Só há ciência quando é possível realizar observações repe­
tidas e, inclusive, reproduzíveis em condições prefixadas.
Ray Hyman13 exemplificou a relação método-conteúdo no
campo psicológico mostrando como o método introspectivo de
Wundt estava em correspondência com a definição que ele dava de
psicologia como o estudo da experiência consciente. Analogamente,
Watson — que concebia a psicologia como uma ciência natural —
rejeita a experiência subjetiva para centrar seu interesse no que é

13 H yman, R,, The nature of fsychological inquày, Nova Jerscj Frentice Hall,
Inc., Englewood Cliffs, 1964. (Há tradução para o português.)
28 Os Métodos Atuais de Pesquisa
observável nos organismos: o comportamento ( behaviour). A es­
cola comportamentista* exclui todo procedimento subjetivo, ba­
seando as investigações na observação objetiva do comportamento.
Reafirmamos aqui o critério exposto anteriormente, segundo o
qual toda psicologia supõe um sistema conceptual e que não existe
metodologia alguma que não o suponha. Esta descoberta foi inde­
pendentemente alcançada também por outros pesquisadores: Piaget
e Gonseth a denominam “doutrina prévia” ou “filosofia implícita”,
respectivamente.
Na análise dos métodos de investigação psicológica (melhor
seria falar de técnicas), seguiremos a classificação de Hyman na
obra citada, que distingue: a) métodos naturalistas; b) métodos
diferenciais; c) métodos experimentais e d) métodos combinados.
O método naturalista consiste em observar o comportamento
dos organismos em seu estado natural (daí seu nome), evitando ao
máximo toda interferência do observador. A tarefa do pesquisador
consiste em observar e registrar o que vê. Na investigação psicoló­
gica, costuma-se usar uma variante importante deste método: o mé­
todo clínico. Usado em medicina com fins terapêuticos, serve também
como instrumento de investigação. O método psicanalítico — tanto
em sua fase terapêutica como científica — é um bom exemplo; outro
é o de Piaget.
Explicaremos, em primeiro lugar, o método psicanalítico para.
em seguida, analisá-lo críticamente, não em seu aspecto médico (te­
rapêutico), mas como instrumento de investigação psicológica. E
necessário começar por distinguir a doutrina psicanalítica do método
terapêutico e do método de investigação científica, aspectos que, na
obra de Freud, nem sempre são estritamente diferenciados. Inclusive,
dever-se-ia distinguir um quarto aspecto — cuja análise está fora
dos objetivos deste livro — : as aplicações.
O método psicanalítico (na realidade uma técnica) como pro­
cedimento de investigação da personalidade foi criado sobre a base
da doutrina freudiana. Freud começou seu trabalho psicoterapêutico
como hipnólogo (havia sido discípulo de Charcot, na Salpêtrière).
As experiências de sugestão pós-hipnótica servem-lhe para desco­
brir a atividade inconsciente e a função da catarse; mas, ao com­
preender as limitações da hipnose como método terapêutico e sua
natureza necessariamente sintomática, substitui-a primeiro pela su­
gestão em estado de vigília, depois peto método psicanalítico.

* No original, con-ductiila. Preferimos a tradução acima, embora seja um neolo-


gismo, por ser o termo de uso corrente em psicologia no Brasil. (N . da T rad.)
A Pesquisa nas Ciências do Homem 29
A essência do método consiste na interpretação dos sonhos, nos
atos falhos, nos sintomas neuróticos e psicóticos e no emprego sis­
temático da livre associação.
A psicologia profunda entende que a atividade psíquica é o
resultado do conflito entre as tendências instintivas e as repressões
que a elas se opõem. A psicanálise, como técnica de investigação,
é um subproduto do método terapêutico: um emprego terapêutico
prematuro — exigido pela urgência médica de aliviar os pacientes —
tem sido a causa de muitos erros de compreensão, de interpretação
e até de utilização. Kubie — que se ocupa do estudo do método
psicanalítico há mais de trinta anos — destacou que Freud conside­
rava a psicanálise mais que uma terapia, um método de investigação
psicológica; mas, sem uma necessidade terapêutica, pouca gente se
submetería a um tratamento psicanalítico, exceto os que aspiravam
a ser psicoterapeutas1*.
Em que consiste a técnica da livre associação? O papel da aná­
lise — tanto em sua fase terapêutica como na investigação da perso­
nalidade — é fazer aflorar à consciência os conteúdos não cons­
cientes (pré-conscientes); como usar a consciência para alcançar
tal objetivo sem cair em uma contradictio in adjeto? Uma lógica
elementar nos indica que, se se tivesse acesso ao pré-consciente por
meio da atividade consciente, o inconsciente seria consciente, ou vice-
versa.
A livre associação postula que a mente associa imagens e senti­
mentos — distantes no espaço e no tempo —, ainda que pareçam
dissemelhantes e, inclusive, logicamente contraditórios: há uma “ló­
gica do inconsciente” que reúne em blocos únicos os elementos in­
conscientes. Além disso, como o próprio paciente se opõe à mobili­
zação dos conteúdos inconscientes (mecanismo de defesa e repres­
são), não se pode contar com sua colaboração consciente.
Kubie, na obra citada, afirma que a livre associação é a imagem
especular do reflexo condicionado, e seu valor científico reside no
fato de que permite desmascarar a influência concorrente dos pro­
cessos conscientes, pré-conscientes e inconscientes na atividade men­
tal.
Outro instrumento de investigação é a interpretação dos sonhos,
cujo aspecto crítico é a semântica do conteúdo manifesto do Ennhn
com o objetivo de descobrir as idéias latentes. Nesse aspecto, a di­

14 K ubie , L. S., Psychoanaiysis and scientific method, em " Psychoanalyeie


Scientific Method and Philosophy” . Dirigida por Sidney Hook, New York Univer-
*ity Presa, 1959, p. 57-77.
30 Os Métodos Atuais de Pesquisa

ficuldade maior se apresenta quando a resistência do sujeito a efe­


tuar livres associações referentes a seu sonho não pode ser vencida.
Nesses casos — que, segundo o próprio Freud, são bastante fre-
qüentes — resta apenas um recurso; o uso de chaves semânticas
universais, extraídas do folclore, da etnologia e da história das reli­
giões. A distinta hierarquia dos dois modos de interpretação foi
destacada também por Freud, que só admitia a segunda quando de
nenhum modo era possível usar a primeira.
Tanto a livre associação como a análise dos sonhos e dos atos
falhos, caso pretendam ser considerados como procedimentos de
investigação científica, deverão cumprir as exigências que condi­
cionam o exercício de outros métodos de pesquisa: especificidade,
possibilidade de reproduzir as experiências, objetividade e genera­
lidade dos resultados. As técnicas usadas na psicologia profunda, como
todo método clínico, dificilmente poderiam cumprir estas exigên­
cias: o tratamento específico dos “objetos” da investigação (os pa­
cientes) nunca pode ser o mesmo (recorde-se o fato de que não há
enfermidade, mas enfermos); os dados obtidos na consulta clínica
dificilmente são reproduzíveis (não obstante o uso atual de magneto-
fones e máquinas de filmar) e a generalização das informações é
quase uma ilusão.
A objetividade dos experimentos psicológicos — no contexto
doutrinário e metodológico da psicologia profunda — merece um
parágrafo à parte. Em primeiro lugar, o observador (o psicanalista)
participa necessariamente da observação, porque forma com o pa­
ciente um mesmo bloco. Por exemplo, à transferência do paciente
o psicanalista responde necessariamente com uma contratransferên-
cia. Em um agradável livro de Rudner, intitulado À hora de cin-
qiienta minutos, o psicanalista confessa que, ao tentar curar o delírio
de um paciente por meio de uma técnica de participação, esteve a
ponto de perder seu equilíbrio mental. Após explicar a técnica de
investigação comportamentista, voltaremos à análise da objetividade
em psicologia.
Em termos gerais, pode-se afirmar que o método clínico —
como todo procedimento baseado na observação livre — apresenta
o inconveniente da falta de rigor das observações pelo caráter ne­
cessariamente passivo do observador. O método psicanalítico, por
exemplo, depende exclusivamente de dados registrados pelo ouvido
(em menor medida, os gestos e atitudes do paciente também inter­
vém). Os dados auditivos não são restringidos apenas por seu caráter
temporal, mas também porque estão submetidos a várias distorções,
conscientes e inconscientes: a) distorções perceptivas no momento
da audição; b) distorções de transcrição; c) distorções da memória.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 31

A introdução de instrumentos mecânicos de registro implica a in­


tromissão das distorções inerentes ao próprio aparelho (como tem
ocorrido com o microscópio e o estetoscópio).
Cemtudo, o problema mais sério é a interpretação. Alguns psica­
nalistas, como o citado Kubie, confessaram que a justificação cien­
tífica de suas interpretações pertence a três níveis de rigor lógico
progressivo: a) possibilidade; b) probabilidade e c) validade úmea.
É fácil propor interpretações possíveis do comportamento de um
paciente; menos simples são as explicações prováveis; mas o que
é realmente difícil é formular interpretações de validdde absoluta:
adequada, única e necessária. Confundem-se, inclusive, as descrições
com as explicações principalmente quando as primeiras se baseiam
em uma nova nomenclatura: dar nomes novos aos fenômenos não
significa compreendê-los nem explicá-los.
A primeira condição que as interpretações psicanalíticas devem
cumprir é a possibilidade de sua verificação. Esta supõe uma exi­
gência m ín im a de objetividade, cujo requisito essencial seria que um
grupo de pesquisadores independentes tivesse acesso ao mesmo mate­
rial e que esto material fosse reunido em condições codificadas. O cum­
primento desta exigência é dificultado pela relação singular que liga
o psicanalista a seu paciente, que é, como dissemos, única e irre-
petível por ser uma unidade bipessoal.
Dois argumentos aduziram os psicanalistas para justificar a
validez de suas interpretações: a aceitação do paciente e a me­
lhoria ou cura. O primeiro é facilmente recusável, por pouco que
se pense na singular relação entre analista e analisado que impede
atribuir qualquer objetividade aos juízos deste último. O segundo
argumento não resiste à análise lógica porque pertence ao tipo de
falácias que os antigos lógicos (e também os atuais) denominam
post hoc ergo propter hoc. Esta falácia consiste em inferir que
um fato é a causa de outro porque o primeiro se apresenta antes do
segundo. No caso presente, a falácia reside na suposição de que a
interpretação psicanalítica é correta porque se verificou a sucessão
de acontecimentos: enfermo-tratamento psicanalítico-cura. Contra­
riamente ao que sustentam os psicanalistas, a sucessão de fatos enu­
merados não justifica a existência de uma relação de causalidade
entrd os mesmos: há que prová-la. Morris Cohen destacava o erro
do argumento, recordando que muitas pessoas têm sido “curadas”
por ritos mágicos ou por curandeiros. Poderiamos acrescentar, inclu­
sive, que, entre os mecanismos de cura que a medicina aceita, figu­
ram os mecanismos naturais, isto é, a cura espontânea. .
Duas críticas se esgrimem com bastante freqUência contra o
método de investigação psicanalítico — sobretudo com referência
32 Os Métodos Atuais de Pesquisa
às aplicações terapêuticas. A primeira alude à natureza abstrata de
alguns de seus conceitos essenciais: ego, id, superego, libido. Este
argumento não é válido porque todas as ciências empregam concei­
tos análogos: as partículas atômicas, a noção física de “campo”, o con­
ceito de stress, a noção de genes. Todos estes objetos científicos
são, na realidade, inobserváveis; correspondem a “termos- teóricos”,
expressão perfeitamente válida na ciência atual. O segundo argu­
mento contra os procedimentos da investigação psicanalítica refere-
se à linguagem, isto é, ao conjunto de signos que utiliza para ex­
pressar os fatos e os fenômenos observados. Alguns autores criti­
caram o emprego de palavras extraídas da física do século xix,
o que é explicável pelo contêxto científico em que Freud se formou.
Outros autores menos perspicazes impugnaram o uso de termos
míticos e simbólicos, expressões que, a nosso ver, constituem um
dos grandes méritos do criador da psicanálise: haver codificado tuna
terminologia simbólica própria para a categorização de aconteci­
mentos que, por seus complexos matizes, carecem de representação
senso-perceptiva.
Outros requisitos exigíveis de um método científico que tam­
bém faltam são: a) os grupos de controle e b) a verificação dos
enunciados preditivos. Na investigação psicanalítica, realizam-se pre-
dições acerca do comportamento futuro dos psicanalisados; por exem­
plo, sobre a espécie de sonhos que terão e o tipo de sentimentos que
experimentarão. Pelo fato de que estas predições pessoais costumam
cumprir-se, alguns autores deduziram um argumento científico de
prova que é incorreto, porque: 19) não têm sido estudados os casos
nos quais as predições não se cumpriram e 29) este tipo de predição
não sistemática nem derivada das hipóteses generalizadas somente
alcança como antecipações válidas — no caso de que o sejam — o
âmbito restrito do sujeito.
Os métodos diferenciais são procedimentos de observação psi­
cológica que classificam os dados baseando-se nas variações exis­
tentes. A técnica mais usada é a correlacionai, que consiste na com­
provação das relações existentes entre duas ou mais variáveis13. As

, 15 Uma variável é representada por um signo (uma letra) incluída em uma


fórmula (conjunto ^de signos) lógica ou matemática, que, por sua vea, representa
um conjunto de objetos (ou valores) de-forma.4ndeterm inada.'0 conjunto de objetos
ou valores chama-se classe, tampo de existência ou de variabilidade da variável. Se
duas variáveis se relacionam entre ti como os membros de uma equação algébrica,
constituem uma junção: fixando valores a uma das variáveis (chamada variável
mdependente) , a outra ou as outras assumirão valores em relação aos atribuídos
1 primeira — esta ou estas variáveis se chamam variáveis dependentes.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 33
variáveis que caracterizam o sujeito que se estuda (posição, carac­
teres) denominam-se variáveis independentes; a variável que inte­
ressa conhecer, em relação à variável independente, é chamada va­
riável dependente. A escolha das variáveis é convencional; não obs­
tante, através de sua distribuição, é possível descobrir a relação cau-
sa-efeito, tal como a concebe o pesquisador: a variável independente
é a causa e a variável dependente o efeito.
Como o leitor terá suspeitado, o uso das variáveis na psicologia
obedece a uma intenção científica: formular leis e, inclusive, teorias
sobre a base de dados de observação correlacionados matematica­
mente. Vejamos um exemplo: a avaliação da educação de um indi­
víduo (variável dependente) a partir de sua inteligência, stettus eco­
nômico de sua família e o nível cultural do meio em que vive (va­
riáveis independentes). A obtenção das medidas das variáveis in­
dependentes será conseguida mediante testes (a inteligência), in­
quéritos (o nível econômico familiar) e estatísticas (a cultura do
meio), por exemplo. Estabelecida a correlação, a investigação con­
sistirá em determinar a incidência das variáveis independentes na
variável dependente, o que se obterá com uma precisão que estará
em razão direta da qualidade dos procedimentos que tenham sido
aplicados na determinação dos valores das variáveis. Logo, em passos
sucessivos, pode-se fazer “variar” as variáveis independentes e estu­
dar sua correlação com a variável que se quer conhecer; pode-se, in­
clusive, introduzir outras variáveis irfdependentes.
Os métodos experimentais baseiam-se na busca de respostas
induzidas pela introdução planificada de estímulos. O método cor­
relacionai pode ser de observações, se o pesquisador se limita a re­
gistrar as relações que estabelece entre duas variáveis tal como se
dão na natureza; mas se converte em uma técnica experimental
quando a variável independente é controlada pelo pesquisador. Um
procedimento correlacionai não experimental poderia ser um estudo,
mediante a distribuição de variáveis dependentes e independentes,
baseado em dados obtidos diretamente de estatísticas. Por outro lado,
o estudo do comportamento de um rato em um labirinto, variando
deliberadamente as condições (variáveis independentes), supõe uma
metodologia experimental.
Evidentemente, o que distingue o método experimental dos pro­
cedimentos simplesmente de observação é a restrição da liberdade e
a maior determinação do primeiro com relação ao segundo. Um
simples teste para a exploração da personalidade pode mostrar essa
gradação da coação do experimentador sobre o sujeito: as provas
de questões abertas são menos restritas do que os questionários
de questões fechadas (respostas “sim” ou “não” ). No campo da psi­
34 Os Métodos Atuais de Pesquisa

cologia social, por exemplo, há coação no observador que submete


os entrevistados a um questionário, não havendo, por outro lado,
no observador-participante que se mistura aos membros de um grupo
e simplesmente observa e registra seu comportamento sem que estes
o saibam.
Outra característica que comporta o experimento é um incre­
mento da artificialidade da situação estudada, cujo grau é maior ainda
quando as experiências se realizam diretamente em laboratórios, ti­
rando os sujeitos de experiência do seu meio natural. £ evidente,
sem dúvida, que há uma relação direta entre o incremento do arti­
fício e do rigor e a precisão do experimento. A introdução de di­
versas coações nos experimentos permite distinguir — segundo uma
classificação de Hyman — entre métodos “débeis”, que supõem
poucas restrições, e métodos “fortes”, que implicam condições coa-
tivas em diferente grau.
Os métodos combinados consistem no emprego de mais de um
dos métodos explicados anteriormente no desenvolvimento de uma
pesquisa em psicologia.

A pesquiso no sociologia

Em vários livros, o sociólogo Gurvitch insistiu em que, qualquer


que seja a técnica que um pesquisador da realidade social utilize,
seus objetos de estudo devem ser sempre “totalidades”. Seu discípulo
Georges Granai16 destaca, com caráter de princípio científico, a se­
guinte conclusão: qualquer que seja o aspecto considerado pelo so­
ciólogo em sua investigação, os fenômenos que se propõe investigar
estarão sempre intúnamente ligados a unidades coletivas reais, isto é,
a uma realidade grupai. O esquecimento desta relação constante com
a sociedade real encerra um triplo risco que desnaturaliza a pesquisa
sociológica:
a) a separação entre a sociedade e a cultura, que se reflete tanto
no naturalismo culturalista da etnologia clássica como no formalismo
culturalista dos antropólogos modernos. Os primeiros isolavam os “fa­
tos culturais” (dos indivíduos), estudando-os em si mesmos, como o
naturalista investiga as espécies naturais. Os etnólogos contemporâneos
isolam a cultura como um todo, considerando-a um sistema simbó­
lico que pode ser estudado independentemente da sociedade real da
qual é uma expressão;

16 G ranai, Georges, Ticmcas de invesligación sociológica, em Georges G ur-


vitch: Tratado de sociologia (Ver*, cast.), Buenos Aires, Editorial Kapelusz, 1963.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 35
b) a extrapolação do estudo das relações interpessoais e dos
grupos pequenos às sociedades globais, gerado em grande parte —
como aponta Granai — por uifk. verdadeiro fetichismo da técnica
operatória;
c) a abusiva assimilação da população estatística à população
real, perigo que espreita o pesquisador que opera sobre conjuntos
abstratos construídos sobre a base de algumas características (nunca
todas) dos grupos humanos reais. Um risco semelhante pode correr
o psicólogo social que realize investigação por sondagem sem co­
nhecer profundamente as relações que vinculam os integrantes da
população real.
As .técnicas mais importantes da sociologia são empregadas na
pesquisa de campo, que se pode definir como a indagação dos fenô­
menos sociais com o objetivo de resolver um problema, comprovar
uma hipótese ou descobrir relações desconhecidas entre os fatos
examinados. Os procedimentos postos em jogo devem respeitar cui­
dadosamente as exigências científicas da exploração empírica, de
modo que as operações realizadas possam ser repetidas por qualquer
pesquisador. ‘
A sociologia, ciência nova, não possui técnicas de investigação
exclusivas, antes, pelo contrário, estas são usadas também em outras
ciências.. Toda técnica deve adaptar-se à natureza da investigação,
isto é, existe uma relação necessária entre o objeto de estudo e a
técnica para seu estudo. Mais ainda, um procedimento técnico pode
transformar-se, afinar-se e até combinar-se com outros modos de
exploração. Os domínios, os tipos, as estruturas, os casos determi­
nam o emprego de diferentes técnicas. Como diz Gurvitch, as técnicas
sociológicas devem ser dialetizadas.
Em conseqüência, pode-se afirmar que as diferentes técnicas
não se excluem, mas podem aplicar-se de forma concomitante ou
sucessiva, segundo as necessidades da pesquisa sociológica. De acordo
com este critério, podemos considerar quatro tipos fundamentais de
técnicas de pesquisa em sociologia: 1) a observação; 2) a entrevista;
3) o experimento e 4) a estatística.
1) As técnicas de observação constituem o primeiro passo em
um trabalho de campo, porque oferecem o contato inicial com o
grupo social que se quer estudar. Ao estudar a investigação na psi­
cologia, ocupamo-nos da observação nesse domínio; vejamos agora
como se utiliza a observação na sociologia. As condições mínimas
para que uma observação se constitua em uma técnica científica são:
a) estar a serviço de uma pesquisa como finalidade; b) ser pla­
nejada sistematicamente; c) ser registrada sistematicamente e em
36 Os Métodos Atuais de Pesquisa

relação com proposições gerais e d) ser submetida a comprovações


e controle de validez e confiabilidade.
Selltiz, Yahoda, Deutsch e Cook17**, em uma obra fundamental
sobre a pesquisa nas ciências sociais, codificaram os aspectos que toda
observação comporta: A ) o que se deve observar?; B) como se
deve registrar a observação?; C) como se deve proceder para asse­
gurar o rigor da observação? e D) que tipo de relações deve vincular
o observador ao sujeito da observação e como devem ser estabeleci­
das tais relações?
A) A resposta do senso comum “deve-se observar tudo” —
dizem os autores mencionados — representa um objetivo inatingível,
porque nem o melhor observador, nem sequer uma equipe seleta
de observadores podería proporcionar um registro completo de um
simples conjunto de fatos. Quando a investigação é estruturada pre­
viamente, a formulação do problema que se investiga determina
quais os dados mais importantes a serem observados. Isso não
ocorre quando o estudo é exploratório e não responde a uma es­
truturação prévia. Mesmo quando não pareça aconselhável formular
regras muito restritivas para orientar as fases da observação, podem
ser assinalados alguns elementos significativos da situação social que
se observa: a) os participantes; b) o ambiente; c) o propósito; d) o
comportamento social e e) a freqüência de duração dos fatos exami­
nados.
Sobre os participantes, deve-se saber quem são e como estão
relacionados entre si. Para caracterizá-los, servirão dados ligado»
à idade, sexo e função social, e a determinação dos vínculos exis­
tentes entre eles surgirá da exploração dos grupos que integram
(coletividade, clube, negócio, igreja, etc.).
O estudo do ambiente se refere ao tipo de comportamento que
o meio possibilita, estimula ou reprova.
O propósito que reuniu os membros do grupo em estudo deve
ser examinado do ponto de vista da atitude dos participantes; por
exemplo, a assistência a um funeral, uma competição esportiva, uma
cerimônia religiosa ou uma reunião política.
Com respeito ao comportamento social, deseja-se saber o que
realmente ocorre, o que fazem os participantes, com quem comparti­
lham as atividades e como o fazem. Como se iniciou a ação, quais

17 Research method: in social relations, New York, Holt, Rinehart and


Winston, 1964. (H á uma tradução castelhana em dois volumes.) .
* Em português. Método de pesquisa nas retaçSes sociais, Editora Herder
e Editora Universidade de São Paulo, 1967. (N . da T rad.)
A Pesquisa nas Ciências do Homem 37

são suas finalidades, quais as características do comportamento que


revela a ação e quais seus efeitos — estas são as questões que devem
ser elucidadas.
O sentido da frequência e duração dos fatos examinados é
óbvio e não requer maior explicação.
B) O registro dos dados implica a resposta à seguinte questão:
quando e como deve o observador registrar os dados? Ê evidente
que o registro dos fatos enquanto são observados é o que oferece
menos riscos de distorção por falhas mnemônicas. Todavia, nem
sempre é possível registrar os dados enquanto são observados. Em
primeiro lugar, a atenção do observador se divide entre o que ob­
serva e o que anota, e, além disso, ao registrar o observado, forço-
samente interfere na continuidade do fato. O inconveniente que se
apresenta na observação participante — à qual nos referiremos mais
adiante — é que pode despertar suspeitas na pessoa submetida à
observação.
Para evitar as distorções da merpória, ao registrar os dados
posteriormente, alguns pesquisadores recomendam: fazer anota­
ções breves em uma folhinha de papel, dissimulada na palma da
mão, ou no invólucro de um pacote. Se o registro dos dados exige
anotações mais extensas, o observador pode retirar-se brevemente
da cerimônia que está observando. O antropólogo E. J. Lindgren
(citado pelos autores de Research methods in sócial relations) in­
ventou um procedimento mnemônico que consiste em relacionar
cada ato com a inicial de uma palavra-chave.
C) O rigor objetivo da observação apresenta dois problemas.
O primeiro — que estudaremos ao tratar da observação participante
— diz respeito ao compromisso do observador que participa ao
mesmo tempo das ações que registra. O segundo se refere à objeti­
vidade da observação não participante. Deste ponto de vista, deve-
se destacar a conveniência de registrar descritivamente o observado
sem introduzir interpretações dos fatos. O sentido do protocolo do
pesquisador baseia-se no registro dos enunciados de tais protocolos,
chamados também enunciados básicos, que consistem em uma pura
descrição dos fatos. A interpretação é um segundo passo na pes­
quisa e está à margem da observação.
Contudo, a fidelidade no registro dos fatos observados nem
sempre é fácil, sobretudo quando é necessário anotar textualmente
expressões faladas. Nesses casos, costuma-se recorrer a magneto-
fones (nem sempre), que, ainda que registrem textualmente as vozes
e sons, nada nos dizem sobre gestos e atitudes que os acompanham.
Para minorar este inconveniente, costuma-se complementar o re­
gistro sonoro com notas apropriadas.
38 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Um procedimento adequado para afastar esse obstáculo é a


observação intersubjetiva, realizada simultaneamente, e a compara­
ção ulterior dos respectivos registros.
D) Na observação de campo, um erro na relação observador-
observado pode distorcer a totalidade do estudo. O primeiro proble­
ma a resolver é o de decidir se se dirá aos sujeitos em observação a fi­
nalidade científica que se busca. A conduta mais conveniente é a de
revelar aos observados o propósito visado; deste modo, obtém-se
um acesso mais fácil às respectivas atividades.
No momento de ingressar na comunidade que se vai observar,
o pesquisador deve estar em condições de explicar racionalmente sua
presença aos diferentes grupos que a compõem. Isso supõe, antes de
tudo, entabular uma boa relação interpessoal com os diferentes
estratos; por exemplo, se a observação é feita em uma fábrica, deve-se
cuidar para que a relação com os operários tenha características
análogas à que se mantém com os executivos ou a parte patronal.
Deste modo, elimina-se qualquer suspeita de parcialidade que poderia
gerar má vontade em alguns dos grupos investigados.
A tecnologia moderna possibilitou o emprego de diversos re­
cursos complementares que aperfeiçoam a observação sociológica.
Além do registro sonoro mediante magnetofones, dispõe-se hoje de
fichas codificadas, filmes, procedimentos gráficos e cartográficos.
Nos estudos de morfologia social, a fotografia aérea reveste-se de
uma importância fundamental, com a notável introdução da fotointer-
pretação.
Um capítulo à parte merece a observação sistemática indireta,
baseada na utilização de dados documentados, como os registros de
estado civil, paroquiais, cadastros, documentos jurídicos e econômicos
diversos, etc. Ao avaliar os documentos indiretos, o pesquisador
deve exercitar sua análise crítica, porque tais documentos não foram
produzidos com uma intenção sociológica, mas constituem simples­
mente objetos sociológicos.
Antes de tratar da observação participante, dedicaremos um
parágrafo à observação por intermédio de um informante. Em al­
guns aspectos especiais da investigação social, por exemplo em etno­
logia e em história e sociologia das religiões, o recurso ao informante
torna-se muitas vezes imprescindível. No estudo de problemas reli­
giosos — inclusive no exame de certas práticas mágicas — , o pes­
quisador só está em condições de registrar adequadamente os dados
quando alguém lhe descreve fenomenologicamente o sentido das ati­
vidades observadas. Nas observações etnológicas, o informante serve
para afastar a dificuldade do idioma ou da língua.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 39
O importante livro sobre os ritos secretos dos índios sioux, escri­
to por J. Epes Brown, só pôde ser levado a termo mediante o auxílio
prestado a seu autor por um informante qualificado: o filho do chefe
espiritual dos sioux, que, além de ser bilíngüe, conhecia profunda­
mente os ritos internos da comunidade religiosa. Outro exemplo, ao
mesmo tempo pertencente à etnologia e à história das religiões, é a
obra de Paul Radin sobre a autobiografia de un\ winnebago, elabo­
rada com a ajuda de um informante18.
Marcei Griaule19 ocupou-se especificamente do inquérito com
um informante, sobretudo do ponto de vista da investigação etno­
lógica. Não obstante, suas conclusões podem ser estendidas, mutatis
mutandis, a outros campos da investigação sociológica.
Em primeiro lugar, o informante deve ser identificado — diz
Griaule —, com o objetivo de determinar a que grupos pertence e
poder considerá-lo seu representante. Em seguida, devem-se ter em
conta as razões técnicas e, neste sentido, buscar os informantes espe­
cializados nos diversos aspectos que se deseja conhecer. Por exemplo,
para investigar os conteúdos secretos do culto, é necessário recorrer
a seus representantes qualificados. No caso de que estes resistam a
informar, há que recorrer àqueles que ocasionalmente possuem essas
informações e que, por sua condição menos responsável, estão em
condições de servir de informantes.
Às vezes, é conveniente dirigir-se a um informante que não
possua o total da informação. Por exemplo, no que diz respeito a
receitas medicomágicâs, o mago ou shamán podería ter reservas men­
tais; ao contrário, um jovem ou uma criança poderá cometer indis­
crições preciosas para o pesquisador.
As condições morais e intelectuais requeridas em um infor­
mante são a memória e a boa-fé; o maior perigo reside no desmje-
moriado e ho que mente por omissão. Um tipo de informante incon­
veniente é o nativo convertido aos costumes ou à religião dos colo­
nizadores; este pode distorcer a informação, ou por seu desprezo às
práticas primitivas que já abandonou ou pelo desejo de destacar-se
perante o pesquisador.
Finalmente, Griaule recomenda integrar uma equipe de infor­
mantes provenientes de regiões diferentes que constitua, de certo
modo, uma síntese da população que se quer estudar.

18 R adin, Paul, The autobiography of a Witmebago ladian, New York, Do­


ver Pubiications Inc,, s/d.
19 G riaule, Marcei, Mêthode de t'ethnographie. Paris. Presses Universí-
taires de France, 1957.
40 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Denominamos observado, oarticipante ao pesquisador que se


integra ao grupo que estuda, pai :ipando de suas atividades: é ob­
servador e, ao mesmo tempo, ator. Os etnólogos empregam freqiien-
temente esta técnica. Nos importantes trabalhos de campo condu­
zidos por Marcei Griaule durante um quarto de século, o grande
antropólogo usou reiteradas vezes a observação participante. Consi­
derações análogas poderiamos fazer em relação a Paul Radin e Al-
fred Métraux. Um caso excepcional constitui o livro do antropólogo
Slotkin intitulado La religión dei peyote, escrito por quem, além de
homem de ciência, é um ativo participante dessa religião. Digno
de ser destacado é o estudo dirigido por De Martino — com a par­
ticipação de um psicólogo, um psiquiatra, um sociólogo, um econo­
mista e um musicólogo — em Tarento (Itália), traduzido em notável
livro, La terra dei rimorso, que é uma pesquisa exaustiva sobre o
“tarantismo”, ritual coreográfico mágico-shamânico do sul da Itália.
' Ao ingressar numa comunidade, o pesquisador deve estudar os
sujeitos com os quais entra em contato, sobretudo se tem que usá-los
como meio de obter informações prévias. Neste sentido, convém
levar em conta a classificação dos informantes feita por Dean20:
1) o que contempla as coisas a partir da perspectiva de outra cultura
ou outra classe social; 2) a pessoa em mudança de um papel ou status
a outro; 3) o informante ingênuo, podendo sê-lo com respeito à
pesquisa de campo ou em relação ao seu próprio grupo; 4) o homem
frustrado (rebelde ou descontente); 5) o subordinado, que se adapta
sempre ao superior hierárquico.
Schwartz-Schwartz observaram que, quando o pesquisador se
integra em uma comunidade com um propósito científico, forma
parte do contexto que deve observar, de tal modo que pode, ao
mesmo tempo, alterar esse contexto e ser influído por ele. Inclusive
— apontam os autores citados21 — o grau de sua participação
chega a ser tão intenso que “são como os membros da comunidade”
que estudam.
Raymond L. Gold22 distingue — seguindo Buford Junker —
quatro tipos de papéis possíveis do observador participante: 1) o
participante completo; 2) o participante-como-observador; 3) o ob-
servador-como-participante; 4) o observador completo. O primeiro,

20 D ea n , John P., Participam observation and interviewing, em John D by


( E d .): Inlroduction. to social research, Penn., The Stackpole Co., 1954.
21 Schwartz-Schwartz, "Problems in participam observation” , Âmer. Josurn.
of Soe., LX, 344.
22 Golo, R. L., “ Roles in sociological field observations” , Social Forces.
36, 217.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 41
por exemplo, trabalha em uma fábrica, e os operários o consideram
um operário como eles, participando, inclusive, das atividades que
estes cumprem fora das horas de trabalho. Em um caso publicado
por Festinger, Riecken e Shachter23, o observador participante inte­
grou-se em uma seita que esperava o fim do mundo com o objetivo:
de registrar o comportamento dos membros do grupo no dia marcado.
O papel do participante-como-observador caracteriza-se por ser
sua função científica conhecida, pelo menos, pelo informante. Selítiz
e colaboradores, na obra mencionada, citam o informe de Whyte,
reproduzido no livro Street Corner Society, acerca de como um dos
membros caracterizados do grupo que ele estava observando — iden­
tificado como “Doc” — leu, página por página, o manuscrito do pes­
quisador.
O contato do pesquisador com o informante é muito menor na
função denominada observador-como-participante, e, em conseqüên­
cia, ainda que não corra perigo de confundir-se com o objeto de
estudo, corre o risco de não compreender o informante nem ser com­
preendido por este.
Finalmente, o papel de observador completo baseia-se em um
trabalho realizado exclusivamente com informantes que ignoram o
papel que cumprem com respeito ao pesquisador.
As técnicas de observação têm por objetivo a descrição do com­
portamento, e aí reside seu valor. Mas, quando se trata de propor­
cionar informação sobre sentimentos e motivações dos sujeitos ou de
seus projetos e atividades particulares, sua efetividade é praticamente
nula. Para se obter este tipo de conhecimento empregam-se outros
procedimentos: o questionário, a entrevista e as técnicas projetivas.
Antes de analisar a entrevista, destacaremos alguns inconvenien­
tes das respostas verbais que tornam questionável sua validez. Existe
sempre a suspeita sobre a falta de veracidade de alguns sujeitos em
certas circunstâncias. Um motivo possível de desvio da verdade nas
respostas é o desejo de parecer respeitável. Assim se comprovou que,
cm uma pesquisa realizada por Parry e Grossley24, 10% dos entre­
vistados declararam falsamente ter telefone e 10% afirmaram ter
carteira de motorista.
Outras vezes, o erro se introduz involuntariamente, por falta de
autoconhecimento ou por ignorância de crenças e motivações incons­
cientes; inclusive, muita gente não é capaz de fazer as inferências
necessárias para elaborar certas respostas.

2.5 hKsTiNcüK. e col., When prophecy fails, University1 of Minnesota, 1956,


24 Citado por Selltiz e co!., à p. 237 da obra mencionada.
42 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Seguindo Selltiz e colaboradores (obra citada), faremos uma


comparação entre o questionário e a entrevista. O primeiro é limi­
tado pelo texto escrito, enquanto que o segundo oferece maior flexi­
bilidade e, além disso, apresenta ao entrevistador a oportunidade de
observar o sujeito em situação.
Uma vantagem do questionário é sua simplicidade: pode-se até
remeter pelo correio. Além disso, é econômico e pode ser adminis­
trado simultaneamente a uma grande quantidade de pessoas. Tem
um caráter, impessoal, facilmente uniformizável pela padronização das
perguntas e instruções. Entretanto, esta uniformidade é relativa, por­
que as mesmas palavras podem possuir interpretações distintas, se­
gundo os sujeitos que as lêem. Finalmente, não pressiona os infor­
mantes, porque têm tempo suficiente para pensar as respostas. Um
questionário suscita maior confiança à medida que assegure o ano­
nimato dos sujeitos. Todavia, em certo tipo de problemas íntimos,
os autores citados confiam mais em uma atitude permissiva da parte
do pesquisador do que na conservação do anonimato.
O analfabetismo constitui uma importante inconveniência dos
questionários; às vezes, a questão se complica pelo número elevado
de semi-analfabetos. Além disso, quando as perguntas são complexas,
diminui o número de pessoas capazes de responder adequadamente;
da mesma forma, quando os questionários são enviados pelo correio,
a percentagem dos que não retornam pode alcançar até 50%, a
partir de um mínimo de 10%. Esta proporção varia segundo tenham
sido levados em conta os seguintes fatores, que reduzem notavelmente
a percentagem de faltosos: 1) prestígio do grupo organizador das
questões; 2) apresentação gráfica atrativa do questionário; 3) ta­
manho; 4) redação adequada da carta em que se requer a colaboração
do sujeito; 5) facilidade para despachá-lo pelo correio; 6) simplici­
dade das perguntas; 7) estímulo para remeter as respostas e 8)
tipo de pessoas a quem se remete o questionário.
A rigidez dos questionários e a dificuldade para expressar idéias
por escrito e, inclusive, para compreender as perguntas pode ser pre­
servada por meio da entrevista, que se pode realizar em três níveis de
profundidade:
1) A entrevista telefônica, cujo maior valor reside em se poder
conhecer o que faz um indivíduo, ou sua família, no momento de ser
chamado ao telefone. Em nosso país — e também nos Estados Unidos
da América — , usa-se a entrevista telefônica para elaborar os raíings
dos canais de televisão. (A pergunta que muitas vezes nos tem sido
formulada é: “Que canal está vendo agora?” ) Para ser eficaz, a
entrevista telefônica deve ser breve e superficial; de outro modo, não
A Pesquisa nas Ciências do Homem 43
se consegue a cooperação dos entrevistados. Um inconveniente deste
tipo de entrevista é que deixa de fora as pessoas sem telefone e os
que trabalham o dia todo fora de sua casa.
2) A entrevista a um grupo, no qual se indaga, simultanea­
mente, a conjuntos de 8 a 10 pessoas. Em estudos de psicologia
social e em pesquisa de motivação, realizados com fins comerciais,
é empregada extjensamente, com prévia estratificação dos grupos,
de modo que sejam representativos da população que se deseja
investigar. Nestes casos, costumam-se usar também técnicas pro­
jetivas.
3) A entrevista pessoal possibilita maior flexibilidade, melhora
a compreensão (porque se pode repetir as perguntas ou formulá-las
de outro modo e acrescentar, inclusive, perguntas esclarecedoras).
O entrevistador pode criar uma atmosfera favorável que torne pos­
sível a expressão de sentimentos e motivações. A validez das res­
postas é maior, porquanto o entrevistador não registra apenas o
que diz o informante, mas como o diz.
O êxito da entrevista depende de vários fatores, o primeiro dos
quais consiste em um planejamento correto. Exigem-se do entrevis­
tador três condições objetivas: formular as perguntas com proprie­
dade e clareza, obter respostas válidas e com sentido e registrá-las
correta e completamente.
A arte do entrevistador reside em sua capacidade para criar
uma atmosfera favorável, de modo que o entrevistado possa ex­
pressar suas opiniões sem temor e com franqueza. Calcula-se que,
em geral, apenas uns 5% de pessoas poderão resistir a ser entrevis­
tadas, se o entrevistador possui as condições requeridas para o caso.
Toda entrevista deve começar com a identificação do entrevis­
tador (convém que mostre suas credenciais), uma breve explicação
sobre a finalidade da entrevista (as introduções amplas apenas des­
pertam suspeitas) e a segurança do anonimato para o entrevistado
(isto é, que não há respostas “corretas” ou “incorretas”, mas que
o objetivo é conhecer a opinião do povo sobre as questões impor­
tantes).
O entrevistador deve dominar o questionário de tal maneira
que não se veja obrigado a interromper o diálogo para ler a próxima
pergunta, e, ainda que deva respeitar a forma das perguntas, é
conveniente que esteja em condições de expressá-las naturalmente
no desenrolar da conversação. Deve cuidar-se para não manifestar
surpresa ou aprovação — e muito menos reprovação — pelo tipo
de respostas que receba; tampouco deve manifestar sua opinião e,
se o entrevistado assim o exigir, deve evitar a resposta com um
44 Os Métodos Atuais de Pesquisa

sorriso ou, explicitamente, esclarecendo que sua missão não é res­


ponder perguntas, mas, pelo contrário, formulá-las. A condução da
entrevista deve estar a cargo do entrevistador, que não permitirá
digressões ou conversas sem interesse, reconduzindo, em cada caso,
ao assunto em questão.
As perguntas devem ser formuladas com exatidão, na ordem
preparada e sem omitir nenhuma, cuidando que as respectivas res­
postas sejam específicas e completas. Quando estas condições não
se cumprem, o entrevistador deverá repetir a pergunta sem sugerir
a resposta esperada. A resposta “não sei” reflete, às vezes, uma falta
real de opinião ou de conhecimento sobre o tema interrogado, mas,
muito freqiient£mente, obedece ao temor de revelar francamente suas
opiniões, a uma dispersão do pensamento ou à pouca clareza das pró­
prias questões. Neste último caso, o entrevistador deve formular novas
perguntas esclarecedoras.
A precisão no registro das respostas se reveste de especial im­
portância, sobretudo quando os questionários não foram codificados
previamente e no caso em que se formulam questões abertas (free
answer questions). A esse respeito, cabe advertir sobre o risco de
não anotar de imediato a resposta, não revisar o escrito ao fim da
entrevista ou usar abreviaturas ou paráfrases do texto ouvido. E
aconselhável que o entrevistador anote a resposta enquanto o en­
trevistado fala, sem paráfrase e usando abreviaturas não ambíguas,
e que, antes de iniciar outra entrevista, revise suas anotações, com­
pletando-as, aclarando-as e tornando-as precisas.
Apesar de todos os cuidados que se tomam para evitar erros ou
distorções, em geral estes são inevitáveis. Os desvios mais frequentes
obedecem a erros atribuíveis tanto ao entrevistador como ao entre­
vistado: prenoções, prejuízos e atitudes de rejeição. As razões destas
falhas — que podem reduzir-se ao mínimo, selecionando e instruindo
convenientemente os entrevistadores — residem no fato de que en­
trevistados e entrevistadores são seres humanos.
Dada a importância que tem o questionário — inclusive nas
entrevistas —, formularemos algumas recomendações para sua cor­
reta elaboração e uso. O primeiro passo na confecção de um ques­
tionário é o registro das perguntas sobre os dados iniciais a serem
colhidos em estreita vinculação com o propósito do estudo: idade,
educação e ocupação do informante e outras questões a respeito
de seu comportamento habitual, como hábitos de trabalho, leituras
(sobretudo de periódicos), programas de rádio e televisão que ouve,
assistência a serviços religiosos e forma de trabalho. Outros dados
devem ser requeridos na medida dos propósitos que o pesquisador
persegue.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 45
Antes de elaborar um questionário, deve-se decidir que tipo
de estrutura lhe será dado; essa estrutura dependerá do tema de
estudo, do modo de aplicação, da classe de pessoas interrogadas (cul­
tura, educação, classe social) e do tipo de pesquisa que se fará com
os dados coletados. De acordo com as condições anteriormente assi­
naladas, podem-se formular perguntas diretas ou indiretas, fechadas
ou abertas. É útil começar a elaboração do questionário com um
rascunho do mesmo, enumerando os tópicos e ordenando-os logo a
partir de um ponto de vista psicológico. Podem-se introduzir per­
guntas para provar a consistência das respostas (isto é, a falácia
ou a contradição do informante).
O rascunho deve ser submetido a um exame prático, aplicando-
se-o a pequenos grupos e submetendo-se-o ao juízo crítico de téc­
nicos na matéria. A comprovação prévia da possível eficácia do
questionário deve ser feita em umas poucas entrevistas com pessoal
especialmente capacitado, para atentar £s falhas do projeto de ques­
tionário por meio do registro das reações dos entrevistados.
A impressão do texto das perguntas e recomendações para seu
cumprimento deve ser vigiada cuidadosamente, atendendo à forma e
seqüência das perguntas, sua apresentação (estética, legibilidade,
espaços para respostas) e à precisão e clareza das normas e instru­
ções para seu uso, tanto por parte do entrevistador como do in­
formante. Em caso de ser enviado pelo correio, prescinde-se do
entrevistador, mas deve-se ter bem em conta as questões inerentes
à remessa por via postal a que já nos referimos anteriormente.
Já expusemos as características do experimento ao estudar a
investigação psicológica; agora, resta-nos apenas especificar quais
são as notas que tipificam as técnicas experimentais na investigação
sociológica. Aqui, como em psicologia, o controle da realidade ex­
perimental se adquire à custa de simplificar essa mesma realidade:
isolar e limitar as variáveis experimentais e eliminar as variáveis não
controladas que possam entrar na formalização da situação empírica
que se quer estudar. Em síntese, o experimento sociológico con­
siste, como em psicologia, em modificar a variável independente
(isto é, conferir-lhe diferentes valores) e observar — e, se for
possível, medir — as modificações (isto é, os valores) experimen­
tadas pela variável dependente.
A condição inicial para o experimento sociológico é a exis­
tência de um grupo experimental e um grupo de controle; ambos
os grupos devem ser homogêneos. Nenhum experimento pode ser
considerado como a técnica sociológica por excelência; na realidade,
seu maior mérito reside era sua utilidade como fonte de hipótese de
trabalho. Isto significa que é legítimo formular hipóteses -— que
46 Os Métodos Atuais de Pesquisa

deverão, em seguida, ser verificadas ou não — partindo de expe­


rimentos de laboratório; mas a construção de teorias a partir dos
resultados de experimentos são extrapolações perigosas que convém
evitar sistematicamente.
Ao considerar o experimento sociológico, não se podem deixar
de lado as técnicas sociométricas. Em um trabalho publicado em
1945, Moreno definia a sociometria como uma microssociologia,
considerando o estudo dessas manifestações atômicas elementares
(ou microssociológicas) como a base necessária para as investigações
macrossociológicas. Posteriormente, em um ensaio intitulado Os três
ramos da sociometria25, afirmou que o objeto da sociometria tem
sido a reorientação do método experimental, de modo que possa
ser aplicado eficazmente aos fenômenos sociais.
A sociometria (de socius, companheiro, e metrum, medida)
aspira a estudar matematicamente as “propriedades psicológicas de
populações” mediante um método experimental que possibilite medir
as relações de pessoa a. pessoa, da pessoa ao grupo e de grupo a
grupo. A finalidade da sociometria é, pois, a descrição e medição
das relações sociais espontâneas que se produzem em todos os grupos
humanos.
Moreno considera que a observação sociológica corrente é
insuficiente e as técnicas introspectivas clássicas se referem sempre
a relações sociais passadas. Para serem mais objetivas, as técnicas
de investigação devem sofrer uma “crise de subjetivação”. No Lema.
publicado em Viena em 191426, Moreno descreve poeticamente a
nova técnica:

Un encuentro de dos: ojo a ojo, cara a cara.


Y cuando estés cerca arrancaré tus ojos

v tos colocaré en el lugar de los míos,


y tú arrancarás ptis ojos
y los colocarás en el lugar de los tuyos,
entonces te miraré con tus ojos
y tú me mirarás con los míos. *

2$ M oreno. J. L., The three branches o{ sociometry, Beacon House, Sucio-


m etry Monographs, 1949.
26 M oreno, J . L., Psicodrama, Buenos Aires, Ediciones Hormé, 1961. p. 17.
* Um encontro de dois: olho a olho, face a face./ E quando estiveres perto
arrancarei teus olhos / e os colocarei no lugar dos meus, / e tu arrancarás meus
olhos / e os colocarás no lugar dos teus, / então te olharei com teus olhos/ e tu
me olharás com os meus. (N . da T rad.)
A Pesquisa nas Ciências do Homem 47
A sociometria tenta integrar em uma nova técnica de investi­
gação o caráter empírico do método comportamentista com o subje-
tivismo das técnicas projetivas. Moreno atribui uma grande impor­
tância, na investigação, ao psicodrama experimental, que, a seu ver,
produziu mudanças decisivas nos procedimentos de exploração so­
ciológica: trocou os métodos verbais por técnicas de ação, conver­
tendo em técnicas grupais as investigações individuais e introdu­
zindo como novidade absoluta a co-experimentação.
Duas são as técnicas básicas introduzidas por Moreno: o psico­
drama e o sociodrama. O psicodrama é “a ciência que busca a verdade
mediante métodos dramáticos”2728e põe em ação cinco instrumentos:
o cenário, o sujeito, o diretor, os egos auxiliares e o auditório.
O cenário é o espaço vital onde os sujeitos — livres das coações
que lhes impõe a sociedade em que vivem — podem expressar fran­
camente seus sentimentos. O sujeito não é um ator no cenário,
mas deve ser ele próprio e atuar espontaneamente. O diretor deve
cuidar para que a ação desempenhada pelo sujeito na cena corres­
ponda fielmente à linha de sua própria vida. Os egos auxiliares (ato­
res terapeutas) estão vinculados, por um lado, ao diretor e, por
outro, ao sujeito, representando papéis dos personagens do drama vi­
vido pelo sujeito. O ego auxiliar substitui a uma pessoa ausente (o
pai, o marido, a irmã, o noivo, etc. do sujeito) ou encarna um tipo
ausente, que é o portador de idéias de uma cultura determinada
(sacerdote, guerreiro, curandeiro, etc.). O auditório representa, em
geral, a opinião pública com suas reações amiúde exteriorizadas rui­
dosamente.
A finalidade do sociodrama — de acordo com o próprio Mo­
reno*8 — é constituir-se em um método de investigação “ativo e
profundo das relações que se formam entre os grupos e das ideo­
logias coletivas". Há uma diferença fundamental em relação ao psico­
drama; da mesma forma que este está centrado sempre no indivíduo,
o protagonista do sociodrama é o grupo: o sujeito do psicodrama
é individual, enquanto que o sujeito do sociodrama é grupai. Este
último não está limitado pelo número de indivíduos que o consti­
tuem; pode formar-se de tantas pessoas quantos são os seres hu­
manos que se queira considerar. Um pressuposto tácito do socio­
drama é que o grupo de estudo é organizado pelas relações sociais
que cumprem em uma determinada cultura. Por isso, não interessa
de um modo especial quem são os indivíduos nem qual é seu número.

27 M oreno, J. L., ob. cit., p. 330.


28 M oreno, j . L„ ob. cir., p. 331.
48 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Um segundo pressuposto é: o homem é o intérprete de papéis que


a sociedade da qual faz parte lhe impõe.
O sociodrama, como o psicodrama, pode ser usado com uma
finalidade terapêutica e como um método de investigação; este úl­
timo é o que nos interessa aqui. Deste ponto de vista, o sociodrama
serve como técnica de exploração de conflitos culturais. Uma destas
técnicas é o periódico vivo ou dramatizado, iniciado por Moreno
há quarenta anos. O periódico dramatizado não é um “recital de
notícias”, mas uma síntese entre o drama e o periódico; mais que
dramático — diz Moreno — era sociodramático29. Como o periódico
dramatizado aspirava a ser “a própria vida”, deveríam considerar-se
três fatores essenciais: as localidades onde ocorriam os fatos, uma
equipe de repórteres improvisados, portadores das notícias, e um
conjunto de atores que pudessem representar espontaneamente —
isto é, sem ensaios prévios — os papéis e as situações que acaba­
vam de ocorrer.
As técnicas sociodramáticas baseiam-se no estudo do grupo
como totalidade; as pessoas que o integram não atuam como indi­
víduos particulares (como no psicodrama), mas como tipos represen­
tantes da sociedade. Sua realização correta — como método de
investigação ou como procedimento terapêutico coletivo — exige
um cuidadoso planejamento: o diretor deve reunir toda a infor­
mação requerida e comunicá-la a seus ajudantes (os egos auxiliares).
Os atores serão representantes de grupos humanos: o que desem­
penha o papel de um judeu será o judeu; o que representa um negro
será o negro. O ego auxiliar é “uma extensão emocional de muitos
egos”; o protagonista que se move em cena não representa um
indivíduo, mas uma coletividade.
Nas sessões sociodramáticas — como nas psicodraraáticas — em­
pregam-se meios visuais complementares (versões taquigráficas, foto­
grafias, filmes, discos, magnetofones) para documentar a experiên­
cia e examiná-la criticamente. Deste modo, experimentam-se o plano,
a estratégia, as provas, as entrevistas, as cenas, as observações e as
interpretações. Como afirma Moreno30, o sociodrama se ocupa de
problemas que não podem ser estudados nem explicados numa rela­
ção bipessoal (como a psicanalítica). Requer um meio especialmente
adequado como o drama. As situações dramáticas podem ser com-
partidas por todos em um anfiteatro: um foro onde “o grupo, com

29 M oreno, J. L,, Psicomísica y sociodrama, Buenos Aires, Ediciones Hor-


mé, 1966, p. 145.
30 M oreno, J. L., ob. cit., p. 157.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 49
seus problemas coletivos, possa tratar-se com a mesma formalidade
com que o indivíduo se trata em um consultório”.
Do ponto de vista científico, Moreno está convencido de que
a sociometria contribuiu efetivamente para aperfeiçoar o pesquisa­
dor social, ao possibilitar, além das técnicas observacionais, proce­
dimentos operacionais de participação e de ação. Moreno levou à
prática as técnicas sociométricas com a finalidade de estudar con­
flitos sociais, reproduzindo, por exemplo, cenas dramáticas do pro­
blema racial em Harlem e usando como atores alguns dos partici­
pantes do drama real.
O extraordinário valor da sociometria reside, a nosso ver, na
revalorização de uma idéia um pouco esquecida até seu emprego
por Moreno, a do encontro; daí que o maior mérito, talvez, da so­
ciometria se destaque mais na psicossociologia do que na própria
sociologia. Destacamos, de passagem, o tratamento independente da
noção de encontro, por Buytendijk, em um pequeno livro intitulado
precisamente Fenomenologia do encontro, no qual se nota a influên­
cia de Buber e de Heidegger, mas publicado muito posterionnefnte
à aparição do trabalho em que Moreno desenvolve esse conceito,
do qual nos ocupamos mais adiante.

A s técnicos estatísticas

As técnicas estatísticas são empregadas nas ciências sociais


como técnicas de controle e como técnicas de medida. Os procedi­
mentos mais utilizados na pesquisa sociológica baseiam-se em amos­
tragem. Denomina-se amostra a um conjunto de elementos sele­
cionados e extraídos de uma população com o objetivo de descobrir
alguma característica dessa população31, e baseando-se no postulado
de que as conclusões formuladas sobre a amostra valem também
para a população da qual esta foi extraída.
Não é suficiente extrair e analisar uma amostra para alcançar

31 Uma população é n conjunto de todos os casos que integram um grupo


de especificações (características) predeterminadas. Por exemplo, mediante as
especificações “ povo” e “habitante da República Argentina” , definimos uma popu­
lação formada por todas as pessoas que residem em nosso pais. Chamamos subpo-
pulação a um subconjunto dado. Por exemplo, os estrangeiros que residem na
Argentina são uma subpopulação, com relação à população da República Argen­
tina definida acima. Em vez de subpopulação, pode-se dizer estrato (estralam).
Cada membro de uma população, isto é, cada indivíduo, é um dem ento. Um
censo ê o levantamento de todos os elementos de uma população com o objetivo
de determinar como se distribuem suas características, a partir das informações
obtidas de cada um dos elementos.
50 Os Métodos Atuais de Pesquisa
generalizações corretas sobre a respectiva população. Inúmeros exem­
plos de fracassos completos das amostragens têm-se comprovado nas
sondagens de opinião pré-eleitorais. Uma amostra pode ser repre­
sentativa da população e, todavia, as predições baseadas em seu
estudo podem falhar completanuente. Para compreendê-lo, basta
refletir no fato, muitas vezes depreciado ou simplesmente olvidado,
de que o homem é um ser livre e pode modificar suas decisões em
qualquer momento prévio ao ato em questão.
Por exemplo, um conjunto de eleitores pode manifestar seu
apoio a determinado candidato e, na crença de que a probabilidade
de seu êxito é muito grande, deixa de contribuir com o voto; esta
conduta, repetida por outros eleitores, pode levar ao fracasso do
candidato. O não comparecimento ao pleito eleitoral pode obedecer,
outras vezes, à dificuldade de transporte até o local da votação.
Outros fatores subjetivos podem motivar uma mudança de conduta
eleitoral no momento de emitir o voto. Muitas pessoas estão inde­
cisas sobre quem preferem e, não obstante, expressam igualmente
sua opinião no questionário; outras podem manifestar ao entre­
vistador um critério contrário ao que expressarão no fato concreto
do voto. Em outros casos — como o publicado e investigado poste­
riormente, do ponto de vista científico, do fracasso da predição do
resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos da América, em
1948, realizado pelo conhecido Instituto Gallup — , o erro obedece
a falhas técnicas na extração da amostra.
Um exemplo simples — quase doméstico — deste tipo de
erros constitui o que I. D. J. Bross denomina efeito de subterfúgio82:
os fruteiros arrumam os caixotes da fruta que exibem de modo que
a melhor mercadoria cubra completamente a camada exterior e in­
duza o comprador potencial a pensar em uma qualidade homogênea
da fruta que ele vende, o que, em muitos casos, está muito longe de
ser verdadeiro. Estes casos seriam exemplos próprios do que se
denomina amostra enviesada, que analisaremos mais adiante.
Na teoria da amostragem, distingue-se entre amostras probabilís-
ticas e não probabilísticas. As primeiras caracterizam-se pelo fato
de o pesquisador poder especificar, para cada elemento da população,
o universo, a probabilidade de ser incluído na amostra. No segundo
caso, entretanto, não há forma de estimar a probabilidade de cada
elemento ser incluído na amostra, jnem mesmo existe a segurança
de que cada elemento tenha alguma probabilidade de ser incluído.32

32 Bross, I. D. J., La decisión estadísttca. Madrid, Aguilar, 1958, p. 188.


A Pesquisa nas Ciências do Homem 51

O emprego de amostras prováveis toma possível a especificação


do tamanho da amostra que se necessita para alcançar certo grau de
certeza prefixado, que garanta em que medida as conclusões do
estudo diferem das que resultariam de uma pesquisa da totalidade
da população.
As formas mais conhecidas de amostras não probabilísticas —
cujo emprego se justifica, antes de mais nada, por razões de eco­
nomia — são as amostras ao acaso (acidentais), as amostras por
quota e as amostras sistemáticas. As amostras ao acaso consistem
em tomar os elementos que estão “à mão” até totalizar um número
prefixado, que constituirá a amostra. Por exemplo, quando um
professor deseja saber se os alunos universitários trabalham e inter­
roga a seus alunos. Este tipo de amostra é empregado com freqiiên-
cia no jornalismo: para auscultar a opinião pública, o jornalista
interroga pessoas que encontra na rua; por exemplo, ura cabeleireiro,
um motorista de ônibus, um pedreiro. Na televisão, as “mesas re­
dondas” integram-se por este procedimento.
As amostras ao acaso não são aleatórias (conceito técnico em
estatística), como alguns autores afirmam ligeiramente, mas aciden­
tais, e sua seleção depende fundamentalmente de fatores não racio-
nalizáveis da subjetividade humana. Como é de se supor, este tipo
de amostra é muito econômico, mas está carregado de deformações,
por isso os erros são inúmeros. Bross, na obra citada, oferece um
exemplo de amostra acidental: a sondagem sobre a eleição presi­
dencial de 1936 realizada pelo Literary Digest. Foram enviados
10 000 000 de formulários e devolvidos 2 376 523, o que constitui
uma amostra muito grande. A predição foi de 360 votos para o can­
didato Landon que, na eleição, não obteve mais que 4 votos. O
fracasso reside no procedimento usado para obtenção da amostra,
que não possibilita aos indivíduos integrantes de classes economica­
mente mais baixas expressar sua opinião. Em geral, pode-se afirmar
que não existe maneira alguma de estimar as deformações ou distorções
deste tipo de amostras.
Amostra por quota é também um procedimento ao acaso e,
nesse sentido, carregado de distorções; portanto, não devem ser
consideradas amostras representativas, apesar de que seu grau de
confiabilidade é algo maior do que o das amostras tomadas sim­
plesmente ao acaso. A amostragem por quota pretende incluir os
diversos elementos que constituem o universo em consideração nas
mesmas proporções em que se apresentam neste. Por exemplo, sele­
cionam-se as pessoas que afluem a uma estação de estrada de ferro,
escolhendo-as segundo sexo, idade, classe social, etc. Nas pesquisas
52 Os Métodos Atuais de Pesquisa

comerciais denominadas análise motivacional, costuma-se empregar


a amostragem por quota. Em uma exploração realizada mediante
técnicas grupais, empreendida para descobrir as razões que levam
as donas de casa a adquirir uma máquina de lavar roupas, os grupos
foram formados com recém-casadas, senhoras e anciãs, escolhendo-
as também de modo que estivessem representadas as classes baixa,
médja e alta, respectivamente.
A amostra sistemática baseia-se em um processo de integração
da amostra fixado de antemão, com independência do mecanismo
do acaso: Exemplo: escolher de um fichário cada décima ficha ou,
em um bairro da cidade, cada casa próxima à esquina. As amostras
sistemáticas são fáceis de obter e de estudar, mas tampouco se pode
dizer que sejam sempre representativas. Com efeito, pode-se pensar
que nada há na escolha das fichas que ocupam o décimo lugar (ou
qualquer outro) que signifique a introdução de um erro, mas não
podemos dizer o mesmo com relação aos habitantes das casas pró­
ximas à esquina, que habitualmente são ocupadas por pessoas de
certo nível econômico, o que pode condicionar suas opiniões com
respeito a certos temas que se investigam no estudo.
Caracterizam as amostras probabilísticas duas condições que
julgamos importantes para a confiabilidade das conclusões extraí­
das de seu estudo: 1) pode-se especificar qual é o grau em que
os valores da amostra diferem dos valores da população total e 2)
tem-se a segurança de que foram escolhidos suficientes casos de cada
estrato para que estes sejam representativos dos respectivos estratos
da população total.
A confiança que o pesquisador deposita nas amostras probabi­
lísticas baseia-se no fato de que são representativas. Qual é o cri­
tério válido para se julgar se uma amostra é representativa? O senso
comum indica que, para que esta condição se cumpra, a amostra
deve ser uma réplica da população considerada, de modo que os
elementos que compõem o universo estejam representados na amos­
tra na mesma proporção que a que têm naquele. Para sabê-lo, ter-se-
ia que conhecer a população total, mas, nesse caso, para que neces­
sitamos de amostra? De tudo isto, conclui-se que o caráter represen­
tativo é um conceito que não se refere à amostra, mas ao procedi­
mento usado para obtê-la.
Em primeiro lugar, consideraremos as amostras aleatórias sim­
ples, expressão que deriva seu nome das palavras simples, que dis­
tingue estas amostras de outros procedimentos análogos, porém
mais complexos, e aleatória, que se refere à técnica estatística uti­
A Pesquisa nas Ciências do Homem 53

lizada3334. Uma amostra aleatória simples constitui-se mediante um


procedimento que oferece a cada elemento da população a mesma
probabilidade de ser incluído nela.
As amostras aleatórias estratificadas baseiam-se em uma clas­
sificação prévia da população em estratos baseados em um ou mais cri­
térios. Por exemplo, classificar um universo, segundo o sexo, em
homens e mulheres ou de acordo com dois critérios: sexo e idade.
As amostras aleatórias estratificadas formam-se com amostras alea­
tórias simples extraídas de cada estrato da população segundo os
critérios de seleção escolhidos.
O princípio geral da estratificaçao é que esta é aconselhável se
existe alguma razão para se pensar que a estratificaçao realizada se­
gundo um critério (ou vários critérios) levará a estabelecer estratos
homogêneos.

A matemática e as ciências sociais:


considerações críticas

O problema da metodologia da investigação sociológica não é


alheio ao da fundamentação epistemológica das ciências do homem
em geral e da sociologia e psicologia social em particular. Em nosso
livro já citado84, ocupamo-nos detidamente com estas questões; aqui
cabe destacar apenas alguns de seus aspectos.
Os problemas metodológicos estão intimamente vinculados à
caracterização epistemológica dos objetos das respectivas ciências,
a tal ponto que a determinação da natureza de tais objetos pode con­
dicionar o enfoque metodológico respectivo. Nas disciplinas cien­
tíficas já constituídas, como a matemática ou a biologia, existe uma
adequação entre o método (ou os métodos) e o respectivo tema
da investigação. Por exemplo, a física faz uso da observação e da
experiência, além de empregar a dedução, e, em alguns capítulos da
física teórica, utilizam-se extensamente certos algoritmos matemá­
ticos.

33 Um sistema aleatório é u m . método de predição de probabilidade que con­


siste em construir um conjunto dos resultados possíveis, todos os quais têm a
mesma probabilidade. Por exemplo, um dado que tem seis faces e os seis números
das faces têm a mesma probabilidade. Suponhamos que, em um jogo de dados,
eu ganho se der o número 2 ou S. O cálculo da probabilidade de ganhar é muito
simples: é igual ao número de resultados possíveis em que o sucesso ocorre (2, no
exemplo citado) dividido pelo número total de resultados possíveis (6 ). Isto é
igual a 2 / 6 = l / 3 . Este número foi obtido sem reunir dados nem fazer qualquer
experimento: a única coisa que necessitamos saber é como está construído o dado.
34 Fundamentos de la filosofia de la ciência, especialmente p. 34-50.
54 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Na ciência matemática — como veremos no capítulo seguinte


— emprega-se a dedução, cuja forma mais aperfeiçoada é a axio­
mática. Nas ciências do homem, como a sociologia — e também
no caso da psicologia —, a situação é diferente, porque deixa de
ter caráter necessário o condicionamento de um método privilegiado
para tratar certos objetos científicos. Foi um mérito indiscutível
de Comte o de haver compreendido que o objeto da sociologia é,
ao mesmo tempo, sujeito e obieto.
Ao ocuparmo-nos do problema metodológico destacamos a de­
pendência da pesquisa científica, inclusive em sua fase experimental,
com respeito às concepções teóricas. Esta dependência se faz mais
estreita ainda em disciplinas, como a sociologia. Vejamos um exem­
plo: se empreendemos uma pesquisa sobre o problema da assimi­
lação dos imigrantes, por exemplo, nossa concepção prévia sobre
noções de raça, miscigenação, etc. determinará, em certa medida, a
orientação prática da pesquisa e a orientação das técnicas que con­
sideramos mais adequadas. Assim, um critério etnocentrista nos in­
clinará a uma superestimação da antropometria, das leis de Mendel,
da seleção. Por outro lado, se considerarmos a influência do paratipo
como um fator decisivo na constituição do fenótipo, recorreremos
aos testes projetivos, entrevistas de grupo, inquérito.
Esta variação nas técnicas sociológicas está condicionada, da
mesmiT forma, à ubiquação dã sociologiá. ^ e a considerarmos como
um ramo das ciências formais, atribuiremos proeminência ao método
dedutivo e usaremos inclusive as técnicas formais mais estritas (axio­
mática, teoria dos modelos). Se a considerarmos uma ciência fática,
a exploração científica começará com a observação e o experimento.
E se superestimamos os fatores filosóficos (filosofia social), cabe
até o emprego do método fenomenológico, de filiação mais filosófica
que científica.
Será preciso, pois, insistir ainda em que a determinação do
status científico da sociologia está estreitamente vinculado ao pro­
blema da caracterização de seu objeto? Uma olhada rápida nas
definições da sociologia não nos permite decidir sobre qual delas
caracterizou melhor o objeto sociológico, mas nos possibilita des­
tacar três caracteres constantes: a) realidade empírica; b) expressão
de relações inter-humanas e c) unidade estrutural do grupo.
Creio que as notas anteriores devem servir para caracterizar o
objeto da sociologia mesmo quando a determinação do campo de
uma disciplina possa tropeçar em um inconveniente: o risco de
transcender os limites da própria disciplina. Por exemplo, no caso
específico da sociologia, qual seria o grupo mínimo que constitui
A Pesquisa nas Ciências do Homem 55
seu objeto: a nação, a cidade, o povo, a comunidade ou a família?
A nosso ver, há um modo de afastar definitivamente esta aporia:
conferir à noção de grupo social um sentido convencional, como o
das unidades de medida na matemática (metro, mícron, ano-luz),
de modo que o sentido do conceito dependa do contexto, isto é, do
nível da investigação.
Em um valioso estudo metodológico e epistemológico33, Wright
Mills distingue dois elementos de investigação sociológica, que de­
nomina respectivamente macroscópio e molecular. O primeiro —
cuja história está limitada pelos nomes de Weber, Marx, Simmel e
Mannheim — ocupa-se do estudo de estruturas sociais totais de um
modo comparativo, ligando sistematicamente várias esferas institu­
cionais de uma sociedade. Alguns de seus temas seriam: Que rela­
ção existe entre o protestantismo e o nascimento do capitalismo?
Por que não há movimento socialista nos Estados Unidos da América?
Se quiséssemos filiá-lo a países, encontraríamos entre os pesquisa­
dores macroscópicos sobretudo sociólogos alemães.
A pesquisa molecular caracteriza-se pelo estudo de problemas
em escala reduzida e pelo grande uso das técnicas estatísticas, prin­
cipalmente no processo de verificação. Pertencem a este tipo de
pesquisa os estudos de mercado e a análise motivacional, entre ou­
tros. É cultivado extensamente pelos sociólogos norte-americanos.
A escolha de um ou outro modo de investigação depende evi­
dentemente do critério filosófico de cada estudioso, mas também
influem nela as possibilidades econômicas. A exploração molecular
requer equipamentos e muito dinheiro, inclusive um bom desenvol­
vimento institucional. Não é em vão que os estudos de opinião e
inquéritos são custeados por poderosas empresas comerciais, que
os utilizam no campo econômico ou financeiro.
Os interesses pragmáticos dos clientes de empresas como o
Instituto Gallup orientam a pesquisa social aplicada, mais que com
uma intenção sociológica, com uma finalidade psicossocial. Do ponto
de vista científico, entretanto, pode-se falar de um estilo molecular,
que — segundo Wright Mills — se caracterizaria pela objetividade,
pelo caráter cumulativo dos estudos e pela quantificação estatística.
Na pesquisa macroscópica, por outro lado, ressalta a “pene­
tração e o talento do pesquisador”, e, ainda que não seja cumula­
tivo como o primeiro, possui um nível mais alto de abstração do35

35 M il l s , Wright, Dos estilos de investigactóit en ln sociologia actual, pu-


Witado em “ Phylosophv of Science” , vol. 20, n.° 4, outubro de 1953. Tradução
'particular) de J. A, Napolitano.
56 Os Métodos Atuais de Pesquisa

que o trabalho molecular. Por so, o enfoque macroscópico possui


maior alcance: seus conceitos abr^.igem maior número de variáveis.
Wright Mills postula como uma tarefa metodológica de inte­
resse a complementação de ambas as técnicas, porque calcula que
a empresa sociológica requer pesquisadores macroscópicos que espe­
culem, tanto como estudiosos que explorem a realidade social por
estratos moleculares, pois, se bem que seja certo que muitas for­
mulações macroscópicas são ambíguas, também é certo que muitas for­
mulações moleculares são estéreis.
O sincretismo de Mills não encontra muitos adeptos entre os
sociólogos; de um modo geral, os estudos quantitativos têm pres­
tígio científico e as pesquisas quantificáveis são vistas como filo­
sofia de gabinete. O auge da quantificação e da medida, nas ciên­
cias sociais, foi ridicularizado por Sorokin com os motes de “quanto-
frenia” e “metrofrenia”36. Sua crítica distingue as aplicações legítimas
da matemática à sociologia e à psicossociologia das imitações pseudo-
matemáticas; estas últimas se caracterizam por serem meras transcri­
ções de fórmulas matemáticas, sem vinculação com estruturas sociais.
Citando o matemático E. T. Bell, Sorokin denuncia a enganadora
redução da ciência matemática a uma taquigrafia, como se a mera
simbolização de uma concepção teórica pudesse conferir hierarquia
científica aos conceitos: essas transcrições de teorias sociológicas
em signos pseudomatemátícos nada acrescentam ao conhecimento
sociológico, nem servem tampouco para compreender nelhor o sen­
tido dos fatos analisados ou descritos. Na obra n ionada, So­
rokin inclui entre as teorias pseudomatemáticas as di irt Lewin,
especiahnente sua teoria de campo.
A quantificação dos dados nas ciências sociais baseia-se em
plguns pressupostos- cuja legitimidade convém verificar: 1) o cálculo
é o único procedimènto seguro para descobrir as uniformidades entre
os fenômenos; 2) os resultados do cálculo são generalizáveis, de
modo que as fórmulas quantitativas expressam uniformidades uni­
versais e 3) as operações permitem descrever seres e definir cate­
gorias e relações que, de outro modo, nos seriam inacessíveis. No
fundo dessas suposições existe um problema prévio, que, se não
for elucidado, pode incorrer em uma distorção completa do sentido
dos fatos investigados. Esta questão é a seguinte: pode-se reduzir
legítima e naturalmente os fenômenos psicossociais qualitativos a
unidades mensuráveis? Dito de outro modo, podem os dados quàli-

36 Sorokin, P. A .( Achaques y manias de la sociologia moderna y ciências


afines, Madrid, Aguilar, 1957, cap. V II.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 57

tativos respectivos ser analisados de maneira que nos conduzam a


unidades quantificáveis e mensuráveis? Se a resposta for “sim”, 6
lícito utilizar uma técnica escalar; mas seu emprego será ilegítimo,
se a resposta for negativa.
Glosando Whitehead, poderiamos afirmar que o risco da quan­
tificação mal utilizada sempre nos espreita. Podemos incorrer nesta
falácia quando supomos que as atitudes, os sentimentos, as formas
de comportamentos, as escolhas, etc. podem ser somados, subtraídos,
multiplicados e divididos. Outro erro — assinalado também por
Sorokin na obra citada— é o de condicionar escalarmente as respostas,
partindo do pressuposto de que a gradação das mesmas corresponde
ao que se estabelece previamente. Por exemplo: “medir” a inten­
sidade de certas atitudes sociais em termos de “pouco”, “regular”
e “muito”, como se não fosse possível estabelecer outra escala prévia.
Sorokin extrai múltiplos exemplos esclarecedores de uma obra
muito conhecida de Stouffer e colaboradores37.
Cabe agora, então, perguntar: em que casos podem as técnicas
matemáticas ser usadas corretamente na pesquisa sociológica? Não
parece legítimo fazê-lo, após as críticas formuladas anteriormente,
quando se trata de avaliar opiniões, crenças, atitudes; mas é lícito
seu emprego nos estudos demográficos, por exemplo, isto é, quando
os fenômenos sociais podem ser reduzidos, sem distorção, a uni­
dades escalares.
A partir de censos e estatísticas, é possível estudar uma po­
pulação quantitativamente: número de habitantes, proporção segundo
idades e sexo, número de estrangeiros, densidade da população
urbana e rural, distribuição profissional das pessoas. É possível inclu­
sive seguir o desenvolvimento de uma população através do tempo:
desenvolvimento da industrialização, média de vida humana, propor­
ção de velhos, natalidade, mortalidade, etc. Nestes casos, é possível
medir o ritmo dos fenômenos demográficos: ritmo de crescimento da
população, fecundidade, migrações. As técnicas quantitativas nos pro­
porcionam, pois, um conhecimento das transformações de grandes
grupos humanos, e essas mudanças podem ser facilmente quantifi­
cadas.
Neste nível de estudo, as técnicas estatísticas são muito úteis:
para calcular os dados em um censo de população (idade, grupo

37 Sludies in social ptychology of World War II , especialmente o tomo IV,


que trata da medida e da predição nas ciências psicossociais (Edição realizada em
Princeton, 1950).
58 Os Métodos Atuais de Pesquisa

étnico, sexo, religião, profissão), para registrar as mudanças expe­


rimentadas em uma população (comparando dois censos) e pro­
porcionar uma informação em percentagem. Este uso simples das
estatísticas é fácil e valioso. Mas a situação muda quando as téc­
nicas estatísticas são utilizadas com fins mais ambiciosos.
Hyman38 chamou seriamente a atenção sobre o perigo do abuso
das estatísticas nas ciências do homem. Alguns dos inconvenientes
assinalados por este autor são: o emprego não crítico de procedi-
rnentos estatísticos, a seleção dos problemas de modo que se adaptem
às técnicas estatísticas usadas (ao invés de se proceder de modo
inverso), o emprego de uma única técnica, como a análise fatorial,
por exemplo. Ao ocupar-se do erro estatístico nos experimentos de
aprendizagem, Hyman demonstra que, ao transpor para uma curva
os dados estudados estatisticamente, pode ocorrer que esta traduza
um processo cumprido na realidade por saltos em um processo
gradual falso. Talvez por isso alguns pesquisadores se perguntam se
o uso excessivo das técnicas estatísticas não tem subaltemizado, mais
qué hierarquizado, a pesquisa.
Por sua parte, Sorokin, no livro citado, dedica dois capítulos de
seu trabalho ao exame crítico da estatística em sociologia e psicos-
sociologia. Estuda, em primeiro lugar, as limitações da estatística
correlacionai39, destacando as limitações e defeitos destes estudos,
pelo fato de que se têm comprovado “notáveis discrepância s entre
dois ou mais coeficientes de correlação que tratavam com as mesmas
variáveis” e, além disso, porque as correlações não mostravam re­
lações causais comprovadas experimentalmente ou, inversamente, exi­
biam correlações causais entre as variáveis cuja independência mútua
havia sido provada por outro método de verificação (por exemplo,
por procedimentos experimentais).
Um fator de distorção é o que Sorokin chama de a introdução
da “subjetividade disfarçada quantitativamente”. Este tipo de erro
se introduz no estudo através da forma e da expressão das perguntas.
Stouffer e colaboradores40 demonstraram como se viciam os resulta­
dos do exame estatístibo mediante este tipo de subjetividade. For­
mulou-se a seguinte pergunta aos soldados: é conveniente ter mu-

38 Vejam-se, sobretudo, as páginas 124-144 da obra já citada deste autor.


39 A correlação estatística baseia-se no estudo das relações entre as variáveis
e pode ser causai, funcional ou aleatória. Quando o coeficiente de correlação se
expressa por uma cifra importante, está indicando uma relação estreita, provavel­
mente causai, entre as variáveis. Já explicamos anteriormente a relação entre a
variávfl independente e a causa.
40 Veja-se a obra de Stouffer e col. já citada.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 59

lheres no exército para o esforço de guerra? Quando a pergunta


lhes foi expressa nos termos consignados, a resposta de 39% foi:
não é necessário”, Mas, quando a forma da pergunta envolvia a
noiva, a esposa ou a irmã do interrogado, a percentagem de nega­
tivas alcançou 70% . A variação desses resultados depende da ma­
neira de formular a pergunta, e não de seu conteúdo objetivo.
Um segundo fator de erro é o tratamento dos sistemas sociais
como se fossem simples coleções agrupadas quantitativamente. A
falácia estatística produz-se quando as variáveis são escolhidas sem
levar em conta se são coleções independentes ou — como diz So-
ròkin — partes inalienáveis de sistemas vivos. As instituições sociais
possuem uma parte material e outra imaterial. Um sistema religioso,
por exemplo, apóia-se em estruturas materiais: ‘'templos, livros,
fundos financeiros, terras, etc., mas o que dá sentido à religião como
tal — e inclusive aos seus elementos materiais — são os valores
sacros e as normas rituais, isto é, os fatores imateriais. Se conside­
rássemos um culto apenas materialmente, jamais o compreenderiamos,
porque veriamos unicamente suas estruturas materiais. Nesse caso,
tratá-lo-íamos como coleção, e não como sistema. O perigo do tra­
tamento estatístico dos fenômenos sociais reside justamente em con­
fundir o manejo quantitativo de coleções com o estudo compreensivo
dos sistemas*1'.
O terceiro erro assinalado por Sorokin é o de tomar uma parte
do sistema como variável independente (causa ou fator predomi­
nante) e todo o sistema como variável dependente (efeito ou fenô­
meno condicionado). Em essência, esta falácia se baseia novamente
na confusão entre coleção e sistema. Dois bons exemplos são a in­
terpretação econômica da história, de Marx, e a preponderância do
fator religioso, de acordo com Max Weber.
Segundo Karl Marx e seus partidários, os meios e instrumentos
de produção (infra-estrutura econômica) são o fator que produz a
mudança e a estrutura dos outros sistemas que compõem a sociedade,
inclusive a religião e a ideologia, consideradas ambas “superestru-
turas”. Para Max Weber, entretanto, o fator religioso (o protestan­
tismo) é o' fator fundamentai que condiciona o sistema social, in­
clusive o capitalismo. Para Marx, a variável independente é a eco-41

41 Alguns sociólogos, ao estudar o comportamento dos fiéis no, cutto, redu­


zem a descrição ao contexto social, que é um dos componentes dos ritos religiosos.
Desse modo, deformam a experiência religiosa que examinam, ao n ío avaliar o
simbolismo e a eficácia dos ritos, que são componentes onipresentes no culto. Esse
modo de reducionismo na sociologia das religiões pode-se chamar sociotogismo e
pouco tem a ver com as pesquisas dos sociólogos das religiões.
60 Os Métodos Atuais de Pesquisa

nomia; para Weber, a religião. Ambos incorrem no mesmo erro,


que consiste em condicionar todo o sistema a uma de suas partes.
Çnmn conclui prudentemente Sorokin, o fator econômico não gerou
o protestantismo, nem o protestantismo gerou o capitalismo: toda
parte é a causa e o efeito das outras partes e de todo o sistema,
e o próprio sistema é a causa e o efeito de suas partes. A substitui­
ção desta “mudança interdependente tridimensional” pela teoria sim­
plista, que atribui a uma parte o fator de mudança, 6 falsa e não
é alheia ao esquecimento da profunda diferença que medeia coleções
e sistemas.
Nas páginas finais de seu estudo, formula um juízo que é
também uma advertência e que não.perdeu atualidade, apesar dos
anos transcorridos desde sua formulação (aproximadamente uma de­
zena): “Na raivosa epidemia de quantofrenia, todo mundo pode
ser um ‘pesquisador’ e um ‘indagador científico’, porque todos po­
dem dispor de umas fichas, enchê-las com toda classe de pergunta,
enviar os questionários a todos os sujeitos possíveis, receber as res­
postas, classificá-las deste ou daquele modo, submetê-las a uma má­
quina de tabular, colocar os resultados em várias tabelas, com todas
as percentagens computadas mecanicamente, os coeficientes de cor­
relação, os índices, os desvios e os erros prováveis*2, e logo escrevem
um ensaio ou um livro cheio de impressionantes tabelas, fórmulas,
índices e outras evidências de uma pesquisa ‘objetiva, esmerada,
precisa, quantitativa’. Esses ritos são típicos na ‘pesquisa quantita­
tiva contemporânea’ em sociologia, psicologia e outras ciências psi-
cossociais. Podem ser oficiados mecanicamente por uma fila de pes­
soas ligeiramente treinadas na representação desses ritos”.
À margem das possibilidades já assinaladas de tratamento ma­
temático de fenômenos sociais redutíveis a unidades escalares, toda
projeção abusiva de técnicas quantificadas sobre a sociologia implica
vários riscos de distorção, o menor dos quais não é certamente a
conversão deformante do qualitativo em quantidades artificial­
mente calculadas sobre dados previamente transmutados ad hoc.
Deste ponto de vista, subscrevemos o juízo lapidar de Sorokin e as
prudentes advertências de Hyman.
Assim como o psicologismo religioso, por exemplo, constitui
uma degradação da psicologia das religiões e o sociologismo, da so­
ciologia das religiões, cabe denunciar um matematicismo sociológico.
Metodologicamente, todos estes ismos significam a expressão de 42

42 Em outra parte de sua obra (veja-se p. 213), chama os desvios e erros


prováveis de “adornos e outros parafernais da escolástica estatística” .
A Pesquisa nas Ciências do Homem 61
tendências reducionistas. A interpretação psicanalítica da religio­
sidade apÓia-se em uma redução prévia da experiência religiosa a
seu contexto psíquico e a uma interpretação unilateral em termos da
doutrina psicanalítica. Analogamente,, a instrumentação quantitativa
dos dados nas ciências sociais, quando esses dados não podem ser
reduzidos com propriedade, implica uma amputação artificial da rica
realidade social.

O método fenomenológko nos ciências do homem

. Do ponto de vista metodológico — que é o que aqui nos intereása


— pode-se considerar a fenomenologia como uma tentativa de vencer
três dificuldades do pensamento científico: o relativismo cético do
psicologismo, do sociologismo e do historicismo; o iniludível cír­
culo vicioso do empirismo radical e a inconseqüêneia das explicações
científicas com sua posição fenoménica inicial.
O psicologismo pretendia reduzir todo conhecimento possível
a estados de consciência, más constituir a psicologia em uma ciên­
cia “fundante” equivale a destruir seu pretenso rigor científico, por­
que a psicologia não pode fundamentar-se a si mesma. Não vamos
reiterar os conhecidos argumentos de Husserl em suas Investigações
lógicas, onde, reagindo contra seu psicologismo anterior (ou de sua
Filosofia da aritmética), destrói definitivamente as argumentações
psicologistas.
O sociologismo aspira a demonstrar que o conhecimento não é
mais que um subproduto do meio social; assim, por exemplo, a
experiência religiosa — que tem um elemento social no culto —
reduzir-sè-ia a um contexto social, ficando sem explicação os outros
fatores que intervém nos fatos hierológicos, como o dogma e os va­
lores, especialmente os valores morais. Uma atitude análoga — e
igualmente parcial — é a do historicismo, que subjuga toda forma
de conhecimento ao processo histórico. *'
Contra o relativismo e o ceticismo inerentes a esses três ismos
reagirá Husserl. Por outro lado, o ceticismo tem um firme ponto de
apoio na afirmação de que a experiência é a única fonte da verdade.
Com efeito, esta afirmação deve ser submetida a uma prova expe-:
rimental, mas sabemos que a experiência só nos pode dar conhe­
cimentos contingentes, particulares, nunca o universal que bilsca a
ciência. Em conseqüência, se queremos que o princípio do empirismo
seja válido, caímos no círculo vicioso de submetê-lo a um tipo de
verificação que apenas mostra sua necessária relatividade, com o que
perde o seu caráter de princípio necessário e universal.
Uma terceira dificuldade parece inerente à própria atividade
62 Os Métodos Atuais de Pesquisa
científica, em especial à pesquisa. Uma das finalidades da pesquisa
científica é a de explicar os fatos que estuda. Nas ciências fáticas,
parte-se dos dados da experiência, mas, como o pesquisador se sente
obrigado a formular explicações, abandona o dado para elaborar teo­
rias que constituem uma tentativa de interpretar os fatos. Esta pas­
sagem do fático à teoria é — segundo Husserl — a suprema incon-
seqüência das ciências positivas ( “positivo” significa, precisamente,
baseado nos fatos).
O criador da fenomenologia propõe um novo método de pensa­
mento que não apenas se baseia no que é dado na experiência, po­
rém, mais ainda, atém-se exclusivamente a isso., Cantrariamente a
uma opinião corrente ainda hoje nos meios científicos, Husserl não
busca diminuir o rigor científico, mas o considera insuficiente: a
filosofia, através do exercício do método fenomenológico, conver­
te-se em uma ciência básica, universal, e é a única disciplina capaz
de proporcionar ao conhecimento científico uma fundamentação
estrita.
Por essa razão, Husserl afirma que, se um conhecimento positi­
vo é entendido como absolutamente isento de prejuízos e baseado
exclusivamente no dado, então o método fenomenológico é o único
estritamente científico e positivo. Ater-se ao que é dado na expe­
riência — como quer Husserl ■— não significa reduzir-se à expe­
riência sensível. Haver incorrido justamente nessa parcialização foi
o erro funesto do positivismo de Mach, que, ao reduzir o mundo a
um conjunto de sensações, o destrói, porque, de fato, a realidade
é aniquilada ao converter a própria consciência em puro feixe de
sensações.
Se o valor de um método se prova em seu exercício, pouca dú­
vida cabe sobre a utilidade do método fenomenológico nas ciências
humanas e inclusive em uma atividade prática como a medicina.
Hoje se emprega o método fenomenológico na psicologia, na etno­
logia, na história comparada das religiões e na psiquiatria renome-
nológica e existencial.
“Ir às coisas mesmas” — como disse Husserl — não consiste
em deter-se na experimentação sensível, atitude que tem sua causa
em um prejuízo naturalista que postula como única experiência pos­
sível a experiência sensível. Tampouco consiste em explicar o fenô­
meno através de “objetos” construídos pelo homem de ciência: a
“cor” apreendida como um dado converte-se em uma “longitude de
onda” para o físico, mas, desde esse momento, abandona*se ò dado*
pela teoria.
Em que consiste, pois, este procedimento que, para ser cientí­
A Pesquisa nas Ciências do Homem 63

fico, se afasta da própria ciência? Vários autores têm sido con­


cordes em afirmar que é difícil distinguir o método fenomenológico
da filosofia fenomenológica; inclusive o próprio Husserl não parece
haver, sintetizado explicitamemte as regras de seu método48. Feno­
menologia significa literalmente estudo dos fenômenos: comecemos,
pois, por esclarecer o sentido da palavra fenômeno. Fenômeno é o.
que aparece à consciência, o que é dado; não se opõe à “realidade”
como uma “ficção” ou “ilusão”, nem tampouco é a expressão de
uma “coisa em si” ou “número” — como queria Kant — : os fe­
nômenos, do ponto de vista fenomenológico, nada têm a ver com
o “eu” nem com a suposta “coisa”, interessam em si mesmos como
o dado imediatamente à consciência. Finalmente, tampouco devem
ser identificados com os fenômenos sensíveis — tal como os inter­
preta a ciência natural — , porque o fenômeno é, segundo Husserl,
o “que se mostra a si e em si mesmo tal como é”, isto é, um ele­
mento irredutível, originárip, e não tem por que ser necessariamente
algo sensível. Veremos precisamente a importância que Husserl
atribui a uma intuição ou visão não sensível.
Determinamos, pois, o objeto da investigação fenomenológica,
isto é, o fenômeno; devemos agora referir-nos ao instrumento de
conhecimento, isto é, à intuição. Para Husserl, intuição equivale a
visão intelectual do objeto de conhecimento, do dado, que, em
linguagem fenomenológica, é o fenômeno, o que aparece. Em seu
livro Meditações cartesianas, o criador da fenomenologia disse: “A
evidência designa, em seu sentido amplo, um fenômeno originário,
universal, da vida intencional. Trata-se de opor aos outros modos
de consciência, que podem ser vazios a príori ou que podem ser
prossignificantes, possuindo significações dirigidas para o futuro,
significações .que podem ser indiretas, não autênticas, enquanto que
a evidência ê a forma de consciência da aparição, da auto-aparição.
A apresentação da coisa mesma, a doação por si mesma, a autodoação
de uma coisa ou, do mesmo modo, de uma generalidade ou também
de um valor: é, pois, o modo de ser intuitivamente dado, originaria-
mente ( originaliter) ” (o grifo é nosso).43

43 Virasoro, Miguel Ãngel, que se ocupou em vários trabalhos da fenome-


nologia de Husserl, sustentava que, segundo seu autor, não se deve separar o
método da filosofia fenomenológica (veja-se seu ensaio Inlroducción al estúdio de la
fenomenologia de Husserl, editado pela Faculdad de Filosofia y Letras, Rosário,
1950). Por outro lado, I, M. Bochenski, em seu estudo sobre o método fenome­
nológico incluído em seu livro Los métodos actuales de fensamiento (Madrid,
Rialp, 1957), afirma que Husserl não separou explicitamente o método da doutrina
fenomenológica.
64 Os Métodos Atuais de Pesquisa
Na linguagem husserliana aqui reproduzida, a coisa é o jenô-
meno (“a coisa que se mostra por si mesma” ). Significa dizer que
a intuição ou visão é a forma de consciência na qual uma coisa
se dá originariamente ou, como diz Husserl, “a visão direta, não
meramente a visão sensível, empírica, mas a visão em geral, como
forma de consciência na qual se dá originariamente algo; qualquer
que seja essa forma, é o fundamento último de todas as afirmações
racionais”.
Vimos aparecer, junto ao conceito de intuição, a noção de
intencionalidade, que Husserl tomou de Brentano44 (e este, ainda
que de forma um pouco diversa, da escolástica): a intuição é pos­
sível pela intencionalidade da consciência. Intencionalidade (de in-
tensio, que significa dirigir-se a algo), ou referência intencional, é a
propriedade da consciência que se nos apresenta como um feixe de
raios que se reflete em atos, cada um dos quais menciona ou se refere
a algo como seu objeto. Este referir-se a algo como a seu objeto é
o que Husserl chama referência intencional ou intencionalidade e
constitui o fato primário e irredutível da consciência; a correlação
entre um sujeito que se refere, a um' òbjeto e um objeto ao qual o
sujeito se refere. Assim, perceber, julgar, imaginar ou amar são
formas da intencionalidade, mas, como todo ato intencional supõe
um objeto intencional, ao julgar, imaginar, amar ou perceber corres­
ponde algo julgado, imaginado, amado ou percebido. Por isso, a
vivência intencional está constituída pelo “ato intencional e seu
correlato intencional objetivo”.
A análise da vivência intencional conduz Husserl a introduzir
três conceitos que vamos, em seguida, esclarecer: noema, noesis e
hyle. Continuando com os exemplos anteriores (que são de Husserl),
diremos que o ato de julgar ou amar é a noesis e o objeto desse ato
é o noema. Não há momento noético sem um momento noemático,
isto é, a noesis e o noema se implicam reciprocamente, são essen­
ciais um em relação ao outro. Mas, além da noesis e seu corres­
pondente noema, existe uma “matéria” não intencional, a qual Hus­
serl (seguindo Aristóteles) denomina “dados hiléticos”, mas que
não pertencem às coisas reais, senão ao noema mesmo. Esses dados
hiléticos são como uma matéria que não tem sentido próprio até
que seja provida de sentido na noesis.
Se recordamos que a preocupação inicial de Husserl é superar
o relativismo científico com uma constante preocupação pelo rigor,

44 Vocabulário técnico y crítico d* la jilosofía. de A. Lalande (versão cast.,


TJuenos Aires, El A teneo), tópico “ intenção".
A Pesquisa nas Ciências do Homem 65

certeza, objetividade, compreende-se por que a filosofia será defi­


nida por ele como a ciência universal e, em um sentido radical, a
ciência rigorosa por excelência. Se temos presente que inclusive as
próprias leis científicas estão submetidas a uma contingência neces­
sária e iniludível, ver-se-á claramente qual é o sentido do epoché
ou redução, procedimento gnoseológico que desempenha um papel
fundamental no método fenomenológico.
Para alcançar um conhecimento de validade universal, o ho­
mem de ciência não passa do individual ao universal, mas simples­
mente ao geral, porque o conhecimento se baseia na abstração, isto
é, em isolar in abstracto um aspecto do ser individual que se inves­
tiga, desprezando os demais. Husserl crê que é necessário inverter
completamente a direção natural do pensamento e alcançar um pro­
cesso de ideaçãd, mediante o qual passaremos das coisas singulares
ao ser universal, isto é, a essência. E o que é a essência? É o que faz
com que esse objeto seja o que é e não outra coisa.
Mas, se a direção natural da “olhada” nos descobre um mundo
ilimitado de coisas singulares, como descobriremos nelas as essências?
Mediante uma intuição eidética ou processo ideatório, que nos pos­
sibilita elevarmo-nos à visão do eidos, dessa essência que determina
o ser do individual: “Por sobre este verde ou este vermelho chega­
mos à essência do verde ou do vermelho; por sobre esta árvore,
mesa, montanha, rio, chegamos às essências de árvore, mesa, mon­
tanha, rio. Na intuição eidética, o que se nos dá de modo imediato
é , pois, a essência da coisa, aquilo que, por exemplo, faz com que
uma coisa seja montanha e não rio, mesa, nuvem ou triângulo*®”.
Chega-se à intuição eidética mediante a redução eidética, mo­
mento fundamental da fenomenologia que, para alguns autores,
constitui em si um verdadeiro método, o qual — de acordo com a
exposição de Bochenski no livro já mencionado — consta de várias
regras que, como se disse, estão mais ou menos implícitas nos textos
husserlianos. Bochenski distingue entre as regras positivas e as ne­
gativas. Entre as primeiras, devem se considerar três exclusões ou
suspensões: a) eliminação do subjetivo; b) exclusão do teórico; c)
suspensão da tradição. A redução ou epoché equivale, na linguagem
de Husserl, a uma colocação entre parênteses, que não significa ne­
gação, nem uma avaliação axiológica, nem tampouco a exclusão de
outros métodos possíveis, sempre que estes sejam posteriores ao exer­
cício da epoché. O primeiro passo da redução significa assumir «ma45

45 V irasoro, M. A„ ob. cit., p. 26 e segs.


66 Os Métodos Atuais de Pesquisa.

atitude objetiva frente ao dado; o segundo consiste na eliminação


momentânea de toda hipótese, teoria ou qualquer outra forma de co­
nhecimento previamente adquirido; o terceiro equivale a excluir não
apenas a tradição como autoridade humana (magister dixit), mas
também as tradições da própria ciência, que inclui a consideração do
conhecimento científico em seu estado atual, isto é, o aceito no mo­
mento da investigação.
As-regras positivas são, segundo Bochenski, duas: 1) ver todo
o dado, o que supõe combater a tendência humana (também comum
no animal) de ver somente alguns aspectos do objeto; 2) descrever
o objeto analisando suas partes, porque se inicia na postulação da
infinita complexidade dos objetos dados à consciência.
A finalidade da redução eidética é separar o conhecimento de
sua inserção no mundo espácio-temporal, considerá-lo fora de suas
relações com as condições de origem, com as causas psicofísicas*®. Ver
o dado “como algo irreal” — segundo a expressão de Jean Wahl.
A intuição eidética busca o eidos, a essência, isto é, o quê de
cada objeto; os objetos empíricos transformam-se, nascem, mor­
rem, ao passo que as essências nem nascem nem morrem, porque são
a unidade da multiplicidade, sempre idênticas e permanentes através
das mudanças. A intuição das essências tem como ponto de origem
a intuição sensível, mas a abstração ideatória a transcende, deixando-a
de lado. As essências podem, inclusive, provir não apenas da experiên­
cia, mas também da imaginação. Vê-se, pois, que há diversas maneiras
de ver; Jean Wahl, na obra citada, distingue entre o ver como per­
ceber, que se aplica aos objetos sensíveis, individuais, è o ver como
“penetração intelectual”, que é a intuição das essências. A visão sim­
plesmente perceptiva traduz-se em juízos assertórios; a intuição es­
sencial, se expressa mediante proposições apodíticas.
De acordo com isso, podemos distinguir uma intuição eidética,
que descobre nos objetos individuais as essências materiais (que não
têm relação com a matéria, no sentido corrente do termo, que cons­
tituem a qualidade necessária do objeto que o faz ser o que é, e a
intuição categorial, que capta as essências formadas ou categorias t
unidade, multiplicidade, identidade, semelhança, etc.
A distinção entre essências materiais e formais se traduz na
respectiva determinação de regiões. Tanto as primeiras como as
segundas têm um caráter universal, mas as essências formais se
aplicam a todos os objetos possíveis, enquanto que as essências ma-46

46 W ahl, Jean, Husserl (Tomo I ) , Paris, Centre de Documentation Univer-


sitaire, í/d a ta , p, 2 e segs.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 67

teriais estão restritas a certas esferas, em cujo âmbito têm validez. Por
exemplo, a essência recordação é universal com respeito aos múl­
tiplos atos de recordar, mas sua validez está restrita à região psíquica,
e, em conseqüência, é uma noção fundamental para a ciência psico­
lógica. A essência formal identidade, por outro lado, se aplica a
todos os objetos possíveis è, por isso, é utilizada em todas as ciências
(rigorosamente na lógica e na matemática).
A primazia do conhecimento filosófico (fenomenológico) sobre
o conhecimento científico baseia-se precisamente na necessária fun­
damentação do conhecimento científico através das essências. Apenas
a filosofia pode descobrir a priori as categorias de cada região do
ser (ontologias regionais), a partir das quais poder-se-ão construir
então as ciências positivas (a pôsteriori). A relação ciência eidética-
ciência positiva é assimétrica, porque, da mesma forma que a pri­
meira se constitui sem levar em conta a segunda, esta é uma conse­
quência da determinação das essências materiais e formais que cor­
responde àquela.
. 0 segundo passo do método fenomenológico e o decisivo, do
ponto de vista científico, é a redução transcendental ou fenomeno­
lógica, em sentido estrito. Este aspecto da fenomenologia mostra
a diferença fundamental entre a investigação científica e a investigação
fenomenológica, porque, enquanto as ciências fáticas partem dos fatos
da realidade empírica, a fenomenologia, através deste segundo passo
redutivo, põe entre parênteses o mundo inteiro, isto é, prescinde da •
existência dos objetos reais. Mais ainda, é totalmente indiferente que
o objeto exista ou não, o que significa uma desvalorização dos fatos
(recorde-se que se podem intuir fenomenologicamente também objetos
imaginados inexistentes na realidade empírica exterior ao sujeito).
Nas Meditações cartesiánas, o mesmo Husserl explica o sentido
da epoché fenomenológica: “E6ta suspensão universal de todas as
posições tomadas ante o mundo objetivo dado e, portanto, em pri­
meiro termo, as posições tomadas no que diz respeito à realidade
(as concernentes à realidade, aparência, ao ser possível ou verossí­
mil, etc.), ou, como também já se costuma dizer, esta epoché feno­
menológica, ou este ‘pôr entre parênteses’ o mundo objetivo, não
nos coloca, pois, frente a um puro nada. O que, justamente pelo
contrário ou justamente por este meio, nos fazemos próprio ou,
mais claramente, o que eu, aquele que medita, me faço próprio por
este meio é minha vida pura, com todas as suas vivências puras e
todas as suas coisas assumidas puras: o universo dos ‘fenômenos’, no
sentido especial e amplíssimo que tem esta palavra na fenomenolo-
gia. A epoché é, pode-se também dizer, o método radical e universal
68 Os Métodos Atuais de Pesquisa

por meio do qual me apreendo como um eu puro, com a vida da


consciência pura que me é própria, na qual e por meio da qual o
mundo objetivo inteiro é para mim, e é precisamente tal como é
para mim. Todo o pertencente ao mundo, toda a realidade espácio-
temporal, existe para mim, isto é, vale para mim, e vale para mim
porque a experimento, percebo-a, dou-me conta dela, penso de al­
guma maneira nela, julgo-a, avalio-a, desejo-a, etc.”.
A redução fenomenológica põe entre parênteses todo o mundo
natural, isto é, tudo aquilo que não é a consciência. Está operação
fenomenológica coloca certas indagações, a primeira das quais se
refere à realidade do mundo: equivale a redução fenomenológica a
negar a realidade do mundo? A resposta está implícita no texto husser-
Iiano que transcrevemos anteriormente: não se nega a existência do
mundo, sua realidade, mas simplesmente “põe-se-o entre parênteses” :
isto significa assumir uma atitude neutra ante o problema de sua
existência ou inexistência. Como disse Husserl nas Idéias, o mundo
natural não é aniquilado, mas neutralizado: trata-se de uma neutrali­
zação da realidade. ■ >
O segundo problema implícito na redução transcendental é o
do sentido do eu puro: acaso este eu puro de Husserl não coincide
com o eu psicológico, com o qual se recairía no psicologismo? O eu
psicológico, a consciência que estuda a psicologia, é uma consciên­
cia empírica unida a um corpo e, enquanto tal, pertence à realidade
natural: o eu psicológico fica eliminado, pois, como um dos com­
ponentes dessa realidade natural que é excluída pela redução trans­
cendental. O eu transcendental ou eu puro é o que resta quando se
põe o mundo entre parênteses.
Neste nível, já não se pode falar de interior ou exterior à cons­
ciência; tanto a interioridade como a exterioridade carecem de sen­
tido e, consequentemente, tampouco o têm o idealismo ou o realis­
mo. O plano transcendental é concebido como uma nova dimensão.
Talvez a única maneira de evitar o idealismo, que parece ser uma
conseqüência obrigatória da .rigorosa ascese transcendental, seria a
de supor que a redução transcendental tem — como insinua Lõwit
no livro mencionado de Wahl — um caráter quase místico, o que
parece compartilhar Kelkel (também na obra mencionada), ao citar
uma passagem da obra de Husserl A crise das ciências européias e
a fenomenologia transcendental: a melhor aproximação à redução
transcendental seria a conversão religiosa47.

47 Husserl, E., La criri deüe iciem e europee e la fenomenologia Irascenden-


tale. Dirigida por W alter Biemei; tradução de Enrico Filippini, Casa Editora II
Saggiatore, 2.a Edição, 1965.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 69

A fenomenologia como método de investigação


no psiquiatria atuai

Se analisamos detidamente o sentido das duas reduções, a eidé­


tica e a transcendental, podemos concluir, com Husserl, que a pri­
meira permite distinguir a psicologia empírica de uma psicologia
transcendental, que, todavia, não é uma fenomenologia pura. A con­
tribuição da fenomenologia, através da redução eidética, consiste na
teoria da intencionalidade. A redução fenomenológica, por outro la­
do, traz à psicologia intencional a descoberta do ego transcendental.
O eu não 6 mais uma parte do mundo: o ego transcendental é irre­
dutível ao eu intencional obtido após a redução eidética. O ego inten­
cional supera o empirismo ingênuo implícito no psicologismo, porém,
por sua vez, será superado pelo ego transcendental.
A redução eidética possibilita alcançar o eidos elevando-se por
sobre o fático; a redução transcendental é mais radical ainda, por­
que, ao reduzir o próprio mundo, permite-nos perceber o ego trans­
cendental. Deste modo, o mundo não é suprimido ou aniquilado —•
como já explicamos — , mas convertido em um correlato intencional
do eu, que o pensa como uma totalidade. Antes da redução trans­
cendental, o sujeito se acreditava dentro do mundo, formando parte
dele; depois desta segunda redução, o sujeito sabe-se no mundo,
mas o considera como fora dele mesmo — o eu considerado como
consciência pura considera o mundo como um conjunto de objetos
intencionais.
A redução transcendental descobriu que o eu e o mundo não
pertencem à mesma região ontológica: o sujeito psicológico conver­
teu-se em um sujeito intelectual. Vimos no parágrafo anterior que
Lõwit e Kelkel comparavam a redução transcendental à conversão
religiosa. Este é também o parecer de Lévinas, de Ricoeur e de Max
Scheler. Ricoeur fala de ascese ou conversão e Scheler, em seu li­
vro Do eterno no homem, refere-se a um esforço de auto-espiritua-
lização.
Este desprendimento do mundo constitui um verdadeiro méto­
do de vida espiritual48. Seguramente não é alheio a este caráter o
uso do método fenomenológico nas investigações hierológicas, espe­
cialmente em história e filosofia das religiões, como o testemunham
as obras de Van der Leeuw, Duméry, Eliade e o próprio Scheler.

48 Veja-se o livro de H enry Duméry, Critique et religion, Paris, SEDES, 1957,


especialmente as páginas 135-177. A obra de Scheler Do eterno v o homem, foi
traduzida para o inglês do original alemão; On the elemal m matt, Londres, SCM
Press Ltd., 1960.
70 Os Métodos Atuais de Pesquisa

A psicologia, por sua p. *e, foi notavelmente enriquecida ao


contar com um novo método de ivestigação. Nessa direção devem
ser incluídas as investigações fenomenológicas de Dàvid Katz sobre
a fenomenologia das cores, de J. P. Sartre sobre as emoções e de
Merleau Ponty sobre a percepção49.
Sem desconhecer a importância do emprego do método feno-
menológico em história e filosofia das religiões, sociologia, história,
etnologia e psicologia, é indubitável que a mais espetacular de suas
projeções é a psiquiatria fenomenológica e suas derivações recentes
na psiquiatria existencial. Em um livro publicado há mais de cin-
qüenta anos, Charles Blondel denunciava o fracasso dos estudos psi­
quiátricos dissimulado por expressões técnicas que, embora definin­
do os estados mentais dos pacientes, não chegavam a compreender
as experiências reais dos psicóticos. Das conclusões de Blondel em
seu livro A consciência mórbida (publicado em 1914), podemos
inferir que a psiquiatria necessita de métodos de investigação mais
adequados à natureza dos fenômenos que tenta descrever. Essè mé­
todo será o fenomenológico e a conseqüência de seu emprego nos
pacientes psicóticos é a constituição de uma psiquiatria fenomeno-
lógica. •
A investigação fenomenológica em psiquiatria pode ser descri­
tiva, genético-estrutural e categorial. Do ponto de vista médico, po­
dem ser consideradas como três técnicas fenomenológicas. A feno­
menologia descritiva constitui a primeira tentativa de aplicar o mé-
. todo fenomenológico na psiquiatria e remonta a Karl Jaspers, que
a define como uma cuidadosa descrição das experiências subjetivas
dos enfermos mentais baseada em um esforço de empatia (einfüh-
len). Em seu livro Psicopatologia geral, publicado em 1913, Jaspers
transcreve o material que recolheu em prolongadas entrevistas, onde
tratou de compreender empaticamente o mundo subjetivo dos pacientes.
Evidentemente, o método de Jaspers é muito diferente do da psi­
quiatria clássica, constringida à análise de sintomas, sinais e síndro-
mes psicopatológicos orientados para definir entidades nosológicas
típicas'.
A psiquiatria fenomenológica descritiva toma como ponto de
partida o relato do paciente durante a enfermidade ou depois dela
e o compara com as referências análogas de outros enfermos. Como
sua intenção é “ir às coisas mesmas1’ — segundo o citado parecer

49 Jean F. Lyotard estudou as relações entre a fenomenologia e a psicologia


em seu livro La phénoménologie, Paris, Presses Universitaires de France, 19S4, (H á
uma traduçSo para o castelhano editada por Eudeba.)
A Pesquisa nas Ciências do Homem 71

husserliano —, apreende os fenômenos de consciência tal como os


experimenta o sujeito e através de seu próprio relato, sem que a in­
terpretação ou a teorização dos mesmos interfira na sua captação.
A investigação fenomenológica, tal como a entende Jaspers, mostra
a consciência do sujeito através do relato de suas experiências in­
ternas e trata de viver em sua consciência — por empatia — os
fenômenos relatados pelo enfermo. ■Esta perspectiva supõe uma
avaliação inicial das descrições obtidas dos mesmos pacientes e uma
atenta vigilância dos fenômenos de consciência do próprio psiquia­
tra60. .
Quais são as razões que fundamentam a substituição dos mé-
. todos reputados científicos da psiquiatria clássica por um procedi­
mento que não deixa de ser suspeito por sua conhecida origem filo­
sófica? Um dos princípios nos quais se baseia toda a psicoterapia
— desde a psiquiatria tradicional até a psicanálise, inclusive — é
que o psiquiatra compreende melhor que o enfermo o que ocorre
a este. O conceito de cura da enfermidade mental supõe a aceitação,
pelo paciente, dos pontos de vista do médico, o que implica a for­
çosa renúncia às perspectivas do paciente.
Sem entrar na análise das consequências deste critério para
uma avaliação objetiva da nada unívoca concepção da enfermidade
mental e da gênese dos processos mórbidos, cabe observar o se­
guinte: ainda que se admita que este critério de cura implique um
conhecimento da normalidade por parte do médico — que, na
ocasião, o paciente possui de forma distorcida — , há pouca dúvida
sobre o fato de que ninguém como o próprio enfermo “conhece”
fenomenologicamente seu mal; melhor dizendo, ele sabe por expe­
riência imediata o que é sentir-se enfermo. Neste aspecto, as inter­
pretações científicas do psiquiatra são incuravelmente “teóricas”,
porque estão fora dos fenômenos. Daí a importância da empatia na
psiquiatria fenomenológica. Ê evidente que o enfermo sabe — ainda
que seu conhecimento estèja distorcido pela própria enfermidade;
por outro lado, o psiquiatra objetivo, não fenomenológico, apenas
pode inferir o que o paciente experimenta diretamente.
Foi um filósofo bem conhecido em nosso país"1, Jorge San-
tayana, quem descreveu magnificamente o sentido da perspectiva*

- 50 Ellenberger, H. F ., em seu documentado estudo A clinicai mtroduction to


psyclüatric •phenomsnology and existentud analyns (publicado em Emslence, editado
por R. M ay, E. Angel e H . F. Ellenberger, traduzido para o castelhano pela edi­
to ra espanhola Gredo»), assinala o parentesco entre a noção de contratransferência
■da psicanálise e a observação fenomenológica.
* O autor refere-se à Argentina. (N . da T rad.)
72 Os Métodos Atuais de Pesquisa
que se abre cpm a fenomenologia descritiva ( por certo que à margem
do conhecimento técnico do problema): “O psiquiatra conhece a lou­
cura de uma maneira; coleciona os sintomas e suas causas e a cura;
mas o louco, a seu modo, conhece-a muito melhor. O terror e a glória
da ilusão, que constitui a própria essência da loucura, só se abrem ao
louco ou a um espírito simpatético, que afronta a loucura tal como
é61.”
A fenomenologia genético-estrulural é um procedimento de in­
vestigação fenomenológico-psiquiátrica que aspira a superar alguns
inconvenientes — ou, melhor dizendo, limitações — que á fenome­
nologia descritiva apresenta. Com efeito, nem todos os enfermos são
capazes de expressar fielmente suas experiências, e poucos as re­
cordam. Uma forma de salvar estas dificuldades é proposta pelos
adeptos da análise estrutural, que se baseia na possibilidade de
apreender o conteúdo total da consciência através de uma estrutura
geral (Gestalt). A descrição destas estruturas Minkowski denominou
“análise estrutural” e von Gebsattel, “consideração genético-cons-
trutiva”. A intenção de Minkowski e de von Gebsattel é descobrir
o transtorno básico (trouble générateur, denomina-o Minkowski) e,
a partir dele, descobrir os transtornos do paciente e todo o conteúdo
de sua consciência.
A exploração fenomenológica, por exemplo, mediante a aná­
lise estrutural e genético-construtiva de um paciente melancólico,
descobre um transtorno básico da vivência do tempo: a atenção do
enfermo está concentrada apenas no passado; o presente é vivido
como se estivesse detido, estancado, e o futuro é percebido “blo­
queado”. Partindo deste núcleo genético, são deduzidos os demais
sintomas. Na esquizofrenia, por exemplo, o transtorno básico —
segundo Minkowski — é a perda de contato vital com a realidade;
com uma metodologia similar, von Gebsattel estudou a neurose
compulsiva e Strauss as obsessões.
A fenomenologia calegorial intenta reconstruir o mundo interior
dos enfermos através da análise de seu modo de experimentar certas51

51 Estas palavras, tomadas do livro de Santayana, Diálogos en el limbo,


foram reproduzidas por Bert Kaplan na Introdução da excepcional obra The itmer
world of mental Ulness, na qual são transcritos os relatos de enfermos mentais sobre
sua enfermidade, a terapêutica, etc. e que constitui um documento recente que
pode prestar um grande auxílio aos pesquisadores que adotem o método fenomeno­
lógico no sentido descritivo que explicamos. A edição desse livro foi realizada por
Harper e Row Publishers, de Nova Iorque, em 1964. Em castelhano possuímos um
documento valioso neste mesmo sentido, a Autobiografia de una esqtmofrinica, de
Margarita Sechehaye, editada por Paidós.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 73

categorias: o espaço, o tempo, a causalidade, a materialidade, etc.


Assim como a fenomenologia de Jaspers se apóia na idéia husser-
liana de descrição, a fenomenologia categorial se baseia na intntpgn.
categorial do autor das Meditações Cartesianas. Minkowski, Fisher,
von Gebsattel e Strauss ocupar-se-ão, respectivamente, de estudos
da fenomenologia do tempo nos enfermos mentais; o primeiro estudo
nesta direção pertence a Minkowski: Le Temps Vécu.
Na psiquiatria tradicional investiga-se a situação do sujeito com.
relação à percepção do tempo de forma muito simples, verificando
se está orientado temporalmente e como o percebe. A investigação
fenomenológica, ao contrário, baseia-se na análise e descrição dos
diversos modos de experimentá-lo subjetivamente. Nos estados de­
pressivos, por exemplo, o transtorno fundamental afeta a experiência
do tempo, como se explicou anteriormente. Esta análise implica a
prévia distinção entee o “tempo pessoal”, a velocidade do tempo e
a estimativa consciente ou inconsciente de sua duração.
Sustenta-se que o “tempo pessoal” é uma constante individual
que parece ser hereditária, enquanto que a estimativa do tempo é
um fenômeno complexo que depende do metabolismo celular. Após
haver ingerido tiroxina (hormônio produzido pela glfindnla tireóide),
percebe-se a duração do tempo como mais prolongada do que o é;
quando se ingere quinina esta duração parece mais curta. Finalmente,
a velocidade do tempo varia profundamente segundo a idade do su­
jeito. De Greef52, num estudo sobre a personalidade do débil mental,
descobriu estas diferenças através da evolução e do crescimento, da
infância à velhice: a criança de um ano vive no presente; aos três
anos, descobre que há horas regulares no dia; aos quatro, adquire
0 conceito de “hoje”, e um ano depois o de “ontem” e “amanhã” ;
aos oito anos, a criança conta as semanas e percebe cada uma delas
como interminável; aos quinze, e até os vinte, adquire a unidade tem­
poral “um mês” ; o homem de quarenta anos conta os anos por décadas.
Em síntese, a velocidade do tempo parece crescer com o aumento da
idade do indivíduo.
Já se explicou como o tempo retarda nos estados depressivos;
acrescente-se que se acelera no sentimento de alegria, felicidade
e euforia. Entretanto, sob a influência do ópio, apesar da euforia,
o tempo retarda-se, ao invés de acelerar-se. Também se acelera nos
maníacos. Na senilidade percebe-se o transcurso do tempo muito
acelerado, mas nos estados depressivos de velhice volta a retardar.
A percepção corrente, do tempo é estruturada em p re se n te , p a s­

52 Veja-se <> trabalho citado de Ellenberger, p, 107.


74 Os Métodos Atuais de Pesquisa

sado e futuro; fenomenologicamente, o presente é o “agora”, o pas­


sado é “o que nos abandona” e o futuro é “aquele para o qual nos di­
rigimos”. O passado só é acessível através de nossa memória (e, em
conseqüência, sujeito às distorções desta), o futuro, ao contrário, é a
região da previsão e dos projetos. Esta percepção das “etapas tempo­
rais” sofre distorções importantes nos diversos estados patológicos.
Os maníacos e os depressivos percebem o futuro como vazio
ou bloqueado; certos paranóicos “sentem” que o passado pode ser
modificado, inclusive que alguém o modificou artificialmente. As
situações existenciais que o homem experimenta podem variar sua
percepção do tempo: José Solanes descreveu a incapacidade de ex­
perimentar o futuro imediato nos indivíduos desocupados, que de
há muito tempo atrás não podem conseguir trabalho. A perda do
senso-perceptivo do, futuro se traduz na incapacidade para planejar
a vida; esta perda do projeto existencial desemboca na desesperança
e na incapacidade para descobrir o sentido da vida.
Minkowski dividiu o tempo nas seguintes etapas: 1) passado
remoto; 2) passado mediato; 3) passado imediato; 4) presente; 5)
futuro imediato; 6) futuro mediato e 7) futuro remoto. Alguns
autores dividem os indivíduos — segundo sua percepção do tempo
e sobretudo tendo em conta sua orientação com respeito ao passado
e ao futuro — em prospectivos e retrospectivos. Finalmente, o tempo
pessoal está inserido no tempo cósmico; os esquizofrênicos, por
exemplo, vivem mais em seu tempo pessoal que no tempo do mundo,
e os depressivos, mesmo quando percebem ambas as dimensões tem­
porais, sentem que o tempo pessoal transcorre muito mais lentamente
que o tempo cósmico.
Seguindo o mencionado estudo de Ellenberger, veremos agora
o sentido da investigação fenomenológica do espaço de acordo com
a metodologia da análise categorial. Analogamente ao que ocorre
com a investigação fenomenológica do tempo em relação à explo­
ração desta categoria, realizada com a metodologia da psiquiatria
clássica, também a investigação do espaço adquire uma hierarquia
distinta, através da fenomenologia categorial.
Alguns fenomenólogos têm descrito espaços cinestésicos, táteis
e visuais; Binswanger define outras formas espaciais: “espaço his­
tórico”, “espaço mítico”, “espaço técnico”, “espaço estético”, etc.
Destacamos, de passagem, a importância estética de uma investiga­
ção fenomenológica do espaço plástico, principalmente na pintura
e na escultura contemporâneas. Ellenberger, no estudo citado, inves­
tiga o espaço nas pinturas de Chagall e em algumas expressões do
cinerama tridimensional.
A Pesquisa nas Ciências do Homem 75

Minkowski, por sua parte, distingue um espaço claro, um es­


paço escuro e o espaço luminoso dos místicos. O espaço m ístico__
obscuramente descrito pelos próprios místicos, por sua natureza
inefável — apresenta características surpreendentes: a “consciência
cósmica” (também descrita pelos místicos orientais), na qual se
fundem literalmente o sujeito e o objeto, e uma série de notas que
configuram uma verdadeira còincidentia oppositorum. Por exemplo,
a percepção de um espaço no qual a distância e a medida são
transcendidas porque espaços imensos estão contidos em espaços
pequenos; a visão do universo como um espaço ao mesmo tempo
cheio e vazio, inundado por uma luz ofuscante.
A patologia mental se reflete da mesma forma na fenomeno-
íogia do espaço, que apresenta distorções de maneira semelhante
à que se tem verificado nas experiências com a mescalina. Min-
kowski definiu a hipersimetria e o geometrismo mórbido dos esqui­
zofrênicos e a percepção patológica de uma “quarta dimensão”, onde
estão localizados invisíveis observadores (perseguidores) do enfermo
que, além do mais, lhe falam.
A categoria causalidade tem sido explorada fenomenologica­
mente no campo psiquiátrico: o melancólico é determinista e se
sente condicionado por um passado que ele não pode modificar nem
abandonar; o maníaco, pelo contrário, é indeterminista e, como vive
num mundo próprio marcado pela irresponsabilidade, tudo lhe parece
ocorrer pelo simples acaso; finalmente, os paranóicos interpretam
os fatos contingentes como atos intencionais de certas pessoas (de­
lírio persecutório).

Avaliação crítica da investigação fenomenológica

É fácil inferir que, por suas características e tamhém por sua


projeção na psiquiatria, que acabamos de explicar, o método feno­
menológico vem a ser mais adequado para a pesquisa nas ciências
humanas que nas ciências fáticas. Por outro lado, por pouco que
se pense em que os dois problemas cruciais da psicologia e da so­
ciologia são os de elaborar as respectivas teorias do homem que sir­
vam de base a suas interpretações, adverte-se para a importância de
contar com um procedimento de acesso ao indivíduo como o que
oferece o método fenomenológico.
Uma das técnicas mais fecundas da psicometria contemporânea
é a de Rorschaçh; entretanto, tropeça no irremediável obstáculo
de que, ao não haver constituído previamente uma teoria da perso­
nalidade, deve apoiar-se na que está implícita, por exemplo, na
doutrina psicanalítica. A antropologia freudiana foi proposta com
76 Os Métodos Atuais de Pesquisa

pretensões cientificas, mas, como o demonstraram os autores a que


aos referimos ao tratar da investigação psicanalítica, não foi legiti­
mada cientificamente.
A situação da sociologia contemporânea não é menos incô­
moda a este respeito, já que, ao tentar constituir-se em bases estri­
tamente científicas, tampouco conta com uma teoria do indivíduo,
chegando ao absurdo de aspirar a alcançá-la por um caminho indu­
tivo, depreciando os graves problemas do princípio de indução, ainda
sem solução satisfatória nas ciências fáticas, cuja pretensão ao rigor
científico está muito, mais justificada que a da sociologia.
O problema crucial destas ciências do homem pode ser reduzido
ao que Stephan Strasser chamou o dilema antropológico58: como
pode uma pessoa fazer do homem, como indivíduo, um objeto de
investigação empírica? O psicólogo que busca a caracterização da
conduta humana configura, ele próprio, certo comportamento, e o
sociólogo que intenta descobrir as características dos grupos hu­
manos não está à margem das situações sociais que quer investigar
objetivamente.
Por outro lado, o ser humano é sensível aos valores, elabora
projetos de vida e sente-se atraído por certos fins. Não parece fácil
alcançar um conhecimento objetivo de um ser mutável, efêmero,
solicitado por um mundo de valores que não se pode medir — e
muitas vezes nem sequer comparar — , perturbado por motivações
obscuras e por inclinações prospectivas. A atitude científica tende a
garantir a dualidade entre o observador e o observado, assegurando
a exterioridade do sujeito com relação1ao objeto investigado. Por isso,
os comportamentis tas acreditaram encontrar na observação do com­
portamento do homem um caminho seguro para estudá-lo. Em seu
livro sobre a psicologia considerada do ponto de vista do comporta­
mento (escrito em 1919), Watson afirmava que estudava o animal
■humano que tinha diante de si, observando suas reações como se
fossem as de uma ratazana, um gato ou uma ameba. Watson, como
muitos pesquisadores contemporâneos da psicologia, via na física
a ciência ideal para estudar o homem.
O método experimental da física — inclusive o emprego de cer­
toS mecanismos operatórios — mostra-se fecundo quando se ana­
lisam objetos inanimados, mas, quando o “objeto” é um homem, a
relação *sujeito-objeto apresenta características completamente novas.
A objetividade da ciência do homem é uma objetividade diferente: os53*

53 Stkamek, Stephan, Phenomenology and th é hum s» tr in c e i, Lovatna.


Êditiona E. Nauwdaerts, 1963, p. 7. .
A Pesquisa nas Ciências do Homem 77
seres humanos não sãq “objetos” e suas atitudes não são «impUg
“nsações”. Em síntese, a relação básica, neste caso, não é de “sujeito*
objeto”, mas de “sujeito-sujeito”.
Buytendijk64 chamou encontro a esta relação sujeito a sujeito,
postulando um estudo do homem a partir de uma concepção ontoló-
gica que supere essa cisão entre o indivíduo e o mundo, que foi —-
como dizia Binswanger — o “câncer da psicologia”. Em um
análogo expressara-se Sartre em seu livro sobre as emoções: “Se quere­
mos fundamentar uma psicologia, será necessário que nos remontemos
a um nível mais alto que o psíquico, mais alto ainda qüé a situação
do homem no mundo, até a origem do homem, do mundo e do psí­
quico”.
A fenomenologia psiquiátrica é uma supuração do positivismo
médico que conduziu à coisificação do homem. A concepção de um
saber médico baseado na observação e na experiência e organizado
racionalmente conduziu à autonomia da medicina; «n»», à
que se constituía como ciência, deixava de ser arte. A medicina po­
sitivista concebia o homem como um animal complicado e relegava
ao teólogo ou ao metafísico o estudo da alma. Para que «irgi*— a
jnedicina psicossomática foi necessário partir de uma «ntroprJrtgti.
psicobiológica, o que supõe a unidade substancial do soma e da
psique. O homem não é nem corpo nem alma, nem tampouco a
soma de ambos, mas uma unidade indivisível que se reflete em
aspectos psicossomáticos. O grande mérito da psicologia profunda
foi a passagem de uma psicologia racional unipessoal a uma psico­
logia bipessoal.
Mas o homem não está só, faz parte de diferentes grupos, nos
quais desempenha papéis determinados: a família, o trabalho, o es­
tudo, o esporte. Entre os integrantes de um grupo há tuna com­
pleta interação; sobretudo, manifesta-se uma realidade diferente da
que apresenta a situação bipessoal. Desse modo nasceu a p-tícnlogía
de grupos ou psicologia social, que apresenta uma direção psicoló­
gica e outra social. A psicologia industrial, a análise motivacional
e as relações humanas são uma microssociologia de intenção social,
ao passo que a psicoterapia de grupo é a microssociologia do psicó­
logo e do médico. A primeira procura conhecer o comportamento
coletivo através do estudo de grupos representativos; a segunda pes­
quisa pequenos grupos em benefício de um conhecimento do indi­
víduo.54

54 Buytendijk, F, J. J,, Phinoménologie de la rencotttre, Detdée de Brou*


wer, 1952. .
78 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Szasz e HoUander escreveram três “modelos” básicos da relação


médico-paciente: 1) atividade-passividade, em que o médico trata
do enfermo sem contar com sua cooperação; 2) guia-cooperação,
quando ambos são ativos, mas o médico ordena e o enfermo coope­
ra cumprindo as instruções, je 3) participação mútua entre o médico
e o paciente, quando ambos atuam baseados em uma compreensão
recíproca. Estes três modos de relação corresponderíam — segundo
os citados autores — às relações pai-criança, pai-adolescente e pai-
adulto, respectivamente. A relação sujeito a sujeito, ou encontro, só
se pode apresentar na terceira forma das relações explicadas, como
veremos.
Antes de analisar este importante conceito de Buytendijk, cabe
uma pergunta; em que se funda o condicionamento social dos trans­
tornos mentais que deu origem à psicossociologia médica? A resposta
foi proposta por Van den Berg, um brilhante discípulo de Buyten­
dijk e Binswanger, o qual afirma que os fatores que neurotizam o
homem são de origem social e que, por isso, em vez de chamá-la
“neurose”, dever-se-ia denominá-la “sociose”5556, já que a enfer­
midade é produzida pela própria sociedade. Esta importante dis­
tinção abre uma nova pergunta: qual deve ser, então, a finalidade da
psicoterapia?
Erich Fromm — que não foi em vão discípulo de Buber —
distingue a terapêutica de adaptação da medicina da alma. A psico­
terapia de adaptação — tal como a pratica a maior parte dos psico-
terapeutas — tem a finalidade de conseguir que o enfermo se adapte
aos grupos que integra, isto é, que se conduza como a maioria das
pessoas de seu meio cultural. Mas o que significa adaptar-se? Nada
m a is nada menos que transformar o mal que sofre o enfermo em
um mal análogo ao que a sociedade, da qual faz parte, padece66.
A medicina da alma, ao contrário, implica uma ética e até uma
metafísica: o médico da alma não busca a adaptação do paciente a
seu meio; investiga quais são as leis imutáveis da criatura humana,
em um nível moral e espiritual, e até que ponto foram vulneradas

55 Van den B erg, J. H ., Melablítica, Buenos Aires, Ediciones Carlos Lohlé,


1963, p. 119-190.
56 Salinger, o talentoso autor de E l catador oculto, discorre graciosamente
sobre a psicoterapia em um livro recente, Framny y Zooey, concluindo que todo
mistério consiste em readaptar a pessoa às delícias da televisão, do semanário Life,
das viagens pela Europa e da bomba de hidrogênio, “entre outras coisas muito
normais” .
A Pesquisa nas Ciências do Homem 79
ou esquecidas. Registremos o sugestivo fato de que o conceito de
medicina da alma pertence a Platão87.

Valor instrumental da noção de encontro

De acordo com Buytendijk e Strasser, podemos definir a noção


de encontro como a comunicação de pessoas entre si em uma si­
tuação significativa para ambas. Um antecedente esquecido ou talvez
simplesmente ignorado é a descoberta do conceito de encontro por
J. L. Moreno durante a Primeira Guerra Mundial. £ importante des­
tacá-lo, porque o sociodrama teve sua origem na idéia de um “en­
contro face a face” — como diz Moreno58 —, e as técnicas psico
e sociodramáticas provaram sua validez, tanto no terreno da pes­
quisa como no da terapêutica.
Moreno — que desenvolve seu trabalho a partir da psicanálise
freudiana, porém à margem da fenomenologia — publicou em 1971
um livro que intitulou Convite ao encontro: encontro significa
algo mais vivo e real que a expressão “relação interpessoal”, porque
quer expressar que duas pessoas se encontram para viver e experi­
mentar-se mutuamente, com toda sua 'força e sua debilidade, cons­
cientes de seus objetivos comuns. Apenas as pessoas que se encon­
tram mutuamente formam um grupo natural, uma sociedade real
de seres humanos, isto é,< de pessoas. A situação psicodramática —
como a chamará mais tarde Moreno — supera a situação psicana­
lítica. Nesta, a relação se .desenvolve em um só sentido, isto é, na
medida do paciente; aquela, por outro lado, é um encontro entre
duas pessoas. Vejamos agora a utilização da noção de encontro na
psicologia existencial.
Embora o encontro suponha uma relação recíproca, reciproci­
dade não significa necessariamente simetria. Se uma pessoa decide
buscar um amigo, o encontro, devido à reciprocidade da amizade
e do afeto, é significativo para ambos, mas, para quem o promoveu,
possui um significado adicional que rompe a simetria da comuni­
cação. Pode-se, inclusive, falar da possibilidade do encontro indireto,
com pessoas que já não existem, através de suas obras.
A coexistência não é a comprovação de várias existências dadas
simultaneamente em um intervalo espaço-temporal. Ao contrário,
coexistir é tuna situação originária onde o con não é agregado: é a

,57 Sobre as relações entre a filosofia platônica e a medicina grega, veja-se


na Paidcia de W. Jaeg er o capítulo intitulado “ La paideia médica".
' 58 Mobeno, J . L,, Psicodrama, Buenos Aires, Ediciones Hormé, 1961, p. 356.
80 Os Métodos Atuais de Pesquisa

condição básica dos existentes. O con é anterior, e não subseqüente,


é um dado inicial.
O sentido da coexistência é a solidariedade, que, para Min-
lcowski, é uma noção mais adequada que a reciprocidade (à qual nos
referimos anteriormente) por ser mais profunda e original. Em sín­
tese, existência autêntica é coexistência e coexistência é solidarie­
dade.
Pelo fato de viver em sociedade, todos pertencemos a diferentes
grupos e, em conseqüência, desempenhamos papéis distintos: empre­
gado, chefe, estudante, professor, irmão, ele. O desempenho dos
papéis nos impõe formas rituais que se traduzem em palavras, gestos
e atitudes corporais e psíquicas mais ou menos convencionais. Se
analisamos mais profundamente o desempenho dos papéis na inter-
relação humana, comprovamos que as respectivas situações podem
ser vividas em diversos níveis de profundidade, isto é, com maior
ou menor autenticidade. Chegamos assim à idéia de que na inter-
relação humana se realizam encontros entre as pessoas e que estes
encontros, da mais variada natureza, podem ser autênticos e inautên-
ticos.
Merleau Ponty dizia que “o comportamento e as palavras do
outro não são o outro”. No encontro aparente, acreditamos conhecer
o homem porque o definimos através de seus atos ou baseando-inos
no que ele possa dizer-nos de si mesmo. Este não é um encontro
real; há nele uma presença inautêntica que é, na realidade, ausência.
Reciprocamente, uma pessoa fisicamente ausente pode estar pre­
sente, se há um encontro autêntico.
No encontro autêntico, o homem está presente em sua essência,
que é sua existência, e a autenticidade do encontro se manifesta no
olhar, no gesto, na mímica, no sorriso e até no silêncio. A comuni­
cação ou a não comunicação das pessoas depende de que haja ou
não encontro real entre elas.
A presença física é uma condição necessária, mas não suficiente
do encontro. Duas crianças que brincam sob a vigilância de um
preceptor podem participar de um encontro inautêntico, enquanto
que essas duas mesmas crianças, trocando pontapés sob a mesa na
qual preparam seus deveres, participam de um encontro real.
Como duas posições extremas de encontro autêntico ou inau­
têntico, podem-se mencionar o encontro solene e o encontro amo­
roso, respectivamente. A solenidade nas relações humanas traduz-
se em convencionalismo, artifício, afastamento ritual. O encontro
amoroso é, por sua vez, real.
As formas de relação entre os sexos expressam encontros reais
ou aparentes. Por exemplo, a relação puramente sexual é, na rea-
A Pesquisa nas Ciências do Homem 81
1idade, encontro inautêntico. Apenas há encontro real no amor.
Compreende-se, assim, a fenomenologia do amor como uma comu­
nidade dialógica por um encontro autêntico.
Na noção de encontro adverte-se a influência de Buber e de
Binswanger. Ludwig Binswanger, discípulo de Bleuler, Freud e pos­
teriormente de Heidegger, é o criador, juntamente com o já riitadn
Minkowski, da psiquiatria existencial. Segundo Binswanger, a pes­
soa muda segundo os modos de sua existência, que pode ser dual,
plural, singular e anônima.
A existência anônima é q modo de viver do indivíduo imerso
na coletividade, confundido no anonimato da massa. O soldado que
mata, na guerra, um homem a quem não conhece vive esse modo
de existência anônima. Algumas pessoas buscam este existir inau­
têntico como. uma via de escape ao conflito que supõe viver com
os outros homens. £ o que Heidegger denominou o “se” {M an).
A existência singular significa viver por e para si mesmo: é
a relação de um homem consigo mesmo, relação que inclui a que
se mantém com o próprio corpo. As duas situações extremas da
existência singular são o autismo esquizofrênico (patologia) e a
solidão fecunda do gênio.
A existência plural é o campo da competência e a luta com os
demais, entre os demais. Uma maneira de escapar à existência plural
pode ser o anonimato.
A existência dual corresponde ao que descrevemos anterior­
mente como encontro. A forma de existir dual manifesta-se de várias
maneiras: o encontro mãe-filho, irmão-irmã, esposo-esposa, etc. Me-
dard Boss59 utiliza o conceito de modos de existência para analisar
a estrutura das relações matrimoniais. Assim, por exemplo, o ma­
trimônio normal se baseia na existência dual; o modo singular ou
o plural — ambos tão correntes em nosso tempo — são algum as de
suas degradações. ‘
Binswanger sofreu a influência do filósofo Martin Buber, a que
é mais patente em sua definição da existência dual. Segundo este
filósofo, as relações humanas se expressam através de duas “pala­
vras primordiais”, que são: 1) “eu-ele” e 2) “eu-tu” . A primeira
refere-se ao modo objetivo de relação com o mundo das coisas, da
experiência material. Quando um físico observa um fenômeno da
natureza, estabeleceu com ele uma relação eu-ele. Mas também

® Psiquiatra existencial, apenas se conhece em castelhano um livro deste


autor, Psicoonáhns y otmUtica existencud, publicado na Espanha pela editora Ciett-
tifico-médica, em 1958.
82 Os Métodos Atuais de Pesquisa

pode-se dar esta forma de existência em outras inter-relações hu­


manas, como a do médico-paciente. Quando um médico considera
o paciente “um caso" (uma simples “ficha” ), mesmo quando o
estuda com o máximo rigor científico, na realidade coisificou-o,
porque estabeleceu com ele uma relação eu-ele.
A palavra primordial eu-tu reflete a autêntica relação humana
existencial. O modo de existir traduzido pela palavra primordial eu-
tu é basicamente uma relação de amor e corresponde ao que Buy-
tendijk chama encontro autêntico. Buber sustenta que a verdadeira
dimensão humana apenas existe autenticamente na relação eu-tu,
que é, ao mesmo tempo, a condição essencial do diálogo. Por isso,
para Buber, a essência da pessoa se dá somente na situação de diá­
logo, que — de acordo com Buytendijk — é a expressão do encon­
tro autêntico.
Através do conceito instrumental de encontro, penetramos na
nova dimensão da fenomenologia psiquiátrica: a análise existencial
ou antropologia médica ontoanalítica. Tanto uma como outra forma
de psiquiatria emprega o método fenomenológico, mas podem-se
assinalar algumas diferenças entre ambas. A fenomenologia circuns­
creve-se à descrição e compreensão da consciência; a análise exis­
tencial dirige-se à própria existência. Dia mesma forma que a pri­
meira insiste em registrar a unidade do mundo individual, a segunda
destaca os diversos modas de- existência, que podem inclusive entrar
em conflito entre si.
A IN IC IA Ç Ã O NA IN V E S T IG A Ç Ã O F IL O S Ó F IC A

O prestígio atual do trabalho de pesquisa e o uso desmedido


do vocábulo no âmbito universitário e fora dele (inclusive no jor­
nalismo e através de outros meios de comunicação de massa) tem
levado, explícita ou implicitamente, a formas ambíguas de trabalho
universitário que conduzem, em definitivo, à progressiva deteriora­
ção da verdadeira pesquisa. Estas considerações poderíam estender-
se à investigação científica em geral — e, em certa medida, a temos
levado em conta ao longo deste livro —, mas nosso objetivo, neste
momento, é circunscrever-nos ao problema da investigação no campo
da filosofia.
Deve-se começar por distinguir três níveis: a) a formação de
pesquisadores; b) a iniciação na investigação e c) a investigação em
sentido estrito. Os seminários de filosofia, por exemplo, têm por
finalidade essencial a preparação dos estudantes para futuras tarefas
de investigação. Por isso, esses professores que convocam os jovens
“para pesquisar” enganam os alunos (e se enganam a si próprios). Por
outro lado, os seminários são úteis e cumprem sua razão de ser quando
exercitam os alunos no uso correto dos instrumentos necessários
para a investigação filosófica: obras de referência, fontes, dicioná­
rios e enciclopédias, léxicos gerais e especiais. Neles deve-se aprender
também a organizar interior e exteriormente um escrito (ensaio,
livro, tese, artigo) e iniciar-se na redação, na análise semântica dos
escritos filosóficos e na crítica objetiva e rigorosa.
Entre os perigos que espreitam esta forma de trabalho univer­
sitário registraremos dois dos mais freqQentes: a conversão do se­
minário em uma aula magistral, com pouca ou nenhuma partici­
84 Os Métodos Atuais de Pesquisa

pação dos alunos, e a deformação do trabalho de estudo, transfor­


mado em erística pedante ou em dialética superficial.
Como a finalidade deste capítulo é a iniciação na investigação
filosófica, deixá-la-emos para o final, tratando agora da investigação
filosófica em sentido estrito. Este tipo de investigação compreende
dois planos: a criação original e os estudos de história da filosofia.
O trabalho original, que constitui o sentido e a razão de ser da
filosofia, traduz-se nas grandes obras filosóficas. Uma larga tra­
dição ocidental tem depreciado a filosofia não escrita, isto é, o ensino
oral; todavia, os grandes mestres da metafísica oriental centraram
seus ensinamentos na tradição oral, e, inclusive no Ocidente, co­
nhecemos alguns representantes desta forma de filosofar: Pitágoras .
e Sócrates.
O filósofo original “traduz”, em uma linguagem que em muitos
casos lhe é própria, seu conhecimento de uma realidade quase sempre
inefável e única. O grau de legitimidade de seu conhecer depende
da “agudeza” e da “penetração” de sua “visão”, e a coerência e
o rigor de sua linguagem estão condicionados por sua capacidade
para “traduzir” o que viu ou acreditou ver. Isto explica as dife-1
rentes formas que a linguagem dos filósofos originais assume: o
poema, a autobiografia, o tratado científico, a descrição fenomeno­
lógica, o relato simbólico e o uso das analogias, alegorias e metáforas.
Parmênides, Xenófanes e Empédocles escreveram poemas e a maior
parte dos textos de metafísica oriental também foram escritos em ver­
sos. Todavia, tanto os hexâmetros gregos de Parmênides como os
hinos do Rig Veda ou as estâncias do Tao-Te-King têm uma intenção
metafísica antes que estética.
A obra de filosofia original está escrita, portanto, em uma lin­
guagem também original, mesmo quando seja possível assinalar um
uso generalizado da linguagem corrente em função técnica e do voca­
bulário filosófico canônico. Para usar expressões da semântica filo­
sófica contemporânea, diremos que a linguagem do filósofo é uma
linguagem de objeto, enquanto que a linguagem do historiador da
filosofia é uma metaUnguagem, isto é, uma linguagem sohre outra
linguagem. As peculiaridades das respectivas linguagens de objeto
dos filósofos justificam a existência de léxicos especiais. Por exem­
plo, para a filosofia antiga, o Lexique de la langue philosophique et
religieuse de Platon, de Edouard des Places (Paris, Les Belles Lettres,
1964); para filosofia medieval, o Dictionary of scholastic phüosophy,
de Bernard Wuellner (Bruce, 1956); para filosofia moderna, o He-
get~Lexlkon, de H. Glockener, em 4 volumes, apêndice à sua edição
das obras completas (Stuttgart}; para filosofia contemporânea, o
A Iniciação na Investigação Filosófica 85

Index zu Heideggers "Sein und Zeit”, de Hildegard Fieck (Nie-


meyer, Tubinga, 1961 ) 59a.
O problema se complica ainda mais quando se trata de pensa­
dores orientais, sobretudo quando traduzidos em línguas modernas,
pela diferença essencial existente entre estas e as línguas sagradas
ou metafísicas originais. Na realidade, toda tradução de um texto
oriental exige o conhecimento da doutrina que o informa e somente
pode ser realizada através de uma versão com notas explicativas.
A criação filosófica — como a invenção ou a descoberta cien­
tífica — não obedece a fórmulas nem receitas: é um fato misterioso
que se dá em certos homens privilegiados. Os pesquisadores de um
segundo nível, isto é, os historiadores da filosofia, devem considerar
muito cuidadosamente as características da obra de filosofia original
para melhor cumprir seu encargo. Inclusive, a tarefa do historiador
da filosofia deve ser precedida por um penoso trabalho de estabe­
lecimento do texto. ■

Estabelecimento e edição dos


textos filosóficos

Poucos estudantes conhecem o árduo e prolongado trabalho


que, através de gerações de estudiosos, conduz ao estabelecimento
de um texto filosófico. £ certo que as dificuldades são maiores
quando se trata de filósofos da antiguidade, mas também as obras
de autores mais próximos de nós, inclusive as de alguns contempo­
râneos, apresentam problemas difíceis de resolver. Em primeiro
lugar trabalham os paleógrafos, filólogos e codicólogos; grande parte
dos textos que chegaram até nós — sobretudo os Fragmentos dos
pré-socráticos — deve-se ao trabalho dos doxógrafos. Suas recopi-
lações de textos extraídos de obras perdidas são a base dos es­
tudos tendentes ao estabelecimento científico do texto respectivo.
Um simples erro de pontuação pode mudar fundamentalmente
o significado de um fragmento de Heráclito, como já o salientava
Aristóteles. Mas, por outro lado, desde Platão até Heidegger; pas­
sando por Aristóteles, os neoplatônicos, os gnósticos e os pais da
Igreja, cada um leu Heráclito à sua maneira. P. M. Schuhl59b mos-*59

59a Uma enumeração muito útil de léxicos especiais de filósofos pode ser vista
em H enry J . Koren, Research in philosophy, Lovaina, Duquesne University Press
1966, p. 98-102.
59 b Les teckniques du philosopke et ses moyens de travail, no tomo X IX :
Philosophie-Religion de la Encyclopídie Françaije, Paris, Larousse, 1957, p. 19­
20-21 e segs,
86 Os Métodos Atuais de Pesquisa

trou como diferentes leituras u.^s primeiras palavras do fragmento


63 do “obscuro de Éfeso” desembocaram em diferentes interpreta­
ções. Heráclito teria sustentado a existência de Deus, segundo alguns;
de “um Deus”, segundo outros; ou de “nenhum Deus”, se aceitamos
uma terceira interpretação.
Dos ISO manuscritos dos Diálogos platônicos que chegaram
até nós agrupados em três “famílias” pelos eruditos, apenas 12 são
anteriores ao século xni. Estes manuscritos são obras de copistas
que, em muitos casos, tinham apenas uma vaga idéia do sentido da
obra e cometiam erros, devido à incompreensão e mesmo à dis­
tração.
As obras de Platão, por exemplo, foram transcritas em rolos
de papiro, muito difíceis de ler (apesar de serem destinados à
leitura pública), devido a faltas de acentuação, de separação entre
as palavras e à carência de sinais de pontuação. Schuhl explicou
(ver obra citada) como esta falta de separação entre as palavras
gera problemas insolúveis: apesar de possuir dois manuscritos do
texto da República, não podemos estabelecer univocamente quais
são as relações entre o ser e o conhecer (de acordo com as diferen­
tes leituras da mesma passagem — já célebre — do livro V I).
Posteriormente, os rolos de papiro, de tão difícil leitura, foram
substituídos por códices de pergaminho e, em conseqüência, foi
necessário transcrever o texto. Mas, como os pergaminhos eram
muito caros, às vezes apagava-se um texto e escrevia-se outro sobre
ele; a esses manuscritos dá-se o nome de palimpsestos Schuhl, na
obra citada (que contém, além disso, uma bibliogra completa
sobre os problemas do estabelecimento, da transmissão <. ia edição
de textos filosóficos), faz referência a um fragmento do tarm ênides
desentranhado de um palimpsesto mediante reagentes químicos.
De inestimável valor — sempre que se mantenha dentro de
seus justos limites — é a crítica filológica, que examina as diversas
formas dos textos, suas variantes e inclusive os escólios que acom­
panham os manuscritos. Ainda que os riscos do filologismo já tenham
sido destacados por Nietzsche (que era um filólogo, além de filó­
sofo) e, mais recentemente, por Heidegger, deve-se admitir o ad­
mirável trabalho de um Zürcher, por exemplo, com respeito ao esta­
belecimento, pelo método filológico, da verdadeira obra aristotélica.
Na edição de textos modernos, também se apresenta o pro­
blema do estabelecimento definitivo dos textos, e — como bem o
destaca Schuhl — edições como a de Descartes, de Adam e Tan-
nery não existem em abundância, por certo. Henri Gouhier, por
exemplo, assinalou um grave erro de leitura devido a A. de la
Valette Mombrun em sua edição do Diário de Maine de Biran:
A Iniciação na Investigação Filosófica 87

referindo-se ao ser superior, fá-lo dizer a Maine de Biran que este


“põe todas as vontades em harmonia com a Ciência” quando, na
realidade, havia dito “com a sua".
Com relação à obra de Nietzsche, Roos destacou que a maioria
das edições baseadas em documentação da irmã do filósofo está
prejudicada por cortes e deformações sem número. Por isso, em
alguns países tem-se empreendido a tarefa de reunir as publicações
de seus filósofos em um corpus único que assegure a fidelidade e a
correção científica dos respectivos textos (por exemplo, na França,
para os filósofos franceses).

Como inicior-se no investigação filosófico

Um procedimento adequado para iniciar-se na investigação fi­


losófica é a preparação de monografias e teses de grau, como as
que se realizam em nossas Faculdades de Filosofia, semelhantes às
que se elaboram nos institutos superiores de humanidades de outros
países. Múltiplas são as questões que podem dar origem a uma tese;
desde um tema histórico até um problema, uma doutrina ou um
autor, um modo não frequente, apesar de suas grandes vantagens,
de introduzir-se na investigação é a preparação de traduções críticas
de obras filosóficas.
Antes de mais nada, deve-se hierarquizar o trabalho dos tra­
dutores, que tem sido e é realizado inclusive por grandes filósofos,
mas, além disso, é estimável a tradução dotada do aparato erudito.
que converte a tarefa do tradutor em um importante trabalho de
investigação útil para si e, por certo, para a comunidade universitária.
Para que uma tradução seja aceita como um trabalho de investi­
gação, deve-se modelar em uma edição críticiTque implica: estabeleci­
mento do texto, notas, introdução e bibliografias. U estabelecimento
do texto do autor traduzido implica, ãlèm disso, a verificação das
citações, bem como, quando possível, a determinação das notas
anônimas.
As notas devem cobrir um amplo campo: (aj semântica, isto é,
esclarecimento de conceitos obscuramente expostos pelo autor;
determinações de fontes e influências: ^ exáme~crítico e ^ - atua­
lização g projeções do pensamento do autor. Com respeito à biblio­
grafia — "e estas considerações podem ser estendidas, muiatis mu-
tandis, a todo trabalho de investigação —, não se deve ceder à
tentação de compor bibliografias completas do ponto de vista quan­
titativo. Tampouco se.deve entender a atualização bibliográfica nesse
mesmo sentido; um registro de iodas as publicações sobre um tema
aparecidas nos últimos anos é realmente impossível. £ de se pensar
88 Os Métodos Atuais de Pesquisa
o que significa, no campo da bibliografia filosófica, uma produção
anual de 8 000 volumes aproximadamente. E se considerarmos os
estudos realizados sobre filósofos como Platão, Descartes, Kant e
outros, encontraremos milhares de trabalhos sobre cada um deles. Não
apenas não seria suficiente o tempo dedicado à investigação em
questão para recorrer a todos esses livros, como tampouco bastaria
o período de toda uma existência humana.
Antes de se compor uma bibliografia, deve-se pensar com que
finalidade se a prepara. Por isso, deve-se comecar oõr conhecer os
diversos tipos de bibliografias possíveis: Ta) exaustiva, que pretende
incluir todos os trabalhos sobre o tema tratado; (M seletiva, que
inclui apenas certas obras especialmente escolhidas~td^ introdutória
óu gerai;(<í) crítica, na qual se analisa sinteticameote o espírito das
obras incluídas.
O estudo preliminar deve expor as fontes do autor, a estrutura
e o desenvolvimento de seu pensamento, realizar uma análise crítica
da doutrina e considerar suas aplicações e projeções possíveis na
atualidade59".

O temo do investigação

Já nos referimos, em outra parte desta obra, ao problema me­


todológico da escolha do tema de pesquisa; agora trataremos espe­
cificamente da questão do tema de um estudo filosófico. Se ã escolha
recaiu sobre um autor, uma condição prévia e sim qua non é o
conhecimento da língua original do filósofo que se quer estudar. Por
exemplo, é imprescindível ler em grego para investigar sobre Platão;
lem alemão, para estudar nemegger; em inglês, para indagar sobre
o pensamento de Russell. Não ocorre o mesmo quando se trata de
estudar certas doutrinas ou problemas determinados dentro da filo­
sofia. Ê evidente que ninguém podería realizar uma investigação no
campo da história e da filosofia do budismo, do islamismo e do tao-
ísmo sem o conhecimento do sânscrito e do pali, do árabe e do persa,
e do chinês. Todavia, é possível trabalhar em história comparada das
religiões sem possuir o domínio das respectivas línguas orientais,
pela simples razão de que o estudo comparado baseia-se nos textos
já elaborados por especialistas. Um estudioso como Mircea Eliade,

59 c Como um simples exemplo da realização de um trabalho de investigação


baseado na tradução e edição crítica de um clássico da lógica simbólica, veja-se
A. Asti Vera, Gtorge BooU, precursor de la lógica simbólica, Buenos Aires, De­
partamento de Filosofia de la Faculdad de Filosofia y Letras, 1968.
A Iniciação na Investigação Filosófica 8Ô

por exemplo, não necessita de um conhecimento especial de línguas


orientais para trabalhar em história comparada das religiões, mas
lhe é imprescindível um bom manejo das línguas modernas nas quais
os estudos especiais têm sido redigidos.
Com relação ao estudo das línguas clássicas (grego, latim),
convém advertir que sua finalidade, numa escola de filosofia, não
é o domínio exaustivo, salvo se se trate de estudiosos que devam
consagrar-se a estudos filológicos muito especializados. £ preciso
possuir um conhecimento suficiente que permita abordar sem difi­
culdades as edições críticas produzidas pelos especialistas e as inves­
tigações especializadas dos helenistas ou medievalistas.
A escolha de certos temas exige, ainda, uma formação e até
uma informação especial. Por exemplo, um estudo sobre o meca-
nicismo e o finalismo em biologia — tema de filosofia na biologia —
exige conhecimentos biológicos; analogamente, uma investigação
sobre a causalidade na física moderna não pode ser empreendida
sem conhecimentos de física teórica, assim como uma indagação
sobre axiomática requer uma formação lógico-matemática. Em sín­
tese, a investigação epistemológica implica certa formação científica
prévia.
A posse de conhecimentos suplementares ou auxiliares também
é condição prévia para o acesso às investigações estéticas. Como
seria possível levar a cabo um estudo sobre q sentido da escala pita-
górica sem noções claras de teoria musical e harmonia? Os pro­
blemas da estética literária exigem conhecimentos especiais de lite­
ratura, e cabe formular considerações análogas sobre as investiga­
ções que se realizem no campo da estética dramática, plástica ou
arquitetônica. Em certos estudos muito especializados — como na
estética oriental — requer-se, além disso, uma formação filosófica
determinada, como se adverte, por exemplo, nos notáveis trabalhos
de Ananda Coomaraswamy. Neste caso, sem um profundo conhe­
cimento da metafísica oriental, o sentido da arte do Oriente é um
enigma sem chave.
A organização da estrutura do trabalho, seu desenvolvimento
e a conclusão já foram expostos em outra parte deste livro, e seu
tratamento geral possibilita sua aplicação direta no campo da inves­
tigação filosófica. Resta-nos somente fazer referência aos instru­
mentos intelectuais da investigação filosófica.

O "laboratório" filosófico

Os fisiólogos, os químicos ou os zoólogos necessitam de labora­


tórios para realizar suas pesquisas; o filósofo, como o matemático,
90 Os Métodos Atuais de Pesquisa

usa um único instrumento, seu pensamento. A investigação filosófica


tem necessidade de livros. Ê evidente, então, que a iniciação na pes­
quisa começa com a organização de fontes bibliográficas. O “labo­
ratório” filosófico assenta-se, pois, na informação escrita e oral, mas
fundament^lmente na primeira.
A informação oral — que posteriormente se converte em in­
formação escrita — cumpre-se nos congressos de filosofia, nacionais
e internacionais. Um congresso de filosofia deve aceitar apenas co­
municações técnicas originais, isto é, trabalhos de investigação que
logo serão submetidos a discussão. Na prática, não é necessário
comparecer a um congresso filosófico para conhecer os trabalhos
apresentados, porque quase sempre (sobretudo se o congresso tem
importância internacional) as comunicações são recolhidas em atas,
incluindo às vezes as discussões, ainda que sinteticamente. A fina­
lidade dessas reuniões se cumpre se os especialistas trocam informa­
. -ções sobre suas respectivas investigações. No campo da filosofia rea­
lizam-se congressos internacionais desde 1900, data em que teve
lugar o primeiro deles, em Paris; no ano de 1968 efetuou-se o XIV
Congresso Internacional de Filosofia na cidade de Viena.
A informação escrita é transmitida através das revistas filosó­
ficas, de publicação periódica. Com relação à periodicidade de sua
-aparição, existem diversos critérios, desde o que presidiu a publi­
cação quinzenal do Journal of Philosophy até o critério segundo o
qual L ‘année philosophique é publicado uma vez por ano. É evi­
dente que uma publicação quinzenal deverá dispensar maior impor­
tância ao aspecto informativo (notícias sobre reuniões, congressos,
colóquios, publicações, etc.) que aos estudos de fundo. Também
é fácil ver que a situação inversa deve orientar a preparação das
revistas anuais. Outras vezes, a freqüência ou a expansão no tempo
da publicação de uma revista de filosofia depende de fatores eco­
nômicos (este tem sido o caso mais comum entre nós).
Cabe agora perguntar-se em que medidas podem ser utilizadas
as revistas nos trabalhos de investigação filosófica. Antes de mais
nada, é necessário que os artigos estejam fichados, do contrário seu
manejo é árduo e sempre incompleto. Em geral, o conteúdo das
revistas de filosofia assim se distribui: a) ensaios; b) críticas de
livros; c) crônica sobre reuniões e congressos e d) lista de publi­
cações recebidas. Um aspecto importante que se costuma observar
nas revistas são as traduções de textos clássicos hoje raros.
Assim como, para usar um instrumento na pesquisa física ou
biológica, deve-se conhecer previamente a lei do instrumento, ana­
logamente, para utilizar com eficácia as revistas de filosofia, devem-
se conhecer suas características e a finalidade de sua publicação.
A Iniciação na Investigação Filosófica 91
H á revistas de filosofia nacionais e internacionais, gerais e espe­
ciais. As primeiras são as que se publicam nos respectivos países
(inclusive no nosso). Entre as revistas internacionais, recordaremos
as seguintes: International Philosophical Quarterly, editada pela Uni­
versidade de Fordham e o Belgiam Berchman’s Philosophicum
(desde 1961); a Revue Internationale de Philosophie, publicada
em Bruxelas, desde 1938, em vários idiomas e Dialética, fundada
por F. Gonseth em 1947 (Neuchâtel).
Entre as revistas nacionais de filosofia5911, mencionaremos as
seguintes:
França: 1) La Revue Philosophique de la France et de 1’Êtran-
ger, fundada em 1876, teve, a princípio, um espírito extremamente
cientificista. Atualmente preocupa-se com a investigação filosófica,
sem descuidar do pensamento científico.
2 ) La Revue de Metaphysique et de Morale, fundada em 1893,
tem por finalidade — como o declarou em seu primeiro número —
“a publicação de artigos de fundo inspirados na preocupação de
trazer mais teorias e conclusões que observações e experiências’'.
Até hoje tem conservado sua tendência espiritualista e metafísica,
destinada a contrabalançar o excessivo desenvolvimento do cienti-
ficismo no campo filosófico.
Além disso, os estudiosos franceses publicam revistas sobre
aspectos especiais da filosofia (estética, filosofia das ciências, história
das ciências, filosofia das religiões, etc.)B8e.
_ Bélgica: La Revue Philosophique de Lauvain é talvez a mais
importante revista tomista do mundo. Em 1946, mudou seu nome
original, Revue Nédscholastique, pelo atual. Publica um excelente
repertório bibliográfico em fascículos.
Alemanha: Logos, órgão da fenomenologia de Husserl.
Itália: possui uma extensa produção de revistas de filosofia,
entre as quais recordaremos Methodos, dedicada a problemas lógicos,
epistemológicos e semânticos, e a importantíssima publicação inti­
tulada Archivio di Filosofia.*59

S9d Por razões óbvias, não podemos enumerar aqui a totalidade —* nem
sequer uma parte considerável — das revistas de filosofia que se publicam atual­
m ente no mundo, Uma informação correta e completa pode-se encontrar no livro
já citado de H. Koren.
59 e Uma enumeração completa das publicações da França pode-se encontrar
no capítulo intitulado R iparíition giograpkique, incluído no estudo' já citado de
Schuhl. •
92 Os Métodos Atuais de Pesquisa

Grã-Bretanha: Mind, fundada em 1876, paga seu tributo ao posi­


tivismo. As revistas Analysis t The British Journal for lhe Philosophy
of Sciences especiaiizam-se em lógica e epistemologia, respectiva­
mente.
Estados Unidos da América: publicam-se revistas gerais e es­
pecializadas. Além do Journal of Philosophy, ja citada, cabe registrai
The Philosophlcal Review, fundada em 1892, a revista mais impor­
tante dos Estados Unidos da América. Uma revista especializada va­
liosa é o Journal of Symbolic Logic, que inclui sistematicamente nu­
merosas resenhas bibliográficas sobre o tema. O Philosophy and Fe-
nomenological Research, criado em 1944 como o órgão da Sociedade
Internacional de Fenomenologia, inclui hoje grande quantidade de
artigos de inspiração neopositivista (como grande parte das publi­
cações desse país), mas também tem publicado trabalhos de autores
russos e latino-americanos.
Citaremos algumas das revistas dedicadas a aspectos especiais
da filosofia:
Philosophy East and West, publicada pela Universidade do
Havaí a partir de 1951, especializada no estudo da filosofia com­
parada do Oriente e do Ocidente; Foundations of Language, publi­
cada por Dordrecht (Holanda); The Hibbert Journal, dedicada ã
filosofia da religião e à teologia protestante; Classwal Quarterly,
publicada em Londres desde 1906, inclui muitos artigos sobre filo­
sofia antiga; Medieval Studies, que aparece em Nova Iorque desde
1939, e Le Moyen Age, publicada em Paris desde 1888; The Jewish
Quarterly, publicada em Filadélfia desde 1910 e dedicada à filosofia
judaica; Etudes Traditionnelles, publicada em Paris, a mais impor­
tante revista dedicada à metafísica tradicional do Oriente e do Oci­
dente; publica com freqüência excelentes traduções de textos meta­
físicos árabes, latinos, gregos, chineses, japoneses, etc.
Existem muitas publicações periódicas em língua castelhana;
entre elas, citaremos umas quantas que podem ser encontradas fa­
cilmente em nossas bibliotecas universitárias*: Revista de Filosofai
y Pensamiento de Madrid; Cuademos de Filosofia, da Faculdade de
Filosofia e Letras da Universidade Nacional de Buenos Aires; Re­
vista de Filosofia, da Universidade Nacional de La Plata; Revista de
Füosofia, da Universidade de Córdoba; Cuademos Filosóficos, da
Universidad Nacional dei Litoral; Philosophia, da Universidad Na­
cional de Cuyo; Dianoia, da Universidad Nacional Autônoma do

* O autor refere-se à Argentina. (N . da T rad.)


A Iniciação na Investigação Filosófica 93

México; Diálogos, da Universidade de Porto Rico; Revista de Filo­


sofia, da Universidade de São Paulo (Brasil).
Sobre a bibliografia filosófica, especialmente os assuntos biblio­
gráficos filosóficos, gerais e especiais, remetemos o leitor à enume­
ração oferecida por Henry Koren na obra já mencionada.
SEGUNDA PARTE

A INICIAÇÃO NA
PESQUISA
O P R O BLEM A E O T E M A

Ver o problema

Formalmente, um problema é um enunciado ou uma fórmula;


do ponto de vista semântico, é uma dificuldade, ainda sem solução,
que é mister determinar com precisão, para intentar, em seguida,
seu exame, avaliação crítica e solução, O primeiro passo de uma
pesquisa é a determinação de um problema, isto é, do objetivo
central da indagação.
Uma questão preliminar podería ser a análise da origem do
problema, ou seja, explorar como surge ou como se apresenta ao
pesquisador. F. L. Whitnew60 refere que Darwin se inspirou na
leitura de Malthus para tomar precisos alguns problemas implícitos
na teoria da evolução; Jaime Truslow Adams — autor da obra
The epic of America — extrai os problemas fundamentais da his­
tória da América, de seu manuseio de materiais históricos e de sua
experiência na investigação; W. C. Mitchell, da Universidade de
Colômbia, descobre os problemas econômicos — aos quais iria
dedicar sua vida de estudioso — nos cursos acadêmicos que seguiu
com o professor Laughlin; W. G, Ogbum, da Universidade de Chi­
cago, escolheu o problema do pensamento político das classes so­
ciais, motivado por sua experiência dos conflitos vividos por ele
mesmo.
Como podemos deduzir dos exemplos que acabamos de men­
cionar, o objeto de uma pesquisa — o problema — pode surgir de
circunstâncias pessoais ou profissionais, da experiência científica

60 Veja-se seu livro Elementos de investigación, Barcelona, Omega, 195#.


98 A Iniciação na Pesquisa

própria ou alheia, da sugestão proveniente de uma personalidade


superior, do estudo, da própria cultura, da leitura de grandes obras,
etc. Em todos os casos, trata-se de uma questão que se nos apre­
senta com certa sutileza, que move nosso interesse e nos convida a
buscar sua solução.
Entretanto, não falta quem haja sugerido algumas fórmulas
para encontrar problemas dignos de estudo. J. C. Almack.61 reco­
menda: <{?) analisar o que cada um sabe; (5?) buscar lacunas ou re­
giões obscuras no conhecimento; atender às incongruências e
contradições (aos assuntos polêmicos e às conclusões não demons­
tradas;) e 4?) seguir os exemplos e as sugestões de leituras, confe­
rências ou da simples reflexão! ~~
W. A. Mc Call aconselha: (Jj) converter-se num erudito em
uma ou mais especialidades;,^ ) exercitar o engenho sobre qualquer
obstáculo que se apresente: (3^1 ler, ouvir e trabalhar com sentido
crítico; ( ^ ) iniciar uma investigação e estar atento aos problemas
que dela surjam; e persistir no exame dos problemas já deli­
mitados,
Cabe objetar a estas duas últimas normas pelas seguintes ra­
zões: em primeiro lugar, iniciar uma pesquisa sem direção, sem
uma determinação previa de seus objetivos, é, além de arriscado,
também estéril e, em segundo lugar, a persistência no exame dos
mesmos problemas ou resulta óbvia ou inútil, toda vez que se for­
mularam e solucionaram completamente.

Compreender o tema

O passo seguinte é a perfeita e profunda compreensão do te­


ma62. Mais de uma vez algum filósofo se lamentou da mcõRtpreen-
slGTdos leitores, e os estudantes, por sua vez, os taxaram de “incom­
preensíveis’*, sem deter-se;etn. pensar em que se radica a incom­
preensão de um texto filosófico. Alquié observou que a compre­
ensão filosófica se distingue da compreensão matemática, poética,
musical ou plástica. Descartes dizia que, para entender sua primeira
meditação, eram necessários meses de estudo; entretanto, se a re­

61 W hitney, F. L., ob. cit.


62 H á alguns ano* se propôs a alunos universitários de história o seguinte
tema: “A hipótese na história". Os estudantes, sem analisar a fundo o sentido do
problema proposto, trataram de demonstrar que o historiador deve repelir as hipóteses,
porque “ deve buscar a verdade” , etc. O que, na realidade, demonstraram foi sua
falta de compreensão do sentido do tema, pertencente à meta-história (epistemologia
da história). "
O Problema e o Tema 99

duzimos às “verdades racionais” que contém, basta meia hora®8.


Ê que — diz-nos Adquié — para chegar a ser filósofo necessita-se
de toda uma vida. Em resumo^ cofflpféènder um filósofo não é o '
mesmo que entender um matemático ou um físico, porque a com­
preensão filosófica não é do tipo psicológico nem histórico: é a
compreensão de uma universalidade pessoal ou de uma personali­
dade universal04.
Todo sistema filosófico se formula através de uma linguagem;
consequentemente, pode haver uma obscuridade de expressão res­
ponsável pela incompreensão. Nem todos os filósofos são igualmente
cuidadosos no uso de termos e expressões e. embora seus trabalhos
sejam coerentes, podem incorrer em solecismo, divagagões ou polis^
semras nem sempre esclarecidas636465. Os historiadores da filosofia co­
nhecem suficientemente os descuidos de expressão de um filósofo
como Kant ou os neologismos e os meandros singulares da sintaxe
e da semântica de Whitehead que, além de filósofo, era lógico e
matemático.
Mas, além da obscuridade de expressão há uma obscuridade
conceituai, imputável às seguintes causas:

a dificuldade inerente às questões;


(2) uma insuficiente compreensão dos problemas por parte do
autor;
(3) uma incompreensão do próprio leitor.

Escapa às possibilidades deste último reparar as duas primei­


ras, mas é responsável pela terceira. Tocamos aqui num assunto
delicado: o da qualificação intelectual que em última análise, se tra­

63 Os professores universitários de filosofia que ensinaram simultâaeamente


em faculdades humanísricas e científicas sabem quão diferente é a capacidade ma­
temática da filosófica, especialmente da aptidão metafísica, que' Simmel definia
como a propriedade de um “ órgão especial para a compreensão da totalidade do
ser".
64 A lquiÉ, M., Qu’est-ce que comprendre en philojophie?' Faria, CDU, t /
data, p. 15. Em uma oportunidade assistimos a uma explanação da psiquiatria
existencial de Binswanger e Boss por um psiquiatra, que fez, ao mesmo tempo, in­
cursões na filosofia de Heidegger. Ao observar-lhe que suas interpretações de al­
gumas noções da filosofia existencial não eram corretas,' respondeu-nos; “A culpa'
i de Heidegger, por ser tão difícil".
65 A £nfase que alguns autores contemporâneos dão, ao destacar a impor­
tância da sintaxe lógica e da semântica, não í alheia a estas deficiências da lin­
guagem filosófica. Claro está que isto não significa a ceitar a redução da filosofia
a um cálculo, nem transformar o filósofo num policial dalinguagem ou num tera­
peuta, como propÓs J , Wisdom, seguindo em parte a L.-W ittgenatein,
100 A Iniciação na Pesquisa

duz por aquilo “que a natureza não d á . . . ”. Contudo, é possí­


vel progredir na compreensão filosófica, mediante a leitura prévia
de obras básicas, a reiterada leitura de textos e a detida meditação.
Em síntese, compreender o tema significa: (&) estar em condi­
ções de expücá-loaos demais; (li) saber desenvolver as questões
implícitas; e(c) eventualmente. poder assinalar aspectos particulares
(casos e exemplos) e algumas das aplicações possíveis. Os perigos
t espreitam o estudante — e o que se inicia na pesquisa — são:

f uma compreensão parcial do assunto; (bJ uma focalização lateral;


smTredução a outra questão não equivalente; e6Õ não “ver logica­
mente” o tema.

Escolher o temo

D A pergunta obrigatória dos estudantes, quando devem escrever


uma monografia, é: “Como se faz?” A resposta obrigatória do pro­
fessor deveria ser necessariamente a seguinte: “Não se escreve se­
não para dizer algo66, e, para fazê-lo, deve-se começar por ter um
tema. Caso contrário, se cai no verbalismo”.
Muito se progride na organização e preparação de um trabalho
monográfico, se se considera cuidadosamente o problema prévio da
escolha do tema, sua determinação precisa e sua correta compre­
ensão. Por isso, é mister estabelecer, em primeiro lugar, quais são
as normas que devem presidir tal escolha. No caso em que a

I temática seja imposta pelo professor, é recomendável uma atenta


leitura da questão. Diante do perigo de interpretar livremente um
tema ou compreendê-lo imperfeitamente, Denis Huisman aconselha
ler e reler o texto, durante vários minutos67.
Sob o ponto de vista do trabalho intelectual duas condições
são necessárias ao estudante: vocação e qualificação intelectual, e
uma terceira que lhe é^ ãfheia. a existência do material necessário
à pesquisa. '
Um critério errôneo de economia de esforço leva os estudantes
a procurar temas considerados fáceis e acessíveis, por sua simplici­
dade ou pela reiteração de seu tratamento. Nestes casos se enca­
minha a problemas quaisquer, sem interesse autêntico em seu estudo,
escolhidos com a única finalidade de cumprir uma exigência docente

66 Este problema foi estudado por alguns escritores no plano da ficcio e da


poesia. N o primeiro caso, entre outros, por Ernesto S íbato, na obra S t escritor
y sus fantasmas, e no segundo por Rainer M . Rilke nas Cartas a w jovem poeta.
67 Veja-se seu livro Cuide de Vêtudiam eu pkUosophie, Paris, Preaeet U oi-
versitaires de France, 1956, p. 10.
O Problema e o Tema 101
que se procura reduzir à sua expressão mínima; como costumam
dizer os estudantes, e alguns que já não o são, “para safar-se da di­
ficuldade”.
A essa atitude se chama “prática”, quando, na realidade, não
o é: uma pesquisa empreendida sem interesse, por sumária que
seja, se converte logo numa pesada carga aue não beneficia a quem
á realiza e muito menos ao que deverá ler o trabalho Nn«»n primeiro
conselho é que, sempre que seia possível a livre escolha, n estu­
dante deve orientar-se para os temas de su a predileção.
Não basta, entretanto, a vocação ou o prazer com que se
realiza" uma tarefa; é necessário, além disso, estar em condições de
poder abordá-la eficientemente. Esta segunda condição é a que
chamamos qualificação intelectual, incluindo também sob esta de­
nominação o domínio dos conhecimentos básicos e complementares
requeridos. Um estudante pode ser seduzido por um tema de lógica
matemática (pelo prestígio científico da disciplina ou até por es-
nobismo), mas não poderá considerá-lo de forma completa se não
possui certa aptidão para o pensamento formal e para a mecânica
operatória dessa disciplina. Analogamente, em questões metafísicas fr
é fundamental a capacidade de abstração, a mentalidade simbólica e {[
a intuição intelectual ( “visão” ou “insight”) .
A pesquisa psicológica requer, antes de tudo, grande equilíbrio
emocional, intuição psíquica, facilidade para o pensamento com
imagens e para a consideração de conflitos afetivos e irracionais,
compreensão empática. Os temas pedagógicos e sociais exigemèx-
periência na manipulação dos fatos pedagógicos, prática no uso de
testes e questionários, conhecimentos matemáticos (estatístical .
Uma questão epistemológica não deve ser escolhida por quem
ignora os problemas da fundamentação da ciência e o sentido e a
função dos métodos de pesquisa e de prova; deve ter cultivado i
algum campo da investigação científica, além disso estar de posse [
dos conhecimentos metacientíficos respectivos. '
Um problema de filosofia da religião exige o conhecimento do
método fenomenológico e uma base mínima em ciência das religiões
(história comparada das religiões, teologia, etnologia religiosa, etc.).
Considerações semelhantes podem ser feitas com respeito à
escolha de assuntos de caráter histórico, que requerem o domínio
de disciplinas auxiliares, como a paleografia ou a cronologia; ou
de filosofia antiga e oriental, que dificilmente podem ser investigadas
sem a utilização de grego, latim, hebraico ou o sânscrito — isto é,
das línguas clássicas e das línguas orientais — , respectivamente.
102 A Iniciação na Pesquisa

A terceira condição envolve a existência de bibliografia.


Finalmente, deve-se insistir na necessidade de que os jovem,
leiam em línguas modernas, o que implica uma revisão dos métodos
de ensino dos idiomas no ensino médio e universitário.
Uma tendência dos jovens que deve ser destruída — e que é
própria da inexperiência e dispersão, características da idade juvenil
— é a de escolher os “grandes temas” : “O problema da liberdade".
“A CTiwtônrifl de Deus” ! “O valor da ciência”. “A filosofia moder­
na”, “Os valores éticos”, “Filosofia e religião” , “ A pedagogia con-
fomporãnêa”, etc. Afora não estarem em condições de abordar esses
problemas, e muito menos de fornecer alguma contribuição original
à sua proposição ou solução, os estudantes correm o risco de cair
em lugares-comuns, de “inventar” soluções iâ abandonadas ou, ~no
melhor dos casos, perdjer-se em divagações e intermináveis discussões
A1
»)
dos “especialistas em generalidades” : os temas devem ser precisos,
bem determinados e específicos”*.

Originalidade

Nos tempos que correm, devido à obscuridade da linguagem,


à sua distorção semântica, a palavra “originalidade” passou a ser
sinônimo de novidade e esta de modernismo, Jâ ninguém pensa qüé
“originalidade” provém de “origem” (princípio, “a r c h é domi­
nados como estamos pelo império da moda, inclusive na ciência e
na filosofia60.
De acordo com Simplício, Teofrasto atribuiu a Anaximandro a
prioridade no uso filosófico da palavra arché como princípio uni-689

68 Em algum países europeus — na França, entre outros — costumam ser


propostos como temas de “dirsertations” pensamentos tomados de qualquer autor
que possam ou não constituir um tema de interesse geral. Por exemplo: comentar
esta idéia de Aristóteles: “ Se o homem civilizado e racional é o primeiro dos animais,
é também o último ouando~rive sem leis e sem justiça” . Ou também o seguinte:
" Viver sem filosofia é como ter os olhos fechados e não tentar abri-los" (Descar­
te s ). Alguns temas literários: Exphque esta opinião de E. Zyromsky: “A natureza
em Lamartine é uma paisagem interior” . O utro tema: Qual a sua opinião sobre
esta frase de F. Bourget a propósito da poesia de Victor Hugo: “ Épica, tal é a
definição natural da poesia” ? Ou também: Qual seria o tipo de mulher para Mo-
lière, de acordo com as Ftm m es savanter?
69 O auge excessivo da logística, da psicanálise, da arte abstrata, do exis-
tencialismo (não confundir com a filosofia existencial) « da filosofia científica
•e explica por este culto ao modernismo, no pior sentido do termo. Há, além disso,
outras razOes que não podemos explicar aqui. O êxito do público de Bergson no
Collig* d* France ou de Sartre no teatro ou na tribuna política obedece a causas
análogas.
O Problema e o Tema 103

versai. Na linguagem comum da época, arché significava tamb*«*


começo, e na medicina antiga se empregava com os seguintes sig­
nificados: (lv} massa coletiva de matéria: @ fonte e reserva de
geração e alimento: (5?) lugar da matéria cósmica oara o mundo o.
dos humores para o organismo: e desembocadura final nãrt mpnr«
que principio de nascimento das coisas^0. ~ "
Tanto no plano metafísico como no cosmológico, no médico e
mesmo no da linguagem comum, arché significa princípio intemporal
e transcendente, origem não humana, fonte originária das coisas.
Em Filosofia não há “novidade”, nem “evolução”, nem “ pro­
gresso” . Estas expressões, próprias do cíentifícisirno contemporâ^
neo, são perigosas pelos matizes valorativos que subentendem. Desta
forma identifica-se “ o novo” com “o bom” e, em consequência, “o
antigo” com “ o mau”, sem compreender quç, como são dois
pares distintos de valorésThá “novo-bom” e “novo-mau” e “antigo-
bom" e _üatttigo-mau”. Por análogas razoes, exãgera-se o papel
da informação bibliográfica (cuja importância ninguém poderá ne­
gar); reduzindo-se a uma questão de quantidade e confundindo a
mera erudição com o conhecimento e a meditação.
Enquanto a história da ciência julga os pesquisadores do pas­
sado segundo o padrão da ciência atual, partindo do princípio que
afirma a existência de um progresso contínuo, a filosofia avalia os
pensamentos desde dentro. Não se podería dizer, por exemplo, que
Platão ou Aristóteles tenham sido superados por Gabriel Marcei ou
Martin Heidegger; ainda mais, tal atitude carecería de sentido. Por
isso um reputado helenista confessava que toda a história da filosofia
podería ser considerada como um comentário interminável dos diá­
logos platônicos.
Por outro lado, a idéia de progresso é das que mais necessitam
ser examinadas detidamente. Será quê tudo é progresso, no “pro­
gresso”? A ciência é progressista porque aumentou hôsso põder
sobre a natureza, ou sobre nossos semelhantes, ainda que esse poder
possa servir para destruir o tão citado progresso, a espécie humana
e o mundo mesmo?
A evolução das ciências é inseparável da acumulação de dados
e experiências (de informação, como se costuma dizer atualmente).
A endocrinologia de meio século atrás de pouco nos serve na atua­
lidade: o conhecimento da estrutura química das secreções internas,
sua síntese e seu uso terapêutico são o resultado deste acúmulo de70

70 On Anasàmander (Class. Phil., 1912), por W. A. Hcindel (citado por R.


Mondolfo em Problemas y métodos, obra já citada, p. 189).
104 A Iniciação na Pesquisa

experiências e conhecimentos. Isto permitiu inclusive aumentar nosso


saber fisiológico71.
Na filosofia, as coisas ocorrem de maneira muito diferente. O
objetivo da filosofia é a procura do saber último (ou primeiro), a
oEtenção da verdade ou a visão da realidade (que, no fundp, 6 a
mesma coisa). Não estaremos mais perto dela porque temos maior
quantidadi^cíe informações, nem por haver apenas atualizado nossa
bibliografia. Em síntese, tudo isso pode contribuir para alcançar um
estágio prévio do conhecimento filosófico. £ possível, inclusive, obter
um conhecimento mais profundo (mais próximo da verdade) recor­
rendo, em certos casos, a um antigo comentarista de um texto do
que consultando os autores modernos. Este é o caso da filosofia
oriental: vale mais ler uma página de Suzuki que um livro de Benoit
ou de Aldous Huxley sobre o budismo zen.
A projeção de categorias “científicas” sobre textos metafísicos
levou-os ao obscurecimento e à deformação, sob pretexto de fazer
uma crítica moderna com os instrumentos técnicos ad hoc72.
Nós usamos aqui a palavra “originalidade” em sua significa­
ção primitiva, não como novidade ou singularidade, mas como um
retorno à origem, à essência, à verdade; embora essa verdade se te­
nha perdido, obscurecido ou esquecido.
A originalidade não é um atributo do filósofo como indivíduo
(isso equivalería a reduzi-la à singularidade), como tampouco a
verdade é propriedade de alguém. Os que pretendem monopolizá-la
(ainda que aparentemente a eliminem de sua terminologia como
“pseudoproblema” ) se assemelham suspeitosamente a certos “de­
lirantes”, cujas sistematizações — originadas em premissas absurdas

71 O capítulo do» hormônios ad-renais, por exemplo, foi enriquecido notavel­


mente com as pesquisas sobre os esteróides e o melhor conhecimento do metabo­
lismo intermediário. O uso terapêutico dos derivados dos deltacorticóides revo­
lucionou o tratam ento de enfermidades como o reumatismo, as artrites, a asma, e,
em geral, as afecçOes alérgicas. Todo este acúmulo de conhecimentos é, entretanto,
de data muito recente. Em um livro — excelente — como L ts hormones, de Remy
Collin (de não muito antiga publicação), nada disto aparece.
72 Heidegger observou repetidamente que vinte séculos de história da filo­
sofia realizada por “ professores” que usavam métodos científicos aniquilaram o
pensamento grego, em particular o pré-aocrático, que é, precisamente, um pensar
originário (de arché, origem).
O Problema e o Tema 105

— costumam ser um modelo de lógica73. A contribuição pessoal \


pode consistir na focalização dada ao problema, em sua delimitação \
ou no método de tratamento do tema.

73 Os psiquiatras sabem que não basta o uso correto do raciocínio lógico


para ser considerado normal. L. Couffignal — especialista em cibernética de renome
mundial — observa que os paranóicos raciocinam perfeita mente, sob o ponto de
vista dedutivo. N um centro de ensino por correspondência, de Paris, trabalham
permanentemente quatro otí cinco paranóicos que cumprem corretamente suas
funções docentes: redigem cursos, corrigem deveres e provas. Mas, fora desta
tarefa lógica que realizam mecanicamente, sua existência i abertante. Veja-se o
Cahier d* Royaumont n.° 5 dedicado a Le concept d'Information, dans la sàence con-
temporaine, Paris, Les Editions de Minuit-Gauthier-Villars, 1965, p. 126-128, (Há
uma tradução castelhana, editada por Século X X I, no México.) Por outra parte! já
os psiquiatras clássicos se ocuparam com o delírio maternatizante e o geometricismo
mórbido (vejam-se as obras de Minkowski, especialmente seu livro sobre A esqui­
zofrenia) . .
O PLAN O DE IN V E ST IG A Ç Ã O

O q u e é o p la n o ?

Ao dedicar-se à elaboração de um plano, os estudantes costu­


mam reagir, lembrando que se deve saber primeiro qual será a ex­
tensão do trabalho. A pergunta obrigatória é: “Quantas páginas
deve ter uma monografia?” Este critério quantitativo — muito pró­
prio de nossa era governada pela quantidade — é às vezes estimulado
por alguns professores74. Embora o conselho aristotélico ( “nada
em demasia”) ainda seja uma boa norma, que poderiamos traduzir
como nem muito pouco (um par de folhas) nem demasiado, deve-se
ter presente que o número de páginas não indica se o trabalho é ori­
ginal (melhor diriamos, pessoal), orgânico e coerente. Principal­
mente se cumpriu sua finalidade: demonstrar uma tese.
Não costuma ser atributo da juventude o espírito de síntese;
entretanto, a história da matemática nos conservou alguns casos
excepcionais. Tal foi o caso de Evaristo Galois (que morreu quando
tinha apenas 20 anos), cujas Obras Completas (se é que assim se
pode chamá-las) não chegam a meia centena de páginas. E ninguém
podería duvidar de que sua influência no pensamento matemático
— e inclusive fora dele — perdurou por mais de um século. Seu
“testamento científico” (a patética carta que dirigiu a seu amigo
Chevalier na noite anterior ao duelo que lhe custou a vida) contém

74 H á professores que parecem "pesar" as monografias de seus alunos, e


estes, que assim o supõem, recorrem às mais variadas artimanhas para impressio­
ná-los: deixar generosas margens na cópia datilografada, -m pregjr folhas de ta ­
manho pequeno ou usar o espaço "3” d» mámiina de er.
O Plano de Investigação 107

— entre invectivas e juramentos contra os professores da École Po-


iytechnique (na qual nunca pôde ingressar) — os fecundos resul­
tados de suas últimas meditações matemáticas: as noções de grupo,
subgrupo, transitividade, etc.
Este fato e outros similares se explicam pela natureza sintética
e operatória do pensamento matemático superior e também pelo
peculiar “ascetismo” do seu sistema de símbolos. O mais freqüente
é que os jovens careçam dessa aptidão para a síntese, o que explica
que a criação filosófica não costuma ser atributo da juventude: Kant
escreveu a Crítica da razão pura quando contava mais de 60 anos
e Whitehead dedicou-se à metafísica quando havia ultrapassado esta
idade.
Assim sendo, convém habituar os jovens a pensar logicamente,
com ordem e com método. Para conseguir este objetivo contribui,
em medida não desestimável, o ensino da filosofia, da matemática
e da gramática.
A dispersão mental_e a superficialidade conduzem a outro vício:
o verbalismo. Os recursos retóricos e dialéticos para ampliar um
texto são bastante conhecidos, até estão codificados em alguns ar­
tigos e livros de Perelman. .
Qual e a função do plano? O plano deve ser preparado com o
critério de que não é imutável, mas, pelo contrário, provisório e
perfectivel. Sua finalidade é proporcioftar apoio e ajuda, não coerção.
Por isso, não é indispensável que a reâação primitiva do plano deva
manter-se inalterada até o fim. Pode modificar-se — e se deve fa­
zê-lo quando o desenvolvimento da pesquisa mostre a necessidade
de alterá-lo. Por exemplo, pode-se alterar a ordem de certos pro­
blemas ou idéias hierarquizando umas e diminuindo a importância
de outras;» elevar a um tratamento básico uma noção, considerada
previamente como subsidiária de outra, e reduzir a um plano se­
cundário certos conceitos reputados inicialmente de maior interesse;
intercalar temas ou questões não consideradas a princípio; desenvol­
ver mais profundamente alguns aspectos de determinados proble­
mas, etc.
Quando projetamos este trabalho, fizemos um plano que, à
medida que pensamos em sua realização e inclusive depois, enquanto
o ^redigíamos, modificamos em parte. Por exemplo, no plano original
não figurava a primeira parte, dedicada ao estudo da pesquisa nem
o estudo analítico do estilo e das falácias. O primeiro nos foi sugerido
pela necessidade de explicar aos estudantes o que significa pesquisar
e quais são os métodos de investigação e seus limites, sobretudo
nas ciências humanas e na filosofia, com o objetivo de dissipar equí­
vocos e fazer desaparecer lugares-comuns muito arraigados nas
108 A Iniciação na Pesquisa

mentes juvenis. A referência ao estilo foi incluída para ajudar os


jovens num aspecto geralmente descuidado nos trabalhos de pesquisa.
Já Eddington havia observado que muitos homens de ciência — ou,
pior ainda, seus corifeus — crêem que, para escrever sobre temas
científicos, deve-se carecer de aptidões literárias, estigmatizando
como se fosse um pecado o que é uma virtude. Podem mencionar-se
como exceções Einstein, Freud e o próprio Eddington, que foram
excelentes escritores.
O plano deve ser, pois, o produto da reflexão e do conhecimento
do tema da pesquisa. Construí-lo equivale a introduzir um princípio
de ordem nos conceitos, isto é, estabelecer a hierarquia lógica das
questões. Para consegui-lo, deve-se começar por saber distinguir o
fundamental do secundário e, em seguida, cuidar que as idéias sub­
sidiárias ou os desenvolvimentos laterais não cresçam desmesurada-
mente, porque isfo rompería o equilíbrio do trabalho e sncid'ria ne­
gativamente no tratamento do tema central da pesquisa.
Alguns estudantes resistem a elaborar o plano, declarando
que, mesmo havendo compreendido bem seu tema, “não lhes ocorre”
nada. Em tais casos, o que na realidade acontece é que o tema não
foi compreendido ou não foram levados a cabo os estudos necessá­
rios para seu desenvolvimento. Outras vezes os jovens furtam-se à
perspectiva de trabalhar metodicamente, alegando que preferem
confiar “na inspiração”. O resultado é a desorientação, a desordem
e a frustração. Essas justificações da recusa em preparar um plano
de trabalho são, no fundo, “racionalizações” da própria preguiça ou,
no melhor dos casos, o resultado da tendência bastante generalizada
de seguir a lei do menor esforço.
O plano não é a organização convencional das partes num todo,
mas uma estrutura (no sentido lógico-matemático do termo), ,a ar­
quitetura lógica do trabalho, que é como o esqueleto de um orga­
nismo. Nele, as partes se acham sistematicamente vinculadas entre
si, ordenadas em função da unidade do conjunto. Esta unidade do
plano é anterior a suas partes, as quais só têm sentido por seu ron-
dicionamento à unidade primitiva.

Tipos de planos

Já se disse que o plano de trabalho deve ser exposto sintetica-


mente na introdução ou, pelo menos, deve-se especificar nela quais
são a intenção e os limites do estudo e o material utilizado. Alguém
observou que toda antecipação do plano é estéril, porque, se é clara,
é inútil expô-la no princípio (já o verificará o leitor); em troca, se
O Plano de Investigação 109
não o é, conseguir-se-á apenas mostrar ao que lê o trabalho que
este é confuso.
Denis Huisman, em seu estudo sobre L ’art de la dissertation,
distingue 5 tipos diferentes de planos de trabalho: 1) dialético; 2)
nocional; 3) progressivo; 4) comentário de um texto; e 5) compa-
rativo757&.
) O plano dialético exige a triparticão do tema em tese, antítese
e síntese. Uma formulação possível, de acordo com este plano, po­
dería ser, por exemplo, a consideração de um conceito a partir do
critério comum (tese), para, em seguida, opor-lhe a definição téc­
nica (antítese) e finalmente reconsiderar ambas as noções como
estágios prévios à fase final (síntese), que é mais elevada, ou su­
perior.
Vejamos um exemplo: a explicação do conceito de paradoxo.
Se recorremos à linguagem corrente, encontramos uma noção bas­
tante vaga que, em parte, foi fixada pela etimologia da palavra;
paradoxo é o que se aparta do critério comum (de para, à margem,
e doxa, opinião); já temos a tese. Se analisarmos agora o conceito
clássico de paradoxo, desde a antiguidade até o século xix, obte­
remos a idéia de uma expressão autocontraditória, com a qual al­
cançamos a segunda fase, a antítese. A síntese estará representada
pelo conceito técnico de paradoxo, tal como se usa hoje na lógica e
na matemática.
V) O plano nocional consiste no exame de um conceito através de
três fases sucessivas: 1,9) qual é a natureza da questão?: 291 existe?:
q, 39^ qual seu valor? Q-exemplo proposto por Huisman” ao -refera
ao acaso. Primeira~fase, o que é o acaso?; segunda fase, existe o
acaso?; terceira fase, qual é o valor do acaso?
Se quiséssemos desenvolver este plano referido no exemplo que
demos mais acima, teríamos: primeira fase, o que é um paradoxo?:
segunda fase, existem os paradoxos?; e terceira fase, que importância
têm? -------
t\ O plano progressivo consiste em formular definições sucessivas
- 'd o termo básico do tema. Q exemplo proposto por Huisman é e
saguinte r a experiência. Primeira definição: é o conhecimento pro­
porcionado pelos sentidos; segunda definição: o que é experiên­
cia para um homem de ciência; terceira definição, na qual se refu­
tarão os aspectos individual e universal da experiência, apresentando

75 H uisman, Denis, ob. cit., especialmente nas p, 14-15.


76 H uisman , Denis, ob. cit„ p. 14.
110 A Iniciação na Pesquisa

outro tipo de experiência, como a experiência moral, estética ou


mística, que encarnam o universal no individual.
No exemplo já analisado dos paradoxos, este plano se realizaria
se começássemos por formular a definição etímológica da palavra
ou a que figura no dicionário da língua, para, sucessivamente, apre­
sentar uma definição lógica, filosófica (como a de Kierkegaard, por
I exemplo) e até teológica,
jn i O plano tipo comentário de texto se desenvolve através da ex-
~y/ ' plicação,' da discussão e da avaliação. Exemplo: análise do conceito
de paradoxo, discussão das diversas concepções e, finalmente, sín-
I tese avaliadora do sentido e importância do conceito na lógica, na
1matemática, na filosofia, etc.
O plano comparativo se desenvolve confrontando conceitos
© similares para mostrar o que têm de comum, de oposto ou de seme­
lhante, para terminar ordenando-os hierarquicamente.
' õ estudioso levará em conta estas formas de planejar seu tra­
balho, sobretudo quando careça totalmente de experiência na ativi­
dade de pesquisa. Os pesquisadores e os metodologistas e lógicos
a notarão que, no fundo, a essência de todos estes tipos de plano se
" reduz a um esquema lógico comum, ao qual nos referiremos com
o devido detalhe ao tratar a estrutura do trabalho de pesquisa.
Mais ainda, mutatis mutandis, é possível reduzir as diversas for­
mas de planos entre si: o dialético ao progressivo ou ao tipo comen­
tário. '

Alguns exemplos

A seguir, mostraremos praticamente como se elabora um plano.

PLANO I
Tema: A NOÇAO DE SER NO TEX TO “ SOBRE A NATUREZA” ,
DE PARMÊNIDES

a ) O autor
1. Informação sumária sobre os pré-socráticos (filosófica, não histórica).
2. Os textos doa pré-socráticos (fragmentos).
3. Parmênides,

b) A obra .
4. O texto Sobra a natureza.
5. Problema» de autenticidade. .
6. Estrutura do texto: auas partes.
7. Expressão e estilo: o proêmio, a primeira parte e a segunda parte.
8. Interpretação e avaliação de cada parte.
O Plano de Investigação 111
c) A doutrina

9. A noção de “ ser" noc pré-socráticos.


10. Conceito de natureza. -
11. A noção de “ser" em Sobre a natureza. .
12. Influências da doutrina de Parmênides (sobre Platão, etc.).

Vejamos agora um plano para um tema de literatura contem­


porânea:

PLANO II

Tema: O TEM PO LITERÁRIO NA OBRA DE JORGE LUIS BORGES

a) Vida e personalidade de J. L. Borges

1. Itinerário de Borges (nascimento, formação, viagens).


2. O meio literário argentino e estrangeiro.
3. As escolas literária» em Buenos Aires (o grupo "M artin Fierro", o de
"Boedo” , e tc .) .

b) A s obras

4. Poesia, ensaio, novela, conto.


5. Ediçóes ( “ Sur” , “ Emecé” , etc.).
6. Lugares onde se trata o problema: alguns contos de E l alef, artigos de
Otras mqvisiciones, etc.

c) 0 problema do tempo ■

7. O tempo (em geral).


8. 0 tempp na filosofia e na ciência.
9. O tempo na literatura nacional e estrangeira.
10. Fontes literárias e filosóficas de Borges: a literatura oriental, a cabala he­
braica, a filosofia medieval, a literatura inglesa, etc,
11. Influências de Borges: sobre Bioy Casares (La invención de Morei, La
trama celeste). Reflexo de sua obra na literatura nacional e estrangeira.
Por exemplo, sua influência no grupo "Planète” , de Paris, .

PLANO III

Tem a do trabalho: O CON HECIM EN TO JURÍDICO

a) A lógica e o jurídico

1. O que á a lógica.
2. O raciocínio jurídico,
3. A formalização do raciocínio jurídico.
4. Lógica jurídica e lógica simbólica.
5. Existe uma lógica jurídica especial) '
112 A Iniciação na Pesquisa

b) Teoria do conhecimento jurídico

6. O problema do conhecimento jurídico.


7. A estrutura do conhecimento no campo do direito.
8. Problema* e aporias.
9. A normatividade do direito.

c ) A lógica jurídica

10. Teoria dos enunciados.


11. Proposiçlo e juízo.
12. Verdade e validade.
13. Juízos enunciativos e juízos normativos.
14. Conclusões.

PLANO IV

Tema: A PATOLOGIA DA LINGUAGEM

a) Teoria da linguagem

1. Atualidade do estudo da linguagem. _


2. A linguagem da ciência, da arte, da filosofia e da religião,
3. As ciências da linguagem.
4. Semiótica,
5. Teoria da informação.
6. LingQística estrutural.

b) Patologia da linguagem.

7. A focalização neurológica: as afasias.


8. A focalização psiquiátrica: a linguagem dos alienados.
9. As teorias clássicas: de Broca a Pierre Marie.
10. As teorias de H , Jaclcson, Pick e Head.
11. A concepção de Goldstein, . . . . .
12. Patologia da linguagem-e lógica simbólica (M atte Blanco).
13. Patologia da linguagem e cibernética.
14. Conclusões.

PLANO V

Tem a: TEORIA DO STRESS

a ) Etiopatogenia das enfermidades de adaptação

1. Conceito geral de stress.


2. Antecedentes teóricos.
3. A teoria de Selye.
4. O síndrome geral de adaptação.
5. As enfermidades de adaptação.
O Plano de Investigação 113

■b) A s provas da te o ria e su a c r ític a .

6. Provas biológicas.
7. Provas farmacológfcas.
8. Experiência farmacológica cm seres humanos,
9. Os modernos desenvolvimentos dos corticoesteróides.
10. As críticas de Engel,
d l . Réplicas de Selye.
12. Estudos recentes.
13. Extensão do conceito no campo psicológico.
14. Conclusões.

PLANO VI

T em a: A TEORIA DOS MODELOS NA FÍSICA MODERNA

a) Teoria dos modelos

1. Modelo e interpretação.
2. Conceito algébrico de modelo.
3. Conceito sintático de modelo. .
4. Conceito semântico de modelo.
5. O estudo formal dos modelos.

b) A função dos modelos nas ciências fáticas

6. Modelos e investigação,
7. Modelos e experiência.
8. Modelos e explicação.

c ) Os modelos na física

9. A noção de modelo na física teórica.


10. Os modelos de Rutherford e Bohr.
11. Modelos vetoriais e hidrodinâmicos.
12. A noção de modelo em mecânica ondulatória.
13. Conclusões.

Finalmente, propomos um esquema básico geral que, com as


adaptações correspondentes, pode ser utilizado para estabelecer o
plano de qualquer tema literário, biográfico ou sobre alguma dou­
trina e seu autor:

PLANO GERAL
a ) Introdução

1>) O autor

1. Vida, meio, evolução,


2. O ambiente (científico, literário, filosófico, histórico).
114 A Iniciação na Pesquisa
c) A obra

3. Caráter de seus livros.


4. Edições.
5. Autenticidade, cronologia,
6. Estrutura dos textos.

d) A doutrina

7. O pensamento (em geral).


8. Aspectos particulares da doutrina: o tema.
9. As fontes.
10. Avaliação e crítica.
11. Influências.
12. Conclusões.
IN F O R M A Ç Ã O B IB LIO G R Á F IC A

A s fontes

Nas ciências positivas, em especial nas ciências fáticas, as fontes


são os trabalhos de laboratório, as observações e os experimentos;
nas disciplinas humanísticas — como nas ciências formais (mate­
mática, física teórica, lógica matemática) — são os livros, os arti­
gos técnicos, os documentos de arquivos e, em outros casos (psico­
logia social, sociologia, economia, etc.), também os resultados dos
trabalhos de campo.
Comecemos, pois, pelo exame do material de publicações que
usaremos na pesquisa. Deve-se ver, antes de tudo, se se trata de um
trabalho inédito ou manuscrito; nesse caso é necessário analisar as
condições da obra. A primeira questão consiste em determinar a
autenticidade do texto, problema que nem sempre se pode resolver
facilmente, devido ao fato de que às vezes os manuscritos foram
copiados, traduzidos, e sofreram toda sorte de interpolações. Aqui
intervém os codicólogos, os paleógrafos e os filólogos, que são os en­
carregados de interpretar e pronunciar-se sobre a autenticidade do
texto77.
A interpretação de um texto exige, além do auxílio da paleo-

77 As Epístolas platônicas e alguns dos Diálogos foram considerados suces­


sivamente autênticos e inauténticos (existem várias estudos especiais sobre a epís­
tola 7.a, por exemplo), N a atualidade, aceita-se que as Epístolas — embora não
tenham sido integralmente obra original de Platão — refletem o pensamento pla­
tônico.
110 A Iniciação na Pesquisa

grafia, o emprego de métodos filológicos. Entretanto, não se deve


subordinar a exegese filosófica à linguística78.
- Fernand van Steenberghen79 e R. Mondolfo80 referiram-se exaus­
tivamente aos problemas que implicam o exame do material sobre o
qual se deve trabalhar, quando se trata de pesquisas na história da filo­
sofia ou na literatura. Corno exemplos, no plano da indagação literária,
citaremos dois casos apresentados por Daniel Mornet81:

1) Victor Hugo: as Contemplações (uma ou muitas partes).


Problemas particulares: datas de composição das diferentes partes,
etc. Problemas gerais: 19) Temas das diferentes peças; como se
agrupam para expressar uma concepção de amor; uma concepção da
vida social; uma concepção filosófica da natureza; uma filosofia ge­
ral; uma concepção do papel social e filosófico do poeta. 29) A
arte de Victor Hugo; estudo de: a) sua imaginação sob suas diversas
formas (visual, auditiva, de transfiguração, etc.); b) de sua retórica
(no bom sentido do termo): mise-en-scène, variedade dos tons, etc.;
c) de seu estilo (sob diversos aspectos). 39) Lugar das Contem­
plações no conjunto .da obra do poeta; sua evolução; o que anuncia
a inspiração das obras posteriores. 49) Comparação com as corren­
tes ou modos poéticos contemporâneos (poesia social a arte pela
arte, poesia do grandioso ou do sobrenatural, etc.). De onde: 59)
A originalidade de Victor Hugo, que reside sobretudo em sua
imaginação e em sua arte.

78 Mesmo nos tempos atuais, o método filológico conserva a sua importância.


Por exemplo, a classificação dos Diálogos platônicos pelo método estilométrico de Lu-
toahcwslci, cuja eficácia foi provada pela coincidência de seus resultados com os obtidos
por uma técnica distinta, como a preconizada por Stefanini. Entretanto, sua impor­
tância foi exagerada pelos filólogos. Heidegger — como fizera Nietzsche em sua
época — assinalou frequentemente suas limitaçSes. Por outra parte, em problemas
de filosofia oriental, o método filológico somente levou à deformação das doutrinas
metafísicas, que só podem ser bem abordadas conhecendo-se as línguas sagradas
(sânscrito, árabe literal, chinês), as quais são inabordáveis com os métodos cien­
tíficos da filologia e da linguística. cxclusivamente, por sua natureza simbólica e
metafísica.
79 Veja-se seu livro Directbes pour la confection d'une mortographie scien­
tifique avec appUcations concrètes aux recherches rur la phtlosophie médiévale, 2 .*
ed., revisada e corrigida. Lovaina, Editions de L 'In stitu t Supérieur de Philosophie,
1949, p. 14-18.
80 Problemas y métodos de la investigación en la historia de la filosofia, ob.
cit. . .
81 Veja-se seu livro Comment priparer et ridiger une disserlation pour la
lietnce is lettres, obra especialmente útil para os estudantes de letras. Os exemplos
que escolhemos são, na realidade, planos completos do trabalho.
Informação Bibliográfica 117

2) Boileau: A arte poética. Problemas particulares: data da


composição, etc. Problemas gerais: 19) A doutrina de Boileau: as
regras propostas em A arte poética; as intenções de Boileau: a
doutrina objetiva e desinteressada e a doutrina de combate, da po­
lêmica pessoal; a composição (ou a falta de composição) da obra;
os méritos da expressão ou do estilo. 29) Valor da doutrina de Boi­
leau: não traz nenhum princípio novo, nem tampouco alguma or­
ganização mais satisfatória dos princípios; mas é viva e pitoresca.
39) Influência desta doutrina: a) imediata; sobre os “amigos” de
Boileau; sobre a opinião geral; a reação das “vítimas” de Boileau;
b) mais remota: como Boileau chega a ser o “regente do Parnaso”.
Consequentemente, o problema prévio das fontes implica deter­
minar:

19) Se possuímos a obra completa de um autor.


29) Se chegou até nós diretamente ou através de cópias.
39) Se foram perdidas algumas obras.
49) Se só possuímos fragmentos (como no caso dos textos
pré-socráticos).
59) Se só possuímos referências a tais fragmentos.
ó9) Tratando-se de cópias, transcrições ou referências indire­
tas, estabelecer sua exatidão e correção, isto é, se houve
ou não alterações do texto, deformações (voluntárias ou
não), erros, omissões ou alterações cronológicas.
79) Em que medida os textos refletem o pensamento do au . ,
seja por sua forma incompleta ou porque aquele não con­
fiou à palavra escrita seu pensamento íntimo ou, final­
mente, porque o referido pensamento evoluiu através do
tempo.
89) Valor dos testemunhos indiretos sobre um autor.
99) Valor dos testemunhos diretos sobre um autor.
IO9) Posição, ideologia e atitude das testemunhas (diretas ou
indiretas).

Para fixar idéias, mencionaremos alguns exemplos. Vejamos


primeiro o caso do pitagorismo. Há quem tenha aceito totalmente
os tardios testemunhos dos neopitagóricos; outros, por sua vez, não
só negam seu valor, mas inclusive chegam a negar a própria exis­
tência da escola pitagórica e até de Pitágoras. Outro exemplo: os
testemunhos sobre Sócrates são radicalmente diferentes, se conside­
ramos os diálogos platônicos, as Memórias de Xenofonte, as refe­
rências de Aristóteles ou as alusões satíricas de Aristófanes em
A s nuvens.
118 A Iniciação na Pesquisa

Lembremos a concepção atual dos pré-socráticos através de


helenístas comio Kirk ou Raven, tão diferentes das interpretações clás­
sicas.

A busca metódica

A busca metódica é o momento heurístico, a reunião sistemá­


tica e ordenada de textos, obrüTê’ dados. Para realizar uma pesquisa,
não é necessário dominar a biblioteconomia e a bibliografia como um
perito; com o auxílio do professòr, seguindo suas indicações, muito
se progride. £ útil, entretanto, conhecer seus fundamentos e sobre­
tudo aprender a usar livros e bibliotecas, de modo que contribuam
para a obtenção de uma verdadeira economia intelectual.
A biblioteconomia se ocupa da organização e do funciona­
mento dos livros nas bibliotecas; a bibliografia tem por objeto sua
descrição e classificação. O que importa é saber empregar eficiente­
mente as obras necessárias para levar a bom termo a pesquisa ou
a informação sobre os antecedentes do tema.
São aspectos da busca a coleta de dados, de fatos e de expe­
riências (quando forem de utilidade), o acesso às fontes e à biblio­
grafia (livros, ensaios e artigos de revistas), que pode ser geral e
especial.
O primeiro ponto é interessante, principalmente nas ciências de
fatos. Aqui havemos de nos referir a outros dois aspectos, que são
os que influem fundamentalmente em toda a investigação realizada
no âmbito da filosofia, das letras, da história e, em geral, nas ciên­
cias da cultura.
No parágrafo anterior ocupamo-nos com o exame das fontes. Ve­
jamos, agora, a bibliografia. Na medida do possível deve ser de pri­
meira mão (daí a necessidade de conhecer vários idiomas modernos
e, em certos casos, inclusive as línguas clássicas). Ao manusear
* traduções devem-se preferir as realizadas por especialistas na maté­
ria82. Por exemplo, a tradução inglesa da obra aristotélica por D.
Ross, de Oxford, ou a versão dos Diálogos platônicos patrocinada
pela Association Guillaume Budé. Sempre que possível é bom (so­
bretudo tratando-se de autores antigos) recorrer às traduções ano­
tadas (edições críticas).
Fora da utilização óbvia da própria biblioteca, torna-se neces-

82 £ sabido que somente razões econômicas nem sempre permitem hierar-


quizar entre nós a tarefa de tradução, que, em certos casos, devia ser solucionada
pelas editoras das universidades.
Informação Bibliográfica 119
sírio coutar, cm primeiro lugar, com as bibliotecas universitárias.
Não se devem desprezar, entretanto, outras possibilidades, como por
exemplo a visitação à Biblioteca Nacional, às bibliotecas daf ins­
tituições científicas (como a União Matemática ou a Associação
Médica), a do Congresso, da Sociedade Científica Argentina e fls
bibliotecas populares e municipais. Importa considerar também as bi­
bliotecas dos seminários, mosteiros, universidades particulares, etc.
Como se aproveita melhor uma biblioteca? Conhecendo sua or­
ganização geral e seu funcionamento. As bibliotecas centrais das
universidades e as bibliotecas das faculdades e institutos possuem
um acervo de obras que se explora com a seleção bibliográfica rea­
lizada pelos professores. Não obstante, no regulamento de todas as
bibliotecas considera-se a possibilidade de adquirir livros que se­
jam solicitados pelos leitores, em particular se estes estudantes são
universitários. Inclusive, pode-se considerar o empréstimo de certas
obras que existem em outras bibliotecas (empréstimo interbibliote-
cário). .
A biblioteca de uma universidade, faculdade ou escola possui
uma sala de leitura que tem uma função. Nela consultam-se as enci­
clopédias, dicionários, coleções, história da ciência, da literatura,
da filosofia, etc., e os repertórios bibliográficos. Por isso, o aluno
deve familiarizar-se com o material bibliográfico que constituirá sua
primeira fonte de consulta, pedir as obras, folheá-las, examinar suas
tábuas e índices. Em todos aqueles casos nos quais os estudantes
necessitam de uma orientação bibliográfica prévia, estas obras de
consulta lhes serão muito úteis, e por elas devem iniciar seu trabalho.
Principalmente pelas indicações bibliográficas que encerram.
A orientação do professor, que deve ser em realidade o coorde­
nador da pesquisa que o aluno realiza, lhe permitirá progredir, cir­
cunscrevendo mais rapidamente o objetivo central do trabalho. Aná­
loga função desempenham os pesquisadores que trabalham na uni­
versidade em regime de tempo integral. Nesta fase inicial do traba­
lho são muito úteis os tratados sistemáticos e as enciclopédias espe­
cializadas.
Numa pesquisa sobre filosofia medieval, por exemplo, deve-
se recorrer em primeiro lugar à História da filosofia medieval de De
Wulf ou aos tratados sistemáticos de Gilson ou Grabman e, eviden­
temente, a um bom dicionário de teologia ou à Enciclopédia da
Bíblkfi3. Num problema de filosofia das religiões, haverá necessidade83

83 Para bibliografia sobre filosofia medieval, veja-se a obra citada de van


Steenberghen.
120 A Iniciação na Pesquisa

de começar por consultar uni bom tratado de história das religiões,


como o editado por Quillet, o produzido sob a direção de M. Bril-
lant e R. Aigrain ou o de M. Eliade (que é a única destas três obras
que foi traduzida em castelhano).
Dos repertórios bibliográficos da filosofia recordaremos a Bi­
bliografia philosophica de P. G. A. de Brie, o Manuel de biblio-
graphie de G. Varet e a editada semestralmente por Vrin sob a
responsabilidade do Insütut International de Collaboration Philoso-
phiqueB4.
A sala de leitura é também o lugar de consulta das revistas
filosóficas, das quais não se pode prescindir. Algumas destas publi­
cações periódicas costumam dedicar alguns tomos para atualizar
problemas ou abordar o estudo de sistemas ou épocas do pensamento
filosófico ou literário, mediante o esforço convergente de pesquisa­
dores especializados nos respectivos temas. Assim, por exemplo, a
Revue Philosophique dedicou alguns números à filosofia da ciência,
à filosofia grega e à filosofia oriental, respectivamente. A revista
suíça Dialectica, dirigida por F. Gonseth (matemático e filósofo das
ciências), fez a mesma coisa relativamente à noção de “comple­
mentaridade”, às “relações entre a ciência e a filosofia” e à “noção
biológica de espécie”. Recordemos o tomo dedicado pela Rivista di
Filosofia à dialética e os da La Table Ronde sobre a Bíblia, o sím­
bolo da cruz, Don Juan, Kierkegaard, etc. A publicação francesa
Recherches et Débats consagrou importantes tomos para expor
questões tão diversas e relevantes como a originalidade biológica do
homem, a psicanálise, a cultura negra, etc.

A técnica das fichas**

Sem exagerar sua importância nem dissimular seus inconve­


nientes, deve-se admitir a utilidade das fichas: facilitam a sistema-
tização bibliográfica, a ordenação das idéias e o trabalho de síntese.
A organização do material torna possível a disposição mais clara
e mais fácil dos elementos com os quais se trabalhou.
Uma ficha é um pedaço de cartolina (substituível por um pedaço
de papel) de medidas variáveis, segundo o uso a que se destina.
Distinguimos entre: a) ficha bibliográfica e b) ficha de documen-

84 Vejam-se as valiosas informações bibliográficas incluídas por R. M on­


dolfo em sua obra já citada, Problemas y métodos de investigación en la historia
de la filosofia.
* A ABNT, em sua publicação PNB-66, estabelece as normas a serem obser­
vadas no Brasil. (N. da Trad.)
Informação Bibliográfica 121
táção. O formato usual da ficha bibliográfica, que é também o in­
ternacional, é de 125 x 75 milímetros. Numa das faces da ficha
escreve-se o nome completo do autor; o título do livro, ensaio ou
artigo; a edição e a coleção; o lugar de publicação; o formato e o
número de páginas, e alguns autores acrescentam o preço da obra.
No reverso pode consignar-se o sumário, uma síntese crítica
do livro e o juízo pessoal, sob o ponto de vista da relação do livro
com o tema do trabalho. Assim, um livro excelente pode ter um valor
relativo para a pesquisa, por tratar o tema lateralmente ou sob um
ponto de vista diferente do que interessa.
Vejamos alguns exemplos de fichas bibliográficas:

1*? EXEMPLO

a) Anverso
M o r n e t , D a n ie l

Commení priparer et rédiger une dissertation pour la lícence is lettres


(Le livre de 1’étudiant.)
Paris, Boivin et Cie., 1939.
Ura vol. 17 x 11; 123 p.

b) Reverso
Resenhas; não conheço.
O autor escreveu importantes estudos sobre Diderot e Molière.
Observações: inclui uma boa bibliografia básica de literatura francesa e vá­
rios exemplos literários. £ aproveitável para estudos de literatura; menos útil
no caso de monografias cientificas e filosóficas. Bom delineamento do problema
de estilo e de composição.29

29 EXEMPLO

a) Anverso

M ondolfo , R odolfo
Problemas y métodos de la investigación en la historia de la filosofia
(Cuadernos de Filosofia, 5)
Tucumán, Instituto de Filosofia (Universidade Nacional de Tucuraán) 1949
Um vol. 23 x 16; 222 p. ' ‘

b) Reverso

, Observações: excelente obra, especialmente para trabalhar em filosofia. Muito


boa e completa bibliografia sobre guias e repertórios bibliográficos, dicionários de
filosofia, história da filosofia e revistas filosóficas. Um pesquisador mostra como
se deve pesquisar.
(Existe uma nova edição de Eudeba, com atualização bibliográfica.)
122 A Iniciação na Pesquisa

Os dois exemplos anteriores, como se suspeitará, foram ex­


traídos das fichas preparadas para escrever o presente trabalho.
Vejamos, agora, um exemplo alheio a este estudo:

3? EXEMPLO
a) Anverso

Mufío?., Vicente
Lógica matemática y lógica filosófica.
Madrid, Edição da Revista Estúdios, 1962.
Um vol. 23 a 17; 28S p.

b) Reverso

Sistematização de investigações anteriores do autor em revistas difíceis de


conseguir. M uito importante para a filosofia da lógica, da lógica matematica e
da metalógica. Estudo objetivo. Com abundante bibliografia.

Vejamos agora como se faz uma ficha de um artigo de revista:

49 EXEMPLO

a) Anverso

Sarton, Georüe .
“The History of Science versus the History of Medicine” . Revista Isis, Paris,
n.® X X III, 4 de julho de 1935, p. 405-409.

Como se vê, o título do artigo escreve-se entre aspas e sublinha-se


o título da revista. Por certo que não constitui um erro grave citar-se
um artigo de revista da mesma forma que um livro; entretanto, é
necessário admitir que, se usarmos aspas no primeiro caso, o leitor
de imediato sabe que se trata de um artigo de revista e não de um
livro.
As fichas de documentação (que costumamos chamar, por
vezes, “fichas de seminário”) são de um tamanho maior que as bi­
bliográficas: 140 x 90 ou 140 x 105 milímetros. Empregam-se numa
fase, posterior da pesquisa, depois de se terem lido e estudado analiti-
camente as fontes bibliográficas. Nelas se consignará a informação
necessária para a proposição e a solução das questões e problemas
a considerar no trabalho.
A redação das fichas de documentação deve ser muito cuidadosa,
começando por registrar com toda a precisão a origem da infor­
mação, 0 lugar e o autor. Ao realizar a transcrição ou a síntese, deve-se
extremar a objetividade, evitando defrontar os dados com juízos ou
Informação Bibliográfica 123

apreciações pessoais ou de outros autores. Cumpre não esquecer que,


passado algum tempo, toma-se difícil saber até que ponto estão sendo
expostas (analisadas, criticadas) idéias próprias ou alheias e, sobre­
tudo, se as atribuições e responsabilidades são corretas.
Uma das inegáveis vantagens das fichas é a economia de traba­
lho intelectual e material. Por isso, ao escrever as fichas de documen­
tação, deve-se evitar o excesso de informação. Assim, num trabalho
sobre Descartes, não interessa anotar nas fichas a data e o lugar
de seu nascimento, que foi o autor do Discurso do método, o criador
da geometria analítica, etc. Isto seria perder lamentavelmente o
tempo anotando dados que figuram em qualquer história da filosofia.
A documentação pode consistir em: a) transcrições; b) re­
sumos; c) síntese e d) referências.
As transcrições textuais serão feitas quando os respectivos ex­
tratos tiverem que ser incluídos no trabalho por sua condição de fontes
ou por constituírem um elemento de prova. No caso já citado do
estudo sobre Parmênides, poderia ser conveniente transcrever al­
guns fragmentos do texto “Sobre a natureza”, com o objetivo de
realizar um estudo sobre as notáveis diferenças de estilo existentes
entre o Proêmio e a Primeira Parte. Não só por razões estilísticas,
mas, além disso, porque deste cotejo de textos se poderá elucidar
o sentido da obra e a intenção do autor. O Proêmio escrito numa
linguagem religiosa, quase mística e muito poética, e o resto usando
expressões lógicas, racionais.
A função básica dos resumos é instrumental, e, por isso, devem-se
fazer quando as obras (ou as partes das mesmas) utilizadas per­
tencem a uma biblioteca pública, à qual deverão ser devolvidas de­
pois de lidas.
A síntese — que não deve ser confundida com o resumo — é
o trabalho mais importante, mas também o mais difícil: é o fim ideal
da documentação. Consiste em expor as idéias centrais de um texto,
sua significação e sua unidade de sentido. O trabalho de síntese in­
tervém na parte básica do trabalho de pesquisa, sobretudo no der
senvolvimento, na fundamentação e na conclusão.
As referências — breves e concisas — devem consignar-se
quando se trata de obras conhecidas e de fácil acesso.
Para as transcrições e os resumos de certa extensão, torna-se
prático utilizar folhas grandes, das chamadas tamanho “ofício”, ou
pequenos cadernos que se acrescentarão às fichas respectivas.
O vaior da técnica das fichas, como de todo método, depende
também de quem o põe em prática. Além disso, assinalaremos alguns
de seus inconvenientes mais notórios: um deles é a “fichamania”,
isto é, a estéril acumulação de fichas que nunca serão aproveitadas
124 A Iniciação na Pesquisa
num trabalho final. Em disciplinas históricas, onde a documentação
é fundamental e não se pode prescindir da heurística, pode-se correr
este risco. Daí a importância do estudo da filosofia da história, e
inclusive de considerar a reconstrução histórica com um critério filo­
sófico, como sustentaram historiadores do porte de Toynbee e
Marrou.
Outras vezes, o compilador das fichas limita-se a um mero tra­
balho de transcrição das notas das mesmas. Finalmente, citaremos
como uma situação extrema, dentro destas tendências, a destas mo­
nografias intermináveis que se apresentam como um subproduto de
monumentais coleções de fichas, mas onde, em suma, nem o autor
nem o leitor sabem por fim “a que se ater”.
Vejamos alguns exemplos do modo de redigir as fichas de do­
cumentação. Em primeiro lugar, a transcrição de uma referência.

H adot , P ierr e -H enr i

L ' homme, "plante celeste”


Aras do X I Congresso das Sociedades de Filosofia de Língua Francesa
Ed. Presses Universitaires de France, Paris, 1961, p. 79.

“Cette im.age de l'homme 'plante celeste' a donc u n double aspect. D ’Une


part, eüe indique une opposition fondamentale entre la plante et l’hom me:
ceüe-là a ses racines dons la terre, celui-ci dcms le ciei; Vhomme est ainsi une
plante inversie. D ’entre part, il le laisse entrevoir une parenti profonde entre
l’homme et la plante-, tous detuc jouissent de la verticaliié; l’homme est alors
un amimal qui retrouoe la verlicalitá de la plante."

A comunicação científica de onde extraímos essa referência


constitui um estudo muito interessante de antropologia e a referência
que transcrevemos tem a vantagem de que, ao apresentar a idéia
central que o autor desenvolve, nos serve, ao mesmo tempo, de
síntese de seu estudo. Note-se que fizemos a transcrição no idioma
original.
Outro exemplo:

D i P a ula , T .; L agos, N . e P iz z in i , T . (Dirigidos por E. Sábato)


Antologia de informaciones y opiniones sobre el tango y su mundo.
(Incluído em Sábato , E,, Tango, discusión y clave, Buenos Aires, Losada, 1963.)

“ Em suas Meditadones sudamericanas, Waldo Frank assim se expressa:


1. . . Toda x vastidão, toda a melancolia e toda a paixão «em limites e incapaa
de solução da Argentina, se verterão lo g o ... no baile nacional do argentino
a tu a l... que nasceu em arrabaldes equívocos’.” (p. 28)
“ Florencio Escardó sustenta que: ’0 tango é a canção folclórica da cidade
enquanto expressa, de uma maneira involuntária, mas bem significativa, algo
profundo, transcendental e permanente da alma da própria cidade’.” (p. 29)
Informação Bibliográfica 125

■‘Na opinião de Cario; Vega, . o utjJein pela consideração e o estudo


do Tango portenho resulta de uma completa falta de sentido h is tó ric o ..."'
(p. 31)
"Por outro lado, Macedonio Fem indez sustentava: ‘Nós, portenhos,
somos um povo de mercadores e romanticães (p. 36)

Como se faz um resuiv.,' para a documentação? Aqui está um


exemplo:

A lbuié, M.
Quest-ce que comprendre en um philosophie?
iCollige Philosophique)
Paris, Centre de Documentation Universitaire, sem data.

Ao sentir o temor de ser enganado. Descartes nos fala, na Primeira


meditação, do caráter enganoso dos sentidos, e, até o final da mesma, o gênio
maligno adquire este caráter. Por isso mesmo, acudirá logo à veracidade divina,
estabelecendo uma relação intersubjetiva entre a sua consciência e a de
Deus,

Neste resumo utilizamos, na medida do possível, as mesmas


palavras do autor, eliminando os circunlóquios, as expressões indi­
retas e as justificações circunstanciais, porque um resumo não é
uma síntese, mas uma redução de um texto respeitando seu sentido.
Formulamos agora um exemplo de síntese:
M ay , R ollo
B l surgimento de la psicologia existencial, p. 42-58.
(Cap. I da obra coletiva Psicologia existencial, Buenos Aires, Paidós, 1963.)

a) Princípios de uma psicoterapia científica: l.° ) toda a psicoterapia deve


adaptar-se à natureza do ser humano; 2.u) não é certo que o mais complexo se
explica pelo mais simples mas ao contrário: o mais simples só se pode com­
preender e explicar-se pelo mais complexo; 3.°) o objeto d e estudo não é um
paciente, um homem mas duas-pessoas-existentes-em-um-mundo (que í o
consultório do psicoterapeuta); 4.°) a dimensão existencial básica é a evidên­
cia da vontade e da decisão; 5 .°) a existência humana se define como essen­
cialmente livre, o que implica negar as forças deterministas que atuam sobre o
homem; ó.°) vencendo a concepção psicanalítica, a psicologia existencial sus­
tenta que cada "ser” apresenta três aspectos; "eu mesmo", "pessoa” e “eu ".
b) Dificuldades e riscos da psicologia existencial: 1.») o irso dos con­
ceitos da psicologia existencial para justificar atitudes antiintelectualistas;
2.°) Dificuldades semânticas derivadas do usò de uma terminologia herdada
da Europa; 3.°) a psicologia existencial corre o risco de ser submersa numa
falsa dialética: racionalismo-anti-racionalismo; 4.°) identificação com certas
escolas de budismo-zea (o que não implica numa desestimação desta filo­
sofia).

Em poucas linhas, sintetizamos um texto de dezesseis páginas.


126
A Iniciação na Pesquisa

A nálise e crítica da docum entação bibliográfica

A reflexão crítica sobre o material bibliográfico inicia-se a


partir do momento da seleção, que já implica assumir uma atitude
crítica face aos textos. A crítica da documentação, em sentido estrito,
consiste em formular um juízo de valor sobre os textos como tais.
Há nm* crítica externa e uma crítica interna ou de interpretação.
A crítica externa refere-se às fontes e é de natureza histórica,
inclui uma crítica: a) dos textos; b) da autenticidade e c) da ori­
ginalidade. A crítica textual deve responder às seguintes perguntas:

1) É o texto autógrafo do autor presumido?


2) Foi escrito para ser publicado ou não (o caso de algumas
obras de Kafka ou dos Carnets de Levy-Bruhl e de parte
da produção inédita de Husserl)?
3) É uma cópia?
4) De que época?
5) Foi revisado pelo autor?
6) É uma cópia de cópia?

O estrito cumprimento da crítica textual impõe-se em toda a


publicação de inéditos, o que não é o caso de um trabalho mono-
gráfico com finalidades escolares85. O conhecimento de sua proble­
mática fundamental serve, entretanto, para aplicá-la à escolha das
edições. E esta, sim, é uma questão que se apresenta correntemente
no preparo de uma monografia.
A crítica de autenticidade e de originalidade costuma ser tra­
balho prévio a toda pesquisa; no caso dos trabalhos monográficos,
considera-se realizada se foi feita uma boa escolha das edições
(por exemplo, as edições críticas, anotadas, como a já men­
cionada de Ross para Aristóteles ou a de Gilson do Discurso do
método). Como já explicamos, a crítica de autenticidade foi efe­
tuada, entretanto, sobre parte da obra platônica. Uma das aplica­
ções da crítica de autenticidade é o exame crítico da fidelidade das
traduções.
A crítica interna ou hermenêutica possui maior interesse para
nosso objetivo. Exige de quem a exerce um culto desinteressado da ver­

85 Para um exame detido deste aspecto da crítica, veja-se J. Bidez e A. B.


Drachmann, Emploi des signes critiques. Dispos-Uton de Vapparat dans les édt-
tions savantes de lextts grecs et latms. Conseüs et recommendattous. Union Aca-
demique Intemationelle, Pari», Les Belles Lettre», 1938.
Informação Bibliográfica 127

dade, um espírito desprevenido e a maior objetividade face às inter­


pretações, sejam estas modernas ou clássicas, e, sobretudo, diante
das próprias interpretações (autocrítica).
Deve-se penetrar no texto até uma identificação com o pensa­
mento e as intenções de seu autor. Para isso, é preciso ler com sim­
patia e respeito, tratando-se mais de compreender do que refutar.
A o utilizar os trabalhos dos comentaristas de um autor, é necessário
ter em conta que o grau de objetividade está quase sempre afetado
pela própria doutrina.
Compreender um texto equivale a haver entendido o que um
autor quis dizer, os problemas que postulou e as soluções que propôs
para os mesmos. Uma tentação freqUente nos jovens é a de inter­
pretar os autores clássicos à luz dos modernos, o que os leva a mo­
dernizar perigosamente até o próprio texto. Devem-se ler os autores
em função de toda a sua obra, mas também no contexto de sua
época e de seu meio.
Além da peculiar atitude intelectual e espiritual que supõe esta
identificação (transitória, está claro) com o pensamento e as inten­
ções do autor, condição prévia para a sua compreensão, é mister pe­
netrar na linguagem, no estilo e nas fontes. Os professores de filo­
sofia medieval sabem a cautela com que devem ser traduzidas as
expressões dos filósofos da época, levando em conta, principalmente,
a intenção com que eram usadas as expressões latinas.
A fase final da crítica interna é a avaliação do texto, que varia
segundo a natureza da fonte a apreciar: literária, histórica, filosófica.
Os alunos encontrarão um valioso auxílio para a avaliação das
fontes nas resenhas bibliográficas de autores competentes nas res­
pectivas matérias.
Ao final de toda esta tarefa, o estudioso possuirá dados pro­
porcionados pelas fontes, análises e estudos devidos a especialistas
no tema escolhido e críticas pessoais: observações, problemas e hi­
póteses não explicadas ou sintetizadas, relações e conclusões preli­
minares. A totalidade deste material é a documentação, aue servirá
de base à estruturação da monografia ou do trabalho de pesquisa
que se projeta realizar.

Uso da filosofia, da ciência o da literatura

É óbvio que em toda pesquisa devem-se considerar as contri­


buições anteriores, refletir sobre elas e extrair conclusões úteis para
o trabalho pessoal. Se, por exemplo, se estuda a teoria do conceito
como deixar de parte as contribuições socrático-platônicas e aristo-
télicas? Mas, ao tomar de cada doutrina o aspecto que interessa
128 A Iniciação na Pesquisa

para o caso, é necessário avaliar o sistema completo; em outras pa­


lavras, considerá-Lo em função do sistema do autor.
Quando o estudo da história da filosofia ou da literatura foi
efetuado com base em sínteses, resumos e interpretações de segunda
mão (manuais, “introduções” e histórias), os estudantes podem
cometer o erro de deformar uma doutrina. Entre outras razões,
devido ao fato de que nos livros utilizados são omitidas as justifi­
cações das idéias expostas e não se explicam as suas articulações
internas, porque essas omissões foram já previstas ao planejar tais
obras.
O conhecimento dos alunos costuma ser incompleto porque
está condicionado, nesses casos, à finalidade docente, isto é, ao
ensino de um problema, um método ou uma doutrina. E o caráter
fragmentário do sistema que estudam não só os prejudica estrutural­
mente (por ser incompleto), mas — o que é muito mais grave —
os faz perder o sentido da unidade da doutrina, extraviados pela
letra cujo espírito lhes escapa.
Em problemas de história, metodologia e filosofia das ciências,
é necessário ter cuidado na manipulação das idéias científicas, evi­
dentemente sem esquecer que se está num plano filosófico ou histórico,
e não técnico (científico). Significa isso que a intenção do estudo,
a postulação da problemática, a análise e as idéias são estritamente
filosóficas86.
O estudioso deste tipo de problemas não só deverá possuir
;erta formação epistemológica, mas deverá conhecer ainda o sen­
tido dos conceitos científicos próprios da respectiva ciência. Por
exemplo, uma monografia sobre a filosofia do infinito matemático
requer o conhecimento correto das noções matemáticas de limite,
sucessão, série, número real, etc. E o fato de tratar-se de uma inves­
tigação filosófica em nada diminui a beleza e o rigor na manipulação
dessas noções científicas.
Evidentemente que esta atitude de respeito pelo contexto cien­
tífico de certas idéias pode levar a outro erro: o de retirar conclusões
filosóficas de um uso ingênuo dos conceitos da ciência, por uma

86 Transladar uma questão filosófica a uma formulação científica implica seu


aniquilamento; por isto, justamente, os cientificistas estão incapacitados, salvo
exceções, para a filosofia das ciências, como para qualquer outro tipo de investi­
gação filosófica. Se, pelo contrário, o científico se move num plano filosófico, atuará
como filósofo; neste caso deverá possuir o conhecimento, as condições e as téc­
nicas que exige a reflexão filosófica. Sempre estará, por isso mesmo, em inferiori­
dade de condições face a um filósofo profissional (no bom sentido do term o); isto
explica os erros grosseiros dos cientificistas convertidos em filósofos.
Informação Bibliográfica -|gg

interpretação superficial dos mesmos ou por extrapolações ilegí­


timas87. *
Ê licito utilizar obras literárias numa monografia sobre um
tema não literário? O uso da literatura — fora de seu emprego espe­
cífico em questões literárias ou estéticas, está claro — aconselha-se,
em certos casos, pelos ensinamentos que nos podem levar a um
melhor conhecimento do homem. Os grandes escritores são psicó­
logos natos, como provam as obras de Dostoievsky, Molière, Flau-
bert, Cervantes, Dante, et<?., e, nos tempos modernos, Sartre, Faul-
kner, Camus, Genet, Kafka, Marcei, Priestley, Miller, Annouilh,
Graham Greene, Julien Green, Ionesco, etc.
Nas obras literárias cumpre considerar dois aspectos principais:
a ) a psicologia dos personagens é b) o conhecimento do homem
e _da vida que se deriva dos trabalhos autobiográficos e dos que
não o são, porque — salvo no caso da novela de ficção e policial -
todo o novelista de algum modo é autobiográfico. Um terceiro as­
pecto não depreciável é constituído pelas considerações psicológicas
introduzidas pelos autores de forma impessoal, ou os ensaios escritos
com esta finalidade expressa, como o Diário de Amiel ou alguns
ensaios de P. Valéry.
Há, além disso, idéias filosóficas em obras de ficção e inclu­
sive em alguns poemas. Por exemplo, as variações em torno do
tempo em algumas peças teatrais, em alguns contos de Borges e
Bioy Casares, em alguma novela de Faulkner e nos Quatro quar­
tetos de EUiot. Os temas de filosofia oriental nas novelas de H. Hesse
(Sidarta, Viagens ao Oriente e o Jogo das contas de vidro) e em
livros de A. Huxley (A filosofia perene, O escritor e a deusa), os
temas teológicos em Bernanos {Sous le soleil de Satan), em Julien
Green (Moira e, principalmente, seu Diário), em Graham Greene
( O poder e a glória, O final da aventura, Através da ponte), em C.
Coccioli (Céu e inferno), em Huysmans (Os elixires do diabo);
os conflitos morais em Sartre, Camus, Simone de Beauvoir, Ga­
briel Marcei (em suas obras de ficção, está claro); os problemas
escatológicos em H. James (A turn of the screw); as intuições cos-
mológicas e alquimistas na poesia de Milosz (Le cantique de la
connaissance) ou em alguns poemas de Fernando Pessoa e de Wil-
liam Blake (inclusive em suas gravuras); o existencialismo avartí la
lettre de Roberto Arlt (Os sete loucos) ou de P. Lagerkvist (Bar-

87 C. Vaz Ferreyra ocupou-se com este problema em sua conhecida mono­


grafia sobre TrascendentaUzaciones matemáticas ilegítimas. (Edição do Instiruto
de Filosofia de la Facultad de Filosofia y Letras, Buenos Aires, 1945.)
130 A Iniciação na Pesquisa

rabás) ou de Kafka ( O processo, Metamorfose); a ontologia implí­


cita nos poemas de Trald, Hõlderlin e Rilke (As elegias de Duíno,
Livro de horas) e nas obras de muitos outros novelistas e poetas que
tornariam interminável a presente enumeração.
Não se deve confundir a poesia filosófica com a filosofia poé­
tica, como o que se encontra em alguns diálogos platônicos do
Poema de Parmênides (escrito em hexâmetros), ou da maior parte
das obras da filosofia oriental. Os escritores têm fundamentalmente
uma finalidade literária — escrever ficções — e não científica, nem
filosófica. Às vezes descrevem personagens que passam a ser arqué­
tipos: o “avaro” e o “hipócrita” de Molière; o “criminoso epilép­
tico” de Dostoievsky; os “pícaros” de Cervantes; o Hamlet de
Shakespeare, com todas as vantagens e os inconvenientes.de serem
formas perfeitas (como os arquétipos platônicos, embora em outro
plano) que só existem de maneira aproximada na vida real.
Por isso, não devemos esquecer que o objetivo das obras lite­
rárias não é científico, mas sim estético. Poetas, novelistas e dra­
maturgos são homens que procedem, na maioria dos casos, sem
intenção filosófica. Seus poemas, porém, podem proporcionar um
rico filão metafísico, como abundantemente o mostrou Heidegger
a propósito de Hõlderlin, Trakl e Rilke.
R E A L IZ A Ç Ã O P A P E S Q U IS A

O experimento científico

A observação científica é a busca deliberada e controlada de


objetos, fatos e fenômenos sob certas condições previamente deter­
minadas, a mais importante das quais é a intersubjetividade, A obje­
tividade da ciência — no campo empírico — se baseia na possibilidade
de que a observação seja realizada por qualquer observador colo­
cado numa situação análoga. Esta exigência garante a eliminação
dos fatores subjetivos inerentes a um observador, mas, por certo,
admite as distorções comuns a todos eles. £ evidente que a inter­
subjetividade é a única possibilidade de evitar o subjetivismo solip-
sista.
Os fatos observados ou experimentados convertem-se em enun­
ciados protocolares (chamados também “proposições atômicas” ou
“singulares” ) quando traduzem lingüisticamente a realidade obser­
vada, sem interpretação nem explicação alguma. Neste plano de pes­
quisa, o homem de ciência deve usar as formas impessoais de lingua­
gem e, sempre que isso seja possível, recorrer ao simbolismo artificial
da matemática.
Um bom exemplo é dado pelo registro da temperatura de um
doente internado num hospital. A localização do fato — o doente
— se efetua mediante a determinação das duas coordenadas: o es­
paço e o tempo. Localização espacial: doente 25, da sala 11 do
Hospital de Clínicas; localização temporal: dia 20 de julho de 1968,
às 11 horas. Com base na determinação de ambas as coordenadas,
registra-se o fato que, neste caso, é o controle periódico da tempe­
ratura do doente: 38°, a primeira vez (às 11 horas), e sucessiva­
132 A Iniciação na Pesquisa
mente vão sendo anotados os registros termométricos obtidos em
diferentes horas do dia. E&tas operações poderão ser efetuadas por
um enfermeiro (como ocorre de fato nos hospitais): a única coisa
que se exige é uma atitude objetiva ao verificar a temperatura e ao
registrá-la.
Se, em vez de ser um enfermeiro, for um médico que tome a tem­
peratura do doente, é inevitável que relacione as variações termo-
métricas com o processo patológico que afeta o paciente e do qual
o médico tem conhecimento. Neste caso, deverá igualmente anotar
sem comentários os dados (graus termométricos), omitindo toda
referência causai ou explicativa. Os enunciados protocolares são,
pois, o resultado direto de observações, ou melhor, sua tradução
linguística. ‘
Logicamente, exige-se que estes enunciados sejam verificáveis
diretamente, mediante o confronto com os fatos que lhes deram
origem. O processo técnico de verificação não está isento de difi­
culdades, porque sua comprovação exige — como se disse — a
confirmação intersubjetiva, isto é, a verificação conjunta. Segue-se
daí que a objetividade científica da observação baseia-se na intersub-
jetividadje, mas a observação intersubjetiva está limitada por duas
situações aporéticas: se a observação é simultânea, cada observador
estará limitado por sua própria perspectiva; se a observação é suces­
siva, o processo observado se modificará com o tempo. Esta última
dificuldade é especialmente importante nos experimentos da micro-
física.
Tradicionalmente se exige que os fenômenos sejam passíveis
de repetição, o que, no fundo, equivale a postular uma condição
básica de legitimidade universal no processo da verificação. Todavia,
cabe observar que a condição de possibilidade de repetição nem
sempre se pode exigir, em vista da própria natureza dos fatos obser­
vados. Por exemplo, as pesquisas realizadas durante experiências ex­
cepcionais, como as guerras, um eclipse, uma catástrofe, o nascimento
de seres teratológicos. No caso particular da parapsicologia, não só as
percepções extra-sensoriais nem sempre são suscetíveis de repetição,
mas inclusive as próprias condições da observação podem inibir a
produção dos fenômenos paranormais. O ceticismo crítico sobre sua
existência, por exemplo, tão comum em tudo o que concerne à
fenomenologia parapsicológica, pode impedir o sujeito da realização
exitosa das experiências. .
O fator humano na observação — denominado “equação hu­
mana” ou “equação pessoal” — deve ser cuidadosamente controlado.
O primeiro passo para eliminar os erros de observação é o isola­
mento do fato observado relativamente ao contexto que pode dis­
Realização da Pesquisa 133
torcer a observação ao introduzir o erro. Esta função exige o trei­
namento das técnicas de experimentação científica, desde o uso dos
instrumentos até a precisão na redação e na interpretação dos ques­
tionários.
A lei do instrumento está intimamente relacionada com este
tipo de erro: um homem de ciência formula problemas cuja solução
exige o emprego das técnicas que ele próprio habilmente manipula.
Atualmente, a lei do instrumento manifesta-se na adoção de métodos
e técnicas que estão na moda ou que possuem prestígio. Por exem­
plo, os computadores eletrônicos e as técnicas estatísticas.
Qual é o sentido e a função do experimento científico? Não há
uma distinção precisa entre a observação e o experimento, visto que
este é, na realidade, uma observação planejada e delimitada com
um propósito. Foram descritos experimentos de diversas espécies:
nada menos que uma dúzia, sem esgotar as possibilidades de sua
classificação. Inclusive, numa pesquisa podem-se planejar experiên­
cias que impliquem, simultânea ou sucessivamente, mais de um tipo
de experimento.
A calibração ou padronização dos instrumentos de observação
constitui um experimento metodológico; podemos defini-lo como um
procedimento, que serve para provar ou desenvolver alguma técnica
de pesquisa.
Antes de empreender uma pesquisa, pode-se tentar estabelecer
as grandezas de certas variáveis; tal tipo de experimento denomina-se
piloto ou também pré-teste88. A procura de novas idéias ou de
Imhas ainda não percorridas na pesquisa chama-se experimento
heurístico. O uso dos modelos (que estudaremos ao nos ocuparmos
da construção da teoria científica) ilustra perfeitamente esta espécie
de experimento. Alguns autores distinguem, dentro desta espécie de
experimentos, um tipo especial que denominam exploratório, como,
por exemplo, o procedimento chamado de “ensaio e erro” e a téc­
nica já estudada do uso dos placebos para provar a eficiência quí­
mica de uma droga. Os experimentos de simulação podem ser incluídos
nesta rubrica, especialmente no que se refere ao uso dos modelos.
O experimento nomológico tem a finalidade de provar ou invalidar
uma hipótese e o experimento crucial é projetado com o objetivo de
decidir entre duas possíveis interpretações de um processo. Muito
próximo a esta espécie de experimentos está o experimento tearético,
que consiste em um ou mais experimentos planejados e interpretados

,!• . K aplan, Abraham, The conduct oi inquiry, San Francisco, Chandler Pu-
bliahing Company, 1964, p, 149.
134 A Iniciação na Pesquisa

à luz de certas teorias. Por exemplo, uma das comprovações expe­


rimentais da teoria da relatividade generalizada de Einstein, que
explicaremos a seguir com os devidos pormenores.
De acordo com a teoria gerai da relatividade, um raio de luz
é obrigado a desviar-se em direção ao corpo que produz um campo
gravitacional: a luz é atraída pelo corpo. Einstein antecipou que a
curvatura prevista pela teoria da relatividade generalizada tem que
«WnC»r i j segundos de arco89. Para verificar a teoria (mediante
um experimento do tipo teorético) era necessário fotografar uma
constelação do Zodíaco quando o Sol nela se encontrasse e tornar a
fotografá-la em outra época do ano, quando o Sol ocupasse outra
posição. Apresentava-se, entretanto, uma dificuldade, derivada do
largo tempo de exposição a que seria necessário submeter a placa
para realizar a fotografia e que teria como conseqüência o obscure-
cimento da mesma. Somente se poderia fotografar o fenômeno du­
rante um eclipse total. .
A primeira guerra européia impediu que se realizasse a experi­
ência durante o eclipse de 19 de agosto de 1914; finalmente se
conseguiu realizar a experiência em 29 de maio de 1919. Duas ex­
pedições tomaram as fotografias necessárias, durante o eclipse e
depois de dois meses, quando a mesma região do céu era visível
durante a noite. Uma das expedições realizou experiências em So­
bral (Brasil) e a outra na ilha do Príncipe (golfo da Guiné). Esta
dirima foi presidida pelo astrônomo sir Arthur S. Eddington (que
se revelou posteriormente como o melhor comentarista científico da
teoria da relatividade). A comparação das duas fotografias tomadas
nas duas situações previstas — durante o eclipse e dois meses de­
pois — revelou uma média de desvio de 1,78”, o que concordava com
o valor previsto por Einstein90. Observações posteriores, em eclipses
sucessivos, ratificaram uma e outra vez o fenômeno antecipado pelo
autor da teoria da relatividade.

A verificação das hipóteses

Nos diferentes níveis da investigação científica salienta-se o


papel proeminente que se atribui ao experimento nas ciências fá­
ticas. A experiência científica distingue-se da simples observação

89 A antecipação einsteiniana com titui um enunciado preditivo, categoria de


proposiçOes científicaa que explicaremos no parágrafo seguinte,
90 Certo biógrafo de Einstein referiu que os astrônomos mostraram a tm s -
tein aa fotografias, diaendo-lhe "Ei* af a prova da validade de *ua teoria , ao que
o sábio respondeu: "Estas provas os senhores as necessitavam, eu não .
Realização da Pesquisa 135

pelo caráter eminentemente ativo do pesquisador quando realiza


experimentos. enTcontraste com a natureza passiva da observação.
A experimentação^consiste em projetar, organizar e compreender
atividades que são inseparáveis da elaboração intelectual.
A epistemologia define as duas características fundamentais da
pesquisa científica por meio de duas expressões: (a) o contexto da
descoberta e (6) o contexto de justificativa. A criação ou a desco­
berta científica se realizam nessa primeira etapa, que consiste na
descoberta (ou na invenção) de novas idéias. Claude Bernard, em
seu valioso livro Introdução ao estudo da medicina experimental, di­
zia que a antecipação de uma idéia é o ponto de partida obrigatório
de toda a investigação experimental. Daí que muitas vezes a tri-
vialidade de uma investigação não seja mais do que o resultado da
pobreza intelectual da hipótese que lhe deu origem.
A metodologia da pesquisa proporciona métodos para verificar
as hipóteses, técnicas para realizar corretamente uma pesquisa, mas
nmguém encontrou- a receita"para promover'TdSas. cíentifigameiiíe
fecundas. Uma idéia original pode nascer por acidente, num sonho,,
e também no decorrer^de um trabaihõ^cienfíílcã Em certos casos
e uma inferência realizada a partir de uma teoria, fio pode SGrgTr
no desenvolvimento de uma discussão, ou nascer de um raciocínio
põr analogia e até de erros de raciocínio.
O físico e epistemólogo Jean L. Déstouches afirma que toda a
noção teórica formulada proposicionalmente — por exemplo, uma
hipótese — é o resultado de um processo mental de esquematização
e de abstração a partir de dados sensíveis, mas que nenhuma ex­
pressão teórica corresponde exatamente à realidade _ exterior. À
elaboração dás idéias que irão constituir o ponto de partida de uma
pesquisa experimental pode ser um raciocínio que apela para a
intuição, para uma teoria an terior, para teorias dedutivas parciais'
e combinadas e também para a indução e a analogia. Esta elabo­
ração mental complexa que está na base da formulação de hipó­
teses denomina-se síntese indutiva.
A condição essencial do contexto de justificativa é a verificação.
chave do método, hipotético-dedutivo que caracteriza as ciências
fáticas. Toda ciênciaé uma forma de conhecimento da realidade
(de um fragmento ou de um aspecto da realidade) que se traduz
mediante um sistema de símbolos (linguagem científica); por isso,
em última análise, pode-se afirmar que a ciência é uma linguagem
bem feita. As ciências positivas se traduzem, pois, em sistemas de
cònceitosTisto é, em conjuntos de palavras logicamente relacionadas.
Na análise de uma teoria científica, deparamos, em primeiro
lugar., com os termns, qnp jmHpm m definidos ou indéfinidos. Tanto
136 A Iniciação na Pesquisa

nas ciências formais como nas fáticas, inicia-se a elaboração teórica


com termos indefinidos, seguidos dos termos definidos e dos enun­
ciados protocolares. No parágrafo seguinte ocupar-nos-emos com a
construção da teoria científica, mas, neste momento, é mister já
nos referirmos ao problema da verificação dos enunciados, que se
pode realizar em vários níveis: (a) verificação lógica :CtPP verificação
técnica e(gj verificação científica.
A verificação lógica é. na realidade, a prova da coerência (não
contradição da teoria). Uma proposição da forma “a água ferve e
não ferve a cem graus de temperatura” é eliminada sem confrontar
a proposição com os fatos, porque, por sua própria estrutura, é
contraditória (viola a lei da não contradição).
A verificação técnica está condicionada pelo desenvolvimento
dos meios técnicos no campo da ciência. Por exemplo, o enunciado
“no outro lado da Lua existem montanhas” era inverificável antes do
lançamento do “Sputnik”, que fotografou o outro lado de nosso
satélite; entretanto, agora é verificável, pois conhecemos a outra
face da Lua. Por isso, o princípio científico de verificabilidade vale,
em geral, virtualmente ( “em potência” ), e um enunciado pode ser
admitido, mesmo quando não se verificou de jato, sempre que o
seja em princípio.
Q terceiro plano — e o decisivo — é a verificação científica
em sentido estrito. Dos enunciados protocolares passa-se ao nível
das hipóteses, que são enunciados gerais. Braithwaite91 define um
sistema científico como um conjunto de hipóteses que configuram
uma teoria dedutiva: se se tomam algumas delas como premissas,
os demais enunciados derivam-se logicamente como conclusões. Clas­
sifica as hipóteses em três níveis: © alto nível; (Fl, nível intermediário
e t g l baixo nível. As hipótese? de alto nível constituem as prgmissas
do sistema: as de nível intermediário se deduzem como conclusões
das anteriores e as de nível inferior são as conclusões da teoria.
Toda hipótese, por sua estrutura lógica, é inverificável como
tal. Com efeito, uma hipótese é um enunciado geral; pois Bem, a
verificação de um enunciado implica sua confrontação com um
fato. Mas os enunciados protocolares são singulares e podem ser
confrontados com os fatos, que também são simples; por outra parte,
como as hipóteses são enunciados gerafr;*sua verificação direta su­
poria a existência de “fatos gerais”, o que evidentemente é absurdo.
É possível, entretanto, verificar indiretamente a validade das
hipóteses, deduzindo das hipóteses de nível mais baixo enunciados

91 B raithwaite , R. B., La explicación científica, Madrid, Tecnos, 1965.


Realização da Pesquisa 137

singulares (protocolares) qüe, estes sim, podem ser verificados ou


refutados. As teorias fáticas devem ser abertas- istn ér estar mih-
mçtidas à verificação em qualquer momento. Inclusive novas expe­
riências podem colocar em crise um sistema considerado válida
até um dado momento. Nestes casos, ainda quando certos fatos nãoli
sejam explicáveis mediante as leis estabelecidas na teoria, podem ser J
introduzidas hipóteses auxiliares — cham adas hipóteses ad hoc —,
as quais, por sua vez, devem ser confirmadas. No caso de aue as
hipóteses ad hoc tenham sido verificadas, a teoria foi generalidade.
As hipóteseiTad hoc constituem, de certo modo, exceções às leis doj
sistema; por isso, a introdução destas hipóteses auxiliares “enfia-/
quece” a potência teórica da teoria.
" As hipóteses confirmadas convertem-se em leis, e um conjunto
de leis adequadamente verificadas constitui um sistema teórico.
Leve-se em conta que, ao passar de um nível teórico a outro su­
perior, por exemplo do plano da hipótese ao da lei, ou da lei, ao
da teoria, cada nível respectivo deve ser verificado mediante enun­
ciados protocolares, que uma e outra vez deverão ser cOflflffflgaõs
óu refutados pelos fatos. ' ' '
No último nível, isto é, na teoria, realiza-se o processo final da
verificação (considerando a palavra “final” no sentido relativo que
supõe sua incorporação ao processo de confirmação, cuja relativi­
dade já destacamos). Neste plano da pesquisa <»nnnriH-g<» nm« pre­
posição preditiva, isto é, antecipa-se um fato ainda não rea1Í7arirt
que servirá como pedra de tooue para estabelecer a validade do sis­
tema. No exemplo de Le Verrier anteriormente analisano, o enun­
ciado preditivo foi a fórmula que antecipava a localização espaço-
temporal do planeta transuramano Netuno, e a verificação foi
realizada, corno é lógico, posteriormente, ao se descobrir o novo corpo
celeste.
A arquitetura lógica da ciência — não isenta de certa beleza
formal — não possui a harmonia preestabelecida dos arquétipos pla­
tônicos; existem em sua tessitura alguns resquícios que deram ori­
gem a uma polêmica que se prolonga há muitos anos, mas que se tornou
crítica em nosso tempo o problema da justificativa da indução,
que pode formular-se nos seguintes termos: que é que justifica que
falemos de um princípio de indução normativo deste processo que
parece constituir a própria essência da pesquisa fática, a indução?
Do ponto de vista semântico, o princípio deve ter a estrutura
de uma proposição, e, neste caso, cabe perguntar que tipo de enun­
ciado é. Não pode ser contraditório, porque não seria cientifica­
mente válido, nem tampouco um sem sentido, por razões análogas.
Já não restam muitas possibilidades: ou é analítico ou é sintético.
138 A Iniciação na Pesquisa
Se é «""iftim (por exemplo, uma tautologia, já que eliminamos a
de que seja uma contradição), o problema da indução
se desvanece ao desaparecer a possibilidade do próprio processo in­
dutivo: todos os enunciados, inclusive os fáticos, se poderíam de­
duzir dele; consequentemente, não necessitamos de processo indu­
tivo algum. Mas tampouco pode ser sintético, porque então deveria
ser legitimado por um principio superior (com o decorrente regresso
ao infinito) ou poderia ser refutado em qualquer momento pela ex­
periência. Finalmente, se o considerarmos num nivel metalógico —
isto é, como uma regro — terá apenas uma validade estritamente
convencional98.
A exigência de uma exaustiva confirmação das hipóteses e das
leis — na qual se baseia a indução para ser cientificamente válida —
nos conduz a um beco sem saída; pois, como se sabe, nunca se es­
gotam os enunciados derivados de uma hipótese que se deseja con­
firmar. Este caráter “aberto” da verificação possui uma conse­
quência catastrófica para a ciência — como o assinalou Popper08 — ,
porque não só as leis cientificas seriam inverificáveis, mas, ainda
maU, seriam enunciados sem sentido. Com efeito, se o sentido das
proposições depende da possibilidade de serem verificáveis, como
as leis cientificas não podem ser reduzidas a enunciados empíricos
seriam inverificáveis e, consequentemente, careceriam de sentido.
Teriam o mesmo status lógico que os enunciados metafísicos, tra­
dicionalmente impugnados pelos positivistas e agora também pelos
positivistas lógicos.
Popper propõe uma inversão total da formulação: os positi­
vistas clássicos e seus modernos herdeiros, os neopositivistas, faziam
residir a justificação das teorias no princípio de verificabiiidade (ve­
rificação de fato ou em princípio) ; Popper propõe a falsabilídade.
Ao derivar enunciados preditivos e confrontá-los com os fatos,
pode ocorrer que estes sejam verificados ou refutados. Conforme
foi explicado, a verificação de um enunciado geral é inesgotável,
m»» há algo mais importante: a refutação de um enunciado singular
preditivo é suficiente para invalidar a totalidade da teoria da qual
foi deduzido. A explicação desta afirmação foi formulada anterior­
mente (ao nos ocuparmos do caso das experiências de Semmelweis):923*

92 Em noMO ensaio Semântica y metafísica, publicado na* Atas das Se­


gunda* Jornadas de Filosofia (Edit. Sudamericana, 1966, p. 193-203)^"eatudamos
cise problema.
93 F offer, Karl R., La lógica de la invejtigacióit cientifica, M adrid, Tec-
nocai, 1962.
Realização da Pesquisa 139
o processo lógico implícito nesta operação constitui uma inferência
válida, porque corresponde à tautologia chamada modus tollens.
Por outro lado, o mecanismo lógico subjacente no processo de
verificação apresenta a forma lógica de uma falácia, como se mostrou
analiticamente no emprego citado de Semmelweis. Em síntese, a
falsação de um enunciado tem como conseqüência a falsação total
da teoria. Há, pois, uma notória assimetria entre o processo lógico
de corroboração (verificabilidade) de uma teoria e o de falsação
( “falsabilidade” ) da mesma.
Conclui Popper que a justificativa dos enunciados científicos
pode ser feita contrastando-os de modo que só a possibilidade de
sua falsação seja a que determine seu caráter científico. As propo­
sições formuladas no contexto de uma teoria científica que não se­
jam falsáreis devem ser banidas do corpo da ciência. A este critério
discriminativo sobre o status científico dos enunciados Popper deno­
mina “critério de demarcação”.

O uso do raciocínio no desenvolvimento


e na solução do problema

A condição inicial que todo texto científico deve obedecer


é a coerência; por isso, uma das funções básicas da lógica é a sua
aplicação nos diferentes campos do conhecimento. Durante o desen­
volvimento de uma pesquisa, em qualquer de suas fases e níveis, é
necessário avaliar logicamente o próprio pensamento.
O contexto de descoberta é o processo psicológico que conduz
à formulação do argumento; por outro lado, o contexto de justifi­
cativa é a prova lógica de uma proposição. Justificar uma propo­
sição equivale a formular um argumento cuja conclusão é precisamente
a proposição cuja fundamentação se busca.
G. H. Hardy, P. V. S. Aymar e B. M. Wilson91 aludem a um
episódio da vida de Ramanuyan — contado por ele mesmo — no
qual uma deusa visitou-o em sonhos e lhe deu algumas fórmulas
matemáticas que, já acordado, anotou e verificou. A referência &
visão da deusa — à margem do problema de sua legitimidade —
pertence ao contexto de descoberta. A validade científica das fór­
mulas baseia-se na demonstração realizada pelo matemático hindu,
ou seja, no contexto da justificativa.
A redução da fundamentação lógica de uma proposição ao con-94

94 ColUcíed papers of Srintvasa Ramanujan. Cambridge University Press,


1927. p. X II.
140 A Iniciação na Pesquisa
texto da descoberta é uma falácia, chamada falácia genética. Exemplo
disso seria a rejeição da teoria genética de Mendel pelos biólogos
soviéticos da escola de Lysenko, objetando que é uma concepção
burguesa. Outro exemplo: a condenação nazista da teoria da rela­
tividade, por ser obra de um físico judeu.
Uma forma de preservar a coerência do discurso é evitar toda
ambigiiidade que facilite a incorreção lógica, isto é, as falácias.
Uma argumentação pode ser psicologicamente persuasiva e, entre­
tanto, encerrar um paralogismo. Assim como resulta praticamente
impossível classificar exaustivamente os transtornos mentais, tam­
bém o é a classificação das falácias. Os autores, desde Aristóteles,
não se puseram de acordo acerca do modo de classificar as falácias
(o estagirita é autor de uma. classificação cuja exposição não cabe
apresentar aqui). Consideramos mais importante ocupar-nos das
falácias informais que podem envolver o pesquisador desprevenido.
A apelação ao critério de autoridade, falácia era que incorrem
com freqüência os jovens (e às vezes também alguns que já não
o são), consiste em basear uma conclusão no testemunho de uma
reconhecida autoridade na matéria, sem considerar a correção da
argumentação nem a validade do testemunho invocado. Chamada tam­
bém argumentum ad verecundiam, esta falácia varia em uma escala
que pode chegar inclusive até o raciocínio válido, precisamente no
caso em que o apoio buscado é perfeitamente correto e atinge a
natureza da questão.
No outro extremo, converte-se em falácia não só quando é falso
o testemunho, mas quando, sendo este correto, o campo de conheci­
mento da suposta autoridade é diferente daquele no qual se introduz tal
argumentação. No campo da propaganda, o argumentum ad vere­
cundiam é usado abundantemente, e geralmente se invoca como au­
toridade a “opinião” de figuras populares, pelo simples fato de
serem populares, sem levar em conta a sua cultura e educação.
O argumentum ad ignorantiam (argumentação por ignorância):
ocorre quando se afirma que uma proposição é verdadeira porque
não se demonstrou sua falsidade ou, reciprocamente, que é falsa por­
que não se demonstrou sua verdade. Exemplo: os incas não conhe­
ciam o telégrafo porque não foi possível encontrar os cabos con­
dutores.
O argumentum ad misericordiam consiste em um apelo à pie­
dade para conseguir que se admita certa conclusão. Costuma-se em­
pregar no terreno jurídico, sobretudo na defesa de um acusado,
quando se tenta influenciar os jurados, nos sistemas processuais que
os admitem, através de considerações sentimentais. Às vezes, inclui-
se esta falácia em outra mais geral: o argumentum ad populum, no
Realização da Pesquisa 141
qual o chamamento se faz ao povo, apelando também ao seu senti­
mento.
A falácia da conclusão imprópria comete-se quando se em­
prega um raciocínio destinado a estabelecer uma parti­
cular para sustentar outra conclusão, isto é, quando se farmni«w
reflexões e observações que não têm correlação lógica com o assunto
que se deseja provar.
Há várias formas de falácia causai’.
. 1) A falácia de confundir a causa com o efeito (chamada pelos
antigos^ lógicos non causa pro causa) consiste em tomar a causa
pelo efeito e o efeito pela causa. Exemplo: observa-se que os filó­
sofos fumam cachimbo e se conclui que, para tornar-se fflAwtfo
deve-se fumar cachimbo. Esta forma de raciocínio reflete-se com
muita frequência em jovens “temperamentais” que começam por
adotar o “uniforme da rebeldia”. ,
2) A falácia da causa comum pertence ao grupo das falácias
causais: dois fatos estão relacionadosêntre si. n e n h u m 4 ^ 1
causa do outro e ambos podem ser causados por um teroeiro acon- *
tecimento. Exemplo: uma p e s s o a ex p erim en ta itn m » Inflam «irgii
na zona gástrica, após as refeições. Pode crer que a dor é produzida
pela inflamação e tentar evitá-la por vários caminhos; tmnbém
pode pensar que a comida é a causa da inflamação, ou da dor. Na
realidade, a inflamação e a dor possuem uma causa comum:
perturbação digestiva.
3) A falácia que os clássicos chamavam post hoc ergo propter
hoc consiste em tomar um fato como causa de outro somente por- 1
que o primeiro precede ao segundo. A sucessão temporal não pode. I
por si só, estabelecer uma relação"de causalidade. Na medicina ca- 1
seira incorre-se em falácias de causa falsa, como a que acaba­
mos de estudar. Exemplo: uma xícara de chá quente com mel cura
o resfriado porque “fulano” estava muito encatarrado e, depois de
ter tomado este remédio popular, seu resfriado desapareceu. Este
pode ser um caso — e muito freqüente — de falácia por causa
Sem ccmsiderar o problema médico do diagnóstico do resfriado e .
sua variada etiologia, cabe indicar que o m ais provável é que —
como tantas outras enfermidades de evolução natural — o catarro
desaparece depois de uns dias. A falácia reside em haver atribuído 1/
a cura a um elemento alheio à mesma. Quase sempre estes paralo- ®
gismos caracterizam-se por tomar as coincidências fáticas por re- li
lações causais.
4) A falácia de divisão consiste em concluir que ^ada um dos
membros de uma classe possui uma propriedade que caracteriza
142 A Iniciação na Pesquisa

a classe como totalidade. Suponhamos que uma instituição científica


possua prestígio pelos trabalhos realizados através dos anos. A partir
desta premissa, não podemos concluir, sem mais, que cada um dos
pesquisadores de tal instituto goze 'de prestígio. Para compreender
a gravidade deste raciocínio paralógjco. basta levar em conta as
características do trabalho em equipe, que distribui jarefas e funções
de variado nível e hierarquia intelectual e científica. Na equipe que
realizou a façanha científica de fotografar o planeta Marte, com cer­
teza trabalharam diversos pesquisadores, técnicos, pessoal auxiliar,
etc. Se bem que o êxito do “Mariner IV” seja atribuível à instituição
que o projetou e o realizou, do prestígio dela não se deriva o pres­
tígio de cada um dos que trabalham de uma ou de outra forma nesse
instituto científico.
A propaganda institucional — que tão cuidadosamente é cul­
tivada pelas grandes empresas — baseia-se na sugestão que emana
do nome da indústria ou da fábrica, da qual o público infere — por
t extensão — a boa qualidade dos diferentes produtos, conhecidos ou
l não.
5) A falácia da composição é inversa à anterior e baseia-se
na atribuição de um.a propriedade a uma classe porque cada um de
seus membros a possui. Pode-se~constituir uma equipe de trabalho
com excelentes pesquisadores, mas, se o conjunto não atua de forma
cooperativa, pode fracassar totalmente; significa isso que a classe
não possuiría as condições de cada um de seus membros. Este tipo
de falácia observa-se, inclusive, em algumas equipes de futebol que
contratam jogadores notáveis individualmente, mas que, por seu
excessivo individualismo, não atuam cooperativamente: a consequên­
cia é que a equipe não possui os valores que é possível supor através
da análise das condições técnicas de cada um de seus membros.
6) No argumentum ad verecundiam basta que certa pessoa
(uma autoridade) tenha por verdadeira uma proposição para que
seja considerada verdadeira (magisttr dixit). Na mesma direção ■
mas em* sentido inverso — situa-se o argumentum ad homin&n (ar­
gumentação contra o homem): é suficiente que certa pessoa consi­
dere verdadeira uma proposição para que seja declarada falsa. Se
aquele apóia-se na autoridade, poder-se-ia dizer que este baseia-se na
antiautoridade.
O uso falaz do argumento contra o homem apóia-se em mo­
tivações emocionais, não lógicas. Exemplo: alguns psicanalistas jul­
gavam que a morte de Sócrates prova seus impulsos masoquistas e
que Platão padecia de um forte complexo de Êdipo; consequente­
mente — para e$tes autores a filosofia platônica pode ser ex­
Realização da Pesquisa 143

plicada a partir dos componentes neuróticos de sua personalidade.


A falácia reside em que, mesmo admitindo que Sócrates fosse um
m asoquista e Platão sofresse de um complexo de fidipo, a questão
d a validade da teoria das idéias não pode ser alterada por isto, de­
vendo ser provada ou im pugnada em termos filosóficos ou lógicos, e
não através de interpretações psicológicas improcedentes cuja legiti­
m idade deveria ainda ser dem onstrada.
7) M erece um parágrafo & parte o exame das falácias derivadas
do uso incorreto da estatística. Uma delas é a cham ada falácia de
estatística insuficiente ou de extrapolação ilegítima. Incorre-se nela ,
quando se realiza um a generalização indutiva antes que os dados |
acum ulados a justifiquem . Em alguns inquéritos jornalísticos rea­
lizados na televisão e nas estações de rádio cai-se nesta falácia. Por
exemplo, p ara auscultar a opinião da população relativam ente ao
problem a do divórcio ou da eutanásia ou do espiritismo, entrevista-
se um a dezena de pessoas m ais ou menos representativas. O resul­
tado reflete apenas os respectivos pontos de vista das pessoas inter­
rogadas, e de m odo algum a opinião da população.
Paralogism os deste tipo comete a m aioria das pessoas que pos­
suem preconceitos raciais ou religiosos, ao atribuir aos fiéis de um
culto oiT ãs pessoas p e rie n w u le trO m grupo étnico as caracterís­
ticas que eles observaram — ou julgaram observar — em umas
tantas pessoas.
A freqiiéncia desta falácia aafcom aotadiaa se deve ao fato de
que não é fácil determ inar quantos casos ou, para dizê-lo em lingua­
gem técnica, qual é o tam anho da “amostra” que seja significativa ji
para form ular um a inferência correta sobre o total da “popula-1
ção” . Lam entavelmente, algumas vezes na experiência clínica se cai
nesta falácia, ao proporem -se conclusões baseadas em uns poucos
casos estudados ou experimentados. Os estudos de estatística médica
procuram fazer com preender aos pesquisadores clínicos quando um a
experiência pode ser significativa e quando carece de valor indutivo.
A segunda falácia, vinculada ao emprego da probabilidade n a
pesquisa, é a cham ada falácia d a estatística enviesada, que consiste
em selecionar ou incluir casos de tal m odo que, ainda que seu número
seja suficiente, não sejam representativas. Vejamos como exemplo
o caso já citado por Boss, no qual um a revista norte-am ericana quis
conhecer a opinião do povo antes de uma eleição. Não cometeram
a prim eka pois m w nitM sm um núm ero muito elevado de
votantes (cerca de 1 0 0 0 0 0 0 0 ), recebendo resposta de 25% (p o r
volta de 2 500 0 0 0 ). O resultado do estudo foi, entretanto, cala­
m itoso, pois a eleição resultou completamente diferente do que pre­
144 A Iniciação na Pesquisa
disse o estudo de opinião. O fracasso se explica porque incorreram
numa falácia de estatística duplamente enviesada: primeiro, por
tomarem os nomes dos interrogados diretamente da guia telefônica,
e segundo, porque as pessoas que respondem aos questionários en­
viados por correio tampouco constituem uma amostra representativa.
Os dois desvios mencionados explicam o erro do inquérito prévio.
Um fenômeno análogo ocorreu alguns anos depois, numa eleição
presidencial nos Estados Unidos da América, e a falácia — também
de estatística enviesada — foi cometida esta vez nada menos do
que pelo famoso Instituto Gallup, como explicamos anteriormente.
Um inquérito de opinião deve levar em conta, em primeiro
lugar, o número de entrevistados e ainda as classes ou grupos, de
tal modo que estejam representados os habitantes do campo e da
cidade, os pertencentes às classes alta, média e baixa, os que vivem
em diferentes bairros da cidade, etc.
8) Uma fonte de confusões e paralogismos é a não distinção
entre as relações de contrariedade e contradição. Duas proposições
são contraditórias quando uma delas é verdadeira e a outra é falsg.
e reciprocamente; não importa se sabemos ou não qual é a verda­
deira e qual a falsa, o oue interessa é a relação entre ambas. Duas
proposições contraditórias não podem ser, ao mesmo tempo, nem
1
contraditórias nem falsas. Exemplo: Aqui chove. Aqui não chove.
Há outro tipo de relação entre duas proposições segundo a qual
dois juízos não podem ser ao mesmo tempo verdadeiros, mas é
I
possível oue ambos selam ialsos. jNeste caso se diz que as propo­
sições são contrárias, üxemplo: Aqui faz calor. Aqui faz frio.
£ impossível que, ao mesmo tempo, faça frio e calor: as pro­
posições não podem ser ambas verdadeiras. Mas é possível que as
duas sejam falsas, se, por exemplo, a temperatura é temperada (nem
frio, nem calor).
A dificuldade aparece quando se confunde a relação de con­
trariedade com a de contradição. Veiamos um exemplo. Chamamos
determinismo à doutrina que afirma que tudo está determinado (con­
dicionado) por suas causas e indetermimsmo k posicão~Elosófica
ue sustenta que aleo não está determinado causalmente. Finalmente.
3 enominamos caotici^W <1r> c a n O a lima terceira possibili­
dade: a de que nada esteia causalmente determinado. No primeiro
caso, nada se subtrai à lei universal, no segundo, algo pode subtrair-
se a ela, e no terceiro, nada está submetido a essa lei.
5eanalisarmos logicamente as três doutrinas de referência, po­
demos comprovar facilmente que a relação determinismo-indetermi-
nismo corresponde à ooosicão entreiuízos contraditório^: por outro
lado, a relação determinismo-caoticismo equivale à dos contrários.
Realização da Pesquisa 145

Com efeito, os componentes da oposição determinismfw-.antiíTi«inA


poderíam ser ambos falsos, se ocorresse que alguns fatos estivessem
determinados e outros não.
Pois bem, o dilema determinismo-livre-arbítrio pode ser ou não
válido, conforme o tipo de relação de oposição pelo qual se tra­
duzem os juízos respectivos. Se opusermos determinismo a caoti-
cismo, não há tal dilema rígido, porque pode haver uma terceira
possibilidade; mas, se fizermos o determinismo defrontar-se com
o indeterminismo, o dilema subsiste, porque não é possível »ma ter­
ceira posição. Mais ainda, a expressão “determinismo ou indetermi-
nismo” é um exemplo de uma lei lógica (proposição analítica),
a do terceiro excluído que, como toda tautologia, é.sempre verda­
deira: pv — p. ’
Recorde-se, finalmente, que os exemplos e os casos não são
provas definitivas. Os exemplos nada demonstram (por numerosos
que sejam), sua finalidade essencial não é probatória, mas mera­
mente esclarecedora ou explicativa. Na realidade, as teorias se cons­
tróem para dar conta dos fatos, e não ao contrário.
Por isso, os exemplos ou os casos servem como “aplicações” da
doutrina, já que esta foi construída como uma tentativa de expli­
cação desses fatos. £ possível edificar uma teoria contrária sobre
outro conjunto de fatos que em seguida serviríam de “exemplos” da
doutrina; como se determinaria, então, qual é a mais “verdadeira”?
Contando os exemplos? Na realidade, nada disto se pode farer, por­
que o único meio de conseguir certo rigor nas conclusões, ciên­
cias de fatos, é mediante a aplicação do cálculo de probabilidades.
Por outro lado, é possível interpretar os mesmos fatos de maneiras
diversas, o que — como veremos — se procurou resolver coeren­
temente com o auxílio da teoria dos modelos.

A construção da teoria científica

A investigação científica no campo das ciências fáticas começa


com os experimentos “para observar”. Quando o pesquisador res­
tringe as suas observações, tornando-as precisas, circunscrevendo-as
a determinados aspectos ou setores da realidade, começa o ciclo
experimental, que pertence à etapa que chamamos de contexto de
descoberta (criação ou invenção). Da observação sistemática surge
uma pré-hipótese, isto é, uma conjetura; com esta e outras conje-
turas se elabora uma hipótese. '
O contexto de justificativa começa com a dedução de enun­
ciados preditivos que devem ser confirmados mediante a observa-
146 A Iniciação na Pesquisa
ç io ou o experimento. Se a prediçfio foi exitosa, o ciclo deve reco­
meçar, porque é necessário buscar novos elementos de julgam ento.
Se a prediçfio fracassa, igualmente o ciclo deve recom eçar a p artir
1
1 de novas conjeturas. F m amhna os casos, isto é, quer se tenha con-
lí firmado ou refutado a proposição preditiva, é necessário variar as
condições iniciais antes de recom eçar o ciclo.
A máxima aspiração científica é alcançar as leis que regem os __
fenômenos; entretanto, esta esperança im plica um paradoxo: as leis
científicas vgigm ^ jn a r ea lid a d e, em relação ao passado. Como estão
imersas no acontecer temporal, estabelecem um a invariância rela­
tiva, já que, c a n o vimos, novos fatos podem modificá-la ou, inclu­
sive, invalidá-las. Se estendéssemos a validade das leis científicas,
nós a subtrairiamos à temporalidade que lhes ^"inerente e ãs con­
v erteria m o s em um dogma. A abertura da ciência — condição es­
sencial da liberdade da pesquisa — 6 apresentada c a n o seu prin­
cipal mérito, mas é também o sinal de sua fatal limitação.
A culminância da atividade científica é a formulação da teoria
que constitui o nível máximo de abstração a partir da form ulação
des enunciados protocolares iniciais. Uma teoria é um sistema de
leis científicas, um complexo lógico He~relações invariãntes que,
ào mesmo~Têmpo, generaliza e explica sistematicamente ás formu­
lações legais. Sob um ponto de vista lógico, podemos estabelecer
íinuT relação d e implicação entre o conjunto das leis (considerado
o antecedente') e as conclusões teóricas (que representam o con­
sequente). -
A construção de uma teoria científica nas ciências dos fatos
pode l^êãliMr-se dç duas m aneiras: 0 partindo dê~observacões,Jite
ac5rdõ~com o processo quê esquematizamos anteriorm ente, ouQ j)
axiomaticamente. No prim eiro caso, a construção começa com a
formulação dos enunciados protocolares; no segundo, se consig­
nam diretamente os postulados. A teoria científica elaborada pelo pri­
meiro procedimento denomina-se indutivo-dedutiva, ou mais corren­
temente, hipotético-dedutiva; os sistemas construídos de acordo com
o segundo denominam-se teorias dedutivas. O m étodo ideal nas
ciências formais é, indubitavelmente, este últim o; nas ciências fáticas
e t»mhAu nas ciências do homem é mais freqUente o prim eiro pro­
cedimento. As teorias hipotéüco-dedutivas aspiram a estabelecer
um critério de verdade baseado n a correspondência entre as form u-
Iações e os dados; os sistemas formais baseiam-se num critério da
verdade como coerência (não contradição).
Inclusive na ciência física é possível elaborar teorias dos dois
Realização da Pesquisa 147

tipos; como já o havia explicado Einstein96: “Podemos distinguir


várias espécies de teorias (bicas. Muitas delas são construtivas e
procuram elaborar um quadro dos fenômenos mais complexos a
p artir de um esquema form al simples. Junto a este im partànte tipo
de teorias existe outra espécie de teorias que chamaremos 'teorias
de princípios*, as quais utilizam o método analítico, em vez do
sintético. Estas últimas não tomam como ponto de partida postula­
dos, mas sim descobertas empíricas”.
E indubitável que o uso do método dedutivo cdnfere rigor,
precisão e elegância às teorias formalizadas; não obstante, sempre
surge um a interrogação com respeito à sua relação com o mundo
em pírico que devem explicar. As teorias construídas a partir da
experiência conservam , desde sua origem, a conexão com os fatos;
m as, contrariam ente às prim eiras, carecem da precisão e do rigor
que o m étodo dedutivo garante.
Assim Como se generaliza a aritm ética convertendo os nú­
meros em variáveis, isto é, passando da aritm ética para a álgebra
ordinária, se generalizam ^ também as operações, alcançamos um'
nível mais alto de abstração: as álgebras de Boole. Analogamente, o
processo de form alização das teorias implica passar para um plano
de m aior generalidade; por isso, a axiomatização constitui o ideal
do m étodo dedutivo.
Não se deve confundir a formalização com a simbolizaçâo. Sim­
bolizar um a teoria significa substituir termos e expressões por letras
convencionais. As vantagens d a simbolizaçâo são óbvias: economia
e precisão. Tam pouco se poderá identificar simbolizaçâo com m ate--
matização, em bora a m atem ática utilize extensamente uma lingua­
gem simbólica convencional.
A m atem atização im plica antes de mais nada o cálculo, isto é,
a m anipulação operacional dos símbolos e, ao mesmo- tempo, uma
tendência ao emprego de variáveis, ou seja, de símbolos formais.
A axiom atização im plica atingir certo nível de formalização.
A axiom ática evoluiü para níveis cada vez mais elevadas de abs­
tração e form alização, desde seus primórdios ainda intuitivos nos
elementos de Euclides. O conceito clássico — hoje ultrapassado —
de axioma como um a verdade tão evidente aue n ã o requer de.
m onstração se baseia nas propriedades tradicionalmente conferidas
aos princípios ou axiomas r r ^ universalidade: fT i caráter absoluto
e f f i nêcêssidade é evidência. ” 95

95 E in st eiit , A., Estay j n scttncr, New York, 1934,


148 A Iniciação na Pesquisa

A crise da evidência p da autonomia da lógica e da matemática


relativamente à ontologia e à metafísica conduziram ao conceito atual
de axioma ou postulado (hoje expressões sinônimas), reduzido a
um enunciado convencional ou a uma fórmula que nada tem que
ver com a verdade, com a universalidade nem com a necessidade:
6 somente uma convenção que deve ser submetida ao cumprimento
de certas condições lógicas. Os axiomas e todos os enunciados
deles deduzidos devem ser não contraditórios; além disso, os pri­
meiros devem ser independentes e completos. As exigências para o
sistema axiomático sé completam com a decisibilidade e categorici-
dade do sistema96.
Para alcançar os objetivos que fixamos nesta obra, basta ex­
plicar o sentido das três primeiras exigências, o que faremos depois
de analisar a estrutura de uma teoria axiomatizada. Podemos consi­
derar três etapas: a) a axiomática intuitiva de Euclides; b) a axio­
mática semiformalizada de Peano e c) a axiomática formalizada con­
temporânea97. Ocupar-nos-emos diretamente com esta última. De­
finiremos uma axiomática formalizada como uma teoria cujos axio­
mas e regras tenham sido formulados explicitamente, e só mediante
estas últimas o sistema é desenvolvido. Os símbolos e as expressões
do sistema carecem de significado e são suscetíveis de diversas in­
terpretações.
Distinguimos numa axiomática formalizada dois níveis: a) a mor-
fologia e b) a metalógica. A morfologia está constituída pelas expres­
sões bem formadas, que são sinais ou conjuntos de sinais (fórmulas)
construídas de acordo com regras convencionais. Entre as expressões
bem formadas, distinguimos o alfabeto e as expressões válidas. O
alfabeto consta dos sinais primitivos, que são sinais introduzidos con­
vencionalmente, sem definição, e os sinais definidos, isto é, os que
se definem a partir de outros sinais definidos ou, em última análise,
através dos sinais primitivos.
As expressões válidas são fórmulas (isto é, conjuntos ordenados
de sinais) que,,no sistema, são válidos por convenção ou por demons-

96 Em estrito rigor, a completicidade é o que se denomina saturação forte,


sendo a saturação fraca a inextensibilidade. A consistência, saturação e decidibili-
dade se podem demonstrar sintítica ou sem antkam ente. A categoricídade pode
ser absoluta ou relativa. A anílise destes conceitos transcende os objetivos deste
livro.
97 Tratamos analiticamente esta questão em nosso livro George BooU, pre­
cursor i e la lógica simbólica, Buenos Aires, E d. do D epartam ento de Filosofia
de la Universidad de Buenos Aires, 1967. ,
Realização da Pesquisa 149
tração. Os axiomas são expressões válidas por convenção; por outra
parte, os teoremas (tese) são válidos por demonstração. A demons­
tração, dedução ou derivação (expressões sinônimas) se realizam
aplicando mecanicamente as regras de derivação. Consequentemente,
as expressões válidas do sistema são os axiomas e os teoremas.
O nível metalógico é constituído pelas regras de formação dos
sinais e das fórmulas e regras de derivação ou transformação. Se
comparamos uma teoria formalizada com uma língua (como fazem
alguns pesquisadores contemporâneos), o vocabulário estaria consti­
tuído pelo alfabeto e as expressões válidas, isto é, pelos sinais pri­
mitivos e sinais definidos, pelos axiomas e os teoremas, e a gramá­
tica, pelas regras para a construção e a manipulação do vocabu­
lário. •
As regras de formação dos sinais estabelecem explicitamente
quais são os sinais primitivos e as regras de formação das fórmulas
realizam uma função análoga relativamente à construção das fór­
mulas a partir dos sinais. As regras de derivação, dedução, demons­
tração ou transformação permitem passar de umas fórmulas a outras
ou, dito de outra forma, possibilitam a demonstração das proposi­
ções expressas em fórmulas. Uma teoria axiomática formalizada se
denomina uma bngua ou também um cálculo; neste último caso se uti­
liza a expressão regras de transformação (das fórmulas), em lugar de
regras de derivação ou dedução (expressão que, evidentemente, tam­
bém é correta).
Do mesmo modo pertencem ao nível metalógico as provas de
consistência, de completicidade e independência, às quais nos refe­
rimos anteriormente. Diz-se que um conjunto de axiomas é inde­
pendente (e deve-se prová-lo) quando nenhum deles pode ser de­
duzido de algum dos outros. Se isso fosse possível, o axioma dedu­
zido deixaria de ser axioma para converter-se num teorema. A prova
de independência consiste em demonstrar que a negação respectiva
de cada um dos axiomas forma, com os restantes, sistemas não con­
traditórios98.
O sistema é completo se, acrescendo ao conjunto de axiomas
uma fórmula que não seja um teorema, se obtém uma contradição.
Finalmente, diz-se que a teoria é consistente, não contraditória, com­
patível ou coerente (expressões sinônimas) se não se pode derivar

98 O quinto axioma euclidiano (o das paralelas) é independente, porque a


sua negação forma, eom os restantes axiomas, sistemas não contraditórios, que
constituem precisamente as geometrias não-euclidianas.
150 A Iniciação na Pesquisa

no sistema, mediante as regras de transformação, uma fórmula e sua


negação".
Há duas maneiras de provar a consistência de um sistema teó­
rico: a) demonstrar sua coerência sintática e b) demonstrar sua
coerência semântica. A definição de consistência que formulamos
anteriormente corresponde à coerência sintática; a coerência semân­
tica se refere à interpretação do sistema: um sistema é coerente
(semanticamente) se possui um modelo, isto é, se há um modelo que
o realize. O conceito de modelo que acabamos de introduzir requer
um tratamento e um desenvolvimento especiais, sobretudo pela im­
portância que logrou obter atualmente, tanto nos estudos epistemòló-
gicos e metodológicos como no campo da pesquisa científica.

A teoria doa modelos

Um dos traços característicos da linguagem científica contem­


porânea é o uso da palavra “modelo”, não só nas ciências fáticas e
formais, mas também nas ciências do homem, nas quais se fala de
modelos de aprendizagem, de conduta, de personalidade, de comuni-"
cação, etc.99100. Uma prova da popularidade da noção de modelo na
ciência contemporânea — ou, como diz acertadamente Abraham
Kaplan, de que é uma palavra “da moda” na linguagem científica
atual — é que a revista da UNESCO, Diógenes, dedicou seu nú­
mero 52, de outubro-dezembro de 1965, à “significação dos mo­
delos”.
A freqüência de seu emprego, longe de esclarecer o sentido pre­
ciso do conceito, contribuiu para obscurecê-lo, e não é alheia a este
fenômeno a natureza polissêmica da palavra “modelo”, devido à suâ
introdução em diferentes contextos científicos e, sobretudo, à mul­

99 Nos sistemas construtivos que não empregam a negação, a consistência


Miim se define: um sistema é consistente se não se podem derivar dele todas as
proposições.
100 Eis alguns exemplos bibliográficos: 1) Lagache, D ., e col., Les modMes
i* la personnaliit en psychologie, Paris, Presses Uniyersitaires, 1965; 2) Suppes,
B,, e col., Markov leaming tnodels for multiperson tnteractioru, Stanford, otan-
ford University Presa, 1960; 3) Atkinuon, R. C., The «se of models irt estperimen-
tal psychology, em H. Freudental: T he concept and the fole of the modeU in vna-
ihewiúticf and tuUuvãl and social sasncês* Dordrccht“HolliiMl^ D» ^Rciucj Pub i*

ton, Row retcrson and L-ompany,


en psicopatologie, em "Diógenes” ,
i d o dramático, na revista citada.
Realização da Pesquisa 151
tiplicidade de seus usos. Com o objetivo de tomar precisa a noção —
ou, dizendo melhor, os distintos conceitos de modelo — podemos
seguir dois caminhos: a) o histórico, rastreando pacientemente o sig­
nificado e o uso dos modelos através da história da ciência; b) o
epistemológico, ordenando logicamente as diferentes noções e escla­
recendo o sentido de suas respectivas projeções teóricas e práticas.
Sem desconhecer o interesse do primeiro, principalmente para ex­
trair ensinamentos do fracasso de certos modelos não provados,
escolheremos o segundo procedimento.
Em primeiro lugar, é necessário distinguir entre modelos cien­
tíficos. Um modelo não científico é uma miniatura — mais ou
menos escalarmente relacionada —- de um objeto real ou imaginário.
Exemplos deste tipo de modelos são as representações tridimensio­
nais de barcos em agências de viagem, das bonecas de uma menina;
o avião que constrói um menino com seu “Mécano”. O uso vulgar
do termo encerra mais duas significações: o modelo como arquétipo
digno de ser imitado e o modelo como cópia da realidade. Um exem­
plo do primeiro pode ser o vestido da moda e do segundo, o quadro
'de um pintor.
Tampouco é único o sentido do modelo científico, já que, como
vimos, existem vários conceitos de modelo cuja significação depende
da finalidade com que são utilizados. Partindo desta perspectiva
técnica, um modelo pode servir para demonstrar a consciência de
uma temia, como insinuamos anteriormente. Um exemplo bem co­
nhecido é o da geometria euclidiana, tal como foi interpretada a
partir das geometrias não-euclidianas10X. Com efeito, a firmeza da
geometria euclidiana está provada porque o espaço comum é um
modelo físico que “realiza” as relações abstratas formuladas
nos Elementos. As proposições euclidianas convertem-se em eáun-
ciados verdadeiros sobre o espaço e os objetos do mundo empírico.
Outro exemplo: a consistência das geometrias não-euclidianas foi
provada ao se demonstrar que a geometria euclidiana é um modelo
daquelas.
Em suma, uma teoria científica pode ser considerada consistente
se possui um modelo. Como se podería definir este conceito de mo­
delo? Vejamos um exemplo já citado, com mais pormenores. A
consistência da geometria plana de Riemann pode ser estabelecida
se encontramos um modelo que compreenda seus postulados. Se10

101 E tte esclarecimento i necessário porque tradicionalmente identificou-se a


feom etria com o mundo fisico, do qual aquela i um modelo, incorrendo-se no erro
de hipostasiar certos conceitos.
152 A Iniciação na Pesquisa

este modelo é a geometria euclidiana, é necessário “traduzir” as


noções riemannianas em noções euclidianas correspondentes; por
exemplo, a palavra “plano” da primeira significa “superfície de uma
esfera euclidiana” na segunda; a expressão “linha reta” da geome­
tria riemanniana se traduz como “círculo máximo” no modelo eucli­
diano. £ fácil ver que, na realidade, o problema da consistência é
‘‘trasladado” ou “diferido”, desde que, em última análise, a coe­
rência do sistema se baseie na coerência do modelo102103. Hilbert tras­
ladou novamente o problema ao encontrar um modelo algébrico da
geometria euclidiana, traduzindo “ponto” por um par de núme­
ros; “linha” por uma equação de primeiro grau com duas incógnitas;
“círculo” por uma equação de segundo grau, etc. Note-se que, nesta
operação lógico-matemática, a geometria euclidiana, que represen­
tava um modelo em relação ao sistema riemanniano, toma-se um
sistema em relação ao modelo algébrico.
Dos desenvolvimentos anteriores podemos concluir: 19) o ca­
ráter relativo da noção de modelo; 29) sua estreita relação com o
conceito de sistema ou teoria. Alguns autores manipulam as expres­
sões “modelos” e “teorias” como palavras sinônimas e referem-se
indiferentemente à teoria da relatividade ou ao modelo relativista;
ou também à teoria ou ao modelo evolucionista de Darwin, etc.
Já estamos em condições de definir o conceito de modelo no
sentido anteriormente explicado: um modelo é o conjunto de sinais
isomorfo a uma teoria10a, isto é, qualquer que seja a relação existente
entre dois elementos do sistema ou teoria, deve existir uma relação
correspondente entre os dois elementos respectivos do modelo.
A confusão entre modelo e teoria provém de que se considera

102 A solução definitiva do problema deve colocar-se em termos da prova


de consistência a b s o lu ta da aritmética. Lamentavelmente a prova de Godel é
conclusiva: demonstrou que é impossível encontrar uma prova metamatemática da
consistência (absoluta) da aritmética. Veja-se G odel, K „ O n fo r m a U y in d e c id a b le
p r o p o s itio n s o f P r in c ip ia t n a lh e m a tic a a n d r e l a t e i s y s t e m s , Londres, Oliver flr
Boyd, 1962; e N agel-N ewman, G o d e l’s p r o o f, Londres, Routledge and Kegan
Paul. 1959. Há uma versão espanhola deste último livro editada pela Universidad,
Nacional Autônoma de México.
103 Dois sistemas de sinais são isomorfos quando seus elementos estão em
correspondência biunívoca, e se diz que dois conjuntos de entes estão em corres­
pondência biunívoca quando cada elemento de um deles se corresponde com outro
do 2.° sistema, e Teciprocamente. Por exemplo, se tivermos um conjunto de
cadeiras e um conjunto de pessoas, diremos que ambos os conjuntos estão em
correspondência quando cada cadeira é ocupada por uma pessoa e cada pessoa
possui sua cadeira (quando não sobram cadeiras nem pessoas). Dois sistemas ou
teorias isomorfas têm a mesma e s tr u tu r a , isto é, a mesma forma lógica (isomorfo*
significa a mesma forma).
Realização da Pesquisa 153
que a teoria é, de fato, um modelo da realidade, isto é, que seus
conceitos ou sinais correspondem-se biunivocamente com os objetos
do mundo empírico. Este ponto de vista foi sustentado por Wittgens-
tein no Tractatus logico-philosophicus e também por Russell-White-
head no Principia mathematica. Segundo estes autores, um enun­
ciado “atômico” ou singular é o reflexo de um fato, isto é, corres­
ponde-se biunivocamente com o mesmo. Consequentemente, a cons­
trução teórica é como uma “pintura” da realidade fenomenal, o que
equivale a assumir uma posição ontológica empirista.
Sob o ponto de vista .epistemológico, os modelos se utilizam
como interpretações de uma teoria, de tal modo que, para alguns
autores, modelo e interpretação são expressões sinônimas. Car-
nap10*, entretanto, distingue ambas as noções: um modelo de uma
linguagem, sob o ponto de vista usual, consiste em atribuir valores
de extensão às constantes e às variáveis, traduzir os sinais por entes
que os realizam. Uma interpretação de uma linguagem (ou de um
sistema de axiomas) consiste em atribuir significados aos sinais e
às fórmulas (ou enunciados), o que se pode levar a cabo formal­
mente, mediante regras semânticas explícitas, ou- informalmente,
mediante indicações não técnicas de qualquer forma. Os modelos e
as interpretações não são isomorfos. A interpretação e o modelo
são, pois, duas maneiras de “traduzir” uma teoria; a primeira se
efetua no plano da linguagem; a segunda se realiza num nível ôntico,
isto é, com relação a objetos ou entes.
Uma terceira função dos modelos, sempre num plano epistemo­
lógico, é seu emprego explicativo, isto é, considerar um modelo como
uma maneira de explicar uma teoria. O modelo como interpretação,
no sentido anteriormente estudado, e o modelo como explicação po­
dem coexistir. Neste último sentido, o modelo constitui-se num ins­
trumento intelectual que torna mais precisa e clara a análise. Por
exemplo, a teoria biológica do sistema nervoso central é substituída
parcialmente por um modelo cibernético que permite simplificar rela­
ções complexas e melhor entendê-las.
As diferenças estabelecidas anteriormente podem servir-nos para
propor uma classificação dos modelos científicos. Iniciaremos pelo
modelo explicativo, baseado no uso recéip-exposto, que consiste
fundamentalmente em estruturas concretas, específicas, que são iso-
morfas com relação a uma teoria ou a parte de uma teoria. Entre
os múltiplos exemplos cibernéticos citaremos as tartarugas eletrô-104

104 Veja-se S chilpp P. A.r T h e p h ilo s o p h y o/ R ts d o lj C a rn a p , The l.ibrarv


of Living Philosophers, Lornlres-Cambridge, University Press, 1%3.
154 A Iniciação na Pesquisa

nicas de Ross Ashby ( machina speculatrix), o homeostato do mes­


mo autor e os modelos de nervos que diversos neurologistas reali­
zaram.
Os modelos físicos são especificações dos modelos explicativos,
geralmente construídos com materiais concretos e em escala. Tão
antigos como a humanidade, os modelos físicos remontam a épocas
muito remotas, nas quais o homem fabricava ídolos com finalidades
mágicas ou religiosas. -
Os modelos formais consistem em abstrair a forma lógica dos
modelos concretos, alcançando deste modo uma grande generali­
dade105. Exemplo: a representação de um campo eletromagnético
em termos das propriedades de um fluido imaginário não compres-
sível, tal como o fez Clerk Maxwell. A finalidade de Maxwell era
simplificar e reduzir os resultados de suas investigações numa fór­
mula matemática ou numa hipótese física: “Ao referir-me ao mo­
vimento de um fluido imaginário, espero alcançar generalidade e pre­
cisão e evitar os riscos de professar uma teoria prematura para ex­
plicar a causa dos fenômenos”106. O “fluido” de Maxwell éra con­
cebido por ele como um conjunto de propriedades imaginárias que
podem ser utilizadas para estabelecer certos teoremas matemáticos
de maneira a serem mais compreensíveis e melhor aplicáveis aos pro­
blemas físicos.
Os modelos matemáticos são, ao mesmo tempo, uma formali­
zação e uma simbolizaçâo de teorias ou de modelos concretos (fí­
sicos). Por exemplo, a representação do sistema solar, por meio de
uma grande esfera central (o sol) e um conjunto de esferas girando
em tomo dele (os planetas e, entre eles, a Terra) é um modelo
físico. Este modelo concreto convertemo-lo em modelo matemático,
se substituímos as esferas por pontos geométricos e os braços de
arame que unem as esferas girantes à central por relações numé­
ricas. O leigo pensará que o modelo físico é mais singelo; entre­
tanto, o modelo matemático é mais simples, porque eliminou todos
os fatores de perturbação alheios ao processo em si, como o atrito,
a vibração, etc. £ fácil ver por que a previsão de um eclipse por meio
de cálculos realizados num modelo matemático (baseado, evidente­
mente, em observações experimentais) é muito mais precisa do que
a-porventura realizada com um modelo concreto.

105 B lack, M ax, em seu livro M o d e ls a n d m e t a p h o f s (New York, Cornell


University Press, 1962) chama-os "os modelos teoré ticos” .
106 Veja-se T h e s c ie n tific p a p e r s o f J a m e s C le r k M a x w e ll, Cambridge U ni­
versity Press, mencionado por M. Black na obra citada, p. 226-227.
Realização da Pesquisa 155
Significação, valor e limites do uso dos
modelos no pesquisa

Uma das razões do prestígio atual da teoria dos modelos é o |


aspecto instrumental e programático da noção de modelo. As fá-T
bricas de aviões constroem modelos que são réplicas simplificadas,
em escala, dos aviões reais. Estes modelos possuem motores de
gasolina, controles remotos e um mecanismo de radiocontrole que
permite dirigir o pequeno avião à distância. Nestes casos, os mo­
delos são mais fáceis de experimentar que os originais e, ao mesmo
tempo, são mais fáceis de entender e — o que é muito importante
na indústria — mais econômicos.
Na engenharia aeronáutica, experimentam-se os aviões em tú­
neis aerodinâmicos, reduzidos proporcionalmente ao t«manbn dos
modelos utilizados. Claro está que não basta experimentar o modelo
para obter, mediante um raciocínio por analogia, todas as infor­
mações que se deseja conhecer sobre o funcionamento do avião
original, mas o ensaio constitui uma base importante e econômica.
A experimentação com modelos nem sempre consiste na manipula­
ção de unidades reduzidas; por vezes, constroem-se modelos par­
ciais para estudar as relações entre os elementos de um determinado
setor do objeto; por exemplo, a asa de um avião. Recorde-se que
a característica da noção de modelo é mais a fatoração ou abstração
do que a redução em escala. Em geral, os modelos formais — tanto
na loglca como na matemática — são abstrações isomorfas de teo-
e não redução de objetos: esta última característica é, por
outro lado, típica da maioria dos modelos concretos.
Um modelo reduzido de avião implica num processo de abs­
tração, porque, ao construí-lo, prescindiu-se de um conjunto de ca­
racterísticas — o peso, o tamanho, etc. — para limitar-se a uma
só delas — a forma; no caso da reprodução da asa, o fator abs­
traído é, além disso, o tamanho.
Q uso dos modelos na pesquisa apresenta cararfprtctirag Tirp
pouco diferentes, segundo o plano científico em questão. No terreno
das ciências fáticas, por exemplo. os~ modelos só são considerados
válidos se resistirem ao confronto com os fatos, isto é, se forem
verificados. A história das ciências naturais oferece uma dialética
constante entre os dados e os modelos formais. Nas ciências bioló­
gicas possuem-se muitos dados, mas poucos modelos teóricos (esta
desproporção e ainda mais notória na medicina). Na economia vo
rificou-se a relação inversa: bons modelos teóricos, mas falta de dados jj
que os corroborem. Nas ciências de fatos, o êxito depende de uma
boa relação entre modelos e dados. Sob este ponto de vista, po-
156 A Iniciação na Pesquisa

ildemos considerar que os matemáticos puros são fabricantes de mo-


Idelos formais e que a ciência matemática é o depósito dos mesmos.
Quando Einstein formulou a teoria da relatividade, usou o modelo
geométrico de Riemann, que havia sido elaborado muitos anos antes
e sem pensar em suas possíveis aplicações.
Na pesquisa fática. os modelos representam o papel das hipó­
teses, com a diferença de que, se aqueles são formais, permitiram
um desenvolvimento muito mais preciso. O processo de aproxima­
ção constante e sem fim da investigação científica pode ser repre­
sentado como uma interminável relaçáo dialética- entre os dados e
os modelos, de acordo com o seguinte esquema107.

MOMLO
IH l K ™ E D ?1 "<x>"-01 l" n r4

I
II fií J II
Avllaçio: MA |» H Avilliçio: DEFICIENTE t*

I N o v ò » L ilo » "l^ ^ Í

O sentido pedagógico do uso dos modelos é óbvio, basta lem­


brar os modelos anatômicos, os planetários, os modelos do ADN
ou do átomo.
Nas ciências do homem estudou-se a conduta humana mediante
modelos matemáticos; por exemplo, em alguns trabalhos de Herbert
A. Simon108, ou pelas técnicas do psicodrama e o sociodrama. O
estudo das relações familiares mediante o roltplaying baseia-se na
utilização de modelos que se constroem com os egos auxiliares, etc.
Uma significação análoga possui o emprego de modelos cibernéticos
para estudar aspectos fisiológicos ou psicológicos e, inclusive, certas
enfermidades epidêmicas.

107 Este esquema é a reprodução da figura 10-02 (p. 182) do livro de Irwin
D. Boas, L a d e c isiá n e ita d ittic a , Madrid, Aguilar, 1958.
108 Veja-se seu livro M o d e h o f m a n , New Vork-London, John Wiley and
Sons, Inc,, 1961,
Realização da Pesquisa 157

O uso de modelos matemáticos na pesquisa baseia-se em idjsn-


tificar um número de variáveis relevantes numa pesquisa de qualquer
nível. Por exemplo, num estudo sobre o crescimento de uma popu­
lação postula-se que as variações desta dependem das seguintes va­
riáveis: número de indivíduos nascidos em um momento dada número
de mortes, número de pessoas que abandonam a região, Çtc) Estas
variáveis são tratadas matematicamente e manipuladas operacional­
mente: aí está o modelo e seu desenvolvimento. Posteriormente se
podem confirmar as hipóteses formuladas, generálizá-las e, inclusive,
formular previsões, que servirão como prova fática ao serem con­
frontadas com os acontecimentós antecipados.
_ Talvez a maior vantagem do uso dos modelos na pesquisa
resida na possibilidade de tratar questões precisas e bem determinadas, .
ainda que aí possa residir também a principal causa de suas desvan- |
tagens, já que a precisão depende da abstração deliberada das carac-1
terísticas que se quer estudar. Na construção de um modelo é ne-~^
cessârio se formular o problema de se determinar explicitamente
quais os atributos do obieto que se deseja conhecer e pesquisar, e,
conseqiientemente, tais características são as que se incorporam ao
modelo. Uma conseqüência anexa à abstração é a economia de pen­
samento e também — como já explicamos — uma economia de custos.
Para esta precisão contribuem a formalização e a simbolizaçâo im­
plícitas nos modelos matemáticos. No campo matemático, a simpli­
ficação inerente ao modelo facilita, do mesmo modo, a solução das
respectivas equações.
Os maiores perigos dos modelos residem no que constitui seu »
principal mérito: a abstração que lhe é inerente. Toda a abstração 1 f /
supõe uma simplificação, e pode acontecer que se confunda a pre-1 a a
cisão do modelo simplificado com a realidade complexa da q u a l l ^ '
foi extraído. Um perigo que, de certo modo, é uma conseqüência'
do anterior reside na supervalorização de um procedimento que,
como a matematização e a tecnificação, é o sinal dos tempos que
correm e, por isso, adquire um prestígio que nem sempre está real­
mente justificado. A mágica atração da simbolizaçâo deve ser com­
batida com a observação judictosa de firaíthwaite: “A essênc<a da ||
matemática não é seu simbolismo, mas seu método de dedução”. Ao '
que acrescentaríamos que, inclusive, devemos nos precaver contra
a sedução do método dedutivo: formalizar estritamente um proble­
ma não significa havê-lo resolvido, e, mesmo quando por vezes se
obtém a solução, o modelo formal pode constituir uma flagrante
desnaturalizaçãc^ ou redução da rica essência da questão, como ex­
plicamos anteriormente, ao ocuparmo-nos com métodos matemáticos
nas ciências sociais.
158 A Iniciação na Pesquisa

Este risco persegue constantemente os construtores de modelos


formais, com uma agravante: a elaboração de modelos estéreis. Com
efeito, é possível construir um sistema axiomâtico a partir de um
conjunto de sinais primitivos e axiomas, mas isso não garante que
se tenha descoberto uma estrutura matemática, que é, no fundo,
o que justifica a pesquisa mediante a busca de modelos formais.
A. Kaplan109 exige duas condições para que um modelo seja
Í aceitável cientificamente: a fertilidade dedutiva e a fertilidade heu­
rística. Um modelo formal ou matemático é dedutivamente fértil se
trata de estruturas das quais se podem deduzir consequências válidas
e úteis cientificamente. A fertilidade heurística, por outro -lado, re­
fere-se a suas possibilidades como fonte de experiências, de hipó­
teses ou de conceitualizações.
Assim como uma menina que brinca com uma boneca a ela se
apega e a considera como se fosse uma criatura viva, ou o menino
que cavalga um pau o considera um cavalo real, um pesquisador
I também pode “tomar afeição” ao seu modelo e reputá-lo o único
modo de conhecer ou tratar uma certa realidade. Nesta atitude se
reflete também o que denominamos anteriormente a lei do ins­
trumento.
Como vimos, a validez de um modelo no campo das ciências
fáticas deve provar-se no confronto com os fatos. A verificação que
|se segue, entretanto, não converte o modelo em “verdadeiro” ; os
fcmodelos não são nem verdadeiros, nem falsos, são apenas mais
<ou menos adequados para certos usos. O modelo euclidiano não é
mais verdadeiro do que os modelos não-euclidianos, nem estes o são
mais do que aquele. Nas pesquisas físicas realizadas dentro de certos
limites, o modelo euclidiano pode ser útil; por outro lado, na mecâ­
nica relativista é adequado o modelo geométrico não-euclidiano de
Riemann. O valor de um modelo não é alguma coisa intrínseca:
depende do campo no qual vai ser aplicado; isto é, que não será
verdadeiro nem falso, mas sim útil ou inútil.
Se compreendemos o papel instrumental dos modelos, desapa­
recem os aparentes paradoxos que parecem desafiar as leis lógicas,
especialmente a de não contradição. A teoria ondulatória e a teoria
corpuscular da luz não são contraditórias, mas sim complementares,
segundo a teoria da complementaridade de Bohr. Com efeito, a luz
é algo que, em certas experiências, apresenta-se como onda e, em
outras, como corpúsculo. A questão — ainda sem solução cientí­
fica — sobre qual é a natureza essencial da luz não é um problema

109 V tja-íe The condvct of in q n ir y . ob. cir., p, 284


Realização da Pesquisa 159
científico, mas filosófico (ontológico). Assim, podemos considerar
ambas as teorias como modelos, deixando de parte o problema
de pensar nelas como se refletissem a realidade e aceitando-as como
modos de explicação cuja validade reside unicamente em sua ade­
quação às respectivas situações (experimentos).
O maior perigo dos modelos é indubitavelmente a hipóstase y
de um deles, que é identificado com a realidade. A história da ciên- ^
cia nos deu diversas amostras desta mal-aventurada identificação
entre o modelo e a realidade. O éter, que para Maxwell era simples­
mente uma convenção heuristicamente útil, se converte para muitos —
entre os quais figura Lord Kelvin — numa matéria real. A geometria
euclidiana foi identificada durante muito tempo com o espaço físico,
atribuindo-se aos volumes físicos as propriedades estabelecidas nas
relações geométricas: supunha-se oue a necessidade lógica que vin­
cula os teoremas com òs postulados, nos Elementos de Euclides,
existia no espaço físico.
A drástica diferença entre um modelo g uma teoria, ou entre
um modelo e a realidade, pode se dMtaõãr mediante ^ m pnr d>
i npwooõM* o modelo não é a realidade nem a teoria, deve-se en­
tendê-lo como sê fosse essa realidade ou essa teoria. O modelo se
parece com aquilo do qual é um modelo apenas em sua estrutura:
todas aquelas características do sistema alheias a sua estrutura
também o são com relação ao modelo.
Comparando novamente o modelo e a teoria (ou sistema),
poderiamos distinguir entre propriedades endógenas e propriedades
exógenas110. As primeiras são as inerentes à estrutura e, enquanto tais, II
invariáveis; as segundas são alhelas a ela e, por isso, variáveis e con-j|
tingentes. A mesma teoria pode ser interpretada mediante diversos mo-,
delos; todos eles terão as mesmas propriedades endógenas, mas variarão |
ao infinito as exógenas.
A teoria dos modelos é uma tentativa de substituir o uso onto-~~|
lógico dã analogia por uma metáfora científica manejável log;ca-
mente e isenta das implicações metafísicas da analogia. Na medida
em que o haja alcançado, é fora de dúvida que proporcionou à
pesquisa científica um valioso instrumento, desde que o pesquisador
aceite suas limitações, resignando-se a abandonar de vez a ambição
de alcançar a verdade e conformando-se com um cômodo espelhismo
desta: o Ersatz da utilidade.

110 Esta distinção foi introduzida por Abraham Kaplan na- obra citada, p.
285-286; embora sua explicação difira da nossa, creio que coincide no fundamental.
TERCEIRA PARTE

PREPARAÇÃO DA MONOGRAFIA
CONCEITO DE MONOGRAFIA

A monografia e outros tipos de informações


t

Podemos definir a monografia como o tratamento por escrito


de um tema especifico. Sua característica essencial não é a extensão,
porque pode ter desde poucas páginas até a dimensão de um livro,
como se explicou anteriormente (veja-se Que é o plano?). Cabe dis­
tinguir, entretanto, entre o uso escolar da palavra “monografia” e
seu emprego científico. Em ambos os casos, a definição se baseia
no caráter específico do trabalho (o tratamento de um tema bem
delimitado), mas a diferença reside na qualidade da tarefa, isto é,
no nível da pesquisa, que depende das finalidades respectivas que
presidiram sua elaboração. As monografias que servem para a pro­
moção de estudantes universitários ao final d e ' um seminário, por
exemplo, não se podem considerar verdadeiros trabalhos de pes­
quisa — trabalho para o qual os estudantes não estão ainda capa­
citados, salvo raras exceções —, mas, em resumo, tarefas de ini­
ciação na pesquisa.
As monografias científicas (no sentido amplo do termo) cons­
tituem a concretização de um domínio do tema tratado, tal como
realizam os verdadeiros pesquisadores. Um exemplo de monografia
neste segundo sentido são as teses de doutoramento, que, mesmo
quando abordam temas especiais, implicam um estudo exaustivo das
respectivas questões. Outro exemplo poderia ser o estudo sobre uma
enfermidade, cujas partes são: definições, etiologia, anatomia
patológica, epidemiologia, sintomatologia, diagnóstico, prognóstico,
profilaxias e tratamento. Como se vê, a monografia é também neste
caso um estudo completo do tema considerado: a enfermidade.
164 Preparação da Monografia

A comunicação ou memória científica é uma informação, li­


mitada em sua extensão pelas normas estabelecidas pelo local onde
é apresentada (congressos, jornadas, academia, sociedade cientí­
fica), na qual se expõem os resultados de uma pesquisa original.
Num trabalho desta índole, não é necessário abundar em desenvol­
vimentos analíticos; o essencial é apresentar a idéia, a teoria ou o
experimento realizados com as respectivas fundamentações.
A atualização de um tema ou um problema (mise au point, ou
posta em dia) representa uma estimável contribuição ao desenvol­
vimento do conhecimento: é a revisão crítica dos estudos realizados
sobre uma questão, atualizando os conhecimentos e as pesquisas
sobre a mesma. Os relatos encomendados especialmente nos con­
gressos científicos supõem um trabalho minucioso de atualização
do tema em questão.
O primeiro passo de uma atualização é ler, consultar e fichar
os estudos realizados sobre o tema com um espírito crítico sempre
atento, recorrendo à literatura técnica a partir dos trabalhos mais
gerais e passando a seguir aos estudos mais específicos. O segundo
passo consiste em hierarquizar os trabalhos consultados, distinguindo
estritamente o fundamental do acessório; posteriormente, deve-se
proceder à ordenação dos estudos analisados, escolhendo um cri­
tério para classificá-los: épocas, escolas, tendências, analogia ou
coincidência dos métodos ou as perspectivas teóricas dos autores.
Após um trabalho de síntese da literatura analisada, deve-se
proceder à reformulação dos problemas implicados nos estudos res­
pectivos, examinando-se criticamente as teses dos autores em relação
aos desenvolvimentos e às demonstrações por eles oferecidas e ava­
liando-se objeüvamente os resultados obtidos e as conclusões ex­
postas. Somente ao término deste trabalho o autor da atualização po­
derá expor o estado atual das questões, isto é, a existência de pro­
blemas ainda sem solução, indicando, se possível, quais seriam os
meios para alcançá-la. Não precisamos destacar que nas ciências
fáticas, caracterizadas pela rápida evolução dos conhecimentos ba­
seados em experiências e em novas técnicas, os trabalhos de atua­
lização se revestem de grande importância. Em atividades pro­
fissionais como a medicina, onde a casuística é abundante e está
baseada sobretudo na exposição de casos individuais, a atuali­
zação é uma tarefa de interesse permanente.
Precisamente na medicina realizam-se outras espécies de infor­
mações como coroamentó de trabalhos de pesquisa: o relato de
casos clínicos e o comentário médico. O relato de casos ou trabalho
de casuística tem por finalidade a descrição de um caso reputado
pouco comum de uma enfermidade conhecida, ou um ou mais casos
Conceito de Monografia 165

de um mal desconhecido. A base do relato clínico é a descrição mi­


nuciosa dos casos, incluindo a história do doente, de tal maneira
que o leitor fique habilitado a apreciar claramente todos os detalhes.
Neste tipo de informação científica é muito importante conservai
um estilo descritivo, sem incluir interpretações ou relato; estas —
que poderão ser as de outros autores e as próprias — deverão consig­
nar-se depois de haver sido esgotada a descrição. O domínio da
bibliografia pertinente é fundamental.
A nota ou o comentário clínico é um trabalho de menor fôlego
cujo maior valor reside na apresentação de informações ou conhe­
cimentos de caráter prático: descrição de sinais e sintomas de en­
fermidades que ainda não foram descritas, modificações num pro­
cedimento terapêutico, aperfeiçoamento de uma técnica cirúrgica.
Os ensaios, opúsculos, livrüs e tratados possuem uma estrutura
comum, à qual já nos referimos anteriormente e sobre a qual vol­
taremos a falar no parágrafo seguinte. Recordemos, para terminar
esta enumeração de trabalhos e informes, a tarefa de divulgação que
se realiza em níveis de diferente hierarquia, porque abrange desde
os trabalhos de divulgação para leitores cultos não especializados
no tema até a vulgarização de conceitos científicos elementares que
se deseja comunicar a grandes massas, como, por exemplo, certos
conceitos de profilaxias e higiene pública.

A estruturo do monografia

a) A introdução

Dissemos que a organização do trabalho intelectual depende


do tema e do plano de idéias no qual se realiza a pesquisa. Segundo
este critério, não seria possível estabelecer de antemão e em forma
regular a estrutura geral de uma monografia ou uma tese, suas
partes integrantes e o sentido de cada uma delas.
£ fora de dúvida que os trabalhos que tratam de diferentes
temas terão de diferir materialmente entre si, mas não formalmente.
Um estudo literário distingue-se por seu tema e seu estilo de uma
comunicação científica ou de um ensaio filosófico, mas a estrutura
e o método de trabalho são os mesmos em todos eles. Quantas partes
compõem um trabalho de pesquisa? Três, nem mais nem menos: a
introdução, o desenvolvimento e a conclusão.
Observou-se que esta divisão é arbitrária: por que três partes e
não duas ou quatro? Esta objeção supõe a compreensão de duas
coisas: 1?) que a estrutura do trabalho é uma unidade, um orga­
nismo, e 2?) que a divisão de um trabalho em três partes não é
166 Preparação da Monografia
feita por capricho, mas obedece a uma necessidade lógica. Com
efeito, a introdução, o desenvolvimento e a conclusão são partes
relacionadas de uma configuração orgânica, os elementos integrantes
de uma arquitetura lógica, isto é, de uma estrutura.
A finalidade da introdução é a formulação clara e simples do
tema da pesquisa e a apresentação sintética do slatus quaestionis, o
que implica numa rápida referência aos trabalhos anteriores dedi­
cados ao problema.
Alguns erros que devem ser evitados são os seguintes:
19) As introduções grandiloqüentes, ambiciosas, onde se in­
cluem intermináveis discursos, considerações marginais e lugares-
comuns, como o de afirmar que o tema escolhido é “complexo, in­
teressante e discutido”. É evidente que, se o tema não tivesse de
algum modo tais qualidades, não valeria a pena ocupar-se com ele.
29) Introdução histórica que remete a questão a seus ante­
cedentes remotos e se demora em sua descrição e análise. Por exem­
plo, um tema de semântica (lógica) contemporânea não pode começar
por uma introdução que examine o problema da origem da lingua­
gem (problema, por outra parte, sem solução científica), que pode
retroceder até a cova de Altamira e ainda antes.
39) A introdução exemplificadora, onde se formulam exem­
plos ilustrativos do tema. Às vezes, em medicina, incorre-se neste
erro, incluindo casos desde a própria introdução.
49) Introdução-solução, na qual já se enunciam os resultados
da pesquisa, com o que se comete um duplo erro: psicológico, por­
que priva o leitor do interesse de achar por si mesmo essa solução
(seguindo-a através do desenvolvimento), e lógica, porque, se o
resultado foi alcançado, pouco sentido tem o desenvolvimento e a
argumentação.
A introdução não é um preâmbulo que se deve desenvolver de
qualquer maneira; é, como foi dito, o lugar onde se formula o pro­
blema da pesquisa. Por exemplo, se se trata de indagar qual era o
sentido do ensino oral (ágrafa dógmata) através das Epístolas pla­
tônicas, haverá necessidade de começar por estabelecer inequivoca­
mente qual era a significação deste tipo de ensino na época de
Platão, consultando a opinião dos helenistas sobre a questão. Em
síntese, é necessário responder a duas perguntas: são autênticas as
Epístolas?; existiu um ensino oral na Academia?
Se o tema fosse Influências orientais na filosofia prê-socrâtica,
a introdução deveria apresentar uma síntese dos pontos de vista dos
especialistas sobre a existência ou não de tal influência, com uma
referência histórica às diferentes formulações (pró ou contra), se­
gundo as correntes de idéias dominantes nas respectivas épocas.
Conceito de Monografia 107

Dentro da literatura, o tema A nostalgia da idade do ouro em O


grande Maulness de Alain Fourmer se iniciará pela formulação do
problema do simbolismo da “idade de ouro” dentro da literatura,
com algumas referências à antropologia, à teologia e à filosofia das
religiões. Serão feitas as devidas referências a Atlântida, a Le ccm-
tique de la connaissance e a alguns poemas de Trakl, onde é dire­
tamente aludida; ao mesmo tempo, serão examinadas as conside­
rações sobre o tema, que poderão ser derivadas de obras como
ópio ou Les enfants terribles, de J. Cocteau, e A mãe e o menino,
de Charles Louis Philippe, ou de alguns poemas de W. Blake, como
The little boy lost.
Convém dedicar maior atenção à fixação do sentido das ex­
pressões usadas: a) os termos equívocos ou ambíguos; b) os que
são introduzidos com uma significação diferente da habitual; c) os
termos técnicos e d) as palavras e os modismos introduzidos pelo
autor.
£ necessário evitar as pseudodefinições, é preferível deixar um
conceito sem definir do que incorrer num verbalismo sem sentido.
Tampouco se deve tentar definir os conceitos primitivos (os entes
ou sinais primitivos, segundo a moderna axiomática), tais como
ponto, reta, plano, número natural, etc.
Este respeito pela lógica não significa reduzir todo o problema
filosófico a uma questão de sintaxe lógica. No plano metafísico, o
papel da lógica é secundário e essencialmente instrumental, num
segundo grau. Tal é o sentido da subalternação da lógica no “acesso
ao ser”, segundo Heidegger, claramente expressado em vários de
seus livros (recordem-se suas explícitas referências em Ser e tempo,
Que é metafísica? e A superação da metafísica, entre outros)111.
Isto não significa tomar uma posição irracional nem antilógica,
mas simplesmente hierarquizar o plano de cada problema. Ana­
logamente, podemos afirmar que uma formulação de um problema
metafísico em um nível ateológico não implica ateísmo algum; maU
ainda, é perfeitamente compatível com uma crença religiosa.
Na introdução convém expor a intenção do trabalho, seus li­
mites e qualquer indicação sobre o material, as normas e, sobretudo,
o método de pesquisa. Por exemplo, se o trabalho refere-se a ques­

111 0 sentido da posição heideggeriana a este respeito foi completamente


deformado por seus adversários e inclusive por alguns comentaristas e críticos, a
tal ponto que obrigou Heidegger a ulteriores retificações (Introdução â metafísica
e a Carta sobre .o humanismo). Não é necessário ser heideggeriano para compreendei
que muitas de suas colocações foram objeto das mais caprichosas e mal-intencio­
nadas interpretações.
168 Preparação da Monografia
tões orientais (Vedanta, por exemplo), convém indicar que método
de transliteração se usará no trabalho.
Cada parte possui sua autonomia e sua finalidade específica;
por isso, na introdução é necessário assinalar o sentido da pesquisa,
mas de nenhum modo antecipar nem o desenvolvimento nem a con­
clusão.

b) O desenvolvimento

O desenvolvimento é, em essência, a fundamentação lógica do


trabalho de pesquisa — literário, histórico, científico ou filosófico — ,
cuja finalidade é expor e demonstrar. Formulada uma tese — um
problema —, desenvolvem-se certos argumentos, cuja justificativa
lógica se propõe, e se chega a uma conclusão. Por isso, dissemos que
o desenvolvimento é semelhante ao utilizado em matemática: de­
monstrar uma tese.
Durante a pesquisa — principalmente se se tratar de um tra­
balho realizado dentro do campo experimental — põe-se em jogo
a lógica corrente, o que alguns autores112113 chamaram “lógica em
uso”, que distinguem da reconstrução lógica explícita. A prova desta
“lógica em uso” seria o êxito da pesquisa. Não obstante, deve-se
considerar muito cautelosamente este ponto de vista, porque cada
ciência tem “sua própria lógica”, nem há uma “lógica natural” 118.
Por outra parte, todo o pesquisador deve pensar logicamente; se
assim não fosse, suas reflexões estariam à margem da ciência e da
filosofia. '
Deve-se admitir, finalmente, que, antes de estruturar o traba­
lho, o pesquisador move-se dentro do “contexto de descoberta”, e
só ao planejar o desenvolvimento começa o “contexto de justifica­
tiva” . Este último é o que existe na segunda parte do trabalho, por­
que aqui não interessa como se chega às conclusões, mas se as jus­
tificamos logicamente. Este critério epistemológico foi repetido abun­
dantemente por diversos autores, a partir de Carnap e Reichenbach,
sob o nome de “reconstrução racional”.
Um teorema é uma proposição demonstrada, mas, qualquer
que seja o desenvolvimento por meio do qual se alcançou a prova,
sempre se utiliza o mesmo método: a dedução. Em filosofia, a liber­
dade de métodos é maior, e, se bem que é certo que se deve justificar
logicamente a tese, isso poide fazer-se por mais de um caminho: a

112 Veja-se sobretudo K aplak , Abraham, ob cit., p. 3-18.


113 Vejam-se os trabalhos linguísticos e antropológico* de B. L. Whorf.
Conceito de Monografia 16»

intuição intelectual, a fenomenologia, a dialética, etc. £ certo que


uma proposição matemática pode ser justificada por vários procedi­
mentos lógicos igualmente válidos ou, dito de outra forma, um teo­
rema é suscetível de várias demonstrações. Mas a característica da
matemática é que todas as demonstrações devem necessariamente che­
gar à mesma conclusão, o que pode ou não ocorrer quando se trata de
uma tese filosófica114.
Podemos considerar três fases ou estágios no desenvolvimento
de uma monografia (trabalho, artigo, tese, etc.): a ) a explicação;
b) a discussão e c) a demonstração, Esta é a ordem paradigmática,
mas não é necessário que sempre ocorra assim.
1 • A explicação é o ato pelo qual se faz explícito o implícito,
claro o escuro, simples o complexo. O desenvolvimento de um tema
começa, pois, com sua explicáção. Explicar é apresentar o sentido
de uma noção, estendê-la ante os “olhos do espírito” ou da mente;
em outros termos, é analisar para compreender.
Entretanto, não há nenhuma explicação completa; mais ainda,
toda a explicação está, de algum modo, aberta, porque é quase
sempre parcial, condicional, aproximada, instrumental e heurística.
£ parcial porque só são levados em conta alguns dos fatores que
determinam um fato, um fenômeno ou uma idéia; é condicional por­
que toda a explicação é válida em certo plano e aplicável sob certas
condições; é aproximada porque nem as medidas nem as qualidades
consideradas são exatas; é instrumental desde que a explicação pro­
duza um resultado pelo simples fato de ser comunicada e, final­
mente, é heurística porque é capaz de promover e orientar pesquisas
ultériores.
A explicação tende a suprimir a obscuridade e ambigüidade;
por isso, lança mão frequentemente das definições. Uma definição
é, em linguagem corrente, um procedimento para especificar o sig­
nificado de um termo. Sob o ponto de vista lógico, proporciona um
conjunto de termos sinônimos .que pode substituir o termo definido.
Mais estritamente, uma definição formula as condições necessárias e
suficientes para a aplicação de uma palavra (ou de um sinal).
A definição está limitada pelo denominado paradoxo da con-
ceituação, que consiste no seguinte: para formular uma boa teoria.

114 Cabe observar que, para alguns matemáticos, cada problema possui
uma solução natural, própria; além de outras logicamente possíveis. Esta é um»
concepção ômica da demonstração que nem todos os matemáticos compartilham.
Além disso, a escolha de uma demonstração matemática pode ser feita por sua
elegância (estética) ou com vistas ã generalização das soluçOes.
170 Preparação da Monografia
necessitam-se conceitos rigorosos, mas para alcançá-los necessita-se
uma boa teoria. Isto resulta evidente, por pouco que se pense que,
ao aumentar nosso conhecimento de um tema, a concepção de tal
tema modifica-se paralelamente; mas, ao mesmo tempo, quando
manipulamos conceitos mais precisos, cresce nosso conhecimento.
Na prática, esta aporia se resolve mediante um processo de
aproximação, isto é, mediante “definições sucessivas” (Lenzen): ao
melhorarem nossos conceitos, melhoram também nossas teorias, e
.reciprocamente.
Esta aspiração à precisão conceituai pode, entretanto, nos pre­
cipitar no “mito semântico”116, que consiste em afirmar que, supe­
radas as dificuldades linguísticas, já não restam problemas impor­
tantes na pesquisa. A este respeito, um lógico com o prestígio de
Quine destacou a importância de certa ambigüidade consciente nos
termos — prudentemente vigiada — , porque constitui uma constante
pressão para a busca da convenção mais útil e adequada.
Por outra parte, os homens de ciência não esperam que os
lógicos polacos criassem a semântica para descobrir os problemas
lingüísticos. Tradicíonalmente, usaram a descrição, a ostentação
(apresentação da denotação de um termo) e os exemplos como
procedimentos para combater a ambigüidade e a interdeterminação
na expressão.
2. A discussão é um momento dialético e consiste em examinar
duas teses opostas, a fim de optar por alguma destas soluções: a)
rejeitar uma e aceitar a outra; b) rejeitar ambas e c) alcançar
uma solução complementar (síntese). No primeiro caso, as proposi­
ções costumam ser contraditórias (incompatíveis); no segundo, con­
trárias (não podem ser ambas verdadeiras, mas sim falsas as duas),
e no terceiro, estamos ante um esquema dialético: tese, antítese e
síntese. Neste último caso, não há oposição absoluta entre as teses
que se defrontam, mas uma relação de complementaridade que pos­
sibilita a síntese. Exemplo: o princípio de complementaridade de
Bohr, dentro da física moderna — a luz não é nem corpúsculo nem
onda, mas algo que, de acordo com certas experiências se apresenta
como corpúsculo e, em outras condições experimentais, se manifesta
como onda.
O momento da discussão se apresenta quando as teses ex­
cluem-se como contrárias ou como contraditórias. Em tais casos
deve-se examinar analiticamente, em primeiro lugar, a tese que se
haverá de rejeitar e logo a que se adotará; 'isto é, as que foram pro-15

115 K a pl a n , A., ob. cit.


Conceito de Monografia 171

vadas a m o falsa e verdadeira, respectivamentç. A razão da ordem


da argumentação não é lógica, mas psicológica. Se procedéssemos
de fa m a inversa, não teríamos faltado à lógica, mas sim à psico­
logia, porque semearíamos a dúvida no leitor, em cujo ânimo per­
duraria a tese rejeitada. E isto porque a mente humana se inelina
quase sempre a aceitar o que se apresenta em último lugar.
Sob o ponto de vista lógico estrito, e sempre que valha a apli­
cação do principio (lei) do terceiro excluído^ basta destruir imTa
tese para passar à sua contraditória: este g~õ funclãntefltn IAp^<T5a
demonstração por absurdo. Sob o ponto de vista da solidez da argu­
mentação, convem extrair razões da primeira para a enunciação da
tese final. Assim, pois, a marcha do raciocínio seria:
Exame de uma tese e análise dos argumentos que a sus-
_ tentam.
Cb) Demonstração da falácia desses argumentos.
(c) Necessidade de enunciar a tese final como conseqüência da
rejeição da primeira.
3. Como se disse mais acima, o fundamento lógico do desen­
volvimento — sua razão de ser — é a demonstração de uma tese.
A demonstração não é mais do que um caso particular da dedução;
conseqüentemente, a essência de um trabalho de pesquisa (em qual­
quer nível) reside no exercício do raciocínio, na forma ajustada aos
cânones mais puros: a dedução.
Tenha-se sempre presente que a base da pesquisa é uma idéia
central; por isso, embora durante a argumentação se manipulem
conceitos subsidiários, não se deve perder de vista o objetivo final
do trabalho: deve-se evitar que as idéias subordinadas nos afastem
do tema. Mais ainda, se se vê que o desenvolvimento de um conceito
complementar pode nos desviar demasiado do tema central, convém
renunciar a este desenvolvimento para manter a unidade temática
£ o sentido originário da pesquisa.
Cumpre não esquecer que a natureza do assunto não incide na
estrutura lógica das argumentações. Assim, por exemplo, um tema
pode ser irracional — por exemplo, se se trata de um problema
psicológico — sem que, por isso, se altere o rigor lógico da funda­
mentação. Recorde-se que um trabalho de pesquisa é, de certo modo,
um exercício de lógica: as idéias e as opiniões se mantêm com
razões, não com verbalismos; deve-se demonstrar, não persuadir.
Os jovens podem se sentir inclinados a usar o que se chamou
lógica passional, a seguir uma ordem sentimental (psicológica), em
lugar de uma ordem racional (lógica): argumentam para justificar
“conclusões” que, na realidade, não são tais, porque, longe de se-
172 Preparação da Monografia

rçm a culminação de um processo reflexivo, elas são suas premissas,


isto é, seu ponto de partida. A escolha das “conclusões” é de ordem
não racional (irracional, afetiva). Considera-se verdadeiro o que
«ntisfar íntimamente ao sujeito, isto é, acredita-se no que é agra­
dável crer. A base da argumentação é, nestes casos, uma idéia ou
uma tese não deihonstrada que foi polarizada afetivamente.
A raiz irracional deste mecanismo mental — hipertrofiado e
deformado pela enfermidade — pode-se ver com maior clareza nos
raciocínios dos delirantes: nos delírios sistematizados, a construção
racional “justifica” a crença delirante. Por exemplo, nos delírios de
ciúmes, no delírio do movimento perpétuo ou nos delírios percep-
tórios. £ de lamentar que não existam suficientes estudos do pensa­
mento delirante realizados com uma metodologia não só psiquiátrica,
mas, além disso, filosófica, utilizando, por exemplo, o método fe-
nomeçológico em algum dos sentidos explicados anteriormente, ao
ocupar-nos com a fenomenologia corno método de pesquisa nas
ciências do homem.
Do mesmo modo, seria de grande utilidade realizar estudos
analíticos da mentalidade dos fanáticos da política e inclusive de
certos ideólogos e fundadores de escolas pseudofilosóficas, que abra­
çam ^detidamente uma doutrina polarizada irracionalmente. Um
exame, num nível de menor importância, para esclarecer o problema
que aqui nos ocupa foi realizado por alguns psicólogos ao estudar
■ o mecanismo de sublimação.
A pesquisa consiste, às vezes, em ir dos efeitos às causas,
das consequências aos princípios que as justificam e sustentam, mas
a “reconstrução racional” — isto é, a sistematizáção lógica — deve
expor primeiro as causas e os princípios, em seguida os efeitos e
as consequências.

c) A conclusão

Concluir um trabalho de pesquisa não é simplesmente lhe


pôr ponto final. A conclusão, como a introdução e o desenvolvimento,
possui estrutura própria. A conclusão devfe proporcionar um resumo
sintético, mas completo, da argumentação, das provas e dos exem­
plos (se for o caso) consignados nas duas primeiras partes do tra­
balho. Esta parte deve possuir as características do que chamamos
síntese. Em primeiro lugar, a conclusão deve relacionar as diversas
partes da argumentação, unir as idéias desenvolvidas. £ por isso
que se disse que, em certo sentido, a conclusão é um regresso à
introdução: fecha-se sobre o começo. Esta circularidade do trabalho
\

C onceito de M onografia 173

constitui um de seus elementos estéticos (de beleza lógica). Fica


assim no leitor a impressão de estar diante de um sistema harmônico,
conclusivo em si mesmo.
Essa circularidade, entretanto, deve complementar-se com uma
formulação geral do horizonte que a conclusão do trabalho permite
entrever, isto é, que se pode insinuar o plano de um futuro desen­
volvimento das idéias formuladas na conclusão.
RED A ÇÃ O P Á M O N O G R A F IA

Apresentação do problema

Uma vez compreendido o sentido do tema, suas implicações


e seu alcance, deve-se formular o problema mediante uma expressão
lingüística a mais estrita possível. A palavra representa, simboliza
ou sugere a idéia. Por isso, é mister ponderar os termos empregados,
esclarecer a sua relação com o contexto total e determinar a unidade
semântica deste.
Por vezes, todo o sentido de um problema pode residir na
significação de uma palavra relacionante (um conetivo, como é
chamada na lógica simbólica). Por exemplo, o problema essencial
da teologia da história depende da correta interpretação de uma
inocente palavra “da”. Com efeito, a maioria dos estudos deste
gênero o reduzem a um capítulo da teologia ou tentam anular esta
em benefício do sentido histórico. Por outra parte, a teologia da
história justifica-se precisamente como uma tentativa de equilibrar
o terreno e o divino, os fatos históricos e a revelação: é uma inter­
pretação da história através da teologia, mas sem reduzi-la a um
mero capítulo desta. A colocação inversa, que é também incor­
reta, consiste em transformar o sagrado num subproduto dos fatos
humanos e das circunstância^ sociais. Como se vê, a chave de uma
correta interpretação está na maneira de entender «a relação lógica
estabelecida pela partícula “da”.
Questões semânticos

Outro elemento lingiiístico gerador de enganos costuma ser a


conjunção “e”, por sua indeterminação (em termos da lógica sim­
bólica, diriamos que é uma variável não quantificada),* já que se
Redação da Monografia 175

pode entender com um sentido aditivo ou relacionante. No tema “os


paradoxos e os sentimentos”, o “e” tanto pode “somar” os concei­
tos (os paradoxos mais os sentimentos) como relacioná-los (os pa­
radoxos em relação aos sentimentos), o que conduziría, em cada
caso, a uma colocação distinta.
A filosofia •— como a ciência, a técnica e a arte — possui um
vocabulário próprio. A linguagem da filosofia está integrada pelas
mesmas palavras da linguagem corrente (que se incorporam ao lé­
xico filosófico com um sentido técnico ou analógico), mais os
termos novos criados ad hoc.
Para entender a linguagem filosófica e para poder manejá-la
com desenvoltura, é necessário penetrar em seus mecanismos inte­
riores. Só a freqüentação das obras dos grandes filósofos (um Platão,
um Aristóteles, um Kant) possibilitam seu domínio, a que se
chega mediante a meditação permanente. Obtém-se grande ajuda
— sobretudo os estudantes que se iniciam em seu estudo — dos
dicionários especializados.
Como foi assinalado, um dos argumentos (que já é um Ieitmotiv)
dos filósofos científicos baseia-se na ambigüidade da lingnpgein
comum, à qual deve forçosamente recorrer o filósofo (e também,
logicamente, aqueles que o criticam, como este tipo de filósofos)1167118.
Não há dúvida que a prédica logicista (sintaticista e semanticista,
diriamos, se nos é permitido o uso destes barbarismos) tem sua razão
de ser117, Uma mesma palavra pode ser usada por diversos autores
com diferentes significações, segundo os respectivos sistemas e de
acordo com as épocas118.

116 A imprecisão e a falta de rigor lógico da linguagem corrente, perfeita-


mente explicável, se se leva em conta sua finalidade, são estudadas analiticamente
por S. Hayakawa em vários de seus livros. Veja-se, entre outros, a difundida
Language in thougkt and action. Sobre o valor do dicionário da língua, o emprego
das definições nominais e as tautològias, veja-Se o capítulo “Como se faz um dicio­
nário’’, Hayakawa pertence à ala jovem do movimento conhecido sob o nome de
“General Semantics" e dirigiu durante muitos anos a publicação “ ETC. A Review
of General Semantics” , editada em Chicago. ■
117 Sem ir mais longe, já Bochenski assinalou a existência de uma sintaxe ou
uma semântica (no sentido moderno) em Aristóteles, E Lukasiewicz, em seu
estudo da silogística aristotélica, revalorizou a lógica do estagirita, mostrando que
o desconhecimento do grego por parte da ipaioria dos lógicos contemporâneos era
tão responsável pela interpretação errônea do Organon como a ignorância lógica de
muitos de seus comentadores clássicos. As considerações semânticas tampouco são
exclusivas destes autores: Confúcio e Lao Tsé já haviam destacado sua importância
e certa mente estavam implícitas na Cabala e no Vedanta.
118 E sta polissemia originada por um uso indeterminado ou equfvoco da lin­
guagem nada tem a ver com o emprego de símbolos, analogias e até de mitos na
linguagem filosófica. ■
176 Preparação da Monografia

Vejamos alguns exemplos; a palavra "experiência” possui vários significados:


1) Experiência psíquica, que pode ser “interna” , como na introspecção, “ob­
jetiva” , como nos fatos do comportamento, ou “simbólica” , como na psicanálise.
2) Experiência física, como a que se tem dos fatos da “natureza” 119120 ou de
nosso próprio corpo. j
3) Experiência biológica, a que se obtém num laboratório de ciências bio­
lógicas, por exemplo.
4) Experiência estética, constituída pela contemplação e a fruição da obra
de arte ou os aspectos interiores da criação estética.
5) Experiência matemática, como a descrita por matemáticos de forte ten­
dência neoplatônica (Cantor, Hermitte, Lautmann, Poincaré). H erm itte dizia qué,
para ele, os números, as funções e as relações matemáticas tinham uma consis­
tência similar 1 dos seres biológicos. Claro está que falava anaiogicamente, referindo-
se a um mundo transcendente.
6) Experiência metafísica, que é o que nas doutrinas orientais se denomina
“realização metafísica” , a qual consiste numa peculiar experiência do transcendente
por identificação entre o sujeito e o objeto. .
7) Experiência parapsicológica, como a descrita antigamente pelos metapsí-
quicos, hoje pelos parapsicólogos: clarividência, telepatia, precognição, etc.
8) Experiência mística, à qual se referem os teólogos e os filósofos das religiões
(e o* próprios místicos), consistente na inefável invasão de Deus nas criaturas
humanas.
Ademais, convém distinguir o experimento das vivências; o primeiro é o con­
junto de técnicas empregadas na pesquisa fática; por exemplo, nas ciências naturais;
as últimas são o correlato psíquico das diversas formas de experiências (exemplo,
as 1, 4, 5, 6, 7, 8 da enumeração anterior).
Outro exemplo: a intuição. Intuir é conhecer a forma direta, imediata190,
mas devem-se distinguir várias formas de intuição.
1) Intuição sensorial, que é a captação direta dos fenômenos através dos
órgãos dos sentidos.
2) Intuição emocional, ou seja, o conhecimento sem intermediários de estados
sentimentais ou afetivos, Scheler projetou n a filosofia dos valores este sentido da
palavra intuição.
3) Intuição psíquica, isto é, o conhecimento direto dos fenômenos psíquicos.
4 ) Intuição parapsicológica, que é a correspondente aos fenômenos extra-sen-
soriais. O uso vulgar da palavra intuição como antecipação misteriosa de um fato
é, em realidade, uma extensão não técnica do significado parapsicológico.

119 A palavra “natureza” assume na filosofia um sentido técnico. N o livro


V da Metafísica, Aristóteles distingue cinco sentidos diferentes da palavra “physis” .
(Veja-se o estudo sobre o conceito de natureza nos pré-socráticos, citado por M on­
dolfo em seu livro Problemas y métodos en la historia de la filosofia e na análise
realizada por Heidegger em vários de seus livros, principalmente em Que ê a
filosofia, ob. cit.)
120 In tu ir significa ver. Por isso, a intuição se compara com a visão. O
simbolismo do olho, sobretudo no sufismo, tem o sentido de um conhecimento por
identificação imediata. A expressão “olho do coração” , corrente ng metafísica
islâmica e também entre os sioux, acrescenta o símbolo do coração copio centro do
ser (que nada tem a ver com o sentim ento). Este tipo de considerações corres­
ponde ao que se podería chamar semântica metafísica.
Redação da Monografia 177

5) Intuição intelectual, característica do pensamento metafísico mais elevado.


A falta de uma hierarquização semântica desta palavra originou ambíguas —
quando não errôneas — interpretações da intuição bergsoniana muito mais psico­
lógica que metafísica. N a interpretação do élan vital, chegou-se a confundir o que
é infra-racional (instintivo e emocional) com o supra-racional (espiritual, inte­
lectual); isto é, o psíquico e o biológico com o metafísico.
O psicanalista cometeu outro erro — que se deriva de sua meta psicologia —
ao reduzir o supra-racional ao inconsciente,. único nível não racionai que Freud
conhecia. Esta mesma falta obrigou o criador da psicanálise a empregar o con­
ceito de mecanismo de defesa (sublimação, etc.).
N a filosofia ocidental, o termo foi introduzido com diferentes significados: “ Na
linguagem filosófica, a intuição significa sempre uma forma de apreensão cognos-
citiva direta e imediata; e por tal caráter, precisamente, Descartes, Locke e Leibniz
opunham a intuição á dedução ou inferência, considerando ambas igualmente como
formas de atividade intelectiva e atribuindo à intuição a tarefa de fundamentar toda
a evidência e a certeza de nossos conhecimentos, imediatos ou mediatos. Por outro
lado, Reid e a escola escocesa, seguidos por Cousin e o ecletismo francês, conside­
ravam a intuição como um ato de crença imediata, anterior a toda reflexão inte­
lectual e procedente de uma espécie de instinto espontâneo.
"K ant se afastou de ambos os sentidos mencionados ao definir a intuição
como um estado passivo da consciência que pertence à sensibilidade, quer se trate
de intuição empírica (dos objetos sensíveis), quer de intuição pura (das formas
do espaço e do tem po); nunca, segundo Kant, a intuição pode dar um conhecimento
verdadeiro, mas unicamente a matéria do conhecimento intelectivo. Pelo contrário,-
Fichte afirma a existência de uma intuição intelectual da autoconsciência; e Schellmg
opõe esta intuição intelectual (conhecimento do eu por meio do próprio eu) à
intuição sensível. Schopenhauer avança mais ainda neste caminho; para ele, toda
a intuição é intelectual e somente o intelecto pode conhecer intuitivamente, chegando
à intuição mais perfeita na contemplação estética, de onde capta a natureza meta­
física, ou seja, a idéia do objeto.
“Também os filósofos italianos Rosmini e Gioberti falam de intuição (intuito)
intelectual do ser, considerada por Rosmini como o fundamento de todos os exis­
tentes e por Gioberti como seu criador. Mas ambos consideram essa intuição como
uma recepção (passiva) ou* uma espécie de iluminação irresistível.^ £ evidente, por­
tanto, nesta interpretação da intuição, uma herança ou traço do pensamento reli­
gioso ou místico, pelo qual a intuição é um contato direto com a divindade con­
seguido por graça divina ou por um esforço de vontade pessoal, mas que sempre
consiste num abandonar-se ou anular-se do sujeito, o qual, na contemplação está­
tica de Deus, se perde a si mesmo como sujeito, abismando-se em seu objeto in­
finito. Análogo reflexo do pensamento religioso e místico pode conhecer-se na inter­
pretação da intuição dada por Bradley, que a considera como uma experiência
espiritual do absoluto na qual se fundem todas as atividades anteriores (sensação,
emoção, pensamento, vontade) e desaparece toda a distinção do sujeito e do objeto;
entretanto, Bradley considera esta comunhão com o absoluto inatingível em sua
plenitude de vida para todos os seres finitos, os quais só podem formar para si
uma idéia abstrata da mesma.
“ D istinto de todos os antecedentes é o sentido que dá Bergson à intuição,
opondo-a ao conhecimento analítico e discursivo: chama-se intuição aquela
espécie de simpatia intelectual pela qual nos transladamos ao interior de
um objeto para coincidir com o que tem de único e, portanto, de inexprimfvel. Por
certo, ao reconhecer que nosso próprio eu é a realidade que pode, melhor que qual­
quer outra coisa, ser apreendida por intuição e por indefectível simpatia, Bergson
178 Preparação da Monografia
aproxima parcialmente sua intuição da intuição intelectual de Fichte e Schelling,
mas lhe confere uma extensão mais ampla e compreensiva121.”
No decorrer do texto anterior, Mondolfo mostra como os filósofos, na realidade,
adotaram alguns dos conceitos de intuição a que nos referimos mais acima, inclusive
seu sentido mais corrente. O uso da intuição intelectual em filósofos como Rosmini
e Bradley corresponde, com bastante aproximação, à definida por nós. N ão obstante,
é necessário esclarecer que a intuição intelectual pura não é passiva nem religiosa,
como a intuição mística, que é uma graça. Por isso, a experiência mística é gratuita,
sdb o ponto de vista dó homem; por outro lado, o conhecimento intelectual (m e­
tafísico) é o resultado de uma busca.
■ Outra palavra que apresenta matizes é ‘'lei” , já que poucos termos são
mais suscetíveis de utilização equívoca: há leis lógicas, matemáticas, físicas, quí­
micas, biológicas, econômicas, jurídicas, morais, cosmológicas e ônticas. Desde as
leis lógicas e matemáticas até as biológicas há um abismo. No que se refere’ às leis
morais, são normativas, como as jurídicas. As leis físico-químicas regem — com
certo grau de probàbilidade — o mundo dos fenômenos; por outro lado, as leis
lógicas são tautológicas e as ônticas cumprem-se num universo transcendente, sem
tempo e sem espaço. .
Outras vezes, manipulam-se conceitos técnicos “por aproxi­
mação”, isto é, sem precisão e — o que é pior ainda — sem uma
compreensão mínima de sua significação. Por exemplo, o fato cien­
tífico que, em realidade, é um ente de razão. Com efeito, na base do
fato está a percepção, que não é um ato passivo da mente, mas
uma construção: a mente isola o objeto, que originariãmente está
integrado numa Gestalt (configuração), “recorta-o” do contínuo
sensorial e logo abstrai, isto é, separa (é o que significa abstrair)
certos atributos permanentes de magnitude, forma, cor. A memória
possibilita o reconhecimento (pela mera sucessão de experiências).
O fato científico origina-se, pois, na percepção, mas culmina no
conceito, porque é o resultado de uma abstração ou, como susten­
tam alguns neokantistas, de um esquematismo a partir dos dados da
percepção.
Outra confusão habitual é a de fatos e valores. Por exemplo, o
materialismo dialético classifica os homens, com um critério econômico,
em burgueses e proletários e o considera um fato. Mas logo projeta
sobre os membros de ambas as classes juízos de valor, identificando
os burgueses com os exploradores, reacionários, etc., e os proletários
com as vítimas, os escravos, etc. Há aqui uma confusão de fatos e
valores.
Este equívoco é, contudo, menos grave do que a identificação
voluntária de fatos e valores por uma prestidigitação lógica (na
realidade, paralógico). Por exemplo, da circunstância que na natu­
reza não existem seres iguais (nem duas folhas o são) se infere que

121 MoNDOt.ro, R., ob. cit,, p, 195-196.


Redação da Monografia 17»

não é possível sustentar a igualdade social. Com um raciocínio si­


milar, poder-se-ia sustentar a legitimidade natural da desigualdade
humana. Tanto o igualitarismo como o antiigualitarismo são doutri­
nas de fundamento ético que, por isso mesmo, transcendem o na­
tural. Mais ainda, se na natureza os fatos estão distribuídos segundo
certas leis, tocaria a uma moral sociológica, precisamente, o com­
pensar com um. critério teológico os possíveis “erros” ou “injus­
tiças naturais”, qualquer arbitrariedade, etc.122123.
O rápido panorama que acabamos de traçar está indicando
que em filosofia, como em qualquer outra forma de conhecimento,
convém recorrer a um bom vocabulário técnico cada váz que haja
dúvida sobre a significação de um termo. Mas, antes de usar um
léxico ou um dicionário de filosofia, convém estar informado sobre
as diferenças entre vocabulário ou léxico, dicionário e enciclopédia.
O vocabulário filosófico tem uma finalidade semântica sim­
ples e imediata128, sua consulta auxilia ao aluno que não pode avan­
çar na compreensão de um texto por seu desconhecimento de algnm
termo técnico. São condições de um bom léxico a concisão e a cla­
reza.
O dicionário de filosofia tem um objetivo mais amplo e am­
bicioso: é “para estudar”, além de servir para elucidar o sentido de
alguns conceitos técnicos. Costuma incluir bibliografia em cada
artigo124.
A enciclopédia filosófica é uma verdadeira summa de filoso­

122 Inclusive em biologia se chegou a incorrer neste tipo de confusão. Du­


rante muito tempo considerou-se que o organismo “se defendia" contra os agentes
patogênicos, como um exército que resiste e rejeita uma horda invasora. Assim
como Ua medicingt pitagórka se usavam os conceitos de harmonia e desarmonia,
na fisiologia contemporânea empregam-se as noções mais ocidentais de ataque e
defesa. As teorias de Selye demonstraram que tais “ defesas” ( o stress) podem
constituir verdadeiras enfermidades. Por outra parte, o conhecimento dos fenô­
menos de “ resistência” do organismo a certos antibióticos, com a consequente
modificação ulteríor das cepas microbianas patogênicas, transtrocou esta ingênua
visão do organismo como um campo de batalha onde as forças do hem triunfam
sobre as do mal. ConfuBão — lamentável, por perigosa — de fatos e valores.
123 Recordamos os vocabulários da filosofia de Goblot, Cuvillier, Jolivet,
Lalande, entre outros. Os de Goblot, Lalande e Jolivet fo ram . traduzidos para
o castelhano; o primeiro deles está esgotado. ■
124 Em castelhano existe um excelente, o de Ferrater Mora, que, por sua
extensão, é quase uma enciclopédia de filosofia: é o fruto notável de uma da*
mentes mais Mcidas e eruditas da Espanha. £ muito bom também o Dietionary
of Philosophy, editado por D . Runes na Philosophical Library, em 1942. Há
impressões ulteriores e uma edição econômica (com pleta).
180 Preparação da Monografia

fia1*5. Os artigos são, na realidade, ensaios ou monografias sobre


os temas, noções ou teorias estudadas; 'discutem-se as diferentes
colocações possíveis, complementando-se cada tema com uma bi­
bliografia geral e especial.
Para terminar, recordemos as enciclopédias gerais: a Britânica,
a de Tieccani, a Francesa, a Alemã e a de Espasa-Calpe; podem
ser utilizadas com grande benefício e, inclusive, podem ser citadas
com prudência numa bibliografia.

Composição gram atical

H á . um aspecto que, embora exterior, reveste-se de não pe­


quena importância: a composição ‘gramatical do trabalho. Embora
alguém tenha afirmado que todos os estilos são bons, menos o
maçante, cumpre admitir que a forma expressiva reflete em boa
medida o pensamento do autor: a facilidade e a clareza do estilo são o
resultado da ordem e clareza do pensamento.
£ conveniente evitar cuidadosamente os períodos extensos, com
frases longas, obscuras e sem ritmo. Quando a construção é longa,
deve-se substituí-la por frases breves. Neste caso, cuide-se na cone­
xão das orações, que pode ser feita exteriormente, por meio de
conjunções ou advérbios ( “com efeito”, “logo”, “em primeiro lugar ” ,
“além disso” , “assim mesmo” , “por isso”, etc.), ou internamente,
isto é, logicamente. Se a redação é nutrida e racional, pode-se evitar o
perigo de abusar das palavras de união, que obstruem o ritmo da
expressão. Em síntese: recomendamos encadear as idéias logicamente
sempre que possível.
O estilo possui um “movimento” que depende do temperamento
de cada escritor. Contudo, cabe recomendar a medida, a prudência
e a simplicidade, evitando a ironia, o tom excessivamente familiar,
a banalidade e os recursos retóricos.

O estilo a a expressão

Antes de estudar os estilos de um trabalho de pesquisa; cumpre


faz» alguma referência ao problema da própria linguagem. Em pri­
meiro lugar, convém não perder de vista a distinção estabelecida por
■Heidegger, em estudos recentes, entre a linguagem como instrumento125

125 Não podemos passar por alto a extraordinária enciclopédia que acaba
de publicar (depois de vários anos de trabalho) o Instituto GaDarte, na Itália.
Recomendo-a calorosamente a todos os estudiosos da filosofia.
Bedação da Monografia 181

e a linguagem como instauração da realidade. Segundo isto, a lingua­


gem dos poetas é reveladora do ser existente: quando o poeta nomeia
— ou diz —, evidencia a realidade. Esta concepção metafísica da
palavra confere à linguagem um valor existencial, de modo tal que,
mais do que um instrumento, ela seria uma forma de vida a partir da
qual apreendemos o mundo. '
Se, por outra parte, considerarmos a linguagem como um meio
de comunicação ou de transmissão de conhecimento, podemos defi­
ni-la como um conjunto convencional de sinais, entendendo por si­
nais as unidades que a compõem. Se conferirmos à palavra “uni­
dade*’ seu sentido matemático de quantidade convencional, resulta
que, conforme o plano linguístico, escolheremos como unidade ade­
quada a esse nível: em fonética, será o fonema; em sintaxe, a oração,
etc. Sob um ponto de vista instrumental, podemos classificar as for­
mas expressivas em: a) linguagem coloquial, que é a linguagem cor­
rente ob discursiva; b) linguagem literária, isto é, a que usamos com
fins estéticos, e c) linguagem técnica, que é o sistema de expressão
da ciência e da filosofia.
Finalmente, se considerarmos a linguagem sob o ponto de vista
de suas funções, devem-se distinguir três usos: a) expressiva; b)
informativa e c) diretiva. É utilizada em função expressiva quando
fierve para comunicar — ou simplesmente expressar — emoções e
sentimentos; por exemplo, a linguagem coloquial. O uso informativo
caracteriza-se pelo fato de que as palavras ou sinais têm a finalidade
de transmitir uma informação (conhecimento) — exemplo: a lin­
guagem científica. A linguagem diretiva é a empregada para atuar
sobre a conduta dos homens. Por exemplo, a linguagem da propa­
ganda. £ evidente, por outra parte, que a linguagem corrente pode
ser usada com as três funções apontadas. Além disso, a função está
determinada pela intenção num grau tal que, v.g., a linguagem da
propaganda, cuja finalidade é diretiva, vale-se tanto da linguagem
informativa como da expressiva.
Dados estes esclarecimentos, consideraremos agora o problema
dos diversos estilos de um trabalho de pesquisa. Comecemos por
advertir que, em todos o$ casos, o estilo deve caracterizar-se por
ser cognoscitivo, isto é, deve refletir uma inquietude reflexiva.
O uso de um estilo parcialmente literário pode ser conveniente,
entretanto, em estudos de natureza estética, inclusive em psicologia.
Abundantes exemplos podem ser recolhidos nos livros de Freud; em
alguns de seus trabalhos sobre personagens históricos (Moisés, Mi­
guel Ângelo) ou simplesmente em certas histórias clínicas, a utili­
zação dè um estilo literário pode enriquecer cientificamente a obra.
182 Preparação da Monografia
Com efeito, a exploração do individual encontra um veículo ade­
quado na linguagem literária. Assim, pois, não se deve ter medo d e .
empregar certas formas expressivas, se não se perde de vista o obje­
tivo científico, isto é, se se conserva internamente um estudo cognos-
citivo.
Outra nota que se deve buscar é a que alguns autores denomi­
naram estilo acadêmico, caracterizado pela preocupação com a pre­
cisão através de um vocabulário técnico. Próprio da ciência e da
filosofia corresponde à linguagem técnica (veja-se acima), é teó­
rico e especulativo. No caso em que se deva recorrer a palavras cor­
rentes, são elas despojadas de seus significados vagos ou indeter­
minados, definindo-se-as tecnicamente.
Por vezes, um estudo pode utilizar o estilo erístico, no qual
existe um grande interesse em certo tipo de prova, como as esta­
tísticas e os dados experimentais. Costuma ser freqüente nas obras
pertencentes às ciências da cultura.
Nos trabalhos de lógica e matemática, o estilo é predominan­
temente simbólico e formal e, dentro do possível, postulacional. O
aspecto simbólico do estilo se caracteriza pelo uso de sinais arti­
ficiais, neologismos e notações especiais. Os desenvolvimentos são
estritamente dedutivos e busca-se a mecanização dos sinais mediante
regras convencionais que tornem possíveis as transformações. Exem­
plo: os trabalhos de lógica, matemática, psicometr sociometria,
economia, etc.
A formalização consiste em usar o simbolismo con. >carente de
significação ou de qualquer conteúdo experimental. A validez dos
símbolos utilizados não depende do conteúdo, mas do uso correto
das regras que os vinculam entre si. O aspecto formal do estilo torna
possível a manipulação operatória dos sinais. Como os símbolos
formalizados podem imediatamente tornar-se objeto de diversas in­
terpretações, uma das vantagens deste estilo é sua aplicação aos
diversos campos do conhecimento.
O bom-senso é, em última análise, o que determina o estilo,
já que, embora seja certo que em lógica e matemática é conveniente
o uso de expressões simbólicas formalizadas, nas ciências dos fatos
não se pode prescindir de uma linguagem formada por palavras
técnicas e por expressões extraídas da linguagem coloquial. Cabe
formular algumas considerações análogas com relação às ciências
da cultura, ressalvando as exceções assinaladas em parágrafos ante­
riores.
Redação da M on o grafia 183
Norm as poro as referências bibliográficas0

Mesmo quando não existam nqpnas de validade universal para


as referências bibliográficas, há alguns preceitos normativos que con­
vém observar para não cair na desordem ou na incorreção. Atual­
mente empregam-se vários sistemas de referências bibliográficas para
anotar as referências de pé de página ou as citações reunidas ao
final de um trabalho de pesquisa.
A primeira recomendação refere-se ao uso moderado das mai­
usculas. Escrever-se-á, por exemplo, “Introdução à lógica simbó­
lica”, e não “Introdução à Lógica Simbólica” . Do mesmo modo,
numa enumeração de disciplinas preferir-se-á “lógica”, “matemática”,
“economia”, etc., a “Lógica”, “Matemática”, “Economia”, etc.
Entretanto, quando a expressão pode dar lugar a um equívoco ou re­
sultar simplesmente ambígua, usar-se-ão as letras maiusculas. Verbi
gratia, “A Razão” ou, inclusive, A RAZÃO, e não “a razão” ou
“A razão”, se nos referirmos ao jornal homônimo.
Quando existe alguma dúvida acerca de um dado citado, deve-se
colocar na continuação um sinal de interrogação. Por exemplo, se
não soubermos com certeza a data de nascimento de um autor ou da
publicação de um livro, escreveremos: 1912?
Os colchetes [ ] são usados para indicar que o consignado em
seu interior não está no frontispício do livro (podendo provir de
outro lugar da obra ou de um repertório bibliográfico).
Mesmo quando já se tenham dado algumas indicações gerais
acerca de citações, no parágrafo sobre A técnica das fichas, consig­
naremos, agora, as normas atualmente aceitas com todo o detalhe.
A citação de um livro está constituída por 3 partes: a) autor;
b) título; subtítulo; tradutor, ilustrador, etc.; edição (quando não for
a primeira); c) lugar, editor e data de edição. Estas 3 partes são indis­
pensáveis; a elas se pode acrescentar o número de páginas, as ilus­
trações e a série.

Exemplos:

1) S in n o t , Edmund W.. L a b io lo g ia d e i e s p ír itu , Traducción de Jasefina


Ossorie. México-Buenos Aires, Fondo de Cultura Econômica, 1960. 186
p. (Breviários)
- ) N acf.l , Ernest; N ew m a n , James R,, C lõdeV s p r o o f. Londres, Routledge
& Kegan Paul Ltd., 1959. 113 p.

A ABNT, em sua publicação PNB-66, estabelece as normas a serem observadas


no Brasil. (N. da Trad.)
184 Preparação da Monografia
Quando os autores são mais de 3, procede-se como no exemplo
seguinte:

3) R aícovhky, A. e outro», etc„ 6tc.

Nos casos em que falta algum dos dados do grupo (c), indica-se,
respectivamente, s/1; s/e; s/d. Quando faltam os 3 dados, usa-se a
itiglft seguinte: s. n. t., que significa “sem notas tipográficas” .
A citação de um artigo de revista está constituída também por
3 partes, que são: a) autor do artigo; b) título do artigo; c) título
da revista, seguido do lugar de edição somente no caso.em que o
título, por si só, não permita localizar a revista, ou se foram editadas
várias revistas com o mesmo nome; série, volume, número, fascículo
e páginas; data (abreviando os meses).

Exemplo:
O sntor, León, Los aspectos ab isales dei alma, (Revista da Universidade de
Buenos Aires, 5.a época, ano 8, n.° 2, p. 193-208, abril-junho 1963.)

Para citar um capítulo determinado ou parte de um livro, o


título completo deste passa a um segundo plano, c o m o o que ocupam,
nos casos anteriores, o título e os dados da revista. Nestes casos, usa-
se a expressão: “Em seu”. -

Exemplo:
Veia , Francisco, Les geometrias no~euctídeas. (Em seu: rve historia de
la geometria, Buenos. Aires, Losada, 1948, cap. X I, ' 34-155.)

Independentemente do tipo de obra (livro, artigo, etc.), existem


para citar sobrenomes e nomes de autores que costumam va­
riar conforme as línguas:
a) Nas citações de sobrenomes franceses, espanhóis e italianos,
o primeiro sobrenome é õ que encabeça a referência. Exemplo: Or-
tega y Gasset, José; e não Gasset, Ortega José.
b) Nos sobrenomes ingleses considera-se como palavra de ordem
o segundo, pois o sobrenome da mãe deve anteceder ao do pai, de
acordo com um costume inglês. Exemplo: Mill, John Stuart; e não
Stuart Mill, John.
c) Nos sobrenomes portugueses e brasileiros considera-se a pa­
lavra de ordem o último. Por exemplo: Brandão, João Silva Barros;
e não Silva Barros, João, nem Barros Brandão,, João Silva.
d ) Nos sobrenomes espanhóis e portugueses com prefixos, estes
se pospõem. Exemplo: Casas, Cristóbal de las; e não las Casas, Cris-
tóbal de.
Redação da Monografia 185
e) Nos sobrenomes italianos, os prefixos se antepõem. Exemplo:
De Angelis, Pedro; e não Angelis, Pedro de.
f) Nos sobrenomes franceses, os artigos simples e as preposi­
ções individuais se antepõem. Exemplo: Le Bourgeois, Jacques; e não
Bourgeois, Jacques le. Entretanto, quando as preposições são simples,
se pospõem. Exemplo: Musset, Alfred de; e não De Musset, Alfred.
g) Nos sobrenomes alemães, holandeses, dinamarqueses e escan­
dinavos, as preposições se pospõem. Exemplo: Hagen, Theodor von.
(Tomamos estes exemplos do Boletim da Biblioteca da Faculdade de
Filosofia e Letras de Buenos Aires, n1? 1, junho de 1961, p. 3-10.)
IM P R E S S Ã O D A M O N O G R A F IA

A preparação do m anuscrito

Alguns autores consideraram óbvias as recomendações que consig­


namos aqui; não é a eles que estão dirigidas, mas aos estudantes e
àquelas pessoas que se iniciam na preparação de manuscritos para a
impressão, isto é, os autores novos.
Os autores não costumam levar em conta o processo que se inicia
quando eles concluíram seu trabalho e, em muitos casos, nem sequer
o conhecem. Com o objetivo de facilitar-lhes este aspecto de sua tarefa,
começaremos por destacar alguns detalhes materiais de natureza ele­
mentar, mas não isentos de importância. Deve-se ter presente que,
quando se compõe ojrabalho, ele será lido por outras pessoas alheias
à finalidade técnica do texto, cuja tarefa consiste em sua transcrição
fiel por meio de máquinas ad hoc. Neste sentido, deve-se escrever,
desde o princípio, em um só lado da folha, deixando uma margem
constante, e com o espaço 2 da máquina (nunca com o espaço 1); veri­
ficar o bom estado da fita, a qual, dentro do possível, convém que
seja preta. Inclusive, é aconselhável comprovar se os tipos da máquina
estão limpos.
Convém verificar a qualidade do papel, antes de começar a es­
crever, para garantir que ele tornará possível realizar as necessárias
correções com tinta (sem borrar) e, inclusive, o uso da borracha. O
tamanho das folhas deverá ser sempre o mesmo, porque, como se
disse, se conserva constante a medida da margem inicial e final (no
sentido horizontal) e a superior e inferior; mediante um simples cál­
culo matemático poder-se-á estimar, com cCRã aproximação, d nq-
mero de páginas do futuro livro. -
Impressão da Monografia 187

Se se decide utilizar material já redigido, é preciso voltar a es­


crevê-lo para que não quebre a uniformidade e a ordem do manus­
crito; não se devem utilizar jamais textos mimeografados ou escritos
com o espaço 1 e, muito menos, fotocópias ou qualquer outro mate­
rial reproduzido. Em todos os casos, é conveniente voltar a copiar
os textos de acordo com as normas gerais que foram levadas em conta
para a transcrição do trabalho. '
Com o risco de ser julgado reiterativo e ingênuo, não vacilamos,
entretanto, em recordar que o autor deve conservar uma cópia do
manuscrito; ninguém está livre de perdê-lo. Recordamos dois casos
célebres, o de Carlyle, cujo manuscrito sobre A revolução francesa
foi queimado acidentalmente, e o do grande matemático Galois, cujo
gênio não foi reconhecido pelos acadêmicos da época por “se haverem
extraviado os originais” de alguns de seus trabalhos sobre teoria dos
grupos.
Enquanto se escreve o trabalho em sua redação definitiva e
transcrita à máquina, pode ser necessário efetuar algumas correções.
Se se tratar de poucas modificações e se foram escritas com clareza
(à mão ou à máquina), mostrando sem ambigüidade o lugar da subs­
tituição, elas podem ser incluídas sem risco de obscurecer o texto.
Mas, quando as correções são numerosas em cada pâginaT é aconseT
Ihâvel cõpiádas de novo. Em caso algum dever-se-ão corrigir palavras
ou letras escrevendo sobrê~elas, mas nscando-as e consignando a
grafia correta; tampouco deve-se escrever no reverso d£Lj>ágina.
Embora o autor conheça as indicações habituais na imprensa
para indicar as características e o tamanho dos diferentes corpos da
letra, não deve escrever essas indicações (por exemplo: 8/10, etc.),
mas conversar — se cabe — previamente com o impressor ou editor
e combinar a distribuição mais conveniente dos tipos que serão usados.
Geralmente, os editores selecionam a tipografia e os detalhes técnicos
combinados com sua linha de produção ou edição.

P roblem as especiais

Quando os autores inserem textos (em sua língua original ou


traduzidos) publicados em outra obra, sempre que estejam compre­
endidos dentro do lapso em que a lei protege o direito do autor será
indispensável solicitar, antes de disporj.jrespectiva inclusão, a per­
missão correspondente ao detentor dos direitos (o autor, os herdeiros,
o agente literário ou o editor). Esta permissão deve ser obtida no
princípio, porque, se por qualquer razão imprevisível for denegada,
não será fácil, no último momento, substituir ou eliminar o texto sem
prejuízo da unidade do trabalho.
188 Preparação da Monografia
Os tratados internacionais respectivos estabelecem que serão
consideradas violações do Copyright as reproduções de material im­
presso que possam ser difundidas c a m o irmateriais e substanciais” .
■ Como se vã, o problema consisttém determinar o sentido das palavras
“material e substancial”. A lei argentina permite a reprodução de até
mil palavras de obras literárias ou científicas com fins didáticos ou
científicos, consignando a referência sobre o autor e o lugar de onde
foi extraída. Em todo caso, é recomendável solicitar a autorização
expressa do autor ou do detentor dos direitos do autor. Mesmo tra­
tando-se de uma antologia, convém solicitar a autorização relativa­
mente à totalidade do material utilizado.
Com o objetivo de prevenir dificuldades por possíveis recla­
mações è aborrecimentos, convém sempre obter a autorização corres­
pondente para usar não só o material impresso de outros autores,
mas, além disso, tabelas, textos musicais e ilustrações.
A inserção da fotografia de uma pessoa viva não pode serjeita
I sem *suã~ autorização; pode-se, entretanto, incluir, sem permissão
[prévia, as fotografias de personagens de pública notoriedade, sempre
I que sua incorporação no texto obedeça a razões científicas (históri-
í cas, etc.) ou informativas.
Ao dirigir-se ao detentor dos direitos do autor para solicitar a
autorização de inclusão de um texto, é necessário registrar na nota
respectiva o seguinte:
1^ O título da obra que se está preparando e a intenção de in­
cluir o texto de referência.
29 A referência completa do autor, obra, edição, lugar e ano,
com indicação precisa do trecho que se quer utilizar.
39 O compromisso de citar o autor, livro e editora no lugar
(página) em que se insere o texto.
As notas devem ser escritas com espaço'duplo e se inserirão
ao pé da página correspondente à referência, mediante um número
carrelativo a partir do número 1. O número respectivo deve ser repe­
tido no texto, no lugar correspondente à referência. Também podem-
se incluir as notas no texto entre parênteses. (Nesta obra optou-se
pelo primeiro procedimento, isto é, o de registrar as notas ao .pé da
página.) Nas obras de pesquisa, há autores que costumam colocar
as notas ao final do livro, por ordem alfabética de autores ou segundo
a sequência de seu aparecimento; há também aqueles que colocam
as notas ao final de cada capítulo, numeradas.
A bibliografia deve incluir as fontes utilizadas na elaboração da
obra. Tanto a bibliografia como os índices dos autores citados cons­
tituem uma valiosa indicação que facilita ao pesquisador a valorização
Impressão da Monografia 189

do livro que tem em ihãos. Ao mesmo tempo, a bibliografia técnica


serve ao estudante para ampliar seu conhecimento de alguns dos
temas implicados no texto ou, em outros casos, para conferir a com­
preensão de problemas prévios à intelecção do significado essencial
da obra.
A organização da bibliografia exige a análise do objetivo do livro
e do universo de seus possíveis leitores. Se a obra está dirigida a
pesquisadores, a bibliografia deve ser muito especializada e abun­
dante, mas, se foi concebida como um texto para estudantes, é neces­
sário selecionar as obras fundamentais, levando em conta as que
são mais acessíveis — e, às vezes, mais necessárias — para comple­
mentar o conhecimento dos jovens que devem utilizá-la muitas vezes
com fins escolares. Ao escolher os livros, devem-se preferir as edições
mais recentes — em certos casos, as edições mais críticas — e só
incluir obras esgotadas ou difíceis de encontrar se são realmente
essenciais.

Indicações tipográfica*

A transcrição de fórmulas técnicas (matemáticas, químicas, ló­


gicas, etc.) exige um cuidado especial. O autor não deverá esquecer
que o pessoal (da editora ou da tipografia) que irá trabalhar seu
manuscrito nunca é especialista na matéria e que, às vezes, não lhe
é familiar a utilização dos símbolos. Por estas razões, é preciso ex­
tremar o cuidado na transcrição dos sinais, fórmulas e termos técnicos,
a fim de que sua apresentação seja suficientemente clara e exata e
para que o linotipista não se engane.
A seguir, anotamos algumas regras e sugestões — recomendadas
por especialistas na apresentação de manuscritos técnicos — que diri­
gimos especialmente aos autores de livros de matemática, física, quí­
mica, lógica matemática, cibernética, etc.
1) Os termos e os números que intervém nas equações e, em
geral, nas fórmulas, devem ser escritos à máquina', os símbolos es­
peciais e as letras do alfabeto grego serão registradas à tinia. Análogas
considerações valem para o uso excepcional de sinais pertencentes a
outros alfabetos; por exemplo, a letra alef, na teoria dos conjuntos, que
pertence ao alfabeto hebraico.
2) As equações escritas em linhas separadas não devem levar
pontos na continuação de cada uma delas. Exemplo:
— •
V n = a 4- 2bc — d (sem ponto final)
x = Sáb8 — )y+ 5c — d (sem ponto final)

4
190 Preparação da Monografia
3) Os números das equações que devem ser numeradas (não é
necessário se fazer com todas) vão no final. Exemplo:

YlYa — bib2 + Y 1 (Y2 — ba) + b2 ( Yl — bx) (6-32)

4) Ao desenvolver as equações, devem-se usar linhas horizontais


para as frações, com linhas oblíquas para as frações do numerador, o
denominador e os expoentes:

a
C = ------ ,e'v z
a/b

5) Sempre que for possível, convém usar os sinais conhecidos


de parênteses ( ), colchetes [ ], e chaves { }, a não ser quando se
quiser introduzir sinais especiais (como ocorre, por exemplo, com a
notação que se vêem obrigados a inventar os membros do grupo
“Bourbaki” de matemática).
6) Quando se usam letras que podem resultar ambíguas —
como e t o — , é necessário sublinhá-las, o que significa, na tipografia,
utilizar a letra grifada,
7) Dentro do possível, aconselha-se usar a notação standard,
evitando o emprego de símbolos especiais que exijam o trabalho ma­
nual do tipógrafo. Se não for possível prescindir deles, convém falar
com o editor (ou o impressor), especificando o número de vezes
— aproximadamente — que se apresentará cada símbolo que não
seja usual.
8) As fórmulas químicas devem ser desenhadas cuidadosamente,
de modo que o impressor possa copiá-las exatamente.
9) Como foi dito, as letras do alfabeto grego devem ser dese­
nhadas, exceto duas, que podem ser reproduzidas na máquina —
phi e theta; $ e 0, respectivamente — e que se constroem com o “o”
minúsculo cruzado pela barra oblíqua e o “O” maiusculo com um
traço no meio.
Depois de se colocar ponto final no texto e se revisar a cópia
feita à máquina, deve-se lê-lo novamente, em sua totalidade, para
corrigir possíveis erros e omissões. Ao fazê-lo, é necessário assegurar-
se de haver incluído os textos, as tabelas e as ilustrações previstas;
devem-se verificar a exatidão e o lugar das referências, a numeração
e, finalmente, comprovar se foi incluído o agradecimento de rigor
ao editor ou ao autor que autorizou a utilização do ou dos textos de
referência. '
Im pressão da M onografia 191

Correção de provas

Um “paquê” ou “prova de paquê” é uma folha larga impressa


que equivale, por seu conteúdo, a três páginas — aproximadamente —
de um livro comum. Não contém ilustrações nem está dividida em
páginas; as notas de pé de página não estão registradas em seu lugar,
mas intercaladas no texto sob as referências correspondentes, e a qua­
lidade do papel é inferior à que se irá utilizar no livro.
As provas de paquê às vezes são enviadas ao autor junto com
o manuscrito. Algumas oficinas possuem seus próprios revisores;
neste caso, o autor recebe as provas de paquê com uma primeira
correção. Caso contrário, a revisão inicial ficará a cargo do escritor.
O trabalho de leitura e correção pode exigir a colaboração de
duas pessoas: uma lê o original e a outra verifica as provas. Os
autores devem evitar seguir o texto de memória, atendendo ao que
“deveria estar escrito” e não ao que “realmente foi escrito” nas
provas. Neste caso, se vê o que “se espera ver” e não “o que está
escrito” (isto é, ignoram-se os erros possíveis). Os autores novatos
poderão consultar os sinais convencionais que devem usar na correção
das provas e que incluímos mais adiante.
Quando a obra contém ilustrações, quadros ou tabelas, é ne­
cessário verificar as legendas e as epígrafes e — embora pareça
ocioso — convém verificar se as ilustrações ou os quadros foram
colocados em posição correta (o que, em certas reproduções de
arte moderna, pode não ser fácil, exceto parâ o contemplador expe­
riente). Aconselha a experiência efetuar uma leitura muito cuidadosa
das provas de paquê, pois, deste modo, a possibilidade de erros na
impressão se reduz ao mínimo.
O linotipista deve realizar as correções indicadas nas provas e
preparar com o paginador, que devolverá novamente ao revisor. É
ocioso repetir que, embora o autor possua certeza de que as provas
já foram lidas, nem por isso deve diminuir seu zelo em revisá-las,
tarefa que deverá executar como se ninguém o tivesse feito antes
dele.
As “provas de página” já apresentam o aspecto das páginas de
um livro, e a distribuição do texto, as ilustrações, as tabelas e as notas
estão em seus próprios lugares. Ao ler as provas de página, não se
deve esquecer que esta constitui a última oportunidade de eliminar os
erros do livro. Assim sendo, deve-se verificar, antes de mais nada,
se foram realizadas as correções que haviam sido indicadas nas provas
de paquê, e comprovar se, ao compor as novas linhas, não foram
192 Preparação da Monografia

introduzidos outros erros. Três casos podem ocorrer: que nem todas as
correções tenham sido realizadas, ou que, ao compor as novas linhas,
se tenham cometido outros erros, ou que as novas linhas tenham
sido mal colocadas no texto. Deve-se voltar a revisar as ilustrações
para verificar se a posição deste e outro material gráfico é a correta.
Importa evitar a incorporação de correções e acréscimos que
não sejam realmente erros, pois cada leitura induz sempre o autor
a um novo retoque ou a introduzir modificações; por isso, a releitura
do original tem a vantagem de evitá-los. Tais modificações no texto,
além de retardarem a publicação, aumentam o custo; principalmente
quando as modificações ou acréscimos são feitos nas provas de pá­
gina. Inclusive a composição de novos textos está sujeita a novos
erros, o que poderá redundar num verdadeiro círculo vicioso.
Quando as correções são oriundas de modificações que o autor
introduz nas provas, os editores calculam os custos destas para
debitá-los ao autor. Há, entretanto, um número razoável de modi­
ficações que são aceitas sem despesas pelos editores.
A correção de provas é uma atividade especializada; não obs­
tante, os autores podem realizá-las, se aprenderem a utilizar-se dos
sinais convencionais empregados pelos revisores profissionais e le­
varem em consideração algumas normas e conselhos fáceis de ob­
servar.
Não há dúvida que, mesmo quando os revisores profissionais
possuem qualidades especiais para realizar sua tarefa, o autor pode
ser um colaborador-revisor muito importante de seu próprio livro. A
correção de provas difere da correção do original, porque esta se
realiza dentro do texto; por outro lado, aquela deve ser indi­
cada nas margens de cada página, que é o lugar onde o linortipista
procurará as correções. Os sinais, as letras ou as palavras (even­
tualmente as frases) devem ser anotadas na margem direita ou
esquerda, conforme a palavra esteja mais próxima de um ou de
outro lado. Se o texto que se deve acrescentar é extenso, convém
escrevê-lo numa folha e acrescentá-lo à prova de paquê ou à de
página, indicando claramente qual é o lugar onde deve ser inserido.
Anotamos, a seguir, os sinais convencionais mais utilizados na
correção de provas*:

Por raaOes óbvias, substituímos o texto espanhol apresentado pelo Autor por
um texto brasileiro. Convém observar, por outra parte, que o* sinais comu-
mente usados no Brasil diferem ligeiramente dos apresentados no livro original.
(N. io , Ei.)
Impressão da Monografia 1S3

lu n letra ou sinal para corrigir ou substituir

suprimir

IX unir letras ou palavras

# separar letras ou palavras

O letra de outro tipo, rasurada ou suja

= MAIÚSCULA ou VERSAL

V ersalete

/w negrito

modificar a ordem de palavras ou


partes da oração

J ponto e divisão

e ponto e continuação

3C separar (de um grupo) e/ou acrescentar (a outro)

* sangrar mais

# abrir linhas

deixar sem efeito a correção marcada

grifo
194 P reparação da M on ografia

C.úo.
A revisão de provas é, sem dúvida, umr|a das tarefas d f
que maior cuidado e empenho exibem dos que a ela se
dedicam.; cr*
CNãd basta o p erjeito conhecimento da línguarc das
normas tipográficas, cultura süfícientemente famplç 3
para poder abarcar com facilidade os mais variados/assun-
-tos, e | umajinteligência aberta c perspicaz. É prec.isoNainda,
além daquilo que se convencionou chamar/olho defrevisor. U L .
um poder de concentração contínuo e incansável, pois que d . f
qualquer pequeno cochilojpode dar âditf^^^rros^ravísr^
/7 simos^Qiz D a u p e l b y - ^ o u v ^ b n e u b , 1 numa obra publicada Q | E Ç
fLAotUhá quaseÍ80) anos: " 0 trabalho do compositor tipográ-
Jfico, por não ser defiuitivo,|pode, ja |rigor, | comportar|a | | | |
|| J medioerj^de; já não se dá o mesmo com o do impressor, c L /
' cujos resultado^ão irrevogáveis; mas que, de qualquer
modo, não exige tão grandes conhecimentos da arte, tanto „
é verdade gue, salvo raras exceções, não se encontra eitT
(\J nossos dias maq^nista capaz d eluma |restabelecer| linha L _n
4 ^mpastel^da. 0 revisor, ao contrário, |!á de ser universal; CL.
3 (uma acuidade e resistência extremas.”
j*f*J
fc(e, o que inais importa, terá de possuir órgãos visuais de
£ /S e nos transportamos dos domínios da literatura para õ^~ 7
( da ciência c da técnic^ainda mais sc racentuaía
respon- J
sabilidade do corretor de provas. No emaranhado dasÇor*
mulas de um livro de física ou dc matemática, porye-
xemplo, com que facilidade não nos passa um xj por xn
lançando às vezes a confusão na do estudante! ____ _
^ k Um dos^conhecidos escritores do século passado,y^dizia v .
considerar a leitura de provas como o mais árduo ^-c.
J / G ^ D s ^ e l e ^ o ^ n ^ u ji, Le Compositeur et le. cor-U ^ v
rectedr" tvDQgraph^ Paris. 1881. ^
B IB L IO G R A F IA

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APÊNDICE A EDIÇÃO
BRASILEIRA
ÍN D IC E DE ASSUN TO S

A Antecedente, 146
A ntítese, 109, 170
Adaptação, terapêutica de, 7S Arché, 102, 103, 104
Adaptar-se, significação de, 78 A rgum entum ad hom inem , 142
ADN, m odelo do, 156 A rgum entum ad ignorantiam , 140
A grafa dógmata, 166 A rgum entum ad misericorâiam,
A leatória, correlação esta tística , 140
58 A rgum entum ad populum, 140
A leatórias, am ostras, 51 A rgum entum ad verecundiam , 140,
Alfabeto, 148 142
Álgebras de Boole, 147 Arquétipos, 130
Alm a, medicina da, 78 Arquétipos platônicos, 137
A m o B tra, 49 A tividade profissional, 11
A m ostra ao acaso, exem plo de, 51 Atualização, 164
A m ostragem , teoria da, 50 Axioma, 147, 148, 149, 158
A m ostra representativa, critério Axiomas independentes, 149
para ju lgar a, 52 A xiom ática form alizada, 148
Amostra sistem ática, 51-52 Axiom ática in tu itiva de Euclides,
A m ostras aleatórias estratlfica- 148
das, 53 Axiomatização, 147
A m ostras aleatórias sim ples, 52
A m ostras ao acaso, 51 B
A m ostras por quota, 51
A m ostras probabllísticas, condi­ B ibliografia, 118, 119, 188
ções das, 52 Bibliografia crítica, 88
A m ostras representativas, 51 Bibliografia exaustiva, 88
A m ostras sistem áticas, 51 B ibliografia, existên cia de, 102
A nálise m otivacíonal, 52 Bibliografia filosófica, 93, 94
200 Apêndice

B ibliografia in tro d u tó ria , 88 C iências não em píricas, 14


B ibliografia, organização da, 189 C iências n aturais, 14
B ibliografia seietiva , 88 C iências novas, 13
Bibliografias, tipos de, 88 C iências p ositivas, 10, 115, 136
Biblioteca, 118 e s. C iências Bocials, 14, 49, 56, 61
B iblioteconom ia, 118 C iências sociais: conslderaçóes
B iunívoca, correspondência, 162 críticas, 53 e ss.
Bobr, teoria da complementaridade C fentlflcism o contem porâneo, 103
de, 158, 170 C ientífico, experim ento, 131 e ss.
Boole, álgebras de, 147 Classe, 32
Brown-Séquard, auto-experiências C lassificação das form as ex p ressi­
de, 19 vas, 181
BuBca m etódica, 118 C lassificação das h ipóteses, 136
Codicólogos, 85, 115
C Coerência sem ântica, 150
C oerência sin tá tica , 150
Caoticism o, 144 C o in cid e n tia o p p o sito ru m , 75
Casos, relato de, 164 Com entário clin ico, 165 '
Causa, 32 C om plem entaridade, 120, 170
Causai, correlação estatística, 68 Com plem entaridade, teoria da, 158,
Censo, 49, 67 170
Ceticismo, 61 C om portam entista, escola, 28
Ciência, 135 Comportamento social, 36
Ciência, compreender o que é a, 14 Composição gram atical, 180
Ciência e investigação, 12 e s. Compreensão filosófica, 98 e s.
Ciência, objetividade da, 131 Compreensão m a látlca, 98
ClênciaB biológicas, 155 Comunicação, 164
Ciências de fatos, 13, 155 C onceito, teoria do, 127
Ciências, divisão das, 12, 14 Concepção Óntica, 169
Ciências do comportamento, 13 Conclusão, 165, 172 e s.
C iências do espirito, 13 C onhecim ento filosófico, 104
Ciências do homem, 13, 54, 58, 166 C onhecim ento jurídico, 111
C iências do homem, m étodo feno­ C onhecim entos m etacien tiflcos, l ó l
m enológico nas, 61 e ss. C onsequente, 146
C iências do homem, pesquisa nas, C onsistência de um sistem a teóri­
27 e ss. co, 150
C iências em píricas, 14 Construção da teoria cien tifica ,
C iências fáticas, 10, 12, 115, 164 136, 145 e ss.
C iências fáticas, objeto das, 12 C ontexto de descoberta, 135, 139,
C iências fáticas, pesquisa nas, 14 e 145, 168
ss. C ontexto de ju stifica tiv a , 135, 139,
Ciências form ais, 54, 115 145, 168
C iências form ais, objeto das, 12 C o p yrig h t, 188
Ciências interdiscipílnares, 13 Correção de provas, 191 e ss.
Apêndice 201

Correção de provas, exem plo de, Documentação bibliográfica, an á li­


194 se e critica da, 126 e ss.
Correção de provas, sin a is con* Documentação, resum o para, 125
vencionals para, 192 e s. “D outrina p révia”, 28
Correlação estatística , 58
Correlação esta tística aleatória, E
68
Correlação esta tística causai, 58 E fe ito , 33
Correlaç&o esta tística funcional, 53 E fe ito de su b te rfú g io , 50
Criação filosófica, 85 E id o s, 66
C ritério de autoridade, 140 Elem ento, 49
C ritério de demarcação, 139 Em patia, 70
C ritério eplstem ológlco, 168 Enciclopédia filosófica, 179 e s„
C ritica da autenticidade, 126 E n o o n tro , 77
C ritica da docum entação, 126 Encontro amoroso, 80
C ritica da originalidade, 126 Encontro indireto, 79
C rítica de textos, 126 Encontro, noção de, 79
C ritica externa, 126 Encontro solene, 80
C ritica fllològlca, 86 Encontro, uso na psicologia exls*
Critica Interna, 126 ten clal da noção de, 79
C ritica textual, 126 EncontroB autênticos, 80
Encontros lnautêntlcos, 80
E ntrevista, 41 e s.
D E ntrevista a um grupo, 43
E ntrevistador, arte do, 43
“Dados h ilético s”, 64 E ntrevistador, condições exigid as
Dados, registro de, 37 do, 43
Dedução, regras de, 149 E ntrevista, n íveis da, 42
D edutivo, método, 8 , 9 . E n trevista pessoal, 43
D efesa, m ecanism o de, 29 E ntrevista telefônica, 42
D efinição, 169 E nunciado analítico, 12, 137 e s.
D em onstração, fase de, 171 Enunciado atôm ico, 153
D erivação, regras de, 149 Enunciado predltlvo, 15, 137
Descoberta da p enicilin a, 19 E nunciado sin tético, 12, 137 e s.
D escobrim ento cien tífico, 17 E nunciados básicos, 37
D esenvolvim ento, 89, 165, 168 Enunciados científicos, ju stifica­
D eterm inism o, 144 ção dos, 139
D iálogos platônicos, 119 E nunciados gerais, 136
D icionário da língua, valor do, 175 E nunciados predltlvos, verificação
D icionário de filosofia , 179 dos, 32
D ile m a antropológico, 76 E nunciados protocolares, 131, 132,
D issertação, tem as de, 192 136, 137, 146
D ivulgação, 165 E nunciados, verificação dos, 136
' Docum entação, 123 E pistem ologia, 135
202 Apêndice
Eplatem ologia da história, 98 Experimentaç&o, 12, 18, 135
E pistem ológica, questão, í ó l Experim entação biológica, 18
Epoché fenom enológica, 67 Experim entação bioquím ica, 19
Equações, 189 Experimentaç&o cien tifica , 16
E scola de Lysenko, 140 E xperim entação com m odelos, 155
Espécie, noção biológica de, 120 E xperim ento, 14, 22, 34, 176
E ssências form ais, 66 E xperim ento cien tífico , 131 e ss.
E ssências m ateriais, 66 E xperim ento cien tífico, função do,
E statística correlacionai, lim ita ­ 133 .
ções da, 58 E xperim ento controlado, 18
E stilo acadêmico, 182 E xperim ento crucial, 22, 133
E stilo e expressão, 180 e ss. E xperim ento de T orricelli, 16
E stilo, erlstico, 182 E xperim ento exploratório, 133
E stilo sim bólico, 182 E xperim ento heurístico, 133
E stilo s do trabalho de pesquisa, E xperim ento m etodológico, 133
181 E xperim ento nom ológlco, 133
E stratlficação, princípio geral de, E xperim ento sociológico, 45
53 E xperim ento teorétlco, 133
E stratificadas, am ostras aleatóri­ E xperim entos de sim ulação, 133
as, 53 E xperim entos d ouble blind, 18
E strutura da monografia, 165 e ss. E xperim entos “ p ilo to ”, 19, 133
Etnólogos, 34, 40 E xperim entos psicológicos, objeti­
“ Eu-ele", 81 vidade dos, 30
E u psicológico, 68 E xplicação, 169
E u puro, 68 E xpressão lin g ü lstica , 174
“ Êu-tu", 81 E x p re ssã o , o bscuridade de, 99
Evolução, teoria da, 97 E xpressões bem form adas, 148
Exemplo de corregfio de provas, E xpressões válidas, 148
194 E xtrato, 49, 53
E xistência anônim a, 81
E xistência dual, 81
E xistência plural, 81 F
E xistên cia singular, 81
Experiência, 9, 109, 176 F alácia, 140
Experiência biológica, 176 F alá cia causai, 141
Experiência científica, 134 F alá cia da causa co m u m , 141
E xperiência estética, 176 F alácia da com posição, 142
Experiência física, 176 F a lá cia da conclusão im p ró p ria ,
E xperiência 1» vivo , 19 141
Experiência m atem ática, 176 F alá cia de c o n fu n d ir a causa com
E xperiência m etafísica, 176 o e feito , 141
E xperiência m ística, 176 F alá cia de d ivisã o , 141 e s.
E xperiência parapsicológica, 176 F a lá cia de e s ta tís tic a en viesa d a ,
E xperiência psíquica, 176 143
Apêndice 203
F alácia de e s ta tís tic a in su fic ie n te , "F ilosofia Im plícita”, 28
143 F ilosofia judaica, revista dedicada
F alácia g enética, 140 a, 92
F alácia po»í hoc ergo p ro p te r hoc, F ilosofia, linguagem da, 175
31, 141 F ilosofia m edieval, para biblio­
F alsabllidade, 13S grafia sobre, 119 •
F ato cien tifico, 1TS Filosofia, n íveis da investigação
F atos, 178 e s. na, 83
Fenôm eno, 63, 67 F ilosofia, objetivo da, 104
F enom enologia, 61, 63 F ilosofia oriental, 104
Fenom enologia categorial, 72 F ilosofia platônica, relações entre
Fenom enologia com o m étodo de a m edicina grega e a, 79
Investigação na psiquiatria atual, F ilosófico, conhecim ento, 104
69 e ss. F ilosófico, plano, 128
Fenom enologia . de H u sserl, 63 F ilósofos originais, linguagem do*,
F en o m en o lo g ia d escritiv a , 70- e e. 84
Fenom enologia do am or, 81 F lslca, pesquisa na, 14 e ss.
Fenom enologia do espaço, 75 Fluido de M axwell, 154
Fenom enologia genétlco-estrutural, Fontes, 115 e ss., 127
72 Formalização, 182
Fenom enologia psiquiátrica, 7 7 , 32 Form as exp ressivas, classificação
F ertilidade dedutiva, 158 das, 181
F ertilidade h eu rística, 168 Form ulação da teoria, 146
F icha bibliográfica, 121 FOrmulas, 148
F ich a de docum entação, 121 e s. Fórm ulas, form ação das, 149
F ichas, 120 Fórm ulas quím icas, 190
F ich as bibliográficas, exem plos de, Fórm ulas técnicas, transcrição de,
121 189
F ichas de docum entação, redação Função, 32
das, 124 Função do experim ento cientifico,
F ichas, técnicas das, 120 e ss. 133
F ilólogos, 85, 8 6 , 115, 116 Função do plano, 107
F ilosofia, 102, 104 Funções da linguagem , 181
F ilo so fia antiga, revista que estu ­ Funcional, correlação estatística,
da a, 92 58
F ilosofia com parada do Oriente e Futuro, 74
Ocidente, revista sobre o estudo
da, 92
F ilosofia da religião, rev ista de­ G
dicada ao estudo da, 92
F ilo so fia d a s . relig iõ es, 1 0 1 , 119 Geom etria euclidiana, 152, 169 e s.
F ilosofia, dicionário de, 179 Geom etria plana de Riem ann, 152
F ilo so fia do budism o, 88 O estalt, 72, 178
F ilo so fia fenom enológica, 63 Gramática, 149
204 Apêndice

Gfupo de controle, 18, 32, 4$ Interpretação dos sonhos, 29


Grupo experim ental, 18, 45 Interpretação, n ív eis de, 31
Intersubjetividade, 181
Introdução, 165 e ss.
H Introdução exem pllflcadora, 166
Introdução h istórica, 166
H ipótese, 15, 25, 138 Introdução-solução, 166
H ipóteses ad hoc, 137 Introduções grandiloqüentes, 166
H ipóteses, classificação das, 136 Intuição, 63, 176
H ipóteses de alto nível, 136 Intuição categorial, 66
H ipóteses de n ível Interior, 136 In tu ição em ocional, 176
H ipóteses de n ível Intermediário, In tu ição Intelectual, 177
136 Intuição parapsicológica, 176
H ipóteses psicológicas, 24 Intuição psíquica, 176
H ipóteses, validade das, 136 e s. Intuição sen sorial, 176
H ipóteses, verificação das, 25, 134 In vestigação cien tifica , procedi­
e ss. m en tos de, 30
H istória da m atem ática, 106 Investigação do espaço, 74
H istoricism o, 61 Investigação e ciên cia, 12 e s.
Htfle, 64 Investigação, exem plo da realiza­
ção de um trabalho de, 88
In vestigação fenom enológica, ava­
I
liação c ritica da, 75 e ss.
In vestigação fenom enológica, obje­
Ideagão, processo de, 66
to da, 63
Im pressão da m onografia, 186 e ss.
In vestigação filosófica, como in l-
Indagação literária, 116 clar-se na, 87 e s.
Indeterm lnlsm o, 144 Investigação filosófica, Iniciação
Indicações tipográficas, 183 e ss. na, 83 e ss.
Indução, iu stlílca tlv a da, 137 Investigação filosófica, Instrum en­
Informação bibliográfica, 103, 115 tos intelectuaiB da, 89
e ss. Investigação filosófica, planos na,
Informação escrita, 90 83
Inform ação oral, 90 Investigação, m étodos de, 8
. Inform ações, tipos de, 163 Investigação p sicológica, m étodos
Inform ante, Inquérito com um, 39 da, 28 e ss.
Inform antes, classificação dos, 40 In vestigação sociológica, técn ica s
Inquérito com um inform ante, 39 exp erim en tais n a , 45
Inquérito de opinião, 144 , In vestigação, tem a da, 88 e s.
Instrum ento, le i do, 90, 133 In vestigação teórica, 11
Intencionalidade, 64 In v iv o , experiência, 19
Interpretação, 31, 153 Isom orfo, 162
Tuterpretaçâo de texto, 115 Isom orfos, sistem a s de sin a is, 152
Apêndice 205
M ecanismo de repressão, 29
J
Mendel, leis de, 54
M etafísica tradicional do Oriente
Justificação dos enunciados cien ­
e Ocidente, revista dedicada à,
tífico s, 139
J u stifica tiv a da indução, 137 92
M eta-histõria, 98
M etalinguagem , 84
L M etalóglca, 148
Método cientifico, requisitos ex ig i­
dos para o, 32
Laboratório” filosófico, 89
Método clínico, 30
L ei, 178
Método dedutivo, 8 , 9
L ei do Instrum ento, 90, 133
Método, definição de, 8 , 9
L e i lógica, 145
Método de prova cientifica, 17
L eis de Mendel, 54
Método estilom étrico, 116
L inguagem , 189
Método experim ental, 15
L inguagem da filosofia, 175
Método experim ental da física, 76
L inguagem de objeto, 84
Método fenom enológico, 172
L inguagem diretiva, 181
Método fenom enológico nas ciên­
L inguagem dos filósofos originais,
cia s do homem, 61 e ss.
84
Método fenom enológico, sentido
L inguagem expresBiva, 181
descritivo do, 72.
L inguagem , funções da, 181
Método introspectivo, 27
L inguagem inform ativa, 181
M etodologia, 7
L iteratura, uso da, 129
M etodologia, conceito de, 8
L ivre associação, técnica da, 29
M etodológico, o problema, 7 e ss.,
L ysenko, escola de, 140
53
Método naturalista, 28
Método psicanalítico, 9, 28
M Método psicanalítico, essência do,
29
M achína s p e c u la trix , 154 Método reflexológico, 9
M anuscrito, preparação do, 186 e Método terapêutico, 28
s. Métodos com binados, 34
M anuscritos técnicos, 189 Métodos da investigação psicológi­
M atem ática: considerações c r íti­ ca, 28 e ss.
cas, 53 e ss. Métodos de investigação, 8
M atem ática, h istória da, 106 Métodos de prova, 8
M a tem a ticísm o sociológico, 60 Métodos diferenciais, 32
M atem atização, 147, 157 Métodos experim entais, 33
M axwell, fluido de, 154 Métodos filológicos, 62, 115
M ed icin a da alm a, 78 Mito sem ântico, 179
M edicina psicossom ática, 77 Modelo, 159
M ecanismo de defesa, 29 Modelo cibernético, 153, 156
206 Apêndice
Modelo, conceito de, 150 e sa. N orm as para citar nom es e sobre­
Modelo, construção de um, 157 nom es de autores, 184
Modelo explicativo, 153 N orm as para referências biblio­
Modelo físico, 151, 154 gráficas, 183 e s.
Modelos científicos, 151 Nota, 165, 188
Modelos form ais, 154, 157
Modelos, experim entação com, 155 O
Modelos m atem áticos, 154
Modelos m atem áticos, uso na pes­ Objetividade da ciên cia, 13.
quisa dos, 157 Objetivo da filoBofla, 104 _
Modelos não científicos, 151 Objetos cien tíficos, 27
Modelos na pesquisa, uso de, 155 Objetos psicológicos, 27
Modelos, teorias dos, 54, 145, 150 Obras literárias, 129
e ss. Obscuridade conceituai , 99
Modelos, uso dos, 133 Obscuridade de expressão, 99
M odm tollens, 139 Observação, 9, 12, 14, 17, 22, 53
Monografia, 106, 127, 128, 163 Observação, aspectos que com por­
Monografia, conceito de, 163 ta a, 36
Monografia, estrutura da, 127, 165 Observação cien tifica , 131
e ss. Observação, como se pratica a, 16
Monografia, fases do desenvolvi­ Observação de campo, 38
m ento da, 169 Observação fenom enológica, 71
Monografia, im pressão da, 186 e ss. Observação intersubjetiva, 38, 132;
Monografia, preparação da, 161 e s. Observação na sociologia, 35
Monografia, redação da, 174 e ss. Observação participante, 37, 40'
Monografias cientificas, 163 Observação por interm édio de um
Monográfico, trabalho, 100 , 126 inform ante, 38
Morfologia, 148 Observação sim ultânea, 132
Mostras não probablllsticas, 50 Observação sistem ática indireta, 38;
Mostras probablllsticas, 50 Observação, técnicas de, 9, 35, 41
ObservaçSes etn ológicas, 38
N Observações falsas, 16
Observador com pleto, 41
Natureza, conceito de, 176 Observador participante, tipos d e
Neologism os, 99 papéis do, 40
N ível m etalógico, 139, 149 Observar, sign ificad o de, 17
N íveis da entrevista, 42 Organização da bibliografia, 189
N íveis da Investigação filosófica, Originalidade, 102 e ss.
S3
Noção biológica de espécie, 120 P
Noção de encontro, valor instru­
m ental da, 79 e ss. Página, provas de, 191 e s.
Noema, 64 Paleógrafos, 85, 115
N oesis, 64 P alim psestos, 86
Apêndice 207
Paradoxo, 109 Plano de com entário de um texto,
Paradoxo da conccituação, 169 110
P artes da referência, 183 Plano dialético, 109, 170
Participante-com o-observador, 41 Plano filosófico, 128
P articipantes, 36 Plano, função do, 107
P assado im ediato, 74 Plano geral, 113
P atologia da linguagem , 112 Plano m etafísico, 103
P enicilina, descoberta da, 19 Plano nocional, 109
Periódico dramatizado, 48 Plano, o que õ, 63, 106 e bs.
Periódico vivo, 48 Plano progressivo, 109
Peso do ar, teoria do, 15 Planos, tipos de, 108 e ss.
Pesquisa, 10, 172 Platão, obras de, 86
Pesquisa biológica, 18 e ss. População, 49
P esquisa de campo, 35
Possibilidade, nível de, 31
Pesquisa em psicologia, 27 e ss., 35
Postulado, 148
Pesquisa e seus m étodos, 7 e ss.
Preparação do m anuscrito, 186 e s.
Pesquisa experim ental, 11
Presente, 74
Pesquisa farm acológica, 18
Pré-teste, 133 .
Pesquisa fática, 156
Princípio cien tifico, 34
Pesquisa m acroscópica, 55
Princípio cien tifico de verülcabi-
Pesquisa m olecular, 55
lidade, 136
Pesquisa na fislca, 14 e ss.
Principio geral de estratiiflcação,
Pesquisa na m edicina, 23 e ss.
53
Pesquisa na sociologia, 34 e ss.
Probabilidade, nível de, 31
Pesquisa nas c iên tia s do homem,
Problema, 97, 98
27 e ss.
P esquisa nas ciências fáticas, 14 Problema, apresentação do, 174
e ss. Problema metodológico, 7 e ss„ 53
Pesquisa, o que é, 9 e ss. Problema, ver o, 97, 98
Pesquisa, partes com ponentes de Problemas especiais, 187 e ss.
um trabalho de, 165 . Procedim entos de investigação ci­
Pesquisa, ponto de partida da, 11, entifica, 30
12 'Processo de ideaçdo, 65
P esquisa psicológica, 101 e ss. Processo lógico, 25
Pesquisa, realização da, 131 e ss. Progresso, idéia de, 103
Pesquisa sociológica, técnicas m a­ Proposição predttiva, 137
tem áticas na, 57 Proposições contraditórias, 144
P itagorism o, 117 Proposições contrárias, 144
’ P h ysis”, 176 PropriedadeB endógenas, 159 e s.
Placebos, 19 Propriedades exógenas, 159 e s.
Placebos, uso dos, 133 Prova de “ paquê”, 191
Plano, 106 e ss. Prova, métodos de, 8
Plano, como se elabora um, 110 Provas de página, 191 e s.
Plano com parativo, 110 P sicanálise, 29
208 Apêndice
P sicanálise, m érito do criador da, R edução fenom enológica, 68
32 R edução tra n scen d e n ta l, 67, 69
P sicanálise, noçfto de contratrans- R eferência, partes da, 183
ferèncla da, 71 R eferências, 123
Psicodram a, 47 e s. R eferências bibliográficas, norm as
P sicologia de grupos, 77 para, 183 e ss.
P sicologia em pírica, 69 R egras negativa», 65
P sicologia existencial, uso da no­ R egras p o sitiv a s, 65
ção de encontro na, 79 R elatividade generalizada, teoria
P sicologia intencional, 69 da, 184 e s„ 140
P sicologia, pesquisa em, 27 e ss., R elato clinico, 165
35 R elato de casos, 164
P sicologia profunda, 29 R epertórios bibliográficos, 119
P sicologia profunda, técnicas usa­ R epertórios bibliográficos filo só fi­
das em, 80 cos, 98, 94
P sicologia social, 77 R epressão, m ecanism o de, 29
P sicologia transcendental, 69 R espostas verbais, Inconvenientes
Psicologism o, 61 das, 41
Psicologism o religioso, 60 R esum os, 123, 128
Pslcom etria contemporânea, técni­ R evistas filo só fica s, 90
ca da, 76 R evistas filosóficas, publicações
P slcossociologla m édica, 78 e x isten tes de, 91
P sicoterapia de grupos, 77 R itos, eficácia dos, 59
Psicoterapia, finalidade da, 78 R itos, sim bolism o dos, 59
P siquiatria existencial, 81
P siquiatria fenom enológica, 70 s
P siquiatria tradicional, 73
Saber fisiológico, 104
Q Saturação fo rte , 148
Saturação, fraca, 148
Qualificação intelectual, 99 e ss.
Selye, teorias de, 179
Quest&o epistem ológica, 101
S e m â n tic a m e ta físic a , 176
Questionário, 41
Sessões pslcodram átlcas, 48
Questionário, inconveniente do, 42
S essõ es ■sociodram áticas, 48
Questionário, recomendações para
Sim bolizar uma teoria, 147
a elaboração e uso do, 44
Sim ples, am ostras aleatórias, 52
Questionário, vantagem do, 42
S in a is convencionais para corre­
Questões sem ânticas, 174 e ss.
ção de provas, 192 e s.
S in a i» d efinido», 148 e s.
R
S in ais, form ação dos, 149
R aciocínio, uso do, 139 e ss. S inai»' p rim itiv o s, 148 e s.
R ealida de grupai, 34 S ín tese, 109, 123, 128, 170
R ealização da pesquisa, 131 e ss. S ín tese, exem plo de, 125
R edação eidética, 65 e e., 69 S ín tese Indutiva, 135
Apêndice 209

Sistem a aleatório, 53 Tema, compreender o, 98 e ss.


S istem a cien tifico, 135 Tema, com preensão do, 98
Sistem a teórico, 137 Tem a d a investigação, 88
Sistem a teórico, consistência de Tema do estudo filosófico, 88
um, 150 Tema, escolha do, 109 e ss.
Sistem as construtivos, 150 Tema, escolher o, 100 e ss.
Sistem as sociais, 69 T em as de dissertação, 102
Sociais, tem as, 101 Tem as pedagógicos, 101
Sociodram a, 47 e s. T em as sociais, 101
Sociologia, pesquisa na, 34 Tempo cósm ico, 74
Sociologia, técnicas de pesquisa Tempo, etapas do, 74
em, 85 Tempo, percepção corrente do, 73
Sociologism o, 61 ■-Tempo p esso a l”, 73
Sociom etria, definição de, 46 T eologia da h istória, 174
Sociom etria, valor da, 49 T eologia protestante, revista de­
Solidariedade, 79 e s. dicada ao estudo da, 92
S tre ss, teoria do, 20, 22 Teorema, 168 ,
Subpopulação, 49 Teoria, 10, 146, 152
Sujeito intelectual, 69 T eoria cien tifica, 135, 161
Sujeito psicológico, 69 T eoria cien tifica, construção da,
136, 145 e ss.
T Teoria corpuscular, 168
T eoria da am ostragem , 50
T autologia, 139 Teoria axlom atlsada, 148
T écnica correlacionai, 32 T eoria consistente, 149
T écnica da livre associação, 29 Teoria da relatividade generaliza­
Técnica das fich as, 129 e ss. da, 134 e s., 140
T écnica, definição de, 8 , 9 Teoria do conceito, 127
T écnica experim ental, 33 Teoria do peso do ar, 15
T écnica operatórla, 35 T eoria dos m odelos, 64, 145, 146,
T écnicas da sociologia, 35 150 e ss.
T écnicas de controle, 49 T eoria do stress, 20, 22
T écnicas de m edida, 49 T eoria evolucionista, 10
T écnicas de observação, 9, 35, 41 Teoria, form ulação da, 146
T écnicas de pesquisa em sociolo­ Teoria ondulatória, 158
gia, 86 Teoria, sim bolizar uma, 147
T écnicas esta tística s, 18, 66 e ss. Teoria sim plista, 60
T écnicas experim entais na in v e sti­ T eorias de princípios, 147
gação sociológica, 45 T eorias de Selye, 179
T écnicas m atem áticas, 18 Termos, 135
T écnicas m atem áticas na pesquisa Termos definidos, 186
sociológica, 57 Termos indefinidos, 136
T écnicas projetivas, 41, 47 Tese, 106, 170
T écnicas sociom étrlcas, 46, 49 Texto, compreender o, 127
210 Apêndice
Textos, estabelecim ento definitivo V alidade única, n ível de, 31
dos, 86 V alores, 178 e s.
Textos filosóficos, estabelecim en­ V ariáveis, 32, 56
to e edlç&o dos, 85 e s. V ariáveis dependentes, 33, 45, 50
Trabalho de casuística, 164 V ariáveis independentes, 33, 45, 54
Trabalho m onográfico, 100, 126 V ariáveis, uso na psicologia d as,
TranscrlgOes, 123 33
Transíormas&o, regras de, 149 Verbailsm o, 107
T orricelli, experim ento de, 16 V eriflcabilldade, principio c ie n ti­
fico de, 136
V eriflcaçào cien tifica , 136
U
V erificação das hipóteses, 134 c-
BS.
Ü níversita» m a g istro ru m , 11
V eriflcaçào dos enunciados, 136
ü n iv e r s ita s scholarium , 11
Verlflcaç&O lógica, 136
U niverso, 50
Verlflcaç&o, processo final de, 137
Uso dos modelos, 133
Verlficaç&o técnica, 136
V ivência in ten cion al, 64
V V ivências, 176
Vocabulário, 149
Validade das hipóteses, 136 e s. Vocabulário filosófico, 179
ÍN D IC E O N O M Á S T IC O

A BINSW ANGER, Ludwig, 81, 99


BIRAN, Malne de, 86
ADAMS, Jaim e T ruslow , 26, 97 BLACK, Max, 154
AIGRAIN, R., 120 BLAKE, W llliam , 129, 167
ALMACK, J. C., 98 BLEULER, 81
ALQUIfi, 98 BLONDEL, CharleB, 70
AMIEL, 129 BOHR, 113, 158
ANNOUILH, 129 BOILEAU, 117
AQUINO, Santo Tomás de, 11 BORGES, J. L., 111, 129
A R IST óF A N E S, 117 B OSS, 31, 99, 143 ........ .............. ..
ARISTÓTELES, 10, 64, 8 6 , 102, BOURGET, P„ 102
103, 117, 126, 140, 175 BRADLEY, 177 e s.
ARLT, Roberto, 129 BRAITHWA1TE, 136, 157
ASHBY, Rosa, 164 BRIE, P. G. A. de, 120
ATKINSON, R. C., 150 BRILLANT, M„ 120
ATM AR, P. V. S., 139 BROSS, I. D. J„ 50, 5L 156
BROWN, J. Epes, 39
B BUBER, 49, 81, 82
BUYTENDIJK, 49, 82
BEAUVOIR, Slm one de, 129
BELL, E. T., 56 c
BENOIT, 104
BERG, Van den, 78 CAJAL, 9
BERGSON, 102, 117 CAMUS, 129
BERNANOS, 129 , CANTOR, 176
BER N AR D, Claude, 17, 135 CARLYLE, 187
BEVERIDGE, W. I. B„ 17, 19 CAHNAP, 163, 168
BIDEZ, J„ 126 CASARES, Bioy, 111, 129
212 Apêndice
CASAS, Cristóbal de las, 184 F
CERVANTES, 129 e s.
CHAGALL, 74 FAULKNER, 129
CHARCOT, 28 FERNANDEZ, M acedonlo, 125
CHARTRES, Bernardo, 11 FERREYRA, C. Vaz, 129
COCCIOLI, C., 129 FRANK, W aldo, 124
COCTEAU, J.p 167 FESTIN G ER , 41
COHEN, Morria, 31 FICHTE, 177 e s.
COLLIN, Remy, 104 FIECK, H lldegard, 85
COMTE, 54 FLAUBERT, 129
CONANT, J. B„ 14 FLEM ING, 19
CONFfrCIO, 175 FOURNIER, A lain, 167
COOK, 36 FR E U D , 28, 29, 81, 108, 177, 181
COOMARASWAMY, Ananda, 89 FROMM, Erich, 78
COPI, 10
COÜFFIGNAL, L., 105 G
CUVILLiER, 179
GALILEU, 14
GALLE, 17
D
GALOIS, E varisto, 106
GEBSATTEL, 72
DAGOGNET, F., 20
GENET, 129
DANTE, 129
GIOBERTI, 177
DARW IN, 97, 152
GLOCKNER, H., 84
DEAN, 40
GOBLOT, 179
DE ANGELIS, Pedro, 185
GODEL, K„ 152
DESCARTES, René, 86 , 98, 102,
GOETHE, 17
123, 177
GOLD, R aym ond L., 40
DESTOUCHES, Jean L„ 135
GONSETH, F., 28, 120
DEDTSCH, 36
GOUHIER, H enrl, 86
D l PAULA. T„ 124
GRANAI, Georges, 34
DOSTOIEW 8 KI, 129
GREEF, De, 73
DRACHMANN, A. B., 126
GREEN, Ju lien , 129
DUMÉRY, 69
GREENE, Graham, 129
GRIAULE, Marcei, 39 e s.
E GROSSLEY, 41
GURVITCH, Georges, 34
EDDINGTON, 108, 134
E IN ST E IN , 9, 108, 134, 147, 156 H
ELIADE, M., 8 8 , 120
ELLENBERGER, 74 HADOT, P lerre-H enrl, 124
EMPEDOCLES, 84 HAGEN, Theodor von, 185
ESCARDÔ, Florenclo, 124 HÕLDERLIN, 130
EUCLIDES, 147, 159, 160 HARDY, O. H., 139
Apêndice 213
HARLEM, 49 KIRKBGAARD, 110, 120
HAYAKAWA, S., 175 KOCH, 19
HEIDEGGER, M„ 49, 81, 85, 88 , KOREN, H enry J., 85, 91, 93 e s.
99, 103, 116, 167, 176, 180 KUBIE, 29
H E IN D BL , W- A ., 103
HEM PEL, Carl O., 23, 25 L
HERM ITTE, 176
H E R 6 DOTO, 16 LAGACHE, D., 150
H E SSE , H„ 129 LAGERKVIST, P., 129
H ILBERT, 152 LAGOS, N., 124
HOLLANDER, 78 LALANDE, 179
HUISM AN, D enis, 100, 109 LAMARTINE, 102
H U NTBR, John, 19 LAUT1MANN, 176
H U SSERL, 126 LE BOURGEOIS, Jacques, 185
HUXILEY, A ldous, 104, 129 LEEUW , Van der, 69
HUYSMANS, 129 LEIBNilZ, 177
HYMAN, Ray, 27, 28, 34, 60 LENZEN, 170
LEW IN, Kurt, 56
I LINDGREN, E. J., 37
LOCKE, 177
IONESCO, 129 LÜWIT, 68 e s.
LUKASIEWÍCZ, 175
J LYOTARD, Jean F ., 70
LYSENKO, 140
JAEGER, W„ 79
JAHODA, 36 M
JAMES, H., 129
JA SPE R S, K arl, 70 MANNHEIM, 55
JOLIVET, 179 MARCEL, Gabriel, 103, 129
JUNG, 9 MARROU, 124
JUNK ER, Buford, 40 MARX, 55
MAXWELL, Clerk, 154, 159, 160
K MAY, Rollo, 125
MC CALL, W. A., 98
KAFKA, 126, 130 MENDEL, 140
KANT, 8 8 , 99, 107, 175, 177 MÉTRAUX, Alfred, 40
KAPLAN, Abráham, 133, 150, 158 MILL, John Stuart, 184
e ss., 168, 170 MILLER, 129
KAPLAN, Bert, 72 MILLS, W right, 55
KATZ, Davld, 70 MILOSZ, 129
K ELKEL, 68 e s. MINKOWSKI, 72, 74, 81, 105
KELVIN, Lord, 159 e s. MITCHELL, W. C., 97
KING, Tao-Te-, 84 MOLIÈRE, 102, 121, 129
KIRK, 118 MOMBRUN, A de la V alette, 86
214 Apêndice
MONDOLFO, R., 10, 103, 116, 120, R
178
MORA, Ferrater, 179 RADIN, Paul, 39 e s.
MORENO, 46 e b., 79 RAMANUYAN, 139
MORNET, Daniel, 116, 121 RAM6N, 9
MU80Z, Vicente, 122 RAPOPORT, 10
MUSSET, Alfred de, 185 RASCOVSKY, A., 184
RAVEN, 118
REICHENBACH, 168
N REID, 177
NAGEL, Ernest, 152, 183 RICOEUR, 69
NIETZSCHE, 86, 116 RIECKEN, 41
NEWMAN, James R„ 183 RIEMANN, 151, 156
RILK, 100, 130
RORSCHACH, 75
O ROSMINI, 177
ROSS, D., 118, 126
OGBURN, W. G., 97
ROSTAND, Jean, 11
ORTEGA Y GASSET, 184
RUSSELL, 88, 153
OSTROV, Léon, 184

P
s
SABATO, E., 100, 124
PARMÊNIDES, 110, 111, 123, 130 SACKSTEDER, W., 150
PÀRRY, 41 SANTAYANA, Jorge, 71
PASCAL, 16 SARTON, George, 122
PEANO, 148 SARTRE, 70, 102, 129
PERELMAN, 107 SCHBLLiING, 177
PERIER, 16 SCHILPP, P. A., 153
PESSOA, Fernando, 129 SCHOPENHAUER, 177
PHILIPPE, Charles Louis, 167 SCHUHL, p. M„ 85, 91
PIAGET, 28 SCHWARTZ-SCHWARTZ, 40
PITAGORAS, 84, 117 SECHEHAYE, Margarita, 72
FIZZINI, T„ 125 SELLTIZ, 36, 41 e s. .
PLATAO, 12, 79, 85, 86, 88, 103, SELYE, Hans, 20 e ss., 112
111, 115, 142, 175 SEMMELWEIS, 23 e ss.. 138
POINCARÊ, 176 SHACHTER, 41
PONTY, Merleau, 70, 80 SHAKESPEARE, 130
POPPER, 138 SIMiMEL, 55
PRIESTLEY, 129 SIMON, H erbert A,, 156
S1NNOTT, Edmund W., 183
Q SLOTKIN, 40 ,
SÓCRATES, 84, 117, 142
QUINE, 170 SOLANES, José, 74
Apêndice 215
STEENBERGHEN, Fernand van, w
116, 11»
STEFANINI, 116 WAHL, Jean, 66
STRAUSS, 72 WATSON, 27, 76
STOUFFER, 57 WEBER, 65
SUPPES, B., 150 WE1NSTOCK, S. A., 150
SUZUKI, 104 WHITEHEAD, 67, 99, 107, 153
SZASZ, 78 WHITNEY, F. L., 97
WHORF, B. L„ 168
T WILEY, John, 156
WILSON, B. M., 139
TANNERY, 86 WISDOM, J., 99
TRAKL, 130, 167 WITTGENSTEIN, 153
TORRICELLI, 15 WUELKNER, Bernard, 84
TOYNBEE, 124 WUNDT, 27
TSÊ, LAO, 175 WYTE, 41

V
X
VALÊRY, Paul, 129
VARET, G., 120
VEDA, RIg, 84 XENOFONTE, 117
VEGA, Carlos, 125
VERA, A. Asti, 88
VERA, Francisco, 184 Z ■
VERRIER, Le, 17, 137
VIRASORO, Miguel Ángel, 63 ZtmCHER, 86
VICTOR HUGO, 102, 116 ZYROMSKY, E., 102
ín d ic e d a s o b r a s m e n c io n a d a s

Livros BIDEZ, J. * DRACBMANN, A. B.


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Apêndice 219

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130
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220 Apêndice
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U n iv e rsity P re s s, 1959, p. 57-77. tro, p u b licad o em 1917. 79
29
— . P sicodram a, B uenos A ires,
LAGACHB, D, e t alli. L e s m odèles
H o rm é, 1961, p. 17, 330, 331. 46,
de la p erso n n a lité en psychoto-
47, 79
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B uenos A ires, H orm é, 1966, p.
LA G ERK V IST, P. B arrabás, 130
145. 48
LALA ND E, A. Voca&wlario técn i­
co y critico de la filo so fia . B ue­ — . T h e th re e branches o f socio-
nos A ires, E l A teneo. 64 m e try . B eacon H ouse, Sociom e-
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K e g an P a u l, 1959. (HA u m a v e r-
la r ) de J . A. N ap o litan o . 55
sAo esp a n h o la e d ita d a p ela U n i-
MILOSZ. L e cantique de la con-
v e rsid a d N a c io n a l A u tô n o m a de
naissance, 129
M éxico.) 162
M INK OW SK I, A esquizofrenia,
OSTROV, L eón. L o s a spectos aòi-
105
sa les d e i alm a. (R e v is ta d a U n i.
— , L e tem p s vécu, 73
v ersld a d e de B u en o s A ires, 5 “
MONDOLFO, R. P re p a ra c ió n pro-
época, an o 8, n .” 2, p. 193-208,
feslonal y in v estig a c ló n c ie n ti­
a b ril-ju n h o 1963.) 184
fica. S e p a ra ta do volum e L a
u n iversid a d dei siglo x x . L im a, P H IL IP P E , C h a rle s L ouls. A m ã e
U niversidad N acion al de S an e o m e n in o , 167
M arcos, 1951, p. 336 e sega, 11 PLATAO. A s ep ísto la s, 115
— . P roblem as y m éto d o s de in- — . D iálogos, 86
vestigación e n la h istó ria de la —. M enon (dlA logo), 12
filosofia. TucumAn, I n s titu to de — . R ep ú b lica , 86
Apêndice 221

P O P P E R , K a rl R . L a lógica d e la SCH U H L, P . M. L es tech n iq u es d u


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222 Apêndice
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223
A p ê n d ic e

I n te r n a tio n a l p h iloso p h ica l q u a r­ sofia, com sede em Sâo Paulo.


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L a re v u e ph ilo so p h iq u e de la T h e ph ilo so p h tca l revíetc, publi­
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P h ilo so p h y a n d phen o m en o lo g ica l Inicialm ente sob a dlreçáo de L .
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P h ilo so p h y ea st and w e st, publi­ por D agoberto D. Runes, N ew
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R e v is ta de filo so fia , publicada pe­ anual sob o títu lo B rita n n ic a
lo In stitu to B rasileiro de F ilo- book o f th e y e a r.) 180
das liçõ es c o n tid o s r>esto o b ro ser­
v irã o de v a lio s o a u x ilio p a ra a in d a ­
g a ç ã o c ie n tific a e a re d a ç ã o de in ­
fo rm e s e re la to s sobre c o p itu lo s ou
A
p a rte s de liv ro s , assim c o m o p a ra d
p re p a ra ç ã o de m o n o g ra fia s e de tç -
ses sobrç C iê n c ia , F ilo s o fia , A r te e
L ite r a tu r a .

A fir m a o A u to r que a m e to ­
d o lo g ia da pe sq u iso é in s tru m e n to
im p re s c in d ív e l p a ra to d o u n iv e r s itá ­
rio , não apenas d u ra n te o p e río d o
de sua fo rm a ç ã o , e n Q u a n to este
fre q u e n ta n d o os Cursos c c a d ê m ic o s ,
com o to m b e m no e x e rc íc io de sua
p ro fis s ã o ou na pe squiso e s p e c ia li­
z a d o . D e sta m a n e iro , n ã o h á d ú v id a
de qu e esta o b ra , já c o n s o g ra d a em
e s p a n h o l, te r á im e n sa u tilid a d e no
B ra sil, em p le n o p e río d o de re fo rm a
d e e n s in o , p o ro a in ic ia ç ã o nas té c ­
n ic o s de p e s q u is a , in d is p e n s á v e is nas
fa c u ld a d e s e in s titu iç õ e s e d u c a c io ­
n a is , nas q u a is os e s tu d a n te s m u ito
o p o rtu n a m e n te e stã o a e x ig ir tr a b a ­
lhos p rá tic o s , re a liz a ç ã o de s e m in á ­
rio s, a n á lis e de te x to s e re d a ç ã o de
m o n o g ra fia s re la tiv a s aos te m a s
a b o rd a d o s nas a u lo s ou d e s e n v o lv i­
dos em o u tra s a tiv id a d e s d a s e$co-
los de e n s in o s u p e rio r.

Os p re c e ito s , co n s e lh o s e su g e s­
tões q u e o liv ro a p re s e n ta p o d e m ser
ta m b é m de e fe tiv o p ro v e ito p a ro m e s ­
tre s , p s ic ó lo g o s e ass is te n te s s o c ia is
re c é m -fo rm o d o s , d o m e s m o m o d o q u e
p o ro q u a lq u e r pessoa q u e p re te n d a
r e d ig ir re lo tó rio s o u a lg u m o u tro t i ­
p o de tr a b a lh o e s c rito , n o e x e rc íc io
de suo a tiv id a d e a c a d ê m ic a o u p ro ­
fis s io n a l.

PUBLICAÇÃO DA
EDITORA GLOBO

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