30 Anos Da Constituicao Multiplos Olhare
30 Anos Da Constituicao Multiplos Olhare
30 Anos Da Constituicao Multiplos Olhare
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João Luiz da Silva Almeida
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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-519-0982-9
CDD 342
Rubens Beçak
professor de graduação e pós-graduação
da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (USP). É mestre e
doutor em Direito Constitucional e Livre-docente
em Teoria Geral do Estado pela Universidade de
São Paulo USP. Coordenador do Curso de Pós-
-Graduação em Direito da Faculdade de Direito
da USP (Ribeirão Preto). Entre 2010 e 2014, foi
Secretário Geral da USP. É professor visitante da
Universidade de Salamanca vinculado ao progra-
ma de Máster en Estudios Brasileños. É co-editor
da Revista de Estudios Brasileños-Revista de Es-
tudos Brasileiros. Entre 2014 e 2018. foi Coorde-
nador do Núcleo dos Direitos da Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária da USP.
Introdução
Preliminarmente, em linhas gerais, é possível asseverar como ponto de par-
tida que, em meio a debates sobre o fim ou anacronismo de certas instituições,
mormente o modelo democrático, o evolver dos debates vai se dar, comumente,
no sentido de apontar necessário aprofundamento dos meios de participação.
Certo ainda que a globalização1 vai apresentar desafios cada vez maiores
às sociedades democráticas para assim se afirmarem, na exata medida dos ques-
tionamentos advindos pela rápida expansão do capitalismo internacional, em
qualquer de seus vieses, somado às demandas por mais e mais especialização
nos direitos humanos, a ampliação da conectividade mundial num nível jamais
1 É claro que aqui, particularmente, estamos a nos referir à última “onda” de globalização, aquela
experimentada desde o derradeiro quartel do século XX, sem desconhecer que a mundialização é
fenômeno que, em outras velocidades, vêm sendo experimentado desde a Antiguidade.
3
30 anos da Constituição
2 Isidoro Cheresky trabalha o fenômeno no seu El nuevo rostro de la democracia. México: Fondo de
Cultura Económica, 2015. Cf. passim e sobretudo p. 16-17.
3 Este poderia ter sido um dos possíveis indicativos de rumo das inúmeras tentativas de reforma política
já tentadas em nosso país. Nesse sentido, Fábio Konder Comparato: “Infelizmente, continuamos a crer
que uma simples reforma do sistema político brasileiro bastaria para colocá-lo nos eixos, quando, na
verdade, são esses próprios eixos que necessitam ser mudados.” Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Sobre
a mudança do regime politico no Brasil. In: ARANTES, Aldo; LAVENÈRE, Marcello; SOUZA NETO,
Cláudio (Org.). A OAB e a reforma política democrática. Brasília : OAB, Conselho Federal, 2014. p. 113.
4 BEÇAK, Rubens. Democracia: hegemonia e aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 83.
5 Idem. p. 84.
4
30 anos da Constituição
zar, segundo alguns, a presença de outro modelo democrático), uma vez que o
atual não tem sido suficiente para colmatar déficit reclamado.
5
30 anos da Constituição
DAHL, Robert. A. A democracia e seus críticos. Trad. Patrícia de Freitas Ribeiro; rev. de trad. Aníbal
Mari. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. p. 360-361. O autor é um importante baluarte da teoria
democrática contemporânea, indicando que, se não há democracia perfeita, há os requisitos acima
que denotam maior ou menor grau de evolução das instituições.
9 Cf. BEÇAK, Rubens. A hipertrofia do executivo brasileiro: o impacto da Constituição de 1988.
Campinas: Millenium, 2008. passim.
10 A Constituição de 1988 divide os direitos e garantias fundamentais em cinco capítulos: I. Direitos
individuais e coletivos (art. 5º); II. Direitos sociais (arts. 6º a 11); III. Nacionalidade (arts. 12 e 13); IV.
Direitos Políticos (arts. 14 a 16); V. Partidos Políticos (art. 17). Acerca, leciona André Ramos Tavares:
“Os direitos políticos perfazem o conjunto de regras destinadas a regulamentar o exercício da soberania
popular. Com isso quer-se significar que a expressão “direitos políticos” é utilizada em sentido amplo,
para designar: A) o direito de todos participarem e tomarem conhecimento das decisões e atividades
desenvolvidas pelo governo; B) o Direito Eleitoral; e C) a regulamentação dos partidos políticos. Em
síntese, pode-se afirmar que é o conjunto de normas que disciplinam a intervenção, direta ou indireta,
no poder.” TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 814.
11 SOARES, Alessandro. Processo de cassação do mandato parlamentar por quebra de decoro. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 23.
12 Id. p. 24.
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30 anos da Constituição
cês (e por sua clara influência, também o brasileiro). Trata-se da distinção entre
soberania popular e soberania nacional.
A primeira, fruto do desenvolvimento teórico refletido na obra de Jean-
-Jacques Rousseau justifica a titularidade do poder pelo povo. Como o cidadão
não pode exercer individualmente sua parcela no poder, elege representantes
com mandato imperativo. Por seu turno, a segunda é fruto da desconfiança dos
“revolucionários moderados” da revolução francesa quanto ao sufrágio universal
já que a massa era analfabeta. Daí porque atribuir a soberania à França e não ao
francês tendo por consequência a restrição do sufrágio.
A conciliação entre ambas veio meio século depois, desdobrando-se na ideia
de representação da nação ao parlamento e de soberania popular aos mecanismos
jurídicos de limitação do poder parlamentar como o recall americano – fruto de
análise mais detida a posteriori – e, já na V República, com o recurso ao referendo.13
Hoje, por sua vez, é possível asseverar que o princípio fundante da soberania
popular se revela na disciplina jurídica dos direitos políticos e os instrumentos consti-
tucionalmente eleitos para estruturá-los normativamente. No que concerne à Cons-
tituição brasileira, afirma-se que o modelo democrático adotado é o da democracia
semidireta ou semi-representativa, com base no disposto no art. 14 e incisos. Porém,
a soberania popular é exercida através de sufrágio universal; voto universal, secreto,
periódico e igualitário e; os instrumentos da iniciativa popular, referendo e plebiscito.
Entretanto, destaca-se que o recurso aos meios de participação direta é tão dimi-
nuto na história recente do Brasil que é possível questionar até que ponto se trata de
uma democracia semidireta ou participativa e não de um regime tipicamente repre-
sentativo. O que se pode afirmar com clareza é que desde a redemocratização, o ponto
marcante vem sendo a realização de eleições periódicas para Executivo e Legislativo.
Portanto, a restrição constitucional da participação política do cidadão ao
sufrágio e, por seu turno, a redução do seu papel ao voto em períodos eleitorais
caracteriza um ambiente de quase nenhuma participatividade.14
13 Cf. DUVERGER, Maurice. Le système politique français: droit constitutionnel et système politique. Paris:
Presses Universitaire de France, 1990. p. 193-194.
14 “O questionamento encontrou campo fértil particularmente nos EUA, onde, sobretudo após a
emblemática convenção democrática de 1968, plantou-se a máxima “a cura para os males da democracia
é mais democracia.” Papel importante neste processo todo é o do incremento do pluralismo, com toda
gama de diversidades dos mais variados aspectos sendo cada vez mais valorizada. Numa sociedade
em que tudo assume o valor de importante, com a exacerbação exponencial dos individualismos e
7
30 anos da Constituição
idiossincrasias, natural a percepção de que um sistema fundado na verificação do bem comum pelo
critério da maioria seria contestado.” BEÇAK, Rubens. Democracia (cit.). p. 72.
15 Cf. DUVERGER, Maurice. Los partidos políticos. México: Fondo de Cultura Económica, 1996. p. 438.
16 Cf. DUVERGER, Maurice. Los partidos políticos (op. cit.). p. 444.
17 Cf. BEÇAK, Rubens. Governability and government systems: the Brazilian presidencial experience
after 1988. In: 2009 Joint Meetings of the Law and Society Association and The Research Committee on
Sociology of Law, 2009. Law, Power, and Inequality in the 21st Century, 2009. passim.
8
30 anos da Constituição
de coesão, tendo o governo que compor interesses muiltifacetados que levam sua
atuação a se distanciar profundamente do plano traçado previamente às eleições.
Este é um dos exemplos que ilustra o perfil da representação no Brasil
ou, mais precisamente, a distância entre a função em abstrato dos institutos
normativos elegidos para compor o modelo democrático nacional e o caminho
percorrido pelos partidos na prática.
Assim sendo, se o partido outrora foi (e ainda vem sendo) o veículo para
a definição dos interesses em cena no jogo político, hoje se busca compreender
em que medida os agentes que formulam essas demandas se agrupam e agem
para concretizá-la. Em uma perspectiva multiculturalista procura-se compreen-
der como os agentes coletivos, agora sujeitos de direitos, influenciam no poder.
Eis o (possível) papel da sociedade civil, a ser analisado a seguir.
Em linhas gerais, Bonavides define oposição política e indica sua função
primordial: “O que é oposição? Conceito histórico-político, (...) a Oposição re-
presentou em distintas épocas um esforço ou ação dirigida contra determinado
sistema de autoridade. Busca o acesso ao poder ou procura, de certo modo,
exercitar sobre ele alguma parcela de controle ou influência.”18
Nos regimes representativos contemporâneos, especialmente os presidencia-
listas como o Brasil, a oposição exerce papel relevante de manutenção do equilíbrio
entre o poder governista e dever de atribuição de responsabilidade política, posição
em grande parte atribuída ao Parlamento, dentre suas outras funções. Algo que
não ocorre apenas dentro dos parlamentos – algo intermediado pelas chamadas
bancadas – ou outras instituições constituídas, mas também parte de fora dela por
intermédio da atuação de grupos de interesses, os quais muitas vezes se valem da
advocacia de interesses por intermédio da pressão política. Ou também do lobby,
prática inclusive regulamentada em diversos países, à distinção do Brasil, onde a
questão ainda gere controvérsias, malgrado seja prática corriqueira.19
9
30 anos da Constituição
distinto. Para o autor, grupo de interesse é aquele correspondente ao aspecto subjetivo, ou seja, que
o agrupamento se fortalece de acordo com a natureza e intensidade do interesse que advoga. Cf.
SANSON, Alexandre. Dos grupos de pressão na democracia representativa: limites jurídicos. Tese
(Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 93.). há aqueles
de interesse público e os de interesse privado, segundo relata. Ao recorrer à pressão política, deixam de
ser “grupos de interesse” para se tornarem “grupos de pressão” com o objetivo “proteger ou promover”
seus interesses pleiteando “uma decisão ou medida estatal específica.” (Cf. Idem. p. 112-113.) Já a
a expressão “lobby”, embora semelhante não se confunde com a simples advocacia de interesses.
Oriunda da língua inglesa, significa antessala, corredor, e sugere se tratar de um “caminho” mais
curto para a consecução de um interesse específico. Nesse sentido, Cláudio Lembo, que considera
se tratar de uma decorrência do direito de petição. (Cf. LEMBO, Cláudio. A pessoa: seus direitos.
Barueri: Manole, 2007. p. 206.) O “lobby” é, assim, apenas uma das possíveis formas de exercício da
pressão política e seu exercício pressupõe uma série de estratégias ostensivas que dependem, em sua
maioria, do fator humano, ou seja, dos lobistas. (Cf. SANSON, Alexandre. op. cit. p. 202.) Embora
o tema seja controverso, diversos países que contemporaneamente regulamentam práticas de lobby.
(Cf. Idem. p. 259 e ss.). Não obstante, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, tem opinião diversa: “por ser
não oficial, e geralmente clandestina, a ação de grupos pode ser daninha e é sempre perigosa para a
comunidade”. A clandestinidade, conforme destaca, facilita o emprego de meios condenáveis e leva
a vantagens desproporcionais. (Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo.
São Paulo: Saraiva, 2012. p. 119-121.). Mesmo assim, embora não seja o objeto deste excerto, o lobby
é um tema intimamente ligado aos mecanismos de democracia semiparticipativa como o recall, razão
pela qual parece que sua regulamentação pareça ser uma saída viável. (Nesse sentido, cf. LEMBO,
Cláudio. op. cit. p. 207.) Embora deva-se salientar que, nos EUA, exemplo sempre lembrado haja vista
seu modelo político de aceitação e regulamentação do lobby, este por si só não seria o único fator de
tomada de decisão política pelos órgãos constituídos. (Cf. TUSHNET, Mark. The constitution of the
United States of America: a contextual analysis. Hart Publishing: Portland, 2009. p. 68-69.).
20 Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
2003. 7. ed. p. 1.417.
21 O autor elenca vários dispositivos constitucionais que decorrem do princípio da democracia participativa,
presente expressamente na parte final do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. São
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30 anos da Constituição
exemplos: as comissões de trabalhadores e das associações sindicais na legislação do trabalho (art. 54º,
n. 5, alínea “d” e 56º, n. 1, alínea “a”); organizações representativas de trabalhadores na elaboração de
planos, através do Conselho Econômico e Social (art. 92º, n. 2); participação de consumidores (art.
60º, n. 3); organizações representativas de trabalhadores das associações de beneficiários da segurança
social (art. 63º, n. 2); associações representativas das famílias (art. 67º, n. 2, alínea “f”), associações de
professores, pais e alunos, das comunidades e das instituições de caráter científico (art. 77º, n. 2) em
definições e políticas públicas setoriais. Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. v.
III t. V. Coimbra: Coimbra Ed., 2014. p. 205-206. Embora ressalte que a democracia participativa no
sistema constitucional português seja setorial e que somente o sufrágio universal seja capaz possa atribuir
legitimamente aos representantes o papel de tomada de decisões, pois “o princípio da maioria não é
absoluto, mas, em último termo, deve prevalecer”, ressalta o autor sobre o papel dos grupos de pressão
na democracia contemporânea: “A democracia participativa imbrica-se, aliás, com determinados
dados das sociedades contemporâneas: a inelutabilidade dos grupos de interesses; a necessidade de lhe
dar voz e de os conciliar, a irrupção de formas ditas corporativas ou neocorporativas; a consequente
inserção no processo legislativo, formal ou informalmente, de elementos de concertação, negociação e
auxiliariedade, o diálogo dentro e fora do parlamento.” Idem. p. 206.
22 Tais são os fatores que, pensamos, deveriam ter sido levados em conta na “última” das reformas políticas
intentadas em nosso país, aquela que comtemplasse a diversidade e complexidade da democracia
brasileira contemporânea. Entretanto, os rumos foram em outro sentido, mais preocupados com
questões internas ao funcionamento dos parlamentos, das eleições e, claro, reforçando elementos
criticados por muitos, como a doação privada por pessoas jurídicas etc.
23 Cf. NUSSBAUM, Martha C. Not for profit – why democracy needs the humanities. Princeton: Princeton
University Press, 2010, p. 24-25.
11
30 anos da Constituição
24 Cf. NUSSBAUM, Martha C. Not for profit – why democracy needs the humanities. Princeton: Princeton
University Press, 2010, p. 25.
25 O primeiro tem origem norte-americana e o segundo suíça. Cf. BEÇAK, Rubens. Democracia
(cit.). p. 33. Para análise mais detida do tema, v. BEÇAK, Rubens; LONGHI, João Victor Rozatti.
Instrumentos de implementação da democracia participativa e o uso das tecnologias da informação e
da comunicação para sua realização. In: Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI – Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito. (Belo Horizonte, 22-25. jun. 2011).
26 Para uma análise mais detida acerca da questão, cf. BEÇAK, Rubens; LONGHI, João Victor Rozatti.
Tendências da democracia participativa: a influência da Internet no perfil da representação e evento
do orçamento participativo. In: Anais do XX Congresso Nacional do CONPEDI – Conselho Nacional
de Pesquisa e Pós-graduação em Direito. (Vitória, 16-19. nov. 2011). p. 3550-3574.
27 Cf. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 338 e ss.
28 Id. p. 339.
12
30 anos da Constituição
13
30 anos da Constituição
33 Assim, o projeto de lei trazido à lume por Comparato, que veda emendas e dá prioridade de tramitação
aos projetos de lei de iniciativa popular. Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Sobre a mudança do
regime politico no Brasil. In: ARANTES, Aldo; LAVENÈRE, Marcello; SOUZA NETO, Cláudio
(Org.). A OAB e a reforma política democrática. Brasília : OAB, Conselho Federal, 2014. p. 120.
Outrossim, retornando-se à iniciativa popular, a dificuldade se dá especialmente pelo número de
assinaturas e pela necessidade de que sua verificação se dê em cruzamento de dados com a justiça
eleitoral, já que se exige a assinatura física de eleitores. Algo que, em tempos de Internet, soa
anacrônico. Algo recentemente superado no plano estadual (V. SANTA CATARINA (Estado). Lei
estadual n. 16.585/15. Disponível em: <http://200.192.66.20/alesc/docs/2015/16585_2015_Lei.doc.
Acesso em: 5 mar. 2016.). Mas que, no plano federal, ainda não goza de previsão de recurso eletrônico
na colheita de assinaturas. Há, contudo, projetos de lei que visam alterar a Lei n. 9.709/98, (Cf.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n. 2024/2011 – Autor: Dep. Felipe Maia DEM/
RN. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=9087
14&filename=PL+2024/201. Acesso em: 1 mar. 2016.) bem como do regimento interno da Câmara,
visando propiciar tal possibilidade. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Resolução n. 1/2015
– Autora: Dep. Carmen Zanotto PPS/SC. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra?codteor=1296782&filename=PRC+1/2015. Acesso em: 1 mar. 2016.
34 Daí porque ser necessário um repensar no sentido de se contar com mecanismos que promovam não
só a iniciativa legislativa mas o que a doutrina portuguesa denomina de impulso legisferante. Cf.
GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito constitucional. v. II. 5. ed. Almedina: Coimbra, 2013. p.
1.143. O autor se vale das lições de Canotilho e Jorge Miranda. Cf. Idem. p. 1.144.
35 Cf. VIEIRA, José Ribas; SOUZA, Raphael Monteiro de. Recall, democracia direta e estabilidade
institucional. in SENADO FEDERAL. Revista de informação legislativa. Ano 51 n. 202 abr./jun.
14
30 anos da Constituição
2014 Disponível em: Acesso em 25 fev. 2016. p. 51. Os autores ainda elencam as PECs sobre o recall,
sendo algumas arquivadas e outras, à ocasião do texto, pendentes de análise pela CCJ: PEC n. 80/2003
(Sen. Antônio Carlos Valadares - PSB/ SE); PEC nº 82/2003 (Sen. Jefferson Peres - PDT/AM); PEC
n. 73/2005 (Sen. Eduardo Suplicy - PT/SP); PEC n. 477/2010 (Dep. Rodrigo Rollemberg - PPS/DF).
36 É o que consta do quadro comparativo traçado por José Ribas Vieira e Raphael Monteiro de Souza, que
elencam os procedimentos, quóruns e limites formais e materiais para a realização do Recall. Cita-se também
como exemplo a Argentina, onde se provocou movimento social de derrocada do prefeito de Córdoba, porém
sem sucesso. Cf. Idem. p. 50. Cf. ASTARIA, Martín (et alli). Gobierno local, transparencia y participación
ciudadana: seguimiento del cumplimiento de los acuerdos de discrecionalidad cero en los municipios de Córdoba
Buenos Aires : Fund. Poder Ciudadano., 2006. p. 41. Outro exemplo é o do México, que prevê o instituto no
plano regional. Nesse sentido V. CAMPOS, Alán García. La revocación del mandato: Un breve acercamiento
teórico. Biblioteca Jurídica de Universidad Autónoma de México (UNAM). Disponível em: http://www.
juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/qdiuris/cont/1/cnt/cnt3.pdf. Acesso em: 25 fev. 2016.
37 Cf. STEARS, Marc. Demanding democracy: American radicals in search of a new politics. Princeton:
Princeton University Press, 2010. p. 45.
38 Exemplificativamente, no Estado da Califórnia, por exemplo, o recall é previsto nas seções 13 a 15
do art. II da Constituição Estadual Cf. CALIFORNIA (State). Leginfo. Constitution of the State of
California. Disponível em: http://www.leginfo.ca.gov/.const/.article_2. Acesso em: 25 fev. 2016. A última
experiência recente de recall de um governador no Estado foi a que culminou na convocação simultânea
de eleições, onde fora eleito o Governador Arnold Schwazenegger. Cf. ZIMMERMAN, Joseph. Recall
(verbete) in KURIAN, George Thomas (Ed. Chf). Encyclopedia of political Science. Washington: CQ
Press, 2011. p. 1.430. Mas, conforme salientado, o recall está presente em diversos textos normativos
estaduais. É o que ocorre também no estados da Lousiana (Art. X, § 26.) Cf. LOUISIANA (State).
Luisiana State Senate. Constitution of the State of Louisiana. Disponível em: http://senate.legis.state.
la.us/documents/constitution/. Acesso em: 26 fev. 2016. Em igual medida no art. 8, Seções 1 a 5, da
Constituicão do Estado do Arizona. ARIZONA (State). Arizona State Constitution. Disponível em:
http://www.azleg.gov/FormatDocument.asp?inDoc=/const/8/1.p1.htm. Acesso em: 26 fev. 2016. Para
visualizar todos os estados que prevêm o Recall, V. Ballotpedia: the encyclopedia of american politics.
Recall. Disponível em: https://ballotpedia.org/Recall#cite_note-ncsl-1. Acesso em: 26 fev. 2016.
39 Cf. ÁVILA, Caio Márcio Brito. Recall: a revogação do mandato político pelos eleitores: uma proposta
para o sistema jurídico brasileiro. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2009. p. 123 e ss. Na Europa, lembra o autor apenas da Bielorrússia. Entretanto,
15
30 anos da Constituição
sabe-se da previsão em vários cantões suíços, além do recente caso romeno, em que o presidente foi
alvo de uma consulta popular de revogação de mandato, a qual restou infrutífera. Acerca da Suíça, v.
KAUFMANN, Bruno; BÜCHI, Rolf; BRAUN, Nadja. The IRI guidebook to direct democracy initiative
& referendum. 4. ed. Berna: Institute Europe, 2010. passim. Por último, elenca o autor também a
província canadense de British Columbia. Cf. ÁVILA, Caio Márcio Brito. Op. cit. p. 130 e ss.
16
30 anos da Constituição
Conclusão
Aqui, neste trabalho, procurou-se, para além de evidente homenagem à
democracia representativa, aquela que “tendo em vista o dizer coletivo de que,
apesar de todas as suas imperfeições, até hoje não se inventou regime de gover-
no melhor (...)”,40 trabalhar a perspectiva da necessidade de ampliação do deba-
te com a eventual mudança de paradigma, uma vez considerada a insuficiência
(mas não a superação...) da representação.
A percepção de que, por mais importantes que se façam as reformas políticas
usualmente propostas em nosso Legislativo de tempos em tempos, mormente as que
foram objeto da última leva examinada naquele foro privilegiado, somente uma dis-
cussão mais profunda, aquela que possibilite a alteração do vetor em análise, conside-
rando a necessidade de alargamento da participação, possibilitará um incremento da
legitimidade. Esta, tão necessária à certeza de que os destinatários das deliberações -
os representados - poderão ter peso real não somente na escolha dos seus governantes
como na própria governabilidade, trará frescor ao sistema, incrementando a própria
aceitação do sistema, tão atacado e desacreditado nos dias atuais.
Assim, a retomada do debate sobre a necessidade do adensamento da participati-
vidade, no qual o reexame do instituto do recall, como aqui proposto, afigura-se como
muito importante. Para tal, procuraram o estudo da doutrina a justificar a sua utilização
e discutir, mesmo que em breve relato, as experiências no direito comparado.
Certamente assim, pretendemos, verdadeiro gap de legitimidade do mo-
delo democrático restará superado; podendo, eventualmente, esta proposição
contribuir para o aperfeiçoamento de uma forma de exercício do poder que tem
se mostrado boa alternativa à proposições menos conhecidas, sem deixar de
fornecer as necessárias respostas aos questionamentos advindos.
Referências
40 Cf. BEÇAK, Rubens. Democracia: hegemonia e aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 13-14.
17
30 anos da Constituição
ÁVILA, Caio Márcio Brito. Recall: a revogação do mandato político pelos elei-
tores: uma proposta para o sistema jurídico brasileiro. Tese (Doutorado) – Fa-
culdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
18
30 anos da Constituição
KELSEN, Hans. A democracia. 2. ed. Trad. Vera Barkow, Jefferson Luis Ca-
margo, Marcelo Brandão Cipolla e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Mar-
tins Fontes, 2000.
19
30 anos da Constituição
NUSSBAUM, Martha C. Not for profit – why democracy needs the humanities.
Princeton: Princeton University Press, 2010.
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.
VIEIRA, José Ribas; SOUZA, Raphael Monteiro de. Recall, democracia direta e
estabilidade institucional. In: SENADO FEDERAL. Revista de informação legis-
lativa. Ano 51 n. 202 abr./jun. 2014 Disponível em: Acesso em 25 fev. 2016. p. 51
20
Um Olhar para trás 30 Anos Depois: a
Participação Extraparlamentar no Processo
de Construção da Ideia de Soberania no
Texto Constitucional Durante a Constituinte.
Introdução
O presente trabalho tenta demonstrar as evidências históricas da forma-
ção da parte inicial da Constituição de 1988, mais precisamente do Título I. O
pressuposto, no aniversário dos 30 anos, é mostrar que a (re)interpretação do
texto não pode prescindir do estudo da história em relação ao(s) processo(s) de
produção desse texto. Partindo dessa premissa, aborda-se, neste trabalho, os
influxos extraparlamentares de cidadãos convidados a falar no Congresso e em
que medida essas falas influenciaram os parlamentares na tarefa da construção
do texto de 1988. Um esforço de demonstrar que a redação atual decorreu ou
foi influenciada a partir da abertura do parlamento à sociedade, nas interações
com especialistas, ouvindo-os por ocasião das reuniões parlamentares.
De fato, o texto constitucional é fragmentado em títulos e também assim
se fez em relação às comissões e subcomissões que se encarregaram de elabo-
rar, de forma fatiada, a constituição de 1988. O primeiro desses títulos trata
sobre os princípios fundamentais, dentre os quais está a questão da soberania.
Fala-se que o Brasil seria uma república soberana. Mas esse conceito, da forma
41 Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – FND/UFRJ. Doutor e Mestre
em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Pesquisador
do Letaci/PPGD/FND/UFRJ
42 Mestre e Doutor pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-Doutorado com bolsa CAPES na
Universidade de Pisa, Itália. Professor de Direito Constitucional e Coordenador do Programa de Mestrado
e Doutorado da Universidade Católica de Pernambuco. Procurador-Chefe da Procuradoria Regional do
Banco Central para a 5 Região. Vice Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/PE.
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que foi entronizado na CF, possui reflexos em outros diversos assuntos que se
complementam, como, por exemplo, direito de guerra e pacificidade e relação
do Executivo e Legislativo quanto à celebração e aprovação interna de atos in-
ternacionais; também, não se pode deixar de examinar a construção histórica
do texto. O sentido de soberania, portanto, termina condicionando o sistema
constitucional e desaguando em diversos dispositivos normativos.
A participação de extraparlamentares é demonstrada nesse estudo como
uma efetiva evidência de que o texto escrito em 88 não foi um resultado ex-
clusivo dos legisladores. Antes decorreu de reflexões travadas com a sociedade
civil, perfazendo uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição também
quanto ao momento de produção e construção do texto, e não apenas quanto
ao momento de aplicação da Carta.
O estudo histórico, portanto, pode ser útil para cotejar os sentidos in-
terpretativos que foram utilizados no momento inicial da construção do texto
com o sentido que é dado ao texto no momento da aplicação da constituição,
principalmente pelo Supremo Tribunal Federal.
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para aproveitar a ideia de S. Ex.ª Por que não se incluir na Constituição, entre
os princípios de política externa, o princípio da coexistência pacífica?” (BRASIL,
1988, p. 22). A sugestão de Mello provocou reação positiva no Constituinte, que
assim o respondeu: “levarei em conta a sugestão de V. Sª com muito prazer. É uma
porta que se irá abrir sobre a questão que abordei” (BRASIL, 1988, p. 22).
Isso pode ser verificado ao se comparar o Anteprojeto Afonso Arinos –
que apesar de não ter sido diretamente utilizado, influenciou bastante a redação
dos anteprojetos das subcomissões – e o Anteprojeto da Subcomissão da Nacio-
nalidade, da Soberania e das Relações Internacionais.
No Anteprojeto Afonso Arinos, entre os princípios do Brasil nas relações in-
ternacionais (art. 5º) não estava o da coexistência pacífica, apesar de constar no
inciso III a defesa da paz e repúdio à guerra. Por sua vez, no Anteprojeto da Subco-
missão constava no art. 19 uma redação semelhante ao que fora sugerido por Celso
Mello: “nas relações internacionais, o Brasil adotará atitude de coexistência pacífica
e se regerá pelos princípios constantes da Carta da Organização das Nações Unidas,
tal como explicitados na Resolução 2625 (XXV) da Assembleia Geral”.
Na redação do Anteprojeto da Comissão da Soberania e dos Direitos dos
Homens e das Mulheres, a coexistência pacífica foi substituída pela noção de
solução pacífica dos conflitos internacionais, constante no art. 26, VI e que
originou o art. 4º, VII, da Constituição de 1988. Outra ideia de Celso Mello (e
que acabou não entrando no texto final em 1988) foi o controle dos acordos
do Executivo presente no Anteprojeto da Comissão. Com redação semelhante
ao que Mello propôs, o art. 28 dispunha: “Os tratados e compromissos inter-
nacionais dependem da aprovação do Congresso Nacional, excetuados os que
visem simplesmente a executar, aperfeiçoar, interpretar ou prorrogar tratados
pré-existentes e os de natureza meramente administrativa”. E continuava em
seu § 1º: “Os tratados a que se refere a parte final deste artigo serão levados,
dentro de trinta dias, ao conhecimento do Congresso Nacional”.
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rania não deveria ser aquela da modernidade, teorizada por Bodin, mas um concei-
to popular, na qual o poder emana e reside no povo. Deste modo, tem-se hodier-
namente a concepção em diversos Estados, desde nos mais desenvolvidos quanto
nos do Terceiro Mundo, que nenhuma soberania é superior à outra. Porém, com
chega em outra reflexão: “porque os Estados Unidos da América por certo são mais
soberanos do que o Paraguai ou uma nação mais pobre da África. Por quê? Porque
têm uma independência e um poder econômico maiores” (BRASIL, 1988, p. 37).
O raciocínio de Siqueira Castro é bastante semelhante às críticas o processo
globalizante do Século XX escritas por Milton Santos (2000) e reafirmadas por
outros autores, como Liziero (2017). Segundo Santos, em Por uma outra globalização,
as nações mais desenvolvidas no Século XX propagam formas de violência mais
eficazes que o belicismo: a violência do dinheiro e a violência da informação: “o
dinheiro se torna um equivalente realmente universal, ao mesmo tempo em que
ganha uma existência praticamente autônoma em relação ao resto da economia [...]
sob a influência do dinheiro, o conteúdo do território escapa a toda regulação inter-
na, objeto que ele é de uma permanente instabilidade, da qual os diversos agentes
apenas constituem testemunhas passivas” (SANTOS, 2000, p. 101).
Em inspiração pelas ideias de Milton Santos, também Liziero (2017, p. 113)
tece tal crítica à dominação provocada pela globalização, o que afeta a con-
cepção de soberania, a depender do Estado: “ainda que repercuta em diversas
esferas, o processo afeta a relação do Estado com sua soberania, afetando dessa
forma a ontologia da soberania na criação de desigualdades de poder”.
Assim, em conformidade com a ideia defendida por Siqueira Castro no
momento da Constituinte de 1987/1988, a soberania nacional enquanto in-
dependência de Estados mais desenvolvidos deveria ser reafirmada no texto
constitucional. Além desta questão, outro aspecto de soberania destacado por
Siqueira Castro é a finalidade do Estado brasileiro, de se constituir como um
Estado Social e Democrático de Direito.
Nesse ponto, Siqueira Castro faz algumas considerações sobre o conceito
de Estado de Direito, o que demonstra que naquela época, havia uma evidente
polissemia desta expressão. Apesar da resistência democrática, com menções na
exposição do autor do MDB, da Igreja Católica e a OAB, propugnar a restaura-
ção do Estado de Direito no Brasil, a ideia de Estado de Direito apresentava-se
até certo ponto reacionária. “Eu explico por quê. Porque prega tão-somente a
submissão do Estado a uma ordem jurídica, cria a ordem jurídica e se submete
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Não tenho outra alternativa se não a de afirmar que o nosso País, de-
vido principalmente aos problemas, agravados nos últimos decênios, de
autoritarismo, está caindo em uma situação muito delicada e perigosa,
lesionando, por conseguinte, a sua própria soberania, dada a situação
injustificável em que se encontra o seu povo (BRASIL, 1988, p. 96).
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Conclusões
Se, por um lado, sabe-se que o texto constitucional não se prende à vonta-
de de quem o produziu, por outro lado, conhecer o passado e as conjunturas que
influenciaram a sua construção são elementos que não podem ser desconsidera-
dos pelos estudiosos do constitucionalismo. Por isso mesmo, uma constituição
não pode ser adequadamente compreendida sem levar em conta os elementos
históricos de formação de seu texto.
No caso específico do presente trabalho, demonstrou-se as concepções
de soberania que foram adotadas pelo constituinte foram influenciadas por
extraparlamentares convidados a falar na Subcomissão da Nacionalidade, da
Soberania e das Relações Internacionais, no bojo do processo constituinte de
1987/1988. A referida Subcomissão estava encarregada de elaborar o anteproje-
to dos artigos iniciais do texto constitucional.
Assim como ocorreu com o tema da soberania, os princípios que regem
a república brasileira na ordem internacional também receberam influxo de
pessoas que não eram parlamentares. A sistemática de convocar pessoas da
sociedade civil atingiu os objetivos. Citou-se o caso de Marotta Rangel e Celso
Mello, que falaram na terceira reunião ordinária da subcomissão sobre o tema
Normas de Relações Internacionais no texto Constitucional e Soberania e Relações
Internacionais. Do mesmo modo, Carlos Roberto de Siqueira Castro foi convida-
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30 anos da Constituição
REFERÊNCIAS
COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo. Preface. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo.
The Rule of Law: History, Theory and Criticism. Dordrecht: Springer, 2007.
NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma Teoria do Estado de Direito. Coimbra:
Almedina, 2013.
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização. São Paulo: Record, 2000.
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30 anos da Constituição
ZOLO, Danilo. The Rule Of Law: A Critical Reappraisal. In: COSTA, Pietro; ZOLO,
Danilo. The Rule of Law: History, Theory and Criticism. Dordrecht: Springer, 2007.
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Cláusulas Pétreas e seu Controle
de Constitucionalidade nos
30 Anos da Constituição
Introdução
O objeto central do presente artigo recai sobre o tema das cláusulas pétreas
e seu desenvolvimento no contexto do Supremo Tribunal Federal. Embora não se
proponha a uma abordagem analítica completa de todas as decisões, mas sim um
*
43 Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Coordenador do Programa de
Mestrado em Direito (Direitos Fundamentais e Democracia) e Professor da Graduação do Centro
Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Visiting Scholar na Columbia Law School, Columbia
University, New York. Doutor em Direito pela UFPR.
**
44 Doutor em Direito Constitucional pela UFPR. Estágio pós-doutoral pela Universidade de Coimbra
(IGC). Professor do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia do Centro
Universitário Autônomo do Brasil (Unibrasil). Pesquisador do NUPECONST – Núcleo de Pesquisas
em Direito Constitucional (CNPq).
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pela interpretação realizada pelo Judiciário,45 com especial relevo para as ocasiões
em que este realiza controle de constitucionalidade. Em termos práticos, o meio
pelo qual cada País utiliza para efetuar tais mudanças constitucionais acaba por di-
zer bastante sobre suas estruturas e o funcionamento de suas principais instituições.
As alterações em uma constituição também são aberturas para compreensão
dos mecanismos políticos e de sua respectiva operação em cada Estado. Logo, mes-
mo nos lugares em que a constituição é respeitada e estimada como documento que
organiza a vida da comunidade política, há aspectos do funcionamento da polis que
escapam do seu domínio. Porém, de acordo com Donald Lutz, mesmo que as cons-
tituições não descrevam toda a realidade do sistema político elas podem funcionar,
quando lidas cuidadosamente, como janelas para a realidade subjacente.46 O mesmo
pode ser dito no que tange ao processo de emenda das constituições.
Em seus primórdios, a ideia de soberania popular foi importante para le-
gitimar a fundação das constituições, deste modo, estas seriam o resultado da
manifestação do consentimento popular (ainda que implícito ou mediado por
representantes) no momento constituinte e sua posterior estabilização com a
definição dos poderes constituídos. O poder de criar e mudar a constituição
demandavam, em um nascente mundo moderno, mecanismos para sua legi-
timação e operação. Em 1776 a constituição do estado de Nova Jérsei previa
uma noção implícita de emenda, mas a constituição da Pensilvânia, datada do
mesmo ano, cotinha o primeiro processo explícito de emenda constitucional.47
Para Lutz, além do elemento da soberania popular o processo de emenda
estava baseado em premissas vigentes no fim do século XVIII: uma natureza
humana imperfeita porém educável, a eficácia do processo deliberativo e a dis-
tinção entre a legislação normal e assuntos constitucionais.48
Assim, entendia-se que os seres humanos eram falhos, porém, capazes de
aprender com novas experiências, fator que levava o processo de emenda a fun-
cionar tanto no sentido da adaptação da realidade, ou seja, em sua dimensão
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49 SCHMITT, Carl. Constitutional Theory. Durham: Duke University Press, 2008. p. 150.
50 SCHMITT, Carl. Op. Cit. p. 150. “It is useful to keep Carl Schmitt´s key thesis in mind: Whatever
the formal limits of the amendment process, its procedures cannot be used, either for logical or
fundamental political reasons, to amend a constitution out of existence, or to create a new one. If
this proves possible, it will only be because the old constitution is already politically dead.” (ARATO,
Andrew. Dilemmas arising from the power to create constitutions in Eastern Europe. ROSENFELD,
Michel. Constitutionalism, Identity, Difference, and Legitimacy: theoretical perspectives. Durham:
Duke University Press, 1994. p. 179).
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51 PREUSS, Ulrich K. Constitutional powermaking for the new polity: some deliberations on the relations
between constituent power and the constitution. In: ROSENFELD, Michel. Constitutionalism, Identity,
Difference, and Legitimacy: theoretical perspectives. Durham: Duke University Press, 1994. p. 156.
52 SCHMITT, Carl. Op. Cit. p. 151-152. “Formal unamendability may also be deployed for a second
purpose: to preserve a core feature of the self-identity of the state. This preservative function of
unamendability privileges one or more constitutional principles, rules, values, structures or
institutions as fundamentally constitutive of the regime.” (ALBERT, Richard. The unamendable core
of the United States Constitution. In: KOLTAY, András. Comparative Perspectives on the Fundamental
Freedom of Expression. Budapest: Wolters Kluwer, 2015. p. 16)
53 “Constitutions can be revised fundamentally, but the revisions are subject to the rules of the
constitution itself. In contrast, no constitution can contain rules which allow its abolishment
altogether; this would permit revolution, whereas it is the very meaning of constitutions to avoid
revolutions and to make them dispensable.” (PREUSS, Ulrich K. Op. Cit. p. 157).
54 BARAK, Aharon. Unconstitutional Constitutional Amendments. Israel Law Review, v. 44, 2011. p. 328-329.
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2 – O controle de constitucionalidade
de emendas e seu paradoxo
As cláusulas pétreas, defende Aharon Barak, são planejadas para fortalecer
a constituição contra emendas impróprias de modo que o controle de constitucio-
nalidade acaba por se tornar um mecanismo para a sua proteção. Este fornece os
“dentes” necessários para a defesa do núcleo duro da constituição.57 Disso decorre
tanto a autoridade para as Cortes realizarem a fiscalização da constitucionalidade
de emendas, mas também, o parâmetro de avaliação a ser realizado no controle,
qual seja, aquele fixado pelas próprias cláusulas de eternidade.
Auxilia na compreensão deste ponto a distinção entre os conceitos formal
de constituição, que se traduz na soma de dispositivos do texto de uma consti-
tuição e o conceito positivo de constituição que, para Schmitt, seria resultado
de uma decisão tomada pelo poder constituinte originário e abrangeria apenas
as determinações conscientes da unidade política.58
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30 anos da Constituição
Esta, por sua vez, seria anterior ao próprio poder constituinte originário
e está relacionada com a identidade política nacional. De modo que, enquanto
o sentido formal estaria aberto para mudanças sucessivas, o Estado pode con-
tinuar existindo mesmo com novas formas, a unidade política seria aquilo que
daria continuidade, permanência a este corpo social conformando um núcleo
fundamental de sentido da constituição.
Sabe-se que as cláusulas pétreas não se sustentam diante de uma real campa-
nha no sentido da criação de um novo regime constitucional, contudo, os limites
à emenda constitucional podem ser aplicados por um regime em que seus atores
políticos respeitam os limites explícitos e implícitos de alteração constitucional.
Logo, um parâmetro para a verificação da constitucionalidade de uma
emenda estaria na própria análise dos requisitos necessários para a sua realiza-
ção, eis que, uma emenda constitucional apenas pode ser considerada válida,
em um primeiro nível de análise, se estiver de acordo com o rito previsto na
própria constituição para a sua edição. Tais aspectos estão direcionados para
elementos eminentemente formais da emenda como a definição das entidades
competentes para emendar a constituição e a maioria necessária para tanto.59
O problema emerge quando se trata dos aspectos substantivos ou dos va-
lores centrais que não podem ser objeto de emenda, em especial nos casos de
constituições que possuem pouca rigidez formal e podem facilmente ultrapassar
a etapa procedimental do processo de emenda.
Uma corte constitucional pode realizar o controle de constitucionalidade de
uma emenda tanto no plano formal como substantivo. Em face disto a emenda
pode ser inconstitucional por não respeitar os procedimentos previstos expressa-
mente na constituição para a sua confecção, como as maiorias ou ritos como a
ordem de votação em cada uma das casas do Legislativo ou outros requerimen-
tos no processo de sua proposição, ratificação ou promulgação. De outra sorte,
a emenda pode ser tratada como inconstitucional na dimensão substantiva nos
casos em que seu conteúdo é julgado como oposto a aspectos que são tratados
59 “Como resultado do que fica dito, deve por consequência assentar-se em que aos tribunais
constitucionais também compete o controlo da constitucionalidade de normas da Constituição, e da
constitucionalidade no mais amplo sentido da ‘validade’ (Geltung) das normas constitucionais à luz
de todo o direito incorporado na Constituição (Lei Fundamental ou Constituição de um Estado
federado) ou por ela pressuposto.” (BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais?
Coimbra: Almedina, 2007. p. 86).
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nha a dispor de maneira expressa quais são suas cláusulas inalteráveis uma corte pode,
na realização da interpretação constitucional, identificar tanto um artigo positivado
ou um princípio não expresso como implicitamente pétreo, ou seja, imunizado contra
alterações via emenda constitucional. A ideia de defesa da identidade constitucional
e o caráter democrático do Estado acabam por se colocar nesta questão.
Embora as formas de “petrificação” venham a diferir em sua origem, uma é
derivada do constituinte e outra da Corte, o resultado deveria ser indiferente em
termos práticos, pois, o limite da cláusula deve vincular todos os atores políticos
da comunidade política, sob pena de eventual dissolução do regime constitucio-
nal e irrupção de um momento constituinte. Em casos extremos, não se descarta
cenários nos quais as normas constitucionais deixam de fazer sentido para um
povo e este busca uma nova constituição, mas isto não deveria ocorrer via a es-
trutura conceitual da emenda, mas pelo acesso ao poder constituinte originário.
Se a autoridade para emendar a constituição não possibilita a criação de
uma nova constituição, o papel da Corte de guardar a constituição não pode-
ria, de maneira bastante paradoxal, violar o documento que ela própria deveria
proteger – tal proteção foi considerada a partir das ameaças de excesso de poder
de outras entidades. Nesse sentido, Barak argumenta a favor do controle de
constitucionalidade da emendas constitucionais, considerando que a dimensão
política da fiscalização constitucional não deveria ser tratada como uma amarra
para as Cortes, eis que, a função a ser exercida pelo Judiciário, neste campo, não
seria a defesa direta de seus próprios interesses mas a proteção da democracia.62
As cláusulas pétreas, em sua própria definição de limites imunes à alte-
ração ao longo das futuras gerações acaba por estabelecer um desafio para o
núcleo conceitual do constitucionalismo democrático, pois, a este cabe a não
simples conciliação entre um conjunto de valores projetados pelos constituin-
tes, no momento inicial da formação (ou reforma) da comunidade política, so-
bre os quais eles não terão mais controle, mas que irão configurar a identidade
da comunidade política, ao mesmo tempo que deve garantir uma abertura sis-
têmica para o imprevisível, para os novos fenômenos derivados das interações
sociais por vir que não podem ser previstas nem pela melhor constituinte ou
pessoa fundadora de um país.63 Trata-se da dimensão democrática que precisa
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geração presente estão condenadas a envelhecer e se tornar itens no rol das decisões
tomadas no passado, mesmo que tenham sido planejadas para a construção de ins-
tituições com prazo ad aeternum. Por isso, nem os constituintes podem ser elevados
à condição de “anjos onipotentes”71 que continuam a definir a continuidade do fun-
cionamento do mundo desde uma posição externa, nem os juízes constitucionais
podem se arrogar o papel de únicos guardiões da constituição.
Stephen Holmes defende a inversão dos vetores quando se trata do tema cons-
titucionalismo e democracia, assim, a liberdade se tornaria uma prisão enquanto a
prisão seria uma liberdade, eis que, os defensores de formas puras de autogoverno
acabam por olvidar a “economia” realizada pelo passado. Pelas decisões tomadas
pelos “mortos” e por todos os problemas que estes tiveram que enfrentar para chegar
a sínteses que continuam a organizar a vida presente. Por isso, as batalhas travadas
pelos “mortos” não precisam ser reencenadas a todo momento, os grilhões forneci-
dos pelo passado, no caso em questão, pelas cláusulas pétreas, podem ser libertado-
res para que outros problemas e novos questionamentos constitucionais venham a
ser resolvidos pelos “vivos”. Portanto, uma visão expandida do funcionamento das
constituições habilita a compreensão de que as restrições constitucionais podem ser
habilitadoras, elas podem abrir espaços para novas criações.72
Ainda que existam críticas sobre constituições que sofrem um número muito
elevado de emendas, entende-se que o constitucionalismo e a soberania popular são
conceitos que vão além de medidas a respeito de sua objetividade ou simplicidade,
de modo que, qualquer povo que acredite nos valores do constitucionalismo irá
realizar emendas em sua constituição quando necessário, não lançando mão de
71 HOLMES, S. Passions and constraint: on the theory of liberal democracy. Chicago: University of
Chicago Press, 1995. p. 160.
72 “As I explained in the last chapter, constitutions may be usefully compared to the rules of a game and
even to the rules of grammar. While regulative rule (for instance, ‘no smoking’) govern preexistent
activities, constitutive rules (for instance, ‘bishops move diagonally’) make a practice possible for
the first time.” (HOLMES, Stephen. Op. Cit. p. 163). “Constitutions must do more than merely set
down the bargains of faction. They must express our best selves – but they must express our selves,
not someone else´s. It is always a danger sign when a constitution´s ideal project drifts too far from
the nexus of practical political action, as it did in France in the 1790´s, and in Weimar in 1919. A
new constitution cannot wipe out an old order by provisions. The ancient regime, the endless series
of dependencies and hopes accumulated over generations, will not disappear even in a Madisonian
moment. These hopes and dependencies have to be patiently worked through, in a practical politics
informed by constitutional vision.” (JACOBSON, Arthur A. Transitional Constitutions. In:
ROSENFELD, Michel. Constitutionalism, Identity, Difference, and Legitimacy: theoretical perspectives.
Durham: Duke University Press, 1994.p. 422).
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73 JR FALLON, Richard H. The dynamic constitution. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 1-27.
74 Oscar Vilhena Vieira, já em 1999, chamava a atenção para as diferentes nuances na percepção do
Supremo Tribunal Federal em relação à compreensão do papel das cláusulas pétreas (VIEIRA, Oscar
Vilhena. A constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 160-183). Em termos
de análise quantitativa, estudo de Fernando Bernardi Gallacci também reconhece a existência de
diferentes usos do discurso das cláusulas pétreas desde a promulgação da Constituição de 1988 até o
ano de 2011 (período de abrangência da pesquisa). Nesse sentido consultar: GALLACCI, Fernando
Bernardi. O STF e as cláusulas pétreas – o ônus argumentativo em prol da governabilidade? Sociedade
Brasileira de Direito Público: São Paulo, 2011. Acessível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/
monografia/193_Fernando%20Gallacci.pdf.
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cada casa parlamentar, três quintos dos votos dos respectivos membros. Logo,
trata-se de procedimento mais difícil que aquele empregado para as normas in-
fraconstitucionais: seu quórum de aprovação é superior ao das leis complemen-
tares (que demandam maioria absoluta - metade mais um em razão do número
absoluto dos membros das Casas) e das leis ordinárias (que demandam maioria
simples ou relativa - metade mais um em proporção ao quórum dos presentes),
e isso caracteriza a rigidez da Constituição de 198875.
Peculiaridade do processo da reforma, no Brasil, é o fato da aprovação de emen-
das não exigir sanção presidencial, que é uma fase do processo legislativo, quase sem-
pre presente na produção de leis infraconstitucionais, em que o Chefe do Poder Exe-
cutivo pode aquiescer com a aprovação de projetos já aprovados no parlamento ou
discordar com fundamento na ausência de interesse público ou inconstitucionalidade.
Em se tratando de emendas à constituição, ocorre a promulgação do texto
aprovado diretamente pela mesa da Câmara dos Deputados, pois reputa-se que
o titular desse poder constituinte derivado é o próprio Poder Legislativo.
Há ainda, no mecanismo de rigidez constitucional brasileiro, a previsão de limi-
tações circunstanciais, que impedem a aprovação de emendas constitucionais durante
estado de sítio, estado de defesa ou intervenção federal. Com efeito, diante da gravi-
dade de uma reforma constitucional, demanda-se, para sua atuação, um quadro de
normalidade, de estabilidade, o que não se encontra em tais circunstâncias.
Ao contrário de alguns sistemas constitucionais, é de se registrar que ine-
xiste, na Constituição Federal de 1988, qualquer limitação de ordem temporal.
Finalmente, no plano das limitações ao poder constituinte derivado, encontra-se
a cláusula implícita de proibição do duplo grau de revisão76, aceita pela maioria da
doutrina nacional e com abrigo em algumas decisões do Supremo Tribunal Fede-
ral. Consiste, o duplo grau de revisão, em alteração do próprio procedimento da
reforma, de acordo com as exigências atuais, para torná-lo mais flexível e simples.
De modo que, em um segundo momento, poder-se-ia operar reformas mediante
procedimento facilitado. Logo, reforma-se em primeiro grau para mudar o proce-
75 Essa rigidez é a responsável por conferir a supremacia formal da constituição. É preciso lembrar que essa
distinção procedimental caracteriza a rigidez constitucional, o que é algo diverso das cláusulas pétreas,
que são verdadeiras cláusulas de eternidade que tipificam uma espécie de superconstitucionalidade
(VIEIRA, Oscar Vilhena. Op. Cit. p. 26-28). No mesmo sentido: BRANDÃO, Rodrigo. Direitos
fundamentais, democracia e cláusulas pétreas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 231-232.
76 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo II, 3ª ed., Coimbra: Coimbra, 1991. p. 206.
52
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77 Idem, p. 207.
78 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1991. p. 1138.
79 Nesse sentido consultar: MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação dos poderes e
deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.
80 DIPPEL, Horst. História do constitucionalismo moderno – novas perspectivas. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2007. p. 23-35.
81 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución. Barcelona: Ariel, 1976. p. 218-222.
82 Hans Peter Schneider assinala que “a lei fundamental pode ser considerada como a Constituição dos
direitos fundamentais, e interpretada e desenvolvida sempre em função destes direitos fundamentais;
e o Estado existe para servir aos indivíduos e o não o indivíduo para servir o Estado” (SCHNEIDER,
Hans Peter. Democracia y constitucion. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1991. p. 17).
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83 SCHIER, Paulo Ricardo. Comissões parlamentares de inquérito e o conceito de fato determinado. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 11-14.
84 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito – do estado de direito liberal ao
estado social e democrático de direito. Coimbra: Coimbra, 1987. p. 16-17.
85 Ao menos discursivamente, reitere-se, pois não se desconhece a existência de uma enorme gama de
estados autoritários. Mas mesmo no contexto desses estados, grande parte lança mão do discurso da
democracia como meio de legitimação. Nesse sentido: FARIA, José Eduardo. A crise constitucional e a
restauração da legitimidade. Porto Alegre: SAFe, 1985. p. 20.
86 PULIDO, Carlos Bernal. Prefácio à obra Três escritos sobre los derechos Fundamentales, In: ALEXY,
Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y la teoria de los principios. Bogotá: Universidad
Externado de Colombia, 2006. p. 13.
87 SCHNEIDER, Hans Peter. Op. Cit. p. 19.
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88 Há quem sustente que toda constituição escrita é necessariamente rígida. Neste sentido conferir:
PACE, Alessandro; VARELA, Joaquin. La rigidez de las constituciones escritas. Madrid: Centro de
Estúdios Constitucionales, 1995. p. 115-129.
89 ALEXY, Robert. Los derechos fundamentales em el estado constitucional. In: CARBONELL,
Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Torino: Editorial Trotta, 2003. p. 37-38. Na mesma linha:
SANCHÍS, Luis Prieto. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial. In: CARBONELL, Miguel.
Neoconstitucionalismo(s). Torino: Editorial Trotta, 2003. p. 124.
90 STF, ADI 939/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 15 dez. 1993, DJ 18 mar. 1994.
91 STF, ADI 1946 MC/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 29 abr. 1999, DJ 14 set. 2001.
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92 Sobre o problema da recepção dos tratados internacionais de direitos humanos, consultar: SCHIER,
Paulo Ricardo. Hierarquia Constitucional dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e EC 45 -
tese em favor da incidência do tempus regit actum. In: Anais do XIV Conpedi. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2006, p. 161-163. Acessível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/
anais/XIVCongresso/063.pdf
93 GALLACCI, Fernando Bernardi. Op. Cit. p. 38.
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99 Acórdão, p. 253.
100 STF. ADI 3685; relatora Ellen Gracie, julgada em 22.03.06
101 STF. ADI-MC 4307; relatora Cármen Lúcia, julgada em 11.11.09
102 Idem, p. 200.
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30 anos da Constituição
tucional que tenda à abolição de uma das cláusulas pétreas. Tal entendi-
mento favorece um aumento de poder de revisão da Corte”.
Considerações finais
Não poucos são os desafios decorrentes do (re)arranjo e da (re)definição
do papel dos Poderes em um Estado que preza pelos valores do constitucionalis-
mo e da democracia. Como observado ao longo do texto, a tensão constitutiva
entre o governo dos “vivos” e os limites estabelecidos pelos “mortos” acaba por
refletir nas várias camadas da organização das relações da comunidade política.
A sedimentação de um núcleo normativo imune a alterações nas consti-
tuições democráticas se deve, dentre outros motivos, ao receio decorrente da
desconfiguração, da perda da identidade constitucional que define a dimensão
substantiva pétrea a (com)unidade política de Schmitt. Tal núcleo cria um pa-
103 Isso já tinha sido observado por Oscar Vilhena Vieira que, inclusive, demonstra que o Tribunal
Constitucional Alemão, de outro lado, interpreta afetar como se fosse tendente a abolir. Ou seja, a
impressão de que o Tribunal da Alemanha busca maior autocontenção e o brasileiro passa a buscar
mais expansividade (VIEIRA, Oscar Vilhena. Op. Cit. p. 180).
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30 anos da Constituição
Referências bibliográficas
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30 anos da Constituição
NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito – do estado
de direito liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Coimbra, 1987.
PREUSS, Ulrich K. Constitutional powermaking for the new polity: some deli-
berations on the relations between constituent power and the constitution. In:
62
30 anos da Constituição
PULIDO, Carlos Bernal. Prefácio à obra Três escritos sobre los derechos Fun-
damentales, In: ALEXY, Robert. Tres escritos sobre los derechos fundamentales y
la teoria de los principios. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2006.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Ma-
lheiros, 1999.
63
O Presidencialismo Brasileiro nos
Trinta Anos da Constituição Federal de 1988
Introdução.
Com a chegada dos 30 anos da Constituição Federal de 1988 lembramos da
promessa de renovação para o país trazida pelo projeto da “Nova República”. Os
anos de ditadura que antecederam a promulgação do novo texto potencializaram
em grande medida as expectativas em torno da nova dinâmica inaugurada no país.
Desde a sua promulgação, a Constituição de 1988 tem estado em evi-
dência, notadamente diante dos últimos acontecimentos político-jurídicos que
aconteceram no contexto político e jurídico nacionais. Dentre aqueles eventos
que mais chamam a atenção, destacamos o perfil adotado pela articulação entre
os poderes, notadamente no que se refere ao exercício do Poder Executivo. Den-
tre as práticas de sustentação política do Poder Executivo no Brasil, destacamos
o chamado presidencialismo de coalizão.
Muitos dizem que a instabilidade política no Brasil é decorrência do
seu sistema de governo. Para além, alguns enxergam em uma eventual mudança
104 Mestre em direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Bacharel em direito pela
Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor de Direito Constitucional da Faculdade
Osman Lins – FACOL. Advogado.
105 Professor da Universidade Católica de Pernambuco. Professor Adjunto do Centro de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal de Pernambuco (CCJ-UFPE), Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Pernambuco (PPGD-UFPE), Professor da Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP), Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco
(PPGD-UNICAP), Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
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recebidos pela coligação ou partido. Muitos candidatos são eleitos com número
mínimo de votos, em variados casos, número inferior ao de outros não eleitos.
Para Sérgio Abranches (1988, p. 8) as coalizões começam a se formar antes
do pleito eleitoral. Sem um agrupamento de legendas, dificilmente determinados
partidos poderiam alcançar cadeiras no Parlamento. Por essa razão, desde antes
do pleito, há a necessidade dessas coligações serem formadas. Não sem outra razão
é que se busca também o maior tempo de televisão, uma maior oportunidade de
falar, de comunicação ao eleitorado. Demais disso, a adoção do sistema presiden-
cialista com a representação proporcional, por ser esta combinação de difícil com-
patibilidade, uma vez que impossibilitaria a construção de maiorias estáveis no
Parlamento, é outro fator propulsor dessa peculiaridade brasileira, especialmente
no que diz respeito às barganhas entre membros do Legislativo e do Executivo.
Sobre a dificuldade de compatibilização entre o presidencialismo e a repre-
sentação a partir do sistema proporcional na busca pela construção e manutenção
de maiorias estáveis no Parlamento, Sérgio Antônio Ferreira Victor afirmou que:
As consequências que se podem esperar da combinação de sistema pre-
sidencialista com representação proporcional são a dificuldade de cons-
trução e manutenção de maiorias estáveis no parlamento, a ocorrência
de barganhas sucessivas entre membros do Poder Legislativo e o Poder
Executivo, o que gera a dificuldade sistêmica de o Estado responder aos
anseios do eleitorado no que concerne a produção de políticas públicas, e,
por fim, põe em risco o próprio democrático, ameaçado pela instabilidade,
inoperância e patronagem [...] o certo é que o presidencialismo combinado
com a representação majoritária tende a evitar a presença dos principais
problemas relacionados ao sistema presidencialista com representação
proporcional, especialmente os que concernem à construção de maiorias
estáveis e aos mecanismos utilizados para tanto (2015, p. 90-91).
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julgado em 29/6/2017), o art. 62, § 6º da CF/88 ao dizer que “se a medida pro-
visória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publi-
cação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das
Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação,
todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”,
deve ser visto a partir de uma interpretação não literal. Com isso, tem-se que as
deliberações sobrestadas são aquelas que envolvem leis ordinárias cujas matérias
também podem ser tratadas mediante MP, tornando possíveis as deliberações
sobre Emendas à Constituição, Leis Complementares e demais diplomas nor-
mativos que tratam sobre temas estranhos às MP’s. Percebe-se que o legislador
constituinte tratou do tema objetivando que o Congresso Nacional fosse força-
do a votar as MP’s, sob pena de causar insegurança jurídica, dada as relações
tuteladas durante a sua vigência.
Apesar de certa diminuição da capacidade de agenda do Presidente, Gus-
tavo Afonso Sabóia Vieira vai além e destaca a necessidade de direcionar as li-
mitações não apenas a tramitação dos instrumentos à disposição do Presidente,
mas impor-lhe restrições objetivas:
Muito se tem escrito acerca dos abusos cometidos por chefes do Poder
Executivo no exercício dessa prerrogativa, mas as soluções propostas, a
nosso ver, não se podem restringir tão somente à tramitação dos referi-
dos instrumentos; devem, antes, concentrar-se no mérito das propostas
a serem encaminhadas ao Parlamento. Nesse sentido, nossa proposta vai
pelo caminho de inverter a lógica atual: ao invés de ser possível a edição
de MPs sobre quaisquer assuntos, ressalvadas as matérias constantes do
primeiro parágrafo do art. 62 da CRFB (BRASIL, 1988), deveria ser es-
tipulado um rol taxativo de situações, com bom grau de concretude, em
que seria possível a edição de MPs (VIEIRA, 2017, p. 133).
76
30 anos da Constituição
políticas, deve ser observado também o índice de aprovações no curso dos pro-
cessos legislativos sobre matéria de iniciativa privativa do Presidente:
O sucesso do Executivo para o período pós-promulgação da Constituição
de 1988 é de 70,7%11. Cabe notar que a definição de sucesso adotada é
exigente, pois pede que a matéria seja aprovada ao longo do mandato do
presidente que submeteu a medida. As variações por presidentes são pe-
quenas e independem da sua base de apoio. É certo que Fernando Collor,
o único presidente do período a formar coalizões minoritárias, teve o pior
desempenho nesse quesito entre todos os presidentes, aprovando 65% dos
projetos que submeteu. Mas a variação é menor que a estabilidade. A taxa
de sucesso para Itamar foi um ponto superior à de Collor e os demais
presidentes ficaram um pouco acima dos 70% (LIMONGI, 2006, p. 23).
Decerto, o tema está longe de gerar consenso, mas desperta bons debates,
sobretudo porque envolve tema que está na ordem do dia da sociedade brasileira.
Ao completar 30 anos de promulgação da Constituição, a população tem observado
cotidianamente os desdobramentos envolvendo a governabilidade e os arranjos no
cenário político-jurídico do país envolvendo-se cada vez mais nas discussões rela-
tivas aos limites e possibilidades de afirmação do poder no âmbito do Executivo.
4. Considerações Finais
A CF 88 atribuiu ao Presidente da República amplos poderes institucio-
nais, conferindo para ele desde imunidades relativas à prisão e ao processo judi-
cial, passando por muitas possibilidades para a deflagração do processo legisla-
tivo. São variados os temas que a CF 88 reservou ao Presidente a competência
privativa para propor projetos de leis. No mesmo caminho, no processo legis-
lativo, a possibilidade do Presidente vetar total ou parcialmente um projeto de
lei considerado por ele inconstitucional ou inconveniente do ponto de vista
político. Some-se, no mesmo cenário, o fato do Presidente expedir MP’s e poder
solicitar regime de urgência nos projetos por ele apresentado.
Temos assim, uma ampla possibilidade de estabelecimento de relações ins-
titucionais entre o Executivo e o Legislativo. No cenário exposto ao longo do
texto é que se apresentam as reflexões sobre o nosso sistema de governo. Efeti-
vamente, o texto magno de 1988 potencializou a interação entre os poderes a
partir do arranjo institucional por ele configurado.
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Referências
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Limites à Autonomia Funcional e
Organizacional dos Partidos Políticos no
Brasil: a Obrigatoriedade de Mecanismos
Democráticos Intrapartidários
Resumos
O Brasil é uma democracia representativa, tendo os partidos políticos como
seu instrumento fundamental. Para que o processo democrático tenha um resul-
tado legitimo e efetivo, é necessário que todas as etapas do processo funcionem
democraticamente. A carência de democracia em qualquer etapa do processo irá
maculá-lo por completo. Vislumbramos que no Brasil os procedimentos de esco-
lha dos dirigentes partidários e dos candidatos eleitorais são realizados de maneira
a não envolver o povo – e nem mesmo todos os filiados dos partidos –, reservando
a decisão às cúpulas partidárias. Embora nossa constituição garanta expressa-
mente autonomia organizacional e funcional aos partidos políticos, esta não pode
ser compreendida em absoluto, permitindo que se coloque em risco a integrida-
de do sistema democrático. Considerando que os membros do Poder Legislativo
106 Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-
doutorando em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae - Centro de
Direitos Humanos da Universidade de Coimbra (Portugal). Professor de Direito Constitucional e
Direito Eleitoral da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sócio
fundador do escritório Gonçalves e Bruno Sociedade de Advogados - GBSA. Membro da Comissão
de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo. Membro da Comissão
de Ensino Jurídico da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo. Membro da Comissão
de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo. Co-fundador da
Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral – ABRADEP. Membro da Associação Brasileira
de Constitucionalistas Democratas. Advogado atuante em temas relacionados ao Direito Público.
Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais (PUC-SP/CNPq).
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108 “A democracia representativa talvez seja, antes de tudo, um sistema de governo apropriado àquelas
situações nas quais por algum motivo é impraticável que os cidadãos participem diretamente do
processo legislativo. Mas o Conceito de representação, tal como nossos precursores o compreenderam,
era mais profundo que isso. A retórica pré-revolucionária postulava um conflito contínuo entre os
interesses dos “governantes”, de um lado, e os dos “governados” (ou do “povo”), de outro. Buscou- seu
uma solução ao incorporar ao conceito de representação a ideia de uma associação dos interesses dos
dois grupos. Assim, os representantes no novo governo eram concebidos como “cidadãos”, pessoas de
grande caráter e capacidade, certamente, mas também “do povo”. Segundo a crença dos que assim
os concebiam, terminado o seu serviço eles voltariam ao povo e, assim, ao grupo dos “governados”.
Além disso, mesmo enquanto estivessem ocupando o cargo, a ideia é que eles vivessem sob o regime
das leis que aprovassem, e não se isentassem delas: essa obrigação de incluir a si mesmos no grupo dos
governados asseguraria uma comunhão de interesses e nos resguardaria de uma legislação opressiva.
Os constituintes deram-se conta de que mesmo imagens ideais precisam de mecanismos que garantam
sua aplicação: era necessária “ alguma força que se oponha à tendência insidiosa do poder de separar...
os governantes dos governados”. A principal força concebida para esse fim foi o voto: as pessoas
do povo, em nome de seus próprios interesses, escolheriam os representantes cujos interesses se
harmonizassem com os seus e, mediante a decisão crítica de reelegê-los ou não, assegurariam que os
representantes lhes permanecessem fiéis e sobretudo que não se esquivassem dos rigores das leis que
eles mesmos aprovassem.” (ELY, pp. 103-104)
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109 Essa carência também é percebida em outros sistemas. Nesse sentido, o jornal El País, em interessante
editorial mostrava a carência dessa realidade também na Espanha: Todas las organizaciones políticas
deben romper con los procedimientos que permiten a sus dirigentes actuar prácticamente sin frenos
ni límites. Celebrar los congresos con intervalos de hasta cuatro años favorece el mantenimiento
del statu quo y de los intereses creados. Reservar la designación de candidatos electorales a la decisión
de comités muy reducidos da a estos todo el poder sobre sus correligionarios, que dependen más de los
jefes del partido que de los votantes. Estos métodos han provocado una selección inversa del personal
político: solo los más leales a los jefes o sus redes clientelares son capaces de mantenerse en la vida
pública. La gente valiosa no debería verse asfixiada por una disciplina demasiado estrecha respecto de
las oligarquías partidistas” cf. https://elpais.com/elpais/2015/05/17/opinion/1431885488_758051.html,
acessado em 03 de setembro de 2017. .
110 Jorge Miranda, ao analisar o cenário português de 1995 assim analisava: “Fala-se hoje muito da
reforma do sistema político, ligando-a, sobretudo, à reforma do sistema eleitoral com vista a uma
relação mais estreita entre eleitores e eleitos. E não se pode negar que o sistema eleitoral para a eleição
do Parlamento pode ser aperfeiçoado nesse sentido, sem quebra do princípio proporcional (através do
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luta, cabendo ao legislador estabelecer limites para que em sua estrutura interna,
organização e funcionamento funcionem de modo a garantir o cumprimento das
finalidades constitucionais do instituto. Embora dotados de personalidade jurídica
de direito privado, pois são constituídos na forma da lei civil, devem ser considera-
dos como entidades públicas, em razão das funções públicas que desempenham111.
Por sua vez, o legislador infraconstitucional, ao regulamentar o sistema
partidário brasileiro por meio da Lei n. 9.096/1995, já em seu art. 1º reconhece
expressamente a dualidade de caráter privado e público que envolve os partidos
políticos, ao declarar que “O partido político, pessoa jurídica de direito privado,
destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do
sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Cons-
tituição Federal” (sublinhamos).
No entanto, a lei regulamentadora, em seu art. 3º reafirma a dicção consti-
tucional de que “é assegurada, ao partido político, autonomia para definir sua es-
trutura interna, organização e funcionamento”, sendo silente no que concerne ao
estabelecimento da obrigatoriedade de se definir mecanismos democracia interna
nos partidos. Da mesma forma, a Lei das Eleições, n.º 9.504/1997, ao dispor sobre
o procedimento de escolha de candidatos em convenções partidárias, em seu art.
7º112 remete às normas contidas nos respectivos estatutos dos partidos.
A ausência de regulamentação impondo limites à estrutura interna, orga-
nização e funcionamento dos partidos, tem permitido a convivência com pro-
cedimentos partidários absolutamente discrepantes dos padrões democráticos.
Da análise dos 4 (quatro) maiores partidos brasileiros: PMDB, PT, PSDB e PR113
– considerando as bancadas na Câmara dos Deputados – verifica-se que em nenhum
deles se pode reconhecer procedimentos verdadeiramente democráticos quanto a dois
pontos essenciais e relevantes para identificação de critérios de democracia interna,
quais sejam: critérios para escolha dos dirigentes partidários e critérios para escolha
dos candidatos a serem apresentados pelos partidos. O modelo adotado pelos partidos
analisados se replica na maioria dos demais partidos brasileiros.
111 Trata-se de clara necessidade de que, apesar de a deter personalidade de direito privado, respeitem aos
direitos fundamentais dos seus filiado. Nesse sentido, está-se a falar em eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, tal qual já afirmada pelo STF em alguns julgados. Sobre o tema, ver CONCI, 2008. p. 32).
112 Art. 7º As normas para a escolha e substituição dos candidatos e para a formação de coligações serão
estabelecidas no estatuto do partido, observadas as disposições desta Lei.
113 Conforme: http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/bancadas/bancada-atual.
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114 Embora o estatuto do PT estabeleça a obrigatoriedade de realização de prévias (art. 147) sempre que
houver mais de um pré-candidato para um mesmo cargo majoritário, impõem condições estritas para
a o recebimento das pré-candidaturas (art. 142)., bem como o resultado das prévias só será vinculante
caso se obtenha uma participação mínima de filiados com votação válida (arts. 152 e 153).
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115 http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/filiados.
116 Equivalente a 144.088.912 (cento e quarenta e quatro milhões oitenta e oito mil novecentos e
doze) eleitores, conforme http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/
eleicoes-2016.
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117 http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/eleicoes-2016.
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118 ADI 1063MC/DF. Relator Min. Celso de Mello. Ementa: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE - LEI Nº 8.713/93 (ART. 8º, § 1º, E ART. 9º) - PROCESSO
ELEITORAL DE 1994 - SUSPENSÃO SELETIVA DE EXPRESSÕES CONSTANTES DA NORMA
LEGAL - CONSEQÜENTE ALTERAÇÃO DO SENTIDO DA LEI - IMPOSSIBILIDADE DE O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AGIR COMO LEGISLADOR POSITIVO - DEFINIÇÃO LEGAL
DO ÓRGÃO PARTIDÁRIO COMPETENTE PARA EFEITO DE RECUSA DA CANDIDATURA
NATA (ART. 8º, § 1º) - INGERÊNCIA INDEVIDA NA ESFERA DE AUTONOMIA PARTIDÁRIA -
A DISCIPLINA CONSTITUCIONAL DOS PARTIDOS POLÍTICOS - SIGNIFICADO - FILIAÇÃO
PARTIDÁRIA E DOMICÍLIO ELEITORAL (ART. 9º) - PRESSUPOSTOS DE ELEGIBILIDADE
- MATÉRIA A SER VEICULADA MEDIANTE LEI ORDINÁRIA - DISTINÇÃO ENTRE
PRESSUPOSTOS DE ELEGIBILIDADE E HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE - ATIVIDADE
LEGISLATIVA E OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF
LAW - CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA EM PARTE.
AUTONOMIA PARTIDÁRIA: A Constituição Federal, ao proclamar os postulados básicos que
informam o regime democrático, consagrou, em seu texto, o estatuto jurídico dos partidos políticos. O
princípio constitucional da autonomia partidária - além de repelir qualquer possibilidade de controle
ideológico do Estado sobre os partidos políticos - cria, em favor desses corpos intermediários, sempre
que se tratar da definição de sua estrutura, de sua organização ou de seu interno funcionamento, uma
área de reserva estatutária absolutamente indevassável pela ação normativa do Poder Público, vedando,
nesse domínio jurídico, qualquer ensaio de ingerência legislativa do aparelho estatal. Ofende o princípio
consagrado pelo art. 17, § 1º, da Constituição a regra legal que, interferindo na esfera de autonomia
partidária, estabelece, mediante específica designação, o órgão do Partido Político competente para
recusar as candidaturas parlamentares natas. O STF COMO LEGISLADOR NEGATIVO: A ação
direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com o objetivo de transformar o Supremo
Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo,
em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar. Não se revela lícito pretender,
em sede de controle normativo abstrato, que o Supremo Tribunal Federal, a partir da supressão seletiva
de fragmentos do discurso normativo inscrito no ato estatal impugnado, proceda à virtual criação de
outra regra legal, substancialmente divorciada do conteúdo material que lhe deu o próprio legislador.
PRESSUPOSTOS DE ELEGIBILIDADE: O domicílio eleitoral na circunscrição e a filiação partidária,
constituindo condições de elegibilidade (CF, art. 14, § 3º), revelam-se passíveis de válida disciplinação
mediante simples lei ordinária. Os requisitos de elegibilidade não se confundem, no plano jurídico-
conceitual, com as hipóteses de inelegibilidade, cuja definição - além das situações já previstas
diretamente pelo próprio texto constitucional (CF, art. 14, §§ 5º a 8º) - só pode derivar de norma inscrita
em lei complementar (CF, art. 14, § 9º). SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO
LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV,
da Constituição - deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto
meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo,
em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo
arbitr ário. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e
as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída
do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria
do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe da competência
para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento
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Porém, não obstante o STF tenha declarado seu prestígio ao princípio da au-
tonomia organizacional e funcional dos partidos, in casu entendeu que a norma
questionada (art. 6º da Lei n.º 9.100/95119) que impunha limites para que os partidos
estabelecessem suas coligações não padecia de vício de inconstitucionalidade. Pois:
“o princípio da autonomia partidária não é oponível ao Estado, que
dispõe de poder constitucional para, em sede legislativa, estabelecer a
regulação normativa concernente ao processo eleitoral.
institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem
o desempenho da função estatal. O magistério doutrinário de CAIO TÁCITO. Observância, pelas
normas legais impugnadas, da cláusula constitucional do substantive due process of law.
119 Art. 6º Serão admitidas coligações se celebradas conjuntamente para as eleições majoritárias e
proporcional, e integradas pelos mesmos partidos, ou se celebradas apenas para as eleições majoritárias.
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120 Ressalte-se que o entendimento do TSE que impôs a “verticalização” das coligações foi superado com
a edição da Emenda Constitucional n.º 52/2006 que alterou a redação do § 1º do art. 17 da CRFB para
fazer constar expressamente a possibilidade dos partidos realizarem coligações com absoluta liberdade.
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6. O processo seletivo prévio, ademais, esvaziaria sobremaneira o poder deliberativo das convenções
partidárias, expressamente previstas na legislação de regência como o procedimento de escolha de
aspirantes a cargos eletivos.
7. Em suma, embora em âmbito interno as legendas sejam livres para deliberar acerca dos nomes que
melhor representem seus ideais e objetivos políticos, o meio próprio para consolidar tal escolha é a
convenção partidária, sendo incabível, com base em processo seletivo prévio, restringir o acesso de
filiados que almejem se candidatar.
CONCLUSÃO. DEFERIMENTO PARCIAL.
8. Pedido deferido parcialmente, excluídos os arts. 65, 67, 68, 97, VI, 98, XIX, e 103, caput, do estatuto
do Partido Novo, conforme a fundamentação acima.
Rel. Min. Jorge Mussi
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98
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99
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SARLET, Ingo W. A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª. Ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2009.
100
O Conhecimento da Constituição
na América Latina
Marcelo Figueiredo122
Sumário
I) Introdução
II) Uma necessária contextualização – o constitucionalismo latino-americano
III) A pedagogia constitucional e os valores orientados
IV) A cultura constitucional
V) A cultura constitucional na América Latina – as pesquisas realizadas
no México, na Argentina, na Costa Rica e no Brasil
VI) As causas da erosão da consciência constitucional
VII) O ensino e a divulgação do direito constitucional na América Latina
VIII)Pensar a Educação Cidadã
IX) Conclusões
Referências
122 Advogado. Consultor Jurídico em São Paulo, Brasil. Professor Associado de Direito Constitucional
da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Vice-Presidente da
Associação Internacional de Direito Constitucional IACL-AIDC. Líder do Grupo de Pesquisa em
Direitos Fundamentais (PUC-SP/CNPq). E-mail: [email protected] . Artigo apresentado no
evento Shanghai/China Roundtable of the IACL em abril de 2018 nos dias 13 a 15.
101
30 anos da Constituição
Resumo:
Palavras-chave: Constituição- Conhecimento- Cultura Constitucional-
Abstract:
Keywords:
I) Introdução
Inicialmente quero agradecer profundamente o convite do Prof. Mo
Jihong, nosso colega na IACL-AIDC Associação Internacional de Direito
Constitucional para falar sobre o tema: Constitutional Literacy in Latin America,
e cumprimentar a todos.
No convite, o Professor Mo já nos envia um panorama do tema a ser tra-
tado nesta mesa redonda.
Afirmou: “Constitutional literacy has been defined as “knowledge of the
Constitution, sufficient to invoke it properly”, either verbally or by implication
through specific behavior, such as voting. For a constitution to be able to per-
form its legal and political roles, familiarity with its central tenets and (some of)
its substance is required across a wide range of people.
These include judges, attorneys and other legal practitioners, politicians,
law enforcement personnel, and public servants in general. As the Constitution
includes the institutional framework for the functioning of public authorities,
these people´s knowledge of the Constitution is a precondition to its being ge-
nerally respected. At the same time, as most constitutions include individual
rights, awareness of these rights among the population at large, is essential for
rights protection and accountability.
Additionally, many constitutions contains messages for the population at
large, serving purposes such as national building, breaking with the past, and
strengthening cohesion. In that perspective, constitutions can be seen as car-
ries of national narratives that presuppose the wildest dissemination in order to
generate the broadest possible ownership and support.
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30 anos da Constituição
124 GARCÍA BELAUNDE, Domingo. Los vaivenes del constitucionalismo LatinoAmericano en las últimas
décadas. In: Derecho constitucional y instituciones políticas, derechos humanos y justicia constitucional.
Ensayos en honor del Prof. Dr. Hernán Salgado Pesantes. Quito, Equador: CEP, 2015, p.65.
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30 anos da Constituição
ção. Esta desigual distribuição da riqueza social reflete altos índices de pobreza e
consideráveis níveis de indigência. Diversas e majoritárias camadas da população
não têm acesso aos serviços públicos como saúde, educação, saneamento básico,
moradia, seguridade social, que, para agravar a situação, não costumam ser de boa
qualidade. Além disso, sofrem com o desemprego e a instabilidade social.
É dizer, a desigual distribuição de renda e da riqueza social gerou altos
índices de marginalidade, de violência, transformando-se num dos fatores prin-
cipais da crise social e política que afetaram o desenvolvimento do constitucio-
nalismo latino-americano.
Em consequência, durante o século XIX e boa parte do século XX, na
maioria dos países latino-americanos, a democracia vigorou por pouco tem-
po e impediu o desenvolvimento social mais consistente. Em alguns Estados
instalou-se uma democracia formal representativa, que reduziu o papel dos ci-
dadãos a uma atividade passiva de votar a cada período determinado sem uma
maior participação efetiva na tomada de decisões políticas fundamentais, ou a
controlar e fiscalizar os governantes.
Esse quadro só começou a mudar recentemente com o rompimento do ciclo au-
toritário e a restauração dos regimes democráticos, o que só ocorreu no final de 1980.
Com a restauração dos regimes democráticos, paulatinamente os Estados latino-
-americanos conseguiram consolidar a democracia, aprovando novas Constituições
com maiores e melhores instrumentos de participação política, econômica e social.
A maioria dos Estados latino-americanos envolveu-se em processos cons-
tituintes democráticos, iniciando-se pelo Brasil (1988), seguindo-se novas re-
formas na década de 1990, Colômbia (1991), México e Paraguai (1992), Peru
(1993), Equador (1998-2008), Venezuela (1999) e Bolívia (2009).
Fala-se em grandes três ciclos de reformas na região. O primeiro deles
(1982-1988) é denominado de “constitucionalismo multicultural” e tem como
características a abertura das Constituições para a diversidade cultural e o reco-
nhecimento de várias línguas oficiais. São exemplos desse ciclo a Constituição
da Guatemala (1985), que reconhece a configuração multiétnica e multicultural
do país – e a da Nicarágua (1987), que declara a “natureza multiétnica” do povo
e seus direitos culturais, linguísticos e territoriais. Não há, entretanto, maiores
avanços no reconhecimento dos direitos indígenas nem do pluralismo jurídico.
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125 BRANDÃO, Pedro. O novo constitucionalismo pluralista latino-americano. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2015; ANTONIO RIVERA, José. Constitucionalismo latinoamericano, avances, amenazas y
desafios. In: Derecho constitucional y instituciones políticas, derechos humanos y justicia constitucional.
Ensayos en honor del Prof. Dr. Hernán Salgado Pesantes. Quito, Equador: CEP, 2015.
126 Peru (1979), Guatemala (1985), Nicarágua (1987), Brasil (1988), Chile (1989), Costa Rica (1989),
Colômbia (1991), Paraguai (1992), Argentina (1994), Venezuela (1999), República Dominicana
(2003), Equador (2008), Bolívia (2009), México (2011).
127 LUCAS VERDÚ, Pablo. Teoría de la Constituição como ciência cultural. 2.ed. Madrid: Dykinson, 1998.
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Peter Häberle128. Caso contrário, o resultado desse processo não aprovaria uma
verdadeira Constituição no sentido contemporâneo.
Desse modo, nas palavras do professor alemão, “A Constituição constitui
o poder e o limita. Não só é um texto jurídico, mas também um contexto cul-
tural. Comentários, textos, instituições e procedimentos simplesmente jurídicos
não chegam a abarcar toda a complexidade da Constituição.
A Constituição não é só um texto jurídico para os juristas e para a sua in-
terpretação. Ela atua essencialmente também como guia para toda a sociedade:
para os cidadãos e os grupos sociais. Não é a Constituição somente uma rede de
regras normativas mas também a expressão de uma situação cultural dinâmica,
meio de representação cultural de um povo, espelho de seu legado cultural e
fundamento de suas esperanças.
As Constituições vivas como obra de todos os intérpretes da Constituição
em uma sociedade aberta, são bem mais, de acordo com sua forma e conteúdo,
expressão e mediação de cultura, marcos para a recepção e reprodução cultural,
assim como o arquivo cultural para as informações, as experiências, as vivências
e o saber popular recebidos. Sua concepção cultural – de vigência encontra-se
em uma maior profundidade”.
Desta forma, as Constituições, tanto como expressão cultural (da cultura
de um povo), contextualizam a sociedade que pretendem orientar, como reci-
procamente esta sociedade é também o contexto onde a Constituição deve ser
aplicada. Quando o Estado constitucional contemporâneo a faz efetiva, desen-
volve e garante a proteção da cultura, o faz a serviço de sua identidade cultural.
Ademais, a cultura se forma segundo variantes coordenadas. Não é unidi-
recional, nem fechada, mas como as constituições, é um espaço aberto, mesmo
que não inteiramente.
A Constituição como uma norma aberta consiste na norma mais aberta do
ordenamento jurídico, talvez porque também integre distintas culturas e tradições
presentes na sociedade a que se dirige. Mas isso não significa que seja uma norma
completamente aberta. Não se pode esquecer que a Constituição tem por intermé-
dio do pacto constituinte um reflexo do momento histórico, por isso se introduz
nela uma certa ideia de mudança do período ou do regime jurídico precedente.
128 HÄBERLE, Peter. Liberdade, igualdade e fraternidade – 1789 como história, atualidade e futuro do
Estado Constitucional. Madrid: Trota, 1998.
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132 TEIXEIRA, J.H. Meirelles. Curso de direito constitucional. 2.ed. (Org.) Maria Garcia. São Paulo:
Conceito Editorial, 2011.
133 HESSE, Konrad. Conceito e peculiaridade da Constituição. Tradução de Inocêncio Mártires
Coelho. In: Temas fundamentais do direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.
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134 PESSOA, João Paulo. A promoção da cultura constitucional como obrigação do Estado brasileiro.
São Paulo: PUC-SP, 2017.
135 CUNHA, Paulo Ferreira da. Cultura constitucional & revisões constitucionais. International
Studies on Law and Education. Coimbra: Universidade do Porto. Disponível em: <www.hottopos.
com>. Acesso em: dez. 2017.
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136 DIRECCIÓN geral de comunicación social. Los mexicanos e su Constitución. Tercera Encuesta
Nacional de Cultura Constitucional. Disponível em: <http: dint.unam.mx/blog/index.php/
item/3210-los-mexicanos-y-su-constitucion>. Acesso em: 23 dez. 2017; CANTÚ, Hugo. A. Concha;
FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Cultura de la Constitución en México
– una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores. México: UNAM, 2004; LÓPEZ
AYLLÓN, Sérgio; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Segunda encuesta
nacional de cultura constitucional: legalidad, legitimidad de las Instituciones e Rediseño del Estado.
Mexico: UNAM, 2012; FIX-FIERRO, Héctor; FLORES, Julia; VALADÉS, Diego. Los mexicanos y
su Constitución. Tercera Encuesta Nacional de Cultura Constitucional. México: UNAM, 2017.
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137 MARÍA HERNÁNDEZ, Antonio; ZOVATTO, Daniel; ARAÚJO, Manuel Mora. Encuesta de
cultura constitucional. Argentina: una sociedad anómica. México: UNAM, AADC e IDEA,
2005; MARÍA HERNÁNDEZ, Antonio; ZOVATTO, Daniel; ARAÚJO, Manuel Mora; FRAGA,
Rosenda; FIDANZA, Eduardo. Encuesta de cultura constitucional. Argentina: una sociedad
anómica. México: Eudeba, 2016.
138 MARÍA HERNÁNDEZ, Antonio. Cumplir el programa constitucional. Buenos Aires: IML, 2012,
p.182 e seguintes ao comentar a pesquisa feita em seu país sobre a cultura constitucional e a ampla
percentagem da população da Argentina (85%) que percebe o seu descumprimento, apresenta dez
propostas para enfrentar esse problema. Em síntese: a) fortalecer o Congresso e seu papel legislativo
e fiscalizador; b) garantir a independência judicial e dos grupos de pressão visando a reforma do
Judiciário; c) impulsionar e aprofundar a educação cívica e democrática através do processo
educacional; d) criar comissões mistas nas câmaras do congresso para controlar o cumprimento das
leis no país; e) assegurar o direito ao acesso à informação para um governo mais transparente e
uma sociedade mais participativa e informada; f) avançar na reforma política reformando o sistema
eleitoral, a democratização do país, a modernização e fortalecimento dos partidos políticos; g)
fortalecer a liberdade de imprensa, de expressão e de comunicação social, com campanhas sobre a
importância da Constituição, das leis e das Instituições; h) criar um Centro da Constituição Nacional
para conservação, difusão e estudo da Constituição, como existe nos EUA; i) exigir conhecimentos
da Constituição nos exames para empregos e cargos públicos bem como para a outorga da cidadania
argentina; j) modificar os currículos (grades) das faculdades de direito para incluir o ensino do Direito
Constitucional, Público Provincial e Municipal importantes no federalismo argentino.
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139 CORDERO, Luis; HERNÁNDEZ, Rubén; MORALES, Carla; ZOVATTO, Daniel. Cultura
de la Constitución en Costa Rica – una encuesta nacional de actitudes, percepciones y valores.
International IDEA, 2009. Disponível em: <www.idea.int/publications/catalogue/cultura-de-la-
constituci%C3%B3n-en-costa-rica-una-encuesta-naiconal-de-actitudes>. Acesso em: 23 dez. 2017.
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ser de otra manera. Las constituciones son cada vez más complicadas.
Las decisiones políticas conformadoras son dominio de los políticos; para
su ejecución están llamados tan sólo los técnicos constitucionales y espe-
cialistas. La masa de la población ha perdido su interés en constitución,
y ésta, por tanto, su valor afectivo para el Pueblo. Esto es un hecho in-
discutible y alarmante. Los documentos constitucionales, bien pensados
y articulados, fueron considerados en la época de su primera aparición
como la llave mágica para la ordenación feliz de una sociedad estatal. Hoy,
manipulada por los políticos profesionales, la constitución ha cesado de
ser una realidad viva para la masa de los destinatarios del poder”.
145 Cada vez mais, problemas de direitos humanos ou fundamentais e de controle e limitação do
poder tornam-se concomitantemente relevantes para mais de uma ordem jurídica, muitas vezes
não estatais, que são chamadas ou instadas a oferecer respostas para a sua solução. Isto implica
uma relação transversal entre ordens jurídicas em torno de problemas constitucionais comuns. É
preciso compreender que as sociedades atuais são complexas, plurais, diversas, e essa diversidade e
complexidade se projeta em seus ordenamentos jurídicos. Neste cenário é natural que a Constituição
seja incapaz de conter em suas normas toda a complexidade social e toda a dinâmica que o Estado deve
operar, em face da sociedade cada dia mais exigente e integrada na esfera internacional. Ademais,
em decorrência dessa profunda metamorfose experimentada pelo universo jurídico evidencia-se a
cada dia a interdependência entre os ordenamentos jurídicos nacionais e o direito internacional, em
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30 anos da Constituição
especial no campo dos direitos humanos, onde devido à crescente interação entre juízes nacionais e
internacionais, tornou-se possível a identificação não apenas de sistemas nacionais ou internacionais
de proteção, mas também de modelos multiníveis de tutela (de proteção), cujo êxito está condicionado
à articulação entre o direito constitucional e o direito internacional dos direitos humanos.
146 IBE. Unesco International Bureau of Education. Educación ciudadana en América Latina –
prioridades de los currículos escolares. Geneva, Switzerland, jun. 2014.
147 CARMONA VALENCIA, Salvador. Derecho, autonomia y educación superior. México: UNAM, 2003.
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148 PEDROZA DE LA LlAVE, Susana Thalía. Los derechos humanos en América Latina. In: (Coords.)
GONZÁLEZ PÉREZ, Luis Raúl; VALADÉS, Diego. El constitucionalismo contemporâneo –
hmenaje a Jorge Carpizo. México: UNAM, 2013.
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149 Seu artigo 7º afirma: “El Estado reconoce y protege la diversidad étnica y cultural de la Nación
colombiana”. O artigo 68, inciso 5º establece: “los integrantes de los grupos étnicos tienen derecho
a una formación que respete y desarrolle su identidad cultural”. Já o artigo 55: “se entende por
educación para grupos étnicos la que se oferece a grupos o comunidades que integran la nacionalidad
y que poseen una cultura, una lengua, unas tradiciones y unos fueros propios y autócnos”.
150 Artigos 205 a 214 tratam da educação; artigos 215 e 216, da cultura.
151 Do mesmo modo, verifica-se um amplo programa de ensino (educação e cultura) em direitos humanos.
BRASIL. Programa Nacional de Direitos Humanos. PNDH 3 no Brasil. Decreto n.7.037, de 21 de
dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/direito-para-todos/programas/
programa-nacional-de-direitos-humanos-pndh-3>. Acesso em: 23 dez. 2017.
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30 anos da Constituição
exercício do poder. A pobreza e a carência dos direitos mais básicos afetam essa
realidade e dificultam a formação de uma cidadania mais ativa e participativa.
Não resta a menor dúvida que a população jovem se constitui em um gru-
po chave para a transformação dessa realidade. Os desafios e obstáculos para
o desenvolvimento econômico, a consolidação de uma sociedade intercultural,
a aquisição de novas formas de vinculação próprias de uma sociedade global
estão presentes na maioria dos países de nossa região.
Em países em que temos um número enorme da população entre 15 e 29
anos em situação de pobreza (32%) e indigência (10%), todos são muito vulne-
ráveis. Esse contingente de pessoas, na maioria jovens não consegue estudar ou
trabalhar o que dizer participar da vida política e social de forma mais efetiva.
Nesse quadro desafiador é que devemos pensar de que maneira podemos
incrementar a educação para a cidadania. Enfim o desafio constante é fazer da
cidadania um exercício permanente, com inclusão e coesão social.
O cidadão, definido como membro da comunidade política organizada
tem uma larga tradição na cultura ocidental que remonta à Antiguidade. En-
tretanto, a cidadania concebida como um processo histórico de aquisição de
direitos é uma ideia mais recente (recorde-se da Declaração dos Direitos do
Homem e do cidadão de 1789 aprovada pela Assembleia Nacional Francesa),
em cujo texto se positivaram os direitos e obrigações da cidadania.
O sufrágio, que implica em direito político de eleger mediante o voto, é
um direito central desta cidadania que começa a construir-se somente no final
do século XVIII. A partir do Estado-Nação a formação política é concebida
e estruturada por meio do sufrágio, criando um sistema de direito. É a partir
dessas ideias chave, que os direitos cidadãos e a ideia de uma pertença (ou per-
tencimento) a uma Nação, se formula a noção tradicional de cidadania.
Hoje, quando se fala em cidadania pensamos em novos componentes
que modificam a ideia anterior. Esses novos componentes têm relação com a
transformação nas instituições e com a emergência de novos atores e de novos
espaços de atuação da cidadania.
A educação cidadã é vista como um processo contínuo que ultrapassa o espa-
ço de educação formal (escola) e a família, para também levar em conta os meios
de comunicação de massa (rádio, televisão, imprensa, meios da mídia social, etc).
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152 “Pensar la educación ciudadana em el México de hoy”, Perfiles Educativos, Volume XXXIV, 2012, ISUE-
UNAM. Vide também “Educación y Ciudadania en América Latina: Sugerencias para el Análisis y
Compreensíon”, de Víctor San Martín Ramírez, Revista de Educación, número extraordinário, 2003,
Chile, Universidad Católica del Maule; “Políticas Nacionales sobre Educación para Una Ciudadanía
Democrática en Las Américas” de Jo-Ann Amadeo y Adriana Cepeda, Departamento de Educación
y Cultura- OEA- 2008, Secretaria General de la Organización de los Estados Americanos.
126
30 anos da Constituição
IX) Conclusões
Já é possível fazer uma síntese das principais ideias, conceitos e problemas
apresentados neste artigo.
O desenvolvimento do constitucionalismo latino-americano foi afetado
por constantes e reiterados conflitos de ordem social e política, originados por
causas diversas, que se constituíram em fatores de instabilidade institucional e
democrática nos Estados da região.
Com o tempo reconhecemos nosso legado hispânico (espanhol e português) e,
portanto, também europeu, além do indígena presente em muitos países da região.
Há, ainda, alguns ingredientes orientais (oriundos da China e do Japão) como o
Brasil e o Peru, frutos da imigração desses povos na América Latina e, também dos
africanos, com forte influência no Brasil e em alguns países do Caribe.
É dizer, não havia uma sociedade homogênea na América Latina por oca-
sião da independência dos países latino-americanos de seus Estados centrais
colonizadores. O chamado “povo latino-americano” era constituído de diversas
raças, etnias e culturas. Em uma sociedade heterogênea não havia lugar para
um sistema constitucional homogêneo. O resultado foi a marginalização ou a ex-
ploração desses segmentos sociais durante séculos (como é o caso da escravidão
dos negros que somente foi abolida no Brasil em 1888).
Outro fator que contribuiu para gerar crises sociais e políticas na região ao
longo dos séculos foi a desigualdade e a não equitativa distribuição de renda (da
riqueza social) nos Estados latino-americanos.
Fala-se em grandes três ciclos de reformas na região. O primeiro deles
(1982-1988) é denominado de “constitucionalismo multicultural” e tem como
características a abertura das Constituições para a diversidade cultural e o re-
conhecimento de várias línguas oficiais.
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Referências
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A Dificuldade em Ser Contramajoritário: Três
Décadas de Jurisdição Constitucional Oscilante
Introdução
Em outubro de 2017, diversos juízes trabalhistas, advogados e membros do
Ministério Público do Trabalho reuniram-se em um seminário para discutir a po-
lêmica Reforma Trabalhista. Teses que apontavam aspectos ilegítimos da Reforma
contaram com considerável respaldo dos participantes, o que preocupou alguns se-
tores tendo em vista que tais juízes seriam os responsáveis pela aplicação da nova
lei. Como a existência do controle difuso-incidental torna cada membro do Poder
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30 anos da Constituição
Judiciário um juiz constitucional, esse episódio foi visto como uma potencial e inu-
sitada reação em cadeia contra a Reforma Trabalhista. Afinal, estava-se diante de
uma “desobediência judicial” à Reforma Trabalhista? Tal atitude não ofenderia os
pilares de uma democracia, subvertendo-a no tão temido “governo dos juízes”?
Essa situação nos remete ao conhecido debate em torno da adequação da
jurisdição constitucional com o regime democrático, o que, no limite, diz res-
peito à relação entre constitucionalismo e democracia. A teoria constitucional
o enfrenta há muito tempo e vem discutindo a chamada “dificuldade contrama-
joritária” do controle de constitucionalidade. No Brasil, em um cenário marca-
do por severas críticas a ativismos judiciais excessivos, sobretudo no âmbito do
STF, a atuação articulada dos magistrados trabalhistas parece ter elevado o tom
da juristocracia, suscitando questionamentos sobre a legitimidade democrática
do Poder Judiciário em interferir nas escolhas políticas do legislador democráti-
co. O presente texto cuida exatamente desta problemática, tendo como objetivo
lançar algumas reflexões sobre a trajetória da jurisdição constitucional brasi-
leira ao longo dos trinta anos de vigência da Constituição-Cidadã, com ênfase
para a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo é deslocar a dis-
cussão centrada na dificuldade contramajoritária, que insiste na ilegitimidade
da judicial review, para a dificuldade em ser contramajoritário, o que aponta para
obstáculos e limites institucionais da função jurisdicional.
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Sob tais circunstâncias, formava-se uma narrativa que apostava nas po-
tencialidades da jurisdição constitucional para a ampla realização dos direitos
fundamentais e das promessas constitucionais, inclusive para que houvesse uma
maior participação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas e go-
vernamentais (COMPARATO, 1998). Apesar do entusiasmo inicial e das ele-
vadas expectativas quanto à postura que deveria ser assumida pelos Tribunais,
especialmente o STF, o que se viu ao longo da década de 90 foi uma atitude de
comedimento e pouca disposição para assumir o papel de um ator político re-
levante. Em certa medida, esse comportamento esteve relacionado a uma forte
tradição formalista que marcou, e ainda marca, a formação dos juristas e, con-
sequentemente, o modo de agir do Poder Judiciário, mais habituado a enfrentar
conflitos de cunho liberal-individual a partir de uma argumentação jurídica
predominantemente lógico-formal (KRELL, 2002, p.72.). Com isso, tem-se uma
ordem constitucional nova e progressista diante de uma magistratura ainda
conservadora e que encontra enormes dificuldades em compreender os impac-
tos de uma constituição transformadora em suas rotinas decisórias.
Essa timidez pode ser observada através de três situações. Em primeiro
lugar, o STF incorporou o dogma do legislador negativo kelseniano, revelando
uma equivocada atitude de autocontenção. Isso acabou comprometendo por
muito tempo sua função no controle da inércia legislativa. De fato, quando pro-
vocado para decidir em sede de mandado de injunção e ação direta por omissão,
mesmo constatando a inércia legislativa, a Corte relutava em suprir a ausência
de norma já que não deveria agir como um legislador positivo (LEITE, 2014).
Essa jurisprudência vigorou por muito tempo e recebeu contundentes críticas
da doutrina, cujo sentimento de frustração pode ser exemplificado no artigo de
Luís Roberto Barroso com o sugestivo título “Mandado de injunção: o que foi
sem nunca ter sido: proposta de reformulação”. (BARROSO, 1997).
O segundo exemplo diz respeito à (má) compreensão das normas que asse-
guram direitos sociais, econômicos e culturais como normas programáticas, com-
preendidas como disposições de eficácia meramente indireta e mediata. Com isso,
por não terem densidade normativa suficiente, tais normas estariam sempre a
exigir uma intermediação legislativa para que, só então, os direitos nela previstos
fossem exercidos. Apenas posteriormente, o STF passou a dizer que a interpreta-
ção de normas programáticas não poderia “transformá-las em promessas consti-
tucionais inconsequentes” (RE 271286, rel. Min. Celso de Mello).
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Por outro lado, o Tribunal acenou para uma postura ativista no controle de
políticas públicas deficitárias quando reconheceu o chamado “estado de coisas
inconstitucional” em relação ao sistema carcerário brasileiro. Nesta situação,
constata-se uma violação massiva e sistêmica de direitos humanos, resultante
de graves falhas estruturais e omissões imputadas a várias esferas de governo
e a múltiplas instituições estatais (CAMPOS, 2016). Além disso, a população
carcerária também deve ser vista como grupo vulnerável na medida em que não
possui voz nem vez nas esferas representativas. A decisão, inspirada na jurispru-
dência da Corte Constitucional colombiana, precisa ser observada consideran-
do as capacidades institucionais de um Tribunal. Dificilmente, em casos que
envolvem uma evidente complexidade como este, uma Corte terá condições
de, sozinha, implementar transformações sociais mais robustas, o que sugere o
exercício de uma jurisdição constitucional que desencadeia diálogos institucio-
nais com outros atores, de sorte que o papel do Tribunal está mais próximo a de
uma instância de coordenação e moderação das ações a serem executadas pelos
atores envolvidos (LEITE, 2017). Do contrário, corre-se o risco de a decisão
expressar muito mais um caráter político-simbólico do que jurídico-normativo,
de modo que não terá a eficácia desejada.
Além de importantes intervenções em matéria de direitos fundamentais, o
STF igualmente foi responsável por decisões que tiveram impactos significativos
nas regras do jogo democrático, no processo eleitoral e no exercício de poder. A
primeira delas diz respeito à declaração de inconstitucionalidade de dispositivos
da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) que estabeleciam a chamada “cláu-
sula de barreira”, restringindo o direito ao funcionamento parlamentar, o acesso
ao horário gratuito de rádio e televisão e a distribuição dos recursos do Fundo
Partidário (ADIs ns. 1351 e 1354). Como tese central, prevaleceu, por unanimi-
dade, o argumento de que tal cláusula prejudicaria os partidos pequenos, o que
representaria uma violação ao direito das minorias políticas. A posição da Corte
acabou sendo alvo de severas críticas por ter estimulado a criação de novos par-
tidos em um sistema que já beira à exaustão, além de ter invalidado uma opção
legítima do legislador democrático. Em 2017, o Congresso Nacional, em meio às
discussões sobre reforma política, aprovou a EC n. 97, que estabeleceu um novo
modelo de cláusula de desempenho eleitoral a ser adotado a partir das eleições do
ano seguinte, de modo que as legendas terão que alcançar um número mínimo
de votos pare terem acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e televisão.
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decisão de um dos seus integrantes e, de outro, era crucial manter a própria in-
tegridade e autoridade do Tribunal. Ao se reunir em colegiado, a Corte adotou
solução intermediária, determinando a exclusão do Senador da linha sucessó-
ria da Presidência da República, embora tenha autorizado sua permanência na
função parlamentar (ADPF n. 402). Tal episódio provocou danos ao Tribunal,
na medida em que foi vista pela opinião pública como um acordo político para
preservar Renan Calheiros, evitando um supremo constrangimento decorrente
do descumprimento de suas próprias decisões (RECONDO, 2017, p.32).
Outra decisão relevante diz respeito à possibilidade de aplicação de medi-
das cautelas diversas da prisão a parlamentares no curso do mandato (AgR no
Terceiro AgR na AC n. 4327). O assunto foi discutido no caso envolvendo o
Senador Aécio Neves. O Tribunal concluiu que o Estatuto dos Congressistas ape-
nas restringe as possibilidades de prisão contra parlamentares, não impedindo
a decretação de outras medidas cautelares. No entanto, a decisão sofreu forte
resistência no meio político, ensaiando-se um constrangendor descumprimento
da ordem judicial. Na sequência, o Tribunal, em difícil decisão (6x5), entendeu
que, mesmo adotando medidas cautelares contra parlamentares, sua decisão de-
veria ser submetida à apreciação da Casa Legislativa respectiva (ADI n. 4070).
Procedendo dessa maneira, o Senado Federal revogou as medidas cautelares
impostas contra o Senador Aécio Neves.
De uma maneira geral, pode-se afirmar que a atuação do Tribunal em ma-
téria de proteção de direitos fundamentais, especialmente de minorias, tem-se
modificado significativamente. Um dos parâmetros de legitimação das Cortes é
justamente sua atuação orientada à garantia de direitos, evitando as “ditaduras
das maiorias”. Neste particular, avulta a função contramajoritária da jurisdição
constitucional. Curiosamente, o tradicional argumento da ilegitimidade demo-
crática dos Tribunais Constitucionais para se contrapor às maiorias eleitas ou
ao clamor social pode receber outra leitura. A circunstância de juízes não serem
eleitos e de poderem proferir decisões impopulares possuindo a segurança da
permanência em seus cargos faz com que Bickel (1962, p.21), referindo-se à Su-
prema Corte americana, afirme que esta é uma instituição diferente no regime
democrático. Nisso ele está certo. Porém, ser diferente não é uma maldição que
recai sobre Cortes Constitucionais em geral. O Estado Constitucional reflete
a delicada combinação entre instituições representativas e majoritárias, res-
ponsáveis por decisões políticas de largo alcance, e respeito aos direitos funda-
mentais, enquanto trunfos contra essas mesmas maiorias, cabendo à jurisdição
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153 Em seguida, o STF enfrentaria situação semelhante quando da nomeação de Moreira Franco, investigado
na Operação Lava Jato, para o cargo de Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República do
governo Michel Temer. A Corte, no entanto, não vislumbrou qualquer desvio de finalidade na nomeação.
154 “Moro pede desculpas ao Supremo por divulgação de áudios de Lula e nega motivação política”. In: O
Estadão, 29 de março de 2016.
152
30 anos da Constituição
atual governo tem encampado uma política de austeridade para justificar medidas
que podem comprometer direitos sociais e grupos vulneráveis. Nesse contexto,
destacam-se três medidas. A primeira delas consiste na Emenda Constitucional
n. 95/2016, que fixou um congelamento de gastos públicos pelos próximos vintes
anos, atingindo setores sociais como os serviços públicos de saúde e ações no
campo da educação. A segunda se refere à proposta de Reforma da Previdência,
que eleva os requisitos de aposentadoria, diminui a proteção estatal e impulsiona
a procura por previdência complementar privada. A terceira diz respeito à já em
vigor Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017), que tem diminuído a proteção
dos trabalhadores nas relações de emprego, além de ter promovido uma diminui-
ção no papel da Justiça do Trabalho na tutela de direitos trabalhistas.
Tais medidas exigirão do STF uma detida análise, já que tocam o próprio
modelo dirigente da CF/88. Parece-nos que o argumento de crise financeira não
deve ser fator para legitimar retrocessos sociais em áreas que ainda não atingi-
ram sequer patamares minimamente razoáveis de proteção adequada. De fato,
o próprio Tribunal tem proferido decisões incoerentes quando são vislumbradas
consequências econômicas de seus julgados, provendo uma curiosa seletividade
e inversão de prioridades155. Ao legitimar tais medidas, o STF estaria a endossar
um modelo de “constituição dirigente invertida” (BERCOVICI; MASSONETO,
2006), isto é, há um novo programa governamental, mas em sentido oposto às
diretrizes preconizadas inicialmente pelo constituinte. Nesse sentido, promove-
-se uma blindagem da “constituição financeira” em detrimento da “constituição
social”, que teria que se manter com “sobras orçamentárias”. Ao nosso ver, cuida-
-se da situação descrita por Richard Albert ao analisar o fenômeno do “desmem-
bramento constitucional”: em vez de se aprovar uma simples alteração constitu-
cional, está-se diante de um deliberado esforço em repudiar as as características
principais da constituição e destruir seus valores fundantes. Assim, atinge-se a
estrutura básica da constituição ao mesmo tempo em que se ergue um novo mo-
155 Em fevereiro de 2018, a Presidente da Corte, Min. Carmén Lúcia, suspendeu a nomeação de professores
aprovados em concursos público no Estado do Rio de Janeiro, alegando a crise financeira vivenciada nesta
unidade federativa (https://www.conjur.com.br/2018-fev-15/citando-crise-rj-carmen-suspende-nomeacao-
900-professores). No entanto, a mesma magistrada relevou as dificuldades financeiras deste Estado ao apoiar
o pagamento de adicional aos juízes cariocas pela realização de audiências de custódia, como se a condução
de uma audiência fosse atividade extraordinária da Magistratura. (https://www.conjur.com.br/2018-mar-06/
cnj-valida-adicional-audiencias-custodia-juizes-rio). Tal posição não surpreende se considerarmos que a Corte
não se constrangeu diante de liminar proferida pelo Min. Luiz Fux desde 2014 determinando o pagamento do
esdrúxulo auxílio-moradia aos magistrados, custando milhões aos cofres públicos.
153
30 anos da Constituição
delo apoiado em valores diferentes da anterior. (ALBERT, 2018, p.02). Com isso,
o modelo de constitição compromissária com forte dimensão social passa por um
gradual e rápido processo de erosão que atinge suas bases de sustentação.
154
30 anos da Constituição
nal infalibilidade das leis para a infalibilidade judicial. Seria a troca de uma ilusão
por outra. Em um breve olhar na prática judicial brasileira, percebe-se que há
várias disfunções que precisam ser corrigidas e que arranham a legitimidade dos
juízes. Podemos ilustrar com alguns exemplos: voluntarismos judiciais, distorções
semânticas da linguagem jurídica, desconsideração da doutrina, instabilidade da
jurisprudência, politização da Justiça, atuações ativistas quando o adequado seria
prudência, omissões quando o necessário seria o protagonismo e, não menos im-
portante, os traços oligárquicos que ainda fortemente marcam o Poder Judiciário.
O novo arranjo institucional não deve significar uma ilegitimidade a priori
das instâncias representativas, abrindo o perigoso caminho da demonização da
política, nem uma romantizada concepção do Poder Judiciário. Desse modo,
faz-se necessário estabelecer parâmetros que, razoavelmente, demarquem até
onde é legítima intervenção judicial, sem comprometer o espaço, também le-
gítimo, da política. Disso decorre um desejável equilíbrio nas relações institu-
cionais, mas que não é fácil de alcançar e depende de inúmeras variáveis. Os
desajustes desta complexa relação Parlamento-Judiciário podem, como parece
ser o caso brasileiro atual, onde a tradição democrática é débil, fomentar atores
que se apresentam como salvadores das relações institucionais mediante o uso
de discursos de força, sejam eles civis ou militares.
7. Referências
ANDRADE, Arthur Albuquerque de. O Diálogo entre Cortes no STF sobre Direitos
Humanos: um diagnóstico para a crítica decolonial. Dissertação de Mestrado Direito.
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, 2018.
155
30 anos da Constituição
. “Mandado de injunção: o que foi sem nunca ter sido: uma proposta e reformu-
lação”. In: Estudos em homenagem ao Prof. Caio Tácito. Rio de Janeiro: Renovar,
1997. pp. 429-436.
BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the
Bar of Politics. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1962.
CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. “Diálogos entre Cortes e os direitos da pessoa hu-
mana: ordens jurídicas e a função da jurisprudência como elemento comunicador.
In: LEITE, George Salomão; LEITE, Glauco Salomão; STRECK, Lenio Luiz. Juris-
dição Constitucional e liberdades públicas. Belo Horizonte: Fórun, 2017, pp.379-392.
156
30 anos da Constituição
HIRSCHL, Ran. Towards juristocracy: the origins and consequences of the new
constitutionalism. Harvard University Press, 2004.
157
30 anos da Constituição
TSEBELIS, George. Jugadores com veto: cómo funcionan las instituciones polí-
ticas. México: FCE, 2006.
158
Parte II
Os Direitos em Perspectiva
Democracia Direta na Constituição de
1988: entre as intenções e a experiência
do Estatuto do Desarmamento
I. Considerações Iniciais
A Constituição brasileira de 1988 ao adotar a democracia como um se
seus valores propiciou o desenvolvimento de vários instrumentos de participa-
ção popular, todavia ainda há um distanciamento entre a participação formal e
a substancial, em virtude de uma série de situações que obstaculizam a partici-
pação consciente e voluntária dos cidadãos.
Identifica-se que a participação não tem sido parte de um projeto de cons-
cientização e emancipação popular, sendo comum a sua ocorrência de forma
inconsciente ou decorrente do uso de estratégias que fazem parte dos jogos de
poder, demandando a adoção de políticas publicas que objetivem a educação
emancipadora dos integrantes da sociedade.
Partindo-se do cenário atual de fragilidade da democracia brasileira, o
presente trabalho tem por objetivo discutir as ferramentas de autonomia indi-
vidual e ocupação de espaços sociais com base nas teorias de Adorno e Freire,
utilizando-se como estudo de caso, o referendo do desarmamento de 2005.
161
30 anos da Constituição
trinários cujas respostas são sim (1), um pouco (0,5) e não (0), classificando os
Estados em democracias completas, democracias falhas (ou incompletas), regi-
mes híbridos e regimes autoritários, sendo que os itens avaliados vão do número
de mulheres eleitas até o interesse de adultos em noticiários políticos.
Os indicadores do Democracy Index são agrupados em cinco categorias:
processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis, funcionamento do governo,
participação política e cultura política. Por mais que o elemento subjetivo (prin-
cipalmente relacionado à autopercepção popular) esteja em todas estas catego-
rias, a cultura política tem seus indicadores fundamentados em consensos e per-
cepções populares158. Nesse ponto, o relatório acerca da América Latina é claro:
Latin America’s average score is only slightly ahead of the global average for
functioning of government as well as for political participation, reflecting the
region’s issues with corruption, organised crime (with the already high murder
rate related to drug trafficking rising throughout the region in 2017), and
low levels of political engagement. The region falls below the global average
for political culture, reflecting relatively low levels of popular confidence in
democracy. (The Economist, 2018, p. 23)159
158 São oito os indicadores de cultura popular utilizados no Democracy Index 2017 (The Economist, 2017):
(a) se existe um grau suficiente de consenso e coesão social para sustentar um governo democrático; (b)
percepções de liderança, a proporção da população que deseja um líder forte que ignora o parlamento
e eleições; (c) percepções de um governo militar, a proporção da população que preferiria um regime
militar; (d) percepções de governo por especialistas, ou governo tecnocrático, proporção da população
que preferiria ser governada por especialistas ou tecnocratas; (e) percepções da democracia e ordem
pública, a proporção da população que acredita que as democracias não são boas em manter a ordem
pública; (f) percepção da democracia e sistema econômico, a proporção da população que acredita
que a democracia beneficia o desempenho econômico; (g) nível do suporte popular à democracia; (h)
se há uma tradição forte de separação entre Estado e Religião.
159 Tradução livre: “O escore médio da América Latina está apenas um pouco acima da média global tanto
em funcionamento do governo como em participação política, refletindo os problemas da região com
corrupção, crime organizado (com as já altas taxas de assassinatos relacionados ao tráfico de drogas
crescendo na região durante 2017), e baixos níveis de engajamento político. A região está abaixo da
média global em cultura política, refletindo o baixo nível de confiança popular na democracia.”
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30 anos da Constituição
160 Tradução livre: “É uma democracia diabética que não assusta, com um lento e paulatino declive em
vários indicadores, distintos por país e o momento, que não permite ignorá-los como fenônemo social.
Sem embargo, quando vistos em conjunto, esses indicadores revelam a deterioração sistemática e
crescente das democracias na região. Não se observam indicadores de consolidação, mas, na verdade,
indicadores de desconstrução.”
161 Tradução livre: “um a cada quatro latino-americanos é indiferente ao tipo de regime. O desencanto
com a política está tendo consequências para a democracia”.
162 Tradução livre: “parece razoável assumir que aqueles que estão insatisfeitos com a política e desconfiam
das instituições estão mais próximos de preferir qualquer alternativa à democracia representativa.”
163
30 anos da Constituição
Como afirma Freire (2011, p.10), “formar é muito mais do que puramente trei-
nar o educando no desempenho de destrezas” (grifos do autor), na mesma linha do
conceito de formação apresentado por Bittar, e assim também o deve ser entendido
no âmbito da participação política, de formação (e não treinamento) de cidadãos.
Maar (apud Adorno, 2010, p. 10) afirma: “A educação não é necessariamente
um fator de emancipação. Numa época em que educação, ciência e tecnologia se
apresentam — agora ‘globalmente’, conforme a moda em voga — como passaportes
para um mundo ‘moderno’ conforme os ideais de humanização”. Não se trata, no
educar, de apenas inserir novas metodologias ou tecnologias em sala de aula, mas
de se questionar como as relações sociais que envolvem todos os aspectos da vida
do cidadão são de um caráter formador ou de treinamento.
O cidadão que é simplesmente treinado a participar, indo votar perio-
dicamente, a escolher um candidato que lhe seja pessoalmente favorável ou
que tenha um ideal valorizado socialmente não é necessariamente um cidadão
politicamente formado, e possivelmente não terá a capacidade de identificar e
se solidarizar com as reivindicações de outros atores sociais que alterem o seu
cotidiano ou lhe tragam algum tipo de empecilho.
Para Freire (1979, p. 11):
[...] de acordo com a pedagogia da liberdade, preparar para a democracia
não pode significar somente converter o analfabeto em eleitor, condicio-
nando-o às alternativas de um esquema de poder já existente. Uma educa-
ção deve preparar, ao mesmo tempo, para um juízo crítico das alternativas
propostas pela elite, e dar a possibilidade de escolher o próprio caminho.
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163 Tradução livre: “Amigos, família, vizinhos e colegas tem um incentivo para agir de uma maneira
confiável, portanto eles agem para proteger nossos interesses, para preservar relacionamentos.
Quando se fala em um círculo social mais amplo e instituições governamentais, porém, não pode
se assumir que há normas comuns e laços sociais que provocam confiança. Nesse contexto, Hardin
teoriza que nós temos que contar com normas procedimentais e leis para proteger nossos interesses.
Entender como funcionam as instituições e quais os procedimentos aplicáveis para proteger nossos
interesses faz crescer o número de demandas por informação e, portanto, as habilidades advindas de
uma educação formal e experiência de vida. Quanto mais transparentes as barreiras e regulações,
mais fácil é para endender – e portanto confiar – no funcionamento das instituições.”
165
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adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não
ser apenas objeto, mas sujeito também da história.
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O problema é que, conforme apontam Coffé & Michels (2014, p. 02), “ci-
tizens are unhappy with the processes characteristic of representative democracy,
including debating, compromising, and slowness, and would prefer not to knowall
the details about the decisionmaking process.”165. Simplesmente criar e formatar
novos espaços de participação não resolve a crise de representatividade atual
porque não se trata apenas da ausência de possibilidade da agência: mas da falta
de vontade. O problema não se concentra, portanto, apenas na esfera objetiva
(criação de normas), mas também na subjetiva (da noção do indivíduo de seu
papel como cidadão nos processos democráticos).
Assim sendo, os cidadãos não querem participar ativamente da constru-
ção política, preferindo o que a autora chama de stealth arrangement, um arranjo
silencioso, por trás dos panos e, que em momentos específicos, o processo de
tomada de decisão seja feito de maneira transparente: ou seja, menos debate e
mais eficiência. Sendo assim, os MDDs tornam-se objeto de um dualismo, en-
164 Tradução livre: “Nas décadas recentes, muitos países ocidentais construíram experiências com várias
formas de democracia direta com objetivo de complementar as já existentes formas de democracia
representativa. Essas formas incluem vários mecanismos eleitorais e não eleitorais de envolvimento
do cidadão no processo político, como referendos nacionais e locais (tanto vinculantes quanto
consultivos), a eleição direta de funcionários locais e o uso de diferentes formas de governança
colaborativa ou assembleias de cidadãos.”
165 Tradução livre: “cidadãos estão infelizes com os processos característicos da democracia representativa,
incluindo debater, comprometer-se e a sua própria lentidão, então preferem não conhecer todos os
detalhes do processo de tomada de decisões.”
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166 Tradução livre: “Há alguns exemplos de sucesso na prática da democracia direta em democracias
estáveis, mas também muitos exemplos de usos manipuladores de referendos por líderes autoritários.
Os cálculos políticos por trás dos referendos iniciados por governos democráticos geralmente são muito
óbvios para escapar da sensação de cinismo em relação à instituição. Além disso, o referendo representa
uma forma de democracia majoritária que pode significar uma ameaça às minorias. Por outro lado, o
referendo é visto como uma excelente maneira de incentivar a participação e deliberação dos cidadãos
em assuntos públicos, e o aumento da participação popular através de referendos e outros mecanismos
de democracia direta é visto como um passo para a maior democratização das sociedades.”
167 Em sua obra Referendums and democratic government: normative theory and the analysis of institutions,
Setälä utiliza o vocábulo referendum (referendo) para todas instituições nas quais os cidadãos votam
sobre questões políticas, independente da motivação e das diferenças de procedimento entre eles.
168 Tradução livre: “todos procedimentos de escolha popular que satisfaçam um mínimo critério de
justiça é potencialmente ditatorial”.
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30 anos da Constituição
Tal compreensão, porém, não deve provocar a visão de que tais mecanismos
sejam nocivos per si, pelo contrário: sua adoção por critérios sólidos e balizas defi-
nidas previamente pode ser positiva para uma democratização do poder e um me-
canismo de incentivo à criação de uma cultura política, influenciando direta (por
meio das decisões tomadas pela sua aplicação) e indiretamente (em plataformas
de discussão abertas, bem como no interesse popular por questões políticas e suas
consequências) na formação política de uma população até então apolitizada.
169 Tradução livre: “A democracia não precisa ser percebida limitadamente em termos de certos métodos
de tomada de dcisão, mas em termos dos valores esternos que os processos de tomada de decisão
deveriam promover (…) O valor da democracia está em sua consequência: um governo limitado, que,
em certa extensão, atua de acordo com a vontade popular. Na teoria da participação democrática, por
outro lado, a participação no processo democrático é vista como um valor em si mesma.
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170 Na ADIn 4451 a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), dentre outros
pontos, questionou o cerceamento à liberdade de expressão, já que o inciso II do art. 45 iria, segundo
entendimento, contra o art. 220 da Constituição Federal, impedindo manifestações de humor nas
rádios e TVs durante os meses pré-eleitorais. Tal entendimento prosperou, sendo considerado em 2010
inconstitucional o inciso.
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Porém Fuks & Paiva (2006, p. 23), mostram que apesar de terem disputas que
foram permeadas de tergiversações, a consulta popular realizada teve seus méritos
ao não se fundamentar nas pessoas envolvidas, e sim nos argumentos: “O embate
televisivo […] gerou um ambiente de debate, no qual o eleitor esteve exposto às
visões alternativas sobre o tema da proibição do comércio de armas e munições no
Brasil”, embora seja primordial considerar o nível da argumentação utilizada e o
conteúdo que foi repassado aos cidadãos para que discutissem esse tema e formas-
sem suas próprias opiniões. Há, portanto, potencial, embora a forma de realização
precise ser refinada para atender às premissas desenvolvidas por Dahl.
É preciso notar três premissas importantes: (a) os atores políticos das cam-
panhas eram os próprios parlamentares, que participam das campanhas eleito-
rais convencionais; (b) a lógica de campanha das frentes seguia a mesma regra
das campanhas eleitorais (e tinha como destino os mesmos atores políticos); e
(c) as ‘regras do jogo’ eram as mesmas das campanhas eleitorais.
Com as três premissas em vista, seria inesperado que a consulta popu-
lar sobre o Estatuto do Desarmamento tivesse um resultado distinto sobre a
percepção popular do que o processo eleitoral bienal. É possível modificar o
paradigma político e incentivar a participação popular, e os Mecanismos de
Democracia Direta são uma das possibilidades de realizá-lo. Porém, é necessário
realizar mudanças pontuais na execução destes mecanismos, para que eles não
sejam reféns da forma atual de se fazer política.
Considerações finais
O diagnóstico acerca da democracia brasileira é antigo. Os problemas enfren-
tados pela população para poder construir e expressar suas vontades não são tão
recentes quanto a Constituição de 1988. A redemocratização, bem como a promul-
gação da Constituição conhecida pelo seu caráter social, deram um novo fôlego aos
ímpetos populares, porém, não suficientes para desmantelar uma rede de poder que
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30 anos da Constituição
é mais antiga que o próprio Brasil171, e que encontrou respaldo em técnicas populis-
tas de manutenção do poder. Reaproximar a população do cotidiano democrático,
não apenas ocupando espaços institucionais, mas também criando novas estruturas
é um processo longo e que independe de apenas pura legislação.
Essa reaproximação não pode ser um movimento que parta do Estado em
direção à sociedade, mas deve partir de ambos, um em direção ao outro. Para
isso, é necessário que se trabalhe uma educação formativa, conscientizadora
e autonomizadora, capacitando a população para reconhecer e lutar por seus
direitos, bem como para influenciar os seus representantes cotidianamente.
Dessa forma, impor e realizar consultas populares ou mesmo ativar outros
mecanismos de democracia direta enquanto se mantém a mesma lógica responsável
por manter o afastamento da população dos centros de decisão, distanciará ainda
mais a população dos seus representantes escolhidos. A aceitação dos stealth arran-
gements como algo natural do poder torna a democracia cada vez mais descartável.
É necessário realizar experiências, pois existem vários MDDs utilizados
de diferentes formas ao redor do mundo, com resultados de curto e longo prazo
que podem ser comparados com a realidade brasileira e aprimorados para que
se revertam em instrumento de democracia substancial.
Referências
171 Sobre o tema, cf. FAORO, Raymondo. Os donos do poder: a formação do patronato político
brasileiro. São Paulo: Biblioteca Azul, 2012.
179
30 anos da Constituição
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COFFÉ, Hilde & MICHELS, Ank. Education and support for representative, di-
rect and stealth democracy. Electoral Studies, Londres, v. 35, nº 1, p. 1-11, 2014.
DAHL, Robert A. Who governs? New Haven: Yale University Press, 1961.
ESTEVES, Eulícia. O Brasil diz sim às armas de fogo: uma análise sobre o
referendo do desarmamento. 2007. 93p. Dissertação (Mestrado em História).
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil,
Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2007.
FUCKS, Mário & PAIVA, Daniela. Persuasão e deliberação sobre políticas pú-
blicas – a propaganda política no “referendo das armas”. In: INÁCIO, Magna,
NOVAIS, Raquel e ANASTASIA, Fátima (orgs.). Democracia e referendo no
Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
180
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KARP, Jeffrey A; NAI, Alessandro & NORRIS, Pippa. Dial ‘f’ for fraud: explaining
citizens suspicions about elections. Electoral Studies, Londres, v. 53, nº1, p 11-19, 2018.
181
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SPITZ, Clarisse. Marketing foi “arma” para vitória do “não”. Folha de São Pau-
lo (online). São Paulo, 23 de outubro de 2005. Disponível em <https://www1.
folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u114445.shtml>. Acesso em 15 jun 2018.
TEIXEIRA, João L V. Governo gastou mais com referendo do que com segu-
rança pública. Consultor Jurídico (online). Brasília, 31 de outubro de 2005.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2005-out-31/governo_gastou_refe-
rendo_seguranca>. Acesso em 15 jun 2018.
The Economist. Democracy Index 2017: Free speech under attack, a report by
The Economist Intelligence Unit. Londres: The Economist, 2018. Disponível em
<http://pages.eiu.com/rs/753-RIQ-438/images/Democracy_Index_2017.pdf>.
Acesso em 01 mai 2018.
182
A Questão Constitucional em Face da
Institucionalização da (In)Segurança
- Novos Modelos Econômicos e
os Direitos Fundamentais
Dhyelson Almeida
Especialista em Direito Penal e Direito Pro-
cessual Penal pela PUC/SP
Mestrando em História Econômica pela USP
Advogado Criminal
183
30 anos da Constituição
173 ALEXY, Robert. Problemas de la teoria del discurso. Atas do “Congreso Internacional de Filosofia”,
Córdoba: Universidade de Córdoba, 1988, pp. 59/70.
174 Artigos 1o. e 3o., da Constituição da República Federativa do Brasil.
184
30 anos da Constituição
185
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186 CAMARGO, Antonio Luis Chaves. “Direitos Humanos e Direito Penal: limites da intervenção
estatal no Estado Democrático de Direito”. In: Estudos Criminais em Homenagem a Evandro
Lins e Silva (criminalista do século), São Paulo: Editora Método, 2001, p. 74.
187 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O Princípio Constitucional..., p.50
188 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, São
Paulo: Editora Saraiva, 2.002, p. 48 e ss.
189 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, t. IV, 2a. edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 89.
190 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Poder Constituinte, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
191 CAMARGO, Antonio Luis Chaves. “Direitos Humanos e Direito Penal: limites da intervenção
estatal no Estado Democrático de Direito”..., p. 74.
186
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192 LARENZ, Karl. Derecho Civil parte general, tradução Miguel Izquierdo y Macías-Picave, Madrid:
Ed. Edersa, 1978, p. 44/46.
193 BARRETO, Vicente. “Interpretação Constitucional e Estado Democrático de Direito”..., p. 14 e ss.
194 North, Douglass C. Structure and Change in Economic History. Norton, 1981.
187
30 anos da Constituição
tuições, vez que não garantem a estabilidade necessária para reduzir a graus de
incerteza e os custos de transação inerentes a dinâmicas sociais e econômicas.
Todavia Douglass North não ignora que existem fatores de alteração de
tais “regras”. A principal fonte (fatores) das mudanças reside no campo político-
-econômico, onde ocorrem as oscilações nos Preços Relativos195 que, como a
própria terminologia diz, é o quanto vale uma mercadoria em relação à outra.
Segundo esta lógica, os Preços Relativos alterariam os incentivos dos
agentes econômicos no processo de interação e, em especial, alterariam as pre-
ferências dos indivíduos196.
Agora, passemos então a melhor analisar essa harmonização e suas dinâmicas.
Para se determinar a eficácia e licitude de eventuais medidas e, principal-
mente, sua possibilidade de resultado, há de prezar pela adequada harmoniza-
ção entre as disposições legais e constitucionais, as dinâmicas contratuais e de
mercado, os bens jurídicos constitucionalmente previstos e a adequada instru-
mentalização de imputações e exigibilidade de responsabilidades sobre todos os
agentes envolvidos, nesse contexto de oscilação de valores e regras.
Tomando-se por referência o conceito de instituição como sendo um agre-
gado de regras dentro de um modelo dinâmico de relações e comportamen-
tos em uma seara político-econômica e social, Douglass North e Robert Paul
Thomas conseguiram desenvolver um modelo institucional capaz de atingir o
crescimento de longo prazo, mantendo certo grau de sustentabilidade por igual
período ou mais, refletindo assim na manutenção da funcionalidade em diver-
sas outras áreas não relacionadas diretamente com o setor público e econômico,
mas que exercem valor ímpar na manutenção de todo o cenário civilizatório197.
195 Preços Relativos é uma expressão cunhada para descrever a dinâmica dos preços de um bem em
relação aos demais, do que os preços absolutos (isolados) das mercadorias.
196 North, Douglass C. Institutions. 1991.
197 North, Douglass C.; Robert Paul Thomas. The Rise of the Western World: A New Economic History.
New York. Cambridge University Press, 1973. As propostas de Douglass North e Robert Paul Thomas
tem sido destaque nos projetos de administração pública e econômica do Ocidente, exemplificadas
principalmente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Segundo os autores, o processo histórico do
surgimento do capitalismo no mundo ocidental é o escopo de seu trabalho em The Rise of the Western
World: A New Economic History. Sua obra, em suma, procura mostrar como a Holanda e a Inglaterra
foram capazes de superar com sucesso as dificuldades impostas pela transição do modelo político-
econômico feudal de produção e alocação de riquezas para o capitalismo, em sua forma mais crua.
188
30 anos da Constituição
Em tempo, mister se faz a ressalva de que a obra de Douglass North foi sofrendo modificações
ao longo do tempo, e que isso afetou a direção das conclusões tomadas por ele após os primeiros
anos das suas publicações. Especificamente na sua obra The Rise of the Western World, escrita em
conjunto com Robert Paul Thomas, os autores concluíram que a mudança nos preços relativos daria
origem a instituições eficientes, outrossim, em suas obras posteriores, North abandona o princípio da
racionalidade estrita e seus trabalhos passam a seguir outro caminho.
Apenas a título de exemplo, em 1981, Douglass North passa a considerar que a trajetória de
desenvolvimento econômico das nações depende mais da forma como os direitos de propriedade
são definidos por força de lei, aplicados e mantidos pelas instituições públicas e agentes econômicos,
tomando como exemplos casos de direitos mal ou insuficientemente definidos ao longo da trajetória
histórica, e que prevaleceram por longos períodos. A evolução do seu pensamento a respeito do papel
das instituições e do Estado alcançou seu ápice em sua terceira fase, na sua obra de 1990 Institutions,
Institutional Change and Economic Performance, quando ele se afastou da noção de Estado construída
em seu livro anterior, Structure and Change in Economic History (segunda fase em 1981). Já nos anos
90, há uma preocupação evidente no aprofundamento da inter-relação entre o político e o econômico,
anteriormente reduzida a simples relação entre o governante em busca de receita fiscal e a sociedade
que demanda a definição de direitos, seu adequado cumprimento, e a oferta de bens públicos.
189
30 anos da Constituição
198 ALEXY, Robert. Sistema Jurídico, princípios jurídicos y razón práctica, Buenos Aires: Doxa, 1988, p. 143 e ss.
199 SILVA, Marco Antonio Marques. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, São
Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 5 e ss.
190
30 anos da Constituição
200 FIGUEIREDO. Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 7ª Edição. Ed. Forense, Rio de
Janeiro/RJ, 2014. Fls. 58.
201 PETERMANN, Rolf. Conceito jurídico de constituição econômica. Dissertação de mestrado,
Biblioteca de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo: Editoração do autor, 1990.
202 Artigos 170 a 192, da Constituição da República Federativa do Brasil.
191
30 anos da Constituição
192
30 anos da Constituição
204 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7ª edição, tradução de J. Baptista Machado,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p.46 e ss.
205 A doutrina jurídica, em geral, praticamente de forma unânime, atribui a Paul Johann Anselm
Feuerbach a limitação do Direito Penal à proteção de direitos ou interesses subjetivos, afetos a
determinado sujeito. Neste sentido, dentre inúmeros outros: HASSEMER, Winfried. Fundamentos...;
ROXIN, Claus. Problemas..., p. 27 e ss.; MIR PUIG, Santiago, El Derecho Penal...; SILVA SÁNCHEZ,
Jesús-María, Aproximación...; PRADO, Luiz Régis, Bem-Jurídico Penal..., p. 28 e ss.
206 BINDING, Carlo. Compendio de diritto penale – parte generale, tradução de Adelmo Borettini,
Roma: Atheneum, 1927, p. 197 e ss.
207 Liszt, Franz von. Tratado de Direito Penal allemão. Tradução e comentários de José Hygino Duarte
Pereira, Rio de Janeiro: F. Briguiet & C., 1899, tomo I, p. 94 e ss.
208 BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Introducción..., p.25
209 BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Op. cit., p. 26, nota 108.
210 R. Honig e a Escola de Marburgo, representada por E. Schwinge e L. Zimmerl, via no bem jurídico
e seu conceito um princípio motriz para toda interpretação e constituição de conceitos, dentro do
Direito Penal. Uma dialética de conceitos pré-estabelecidos, segundo uma ordem normativa orientada
pelos bens jurídicos eleitos. Vide: BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Op. cit., p. 25/26 e nota 107.
211 WELZEL, Hanz. Derecho Penal alemán. 11ª edição, tradução de Juan Bustos Ramirez y S. Yáñez,
Santiago: Editora Jurídica de Chile, 1976, p. 15 e ss.
212 BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Op. cit., p. 26.
213 Ibid., mesma página.
193
30 anos da Constituição
214 JAKOBS, Günther. Derecho Penal- Parte general; fundamentos y teoria de la imputación. Tradução
Joaquim Cuello Contreras, José Luis Serrano Gonzalez de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1997, p.
44 e ss; Fundamentos del Derecho Penal. Tradução de Manuel Cancio Meliá e Enrique Peñaranda
Ramos (Universidad Autónoma de Madrid), Buenos Aires: Ad-Hoc S.R.L., 1996, p. 179 e ss.
215 BUSTOS RAMÍREZ, Juan. Introducción..., p. 28.
216 ROXIN, Claus. Problemas..., p. 27 e 28.
217 PRADO, Luiz Régis. Bem Jurídico-Penal..., pp. 49 e 50.
218 MIR PUIG, Santiago. El Derecho Penal..., p. 161.
194
30 anos da Constituição
195
30 anos da Constituição
226 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos – Conceito e legitimação para agir. 5ª edição,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.000, p. 74 e ss..
227 GRINOVER, Ada Pellegrini. A problemática dos interesses difusos. A tutela dos interesses difusos.
São Paulo: Editora Max Limonad Ltda., 1984, p. 30.
228 PRADE, Péricles. Conceito..., p. 41.
196
30 anos da Constituição
197
30 anos da Constituição
232 SUSSEKIND, ARNALDO L., Direito Constitucional do Trabalho, Editora Renovar, 2ª edição, 2001.
233 O artigo 123 da Constituição Federal do México estabelece direitos sociais dos trabalhadores.
198
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203
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204
30 anos da Constituição
Bibliografia
AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito, poder e opressão. 3.ed. Ci-
ência do direito. Biblioteca alfa-omega de ciências sociais, v.1. São Paulo: Alfa-
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FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Poder Constituinte, São Paulo: Editora Re-
vista dos Tribunais, 1995.
J.J. Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional - 5a. ed., Coimbra:
Almedina, 1991.
206
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LARENZ, Karl. Derecho Civil parte general, tradução Miguel Izquierdo y Mací-
as-Picave, Madrid: Ed. Edersa, 1978.
North, Douglass C.; Robert Paul Thomas. The Rise of the Western World: A
New Economic History. New York. Cambridge University Press, 1973.
207
30 anos da Constituição
208
30 anos da Constituição
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 11a edição, São
Paulo: Malheiros Editores, 1996.
SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático
de Direito, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.
WELZEL, Hanz. Derecho Penal alemán. 11ª edição, tradução de Juan Bustos
Ramirez y S. Yáñez, Santiago: Editora Jurídica de Chile, 1976
209
Moradia e Saúde no Judiciário
Brasileiro: Afinidades e Discrepâncias
nos 30 Anos da Constituição
Roberto Dias
Doutor em Direito Constitucional pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Professor de Direito Constitucional da
PUC-SP. Pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre
Direitos Fundamentais (PUC-SP/CNPq)
211
30 anos da Constituição
Introdução
O presente artigo buscará analisar a maneira como o Judiciário brasileiro,
a partir da Constituição Federal de 1988, enfrenta a realização dos direitos fun-
damentais à moradia e à saúde para entender se há uma abordagem diferente
da atuação judicial em relação à efetivação desses direitos fundamentais, apesar
da equivalência do status constitucional deles.
Para a análise pretendida, trabalharemos com os marcos normativos que
os sustentam e o percurso jurisprudencial que vem definindo o papel do Judici-
ário na efetivação de cada um.
Como resultado dessa análise, procuraremos demarcar as confluências e
divergências da atuação jurisdicional e verificar se é possível demandar uma
atuação judicial mais consistente, tendo em vista a garantia da efetivação e da
fundamentalidade desses direitos.
237 NELSON, Aline Virgínia Medeiros; BRAGA JUNIOR, Sérgio Alexandre de Morais. Democracia e Cultura
no Planejamento do Desenvolvimento Urbano. Revista DIREITO GV. São Paulo 8(2), p. 407-426, jul-dez 2012.
212
30 anos da Constituição
238 HOLZ, Sheila; MONTEIRO, Tatiana Villela de Andrade. Política de Habitação social e o Direito de
Moradia no Brasil. X Coloquio Internacional de Geocrítica. Barcelona, 26-30 de maio de 2008. http://
www.ub.edu/geocrit/-xcol/158.htm. Acesso em: 21 jul. 2018.
239 ELIAS, Juliana. FGV: Brasil precisa de R$ 76 bi ao ano para zerar déficit habitacional. Valor Econômico,
São Paulo, 13 out. 2014. Disponível em http://www.valor.com.br/brasil/3733244/fgv-brasil-precisa-de-
r-76-bi-ao-ano-para-zerar-deficit-habitacional. Acesso em: 21 jul. 2018.
213
30 anos da Constituição
médicos,240 mas superar o problema poderia levar anos.241 Basta notar que, em
2014, o país tinha 1,8 médico para cada mil habitantes, enquanto outros países
sul-americanos ou alguns europeus tinham médias acima de 3 médicos para
cada mil pessoas.242 O problema da falta de médicos se agrava ao constatar que
a distribuição de profissionais no amplo território brasileiro é muito desigual.243
Vale lembrar, também, que, apesar da melhoria da expectativa de vida do
brasileiro nas últimas décadas244 e o elevado percentual do PIB destinado à área
de saúde,245 menos da metade do gasto da população com a saúde era suportada,
em 2013, pelo Poder Público (48,2%),246 enquanto, na média mundial, 57,7%
dos custos eram arcados pelo Governo e menor parte era paga pelo cidadão.247
240 FAGUNDES, Ezequiel. Ministério da Saúde estima que Brasil tenha déficit de 54 mil médicos. O
Globo, Rio de Janeiro, 23 jun. 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/ministerio-da-
saude-estima-que-brasil-tenha-deficit-de-54-mil-medicos-8477395. Acesso em: 21 jul. 2018.
241 FOREQUE, Flávia; NUBLAT, Johanna. Acabar com falta de médicos no Brasil levará anos, diz
ministro da Saúde. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 ago. 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.
com.br/cotidiano/2013/08/1328464-acabar-com-falta-de-medicos-no-brasil-levara-anos-diz-ministro-
da-saude.shtml. Acesso em: 21 jul. 2018.
242 MINISTÉRIO da Saúde apresenta estratégias para falta de médicos em municípios carentes. http://
www.portalfederativo.gov.br/noticias/destaques/ministerio-da-saude-apresenta-estrategias-para-
falta-de-medicos-em-municipios-carentes. Acesso em: 21 jul. 2018. Em países como Argentina (3,2),
Alemanha (3,6), Uruguai (3,7) e Portugal (3,9), as médias são superiores a 3 médicos por habitante.
243 CFM; CREMESP. Demografia Médica no Brasil – Estudo de Projeção: Concentração de médicos no Brasil em
2020”. http://portal.cfm.org.br/images/stories/pdf/estudo_demografia_junho.pdf. Acesso em: 21 jul. 2018.
244 World Health Organization. http://apps.who.int/gho/data/node.main.3?lang=en. Acesso em: 21 jul. 2018.
245 Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil, em 2013, gastou 9,7% do PIB na área da saúde, enquanto a
média mundial foi de 8,7 (http://apps.who.int/gho/data/view.main.HEALTHEXPRATIOGLOBAL?lang=en.
Acesso em: 21 jul. 2018). Conferir, também, a análise dos gastos governamentais feita pelo Conselho Federal
de Medicina em parceria com a ONG Contas Abertas: CFM. Governo gasta R$ 3,89 ao dia na saúde de
cada brasileiro. 29 fev. 2016, http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&
id=25985:2016-02-18-12-31-38&catid=3. Acesso em: 21 jul. 2018.
246 World Health Organization. http://apps.who.int/gho/data/view.main.HEALTHEXPRATIOBRA?lang=en.
Acesso em: 21 jul. 2018.
247 WorldHealthOrganization.http://apps.who.int/gho/data/view.main.HEALTHEXPRATIOGLOBAL?lang=en.
Acesso em: 21 jul. 2018.
214
30 anos da Constituição
3. Direito à moradia
248 O art. 6° da CF em 1988 previa que: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição A partir da Emenda n° 26 passou a ter a seguinte redação: “são direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
249 Nesse sentido, conferir: SARLET, Ingo Wolfgang. O direito fundamental à moradia na Constituição:
algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. Revista Eletrônica sobre
a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 20, dezembro,
janeiro, fevereiro, 2009, 2010, especialmente p. 9 e seguintes. Disponível na internet: http://www.
direitodoestado.com.br/codrevista.asp?cod=413. Acesso em: 21 jul. 2018.
215
30 anos da Constituição
função social (art. 5º, XXIII CF); a competência comum dos entes federados
de promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico (art. 23º, IX CF); o princípio da função
social da propriedade e da redução das desigualdades sociais e regionais como
vetores da ordem econômica (art. 170, III CF); a política de desenvolvimento
urbano com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182 CF); o condicio-
namento do atendimento da função social da propriedade urbana ao respeito
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor
(art.182, § 2º CF); mecanismos de sanção ao proprietário do solo urbano não
edificado, subutilizado ou não utilizado (art. 182,§ 4º CF); usucapião pró-mora-
dia (art. 183 e 191 CF); além de previsões de desapropriação por interesse social
para fins de reforma agrária e planejamento de política agrícola que considere a
habitação para o trabalhador rural (art.184 e 187 CF).
Agregue-se aos preceitos constitucionais apontados o amparo ao direito à
moradia consubstanciado em tratados internacionais como a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos (1945), o Pacto Internacional de Direitos Econô-
micos, Sociais e Culturais (1966) e as Recomendações nº 4 e nº 7 da ONU, de
1991 e 1997, respectivamente.
Apesar de defendermos que o direito à moradia, por todo esse arcabouço nor-
mativo apontado, já estava implícito no rol dos direitos fundamentais – até mesmo
por força do disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição –, é preciso reconhecer que
sua inserção expressa, a partir da Emenda Constitucional nº 26, foi um marco de
alta relevância, gerando legislações infraconstitucionais importantes, que densifica-
ram os preceitos constitucionais de forma significativa na proteção à moradia.
Nesse sentido merecem destaques, dado seu caráter geral, a Lei 10.257/2001,
conhecida como Estatuto da Cidade; a Medida Provisória 2.220/2001, que pre-
vê requisitos para concessão de uso especial para fins de moradia aos possuido-
res de imóveis públicos até a data de 30 de junho de 2001; e a inclusão do direito
real de uso para fins de moradia no Código Civil brasileiro, no ano de 2007.
O Estatuto da Cidade previu novos institutos jurídicos e instrumentos urbanísti-
cos que direta ou indiretamente buscaram fortalecer o direito à moradia. Entre outros,
destacam-se a permissão de adoção pelos Municípios de instrumentos de urbanização
e combate à especulação imobiliária, que deve se consubstanciar no Plano Diretor
216
30 anos da Constituição
250 Nesse sentido destacam-se: IPTU progressivo, desapropriação sanção, outorga onerosa do direito de
construir, contribuição de melhorias, operações consorciadas, entre outros.
251 Não é à toa que já no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos encontramos a habitação
como uma das condições necessárias ao estabelecimento de uma vida digna de qualquer cidadão.
252 “Art. 11. Os estados signatários do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível
de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive alimentação, vestimenta e moradia
adequadas, assim como a uma contínua melhoria de suas condições de vida.”
217
30 anos da Constituição
253 ABREU, João Maurício Martins. A Moradia Informal no Banco dos Réus: discurso normativo e prática
judicial. 399 REVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO 7(2), p. 391-416, jul-dez 2011.
218
30 anos da Constituição
254 Nesse sentido, conferir o Relatório de pesquisa do IBDU: CARDOSO, Patrícia; FROTA, Henrique;
LIBÓRIO, Daniela; MAESTRO, Irene. “Direito Urbanístico em juízo: estudo de acórdãos do
Tribunal de Justiça de São Paulo”, Relatório de Pesquisa, São Paulo: IBDU, 2016.
255 Processo n° 0273059-82.2005.8.26.0577, 6° Vara Cível de São José dos Campos.
256 ABREU, João Maurício Martins. A Moradia Informal no Banco dos Réus: discurso normativo e
prática judicial. Revista DIREITO GV, SÃO PAULO 7(2), p. 391-416, jul-dez 2011.
219
30 anos da Constituição
cial. A nosso ver, não é razoável que o conceito de função social da propriedade
desconsidere o exercício do direito de propriedade consubstanciado na posse,
baseada nos valores definidos na ordem constitucional, no Estatuto da Cidade
e nos Planos Diretores. Ademais, uma posse que não cumpre sua função social
não pode ser entendida como uma posse efetiva para efeitos justificadores de
um processo de reintegração que custa a moradia de várias pessoas.257
257 Nesse sentido: DANTAS, Marcus Eduardo de Carvalho. Função Social na tutela possessória em
conflitos fundiários. Revista DIREITO GV . São Paulo. 9(2), p. 465-488, jul-dez 2013.
258 Nesse sentido destacam-se as previsões do art. 928 do antigo Código de Processo Civil de 1973 e do
art. 526 do atual Código, em vigência desde 2016.
220
30 anos da Constituição
259 São significativas as observações alcançadas no relatório de pesquisa do IBDU sobre essa questão:
CARDOSO, Patrícia; FROTA, Henrique; LIBÓRIO, Daniela; MAESTRO, Irene. “Direito
Urbanístico em juízo: estudo de acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo”, Relatório de Pesquisa,
São Paulo: IBDU, 2016.
260 CARDOSO, Patrícia; FROTA, Henrique; LIBÓRIO, Daniela; MAESTRO, Irene. “Direito
Urbanístico em juízo: estudo de acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo”, Relatório de Pesquisa,
São Paulo: IBDU, 2016.
261 CARDOSO, Patrícia; FROTA, Henrique; LIBÓRIO, Daniela; MAESTRO, Irene. “Direito
Urbanístico em juízo: estudo de acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo”, Relatório de Pesquisa,
São Paulo: IBDU, 2016.
221
30 anos da Constituição
262 “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. [...] § 4º É facultado ao Poder Público municipal,
mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário
do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento,
sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II – imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; II – imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida
pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em
parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”
263 “Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados,
por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º
O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais
de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”
222
30 anos da Constituição
264 CARDOSO, Patrícia; FROTA, Henrique; LIBÓRIO, Daniela; MAESTRO, Irene. “Direito
Urbanístico em juízo: estudo de acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo”, Relatório de Pesquisa,
São Paulo: IBDU, 2016.
223
30 anos da Constituição
Por outro lado, há que se destacar a importante decisão tomada pelo TJ/SP, que
entendeu pela constitucionalidade da usucapião em caráter de defesa, frente a uma
ação de reintegração de posse. Esse entendimento minimiza os efeitos perversos da
dificuldade de acesso à Justiça por boa parte da população despossuída do país.265
265 Decisões relevantes sobre a constitucionalidade do Estatuto da Cidade foram proferidas pelo Órgão
Especial do TJSP, referente à aplicação da concessão de uso especial para fins de moradia a imóveis
públicos estaduais e municipais (art. 3º da MP 2.220/2001) e ao registro no Cartório de Imóveis
da sentença declaratória do direito à usucapião alegado como matéria de defesa (art. 13 da Lei
10.257/2001). Nesse sentido, conferir: CARDOSO, Patrícia; FROTA, Henrique; LIBÓRIO, Daniela;
MAESTRO, Irene. “Direito Urbanístico em juízo: estudo de acórdãos do Tribunal de Justiça de São
Paulo”, Relatório de Pesquisa, São Paulo: IBDU, 2016.
266 Dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o § 1o do art. 183 da Constituição, cria o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano - CNDU e dá outras providências.
224
30 anos da Constituição
4. O Direito à Saúde
267 Destacam-se, nesse sentido, os seguintes recursos: TJ-SP, Agravo de Instrumento 2005658-
83.2014.8.26.0000, Relator Desembargador Marcelo Semer, 10ª Câmara de Direito Público, j.
19/05/2014; STJ, Recurso em Mandado de Segurança nº 48.316-MG, Relator Ministro Og Fernandes,
2ª Turma, j. 17/09/2015.
225
30 anos da Constituição
mo (art. 7º, IV) e pela determinação para a criação de normas de redução de riscos
inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII) para chegar às previsões sobre as competências
de todos os entes da Federação, que devem cuidar da saúde (arts. 23, II; 24, XII e 30,
VII). E, buscando evitar previsões de proteção do direito sem consequências prá-
ticas, a Constituição impôs gastos mínimos do Poder Público com a área da saúde
(arts. 34, VII, “e”; 35, III; 166, §§ 9º e 10; 167, IV; 198, § 2º).
Como se não bastasse, uma das seções do capítulo sobre a seguridade social,
que compõe o título da ordem social, foi inteiramente dedicada à saúde, criando o
Sistema Único de Saúde (arts. 198 e 200) e prevendo que ela é “um direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196).
Portanto, há uma profusão de previsões constitucionais explícitas voltadas
a garantir o exercício do direito à saúde.
Do ponto de vista infraconstitucional, tendo em vista que todos os entes
federativos têm competência para cuidar da saúde, a produção legislativa é vastís-
sima. Mas, no âmbito federal, a principal lei sobre o tema foi produzida logo após
a promulgação da Constituição Federal de 1988. Trata-se da Lei nº 8.080, de 19
de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, e organiza o funcionamento do Sistema Único de Saúde.
268 Sobre este ponto, conferir: DIAS, Roberto. “O que os juristas e o Judiciário têm a dizer sobre saúde
pública?” In: SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André (Orgs.). Direito da regulação e políticas
públicas. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 296-313, especialmente p. 302 e seguintes.
269 SILVA, Virgílio Afonso da, “O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo
à realização dos direitos sociais”. Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em
espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 588.
226
30 anos da Constituição
270 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 274.
227
30 anos da Constituição
271 Nesse sentido, verificar STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial 1136549/RS, relator Ministro
Humberto Martins, 2ª Turma, j. 08/06/2010.
272 STJ, Recurso Especial nº 887.844/RS, relator ministro Humberto Martins, 2ª Turma, j. 24/10/2006.
228
30 anos da Constituição
273 STJ, Recurso Especial nº 851.760/RS, relator ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, j. 22/08/20016.
274 BARROSO, Luis Roberto. “Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial”. Direitos sociais:
fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 902 e
903. Sobre o tema, conferir, também, Cláudio Pereira de Souza Neto. “A justiciabilidade dos direitos
sociais: críticas e parâmetros”. Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em
espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 515 a 551.
275 BARROSO, Luis Roberto. “Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial”, p. 902.
276 BARROSO, Luis Roberto. “Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial”, p. 903.
229
30 anos da Constituição
5. Conclusão
277 BARROSO, Luis Roberto. “Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial”, p. 903.
278 Para uma análise recente sobre a judicialização da saúde e alguns desafios gerados por ela, conferir estudo
feito a pedido do CNJ – Conselho Nacional de Justiça por pesquisadores da UERJ – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro: CNJ. “Judicialização da saúde no Brasil: dados e experiência”. ASENSI, Felipe
Dutra; PINHEIRO, Roseni (Coords). Brasília: 2015. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/
destaques/arquivo/2015/06/6781486daef02bc6ec8c1e491a565006.pdf. Acesso em: 21 jul. 2018.
230
30 anos da Constituição
279 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006, p. 224.
231
30 anos da Constituição
232
30 anos da Constituição
280 Vale lembrar a reflexão sobre o paradigma do planejamento democrático e sua articulação com o
direito feita por NELSON, Aline Virgínia Medeiros; BRAGA JUNIOR, Sérgio Alexandre de Morais.
Democracia e Cultura no Planejamento do Desenvolvimento Urbano. Revista DIREITO GV. São Paulo
8(2), p. 407-426, Jul-Dez 2012, especialmente p. 415-417.
233
30 anos da Constituição
281 Em relação à necessidade de aprimoramento das estruturas judiciais para enfrentamento adequado
das questões que debatem o direito à moradia, conferir as conclusões apontadas pela pesquisa do
IBDU: CARDOSO, Patrícia; FROTA, Henrique; LIBÓRIO, Daniela; MAESTRO, Irene. “Direito
Urbanístico em juízo: estudo de acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo”, Relatório de Pesquisa,
São Paulo: IBDU, 2016.
282 WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custo dos direitos e reserva do possível na jurisprudência
do STF. Revista DIREITO GV, São Paulo 4(2), p. 539-568, jul-dez 2008.
234
30 anos da Constituição
Referências Bibliográficas
ABREU, João Maurício Martins. A Moradia Informal no Banco dos Réus: discur-
so normativo e prática judicial. Revista Direito GV, São Paulo 7(2), p. 391-416,
jul-dez 2011.
CFM. Governo gasta R$ 3,89 ao dia na saúde de cada brasileiro. 29 fev. 2016,
http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&
id=25985:2016-02-18-12-31-38&catid=3. Acesso em: 21 jul. 2018.
235
30 anos da Constituição
DIAS, Roberto. “O que os juristas e o Judiciário têm a dizer sobre saúde públi-
ca?” In: SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André (Orgs.). Direito da regula-
ção e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014.
ELIAS, Juliana. FGV: Brasil precisa de R$ 76 bi ao ano para zerar déficit habi-
tacional. Valor Econômico, São Paulo, 13 out. 2014. Disponível em http://www.
valor.com.br/brasil/3733244/fgv-brasil-precisa-de-r-76-bi-ao-ano-para-zerar-defi-
cit-habitacional. Acesso em: 21 jul. 2018.
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Mé-
todo, 2006, p. 224.
236
30 anos da Constituição
WANG, Daniel Wei Liang. Escassez de recursos, custo dos direitos e reserva do
possível na jurisprudência do STF. Revista Direito GV, São Paulo 4(2), p. 539-568,
Jul-Dez 2008.
237
Por uma Constituição não só
Cidadã, mas Humanitária: uma
Abordagem dos Direitos Humanos
Constitucionais e sua Concretização
Introdução
O projeto constitucional de 1988 foi muito desejado. E não era para menos.
Havia, de fato, toda uma mobilização popular que vinha desde o movimento das
Diretas Já, clamando por uma nova ordem constitucional que rompesse definiti-
vamente as amarras do regime ditatorial,284 resultando, assim, na elaboração da
Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”.285
Foi nesse momento que se viu no Brasil uma intensa inclusão de direitos
e garantias fundamentais. Ainda que muitos deles já estivessem presentes na
história constitucional brasileira, o fato é que em muitas ocasiões, a sua mera
previsão legal camuflava a realidade, como ocorreu na Constituição de 1824 e
os direitos civis e políticos – algo que caracterizada o momento devido à era das
revoluções, mas que mascarava a existência da escravidão e a do voto censitário
-; na Constituição de 1937, que continha um conjunto formal de direitos, a fim
de disfarçar a ditadura do Estado Novo; e na Constituição de 1967 e a Emenda
239
30 anos da Constituição
n° 1 de 1969, que manteve o perfil apenas formal dos direitos, mas que se sujei-
tavam a outros decorrentes do regime militar.286
Assim, a opção do constituinte de 1988 foi pela introdução da mais exten-
sa e abrangente lista de direitos de distintas espécies, como os civis; os políti-
cos; os econômicos; os sociais; os culturais; os ambientais, dentre outros. Além
disso, este bloco de direitos não é exaustivo, uma vez que há uma abertura da
Constituição para a inclusão de outros decorrentes do (i) regime; (ii) princípios
da Carta; (iii) tratados internacionais de direitos humanos287 celebrados pelo
Brasil, tal como consta no art. 5, §2.288
No entanto, os 30 anos da Constituição de 1988 testemunharam um mo-
mento de plena ascensão no reconhecimento dos direitos humanos na ordem
constitucional brasileira, mas também uma crise, que não vem só dessa recogni-
ção, mas da própria noção de direitos humanos, comprometendo a frágil conso-
lidação desses valores. Diante disso, e considerando que a Declaração Universal
dos Direitos Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem também completam 70 anos, por meio de uma breve revisão doutri-
nária e de análise de dados da jurisprudência do STF e do Tribunal de Justiça
do estado do Paraná, este comentário irá abordar como caminha a abertura
constitucional para os direitos humanos internacionais. Ao final, traça-se um
panorama do que se espera para os próximos 30 anos, considerando que ainda
há um longo caminho a ser percorrido.
286 RAMOS, André de Carvalho de. Curso de Direitos Humanos. 4° ed., 2017. p. 447-448.
287 Apenas a título de explanação, neste trabalho a expressão “direitos humanos” terá sentido distinto
quando escrito com letras minúsculas e maiúsculas. Quando minúsculas, referir-se-á ao que André de
Carvalho Ramos menciona como “um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida
humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade”, ou seja, aqueles indispensáveis à vida digna
(cf. RAMOS, André de Carvalho de. Curso de Direitos Humanos. 4° ed., 2017. p. 29). Por outro lado,
quando escrito com letras maiúsculas, fará alusão ao ramo do Direito.
288 Art. 5, §2°: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”. Esta abertura já constava em outras Cartas constitucionais, como a
de 1891 (“Art 78 - A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras
garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos
princípios que consigna”), mas é a primeira vez que a abertura da Constituição se baseia também nos
tratados internacionais de Direitos Humanos nos que o Brasil faz parte.
240
30 anos da Constituição
289 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva,
2006. p. 260. Desde 1988, foram ratificados as seguintes declarações e tratados: Declarações de
Direitos Humanos aprovadas pelo Brasil: 1. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948);
2. Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986); 3. Declaração e Programa de Ação de
Viena (1993); 4. Declaração de Pequim adotada pela quarta conferência sobre as mulheres: ação
para igualdade, desenvolvimento e paz (1995); 5. Declaração Americana dos Direitos e Deveres
do Homem (1948); 6. Convenção para Prevenção e a Repressão do crime de genocídio (1948); 7.
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951); 8. Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados
(1966); 9. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); 10 Protocolo Facultativo
relativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); 11. Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); 12. Convenção Internacional sobre Eliminação de
todas as formas de Discriminação Racial (1965); 13. Convenção Internacional sobre Eliminação de
todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979); 14. Protocolo Facultativo à Convenção
Internacional sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1999); 15.
Convenção contra a tortura e outros Tratamentos ou Penas cruéis, desumanas ou degradantes (1984);
16. Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989); 17. Protocolo Facultativo à Convenção sobre
os Direitos da Criança referente à venda de criança, à prostituição infantil e à pornografia infantil
(2000); 18. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento
de crianças em conflitos armados (2000); 19. Convenção das Nações Unidas contra corrupção (2000)
– Convenção de Mérida; 20. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) – Pacto de San
José da Costa Rica; 21. Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos (1979); 22. Protocolo
Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos ,
sociais e culturais (1988) – Protocolo de San Salvador; 23. Protocolo à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos referentes à abolição da pena de morte (1990); 24. Convenção Interamericana para
prevenir e punir a Tortura (1985); 25. Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a
violência contra a Mulher (1994) – Convenção de Belém do Pará; 26. Convenção Interamericana
sobre Tráfico Internacional de Menores (1994); 27. Convenção Interamericana para a Eliminação de
todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência (1999). (Lista extraída
do Observatório de Relações Internacionais, do Núcleo de Estudos sobre Cooperação e Conflitos
Internacionais da Universidade Federal de Ouro Preto (NECCINT) <https://neccint.wordpress.com/
legislacao-internaciona/> Acesso em 22 jun. 2018).
241
30 anos da Constituição
290 Cf. CARVALHO, Feliciano de. Teoria do bloco de constitucionalidade. Anais do XXIII Congresso
Nacional do CONPEDI/UFPB. Florianópolis, 2015, p. 418-444.
291 Por força do art. 53 da Convenção de Viena de 1969: “É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão,
conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção,
uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade
internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só
pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza”.
292 GUERRA, Sidney. Controle de convencionalidade. Revista Jurídica. vol. 01, n°. 46, Curitiba, 2017. p. 4.
293 Devido aos limites desse trabalho, não se abordará o “embate” entre monistas e dualistas. Para
tanto, sugere-se a leitura de: AVELAR, Daniel; PRONER, Carol. A natureza jurídica dos tratados
internacionais de direitos humanos e sua harmonização e aplicabilidade no ordenamento jurídico
brasileiro. Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 10, n. 10, p. 38-87, jul./dez. 2011.
294 Sobre o princípio pro homine, cf. LORA ALARCÓN, Pietro de Jesús. Constituição e Direito
Intergentium: a ductibilidade pro homine e o possível ius commune para os desafios jurídicos
contemporâneos. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri (coord.). Direito
constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 49-72.
295 Segundo Cançado Trindade, “no presente domínio de proteção, não mais há pretensão de primazia
do direito internacional ou do direito interno, como ocorria na polêmica clássica e superada entre
monistas e dualistas. No presente contexto, a primazia é da norma mais favorável às vítimas, que
melhor as proteja, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno.” (Cf. TRINDADE,
Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1997. v. 1, p. 434).
242
30 anos da Constituição
296 Nesse sentido, cf. FACHIN, Luiz Edson. Notas para um ensaio sobre a posição jurídica dos tratados
internacionais de direitos humanos no Brasil após a reforma constitucional. In: PRONER, Carol;
CORREAS, Óscar (coord.). Teoria crítica dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 157.
297 Nesse sentido, cf. a posição favorável ao status constitucional dos tratados internacionais de direitos
humanos nesse período de VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Os tratados na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. Revista de informação legislativa, v. 41, n. 162, abr./jun. 2004. p. 39; bem
como o seu voto no HC n. 82.424-RS, STF. Assim ele se pronunciava à época: “Nesse caso, no caso de
tratar-se de direito e garantia decorrente de Tratado firmado pelo Brasil, a incorporação desse direito
e garantia, ao direito interno, dá-se com status constitucional, assim com primazia sobre o direito
comum. É o que deflui, claramente, do disposto no mencionado § 2º do art. 5º da Constituição da
República. O Supremo Tribunal Federal, todavia, não acolheu essa tese [citando, aqui, os precedentes
de então: ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 18.05.01 e HC 76.561/SP, Rel. Min.
Nelson Jobim, Plenário, 27.05.98, DJ de 02.02.01]”.
298 STF, HC 72.131. Rel. Min. Moreira Alves. Julg. 23.11.1995. Caso que envolve a prisão do depositário infiel.
299 MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. A internacionalização do Direito Constitucional brasileiro.
In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri (coord.). Direito constitucional e
internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 284.
243
30 anos da Constituição
300 FACHIN, Luiz Edson. Notas para um ensaio sobre a posição jurídica dos tratados internacionais de
direitos humanos no Brasil após a reforma constitucional. In: PRONER, Carol; CORREAS, Óscar
(coord.). Teoria crítica dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 157.
301 Sobre as diversas interpretações, cf. SCHIER, Paulo Ricardo. Hierarquia constitucional dos Tratados
Internacionais de Direitos Humanos e Emenda Constitucional 45 – Tese em favor da incidência do
tempus regit actum. 2008. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/
arquivos/anais/XIVCongresso/06 3.pdf> Acesso em: 28 nov. 2017.
302 STF, HC 79.785. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Julg. 29.03.2000.
303 O STF julgou o caso por maioria dos votos, negando provimento ao recurso.
304 Sobre o tema, cf. MESSA, Ana Flávia; FRANCISCO, José Carlos. Tratados internacionais sobre
direitos humanos e poder constituinte. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri
(coord.). Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p.
241-276.
244
30 anos da Constituição
305 Para uma análise dos fundamentos dessa decisão, cf. MAUÉS, Antônio Moreira. Supralegalidade
dos tratados internacionais de direitos humanos e interpretação constitucional. In: SOARES, Mário
Lúcio Quintão; SOUZA, Mércia Cardoso de (coord.). A interface dos direitos humanos com o direito
internacional. Tomo I, Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 137-162.
306 Vd. voto Min. Gilmar Mendes, RE nº 466.343.
307 Cf. LOPES, Dalliana Vilar; LOPES, Gills Vilar. A internalização dos tratados sobre Direitos
Humanos na ordem jurídica brasileira e a problemática da ordem internacional. Universitas Relações
Internacionais, Brasília, v. 14, n. 1, p. 51-59, jan./jun. 2016.
308 Nesse sentido, cf. MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. A internacionalização do Direito
Constitucional brasileiro. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri (coord.).
Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 283;
e CARVALHO, Feliciano. A natureza jurídica constitucional de todos os tratados internacionais
de direitos humanos: análise da supralegalidade e da inconsciência do Supremo Tribunal Federal
brasileiro. In: Anais do XXII encontro nacional do CONPEDI, 2013, p. 137-157.
245
30 anos da Constituição
309 Cançado Trindade continua com sua contundente crítica nos seguintes termos: “No tocante aos
tratados anteriormente aprovados, cria um imbróglio tão a gosto de publicistas estatocêntricos,
insensíveis às necessidades de proteção do ser humano; em relação aos tratados a aprovar, cria a
possibilidade de uma diferenciação tão a gosto de publicistas autistas e míopes, tão pouco familiarizados,
— assim como os parlamentares que lhes dão ouvidos, — com as conquistas do Direito Internacional
dos Direitos Humanos. Este retrocesso provinciano põe em risco a interrelação ou indivisibilidade dos
direitos protegidos no Estado demandado (previstos nos tratados que o vinculam), ameaçando-os de
fragmentação ou atomização, em favor dos excessos de um formalismo e hermetismo jurídicos eivados
de obscurantismo. A nova disposição é vista com complacência e simpatia pelos assim chamados
“constitucionalistas internacionalistas”, que se arvoram em jusinternacionalistas sem chegar nem de
longe a sê-lo, porquanto só conseguem vislumbrar o sistema jurídico internacional através da ótica da
Constituição nacional. Não está sequer demonstrada a constitucionalidade do lamentável parágrafo 3
do artigo 5, sem que seja minha intenção pronunciar-me aqui a respeito; o que sim, afirmo no presente
Voto, — tal como o afirmei em conferência que ministrei em 31.03.2006 no auditório repleto do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília, ao final de audiências públicas perante esta Corte que
tiveram lugar na histórica Sessão Externa da mesma recentemente realizada no Brasil, — é que, na
medida em que o novo parágrafo 3 do artigo 5 da Constituição Federal brasileira abre a possibilidade
de restrições indevidas na aplicabilidade direta da normativa de proteção de determinados tratados
de direitos humanos no direito interno brasileiro (podendo inclusive inviabilizá-la), mostra-se
manifestamente incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigos 1(1),
2 e 29)” (Voto em separado, Caso Damião Ximenes vs. Brasil, parágrafos 30 e 31. Disponível em:
<http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf> Acesso em: 20 jun. 2018).
246
30 anos da Constituição
310 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas normas sobre a incorporação e a hierarquia dos tratados
internacionais em matéria de Direitos Humanos na ordem jurídica brasileira, especialmente em face
do novo §3° do art. 5° da Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo. v. 245, 2007. p. 74;
SARLET, Ingo Wolfgang. Considerações a respeito das relações entre a Constituição Federal de 1988
e os tratados internacionais de direitos humanos. Revista TST. v. 77, n° 4, out./dez., 2011. p. 166.
311 Nesse sentido, vd. ADI n° 595/ES, Rel. Min. Celso de Mello.
312 MESSA, Ana Flávia; FRANCISCO, José Carlos. Tratados internacionais sobre direitos humanos e
poder constituinte. In: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri (coord.). Direito
constitucional e internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 263.
313 Sobre o tema, cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade
das leis no Brasil. In: SOUSA, Marcelo Rebelo, et. al. (coords.). Estudos em homenagem ao Prof.
Doutor Jorge Miranda, v. III (Direito constitucional e justiça constitucional). Coimbra: Coimbra
Editora, 2012, p. 759-776; e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Podem os tratados de direitos humanos
não “equivalentes” às emendas constitucionais servir de paradigma ao controle concentrado de
convencionalidade? RDU. v. 12, n° 64, p. 222-229, jul./ago., 2015.
247
30 anos da Constituição
314 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 77.
315 Sobre o tema, cf. PEREIRA, Taís Mariana Lima. O cumprimento das decisões da corte interamericana
de direitos humanos pelo Brasil. EJJL. Chapecó, v. 14, n. 2, p. 315-348, jul./dez. 2013.
316 Cf. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Direitos Humanos ou “Privilégios de Bandidos? Desventuras da
Democratização Brasileira. Novos Estudos CEBRAP – SP, nº. 30, p. 162-174. julho/91. Disponível em:
<http://novosestudos.org.br/v1/files/uploads/contents/64/20080624_direitos_humanos_ou_privilegios_
de_bandidos.pdf> Acesso em 10 jun. 2018.
317 CANTOR, Ernesto Rey. Controles de convencionalidad de las leyes. Biblioteca Jurídica del Instituto
de Investigaciones Jurídicas de la UNAM. 2011. p. 226. Disponível em: < https://archivos.juridicas.
unam.mx/www/bjv/libros/6/2562/16.pdf> Acesso e 22 jun. 2018.
248
30 anos da Constituição
pauta nos direitos humanos, ou seja, o direito interno – a Constituição -, deve ser
interpretada segundo o Direito Internacional dos direitos humanos.318
Nesse sentido, adere-se à ideia de Marcelo Neves de que os direitos hu-
manos têm o objetivo de se afirmar não só perante no âmbito internacional,
mas principalmente nas diversas ordens estatais, assim como diante da plura-
lidade de ordens extra-estatais em que expectativas normativas têm relevância
estrutural. Para tanto, os direitos humanos exigem uma institucionalização de
procedimentos abertos à heterogeneidade cultural, complexidade sistêmica e
pluralidade discursiva da sociedade mundial, que possam garanti-los.319
Ocorre que há Estados que sequer aderiram aos princípios do Estado demo-
crático de Direito, negando amplamente os direitos humanos mediante exclusão
jurídica de boa parte desses direitos, ou mesmo reconhecendo-os como direitos
fundamentais, mas sem que a Constituição possua força normativa.320 No caso
brasileiro, isso também é relevante, pois o país não ofereceu, em seu momento,
um ambiente propício para a implantação do positivismo tal como idealizado,
que consequentemente impactou na construção do Estado de Direito.321 Nesse
sentido, sendo o positivismo filosófico algo social, coletivo, que se ampara no
fato social e nas suas relações empíricas322, e o positivismo jurídico como algo da
esfera do “dever ser”, com validade e vigência de normas (com forte conotação
249
30 anos da Constituição
323 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6° ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998. p. 79 e ss.
324 GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do
bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 78-85.
325 GABARDO, Emerson. Interesse público e subsidiariedade: o Estado e a sociedade civil para além do
bem e do mal. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 84-90.
326 Segundo levantamento feito por Flávia Piovesan, até julho de 2016, dezesseis casos haviam sido
encaminhados à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro, e mais de 130
casos haviam sido submetidos à Comissão Interamericana (Cf. PIOVESAN, Flavia. Brasil e o Sistema
Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos. In: _____. Temas de Direitos Humanos. 10° ed. São
Paulo: Saraiva, 2017. p. 109. Além disso, Eduardo Szazi aponta para uma tendência de crescimento dessa
250
30 anos da Constituição
Como forma de ilustrar o que está sendo aventado, optou-se por fazer uma
pesquisa jurisprudencial no sitio web do STF com alguns vocábulos referentes ao
objeto em estudo.327 No caso da expressão “sistema interamericano”, houve 36
resultados, sendo que 26 faziam menção à ausência do Min. Toffoli no julgamento
do caso devido a um evento sobre o sistema interamericano; outro versou sobre
extradição (caso Cesare Batisti) e outros 9 sobre prisões cautelares e excesso de
prazo, em que se invoca a Convenção Americana. Já com a expressão “Conven-
ção Americana”, o resultado aumenta para 279 acórdãos e 2 repercussões gerais,
tendo temas variados, que vão desde extradição; prisões cautelares; violência
em estabelecimentos prisionais (invocando o sistema onusiano também, no RE
580252, em que se fixou a indenização de um preso devido à situação degradante
durante o cumprimento de sua pena); crimes ambientais (com ampla menção a
tratados internacionais); o caso do depositário infiel de valor da Fazenda Nacio-
nal (ADI 1055), em que o STF traz o precedente da Corte Interamericana; casos
sobre tortura e outros que invocam a Convenção para amparar o direito à ampla
defesa, não exatamente na ementa do acórdão; dentre outros casos.
Já quando pesquisado “Corte Interamericana”, há 44 acórdãos. Quando
realmente há a abordagem de jurisprudência interamericana (porque em alguns
casos o resultado “corte” e “interamericana” aparecem separadamente, não in-
dicando algo que seja o foco aqui), há alguns interessantes, como o HC 124.306,
Rel. Min. Marco Aurélio, em que se aborda o tema do aborto e a prisão oriunda
dessa prática.328 Há também a ADPF 347, Rel. também do Min. Marco Aurélio,
em que se debateu a aplicação do que se chama de “estado das coisas inconsti-
tucional” sobre o sistema prisional, mas que não aborda jurisprudência intera-
mericana especificamente, senão o Pacto Civil e a Convenção Interamericana.
procura pelos sistemas internacionais de proteção pelos brasileiros (cf. SZAZI, Eduardo. A violência
estatal perante os sistemas internacionais de Direitos Humanos. Artigo não publicado, 2017. p. 8).
327 Pesquisa realizada em 15 de setembro de 2017. Decidiu-se manter os resultados e as conclusões devido
à utilização de dados também de 2016 e 2017 referentes à procura dos sistemas internacionais de
proteção dos direitos humanos pelos cidadãos brasileiros. Assume-se que podem haver imprecisões
nos dados, considerando que a pesquisa foi feita simplesmente pelo sistema do STF, podendo este
fornecer informações parciais.
328 Aqui o STF declarou que o aborto praticado até o 3° mês não deveria ser considerado crime, o que
gerou grande repercussão e que, inclusive, a estátua da Lex na frente da Corte foi vandalizada com
tinta vermelha, representando sangue.
251
30 anos da Constituição
329 Aqui vale lembrar que o Brasil foi novamente denunciado à Comissão Interamericana no ano passado
por más condições em presídios, também em Rondônia, mas agora na Casa de Detenção de Ariquemes.
330 Sobre essa polêmica decisão, cf., por todos, ROTHEMBURG, Walter Claudius. Controle de
constitucionalidade e controle de convencionalidade: o caso brasileiro da lei da anistia. In:
PAGLIARINI, Alexandre Coutinho; DIMOULIS, Dimitri (coord.). Direito constitucional e
internacional dos direitos humanos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 333-359.
331 Os esclarecimentos feitos sobre a pesquisa realizada no sistema do STF e sobre a abrangência temporal
também são aplicáveis aqui.
252
30 anos da Constituição
pedem a ordem com base na Convenção, art. 13.332 Em todos os casos pesquisados,
a ordem não é concedida, porque se entende que a legislação nacional mantém o
crime de desacato no ordenamento jurídico, não decidindo que a Convenção deva
prevalecer sobre o disposto no Código Penal. Há ainda casos de conflito de compe-
tência em situações abordando a violência doméstica – se é do juízo criminal ou do
juizado criminal -, e nesses casos somente há a menção tanto da Convenção Ame-
ricana como a de Belém do Pará, específica sobre a temática desse tipo de violência;
bem como outros casos versando sobre a não realização da audiência de custódia no
prazo de 90 dias, em que as decisões, inclusive, estabelecem que, segundo o art. 312
do Código de Processo Penal, já existem garantias ao preso provisório, o que “supre”
a necessidade de apresentação do preso à autoridade judicial.333
Já pesquisando, ainda no âmbito do TJ-PR, a expressão “Corte Interameri-
cana”, há 22 resultados, sendo um deles sobre a condenação do Brasil por realizar
interceptações telefônicas ilegais de integrantes do Movimento Sem Terra, envol-
vendo o Governo do Paraná.334 Nessa decisão, o TJ-PR declarou que não havia
direito de indenização perante o Governo do Paraná, considerando que os autores
já haviam recebido indenização por conta da condenação na Corte Interameri-
cana, sendo que não havia fatos novos que motivassem uma nova indenização.
Nesse sentido, o TJ-PR entendeu que não havia interesse legítimo na solução da
demanda por parte dos autores, condenando-os ao ônus da sucumbência.
As decisões restantes versam somente sobre conflitos de competência en-
tre juízo criminal e juizado criminal em casos de violência doméstica, limitan-
do-se à menção da Corte Interamericana.
Diante desse cenário, não se pode afirmar que há diálogo entre o Sistema
Interamericano e a legislação internacional de direitos humanos e a jurisdição
constitucional brasileira, nem mesmo com outro sistema internacional, eviden-
ciando, inclusive, uma resistência a essa maior interação entre a ordem interna
e internacional, o que dificulta muito a proteção multinível desses direitos.
253
30 anos da Constituição
335 CUNHA, José Ricardo. Direitos humanos e justiciabilidade: pesquisa no Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro. Sur. Revista internacional de direitos humanos, v. 2, n. 3, p. 138-172, dez. 2005. Disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452005000200009&lng=pt
&nrm=iso>. Acesso em 06 jun. 2018.
336 Não se deve, no entanto, olvidar que nesse período a jurisprudência do STF sobre os tratados
internacionais de direitos humanos não é a mesma de agora, o que pode influenciar em futuras
pesquisas para a busca desses obstáculos na efetividade de direitos.
337 É interessante destacar que os autores se depararam com certa resistência dos magistrados no momento
de responder os questionários. Cerca de 40% das varas se abstiveram de fazê-lo, alegando principalmente
três motivos: (i) a recusa não justificada do juiz; (ii) a recusa do juiz devido ao entendimento de que os
direitos humanos não faziam parte de seu trabalho; (iii) não recebimento do pesquisador pelo juiz.
254
30 anos da Constituição
aos juízes sobre o seu interesse pelos estudos relacionados aos direitos humanos. Boa
parte dos juízes demonstrou interesse em fazê-lo (cerca de 73%).
Já sobre algum tipo de vivência pessoal que pudesse fornecer uma experi-
ência prática em relação aos direitos humanos, foi constatado que somente 6%
dos magistrados revelaram já ter tido algum tipo de engajamento nessa área.
Por outro lado, sobre a concepção dos juízes sobre os direitos humanos, ao
serem questionados sobre a natureza dos direitos humanos, 7,6% afirmaram serem
“valores sem aplicabilidade efetiva”; para 34,3%, os direitos humanos constituiriam
“princípios aplicados na falta de regra específica”; e para 54,3% seriam “regras plena-
mente aplicáveis”. Isso reflete – ou dá indícios de que -, os esforços para o reconhe-
cimento e consolidação dos direitos humanos ainda eram insuficientes em 2005.
Também foi verificado se os juízes reconheciam a presença de normas de di-
reitos humanos nos casos em que atuavam, a partir de uma noção de que estes
direitos possuem uma proteção multinível. Nesse sentido, 24% dos magistrados
responderam negativamente, outros 24% disseram haver atuado em vários feitos
com aplicabilidade de normas dessa natureza; outros 30% informaram ter atuado
em alguns processos em que normas de direitos humanos eram aplicáveis, e outros
24% afirmaram ter atuado em poucos casos. Se for considerar que o julgador deve
ter uma visão sistêmica de todo o Direito, torna-se difícil assumir que há casos em
que os direitos humanos não incidam, o que faz com que os autores se perguntem
sobre o conhecimento dos magistrados sobre os direitos humanos, uma vez que “em
razão de sua pouca intimidade com o conceito geral e com as normas de direitos
humanos, os entrevistados teriam velada sua percepção e isso dificultaria o reco-
nhecimento dos casos afeitos à matéria em menção.”338
Especificamente sobre se os juízes possuem conhecimento a respeito do
funcionamento dos Sistemas Internacionais de Proteção dos direitos humanos,
59% alegaram ter um conhecimento superficial; e 20% não sabem como funcio-
nam os Sistemas de Proteção, o que pode, eventualmente, fornecer uma direção
na busca das razões para que a já mencionada falta de diálogo entre as cortes
internacionais e nacionais permaneça, constituindo-se em uma barreira para a
efetivação dos direitos humanos. Por outro lado, sobre o conhecimento das de-
338 CUNHA, José Ricardo. Direitos humanos e justiciabilidade: pesquisa no Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro. Sur. Revista internacional de direitos humanos, v. 2, n. 3, p. 148, dez. 2005. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452005000200009&lng=pt&nr
m=iso>. Acesso em 06 jun. 2018.
255
30 anos da Constituição
cisões das cortes internacionais de proteção dos direitos humanos, 56% dos juí-
zes responderam que eventualmente possuem tais informações; 21% afirmaram
que raramente têm; e 10% nunca obtiveram informações sobre elas; e apenas
13% disseram que frequentemente têm alguma informação. Já quando foram
questionados sobre a possibilidade de o conhecimento dessas decisões colaborar
e enriquecer suas sentenças, a resposta de 50% dos juízes entrevistados foi que
sim; 41% disseram que talvez; e 9% responderam não.339
O estudo é muito mais detalhado do que foi aqui exposto, principalmen-
te se reportando à aplicação de documentos específicos dos direitos humanos
pelos magistrados, como o Pacto Civil, Econômico, a Convenção Americana,
dentre outros. No entanto, os dados aqui apresentados já mostram alguns in-
dícios de gargalos que devem ser trabalhados para uma maior efetividade dos
direitos humanos no Brasil, que não passa somente pela atuação do STF e o
seu reconhecimento da importância dos Sistemas Internacionais de proteção a
esses direitos, mas é algo mais amplo e estrutural, que também envolve valores
a serem inseridos na sociedade e uma mudança de mentalidade. É aqui que a
Constituição de 1988 tem um protagonismo relevantíssimo, mas que, nesses 30
anos, também se presenciou um movimento contra essa sua posição.
Considerações finais
Este artigo procurou realizar uma breve avaliação dos 30 anos da Consti-
tuição Federal de 1988 diante dos direitos humanos, que também completam
70 anos de internacionalização por meio da Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos e da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem,
aprovadas em 1948. A partir disso, verificou-se como vem sendo tratado o tema
da recepção dos tratados internacionais de direitos humanos na ordem consti-
tucional brasileira, tanto desde a perspectiva legislativa, quanto da judiciária.
Logo, também se buscou aportar outros elementos mais objetivos como forma
de examinar os gargalos existentes no diálogo entre as cortes internacionais e
nacionais, dados estes que permitem, ao menos, indicar possíveis fatores que
influenciam no ainda baixo reconhecimento dos direitos humanos no Brasil,
mesmo diante da crescente procura dos sistemas internacionais de proteção
256
30 anos da Constituição
pelos cidadãos. Nesse ponto, deve-se consignar que pesquisas futuras devem
aprofundar e atualizar os dados aqui apresentados.
O fato é que o Brasil, , ao menos é o que parece, vai à contra-mão de uma
tendência muito presente na América Latina, que é o da construção e consolidação
de um Ius Constitutionale Commune, diante dos graves problemas em comum e que
são fortes violadores de direitos humanos, como a pobreza, a profunda desigualdade
social, a violência (muitas vezes institucionalizada), a segregação de minorias, e tan-
tos outros. Segundo Rodolfo Arango, a noção de um Ius Constitutionale Commune
aponta para uma da realidade política e social da América Latina, com o objetivo
de criar as condições sociais e políticas necessárias para a consolidação da democra-
cia, do estado de direito e dos direitos humanos.340
Nesse sentido, o conceito de um Ius Constitutionale Commune na América
Latina se refere tanto ao direito positivo quanto ao seu discurso jurídico sobre ele.
Trata-se da construção de um direito comum que se justifica por dois aspectos, sen-
do o primeiro pela abertura dos sistemas jurídicos estatais latino-americanos para
um denominador comum em direito internacional público, sobretudo em relação à
Convenção Americana (uma relação de mútuo fortalecimento por meio do “bloco
de constitucionalidade”), e o segundo por um discurso comum de direito compara-
do, com estudo, pesquisa, desenvolvimento de uma verdadeira doutrina voltada a
essa conjunção entre o Direito Constitucional e os direitos humanos.341
Evidencia-se, assim, a inclusão do Brasil no rol de países que já adotam cláusu-
las de abertura em suas constituições, que há toda uma doutrina desenvolvida em
torno de um maior diálogo entre o direito internacional e o interno referente aos
direitos humanos, mas que, a despeito disso, suas instituições ainda resistem a essa
transformação, muito mais visível nos países vizinhos do que aqui.
Se o que se visa para o futuro é uma maior concretização dos direitos
humanos para a solução dos complexos problemas que alcançam o Brasil – e os
países latino-americanos como um todo -, impõe-se a formação de uma nova
340 ARANGO, Rodolfo. Fundamentos del Ius Constitutionale Commune en América Latina: derechos
fundamentales, democracia y justicia constitucional. In: BOGDANDY, Armin von; FIX-FIERRO, Hector;
MORALES ANTONIAZZI, Mariela. (Coord.). Ius Constitutionale Commune en América Latina.
Rasgos, potencialidades y desafíos. México: Unam, 2014. p. 25 e ss.
341 BOGDANDY, Armin von. Ius Constitutionale Commune na América Latina. Uma reflexão sobre
um constitucionalismo transformador. RDA – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v.
269, p. 13-66, mai./ago. 2015. p. 21-22.
257
30 anos da Constituição
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Referências
259
30 anos da Constituição
COMTE, Augusto. Discurso sobre o espírito positivo. [s.d.]. p. 40-41. Disponível em:
< http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/comte.pdf> Acesso em 22 jun. 2018.
FACHIN, Luiz Edson. Notas para um ensaio sobre a posição jurídica dos trata-
dos internacionais de direitos humanos no Brasil após a reforma constitucional.
In: PRONER, Carol; CORREAS, Óscar (coord.). Teoria crítica dos direitos hu-
manos. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 153-163.
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6° ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.
260
30 anos da Constituição
LOPES, Dalliana Vilar; LOPES, Gills Vilar. A internalização dos tratados sobre
Direitos Humanos na ordem jurídica brasileira e a problemática da ordem interna-
cional. Universitas Relações Internacionais, Brasília, v. 14, n. 1, p. 51-59, jan./jun. 2016.
261
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30 anos da Constituição
263
Controle de Convencionalidade e Terras
Indígenas: uma Análise a Partir de 1988
Konstantin Gerber345
345 Konstantin Gerber, advogado consultor em Direitos Humanos, mestre e doutorando em filosofia do
direito, PUC SP, onde integra os grupos de pesquisa direitos fundamentais.
346 BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte. Anteprojeto da Subcomissão dos Negros, Populações
Indígenas, Pessoas com deficiência e minorias da Comissão de Ordem Social aprovado em 25/5-87
Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-200.pdf
265
30 anos da Constituição
347 IIDH. El derecho a la consulta previa, libre e informada: una mirada crítica desde los pueblos
indígenas. IIDH, San Jose: 2016, pp.111-125
266
30 anos da Constituição
348 BRASIL, STF, HC 91.361/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23/09/2008, p.23
349 ONU. A/HRC/33/42/Add.1 8 de agosto de 2016, Relatório da missão ao Brasil da Relatora Especial sobre
os direitos dos povos indígenas, págs. 7-8, disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/
documentos-e-publicacoes/docs/relatorio-onu-povos-indigenas/relatorio-onu-2016_pt.pdf
267
30 anos da Constituição
350 ONU. Committee on the Elimination of Racial Discrimination, General Recommendation 23, Rights
of indigenous peoples (Fifty-first session, 1997), U.N. Doc. A/52/18, annex V at 122 (1997), reprinted
in Compilation of General Comments and General Recommendations Adopted by Human Rights
Treaty Bodies, U.N. Doc. HRI\GEN\1\Rev.6 at 212 (2003).
351 STF. Embargo de Declaração na Petição 3.388 Roraima, Rel. Min. Roberto Barroso, j. em 23 de
outubro de 2013
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353 GERBER, Konstantin & MENDES, Rafaela Paula Ribeiro. Morosidade na demarcação, violência
decorrente e o direito à terra dos guarani Kaiowá.Aracê, Direitos Humanos em revista, n. 5, São
Paulo: 2017, p. 333 e p. 335, disponível em: https://arace.emnuvens.com.br/arace/article/view/147/88
354 ZANETI JUNIOR, Hermes. Precedentes (Treat like cases alike) e o novo Código de Processo Civil;
universalização e vinculação horizontal como critérios de racionalidade e a negação da ´jurisprudencia
persuasiva’ como base para uma teoria e dogmática dos precedentes no Brasil. Revista de Processo vol.
235, São Paulo: 2014. Agradeço a João Vitor Cardoso (Grupo de Pesquisas em Direitos Fundamentais,
PUC-SP) pela indicação de leitura.
270
30 anos da Constituição
271
30 anos da Constituição
357 SUXE, HERVÉ, 2007, p. 158 apud ALCALÁ, Humberto Nogueira. Diálogo interjurisdiccional entre
tribunales nacionales y Corte Interamericana de Derechos Humanos. In: ALCALÁ, Humberto
Nogueira. Diálogo judicial multinivel y princípios interpretativos favor persona y de proporcionalidad.
Librotecnia, Santiago de Chile: 2013, p. 28
358 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. RCS, São Paulo: 2007, pp. 107 e 108.
359 Cf. CIDH, Caso Cabrera García y Montiel Flores Vs. México. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones
y Costas. Sentencia de 26 de noviembre de 2010, parágrafo 225 cf. OEA, Control de Convencionalidad.
Cuadernillo de jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos n. 7, p. 9
360 ALCALÁ, 2013, Op. Cit, p. 26.
361 Idem, p. 22
362 CARVALHO RAMOS, André de. Supremo Tribunal Federal Brasileiro e o Controle de
Convencionalidade: levando a sério os tratados internacionais de direitos humanos. Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo v. 104, FDUSP, São Paulo: 2009, pp. 245 e 258-259
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30 anos da Constituição
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30 anos da Constituição
Mas sabemos que de outro lado figura o Min. Gilmar Mendes, represen-
tante, por assim dizer, da “jurisdição patrimonial”, como se diz em Filosofia do
Direito365, em caso em que os guarani Kaiowá foram expulsos na década de
1940 da terra indígena Guyraroká.
Nestas hipóteses de perda de terra em decorrência de massacres, o STF
deve corrigir sua interpretação, o que não exclui a possibilidade de denúncia na
OEA pelo retardamento injustificado de todas as demarcações de terras indíge-
nas por parte do Ministério da Justiça.
Com a recente a tradução dos julgados interamericanos para o português,
bem como a profusão de publicações de comentários à Convenção Americana,
com referência aos julgados, acreditamos que isso facilitará a vida dos assessores
dos ministros de nosso mais elevado tribunal de modo a se orientar pelo ratio
decidendi interamericano, ou, ao revés, a dificultará, na medida em que mais
munidos estarão os que advogam pelos direitos humanos no país.
365 Cf. GARBELLINI CARNIO, Henrique. Direito e ideologia: o direito como fenômeno ideológico.
Panóptica. Revista Eletrônica Acadêmica de Direito, p. 104.
366 Cf. GERBER, Konstantin. Reparações aos povos originários ocupantes tradicionais no Brasil: o
que pedir no sistema interamericano. Justificando, 10 de março de 2017, Justificando, disponível
em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/03/10/reparacoes-aos-povos-originarios-ocupantes-
tradicionais-no-brasil/
367 CIDH, Caso Pueblos Kaliña y Lokono vs. Surinam, Sentença de 25 de novembro de 2015 (Fondo,
Reparaciones y Costas), páragrafo 272, p. 75
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368 BERISTAIN, Carlos Martín. Diálogos sobre reparación. Qué reparar enlos casos de violaciones de
derechos humanos. IIDH, San Jose: 2010, p. 433
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369 CIDH, Caso comunidad indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay, parágrafo 244 In: RAMÍREZ, Sergio
Garcia (Coord.) La jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos Vol. IV,
UNAM, Mexico: 2008, p. 241
370 CHAVARRÍA, Ana Belem García. La prueba em la función jurisdiccional de la Corte Interamericana
de Derechos Humanos. CNDH, México: 2016, pp. 32-35
371 CIDH, Caso de la comunidad moiwana vs. Suriname In: RAMÍREZ, Sergio Garcia (Coord.) La
jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos Vol. III, UNAM, Mexico: 2008,
págrafo 212, P. 169; parágrafo 19, p. 180.
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6. Síntese conclusiva
A consagração de direitos indígenas na Constituição pode não significar
muito se inexiste a prática administrativa demarcatória ou mesmo o reconheci-
mento judicial para tanto. Pelo art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, o Brasil deveria ter concluído os processos de demarcação em 5
anos a partir de 05 de outubro de 1988, o que foi considerado como norma
374 GERBER, Konstantin & CONCI, Luiz Guilherme Arcaro & PEGORARI, Bruno. Medidas
cautelares internacionais: todos podem pedir. 26 de agosto de 2016, disponível em: http://justificando.
cartacapital.com.br/2016/08/26/medidas-cautelares-internacionais-todos-podem-pedir/
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30 anos da Constituição
meramente “programática” pelo STF (RMS 26212/DF), o que não exclui o de-
ver de demarcação em prazo razoável. A Corte Interamericana entendeu que
as tardanças de 11 anos e oito meses (caso “Yakye Axa”) e 13 anos (caso “Sa-
whoyamaxa”) para o reconhecimento de terras indígenas violam direitos.
O pedido de restituição de terras de igual qualidade e extensão deve ocor-
rer somente se inviável o pedido de demarcação de terras. O Estado deve en-
tregar terras alternativas, escolhidas de modo consensual com a comunidade
afetada, conforme seus meios de consulta e decisão, somente se a devolução de
terras por meio do procedimento de demarcação de terras não for comprova-
damente possível. Como o próprio parecer normativo da AGU reconhece em
menção ao voto aclaratório do Min. Roberto Barroso: a União Federal pode
“obter o domínio de outras áreas, seja pelos meios negociais tradicionais (como
a compra e venda ou a doação), seja pela desapropriação”375.
Para pensar com Joaquim Herrera Flores propõe-se uma prática que não seja
nem universalista, nem multicultural, mas intercultural376. O desenvolvimento na-
cional deve ser perseguido em conjunto da gestão em terras indígenas, em busca de
uma democracia intercultural e pluriétnica, sob pena do Estado brasileiro continuar
a praticar políticas reiteradamente discriminatórias, para não dizer etnocidas.
279
Os Tratados Internacionais de Direitos
Humanos no Direito Brasileiro
377 Mestranda em Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduada
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012). Cursando Especialização em
Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pesquisadora no grupo de
pesquisa Direitos Fundamentais, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
281
30 anos da Constituição
Federal de 1988 pela Emenda Constitucional 45/2005 trouxe mudanças efetivas para
os indivíduos ou se a dúvida sobre sua força normativa ainda continua.
Palavras-Chaves: Tratados Internacionais. Constituição Federal de 1988. Tra-
tados Internacionais de Direitos Humanos com status de Emenda Constitucional.
Sumário: 1. Introdução. 2.Tratados Internacionais. 2.1. Origem e especi-
ficidades na ordem internacional. 2.3. Origem e especificidades na ordem jurí-
dica brasileira. 3. Tratados Internacionais de Direitos Humanos. 3.1. Singulari-
dades na ordem internacional 3.2. Singularidades na ordem nacional brasileira.
4. Incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos pelo Direito
Brasileiro. 4.1. Antes da EC n.45/2004. 4.2. Após a EC n.45/2004 5. Conclusão.
1. Introdução
A sistematização universal de proteção dos direitos humanos foi instituída
aos poucos, na medida em que os direitos humanos foram adquirindo impor-
tância e tratamento internacional. Segundo o professor André de Carvalho
Ramos378, os direitos humanos começaram a entrar no cenário internacional
em meados do século XIX e início do século XX através de normas esparsas que
se preocupavam com direitos essenciais dos indivíduos nessa época.
Segundo o autor:
“Se a existência das normas internacionais esparsas referentes a certos
direitos auxiliou a sensibilizar os Estados sobre essa temática, consti-
tuindo-se em causa remota para a contemporânea proteção internacio-
nal dos direitos humanos, as causas próximas estão relacionadas à nova
organização da sociedade internacional no pós- 2ª Guerra Mundial”379.
378 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional – 6. Ed –
São Paulo: Saraiva, 2016. p. 60.
379 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional – 6. Ed –
São Paulo: Saraiva, 2016. p. 62.
282
30 anos da Constituição
380 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional – 6. Ed –
São Paulo: Saraiva, 2016. p. 68.
381 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. p. 90.
382 FIGUEIREDO, Marcelo. O direito constitucional transnacional e algumas de suas dimensões.
Trabalho inédito. p. 21.
383 FIGUEIREDO, Marcelo. O direito constitucional transnacional e algumas de suas dimensões.
Trabalho inédito. p. 22
283
30 anos da Constituição
284
30 anos da Constituição
O presente artigo tem por escopo o exame desse dispositivo tão polêmico,
de modo a procurar compreender os impactos reais dessa novidade legislativa.
Para tanto, é importante entender como funciona um dos instrumentos que au-
xilia a comunicação entre o direito internacional e o direito interno: os tratados
internacionais. Em um segundo momento é importante analisar as especificida-
des dos tratados internacionais de direitos humanos e a relação do Brasil com
eles. Para por fim, analisar se a inserção do §3º ao artigo 5º da Constituição
Federal de 1988 pela Emenda Constitucional 45/2005 trouxe mudanças efetivas
para os indivíduos ou se a dúvida sobre sua força normativa ainda continua.
Esse artigo não tem a pretensão de abordar todo o tema - o que seria impos-
sível. Mas o foco é entender as relações entre direito nacional e direito internacio-
nal dos direitos fundamentais no cenário brasileiro e em que medida um indivíduo
pode alegar, perante autoridades brasileiras, a violação de um direito humano ba-
seado direito internacional. Isso não significa que serão analisadas aqui as formas
de responsabilização internacional do Estado brasileiro em casos que envolvam des-
respeito a direitos humanos internacionais por motivos jurídicos ou fáticos, mas tão
somente a relevância do direito internacional em âmbito interno.
2. Tratados Internacionais
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30 anos da Constituição
K.A. Kitchen dispõe sobre um trecho do acordo de paz entre os dois povos:
“No ano 21, primeiro mês do inverno, dia 21, sob a Majestade de Ramsés
II. Neste dia, eis que sua Majestade estava na cidade de Pi-Ramesse,
satisfazendo (os deuses...). Chegaram os (três Enviados Reais do Egito...)
juntos com o primeiro e segundo enviados Reais dos Hititas, Tili-Teshub
e Ramose, e o Enviado de Carchemish, Yapusili, carregando uma barra
de prata a qual o Grande Soberano dos Hititas, Hattusil III envia ao
Faraó, para pedir paz à Majestade de Ramsés.”384
384 KITCHEN, K.A. Pharaoh Triumphant: the life and times of Ramesses II, 2.ed.Cairo, Egypt: American
University in Cairo Press (et all.), 1997,p.75
385 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito dos Tratados – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2011.
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30 anos da Constituição
terminou que a Alemanha fosse responsabilizada pela guerra e que esta fizesse
reparações. Essa solução não foi muito bem aceita pelos alemães, o que acarre-
tou posteriormente a ascensão do nazismo.
Apesar de um resultado não muito promissor para a Alemanha, o tratado
criou a Liga das Nações, instituição pela qual eram arbitradas as disputas inter-
nacionais para evitar as possíveis guerras. Porém, a II Guerra Mundial chegou
e a Liga não conseguiu concretizar seu maior objetivo: manter a paz. Foi assim
que sua sucessora Organização das Nações Unidas – ONU, foi criada em 1945,
com o objetivo de deter guerras entre os países e fornecer um ambiente de diá-
logo para as controvérsias internacionais.
Após sua estruturação, a ONU que sempre objetivou a cooperação em maté-
ria de direito internacional, segurança internacional, desenvolvimento econômico,
progresso social, direitos humanos e paz mundial, passou a criar comissões específi-
cas para o estudo e desenvolvimento do Direito Internacional, e desses estudos veio
o projeto que se tornou a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969.
A Convenção de Viena de 1969, também conhecida como a Lei dos Tratados,
Tratados dos Tratados, é um dos mais importantes documentos da história do Di-
reito Internacional Público. A Convenção tratou tanto da codificação do conjunto
de regras gerais referentes aos tratados concluídos entre Estados, quanto à regula-
mentação de todo tipo de desenvolvimento progressivo daquelas matérias ainda
não consolidadas no âmbito internacional. A Convenção regula desde questões pré-
-negociais, até o processo de formação dos tratados, sua entrada em vigor, aplicação
provisória, nulidade, extinção e execução de sua execução386.
O importante, a saber, por ora é que a Convenção de Viena foi um ponto
marcante na história dos tratados. A partir desse tratado a valorização dessa cele-
bração ganhou mais espaço e reconhecimento entre as nações. Motivo pelo qual
o conceito de “tratado “mais utilizado atualmente é o dessa convenção: “tratado”
significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido
pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou
mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica(...)387”.
386 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2011.Cit.p33.
387 Decreto nº 7.030, de 14 de Dezembro de 2009. Artigo 2. 1a.
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289
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391 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. p. 58.
392 BILDER, Richard B. Na overview of international human rights law. In: HANNUM, Hurst (Editor).
Guide to international human rights practice. 2. Ed. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1992.
290
30 anos da Constituição
393 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. p. 559
394 ROMANO,Santi.Princípios de Direito Constitucional Geral.São Paulo: RT, 1977.p.86
395 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Soberania.Revista Brasileira de Estudos
Políticos da UFMG, Belo Horizonte,nº63/64,jul.1986/já.1987.pp.32-33.VERDROSS,Alfred.Derecho
Internacional Público.Trad.de Antonio Truyol y Serra. 6ª ed.Madrid,1978,p.9; MELLO,Celso D. de
Albuquerque.Curso de Direito Internacional Público.4ªed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974.p.200.
396 MELLO, Celso D.de Albuquerque. Curso de Direito Internacional.p.200.
397 VERDROSS,Alfred. Op.cit.pp.10 e 92: e MELLO, Celso D.de Albuquerque. Curso de Direito
Internacional.p.200.
291
30 anos da Constituição
292
30 anos da Constituição
400 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. P.60.
293
30 anos da Constituição
Foi a partir dessa Declaração de 1948 que a concepção de direitos humanos tra-
zida por ela começa a desenvolver o Direito Internacional de Direitos Humanos, atra-
vés de inúmeros tratados internacionais destinado a proteção dos direitos humanos.
Os instrumentos internacionais refletem a consciência ética compartilhada pe-
los Estados em favor da proteção dos indivíduos e forma-se assim o sistema normativo
global de proteção dos direitos humanos no âmbito das Nações Unidas.
Ao lado desse sistema global, surge o sistema regional de proteção que busca
internacionalizar os direitos humanos no plano regional. Esses sistemas são comple-
mentares não se excluem, permitem que o indivíduo escolha qual o aparato que mais
o protege. E como o Brasil vê essa proteção internacional dos direitos humanos?
401 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. p. 66.
402 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. p 68.
294
30 anos da Constituição
403 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. p.66.
404 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. p.67
405 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. P 68 -69.
406 PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. – 9.ed. ver., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2016. P.69
295
30 anos da Constituição
407 JUNIOR, René Zamlutti. A hierarquia dos Tratados Internacionais de direitos humanos no
ordenamento jurídico brasileiro. Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
São Paulo. 2011. p.138.
408 JUNIOR, René Zamlutti. A hierarquia dos Tratados Internacionais de direitos humanos no
ordenamento jurídico brasileiro. Mestrado em Direito. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
São Paulo. 2011. p.138.
296
30 anos da Constituição
409 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional – 6. Ed –
São Paulo: Saraiva, 2016. P. 308.
410 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014.
411 ADIn 1.480 (medida cautelar), rel. Min. Celso de Mello, j. 4.9.1997; HC 72.131, rel. Min. Marco
Aurélio, j. 23.11.1995; Recurso em HC 79.785, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 29.3.2000. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br>.
412 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014.
413 QUEIROGA, Vitória dos Santos Lima. A Emenda Constitucional n.45∕ 2004 e os Tratados de
Direitos Humanos: será o fim da controvérsia. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site
/index.php?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9329
297
30 anos da Constituição
414 QUEIROGA, Vitória dos Santos Lima. A Emenda Constitucional n.45∕ 2004 e os Tratados de
Direitos Humanos: será o fim da controvérsia. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site
/index.php?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9329
415 MENDES, Gilmar F., COELHO, Inocêncio M. BRANCO, Paulo Gustavo G. Curso de Direito
Constitucional. 2.ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.p. 702-703.
416 HC 87.585, rel. Min. Marco Aurélio, j. 3.12.2008; RE 466.343, rel. Min. Cezar Peluso, j. 3.12.2008; RE
349.703, rel. Min. Carlos Britto, j. 3.12.2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>.
417 RE 349.703, rel. Min. Carlos Britto, j. 3.12.2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>
298
30 anos da Constituição
418 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014.
419 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. P. 35
299
30 anos da Constituição
420 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. P. 32
421 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 34
422 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 36-37
300
30 anos da Constituição
423 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. P. 37
301
30 anos da Constituição
5. Conclusão.
Em suma, esse dispositivo realmente ampliou a proteção dos direitos hu-
manos no âmbito nacional ou ele simplesmente esclareceu o que já havia no
texto constitucional? De tudo o que foi exposto podemos afirmar que a inserção
do § 3º do art. 5º da CF/88 não serviu efetivamente para nada, visto não é ne-
cessário um novo parágrafo na Constituição, bastaria apenas a jurisprudência
dos Tribunais Superiores para esclarecer o que já tinha no texto constitucional.
Dimitri Dimoulis426 também entende dessa maneira. Para o autor, o novo
§ 3o do art. 5o da CF revela-se juridicamente inócuo. Antes da EC 45/2004, o
Congresso Nacional poderia atribuir força jurídica de emenda constitucional a
qualquer tratado internacional com base na previsão do art. 60 da CF. Hoje,
pode fazer o mesmo em virtude do art. 5o, § 3o, da CF. Em paralelo, tanto antes
424 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. P. 37
425 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. P. 37
426 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. P. 40.
302
30 anos da Constituição
Referência bibliográfica
427 DIMOULIS, Dimitri. MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. – 5. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014.
303
30 anos da Constituição
KITCHEN, K.A. Pharaoh Triumphant: the life and times of Ramesses II, 2.ed.
Cairo, Egypt: American University in Cairo Press(et all.), 1997.
304
A Constituição como Sistema Normativo
Aberto: a Cooperação Entre Instituições
Internacionais e Domésticas na Aplicação da
Dignidade Humana e do Critério Pro Persona
1. Introdução
A Constituição de 1988 inaugurou no Brasil uma nova ordem jurídica, rom-
pendo com o Estado anterior sob o regime ditatorial e estabelecendo as bases
para a formação de um novo Estado Democrático de Direito. Um dos pontos,
sem dúvida, que deve ser destacado nessa nova ordem é a recepção e afirmação
do conceito moderno de direitos fundamentais. Pela primeira vez, uma Constitui-
ção brasileira utilizou o termo Direitos e Garantias fundamentais para expressar
várias espécies de direitos e deveres, sendo eles classificados de individuais, cole-
tivos, sociais, do trabalhador, da nacionalidade, políticos e dos partidos políticos.
Essa é a gama de direitos prevista no Titulo II, artigos 5º ao 17.
A proposta originária constitucional proporcionou o desenvolvimento de
um regime próprio dos direitos fundamentais, que possui relação com as de-
305
30 anos da Constituição
430 Sobre o tema ver também CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. A obsolescência da perspectiva da
hierarquia dos tratados internacionais para a coordenação entre o direito doméstico e o direito
internacional em matéria de direitos humanos. In: ARAÚJO, Marcelo Labanca Corrêa de; LEITE,
Glauco Salomão; SANTOS, Gustavo Ferreira; TEIXEIRA, João Paulo Allain. 30 anos da Constituição
brasileira – balanço crítico e desafios à (re) constitucionalização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018,
que também se publica nesta obra.
306
30 anos da Constituição
O próximo passo a ser dado é aplicar esse critério também para resolver con-
flitos interpretativos entre Tratados internacionais e normas constitucionais, para
que o juiz nacional possa aplicar o direito convencional. A Corte Interamericana
de Direitos Humanos estabeleceu alguns critérios para essa aplicação, que serão
evidenciados. Trata-se também de um modo outro de se rotular a questão da limi-
tação ou alteração da soberania do Estado, pois não há que se falar em soberania
quando o centro do sistema protetivo está no indivíduo e não no próprio Estado.
Essas discussões se tornam possíveis a partir do texto constitucional de
1988, que propiciou a contínua evolução no reconhecimento dos direitos fun-
damentais, sejam aqueles já previstos em que se busca concede-los máxima
efetividade, sejam aqueles incorporados do direito internacional dos direitos
humanos. Esse é um dos pontos importantes estabelecidos pela Constituição
brasileira, que precisa ainda ser trabalhado e melhor aprofundado.
Essa é uma mudança de paradigma em que a Constituição se torna perme-
ável a valores jurídicos suprapositivos, em que as ideias de justiça e de realização
de direitos desempenha um papel central na realização do Estado democrático de
Direito brasileiro, no entanto, há ainda muito o que ser feito no que diz respeito
a integração brasileira a sistemas internacionais de proteção de direitos humanos.
431 VERDÚ, Lucas. O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como
modo de integração política. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 53. “(...) o sentimento jurídico supõe
a implicação com o ordenamento jurídico e com a ideia de justiça que o inspira e ilumina. Sentir
juridicamente é implicar com o Direito vigente, com o todo ou com parte dele, dando-lhe apoio.
Às vezes, a não implicação indica que se prefere um Direito distinto, o Direito anterior ou outro
melhor e/ou mais justo. Desse modo, o sentimento jurídico aparece como afeto mais ou menos intenso
pelo justo e equitativo na convivência. Quando tal afeto versa sobre a ordem fundamental daquela
convivência, temos o sentimento constitucional.”
307
30 anos da Constituição
432 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6 ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 13. O autor
nesta mesma obra, p. 12, conceitua Constituição, como “uma ordenação sistemática e racional da
comunidade política, plasmada num documento escrito, mediante o qual se garantem os direitos
fundamentais e se organiza, de acordo com o princípio da divisão de poderes, o poder político.
433 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Almedina, 1982.
308
30 anos da Constituição
309
30 anos da Constituição
435 MARCÍLIO, Maria Luiza (org.). A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sessenta anos. São
Paulo: EDUSP, 2008. p.9
436 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3 ed. Coimbra: Coimbra editora,
2000. p. 183-184.
310
30 anos da Constituição
437 SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 105
311
30 anos da Constituição
438 PIOVESAN, Flávia. Tratados Internacionais de proteção dos direitos humanos: jurisprudência do
STF. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Vinte anos da Constituição de
1988. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2009. p. 465
439 OTERO, Paulo. Instituições políticas e constitucionais. Volume I. Coimbra: Almedina, 2.007, p. 377.
440 Idem, p. 377.
312
30 anos da Constituição
441 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Vol. I. Porto Alegre: SAFE, 2.003, PP. 513-514.
442 Principalmente, a partir da sua tese de doutoramento publicada pela editoria Max Limonad, de São
Paulo, em 1.996.
443 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Contribuições previdenciárias. Não recolhimento. Art. 95, d, da Lei
8.212/91. Inconstitucionalidade. Revista dos Tribunais, n. 736, p. 527.
444 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Vol. I. Porto Alegre: SAFE, 2.003, PP. 551-552.
445 PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenêutica y pautas para La regulación
de lós derechos humanos. In: La aplicación de lós tratados de derechos humanos por lós tribunales
locales: Buenos Aires: Ediar, Centro de Estudios Legales y Sociales- Editorial del Puerto, 1997, p. 163.
313
30 anos da Constituição
nal, devendo prevalecer aquela que for mais expansiva, independentemente do status
hierárquico interno que adquirem tratados internacionais de direitos humanos446.
Trata-se de norma jurídica que decorre do artigo 29 da Convenção Ameri-
cana de Direitos Humanos, que diz respeito tanto ao conflito de interpretações
que pode decorrer dos tratados e instrumentos internacionais447 (conflitos entre
tratados), ou tratados ou instrumentos e dos direitos fundamentais previstos
nacionalmente (conflitos entre tratados e direito doméstico), nos estados partes
do sistema interamericano de proteção de direitos humanos.
Assim, faz-se necessária uma análise aprofundada de conteúdo do que de-
cidiu a Corte IDH ou do que contém um tratado ou instrumento internacional
de direitos humanos para que o juiz nacional possa aplicar o direito convencio-
nal. Trata-se de um diálogo crítico448_449 necessário, em que haja reciprocidade,
pois caso a proteção a um direito seja mais efetiva em âmbito nacional, esta
deve prevalecer, ainda que existam precedentes da Corte IDH ou normas jurí-
446 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Vol. II. Porto Alegre: SAFE, 1999, p. 435.
447 Corte Interamericana de Direitos Humanos. La colegiación obligatoria de periodistas (arts. 13 y 29 de
la Convención Americana sobre Derechos Humanos), Opinión Consultiva OC/5, 13 de noviembre de
1985, par. 52: “En consecuencia, si a una misma situación son aplicables la Convención Americana y
otro tratado internacional, debe prevalecer la norma más favorable a la persona humana. Si la propia
Convención establece que sus regulaciones no tienen efecto restrictivo sobre otros instrumentos
internacionales, menos aún podrán traerse restricciones presentes en esos otros instrumentos, pero
no en la Convención, para limitar el ejercicio de los derechos y libertades que ésta reconoce”.
448 “Sin embargo, en un plan general de discusión, ello no nos impide advertir la conveniencia de que
se profundice un diálogo jurisprudencial entre la Corte IDH y los respectivos órganos de cierre de
la jurisdicción constitucional de los Estados que conforman el sistema interamericano, a los fines
de que aquélla tenga presente las observaciones o discordancias que los mismos formulen a los
criterios jurisprudenciales trazados por el Tribunal interamericano para coadyuvar al mejoramiento
de su labor jurisdiccional. Naturalmente, todo ello en aras de optimizar el modelo tuitivo de los
derechos fundamentales sobre la base de un adecuado funcionamiento de las piezas que lo componen,
precisamente para hacer más efectiva y eficiente la protección de aquéllos en nuestro espacio regional,
cf. ABRAMOVICH, Víctor, “Introducción: Una nueva institucionalidad pública. Los tratados de
derechos humanos en el orden constitucional argentino”, en ABRAMOVICH, Víctor, BOVINO,
Alberto y COURTIS, Christian (comps.), La aplicación de los tratados de derechos humanos en el
ámbito local. La experiencia de una década, CELS - Canadian International Development Agency,
Editores del Puerto, Buenos Aires, 2007, pp. VI/VII.
449 Slaughter, citando a juíza da Suprema Corte Americana Ruth Ginsburg, afirma que em “matéria
de direitos humanos(…) as experiências de uma nação ou região devem inspirer ou informar outras
nações ou regiões”, cf. SLAUGHTER, Anne-Marie. A Global Community of Courts. Harvard
International Law Journal. v. 44, n. 1, 2003, p. 199.
314
30 anos da Constituição
450 Nesse sentido, RAMIREZ, Sergio Garcia. El control judicial interno de convencionalidad, Revista IUS
– Revista Cientifica del Instituto de Ciencias Juridicas de Puebla, no 28, julho-dezembro de 2011, p. 139:
“...corresponde aclarar – como se ha hecho em otro lugar de este trabajo – que las interpretaciones del
tribunal interamericano pueden verse superadas por actos – instrumentos internacionales, disposiciones
nacionales, actos de jurisdicción interna – que reconozcan a lós indivíduos mayores o mejores derechos
y libertades. El derecho internacional de lós derechos humanos es el ‘piso’de los derechos, no el ‘techo’.
Esta conclusión, que deriva inmediatamente del principio pro homine , tiene soporte em las normas de
interpretación contenidas en el artículo 29 de la Convención Americana”.
451 A Corte IDH desde há muito assim decidiu em Corte Interamericana de Derechos Humanos.
Opinión Consultiva OC-1/82 del 24 de setiembre de 1982: “los tratados modernos sobre derechos
humanos, en general, y, en particular, la Convención Americana, no son tratados multilaterales del
tipo tradicional, concluidos en función de un intercambio recíproco de derechos, para el beneficio
mutuo de los Estados contratantes. Su objeto y fin son la protección de los derechos fundamentales
de los seres humanos, independientemente de su nacionalidad, tanto frente a su propio Estado, como
frente a los otros contratantes. Al aprobar estos tratados sobre derechos humanos, los Estados se
someten a un orden legal dentro del cual ellos, por el bien común asumen varias obligaciones, no en
relación con otros Estados, sino hacia los individuos bajo su jurisdicción”. Também apontando essa
mudança de perspectiva, MacGregor, Eduardo. el control difuso de convencionalidad en el estado
constitucional, p.159, disponível em http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/6/2873/9.pdf.
452 PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenêutica y pautas para La regulación
de lós derechos humanos. In: La aplicación de lós tratados de derechos humanos por lós tribunales
locales: Buenos Aires: Ediar, Centro de Estudios Legales y Sociales- Editorial del Puerto, 1997, p. 163.
315
30 anos da Constituição
453 Tal qual decidido pelo Tribunal Constitucional do Peru no caso EXP. N2730-2006-PA/CT — 21 de
julho de 2006 - Caso De Arturo Castillo Chirinos: “15. Lo ex pues to, des de lue go, no alu de a una
re la ción de je rarquización formalizada entre los tribunales internaciones de derechos humanos y
los tribunales internos, sino a una relación de cooperación en la interpretación pro homine de los
derechos fundamentales. No pue de ol vi dar se que el ar tícu lo 29.b de la Convención proscribe a
todo tribunal, inclu yendo a la propia Corte, “li mi tar el goce y ejer ci cio de cual quier de re cho o li
ber tad que pueda estar reconocido de acuer do con las leyes de cualquiera de los Esta dos par tes o de
acuer do con otra con ven ción en que sea par te uno de di chos Esta dos”. Ello sig ni fi ca, por ejem
plo, que los derechos reconocidos en el ordena miento inter no y la inter preta -ción optimi zadora que
de ellos realice la jurisprudencia de este Tribunal, también es observada por la Corte”.
454 Também BAZAN, Victor. “Corte Interamericana de Derechos Humanos y Cortes Supremas o
Tribunales Constitucionales latinoamericanos: el control de convencionalidad y la necesidad de un
diálogo interjurisdiccional crítico”, Revista Europea de Derechos Fundamentales, N° 16, 2° Semestre
de 2010, Fundación Profesor Manuel Broseta e Instituto de Derecho Público Universidad Rey
Juan Carlos, Valencia, España, 2011 : “En el fondo, y como se adelantaba, la cooperación entre los
tribunales internos y los tribunales internacionales no apunta a generar una relación de jerarquización
formalizada entre éstos y aquéllos, sino a trazar una vinculación de cooperación en la interpretación
„pro homine” de los derechos humanos”.
455 ESCALANTE, Rodolfo E. Piza. El valor del derecho y la jurisprudencia internacionales de derechos
humanos en el derecho y la justicia internos el ejemplo de costa rica, in Liber amicorum : Héctor
316
30 anos da Constituição
Este juiz nacional e o juiz da Corte IDH, todos eles juízes interamericanos,
devem verificar, no caso concreto, o nível de proteção que se produz tanto em
âmbito nacional quanto em âmbito internacional e, desse modo, aplicar as nor-
mas jurídicas mais protetivas, não sendo a mera contrariedade entre a normas
nacionais e as internacionais que as torna inconvencionais, mas, sim, o déficit
de proteção em sede nacional que causar tal resultado.
Ao juiz da Corte IDH, verificando que a proteção dada pelo direito na-
cional é mais intensa, cabe deixar de sancionar ao estado nacional que, em um
caso concreto, está sob julgamento. No caso do juiz nacional, verificando que o
direito nacional é mais protetivo cabe dar prevalência ao direito interno.
A própria Corte IDH demonstra ser também função do direito internacio-
nal dos direitos humanos a de aperfeiçoar o direito interno. Em sentido contrá-
rio, não se prestigia a possibilidade de produzir, o direito internacional dos di-
reitos humanos, um retrocesso na proteção aos direitos produzida pelos estados
nacionais em seu direito nacional:
“[l]a Convención Americana, además de otros tratados de derechos
humanos, buscan, a contrario sensu, tener en el derecho interno de los
Estados Parte el efecto de perfeccionarlo, para maximizar la protección
de los derechos consagrados, acarreando, en este propósito, siempre que
necesario, la revisión o revocación de leyes nacionales [...] que no se
conformen con sus estándares de protección.”456
O labor de promover a progressividade dos direitos humanos, previsto no
artigo 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos, nesse sentido, deve
Fix Zamudio : volume I. Sao José, CIDH, 1998, p. 183;”Esto mismo, unido a la naturaleza universal e
indivisible de los derechos humanos, caracterizados precisamente por su atribución a todo ser humano por
el sólo hecho de serlo, sin distinción de sexo, edad, color, riqueza, origen nacional o social, nacionalidad
o ninguna otra condición social, impone definitivamente la superación de toda pretensión dualista
para explicar la relación entre el Derecho interno y el Derecho Internacional. Porque, efectivamente,
la coexistencia de dos órdenes jurídicos distintos sobre un mismo objeto resulta lógicamente imposible;
con lo cual va perdiendo a su vez, todo sentido, no sólo la clásica alternativa ‘monismo’ y ‘dualismo’ en
la consideración de las relaciones entre el Derecho interno y el Internacional, sino incluso la discusión
sobre la prevalencia de uno u otro, en caso de conflicto, por lo menos en lo que se refiere a los derechos
humanos; con la consecuencia absolutamente obligada de que, o en esta matéria prevalece el Derecho
Internacional, o bien, como debe, a mi juicio, decirse mejor, em realidad no prevalece ni uno ni otro, sino,
en cada caso, aquél que mejor proteja y garantice al ser humano, en aplicación, además, del ‘principio pro
homine’ propio del Derecho de los Derechos Humanos”
456 Corte IDH: Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de febrero de 2001. Serie C No. 73. Voto concurrente del juez
A. A. Cançado Trindade, par. 14.
317
30 anos da Constituição
4. Conclusões
A Constituição brasileira de 1988 foi um marco para o desenvolvimento
da dogmática dos direitos fundamentais, criando as bases para um regime ju-
rídico diferenciado para sua aplicação e interpretação. O reconhecimento do
princípio da dignidade humana tornou-se um marco balizador para interpreta-
ção das questões relacionadas aos direitos em âmbito interno. Neste sentido, o
Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a força normativa deste princípio.
De acordo com a previsão do artigo 5º., §2º, o catálogo de direitos funda-
mentais da Constituição é considerado materialmente aberto, possibilitando desta
forma a incorporação de novos direitos oriundos do regime e dos princípios por ela
adotados, e dos Tratados Internacionais que a República federativa do Brasil faça parte.
É necessário continuar evoluindo no sentido de promover o entendimento da
progressividade dos direitos humanos e extensão da aplicação do princípio da digni-
dade humana. A Constituição, como sistema aberto, precisa dar o passo de dialogar
mais profundamente com as Cortes Internacionais, em especial, a Interamericana.
Diversamente da quase totalidade das cortes e tribunais constitucionais dos estados
partes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Fede-
ral ainda não fixou o poder de obrigação advindo das decisões proferidas pela Corte
IDH, é dizer, não decidiu qual o poder jurídico de tais decisões. Não há uma única
manifestação do Supremo Tribunal Federal afirmando se os precedentes advindos
dos casos em que o Brasil não é parte, ou mesmo, naqueles em que é parte, ou das
opiniões consultivas da Corte IDH, são ou não vinculantes.
Esses 30 anos da vigência da Constituição foram necessários para a sedi-
mentação da dogmática dos direitos fundamentais, dando a importância cen-
tral que a eles se impõe em âmbito interno. Mesmo que lentamente, tem sido
dado a eles a interpretação com sua máxima efetividade. No entanto, no que diz
respeito a integração brasileira a sistemas internacionais de proteção de direitos
humanos, ainda temos um caminho a percorrer.
318
30 anos da Constituição
Bibliografia
Jurisprudência
Livros e artigos
319
30 anos da Constituição
320
30 anos da Constituição
321
30 anos da Constituição
SILVA, Jose Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São Paulo: Ma-
lheiros, 2010.
322
Ensino Religioso Confessional nas
Escolas Públicas: a Leitura da Laicidade
Estatal pelo STF na ADI 4439 e o
Desafio dos Sistemas de Ensino
323
30 anos da Constituição
Sumário:
1. Introdução. 2. Estado laico e a previsão do ensino religioso na Cons-
tituição Federal de 1988: compatibilidade. Desafios dos sistemas de ensino na
concretização da decisão. 2.1. A Lei de Diretrizes de Bases da Educação: regu-
lamentação infraconstitucional. 3. Ensino religioso nos Tratados Internacionais
e a convencionalidade da decisão do STF. 4. A ADI 4439 e o ensino religioso
confessional e por autoridades religiosas nas escolas públicas pelo Supremo Tri-
bunal Federal. 5. Considerações Finais.
1. Introdução
O oferecimento do ensino religioso confessional, ministrado por professo-
res representantes das confissões religiosas, nas escolas públicas tem sido objeto
de muitas controvérsias em nosso país, considerando, entre outras, a necessida-
de de compatibilização entre dois princípios fundamentais da República Fede-
rativa do Brasil: Estado Laico e Liberdade. O objetivo do nosso artigo é, a partir
da análise do sistema jurídico brasileiro, convenções e tratados internacionais,
dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, doutrina e da decisão do Su-
premo Tribunal Federal, proferida na Ação Direita de Inconstitucionalidade
-ADI nº 4.439 – Distrito Federal, que tratou da questão, oferecer aportes para
que o direito fundamental à educação, não obstante garantido não seja violado.
Como afirmou Bobbio (1992), o problema grave de nosso tempo, com relação
aos direitos do homem não é mais o de fundamentá-lo, e sim o de protegê-los,
procurando um “modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar
das solenes declarações, eles sejam continuamente violados”.
Como é sabido, a Procuradoria Geral da República ajuizou Ação Direita
de Inconstitucionalidade – ADI nº 4439, requerendo ao Supremo Tribunal Fe-
deral que: “i) realize interpretação conforme a Constituição do art. 33, caput,
e §§1º e 2º, da Lei nº 9.394/96, para assentar que o ensino religioso em esco-
las públicas só pode ser de natureza não-confessional, com a proibição de ad-
missão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas;
(ii) profira decisão de interpretação conforme a Constituição do art. 11,§1º, do
“Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Esta-
tuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil”, aprovado pelo Congresso Nacional
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garantindo-se ensino público de qualidade, sem que haja violação aos princípios
fundamentais e quebra do sistema legal brasileiro, o qual, não se poder ouvidar,
está inserido no sistema global e regional de proteção de direitos humanos,
evitando-se confusão entre Estado e Religião, como ocorre nos Estados teocrá-
ticos, como é o caso, por exemplo, dos Estados Islâmicos.
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Nesse caso, não bastará uma ação negativa do Estado, exige-se uma ação positiva,
um fazer, para assegurar que esse direito não seja, de qualquer modo, violado.
O discutido artigo 210, §1º, da Constituição Federal, estabelece que:
“ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Tratando-se de norma
excepcional, dentro da unidade constitucional a regulamentação, de compe-
tência dos sistemas de ensino, deve se restringir aos termos constitucionais,
observadas as normas de caráter geral estabelecidas pela União.
De todo modo, o inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal ao esta-
belecer a liberdade de consciência e de crença e o fato de ninguém poder ser
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política (inciso VIII do artigo 5º) coloca entraves suficientes à adoção de quais-
quer confissões religiosas por parte do Estado.
Alarcon (1996) ressalta que vivemos em sociedades muito diversificadas
do ponto de vista religioso e ideológico e que o Estado se desconfessionalizou
para atuar de forma laica, de modo que as crenças e práticas religiosas tendam
a se desvincular do institucional e que, portanto, a consequência primária da
secularização é o pluralismo, que abarca todos os campos (religioso, ideológico,
político, ético, científico, cultural etc.) e que constitui, mais que um princípio,
a nova realidade do mundo moderno459.
Continuando, o autor destaca que viver em pluralismo religioso e ideoló-
gico constitui uma experiência que requer uma constante prática da tolerância,
uma vigilância permanente para impedir que exclusivismos religiosos ou ideoló-
gicos desemboquem em posições monistas ou fundamentalistas que seriam in-
constitucionais. Decorre daí a existência de mecanismos jurídicos de obstrução
de monismos, inclusive a proibição de confessionalização do Estado.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5o, inciso VI, estabelece que
é inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegura o livre exercício
dos cultos religiosos, protegendo os locais de culto bem como as suas liturgias.
No inciso VIII, do mesmo artigo 5º, diz que ninguém será privado de direitos
por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.
Ao tratar da organização do Estado do ponto de vista político e admi-
nistrativo veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a
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460 Miranda (1993) também estabelece um quadro esquemático das relações entre Estado e confissões
religiosas, tal como as revelam a história e o Direito Comparado. Vislumbra o autor a possibilidade
de identificação entre Estado e religião, é o Estado confessional no qual pode haver domínio do
poder religioso sobre o poder político (teocracia) ou domínio do poder político sobre o poder religioso
(cesaropapismo); não identificação (Estado laico) e nessa hipótese com união entre o Estado e uma
confissão religiosa (religião de Estado) e com separação, sendo que a separação pode ser relativa
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(com tratamento especial, privilegiado de uma religião) ou separação absoluta (com igualdade das
confissões religiosas) e por fim oposição do Estado à religião, oposição relativa (Estado laicista) ou
oposição absoluta (Estado ateu (ou de confessionalidade negativa).
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Quer-se, com isso, dizer que não se cogitava de adotar o Estado Demo-
crático clássico, como mero Estado de Direito como Estado contraposto
ao Estado gendarme e ao Estado despótico. O artigo indefinido “um”
tem, no contexto, função diretiva importante, conotativa da ideia de
que o objetivo era instituir um tipo diferente de Estado Democrático,
com nova destinação – qual seja, a de assegurar os valores supremos
(infra) de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”
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A redação do artigo 33 foi alterada pela lei 9.475/1997 para estabelecer que:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da
formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversida-
de cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas
para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do
ensino religioso.
E continua o autor:
“No momento atual do mundo, salvo as exceções conhecidas de estados
totalitários, eufemismo em que se encobre o caráter absolutista dos mes-
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ARTIGO 18
1. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e
de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma reli-
gião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião
ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privada-
mente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.
2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir
sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.
3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita
apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para
proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos
e as liberdades das demais pessoas.
4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a
liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais - de assegurar
a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas
próprias convicções.
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Mais uma vez não se estabelece no Pacto que a escola pública seria o es-
paço apropriado para a garantia dessa educação religiosa e moral dos filhos de
acordo com as convicções dos pais.
No debate do tema é importante ressaltar que o Pacto também assegura que
ninguém pode ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liber-
dade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha (18.2). Nesse ponto
convém destacar que a Constituição Federal de 1988 estabelece a matrícula faculta-
tiva para o ensino religioso. Porém há estados da federação que ao regulamentarem
a matéria em seus respectivos sistemas de ensino criaram um mecanismo de matrí-
cula automática, cabendo aos pais cancelar posteriormente essa matrícula, ou mes-
mo que tal opção pelo não ensino religioso constará do currículo, ou estabelecem
avaliação, atribuição de notas, criando uma série de constrangimentos e embaraços
para os alunos que não desejam ter o ensino religioso confessional, resvalando, a
nosso ver, no artigo 18.2 do Pacto. (Ação Educativa, et al., 2012).
Segundo interpretação do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Co-
mitê) do artigo 18.4 do Pacto, expressa no Comentário Geral 22/93, seria com-
patível na escola pública a instrução em temas e assuntos tais como história
geral das religiões e ética, se ministrada de uma forma objetiva e neutra. Segue
ainda afirmando que a educação pública que inclua instrução de uma religião
ou credo, em particular, seria inconsistente com o artigo 18.4 a menos que haja
possibilidade não-discriminatória de dispensa ou alternativas para acomodar os
desejos dos pais ou responsáveis.
O Comitê entendeu, à luz do Pacto, que o artigo 18.4 permitiria o ensino
em escola pública de temas como a história geral das religiões e ética lecionadas
de um modo neutro e objetivo. Essa seria a interpretação adequada, segundo o
próprio Comitê. Em outras palavras, o melhor entendimento do artigo 18.4 é
que o ensino público não seja confessional. Este seria o ideal. Este seria o norte
dado pelo Comitê de Direitos Humanos, pois um ensino confessional não é
compatível com um modo neutro e objetivo ou mesmo com ensinar ética ou
história das religiões. Um ensino confessional ensinará uma religião específica,
seus ritos, seus dogmas, seus preceitos e sua ética particular.
Destarte, a garantia de ensino confessional, por representantes das confis-
sões religiosas, nas escolas públicas no Brasil, não parece estar em sintonia com
o que se garante no Pacto de Direitos Civis e Políticos, imiscuindo o Estado no
ensino de determinadas religiões, fragilizando a laicidade, enquanto princípio
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462 No mesmo sentido o Min. Edson Fachin ao afirmar que o seu voto está alinhado à jurisprudência
dos órgãos internacionais ao citar expressamente o Comentário Geral 22/93 do Comitê de Direitos
Humanos da ONU. Que em tradução livre diz, segundo o Ministro, que a liberdade dos pais e guardiães
legais de assegurar que suas crianças recebam uma educação moral e religiosa em conformidade com
suas convicções estabelecida no artigo 18.4 está relacionada com as garantias da liberdade de ensinar
uma religião ou crença especificadas no artigo 18.1. Ou seja, em sua tradução livre esqueceu-se o
Ministro de traduzir a frase que diz que a educação pública que inclua instrução de uma religião
ou credo, em particular, seria inconsistente com o artigo 18.4 a menos que haja possibilidade não-
discriminatória de dispensa ou alternativas para acomodar os desejos dos pais ou responsáveis.
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5. Considerações Finais.
A interferência de grupos religiosos na educação pública, já debilitada, cau-
sa grande preocupação. Analisadas as normas internas e internacionais, não nos
parece acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal. De qualquer modo, cabe
agora aos Sistemas de Ensino, ao concretizar a norma, observar os valores supremos
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6. Referências bibliográficas
Livros:
BOVERO, M. 2015. Qué laicidade? Una pregunta sobre Bobbio y para Bobbio.
In P. UGARTE e P. CAPDEVIELLE (org.), Cuatro visiones sobre la laicidad.
Vol. 6. D.F. México, Instituto de Investigaciones Jurídicas, Universidad Autó-
noma de México, p. 1-85.
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VITAL C., LOPES P. V. 2012. Religião e Política: uma análise da atuação dos
parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e LGBTs no Brasil, Rio
de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, p.1-232.
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A Mutação Constitucional e o Artigo 5º,
LVII da Constituição Federal de 1988
nos 30 Anos da sua Promulgação
464 Mestrando em direito constitucional pela PUC/SP. Procurador do Município de São Paulo.
465 MENDES, Gilmar Ferreira. Pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Direitos Fundamentais (PUC-
SP/CNPq). Limite entre interpretação e mutação: análise sob a ótica da jurisdição constitucional
brasileira. In: MENDES, Gilmar Ferreira; MORAIS, Carlos Blanco de (org.). Mutações
Constitucionais – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 177.
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466 SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional – São Paulo: Malheiros, 2014, p. 293.
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A Mutação Constitucional
Foi na Alemanha do final do século XIX que, com a doutrina publicista
e os juristas da Escola Alemã de Direito Público, iniciou-se o estudo sobre a
mutação constitucional. São os autores dessa escola, entre eles, Paul Laband e
Georg Jellinek, os responsáveis pelas primeiras linhas sobre o tema.
Afirma Denise Soares Vargas que
a expressão mutação constitucional foi cunhada, em 1895, por Paul Laband,
em sua obra Mutações na Constituição do Reich Alemão, ao analisar as
mudanças empreendidas na Constituição do Reich alemão de 1871, já que
havia uma discrepância entre o texto constitucional e a realidade política468.
467 Finalizado este artigo em Julho de 2018. Há de se salientar a existência de diversas tentativas de se
levar novamente a julgamento do STF a matéria neste ano de 2018.
468 VARGAS, Denise Soares. Mutação constitucional via decisões aditivas – São Paulo: Saraiva, 2014,
p. 33.
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tão, ao fundo, o que se está dizendo, é que aquela norma nunca representou,
realmente, a Constituição e, em conclusão, quando a nova interpretação cor-
rige a anterior demonstrando o real significado da norma, não está apontando
uma mudança na própria Constituição, mas simples correção de interpretação.
Nestes termos, não se sustenta, também, a posição de Georg Jellinek sobre
a questão. Citando Konrad Hesse, Gilmar Ferreira Mendes aponta que
Diferentemente de Laband, G. Jellinek agrupa os casos de mutação
constitucional por ele tratados (que não se limitam ao Direito alemão)
segundo tipos sob os quais subsumem-se os mais diferentes fatos. Uma
mutação constitucional pode resultar de uma interpretação incorreta da
norma constitucional na prática dos parlamentos, dos governos e dos
tribunais de justiça, podendo essa atuação inconstitucional original –
quando reiteradamente efetuada e se impõe na prática – uma modifi-
cação da Constituição mesma. A necessidade política desempenha um
papel relevante como motor das mutações constitucionais475.
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O referido autor indica, inclusive, que Uadi Lammêgo Bulos afirma não
ser possível apontar limites para a mutação constitucional479.
Apesar de ser um meio informal de alteração da Constituição, é preciso
encontrar limites à mutação constitucional, sob pena de se autorizar o intérpre-
te a, através da aplicação do Direito Constitucional, criar uma nova Constitui-
ção sem qualquer forma de controle.
Em um Estado Democrático de Direito, dentro dos parâmetros do consti-
tucionalismo, não é possível se imaginar um poder exercido, ao mesmo tempo,
com base na Constituição e, também, acima e fora desta mesma Constituição.
Se prevalecesse a ideia de que não é possível se estabelecer limites à mu-
tação constitucional, estaria sendo criado um poder constituinte difuso com
força de verdadeiro poder constituinte originário que, sob a falácia de aplicar a
Constituição, atuaria contra ela própria.
Corrobora com esta argumentação Denise Soares Vargas, para quem
a adoção de poderes ilimitados conduz à tirania, e, aceitar uma mutação
constitucional, via interpretação judicial ilimitada, é aceitar, num Estado
Democrático de Direito, a ideia de algo acima de qualquer soberania popu-
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488 A presidência do Tribunal era ocupada pelo ministro Ricardo Lewandowski. Presentes à sessão os
ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux,
Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso e Edson Fachin.
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489 Como será observado adiante, o ministro Roberto Barroso aponta, além desta questão fática, outras duas
surgidas com o julgamento do HC nº 84.078/MG e capazes de levarem à ocorrência da mutação constitucional.
490 Página 16 do acórdão proferido no HC nº 126.292/SP.
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Isso significa dizer que, mesmo que os Ministros entendessem pela inexistência
do fato levantado (infinidade da interposição recursal objetivando provocar a pres-
crição), a conclusão encontrada no terceiro julgamento ainda seria possível, pois tem
base em um entendimento jurídico autônomo, desvinculado deste aspecto fático.
Se a questão fática é irrelevante para a formação normativa, então não se
pode considerá-la como elemento formador desta norma e, em consequência,
não é capaz de permitir a mutação constitucional.
O posicionamento do Ministro Teori Zavascki, por exemplo, poderia ser
mantido mesmo que ele dissesse que não houve mudança fática entre o primei-
ro e o segundo julgamento. O Ministro aponta que o princípio da presunção de
inocência se encontra vinculado à produção de provas e distribuição do ônus
probatório, portanto, conforme vai se caminhando nas instâncias recursais, me-
nor a presença da presunção de inocência e,
tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado,
fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extra-
ordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo
a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de
inocência até então observado491.
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Há, ainda, outra informação que fragiliza o primeiro aspecto fático levan-
tado pelo Ministro Luís Roberto Barroso.
Analisando-se, mesmo que de modo superficial, os índices fornecidos pelo
STF referentes aos processos autuados por ramos do direito497 (levando-se em
consideração a interposição de RE e ARE e a oposição de embargos de declara-
ção perante o STF), percebe-se que o segundo julgamento (ocorrido em 2009)
não teve, aparentemente, força para fazer aumentar a interposição de recursos
com base no direito processual penal (em 2009, a contagem foi de 5.807 recursos,
contra 5.444 em 2010 e 4.863 em 2012), apesar de ter aumentada a interposição
dos recursos com temas em direito penal (em 2009, a contagem foi de 1.539 re-
cursos, contra 1.820 em 2010 e 2.590 em 2012, tendo diminuída a interposição
se forem levados em consideração os anos de 2013 e 2014).
Em relação ao terceiro julgamento, com conclusão de tese contrária ao se-
gundo julgamento, o mesmo não teve força de fazer diminuir a interposição de
recursos perante o STF com temas de direito penal ou de direito processual penal
(em 2015, foram interpostos 4.170 recursos com temas de direito penal e 6.930
com temas de direito processual penal, contra 5.275 com temas de direito penal
no ano de 2016 e 7.474 com temas de direito processual penal para o mesmo
ano, sendo que, em meados de 2017, 4.720 recursos com tema de direito penal
e 8.749 com temas de direito processual penal já tinham sido interpostos498).
Portanto, conclui-se que não é possível se afirmar, dando ao evento uma
conotação de fato, que o segundo julgamento implantou uma realidade em que
ocorre uma interposição infindável de recursos protelatórios capazes de levar à
prescrição (não se apontou, no voto do Ministro, se essa realidade recursal já
existia antes do julgamento ou de que maneira e em qual potência esse julga-
mento intensificou tal realidade).
Passa-se à análise, assim, da segunda consequência fática apontada pelo Mi-
nistro Luís Roberto Barroso como nascida do segundo julgamento e capaz de le-
var à mutação constitucional, qual seja, o reforço da seletividade do direito penal.
497 http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaRamoDireito –
Pesquisa realizada em 03 de Setembro de 2017.
498 Dados de Setembro de 2017.
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501 http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/17204/RelatorioICJBrasil_1_sem_2016.
pdf?sequence=1&isAllowed=y
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que não se atinja o seu núcleo essencial), sendo necessário ponderá-la com os
outros objetivos e interesses em jogo” 502.
Já nas palavras do Ministro Edson Fachin,
tenho por indispensável compreender o princípio da presunção de não
culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, em
harmonia com outras normas constitucionais que impõem ao intérprete
a consideração do sistema constitucional como um todo503.
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Conclusão
Observou-se que nesses 30 anos de CF/88 o STF realizou três diferentes
leituras do texto do artigo 5º, LVII, no entanto, ao contrário do que entendeu o
tribunal, não se verificou o fenômeno da mutação constitucional.
Constatou-se que a mutação constitucional exigiria uma alteração da rea-
lidade fática ou axiológica que levasse, por sua vez, à alteração da própria norma
exposta no artigo 5º, LVII, sem mudança, no entanto, de seu suporte textual.
Este fenômeno não se verificou.
Ao aprofundar a análise sobre o instituto da mutação, percebeu-se que,
mesmo que tivesse ocorrido alteração no plano fático e axiológico, a mudança
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Referências Bibliográficas
bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/17204/RelatorioICJBra-
sil_1_sem_2016.pdf?sequence=1&isAllowed=y
MENDES, Gilmar Ferreira. Limite entre interpretação e mutação: análise sob a óti-
ca da jurisdição constitucional brasileira. In: MENDES, Gilmar Ferreira; MORAIS,
Carlos Blanco de (org.). Mutações Constitucionais – São Paulo: Saraiva, 2016.
SILVA, José Afonso da. Teoria do conhecimento constitucional – São Paulo: Ma-
lheiros, 2014.
VARGAS, Denise Soares. Mutação constitucional via decisões aditivas – São Pau-
lo: Saraiva, 2014.
www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisaR
amoDireito
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A Influência das Decisões da Corte
Interamericana de Direitos Humanos
na Interpretação da Constituição de
1988 pelo Supremo Tribunal Federal
The Influence of the Decisions of the Inter-American Court
of Human Rights in the Interpretation of the Constitution of
1988 by the Brazilian Supreme Court
Marina Faraco
Doutora e Mestre em Direito do Estado
pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC/SP. Professora da Facul-
dade de Direito da PUC/SP e da
Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.
E-mail: <[email protected]>
Susana Barbery
Bacharela em Direito pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo – PUC/SP.
Mestranda em Direitos Humanos pela Uni-
versidade Sciences Po em Paris.
Ex-estagiária da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos.
E-mail:<[email protected]>
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Introdução
Por ocasião dos 30 anos de vigência da Constituição de 1988 e tendo
em vista os atuais paradigmas do transconstitucionalismo (nEvEs, 2009, passim),
entre os quais a busca por soluções comuns a problemas constitucionais envol-
vendo direitos assegurados nos tratados internacionais que conectam os orde-
namentos estatais em suas relações transversais504, mostra-se oportuno o exame
da influência que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem exercido
sobre a interpretação da Constituição de 1988 pelo Supremo Tribunal Federal.
Isto porque a adesão505 do Brasil à jurisdição da Corte traz, entre suas
consequências, o necessário diálogo do Supremo Tribunal Federal com o Siste-
ma Interamericano de Direitos Humanos, vinculando a própria interpretação
504 Como explica nEvEs (2014, p. 211): “Uma transformação profunda tem ocorrido, nas condições
hodiernas da sociedade mundial, no sentido da superação do constitucionalismo provinciano ou
paroquial pelo transconstitucionalismo. (...) [Contra essas tendências], o transconstitucionalismo
implica o reconhecimento de que as diversas ordens jurídicas entrelaçadas na solução de um problema-
caso constitucional – a saber, de direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do
poder –, que lhes seja concomitantemente relevante, devem buscar formas transversais de articulação
para a solução do problema, cada uma delas observando a outra, para compreender os seus próprios
limites e possibilidades de contribuir para solucioná-lo.”.
505 Preferimos a expressão “adesão” ao invés de “submissão”, utilizada pelo constituinte reformador de
2004 no §4º do Artigo 5º relativamente ao Tribunal Penal Internacional, por se tratar do voluntário
reconhecimento da jurisdição da CorteIDH pelo Estado brasileiro, e não, propriamente, de sua
submissão a ela, como explica tavarEs (2017, p. 419).
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507 “Artigo 62. 1. Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação
desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como
obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos
à interpretação ou aplicação desta Convenção. 2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou
sob condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada
ao Secretário-Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma aos outros Estados membros da
Organização e ao Secretário da Corte.” Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.
convencao_americana.htm>. Acesso em: 28 mar. 2018.
508 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4463.htm>. Acesso em: 28 mar. 2018.
509 A exemplo da Constituição Portuguesa e de outras Constituições latino-americanas, a Constituição
de 1988 também contém uma cláusula constitucional aberta que “(...) permite a integração entre
a ordem constitucional e a ordem internacional, especialmente no campo dos direitos humanos,
ampliando e expandido o bloco de constitucionalidade.”, nas palavras de PiovEsan (2017, p. 40).
Com isso, integram-se ao rol do artigo 5º todos os direitos fundamentais assegurados nos tratados
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ratificados pelo Estado brasileiro, reconhecidos como autêntica fonte nesta matéria pelo texto
constitucional, como explica miranda (2000, p. 162).
510 Conforme decidido no Recurso Extraordinário n.º 466.343, Relator Ministro Cezar Peluso, julgamento
em 03/12/2008, e no Habeas Corpus n.º 87.585, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento em
03/12/2008. Disponíveis em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 04 abr. 2011.
511 “Assim, os tratados sobre direitos humanos que não tenham sido recebidos com status de norma
constitucional formal, embora sejam materialmente constitucionais (conforme a regra do §2° do
Artigo 5°), têm hierarquia supralegal. Posicionam-se, portanto, abaixo da Constituição, já que não
têm aptidão para lhe modificar (BarBosa, 2010, p. 36), mas acima da legislação infraconstitucional,
sujeitando-a aos seus ditames.” (Faraco, 2017, p. 64).
380
30 anos da Constituição
512 Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 06/08/2008. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/
process os/detalhe.asp?incidente=2626865>. Acesso em: 27 mar. 2018.
381
30 anos da Constituição
382
30 anos da Constituição
chilena que anistiava crimes cometidos durante a ditadura, dada a sua incom-
patibildiade com a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Nada obstante, a ADPF foi julgada procedente, declarando a validade da
norma brasileira, apesar de já haver, à época, além do precedente da CorteIDH
citado no acórdão, expresso pronunciamento da Comissão Americana de Direi-
tos Humanos em sentido contrário relativamente à norma brasileira.
Como se sabe, no mesmo ano, houve o julgamento do caso Gomes Lund
vs. Brasil516, em que a CorteIDH reconheceu a inconvencionalidade da Lei de
Anistia. Aguarda-se, agora, a decisão do STF na ADPF n.° 320517, que retomou
a questão, em trâmite desde 2014.
Igualmente, nas Extradições n.º 1.362518 e n.º 1.327519, julgadas respectivamente
em novembro de 2016 e junho de 2017, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que
havia um entendimento da CorteIDH, decidindo, contudo, em sentido oposto a ele.
Os dois casos tratavam do pedido de extradição pelo Estado argentino
de nacionais que respondiam a crimes considerados de lesa-humanidade. No
primeiro caso, a discussão girou em torno da prescrição da pretensão punitiva,
sob a perspectiva da lei penal brasileira e, no segundo caso, discutiu-se a aplica-
bilidade da Lei brasileira de Anistia.
Na Extradição n.º 1.362, a Corte Interamericana foi citada diversas vezes
nas argumentações dos Ministros. Fez-se uso da sua jurisprudência sobre os
direitos do extraditando e a possível prescrição do crime. Também foi discutida
a extensão do compromisso do país quanto à observância das decisões da Cor-
teIDH e a vinculação do STF à sua jurisprudência.
Nessa discussão, o Ministro Teori Zavascki posicionou-se no sentido de
que a autoridade dos julgados da CorteIDH foi reconhecida plenamente pelo
383
30 anos da Constituição
Brasil em 2002, por meio do Decreto n.º 4.463/2002, embora apenas “para fatos
posteriores a 10 de dezembro de 1998”.
Já o Ministro Gilmar Mendes se posicionou no sentido que o STF não
deve se preocupar com as decisões anteriores da Corte Interamericana, que não
o vinculam, já que não tratam do caso específico em discussão. Para ele, embora
relevantes, os precedentes não apresentam identidade quanto à causa de pedir e
ao pedido da extradição em julgamento, sendo apenas semelhantes a ele.
Decidiu-se, ao final, de forma contrária à jurisprudência da CorteIDH,
sobre a imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade e sobre políticas de
memória, verdade e justiça.
Na Extradição n.º 1.327, o Relator, Ministro Marco Aurélio, votou pelo
não provimento da ação, argumentando que:
Ainda que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento
do caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) versus Brasil, de
24 de novembro de 2010, tenha assentado, no tocante à Lei de Anistia, a
violação à Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pleno do Su-
premo, na apreciação da arguição de descumprimento de preceito fun-
damental nº 153, relator o ministro Eros Grau, em 29 de abril de 2010,
com acórdão publicado no Diário da Justiça de 8 de agosto seguinte,
declarou a constitucionalidade do referido diploma legal, decisão ainda
não suplantada por pronunciamento posterior deste Tribunal.
384
30 anos da Constituição
520 Relator Ministro Carlos Britto, julgamento em 19/03/2009. Disponível em: <http://redir.stf. jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133>. Acesso em: 20 mar. 2018.
385
30 anos da Constituição
521 Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 22/10/2009. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=606649>. Acesso em: 28 mar. 2018.
522 Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_16_esp.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2018.
523 Relator Ministro Carlos Britto, julgamento em 30/04/2009. Disponível em: <http://redir.stf. jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411>. Acesso em: 21 mar. 2018.
386
30 anos da Constituição
524 Relator Ministro Ayres Britto, julgamento em 19/10/2010. Disponível em: <http://redir.stf. jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=960532>. Acesso em: 21 mar. 2018.
525 Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_135_esp.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2018.
526 Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 01/03/2011. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1099369>. Acesso em: 22 mar. 2018.
527 Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 09/08/2011. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1411117>. Acesso em: 22 mar. 2018.
528 Relator Ministro Ayres Britto, julgamento em 17/05/2011. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1786599>. Acesso em: 22 mar. 2018.
529 Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 12/06/2012. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3390982>. Acesso em: 22 mar. 2018.
530 Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 05/02/2013. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3805159>. Acesso em: 22 mar. 2018.
531 Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 19/02/2013. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3456276>. Acesso em: 22 mar. 2018.
532 Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 14/05/2013. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7046328>. Acesso em: 22 mar. 2018.
387
30 anos da Constituição
388
30 anos da Constituição
536 Relatora Ministra Cármen Lúcia, julgamento em 10/06/2015. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/
processos/detalhe.asp?incidente=4271057>. Acesso em: 28 mar. 2018.
537 Relator Ministro Roberto Barroso, julgamento em 17/12/2015. Disponível em: <http://portal.stf.jus.
br/processos/detalhe.asp?incidente=4899156>. Acesso em: 27 mar. 2018.
389
30 anos da Constituição
Os argumentos levantados pelo Ministro Relator não foram aceitos e ele foi
um dos 5 votos vencidos. Houve, assim, influência reflexa da jurisprudência da
Corte, citada para embasar ambos os votos, mas com distintas interpretações.
O Habeas Corpus n.º 124.306538, julgado em 09 de agosto de 2016, teve
por objeto a liberdade de pacientes e corréus presos em flagrante pela prática
do crime de aborto.
Em seu voto, a Ministra Rosa Weber citou o caso o Artavia Murillo y otros
vs. Costa Rica, de 2012, embora nele não se tratrasse, propriamente, da ques-
tão do aborto, e sim da possibilidade de fecundação in vitro pelas mulheres. O
precedente foi invocado para discutir o alcance interpretativo do Artigo 4.1 da
Convenção Americana de Direitos Humanos dado pela Corte.
O Tribunal decidiu pela inconstitucionalidade da imputação penal por
aborto anterior aos 3 meses de gestação, considerando os argumentos da Corte
Interamericana. A influência reflexa ficou clara sobretudo porque se utilizou,
como fundamento para a decisão, argumentos da Corte exarados em caso com
objeto distinto do discutido pelo STF, citados, portanto, de forma descontextu-
alizada, apenas para fundamentar uma dada opção hermêutica.
No julgamento do Habeas Corpus n.º 126.292539, a CorteIDH foi citada
pelo Ministro Celso de Mello para reforçar seu argumento sobre a presunção
de inocência. No Recurso Extraordinário n.º 646.721540, julgado em maio de
2017, em que se discutiu a distinção entre união estável e casamento, o Rela-
tor, Ministro Marco Aurélio, citou uma decisão da CorteIDH para argumentar
sobre o direito ao projeto de vida. E, no Recurso Extraordinário n.º 580.252541,
demanda movida por um detento visando ao pagamento de indenização por
dano moral causado pelas condições sub-humanas da penitenciária, o Relator,
Ministro Gilmar Mendes, citou rapidamente as diversas vezes em que o Brasil
foi condenado pela CorteIDH por conta de sua situação carcerária.
390
30 anos da Constituição
391
30 anos da Constituição
544 “Art. 5° (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença; (...) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e
resguardo do sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (...).”.
545 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §1°.
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação
jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5°, IV, V, X, XIII
e XIV. §2°.É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
546 Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/04/5a3794bc4994e81fd534219e
2d57e3aa.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
392
30 anos da Constituição
547 É certo, como dissemos, que todos os Estados que aceitaram a jurisdição da CorteIDH têm a obrigação
de decidir de acordo com a sua jurisprudência, independentemente de ser ou não parte no caso; contudo,
alguns Ministros do STF já manifestaram o equivocado entendimento de que o Brasil só está obrigado a
seguir tais decisões nos casos em que foi condenado, como se deu, por exemplo, na Extradição n.º 1.362.
548 Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 18/09/2013. Disponível em: <ftp://ftp.stf.jus.br/
ap470/InteiroTeor_AP470.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
549 “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove
legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas: (...) h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior; (...)”.
393
30 anos da Constituição
550 “88. A jurisprudência desta Corte foi enfática ao indicar que o direito de impugnar a decisão busca
proteger o direito de defesa, na medida em que concede a possibilidade de interpor um recurso para
evitar que se torne definitiva uma decisão adotada em um procedimento viciado e que contém
erros que ocasionarão um prejuízo indevido aos interesses do indivíduo submetido à justiça. 89. A
dupla apreciação judicial (ou dupla conformidade judicial), expressada por meio da revisão integral
da decisão condenatória, confirma o fundamento, concede maior credibilidade ao ato jurisdicional
do Estado e, ao mesmo tempo, oferece maior segurança e proteção aos direitos do condenado. 90.
Embora os Estados tenham uma margem de apreciação para regular o exercício desse recurso, não
podem estabelecer restrições ou requisitos que infrinjam a própria essência do direito a recorrer da
decisão. O Estado pode estabelecer foros especiais para o julgamento de altos funcionários públicos, e
estes foros são compatíveis, em princípio, com a Convenção Americana (par. 74 supra). No entanto,
ainda nestas hipóteses, o Estado deve permitir que o indivíduo submetido à justiça conte com a
possibilidade de recorrer da decisão condenatória. Assim aconteceria, por exemplo, se fosse disposto
que o julgamento em primeira instância estaria a cargo do Presidente ou de uma câmara do órgão
colegiado superior e o conhecimento da impugnação corresponderia ao plenário deste órgão, com
exclusão dos que já se pronunciaram sobre o caso.” Barreto Leiva vs. Venezuela, Corte Interamericana
de Direitos Humanos, julgamento em 17 de novembro de 2009. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/
files/conteudo/arquivo/2016/04/5523cf3ae7f45bc966b18b150e1378d8.pdf.>. Acesso em: 29 mar. 2018.
394
30 anos da Constituição
395
30 anos da Constituição
552 “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LVII - ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (...).”
553 “Art. 8º (...) §2º. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa.”
554 Corte Interamericana, julgamento em 31/08/2004. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/
casos/articulos/seriec_111_ing.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
555 Corte Interamericana, julgamento em 26/11/2010. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/
casos/articulos/seriec_220_ing.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
556 Corte Interamericana, julgamento em 07/09/2004. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/
casos/articulos/seriec_114_esp.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
557 Corte Interamericana, julgamento em 18/08/2000. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/
casos/articulos/seriec_69_ing.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
396
30 anos da Constituição
558 Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento em 13/08/2015. Disponível em: <http://redir.stf.
jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10166964>. Acesso em: 29 mar. 2018.
397
30 anos da Constituição
A orientação anterior da Corte foi determinante para que o STF firmasse o en-
tendimento segundo o qual o Judiciário pode determinar tais obras diante da inércia
da Administração Pública. As referências às tais condenações revelou a urgência e a
necessidade de o Tribunal adotar uma posição uniforme à da Corte nesta matéria.
Citou também o caso Ricardo Canese vc. Paraguai, no qual a Corte reco-
nheceu que a tipificação legal das sanções aplicáveis às emissoras de radiodifu-
são é, também, exigência do Pacto de São José da Costa Rica, concluindo que:
559 Relator Ministro Dias Toffoli, julgamento em 21/08/2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/
paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docI=13259339>. Acesso em: 29 mar. 2018.
560 Corte Interamericana de Direitos Humanos, julgamento em 05/02/2001. Disponível em <http://www.
corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_73_esp.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
398
30 anos da Constituição
3. conclusões
Ao analisar todas estas decisões, foi possível verificar que a influência
exercida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a interpretação
da Constituição Federal de 1988 pelo Supremo Tribunal Federal é ainda muito
pontual e fragmentada, a despeito de vinculante e mesmo passados quase 20
anos do seu reconhecimento como obrigatória nas matérias envolvendo o Pacto
de São José da Costa Rica, norma materialmente constitucional.
Além dos acórdãos examinados neste artigo, existem ainda várias outras
decisões em que o STF enfrenta temas a respeito dos quais há jurisprudência
consolidada da CorteIDH, ignorada pelo Tribunal, que sequer a menciona.
Não há dúvidas de que o STF está vinculado a toda e qualquer inter-
pretação dada pela Corte à Convenção Americana de Direitos Humanos. No
entanto, como visto, são poucos os casos em que o Tribunal se pauta na sua
399
30 anos da Constituição
RefeRências
BRASIL.SupremoTribunalFederal.AçãoDiretadeInconstitucionalidaden.º2.404,
Relator Ministro Dias Toffoli, julgamento em 21/08/2016. Disponível em: <http://
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docI=13259339>. Aces-
so em: 29 mar. 2018.
400
30 anos da Constituição
________. Ação Penal n.º 470, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento
em 18/09/2013. Disponível em: <ftp://ftp.stf.jus.br/ap470/InteiroTeor_AP470.
pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
________. Ação Popular n.º 3.388, Relator Ministro Carlos Britto, julgamento
em 19/03/2009. Disponível em: <http://redir.stf. jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=630133>. Acesso em: 20 mar. 2018.
401
30 anos da Constituição
________. Habeas Corpus n.º 105.256, Relator Ministro Celso de Mello, jul-
gamento em 12/06/2012. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=3390982>. Acesso em: 22 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 106.171, Relator Ministro Celso de Mello, jul-
gamento em 01/03/2011. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=1099369>. Acesso em: 22 mar. 2018.
402
30 anos da Constituição
________. Habeas Corpus n.º 109.544, Relator Ministro Celso de Mello, jul-
gamento em 09/08/2011. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=1411117>. Acesso em: 22 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 110.185, Relator Ministro Celso de Mello, jul-
gamento em 14/05/2013. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=7046328>. Acesso em: 22 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 110.237, Relator Ministro Celso de Mello, jul-
gamento em 19/02/2013. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=3456276>. Acesso em: 22 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 112.936, Relator Ministro Celso de Mello, jul-
gamento em 05/02/2013. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=3805159>. Acesso em: 22 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 115.539, Relator Ministro Luiz Fux, julgamento
em 03/09/2013. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=TP&docID=4531406>. Acesso em: 28 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 124.306, Relator Ministro Marco Aurélio, jul-
gamento em 09/08/2016. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=12580345>. Acesso em: 29 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 126.292, Relator Ministro Teori Zavascki, jul-
gamento em 17/02/2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246>. Acesso em: 29 mar. 2018.
________. Habeas Corpus n.º 87.585, Relator Ministro Marco Aurélio, julgamento
em 03/12/2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 04 abr. 2011.
403
30 anos da Constituição
404
30 anos da Constituição
405
30 anos da Constituição
TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2017.
406
Educação em Direitos Humanos:
“A Gente Espera do Mundo e o
Mundo Espera de Nós”
Solange de Oliveira
Mestre em Direito Constitucional pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Especialista em História da Educação
de Mato Grosso pela Universidade Federal de Mato
Grosso (UFMT) e em Direito Constitucional pela
Escola Superior de Advocacia (ESA-OABSP).
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Hermenêutica
e Justiça Constitucional vinculado ao CNPq e
certificado pela PUC-SP. Advogada e Pedagoga.
Sumário
Introdução. 1. Conceito de educação em direitos humanos. 2. Sede cons-
titucional da educação em direitos humanos. 3. Passo a passo na evolução do
407
30 anos da Constituição
Introdução
O tema educação provoca diferentes emoções nas pessoas. Para uns, é
assunto já batido e debatido. Para outros, é desafiante justamente porque, su-
postamente, têm-se todas as respostas.
O fato é que a Organização das Nações Unidas (ONU) atribui à educação
o papel para criar uma sociedade que promove, defende e respeita os direitos
humanos. Isso significa construir uma sociedade inclusiva que repele a violência.
O primeiro passo foi o lançamento do projeto “Década das Nações Unidas
para a Educação em Direitos Humanos”, realizado no período de 1995-2004.
No entanto, percebeu-se que a transformação da sociedade requer tempo para
alterar costumes já estabelecidos e propagar uma nova visão, por isso foi desen-
volvido o Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, constituído
de três etapas que alcançam vários segmentos da sociedade.
O Brasil comprometeu-se a implantar e a promover o programa mundial
em educação em direitos humanos, e o presente artigo se propõe a analisar o seu
408
30 anos da Constituição
conceito, qual o mecanismo legal adotado para seu estabelecimento, bem como
se existem dados para avaliar a sua implantação e o seu progresso.
Considerando que a Constituição Federal atribui à educação o status de
direito fundamental e coloca como objetivo o “preparo para o exercício da cida-
dania”, ao final pretende-se responder à pergunta: nesses trinta anos de Consti-
tuição, seu mandamento está sendo cumprido?
561 Plano de Ação da Primeira Fase (2005-2007) do Programa Mundial para Educação em Direitos
Humanos. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001478/147853por.pdf>. Acesso
em: 26 mar. 2016, p. 6.
409
30 anos da Constituição
562 Plano de Ação da Primeira Fase (2005-2007) do Programa Mundial para Educação em Direitos
Humanos. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001478/147853por.pdf>. Acesso
em: 26 mar. 2016, p. 5.
563 “Por isso, as técnicas pedagógicas devem orientar-se no sentido de uma geral recuperação da
capacidade de sentir e de pensar. Isso implica uma prática pedagógica capaz de penetrar através
dos sentidos e que, portanto, deve espelhar a capacidade de tocar os sentidos nas dimensões do ver
(uso do filme, da imagem, da foto na prática pedagógica), do fazer (tornar o aluno produtor, capaz
de reagir na prática pedagógica), do sentir (vivenciar situações em que se imagina o protagonista
ou a vítima da história), do falar (interação que aproxima a importância de sua opinião), do ouvir
(palavras, músicas, sons, ruídos, efeitos sonoros que repercutem na ênfase de uma informação, de uma
análise, de um momento, de uma situação). Esse arcabouço de formas de fomentar a aproximação do
sentir e do pensar crítico dá-se pelo fato de penetrar pelos poros, gerando angústia, medo, dúvida,
revolta, mobilização, reflexão, interação, opiniões exaltadas, espanto, descoberta, curiosidade,
anseios, esperança... Quando isso está em movimento, a sala de aula foi tornada um laboratório de
experiências significativas, do ponto de vista pedagógico. O educando precisa, sobretudo, sentir-se
tocado em diversas dimensões e de diversas formas, assim como ter despertados os próprios sentidos
à percepção do real, o que permite recuperar a possibilidade de aproximação da prática educativa,
numa correção de rumos, em direção à reconquista da subjetividade autônoma. Para isso, práticas
pedagógicas sincréticas podem colaborar acerbamente para a produção de resultados, humanidades,
410
30 anos da Constituição
Além disso, o ensino dos direitos humanos encontra na história uma im-
portante fonte de aprendizado, pois permite que as pessoas compreendam a sua
responsabilidade na construção do destino coletivo futuro.
Por isso, a educação em direitos humanos tem por meta transformar a
sociedade a partir da própria sociedade.564 O objetivo é criar indivíduos que
não esperem que todas as medidas sejam tomadas pelo Poder Público, mas en-
tendam seu próprio papel na promoção da mudança da sociedade. Enfim, cabe
à educação em direitos o papel de criar indivíduos aptos ao exercício da cida-
dania, ou ao menos preparar as condições para que essa transformação ocorra
futuramente como fruto do amadurecimento da sociedade.565
A missão da educação em direitos humanos também tem por objetivo rea-
firmar os direitos e o respeito às minorias e aos grupos vulneráveis, construindo
um diálogo entre todos os grupos sociais.566
ou seja, explorando-se poesia, literatura, pintura, cinema, teatro, aproveitando-se o potencial criativo
para tornar a sala de aula um laboratório de ideias. Essa experiência ético-estética reabilita o potencial
transformador da educação e, portanto, do ensino jurídico” (BITTAR, Eduardo C. B. Democracia,
justiça e direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 48-49).
564 Sobre o assunto, Valmir Flores Pinto, referindo-se ao pensamento de José Ortega y Gasset, explica
que a “Educação e cidadania não são coniventes com qualquer forma de totalitarismo e autoritarismo,
seja em nível de governos, de educadores, de gestores ou progenitores. Quando em Ortega y Gasset
se afirma que o Homem é um eu e a circunstância, isso significa mencionar a acomodação imposta às
massas por muitos meios, e um dos principais é a educação formal (ORTEGA; GASSET, 1971). Os
sistemas políticos coletivistas não incentivam as pessoas a saírem das suas circunstâncias. Esta ideia
promove uma incultura no homem. Por educação entende-se o conduzir o educando para fora do lugar
em que se encontra. O sair do lugar, aqui, é criar meios para que o homem saia da sua menoridade.
É uma espécie de dilatação da vida para fora do meio em que ela está situada, tornando-se cidadão”
(PINTO, Valmir Flores. Filosofia e formação para cidadania. Revista EducAmazônia – Educação,
Sociedade e Meio Ambiente, Manaus, v. 2, n. 1-2, p. 14, 2011).
565 Nesse sentido: “Compreender a democracia e os direitos humanos como uma construção que se faz ao
longo da história e que tem diante de si o futuro pressupõe atribuir à educação um lugar indispensável
de formação em e para os direitos humanos, na medida em que, através do ato educativo, pode-
se, senão transformar a sociedade, construir uma cultura indispensável para essa transformação.
Ou, como ensinava Freire (1995), se a educação por si não muda o mundo, sem educação não se
pode mudar a sociedade” (VIOLA, Solon Eduardo Annes; BARREIRA, Claranda; PIRES, Thiago
Vieira. Direitos humanos: de movimento social à proposta educativa. In: VIOLA, Solon Eduardo
Annes; ALBUQUERQUE, Marina Z. de (Org.). Fundamentos para educação em direitos humanos. São
Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 149-150).
566 CRUZ, Rafael Rocha Paiva. Educação em direitos humanos: caminhos para a efetivação da democracia
e dos direitos humanos e o papel da Defensoria Pública. 2014. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 110.
411
30 anos da Constituição
567 CANDAU, Vera Maria Ferrão. Direito à educação, diversidade e educação em direitos humanos.
Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 720, jul.-set. 2012.
568 GARCIA, Maria. Mas quais são os direitos fundamentais? Revista de Direito Constitucional e
Internacional, São Paulo, v. 39, p. 7, abr.-jun. 2002.
569 CAGGIANO, Mônica Herman S. A educação. Direito fundamental. In: RANIERI, Nina Beatriz
Stocco (Coord.); RIGHETTI Sabine (Org.). Direito à educação. São Paulo: Editora da Universidade
São Paulo, 2009. p. 30.
412
30 anos da Constituição
570 CAGGIANO, Mônica Herman S. A educação. Direito fundamental. In: RANIERI, Nina Beatriz
Stocco (Coord.); RIGHETTI Sabine (Org.). Direito à educação. São Paulo: Editora da Universidade
São Paulo, 2009. p. 30.
571 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 316-317.
413
30 anos da Constituição
572 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed.
São Paulo: Saraiva. 2014. p. 675.
573 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18.
ed. São Paulo: Verbatim, 2014. p. 589.
574 RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Os Estados e o direito à educação na Constituição de 1988:
comentários acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: ______ (Coord.); RIGHETTI
Sabine (Org.). Direito à educação. São Paulo: Editora da Universidade São Paulo, 2009. p. 45.
575 RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Os Estados e o direito à educação na Constituição de 1988:
comentários acerca da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: ______ (Coord.); RIGHETTI
Sabine (Org.). Direito à educação. São Paulo: Editora da Universidade São Paulo, 2009. p. 45.
414
30 anos da Constituição
576 Resolução n.º 1, de 30 de maio de 2012, que estabelece as Diretrizes Nacionais da Educação.
577 Sobre o Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, instituído pelo Decreto n.º 7.037/2009 e
atualizado pelo Decreto n.º 7.177/2010, consulte o site: <http://www.pndh3.sdh.gov.br/portal/sistema/
sobre-o-pndh3>. Acesso em: 21 jun. 2018.
415
30 anos da Constituição
578 Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais.
Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção
e Defesa dos Direitos Humanos, 2013. p. 23.
579 CANDAU, Vera Maria Ferrão. Direito à educação, diversidade e educação em direitos humanos.
Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 723, jul.-set. 2012.
416
30 anos da Constituição
580 CANDAU, Vera Maria Ferrão. Direito à educação, diversidade e educação em direitos humanos.
Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 723, jul.-set. 2012.
581 Resolução n.º 1, de 30 de maio de 2012.
582 Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais. :
Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção
e Defesa dos Direitos Humanos, 2013. p. 4.
583 Lei n.º 9.394/1996m com alteração dada pela Lei n.º 13.666/2018.
584 “Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a
criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos escolares de que trata
417
30 anos da Constituição
o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei n.o 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático adequado.”
418
30 anos da Constituição
585 BARBOSA, Janaina Pires. Educação em direitos humanos: um estudo do curso “interseccionando
as diferenças: formação em educação, gênero, raça/etnia, sexualidade e pessoas com deficiência em
Goiás. 2003. Dissertação (Mestrado Educação: História, Política, Sociedade) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, p. 52.
586 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/
index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-pdf&category_
slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 15 nov. 2017, p. 31.
419
30 anos da Constituição
420
30 anos da Constituição
421
30 anos da Constituição
Por isso, o PNEDH591 aponta cinco princípios e vinte e três ações progra-
máticas para implementá-la na sociedade.
Conclui-se que o Brasil, por meio do PNEDH, implementa a educação
em direitos humanos prevista no programa mundial de educação em direitos
humanos, seguindo sua linha mestra.
Uma vez analisado o plano normativo, parte-se agora para um olhar par-
ticular sobre uma questão que o Brasil precisa resolver se quiser ter efetividade
na implantação da educação em direitos humanos: o analfabetismo.
422
30 anos da Constituição
através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção
de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a
sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros quanto entre
os povos dos territórios sob sua jurisdição”. Trata-se de um documento incomparável na história da
humanidade, que consagrou o ser humano como sujeito de direitos.
593 OLIVEIRA, Solange de. O direito à saúde na Constituição brasileira: complexidades de uma relação
público-privada no SUS. 2017. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, p. 36.
594 Analfabetismo é uma palavra utilizada no português para designar a condição daqueles que não
sabem ler e escrever; seu antônimo, alfabetismo, embora dicionarizado, designa a condição daqueles
que sabem ler e escrever.
595 RIBEIRO, Vera Masagão. Alfabetismo funcional: referências conceituais e metodológicas para a
pesquisa. Educação & Sociedade, Campinas, ano XVIII, n. 60, dez. 1997.
423
30 anos da Constituição
596 Os dados fazem parte da pesquisa Educação 2017, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) divulgou no dia 18 de maio de 2018, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio Contínua. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2018-05/
ibge-taxa-de-analfabetismo-no-pais-cai-02-ponto-percentual-em-2017>. Acesso em: 17 jun. 2018.
597 Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-
de-noticias/releases/18992-pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-
possuiam-apenas-o-ensino-fundamental-completo.html>. Acesso em: 17 jun. 2018.
424
30 anos da Constituição
Tais informações sobre jovens que não frequentam a escola, que é, a nosso
ver, um grupo muito importante para as políticas educacionais, em particular
para políticas de redução de desigualdades, devem ser atacadas se o País quiser
resolver em médio prazo a sua sustentabilidade global. Ao analisar o Gráfico 2,
em que se examina mais detidamente a taxa de analfabetismo entre o grupo
das pessoas de 15 anos ou mais por região no Brasil, verifica-se que o Nordeste
apresenta a maior taxa de analfabetismo no País (14,8%), seguido pelo Nor-
te (8,5%), Centro-Oeste (5,7%), Sudeste (3,8%) e Sul (3,6%), que corrobora
que a desigualdade tem caráter inter-regional no País. Por exemplo, o índice de
analfabetismo no Nordeste é cerca de quatro vezes maior do que no Sul. Daí a
importância de rever no PNEDH como é expressa a desigualdade:
[...] um modelo de Estado em que muitas políticas públicas deixam em segundo
plano os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Ainda há muito
425
30 anos da Constituição
598 Plano Nacional de Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=2191-plano-nacional-
pdf&category_slug=dezembro-2009-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 16. jun. 2018, p. 21.
426
30 anos da Constituição
427
30 anos da Constituição
601 TEIXEIRA, J.H. Meirelles. Curso de direito constitucional. Organizadora Maria Garcia. Florianópolis:
Conceito Editorial, 2011. p. 517.
602 GARCIA, Maria. O cidadão, intérprete da Constituição. Revista de Direito Constitucional e
Internacional, São Paulo, v. 48, p. 102-113, jul.-set. 2004.
603 Deixando à margem a variedade de acepções do democrático, explicita: “temos poucas dúvidas
que, enquanto adjetivo de um regime político, a democracia como princípio (não mero método)
inspirador da organização política contém, inexplicavelmente, duas premissas básicas: participação
e responsabilidade. Verso e anverso de uma mesma medalha que incide sobre o povo feito cidadão”
(GARCIA, Maria. O cidadão, intérprete da Constituição. Revista de Direito Constitucional e
Internacional, São Paulo, v. 48, p. 102-113, jul.-set. 2004).
604 GARCIA, Maria. Educação, problema básico da democracia: o Estado Federal e a atuação dos Conselhos
Educacionais. Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos, São Paulo, v. 3, p. 999-1009, ago. 2011.
605 “Essa transformação deverá ser um processo construído a partir da leitura crítica do mundo e dos
espaços com que se relaciona, reconhecendo-se como sujeito de direitos e deveres e exercendo a
solidariedade com o outro” (Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação em Direitos
Humanos: Diretrizes Nacionais. Coordenação Geral de Educação em SDH/PR, Direitos Humanos,
Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, 2013. p. 43).
428
30 anos da Constituição
606 LAZZARINI, Luci Leme Brandão; RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. A educação na sociedade
contemporânea: o fenômeno do bullying e uma proposta de seu enfrentamento através da TCI
(Terapia Comunitária Integrativa). Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, ano
23, v. 91, p. 319, abr.-jun. 2015.
607 No mesmo sentido: “nota-se, assim, que, em consonância com o sistema da OEA e da ONU, o Brasil já
produziu farta normatização que fundamenta e regulamenta a educação em direitos humanos no País,
fornecendo importantes bases para a sua efetivação” (CRUZ, Rafael Rocha Paiva. Educação em direitos
humanos: caminhos para a efetivação da democracia e dos direitos humanos e o papel da Defensoria
Pública. 2014. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p. 160).
429
30 anos da Constituição
Referências
608 Trecho da música Paciência, do cantor Lenine, álbum Na pressão, lançado em 1999.
430
30 anos da Constituição
CRUZ, Rafael Rocha Paiva. Educação em direitos humanos: caminhos para a efeti-
vação da democracia e dos direitos humanos e o papel da Defensoria Pública. 2014.
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
431
30 anos da Constituição
432
30 anos da Constituição
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 40. ed. São Paulo:
Malheiros, 2017.
433
A Obsolescência da Perspectiva da
Hierarquia dos Tratados Internacionais
para a Coordenação Entre o Direito
Doméstico e o Direito Internacional
em Matéria de Direitos Humanos609
1. Introdução
Perquirir a respeito dos avanços e retrocessos do constitucionalismo brasi-
leiro, no que toca ao direito internacional dos direitos humanos exige que se ob-
609 Dedico o presente artigo ao meu seleto amigo, Prof. Boguslaw Banaszak, Catedrático da Universidade
de Wroclaw e, mais recentemente, da Universidade de Zielona Gora, Polônia, falecido na data de hoje,
10 de janeiro de 2018, precocemente. Ficam os ensinamentos e a sorte da convivência por tantos anos
em diversos sítios e momentos.
610 Professor da Faculdade de Direito e Coordenador do Curso de Especialização em Direito Constitucional da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, com
estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2013-2014). Professor Titular da Faculdade
de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia Municipal. Professor colaborador do Mestrado em
Direitos Humanos da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Professor Visitante das Universidades
de Bolonha (2016) e de Buenos Aires (2011-2014). E-mal: [email protected]/[email protected]
435
30 anos da Constituição
611 Esse processo não se resume ao caráter inter-regional, mas nele me focarei.
436
30 anos da Constituição
437
30 anos da Constituição
2004, têm hierarquia supralegal, porém ainda estão abaixo da constituição. Na-
quele ano, com a emenda constitucional 45/2004, ao se incluir o §3º ao artigo
5º, instituiu-se um novo procedimento para que alguns deles obtivessem hierar-
quia formalmente constitucional, instituindo um procedimento equivocado612 e
inconstitucional, em clara afronta ao previsto no artigo 4º, inciso II, ao prever um
trâmite mais exigente para que tratados internacionais adquiram hierarquia cons-
titucional, se comparado à própria reforma da Constituição, pois se exige, além da
assinatura e da aprovação do tratado em dois turnos em cada casa do Congresso
Nacional, a participação do Presidente da República com a expedição de decre-
to. Deste ponto, se inicia um novo debate sobre normas formal e materialmente
constitucionais ou unicamente materialmente constitucionais613.
612 Antônio Augusto Cançado Trindade, em seu voto em separado no caso Damião Ximenes Lopez vs.
Brasil apontou que (proferido em 4 de julho de 2006, parágrafos 30, 31, 34 e 35 de seu Voto em Separado):
“30. [...] Mal concebido, mal redigido e mal formulado, representa um lamentável retrocesso em relação
ao modelo aberto consagrado pelo parágrafo 2 do artigo 5 da Constituição Federal de 1988 [...]
No tocante aos tratados anteriormente aprovados, cria um imbróglio tão a gosto de publicistas
estatocêntricos, insensíveis às necessidades de proteção do ser humano; em relação aos tratados a
aprovar, cria a possibilidade de uma diferenciação tão a gosto de publicistas autistas e míopes, tão
pouco familiarizados, - assim como os parlamentares que lhes dão ouvidos, - com as conquistas do
Direito Internacional dos Direitos Humanos.
31. Este retrocesso provinciano põe em risco a interrelação ou indivisibilidade dos direitos protegidos
no Estado demandado (previstos nos tratados que o vinculam), ameaçando-os de fragmentação
ou atomização, em favor dos excessos de um formalismo e hermetismo jurídicos gravados de
obscurantismo. [...]
34. Os triunfalistas da recente inserção do parágrafo 3 no artigo 5 da Constituição Federal brasileira, reféns
de um direito formalista e esquecidos do Direito material, não parecem se dar conta de que, do prisma do
Direito Internacional, um tratado como a Convenção Americana ratificado por um Estado o vincula ipso
jure, aplicando-se de imediato e diretamente, quer tenha ele previamente obtido aprovação parlamentar
por maioria simples ou qualificada. Tais providências de ordem interna, - ou, ainda menos, de interna
corporis, - são simples fatos do ponto de vista do ordenamento jurídico internacional, ou seja, são, do prisma
jurídico-internacional e da responsabilidade internacional do Estado, inteiramente irrelevantes.
35. A responsabilidade internacional do Estado por violações comprovadas de direitos humanos
permanece intangível, independentemente dos malabarismos pseudo-jurídicos de certos publicistas
(como a criação de distintas modalidades de prévia aprovação parlamentar de determinados tratados
com pretendidas consequências jurídicas, a previsão de pré-requisitos para a aplicabilidade direta
de tratados humanitários no direito interno, dentre outros), que nada mais fazem do que oferecer
subterfúgios vazios aos Estados para tentar evadir-se de seus compromissos de proteção do ser
humano no âmbito do contencioso internacional dos direitos humanos. Em definitivo, a proteção
internacional dos direitos humanos constitui uma conquista humana irreversível, e nãos e deixará
abalar por melancólicos acidentes de percurso do gênero”.
613 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 135.
438
30 anos da Constituição
614 O sistema regional atua em caráter subsidiário ao global. V. Nesse sentido: TANCREDO, Fabrizio
Grandi Monteiro de. O princípio da subsidiariedade: as origens e algumas manifestações. In: Revista
da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, v. 46, n. 1, 2005, pg. 186.
615 OTERO, Paulo. Instituições políticas e constitucionais. Volume I. Coimbra: Almedina, 2.007, p. 377.
616 Idem, p. 377.
439
30 anos da Constituição
617 Com isso, a vetusta figura da pirâmide passa a ser trocada pela de um trapézio, em que no ápice no
ordenamento jurídico também há outras normas jurídicas que não somente as constitucionais. É o caso
da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, internalizada com hierarquia
constitucional. A figura do trapézio foi retirada de BAZÁN, Victor. El derecho internacional de
los derechos humanos em la percepción de la Corte Suprema de Justicia Argentina, In: Revista da
Faculdade de Direito de São Bernardo de Campo, v.13.
618 Vf. ARAÚJO, Nádia. A influência das Opiniões Consultivas da Corte Interamericana de Direitos
Humanos no Ordenamento Jurídico Brasileiro. In: DIREITO, Carlos Alberto Menezes et alli. Novas
Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2.008, pp. 575-592.
440
30 anos da Constituição
619 “De setembro de 1975 a junho de 1977 estendeu-se no plenário do Supremo Tribunal Federal, o
julgamento do Recurso Extraordinário 80.004, em que assentada, por maioria, a tese de que, ante
a realidade do conflito entre o tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do
legislador republicano deve ter sua prevalência garantida pela Justiça – sem embargo das consequências
do descumprimento do tratado, no plano internacional. (...). Admitiram as vozes majoritárias que,
faltante na Constituição do Brasil garantia de privilégio hierárquico do tratado internacional sobre
as leis do Congresso, era inevitável que a Justiça devesse garantir a autoridade da mais recente das
normas, porque paritária sua estatura no ordenamento jurídico.” In, REZEK, José Francisco. Direito
internacional público: curso elementar. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 106-107.
620 “A disposição do artigo 5º, §2º, da Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os direitos
e garantias nesta expressos não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o
Brasil é Parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a proteção dos direitos humanos em
nosso país. Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados de direitos
humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente
consagrados.” In, GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados Internacionais de Direitos
Humanos e Constituição Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, prefácio de Antônio Augusto
Cançado Trindade, p. XX-XXIII.
621 Tema esse presente já em sua tese de doutorado defendida na PUC-SP no ano de 1.996.
622 Celso de Albuquerque Mello se posiciona em sentido que “a norma internacional prevalece sobre a
norma constitucional”. E, tece comentários ao artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição da República:
“a Constituição incorporou ao direito interno os tratados internacionais sobre direitos humanos. Esta
incorporação é uma redundância e, na verdade, supérflua, tendo em vista que os tratados dos quais o
Brasil faz ‘parte’ já são obrigatórios com ou sem o dispositivo acima. Ele é um verdadeiro pleonasmo.
Entretanto, algo realizado com o intuito que reconhecemos humanitário, pode se transformar em
441
30 anos da Constituição
algo perigoso. É que em países onde há uma incorporação pura e simples o tratado é equiparado à lei
e, erroneamente, se afirma que a lei posterior pode revogar o tratado que seria uma lei anterior. Na
verdade, os direitos humanos têm a nosso ver um status especial na ordem jurídica internacional e
deve predominar sempre» cf. MELLO, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional.
Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p. 188.
623 Nesse sentido, Sylvia Helena F. Steiner assenta que “temos por certo possuírem as normas de proteção
aos direitos do homem, formalmente, status diferenciado dentro do ordenamento jurídico interno
brasileiro, eis que expressamente incorporadas ao rol de direitos e garantias fundamentais previsto na
Constituição Federal, nos exatos termos do art. 5.º, § 2.º, da lei maior. Ainda que não estivesse expresso
o dispositivo, prevaleceria o entendimento de serem, as normas de proteção aos direitos humanos,
normas materialmente constitucionais, e, portanto, oponíveis às da legislação infraconstitucional.”
STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A convenção americana sobre direitos humanos e sua
integração ao processo penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 90.
442
30 anos da Constituição
624 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Vol. I. Porto Alegre: SAFE, 2.003, PP. 513-514.
625 Principalmente, a partir da sua tese de doutoramento publicada pela editoria Max Limonad, de São
Paulo, em 1.996.
626 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Contribuições previdenciárias. Não recolhimento. Art. 95, d, da Lei
8.212/91. Inconstitucionalidade. Revista dos Tribunais, n. 736, p. 527.
627 É verdade que em nada distoa do mode de decidir dos tribunais internacionais.
628 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Vol. I. Porto Alegre: SAFE, 2.003, PP. 551-552.
629 PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenêutica y pautas para La regulación
de lós derechos humanos. In: La aplicación de lós tratados de derechos humanos por lós tribunales
443
30 anos da Constituição
locales: Buenos Aires: Ediar, Centro de Estudios Legales y Sociales- Editorial del Puerto, 1997, p. 163.
630 TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Vol. II. Porto Alegre: SAFE, 1999, p. 435.
631 Corte Interamericana de Direitos Humanos. La colegiación obligatoria de periodistas (arts. 13 y 29 de
la Convención Americana sobre Derechos Humanos), Opinión Consultiva OC/5, 13 de noviembre de
1985, par. 52: “En consecuencia, si a una misma situación son aplicables la Convención Americana y
otro tratado internacional, debe prevalecer la norma más favorable a la persona humana. Si la propia
Convención establece que sus regulaciones no tienen efecto restrictivo sobre otros instrumentos
internacionales, menos aún podrán traerse restricciones presentes en esos otros instrumentos, pero
no en la Convención, para limitar el ejercicio de los derechos y libertades que ésta reconoce”.
444
30 anos da Constituição
632 “Sin embargo, en un plan general de discusión, ello no nos impide advertir la conveniencia de que
se profundice un diálogo jurisprudencial entre la Corte IDH y los respectivos órganos de cierre de
la jurisdicción constitucional de los Estados que conforman el sistema interamericano, a los fines
de que aquélla tenga presente las observaciones o discordancias que los mismos formulen a los
criterios jurisprudenciales trazados por el Tribunal interamericano para coadyuvar al mejoramiento
de su labor jurisdiccional. Naturalmente, todo ello en aras de optimizar el modelo tuitivo de los
derechos fundamentales sobre la base de un adecuado funcionamiento de las piezas que lo componen,
precisamente para hacer más efectiva y eficiente la protección de aquéllos en nuestro espacio regional,
cf. ABRAMOVICH, Víctor, “Introducción: Una nueva institucionalidad pública. Los tratados de
derechos humanos en el orden constitucional argentino”, en ABRAMOVICH, Víctor, BOVINO,
Alberto y COURTIS, Christian (comps.), La aplicación de los tratados de derechos humanos en el
ámbito local. La experiencia de una década, CELS - Canadian International Development Agency,
Editores del Puerto, Buenos Aires, 2007, pp. VI/VII.
633 Slaughter, citando a juíza da Suprema Corte Americana Ruth Ginsburg, afirma que em “matéria
de direitos humanos(…) as experiências de uma nação ou região devem inspirer ou informar outras
nações ou regiões”, cf. SLAUGHTER, Anne-Marie. A Global Community of Courts. Harvard
International Law Journal. v. 44, n. 1, 2003, p. 199.
634 Nesse sentido, RAMIREZ, Sergio Garcia. El control judicial interno de convencionalidad, Revista IUS
– Revista Cientifica del Instituto de Ciencias Juridicas de Puebla, no 28, julho-dezembro de 2011, p. 139:
“...corresponde aclarar – como se ha hecho em otro lugar de este trabajo – que las interpretaciones del
tribunal interamericano pueden verse superadas por actos – instrumentos internacionales, disposiciones
nacionales, actos de jurisdicción interna – que reconozcan a lós indivíduos mayores o mejores derechos
y libertades. El derecho internacional de lós derechos humanos es el ‘piso’de los derechos, no el ‘techo’.
Esta conclusión, que deriva inmediatamente del principio pro homine , tiene soporte em las normas de
interpretación contenidas en el artículo 29 de la Convención Americana”.
635 A Corte IDH desde há muito assim decidiu em Corte Interamericana de Derechos Humanos.
Opinión Consultiva OC-1/82 del 24 de setiembre de 1982: “los tratados modernos sobre derechos
humanos, en general, y, en particular, la Convención Americana, no son tratados multilaterales del
tipo tradicional, concluidos en función de un intercambio recíproco de derechos, para el beneficio
mutuo de los Estados contratantes. Su objeto y fin son la protección de los derechos fundamentales
445
30 anos da Constituição
de los seres humanos, independientemente de su nacionalidad, tanto frente a su propio Estado, como
frente a los otros contratantes. Al aprobar estos tratados sobre derechos humanos, los Estados se
someten a un orden legal dentro del cual ellos, por el bien común asumen varias obligaciones, no en
relación con otros Estados, sino hacia los individuos bajo su jurisdicción”. Também apontando essa
mudança de perspectiva, MacGregor, Eduardo. el control difuso de convencionalidad en el estado
constitucional, p.159, disponível em http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/6/2873/9.pdf.
636 PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenêutica y pautas para La regulación
de lós derechos humanos. In: La aplicación de lós tratados de derechos humanos por lós tribunales
locales: Buenos Aires: Ediar, Centro de Estudios Legales y Sociales- Editorial del Puerto, 1997, p. 163.
637 Tal qual decidido pelo Tribunal Constitucional do Peru no caso EXP. N2730-2006-PA/CT — 21 de
julho de 2006 - Caso De Arturo Castillo Chirinos: “15. Lo ex pues to, des de lue go, no alu de a una
re la ción de je rarquización formalizada entre los tribunales internaciones de derechos humanos y los
tribunales internos, sino a una relación de cooperación en la interpretación pro homine de los derechos
fundamentales. No pue de ol vi dar se que el ar tícu lo 29.b de la Convención proscribe a todo tribunal,
inclu yendo a la propia Corte, “li mi tar el goce y ejer ci cio de cual quier de re cho o li ber tad que
pueda estar reconocido de acuer do con las leyes de cualquiera de los Esta dos par tes o de acuer do
con otra con ven ción en que sea par te uno de di chos Esta dos”. Ello sig ni fi ca, por ejem plo, que
los derechos reconocidos en el ordena miento inter no y la inter preta -ción optimi zadora que de ellos
realice la jurisprudencia de este Tribunal, también es observada por la Corte”.
446
30 anos da Constituição
638 Nesse sentido, também, LANDA, César, “Sentencias fundamentales del Tribunal Constitucional
Peruano”, in BAZÁN, Víctor e NASH, Claudio (eds.), Justicia Constitucional y Derechos
Fundamentales. Aportes de Argentina, Bolivia, Brasil, Chile, Perú, Uruguay y Venezuela – 2009.
Montevideu: Programa Estado de Derecho de la Fundación Konrad Adenauer y Centro de Derechos
Humanos de la Facultad de Derecho de la Universidad de Chile, 2010, p. 77.
639 El deber de garantía del derecho a la salud a través de la prestación de servicios de salud. Extracto de la
Sentencia de la Corte Constitucional, Colombia, 5 de junio de 2008, in Revista Diálogos Jurisprudenciales, Núm.
7 Julio-Diciembre de 2009, Corte Interamericana de Derechos Humanos, Instituto Interamericano de
Derechos Humanos, Instituto de Investigaciones Jurídicas Universidad Nacional Autónoma de México,
Fundación Konrad Adenauer, México, 2010, p. 117: “Abarca, también, la posibilidad de complementar las
garantías establecidas en el ordenamiento jurídico interno a favor de los derechos constitucionales con
aquellas previstas en los Tratados Internacionales sobre Derechos Humanos. Lo anterior supone, desde
luego, la aplicación del principio pro homine, esto es, las normas han de complementarse de manera tal, que
siempre se amplíe la protección prevista en el orden jurídico interno y no se disminuya. En el evento en
que la norma que se desprende del Tratado internacional sea más restrictiva, se aplicará de preferencia la
norma de derecho interno. Por otro lado, en virtud de los dispuesto por el artículo 94 superior, así como
de ló consignado en el artículo 44 de la Constitución Nacional —sobre los derechos de los niños y de las
niñas— la obligación de interpretar los derechos constitucionales de conformidad con lo dispuesto en
los Pactos internacionales sobre Derechos Humanos aprobados por Colombia contiene, de igual modo,
la posibilidad de adicionar el ordenamiento jurídico interno con nuevos derechos siempre, claro está,
bajo aplicación del principio pro homine mencionado atrás”.
640 PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenêutica y pautas para La regulación
de lós derechos humanos. In: La aplicación de lós tratados de derechos humanos por lós tribunales
locales: Buenos Aires: Ediar, Centro de Estudios Legales y Sociales- Editorial del Puerto, 1997p. 166.
447
30 anos da Constituição
641 Cf. TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. O legado da Declaração Universal de 1948 e o futuro da
proteção internacional dos direitos humanos. In: FIX-ZAMUDIO, Hector. México y las declaraciones de
derechos humanos. Cidade do México: UNAM, 1.999, p. 45: “(...) no contexto da proteção dos direitos
humanos a polêmica clássica entre monistas e dualistas revela-se baseada em falsas premissas e superada:
verifica-se aqui uma interação entre os direito internacional e o direito interno, e os próprios tratados
de direitos humanos significativamente consagram o critério da primazia da norma mais favorável aos
seres humanos protegidos, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno”. Do mesmo
autor, também Las relaciones entre el derecho internacional y el derecho interno han sido enfocadas ad
nauseam a la luz de la polémica clásica, estéril y ociosa, entre dualistas y monistas, erigida sobre falsas
premisas. En la protección de sus derechos, el ser humano es sujeto tanto del derecho interno como del
derecho internacional, dotado en ambos de personalidad y capacidad jurídicas propias. Como se desprende
de disposiciones expresas de los propios tratados de derechos humanos, y de la apertura del derecho
constitucional contemporáneo a los derechos internacionalmente consagrados, no más cabe insistir en
la primacía de las normas del derecho internacional o del derecho interno, por cuanto el primado es
siempre de la norma –de origen internacional o interna- que mejor proteja los derechos humanos, de
la norma más favorable a las víctimas. Constátase hoy, en efecto, la coincidencia de objetivos entre el
derecho internacional y el derecho interno en cuanto a la protección de la persona humana, cabiendo,pues,
desarrollar esta alentadora coincidencia hasta sus últimas consecuencias”, CF. TRINDADE, Antonio
Augusto Cançado. Desafíos de la protección internacional de los derechos humanos al final del siglo xx.
In Seminario sobre Derechos Humanos, San José, Costa Rica, IIDH,1997, p. 71. Também, . com alguma
diferença, César Landa diz que “frente a los inconvenientes dogmáticos y prácticos derivados de las tesis
monistas y dualistas, la posición constitucional de los tratados viene asumiendo una opción mixta, a
través de la tesis de coordinación. Esta última caracteriza al derecho internacional como un derecho de
integración, sobre la base de la responsabilidad internacional. Así en función de dicha responsabilidad ya
no se postula la derogación automática de las normas internas, en caso de conflicto con sus obligaciones
en el plano internacional, sino su armonización fundamentándose en un neoiusnaturalismo integrador” cf.
LANDA ARROYO, César. Constitución y fuentes del derecho. Lima: Palestra, 2006, pp. 118-119.
642 Também BAZAN, Victor. “Corte Interamericana de Derechos Humanos y Cortes Supremas o Tribunales
Constitucionales latinoamericanos: el control de convencionalidad y la necesidad de un diálogo
interjurisdiccional crítico”, Revista Europea de Derechos Fundamentales, N° 16, 2° Semestre de 2010,
Fundación Profesor Manuel Broseta e Instituto de Derecho Público Universidad Rey Juan Carlos, Valencia,
España, 2011 : “En el fondo, y como se adelantaba, la cooperación entre los tribunales internos y los tribunales
448
30 anos da Constituição
internacionales no apunta a generar una relación de jerarquización formalizada entre éstos y aquéllos, sino a
trazar una vinculación de cooperación en la interpretación “pro homine” de los derechos humanos”.
643 ESCALANTE, Rodolfo E. Piza. El valor del derecho y la jurisprudencia internacionales de derechos
humanos en el derecho y la justicia internos el ejemplo de costa rica, in Liber amicorum : Héctor
Fix Zamudio : volume I. Sao José, CIDH, 1998, p. 183;”Esto mismo, unido a la naturaleza universal e
indivisible de los derechos humanos, caracterizados precisamente por su atribución a todo ser humano por
el sólo hecho de serlo, sin distinción de sexo, edad, color, riqueza, origen nacional o social, nacionalidad
o ninguna otra condición social, impone definitivamente la superación de toda pretensión dualista
para explicar la relación entre el Derecho interno y el Derecho Internacional. Porque, efectivamente,
la coexistencia de dos órdenes jurídicos distintos sobre un mismo objeto resulta lógicamente imposible;
con lo cual va perdiendo a su vez, todo sentido, no sólo la clásica alternativa ‘monismo’ y ‘dualismo’ en
la consideración de las relaciones entre el Derecho interno y el Internacional, sino incluso la discusión
sobre la prevalencia de uno u otro, en caso de conflicto, por lo menos en lo que se refiere a los derechos
humanos; con la consecuencia absolutamente obligada de que, o en esta matéria prevalece el Derecho
Internacional, o bien, como debe, a mi juicio, decirse mejor, em realidad no prevalece ni uno ni otro, sino,
en cada caso, aquél que mejor proteja y garantice al ser humano, en aplicación, además, del ‘principio pro
homine’ propio del Derecho de los Derechos Humanos”
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30 anos da Constituição
644 Corte IDH: Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Fondo,
Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de febrero de 2001. Serie C No. 73. Voto concurrente del juez
A. A. Cançado Trindade, par. 14.
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30 anos da Constituição
645 cf. Voto razonado do juiz Eduardo Mac-Gregor, em Corte Interamericana de Derechos Humanos.
Caso Cabrera García y Montiel Flores vs. México Sentencia de 26 de noviembre de 2010 (Excepción
Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas), parágrafo 51: “El juez nacional, por consiguiente, debe
aplicar la jurisprudencia convencional incluso la que se crea en aquellos asuntos donde no sea parte el
Estado nacional al que pertenece, ya que lo que define la integración de la jurisprudencia de la Corte
IDH es la interpretación que ese Tribunal Interamericano realiza del corpus juris interamericano con
la finalidad de crear un estándar en la región sobre su aplicabilidad y efectividad”.
646 FERRER-MAC GREGOR, Eduardo, Interpretación conforme y control difuso de convencionalidad, El
nuevo paradigma para el juez mexicano, Disponível em http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/7/3033/14.pdf
451
30 anos da Constituição
647 Sobre o tema, dentre outros, ver CONCI, Luiz Guilherme Arcaro e Gerber, Konstantin. Diálogo
entre la Corte Interamericana de Derechos Humanos y el Supremo Tribunal Federal: el control
de convencionalidade actúa conjuntamente al control de constitucionalidad? In: CONCI, Luiz
Guilherme Arcaro e Mezzetti, Luca(editores). Diálogo entre Cortes. Bogotá: Universidade Externado
de Colombia, 2016, pp. 109-144.
648 Conforme definido nos artigos 2.1. do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da
ONU e no artigo 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário.
452
30 anos da Constituição
dos casos em que o Brasil não é parte, ou mesmo, naqueles em que é parte, ou
das opiniões consultivas da Corte IDH, são ou não vinculantes.
Percebe-se, assim, que há muito o que se esperar das instituições brasi-
leiras, especialmente as judiciais, a respeito da integração brasileira a sistemas
internacionais de proteção de direitos humanos. Há pouco o que comemorar a
esse respeito, especialmente, se o tema da hierarquia dos tratados internacionais
de direitos humanos continuar a povoar a mente daqueles de quem se exige de-
finir tal coordenação entre ordens jurídicas o que, verdadeiramente, abre portas
para mais condenações internacionais do Brasil em âmbito internacional.
7. Bibliografia
Jurisprudência
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Damião Ximenes Lopez vs. Bra-
sil. 4 de julho de 2006. Voto em separado de Antônio Augusto Cançado Trindade.
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Livros e artigos
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Falta Água na Periferia: Estudo de
Caso sobre Necessidades Jurídicas
Insatisfeitas Durante a Crise Hídrica
na Cidade de São Paulo
459
30 anos da Constituição
Resumo
O presente estudo busca identificar necessidades jurídicas insatisfeitas du-
rante a crise hídrica em São Paulo, enfrentando desafios como a falta de confia-
bilidade dos dados oficiais quanto ao real alcance e tempo dos rodízios de água
na cidade. Apesar de ser difícil precisar quantas pessoas sofreram violações ao
direito à água com desabastecimentos, é possível observar no período uma que-
da na demanda judicial pela violação deste direito fundamental, além de certa
estabilidade no número de casos no âmbito de meios alternativos de solução de
conflitos que albergam o tema, o que permite inferir que os cortes no forneci-
mento de água não acompanharam um aumento nos litígios por força disso. Em
conclusão, a população em situação de extrema vulnerabilidade tende a não
buscar o sistema de justiça, ainda que sofra com o racionamento de água e em
que pese seu direito fundamental à água estar assegurado.
460
30 anos da Constituição
Introdução
A regulação da água como bem público é uma questão em aberto no mundo
atual. A crise hídrica em curso na cidade de São Paulo traz novos e graves desa-
fios que se somam àqueles tradicionalmente enfrentados pelo Código de Defesa
do Consumidor (CDC). Em que pese este possua força normativa em favor dos
hipossuficientes e vulneráveis, as evidências empíricas demonstram que este có-
digo ainda está longe de atingir os resultados esperados em relação ao problema
apontado acima. Para chegar a tais conclusões, foram pesquisadas e analisadas as
normas jurídicas nacionais que tratam diretamente do serviço público de forne-
cimento de água, com enfoque na identificação de barreiras de acesso à justiça,
tomando-se em conta os seguintes elementos: i) grau de reconhecimento jurídico
formal da água como um direito humano fundamental no Brasil; ii) natureza
jurídica das águas como bem público de uso comum e; iii) garantias jurídicas
para a proteção do direito à água como bem de consumo. Assim, as três nuances
do regime jurídico da água – vale dizer, como direito fundamental, como bem
público de uso comum e como serviço essencial sujeito às regras do CDC – estão
impregnadas neste objeto que destarte não pode ser explicado a não ser a partir de
um desenlace de seus aspectos mais críticos. Neste contexto, o acesso ao serviço
público de fornecimento de água via Justiça é um problema instigante.
1. Método
Há duas correntes metodológicas contemporâneas dignas de referência:
a neorealista, que enxerga o direito como um conjunto de regras que definem
a conduta humana, com a necessidade de se aplicar um teste de causalidade
para se medir o impacto da intervenção judicial; e a construtivista, que alarga
o campo de análise para empreender o uso de ferramentas metodológicas como
entrevistas qualitativas junto a autoridades públicas, ativistas e membros da
população beneficiária. A metodologia adotada no presente estudo é a constru-
tivista, que combina análises quantitativas com qualitativas, abordando o modo
como a opinião pública passa a perceber e reconhecer a violação a um direito
fundamental (Garavito, 2011, p.1677-9).
Vale dizer, desde 2014, o Portal Justiça em Números divulga a realidade dos
tribunais brasileiros, detalhando a litigiosidade no país, de acordo com os indica-
461
30 anos da Constituição
dores de “classe” e/ou “assunto”. Tornou-se, assim, a principal fonte das estatísticas
oficiais para o planejamento da gestão judiciária brasileira. No que se refere aos cál-
culos/estatísticas realizados no presente estudo de caso, quando não for indicada ou-
tra fonte, este é o banco de dados de onde se extraíram os números originalmente.
As normas selecionadas e analisadas foram aquelas vigentes e que apre-
sentam conteúdo relevante para a construção teórica do direito à água. A pes-
quisa qualitativa foi realizada através de coleta de dados nas páginas oficiais do
governo e de entrevista qualitativa. Desse modo, foi realizada uma entrevista
junto ao Coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor (“Nudecon”), órgão
da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
No Brasil, a proteção jurídica das águas tem suas bases estabelecidas pela
Constituição Federal de 1988 (CF 88), que tratou da matéria em dispositivos
esparsos ao longo de seu texto (Brasil, 1988). Nesse sentido, o regime jurídico
das águas no Brasil abrange, de um lado, a proteção dos direitos humanos e,
de outro, a proteção do meio ambiente e dos recursos hídricos e naturais. Para
Fernando Aith (AITH, 2015, p. 166):
462
30 anos da Constituição
“[é] evidente a relação jurídica indivisível da água com alguns dos mais
relevantes direitos fundamentais reconhecidos pela CF 88, como a vida,
a saúde ou o meio ambiente equilibrado: não há que falar em direito à
vida digna sem água potável e meio ambiente equilibrado; não há como
garantir a saúde das pessoas sem acesso à água potável e ao tratamento
de esgotos; não há como garantir a segurança sanitária sem um abaste-
cimento adequado de água potável à população.”
463
30 anos da Constituição
3. Coleta de Dados
Segundo a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Am-
biente, o território brasileiro contém cerca de 12% de toda a água doce do
planeta. Entretanto, essa abundância não significa que o recurso seja a todos
acessível. Como muito bem coloca Édison Carlos (2018), presidente executivo
do Instituto Trata Brasil:
“Acreditamos que a água sempre estará disponível, mas sabemos hoje que
isso não é verdade (...) Um dos problemas é que a disponibilidade de água
é muito desigual: a região Norte tem 6% da população e 70% da água
doce; já o Sudeste tem 40% da população e 6% da água doce, enquanto
o Nordeste possui pouco mais de 3% da água doce e 29% da população”.
649 Vale referir que a associação Artigo 19 também realizou pedido de informação junto à SABESP
quanto à publicização dos maiores consumidores de água no Estado.
650 Os mapas obtidos pelo IDEC podem ser acessados em “http://ciclovivo.com.br/planeta/meio-ambiente/
conheca-o-mapa-de-racionamento-de-agua-em-sp/”
464
30 anos da Constituição
mara Municipal da cidade de São Paulo (CPI) houve lapsos temporais muito
maiores do que oficialmente anunciado. Ainda, são discrepantes os dados apre-
sentados tanto pelo estudo do Datafolha, quanto da CPI, em face dos dados
oficiais da Sabesp. Conforme o Relatório Final da CPI:
“O que a CPI tem averiguado é um descaso com a população paulistana, e
em grande parte por responsabilidade da SABESP, que poderia ter iniciado
um real racionamento de água e informado aos moradores de São Paulo
que se tratava de um problema extremamente sério e que estaria por vir
a pior crise hídrica que a cidade já havia enfrentado. A CPI recebeu em
outubro a então presidente da SABESP, Dilma Pena, que não deu respostas
convincentes sobre a crise hídrica. Diante da pergunta do Relator sobre se
havia racionamento de água em São Paulo, a Sra. Dilma Pena negou: “o
que há é falta d’água em lugares pontuais, principalmente em áreas muito
altas, muito longe dos reservatórios, em residências com muitos moradores
ou onde o armazenamento está incorreto”. Foi então exibido o vídeo de uma
reportagem que mostrava a falta de água generalizada em São Paulo. (http://
globotv.globo.com/redeglobo/bom-dia-brasil/t/edicoes/v/sistema-cantareira-
-esta-com-o-pior-nivel-dahistoria/3678951/) A Presidente Dilma Pena con-
tinuou negando o racionamento, e afirmou que ocorria uma diminuição da
pressão da água, que atinge apenas 1% ou 2% dos moradores, em horário no-
turno. Mesmo que esse número de 2% estivesse correto, o problema atinge
250 mil pessoas. Mas, como se constatou através da imprensa e também por
manifestações da população, esse número era muito maior. Bairros como
Jardim Pantanal, na Zona Leste, ficaram seis dias sem abastecimento, fato
ocorrido entre os dias 09/10 e 15/10 de 2014. Já um conjunto habitacional do
Campo Limpo, na Zona Sul, ficou sem água por 15 dias, na mesma época
do Jardim Pantanal. (http://globotv.globo.com/rede-globo/sptv-1a-edicao/v/
moradoresreclamam-da-falta-de-agua-em-bairro-da-zona-sul/3697924/) Se
fosse antecipado, o racionamento poderia evitar a penalização de bairros
mais distantes, que sofrem com a redução da pressão da rede.(...)”
465
30 anos da Constituição
Ao analisar a tabela, o que pode ser notado é uma tendência a uma exclu-
são social no fornecimento do serviço de água. Inclusive, e possível notar que há
uma contradição explicita entre os dados oficias da Sabesp, que declarava que
os rodízios eram diários, provocando uma dificuldade para uma compreensão
clara da real dimensão do problema.
Ainda, a pesquisa documental (Brasil, CNJ, 2018) apontou que no perí-
odo de 2014 a 2016, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) registrou, no
tocante ao assunto “contratos de consumo”, o seguinte quantitativo de proces-
sos mais frequentes, em escala decrescente: (i) processos relativos a contratos
bancários, 400.027 (quatrocentos mil e vinte e sete); (ii) processos relativos a
planos de saúde, 203.932 (duzentos e três mil novecentos e trinta e dois); (iii)
processos relativos a serviços de telefonia, 110.514 (cento e dez mil e quinhentos
e quatorze); (iv) processos relativos a fornecimento de água, 71.316 (setenta e
um mil trezentos e dezesseis); (v) processos relativos a fornecimento de energia
elétrica, 28.910 (vinte e oito mil novecentos e dez)651.
Por outro lado, a pesquisa do Datafolha (2015) estima que, apenas na ci-
dade de São Paulo, houve um crescimento vertiginoso das pessoas que sofreram
com a falta de água, visto que em junho de 2014, 35% das pessoas declararam
sofrer com a interrupção da água em suas residências, contra 49% em outubro
de 2015, com uma margem de erro de 3 pontos percentuais, para mais ou para
menos. Assim, é possível estimar que o número de paulistanos que sofreram
com o corte de água aumentou de aproximadamente 4 milhões em 2014 para
cerca de 6 milhões em 2015. Desta forma, apesar de não ser possível afirmar
651 Por oportuno, registre-se, os dados acima anunciados não discernem os litígios individuais dos coletivos.
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4. Discussão
O Código de Defesa do Consumidor, conforme Nery (NERY JÚNIOR,
2011, p. 101), estabeleceu o regime jurídico da relação de consumo, com a fa-
cilitação da defesa do consumidor em juízo, em sendo verossímil a alegação de
hipossuficiência, para a inversão do ônus da prova (art. 6º, inc. VIII), bem como
o acesso à justiça na forma individual ou coletiva (art. 81, caput). Em outras
palavras, identificou sujeitos de direitos duplamente vulneráveis: vulneráveis
financeiramente e quanto ao conhecimento de seus direitos. É a esta vulnerabi-
lidade, de um ponto de vista jurídico, que o CDC visa sanar, ao adotar critérios
diferentes no que tange o conceito de “consumidor” e à teoria da prova.
Ao averiguar o acesso à justiça nas relações consumeristas, a presente pes-
quisa selecionou a barreira econômica como chave de análise, o que, por sua
vez, revelou a existência de consumidores hiper-vulneráveis. Cumpre notar que,
para além da vulnerabilidade inerente ao consumidor, aos hiper-vulneráveis so-
mam-se características tais como a vulnerabilidade econômica, realidade social
evidentemente majoritária no país, etc. Como forma de imergir nesta realidade,
o OCCA Brasil entrevistou um dos coordenadores do Núcleo de Defesa do
Consumidor da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
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5. Considerações finais
Inicialmente, houve um esforço desta pesquisa em cruzar os dados do
Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) produzidos pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA) e cruzá-los com os dados de abastecimento du-
rante a crise hídrica em São Paulo, para estabelecer um paralelo entre esta vul-
nerabilidade e o desabastecimento de água. No entanto, a pesquisa encontrou
dificuldades em dois sentidos. Primeiramente, a porcentagem da população sem
acesso a serviços de saneamento básico na cidade era muito pequena (media
0,38%), o que tornaria insignificante a correlação. O segundo sentido trata da
falta de confiabilidade nos dados oficiais da Sabesp, que, conforme explicitado
no estudo, foi contestada diversas vezes por órgãos autônomos e veículos de
imprensa quanto ao real alcance e tempo dos rodízios de água na região. Sendo
assim, foi preferível excluir esta análise do estudo, visto que os dados disponíveis
eram pouco confiáveis e poderiam trazer equívocos.
Tentativas de democratização do acesso à água seguem incompletas, reve-
lando dificuldades na articulação entre o debate democrático e a decisão pú-
blica. Neste sentido, além da falta de transparência, a Sabesp ainda foi alvo de
críticas por um lapso de accountability652, sob alegações de uma postura corpo-
rativista da empresa, que teria favorecido setores de atividade lucrativa durante
o período de racionamento em detrimento dos hipervulneráveis.
Em conclusão, apesar de não ser possível afirmar com uma dose razoável
de segurança a extensão do aumento no índice de conflitualidade relativo ao
fornecimento de água no período estudado, houve diminuição dos casos novos
ajuizados, o que indica que os tribunais não foram procurados com maior fre-
quência no período da crise. Pode-se inferir, assim, a existência de necessidades
jurídicas insatisfeitas, donde a conclusão de que a população em situação de ex-
trema vulnerabilidade tende a não buscar o sistema de justiça, ainda que sofra
uma violação a um direito fundamental.
652 Na definição de Elinor Ostrom (2007, p. 34): “Em uma política democrática, os servidores devem
prestar contas aos cidadãos sobre o desenvolvimento e uso de instalações públicas e recursos naturais.
A preocupação com accountability não necessariamente conflita com os objetivos de eficiência e
equidade redistributiva”.
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Nota.
*Uma versão anterior deste texto foi originalmente escrita para fins de de-
senho do estudo de caso da esfera de consumo apresentado ao Observatório de
Conflitualidade Civil e Acesso à Justiça (OCCA), mecanismo de monitoração da
justiça civil na América Latina, coordenado pelo Centro de Estudo da Justiça das
Américas (CEJA) e conformado por organizações da sociedade civil e centros de
estudos de vários países na região. Nossos agradecimentos ao CEJA, na pessoa de
Marco Fandiño, pelo apoio irrestrito e pela assistência metodológica.
Bibliografia
ADELE Y CASTRO, João Marcos. Regime Jurídico das águas no Brasil. Revis-
ta do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. n. 65. Jan-Abr.
2010, pp. 29-36.
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