Fundamentos Do Acompanhamento Terapêutico

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Fundamentos do

Acompanhamento
Terapêutico
Profª Karoline Gregol Pereira
Profª Nislandia Santos Evangelista
Profª Naiara da Silva Floriano
Profº Claudio Marcos Odorizzi Junior

Indaial – 2021
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Profª Karoline Gregol Pereira
Profª Nislandia Santos Evangelista
Profª Naiara da Silva Floriano
Profº Claudio Marcos Odorizzi Junior

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

Impresso por:
Apresentação
Este Livro Didático objetiva sistematizar os elementos básicos da
disciplina de Fundamentos do Acompanhamento Terapêutico, o qual
proporcionará um contato com os principais tópicos, autores, obras, normas
e regulamentações da área, além dos instrumentos necessários, não apenas
para acompanhar a disciplina ofertada, mas também para os estudos
autônomos posteriores.

Na Unidade 1, veremos, primeiramente, uma contextualização


histórica da saúde, da loucura e do acompanhamento terapêutico. Isso
permitirá compreender todo o conceito de doença que foi construído
ao longo do tempo. Após isso, nos aprofundaremos nos principais
momentos da história da loucura e seu envolvimento com o movimento
da luta antimanicomial e a criação das políticas públicas de saúde mental.
Finalizaremos a unidade vendo como todo esse trajeto histórico das lutas de
saúde mental chegou até o surgimento do Acompanhamento Terapêutico
como prática profissional regulamentada e qual a importância dessa
profissão no meio da saúde mental.

Na Unidade 2, nos aprofundaremos nas principais características


que constituem o trabalho do Acompanhante Terapêutico (AT). Faremos um
mergulho histórico de toda a trajetória do Acompanhamento Terapêutico,
suas raízes e como chegou até o Brasil. Analisaremos as considerações
primordiais para a atuação do acompanhante terapêutico, para entender
as diversas formas de realizar a clínica e entender quais são os principais
objetivos e funções dessa profissão.

Por fim, na Unidade 3, faremos um aprofundamento nas teorias


sobre a ética, com foco na ética do profissional da área de serviços de
saúde, contemplando, portanto, o profissional acompanhante terapêutico.
Inicialmente, veremos sobre quais são os fundamentos éticos na prática de
saúde mental, analisaremos os modelos de raciocínio ético. O intuito central
aqui é conduzir você a uma compreensão dos modelos de raciocínio em meio
a resolução de conflitos éticos. Por fim, a unidade te convida a identificar um
modelo do processo de tomada de decisão ética.

Desejamos uma boa jornada a todos, rumo à edificação da


educação, formação profissional e sucesso frente aos desafios intelectuais,
éticos e pessoais proporcionados pelo estudo dos Fundamentos do
Acompanhamento Terapêutico.

Profª Karoline Gregol Pereira


Profª Nislandia Santos Evangelista
Profª Naiara da Silva Floriano
Profº Claudio Marcos Odorizzi Junior
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-
de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-
to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO........................................................................................................... 1

TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA


E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO................................................................................ 3
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 HISTÓRIA E CONCEITO DE SAÚDE............................................................................................. 3
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE................................................................... 4
2.1.1 Conceito de Saúde ................................................................................................................. 5
2.1.2 Políticas Públicas de Saúde................................................................................................... 7
2.2 HISTÓRIA DA LOUCURA.......................................................................................................... 10
2.2.1 Movimento Nacional da Luta Antimanicomial............................................................... 14
2.2.2 Política de saúde mental...................................................................................................... 15
3 O SURGIMENTO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO............................................ 17
3.1 HISTÓRIA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO ..................................................... 17
3.1.1 O Acompanhamento Terapêutico na atualidade............................................................. 19
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 20
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 21

TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO............................... 23


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 23
2 UMA VISÃO GERAL-HISTÓRICA DO AT.................................................................................. 23
3 O QUE É O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO?.............................................................. 25
3.1 OS NOVOS USOS E CONFIGURAÇÕES DESSA PRÁTICA.................................................. 28
4 A LEGISLAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO.............................................. 30
4.1 POR QUE É IMPORTANTE TER EXPERIÊNCIA COMPROVADA
DE UM ANO EM SERVIÇOS TERRITORIAIS DE SAÚDE?......................................................... 31
4.2 POR QUE É NECESSÁRIO SER SUPERVISIONADO POR UM PROFISSIONAL
DE NÍVEL SUPERIOR COM EXPERIÊNCIA EM SAÚDE MENTAL?........................................ 31
4.3 POR QUE ESSE PROFISSIONAL DEVE SER DO MUNICÍPIO?........................................... 32
4.4 QUAL É A IMPORTÂNCIA DE PARTICIPAR DE REUNIÕES?........................................... 32
4.5 POR QUE UM PLANO TERAPÊUTICO SINGULAR DO USUÁRIO?................................. 32
4.6 DA CARGA HORÁRIA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO............................... 33
5 A ÉTICA DO CUIDADO .................................................................................................................. 34
5.1 O CUIDADO ESTÁ RELACIONADO COM O GÊNERO?..................................................... 35
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 38
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 39

TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO......................................................................................... 41
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 41
2 CONTEXTO DA FUNDAMENTAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO...................................................................................................................................... 41
2.1 A AMIZADE COMO UMA ESFERA POLÍTICA
DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO................................................................................. 46
3 ACOMPANHAMENTO NÔMADE-TERAPÊUTICO................................................................. 49
4 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NOS MOVIMENTOS
DO COTIDIANO................................................................................................................................... 55
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 59
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 63
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 65

REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 67

UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO.............................. 73

TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO


E A SAÚDE HUMANIZADA.............................................................................................................. 75
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 75
2 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM FORMAÇÃO-PENSAMENTO...................... 75
3 DIREITOS HUMANOS E ALTERIDADE..................................................................................... 77
3.1 A ALTERIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO.................................................................. 79
3.2 ASPECTOS IDENTITÁRIOS NA CONTEMPORANEIDADE............................................... 81
4 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO (PNH).............................................................. 83
4.1 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO (PNH),
DIRETRIZES E PRINCÍPIOS.............................................................................................................. 85
4.2 HUMANIZAÇÃO EM GESTÃO E SERVIÇOS DE SAÚDE.................................................... 90
5 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL............................. 93
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 97
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 99

TÓPICO 2 — CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO


DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO....................................................................................... 101
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 101
2 A DEFINIÇÃO DE CUIDADO...................................................................................................... 101
3 CUIDADO E ATITUDE................................................................................................................... 103
4 O SER HUMANO, UM SER INTEGRAL..................................................................................... 105
4.1 O CUIDADO INTEGRAL........................................................................................................... 106
4.2 ACOLHIMENTO E RESPONSABILIZAÇÃO......................................................................... 108
4.3 CUIDANDO DE SI E DO OUTRO............................................................................................ 110
5 O AFETO E O CUIDADO EM SAÚDE........................................................................................ 111
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 115
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 117

TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA


NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO............................................................................... 119
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 119
2 A COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA E SUA INTERFACE
COM O RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO........................................................................... 120
2.1 APLICAÇÃO PRÁTICA DAS TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO
NO RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO.................................................................................. 123
2.2 VANTAGENS E LIMITAÇÕES DA COMUNICAÇÃO
E RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO...................................................................................... 127
3 TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA.................................................................. 128
4 SINAIS DO RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO EFETIVO............................................. 130
5 AS DINÂMICAS DO AFETO E DO PSIQUISMO HUMANO............................................... 131
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 135
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 137

TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO............ 141


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 141
2 CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS OBJETIVOS E FUNÇÕES DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO....................................................................................... 141
2.1 OBJETIVOS DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA ATUALIDADE .............. 144
2.2 FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA ATUALIDADE................. 145
2.2.1 O acompanhante terapêutico e a família......................................................................... 148
3 POSSIBILIDADES PARA O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO............................... 151
3.1 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO DE BEBÊS E CRIANÇAS . ........................... 151
3.2 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA ADOLESCÊNCIA................................... 152
3.3 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E O ENVELHECIMENTO............................. 152
3.4 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E O AMBIENTE ESCOLAR.......................... 154
3.5 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA ................. 155
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 157
RESUMO DO TÓPICO 4................................................................................................................... 159
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 160

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 162

UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA


DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO.......................................................... 169

TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO............................................................. 171 1


INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 171
2 O RELATIVISMO ÉTICO............................................................................................................... 172
2.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO RELATIVISMO ÉTICO.............................................................. 173
2.2 RELEVÂNCIA DO RELATIVISMO ÉTICO PARA AS PROFISSÕES
DE SAÚDE MENTAL........................................................................................................................ 174
3 O HEDONISMO ÉTICO................................................................................................................. 176
3.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO HEDONISMO ÉTICO............................................................... 177
3.2 A RELEVÂNCIA DO HEDONISMO ÉTICO PARA AS PROFISSÕES DE SAÚDE
MENTAL....................................................................................................................................... 177
4 O UTILITARISMO........................................................................................................................... 178
4.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO UTILITARISMO......................................................................... 181
4.2 RELEVÂNCIA DO UTILITARISMO PARA AS PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL........... 183
5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT............................................................................. 184
5.1 A AVALIAÇÃO CRÍTICA DA TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT........................ 189
5.2 RELEVÂNCIA DA TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT
PARA AS PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL . .......................................................................... 189
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 191
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 193

TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO


DE CONFLITOS ÉTICOS............................................................................................................... 195 1
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 195
2 SITUAÇÕES QUE REQUEREM HABILIDADES DE SOLUÇÃO
DE PROBLEMAS ÉTICOS................................................................................................................. 195
3 O RELATIVISMO ÉTICO............................................................................................................... 197
4 O UTILITARISMO........................................................................................................................... 197
4.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PONTO DE VISTA UTILITARISTA EM RELAÇÃO AO
CONFLITO ÉTICO.............................................................................................................................. 197
5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT............................................................................. 198
5.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PONTO DE VISTA KANTIANO EM RELAÇÃO AO
CONFLITO ÉTICO...................................................................................................................... 198
6 A ÉTICA SITUACIONAL DE FLETCHER.................................................................................. 200
6.1 A AVALIAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA SITUACIONAL......................................................... 202
7 O CONTEXTUALISMO ÉTICO DE WALLACE......................................................................... 204
7.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO CONTEXTUALISMO ÉTICO................................................... 210
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 211
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 213

TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA................. 215


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 215
2 O PROPÓSITO DO MODELO...................................................................................................... 215
3 O MODELO....................................................................................................................................... 216
3.1 PASSO 1: AVALIAÇÃO INICIAL DAS CONSIDERAÇÕES ÉTICAS IMPLICADAS............ 218
3.2 PASSO 2: REUNIR INFORMAÇÕES........................................................................................ 219
3.3 PASSO 3: AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA DAS CONSIDERAÇÕES
ÉTICAS IMPLICADAS...................................................................................................................... 220
3.4 PASSO 4: DELIBERAÇÕES METAÉTICAS RELATIVAS À RELEVÂNCIA DAS
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS....................................................................................................... 221
3.5 PASSO 5: DELIBERAÇÕES METAÉTICAS RELATIVAS À RESOLUÇÃO
DO DILEMA ÉTICO.......................................................................................................................... 221
3.6 PASSO 6: AVALIAÇÃO TERCIÁRIA DAS CONSIDERAÇÕES
ÉTICAS – GERAR OPÇÕES............................................................................................................. 222
3.7 PASSO 7: ESTIMAR AS CONSEQUÊNCIAS DE CADA OPÇÃO....................................... 223
3.8 PASSO 8: TOMAR UMA DECISÃO.......................................................................................... 223
3.9 PASSO 9: DOCUMENTAR A JUSTIFICAÇÃO E O PROCESSO
DE TOMADA DE DECISÕES.......................................................................................................... 223
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 225
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 233
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 235

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 237
UNIDADE 1 —

NASCIMENTO DA CLÍNICA
DO ACOMPANHAMENTO
TERAPÊUTICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o contexto histórico e a relação entre saúde, loucura


e o acompanhamento terapêutico;

• analisar as várias definições de acompanhamento terapêutico;


entender a fundamentação teórica do acompanhamento
terapêutico;

• identificar a função e o propósito do acompanhamento terapêutico


nas práticas de saúde.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

TÓPICO 2 – DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

TÓPICO 3 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1
CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, inicialmente, abordaremos neste tópico a contextualização


histórica e o conceito de saúde, assim como as principais políticas de saúde
existentes para uma breve compreensão de como este conceito, que é estreitamente
vinculado ao conceito de doença, foi sendo construído ao longo do tempo.

Na sequência, abordaremos os pontos principais da história da loucura e


a sua relação com a criação das políticas públicas de saúde mental e o movimento
da luta antimanicomial. Poderemos analisar como os aspectos relacionados com a
loucura e o seu tratamento evoluíram até os dias atuais e a sua importância para o
reconhecimento da pessoa louca ou doente mental como um ser de direitos.

É neste contexto da história da loucura, da criação de políticas de saúde


mental e do movimento da luta antimanicomial que veremos o Acompanhamento
Terapêutico (AT) ser construído e consolidado como uma prática profissional.
Em um primeiro momento, poderemos observar a sua ligação com a lógica
manicomial. No entanto, também veremos na sua construção histórica, a evolução,
que quebra com a lógica dos manicômios e o controle destes corpos adoecidos e
muitas vezes marginalizados, transformando-se em uma prática que reconhece e
tem como foco o sujeito, e não mais a sua doença exclusivamente.

2 HISTÓRIA E CONCEITO DE SAÚDE


Para iniciar nossos estudos a respeito do nascimento da clínica do
Acompanhamento terapêutico (AT), é importante resgatar um breve histórico a
respeito da saúde e do seu conceito, que foi e é construído histórica e culturalmente.

Você se recorda, neste momento, de algum aspecto acerca deste conceito?


Como você definiria saúde? Neste subtópico, nos debruçaremos sobre os estudos
a respeito deste conceito, que é amplo e necessário para a compreensão do AT.

3
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE


Para iniciarmos um resgate histórico a respeito da saúde, é essencial
tratarmos também sobre como a compreensão do conceito de doença foi construída.
Estes conceitos, saúde e doença, embora possuam significados opostos, possuem
forte relação e estão historicamente vinculados.

A doença, inicialmente, partiu de uma concepção mágico-religiosa,


caracterizada pela crença de que as doenças se instalam em determinado
organismo como consequência de pecados ou em virtude de uma maldição.
Para os hebreus, a doença era interpretada como sinal da fúria divina diante da
profanação humana (SCLIAR, 2007).

Você provavelmente já ouviu falar de Hipócrates, mas se lembra de quem


ele foi? Hipócrates ficou conhecido como o pai da medicina, em virtude de sua teoria
racional a respeito da medicina e que quebra com a concepção mágico-religiosa.

Os estudos do conhecido pai da medicina presumem a existência de quatro


fluídos (também conhecidos como humores) do corpo humano: bile negra, bile
amarela, fleuma e sangue. Para Hipócrates, a doença acontece com o desequilíbrio
destes humores, sendo a saúde o equilíbrio destes componentes, partindo, portanto,
do ponto de que o ser humano é uma unidade organizada (SCLIAR, 2007).

A compreensão de saúde e doença no Oriente possui uma direção


diferente, mas, de certa forma, é equivalente à ideia de Hipócrates: o corpo é
composto por forças vitais e, quando estas forças se encontram equilibradas, há
saúde. No entanto, quando ocorre uma oscilação nesta força, a pessoa é acometida
pela doença. Vale lembrar que práticas terapêuticas, como o Ioga e a acupuntura,
são comuns nesta região e são utilizadas com a finalidade de reestabelecer o fluxo
normal de energia (SCLIAR, 2007).

Durante a Idade Média, a visão mais humana construída por Hipócrates


não se sustentou, acontecendo um retorno para uma concepção mágico-religiosa,
que compreende os doentes como pessoas possuídas por demônios, recebendo
muitas vezes tratamentos de tortura para castigá-los. Cabe ressaltar que é neste
contexto que surgem os primeiros manicômios para lidar com os doentes mentais
(ATKINSON et al., 2002).

Os avanços da ciência continuaram e, ao final do século XIX, foi descoberta


através do microscópio a existência de micro-organismos causadores de doença,
que culminou no desenvolvimento de soros e vacinas. Este movimento ficou
conhecido como a Revolução Pausteriana, onde inicia-se a compreensão de que
as doenças podem ser prevenidas e curadas (SCLIAR, 2007).

4
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Até aqui, e ainda no início do século XX, não havia um consenso do


conceito de saúde, já que para isso as nações deveriam entrar em um consenso. A
Liga das Nações surgiu ao final da primeira guerra mundial, mas não conseguiu
contemplar um conceito aceito mundialmente. Dessa forma, o conceito de saúde
aceito surge ao final da segunda guerra mundial, junto com a Organização das
Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial da Saúde (OMS) (SCLIAR, 2007).

2.1.1 Conceito de Saúde


De acordo com Daneluci (2010), a definição de saúde como ausência de
doenças foi colocada à prova em 1948, quando a Organização Mundial da Saúde
(2009, s.p.) a definiu como “[...] estado completo de bem-estar físico, mental e
social, e não somente ausência de enfermidade ou invalidez”. Todavia, não
podemos definir saúde apenas desta forma, afinal, quem de nós considera estar
em um estado deste? Nesse sentido, o conceito foi criticado por estudiosos, na
medida em que é impossível definir a existência de um estado completo de bem-
estar, pois enquanto organismos, estamos em constante mudança.

Se alguém lhe perguntar como você está de saúde, o que você


responderia? Muitas vezes, estamos bem, porém qualquer imprevisto pode nos
deixar mal. Outras vezes, fisicamente está tudo certo, mas as preocupações com
os problemas do cotidiano fazem com que não nos sintamos bem. Algumas
situações fazem com que nos sintamos doentes; por vezes, identificamos
uma causa ou percebemos que alguma coisa agrediu nosso corpo. Em outros
momentos, algo não vai bem, mas não nos sentimos doentes, por isso esperamos
passar, buscamos relaxar. Quando não percebemos nenhuma alteração na nossa
rotina ou não associamos com preocupações, acabamos nos indagando se há
algum processo fisiopatológico desregular.

Se a ideia de doença e de saúde se encontra muito próxima do que cada


um considera “sentir-se bem”, vai variar de pessoa para pessoa e depender de
cada cultura, do meio em que se está inserido e da sua relação com o mundo. Em
algumas localidades mais precárias, onde, por exemplo, o acesso à água potável é
um problema, as diarreias infantis são consideradas somente como “desarranjos”
e, por sua frequência constante, acabam sendo encaradas como “normais”. Essas
situações nos mostram que existem definições diferentes a respeito de saúde e de
doença dadas pelas pessoas, pelos profissionais de saúde (BRASIL, 2005).

O que as pessoas consideram como doença ou não se encontra em estreita


relação com as estratégias de resolução do problema: buscar por profissionais
de saúde, utilizar recursos terapêuticos naturais ou a automedicação. “Como o
desenvolvimento do conhecimento humano é um processo histórico, também
em relação à saúde/doença, a teoria e a prática que orientam o saber-fazer dos
profissionais variam no tempo e no espaço” (BRASIL, 2005, p. 31). Sempre há
novas teorias que buscam explicar a situação de saúde/doença, tendo como
referência o modo como a sociedade se organiza e estabelece as condições de
vida das pessoas.
5
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Daneluci (2010) assinala que não somos estáveis, assim, a saúde não
representa a mesma coisa para todas as pessoas, depende de época, lugar,
vivências pessoais de cada um, classe social, gênero, faixa etária, assim como
valores individuais até mesmo influenciados pela religião. Esse assunto está
ligado aos processos de construção de vida de cada pessoa e saúde e doença não
são conceitos definitivos, tampouco opostos, ambos se referem à sobrevivência,
à qualidade de vida. São conceitos que dependem do lugar de onde se está, dos
tempos, dos contextos e das tensões em que cada um está inserido.

No Brasil, propõe-se uma analogia entre o corpo humano e uma


máquina, ou melhor, uma impossibilidade de relação entre ambos, pois não se
pode comparar a saúde do corpo com a eficiência de uma máquina; o estado
de bom funcionamento da máquina não é sua saúde e seu descompasso nada
tem a ver com doença (BRASIL, 2005). É importante rejeitar essa associação
para ampliar o conceito de saúde, resgatando seu sentido singular e subjetivo,
pois quando falamos a respeito de saúde, fazemos menção à dor ou ao prazer
– e essas dimensões são subjetivas, escapam a medições. Assim, a saúde é
compreendida como a capacidade de cada um de enfrentar situações novas, como
a possibilidade de uma pessoa ficar doente e poder recuperar-se. Vivemos com
saúde, convivendo e equilibrando nosso organismo, mesmo com as anomalias, as
tensões e os desconfortos.

Assim, há um conjunto de condições desfavoráveis de existência que deve


ser considerado como sendo causa de predisposição a doenças futuras; somos
expostos a condições de vida insalubres e estressantes, a acessos inadequados aos
serviços considerados essenciais. Considerando que a experiência humana inclui
a doença, não há saúde perfeita. Portanto, a implantação de políticas de saúde
com objetivos possíveis é fundamental.

O país também refere saúde como segurança contra os riscos, coragem


para corrigi-los e possibilidade de superar as capacidades iniciais (BRASIL, 2005).
Os riscos fazem parte da saúde e o mais importante é identificarmos aqueles que
podem e devem ser evitados e aqueles que são próprios da experiência da vida
humana. A saúde das pessoas é um assunto que se refere, primordialmente, a elas
próprias, e o papel dos profissionais deve ser o de oferecer seus conhecimentos
técnicos para auxiliar na autonomia das pessoas, no processo de defesa da vida.

6
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

2.1.2 Políticas Públicas de Saúde


Em 1978 foi realizada a Primeira Conferência Internacional sobre
Cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata, quando foi percebida a necessidade
de ações urgentes na área da saúde. Nesta Conferência foi enfatizado que a saúde
é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a
ausência de doença, sendo um direito fundamental. O nível de saúde mais elevado
foi estabelecido como a meta social mundial e os cuidados primários de saúde
são o “carro-chefe” para que esta meta seja atingida, para que seja trabalhada a
promoção de saúde e não somente curar e reabilitar, afinal, estas ações indicam
que já exista enfermidade instalada (BRASIL, 2002).

FIGURA 1 – CONFERÊNCIA DE ALMA-ATA

FONTE: <https://opas.org.br/wp-content/uploads/2015/09/alma-ata-texto.jpg>. Aces-


so em: 7 jul. 2021.

Para planejar ações para conquistar este objetivo de promover saúde


de forma integrada e funcional, realizou-se, em 1986, a Primeira Conferência
Internacional sobre Promoção de Saúde em Ottawa.

A responsabilidade pela promoção da saúde nos serviços de saúde


deve ser compartilhada entre indivíduos, comunidade, grupos,
profissionais da saúde, instituições que prestam serviços de saúde e
governos. Todos devem trabalhar juntos, no sentido de criarem um
sistema de saúde que contribua para a conquista de um elevado nível
de saúde (CARTA DE OTAWA, 1986, s.p.).

7
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Diante disso, os países ligados à Organização Mundial de Saúde precisavam


produzir saúde num âmbito coletivo e, a partir disso, o Brasil começou a discutir
uma reforma na sua política de saúde. Com o processo de queda da ditadura militar
e transição democrática do país, se desenvolveu a Constituição Federal, em 1988,
com repercussões que criaram uma política para esta área (BRASIL, 2002).

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece a saúde como direito


de todos e dever do Estado, garantindo a redução de risco de doença e acesso
universal às ações para sua promoção, proteção e recuperação. O serviço deve
ser descentralizado, com atendimento integral com prioridade para a prevenção
e com participação da comunidade. Essa nova maneira de idealizar a saúde
apresenta o Sistema Único de Saúde (SUS), o qual foi regulamentado por meio das
Leis Orgânicas da Saúde (LOS) nº 8.080/90, de 19 de setembro de 1990, e 8.142/90,
de 28 de dezembro de 1990. O SUS é um sistema que reúne ações, serviços e
unidades de saúde integrados para garantir a saúde de toda a população.

Dentre os princípios do SUS estão a equidade da assistência, a universa-


lidade do acesso, a resolubilidade, dentre outros, dos quais destacamos o princí-
pio de integralidade. Entendemos integralidade como a forma de compreender
e prestar cuidados ao ser humano, sendo este termo uma forma de pensar e agir,
assim como uma forma de gestão de cuidados. O objetivo é assegurar atenção in-
tegral à saúde, desde os níveis mais simples aos mais complexos, compreendendo
o indivíduo e as coletividades em sua totalidade e singularidades (BRASIL, 1990).

De acordo com Brasil (2005), a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080, de


1990) define que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes a
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, o transporte, o lazer, o acesso aos bens e serviços essenciais,
dentre outros. Neste sentido, o SUS como política pela melhoria da qualidade de
vida e afirmação do direito à vida e à saúde, neste âmbito ampliado de concepção
de saúde, deu origem a novas perspectivas de promoção e cuidado à saúde.

Você certamente ouvirá falar nos termos atenção primária, conforme


descrito anteriormente, bem como atenção básica, termo utilizado no Brasil. Os
autores Boing e Crepaldi (2010) esclarecem sobre o uso destes. Atenção básica
tem um sentido amplo e compreende ações integrais que abrangem a promoção
e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a
reabilitação e a manutenção da saúde, cujas ações são efetivadas por meio da
Estratégia de Saúde da Família. Sendo assim, o termo atenção básico é empregado
particularmente no contexto da saúde pública do Brasil, já o termo atenção
primário é internacionalmente utilizado e tem um significado mais restrito,
relacionado à saúde coletiva em ações de promoção e prevenção.

A Atenção Básica caracteriza-se como porta de entrada preferencial do


SUS, formando um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual
e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção
de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução

8
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver


uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia
das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das
coletividades (BRASIL, 2013, p. 19).

Para o desenvolvimento da atenção integral, a Atenção Básica deve cumprir


algumas funções para contribuir com o funcionamento das Redes de Atenção à
Saúde, sendo elas: ser base; ser resolutiva, identificando riscos, necessidades e
demandas de saúde, na perspectiva de ampliação dos graus de autonomia dos
indivíduos e grupos sociais; coordenar o cuidado, elaborando, acompanhando
e criando projetos terapêuticos singulares; ordenar as redes, reconhecendo as
necessidades de saúde da população sob sua responsabilidade, organizando
as necessidades desta população em relação aos outros pontos de atenção à
saúde, contribuindo para que a programação dos serviços de saúde parta das
necessidades de saúde dos usuários. Esta Política Nacional de Atenção Básica tem
como estratégia prioritária a Saúde da Família, que é o programa executado nas
unidades de saúde básicas, as quais muitos até hoje denominam de “postinho de
saúde” (BRASIL, 2013).

A política de saúde tem o desafio de construir a intersetorialidade, que


é esta articulação dos distintos setores, para pensar a questão complexa que é
a saúde, em que todos se responsabilizam pela garantia desta como um direito
humano e de cidadania. É necessário o diálogo das diversas áreas tanto do setor
de saúde quanto do governo de forma geral, assim como no setor privado, não
governamental, na sociedade, para que todos sejam participantes na proteção e
no cuidado com a vida.

Pinheiro e Mattos (2009) esclarecem que a integralidade não é apenas uma


diretriz do SUS, é uma “bandeira de luta”, o objetivo que enuncia características
do sistema de saúde, práticas que são consideradas desejáveis. Seria um conjunto
de valores pelos quais vale a pena lutar, pois se relacionam a um ideal de sociedade
mais justa e solidária.

Os autores discutem sobre três grandes conjuntos de sentidos no princípio


de integralidade.

Eles incidem sobre diferentes pontos: o primeiro conjunto se


refere a atributos das práticas dos profissionais de saúde, sendo
valores ligados ao que se pode considerar uma boa prática,
independentemente de ela se dar no âmbito do SUS; o segundo
conjunto refere-se a atributos da organização dos serviços; o terceiro,
aplica-se às respostas governamentais aos problemas de saúde
(PINHEIRO; MATOS, 2009, p. 65).

Portanto, podemos tomar a integralidade como princípio orientador


das práticas, da organização do trabalho, da organização das políticas e uma
afirmação da abertura para o diálogo.

9
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Um paciente não se reduz a uma lesão que no momento lhe


causa sofrimento. Não se reduz a um corpo com possíveis lesões
ainda silenciosas, escondidas à espera de um olhar astuto que as
descubra. Tampouco se reduz a um conjunto de situações de risco.
O profissional que busque orientar suas práticas pelo princípio da
integralidade busca sistematicamente escapar aos reducionismos
(PINHEIRO; MATTOS, 2009, p. 65).

Para os autores, quando se busca orientar a organização dos serviços


de saúde pelo princípio da integralidade, busca-se ampliar as percepções
das necessidades dos grupos, as quais não se reduzem às necessidades de
atendimento oportuno de seus sofrimentos, assim como não se reduzem por uma
única disciplina, como a epidemiologia ou a clínica. A integralidade é a recusa
em aceitar um recorte do problema que o reduza a uma ou algumas de suas
dimensões, desconsiderando as demais; as respostas aos problemas de saúde
devem abarcar suas mais diversas dimensões.

Boing e Crepaldi (2010) explanam em seu artigo que, para se desenvolver


a almejada atenção integral à saúde, o trabalho interdisciplinar se torna uma
real necessidade. A inter-relação entre as diferentes áreas de conhecimento,
entre os profissionais e entre estes com o senso comum requer criatividade e
flexibilidade, princípios que exploram as potencialidades de cada ciência e a
compreensão de seus limites.

2.2 HISTÓRIA DA LOUCURA


A história da loucura também perpassa pela visão místico-religiosa e pela
concepção racional de Hipócrates. A pessoa considerada louca era vista como
um corpo possuído por demônios, e por muito tempo ficou marginalizada na
sociedade ou ainda, em casos extremos, foi morta em função de sua loucura e dos
maus espíritos que a acometiam.

Foi no final do século XVIII que as concepções mística e humoral foram


substituídas pela associação entre loucura, razão e moral. Assim, o louco passou
a ser visto como um selvagem, desprovido de lógica, inteligência e sentimentos
nobres. Alguém que não poderia responder pelos seus atos e, portanto, precisaria
retornar ao seu estado de normalidade para conviver em sociedade (HEIDRICH,
2007; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

A partir dessa concepção, mudaram, também, as formas de intervenção


na loucura. A esse respeito, Fernandez e Cheniaux (2011, p. 30) contam que:

[...] Diversas técnicas de punição física foram desenvolvidas,


algumas delas lembrando procedimentos de tortura, com o
objetivo de reeducar o doente mental. Métodos de restrição, como a
cadeira tranquilizante, eram empregados para acalmar o enfermo.
Aqueles que não respondiam adequadamente a essas rigorosas e,
muitas vezes, cruéis técnicas educacionais, eram acorrentados em
pequenas celas, como se fossem animais selvagens.

10
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

DICAS

O filme brasileiro Nise – O Coração Da Loucura, dirigido por Roberto Berliner,


em 2016, retrata a luta da psiquiatra Nise da Silveira para oferecer um tratamento diferenciado
em psiquiatria. A trama, baseada em fatos, passa-se no Hospital Psiquiátrico Nacional,
nos anos 1950. Nesse filme, é possível identificar várias formas de violências e punições
realizadas em nome da terapêutica e da ciência, às quais os pacientes eram submetidos.

Esse modo de tratamento da loucura foi parcialmente rompido, quando,


em 1792, Philippe Pinel (1745-1826), defensor dos ideais revolucionários presentes
na Revolução Francesa, foi nomeado para a direção do hospital Bicêtre, localizado
em Paris (AMARANTE, 2003; FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

Pinel, conhecido como pai da psiquiatria, iniciou mudanças no trato com


a loucura, implementando o tratamento moral. Esse modo de lidar com a loucura
correspondeu, também, com a tomada dos hospitais pelos saberes científicos.
Lembre-se de que, até este momento, quem administrava os hospitais era a
Igreja, e essa instituição não tinha objetivos médicos. Assim, a medicina ocupou
os hospitais e teve, à disposição, todos as pessoas internadas como objetos de
estudo e pesquisa. Puderam observá-las, descrevê-las e compará-las, igual ao
método científico utilizado nas ciências naturais. Assim, “a ciência assume a
palavra da verdade, da objetividade, da ordem e da moral. Construída pela razão
humana, seria a única possibilidade de se chegar à verdade das coisas e dos fatos”
(AMARANTE, 2003, p. 30).

A grande revolução de Pinel foi considerar a loucura um fenômeno passível


de estudo e tratamento da medicina. Em sua concepção, o louco era um alienado,

[...] aquele que se deixa dominar por paixões artificiais, distantes


da realidade objetiva. Os impulsos subjetivos determinariam a
ação do indivíduo e ele se tornaria assediado pela fantasia, pelas
ilusões, pelas ideias distorcidas; ora agressivos e perigosos, ora
indiferentes e irresponsáveis, os alienados seriam invariavelmente
alheios aos que os cercavam e aos princípios e regras da ordem
social (AMARANTE, 2003, p. 14).

Segundo Amarante (2003), Pinel entendia a alienação como uma alteração


das paixões e as dividia em paixões debilitantes ou opressivas e paixões alegres.
A seguir, há exemplos de cada uma dessas paixões.

11
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

QUADRO 1 – DESCRIÇÃO DAS PAIXÕES DESCRITAS POR PINEL

FONTE: Adaptado de Amarante (2003)

Com essa concepção, Pinel ficou conhecido por desacorrentar os loucos e


desenvolveu o tratamento moral, que se propunha a reeducar a mente alienada
através do isolamento e do trabalho terapêutico.

O isolamento, além de ser um recurso necessário para o estudo da


alienação e possibilitar o afastamento do alienado dos excessos da vida urbana,
também possibilitaria a internalização das regras institucionais, isto é, do modelo
disciplinar, como uma espécie de polícia interior. Já o trabalho terapêutico era
entendido como uma forma de estimular a vontade e de controlar as energias e
pensamentos (HEIDRICH, 2007; VENANCIO, 2011).

A ideia do trabalho como tratamento para a alienação mental,


também proposta pelo alienismo, ancorava-se na crença de que
era possível a aproximação com a loucura, já que sua natureza
alienada não deixava de conservar, em algum nível, o ser de
razão, o que, por consequência, tornava-a passível de cura.
Produzia-se, assim, a noção de um indivíduo alienado em
relação a si mesmo, mas que mantinha um núcleo são, razoável,
e, por isso, era passível de ser alcançável por outrem: o alienista
(GAUCHET; SWAIN, 1980, p. 85 apud VENANCIO, 2011, p. 36).

NOTA

Alienista é como o profissional responsável pelo tratamento do doente mental


era chamado na época.

A seguir, veremos um quadro de Tony Robert – Fleury (1837-1912),


intitulado Pinel, Médecin em Chef de La Salpêtrière, em 1795.

12
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

FIGURA 2 – PINEL, MÉDECIN EM CHEF DE LA SALPÊTRIÈRE

FONTE: <https://bit.ly/2VGOVdA>. Acesso em: 8 jul. 2021.

Esse quadro simboliza o ato de Pinel de desacorrentar os loucos e iniciar


a tomada da loucura pela psiquiatria, através do isolamento como recurso de
produção de conhecimento e, também, recurso terapêutico.

Esquirol, discípulo de Pinel, afirmava que a loucura era um distúrbio


cerebral crônico; Jean-Martin Charcot empregou o método anatomoclínico,
em que pretendia relacionar as lesões cerebrais observadas posts mortem a
quadros neurológicos; e Wilhelm Griesinger, psiquiatra alemão, foi responsável
pela formulação da famosa frase “doenças mentais são doenças cerebrais”
(FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011, p. 32).

Aqui, você pode perceber que as explicações do que era a loucura, ou


a doença mental, começam a ter forte base biológica. Essa concepção será a
origem para o chamado paradigma psiquiátrico, que nada mais é que reduzir a
complexidade do fenômeno da loucura à biologia humana.

Essa concepção estimulou o desenvolvimento científico de novas


intervenções na loucura. No início do século XX, quatro métodos de terapia
biológica se destacavam na psiquiatria: a malarioterapia; o coma insulínico;
convulsões induzidas por substâncias químicas; e eletroconvulsoterapia
(FERNANDEZ; CHENIAUX, 2011).

O surgimento dos psicofármacos reforçou a convicção no olhar


biológico da loucura. Em 1949, descobriram que o lítio poderia ser utilizado no
tratamento da mania; entre 1954 e 1957, surgiram os primeiros ansiolíticos; em
1958, surgiram o haloperidol e os primeiros antidepressivos; e, em 1959, surgiu
o Diazepam (BURKLE, 2009).

13
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

O marco dessa nova concepção de tratamento para a doença mental


pode ser considerado a criação da clorpromazina, em 1952, pois, a
partir daí, desordens psiquiátricas que eram antes tratadas através de
contenção mecânica, intervenções cirúrgicas e práticas de expurgo do
sintoma (eletrochoque, malarioterapia, sangria etc.), passaram a ser
'tratadas’ através de medicamentos (BURKLE, 2009, p. 45).

Percebe-se que, da Idade Antiga até a metade do século XX, houve uma
mudança na compreensão da etiologia da loucura, e, apesar de surgirem algumas
novas tecnologias, como medicamentos e lobotomias, há algo que se mantém
recorrente na oferta de atenção à loucura: o manicômio.

Assim, o isolamento nos manicômios e a concepção biológica acerca da


loucura persistiram por cerca de 200 anos, e só começaram a ser repensados a
partir da Segunda Guerra Mundial, quando os manicômios começaram a ser
comparados a campos de concentração. Foi preciso uma guerra, e todas as
violações de direitos humanos básicos que ela realizou, para que começassem a
repensar a existência e o modo de funcionamento dos manicômios (AMARANTE,
2003; ROSA; SCHARF, 2008).

Essa inquietação com relação ao trato com a loucura, vigente no


período Pós-Segunda Guerra Mundial, possibilitou o surgimento de novas
experiências nesse campo.

DICAS

Para aprofundar seus estudos a respeito da história da loucura, sugerimos a leitura


do artigo: Michel Foucault e a “História da Loucura”: 50 anos Transformando a História da
Psiquiatria, disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/68499/41275.

2.2.1 Movimento Nacional da Luta Antimanicomial


Em 1987, além da realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental,
aconteceu o II Congresso Nacional do MTSM, em Bauru – SP.

Esse segundo evento vai registrar a presença de associações de usuários


e familiares, como a “Loucos pela Vida”, de São Paulo, e a Sociedade
de Serviços Gerais para a Integração Social pelo Trabalho (SOSINTRA),
do Rio de Janeiro. Com a participação de novas associações, passa
a se construir um movimento mais amplo, na medida em que não
apenas trabalhadores, mas outros atores se incorporam à luta pela
transformação das políticas e práticas psiquiátricas (LÜCHMANN;
RODRIGUES, 2007, p. 403).

14
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A partir desse encontro, o movimento passou a se chamar Movimento


Nacional da Luta Antimanicomial (MNLM), e, além de uma ampliação dos
membros, com a participação de usuários, familiares, integrantes de associações
profissionais e sindicalistas, retomou o questionamento das bases conceituais do
saber psiquiátrico, das práticas de institucionalização; denunciava a violência dos
manicômios, a transformação da loucura em mercadoria e a hegemonia da rede
privada de assistência (AMARANTE, 1998). Assim, “o movimento se apropria da
discussão que extrapola o campo da psiquiatria e passa a entender que transformar
o manicômio significa transformar a sociedade” (HEIDRICH, 2007, p. 108).

O dia 18 de maio foi considerado, a partir do congresso de Bauru, o


Dia Nacional da Luta Antimanicomial, e seu lema é: “Por uma sociedade sem
manicômios”. Em 1993, foi realizado o I Encontro Nacional da Luta Antimanicomial
em Salvador (BA), quando foi construída a carta de direitos dos usuários e
familiares dos serviços de saúde mental, e se reafirmaram as características do
movimento como autônomo, plural e parceiro de outros movimentos sociais,
além da responsabilidade para que a sociedade possa refletir a respeito das suas
pautas (LÜCHMANN; RODRIGUES, 2007). Lobosque (2001 apud LÜCHMANN;
RODRIGUES, 2007, p. 403, grifo do autor) sintetiza a proposta do Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial, ao defini-lo como:

Movimento da Luta Antimanicomial – Movimento –, não um partido,


uma nova instituição ou entidade, mas um modo político peculiar
de organização da sociedade em prol de uma causa; Nacional – não
algo que ocorre isoladamente num determinado ponto do país, e sim
um conjunto de práticas vigentes em pontos mais diversos do nosso
território; Luta – não uma solicitação, mas um enfrentamento, não
um consenso, mas algo que põe, em questão, poderes e privilégios;
antimanicomial – uma posição clara então escolhida com a palavra de
ordem indispensável a um combate político, e que, desde então, nos
reúne por uma sociedade sem manicômios.

Assim, o MNLM se configurou como um avanço na construção de um novo


lugar social para o sofrimento psíquico, refletindo e apoiando as transformações
nas políticas de saúde mental e na rede assistencial.

2.2.2 Política de saúde mental


De acordo com a Secretaria de Atenção à Saúde (BRASIL, 2013), a atual
política de saúde mental brasileira é resultado de uma mobilização que se iniciou
na década de 1980, com o objetivo de mudar a realidade dos antigos manicômios,
que eram os locais onde viviam mais de 100 mil pessoas diagnosticadas
com transtornos mentais. A importância dada aos direitos humanos após a
ditadura militar e experiências eficazes de países europeus impulsionaram estas
mobilizações na busca de um modelo de saúde mental baseado em serviços
comunitários no território, não mais em hospitais. Esse processo deu origem ao
Movimento da Luta Antimanicomial e ao projeto coletivo da Reforma Psiquiátrica.

15
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Ainda na década de 1980 iniciou-se a desinstitucionalização de moradores


de manicômios, criando-se serviços de atenção psicossocial. A atenção a estas
pessoas com transtornos mentais passou a ter como objetivo o pleno exercício
de sua cidadania, e não somente o controle de seus sintomas, como era
anteriormente, o que implicou a necessidade de se organizarem serviços abertos,
com a participação ativa dos usuários e formando redes com outras políticas
públicas, como educação, habitação, trabalho, cultura. Portanto, este desafio da
saúde mental vai para além do SUS, pois, para se realizar, é primordial a abertura
da sociedade para a sua própria diversidade, afinal estes sujeitos não eram aceitos
pela sociedade (BRASIL, 2013).

Em 2001, após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional,


é sancionada a Lei nº 10.216 que afirma os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental. Os princípios do movimento iniciado na década de
1980 tornam-se uma política de estado (BRASIL, 2013, p. 21).
Entre os equipamentos substitutivos ao modelo manicomial,
podemos citar os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços
Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência (CECOS),
as Enfermarias de Saúde Mental em hospitais gerais, as oficinas
de geração de renda e, certamente, as Unidades Básicas de Saúde
cumprem também uma importante função na composição dessa rede
comunitária de assistência em saúde mental.
Nascidas com a redemocratização, a reforma sanitária e a reforma
psiquiátrica são parte de um Brasil que escolheu garantir a todos os
seus cidadãos o direito à saúde. Não é por acaso que, tanto no campo
da Atenção Básica quanto da Saúde Mental, saúde e cidadania são
indissociáveis (BRASIL, 2013, p. 22).

Assim, entendemos que as práticas em saúde mental podem e devem


ser realizadas por todos os profissionais de saúde; o cuidado em saúde mental
deve ocorrer na realidade do dia a dia, com as singularidades dos pacientes e de
suas comunidades. Algumas ações de saúde mental são realizadas sem que os
profissionais as percebam em sua prática, por isso é necessário refletir acerca do
que já se realiza e o que o território tem a oferecer como recurso para contribuir.

FIGURA 3 – SAÚDE MENTAL

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQsAOI99-Ep7t3HsMKFot-
-LHBC_BZ1_MlOHqDlPKb4Mdyaf0DsF>. Acesso em: 07 jul. 2021.

16
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

3 O SURGIMENTO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO


É no contexto de luta contra a lógica manicomial que o acompanhamento
terapêutico (anteriormente chamado como assistente ou auxiliar psiquiátrico,
ou ainda amigo qualificado) vai sendo construído. Essa construção acontece
buscando uma ruptura com a lógica utilizada nos manicômios, mas possui um
início completamente vinculado a ela, procurando manter o controle sobre os
corpos dos ditos loucos.

Até aqui abordamos os pontos históricos que deram sustentação para que o
acompanhamento terapêutico surgisse. A partir de agora, trataremos diretamente
sobre como esses pontos foram determinantes desde o seu surgimento até a
estrutura e formato que possui nos dias de hoje.

3.1 HISTÓRIA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO


A emergência do Acompanhamento Terapêutico (AT) se articula com
diversos momentos históricos, como a urgência sanitária no Pós-Segunda Guerra
Mundial, que exigiu um cuidado intensivo com a saúde assim como novos
métodos; o surgimento do hospital-dia, dos psicofármacos, da comunidade
terapêutica e da reforma psiquiátrica (SILVA, 2005).

Estes movimentos aconteceram a partir da década de 1950 na Europa e


nos Estados Unidos, e essa concepção de atendimento chegou à América
Latina no final da década de 1960, inicialmente na Argentina, onde
muitos psicanalistas estiveram vinculados a hospitais psiquiátricos.
Em volta deste movimento político, foram criadas funções para os
agentes de saúde mental, que passaram a ser nomeados auxiliares
psiquiátricos e, em outros lugares, atendentes terapêuticos (PELÚCIO;
SILVA; SOUZA, 2019, p. 268-269).

O surgimento do Acompanhamento Terapêutico, desde o seu início, possui


ligação com a área da saúde, possuindo relação com disciplinas como medicina,
terapia ocupacional, enfermagem e psicologia. Além disso, seu percurso está
diretamente vinculado com as práticas de cuidado com a pessoa considerada
doente mental e com o questionamento da lógica manicomial (SILVA, 2005).

A partir da história da loucura, podemos recordar que as instituições


hospitalares retiravam as pessoas do convívio em sociedade, sem uma prática
terapêutica ou tratamento adequado a estas pessoas.

É somente no século XVIII, durante a Revolução Francesa, que o


internamento se torna tratamento com objetivo principal de correção disciplinar,
passando a ser responsabilidade então dos médicos. No século XIX a loucura
recebe o título de doença mental. Neste momento da história, o alienista possui
dupla função: tratar e corrigir o louco e proteger toda a população deste insano.
Importante ressaltar que este tratamento oferecido ao doente mental começou a
ser questionado somente na metade do século XX (SILVA, 2005).

17
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Com a criação do hospital-dia na década de 1940 temos o primeiro espaço


terapêutico, onde eram atendidas pessoas com alguns tipos de patologias que
não eram consideradas perigosas, já que ainda não existiam os medicamentos
para conter os loucos. Nestes espaços eram realizadas intervenções de áreas como
psicologia, serviço social, terapia ocupacional, entre outras (SILVA, 2005).

O AT emerge desse campo onde ocorre uma grande mudança de


perspectiva no cuidado aos doentes, se comparada com as práticas
usadas nos clássicos manicômios. Esse processo de mudança aponta
principalmente para o final da década de 1940, início de 50, quando se
deu a invenção de substâncias que prometiam alterar o funcionamento
neuropsicológico do sujeito tido como louco. Em 1949 aconteceu a
avaliação da primeira “droga mental”, quando o terapeuta australiano
John F. Cade comprovou que o carbonato de lítio estabilizava, ou melhor,
controlava o humor do “doente bipolar”, também rotulado de “psicótico
maníaco-depressivo”. Essa nova intervenção ficou potencializada
em 1952 quando, na França, os pesquisadores Jean Delay e Pierre
Deniker (LEMGRUBER, 2004) utilizaram e testaram o neuroléptico
clorpromazina durante três dias em oito pacientes psicóticos, os quais
tiveram uma redução das suas alucinações auditivas. Assim, essa droga
(tida como o “primeiro psicotrópico eficaz”) vira mais uma “arma” no
tratamento químico dos transtornos psicológicos (SILVA, 2005, p. 20-21).

Neste contexto de controle dos transtornos psicológicos através do


tratamento medicamentoso, há um avanço no tratamento dos doentes mentais e
na função de acompanhante terapêutico. Na medida que o doente mental pode
ser controlado, as camisas de força são substituídas pelos psicofármacos e a
pessoa tida como doente mental pode reinserir-se na sociedade, desde que sob o
controle do medicamento e com acompanhante. “Portanto não é à toa que uma
das primeiras funções dos acompanhantes terapêuticos foi o controle da ingestão
dos remédios prescritos e a vigilância do comportamento fora da instituição
manicomial” (SILVA, 2005, p. 22).

Dessa forma, podemos observar que apesar do avanço obtido no


tratamento com o acompanhamento terapêutico, a função de acompanhante
leva neste primeiro momento para fora do manicômio a mesma lógica de seu
funcionamento: o controle.

Deve ficar claro que os programas de controle (manicomial) e de


“tratamento” do “doente mental” entram em processo de falência no
século XX, pois não conseguem dar conta do que prometiam dar, ou
não forneciam o que vendiam: o paciente continuava (ou piorava) sendo
visto como o louco doente (irracional e perigoso), apesar (ou pelo efeito)
dos remédios (psicofármacos) e das “práticas de saúde” dentro e fora da
estrutura hospitalar (relações de poder) (SILVA, 2005, p. 27).

Com as propostas da reforma psiquiátrica que emergiram inicialmente na


Europa, as práticas terapêuticas realizadas nos hospitais e fora das comunidades
terapêuticas ganham novos incentivos. No dia 13 de maio de 1978 é aprovada

18
TÓPICO 1 — HISTÓRIA DA SAÚDE, DA LOUCURA E DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

na Itália a Lei nº 180, também conhecida como a Lei Basaglia, que desautoriza a
internação em manicômios. Com isso, inicia-se o processo de desinstitucionalização
da loucura, com a desocupação dos leitos psiquiátricos e a construção de novos
espaços para o atendimento dos doentes mentais (SILVA, 2005).

Podemos perceber, que a história do acompanhamento terapêutico surge


em um contexto de insatisfação com a estrutura manicomial, tendo ligação
direta com a reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial. A proposta do
acompanhamento terapêutico é justamente de que estas pessoas possam sair do
isolamento do manicômio e circular em sociedade, considerando o contato com o
outro e com o contexto social importantes para o seu desenvolvimento.

3.1.1 O Acompanhamento Terapêutico na atualidade


Atualmente, o campo profissional do Acompanhamento Terapêutico é
considerado um campo multiprofissional que permanece ligado ao campo da
saúde. No entanto, sua prática acontece com pessoas que estão vivenciando uma
situação que causa sofrimento intenso (não necessariamente consideradas loucas,
como aconteceu em seu percurso histórico), como na depressão, transtornos
alimentares, pessoas enlutadas, psicose, autismo, entre outros fatores que
ocasionam o sofrimento ao ser humano (PELÚCIO; SILVA; SOUZA, 2019).

Trata-se de uma clínica que atua junto à experiência cotidiana do


paciente, sustentada nas redes de relações psicossociais. É um recurso
utilizado para o cuidado de pessoas cujas possibilidades de circulação
social encontram-se comprometidas, e a subjetividade ameaçada pela
impossibilidade de estabelecer vínculos afetivos e sustentar uma vida
produtiva no ambiente familiar, social e profissional. Nesse contexto,
o AT destaca-se como uma forma de fazer clínica nos espaços sociais.
Utiliza a rua, o quarto, o parque, o cinema, o trabalho; cenários da vida
do paciente a serem apropriados, que venham promover inserção social
e a expressão de sua subjetividade (BRANDALISE; ROSA, 2009, p. 4).

Com todos os avanços que aconteceram historicamente na construção


do Acompanhamento Terapêutico, também podemos observar que o espaço de
atuação profissional do AT passou por muitas mudanças, podendo estar hoje em
diversos espaços, como no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), nas escolas,
nos hospitais, e em todos os espaços sociais que o sujeito acompanhado possa/
queira estar (PELÚCIO; SILVA; SOUZA, 2019).

19
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O conceito de saúde passa por uma construção histórica e cultural, além de


estar diretamente ligado à construção do que significa a doença. Ao falar em
saúde precisamos sempre olhar para o contexto social, época e cultura para
compreender os limites do que significa saúde para aquela determinada região
ou comunidade.

• A história da loucura possui concepções diversas, desde um olhar místico-


religioso até um olhar racional. Inicialmente, os loucos foram marginalizados
e excluídos das suas comunidades, muitos foram torturados e mortos, em
virtude da crença de que eram possuídos por demônios.

• A reforma psiquiátrica, o movimento da luta antimanicomial, assim como a


criação de políticas públicas de saúde e de políticas de saúde mental foram
muito importantes para alterar o paradigma inicial da história da loucura e da
lógica manicomial, reconhecendo os sujeitos com transtornos psicológicos ou
em sofrimento psíquico como pessoas de direitos.

• É no contexto de luta contra a lógica manicomial que o Acompanhamento


Terapêutico surge, como uma nova aposta de tratamento do sujeito considerado
louco, reinserindo-o nos diversos espaços sociais. A sua construção, aos
poucos, vai dando lugar a um tratamento humanizado, com foco no sujeito
que é acompanhado, e não mais de forma exclusiva na sua doença.

20
AUTOATIVIDADE

1 A Organização Mundial da Saúde (2009, s. p.) define saúde como um


“[...] estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente
ausência de enfermidade ou invalidez”. Sobre o conceito de saúde, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) Hipócrates é considerado o pai da Medicina, acreditando em uma


concepção místico-religiosa.
b) ( ) O Conceito de saúde estabelecido pela OMS é válido para todas
as pessoas e possível de ser atingido. Os estudiosos concordam
completamente com ele.
c) ( ) O conceito de saúde é imutável.
d) ( ) O conceito de saúde não é definitivo, ele depende do lugar de onde
se está, dos tempos, dos contextos e das tensões em que cada um
está inserido.

2 O conceito de saúde passa por uma construção histórica e cultural, além de


estar diretamente ligado à construção do que significa a doença. Ao falar em
saúde precisamos sempre olhar para o contexto social, época e cultura para
compreender os limites do que significa saúde para aquela determinada
região ou comunidade. Com base na história e conceito de saúde, analise as
sentenças a seguir:

I- O conceito de saúde aceito surge ao final da segunda guerra mundial,


junto com a Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização
Mundial da Saúde (OMS)
II- A concepção mágico-religiosa sobre a saúde aborda os fluídos corporais
(bile negra, bile amarela, fleuma e sangue).
III- Durante a Idade Média, a visão mais humana construída por
Hipócrates não se sustentou, acontecendo um retorno para uma
concepção mágico-religiosa, que compreende os doentes como pessoas
possuídas por demônios, recebendo muitas vezes tratamentos de
tortura para castigá-los. Cabe ressaltar que é neste contexto que
surgem os primeiros manicômios para lidar com os doentes mentais.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

21
3 As políticas públicas de saúde e as políticas de saúde mental foram muito
importantes para que os sujeitos com transtornos psicológicos fossem
reconhecidos como pessoas de direitos. De acordo com as políticas
estudadas neste tópico, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

( ) Em 1978 foi realizada a Primeira Conferência Internacional sobre Cuidados


Primários de Saúde em Alma-Ata, quando foi percebida a necessidade de
ações urgentes na área da saúde. 
( ) A Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080, de 1990) define que a saúde não é
determinada por fatores como a alimentação, a moradia, o saneamento
básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer.
( ) Em 2001, após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional, é
sancionada a Lei nº 10.216, que afirma os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 A emergência do AT se articula com diversos momentos históricos, como a


urgência sanitária no Pós-Segunda Guerra Mundial, que exigiu um cuidado
intensivo com a saúde assim como novos métodos; o surgimento do
hospital-dia, dos psicofármacos, da comunidade terapêutica e da reforma
psiquiátrica (SILVA, 2005). De acordo com os estudos realizados acerca da
história do acompanhamento terapêutico, disserte sobre seus principais
fatores históricos.

5 Durante a sua trajetória e evolução na história, o Acompanhamento


Terapêutico foi dando lugar a um olhar humanizado, com foco no sujeito
e no contexto social em que ele vive, e não mais somente na sua doença.
Disserte sobre a prática do AT realizada atualmente.

22
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO

Prezado acadêmico, seja bem-vindo ao segundo tópico desta unidade! O


acompanhamento Terapêutico (AT) tem como foco principal a atenção e cuidado
para pacientes acometidos por sofrimento psíquicos ou transtornos mentais
que, por diversas razões, necessitam de um acompanhamento especializado
direcionado para a sua demanda, que fogem dos serviços tradicionalmente
disponibilizados por clínicas, consultórios e hospitais psiquiátricos. Portanto,
podemos definir que o acompanhamento terapêutico acontece fora destes
ambientes atuando como uma extensão do cuidado tradicional, podendo ocorrer
nas ruas, nas residências, shoppings e praças visando a ressocialização do sujeito.
Rolnik (1997) define o AT como uma prática nômade ou itinerante.

Os profissionais de AT vão até onde o sujeito pode estar e tem como


característica um tratamento que acontece em constante movimento. Além de se
fazer presente em vários ambientes não tradicionais, ele é um tratamento que se
faz sem se fixar. Esse movimento junto ao sujeito é parte essencial do trabalho ao
qual vem a somar com o movimento de escuta clínico que, em diferentes nuances,
estão presentes em todos os formatos da psicoterapia.

Neste segundo tópico, nos aprofundaremos nas diversas formas de


definições do Acompanhamento Terapêutico.

2 UMA VISÃO GERAL-HISTÓRICA DO AT


Caro acadêmico, sempre que iniciamos o nosso aprendizado sobre um
tema novo, precisamos nos ater a alguns conceitos-chaves básicos para que a
experiência de aprendizagem seja satisfatória, não somente para te apresentar mais
conteúdos, mas também para que tenhas recursos suficientes para compreender
a construção total das coisas, todas as situações e intercorrências que formaram o
que conhecemos hoje. Considerando isso, vamos iniciar este tópico fazendo um
breve histórico sobre o surgimento do AT.

O AT surgiu na América Latina, na esfera de uma clínica psiquiátrica em


um hospital localizado em Buenos Aires, capital da Argentina.

23
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Schneeroff e Edelstein (2005) descrevem que o médico Dr. Jorge


Garcia Badaraco atuava como chefe do Hospital J. Borda e já trabalhava com
acompanhamento terapêutico desde o ano de 1960. Nesse mesmo período, o Dr.
Eduardo Kalina, considerado o fundador do Acompanhamento Terapêutico, estava
trabalhando em um caso de um paciente adolescente com dependência química.
Ele percebeu durante o tratamento que somente o consultório não era suficiente
para que alcançasse um resultado de cura para o indivíduo, e então, o inseriu em
um grupo terapêutico. Com o tempo, ele percebeu que isso também não havia sido
suficiente e se deu conta de que pacientes como ele necessitavam de pessoas que
atuassem como intermédio entre seus vínculos simbióticos (dependência absoluta)
com outros dependentes, com o seu retorno à rua e com a droga. A partir disso,
surgiu em 1970 “o amigo qualificado” que deveria ter como características serem
leais, serem antidrogas e de um grande potencial criativo para conseguir alcançar
um modelo de identificação positiva (MAUER; RESNIZKY, 2005).

FIGURA 4 – DR. EDUARDO KALINA, FUNDADOR DO AT

FONTE: <http://prensasantiago.com.ar/wp-content/uploads/2018/12/Dr-Eduardo-Kalina.jpg>.
Acesso em: 20 jul. 2021

O acompanhamento terapêutico faz parte do tratamento em saúde


mental e sua efetividade é evidente. Essa prática foi reconhecida e ganhou
notoriedade em vários países da América Latina, em especial Argentina, Brasil,
Uruguai, Peru e Chile.

O AT chegou ao Brasil em meados de 1970 graças a um intercâmbio


científico cultural entre Argentina e Brasil, e principalmente, pela vinda de muitos
psicanalistas decorrente da atual situação política, também devido à formação
das primeiras comunidades terapêuticas localizadas em São Paulo (SP), Rio de
Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS).

24
TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

DICAS

Prezado acadêmico, para que possas conhecer o trabalho do Dr. Eduardo


Kalina, fundador do Acompanhamento Terapêutico, deixamos como sugestão um vídeo
de uma participação do médico no 1º Congresso Internacional de Crack e outras Drogas,
um debate que se impõe. O vídeo está disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=2Jo_cNQDNFw.

3 O QUE É O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO?


O AT atua na integração da rede de profissionais que realizam
atendimentos a pacientes que necessitam de auxílio para tratamento de desordens
físicas e/ou mentais, ou até mesmo para melhorar a sua qualidade de vida. Para
Varella et al. (2006), a profissão de Acompanhante Terapêutico é descrita como
uma intervenção relativamente nova e ainda com pouca visibilidade quanto aos
diversos benefícios da sua função. O trabalho é realizado por, preferencialmente,
profissionais da saúde habilitados com formação em profissões como psicologia,
enfermagem, terapia ocupacional, educação física, fisioterapia, entre outras, pois
a sua atuação está diretamente ligada à reabilitação e prevenção de doenças,
atuando também na promoção da saúde.

Egger (1985), em suas contribuições acerca das funções que devem ser
exercidas pelo acompanhante terapêutico, destaca as seguintes:

Estar próximo do paciente. Diminuir o sentimento de solidão.


Auxiliar o paciente a planejar, organizar o pensamento.
Ajudar a estruturar hábitos. Reorganizar condutas de forma mais
adaptativa.
Auxílio em decisões. Assumir responsabilidades pelo paciente.
Estimular capacidades latentes. – Ajudar o working through.
Agir como superego. Examinar com o paciente os seus limites.
Operar a alta progressiva na hospitalização.
Atuar como ponto de contato entre o paciente e a família.
Manter o vínculo terapêutico quando o paciente troca de terapeuta.
Executar com o paciente um programa de atividades físicas e
recreativas. (EGGER, 1985, p. 8).

Em consonância ao estudo de Egger, vale ressaltar que o profissional


acompanhante terapêutico precisa ter como finalidade quatro propósitos: treinar
habilidades sociais do paciente, educá-lo, executar em forma de experimentação
estratégias de resoluções de problemas em tarefas diárias e ampliar o repertório
de pensamentos e condutas do paciente. Diante do exposto, fica mais perceptível
compreendermos as diferenças do trabalho realizado no AT do trabalho realizado
em espaços tradicionais de saúde, como atenção médico/psiquiátrica, por exemplo.

25
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Porto e Sereno (1991) também contribuem descrevendo o acompanhamento


terapêutico como sendo:

prática de saídas pela cidade, com a intenção de montar um “guia”


que possa articular o paciente na circulação social, através de
ações, sustentado por uma relação de vizinhança do acompanhante
com o louco e a loucura dentro de um contexto histórico (PORTO;
SERENO, 1991, p. 30-31).

Egger (1985), em seu estudo, também contribui descrevendo que acompa-


nhante não existe por si só, ele se caracteriza pela equipe, dizendo que o trabalho
do AT funciona como uma extensão do Setting terapêutico do psicoterapeuta:

o acompanhante terapêutico como um profissional de saúde mental que


só existe dentro da equipe terapêutica, com um papel complementar ao
do psicoterapeuta, agindo fora do setting no tratamento de pacientes
críticos e com uma função específica de ensinar a operar no marco
social (EGGER, 1985, p. 7).

Em outro estudo, os teóricos Fráguas e Berlinck (2001) descrevem que o:

acompanhamento terapêutico é uma prática originalmente pensada


como recurso auxiliar no tratamento de pacientes psicóticos, com o
objetivo de inserção destes pacientes no universo social. Constitui
um tratamento indicado para períodos pós-crise, com uma proposta
de sair às ruas com o paciente, ao invés de mantê-lo o tempo todo
restrito ao espaço dos manicômios. O acompanhante terapêutico seria
o mediador e um elemento facilitador neste processo de reinserção
social (FRÁGUAS; BERLINCK, 2001, p. 1).

Louzã et al. (1999) explicam que as principais abordagens psicossociais
no tratamento de doenças como a esquizofrenia são: terapia ocupacional (TO),
psicoterapia, orientação familiar, acompanhamento terapêutico, abordagem
psicossocial em instituições, grupos de autoajuda, oficinas e pensões de trabalho
protegidas. Nesta situação, os autores afirmam que o acompanhante terapêutico:

é um profissional de saúde mental que vai ajudar o portador a


recuperar habilidades perdidas, acompanhando-o em seu dia a dia.
O acompanhante vai à casa da pessoa, sai com ela, vai ao shopping, o
ajuda a voltar a dirigir etc. É uma atividade corpo a corpo em que as
inadequações são denunciadas até vivenciando, em conjunto, situações
de constrangimento e vergonha. Tem a finalidade de ajudar o portador
a voltar a locomover-se pela cidade, estar inteirado dos preços, buscar
o lazer. O acompanhante terapêutico ajuda a pavimentar o caminho
para a volta à realidade. Em circunstâncias especiais, a atuação do
acompanhante terapêutico pode prestar-se, em fases críticas, como uma
alternativa viável a eventuais internações (LOUZÃ et al., 1999, p. 35).

Barretto (1997, p. 263) também contribui, afirmando que se trata de um


procedimento que é clínico e “que busca potencializar essa dimensão simbólica
do cotidiano de um sujeito, auxiliando-o a recuperar ou estabelecer aspectos,
objetos, ações que o constituam e que o ajudem a se inscrever de uma forma
simbólica na realidade compartilhada”.
26
TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Para Barbosa e Alves (1998), a função de acompanhante terapêutico é um


serviço de atendimento diferenciado realizado pelo profissional da área da saúde,
pois volta-se para àquele paciente que, a partir de uma avaliação psicodiagnóstica,
acaba por demandar de um trabalho mais intensivo em situações externas. Tal
acompanhamento deverá auxiliar o sujeito em suas dificuldades em âmbito
social, atuando diretamente na relação que o paciente possui com o seu ambiente,
a partir de uma análise funcional de comportamento.

Barbosa e Alves (1998) complementam que o AT é uma técnica


complementar que funciona como uma espécie de ponte entre o indivíduo e o
ambiente externo, considerando seus medos, ansiedades e inseguranças. Portanto,
consideram que o trabalho do AT funciona como um cuidado em psicoterapia
estendido para as situações que são negativas para aquele sujeito.

“Com um pouco de ousadia, jovens profissionais que, em início de


carreira, ocupavam-se de levar internos para passear descobriram que entrar
na intimidade do paciente é algo revelador. Uma caminhada pode ser o início
de forte vínculo, através do qual o AT consegue informações importantes para
a continuidade do tratamento", esclarece Leonel Braga Neto (2006, s. p.), que
atua como supervisor de Acompanhamento Terapêutico do Instituto Therapon,
onde atendem adolescentes no Estado de São Paulo. Leonel Braga Neto ainda
complementa “Estando em companhia desse profissional, muitos pacientes que
simplesmente não falam ou se recusam a sair do quarto dão um grande passo
quando conseguem ir até a padaria tomar um café. A cidade é um grande recurso
a ser explorado" (NETO, 2006, s. p.).

O trabalho do AT de início até pode parecer tranquilo, afinal, algumas


das atividades que são realizadas com o paciente é andar em parques, shoppings,
uma viagem, uma aula de artesanato, uma ida ao cinema ou qualquer outra coisa
que o paciente necessite que vá poder fazer parte da sua rotina. Se observarmos,
o atual modelo social reclusa boa parte das pessoas. Com um simples click, é
possível receber comida em casa, serviço de qualquer entrega, é possível acessar
o mundo pela internet, assiste-se séries e filmes pela internet. Para pacientes que
sofrem de psicoses, fobias ou depressão, realizar essas tarefas consideradas como
básicas do nosso dia a dia pode ser ainda mais difícil. Dependendo do grau do
comprometimento do sujeito, ele não consegue deixar o seu quarto nem mesmo
para ir até o seu médico psiquiatra. Em situações como essas, o tratamento e
acompanhamento do sujeito inicia dentro do seu próprio quarto. O papel do
acompanhante terapêutico será de estimulá-lo e não de forçá-lo a realizar as suas
atividades. Esses momentos de experiências em que o sujeito “vai para o mundo”,
são preciosos para que possa se estabelecer a autonomia e confiança necessárias
para que o sujeito consiga realizar seus projetos (NETO, 2006).

O intuito deste trabalho é de conseguir criar uma rede de ampliação dos


laços sociais, visando que o sujeito consiga fazer suas atividades sozinhos, ir ao
dentista, ao médico, um simples passeio na praça, conseguir visitar e se relacionar
com a sua família.

27
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Para pessoas que vivem experiências tão acentuadas, sofridas e delicadas,


uma sessão de AT não pode ser adiada para o dia seguinte, nem deixada
para a semana que vem. São nesses casos em que se estrutura uma equipe de
acompanhantes terapêuticos que se revezam em cuidar desse sujeito caso ocorra
algum imprevisto que impeça do acompanhante visitar o acompanhado. Isso é
em decorrência do fato que a duração e a frequência dos encontros variam de
acordo com a situação. É na avaliação do AT que se determina quantas vezes
por semana o paciente receberá sua visita. Aqui não é o diagnóstico que é o mais
importante, o intuito é entender os motivos da crise que não permitem que o
sujeito dê conta da sua vida (NETO, 2006).

Hoje o acompanhamento terapêutico se estabelece como um trabalho mais


que necessário. Por ser uma atividade nova, ainda não há muitos especialistas, e
por ser algo efetivo e eficiente, possui grande demanda. Apresenta-se como um
campo fértil e o mercado está investindo nisso.

3.1 OS NOVOS USOS E CONFIGURAÇÕES DESSA PRÁTICA


Historicamente, conseguimos observar na literatura que o trabalho de AT
nem sempre tiveram essas definições. De acordo com Neto, Pinto e Oliveira (2011),
o AT surgiu de uma requisição realizada especialmente por médicos psiquiatras,
em outras menores quantidades também partiram de psicólogos clínicos e
psicanalistas com a proposta de vir como uma substituição da internação. Nessa
proposta, uma equipe em torno de quatro ou cinco acompanhantes terapêuticos
revezavam-se para realizar os atendimentos, 24 horas/dia. Conforme a crise do
paciente fosse evoluindo, era diminuído progressivamente até que o trabalho
fosse interrompido.

Com o passar do tempo, através de novas demandas e devido a novas


descobertas que iam sendo feitas acerca do trabalho do acompanhante terapêutico,
seu trabalho já poderia ser realizado em cargas horárias menores. A partir daqui
todo tipo de configuração horária passou a ser possível de ser realizada, uma vez
que o AT já não estava ali para substituir internações, mas sim como um trabalho
que se realiza em movimento em espaços domiciliares e públicos, demarcado por
uma escuta clínica.

Neto Pinto e Oliveira (2011) explicam que na prática o médico psiquiatra


entra em contato com uma equipe de profissionais de AT requisitando atendimento
para um de seus pacientes. Depois disso, um dos profissionais entra em contato
com o paciente ou com a família para apresentar seu trabalho e então estabelecer
o contrato terapêutico. Neste contrato, ficam definidos questões como: o número
de horas que será prestado atendimento, frequência de encontros (por exemplo,
12 horas por semana podem ser distribuídas em três visitas de quatro horas ou
quatro visitas de três horas), número de membros na equipe, honorários (salário/
remuneração), e o projeto terapêutico desenvolvido especificamente para o paciente.

28
TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Como com o tempo a carga horária do AT sofreu alterações para tempos


reduzidos, tal situação refletiu na exploração e criação de uma nova demanda,
onde era solicitado ao acompanhante terapêutico não somente substituir
internações ou estar à disposição em tempo integral, mas também para conseguir
oferecer uma atenção de forma conjunta do espaço domiciliar e público, pelo par
formado pelo acompanhante terapêutico e pelo sujeito acompanhado.

Neto, Pinto e Oliveira (2011, p. 32) explicam essa nova configuração:

Esse tipo de configuração implica todos os cuidados a serem tomados


quando se trata de um trabalho em equipe. Por um lado, temos
uma equipe de ATs que, por sua vez irá se juntar a um psiquiatra e,
eventualmente, a representantes de outras instâncias terapêuticas;
por outro lado, o trabalho coloca o AT frente não apenas ao sujeito
acompanhado, mas também, pelo menos em um grande número de
vezes, a sua família e ao círculo social mais imediato. Trata-se, portanto,
de um trabalho com uma forte característica grupal, ainda que mereçam
também toda atenção os momentos em que AT e sujeito acompanhado
se encontram sozinhos ou os vínculos singulares estabelecidos entre
cada AT e sujeito acompanhado e seus familiares. O que se constrói
assim com o andamento de um trabalho de AT é uma complexa rede de
relações, potencialmente terapêuticas, mas que devem ser consideradas
em toda a sua delicadeza para não gerarem efeitos iatrogênicos.

Em um trabalho que com muita frequência envolve família e uma equipe


de terapeutas, todas as múltiplas relações que passam a ser estabelecidas neces-
sitam de um manejo hábil, especialmente quando o acompanhante terapêutico é
inserido no interior da casa de seu paciente e quando levamos em consideração que
é de sua própria função trabalhar em uma posição equilibrada do que o comum nas
práticas psicoterapêuticas. Aqui cabe ao acompanhante terapêutico se permitir ser
um pouco ele mesmo, ao que se coloca em uma frágil fronteira entre a cumplicida-
de com os sintomas do acompanhado e com a família e o ato clínico.

É bastante comum que a equipe envolvida no caso desenvolva formas


de discussões do andamento do trabalho, o que caracteriza essa equipe como
interdisciplinar. Além das reuniões em equipe para discussão do caso em questão,
essas equipes de acompanhantes terapêuticos podem também formar reuniões
de “miniequipe” que inclui somente os profissionais de AT que acompanham
o sujeito, ou até optarem por uma supervisão de sua preferência para tratarem
aspectos específicos do caso.

É preciso sempre se atentar que, por mais que os profissionais de AT


possuam um espaço vasto de atuação e aplicação de trabalho, a profissão é
regulamentada para garantir que princípios éticos sejam cumpridos a fim de
evitar possíveis danos físicos e emocionais para o paciente atendido. A profissão
de Acompanhamento Terapêutico é resguardada pela resolução Nº 233/14 – CIB/
RS que veremos a seguir.

29
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

4 A LEGISLAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO


A Política Estadual de Saúde Mental incentiva a contratação de profissional
da saúde mental que desenvolva a função de Acompanhamento Terapêutico nos
setores de unidades básicas em saúde, atenção básica e/ou em estratégias de saúde
da família. Para garantir uma atuação ética e assertiva da profissão de AT, foi
desenvolvida a resolução Nº 233/14 – CIB/RS que tem, entre tudo, as atribuições:

Art. 3º – O profissional de saúde inserido na rede de atenção básica,


que desenvolva a função de acompanhante terapêutico deverá: I –
ter experiência comprovada de um ano em serviços territoriais de
saúde; II – ser supervisionado por um profissional de nível superior
com experiência em saúde mental, pertencente à rede do município;
III – participar das reuniões de equipe da atenção básica, dos
territórios no qual residem os usuários acompanhados; IV – nortear
a sua prática de trabalho, a partir do plano terapêutico singular do
usuário (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 2).

Sobre a formação do profissional de AT, a resolução confere que podem ser


graduados em nível superior nos cursos de: psicologia, serviço social, licenciatura
em educação física, fisioterapia, enfermagem etc. O profissional de AT também
poderá ter nível médio de ensino, como “agentes comunitários, técnicos de
enfermagem etc.” (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 2).

Todos os parágrafos e artigos estruturados na resolução tem uma


base ética e científica necessária para garantir um atendimento de qualidade
ao sujeito. Agora, para elucidar melhor essas obrigatoriedades listadas pela
resolução, vamos nos aprofundar mais sobre cada atribuição para compreender
todo o contexto da sua construção.

FIGURA 5 – TRECHO DA RESOLUÇÃO Nº 233/14 – CIB/RS

FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/3lMhH7K>. Acesso em: 22 jul. 2021.

30
TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

4.1 POR QUE É IMPORTANTE TER EXPERIÊNCIA


COMPROVADA DE UM ANO EM SERVIÇOS TERRITORIAIS
DE SAÚDE?
Como profissional de AT, você irá se deparar com as mais diversas
dificuldades no campo de atuação. No processo de formação aprendemos
muito sobre transtornos mentais, sofrimentos psíquicos, dificuldades físicas,
de mobilidade etc., mas nada como o contato com a realidade. Entendemos
que cada sujeito manifesta de formas diferentes o seu sentir. Temos manuais
diagnósticos que nos orientam a entender transtornos de ordem mental e como
ajudar o sujeito em sua recuperação, mas todo indivíduo necessitará de uma
abordagem personalizada para a sua situação. É isso que a experiência de um
ano te proporcionará, experiência de campo, entender como cada indivíduo
sente e manifesta o seu sofrimento. Viapiana, Gomes e Albuquerque (2018, p.
177) descrevem que:

Para compreensão de formas particulares de sofrimento e adoecimento,


como o sofrimento psíquico, é fundamental a compreensão da
produção social das dimensões biológica e psíquica humanas. Isto
é, os processos pelos quais as relações sociais, a história, a cultura
subsumem – incluem e subordinam – o biológico.

4.2 POR QUE É NECESSÁRIO SER SUPERVISIONADO POR


UM PROFISSIONAL DE NÍVEL SUPERIOR COM EXPERIÊNCIA
EM SAÚDE MENTAL?
A supervisão em saúde mental atua como ordem norteadora oferecendo
um espaço de escuta, reflexão, discussão e orientação acerca dos casos trabalhados
nas redes de saúde do município, lugar onde o profissional de AT se encontra.
O profissional em atuação de um ano contará com uma experiencia necessária
para poder auxiliar o profissional de AT a desenvolver o tratamento com mais
assertividade, além de orientá-lo aos cuidados éticos na condução dos casos. A
supervisão funciona como um ambiente que visa possibilitar a construção de um
saber nos casos clínicos.

Nunes (1986) conceitua a supervisão como um instrumento auxiliar


moderno e indispensável na gestão de serviços que foi agregada como tema de
administração dos serviços de saúde do Brasil, iniciando em unidades hospitalares
e com o tempo, passa a ter maior realce nas recomendações de saúde no Brasil a
partir da década de 1970.

No documento escrito pela equipe do Projeto de Supervisão do Ministério


da Saúde e Organização Pan-Americana da saúde publicado em 1982, os autores
definem que a supervisão é inerente a qualquer trabalho que seja realizado em bases
coletivas, através da integração e divisão de tarefas entre vários colaboradores.

31
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A supervisão possui uma proposta também pedagógica para os


orientandos, fornecendo apoio e direcionamento personalizada para a demanda
em questão (NUNES, 1986).

4.3 POR QUE ESSE PROFISSIONAL DEVE SER DO MUNICÍPIO?


O profissional de AT atuará em uma equipe multidisciplinar, e para
compreender melhor a rede de apoio do paciente que você acompanhará, se
faz necessário conhecer a rede que esse usuário irá acessar. Precisa haver uma
comunicação próxima e focal com toda a equipe para poder direcioná-lo e acolhê-
lo com mais assertividade.

O diferencial da profissão de Acompanhamento Terapêutico é exatamente


sair do atendimento tradicional e ir até onde o sujeito está, ou seja, a prática sairá
do consultório e vai de encontro com o cotidiano desse indivíduo. É necessário
entender a rede que ele está inserido, compreender as relações desse indivíduo.
Por isso a importância desse profissional gabaritado estar atuando na rede, pois
assim ele estará a par da comunidade em que o sujeito está inserido.

4.4 QUAL É A IMPORTÂNCIA DE PARTICIPAR DE REUNIÕES?


Na atuação em rede, é importante lembrar que a atuação se dá em
trabalho em equipe, de forma individual o profissional acompanhante
terapêutico não conseguirá compreender todas as demandas do sujeito, é
um trabalho complexo e com várias dimensões. O trabalho está associado a
uma visão terapêutica mais ampla, integrada. Por isso, a resolução exige que
ele esteja em contato periódico com os demais profissionais, pois a partir das
orientações dos profissionais das outras áreas, o acompanhante terapêutico
poderá elaborar com mais assertividade seu projeto terapêutico e colocar em
prática o plano de acompanhamento. Aqui se faz muito importante a relação
com a equipe interdisciplinar de todo o município, esse diálogo proporcionará
uma discussão com visão sobre a saúde integral do indivíduo.

4.5 POR QUE UM PLANO TERAPÊUTICO SINGULAR DO


USUÁRIO?
Antes de nos aprofundarmos no porquê que deve ser singular, precisamos
compreender este conceito. A resolução nº 233/14 – CIB/RS fala brevemente sobre
o plano singular do usuário, que confere:

O Plano Terapêutico Singular é entendido como o conjunto de atos


assistenciais planejados e ofertados para uma situação específica de
um usuário e de sua rede de apoio social e afetiva visando à construção
de projetos de vida (RIO GRANDE DO SUL, 2014, p. 2)

32
TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

O plano terapêutico singular também pode ser encontrado na literatura


como plano individualizado de intervenção. O AT é um acompanhamento de um
caso específico, visando toda a singularidade e especificidades do sujeito. Para
executá-lo, precisa ter um conhecimento individual e se integrar do processo e do
histórico deste indivíduo: quantas vezes ele procurou o sistema, quais redes ele
acionou, com quais profissionais ele se consultou para poder saber como o seu
trabalho será executado.

4.6 DA CARGA HORÁRIA DO ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO
Com relação à carga horária de trabalho, a resolução confere uma
diferença de acordo com a formação do profissional. Os profissionais capacitados
com ensino médio devem cumprir carga horária de 30h semanais. Profissionais
com ensino superior, fica obrigatória a carga horária de 20 horas semanais (RIO
GRANDE DO SUL, 2014).

Essas são as principais atribuições que o profissional de AT precisa ter


para realizar suas atividades. Todas são necessárias pois capacitam o profissional
a ter a ética e a sensibilidade necessária para poder auxiliar o sujeito na sua
recuperação, reintegração, autonomia, inserção social, entre outros.

A regulamentação é recente, ainda passará por muitas atualizações para


poder se enquadrar em todas as demandas que forem surgindo conforme as
situações da atualidade. É necessário se manter atento às atualizações para ficar
sempre a frente do que é solicitado como obrigações do profissional de AT.

DICAS

Caro acadêmico, para se aprofundar sobre a resolução que norteia a prática do


profissional, acesse o link:
https://siteat.files.wordpress.com/2014/11/at cibr233_2014.pdf.

33
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

5 A ÉTICA DO CUIDADO
Kevin Leyser nos explica em sua obra “Ética e Profissão” uma nova teoria.
Ele nos diz que, hoje encontramos na literatura uma nova teoria nomeada tanto
como “ética do cuidado", quanto também "ética feminista", que foi desenvolvida
pela psicóloga Carol Gilligan (1936-) em sua obra “Uma voz diferente” (1992).
Esta teoria não e geralmente considerada uma teoria ética-consequencialista
no sentido formal, como o egoísmo ético e o utilitarismo, mas parece que se
enquadra no consequencialismo mais do que no não consequencialismo
(LEYSER; PASQUALI, 2017).

De acordo com os estudiosos, para Gilligan (1992), homens e mulheres


pensam de forma bastante distintas quando se refere a tomada de decisão ética.
Outro conceituado psicólogo, Lawrence Kohlberg (1992), concorda com a fala de
Gilligan, mas conclui afirmando que essa diferença significa que o raciocínio ético
das mulheres é inferior ao dos homens. Gilligan (1997), por outro lado, acredita
que as opiniões das mulheres sobre a ética são sim diferentes, mas precisam ser
consideradas iguais aos dos homens. A diferença, de acordo com os psicólogos,
é que os pontos de vista dos homens sobre a ética são mais relacionados com
a justiça, a competição, os direitos, a independência e o viver segundo regras,
enquanto nas mulheres, prevalece a harmonia, a generosidade, a reconciliação e
o trabalho para manter relacionamentos próximos (LEYSER; PASQUALI, 2017).

Leyser e Pasquali (2017) ainda acrescentam que Kohlberg (1992)


desenvolveu um dilema onde a esposa de um homem está desesperadamente
doente e o homem não possui condições financeiras de arcar com a medicação que
ela necessita. Kohlberg então perguntou para duas crianças de 11 anos, uma menina
e um menino, se o homem deveria então roubar a medicação. O menino respondeu
que sim, justificando que a vida da esposa é mais importante do que a regra de
não roubar. Já a menina, no entanto, respondeu que não, porque se o homem for
pego e levado à cadeia, quem ficaria responsável por cuidar de sua esposa doente?
Complementou dizendo que ele talvez teria a opção de solicitar ao farmacêutico
para o entregar o medicamento e ele poderia fazer o pagamento a ele mais tarde.

De acordo com Kohlberg (1992), o garoto tinha uma clara compreensão


da situação porque os direitos da esposa se sobreporiam à regra de não roubar,
ou seja, a questão era toda sobre justiça e direitos. Além disso, Kohlberg achou
que a compreensão da garota sobre a referida situação era fraca. Por outro lado,
Gilligan (1997) avalia que a menina e o menino estavam respondendo a perguntas
diferentes: o rapaz estava respondendo à questão: “O homem deveria ou não
roubar a medicação?" Enquanto a menina estava respondendo à pergunta: “O
homem deve roubar a medicação ou fazer alguma outra coisa?”. A menina não
estava tão preocupada com direitos e justiça, mas com o que aconteceria com o
homem e sua esposa, e ela também estava considerando a humanidade possível
do farmacêutico. Em outras palavras, ela pensou em termos de cuidar. Portanto,
Gilligan vê uma tendência dos homens para se concentrar em uma ética da justiça,
enquanto as mulheres se concentram em uma ética do cuidar. Todavia, ela acha

34
TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

que ambos os pontos de vista da ética são vantajosos e devem ser considerados
diferentes, mas igualmente válidos. Em sua visão, a situação ideal é que ambos
devem considerar as duas visões de ética, porque assim, os homens poderiam
aprender sobre cuidado e compaixão na ética e as mulheres poderiam então
aprender a se concentrarem em justiça e direitos. Além disso, ela enfatiza que
as mulheres deveriam reconhecer seus próprios direitos como seres humanos e
não simplesmente serem consideradas inferiores aos homens apenas porque eles
pensam de forma distinta sobre a ética (LEYSER; PASQUALI, 2017).

Leyser e Pasquali (2017) finalizam explicando que alguns críticos, como


Dindia (2006) e Hyde (2005), acreditam que, aceitando a teoria de Gilligan, pode-
se com isso estar elevando os nomeados valores femininos muito além dos valores
masculinos, substituindo um sistema ético injusto por outro sistema ético também
injusto, definindo os homens como inferiores e as mulheres como normais.
Além disso, se alguém diz que é a natureza das mulheres serem compassivas
e cuidadosas, não estamos impulsionando-as de volta para onde estavam antes
de Gilligan? Assim sendo, ao invés da teoria de Gilligan fornece às mulheres e
aos homens maiores oportunidades, ela pode estar gerando novas categorias que
poderiam resultar por exemplo na exclusão de mulheres de trabalhos conhecidos
como tradicionalmente masculinos (por exemplo, engenharia) e homens de
trabalhos femininos (por exemplo, psicologia). Além disso, os críticos dizem que
Gilligan perturbou a filosofa da igualdade de gênero de modo que uma empresa
que queira contratar alguém com uma boa compreensão de regras legais, por
exemplo, não vai contratar uma mulher para o trabalho, porque ela não tem
verdadeiro senso de justiça. Desta forma, sua teoria psicológica do gênero pode
passar de descrever a igualdade de gênero para prescrever um conjunto de regras
sobre quem deve fazer quais trabalhos.

5.1 O CUIDADO ESTÁ RELACIONADO COM O GÊNERO?


Durante a nossa história, especialmente na cultura ocidental,
conseguimos observar um aspecto bastante comum – apesar de negativo – de
uma brusca diferenciação de gênero nas ocupações de trabalho. Não é raro
ouvirmos que profissões braçais e de exatas devem ser ocupadas por pessoas
do gênero masculino enquanto as ciências humanas pelo gênero feminino.
Engenharias, Física, Ciências da Computação, Engenharia Aeroespacial,
estatística são majoritariamente ocupadas por homens, enquanto Psicologia,
Enfermagem, Pedagogia, Serviço social, Administração, Jornalismo e Letras são
dominantemente ocupadas por mulheres.

A partir desse fato, conseguimos observar que as profissões que


necessitam desempenhar um trabalho de atenção, acolhimento e cuidado
são principalmente ocupados por mulheres. Se olharmos para as principais
atribuições do AT, também podemos observar que acompanhamento, cuidado

35
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

e acolhimento são algumas de suas principais funções e ela não escapa dessa
diferenciação de gênero. Um dos pré-requisitos para ser um AT é que possua
uma formação em saúde, então vamos nos atentar ao dado de uma pesquisa de
gênero realizada em 2013 no curso de Psicologia.

De acordo com dados de 2013 do Conselho Federal de Psicologia, a


psicologia brasileira é composta por 89% de mulheres, e compreender esse número
nos atenta a investigar como o feminino pode influenciar no exercício profissional
e nos leva à necessidade da compreensão de como as psicólogas vivem, o que elas
pensam e como se dá o processo de atuação. De acordo com as pesquisadoras,
“não há como se voltar para o cuidado de outras (os) sem que haja uma rigorosa
contemplação de si, que inclua uma crítica sócio-histórica e uma profunda
análise contextual de nossa inserção na sociedade” (CONSELHO FEDERAL DE
PSICOLOGIA, 2013). Após 50 anos de profissão regulamentada no País, torna-se
essencial uma investigação de forma crítica sobre as diversas dimensões subjetivas
que caracterizam as muitas e diversas mulheres que integram essa categoria e
que cada vez mais conquistam seus espaços na sociedade.

Nessa mesma pesquisa realizada em 2013 pelo Conselho Federal de


Psicologia, foi questionado a um grupo de mulheres a um imaginário e hipotético
sobre como seria a psicologia se ela fosse ocupada por 89% de homens e observamos
que as respostas foram as mais diversas: “[A Psicologia] seria menos humanista”,
“Provavelmente a Psicologia ia ser um pouquinho mais reconhecida do que é
hoje” e por fim, uma que me chamou mais atenção que dizia “[...] Eu acho que o
homem tem uma efetividade maior quando se trata de uma profissão, ele é mais
agressivo, tem um caráter, uma agressividade que eu acho que é mais masculina
que feminina. [...] porque os homens são mais competitivos, eles brigam mais” e
aqui mais uma vez caímos no questionamento “Por que e como foi criado essa
imagem social do homem e da mulher? Por que existe essa diferença tão brusca?
Não é difícil ouvirmos da sociedade que homens que escolhem cursar psicologia
não são “machos”, inclusive uma das respostas da pesquisa foi exatamente esta
“Provavelmente esses 10% de homens, eles devem ter lado feminino”, “A maioria
dos meus colegas psicólogos tem características femininas, mas tem outros que
nem tanto. Eu acho que eles pegam um outro viés, mais objetivo, mais racional”
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 26).

De acordo com os pesquisadores, esse feminino narrado pelas mulheres


é agravado pelas diferenças descritas entre os homens e as mulheres, mas
dificilmente entre mulheres e mulheres/homens e homens. A narrativa sobre a
diferença sexual é um acontecimento bastante recente na história do Ocidente.
Desde a antiguidade, no modelo da tradição ocidental, o masculino e o feminino
se contrapuseram ao discurso de sexo único cuja referência era o sexo masculino. A
ideologia de igualdade da Revolução Francesa foi decisória para essas mudanças.
No rogo por “igualdade, liberdade e fraternidade”, as mulheres passaram de um
“homem atrofiado” para receber um sexo e uma corporeidade própria (VILLELA;
ARILHA, 2003). Se nesse momento os seres humanos deram-se a ser declarados
iguais, se fazia necessário buscar na natureza a base para a desigualdade. Com

36
TÓPICO 2 — DEFINIÇÕES DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

seus elementos fisiológicos e anatômicos, a biologia denotou as convicções de


mulher e homem conhecidas como verdade absoluta dos corpos até os dias
atuais. O paradigma desta diferença sexual é herdeiro de uma compreensão
naturalista da diversidade sexual, ou seja, algo de ordem escrupulosamente
biológica que denotou o espaço social de uma inserção funcional de mulheres e
homens de acordo com seus escopos biológicos. Aqui a ciência finalmente viria
com seu discurso hierárquico entre os sexos fundamentado no registro biológico
da natureza (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013).

Não é preciso ir longe, mergulhar nas literaturas ou no espaço acadêmico-


profissional para compreender essa imposição social onde coloca as mulheres
na responsabilidade do cuidado. Basta olharmos para a nossa sociedade, para
dentro de nossas casas e poderemos observar que, em sua grande maioria, é a
mulher a responsável pelos afazeres domésticos e cuidados dos filhos. É o rosto
da mãe que encontramos nas participações de reuniões escolares, apresentações
de trabalhos, consultas regulares a dentistas e pediatras. Em sua grande maioria,
enquanto a mulher se divide entre cuidados da casa, trabalho remunerado
quando tem oportunidade, estudo profissionalizante, é ela quem encontramos
nesses espaços. A mãe e dona de casa precisa se dividir em muitas para dar conta
dessa jornada tripla de afazeres.

Através dessas perspectivas, tanto do meio acadêmico quanto social, fica


mais simples compreender como e porque o cuidado é direcionado especialmente
à mulher e como é urgente a desconstrução de papel. Ele se faz na profissão que
você escolheu se especializar. Precisamos nos esforçar para que tenhamos a
participação de todas as pessoas, independente de homem ou de mulher para
que possamos ter uma equipe mais diversa.

DICAS

Como sugestão de aprofundamento de estudo sobre os papéis de gênero,


deixamos como sugestão o vídeo “A mudança do lugar da mulher na sociedade”, de
uma entrevista de Belinda Mandebaum, doutora em Psicologia. Belinda atua nas áreas de
Psicologia Social e Psicanálise. O vídeo está disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=KMrBaj33kz4.

37
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O AT surgiu na América Latina, em Buenos Aires, no cerne de uma clínica


psiquiátrica. Inicialmente, foi chamado de “amigo qualificado”, mais tarde foi
reconhecido como Acompanhamento Terapêutico.

• A característica principal do trabalho do AT é ser uma clínica ampliada, ou


seja, o acompanhante vai até onde o sujeito se encontra para ajudá-lo em sua
recuperação, seja por transtornos de ordem mental ou mobilidade física, com o
objetivo de ressocializar o sujeito.

• O trabalho é realizado por, preferencialmente, profissionais da saúde


habilitados com formação em profissões como psicologia, enfermagem, terapia
ocupacional, educação física, fisioterapia, entre outras, pois a sua atuação está
diretamente ligada à reabilitação e prevenção de doenças, atuando também na
promoção da saúde.

• A profissão conta com a regulamentação da Resolução Nº 233/14 – CIB/RS que


sustenta princípios éticos para a atuação do AT.

• É muito importante que o profissional de AT saiba trabalhar em uma equipe


multidisciplinar, pois seu trabalho acontece em rede e sem contato com outros
profissionais, o projeto terapêutico não alcança sucesso.

• O cuidado não está relacionado ao gênero, podendo todas as pessoas atuarem


na profissão. É urgente a quebra desse paradigma.

38
AUTOATIVIDADE

1 O Acompanhamento Terapêutico nem sempre se apresentou assim como o


conhecemos hoje, com norma regulamentadora para formação e atuação.
Com relação à fundação do AT, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Desenvolveu-se a partir da necessidade de passar a responsabilidade


de cuidado do paciente para o AT em decorrência dos médicos
estarem sobrecarregados.
b) ( ) Surgiu nos EUA em 1960 com o Dr. Dr. Jorge Garcia Badaraco.
c) ( ) Iniciou em 1970 em um hospital psiquiátrico localizado em Buenos
Aires com o Dr. Eduardo Kalina através do caso de um paciente
adolescente que sofria em decorrência de dependência química.
d) ( ) Surgiu no Brasil graças a construção de novos espaços de acompanhamento
terapêutico para idosos que necessitam de reabilitação.

2 O trabalho de Acompanhamento Terapêutico hoje é regulamentado por


uma resolução que visa garantir que princípios éticos sejam cumpridos a
fim de evitar possíveis danos físicos e emocionais para o paciente atendido.
Com relação à regulamentação, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Resolução Nº 233/14 – CIB/RS.


b) ( ) Resolução Nº 233/17 – CIB/SC.
c) ( ) Resolução Nº 233/21 – CIB/SP.
d) ( ) Resolução Nº 233/14 – CIB/RJ.

3 Na resolução regulamentadora da profissão do AT, ela exige algumas


principais atribuições para que o profissional possa exercer sua atuação.
Considerando essas atribuições, classifique V para as sentenças verdadeiras
e F para as falsas:

( ) É preferível que o profissional seja formado em alguma área da saúde como


Enfermagem, Psicologia, Fisioterapia pois todas elas são direcionadas
para o cuidado, reabilitação e ressocialização do sujeito.
( ) É necessário que o profissional de AT tenha habilidade para realizar trabalho
em equipe, pois em sua atuação ele não pode trabalhar sozinho, necessita
participar de reuniões com outros profissionais que esteja acompanhando
o paciente para poder acompanhar suas evoluções e elaborar seu plano
terapêutico individual de acordo com as necessidades do paciente.
( ) Apesar de ser uma atuação em saúde, não se faz necessário ser
supervisionado por um profissional de nível superior com experiência
em saúde mental pois na verdade o trabalho do AT é só uma extensão
da clínica psicoterapêutica, portanto, a responsabilidade fica com o
profissional de saúde mental que está o acompanhando.

39
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – V – F.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Em uma situação em que um médico psiquiatra, por exemplo, necessita


de um acompanhante terapêutico para seu paciente, como esse serviço
é requisitado e qual o papel do AT nesse momento de contratação de
prestação de serviço? Justifique sua resposta.

5 As principais características do trabalho de AT é a atenção e o cuidado, sem


esses dois elementos não é possível desenvolver um olhar empático para a
demanda do paciente e conseguir realizar um projeto terapêutico que supra
as necessidades desse sujeito. Existe há muitos anos na nossa sociedade
um direcionamento, soando quase que uma obrigação de papéis sociais
onde profissões da área de humanas e saúde são realizados por mulheres,
enquanto profissões braçais ou de exatas são direcionadas para homens.
Acerca do que foi explanado sobre a ética do cuidado e sobre o subtópico
“o cuidado está relacionado com gênero?”, descreva sobre essa imposição e
qual a problemática disso.

40
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, agora que já vimos sobre o contexto histórico que deu


margem para o surgimento do acompanhamento terapêutico, partiremos
para compreensões que fundamentam e solidificam a teoria e a prática do
Acompanhamento Terapêutico (AT). Neste sentido, pensamos que o AT
pode partir de diferentes bases ou abordagens teóricas, mas, ainda assim, há
atravessamentos que são comungados pelas diferentes vertentes.

Um dos fundamentos do AT que perpassam as diferentes formas e técnicas


de atuação diz respeito ao fato da rua ser o lócus de atuação, saindo, efetiva e
literalmente, dos muros tradicionais da clínica e da forma tradicional de se
relacionar com as pessoas em sofrimento psíquico. A rua, a cidade, a urbanização
também são fatores que constituem nossa subjetividade, de forma a torná-la mais
complexa, com estímulos, campos e fronteiras mais diversos, dando margem
para elaborações heterogêneas de como lidar com o mundo.

O acompanhamento terapêutico, portanto, é uma função exercida, desde o


princípio, como uma atividade voltada para o público, para o urbano, representado
pela rua, pelos outros lugares que não seja a clínica e/ou o consultório. A partir
disto, diferentes práticas podem ser realizadas, sempre contando com o respeito
à dignidade da pessoa humana e a ética ao lidar com outro ser.

Neste tópico, veremos sobre algumas fundamentações do AT, como a


relação com a cidade e a rua; a amizade como uma possibilidade política potente e
transformadora e o caráter essencialmente nômade desta prática que está imbricado
com os movimentos sempre necessários nos acompanhamentos terapêuticos.

2 CONTEXTO DA FUNDAMENTAÇÃO DO ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO
O acompanhamento terapêutico é uma modalidade que surge a partir de
diversos caldos sociais que deslocavam o pensamento, a prática e a produção
de conhecimento científico com base numa crítica ao modelo hospitalocêntrico,
autoritário e hierarquizado (ALVARENGA, 2006). Nesta lógica, o saber
psiquiátrico passa por críticas e questionamentos sobre os locais, os instrumentos

41
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

e o manejo que se estabelecia no relacionamento com doentes mentais. Assim,


o acompanhamento terapêutico tem, desde o seu estado embrionário, um
posicionamento político essencialmente mais humanizado, revendo, inclusive, as
noções de saúde e de doença mental.

A partir da década 1980/1990, estes pensamentos se tornam mais


imperativos, considerando também o cenário político de desospitalização
psiquiátrica, reformas sociais e movimentos sociais. Além disto, há um
proeminente foco numa clínica voltada para o cotidiano, num sentido em que o
setting do acompanhante terapêutico pode ser a rua, a casa, a praça ou no lugar
que se fizer necessário (ALVARENGA, 2006). Isto desloca toda a concepção de
clínica e de atendimento que vinha sendo construída, num sentido de que era
sempre o sujeito que iria a um local específico e lá ficaria.

TUROS
ESTUDOS FU

No Brasil, na década de 1990, a Equipe de Acompanhamento Terapêutico do


Hospital Dia lançou alguns livros que tem servido como alicerce teórico, quais sejam: A Rua
Como Espaço Clínico: acompanhamento terapêutico; Crise e Cidade: acompanhamento
terapêutico; Textos, Texturas e Tessituras no Acompanhamento Terapêutico. Atualmente,
há produção de teses, dissertações e artigos que podem ser encontradas nas plataformas
virtuais acadêmicas recomendáveis. De todo modo, as produções de outrora ainda servem
de base e referência para a área.

Neste sentido, a construção desta modalidade terapêutica foi sendo


construída a partir do trabalho com pacientes com quadros severos que não
costumavam responder de forma positiva às outras abordagens de atendimento
(ALVARENGA, 2006). O acompanhamento terapêutico, neste cenário, começa a
se tornar referência para lidar com crises de maneiras menos abruptas do que a
hospitalização, por exemplo.

A fundamentação teórica da AT apresenta diferentes frentes. Em seu


estágio embrionário, a reforma psiquiátrica foi a semente germinadora. A
literatura antipsiquiátrica ainda é significativa e marcante para pensar o AT no
processo contínuo de constituição desta prática (CHAUI-BERLINCK, 2012). A
partir disto, pensamos na “clínica do desamparo”, ancorada numa perspectiva
que atendia, inicialmente pacientes psicóticos. Posteriormente vemos o AT em
sua expansão, sendo um recurso para diferentes casos.

O Acompanhamento Terapêutico é uma clínica que acontece no


cotidiano, nos mais variados espaços e contextos. Entre as suas
características mais marcantes estão o resgate e a promoção da
circulação do paciente pela cidade, construindo ou simplesmente
explorando redes sociais preexistentes. Predominantemente o

42
TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Acompanhamento Terapêutico tem sido um recurso utilizado no


tratamento de pacientes diagnosticados como psicóticos, sendo,
entretanto, cada vez mais indicado para pacientes com outros
diagnósticos (CHAUI-BERLINCK, 2012, p. 44).

NTE
INTERESSA

Você está curioso para saber sobre a “clínica do desamparo”? Juan Mitre
(2018, s. p.) esclarece que “há uma clínica do desamparo – Ou melhor, uma clínica dos
efeitos do desamparo. Trata-se – para dizer de modo mais simples – da clínica daqueles
sujeitos que não contaram com um Outro que "cuide" deles. Sujeitos que se constituíram
a partir de um Outro malvado (quer seja um Outro excessivo em sua presença ou em sua
ausência). Trata-se de crianças que foram abandonadas, que caíram do Outro. Crianças e
adolescentes que "chegaram ao fim do caminho". Para saber mais sobre esta abordagem,
leia o artigo de Juan Mitre (2018), “Clínica do Desamparo ou Winnicott com Lacan”,
disponível em: http://www.revistarayuela.com/pt/004/template.php?file=Notas/Clinica-
del-desamparo-o-Winnicott-con-Lacan.html

Neste sentido, a referência básica e inicial do AT encontra-se


predominantemente nas abordagens psicanalíticas, quais sejam: Freud, Lacan e
Winicott. As referências à psicanálise são implícitas ou explícitas, seja a partir de
termos específicos, como a psicose e a neurose, sendo a partir de uma prática que
pressupõe a transferência e a contratransferência (CHAUI-BERLINCK, 2012).
Neste sentido, o AT seria uma espécie de referencial para o paciente, atuando
também de forma vincular ao paciente, participando de sua organização
psíquica. Assim, a psicanálise, embora não seja um requisito e embora não seja
exclusiva ao AT, é considerada como um ponto de partida, uma bússola para
esta modalidade de atuação.

NTE
INTERESSA

“Segundo S. Freud, a transferência é um fenômeno em que o paciente, ao


ser analisado, revive os seus desejos inconscientes, provenientes da infância, tomando
o psicanalista como suporte. É necessário que, no decurso da análise, se crie um clima
de empatia para que o analisado ofereça poucas resistências, a fim de ao analisador ser
permitido verificar o conteúdo inconsciente que está na origem dos sintomas neuróticos.
Foi por ocasião do tratamento do caso de Anna O que Freud constatou o fenômeno de
transferência, passando a considerá-lo como estratégia fundamental na cura das neuroses,
com o método das associações livres, abandonando, por consequência, a hipnose como
método” (MESQUITA; DUARTE, 1996, p. 209).

43
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

FIGURA 6 – TRANSFERÊNCIA DE PACIENTE

FONTE: <https://bit.ly/3AwTRAS>. Acesso em: 20 jun. 2021.

De todo modo, o universo psicanalítico também se ampliou, contando,


atualmente, com diversas escolas de orientação e oferecendo, assim, diferentes
formações, orientações e sistemas de linguagens diferentes quanto à atuação dos
Acompanhantes Terapêuticos (ATs). Isto implica no manejo com o paciente, a
forma como a análise será realizada, interpretada e comunicada.

A partir da compreensão psicanalítica de neurose e psicose “a primeira


como aquilo que se esconde no fundo do inconsciente e a segunda como aquilo
que se expõe a uma plena visibilidade” (CHAUI-BERLINCK, 2012, p. 48), o
Acompanhamento Terapêutico também passou a ser compreendido como aquilo
que atravessa os muros do consultório e se coloca “fora, amplia as fronteiras e as
possibilidades de contato (CHAUI-BERLINCK, 2012). Se buscarmos a definição
do conceito de psicose e de neurose no Dicionário de Psicologia, encontramos as
seguintes definições:

Psicose: distúrbio grave que causa grande alteração ou desorganização


da capacidade mental de uma pessoa, da sua resposta afetiva e da
capacidade de reconhecer a realidade. Os psicopatas têm dificuldade
em comunicar e em relacionar-se com os outros e a psicose pode ir
até ao ponto de interferir com a capacidade de satisfazer as exigências
normais da vida quotidiana. A psicose é, pois, uma grave perturbação
mental que inclui a perda de contacto com a realidade – loucura, no
sentido vulgar. Na nomenclatura tradicional são os seguintes os vários
tipos de psicoses: alucinatória, maníaco-depressiva, esquizofrenia,
parafrenia e paranoia (ou esquizofrenia paranoide). [...] Neurose:
distúrbio psicológico ou comportamental no qual a ansiedade constitui
a característica primária. Ao invés da maioria das psicoses, as pessoas
portadoras de uma neurose não revelam uma distorção «grosseira» da
realidade ou uma desorganização da personalidade (o neurótico tem
perfeita consciência de que qualquer coisa está mal, o psicótico, regra
geral, não). Há neuroses de ansiedade – na realidade, como acima se
referiu, todas as neuroses apresentam formas de ansiedade. Ansiedade,
do ponto de vista biológico, é o mesmo que medo. Os efeitos da ansiedade
como doença estão fora do controlo da pessoa que a sofre. A neurose
de ansiedade consiste em estados de angústia e preocupação anormais
e crónicas e que levam ao pânico e está associada à hiperatividade do
sistema nervoso simpático (MESQUITA; DUARTE, 1996, p. 154 [176]).

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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Portanto, a compreensão psicanalítica inicial da psicose como algo que se


faz visível, que exterioriza, ganha delineamentos de uma leitura social indicando
circulação, saída, espaço público. Por isso também pensamos a rua e a clínica
ampliada, num sentido de indicar saídas do labirinto psicológicos que os pacientes,
porventura, se encontrem. Assim, hoje o atendimento em AT se estende a vários
outros casos (suicidas, crianças em situação de rua ou dificuldades escolares,
vítimas de violência, entre outros), e atuando no sentido do público.

Estabelecer saídas para uma outra relação com esse outro da cultura
e do social é a principal tarefa do AT. O AT media a relação entre seu
acompanhado e a rua e trabalha para ser cada vez menos necessário,
de forma que, depois de algum tempo, se torne apenas uma referência,
alguém a quem se pode recorrer se necessário. A rua, aqui tratada,
corresponde aos espaços sociais extrainstitucionais, as lojas, o ônibus,
o banco, a casa, com suas possibilidades e limites, a violência, a
diversidade, suas muitas tribos, seus signos (MAIA, 2002, p. 60).

Além desta base primeira que serviu de alicerce para a constituição do


acompanhamento terapêutico, também encontramos base para pensarmos o AT
a partir de Foucault, Deleuze e Guattari (2010), que são vertentes filosóficas que
realocam o pensamento sobre a loucura, o lugar do sujeito e seus processos de
subjetivação. A vinculação teórica do AT, atualmente, está vinculada à diferentes
frentes, como à Gestalt, à Fenomenologia, à Sistêmica, ao Psicodrama, entre
outras. Assim, as bases teóricas são diversas, não obstante, imprescindíveis para
uma prática pautada na ética e na sustentação que uma teoria oferece para melhor
lidar com as diferentes situações. Há alguns pontos que sempre emergem quando
pensamos no Acompanhamento Terapêutico que estão também imbricadas as
suas condições de surgimento.

Deste modo, o surgimento do Acompanhamento Terapêutico conta com


um ensejo de diferentes abordagens e linhas teóricas, como o contexto político e
social da época. A clínica ampliada, deste modo, pode ser pensada como cerne de
novas atividades e posturas para com os pacientes. Neste sentido, pensamos no
Acompanhamento Terapêutico como fundamentalmente interdisciplinar. Quando
se desloca a ideia da clínica tradicional, a forma de se relacionar com o paciente, a
compreensão de doença e as técnicas aplicáveis, precisa-se de outras fontes e outras
referenciais para a atuação, por isso as noções de arquitetura servem de base, por
isso a filosofia, a geografia e a poesia são vias paralelas à atuação do AT.

45
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

2.1 A AMIZADE COMO UMA ESFERA POLÍTICA DO


ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
Num primeiro momento adotou-se o termo “amigo qualificado” apon-
tando, assim, uma relação horizontalizada e mais amistosa (CHAUI-BERLINCK,
2012). O termo acompanhante terapêutico também carrega esta premissa, mas
enfatiza a função e o caráter terapêutico, para além de uma relação “amigável”.
Assim, ao mesmo tempo que a amizade pode ser um potencial catalisador para
que os sujeitos expandam suas fronteiras e criatividades, ela também não deve
ser banalizada no processo terapêutico, nem colocada como “coisa menor”. Caso
isto ocorra, corre o risco de o acompanhante servir como espelho no sentido de
contribuir para padrões narcísicos do sujeito (LANCETTI, 2006).

Não obstante, a perspectiva da amizade ainda segue como algo a ser


considerado no sentido de ser uma aliada para a vida, onde a partir da amizade é
possível pensar em modos de vida mais livre e subjetividade menos escravizante
(LANCETTI, 2006). Deste modo, a amigo terapêutico é algo eminentemente
potente na relação terapêutica.

Às vezes, e por mudanças sempre quase imperceptíveis, alguém


consegue escapar da repetição suicidária, da máquina manicomial ou
da violência tola. E nesse transitar menor e francamente produtivo vai
sendo escrita a história dos pacientes amigos, dos acompanhantes amigos
e dos amigos verdadeiros que são o bálsamo que alenta nossa luta e nossa
persistência (LANCETTI, 2006, p. 28).

A partir de uma prática amigável pode se aproximar de fronteiras do


sujeito que até então eram rígidas, pode realizar agenciamentos, pode auxiliar nas
travessias e expansão do acompanhado. Esta prática, contudo, não deve ser em
função de repetir padrões estabelecidos e que, no entanto, não contribuem para
uma vida autêntica, tampouco o acompanhante terapêutico deve servir como
reprodutor de violências e estigmas estruturais, de forma a determinar certo
enquadramento para o sujeito. De todo modo, a amizade pode estar presente,
assim como o estímulo à autonomia e o caráter nômade desta prática.

DICAS

A partir do filme “Intocáveis”, podemos pensar em abstrações e relações com


o trabalho do acompanhante terapêutico no sentido de criar um vínculo a partir de uma
relação que dialoga com o outro, não apenas impõe-lhes verdades e condutas. No filme,
dirigido e protagonizado por Francois Cluzet, que atua como um aristocrata rico que, após
sofrer um grave acidente, fica tetraplégico. Precisando de um assistente, ele decide contratar
Driss (Omar Sy), um jovem problemático que não tem a menor experiência em cuidar de
pessoas no seu estado. Aos poucos ele aprende a função, apesar das diversas gafes que
comete. Philippe, por sua vez, se afeiçoa cada vez mais a Driss por ele não o tratar com

46
TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

subjugação. Aos poucos a amizade entre eles se estabelece, com cada um conhecendo
melhor o mundo do outro. Embora o foco não seja a saúde mental, podemos pensar em
termos de construção de uma relação que exige cuidado e convívio constantes e, a partir
desse cotidiano, ambos os integrantes se transformam e se abrem. Você pode assistir ao
filme em: https://www.youtube.com/watch?v=TMgHdc_htDQ.

FIGURA 7 – FILME “INTOCÁVEIS”

FONTE: <https://bit.ly/2U6Gjg9>. Acesso em: 19 jul. 2021.

O conceito de amizade que se coloca como um dispositivo na clínica precisa


ser posicionado a partir de uma relação de indicação recíproca, sempre em luta
e a partir da qual é possível viver e sentir uma série de encontros e sentidos que
diferem e afastam-se das lógicas institucionalizadas pelo modelo familialista
(SILVEIRA, 2016). Neste sentido, a potência de uma relação de amizade numa
relação terapêutica e política possibilita vislumbrar outros saberes e outras práticas.

Não obstante, a amizade no âmbito da clínica não se dá de forma simétrica


entre paciente e terapeuta. Uma lógica de amizade a partir da igualdade, do
consenso e do reconhecimento está relacionada com marcas de subjugação
próprias de um modelo familialista, sustentadas em relações de poder, às vezes
não pronunciada explicitamente (SILVEIRA, 2016).

O dispositivo amizade-clínica não pode ser limitado pelo universo


institucionalizado das quatro paredes do consultório. Queremos
dizer que a privacidade e o controle do setting terapêutico precisam
ser no mínimo, questionados a partir de um enfoque crítico e
político em favor da potencialização de um setting ambulante,
construído nas composições infinitas dos fluxos do campo social
(SILVEIRA, 2016, p. 339).

47
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Assim, este dispositivo amizade-clínica apresenta-se de modo transversal,


oferecendo tanto ao paciente quanto ao terapeuta transformarem-se neste
processo, estando atentos às migrações e às alteridades. Este respeito essencial
que é necessário na prática do AT possibilita a travessia e o enfrentamento
de repetições paralisantes na vida e no cotidiano que afetam tanto terapeuta
quanto paciente, sendo explicitados a partir de sintomas e queixas do paciente,
influenciando na produção de sua subjetividade (SILVEIRA, 2016).

Neste sentido, a afirmação de uma amizade no âmbito da prática do


AT atinge a dimensão política da clínica, passando por uma compreensão
das relações duais e grupais, entendendo as lógicas dos consultórios ou das
comunidades que abarcam elementos complexos e constituintes da subjetividade
contemporânea. Por este viés, cabe ao terapeuta uma desnaturalização das
noções de indivíduo e de grupo, passando a compreender o paciente mais a
partir dos efeitos pontuais para os seus processos de subjetividades que são
sempre também coletivos (SILVEIRA, 2016).

Os sentidos políticos de uma clínica – e sobretudo de uma amizade-


clínica – se sustentam a partir da busca pelo rompimento com as relações de
poder que determinam, a priori, o lugar do eu e o lugar do outro, o lugar daquele
que sabe por ser expert e o lugar daquele que não sabe por ser despossuído. Pelo
contrário, uma clínica política busca dispositivos que sejam revolucionários, que
criam passagens, que acompanham travessias e atualizam sensibilidades. Esta
clínica política está aquém de uma prática privatizante e meramente à serviço
da normalização. Esta clínica está sempre em diálogo com a noção de alteridade.

Potencializar, politizar e produzir um sujeito cidadão, autônomo e ciente


das suas responsabilidades, objetivos, compromissos e possibilidades
de vivência. Esta singularização efetivada pelo atendimento no AT é
necessária para diferenciá-lo dos outros usuários, dos outros membros
da família, e da população em geral. Significa olhar para as suas
questões, percebê-las como suas e contar com o AT enquanto pessoa
disponível a auxiliar (PACHECO; MENEZES, 2014, p. 12).

O Acompanhamento Terapêutico é uma estratégia que se aproxima com a


lógica deste “agir político” na clínica pois há sempre o convite para o inusitado,
para a afirmação do singular em cada um e para o encontro em diferentes
ambientes. De acordo com Silveira (2016), o Acompanhamento Terapêutico se
mostra como uma estratégia rebelde a todo movimento de institucionalização da
prática e atua fortemente no social e no cotidiano.

Essa nova visão da clínica ampliada presente no AT pode ser também


compreendida pelo conceito de rizoma, desenvolvido por Deleuze e Guatarri
(2010), como bem explica Bueno e Passos:

No primeiro volume da série Mil Platôs (DELEUZE; GUATTARI,


2010), é abordado o conceito de rizoma. Cunhado pela botânica,
o rizoma é um tipo de planta que cresce horizontalmente, tanto
na superfície como no subterrâneo, contrapondo o formato
arbóreo das maiores espécies de árvores. Se nas grandes
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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

árvores há uma definição estrutural clara quanto às funções


de seus componentes, no rizoma é possível a ramificação em
qualquer parte, assim como transformar-se em raiz ou bulbo.
Para os autores a ideia de rizoma pressupõe multiplicidades,
conexões de pontos indefinidos com outros quaisquer,
onde não importa o início ou o final de um processo, as
raízes ou o nascimento existenciais, e sim onde se cresce e se
transborda e onde outras dimensões são possíveis: “pensar
[sob a metodologia do rizoma] conquista ao mesmo tempo
sua necessidade e sua efetividade, reconhecendo os signos
que nos obrigam a pensar porque englobam o que ainda não
pensamos” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 21). O rizoma
incita a bifurcação e os encontros imprevisíveis. Tal qual a
clínica proposta por Baremblitt (2010), que remete a klinamen
ou desvio, é fundamental que haja o deslocamento das rotas de
saberes. A visão da clínica, como a que sugere o fazer do AT, é
aquela de caminhar pelo desvio nas composições instituídas. E
esse deslocamento traz mudanças tanto para quem acompanha
quanto para quem é acompanhado, proporcionando o cuidado
de si pelo estar com. A clínica desviada se estrutura “como
espaço de novas expressões individuais; não se trata de ignorar
as questões problemáticas do indivíduo, mas de investir ali
onde o devir aponta, onde a criação pede passagem, onde a
experimentação da diferença ganha novos estatutos” (DIAS, et
al. 2014, p. 13 apud BUENO; PASSOS, 2016, p. 7).

3 ACOMPANHAMENTO NÔMADE-TERAPÊUTICO
Sueli Rolnik (1997) afirma que nômade deve ser em princípio todo
analista, independentemente de onde atue. Pensar a rua como espaço clínico
do acompanhante terapêutico envolve uma série de inflexões de conceitos e de
atuações já cristalizadas no campo da saúde. Pensar a rua como possibilidade para
clínica faz emergir alguns questionamentos tais como “o que a rua teria de clínica?
Em que situações a rua pode ser clínica? Quais as possibilidades de clinicar na rua?
O que é a rua? Como seria o fazer terapêutico na rua?”. Não que pretendamos
esgotar nem determinar respostas objetivas a estas perguntas que seguem abertas
para debate, mas a partir delas podemos lançar olhares críticos pensar em novas
práticas a partir de outros termos, que estarão sempre à mercê de atualização.

Pensar a rua, o “fora”, como possibilidade de atuação em saúde mental


é revolucionário, considerando a própria história da loucura num sentido onde
os sujeitos que fossem considerados como loucos eram, em outras épocas,
aprisionados, colocados num ambiente “interno”, “dentro”, longe das sociedades
e apartados da sua própria cidadania. A relação entre rua e loucura, portanto,
sempre esteve em pauta. Ocorre, no entanto, que o Acompanhamento Terapêutico
desloca as lógicas tradicionais pelas quais estas duas esferas – a rua e a loucura –
eram relacionadas. Se antes o louco precisaria estar longe do público, da rua, do
fora, na prática do AT o convite é no sentido inverso, ou seja, dialoga e sintoniza
social e existencialmente uma coisa com a outra.

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UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

NTE
INTERESSA

A “nau dos loucos” foi uma prática realizada em que barcos passavam
de cidade em cidade, a fim de que fossem recolhidos os loucos e fossem “largados”
em outros espaços/territórios tais como ilhas. Como cita Foucault, “esses barcos que
levavam sua carga insana de uma cidade para outra. Os loucos tinham então uma
existência facilmente errante. As cidades escorraçam-nos de seus muros; deixava-se que
corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores
e peregrinos” (PACHECO; MENEZES, 2014, p. 2). A pintura 'Navio dos Loucos', do artista
holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), feita em óleo sobre madeira, por volta de 1495,
apresenta uma crítica, de forma alegórica, sobre os costumes da sociedade da época: a
devassidão e a profanidade, inclusive no clero, o jogo e o álcool. Entre os protagonistas
estão uma monja franciscana e um clérigo pobre e transgressor, que se encontram
distraídos. Esta pintura foi feita num período de grande crise religiosa e social.

FIGURA 8 – PINTURA “NAVIOS DOS LOUCOS”

FONTE: <https://bit.ly/3CCKgKG>. Aceso em: 21 jul. 2021

De todo modo, este movimento surge como consequência e contexto de um


território político-ideológico, mas também a partir do desejo de outras práticas,
tanto por parte dos pacientes quanto por parte dos trabalhadores (ROLNIK, 1997).
Assim, o acompanhante terapêutico, no início histórico de sua jornada, vê-se, junto
ao paciente, construindo um novo tipo de processo de subjetivação, deste modo
“a subjetividade é, portanto, feita das próprias partículas do fora; ela é o dentro do
fora [...] a subjetividade, então, é esse dentro-e-fora indissociáveis, mas, também,
inconciliáveis: um em si não si” (ROLNIK, 1997, p. 87). Ao pensarmos por esta
perspectiva, não apenas a noção de campo de atuação se separa, mas as noções das
fronteiras também se modificam com uma prática que se permite nômade, que não
carece do sedentarismo e da rigidez das paredes dos ambientes institucionalizados.

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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

DICAS

Sueli Rolnik é uma conhecida e renomada escritora e pensadora brasileira. Ela


é psicanalista e teve seu texto “Clínica Nômade” no compilado de trabalhos da Equipe de
Acompanhantes Terapêuticos. Saiba um pouco mais sobre Sueli Rolnik no seguinte link:
http://www.forumpermanente.org/convidados/suelirolnik.

FIGURA 9 – SUELI ROLNIK, ESCRITORA BRASILEIRA

FONTE: <https://bit.ly/3yDbY7N>. Acesso em: 19 jul. 2021.

Neste sentido, também a noção de saúde e doença passam a ser revistas, de


modo a compreender que também é possível construir territórios de existências,
modos de subjetividades e desejos a partir da loucura. Além disso, a própria loucura
é a maneira de representar um modo de existir, que, no caso do psicótico, voltado
para o turbilhão do “fora” e, no caso do neurótico, perdido na ideia do “dentro”.

O neurótico· é aquele que tem horror à vertigem provocada pelos


efeitos do fora em sua subjetividade. Para sobreviver a esse horror ele
investe na direção de um encruamento da dobra em que se encontra,
deixando vibrar em seu corpo, de todas as intensidades do fora, apenas
aquelas que não põem em risco a estabilidade de seu dentro. Para obter
o resultado que busca – anestesia aos efeitos do movimento de forças
em seu corpo e surdez às vozes dos híbridos –, ele se encarcera no
espaço, agarrando-se às paredes de seu dentro, como a uma droga. Com
esse recalcamento dos efeitos do fora, ele consegue temporariamente
desacelerar o processo, mas não consegue, é claro, aplacar o mal-estar.
Já o psicótico, modalidade que nosso A.T. mais encontra em sua prática,
encontra-se inteiramente vulnerável ao turbilhão do fora – perdido e
dilacerado pela tempestade de forças em seu corpo, atordoado pelas
vozes estranhas dos híbridos e, ao mesmo tempo, impossibilitado de
constituir modos de existência com base nesses afetos, de fazer dobras.
É como se estivesse encarcerado no fora (ROLNIK, 1997, p. 84).

51
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A partir destas concepções oriundas da psicanálise, podemos pensar toda


uma postura e uma ética do acompanhamento terapêutico no sentido de não
manter “dentro” aquele que se vê aprisionado pelo “fora”, que está sempre à
mostra. Não obstante, uma prática para “fora” coincide e dialoga coerentemente,
dentro dos possíveis, com uma situação psicológica que também está fora. Neste
sentido, a atuação do AT está voltada não apenas para as fronteiras em termos de
espaços, mas sobretudo nas interrupções de processo do paciente. Portanto, isto
implica numa atuação onde se favorece que os movimentos do sujeito sigam um
fluxo num sentido de administrar o “fora” e o “dentro”.

A clínica, neste sentido, seja num consultório, na rua, na escola ou em outro


ambiente consiste, a partir destas lógicas aqui apresentadas, diz respeito à forma
como cada um lida com seus desajeitamentos e que nisto está a singularidade
dos sujeitos e os mecanismos pelos quais delineiam suas existências (ROLNIK,
1997). Assim, a prática do AT pode estar enquadrada em diferentes perspectivas
teóricas, mas apoia-se sobretudo a partir de uma ética onde vê possibilidade de
criatividade de potências ativas.

Contudo, devemos atentar para dois pontos, em especial, no que diz


respeito às práticas do AT: ir para o fora em termos de fronteiras e espaços não
garante, por si, a sensibilidade e o acolhimento à dor e à subjetividade do sujeito
que está sendo acompanhado; ir para a rua não deve tornar-se dogmatizado, ou
seja, não deve se construir como um novo “dentro” em potencial, insensível às
demandas e novas possibilidades, ou seja, “perigo de parar de nomadizar no
tempo e de sedentarizar-se numa nova seção do supermercado de saúde mental,
para a infelicidade de nossos pacientes e de nós mesmos” (ROLNIK, 1997, p. 95).

Além disto, quando pensamos na rua a partir de uma ótica de classe,


percebemos o quanto algumas destas reflexões são cabíveis a uma classe média, que
se construiu em torno de uma ideia de privacidade. Não é o que ocorre em classes
mais baixas, cuja moradia prescinde de espaços bem delimitados para diferentes
atividades. Assim, quando pensamos a rua, o fora, o atendimento em termos do
que é fora e o que é dentro, também precisamos pensar sob a lógica estrutural e
fazer recortes de classe e raça. Isto porque, para a classe média, por exemplo, a
rua é o espaço do fora, é o espaço das coisas públicas, como a política, o comício, a
passeata – e é o lugar do perigo, do escuro, do assalto, do “sem portas”.

Se pensarmos em termos de Políticas Públicas, precisamos pensar também


em qual seria o público-alvo dessas políticas e como este público relaciona-se
com a rua. Com isso, pensamos a partir das experiências da classe baixa ou em
populações que estejam à margem nos grandes centros ou em cidades menores;
nestes lugares a socialização é essencialmente na rua, pois é onde as crianças
brincam, é onde se coloca a TV no domingo, é um esticamento do dentro, é a área
da casa (CESARINO, 1991), na ausência da possibilidade de fazer dentro da sua
própria casa diferentes espaços de lazer.

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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Contudo, também consideramos o Acompanhamento Terapêutico como


uma espécie de guia pela cidade desconhecida, um caminho a dois onde novas
explorações são feitas (PORTO; SERENO, 1991). Essas novas explorações abrem
caminhos para novas formas de se expressar nos ambientes que atravessa, é um
convite para o estabelecimento de outros afetos com os ambientes que o sujeito
circunda. Nesse aspecto, a expansão de territórios, fronteiras e espaços vai no
sentido de que “quanto mais se conhece lugares, mais aumenta a capacidade de
circulação do sujeito, criando condições para a ampliação de seu mapeamento da
cidade, sem que para estar com os outros, o sujeito tenha que alterar sua estrutura
psíquica” (PORTO; SERENO, 1991, p. 27).

A via da rua, do fora, com os recortes e os respeitos necessários a cada


situação, conversa com a possibilidade de uma organização psíquica que consiga
conviver e interagir com os outros, a seu modo. Isto implica na descoberta e
inclusão de acontecimentos, potencialidades de como ser e estar no fora, na rua,
seja este “fora” e esta “rua” aplicáveis a cada realidade, sem que seja reduzida
em si, mas sempre localizada, de forma nômade, a cada necessidade apresentada.

As atividades que conectam o sujeito ao circuito social vão sendo


feitas em saídas, em passeios, pela cidade, preferencialmente fora dos
lugares conhecidos e petrificados do paciente, onde são pequenas suas
chances em concretizar articulações como sujeito atuante. Uma saída
ao bar, ao museu, ao parque tem a importância de ser um momento
em que o sujeito, com a facilitação do estar acompanhado, e exerça
alguma coisa de sua potencialidade vital o que, muitas vezes, tira-o
do mergulho que pode estar fazendo em direção à morte psíquica
(PORTO; SERENO, 1991, p. 28).

Neste sentido, o Acompanhamento Terapêutico é uma clínica de ação.


Onde tanto acompanhante como o acompanhado são ativos no processo
terapêutico, ambos são reconhecidos como atores sociais. Ao sair pela cidade,
o fazer parte da realidade urbana pode contribuir para ligar o sujeito ao mundo
concreto e material que o circunda, além de o sujeito se perceber como atuante
ao perguntar ou ajudar a decidir sobre uma saída, a escolha de um local, o
conhecimento de um novo espaço. Assim, o AT contribui para a dramaturgia da
vida real e desempenha alguns papéis na sua função laboral de forma criativa e
sendo também um motor para a expressão da criatividade do acompanhado.

São vários os momentos em que acompanhante se encontra em meio a


uma gama de manobras, malabarismos ou histerias para simplesmente
tirar o paciente da cama, e o simples fato de ir à padaria tomar café
toma a dimensão de um grande acontecimento. Outras vezes, o
desejo de realizar uma viagem à Bolívia pode servir como ponto de
partida e, nesse caso, a saída começa na arrumação de sua mala, a
colocação dessa no porta-malas do carro e uma ida ao aeroporto, onde
se procurará um carrinho para levar sua bagagem e uma companhia
aérea que aceite trocar sua máquina fotográfica por uma passagem
de avião ao destino almejado. Em todas essas ações, o que importa
é a concretização, até onde seja possível, daquilo que foi imaginado
(PORTO; SERENO, 1991, p. 28).

53
UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A ideia de autonomia, no campo do Acompanhamento Terapêutico, refere-


se à ampliação da compreensão do sujeito sobre si e sobre suas necessidades.
Está relacionada com a constituição de si e de suas capacidades calcadas nas
possibilidades de ação dentro de contextos específicos (BRANDALISE; ROSA,
2011). Assim, não se trata de reger-se a si mesmo sem relação com os outros,
nem mesmo de um individualismo, onde se coloca o sujeito no centro per si. Ao
contrário, pensamos num sujeito que está sempre em relação com seu tempo
histórico, com seu contexto imediato, com sua classe, raça, com sua origem, sua
língua, a situação política, entre outro. A autonomia, não oferece uma liberdade ou
autorregulação plena, mas oferece um campo de visão e ação que são estendidos
em termos de cidadania e subjetividade, um sujeito que participa e tem voz, no
lugar do sujeito apenas passivo na construção da sua própria história.

Assim, o conceito de autonomia se revela importante por deslocar o olhar,


o cuidado, a escuta e a travessia na clínica do AT, de forma que é um elemento
imprescindível, independente da abordagem teórica adotada pelo terapeuta.
Esta autonomia, portanto, busca o estabelecimento de laços com a comunidade,
sociais e/ou afetivos, o que permite ao sujeito caminhar e se reconhecer na cidade
e em diferentes espaços para além dos consultórios clínicos tradicionais.

Vale ressaltar, de todo modo, que estes movimentos e estas travessias


não são fáceis, tranquilos ou “já dados”. Pelo contrário, é um caminho que pode
se expressar de maneira tortuosa e difícil para o sujeito o que, não obstante
“estar junto às vezes pode significar estar ao lado, com uma intervenção não
localizada num assunto específico, mas que se mostre afetivamente disponível
a ouvi-lo” (PACHECO; MENEZES, 2014, p. 10). Em outras palavras, o AT se
coloca presente em corpo, olhos e escuta, o que, em muitos sentidos pode se
configurar como uma prática verdadeiramente revolucionária em termos de
produção de subjetividade do paciente.

Por esses motivos, convém pensarmos no Acompanhamento Terapêutico


como uma prática nômade, porque a ideia é exatamente sobre a mobilidade das
possibilidades, das ações, das formas de subjetividade e de expressão. O “fora”
também atua de maneira dissidente à forma como se pensa e se relaciona com
os sujeitos em sofrimento psíquico, por isto a atuação do AT não se fecha em
si e sabe do risco que é cristalizar qualquer destas práticas. O nomadismo está
no sentido de que o fundamento e a essência do AT estão deslocados da lógica
tradicional do âmbito da saúde mental. Não obstante, pauta-se a partir de uma
ética relacional estabelecida que caminha entre espaços e fronteiras e que nada
contra a interrupção dos processos criativos.

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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

4 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NOS MOVIMENTOS


DO COTIDIANO
O Acompanhante Terapêutico pode ser considerado como uma das
ferramentas de manejo clínico para casos de saúde mental num sentido de
contribuir para a melhoria de qualidade de vida e promoção de saúde. Neste
sentido, o AT, em grande medida, tanto no contexto de surgimento como suas
reverberações atuam num sentido dissidente do que é considerado saúde e
doença no âmbito da saúde mental.

Um dos desafios do AT e que, não obstante, também configuram parte


da essência de suas atividades consiste em utilizar elementos do cotidiano para
alcançar objetivos terapêuticos. Neste sentido, trata-se de uma prática heterogênea
pois cada caso apresenta uma dinâmica de cotidiano diversa e singular. Deste
modo, o cotidiano é um dos elementos básicos para este campo profissional.

O cotidiano aparece apenas como lugar onde acontece o atendimento.


Para nós, o cotidiano é o grande diferencial da clínica do AT. É um
cotidiano ativo, mesmo quando inerte, mesmo quando sem vida. Sem
o cotidiano do paciente não poderia existir o trabalho. Cada um dos
elementos da vida do paciente exerce influência em suas articulações
subjetivas. O espaço tem a sua função, os animais de estimação têm
a sua função, aviões, shopping centers, pessoas, calçadas, ônibus,
baratas, novelas. Tudo isto é parte de um quadro que se movimenta
constantemente. Acontece que o movimento assimilado não é o
mesmo para duas pessoas diferentes. Acompanhante e acompanhado
experimentam, muitas vezes os mesmos objetos, mas frequentemente,
sensações diferentes (WERNECK, 2010, p. 4).

Assim, quando pensamos em cotidiano, não se trata de uma simples


retórica, mas de uma percepção e sensibilidade – ancorada em técnicas – que
contribuem para a experimentação e ampliação das possibilidades do sujeito.
Não obstante, esta clínica do cotidiano está também ancorada em uma equipe
ou uma instituição que solidifica e sustenta a base e os horizontes das atuações
do AT. Isto é importante de ser considerado pois uma prática de AT sem um
alicerce pode desembocar numa prática vazia, uma vez que se trata de uma área
essencialmente multidisciplinar.

Neste cenário, o movimento é uma característica chave da prática do AT.


Este movimento dá-se em sentidos múltiplos, abrangendo tanto aspectos de uma
atuação fora dos muros clássicos da clínica, como o espaço da rua e do urbano.
Ao fim e ao cabo este movimento concreto delineia-se como algo terapêutico
também pela imprevisibilidade que o cotidiano oferece e, com isto, depende-se
da habilidade do acompanhante terapêutico em fazer mediações.

A perspectiva do movimento e da imprevisibilidade, portanto, é o que


oferece novas possibilidades de ação e reação. Considerando um ambiente
extremamente controlado, onde se realiza as mesmas atividades, com as mesmas
pessoas, nos mesmos horários, isto representa uma previsibilidade que está aquém

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UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

do que vivenciamos cotidianamente. Assim, o movimento do cotidiano é o que se


considera como um propulsor no acompanhamento terapêutico. Isto representa
o movimento concreto na clínica do AT uma vez que integra mente, corpo e
ambiente, no sentido de que cada paciente pode sentir e demonstrar diferentes
maneiras a partir dos caminhos e encontros propostos no acompanhamento.

O movimento subjetivo diz respeito à forma como o paciente se relaciona


com sua situação, podendo estabelecer conexões e elementos a partir de uma
ótica não doente ou não reducionista à esfera psicopatológica. Neste sentido, o
AT pode apresentar ao paciente formas de viver e de estar no mundo sem que seja
necessário se privar de elementos prazerosos.

O movimento subjetivo atinge os familiares quando começam a


aparecer as primeiras produções diferentes do familiar adoecido. Não
raro, podemos observar na clínica, situações em que as famílias passam
a compreender melhor o quadro clínico do doente e, a partir de então,
podem lidar com muito mais segurança e eficácia com os problemas
decorrentes da doença mental. Vale ressaltar que não é uma questão
de falta de orientação ou informação. Observamos, em determinados
momentos, que os familiares precisam de uma segurança que só o
profissional pode dar; por exemplo, para uma mãe sair com um filho
autista, adulto, com estereotipias bizarras para um supermercado.
Quando o familiar presencia e vivência, não apenas observando, a
resolução de algum problema causado pela eventual inadequação
do paciente, pode passar a se perceber de outra maneira em relação
ao quadro clínico daquele doente. Em momentos futuros, poderá a
própria mãe sair com seu filho, sem a necessidade da presença de um
profissional (WERNECK, 2010 p. 5).

Para Werneck (2010), este movimento subjetivo é o que caracteriza


a esfera emocional das travessias em AT e se revela como verdadeiramente
apaixonante no sentido de mobilizar, efetivamente, os sentidos do sujeito. Esta
paixão mobilizadora se manifesta pois é a partir de diferentes terrenos que o AT
consegue fertilizar sentidos no sujeito, seja a partir do lazer e do ócio, ou a partir
de atividades que são propostas nos acompanhamentos. Com isto, é possível
deslocar os sentidos e contribuir para uma vida mais autônoma do sujeito. Esta
paixão não é banal, mas refere-se, sobretudo, por uma paixão pela clínica e uma
crença nas possibilidades de movimento que esta clínica oferece.

Assim, ao acompanhar o sujeito, o terapeuta também descobre a si


mesmo como fonte de motivações e invenções possíveis a partir das relações,
o que caracteriza um movimento potente para ambos os envolvidos na relação.
Por estas vias, o movimento subjetivo apresenta uma paixão que pode partir
tanto do paciente quanto do acompanhante terapêutico, mobilizando ambos a
novas formas de estar no mundo (WERNECK, 2010). Isso abre espaço para à
imprevisibilidade que também é própria dos momentos de travessia e que se
caracteriza, em grande medida, a partir de aspectos subjetivos que, obviamente,
está imbricado aos movimentos concretos e objetivos desta clínica.

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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Estes movimentos também se relacionam com a convicção de que as


experiências e vivências obtidas a partir de uma relação terapêutica podem levar
a transmutações da vida e contribuir para a produção de outras subjetividades.
Não obstante, muitas vezes se dão através de crises experimentadas como
afirmação trágica da vida, sendo necessário o cuidado e o respeito a este que se
afirmar e se mostra destes modos.

Neste sentido, a partir dos encontros no AT, diferentes preconceitos,


estigmas e realidades das mais diversas são vivenciadas pelo terapeuta, o que
revela também as formas de perceber a loucura. Isto dá-se pois o AT tem uma
atuação que se apresenta para o fora, para o público, para a rua, portanto, a
relação com a loucura também é experenciada a partir do olhar e da relação com
o outro, com a cidade, com a sociedade civil, entre outros.

O Acompanhamento Terapêutico foi ganhando delineamentos específicos


e se diferenciando das suas referências de origem, ganhando mais amplitude e
autonomia em sua prática. Deste modo, o acompanhante terapêutico, de uma
maneira geral, é indicado para pacientes cujos quadros apresentem uma grave
desorganização psíquica, tendo como consequência dificuldades de integração
social. Para Santos, Motta e Bechelany (2005, p. 503), “o trabalho do AT seria
indicado para pacientes psicóticos, neuróticos graves, drogaditos, alcoólatras e
portadores de síndrome de Down”, entre outros. Assim, pensamos na prática do
AT a partir de um mecanismo que facilita a inserção social destes sujeitos.

Assim, a prática do AT é essencialmente múltipla, por se inserir nos


cotidianos, nas rotinas e nas casas do sujeito de um modo a oferecer, além destes,
também outros espaços como a rua, a praça, o mercado, entre outros. Não
obstante, embora haja esse caráter múltiplo e diversos com relação à substância
e às estratégias do caso, um fator em comum diz respeito à diferença de método
em relação às psicoterapias tradicionais, sobretudo no que concerne ao setting
terapêutico (SANTOS; MOTTA; BECHELANY, 2005).

O setting no Acompanhamento Terapêutico nunca está definido a priori,


como é nos consultórios tradicionais de psiquiatras ou psicólogos, pelo contrário,
falamos sobre um setting ambulante, um setting nômade. Deste modo, se o AT
circular pelo hospital, pela casa ou pela rua, esses serão os locais férteis para sua
prática. O setting no AT, portanto, é onde terapeuta e paciente estiverem. Neste
sentido, dentre as práticas do AT, podemos pensar a partir dos seguintes aspectos
(SANTOS; MOTTA; BECHELANY, 2005, p. 504):

1. Conter o paciente. No sentido de ser continente, oferecer-se como


suporte
tal qual um “agasalho humano”.
2. Oferecer-se como modelo de identificação.
3. Emprestar o ego.
4. Perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente.

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UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

5. Informar sobre o mundo objetivo do paciente.


6. Representar o terapeuta.
7. Atuar como agente ressocializador.
8. Servir como catalisador das relações familiares.

Neste sentido, o AT apresenta uma visão privilegiada do paciente,


podendo ser um heterossuporte para o paciente quando ele precisa desta forma
de acolhimento. Além disso, o acompanhante pode servir como uma referência
ao sujeito, àquele que apresenta e acompanha os diferentes movimentos,
concretos e/ou subjetivos do sujeito e, com esta troca, há possibilidades muito
palpáveis de transformações, emprestando a si mesmo para a travessia e
estimulando a criatividade de existir no mundo. Estes aspectos funcionam
também para integrar o paciente na realidade urbana e social, apresentando
caminhos, esquinas e bifurcações que podem produzir uma relação mais
saudável e ajustada entre sujeito e mundo.

A ideia de clínica ampliada está intrinsecamente relacionada com a ideia


de reabilitação psicossocial. Aqui as dimensões do sujeito são ampliadas para que
se pense também em termos de cidadania, subjetividade e biologia. O conceito
de reabilitação psicossocial é fulcral para a compreensão do Acompanhamento
Terapêutico. Isto porque as estratégias desenvolvidas diferem quanto ao seu
objetivo e quanto a sua forma. No Campo da Atenção Psicossocial é necessário
que outros cenários sejam desenvolvidos na vida do sujeito, a saber: moradia,
mercado e trabalho (BRANDALISE; ROSA, 2011). Em outros termos, há
preocupação evidente sobre a socialização do sujeito e sua possibilidade real de
estar em sociedade, precisando que haja, também, políticas públicas voltadas
para a efetivação exitosa destes cenários. Neste sentido, diferente do modelo
hospitalocêntrico, não há um ponto de “normalidade” para o qual o sujeito deve
voltar, não há um ponto de retorno, mas há ampliação das possibilidades de
existência, preocupando não apenas com o estado “biológico”, mas também com
seu contexto imediato com a dignidade do sujeito.

Por estas vias aqui apresentadas, consideramos como fundamentação do


AT a postura ética e política que estão presentes desde o seu estágio embrionário.
A psicanálise serviu de base primeira, mas contamos hoje com a ampliação de
abordagens teóricas para esta modalidade de atendimento em saúde mental. A
amizade como um dispositivo que questiona as lógicas hierárquicas nas relações
de poder-saber e o nomadismo como um aspecto que envolve o AT essencialmente,
são levados também para outras abordagens teóricas possíveis. Portanto, o AT
não está mais vinculado apenas à psicanálise, mas expandiu-se, como tem sido
feito em seus inúmeros movimentos.

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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

LEITURA COMPLEMENTAR

HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA
O Acompanhante Terapêutico
Walmor J. Piccinini

O surgimento da atividade de acompanhamento terapêutico no Brasil


ocorreu a partir dos anos 60 com a introdução do conceito de psiquiatria dinâmica.
Coincide com o surgimento dos antipsicóticos, com a influência da psicanálise
na atividade psiquiátrica e com a expansão da prática ambulatorial. Da ideia
de comunidade terapêutica e do tratamento intensivo dos pacientes surgiu
a figura do atendente psiquiátrico, do emprego de estudantes universitários
na atenção e no acompanhamento dos pacientes. Os primeiros estudantes
utilizados foram os de medicina e enfermagem. Até meados dos anos sessenta,
o Curso de Psicologia era complementar a outros cursos de nível superior como
o de História Natural por exemplo. Com a lei que regulamentou a profissão de
psicólogo surgiram as Faculdades de Psicologia com currículos próprios e muitos
estudantes de psicologia e mesmo psicólogos formados passaram a atuar na área
de acompanhamento terapêutico.

A história pode ser apresentada de muitas formas, a que vou utilizar


nesse trabalho é a de depoimento pessoal. Enquanto estudante de medicina,
fui atendente psiquiátrico, acompanhante terapêutico, instrutor de atendentes.
Depois de formado e especialista em psiquiatria, fui titular da cadeira de
Psicopatologia no Instituto de Psicologia da PUC/RS e ainda dei aulas de Técnica
de Entrevista e de Psicologia Clínica. Essas vivências todas me permitem afirmar
que o surgimento do acompanhamento terapêutico não tem nenhuma relação
com o movimento da antipsiquiatria e muito menos com o movimento de reforma
psiquiátrica como tenho lido em vários "sites" dedicados ao assunto de AT.

Sem querer ser repetitivo, para simples lembrança, registro que a Clínica
Pinel de Porto Alegre, fundada por Marcelo Blaya em 28 de março de 1960 introduziu,
no Brasil, uma nova maneira de encarar o tratamento dos doentes mentais. Equipe
multiprofissional focada nas necessidades reais ou imaginárias dos pacientes,
mantinha-se em atividade permanente nas 24 horas do dia. Isso só era possível
devido à presença da figura do atendente psiquiátrico. O nome pode variar, auxiliar
psiquiátrico, acompanhante terapêutico, enfermeiro psiquiátrico, mesmo que não
seja um profissional de enfermagem dentro dos conceitos tradicionais.

Os atendentes psiquiátricos trabalham sob orientação de uma equipe que


pode incluir psiquiatras, psicólogos, enfermeiras psiquiátricas, assistentes sociais
e terapeutas em geral. Além de auxiliar nos cuidados básicos do enfermo, tais,
como, vestir-se, tomar banho, pentear-se, e alimentar-se, o atendente psiquiátrico
com ele socializa e o encaminha para atividades educacionais e recreativas. O
atendente psiquiátrico participa de atividades esportivas com o paciente, joga

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UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

cartas, dança, vê televisão e participa em atividades em grupo como nos esportes


ou em excursões. Eles observam o dia a dia do enfermo e relatam qualquer sinal
físico ou na conduta que pode ser importante para a equipe de atendimento. Eles
acompanham os pacientes nas consultas externas, exames e tratamento. Essa
atividade conjunta, do atendente com seu paciente, reflete-se na maneira como o
paciente se comunica e no desenrolar do seu tratamento.

Na Clínica Pinel, os primeiros atendentes eram jovens sem uma formação


especializada. Já no terceiro mês de funcionamento, foram admitidos estudantes
de medicina. Posteriormente foram admitidos estudantes de enfermagem, de
psicologia e outros jovens com nível universitário. Do grupo inicial da Clínica
Pinel, além de mim, poderia lembrar a Dra. Carmen Dametto, a enfermeira Ruth
Myllius Rocha, o Psicólogo e enfermeiro Jorge Rodrigues, o enfermeiro Baltazar
Lápis. A rigor foram centenas de jovens que hoje são psiquiatras, psicanalistas,
enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Alguns seguiram outros rumos
da medicina e todos reconhecem o benefício para suas atividades profissionais
advindos do trabalho com os doentes mentais.

Lembro com carinho a intensa dedicação desses jovens idealistas que


não tinham nenhuma dúvida na possibilidade de recuperação dos pacientes que
estavam aos seus cuidados. Fora do horário de trabalho era comum levar pacientes
a passeio, ao cinema e a prática de esportes. Minha primeira experiência como AT
propriamente dito, ocorreu no verão de 1961 quando acompanhei um paciente,
dos mais difíceis, para uma temporada na praia de Tôrres. Na época eu não me
dava conta de a intensa emoção dos seus familiares em poder tê-lo no seu convívio,
fazia anos que perambulava por diferentes hospitais devido a sua conduta
violenta e delirante. Outras experiências se sucederam e assim fui fortalecendo
a convicção da importância do AT como agente de melhora da qualidade de
vida do doente e da sua família. Passados os anos, agora como psiquiatra e
psicoterapeuta, jamais prescindi da utilização de ATs. Os anos passam, muitos
dos meus Ats cresceram nas suas profissões e hoje são professores no Curso de
Psicologia, são psicanalistas e psiquiatras e, tenho certeza, nunca esqueceram do
seu trabalho enriquecedor. Tenho ainda uma paciente muito especial que trato
junto com meu AT. Digo que trato junto pois ele acompanha a paciente há 15
anos, já está formado em psicologia e ocupa importante função na Clínica Pinel
de Porto Alegre. Trata-se do psicólogo Edílson Pastore que consegue conciliar
as funções de AT, chefe de equipe de AT e seu trabalho como psicoterapeuta e
responsável pela internação.

Em 1962 participei do II Congresso de Psicologia Médica em Ribeirão


Preto, era aluno de medicina e apresentei minhas experiências com atendente
psiquiátrico. Essa apresentação foi depois publicada nos Arquivos da Clínica Pinel
(Piccinini, Walmor J. Experiência de um estudante de medicina como atendente
psiquiátrico. Arq. Clin. Pinel, 1962).

Do Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria pode ser encontrado


na Internet (www.biblioserver.com/walpicci). Sobre os trabalhos acerca do
atendimento psiquiátrico, foram extraídos:

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TÓPICO 3 — FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1. ALENCASTRE, M. B. As condições socioeconômicas sanitárias do Atendente


Psiquiátrico e sua relação com o trabalho que executa. Rev. Brasileira De
Saúde Ocupacional. 1983; v. 11, n. 42, p. 27-29.
2. BLAYA PEREZ NETO, F. O paciente-atendente. VII Jornada De Psiquiat.
Dinâmica-Pelotas-RS. 1972.
3. MYLIUS, R. O Atendente Psiquiátrico: Seleção Treinamento e Problemas.
Rev. Arq. Clin. Pinel.; v. 3, n. 4, p. 125-128, 1963.
4. ZIMERMAN, D. E. Atendente Psiquiátrico: Elemento Básico no Tratamento
Hospitalar. Rev. De Psiquiat.Do CELG. v. 1, n. (1,2,3), p. 39-40, 1961.
5. ZIMERMAN, D. E. O Atendente Psiquiátrico como fator Terapêutico
Hospitalar. Rev.Arq. Clin. Pinel. v.1, n. 3, p. 123-126, 1961.

A figura do atendente psiquiátrico, na medida que foi saindo de dentro


da instituição, adquiriu as características do Acompanhante Terapêutico.
Tive oportunidade de ser atendente psiquiátrico, acompanhante terapêutico,
psiquiatra trabalhando com acompanhante terapêutico e passados 45 anos, ainda
utilizo esse coparticipante no tratamento psiquiátrico.

A figura do Acompanhante terapêutico cresceu em complexidade de


atuação e hoje é uma profissão estabelecida. Na internet encontramos várias
entidades ligadas ao trabalho de AT:

1. Anankê – Tratamento de neurose e psicose. Centro de convivência, saúde,


doença mental e acompanhamento terapêutico. Brasília, DF.
2. ATO – Acompanhamento Terapêutico – Organização de psicólogos com
experiência na área de saúde mental. Oferece um trabalho de acompanhamento
terapêutico partindo de um referencial psicanalítico. Rio de Janeiro, RJ.
3. Companhia Terapêutica – Equipe de profissionais de acompanhamento
terapêutico.
4. Conexão – Acompanhamento Terapêutico, Psicologia, Psiquiatria e Assessoria
Organizacional. Porto Alegre, RS.
5. Grupo Circulação de Acompanhamento Terapêutico – Informações deste
acompanhamento, que pode ser pensado tanto como um complemento a um
tratamento já iniciado (psicologia, fonoaudiologia e psiquiatria), quanto a única
modalidade de intervenção possível em um caso clínico. Porto Alegre, RS.
6. Instituto A Casa – Acompanhamento terapêutico, atendimento ambulatorial,
hospital dia, conjuntura contemporânea, oficinas, República, companhia de
teatro Ueinzz etc.

Para acessar estes "sites" basta colocar o ponteiro do mouse no nome em


azul e pressionar a tecla CTRL. Esses locais ofertam serviços e apresentam suas
ideias sobre o trabalho do AT.

Mais recentemente tem surgido novos trabalhos sobre a função de AT.,


um deles é o de Leonardo SegalIn: Acompanhante Terapêutico na Comunidade.

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UNIDADE 1 — NASCIMENTO DA CLÍNICA DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

"O papel do Acompanhante Terapêutico (A.T.) dentro de uma Comunidade


Terapêutica viabiliza-se através da existência de uma proposta multidisciplinar.
Aliado à equipe ele proporciona ao desenvolvimento de uma prática clínica
extraterapêutica junto ao paciente, em seu cotidiano. Um dos princípios deste
serviço é o do não confinamento, buscando-se alternativas para sujeitos cuja
existência foi ou não de alguma maneira marcada por alguma forma de clausura.
A partir desse princípio o A.T. promove encontros com o objetivo de produzir
uma ação, um movimento, uma abertura, uma entrada, um contato. Entendendo
o sujeito como singular tanto naquilo que faz como naquilo que poderá advir
dele, o A.T. leva em conta que só será possível conhecê-lo num contato direto e
através das possíveis construções que sejam estabelecidas a partir disso".

O autor apresenta uma pequena bibliografia que vou registrar aqui:

1. Equipe de Acompanhantes Terapêuticos do Hospital – Dia a Casa (org.) (1991)


A Rua Como Espaço Clínico. São Paulo: Escuta.
2. Grupo de Acompanhamento Terapêutico Circulação (org.) (1998). Cadernos
de A.T.: Uma Clínica Itinerante. Porto Alegre: Feplam.
3. Kalina, Eduardo (1998) Tratamento de Adolescentes Psicóticos. Rio de janeiro:
Francisco Alves.
4. Mauer, Susana K.; Resnizky, Silvia (1987). Acompanhantes Terapêuticos e
Pacientes Psicóticos: Manual Introdutório a uma Clínica. Campinas: Papirus.

Nessa bibliografia estão citados nomes que, importantes no estabeleci-


mento da função de AT na Argentina, o fizeram bem depois da sua instituição no
Brasil. Eduardo Kalina, até porque é mais jovem que Marcelo Blaya, e com quem
tive vários pacientes em comum, começou seu trabalho com ATs nos anos 1970.
As estudantes e agora psicólogas, Suzana Mauer e Silvia Resnitzky nos brinda-
ram com excelente livro sobre AT em 1985, traduzido para o português em 1987.
Elas trabalharam com Kalina e colocaram de maneira consistente e interessante a
função do AT e uma visão psicodinâmica da sua atuação.

O trabalho de AT expandiu sua área de atuação, já não se limita ao paciente


individual, começa a ser utilizado em populações de risco, em menores de rua, em
grupos de idosos e outros segmentos marginais, como as profissionais do sexo.
Para um modelo desse trabalho sugiro a leitura do artigo de Analice Palombini: O
Louco e a Rua; A Clínica em Movimento Mais Além das Fronteiras Institucionais.

O grande desafio que esses profissionais têm que enfrentar é o mesmo que
os demais terapeutas, sejam psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais tem que
enfrentar que é a falta de reconhecimento do seu valor, traduzido em pagamentos
crescentemente diminuídos.

FONTE: Adaptado de PICCININI, W. J. História da psiquiatria: o acompanhante terapêutico.


Psychiatry on line Brasil, v. 11, n. 1, jan. 2006. Disponível em: http://www.polbr.med.br/ano06/
wal0106.php. Acesso em: 1º ago. 2021.

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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A fundamentação teórica da AT apresenta diferentes frentes.

• A literatura antipsiquiátrica ainda é significativa e marcante para pensar o AT


no processo contínuo de constituição desta prática.

• A referência básica e inicial do AT encontra-se, predominantemente, nas


abordagens psicanalíticas, quais sejam: Freud, Lacan e Winicott.

• Encontramos base para o pensamento do AT em Foucault, Deleuze e Guattari.

• O Acompanhamento Terapêutico deve ser visto como fundamentalmente


interdisciplinar.

• Num primeiro momento, adotou-se o termo “amigo qualificado” apontando,


assim, uma relação horizontalizada e mais amistosa. O termo acompanhante
terapêutico também carrega esta premissa, mas enfatiza a função e o caráter
terapêutico, para além de uma relação “amigável”.

• A afirmação de uma amizade no ambiente clínico atinge a dimensão política da


clínica.

• O Acompanhamento Terapêutico é uma estratégia que se aproxima da lógica


de um “agir político” na clínica pois há sempre o convite para o inusitado.

• Tanto acompanhante como acompanhado são ativos no processo terapêutico,


ambos são reconhecidos como atores sociais.

• O conceito de autonomia se revela importante por deslocar o olhar, o cuidado,


a escuta e a travessia na clínica do AT.

• O movimento é uma característica chave da prática do AT que se dá em sentidos


múltiplos, abrangendo tanto aspectos de uma atuação fora dos muros clássicos
da clínica, como o espaço da rua e do urbano.

• O movimento subjetivo diz respeito à forma como o paciente se relaciona com


sua situação, podendo estabelecer conexões e elementos a partir de uma ótica
não doente ou não reducionista à esfera psicopatológica.

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CHAMADA

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AUTOATIVIDADE

1 O acompanhamento terapêutico surge a partir de um contexto de


efervescência social, política e teórica. Neste sentido, sobre o que as críticas
que sustentam esta modalidade em seu estágio embrionário dizem respeito?

a) ( ) Modelo hospitalocêntrico e autoritário.


b) ( ) Modelo hospitalocêntrico e horizontalizado.
c) ( ) Hierarquias e teoria decolonial.
d) ( ) Reforma psiquiátrica.

2 O setting do acompanhante terapêutico rompe as fronteiras, as barreiras e os


espaços tradicionais da clínica. Sobre a rua como espaço clínico, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A partir da atuação do lado de fora, outras subjetividades podem ser


construídas.
( ) Trabalhar na rua, em si, garante a sensibilidade necessária ao acompanhante.
( ) A ideia da rua também deve ser localizada a partir de recortes de classe,
raça e gênero.
( ) Transitar por novos territórios oferece a oportunidade de descobrir
novos afetos.
( ) Por estar fora dos muros do consultório, o acompanhamento terapêutico
é uma clínica da passividade.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V – V – F.
b) ( ) V – V – F – F – V.
c) ( ) F – F – V – V – F.
d) ( ) V – V – F – V – F.

3 O acompanhamento terapêutico é um tipo de prática no âmbito da saúde


mental e foge dos moldes tradicionais de atendimento. Descreva por que
esta modalidade é considerada uma “clínica nômade”.

4 A amizade é um aspecto do Acompanhamento Terapêutico desde o seu


estágio embrionário. Inicialmente, este profissional era conhecimento como
“o amigo qualificado”, sendo abandonado este termo para conceituar a
profissão. Sobre a amizade no âmbito do acompanhamento terapêutico,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A amizade pode funcionar como um potencial destruidor na relação entre


acompanhante e acompanhado.
( ) Por uma ética da profissão, o mais adequado é não se envolver em termos
de amizade com os pacientes.
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( ) O dispositivo amizade-clínica funciona como uma forma de agir político.
( ) A partir da concepção da amizade em clínica é possível deslocar
hierarquias da área clínica.
( ) A amizade pode ser uma maneira de afastar a autonomia do sujeito.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – F – V – V – F.
b) ( ) F – V – F – V – F.
c) ( ) F – F – F – V – V.
d) ( ) V – F – V – F – V.

5 O acompanhamento terapêutico oferece diferentes formas de mobilizar


e movimentar o cotidiano e a subjetividade do paciente. Disserte sobre o
movimento concreto e o movimento subjetivo nesta modalidade.'

66
REFERÊNCIAS
ALVARENGA, C. Trânsitos da Clínica do Acompanhamento Terapêutico (At):
da via histórica à cotidiana. 2006. Dissertação (Mestrado em Psicologia Aplicada)
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Janeiro: Fiotec/Fiocruz, 2003.

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2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1998.

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terapêutico. Fortaleza: Centro de Estudos em Psicologia, 1998.

BARRETTO, K. D. Uma proposta de uma visão ética no acompanhamento


terapêutico. In: EQUIPE DE ACOMPANHANTES TERAPÊUTICOS DO
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BOING, E.; CREPALDI, M. A. O Psicólogo na Atenção Básica: uma incursão pelas


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BRANDALISE, F.; ROSA, G. L. Velhas estradas: caminho novo – acompanhamento


terapêutico no contexto da reforma psiquiátrica. Cadernos Brasileiros da Saúde
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BRANDALISE, F.; ROSA, G. L. Velhas estradas: caminho novo – acompanhamento


terapêutico no contexto da reforma psiquiátrica. Cadernos Brasileiros da Saúde
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Cadernos de Atenção Básica, nº 34. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

BRASIL. Conselho Federal de Nutricionistas. Resolução/CFN nº 380 de 28 de


fevereiro de 2005. Dispõe sobre a definição das áreas de atuação do nutricionista
e suas atribuições, estabelece parâmetros numéricos de referência, por área de
atuação, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 2005.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. As Cartas da


Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2002.

67
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para
a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da
União, 20 set. 1990.

BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do


Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

BUENO, R. C.; PASSOS, I. C. F. O acompanhamento terapêutico, o território


e a amizade: caminhos entre as clínicas da desisntitucionalização. Cadernos
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BURKLE, T. S. Uma reflexão crítica sobre as edições do Manual de Diagnóstico


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CESARINO, A. C. A Rua e o Social de Cada Um. In: Equipe de Acompanhantes


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71
72
UNIDADE 2 —

A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE
TERAPÊUTICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:


compreender os requisitos básicos para a formação do
acompanhante terapêutico;

• analisar as considerações fundamentais para a atuação do


acompanhante terapêutico;

• entender as características e modos de realizar a clínica no


acompanhamento terapêutico;

• identificar os objetivos e funções do acompanhamento terapêutico.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da
unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o
conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A


SAÚDE HUMANIZADA

TÓPICO 2 – CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO


DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA


NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

TÓPICO 4 – OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO

73
CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

74
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE
TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, conforme vimos o histórico e o contexto de surgimento do


Acompanhamento Terapêutico (AT) na Unidade 1, seguiremos nossos estudos
pensando nos elementos constituintes da formação do acompanhante terapêutico.
Para tal, consideraremos o campo no qual esta área foi sendo formada, a partir
do contexto da Reforma Psiquiátrica que permite pensamentos, ações, posturas e
éticas dissidentes às lógicas tradicionais do tratamento e da relação com a saúde
e a doença mental.

Assim, a formação do acompanhante terapêutico, para além dos termos


objetivos e burocráticos que envolvem formar profissionais com conhecimento
e técnicas, também devemos nos localizar a partir de uma política e uma ética
do cuidado e respeito com o outro. Isto é importante, pois o Acompanhamento
Terapêutico tem sua atuação voltada para a criação de narrativas e produção de
subjetividades a partir do cotidiano do acompanhado, de forma que a prática
deste profissional precisa, além de técnicas, contemplar aspectos que envolvem,
simultaneamente, a esfera do sensível e do social.

Para tal, no cerne das sustentações ideológicas do campo do AT, pensamos


a partir de direitos humanos e da alteridade, como chave imprescindível para
se relacionar com àquele em sofrimento psíquico. Imbricadas a estas esferas de
direito e respeito à dignidade dos sujeitos, pensamos também por vias de práticas
sustentadas a partir de políticas humanizadoras que buscam a integração, não a
segregação social. Por isto, neste tópico abordaremos estas temáticas que devem
servir como um fundo de sustentação das práticas e das posturas do profissional
acompanhante terapêutico.

2 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO EM FORMAÇÃO-


PENSAMENTO
A formação do acompanhante terapêutico envolve, ainda, a esfera de saber-
poder dominante envolvendo uma “formação-conhecimento e uma formação-
verdade” (VINCENTI, 2006, p. 117) focada na universalidade, no julgamento e na
verdade. Isto, grosso modo, afasta as condições de imprevisibilidade, de descontrole
e da diferença, presentes nos cotidianos dos acompanhados, para pautar-se numa
educação-formação pautada em referências dominantes que falam a partir de um
conhecimento supostamente total e acabado em si mesmo.
75
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Não obstante, o que se defende é uma formação-pensamento que integre e


acolha os saberes locais e muitas vezes dissidentes à lógica tradicional e dominante.
Neste sentido, a formação do acompanhante terapêutico, nesta perspectiva, dialoga
com as substâncias do inefável como “aquele que aceita arriscar sua vida para
promover esta insurreição dos saberes” (VINCENTI, 2006, p. 118).

Jean Oury nos sugere, quando discute a formação no campo da saúde


mental e da relação com a psicose, que melhor seria falar em “itinerários
de formação”, para acentuar que a formação põe em jogo uma
modificação, uma transformação do sujeito que se engaja neste trabalho,
pois a loucura nos convoca a estabelecer uma relação não tradicional,
não formal e principalmente não hierarquizada com nossas potências
pessoais, sociais, cognitivas e operativas. Ela nos faz trabalhar nossas
competências como aquilo que marca nossas vidas, nossas trajetórias,
nossos gostos, nossas paixões... Enfim, como aquilo que nos faz estar
aí, que nos implica, que nos pede presença, que nos pede que sejamos
sensíveis àquilo que se passa no nível dos encontros. Encontros não são
fatos quaisquer, mas acontecimento singulares e inesperados no âmbito
da relação com o outro (VINCENTI, 2006, p. 119).

Neste sentido, além de uma formação que requer este olhar atento e sensí-
vel às demandas do outro, demandas estas que muitas vezes estarão longe do que
se considera como “ideal” por estar justamente na ordem da angústia, da criação,
do inesperado (VINCENTI, 2006). São estes os terrenos que o acompanhante tra-
balha e por onde ele é, inevitavelmente, também afetado, e o caminho pelo qual
ele está em formação constante, mesmo depois de ter concluído um curso. A for-
mação em saúde mental não cessa, está sempre em aberto pois nunca se alcança
uma totalidade perene de conhecimento.

São por estas questões que pensamos numa formação-pensamento para o


acompanhante terapêutico, pois há interesse nos dissensos, na descoberta de novas
fronteiras, em novos caminhos e andanças com e não apenas para o sujeito que é
acompanhado. Neste sentido, o profissional do AT aproxima-se de “violências de
um campo intensivo”, intempestivo e plural a partir do qual encontra e inventa
mundos, formas e estratégias de existências.

Neste sentido, para uma formação-pensamento, além de práticas e técnicas


de inclusão, devemos pensar também em caminhos éticos que potencializam e
respeitam as diferenças. Por isto no âmbito do acompanhamento terapêutico,
pensamos a partir da alteridade e dos direitos humanos, e de políticas que prezem
pela humanização do cuidado e uma inserção psicossocial do sujeito.

76
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

3 DIREITOS HUMANOS E ALTERIDADE


Em meio a essa discussão, a ideia de alteridade é importante para
a compreensão dos limites dos direitos humanos. A alteridade sugere um
deslocamento epistemológico útil para se entender a cultura do outro. Nesse
sentido, a possibilidade de diálogo entre culturas diferentes seria uma forma de
mediar as diversas compreensões de mundo e de realizar ações concretas que não
sejam impositivas. Para isso, também cabe analisar o que diferencia os grupos
sociais. Portanto, você, acadêmico, estudará a identidade e irá relacioná-la aos
demais conceitos vistos ao longo deste tópico no contexto da contemporaneidade.

Como se deu a construção do conceito de direitos humanos? E por que é


importante conhecê-lo no mundo contemporâneo? Essas são questões importantes
que você deve considerar ao longo deste tópico. Para respondê-las, você precisa
aprofundar o seu conhecimento sobre o conceito de direitos humanos. A ideia
é que você compreenda como esse conceito pode ser aplicado. Com a barbárie
e a destruição ocorridas no período entre a Primeira Guerra Mundial (1914-
1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os movimentos populacionais
demandaram garantias de direitos humanos a fim de reconstruir as sociedades
que foram abaladas. Nesse contexto, foi produzida a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em 1948, pela Organização das Nações Unidas (ONU), em São
Francisco, Califórnia, nos Estados Unidos (KATZ, 2008).

Essa declaração também consolidou ideias que reverberavam na sociedade


ocidental desde a Revolução Francesa (1789), por meio dos princípios de liberdade,
fraternidade e igualdade. Assim, a própria noção do que é o homem em sociedade
se modificou com essa declaração, conforme explicita Katz (2008, p. 15):

O Homem, esta figura em torno da qual se elaboraram os trinta itens da


Declaração de 1948, seria uma figura produzida pelos conhecimentos
sobre o que se entendia na época como seres humanos, e não estatuído
numa base moral universal que o antecedesse. O que denominamos
Homem emerge desde a convergência de discursividades; portanto,
inexistiria o que alguns filósofos denominam de “natureza humana”.
Eu acrescentaria, apenas, que tal figura se constrói também em torno
de interesses que lhe atribuem um conjunto de práticas morais, que se
manifestam como um ideário unitário e seu consequente devir.

Logo, você pode considerar que a Declaração também apresenta aspectos


essenciais para o convívio do homem comum em sociedade e sinaliza como ele
deve agir com o outro. Assim:

Os direitos humanos correspondem a certo estado da sociedade. Antes


de serem inscritos numa constituição ou num texto jurídico, anunciam-
se sob a forma de movimentos sociais, de tensões históricas, de
tendência insensível das mentalidades evoluindo para outra maneira
de sentir e pensar [...] (MBAYA, 1997, p. 20).

77
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Entretanto, você precisa ter em vista que, desde a adoção da Declaração


como orientação de conduta por diversos países até a sua implantação no cotidiano
da população, houve um longo processo. Tal processo envolveu a formação e
a educação da sociedade, a mudança de comportamento dos membros dessa
sociedade e a adequação das políticas públicas de modo geral. Assim, segundo
Asborne (1984), com o passar do tempo, a própria ONU reconheceu que precisaria
acompanhar mais de perto questões como:

• precisão e elaboração do teor real das normas;


• clareza das obrigações dos Estados vinculados a tais normas;
• mecanismos de controle da execução dos direitos humanos pelos Estados;
• procedimentos para reagir contra as violações;
• definição das ligações entre os direitos humanos e os outros problemas
fundamentais da comunidade mundial, tais como o desenvolvimento e a
busca da paz.

Até aqui, você viu que existem polêmicas relacionadas aos direitos
humanos. Que tal conhecer a definição desses direitos a fim de se familiarizar com
as suas ideias principais e com a sua implantação? Pode-se pensar numa definição
de direitos humanos que considere as perspectivas trazidas até o momento, como
apresenta Mbaya (1997, p. 20):

[...] os direitos humanos situam-se num combate de ideias, constituindo


o florão de uma vigilância do espírito face às pressões dos poderes
estabelecidos, dos hábitos mentais, dos modos de governo herdeiros de
ordens mais antigas. Como o espírito, a ideia é dinâmica; ela atravessa
o tecido da história para inventar algo novo; ela perturba. Não se
trata de um simples reflexo de certo estado de coisas. Igualmente,
a Declaração dos Direitos do Homem é esse movimento do espírito ao
mesmo tempo em que responde à necessidade elementar de proteção,
no plano físico e moral, contra os abusos de poder e as desigualdades
das relações de força.

A partir dessa conceituação mais abrangente, é possível ainda evidenciar


aspectos dos direitos humanos na vida social que garantem a atuação do cidadão
de forma ampla e efetiva. Veja a seguir.

• Direitos civis: dizem respeito à liberdade dos indivíduos e se baseiam na


existência da justiça e das leis. Referem-se à garantia de ir e vir, de escolher o
trabalho, de se manifestar, de se organizar, de ter respeitada a inviolabilidade
do lar e da correspondência, de não ser preso e de não sofrer punição a não ser
pela autoridade competente e de acordo com a legislação vigente.
• Direitos políticos: referem-se à participação do cidadão no governo da sociedade
e consistem no direito de fazer manifestações políticas, de se organizar em
partidos, sindicatos, movimentos sociais, associações, de votar e ser votado.
• Direitos sociais: dizem respeito ao atendimento das necessidades básicas do
ser humano, como alimentação, habitação, saúde, educação, trabalho, salário
justo, aposentadoria etc.

78
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

Conhecer e identificar os direitos garante certa segurança ao cidadão


no mundo social. Entretanto, entre possuir direitos e fazê-los valer existe uma
lacuna. Por isso, é preciso que os membros da sociedade continuem lutando. A
proposta dos direitos humanos é proporcionar relações sociais mais amistosas
entre as diferentes sociedades.

Entretanto, você deve lembrar-se de que nem todos os países estão de


acordo com as propostas da ONU. Pensar em universalidade dos direitos humanos
soa como a ilusão de uma proposta hegemônica. Portanto, é preciso levar em
consideração as particularidades de cada país, de cada cultura, de cada história.
Nesse sentido, cada sociedade deve ter o cuidado de não impor os seus valores.

Estêvão (2007, p. 56-57) afirma “[...] que a geografia das diferenças


culturais, que exige respeito igual pelas pessoas e pela sua capacidade de
autodeterminação, não é incompatível com o universalismo [...]”. Portanto,
propor como universais questões que são evidentes para alguns países, mas não
para todos, leva ao reconhecimento das limitações dessas propostas e até mesmo
das limitações da garantia de paz entre as nações.

3.1 A ALTERIDADE E A RELAÇÃO COM O OUTRO


Tendo em vista que os direitos humanos pressupõem o respeito ao
modo de vida do outro, é preciso tentar compreender outras realidades, ainda
que elas sejam completamente diferentes. Nesse sentido, não se trata de aceitar
simplesmente aspectos culturais sui generis de outras sociedades, mas de realizar
um deslocamento epistemológico a fim de perceber os princípios que regem
grupos sociais diferentes. Por mais distinto, e até mesmo bizarro, que possa
parecer um comportamento, não se pode somente impor a uma sociedade que
modifica que seus costumes (LARAIA, 2007).

Todavia, como garantir que todos participem do que propõem os direitos


humanos sem ofender as demais culturas? Essa questão não tem uma resposta
simples, mas é possível propor diálogos com as diferentes as culturas a fim de
que a violência física e simbólica, por exemplo, seja minimizada e um dia deixe
de acontecer. Desse modo, Birman (2000, p. 298-299) reconhece a violência como
uma questão atual a que se deve dedicar atenção:

A violência assumiu as mais grotescas formas na atualidade,


delineando-se com feições insólitas e inéditas. Pode-se evidenciar isso
não apenas no registro imediato das práticas políticas e de intercâmbio
social entre os sujeitos, mas também no universo ficcional da
literatura, cinema e música popular. Esta violência tem características
efetivamente nazistas, pois é sempre a pretensão de ser melhor que
o outro e de funcionar como um predador do corpo do outro para o
usufruto do seu gozo que delineia a cena imaginária do sujeito.

79
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Assim, até mesmo a violência pode ser percebida de diferentes formas. A


violência física pode passar de um empurra-empurra para a tortura e até mesmo
para a morte. Já a violência simbólica pode ser menos visível e até parecer não
existir. No entanto, ela está presente nos olhares de reprovação, na linguagem
brusca, nas representações sociais e em outras manifestações culturais que podem
assustar, amedrontar, inibir e ferir. Falar em direitos humanos também é prestar
atenção nesses diferentes aspectos e, de alguma forma, tentar minimizar essas
ocorrências.

Agora, é importante que você conheça a definição de alteridade.


Levinas (2005) evidencia a questão da alteridade a partir da dificuldade que
muitas pessoas têm de se relacionar com o outro, com o diferente. Nesses casos,
é impossível a intelecção e a compreensão. Isso ocorre porque, se as pessoas
ficam circunscritas a sua realidade, estranham tudo o que está fora dela. Assim,
você pode considerar que:

A Alteridade não é apenas uma qualidade do outro, é sua realidade,


sua instância, a verdade do seu ser e, por isso, para nós, torna-se muito
fácil uma permanência na coletividade e na camaradagem – difícil e
sublime é coabitar com a diferença, é viver o eu-tu profundamente
(HADDOCK-LOBO, 2006, p. 48).

Assim, o homem acaba tendo consciência dessa diferença e todo esforço


de compreensão faz parte do movimento epistemológico de reconhecimento do
outro como próximo a ele. Portanto, a partir da subjetividade do ser humano, olhar
para o outro também é olhar para si próprio, reconhecer diferenças e identificar
quem se é neste mundo. Dessa maneira, a alteridade também evidencia uma
questão ética da convivência entre os homens. Como explicita Levinas (2005, p.
13), chama-se ética a impugnação da espontaneidade pela presença de outrem:

A estranheza de outrem – sua irredutibilidade a mim – a meus


pensamentos e às minhas posses, se realiza precisamente como uma
contestação de minha espontaneidade, como ética. A metafísica, a
transcendência, o acolhimento do Outro pelo Mesmo, de Outrem por
Mim, se produz concretamente como a contestação do Mesmo pelo
Outro, quer dizer, como a ética que realiza a essência crítica do saber. E
como a crítica precede o dogmatismo, a metafísica precede a ontologia.

Logo, trazer a ética para a discussão sobre a alteridade permite o


afastamento das condutas morais para se pensar de forma transcendente a relação
com o outro. Essa transcendência é que confere a humanidade ao homem. Ao ir
além, ele questiona-se sobre a finitude do mundo e pode deixar de lado o ser que
“[...] só tem em vista a brutalidade de sua existência, que não coloca a questão do
infinito [...]” (LEVINAS, 1982, p. 99).

Dessa maneira, o reconhecimento da transcendência leva à reflexão sobre


a convivência com o outro. Então, é possível propor inúmeras experiências de
alteridade na vida em sociedade. O estranhamento inicial ganha profundidade

80
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

reflexiva e se torna a possibilidade de contatar um mundo que está fora do


conhecimento comum. Quando se amplia esse olhar, também se amplia o
mundo. Com isso, desenvolver a alteridade proporciona a habilidade de lidar
com o que é diferente.

Quando você vai a outro país ou a uma cidade que não conhece, tudo
é estranho e parece diferente, não é? Entretanto, com o passar dos dias, você
vai aprendendo a se relacionar, a se comportar naquele lugar e até a respeitar o
que é diferente da sua cultura. Logo, no pensamento moderno, pensar direitos
humanos entre pessoas diferentes é pensar as particularidades culturais não
a partir das próprias “lentes”, mas aprendendo a ver pelas “lentes” de outras
culturas. Assim, como afirma a antropóloga Ruth Benedict: “[...] a cultura é como
uma lente através da qual o homem vê o mundo [...]” (LARAIA, 2007, p. 67). Ao
praticar a alteridade, você considera a possibilidade plena da existência de quem
é diferente de você nos mais diversos aspectos. São eles: formas de se vestir, de
se comunicar, de se expressar religiosamente, de ocupar os espaços, de comer, de
cantar, de se divertir, de comemorar, de venerar os mortos etc.

3.2 ASPECTOS IDENTITÁRIOS NA CONTEMPORANEIDADE


Como você viu até aqui, as pessoas e as sociedades podem ser muito
diferentes. Como, então, elas se reconhecem enquanto grupo? Os grupos se
constituem por meio da identificação entre as pessoas. É a partir do convívio em
sociedade que se partilham valores, crenças, linguagem, entre outros aspectos, os
quais permitem um reconhecimento comum entre os membros. Por isso, quando
alguém acessa outra sociedade, passa até mesmo a refletir situações da própria
cultura que foram banalizadas. Comparando a sua realidade com a realidade do
outro, você pode se dar conta de que muitos processos culturais são naturalizados,
tornando-se quase imperceptíveis.

Assim, ao viver em sociedade, os membros assumem uma identidade


comum que, de modo consciente e inconsciente, estabelece as caraterísticas
próprias cores da sua camisa, o hino que será tocado, o mascote para sua torcida,
os ídolos que vão venerar, os gritos de guerra próprios, entre outros aspectos que
os diferenciam de outros times e outras torcidas (MASCARENHAS, 2012).

Para Dubar (1997), o processo de constituição da identidade contempla


as várias identidades que as pessoas assumem. Esse é um movimento de tensão
permanente entre os atos de atribuição (que correspondem ao que os outros
dizem ao sujeito que ele é, o que o autor denomina “identidades virtuais”) e os
atos de pertença (em que o sujeito se identifica com as atribuições recebidas e
adere às identidades atribuídas).

Agora, chegou a hora de conceituar identidade para aprofundar a


discussão. Como afirma Lago (1991), a identidade é um conceito polissêmico
devido a sua dinamicidade. Contudo, ela pode dizer respeito a “um ser que, no
convívio com outros sujeitos, constrói a consciência da realidade física e social
81
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

como também a consciência de si como sujeito, individualizando-se na medida


em que se diferencia dos outros sujeitos [...]” (LAGO, 1991, p. 18). Por meio
da negação e da aceitação do que está disposto culturalmente, o homem vai
construindo sua identidade e definido a qual grupo ele pertence.

No entanto, a identidade não é uma redoma de vidro da qual o indivíduo


não pode sair. Pelo contrário, a identidade se transforma o tempo todo, definindo
novos limites provisórios e atributos momentâneos, ainda que uma certa
estrutura possa se manter. Nesse sentido, Dubar (1997, p. 104) reforça que a
“[...] identidade nunca é dada, é sempre construída e a (re)construir, em uma
incerteza maior ou menor e mais ou menos durável [...]”. Ao mesmo tempo, essas
modificações são possíveis porque as sociedades estão em contato umas com as
outras, o que permite trocas e hibridismos culturais que as fazem ressignificar
aspectos identitários. Sobre isso, Bhabha (1990, p. 211) diz que:

A importância do hibridismo não é poder traçar dois momentos


originários a partir dos quais surge um terceiro, ao invés disso,
o hibridismo para mim é o “terceiro espaço” que possibilita o
surgimento de outras posições. Esse terceiro espaço desloca
as histórias que o constituem, e estabelece novas estruturas de
autoridade, novas iniciativas políticas, que são mal compreendidas
através da sabedoria normativa.

Aqui, é importante retomar a discussão sobre a alteridade. Ela possibilita


repensar o contato com outras culturas. Como você sabe, alguns elementos
culturais poderão ser trocados, combinados e alterados durante esse contato, mas
outros elementos talvez não sejam compatíveis com as duas culturas. Eles até
mesmo podem causar discordâncias profundas em suas manifestações.

Em outros momentos históricos, essas diferenças poderiam ser motivo para


a declaração de guerra de uma sociedade contra a outra, mas na sociedade complexa
contemporânea, o diálogo e a negociação entram em cena. Ainda que nem todos
os países estejam de acordo em relação aos princípios da ONU, trocas comerciais,
parcerias educacionais e diversas outras relações internacionais continuam
estabelecidas. Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não deixa de ser
importante e ter papel fundamental, como reconhece Lafer (1995, p. 85):

apesar de todas as deficiências que possa ter, a ONU, sem dúvida,


é um fator essencial na promoção de ideais éticos, em geral, e dos
direitos humanos, em particular. Essa capacidade da ONU deriva dos
princípios consagrados em sua Carta, cuja origem é o reconhecimento
da legitimidade do patrimônio das ideias éticas da humanidade.
O triunfo definitivo dessas ideias é, no entanto, uma incógnita. A
missão que temos, todos aqueles que creem nesses ideais, é de lutar
para que eles se realizem cada vez mais – pois todos os valores têm a
dimensão da inexaurabilidade – e para que as vias bloqueadas de que
fala Bobbio – no contexto de sua metáfora sobre o labirinto – sejam
definitivamente evitadas.

82
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

De alguma maneira, quando um dos países viola o que é entendido como


direito humano pela ONU, surgem represálias, repúdio e mesmo tentativas de
problematizações dos fatos ocorridos. Entretanto, como cada país tem sua soberania,
e até respeitando a própria Declaração, há limites nas interferências nessas situações.
Esses limites precisam ser respeitados. Ainda, considerando a heterogeneidade das
culturas, é importante reconhecer a impossibilidade de se estabelecerem princípios
universais. Eles acabariam desconsiderando aspectos particulares e mesmo
universalizando a concepção humana. Isso parece interessante à primeira vista,
mas, se você analisar bem, vai ver que não é possível nem desejável.

Na época do Renascimento, se supunha a existência de um “homem


universal”. Contudo, com o avanço da tecnologia e a proximidade com outras
culturas, viu-se que essa proposta seria uma falácia. Ela tem sido cada vez
mais superada, dando espaço à valorização de aspectos diversos das culturas
existentes. Nesse sentido, há uma riqueza cultural de modos de ser e estar no
mundo que conta sobre a construção da própria história. Assim, ao refletir
o conceito dos direitos humanos, você deve reconhecer seus limites e discutir
seriamente o aperfeiçoamento de mecanismos que possibilitem a manutenção
das sociedades. Nesse sentido, o exercício da alteridade ajuda a perceber as
diferenças culturais e respeitá-las, bem como a dialogar com culturas diferentes.
Entendendo a construção da sua identidade, você pode compreender outras
identidades e, assim, conviver numa sociedade que não enfrente as atrocidades
do período entre guerras.

4 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO (PNH)


Na saúde, a humanização, geralmente, é associada ao respeito dos direitos
dos usuários e ao tratamento cordial em todos os setores de uma instituição. No
entanto, a humanização nas ações e serviços de saúde é algo muito mais amplo
do que isso e se dá a partir da percepção e visão dos seus diferentes significados
e aplicações, como os que serão apresentados a seguir.

Segundo Waldow e Borges (2011), o cuidado pode ser entendido como


um modo de ser, pelo qual somos humanos. Ao deslocar o olhar para além de
si mesmo, é assumida a condição humana, reconhecendo o outro e, desse modo,
estabelecendo conexão com outras pessoas. Fazendo isso, desenvolve-se, além da
dimensão existencial que define o ser humano, a dimensão relacional do cuidado,
percebido, assim, como o movimento extremamente humano de se interessar pelo
outro e atender suas necessidades. Isto é, “o cuidado é o que confere a condição
de humanidade às pessoas” (WALDOW; BORGES, 2011, s. p.).

Nas instituições de saúde, o cuidado tem como foco principal os profissionais


de enfermagem, que estão mais próximos e por mais tempo com pacientes e
usuários. No entanto, o cuidado é uma atividade que abrange não apenas todos
os profissionais de saúde, mas todas as pessoas envolvidas em uma instituição,
inclusive das áreas de suporte, administração e infraestrutura. Portanto, a relação
de cuidado se dá no reconhecimento do outro e da sua condição humana.
83
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Os comportamentos básicos de cuidado envolvem compaixão,


competência, confiança, consciência e compromisso, que são elementos básicos
para que se estabeleçam as ações de saúde nas instituições (WALDOW; BORGES,
2011). Dessa forma, desenvolver essas ações em saúde tende a facilitar as relações
entre usuários, profissionais de saúde e gestores. É necessário desenvolver os
comportamentos básicos em todo o processo de trabalho, como na organização,
no planejamento institucional, na forma de organizar e oferecer os serviços diretos
e de apoio aos usuários, bem como na forma de planejar e construir a estrutura de
hospitais e unidades de saúde.

Assim, é possível compreender que o cuidado, que define a essência


humana, estabelece a relação com o outro de forma humanizada e também
determina a prática profissional humanizada, independentemente da área de
atuação. Qualquer instituição de saúde que lide com pessoas deve desenvolver
esse tipo de comportamento em seus colaboradores para que ele esteja presente
na cultura organizacional.

O cuidado, portanto, engloba atos, comportamentos e atitudes. Os atos


realizados no cuidado variam de acordo com as condições em que ocorrem as
situações e com o tipo de relacionamento estabelecido. Existem tipos diferentes
ou maneiras distintas de cuidar, que variam de intensidade. A maneira de cuidar
vai depender da situação, da forma como o profissional se envolve com ela e
com o sujeito que é motivo de atenção do cuidado (WALDOW; BORGES, 2011).
Portanto, a humanização é aquilo que torna e faz as pessoas se perceberem como
humanos em condição de existência. Cabe, no entanto, contextualizar o significado
da humanização, tendo em vista o foco voltado aos processos do cuidado em si e da
sua gestão. A humanização é concebida também em diferentes contextualizações:

Humanizar se traduz, então, como inclusão das diferenças nos processos


de gestão e de cuidado. Tais mudanças são construídas não por uma
pessoa ou grupo isolado, mas de forma coletiva e compartilhada. Incluir
para estimular a produção de novos modos de cuidar e novas formas de
organizar o trabalho (BRASIL, 2013, s.p.).

É possível perceber que o ato de humanizar compreende as diferenças


dos indivíduos, suas peculiaridades, necessidades e, principalmente, suas
vulnerabilidades. Desse modo, pode-se, então, refletir a relação entre o cuidado
e a humanização, estabelecendo, assim, uma conexão entre os dois conceitos,
que se entrelaçam sem hierarquização de importância, pois quando se percebe
humano, reconhece-se a vida como um valor único, compreendendo o cuidado
como parte de um cenário ampliado, vinculado à compaixão, à bondade, ao
respeito, às singularidades e ao suporte a todo tipo de vulnerabilidade.

Nesse sentido, os termos “humanizar” e “humanização” surgem com


cada vez mais frequência e força nas discussões, textos e mídias. A valorização
crescente do conceito de humanização traz a reflexão e o contraste do que é
percebido como “desumanizante”, isto é, a desvalorização da vida e a violência.
Dentro do contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), a aplicação cotidiana desse

84
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

conceito e dos seus princípios e diretrizes se torna uma necessidade.


Assim, em saúde, humanizar significa compreender que cada pessoa é
única e singular em sua forma de existir, o que indica a necessidade de personalizar
cada vez mais a assistência. Também significa o conceito de ações de não violência,
tolerância às diferenças e construção coletiva. Dentro desse contexto, surgiu, em
2003, a PNH, visando, principalmente, diminuir a distância entre o discurso e a
prática, isto é, entre os princípios e diretrizes do SUS e o cotidiano dos serviços
de saúde. A construção e a mudança não partem de um ator do processo, mas do
encontro coletivo entre usuários, trabalhadores e gestores e se refletem em novas
formas de organização e de cuidado (BRASIL, 2013).

4.1 POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO (PNH),


DIRETRIZES E PRINCÍPIOS
A humanização é hoje um tema frequente nos serviços públicos de
saúde, nos textos oficiais e nas publicações da área da saúde coletiva. O termo
“humanização” rememora movimentos de recuperação de valores humanos
esquecidos em tempos de frouxidão ética. Em nosso horizonte histórico, a
humanização desponta quando a sociedade pós-moderna passa por uma revisão
de valores e atitudes.

Os princípios da PNH são totalmente de inspiração humanista:


universalidade, integralidade, equidade e participação social. Levados às últimas
consequências, definem a humanização em qualquer concepção, em qualquer
instância de atenção ou gestão. Esse caráter faz do SUS, hoje, o principal sistema
de inclusão social deste país.

A humanização da atenção no SUS envolve que você compreenda que


o trabalho em saúde deve transformar as necessidades humanas e fortalecer a
vida. Acolher e garantir o acesso, estabelecer atenção e cuidado integral, com
equidade. Humanizar é compreender a necessidade do dissenso e do conflito
para que a produção do mundo e dos seus valores seja coletiva e pública.

O desenvolvimento das ações propostas pela Política de Humanização


da Assistência à Saúde (PHAS) tem como princípios fundamentais o respeito
às especificidades de cada instituição, estimula a cooperação entre as mesmas
pela troca de experiências produzidas, que visam a qualificação do serviço
público de saúde.

Anos depois de sua criação, o SUS é o sistema idealizado para os anseios


de saúde do povo brasileiro, mas é também o sistema de saúde público que
apresenta as contradições e heterogeneidades que caracterizam nossa sociedade:
serviços modernos e de ponta tecnológica ao lado de serviços sucateados nos quais
estão presentes a cronif,icação do modo obsoleto de operar o serviço público, a
burocratização e os fenômenos que caracterizam situações de violência institucional.

85
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

No ano 2000, o Ministério da Saúde, sensível às manifestações setoriais


e às diversas iniciativas locais de humanização das práticas de saúde, criou o
Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH). Esse
programa estimulava a disseminação das ideias da humanização, os diagnósticos
situacionais e a promoção de ações humanizadoras de acordo com as realidades
locais. Inovador e bem construído por um grupo de psicanalistas, o programa tinha
forte ênfase na transformação das relações interpessoais pelo aprofundamento da
compreensão dos fenômenos no campo das subjetividades.

Em 2003, o Ministério da Saúde revisou o PNHAH e lançou a política


nacional de humanização (PNH) que mudou o patamar de alcance da humanização
dos hospitais para toda a rede SUS e definiu uma política cujo foco passou a
ser principalmente os processos de gestão e de trabalho. A PNH é um conjunto
de diretrizes transversais que norteiam toda atividade institucional que envolva
usuários ou profissionais da saúde, em qualquer instância de efetuação.

Nessa vertente, a humanização focaliza os processos de trabalho e


os modelos de gestão e planejamento, interferindo na vida institucional. O
resultado esperado é a valorização das pessoas em todas as práticas de atenção
e gestão, a integração, o compromisso e a responsabilidade de todos com o
bem comum. Várias ações e indicadores de validação e monitoramento foram
desenvolvidos pelo Ministério da Saúde para estimular e acompanhar os
processos de humanização não só nos hospitais, mas nos três níveis de atenção à
saúde no SUS. A estratégia de criação e fortalecimento dos Grupos de Trabalho
de Humanização nas instituições (grupos formados por pessoas ligadas ao tema
e aos gestores dos serviços de saúde, com o papel de implementar a PNH em sua
unidade) mostrou-se exitosa em vários locais, acumulando muitos bons exemplos
de trabalho na área. Entretanto, a humanização só se torna realidade em uma
instituição quando seus gestores fazem dela mais que retórica, um modelo de
fazer gestão. Boas intenções e programas limitados a ações circunstanciais não
sustentam a humanização como processo transformador. Os instrumentos que
de fato asseguram esse processo são a informação, a educação permanente e a
gestão participativa.

NTE
INTERESSA

Os Grupos de Trabalho de Humanização (GTH) são espaços coletivos


organizados, participativos e democráticos, que se destinam a instaurar uma política
institucional de resgate da humanização na assistência à saúde, em benefício dos usuários
e dos profissionais de saúde? Esses grupos devem ter uma participação equitativa de
representantes das diferentes categorias profissionais, campos disciplinares e graus
hierárquicos da instituição: representantes da direção/gestão, da chefia dos setores e
serviços, dos médicos, técnicos (assistentes sociais, psicólogos, agentes da enfermagem,
encarregados técnico-administrativos) e pessoal de apoio (segurança, limpeza, cozinha).
Atribuições: liderar o processo de humanização; traçar estratégias de comunicação/

86
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

integração entre setores; avaliar projetos em desenvolvimento ou a serem desenvolvidos


de acordo com os parâmetros de humanização propostos; promover fluxo de propostas e
deliberações; apoiar e divulgar as iniciativas de humanização em desenvolvimento; estimular
a participação da comunidade e de entidades da sociedade civil nas ações de humanização
dos serviços; promover a interação com o gestor municipal (agenda de ações); estabelecer
os padrões de atendimento ao usuário; coordenar o voluntariado; e participar dos encontros
de humanização.
FONTE: <http://www.humanizasaude.rs.gov.br/site/artigos/manual/>. Acesso em: 3 ago. 2021.

Pensar a humanização significa menos o que fazer e mais como fazer.


Embora importantes, as ações ditas humanizadoras não necessariamente
determinam um caráter humanizado ao serviço como um todo. São os princípios
conceituais que definem a humanização como a base para toda e qualquer
atividade. O grande desafio é criar uma cultura institucional na qual se façam
presentes os valores da humanização.

Humanizar a assistência à saúde é dar voz não só ao usuário como


também ao profissional de saúde, de forma que ambos participem de uma rede
de diálogo. O compromisso com a pessoa que sofre pode ter as mais diversas
motivações, assim como o compromisso com e entre os cuidadores. Cabe a essa
rede promover as ações, campanhas, programas e políticas assistenciais, tendo
como base fundamentalmente a ética, o respeito, o reconhecimento mútuo,
a solidariedade e responsabilidade. Partindo dessa perspectiva, a Política de
Humanização da assistência à Saúde aponta diferentes parâmetros para a
humanização da assistência hospitalar em três grandes áreas: acolhimento e
atendimento dos usuários; trabalho dos profissionais; e lógicas de gestão e
gerência. Esses parâmetros podem servir para o trabalho de análise, reflexão e
elaboração de ações, campanhas, programas e políticas assistenciais que orientem
um plano de humanização.

A expectativa da PHAS é criar uma nova cultura de humanização,


que valoriza as ações humanizadas já desenvolvidas, criando uma filosofia
organizacional que promova a conjugação cotidiana do verbo humanizar. Uma
cultura de humanização necessita tempo para ser construída, impõe a participação
de todos os atores do sistema, determina a ruptura de paradigmas. Humanizar é
verbo pessoal e intransferível, pois ninguém pode ser humano em nosso lugar. E
é multiplicável, pois é contagiante.

87
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

NTE
INTERESSA

A Política de Humanização da Assistência à Saúde envolve uma série de


dimensões organizacionais, institucionais, profissionais e pessoais? Uma delas é a incorporação
consistente do trabalho voluntário. Como expressão de solidariedade e participação
cidadã, o voluntariado é uma das formas mais efetivas de aliança da instituição com uma
comunidade que incorpora e assume sua parcela de responsabilidade pela mudança na
cultura de atendimento à saúde. Não pode, portanto, reduzir-se a impulsos de generosidade
desorganizada ou substituir vínculos formais de trabalho em quadros sociais de desemprego.
Quando é desenvolvido de forma organizada, com critérios e objetivos bem claros, o
trabalho voluntário é uma fonte significativa de recursos e competências qualificadas. Afinal,
ele conta com a participação direta da comunidade e pode responder com mais visibilidade
e credibilidade às necessidades e expectativas dos usuários. Integrada em um processo de
humanização, a ação voluntária implica uma tomada de consciência de si mesmo e uma
transformação pessoal inseparáveis de uma mudança na compreensão do mundo e de uma
transformação mais ampla da sociedade.
FONTE: <http://www.humanizasaude.rs.gov.br/site/artigos/manual/>. Acesso em: 3 ago. 2021.

Hoje, várias sondagens conceituais, manifestações ideológicas, construções


teóricas e técnicas e programas temáticos fazem da humanização um instigante
campo de inovação da produção teórica e prática na área da saúde. Sob vários
olhares, a humanização pode ser compreendida como:

• princípio de conduta de base humanista e ética;


• movimento contra a violência institucional na área da saúde;
• política pública para a atenção e gestão no SUS;
• metodologia auxiliar para a gestão participativa;
• tecnologia do cuidado na assistência à saúde.

A humanização, fundamentada no respeito e valorização da pessoa


humana, constitui um processo que visa a transformação da cultura institucional
por meio da construção coletiva de compromissos éticos e de métodos para
as ações de atenção à saúde e de gestão dos serviços. Esse conceito amplo
abriga as diversas visões da humanização já citadas, na forma de abordagens
complementares que permitem a realização dos propósitos para os quais aponta
sua definição. A humanização busca a compreensão dos problemas e a obtenção
de soluções compartilhadas. Participação, autonomia, responsabilidade e atitude
solidária caracterizam esse modo de fazer saúde, cuja essência é a aliança da
competência técnica e tecnológica com a competência ética e relacional. Dessa
forma, destacamos os princípios norteadores da política de humanização:

88
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

• valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas de atenção


e gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos de todos os
cidadãos, independentemente de gênero, etnia, raça e orientação sexual;
• fortalecimento de trabalho em equipe multiprofissional, fomentando a
transversalidade e a grupalidade;
• apoio à construção de redes cooperativas, solidárias e comprometidas com a
produção de saúde e com a produção de sujeitos;
• construção de autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados
na rede do SUS;
• corresponsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e atenção;
• fortalecimento do controle social com caráter participativo em todas as
instâncias gestoras do SUS;
• compromisso com a democratização das relações de trabalho e valorização dos
profissionais de saúde, estimulando processos de educação permanente.

Com a implementação da política nacional de humanização (PNH),


trabalhamos para consolidar quatro marcas específicas:

• serão reduzidas as filas e o tempo de espera com ampliação do acesso e


atendimento acolhedor e resolutivo baseados em critérios de risco;
• todo usuário do SUS saberá quem são os profissionais que cuidam de sua
saúde e os serviços de saúde se responsabilizarão por sua referência territorial;
• as unidades de saúde garantirão as informações ao usuário, o acompanhamento
de pessoas de sua rede social (de livre escolha) e os direitos do código dos
usuários do SUS;
• as unidades de saúde garantirão gestão participativa aos seus trabalhadores e
usuários assim como educação permanente aos trabalhadores;
• A implementação da PNH pressupõe vários eixos de ação que objetivam a
institucionalização, difusão dessa estratégia e, principalmente, a apropriação
de seus resultados pela sociedade.
• No eixo das instituições do SUS, pretende-se que a PNH faça parte do Plano
Nacional, dos Planos Estaduais e Municipais dos vários governos, sendo
pactuada na agenda de saúde (agenda de compromissos) pelos gestores e pelo
Conselho de Saúde correspondente.
• No eixo da gestão do trabalho, propõe-se a promoção de ações que
assegurem a participação dos trabalhadores nos processos de discussão
e decisão, fortalecendo e valorizando os trabalhadores, sua motivação, o
autodesenvolvimento e o crescimento profissional.

No eixo do financiamento, propõe-se a integração de recursos vinculados


a programas específicos de humanização e outros recursos de subsídio à atenção,
unificando-os e repassando-os fundo a fundo mediante o compromisso dos
gestores com a PNH.

89
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

• No eixo da atenção, propõe-se uma política incentivadora do protagonismo


dos sujeitos e da ampliação da atenção integral à saúde, promovendo a
intersetorialidade.
• No eixo da educação permanente, indica-se que a PNH componha o conteúdo
profissionalizante na graduação, pós-graduação e extensão em saúde,
vinculando-a aos Polos de Educação Permanente e às instituições de formação.
• No eixo da informação/comunicação, indica-se por meio de ação de mídia e
discurso social amplo a inclusão da PNH no debate da saúde.
• No eixo da gestão da PNH, indica-se o acompanhamento e avaliação sistemáticos
das ações realizadas, estimulando a pesquisa relacionada às necessidades do
SUS na perspectiva da humanização.

Para finalizar, destacamos as Diretrizes Gerais para a Implementação


da PNH:

• Ampliar o diálogo entre os profissionais, entre profissionais e população, entre


profissionais e administração, promovendo a gestão participativa.
• Implantar, estimular e fortalecer Grupos de Trabalho de Humanização com
plano de trabalho definido.
• Estimular práticas resolutivas, racionalizar e adequar o uso de medicamentos,
eliminando ações intervencionistas desnecessárias.
• Reforçar o conceito de clínica ampliada: compromisso com o sujeito e seu
coletivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade de
gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde.
• Sensibilizar as equipes de saúde ao problema da violência intrafamiliar (criança,
mulher e idoso) e à questão dos preconceitos (sexual, racial, religioso e outros)
na hora da recepção e dos encaminhamentos.
• Adequar os serviços ao ambiente e à cultura local, respeitando a privacidade e
promovendo a ambiência acolhedora e confortável.
• Viabilizar participação dos trabalhadores nas unidades de saúde através de
colegiados gestores.

4.2 HUMANIZAÇÃO EM GESTÃO E SERVIÇOS DE SAÚDE


Com a PNH, a humanização alcança os processos de gestão e organização
do trabalho nos serviços de saúde, e a gestão participativa desponta como modelo
eleito para a realização dessa política. Quando você fala em gestão participativa
ou cogestão, está se referindo ao modo de administrar que não se limita à linha
superior de comando e inclui o pensar e o fazer coletivos. As estratégias para
a gestão participativa nos serviços de saúde devem ser estudadas caso a caso,
partindo do conhecimento das realidades institucionais específicas, mas algumas
ações que a propiciam em qualquer contexto são:

90
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

• a criação de espaços de discussão para a contextualização de impasses,


sofrimentos, angústias e desgastes a que se submetem os profissionais de saúde
no dia a dia pela natureza de seu trabalho;
• o pensar e decidir coletivamente sobre a organização do trabalho, envolvendo
gestores, usuários e trabalhadores em grupos com diversas formações;
• a criação de equipes transdisciplinares efetivas que sustentem a diversidade
dos vários discursos presentes na instituição, promovendo o aproveitamento
da inteligência coletiva.
• De modo mais específico, a gestão participativa se dá por meio da criação
de instâncias de participação nas quais você precisa considerar e estabelecer
consensos entre desejos e interesses diversos, por exemplo:

◦ o conselho gestor de saúde, que aglutina gestores, trabalhadores e


usuários para decidir os rumos institucionais;
◦ a ouvidoria, que faz a mediação entre usuários e instituição para a solução
de problemas particulares;
◦ as equipes de referência, que se compõem de profissionais que juntos
acompanham pacientes comuns ao grupo;
◦ os grupos de trabalho de humanização, que fazem a escuta institucional e
criam dispositivos comunicacionais; e
◦ as visitas abertas, que propiciam as parcerias com familiares para o
cuidado de seus parentes.

Particularmente importantes são as estratégias, metodologias e


ferramentas que se destinam ao desenvolvimento do profissional da área da saúde.
Acreditamos que a possibilidade de promover atendimentos verdadeiramente
humanizados requer, necessariamente, a educação dos profissionais da saúde
dentro dos princípios da humanização e o desenvolvimento de ações institucionais
que visem o cuidado e a atenção às situações de sofrimento e estresse decorrentes
do próprio trabalho e ambiente em que se dão as práticas de saúde.

Nessa direção, a Educação Permanente é uma estratégia para o exercício


da gestão participativa, que visa a transformação das práticas de formação, de
atenção e de gestão na área da saúde.

Com base na aprendizagem significativa, a educação permanente constrói


os saberes a partir das experiências das pessoas. Nas rodas de conversa, oficinas
e reuniões, você discute os problemas, propõe soluções gerenciais, mudanças na
organização do trabalho e define ações educativas de acordo com as necessidades
observadas. Dessa maneira, você transforma a gestão participativa no caminho
para a humanização dos serviços. Entretanto, como há poucos gestores com
formação técnica para essa metodologia, ainda são raras as experiências dessa
forma inovadora de fazer gestão de pessoas.

91
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

O tecnicismo da prática atual descartou os aspectos humanísticos no


cuidado à saúde. Estudos mostram que os recursos tecnológicos, a visão centrada
nos aspectos biológicos da doença e a organização do trabalho médico para o
atendimento de massa ampliaram o acesso da população aos bens e serviços de
saúde, mas, em compensação, criaram um abismo entre o médico e o paciente.

A tecnologia, que é determinante para aumentar a sobrevida humana e


para a diminuição drástica do sofrimento e dos males que acometem a saúde,
tornou-se um intermediário que afasta os profissionais do contato mais próximo
e mais demorado com o paciente. A tecnologia agiliza o atendimento e aumenta
a produtividade contada em números, mas também fascina e captura o interesse
dos profissionais da saúde, particularmente dos médicos. Os pacientes passam,
então, à condição de objetos de estudo e manipulação na construção do saber e
da prática “científica”. E os profissionais, à condição de peças e engrenagens que
fazem funcionar a máquina institucional. O tecnicismo deixa de lado vivências
importantes para a realização do cuidado à saúde.

Já no modelo psicossocial você agrega saberes de teorias compreensivas


sobre o vínculo capazes de desvendar atitudes e emoções que facilitam ou impedem
o bom diagnóstico e a aliança terapêutica. Por exemplo, a psicanálise ensina que,
ao adoecer, a pessoa vive um processo que chamamos de regressão narcísica, que,
em graus variáveis de acordo com a história pessoal, a personalidade e a gravidade
de sua doença, a torna mais frágil, mais sensível e mais dependente daquele que
lhe presta cuidados. É como se o paciente, inconscientemente, voltasse aos tempos
em que era cuidado pela mãe e dela dependia para sobreviver.

As mudanças sociais e culturais que atravessaram os tempos


transformaram a face da medicina e das práticas de saúde, chegando ao
contexto aqui discutido e às implicações para o surgimento da humanização na
saúde. Começando por ações isoladas, pontuais, amadoras, a humanização foi
desenvolvendo conceitos e tecnologias para sua aplicação tanto no campo das
relações profissionais-pacientes, quanto no campo da gestão, chegando à forma
de política pública na saúde. Entretanto, a falta de compreensão mais profunda
da dimensão psicossocial que envolve os processos saúde-doença, a falta de
compromisso com o resultado do trabalho, a falta de decisões compartilhadas
com pacientes, de projetos assistenciais discutidos em equipe multidisciplinar, e
mesmo de gestão participativa nos serviços de saúde, tornam a humanização do
cuidado um projeto ideal ainda bem distante da realidade dos serviços de saúde.

92
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

5 ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E ATENÇÃO


PSICOSSOCIAL
O acompanhamento terapêutico (AT) dá-se como um importante instru-
mento e dispositivo no âmbito da saúde mental que também incorpora e contri-
bui para a integração de projetos assistenciais centrados na atenção psicossocial e
cujo foco é eminentemente experimental (ANCIOLI; AMARANTE, 2013).

Há, contudo, algumas tensões entre teoria e prática no âmbito do AT


que estão relacionadas aos elementos de sua formação. Por um lado, o AT teve
como semente germinadora a Reforma Psiquiátrica e pensamentos dissidentes e
críticos em relação à lógica hegemônica e segregadora da saúde mental. Por outro
lado, em grande medida, as possibilidades práticas e institucionais que permitem
os caminhos para o AT ainda estão vinculadas àquelas lógicas primeiras de
desumanização do sujeito. Portanto, em termos de formação, o acompanhante
terapêutico ainda caminha e se constrói entre fronteiras: as concretas, as teóricas,
as políticas e as estéticas.

A atenção psicossocial é uma das diretrizes consequentes da reforma


psiquiátrica brasileira e apresenta-se como uma esfera “ético-estético-política”
(ANCIOLI; AMARANTE, 2013), que busca o encontro e o desenvolvimento
da autonomia e da cidadania do sujeito. Nestes âmbitos, a partir do campo
assistencial, há a construção de novas práticas e serviços em saúde mental.

Neste sentido, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) está alinhado


à lógica terapêutica, tal qual se adapta a um modelo de não internação, com o
intuito de promover o cuidado e a atenção diariamente, sem apartar o sujeito
de seus territórios sociais e familiares. De acordo com a Portaria nº 336/02, o
Ministério da Saúde estabelece que o CAPS deve prestar assistência ao usuário a
partir das seguintes atividades (BRASIL, 2002, s.p.):

a) atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação,


entre outros);
b) atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte
social, entre outras);
c) atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível
superior ou nível médio;
d) visitas domiciliares;
e) atendimento à família;
f) atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental na
comunidade e sua inserção familiar e social;

Assim, o CAPS oferece a proposta de desenvolver projetos terapêuticos


em consonância com a ideia de reabilitação psicossocial alinhados à ordem social
presentes no cotidiano dos indivíduos. O CAPS, alinhado ao Sistema Único de
Saúde (SUS), busca a garantia do acesso e da integralidade ao atendimento e cujo
foco alinha-se à lógica da clínica ampliada e centrada no sujeito.

93
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Não obstante, apesar das propostas e das diretrizes estipuladas, ainda há


predominância dos modelos biomédicos e hierárquicos cujo cuidado dá-se de
maneira fragmentada reafirmando uma lógica ambulatorial que, em teoria, deveria
ultrapassar. O cerne da problemática destas reproduções hegemônicas da saúde
diz respeito a uma produção, por parte dos profissionais, de novas cronicidades
aos usuários, revelando uma prática ainda voltada ao modelo manicomial. Isto
devido ao funcionamento do CAPS ter ido no sentido de institucionalização dos
seus usuários. Sobre as referidas cronicidades desenvolvidas no âmbito do CAPS,
Ancioli e Amarante (2013, p. 968) discorre sobre as três “ordens de cronicidade”:

a) as novas cronicidades dos pacientes que se tornam usuários-


pacientes, pois estão e/ ou são postos de forma passiva frente ao desafio
de produzir outra subjetivação. Essa produção decorre de fatores
como o contexto sociofamiliar (refratário à inclusão) e sociopolítico
(adverso e precário). Além disso, podem ser apontadas as condições
socioculturais marcadamente discriminatórias advindas do estigma
dos pacientes psiquiátricos;
b) a cronicidade dos modos de gestão, dos dispositivos e dos
profissionais, que se reflete na dificuldade em conciliar a discussão
clínica com a análise dos processos trabalhistas e institucionais.
Essa cronicidade também é observada na dificuldade de a formação
permanente ser aliada às práticas dos serviços, de modo que as
marcas da segmentarização, dos especialismos e da centralidade (não
territorialização das práticas nos contextos diversos) da formação
sejam superadas;
c) a cronicidade que se produz devido à inexistência ou à fragilidade
de uma efetiva rede de atenção em saúde e, em especial, em saúde
mental, que se verifica a existência desorganizada de várias portas de
entrada e na falta de portas de saída.

Desta maneira, pensamos nas contradições estabelecidas entre o que


se produz teoricamente, o que se acredita politicamente e o que se consegue
efetivar na prática e nas políticas públicas. Isto dá-se no sentido de que embora
haja uma preconização para a promoção de saúde de maneira descentralizada
e interdisciplinar, na prática, a assistência dos cuidados são fundamentalmente
realizados in loco, de forma que o CAPS encontra dificuldade em oferecer o
cuidado proposto pela atenção psicossocial.

Em grande medida estas problemáticas ganham forma a partir de


“percalços enfrentados no processo de articulação com outros equipamentos,
decadentes pela precariedade de recursos físicos, humanos e materiais e de
condições limitadas para garantir a assistência integral de pessoas com transtornos
mentais graves e persistentes” (ANCIOLI; AMARANTE, 2013, p. 969). Por estas
vias, há a necessidade de uma mudança efetiva no paradigma das ações em saúde
mental que inclui também as representações que partilhamos socialmente em
relação à loucura (ANCIOLI; AMARANTE, 2013) e o manejo que acreditamos
como efetivo para acompanhar as travessias do sujeito considerado “louco”.

94
TÓPICO 1 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E A SAÚDE HUMANIZADA

Assim, o CAPS, embora seja uma referência, não deve ser o único centro
voltado para a saúde mental, de modo que haja integração intersetorial, de fato.
Por estes âmbitos, buscamos o cuidado individualizado com foco na reconstrução
de elementos e substantivos relevantes para a produção social da vida e de novas
subjetividades do sujeito que se distancie de práticas asilares e da construção de
novas cronicidades.

O acompanhante terapêutico, neste cenário, pode ser um ator social que


auxilia em alguma das dificuldades encontradas, considerando sua atuação
voltada para o resgate da cidadania e da autonomia do sujeito em práticas
envolvendo o cotidiano, estando perto de novas possibilidades de afeto que o
sujeito pode ser capaz de desenvolver (ANCIOLI; AMARANTE, 2013). Estas
práticas coincidem com a dimensão subjetiva do sujeito, sem que o demarque
territorialmente e sem que as práticas e os saberes sejam fragmentados. Conforme
Ancioli e Amarante (2013):

AT se apresenta como um ator que leva o cuidado ao sujeito fora dos


muros institucionais, atuando no percurso de suas vidas, em sua
relação com o mundo. O seu trabalho constitui uma ação necessária
que pode articular a atividade dos CAPS, a atenção psicossocial para o
contexto cotidiano de seus usuários, amenizando, inclusive, possíveis
efeitos de novas cronicizações. Sua práxis ocorre no encontro com
o sujeito em seu dia a dia, em suas atividades rotineiras, em suas
atividades de lazer, em suas vivências, e tem como finalidade a
promoção de um cuidado fora do espaço institucional, desvinculando
a prática da saúde desses espaços.

Assim, o que se busca por colocar em voga é uma atenção ao cuidado de


maneira humanizada e dentro da lógica do cotidiano e dos territórios que façam parte
da convivência dos usuários. Para tal, são necessários equipamentos que auxiliem e
contribuam para o desenvolvimento da autonomia e da cidadania do sujeito, como
centros de arte, de educação e de esporte e de maneira que diferentes profissionais
possam estar e, certamente, esferas por onde o acompanhante terapêutico possa
transitar e fomentar a produção de novos afetamentos e subjetividades.

Neste sentido, o trabalho do acompanhante terapêutico apresenta-


se, desde seus primórdios, de maneira intersetorial, podendo dialogar e atuar
junta ao CAPS e, ainda assim, articulando ações de atenção primária que são
elaboradas com o usuário dentro da sua rede comunitária. Estas estratégias no
âmbito da saúde mental revelam um caráter político, ideológico e estético que vai
ao encontro de uma lógica humanizada em respeito à história e aos modos dos
sujeitos expressarem sua existência no mundo.

Acadêmico, vimos neste tópico a interseção entre diferentes conceitos,


que fertilizam uma prática responsável e comprometida com a ética social do
desenvolvimento dos sujeitos. Com os estudos apresentados, é possível pensar
a partir de uma formação-pensamento que questiona o manejo hierarquizante

95
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

e segregatório de saúde mental e aproxima-se de uma prática cuja postura se


dá em diálogo com os direitos humanos e, em respeito às alteridades, permite
e abre caminhos para uma prática que humaniza, que dialoga e que acolhe nos
caminhos que podem, eventualmente, ser intempestivos.

96
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O acompanhamento terapêutico parte de uma formação-pensamento


que integra e acolhe os saberes locais e muitas vezes dissidentes à lógica
tradicional e dominante.

• Além de práticas e técnicas de inclusão, devemos pensar também em caminhos


éticos que potencializam e respeitam as diferenças.

• A alteridade sugere um deslocamento epistemológico útil para se entender a


cultura do outro.

• A Declaração Universal dos Direitos Humanos consolidou ideias que reverberavam


na sociedade, como liberdade, fraternidade e igualdade.

• Os direitos civis dizem respeito à liberdade dos indivíduos e se baseiam na


existência da justiça e das leis.

• Os direitos políticos referem-se à participação do cidadão no governo da


sociedade e consistem no direito de fazer manifestações políticas

• Os direitos sociais dizem respeito ao atendimento das necessidades básicas do


ser humano, como alimentação, habitação, saúde, educação, trabalho, salário
justo, aposentadoria.

• O cuidado é uma atividade que abrange não apenas todos os profissionais de
saúde, mas todas as pessoas envolvidas em uma instituição

• O cuidado estabelece a relação com o outro de forma humanizada e também


determina a prática profissional humanizada, independentemente da área
de atuação

• A valorização crescente do conceito de humanização traz a reflexão e o contraste


do que é percebido como “desumanizante”, isto é, a desvalorização da vida e a
violência.

• O termo “humanização” rememora movimentos de recuperação de valores


humanos esquecidos em tempos de frouxidão ética

• Os princípios da Política Nacional de Humanização são totalmente de inspiração


humanista: universalidade, integralidade, equidade e participação social

97
• A PNH é um conjunto de diretrizes transversais que norteiam toda atividade
institucional que envolva usuários ou profissionais da saúde, em qualquer
instância de efetuação.

• Pensar a humanização significa menos o que fazer e mais como fazer.

• Humanizar a assistência à saúde é dar voz não só ao usuário como também ao


profissional de saúde, de forma que ambos participem de uma rede de diálogo.

• A atenção psicossocial é uma das diretrizes consequentes da reforma


psiquiátrica brasileira e apresenta-se como uma esfera “ético-estético-política”.

• O CAPS, embora seja uma referência, não deve ser o único centro voltado para
a saúde mental, de modo que haja integração intersetorial.

• Assim, o que se busca por colocar em voga é uma atenção ao cuidado de maneira
humanizada e dentro da lógica do cotidiano e dos territórios que façam parte
da convivência dos usuários.

98
AUTOATIVIDADE

1 Como é definida a política nacional de humanização (PNH) criada em 200?

a) ( ) Conjunto de métodos para tornar o atendimento mais humano.


b) ( ) Estratégias humanizadas de assistir à população.
c) ( ) Estratégias para aproximar os princípios dos SUS da realidade dos
serviços de saúde.
d) ( ) Estratégias para colocar em prática os princípios dos SUS à realidade
dos serviços de saúde.

2 Uma das diretrizes da política nacional de atenção básica é a ambiência.


Assinale a alternativa INCORRETA.

a) ( ) A ambiência é o tratamento dado à estrutura física dos serviços de


saúde, de modo a serem ambientes saudáveis e confortáveis.
b) ( ) Ambiência é o modo como é organizado o serviço quanto aos ambientes,
exclusivamente as salas de procedimento e os consultórios.
c) ( ) Faz parte da ambiência que os espaços mantenham a privacidade
dos usuários.
d) ( ) A ambiência é uma diretriz da PNH que prevê que os serviços de
saúde sejam também espaços de “estar”, ou seja, pontos referenciais
para encontros reflexivos.

3 Um dos princípios da política nacional de humanização é a transversalidade.


Tal princípio trata-se de:

a) ( ) Reflexões e práticas que permeiam todos os programas do sistema,


que propiciam a melhor da comunicação entre pessoas do grupo e
demais grupos.
b) ( ) Cogestão dos serviços (usuários, trabalhadores e gestores), levando a
gestão a interferir diretamente na atenção.
c) ( ) Empoderamento das pessoas envolvidas na implementação das
mudanças.
d) ( ) Participação das três esferas de governo nas decisões do SUS.

4 Considerando a tônica, no Acompanhamento Terapêutico, da relação com


o outro a partir dos direitos humanos e do respeito à alteridade, descreva
três tipos de direitos humanos que são evidenciados na vida social.

5 A assistência prestada pelos serviços psicossociais é importante tanto


para uma lógica de humanização quanto para uma descentralização dos
territórios de atendimentos aos sujeitos. Descreva os serviços que devem
ser prestados pelo CAPS de acordo com a Portaria nº 336/02.

99
100
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO


DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, abordaremos, neste tópico, algumas considerações


fundamentais para a atuação do acompanhante terapêutico. Primeiramente,
compreenderemos a origem e os diversos significados que a palavra cuidado
apresenta na bibliografia. Evidenciou-se que o conceito de cuidado está
intimamente relacionado com as noções de dedicação, preocupação e até mesmo
um esforço para promover bem-estar a outro sujeito ao qual nos debruçamos. O
autor Leonardo Boff afirma que é a partir do cuidado que nasce o ser humano.

Em seguida, discutiremos brevemente a relação entre cuidado e atitude.


Nesta perspectiva, o cuidado não pode ser encarado meramente como um ato,
mas sim adquire o status de atitude. Portanto, significa “eu” implicar-me e/
ou responsabilizar-me com o outro e suas respectivas demandas. Conforme
mencionamos anteriormente sobre a perspectiva de Boff, o autor entende que
a existência humana só é possível a partir da interdependência promovida
pelo cuidado.

Também verificaremos no decorrer do Tópico, que essa concepção possui


desdobramentos importantes na nossa compreensão de saúde e do sistema de
saúde, pois as pessoas passam a ser tratadas como sujeitos com necessidades, e
não apenas como números ou objetos.

Ainda neste tópico, abordaremos aspectos pertinentes ao cuidado integral,


e o que significa a visão holística do ser humano, acolhimento e responsabilização,
o afeto e o cuidado em saúde e também sobre a importância de o acompanhante
terapêutico cuidar de si e da sua saúde mental para que possa cuidar do outro.

2 A DEFINIÇÃO DE CUIDADO
A palavra “cuidado” nos remete a diferentes pensamentos. Segundo o
dicionário (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 100), cuidado tem diversos significados: “sub.
atenção, aplicação a alguma coisa; precaução, cautela, diligência, desvelo; inquietação
de espírito, preocupação; encargo, responsabilidade; adj. pensado, premeditado,
previsto; estar em cuidado, inquieto; dar cuidado, preocupar, inquietar”.

101
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

“Conforme o dicionário etimológico Nova Fronteira da Língua Portugue-


sa, o vocábulo cuidar quer dizer, cogitar, imaginar, pensar, tratar de dar atenção a
ter cuidado com a saúde de curar, também entendendo como originário do latim
cogitare-cogitatus” (CUNHA, 1982, p. 232).

Streck e Streck (2002, p. 1) afirmam que “a palavra ‘cuidado’ provém do


latim cura e significa relacionamentos de amor e amizade. Cuidar de alguém
significa que me dedico com carinho especial a esta pessoa para que ela não sofra,
fique curada, que me preocupo com ela”.

“Burdach chama a atenção para um duplo sentido do termo ‘cura’ em que


ele não significa apenas um ‘esforço angustiado’, mas também o ‘cuidado’ e a
‘dedicação’” (HEIDEGGER, 2003, p. 264).

De acordo com estas primeiras citações, vão ficando claros alguns aspectos
do sentido do termo/conceito “cuidado”, por exemplo, já podemos dizer que se
refere a: relacionamento, dedicação, preocupação com o outro ou um esforço para
que de alguma maneira o outro possa obter algum alívio. Com isso, podemos
afirmar que cuidado é mais que um ato, é uma atitude que nos liga afetivamente
a tal ponto de nos vincularmos com o outro.

Leonardo Boff (2003, p. 89) nos traz uma ampliação maior ainda desse
pensamento:

Segundo clássicos dicionários de filologia, alguns estudiosos derivam


cuidado do latim cura. Esta palavra é um sinônimo erudito de cuidado,
usada na tradução de ser e tempo de Martim Heidegger. Em sua forma
mais antiga, cura em latim se escrevia coera e era usada num contexto
de relações de amor e de amizade. Expressava a atitude de cuidado, de
desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por
um objeto de estimação. Outros derivam cuidado de cogitare-cogitatus
e de sua corruptela coyedar, coidar, cuidar. O sentido de cogitare-
cogitatus é o mesmo de cura: cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar
interesse, revelar uma atitude de desvelo e de preocupação. O cuidado
somente surge quando a existência de alguém tem importância para
mim. Passo então a dedicar-me a ele; disponho-me a participar de
seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos,
enfim de sua vida [....] por sua própria natureza, cuidado inclui, pois,
duas significações básicas, intimamente ligadas entre si. A primeira,
a atitude de desvelo e de atenção para com o outro. A segunda, de
preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se
sente envolvida e afetivamente ligada ao outro.

Boff afirma que “cuidado é aquela força originante que continuamente faz
surgir o ser humano. Sem ela, ele continuaria sendo apenas uma porção de argila
como qualquer outra à margem do rio” (BOFF, 2003, p. 91). Ele acrescenta:

[...] sem o cuidado, ele deixa de ser humano. Se não receber cuidado,
desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha,
perde sentido e morre. Se, ao largo da vida, não fizer com cuidado tudo o
que empreender, acabará por prejudicar a si mesmo e por destruir o que

102
TÓPICO 2 — CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

estiver a sua volta. Por isso o cuidado deve ser o que entendido na linha
da essência humana (que responde à pergunta: o que é o ser humano?).
O cuidado há de estar presente em tudo. Nas palavras de Martin
Heidegger: “cuidado significa um fenômeno ontológico – existencial
básico. Traduzindo: um fenômeno que é a base possibilitadora da
existência humana enquanto humana (BOFF, 2003, p. 24).

O escritor brasileiro Leonardo Boff tem escrito bastante sobre a temática


do cuidado. Seus livros ajudam na compreensão do conceito e todos os aspectos
relacionados ao assunto.

FIGURA 1 – LEONARDO BOFF

FONTE: <https://cdn.pensador.com/img/authors/le/on/leonardo-boff-l.jpg>. Acesso em: 21 jul. 2021.

3 CUIDADO E ATITUDE
Quando se faz uma busca nas origens da palavra “cuidado” abre-se diante
de nós novas perspectivas da compreensão da vida, do ser humano, do que é
viver neste planeta e, pode-se dizer, de saúde.

Em um retorno histórico para a época do povo hebreu, pôde-se verificar o


significado da palavra cuidado e deparar-se com o seguinte: um dos correlatos da
palavra cuidado na língua hebraica é o verbo hebraico “shãmar”, cujo significado
é cuidar, guardar, prestar atenção, observar. Entre os desdobramentos da raiz do
verbo há uma que é “tomar conta de”. Isso envolve cuidar de coisas, animais e
pessoas. A questão do cuidado para o povo judeu envolvia ter a compreensão do
ser humano em sua inteireza, completude, integrando dor e alegria. Na língua
grega, a palavra cuidado, merimna e μελει, significam: “importa-se, dá-se, cuida-
se, dá-se ao cuidado”.

103
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Vemos assim que cuidar é mais que um ato: é uma atitude. E esta não
se limita a um mero momento de zelo ou atenção. Tem a ver com ocupar-se,
responsabilizar-se, envolver-se afetivamente com o outro. Como já observado por
Boff, o nascimento do ser humano já consiste em cuidado, não há condição de
existência sem os cuidados elementares, ou seja, ele não vive sem ser cuidado.

Na língua latina, a tradução da palavra cura, do latim para o português, é


cuidado. Sendo assim, pode-se afirmar que a “cura” que muitas pessoas buscam
pode vir não pela ausência total de um problema, mas por uma atitude cuidadora.
Nesse aspecto, o cuidado surge quando a vida de alguém se torna importante
para outra pessoa. Conforme Rückert (2016, p. 44), “passamos a nos dedicar
a essa pessoa. Optamos em participar de seu destino, de suas buscas, de seus
sofrimentos, de sua vida. Saímos de nós mesmos e centramos no outro, em um
clima de disponibilidade, solicitude e empatia”. A “cura” – cuidado – começa,
então, a acontecer efetivamente.

De certa forma, isso afeta toda a nossa compreensão de saúde e de sistema


de saúde, pois, nesta perspectiva o ser humano não é visto como mais um número
para ser tratado ao léu, com descaso, por obrigação, mas ganha-se uma nova
visão e abordagem de postura. O ser humano passa a ser visto como humano,
como alguém, como um ser que necessita de cuidado, alguém que tem alguém
que se importa efetivamente com ele, que dá a devida atenção, que se doa e, neste
aspecto, podemos até usar a expressão que “cura”.

Leonardo Boff aponta para dois modos de ser no mundo: trabalho e


cuidado. O trabalho acontece por meio da intervenção e interação. É uma forma
de dominação. O cuidado é relacionamento de sujeito a sujeito, o que envolve
convivência, comunhão e interação. Para o autor, “cuidar das coisas implica
ter intimidade, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhes sossego e
repouso. Cuidar é entrar em sintonia com auscultar-lhes o ritmo e afinar-se com
ele” (BOFF, 2003, p. 95).

Segundo Rückert (2016, p. 44), “desprovidos do cuidado, deixamos de


ser humanos”. Não sendo cuidados, nós nos desestruturamos, definhamos,
perdemos sentido e morremos. O cuidado é a base possibilitadora da existência
humana enquanto humana”. Já para Sathler-Rosa (2004, p. 35), “vivemos a partir
do cuidado que recebemos e, por outro lado, promovemos vida através do
cuidado que dispensamos a outrem”.

104
TÓPICO 2 — CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

DICAS

Para continuarmos refletindo acerca dos aspectos relacionados a compreensão


de cuidado na prática do AT, sugerimos a leitura do artigo “Clínica ampliada em saúde
mental: cuidar e suposição de saber no acompanhamento terapêutico”, dos autores Carlos
Estellita-Lins, Verônica Miranda Oliveira e Maria Fernanda Coutinho.
FONTE: <https://www.scielo.br/j/csc/a/z3tk3FJJHyBndMchNTpg3DD/abstract/?lang=pt>.
Acesso em: 25 jul. 2021.

4 O SER HUMANO, UM SER INTEGRAL


Quando se pensa no ser humano há diversas vertentes para a compreensão
de quem ele é, e como é formado. Por exemplo, a visão dicotomista entende o
homem como um ser dividido em duas partes: material (corpo) e imaterial (alma,
espírito). Por outro lado, a visão tricotomista enxerga o ser humano dividido
em três partes – corpo, alma e espírito. No entanto, cada vez mais ganha força
e propriedade o entendimento que o ser um humano precisa ser visto como um
ser integral, isto é, no seu todo. Ainda que seja possível contemplar cada uma
das partes (material ou imaterial), a visão holística da vida humana é muito mais
plausível, e contribui melhor para a compreensão e tratamento das pessoas,
pois não busca separar as partes, mas compreendê-las como completamente
interligadas e dependentes entre si.

Em uma pesquisa sobre alguns termos relacionados a esta questão,


descobre-se que esta visão holística não é recente. Por exemplo, a palavra para alma
na língua hebraica é nefesh, que significa “a compreensão globalizante e sintética
do ser humano”. Neste sentido, a pessoa em si não pode ser entendida a partir de
um princípio dual (alma e corpo) ou ainda como um ser fragmentado, mas como
aquele que se encontra integramente na presença de Deus. Já na língua grega há
uma expressão anthropos teleios, esta indica o ser humano que se desenvolveu de
forma plena, ou que atingiu certo grau de maturidade, ou ainda que alcançou a sua
integralidade. Na língua latina há uma famosa frase que diz “mens sana in corpore
sano” – “mente sã em corpo são”. Isso quer dizer que, estas línguas, de alguma
forma, apontam para uma mesma direção: o ser humano, um ser integral.

Como já mencionado, esta visão holística vem se fortalecendo e, por isso,


permeia todas as áreas, incluindo a saúde. Não somente a área da saúde, mas
cada vez mais ciência, filosofia, saúde, religião convergem para um ponto em
comum: o homem como um ser integral que precisa ser cuidado desta forma, isto
é, na integralidade do ser.

105
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

FIGURA 2 – O SER HUMANO, UM SER HOLÍSTICO

FONTE: <https://i1.wp.com/biblearchive.com/blog/wp-content/uploads/2014/05/tripartite-01.
png?w=1920>. Acesso em: 25 jul. 2021.

NOTA

A palavra “holístico” foi criada a partir do termo holos, que em grego


significa "todo" ou "inteiro". A visão holística procura compreender os fenômenos na
sua totalidade e globalidade.

Com esse pensamento, Silveira e Vieira (2005) mostram que quando


alguém se apresenta em sofrimento, não é apenas uma parte de seu corpo que
sofre, é o sujeito na totalidade de sua existência que chega até nós, isto é, em
seu todo. Portanto, esta visão holística nos conduz a um outro entendimento
e compreensão da pessoa e de seu sofrimento. Por isso, Silveira e Vieira (2005)
reafirmam que cuidado envolve se propor a cuidar da existência-sofrimento, o
que nos remete permanentemente a um haver-se com a ética, e a ética no campo
da saúde deve ser a ética do cuidar da vida.

4.1 O CUIDADO INTEGRAL


Baseado nessa visão holística do ser humano, constata-se a necessidade de
um cuidado que caminhe nessa mesma direção, isto é, em uma perspectiva integral.
Nossa Constituição Federal de 1988, quando trata da questão de saúde, relata o
“atendimento integral” (BRASIL, 1988) como a necessidade de compreender o
indivíduo enquanto um todo holístico, um ser biopsicossocial em sua essência.

Entretanto, quando se pensa nesta questão integral do tratamento da


pessoa na saúde no Brasil, especialmente no SUS, ainda é uma concepção difusa
e complexa. Na Lei nº 8.080/90 (BRASIL, 1990), o conceito de integralidade ganha
mais amplitude. Dentro desta perspectiva pode-se dizer que, a integralidade é
um princípio-diretriz do SUS. Princípio por ter uma abordagem mais filosófica
do ser humano e diretriz por nortear o processo de trabalho. Nesse aspecto,

106
TÓPICO 2 — CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

a integralidade passa a ser uma forma de ampliar o olhar dos profissionais


atuantes nesta área para além da lógica da pura intervenção, tentando alcançar
os contornos do que se compreende como ‘cuidar’, no âmbito da construção dos
serviços de saúde. Contudo, é importante ressaltar que a integralidade como
esse esforço para uma oferta que atenda demandas e necessidades construídas é
sempre relacional ao contexto.

Para Leonardo Carnut (2017), ver o outro na sua cosmovisão é, em outras


palavras, vê-lo como um ser integral.

FIGURA 3 – SAÚDE INTEGRAL

FONTE: <https://bit.ly/37xjohe>. Acesso em: 15 jun. 2021.

Conforme Carnut (2017), como expressão dessa forma de ver e


procurar compreender o ser humano como ser integral, e cuidar dele na sua
totalidade, o conceito de integralidade no cuidado, ganha expressão através
de equipes multiprofissionais (psiquiatra, homeopata, pediatra, fisioterapeuta,
fonoaudiólogo, farmacêutico, educadores físicos, nutricionistas, terapeutas
ocupacionais e sanitaristas, entre outros).

No Brasil foram incorporados ao rol de atividades executadas na


atenção básica brasileira procedimentos odontológicos, cuidados específicos em
enfermagem e atenção integral a todos os ciclos de vida, transcendendo a tradicional
focalização no cuidado materno-infantil. As equipes de saúde da família também
ratificam esse pensamento, pois, partem do pressuposto que os problemas de
saúde identificados extrapolem uma parte específica (somente o corpo), mas estão
entrelaçados a um todo, não somente da pessoa, como também pode-se dizer que
seus relacionamentos, especialmente os mais próximos, afetam toda a sua vida.

Carnut (2017) também destaca que, vários elementos, no território,


apresentam-se institucionalizados em políticas públicas, e são espaços nos
quais a equipe pratica a integralidade em seu conceito mais ampliado. Assim, o
Programa Saúde na Escola (PSE), as Academias da Saúde e a Atenção Domiciliar
são exemplos concretos da interpenetração de políticas públicas no âmbito local,
que potencializam a efetividade do direito à saúde e corroboram para que a
equipe se mantenha no exercício da prática do cuidado integral, mesmo que suas
formações de origem tenham negligenciado essa abordagem em suas graduações.
O autor conclui seu pensamento com a seguinte reflexão:
107
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Nesse ponto, é fundamental explicitar que a formação em saúde


para atenção primária, mesmo com todos os avanços obtidos, ainda
é caudatária da prática integral no exercício das habilidades comuns
e específicas dos profissionais de saúde. Em que pese a influência do
desenho institucional do sistema de saúde, e suas políticas, na tentativa
de alcance do cuidado integral, as universidades e seus docentes ainda
padecem de práticas de ensino-aprendizagem que seguem o receituário
flexneriano clássico (fragmentadas, especializadas, biologizantes e
focadas no modelo liberal). O papel da universidade e de seus docentes
na elaboração de currículos integrados (ZILBOVICIUS, 2011) e no
investimento de esforços que articulem o ensino-serviço-comunidade
é essencial para gerar um perfil de egressos que seja mais condizente
com o que se preconiza para o trabalho em saúde, na perspectiva da
integralidade na atenção básica. Só assim, de maneira sinérgica entre
a formação e o cuidado, a integralidade alcançará patamares mais
elevados na concretude dos serviços de saúde (CARNUT, 2017, p. 1181).

Pode-se dizer, então, que o trabalho com a integralidade no cuidado


cotidiano, na saúde, e em qualquer área, ultrapassa a mera formalidade
institucional e está atrelado a um grande projeto societário.

4.2 ACOLHIMENTO E RESPONSABILIZAÇÃO


Acolher também é cuidar. No processo do cuidado, o acolhimento,
enquanto agir, pode atravessar os processos relacionais em saúde, rompendo
com os atendimentos tecnocráticos e criando atendimentos mais humanizados.
Este é o deslocamento fundamental operado pela noção de acolhimento.

Na prática da integralidade do cuidado, segundo Carnut (2017, p. 1182)


“outra estratégia que corrobora a prática integral é o acolhimento”. Este pode ser
entendido como agasalhamento, recebimento, acomodamento, acalento, ou seja,
promove um encontro diferenciado, permeado de contato e afeto.

Conforme Silveira e Vieira (2005), o acolhimento pode ser expresso em


um olhar dirigido a quem chega ao serviço, em uma palavra entonada de forma
mais acolhedora, pode estar presente em atividades de sala-de-espera que estejam
para além da recepção, em um gesto que demonstre que o espaço do serviço
se constitui verdadeiramente em uma referência constante para o sujeito. Para
esta autora, é nessa direção que Boff (2003) atribui ao olhar no rosto do outro a
concretude de uma postura de acolhida:

[...] É concretamente um rosto com olhar e fisionomia. O rosto do outro


torna impossível a indiferença. O rosto do outro me obriga a tomar
posição porque fala, pro-voca, e-voca e com-voca. [...] O rosto e o olhar
lançam sempre uma pro-posta em busca de uma res-posta. [...] Aqui
encontramos o lugar do nascimento da ética que reside nesta relação
de res-ponsa-bilidade diante do rosto do outro [...]. É na acolhida ou
na rejeição, na aliança ou na hostilidade para com o rosto do outro que
se estabelecem as relações mais primárias do ser humano e se decidem
as tendências de dominação ou de cooperação (BOFF, 2003, p. 139).

108
TÓPICO 2 — CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Na mesma direção, Carnut (2017, p. 1182) afirma que “alguns autores


(SANTOS et al., 2007) dizem que o acolhimento é uma ‘tecnologia do encontro’,
baseada na escuta qualificada, e que tem como objetivo garantir o acesso do
usuário ao serviço, com presteza e corresponsabilização, mesmo quando ele é
referenciado para serviços de retaguarda”.

Nesse sentido, pôde-se identificar claramente a articulação entre o


acolhimento e a integralidade no conceito de linhas que envolvem o cuidado.
Havendo acolhimento e cuidado, também surge a responsabilização. O processo
de cuidar demanda, também, responsabilidade, pois se estabelece vínculos e
consequentemente um estreitamento de relação que envolve sentimentos de
mútua confiança.

Esse conceito (responsabilização), atrelado ao acolhimento, é capaz de


favorecer um reordenamento da lógica de recepção em saúde, na qual exista, de
forma efetiva, um comprometimento e uma responsabilização de toda a equipe
para com o sofrimento do usuário, de forma individual e coletiva, e para com o
consequente trabalho terapêutico dirigido ao seu cuidado.

Diante disso, com o acolhimento surge a responsabilização. Esta


responsabilização vai muito além do simples fato de dar o atendimento clínico
necessário, mas na visão holística envolve cuidar daquela pessoa com um olhar
humanizado e responsável.

Para que isso seja efetivado mais facilmente, segundo Silveira e Vieira
(2005, p. 97-98):

É necessário, portanto, qualificar a escuta, construir em equipe uma


assistência humanizada e centrada no usuário, de modo a garantir
uma resposta positiva aos problemas, ainda que essa resposta seja tão
somente acolher – sem significar a permanência do usuário naquele
serviço – e realizar um encaminhamento seguro aos demais serviços ou
estratégias da rede de atenção. Essa atitude também é responsabilizar-
se pela demanda, é uma atitude ética que reconhece no sujeito que
sofre alguém que precisa de um primeiro atendimento humanizado e
comprometido com sua problemática, independente de apresentar-se
com sofrimento psíquico “grave” ou não. A postura ética é acolher o
sofrimento, seja ele de que ordem for.

Pode-se dizer, então, que o acolhimento possibilita a visibilidade dos


critérios de acessibilidade a que os usuários estão submetidos, por meio do
acolhimento e da responsabilização.

109
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

4.3 CUIDANDO DE SI E DO OUTRO


Toda vez que adentramos em uma aeronave para realizarmos um voo,
dentre as orientações que recebemos, uma delas é a seguinte: "em caso de
despressurização, máscaras cairão automaticamente. Puxe uma das máscaras,
coloque-a sobre o nariz e a boca ajustando o elástico em volta da cabeça e
respire normalmente, depois auxilie a criança ao seu lado”. A orientação é muito
simples, mas extremamente importante, ou seja, você precisa, em primeiro lugar,
colocar a sua máscara e depois atender outra pessoa (no caso a criança). A razão
também é fácil de entender, isto é, não há como você atender outra pessoa se não
estiver em condições para isso, por isso, é necessário, em primeiro lugar, prestar
atenção no autocuidado ou cuidado de si.

FIGURA 4 – CUIDADO DE SI E DO OUTRO

FONTE: <https://braveacorn.com/wp-content/uploads/2021/05/airplane-oxygen-
-mask-2-300x161-1.png>. Acesso em: 23 jul. 2021.

De acordo com Carnut, (2017, p. 1179):

Em que pese a relevância do cuidado do profissional de saúde


com o usuário, Bub et al. (2006) relataram que, tradicionalmente
nas profissões da saúde, o cuidado (entendido como autocuidado)
também está na centralidade da discussão, especialmente quando se
constata a corresponsabilização do paciente no sucesso ou malogro
da ação terapêutica.

Daí a importância dessa atenção para o autocuidado. Cuidar de si dá a


base e as condições necessárias para que alguém possa atender a outra pessoa.
Nesse aspecto, há várias discussões atuais sobre o “cuidado de si”.

O profissional de saúde é um cuidador que sofre. “Quem convive e lida,


diariamente, com a dor dos outros é uma pessoa em sofrimento contínuo, esteja
ou não consciente disso” (RÜCKERT, 2016, p. 57). Sendo assim “o cuidador
comprometido com o paciente e o seu trabalho tem as suas próprias dores
ativadas no contato com a dor dos outros” (RÜCKERT, 2016, p. 50). Em razão
disso, o cuidado de si precisa ser monitorado, pois se não for, pode-se entrar em
um processo de espiral descendente aonde se chegará ao ponto em que aquele
que cuida necessitará ser cuidado.

110
TÓPICO 2 — CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

5 O AFETO E O CUIDADO EM SAÚDE


O cuidado em saúde pressupõe uma primeira característica de trabalho:
o acolhimento das demandas, das queixas, dos sintomas dos pacientes, que
pode ser feito por qualquer profissional de saúde. Segundo Paula e Rocha
(2019), o acolhimento é feito por meio de uma escuta diferenciada, humanizada,
compartilhada pela equipe, de modo a atender de maneira mais resolutiva às
demandas dos usuários, da família e da comunidade. É com o acolhimento que
se inicia o cuidado em saúde.

Souza et al. (2005) defendem que o conceito de cuidado em saúde é


amplo e muito diversificado, manifesta-se na preservação do potencial saudável
dos cidadãos e depende de uma concepção ética que contemple a vida como
um bem valioso em si. Quer dizer, solidarizar-se, evocando relacionamentos
compartilhados entre cidadãos em comunidades, e, por conseguinte, parceria,
dever e compromisso social, visto que cuidar implica colocar-se no lugar do outro.

Ballarin, Carvalho e Ferigato (2009) defendem que muitos estudos e


trabalhos científicos avançaram com relação ao tema do cuidado em saúde e da
humanização das práticas assistenciais a partir das transformações do conceito
ampliado de saúde e da efetivação dos princípios e diretrizes do Sistema Único
de Saúde (SUS), tendo o sentido de cuidar sofrido muitas alterações ao longo
do tempo, algumas alterações no sentido etiológico do termo, outras no senso
comum, que é empregado tanto em um sentido de vigilância quanto de zelo.

Souza et al. (2005) definem cuidado como desvelo, solicitude, diligência,


zelo, atenção, como um modo de estar com o outro no que se refere a questões
especiais da vida dos cidadãos e de suas relações sociais. Os autores afirmam, ainda,
que compreender o valor do cuidado requer uma concepção ética que contemple a
vida como um bem valioso em si, começando pela valorização e respeito ao outro
em sua complexidade, suas escolhas, incluindo a escolha da profissão.

Para Ballarin, Carvalho e Ferigato (2009), as reformas sanitárias, psiquiátricas


e o movimento de reabilitação psicossocial e desospitalização na saúde mental
influenciaram novas formas de pensar, tratar e cuidar em saúde mental. Segundo
os autores, houve a estruturação de uma rede serviços e cuidados que envolve
usuários, familiares, trabalhadores, gestores e a comunidade. Essas mudanças são
compartilhadas na área da saúde mais geral, não só em saúde mental.

É preciso pensar nas relações que são possíveis de se estabelecer entre os


agentes (profissionais, familiares, instituições, usuários, comunidade, Estado) que
buscam alcançar o conceito da saúde em um completo bem-estar para formular
medidas efetivas e amenizar sofrimentos, promovendo a qualidade de vida. Para
pensar no cuidado, tem-se, em sua base, que falar em afeto. Na abordagem de
Wallow (apud LOOS-SANT'NA; GASPARIM, 2013), afirma-se que a afetividade

111
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

nasce com o sujeito e se expressa a partir do corpo, indicando satisfação ou não


satisfação das necessidades de sobrevivência, a diferenciação daquilo que agrada
ou desagrada, e, por meio do desenvolvimento motor, dos movimentos do corpo,
dialoga com o mundo externo.

No campo do cuidado em saúde, a afetividade pode se expressar contra


ou a favor do tratamento, da equipe médica, e os profissionais têm de observar
essa dinâmica afetiva no cuidado com o paciente. Para Barbosa e Bosi (2017), a
relação que se estabelece entre usuários de serviços de saúde e os profissionais
que nele atuam é tema importante para o SUS. Na atenção básica, costuma-se usar
a palavra vínculo para representar essa relação, estando destacada na própria
política de atenção básica (PNAB) a importância do vínculo e a responsabilização
entre equipe e população, para fins de um prognóstico mais confiante.

Moura e Silva (2015) destacam, em seu trabalho de pesquisa, dilemas do


papel duplo do agente comunitário de saúde (ACS) nos programas de saúde
da família (PSF) na atenção básica e a importância do relacionamento reflexivo
entre agente e usuário e a afetividade. Segundo os autores, Deleuze (2002 apud
MOURA; SILVA, 2015, p. 994), em uma releitura de Spinoza, relembra a noção de
encontro, “[...] onde o encontro com um corpo que é conveniente ao nosso e nos
afeta com alegria, suscita a formação de vínculos e composições entre eles [...]”.

Nesse sentido, Sawaia (2001 apud MOURA; SILVA, 2015) afirma que, para
compreender as relações, especialmente em cenários de vulnerabilidade (como é
o caso dos serviços de saúde, desde a atenção primária até os mais especializados),
é preciso resgatar o conceito de afetividade como a emoção que impregna o existir
humano e se apresenta ora como sentimentos e reações moderadas de prazer e
desprazer, ora como emoção, fenômeno afetivo intenso e breve, que interrompem
o fluxo normal da conduta.

Vale lembrar que, mesmo ocorrendo moderações de humor e variações de


conduta ou comportamentos que produzem ora aspectos positivos ora negativos
nas expressões desses afetos e na relação com o outro – ou seja, aspectos que
facilitem ou dificultem os prognósticos e tratamentos em saúde –, é o encontro
que pode promover o enfrentamento e a resolução desses conflitos. Por isso, é tão
defendido que o cuidado deve valorizar o afeto de forma ética, ou seja, valorizar
a vida, respeitando as diferenças.

Pinheiro e Bomfim (2009) destacam, em sua pesquisa sobre a relação entre


paciente e ambiente hospitalar, o tema da afetividade. A afetividade, dentro de
uma perspectiva histórico-cultural vigotskiana, apresenta-se como uma categoria
de análise que integra as cisões do campo da psicologia, possibilitando uma
compreensão mais global, sem dicotomizar a pessoa-ambiente. Para Vygotsky
(1991 apud PINHEIRO; BOMFIM, 2009), não existe um pensamento sem
sentimento e vice-versa, pois todas as funções psicológicas superiores estão inter-
relacionadas, o sentimento, o pensamento e a vontade.

112
TÓPICO 2 — CONSIDERAÇÕES FUNDAMENTAIS PARA A ATUAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Em sua pesquisa, Pinheiro e Bomfim (2009) trabalharam com um


instrumento gerador de mapas afetivos para estudar a relação entre os espaços
e os afetos, na tentativa de superar a dualidade cognição-afeto na vivência do
indivíduo, e consideraram que qualquer ambiente é um território emocional.

Ballarin, Carvalho e Ferigato (2009) apontam que os profissionais de saúde


que atuam principalmente nos serviços de cuidado à saúde mental se deparam
com situações complexas e emergenciais no seu cotidiano, que expressam cenas
em que o usuário em crise manifesta agressividade, mediante intenso sofrimento
psíquico, e até mesmo atitudes de automutilação e angústia extrema, considerada
pelos autores a expressão de sua singularidade. Essas vivências intensas exigem
dos profissionais compreensão ética e disponibilidade para um cuidado
abrangente. Contudo, o que costuma acontecer, na realidade, é que essa situação
influencia uma postura defensiva e até compreensível de distanciamento, de
modo que o diálogo e a reflexão crítica não encontram eco, retorno. Assim, o foco
de atenção fica desviado para uma prática puramente institucional.

Os autores defendem que:

[...] é necessário salientar que as transformações que se efetivaram


no campo da saúde mental objetivadas a partir da reabilitação
psicossocial, buscam resgatar a cidadania dos sujeitos, a partir do
incremento da consciência do paciente a respeito dos seus problemas,
bem como sua autonomia afetiva e social [...] (BALLARIN;
CARVALHO; FERIGATO, 2009, p. 220).

Ballarin, Carvalho e Ferigato (2009) defendem que essa realidade,


guardadas algumas diferenças de continuidade ou intensidade, também estão
presentes no cuidado em saúde em outras unidades dos setores primário,
secundário e terciário. Os autores ainda afirmam que, nesses contextos, o ato de
cuidar pressupõe do cuidador uma postura ativa que permita reconhecer o outro
na sua liberdade, dignidade e singularidade.

Os autores ainda diferenciam uma característica política relacionada ao


cuidado em saúde que pode ser traduzida pelo direito de cidadania, contrapondo
o de submissão, caracterizado pela lógica mais tradicional da assistência. Assim,
Ballarin, Carvalho e Ferigato (2009) definem uma característica tríplice do
cuidado: conhecer para cuidar melhor (compreensão do conceito sócio-histórico
das relações de poder), cuidar para confrontar (gerenciar as forças que efetivam
o controle democrático) e cuidar para emancipar (desconstrução progressiva das
assimetrias de poder). Assim, nessa perspectiva, ajudar e cuidar têm um sentido
de fortalecer o usuário dos serviços, a família e a comunidade para sua autonomia.
Autonomia não no sentido de deixar que façam por si mesmos, mas no sentido de
parceria, de construir possibilidades de cuidado em conjunto.

113
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Nesse sentido, Barbosa e Bosi (2017) defendem o vínculo entre os


profissionais de saúde como um importante conceito para o PNAB, em que
o vínculo consiste na construção de afetividade e confiança entre usuário e
trabalhadores da saúde, aprofundando o processo de corresponsabilização pela
saúde e o potencial terapêutico, a fim de viabilizar a continuidade do cuidado.

Na mesma linha de raciocínio, Souza et al. (2005) afirmam que a ideia


de ajudar os outros na solução de problemas ou de colocar-se no lugar do outro
ainda permanece válida na noção de cuidado em enfermagem no século XXI. Essa
ideia fundamenta-se em integrar as pessoas em torno do bem comum, mantendo
o elo social. Assim, cuidar significa comprometimento e engajamento político-
cultural, prevenindo rupturas na sociedade e promovendo o que se preconiza
como conceito ampliado de saúde.

Para os autores, o cuidado promove e restaura o bem-estar físico, psíquico


e social e amplia as possibilidades de viver e prosperar, bem como as capacidades
para associar diferentes possibilidades de funcionamento factíveis para a pessoa.
Nessa perspectiva, o cuidar se revela na prática com um conjunto de ações,
procedimentos, propósitos, eventos e valores que transcendem ao tempo da ação,
acolhendo diferentes gerações e imprimindo-lhes realização e qualidade de vida.

DICAS

Caro acadêmico, para concluirmos os estudos deste tópico, sugerimos a leitura


do artigo “A importância do acompanhamento terapêutico como estratégia de intervenção
auxiliar à clínica tradicional”, dos autores Lyvya Mendes Pelúcio, Janne Cristina de Araújo
Silva e Ricardo Ângelo de Andrade Souza.
FONTE: <http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/48257>. Acesso em: 25 jul.2021.

114
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A palavra “cuidado” nos remete a diferentes pensamentos.

• O cuidado se refere ao relacionamento, dedicação, preocupação com o outro


ou um esforço para que de alguma maneira o outro possa obter algum alívio.

• Cuidado é mais que um ato, é uma atitude que nos liga afetivamente a tal
ponto de nos vincularmos com o outro.

• Quando se faz uma busca nas origens da palavra “cuidado”, abrem-se diante
de nós novas perspectivas da compreensão da vida, do ser humano, do que é
viver neste planeta e, pode-se dizer, de saúde.

• Cuidar não se limita a um mero momento de zelo ou atenção. Tem a ver com
ocupar-se, responsabilizar-se, envolver-se afetivamente com o outro.

• O ser humano passa a ser visto como alguém, como um ser que necessita de
cuidado, alguém que tem alguém que se importa efetivamente com ele, que dá
a devida atenção, que se doa e, neste aspecto, podemos até usar a expressão
que “cura”.

• Quando se pensa no ser humano há diversas vertentes para a compreensão de


quem ele é, e como é formado.

• A visão dicotomista entende o homem como um ser dividido em duas partes:


material (corpo) e imaterial (alma, espírito).

• A visão tricotomista enxerga o ser humano dividido em três partes – corpo,


alma e espírito.

• Cada vez mais ganha força e propriedade o entendimento que o ser um humano
precisa ser visto como um ser integral, isto é, no seu todo.

• Baseado na visão holística do ser humano, constata-se a necessidade de um


cuidado que caminhe nessa mesma direção, isto é, em uma perspectiva integral.

• No Brasil, foram incorporados ao rol de atividades executadas na Atenção


Básica brasileira procedimentos odontológicos, cuidados específicos em
enfermagem e atenção integral a todos os ciclos de vida, transcendendo a
tradicional focalização no cuidado materno-infantil.

115
• O trabalho com a integralidade no cuidado cotidiano, na saúde, e em qualquer
área, ultrapassa a mera formalidade institucional e está atrelado a um grande
projeto societário.

• Acolher também é cuidar. No processo do cuidado, o acolhimento, enquanto


agir, pode atravessar os processos relacionais em saúde, rompendo com os
atendimentos tecnocráticos e criando atendimentos mais humanizados. Este é
o deslocamento fundamental operado pela noção de acolhimento.

• O processo de cuidar demanda, também, responsabilidade, pois se estabelece


vínculos e consequentemente um estreitamento de relação que envolve
sentimentos de mútua confiança.

• O acolhimento possibilita a visibilidade dos critérios de acessibilidade a que os


usuários estão submetidos, por meio do acolhimento e da responsabilização.

• Cuidar de si dá a base e as condições necessárias para que alguém possa atender


a outra pessoa.

• O cuidado em saúde pressupõe uma primeira característica de trabalho: o


acolhimento das demandas, das queixas, dos sintomas dos pacientes, que pode
ser feito por qualquer profissional de saúde.

• É preciso pensar nas relações que são possíveis de se estabelecer entre os


agentes (profissionais, familiares, instituições, usuários, comunidade, Estado)
que buscam alcançar o conceito da saúde em um completo bem-estar para
formular medidas efetivas e amenizar sofrimentos, promovendo a qualidade
de vida.

• No campo do cuidado em saúde, a afetividade pode se expressar contra ou a


favor do tratamento, da equipe médica, e os profissionais têm de observar essa
dinâmica afetiva no cuidado com o paciente.

• O cuidado promove e restaura o bem-estar físico, psíquico e social e amplia as


possibilidades de viver e prosperar, bem como as capacidades para associar
diferentes possibilidades de funcionamento factíveis para a pessoa.

• O cuidar se revela na prática com um conjunto de ações, procedimentos,


propósitos, eventos e valores que transcendem ao tempo da ação, acolhendo
diferentes gerações e imprimindo-lhes realização e qualidade de vida.

116
AUTOATIVIDADE

1 Quando se pensa no ser humano, há diversas vertentes para a compreensão


de quem ele é e como é formado. Dentre as vertentes destacamos três. Sobre
o exposto, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Visão dicotomista.
II- Visão holística.
III- Visão tricotomista.

( ) Entende o homem como um ser dividido em duas partes: material e


imaterial.
( ) Enxerga o ser humano dividido em três partes – corpo, alma e espírito.
( ) Enxerga o ser humano como um ser integral, isto é, no seu todo.

Assinale a alternativa que apresenta a ordem CORRETA:

a) ( ) I – II – III.
b) ( ) II – III – I.
c) ( ) I – III – II.
d) ( ) III – II – I.

2 Como vimos neste tópico, a palavra “cuidado” nos remete a diferentes


pensamentos. De acordo com as das definições apresentadas no texto,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O cuidado se refere ao relacionamento, dedicação, preocupação com o outro


ou um esforço para que de alguma maneira o outro possa obter algum alívio.
( ) Cuidado é mais que um ato, é uma atitude que nos liga afetivamente a tal
ponto de nos vincularmos com o outro.
( ) Cuidar não se limita a um mero momento de zelo ou atenção. Tem a ver
com ocupar-se, responsabilizar-se, envolver-se afetivamente com o outro.
( ) Para cuidar não precisamos nos ocupar da demanda apresentada pelo sujeito.
( ) Para cuidar não é necessário vincular-se transferencialmente com sujeito.

Assinale a alternativa que apresente a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F – V – V.
b) ( ) V – V – F – V – V.
c) ( ) F – V – V – F – F.
d) ( ) V – V – V – F – F.

117
3 Toda vez que adentramos em uma aeronave para realizarmos um voo,
dentre as orientações que recebemos, uma delas é a seguinte: "em caso
de despressurização, máscaras cairão automaticamente. Puxe uma das
máscaras, coloque-a sobre o nariz e a boca ajustando o elástico em volta
da cabeça e respire normalmente, depois auxilie a criança ao seu lado”. A
orientação é muito simples, mas extremamente importante, ou seja, você
precisa, em primeiro lugar, colocar a sua máscara e depois atender outra
pessoa (no caso a criança). Com base no exemplo exposto, descreva por que
o autocuidado é importante para que o acompanhante terapêutico possa
cuidar/atender outras pessoas.

4 A Portaria nº 154/2008 (BRASIL, 2008) criou os Núcleos de Apoio à Saúde


da Família (NASF), como forma de expandir o conceito de integralidade
no cuidado, através de equipes multiprofissionais. Dentre os profissionais
destas equipes, classifique V para as opções verdadeiras e F para as falsas.

FONTE: BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 154, de 24 de janeiro de 2008. Cria os Nú-
cleos de Apoio à Saúde da Família – NASF. Brasília, 2008. Disponível em: https://bvsms.sau-
de.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt0154_24_01_2008.html Acessado em 23 jul. 2021.

( ) Psiquiatra.
( ) Massoterapeuta.
( ) Nutricionista.
( ) Fisioterapeuta.
( ) Terapeutas ocupacionais.

Assinale a alternativa que apresente a sequência CORRETA:

( ) V – F – F – V – V.
( ) V – V – F – V – V.
( ) F – V – V – F – F.
( ) V – F – V – V – V.

5 Para Leonardo Carnut (2017), ver o outro na sua cosmovisão é, em outras


palavras, vê-lo como um ser integral. Essa integralidade apontada pelo
autor está ancorada em três aspectos do ser humano. Aponte quais são
esses aspectos.

118
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA


NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, abordaremos, neste tópico, os aspectos pertinentes à


comunicação terapêutica e a sua interface com o relacionamento terapêutico.
Primeiramente, compreenderemos a importância da comunicação para que essa
relação possa se efetivar. Vamos observar que o AT deve estar atento à maneira
como realiza a escuta terapêutica para receber e transmitir informações de maneira
qualificada e que acolha o sujeito. No decorrer do texto, também apontaremos alguns
aspectos que podem influenciar na comunicação e manifestação de sentimentos.

Continuando a explanação de aspectos importantes referentes à


comunicação, observaremos algumas considerações sobre a aplicação prática
das técnicas de comunicação no relacionamento terapêutico. Este enfoque
é necessário devido à relevância do tema para os cuidados em saúde mental.
Também abordaremos brevemente as vantagens e limitações da comunicação e
relacionamento terapêutico, pensando sob a perspectiva do bem-estar do cliente.

Em seguida, abordaremos dois tópicos essenciais para refletir acerca do


trabalho do AT: transferência e contratransferência e os sinais do relacionamento
terapêutico efetivo. É de suma importância que o profissional no exercício de
sua prática tenha condições de avaliar os desdobramentos do seu trabalho na
vida do seu cliente e/ou paciente, a fim de criar um ambiente que potencialize o
desenvolvimento do sujeito.

Por fim, encerraremos este tópico discutindo as dinâmicas do afeto e do


psiquismo humano, pois entendemos que para estabelecer um vínculo positivo
em nossa atuação profissional, precisamos compreender como se constituem os
fenômenos mentais responsáveis por influenciar aspectos da vida dos sujeitos e
manifestações de suas subjetividades e afetividades.

119
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

2 A COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA E SUA INTERFACE COM


O RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO
A interação entre os indivíduos é mediada pela comunicação. Comunicar
é um processo transacional entre mensagens enviadas e recebidas e a forma como
isso ocorre poderá exercer influência no comportamento das pessoas. O objetivo
fundamental da comunicação é entender e se fazer entendido. Para que isso ocorra,
todos os envolvidos nesse processo precisam estar atentos, pois a comunicação
está sendo relacionada ao que é falado, escrito ou observado (SCHOLL, 2013).

O processo comunicativo é sempre criativo, intencional, ou seja,


previamente elaborado e executado com vistas a outra pessoa/pessoas. Por seu
caráter relacional e interativo, ela visa a transmitir, anunciar ou ligar ideias a
fatos e sofre influência do comportamento e da personalidade dos indivíduos
interlocutores (COWIN; EAGAR, 2013).

FIGURA 5 – RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO

FONTE: <https://bit.ly/37uLIAP>. Acesso em: 20 jul. 2021.

Cada gesto executado ou palavra referida gera uma mensagem e condições


preexistentes modificam, de maneira positiva ou negativa, a interpretação
dessa mensagem para ambos. Nesse processo de comunicação, é necessário
lembrar que emissor e receptor de mensagens não agem livremente, pois eles
são influenciados por questões socioculturais. Portanto, é preciso reconhecer o
papel daquele indivíduo no contexto social que ele se encaixa. Citamos como
exemplo dessas condições os aspectos culturais de valores, sexo, religião e idade,
nos fazendo refletir a complexidade do ato de se comunicar.

Valores, atitudes e crenças geralmente são modos aprendidos de pensar


e que são internalizados na infância, podendo ou não ser modificados na vida
adulta. Eles se expressam com o comportamento e têm natureza simbólica. Por
exemplo, o indivíduo que valoriza a juventude provavelmente pode se comportar
e se vestir como uma pessoa jovem da sua cultura.

O sexo influencia em relação à forma de manifestação de sentimentos. As


regras sobre quando e de que forma homens e mulheres podem manifestar seus
pensamentos e crenças foram historicamente construídas. Em algumas culturas, por
exemplo, homens que choram em público podem ser taxados de fracos e incapazes.
120
TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A religião pode influenciar na comunicação à medida que as pessoas


seguem padrões preestabelecidos por seus líderes espirituais e há uma imposição
sobre o que pode ou não ser dito dentro daquele contexto.

A influência da idade na comunicação é facilmente notada quando


citamos, por exemplo, a adolescência. Jovens em busca de estabelecerem suas
próprias identidades geram um padrão próprio de comunicação, que muda
de geração para geração. Nessa fase, geralmente, são incluídas no linguajar
expressões idiomáticas e que simbolizam para eles uma independência dos
padrões parentais impostos (BERLO, 2003).

Por meio do exercício da comunicação, há troca e confronto de ideias e


compartilhamento de pensamentos e de informações; é um meio para execução
da prática de humanização (BROCA; FERREIRA, 2012).

Para adentramos ao universo do cliente e podermos compreender


suas necessidades, é importante que o profissional saiba escolher o estilo de
comunicação que melhor se adapte ao seu cliente. Ele precisa também ter plena
atenção no comportamento humano, a fim de ser específico o suficiente com o
real comportamento da comunicação. Deve haver coerência entre o que é dito e
a forma para dizer, evitando que haja incoerência e contrariedade na mensagem
emitida (RENNÓ; CAMPOS, 2014).

Existe um tipo singular de comunicação utilizada por profissionais de


saúde a fim de apoiar, informar e educar pessoas em processos de saúde-doença
que é chamado de comunicação terapêutica. A comunicação terapêutica é um
processo consciente e deliberado, usado para a identificação de crenças que
podem influenciar negativamente na saúde do cliente assistido, para a avaliação
da percepção que o assistido tem sobre seu problema e no reconhecimento das
necessidades dele (ROSENBERG, 2015).

Quando esse tipo de comunicação ocorre, o profissional de saúde pode


ajudar o cliente no enfrentamento de seus problemas, no relacionamento entre
seus pares, no processo de ajustamento no que não pode ser mudado e no
enfrentamento de bloqueios para a autorrealização (CARDOSO et al., 2011).

Sendo assim, os principais objetivos da comunicação terapêutica são:

• Identificação de crenças que podem influenciar negativamente na saúde do


acometido por transtorno mental.
• Avaliação da percepção que o cliente tem sobre seu problema.
• Reconhecer necessidades do cliente assistido.
• Estabelecer junto ao paciente planos para aquisição de mudanças em benefício
de sua saúde.
• Orientar o cliente sobre as modificações específicas em seu padrão
comportamental e de comunicação que subsidiem melhora em seu padrão
atual de saúde.

121
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

A escolha da técnica depende do objetivo da interação e da habilidade


do cliente em seu comunicar, devendo a seleção de técnicas facilitar a interação
entre ele e o cliente. Algumas técnicas verbais irão encorajar o cliente a discutir
seus próprios sentimentos e preocupações em profundidade, já outras ajudam
a focar ou esclarecer o que está sendo dito. Tais técnicas incluem: uso do
silêncio; demonstração de aceitação na oferta de reconhecimento; expressão
clara de disponibilidade ao cliente para escuta e apoio; exploração dos assuntos
trazidos pelo cliente; e apresentar a realidade ao cliente, vocalizando dúvidas e
verbalizando o implícito.

Devemos planejar atentamente as técnicas a serem utilizadas, pois é


comum na prática clínica que os profissionais deixem-se levar pelo senso comum
e executem técnicas consideradas não terapêuticas. Respostas do tipo “isso é
bobagem, vai passar logo” ou “não me preocuparia se fosse você” interrompem
a comunicação e tornam mais difícil a continuidade da interação. Talvez, nesses
casos, o profissional até tenha a intenção de ajudar o assistido, mas pode transmitir
a mensagem de que está desqualificando o sofrimento alheio.

Para que possamos acessar os conteúdos de pensamentos e sentimentos


do cliente, há a necessidade de reconhecermos que comunicação não se constrói
somente amparada nos elementos verbais da comunicação, há outras formas de
comunicação humana que não envolvem diretamente as palavras (não verbal)
(PONTES; LEITÃO; RAMOS, 2008).

Técnicas não verbais auxiliam o profissional na transmissão de mensagens


por meio de outros recursos, como expressão facial, contato visual, vestimentas,
movimentos, postura corporal e toque. Essa forma de comunicação manifesta
o subconsciente e complementa o conteúdo a ser passado. Com ela, podemos
dar ênfase em uma frase (balançando a cabeça afirmativamente), demonstrar
impaciência (respirando profundamente) e até demonstrar desaprovação (cruzar
os braços, por exemplo).

FIGURA 6 – EXEMPLOS DE SISTEMAS REPRESENTACIONAIS

FONTE: <https://evertonaraujo.com.br/wp-content/uploads/2019/06/sistemas-representacionai
s-e1561031250846.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2021.

122
TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A comunicação terapêutica é a base para uma série de interações planejadas


e sistematizadas pelo profissional para com o cliente. O estabelecimento de
ações e atos específicos para com o cliente buscando uma melhora em seus
níveis de saúde físico e mental recebe o nome de relacionamento terapêutico.
O relacionamento terapêutico foi elaborado e implementado pela enfermeira
Dra. Hildegard Elizabeth Peplau, em 1948. A teoria das relações interpessoais da
autora tem como finalidade a explicar as causas e os efeitos da relação interpessoal
entre enfermeiro-cliente e tem como premissa que o comportamento humano
se desenvolve a partir das relações com outras pessoas. Dessa forma, relações
interpessoais podem modificar a personalidade do indivíduo em qualquer
momento de sua vida.

2.1 APLICAÇÃO PRÁTICA DAS TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO


NO RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO
Comunicação é fundamental para a prestação de cuidados em saúde e,
em especial, nos cuidados em saúde mental. Sem ela não há o estabelecimento do
relacionamento terapêutico, baseado no relacionamento mútuo entre profissional-
cliente, pois não se estabelece o vínculo sem a condição de um sujeito expressivo
de suas necessidades e seus desejos (STEFANELLI; CARVALHO, 2012).

Para o alcance de uma comunicação competente, é necessário viabilizar uma


assistência personalizada, utilizando estratégias terapêuticas, articulando saberes
relacionados a formas verbais e não verbais de se comunicar. Sendo assim, não
basta que o profissional tenha apenas competência técnica, ele também necessita de
uma competência relacional (MARTINEZ; TOCANTINS; SOUZA, 2013).

Nesse sentido, é necessário um novo modo de compreender o processo


de trabalho. Deve ser considerado um dever ético e uma responsabilidade a
qualquer profissional de saúde que os cuidados prestados não fiquem só no campo
procedimental, e sim também no estabelecimento de relacionamentos terapêuticos
que influenciarão positivamente na vida dos clientes (VERÍSSIMO; SOUSA, 2014).

Transtornos mentais podem ser muitas vezes incapacitantes e habilidades


podem ser comprometidas. Manter o foco, a atenção e formular linhas de
pensamento podem não ser mais facilmente desenvolvidos, causando um
sofrimento muito grande no adoecido e em seus familiares.

Com a instalação da patologia psiquiátrica, a pessoa começa uma sucessão


de perdas e uma delas é a habilidade de comunicação. O simples iniciar e manter
uma conversa e o descrever de fatos em uma sequência lógica podem ser atividades
desafiadoras. Sendo assim, comumente, clientes acometidos por transtornos
mentais são reduzidos a uma patologia e repercussão de seus sinais e sintomas.

123
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Diante disso, para iniciar uma conversa com indivíduo adoecido


mentalmente, o profissional pode utilizar para uma técnica denominada amplas
aberturas, na qual ele oferta a possibilidade de o cliente conduzir a interação
e colocá-lo como protagonista de seus cuidados. O profissional pode verbalizar
frases no sentido de: “por onde você deseja começar?” ou “gostaria que você me
contasse sua história, sobre quem você é”.

Para o início da entrevista, pode-se utilizar uma técnica denominada


oferta de informações, inferindo ao cliente sobre suas responsabilidades no
serviço, capacitação e intenção ao atender o caso. Pode-se dizer: “senhor, eu
sou o profissional de referência aos seus cuidados, trabalho no atendimento em
clientes cometidos por sofrimento emocional e meu objetivo é criar junto a você
possibilidades para sua melhora”. Dessa forma, possibilitaremos que o assistido
diminua seu grau de ansiedade diante do tratamento e evite a criação de um
imaginário negativo sobre o profissional.

O sentimento de abandono, solidão e insignificância é comum em


acometidos por patologias psiquiátricas. Quando o profissional fala “interesso-me
no que você diz”, ele utiliza a técnica de oferecimento de si mesmo, demonstrando
ao cliente que existem pessoas preocupadas com seus sentimentos, construindo
um clima de acolhimento e segurança.

Para compreender os fatos na perspectiva do cliente e encorajá-lo


na verbalização de suas ideias, pode-se utilizar uma técnica denominada
encorajamento da descrição de uma percepção. Ela faz com que ele possa se sentir
aliviado, levando-o a se sentir com menos probabilidades de agir ou ter ideias
prejudiciais. Citamos o caso de pacientes com ideação suicida: a possibilidade
deles em falar sobre o pensamento pode impedir o ato de retirar a própria vida.
Portanto, a forma seria: “gostaria que você me contasse sobre seus pensamentos
em relação a continuidade ou não de sua vida”.

Mesmo indagando objetivamente clientes sobre determinados assuntos,


eles podem (por seus transtornos mentais) não conseguir expressar em palavras
o que sentem e, portanto, colocações como “você me parece tenso” ou “noto
que está tremendo suas pernas, está incomodado com algo?” o auxiliam na
formulação de respostas.

É importante que quando o cliente esteja contanto os fatos de sua vida, o


profissional consiga visualizar uma linha cronológica. Para fazer a localização do
evento no tempo e no espaço, é possível utilizar as frases “isso foi em que época
de sua vida?” ou “isso foi antes ou depois de determinado fato?”.

124
TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Compreender exatamente o que aconteceu e de que modo aconteceu é


imprescindível na formulação de diagnósticos e as distorções de realidade do
cliente impossibilitam isso. Necessitamos expressar incertezas sobre a realidade
do cliente e estimulá-lo a reconsiderar ou reavaliar o que aconteceu. Podemos
usar: “essa história está confusa para mim, pode me explicar novamente sobre?”
ou “não consigo compreender a relação dos fatos, para mim não fazem sentido
na maneira que você contou”.

No caso de clientes com delírios e/ou alucinações, é importante a


investigação do assunto, pois tratá-los na superficialidade significa deixar de
identificar possíveis planos de agressividade contra si ou terceiros. A pergunta
a ser realizada seria no sentido de: “você poderia me detalhar o que as vozes te
dizem e o que elas te mandam fazer?”.

Por fim, toda a interação necessita ser recapitulada e aspectos importantes


da discussão devem ser destacados. Esse movimento aumenta a percepção e
a compreensão de tudo que foi falado para profissional e cliente, estabelece o
que é importante ou não naquele momento e propicia um rumo de conclusão e
fechamento de temática.

Da mesma forma que existem técnicas de comunicação verbal terapêuticas,


existem técnicas consideradas não terapêuticas e algumas situações podem ser
muito prejudiciais ao cliente acometido por transtorno mental.

Ofertar conselhos é uma dessas ações que podem repercutir negativamente.


Aconselhar é transmitir a mensagem de que o profissional é o único detentor
do “melhor saber” para com o cliente, desqualificando o poder de escolhas e
julgamento do assistido.

Opiniões sobre o que é correto ou errado retiram do cliente a


responsabilidade sobre seus atos e a oportunidade de refletir a repercussão de
suas ações. Deve-se evitar dizer que o cliente está completamente correto ou
errado em agir de determinada maneira.

O profissional é visto como ponto de apoio em momentos de fragilidade


e incertezas. No momento que verbaliza “eu sei exatamente o que você está
sentindo, também estou péssimo”, ele faz com que o cliente troque o foco dos
seus problemas para os do profissional.

Com a intenção de comprovar a inexistência de delírios ou alucinações, o


profissional pode demandar provas ao cliente. Perguntas do gênero “se você morreu,
como estou aqui e agora falando com você?” desafiam o cliente a comprovar ideias
irreais, abrindo a possibilidade para ele colocar sua vida em risco.

Defender alguém de ataques verbais do cliente com frases “todos aqui são
ótimos profissionais” ou “você está proibido de falar isso aqui” gera a sensação
no de que ele não tem direito em expressar suas opiniões e isso futuramente irá
criar um bloqueio na verbalização de seus sentimentos.
125
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Além da comunicação verbal, a transmissão de uma informação pode


também ser realizada de outra maneira, como por meio da aparência física, da
expressão facial e do comportamento ocular. Essas técnicas diferenciadas são
chamadas de comunicação não verbal e influenciam também substancialmente,
mas necessitamos lembrar que esses aspectos sofrem influência da cultura e do
momento histórico em que o atendimento está sendo realizado.

Cabelos e vestimentas podem ser manipulados a fim de transmitir uma


determinada mensagem ao receptor. Citamos, por exemplo, o uso de alianças
(demonstrando compromissos), anel de formatura (demonstrando o grau de
escolaridade), cor da vestimenta (podendo relacionar com o humor da pessoa)
e até cor do cabelo (podendo ser sinal de rebeldia dependendo da coloração e
corte).

O profissional deve evitar vestimentas que desviem o foco do atendimento,


como roupas justas ao corpo e decotes. Os movimentos faciais conectam-se com
palavras para exemplificar o conteúdo exposto oralmente e em razão de sua
complexidade, as expressões faciais são classificadas em três tipos: expressivas,
impassíveis e confusas.

Na face expressiva, como o próprio nome já diz, ela retrata com clareza
os pensamentos e as necessidades da pessoa naquele momento. A face impassiva
é uma expressão fixa sem emoção, similar a uma máscara que não transmite
qualquer informação adicional. Por fim, a face confusa é aquela que indica o
oposto do que a pessoa quer transmitir, incongruente com o conteúdo falado.

Diante disso, o profissional deve saber utilizar suas expressões de forma


sábia. Elas devem ir ao encontro de sua fala, mas também não devem deixar
transpassar pensamentos e julgamentos individuais que ele tem sobre o cliente.

Clientes que manifestam sintomas psicóticos (em específico delírios


persecutórios) necessitam de reafirmação e segurança contínua da realidade.
Para que isso ocorra e que haja uma conectividade interpessoal, o profissional
deve manter o contato visual de maneira contínua, mas evitando que, ao mesmo
tempo, isso não seja intimidador.

Tal como exposto anteriormente, é a comunicação, nas suas dimensões


verbal e não verbal, que permitirá o desenvolvimento da relação e é a comunicação
terapêutica que permite o estabelecimento do tipo singular de relacionamento: o
relacionamento terapêutico. Ser terapêutico tem o sentido de trazer benefícios
concretos na saúde das pessoas, ou seja, ofertar ajuda no sentido de potencializar
mudanças positivas.

No primeiro contato terapêutico com o cliente, o profissional pode


passar pelo papel de estranho, pois ambos são desconhecidos mutuamente. A
fim de minimizar desconforto e possíveis pré-julgamentos do cliente para com
ele, o profissional deve deixar explícito seus objetivos de cuidado, limites e
responsabilidades.
126
TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Nessa relação, o profissional deve ser o responsável por esclarecer dúvidas


ao cliente, explicar sobre seu tratamento e plano de cuidados, fazendo um misto
de profissional detentor de recursos e papel de professor. Entretanto, há de se
deixar claro que esse movimento de fornecimento de respostas deve incentivar a
autonomia do cliente, e não a dependência do saber único e exclusivo do cliente.

À medida que o profissional promove situações para que o cliente


exerça seu livre arbítrio com segurança, ele fica na posição de líder, ou seja,
não impõe de maneira autoritária o fazer do paciente, e sim indica as melhores
possibilidades naquele momento.

Muitas vezes, o profissional é associado pelo cliente a uma figura


familiar e isso faz com que haja uma modulação na forma de agir e pensar do
assistido. Cabe ao profissional conduzir o cliente a identificar as semelhanças e
diferenças com a pessoa associada, evitando uma possível ação de dependência
ou interdependência.

O adoecimento mental pode fazer com que o cliente tenha dificuldade


para reconhecer problemas e aceitá-los. Por meio de suas técnicas interpessoais, o
profissional pode ajudar o cliente a reconhecer, aceitar, enfrentar e resolver problemas,
integrando experiências de maneira significativa para o receptor de cuidados.

O relacionamento terapêutico profissional-cliente é importante no


processo saúde-doença, pois influencia no aprendizado do cliente, o estimulando
no desenvolvimento da personalidade no sentido do amadurecimento e
fortalecimento. As experiências aprendidas e vivenciadas junto ao profissional
podem servir como base ao cliente para futuros relacionamentos. Por isso, quanto
mais experiências complexas e ricas o profissional proporcionar, maiores as
possibilidades de atuação do cliente mundo a fora.

2.2 VANTAGENS E LIMITAÇÕES DA COMUNICAÇÃO E


RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO
O relacionamento terapêutico é muito importante para o bem-estar
do cliente, contudo, o resultado dessa reação altamente íntima e circunscrita
pode afetar para bem ou para o mal todos os envolvidos. A transferência e
contratransferência são fenômenos que podem ocorrer durante o curso de uma
relação terapêutica. O profissional não permanece imune ao intercâmbio de
mensagens e os resultados dessa interação podem ter efeitos em si próprio.

Dentro de qualquer processo comunicativo, ao transmitir uma mensagem


o emissor sabe de que forma vai transmiti-la, mas não tem controle de que forma
vai se dar sua chegada. O significado expresso na mensagem não é determinado ou
controlado nem por um nem pelo outro, emerge de ações coordenadas de ambos
e para que mensagens não sejam erroneamente interpretadas, o profissional deve
fazer uso de algumas estratégias e estar atento as suas próprias atitudes e aos seus
sentimentos, impondo limites quando necessário.
127
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Em algumas situações de sofrimento agudo, choro e dor emocional,


o profissional poderá realizar contato físico buscando confortar o cliente, por
exemplo, segurando a sua mão. Tal contato pode ser confortador, animador e
terapêutico para o cliente. Neste caso, pode-se pedir permissão para realizar tal
ato (“vejo que está sofrendo muito, posso segurar a sua mão?”) e recuar caso
o cliente demonstre desconforto. Toques que demonstrem intimidade afetuosa
(como abraços longos e apertados) ou intimidade sexual não devem ser realizados
em nenhuma situação e, caso o cliente insista, cabe ao profissional repreendê-lo e
relembrar que o objetivo do contato é estritamente profissional.

A simpatia deve ser claramente diferenciada da empatia. Enquanto


a última se refere à capacidade de perceber a realidade por meio do olhar do
outro, a simpatia envolve concordar e se identificar com a percepção do cliente.
Simpatizar com o cliente pode trazer uma percepção errônea de fortalecimento
do vínculo, quando na verdade propicia sentimentos de dependência e prejudica
a reflexão crítica e a autorresponsabilização. Deve-se manter uma postura neutra
e reflexiva, evitando emitir juízo de valor a respeito das ações do atendido.

A falha em perceber a existência de simpatia pelo cliente pode levar ao


desenvolvimento de uma relação de amizade ou, em casos graves, a erotização
da relação. Essa é uma situação de grave infração ética, a qual deve ser evitada
a qualquer custo. No outro vértice, é possível que o profissional sinta raiva, nojo
ou desprezo pelo cliente. Tais sentimentos podem ocorrer em múltiplas situações,
como no contato com pessoas com características de personalidade antissocial,
narcisistas e borderline, usuários de drogas, criminosos, agressores e vítimas de
violência doméstica que não desejam se separar. Nesse caso, o profissional deve
estar atento para não comunicar tais sentimentos (de forma verbal ou não verbal),
pois a emissão de julgamento moral ou desaprovação irá minar a relação de
respeito e confiança. Caso o profissional se veja incapaz de lidar com os próprios
sentimentos negativos, deve solicitar que o contato com o cliente seja realizado
por outro colega de profissão.

A autorrevelação sobre características pessoais não é absolutamente


proscrita, porém deve ser realizada de forma cautelosa comedida. Poderá ser
realizada caso o profissional se sinta confortável e julgue que a informação
revelada será benéfica no sentido terapêutico. Entretanto, deverá ser evitada caso
for causar hostilidade ou proximidade excessiva, direcionando o relacionamento
interpessoal para fora do escopo profissional.

3 TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA
Transferência e contratransferência são termos cunhados por Freud ao
longo do processo de desenvolvimento da psicanálise (TIMO; RIBEIRO, 2017).
Uma vez incorporados, esses conceitos se tornam ferramentas para o profissional
compreender melhor o cliente e as reações despertadas por ele.

128
TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

A transferência se refere a um fenômeno quando o cliente, de forma


inconsciente, desloca para o profissional um sentimento desenvolvido por outra
pessoa no passado. Normalmente, mas não obrigatoriamente, esse sentimento
foi originalmente vivenciado na infância do cliente com relação aos seus pais. Tal
sentimento pode ser das mais variadas naturezas, como: raiva, hostilidade, afeto,
desprezo etc. Alguma característica do profissional faz com que o cliente, de forma
inconsciente, se lembre da pessoa com a qual vivenciou a situação do passado.
Características de personalidade, vestimenta, o próprio papel de autoridade irá
ativar a memória afetiva do cliente e este irá revivenciar o sentimento do passado
(TIMO; RIBEIRO, 2017).

Por exemplo, um cliente que vivenciou situações de dependência excessiva


com sua mãe pode demonstrar passividade, afeto excessivo e expectativas
irrealistas diante de uma profissional com timbre de voz semelhante ao de
sua mãe. Já outro cliente pode demonstrar hostilidade e resistência ao seguir
orientação de um profissional cujo cabelo relembra o de seu pai que o maltratava
na infância. Diante de uma situação de transferência, o profissional deve realizar
seu trabalho no sentido de separar o presente do passado, auxiliando o cliente
a identificar a transferência e criar um significado original para a atual relação
profissional-cliente (TOWNSEND, 2017).

Já a contratransferência se refere ao sentimento desenvolvido pelo


profissional em relação aos sentimentos de transferência do cliente. O profissional
de saúde também pode ter sentimentos não resolvidos quanto a entes significativos
do passado e manifestá-los na relação profissional (TIMO; RIBEIRO, 2017).

Por exemplo, o profissional pode se sentir especialmente poderoso e


especial diante de um cliente excessivamente dependente, alimentando, assim,
a falta de atenção da mãe omissa de sua própria infância. Nessa situação,
o profissional pode alimentar os sentimentos de dependência do cliente,
assumindo um papel de conselheiro, dando atenção especial ou permitindo
regalias. Esse mesmo profissional citado pode sentir raiva e ansiedade diante
de um cliente que ignora as orientações prestadas, revivenciando, assim, os
momentos em que sua mãe o ignorava.

Quando vivência sentimentos inadequados e excessivos pelo cliente, sejam


estes na esfera do afeto ou do desafeto, é muito útil que o profissional partilhe com
seus colegas de trabalho sobre a situação. A psicoterapia pessoal também pode
ser um instrumento ímpar para ajudar o profissional a identificar e compreender
a própria reação diante de diferentes tipos de clientes (TOWNSEND, 2017).

129
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

4 SINAIS DO RELACIONAMENTO TERAPÊUTICO EFETIVO


Quando aplicados corretamente, ocorrem diversos benefícios na relação
terapêutica, os quais podem ser percebidos tanto na autopercepção do enfermeiro
como nas atitudes do cliente. A relação terapêutica favorece o respeito, a confiança,
a cordialidade, a genuinidade e a empatia mútuos. Assim, o profissional terá
confiança para questionar assuntos delicados, ser assertivo e desenvolver seu
papel com segurança. Dessa forma, o cliente terá a percepção de estar sendo aceito
e compreendido. Poderá revelar sentimentos, pensamentos e acontecimentos
normalmente resguardados. Ele sentirá um alívio ao revelar sentimentos de raiva
e rancor, pensamentos suicidas ou homicidas, situações passadas ou presentes de
abuso ou violência e não se perceber julgado ou repreendido.

Havendo confiança haverá maior adesão ao tratamento, maior respeito


às regras da instituição e melhores chances de resolução de problemas. Fica claro
que a comunicação e o relacionamento terapêutico são mutuamente vantajosos,
permitindo que o profissional exerça um papel que vai além de funções
procedimentais e administrativas.

FIGURA 7 – VÍNCULO TERAPÊUTICO

FONTE: <https://cienciacontemplativa.org/wp-content/uploads/2020/07/terapia-cognitiva_
3-300x191.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2021.

Muitas vezes os profissionais confundem humanização com ações de


abraçar e tocar o paciente. Ser humanizado em um atendimento não implica
necessariamente o toque ou o abraço, e sim a oferta de apoio, a compreensão e a
atenção por palavras e gestos não verbais, como um sorriso amigável.

130
TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

DICAS

Para complementar o que discutimos até o momento sobre aspectos


do acompanhamento terapêutico, sugerimos a leitura do artigo “Sobre a ética no
acompanhamento terapêutico (AT)”, da autora Deborah Sereno. Disponível em: https://
revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/view/15135/11300. Acesso em: 25 jul.2021.

5 AS DINÂMICAS DO AFETO E DO PSIQUISMO HUMANO


O psiquismo humano é muito complexo, pois o ser humano é formado
por um corpo biológico, anatômico, fisiológico, no qual podem ser identificados
processos físico-químicos atuando o tempo todo na manutenção da vida.
Contudo, também é um ser formado pela linguagem, uma linguagem inigualável
em comparação com as demais espécies vivas, apresentando uma variedade
infinita de significantes, uma vez que a língua está sempre em transformação. A
linguagem é responsável pelas representações e, junto à capacidade do cérebro
humano, pela memória, mantendo nossa história pessoal e cultural.

Os aspectos psicológicos presentes na vida anímica das pessoas são


basicamente pontos de ligação entre o corpo e a mente, ou seja, aspectos como
percepção, emoção, inteligência, pensamento, linguagem e atenção estão
presentes desde a constituição do sujeito, durante todo o seu desenvolvimento.
São componentes que caracterizam o ser humano e possibilitam o seu agir no
mundo. Esses aspectos psicológicos são influenciados e regulados pelo que alguns
estudiosos do campo, como Tousseul (2012), chamam de dinâmica dos afetos.

A psicologia, enquanto ciência que estuda os aspectos psíquicos nas


relações que o homem estabelece consigo mesmo e com o mundo do qual faz
parte, não surgiu em um consenso. Existem várias correntes epistemológicas
que conformam esse campo de saber, e, originalmente, algumas escolas
propunham modelos específicos para o estudo dos aspectos psicológicos do
homem, como a Gestalt (psicologia da forma), a psicologia comportamental, a
psicologia cognitiva e a psicanálise.

Um dos principais nomes da psicologia que estuda os fenômenos mentais


a partir da consciência é Wilhelm Wundt (1832-1920). Segundo Marcellos e Araújo
(2011), Wundt empreendeu um prolongado diálogo com a tradição filosófica
de seu tempo e conduziu dezenas de pesquisas acerca de fenômenos como
apercepção, sensação, atenção, sentimentos, memória, entre outros. Todavia, não
há consenso entre os teóricos sobre quais aspectos são básicos – ou, como o autor
defendia, inatos – e quais são produzidos pela influência do meio, considerados
aspectos mais complexos. O que se observa com frequência atualmente são
estudos voltados para os aspectos cognitivos e afetivos e a linguagem, para tratar
de assuntos como desenvolvimento, aprendizagem e memória.
131
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Nesse sentido, Souza (2011) afirma que, para tratar dos aspectos afetivos
e intelectuais ou cognitivos, confrontando-os a título de reflexão teórica, os
quatro principais modelos tiveram sua construção no início do século XX:
modelos construtivistas de Piaget e sociolinguista de Vygotsky (entre os anos
20-30); humanista-afetivo de Wallon (anos 1940); psicanalítico de Freud (1897-
1900). “Este último parece ser o único a se adequar à afirmação de Sherer sobre
o predomínio da ‘irracionalidade’, ao menos no que se refere aos seus trabalhos
iniciais sobre o inconsciente [...]” (SOUZA, 2011, p. 250).

Segundo Pinto (2008), a complexidade do funcionamento psíquico deve-


se a uma multidimensionalidade do ser humano, defendida por Araújo (1998,
1999, 2007 apud PINTO, 2008), que, em sua proposta teórico-conceitual, afirma
existir, na composição do ser humano psicológico, algumas dimensões que o
constituem e podem afetar as relações que ele estabelece consigo mesmo e com o
mundo físico, interpessoal e sociocultural em que vive.

Cezar e Jucá-Vasconcelos (2016) defendem, em uma abordagem


gestáltica, que os fenômenos mentais correspondem a fenômenos orgânicos,
mas que identificar as sensações básicas não é uma tarefa fácil. Polster e Polster
(2001 apud CEZAR; JUCÁ-VASCONCELOS, 2016) aponta, que, se fosse possível
fechar a distância entre as sensações básicas e o comportamento mais complexo,
provavelmente haveria menos exemplos de ações incongruentes, devido às
confusões que, mesmo entre os estudantes de psicologia, ocorrem entre sensações,
sentimentos e emoções.

Segundo os autores, as sensações são reações físicas perceptuais, a partir


de uma estimulação a um órgão receptor, seja ele interno ou externo. Já os
sentimentos são fenômenos muito mais complexos, pois requerem uma avaliação
(compreensão) e um lugar de “encaixe” dentro das experiências dos sujeitos. Por
fim, as emoções são a expressão do afeto, acompanhadas de reações orgânicas ou
físicas e linguísticas, caracterizadas como descargas de tensão.

Pinto (2008) afirma que o ser humano, utilizando-se de seu intelecto,


começou a refletir acerca do mundo ao seu redor e, assim, construiu verdades
sobre os mais variados objetos, tentando sempre dominar suas propriedades.
Assim, os esquemas de ação descritos pela teoria de Piaget (cognitivistas) também
podem ser entendidos como reguladores pertencentes ao sistema cognitivo.

Segundo Gonçalves et al. (2014), as neurociências cognitivas são um


novo modelo de se pensar os fenômenos psicológicos, em uma perspectiva
transdisciplinar entre psicologia, neurofísica, neuroanatomia e neurobioquímica.
Devido a essa clivagem de propostas que incidem na discussão da superação
do modelo tradicional, que propõe a descontinuidade mente-corpo, a maioria
dos estudos disponíveis diz respeito aos aspectos das dinâmicas do afeto e sua
relação com a cognição (inteligência) ou razão.

132
TÓPICO 3 — CARACTERÍSTICAS E MODOS DE REALIZAR A CLÍNICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Segundo Souza (2011), o tema das relações entre afetividade e


inteligência (razão e emoção) foi herdado pela psicologia da filosofia como
campo de reflexão sobre a natureza humana. Trata-se, segundo o autor, de uma
transformação radical da concepção do homem, fundamentando diferentes
teorias psicológicas, principalmente aquelas que valorizavam a experiência
e o comportamento do ser humano, que não estavam em harmonia com o
modelo do homem-lógico (cartesiano), em que as emoções seriam lamentáveis
imperfeições da máquina humana.

Segundo Tousseul (2012), desde a Antiguidade Clássica, Aristóteles


já analisava os discursos, avaliando que a lógica não precisa ser demonstrada
senão pela própria linguagem. Então, Tousseul (2012) afirma que, na maior
parte do tempo, não estamos conscientes de que refletimos logicamente. Quando
pensamos em produzir um raciocínio lógico, é para não corrermos o risco de
errar. Por isso, o autor defende que refletimos logicamente de forma inconsciente,
e a psicanálise é uma ferramenta para acionar essa reflexão. Essa afirmação é
um indício da limitação do conceito de Wundt, de que os processos mentais são
governados pela consciência.

Pensar na afetividade como indissociável da cognição e da razão é uma


tendência atual, contemporânea, ressaltada por diversos autores. Pinto (2008)
afirma que se começa a questionar, nos dias atuais, se a afetividade e a cognição
convivem na dinâmica psíquica, cada uma com suas dimensões particulares,
mas certamente associativas. Assim, passa-se a olhar o ser humano enquanto
produto dinâmico de processos intelectuais e afetivos. Tomando por base o
conceito freudiano de pulsão, Tousseul (2012) afirma que é o afeto que lhe dá
forma, e a representação (de um objeto) lhe dá o conteúdo. De forma análoga,
em comparação com a reflexão enquanto processo psicológico, a lógica é quem
dá forma à reflexão, e o discurso (a voz e o significado) dá o conteúdo à reflexão.

Em suma, para Freud (1996) a pulsão é um conceito fronteiriço entre a


mente e o corpo, podendo ser definida como uma representação psíquica de es-
tímulos internos. Ao contrário do instinto (enquanto próprio da espécie animal),
porque este é um fator hereditário, fixo e com um objeto determinado, a pulsão
não tem um objeto específico ou padrão de comportamento, expressando-se como
afeto ou ideia. Além disso, ela não participa da dualidade consciente–inconscien-
te. O afeto determina a quantidade e a qualidade da pulsão, expressando-se em
descargas, classificadas como sentimentos, e não pode ser recalcado, mas sofre
consequências do recalcamento. As ideias são representações, catexias ideativas,
traços de memórias, e podem ser recalcadas.

Para Freud (1996), a pulsão (ou pulsões) possui fonte, pressão, finalidade
e objeto. A fonte está localizada nas excitações corporais, sendo uma exigência
de um trabalho de representação, simbolização. A finalidade é a satisfação. A
pressão é a quantidade de força exercida para realizar a sua vicissitude e o objeto
é a coisa por meio da qual o impulso tenta se realizar. Assim, a pulsão é o impulso
que sustenta toda a vida anímica.

133
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Para concluir, Tousseul (2012) afirma que os afetos constituem o motor das
reflexões. A reflexão só é possível a partir dos afetos, ou das pulsões freudianas.
A angústia diante da consciência de que não podemos experienciar tudo gera
um movimento de tentar substituir algo com representações equivalentes àquilo
que foi recalcado.

134
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A interação entre os indivíduos é mediada pela comunicação.

• Comunicar é um processo transacional entre mensagens enviadas e recebidas e a


forma como isso ocorre poderá exercer influência no comportamento das pessoas.

• O objetivo fundamental da comunicação é entender e se fazer entendido.

• O processo comunicativo é sempre intencional, ou seja, previamente elaborado


e executado com vistas a outra pessoa/pessoas.

• A religião pode influenciar na comunicação à medida que as pessoas seguem


padrões preestabelecidos por seus líderes espirituais e há uma imposição sobre
o que pode ou não ser dito dentro daquele contexto.

• Existe um tipo singular de comunicação utilizada por profissionais de saúde a


fim de apoiar, informar e educar pessoas em processos de saúde-doença que é
chamado de comunicação terapêutica.

• Técnicas não verbais auxiliam o profissional na transmissão de mensagens por


meio de outros recursos, como expressão facial, contato visual, vestimentas,
movimentos, postura corporal e toque.

• A comunicação terapêutica é a base para uma série de interações planejadas


e sistematizadas pelo profissional para com o cliente. O estabelecimento de
ações e atos específicos para com o cliente buscando uma melhora em seus
níveis de saúde físico e mental recebe o nome de relacionamento terapêutico.

• Comunicação é fundamental para a prestação de cuidados em saúde e, em


especial, nos cuidados em saúde mental.

• Para o início da entrevista, pode-se utilizar uma técnica denominada oferta


de informações, inferindo ao cliente sobre suas responsabilidades no serviço,
capacitação e intenção ao atender o caso.

• O sentimento de abandono, solidão e insignificância é comum em acometidos


por patologias psiquiátricas.

• Quando o profissional fala “interesso-me no que você diz”, ele utiliza a


técnica de oferecimento de si mesmo, demonstrando ao cliente que existem
pessoas preocupadas com seus sentimentos, construindo um clima de
acolhimento e segurança.
135
• Para compreender os fatos na perspectiva do cliente e encorajá-lo na verbalização
de suas ideias, pode-se utilizar uma técnica denominada encorajamento da
descrição de uma percepção.

• O relacionamento terapêutico profissional-cliente é importante no processo


saúde-doença, pois influencia no aprendizado do cliente, o estimulando
no desenvolvimento da personalidade no sentido do amadurecimento e
fortalecimento.

• O relacionamento terapêutico é muito importante para o bem-estar do cliente,


contudo, o resultado dessa reação altamente íntima e circunscrita pode afetar
para bem ou para o mal todos os envolvidos.

• A falha em perceber a existência de simpatia pelo cliente pode levar ao


desenvolvimento de uma relação de amizade ou, em casos graves, a erotização
da relação.

• Caso o profissional se veja incapaz de lidar com os próprios sentimentos


negativos, deve solicitar que o contato com o cliente seja realizado por outro
colega de profissão.

• Transferência e contratransferência são termos cunhados por Freud ao longo


do processo de desenvolvimento da psicanálise (TIMO; RIBEIRO, 2017).

• A relação terapêutica favorece o respeito, a confiança, a cordialidade, a


genuinidade e a empatia mútuos.

• Ser humanizado em um atendimento não implica necessariamente o toque ou


o abraço, e sim a oferta de apoio, a compreensão e a atenção por palavras e
gestos não verbais, como um sorriso amigável.

• O psiquismo humano é muito complexo, pois o ser humano é formado por


um corpo biológico, anatômico, fisiológico, no qual podem ser identificados
processos físico-químicos atuando o tempo todo na manutenção da vida.

• A psicologia, enquanto ciência que estuda os aspectos psíquicos nas relações


que o homem estabelece consigo mesmo e com o mundo do qual faz parte, não
surgiu em um consenso.

• Pensar na afetividade como indissociável da cognição e da razão é uma


tendência atual, contemporânea, ressaltada por diversos autores.

• Passa-se a olhar o ser humano enquanto produto dinâmico de processos


intelectuais e afetivos.

136
AUTOATIVIDADE

1 No processo de desenvolvimento da psicanálise, Freud cunhou os termos


transferência e contratransferência, que se tornaram ferramentas para o
profissional compreender melhor o cliente e as reações despertadas por ele.
Sobre o exposto, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Transferência.
II- Contratransferência.

( ) Se refere a um fenômeno quando o cliente, de forma inconsciente,


desloca para o profissional um sentimento desenvolvido por outra
pessoa no passado.
( ) Normalmente, mas não obrigatoriamente, esse sentimento foi
originalmente vivenciado na infância do cliente com relação aos seus
pais. Tal sentimento pode ser das mais variadas naturezas, como: raiva,
hostilidade, afeto, desprezo etc.
( ) O profissional pode alimentar os sentimentos de dependência do
cliente, assumindo um papel de conselheiro, dando atenção especial ou
permitindo regalias. Esse mesmo profissional citado pode sentir raiva
e ansiedade diante de um cliente que ignora as orientações prestadas,
revivenciando, assim, os momentos em que sua mãe o ignorava.
( ) Alguma característica do profissional faz com que o cliente, de forma
inconsciente, se lembre da pessoa com a qual vivenciou a situação do passado.
( ) Se refere ao sentimento desenvolvido pelo profissional em relação aos
sentimentos de transferência do cliente. O profissional de saúde também
pode ter sentimentos não resolvidos quanto a entes significativos do
passado e manifestá-los na relação profissional.
( ) profissional deve realizar seu trabalho no sentido de separar o presente
do passado, auxiliando o cliente a identificar a transferência e criar um
significado original para a atual relação profissional-cliente.
( ) O profissional pode se sentir especialmente poderoso e especial diante
de um cliente excessivamente dependente, alimentando, assim, a falta de
atenção da mãe omissa de sua própria infância.

Assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA:

a) ( ) I – I – II – II – I – II – I.
b) ( ) I – I – II – I – II – I – II.
c) ( ) II – I – II – I – II – I – I.
d) ( ) I – II – I – II – I – II – II.

137
2 Segundo o Caderno de Atenção Básica nº 34 (2013) – Saúde Mental, com
relação às ações terapêuticas que podem ser realizadas por todos os
profissionais da Atenção Básica nos mais diversos dispositivos de cuidado,
assinale a alternativa INCORRETA:

FONTE: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_sau-
de_mental.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2021.

a) ( ) Proporcionar ao usuário um momento para pensar/refletir.


b) ( ) Exercitar a habilidade da empatia.
c) ( ) Oferecer suporte na medida certa, ou seja, uma medida que torne o
usuário dependente e que gere no profissional uma sobrecarga.
d) ( ) Acolher o usuário e suas queixas emocionais como legítimas.

3 Os movimentos faciais conectam-se com palavras para exemplificar o


conteúdo exposto oralmente e em razão de sua complexidade, as expressões
faciais são classificadas em três tipos: expressivas, impassíveis e confusas.
Sobre o exposto, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Face impassiva.
II- Face confusa.
III- Face expressiva.

( ) É aquela que indica o oposto do que a pessoa quer transmitir, incongruente


com o conteúdo falado.
( ) É aquela que retrata com clareza os pensamentos e as necessidades da
pessoa naquele momento.
( ) É uma expressão fixa sem emoção, similar a uma máscara que não
transmite qualquer informação adicional.

Assinale a alternativa que representa a sequência CORRETA:

a) ( ) II – III – I.
b) ( ) I – II – III.
c) ( ) II – I – III.
d) ( ) III – II – I.

4 A interação entre os indivíduos é mediada pela comunicação. Comunicar é


um processo transacional entre mensagens enviadas e recebidas e a forma
como isso ocorre poderá exercer influência no comportamento das pessoas.
O objetivo fundamental da comunicação é entender e se fazer entendido
(SCHOLL, 2013). Aponte quais aspectos podem interferir no processo de
comunicação entre profissional e paciente.

138
5 A comunicação terapêutica é um processo consciente e deliberado, usado
para a identificação de crenças que podem influenciar negativamente na
saúde do cliente assistido, para a avaliação da percepção que o assistido
tem sobre seu problema e no reconhecimento das necessidades dele
(ROSENBERG, 2015). Aponte três objetivos da comunicação terapêutica.

139
140
TÓPICO 4 —
UNIDADE 2

OBJETIVOS E FUNÇÕES DO
ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, abordaremos, neste tópico, os objetivos e funções do


acompanhamento terapêutico. Para uma breve contextualização retomaremos
alguns aspectos históricos que sustentam como o AT se constitui hoje. Em seguida,
trataremos dos objetivos e funções no contexto atual em que vivemos.

Uma das funções implícitas na prática do AT trata-se do contato com os


familiares daquele que é acompanhado. Por este motivo, é essencial que seja
dedicado um subtópico para abordar os aspectos dessas relações, as formas
com que elas acontecem e os impactos e possibilidades que podem surgir, junto
com o acompanhamento terapêutico diretamente no contexto vivencial do
acompanhado, já que este é diretamente influenciado pelo que acontece no seu
entorno.

Destacaremos também os objetivos e funções do acompanhamento


terapêutico nas diversas fases da vida, como infância, adolescência e velhice,
assim como em alguns dos campos de atuação possíveis para o AT, como o
ambiente escolar e o contexto da dependência química.

Destacamos que por se tratar de uma prática realizada com pessoas em


sofrimento intenso, não nos cabe aqui esgotar as possibilidades de atuação do AT,
pois este é um profissional muito potente e que pode trabalhar nos mais diversos
campos de atuação, envolvido com equipes interdisciplinares, enriquecendo as
estratégias de tratamento e intervenções.

2 CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS OBJETIVOS E FUNÇÕES


DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO
Para contextualizar como foi sendo construído historicamente os
objetivos e funções do acompanhamento terapêutico, é importante relembrarmos
das comunidades terapêuticas, criadas nos anos 1960/1970, e que apontaram
a necessidade de um profissional capaz de criar um vínculo diferente com o
paciente, para além do vínculo possível com médicos e enfermeiras (CHAUI-
BERLINCK, 2011).

141
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Neste contexto, a primeira figura a surgir foi o “amigo qualificado”, nas


comunidades terapêuticas na Argentina, em Buenos Aires (REIS NETO, 1995). Em
linhas gerais, o objetivo do amigo qualificado era o de atuar como um pesquisador
participante, para que a avaliação diagnóstica contemplasse todos os aspectos da
vida do paciente. Dessa forma, são descritas por Mauer e Resnizky (1987 apud
CHAUI-BERLINCK, 2011, p. 28) oito funções praticadas pelo amigo qualificado,
a saber: “conter o paciente; oferecer-se como modelo de identificação; emprestar
o ego; reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente; informar sobre
o mundo objetivo do paciente; representar o terapeuta; atuar como agente
ressocializador e servir como catalizador das relações familiares”.

A crítica ao termo amigo qualificado surgirá na medida em que o nome


remete a relação estabelecida a um vínculo de amizade. Dessa forma, será pela
primeira vez nomeado como acompanhante terapêutico, com o objetivo de
enfatizar o caráter terapêutico da relação. Todo este movimento inicia fora do
Brasil, que influenciado pela comunidade terapêutica americana iniciará com os
termos atendente e auxiliar psiquiátrico no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, e
com a nomenclatura amigo qualificado em São Paulo (CHAUI-BERLINCK, 2011).

O “atendente psiquiátrico”, na comunidade terapêutica, deveria pôr em


ação o tratamento elaborado pela equipe de saúde. Para tanto, deveria
estar com o paciente todo o tempo, cuidando deste em todos os aspectos
da sua vida “desde a higiene à psicoterapia, do esporte à alimentação”
(SILVA, 2005) e nos vários espaços de sua circulação, dentro ou fora do
hospital (CHAUI-BERLINCK, 2011, p. 29).

Reis Neto (1995, p. 48) aponta para algumas especificidades da relação do


atendente com o paciente:

A relação que o atendente procurava estabelecer com o paciente,


não era necessariamente normatizadora, no sentido de buscar uma
“pedagogia moral” e muito menos obedecia sempre a uma mesma
“forma”. Estava sempre presente, em algum grau, a ideologia de
“respeitar a singularidade da loucura” e daí o “oferecer uma escuta
diferenciada”. Neste ponto, seu trabalho era muito pouco burocrático,
havendo um espaço livre para experimentação, evidentemente dentro
do enquadramento determinado pelas normas e atividades da clínica.

Por volta do final do ano de 1969, é fundada a clínica Villa Pinheiros no


Rio de janeiro, onde surge a função de auxiliar psiquiátrico que, no momento
inicial possuía funções semelhantes às atribuídas ao atendente psiquiátrico:
acompanhar o paciente em todas as suas atividades (CHAUI-BERLINCK, 2011).

Também era função do auxiliar “oferecer uma escuta interessada e


acolhedora” quando o paciente falava de si. Essa escuta serviria para
o alívio dos pacientes (a ideia de que falar alivia) e para os relatórios
diários sobre os pacientes feitos pelo auxiliar para o médico. Era
desejada uma relação de simetria com o paciente, ainda que esta se
mostrasse impossível quando o auxiliar precisava intervir para que
o paciente, independentemente do seu desejo, se adaptasse a certas
regras da clínica (CHAUI-BERLINCK, 2011, p. 30).

142
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Relembrando os estudos realizados anteriormente, sabemos que


historicamente as funções de assistente, auxiliar psiquiátrico e amigo qualificado,
que darão origem ao que hoje é conhecido como AT, seguiram por um tempo
uma lógica manicomial, visando a contenção e controle dos corpos dos pacientes,
levando para fora dos hospitais psiquiátricos a sua forma de atuação, com suporte
dos tratamentos medicamentosos.

Assim como em outros países, no Brasil, também é no contexto do


movimento antipsiquiátrico e na busca de um reconhecimento clínico, que
é requerida a alteração dos termos assistente e auxiliar psiquiátrico para
acompanhante terapêutico. Cabe ressaltar aqui, que o Acompanhamento
terapêutico no Brasil, difere do que foi considerado acompanhamento terapêutico
em Buenos Aires. No quadro a seguir, podemos observar as diferenças do auxiliar
psiquiátrico e do AT no Brasil:

QUADRO 1 – DIFERENÇAS DO AUXILIAR PSIQUIÁTRIO E DO AT

FONTE: Chaui-Berlinck (2011, p. 37)

Ainda sobre as funções de auxiliar e assistente psiquiátrico, apesar das


suas semelhanças, é importante destacar também as principais diferenças. O
assistente psiquiátrico teve esta função criada em uma lógica psiquiátrica, onde
as pessoas que atuavam nesta função eram em sua maioria, pessoas leigas em
busca de um trabalho. Foi um contexto em que a Clínica Pinel (local de onde esta
função foi criada) atendia de 40 a 50 pacientes, com poucos assistentes para dar
conta da demanda, tendo como consequência a utilização de medicamentos para
controle dos pacientes (REIS NETO, 1995).

Do outro lado, temos o auxiliar psiquiátrico, que surgiu na Clínica Villa


Pinheiros, onde as equipes eram mais bem estruturadas por turnos e também, com
o tempo, as pessoas que realizavam esta função eram em sua maioria estudantes
de psicologia. Aqui, podemos perceber de forma tímida a legitimação do auxiliar
psiquiátrico e de sua função (REIS NETO, 1995).

143
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Dando continuidade aos nossos estudos, acontece em 1984 o primeiro


encontro de acompanhantes terapêuticos no Rio de Janeiro. É neste encontro
que acontece a alteração do termo auxiliar psiquiátrico para acompanhante
terapêutico. Além disso, os grupos que se reuniram neste espaço debateram
sobre diversos temas que estiveram relacionados na época, como podemos ver
no trecho abaixo, que foi retirado de um texto escrito por alguns dos grupos que
participaram deste encontro (REIS NETO, 1995):

A dificuldade começa com a variedade de nomes com que somos


identificados: amigo qualificado, auxiliar psiquiátrico, acompanhante
terapêutico, ego auxiliar; o que mostra de alguma maneira a nossa
fragmentação como profissionais. (...). Surge a seguinte questão: não
estaríamos nós nos prendendo muito ao terapeuta? Seríamos um par do
terapeuta? Faríamos um trabalho auxiliar ao deste último, um trabalho
secundário? Pensamos que se trata de um trabalho paralelo ao de
outros profissionais e desta maneira não estaríamos auxiliando nenhum
profissional em particular. (...), nosso trabalho não é reconhecido como
profissão, no entanto temos uma função específica que justifica o
acompanhante ser reconhecido como profissional. Daí a necessidade de
pensarmos teoricamente sobre nossa prática para que o nosso trabalho
seja um complemento diferenciado do trabalho do terapeuta. Desta
forma teríamos algo a dizer aos terapeutas que nos procuram e não nos
restringiríamos a receber regras das quais muitas vezes discordamos
(ARQUIVOS EAP, 1984, apud REIS NETO, 1995, p. 213-214).

Acadêmico, podemos observar no trecho apresentado, as críticas


elaboradas pela própria classe que se configurará mais tarde como AT. A partir
desta contextualização de como foi sendo construída historicamente os objetivos e
funções deste campo de atuação com base em seu percurso histórico, daremos início
aos estudos sobre os objetivos do acompanhamento terapêutico na atualidade.

2.1 OBJETIVOS DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO


NA ATUALIDADE
Podemos considerar como principal objetivo do acompanhamento
terapêutico é o estar com o seu acompanhado. Este “estar com” pode se dar em
qualquer espaço que é frequentado pelo paciente, desde a sua casa até o contexto
social, como escolas, comunidade, CAPS, hospitais, shopping, cinema, shows,
entre outros. Além disso, também inclui as pessoas que fazem parte de sua vida:
amigos, família, vizinhos. O AT terá acesso a tudo aquilo que contribui (ou não)
para a construção da subjetividade do seu acompanhado (IAMIN; RAMOS, 2013).

É importante ressaltar também que o Acompanhante terapêutico tem


como objetivo estabelecer um vínculo com o seu acompanhado, pois estará em
contato para além da pessoa, também com seu sofrimento existencial. Dessa forma,
este acompanhamento torna-se terapêutico na medida que abre um espaço para
articulação de uma série de questões, mas também exige do AT disponibilidade
para trilhar este caminho (IAMIN; RAMOS, 2013).

144
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Ainda, de acordo com Iamin e Ramos (2013, p. 6), temos que os principais
objetivos do acompanhamento terapêutico são: “romper isolamentos, resgatar
potencialidades, retomar as relações afetivas e sociais, acolher, buscar recursos
e desenvolver capacidade criativa, descobrindo onde há maior possibilidade de
conexão do sujeito com a realidade social”.

É salutar destacar também a importância do trabalho do AT em uma


equipe multidisciplinar, onde seu objetivo além de intervir no espaço fora do
consultório, será também baseado no desenvolvimento de qualidade de vida do
acompanhado e de sua família, atuando em rede com os demais profissionais
envolvidos no caso do paciente, alinhando estratégias de intervenção e os
objetivos para cada caso (IAMIN; RAMOS, 2013).

No entanto, o acompanhamento terapêutico não deve ser confundido


como uma prática traçada a priori por um determinado profissional e colocado
em prática pelo AT. O trabalho geralmente é realizado em rede e torna-se essencial
o seu desenvolvimento em uma equipe multidisciplinar para que o paciente
obtenha maiores benefícios. No entanto, conforme apontado por Amorim e
Michel (2013, p. 39):

Neste sentido, apesar de muitas vezes o AT já trazer definido,


por um outro profissional, em geral um terapeuta, o que dever ser
observado ou trabalhado com o cliente, o como fazer é de sua inteira
responsabilidade o que, portanto, pode ser decisivo na eficiência de
suas intervenções junto ao mesmo.

Dessa forma, ao realizar o seu trabalho em rede com outros profissionais,


os objetivos podem ser traçados em conjunto, mas o AT terá autonomia para
realizar a sua prática e intervenção necessária com o paciente, sem necessariamente
possuir uma prática engessada. É essencial esta autonomia para o AT, na medida
que o acompanhado manifestará no seu dia a dia a sua singularidade, e é somente
a partir daqui e agora vivenciado pelo AT e pelo paciente que as intervenções
poderão se efetivar de forma concreta, considerando a sua subjetividade
(AMORIM, MICHEL, 2013; PULICE, 2012).

2.2 FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA


ATUALIDADE
No que diz respeito às funções do acompanhamento terapêutico,
vários autores apontam possibilidades diferentes, algumas delas acabam se
complementando, outras apresentam diversas críticas de pesquisadores. Neste
momento, para que possamos compreender as funções, suas críticas e uma
possibilidade de atuação diante destas perspectivas, trataremos sobre as funções
apresentadas pelos principais autores no campo do AT.

145
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Atualmente, a atuação do acompanhante terapêutico não é privativa de


nenhuma profissão. Dessa forma, muito se questiona a respeito do campo de
conhecimento teórico e técnico necessário para a sua formação. Partindo dessa
necessidade de constituir um saber do acompanhamento terapêutico, apresenta-
se a ideia de criação de um manual do acompanhamento terapêutico, de forma
que possa conduzir os casos atendidos, padronizando as intervenções realizadas.
Embora esta não seja uma ideia nova, é necessário refletir o impacto que a criação
deste manual poderia ocasionar, visto que não consideraria as singularidades e
subjetividades de cada sujeito, somente a sua condição diagnóstica (PULICE, 2012).

Kuras e Resnizky são consideradas referências e foram as primeiras


a teorizarem sobre este assunto. Seus textos são considerados diretamente
relacionados com o modelo médico, é possível observar isso, segundo
(PULICE, 2012), a partir da organização do sumário do livro, que apresenta
diversos diagnóstico e na sequência, as intervenções possíveis em cada uma
das situações clínicas.

Como podemos observar no contexto histórico da construção dos objetivos


e funções do AT, tratamos anteriormente sobre os oito objetivos do amigo
qualificado elaborados por Mauer e Resnizky (1987 apud CHAUI-BERLINCK, 2011).
No entanto, ao olharmos para o contexto atual e os estudos sobre as funções do
acompanhamento terapêutico, podemos observar que estes objetivos são situados
hoje como funções possíveis para o AT nos estudos de Silva (2005) e Pulice (2012).

E
IMPORTANT

Importante relembrar dos oito objetivos do amigo qualificado, descritos por


Mauer e Resnizky (1987 apud CHAUI-BERLINCK, 2011, p. 28) “conter o paciente; oferecer-
se como modelo de identificação; emprestar o ego; reforçar e desenvolver a capacidade
criativa do paciente; informar sobre o mundo objetivo do paciente; representar o terapeuta;
atuar como agente ressocializador e servir como catalizador das relações familiares”.

Na obra de Pulice (2012) podemos ainda observar críticas a utilização


dessas possíveis funções, já que limitam a intervenção do AT e foram construídas
de forma semelhante ao que era solicitado no modelo médico e na lógica
manicomial, onde não era considerado a subjetividade do acompanhado, somente
a condição de sua doença e formas de torná-lo adaptado a sociedade em geral.

[...] uma das formas de considerar o conceito de estratégia (grifo


do autor) é pensando que ela implica um saber prévio por parte
do terapeuta acerca da direção que um tratamento deve seguir, o
que é correlativo ao conhecimento que ainda se deveria ter acerca
da evolução que o paciente terá, com base em um diagnóstico

146
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

também determinado de antemão. Consequentemente, sob essa


perspectiva, o acompanhante terapêutico também deverá saber
(grifo do autor) como intervir em cada situação, como lidar com
(grifo do autor) o paciente, que passa a se situar, assim, não
como sujeito (grifo do autor), mas como objeto (grifo do autor)
de um tratamento que lhe será imposto. Segundo esse critério,
as funções do acompanhante terapêutico também poderão ser
definidas a priori (grifo do autor). [...] Há, porém, outra forma
de elaborar uma estratégia: considerando o sujeito em sua
singularidade (grifo do autor), o que nos priva de estabelecer um
saber prévio do lado do terapeuta acerca do que cada sujeito
padece, tanto quanto de antecipar qual seria o modo de tratar
esse mal-estar. Disso resultará que a função do acompanhante
terapêutico também não poderá ser estabelecida a priori (grifo
do autor), ou com base no diagnóstico que cada paciente recebe;
ela irá se delineando conforme o desenrolar, no próprio cenário
do tratamento, da problemática essencialmente singular de cada
sujeito [...] (PULICE, 2012, p. 63-64).

Historicamente, o AT foi uma função reconhecida somente em momentos


de crises. Atualmente, sabemos que a sua função pode acontecer antes, durante ou
depois de uma crise, não necessitando dela necessariamente como pré-requisito
para início do acompanhamento, mas sendo um ponto essencial para o início deste
trabalho a disponibilidade de quem será acompanhado. É salutar separarmos
também o AT de uma função pedagógica. Sua função poderá sim, acontecer,
em um contexto de demonstrar e motivar o acompanhado no sentido de que ele
não precisa de ninguém para realizar algumas atividades, contudo, não deve ser
desenvolvida uma intervenção que vise somente este objetivo (SILVA, 2005).

DICAS

Para aprofundar os seus estudos a respeito das funções do acompanhamento


terapêutico, recomendamos a leitura do terceiro capítulo do livro Fundamentos clínicos do
acompanhamento terapêutico.

• PULICE, G. O. A função do acompanhante terapêutico e sua inclusão na estratégia


de tratamento. In: PULICE, G. O. Fundamentos clínicos do acompanhamento
terapêutico. São Paulo: Zagodoni, 2012. p. 57-72.

147
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

FIGURA 8 – LIVRO “FUNDAMENTOS CLÍNICOS DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

FONTE: <https://bit.ly/3jO9fm2>. Acesso em 19 jul. 2021.

2.2.1 O acompanhante terapêutico e a família


A família é nosso primeiro local de socialização e afeto com outras pessoas.
É a partir deste campo de relações que passaremos a tecer nossas relações futuras
e a nossa forma de funcionar nos espaços em que circulamos. Cabe ressaltar que a
família aqui, não se constitui necessariamente das pessoas com quem possuímos
laços consanguíneos, mas, sim, toda a rede de contatos que possuímos e que estão
próximos de nós, com ou sem parentescos (OLIVEIRA, 2018).

O AT também deve considerar as novas configurações familiares


que vêm se modificando e incorporando no contexto sociocultural
ao longo dos últimos anos, dando lugar a diferentes concepções de
família. Exemplos destas são a família monoparental (pai ou mãe
e filhos); família ampliada (pai e mãe que constituem uma nova
família); família homoafetiva (relações entre pessoas do mesmo
gênero); famílias com filhos adotivos, entre tantas outras formas de
estruturação familiar. Assim, desde seu lugar de AT, inserido nestas
famílias, torna-se necessário estar desprovido de pré-conceitos que
possam interferir no processo de tratamento, pois é convocado
a atuar em espaços distintos e a partir de demandas diferentes. O
AT não pode estar impregnado de suas crenças e valores que lhe
impediriam de exercer a sua função terapêutica, e sim se colocar
como quem provoca mudanças, rupturas, problematiza e transforma
as relações familiares (NETTO; IAMIN, 2013, p. 62).

148
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

O Acompanhante terapêutico ao adentrar o universo que é a vida


de seu acompanhado, entrará também na vida de outras pessoas que convivem
ou vivem próximo dele, sejam pais, irmãos, demais familiares, amigos, vizinhos,
professores, entre outros. Neste contexto, o AT vivenciará e sentirá quase tudo que
acontece com o paciente e também nas relações que o cercam (OLIVEIRA, 2018).

Estando no ambiente familiar, o AT poderá prestar atenção às seguintes


questões, conforme expõe Diaz Usandivaras:
Interação familiar: diz respeito às características da comunicação, de
manutenção que perpetuam os sintomas e a homeostase familiar.
Estrutura familiar: refere-se aos conceitos de poder e de fronteiras
entre os diferentes subsistemas (fraternal, parental e conjugal).
Construção da realidade: são as concepções atuais e históricas da
família e seu grupo social, sobre os aspectos da realidade que podem
se converter em mitos familiares.
Evolução: processo de discriminação que permite que o indivíduo
cresça e desenvolva suas potencialidades, de acordo com a etapa do
ciclo de vida individual e familiar.
Autoestima: a valorização de si mesmo e da família (NETTO; IAMIN,
2013 p. 63).

Destacamos que o papel do acompanhante terapêutico não é de


orientador. No entanto, em dados momentos a família do paciente poderá
demandar de orientações e explicações, e em algumas vezes, cabe realizar este
papel, visto que pode estar totalmente vinculado também à angústia da família
diante da situação (OLIVEIRA, 2018).

Um ponto importante a se considerar nesta relação é que, no processo


de acompanhamento terapêutico, acompanhante e acompanhado estabelecem
uma relação que busca construir vínculos mais saudáveis do paciente com o seu
meio e com a vida. Dessa forma, este contato vai propiciando um contato genuíno
com outra pessoa (neste caso, o AT) e abrindo para novas possibilidades, novas
vivências que nunca foram exploradas (OLIVEIRA, 2018).

Isso pode apontar para uma dificuldade da família (que é a cuidadora


desta pessoa) diante deste vínculo estabelecido entre o AT e o paciente, pois
observa que o seu familiar está recebendo um cuidado singular, com objetivo
principal de desenvolvimento (OLIVEIRA, 2018).

Nas palavras de Mauer e Resnizky (1987 apud OLIVEIRA 2018, p. 26):

Muitas vezes percebemos que o vínculo com o paciente pode gerar


certo “ciúme”. Quando este vínculo vai se fortalecendo é comum ser
percebido como um relacionamento ameaçador para os familiares,
como se o laço entre acompanhante terapêutico e paciente pudesse
impedir outras relações.

Corroborando com estes sentimentos da família com relação ao


acompanhante terapêutico, Oliveira (2018, p. 68) aponta que:

149
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Em muitos acompanhamentos é comum a família sentir aspectos


disparadores de persecutoriedade e insatisfação em relação ao
acompanhante terapêutico. Se muitas famílias pudessem dizer
claramente como se sentem, creio que diriam o seguinte: sinto-me
invadida em minha própria casa pela a sua presença. A minha família
sempre funcionou dessa forma e agora você sugere que as coisas mudem,
isso me incomoda! Apesar de dizer a você que não vejo mudanças, a verdade
é que eu vejo e é justamente isso que me assusta! Vamos acabar com tudo
isso e voltar a ser como era antes [...].

Dessa forma, pensando no bem-estar da família e em um desenvolvimento


mais tranquilo dos atendimentos entre AT e paciente, uma possibilidade é que
a família possua o seu próprio AT, com quem poderá conversar a respeito das
suas angústias, assim como sobre as intervenções e orientações realizadas pelo
AT de seu familiar, realizando um acolhimento e orientação da família. Não nos
cabe aqui descartar a possibilidade de que o acompanhante terapêutico atenda
também a família, no entanto, essa relação atinge um nível de complexidade
maior (OLIVEIRA, 2018).

A função do AT no ambiente familiar vem se aprimorando; desde


nossa experiência clínica observamos que a família ocupa um lugar
preponderante na manutenção da doença, bem como na remissão de
sintomas e reabilitação do próprio paciente. Assim, o AT deve estar
atento à repetição de comportamentos familiares que mantém o
sintoma ou boicotam o tratamento. Diante de qualquer movimento do
AT através do processo terapêutico, a família fará tentativas de manter
a homeostase familiar e o AT deve colocar-se como aquele que rompe
com o círculo vicioso que mantém aquela dinâmica disfuncional.
Nesse sentido, o AT exerce, conforme referem Mauer e Reznisky
(2004), a função de catalisador das relações familiares e sociais abrindo
novas possibilidades, que rompem com a dinâmica do funcionamento
que mantém o sintoma (NETTO; IAMIN, 2013, p. 64-65).

Podemos perceber que os estudos a respeito da relação do AT


com a família do paciente são relativamente novos e ainda há muito para ser
explorado. Contudo, é importante olhar para essa complexidade que envolve o
nosso acompanhado durante o seu tratamento e o constitui, sendo essencial a
compreensão e intervenção nesta dinâmica a serviço de nosso paciente.

Neste ponto, cabe também ressaltar a importância do profissional de


acompanhamento terapêutico estar constantemente em contato com uma equipe
interdisciplinar, para ampliar o suporte do paciente e de sua família e favorecer
todo o seu desenvolvimento, que tem como um dos objetivos principais auxiliar o
acompanhado nas várias demandas que atualmente, ele não possui recursos para
enfrentar no contexto atual em que vive.

150
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

3 POSSIBILIDADES PARA O ACOMPANHAMENTO


TERAPÊUTICO
Acadêmico, até aqui realizamos um percurso de alguns dos objetivos e
funções possíveis ao acompanhante terapêutico, desde a sua construção história
até como é visto atualmente, passando também pela sua relação com a família do
paciente, visto que ela está constantemente envolvida nesta relação. A partir de
agora, nos debruçaremos a trabalhar de forma breve a respeito dos objetivos e
funções do AT durante as fases da vida e em alguns campos de atuação específicos.

3.1 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO DE BEBÊS E


CRIANÇAS
Um dos campos de atuação poucos estudados a respeito do AT, trata-se da
sua atuação na primeira infância. É realizada principalmente em relação também
com os pais. Geralmente, acontece em contato com uma rede interdisciplinar e
frequentemente é recomendada por médicos (NETTO, 2013).

Na fase inicial de vida, o AT pode ser recomendado em situações, por


exemplo, de transtornos ou síndromes, utilizaremos como exemplo a síndrome de
down, de acordo com o estudo apresentado por Netto (2013). Neste caso o objetivo
principal do AT será de auxílio a este bebê/criança para que tenha seu espaço nesta
família, ao passo que também será suporte para que a família também envolva este
novo integrante, que neste momento e de certa forma, ocasionou uma frustração e
luto aos pais, já que não representa o filho esperado por eles (NETTO, 2013).

No atendimento terapêutico com este público é muito importante manter


o foco na sua função, para que seu papel não se confunda, diante daquele que
é acompanhado (o bebê/criança) como de pai, mãe, babá, entre outros papéis
possíveis, para que não perca a sua função terapêutica. É importante sempre
estar em contato e envolvido com os pais durante todo o processo, para que estes
possam também observar e construir o lugar do paciente acompanhado dentro
das relações da família (NETTO, 2013).

É necessário ir encontrando o lugar do AT no trabalho com bebês, assim


como cada vez mais identificar e aprimorar os recursos necessários
a sua prática. Tendo como referência o trabalho com adultos, ele se
diferencia pela condição particular do ser criança e das demandas
específicas. Há, na solicitação de AT com bebês um chamamento a
ocupar um lugar que a família ou os cuidadores não dão conta e que
convoca à transformação. É da ordem da urgência à medida que se
trata de alguém para quem os laços vinculares e sua qualidade terão a
tonalidade de sua organização (NETTO, 2013, p. 110).

151
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

O bebê, ao crescer e tornar-se criança, com o auxílio do AT neste processo,


vai construindo sua singularidade, encontrando o seu espaço, nos diversos
contextos que já pode frequentar, vai aprendendo as formas de se manifestar e
posicionar diante do mundo. A família, pode então, reconhecer neste sujeito a sua
subjetividade e compreendê-lo como um ser de relações, com quem pode dialogar,
reconhecendo-o como é e estabelecendo/fortalecendo os vínculos familiares.

3.2 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO NA


ADOLESCÊNCIA
A adolescência é um período de transição na vida, estamos nos
desenvolvendo física e intelectualmente, assim como desenvolvemos também
as nossas relações com as pessoas que nos cercam e com os ambientes que
frequentamos. É um período que nos deixa marcas, onde vivenciamos novas
experiências, buscamos nossa autonomia, adquirimos mais maturidade (IAMIN;
ZAGONEL, 2013).

O AT, neste período da vida pode estar relacionado com várias questões,
como dependência química, sofrimento intenso, doenças crônicas, entre
outros. A função do AT junto ao acompanhado adolescente é de auxiliar na
sua ressocialização, na construção das experiências que são possíveis diante
das possíveis limitações que sua condição pode necessitar em dado momento.
É importante que o acompanhante terapêutico também apresente os limites,
quando necessário e acolha todas as angústias que este adolescente pode, diante
da sua situação de vida atual, apresentar (IAMIN; ZAGONEL, 2013).

O AT serve como sustentação, como tarefa de conectar o adolescente


com o entorno, tentando fazer do desencontro inevitável com o
mundo lá fora causado pelo adoecimento um novo encontro com a
cidade, com os amigos, flexibilizando situações e transformando o que
é um período difícil em um momento de troca de vivencias (IAMIN;
ZAGONEL, 2013, p. 125).

Da mesma forma como acontece com bebês e crianças, com os adolescentes


geralmente a inclusão do AT também acontece através de um profissional (médico,
terapeuta) e é articulado com uma rede interdisciplinar, com objetivos e estratégias
elaboradas conjuntamente em benefício do paciente (IAMIN; ZAGONEL, 2013).

3.3 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E O


ENVELHECIMENTO
O trabalho do AT no envelhecimento surgiu a partir da demanda de
médicos sobre a necessidade de existir alguém que não se pautasse no trabalho
de análise, mas que também não se limitasse aos aspectos técnicos do cuidado,

152
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

tais como cuidados de higiene, auxílio com medicamentos, seguimento no


tratamento. Observou-se a necessidade de alguém para além destes dois extremos,
que pudesse acolher a pessoa idosa em suas singularidades, para além de suas
limitações (PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013).

No que diz respeito à velhice, podemos observar similaridades com o


campo inicial onde o AT surge na história, que diz respeito ao campo da saúde
mental, da loucura. Tal como os considerados loucos, os idosos foram por muito
tempo (e ainda hoje, muitas vezes são) marginalizados na sociedade. Como
então, desenvolver um trabalho de acompanhamento terapêutico, tendo em vista
a singularidade desta pessoa, que se encontra supostamente próxima da morte?
(PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013).

É importante ressaltarmos também o avanço que tivemos até hoje no


que diz respeito a quem é considerado velho. Cada vez observamos as pessoas
vivendo mais, produzindo mais. Sendo este, um dos aspectos principais que
contribuíram para que esta fase da vida começasse a ser mais pesquisada e
estratégias e intervenções pudessem ser construídas para as pessoas que a
ingressam (PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013).

É interessante notar que os termos “idoso”, “pessoa idosa” e “terceira


idade”, mesmo popularizados, acabam por referir, de forma geral, às
pessoas consideradas ativas, que se sociabilizam, não se encontram
doentes e àquelas pertencentes às camadas mais favorecidas. Já́
o termo “velho” ainda traz consigo uma conotação negativa, e é
comumente utilizado para denominar as pessoas que estão “além da
terceira idade”, com imagens associadas à inatividade, ao abandono,
à doença e pobreza (PEIXOTO, 1998 apud PEIXEIRO; BARBIERI;
REBELLO, 2013, p. 149).

O velho, ainda hoje muitas vezes não possui lugar social no ambiente
em que vive. Sua história não faz parte do contexto atual, sente-se deslocado.
Sua sabedoria, seus ensinamentos não fazem sentido, não podem ser ouvidos.
A juventude é o que se busca com maior intensidade, e nela, cabe somente a
individualidade, a rapidez, o agora. Iniciamos este subtópico sobre o AT e o
envelhecimento, apresentando o contexto em que encontramos estas pessoas.
A partir de agora, nos dedicaremos a olhar para a função do acompanhante
terapêutico com a pessoa idosa (PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013).

Considerando que a velhice é marcada constantemente por perdas e


aquisições, torna-se muitas vezes uma fase mais difícil de ser aceita pela pessoa
que entra nela, necessitando de suporte para compreendê-la e assimilá-la na sua
história de vida (PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013).

O organismo não é mais o mesmo e já apresenta suas limitações


adquiridas pelo tempo. A necessidade de sair do emprego por não se sentir mais
com a mesma eficiência ou habilidade, ou mesmo a demissão. A descoberta de

153
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

doenças degenerativas que atingem diretamente a sua rotina e sua qualidade


de vida, e o encontro com a sua finitude, são pontos a considerar nesta fase
da vida e que causam sofrimento e angústias para a pessoa idosa (PEIXEIRO;
BARBIERI; REBELLO, 2013).

O encontro com o AT, neste sentido, pôde propiciar a construção


de um território habitável, mesmo que a princípio entre dois, onde
o tempo volta a correr e alguma negociação, mesmo que sempre
insuficiente, com a proximidade da morte, oferece lugar para alguma
perspectiva de historização, considerando novamente passado,
presente e futuro. A construção de projetos, característica do trabalho
do AT, presentifica-se e abre um campo de circulação para o sujeito
(PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013, p. 154).

Dessa forma, podemos observar que o campo de atuação do acompanhante


terapêutico junto aos idosos é necessário e tem ainda muito o que ser construído
e mais estudos destinados a esta área tornam-se essenciais. O AT com este
público poderá atuar no acolhimento das angústias, na escuta dos receios, da
marginalização que sofrem, das mudanças que muitas vezes não são facilmente
aceitas ou assimiladas (PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013).

A partir desta atuação, o AT apresenta novas possibilidades para o seu


acompanhado: de relações, de circulação em espaços não mais frequentados, de
recuperação e estabelecimento de vínculos, de singularidade e da autonomia que
lhe é possível de acordo com as limitações que se apresentam, mas que agora
podem ser aceitas (PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013).

3.4 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E O AMBIENTE


ESCOLAR
O acompanhamento terapêutico considerando o ambiente escolar, contará
com uma rede interdisciplinar maior. Além dos profissionais, familiares e AT,
envolverá também os profissionais da escola. No ambiente escolar o acompanhante
terapêutico pode atuar em muitas situações, principalmente envolvendo
estudantes com síndromes, transtornos, deficiências (físicas e mentais), tendo
como principal objetivo auxiliar o acompanhado na sua inserção neste espaço,
para que possa construir suas relações e sua subjetividade, aprendendo também
se colocar nos contextos que participa de acordo com seus limites e possibilidades
(CARDOSO; ESKENAZI, 2013).

Neste sentido, o AT envolve-se no dia a dia do sujeito, auxiliando-o a


superar suas dificuldades; assim, o AT atua como elo entre o sujeito e o
seu contexto social, fazendo com que o sujeito conquiste ou reconquiste
sua independência, autoconfiança e a percepção de possibilidades ao
seu redor, resgatando suas potencialidades e desejos. O AT é, portanto,
um mediador entre sujeito-escola, sujeito-família, escola-família e
principalmente um mediador entre os outros profissionais envolvidos
no tratamento. Cabe ao AT colecionar informações importantes, a fim

154
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

de auxiliar os profissionais e promover as novas medidas decididas


e elaboradas pelos mesmos e, por acompanhar o sujeito, ter uma
intervenção mais frequente e mais apropriada nos diversos ambientes
afetados (CARDOSO; ESKENAZI, 2013, p. 192).

Cabe também ressaltar que a intervenção do AT no ambiente escolar


propicia o desenvolvimento saudável da relação do acompanhado com os
demais colegas que estudam e dividem o mesmo espaço com ele. As relações
podem ser fortalecidas, a socialização acontece de uma forma mais tranquila para
o paciente e, a partir das intervenções realizadas, também é possível observar que
as mudanças acontecem para além dos muros da escola: no contexto familiar, da
comunidade e outros que o acompanhado possa vir a frequentar, pois através
da identificação com o AT neste primeiro momento, ele pode assimilar estas
mudanças em sua vida como um todo (CARDOSO; ESKENAZI, 2013).

3.5 O ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO E A DEPENDÊNCIA


QUÍMICA
Acadêmico, você sabe o que é dependência química? Quais são os
impactos que esta doença pode ter na vida e nas relações sociais/familiares?
Iniciaremos este subtópico conceituando de forma breve a dependência química,
para então tratarmos sobre os objetivos e funções do acompanhante terapêutico
com este público.

A dependência química é considerada uma doença que não possui cura,


mas pode ser tratada através da intervenção de equipes interdisciplinares e com a
abstinência das drogas, sendo diversos os fatores que podem levar a dependência.
Considera-se dependente química a pessoa que faz uso de drogas psicoativas
(isto é, drogas que agem sobre o sistema nervoso central, lícitas ou ilícitas), e que
levam a mudanças de comportamento (principalmente relacionados a sensações,
percepções e também o estado emocional), impactando de forma negativa em
todas as esferas da vida (física, mental, social, ambiental) (ASINELLI-LUZ, 2013).

É importante ressaltar que a adolescência pode tornar-se um fator de risco


para a dependência química, considerando as mudanças implícitas que esta fase
da vida possui, a necessidade de mostrar sua autonomia, a pressão do grupo de
amigos e o ambiente social em que o adolescente está inserido tornam-se pontos
de atenção (ASINELLI-LUZ, 2013).

Tratando-se da atuação do acompanhante terapêutico com o sujeito que é


dependente químico, é indispensável lembrar que sua atuação sempre acontecerá
de forma interdisciplinar, envolvendo outros profissionais, assim como mediando
o sujeito com suas relações familiares. O dependente químico possui muita
dificuldade em aceitar que se encontra doente, afirmando muitas vezes tratar de
uma escolha (ASINELLI-LUZ, 2013).

155
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Mauer e Resnizky (2004, p. 191-3 apud ASINELLI-LUZ, 2013, p. 200),


apontam quatro funções do AT no campo da dependência química:

1. Eliminar todo e qualquer mal-entendido inicial do encontro AT-


dependente, reconhecendo o sofrimento do dependente e dos
demais membros da família, bem como ter ciência da dificuldade
do dependente se reconhecer como doente.
2. Incluir o “não” na vida do dependente químico, transmitindo
a convicção de que a drogadição não é uma escolha, e sim
uma doença. Portanto é preciso saber dizer não a qualquer
oportunidade de consumo de drogas. A abstinência gera
ansiedade e toda a equipe terapêutica deve saber conter os sinais
e sintomas desagradáveis. Ao “não” do consumo de drogas deve
ser agregado o reforço à permanência do dependente na rede
social de atendimento, evitando a perda de um de seus membros.
3. Dar as condições necessárias ao dependente de idealizar um
projeto de vida sem drogas, promovendo no mesmo a necessidade
de conectar-se consigo mesmo.
4. Acompanhar o dependente na busca de projetos de vida. O
dependente químico tem, geralmente, uma vida marcada por
perdas, abandonos e vícios e a presença do AT proporciona
construir o terreno seguro e firme da recuperação.

Dessa forma, o AT atuará no sentido de conscientizar o sujeito da sua


doença, na sua ressocialização, na abstinência das drogas, no fortalecimento
dos vínculos que foram rompidos anteriormente, para que o acompanhado
possa encontrar ou mesmo reestabelecer seu projeto de vida, com autonomia,
encontrando formas mais saudáveis e seguras de lidar com os fatores que levaram
a dependência, sendo um profissional importante na trajetória de recuperação da
pessoa com dependência química.

Acadêmico, a partir dessa importante reflexão inicial, daremos


continuidade aos nossos estudos, compreendendo as tentativas de padronização
das funções do AT. Cabe ressaltar que essa tentativa foi observada tanto na
Argentina, como também no Brasil (SILVA, 2005).

A leitura complementar a seguir, traz uma importante reflexão a respeito


de ser ou não apropriado ou possível a criação de um manual do acompanhamento
terapêutico. Vamos a Leitura?

156
TÓPICO 4 — OBJETIVOS E FUNÇÕES DO ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

LEITURA COMPLEMENTAR

A FUNÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO E SUA INCLUSÃO NA


ESTRATÉGIA DE UM TRATAMENTO

A título de introdução, vamos nos deter por alguns instantes em uma


cativante história que tomaremos emprestada da literatura, e que nos permitirá
ilustrar, em sua complexidade, um pouco do que nos interessa transmitir aqui.
Trata-se de O mestre de esgrima, um conhecido romance de Arturo Pérez-Reverte
cujo personagem principal, Dom Jaime Astarloa – talvez o melhor esgrimista
de sua época –, dedicava-se apaixonadamente à busca daquilo que ele mesmo
costumava denominar O Santo Graal. Havia muitos anos que Dom Jaime
trabalhava na redação de um “Tratado sobre a arte da Esgrima”, que – segundo
os entendidos – constituiria, sem dúvida, uma das obras capitais sobre o tema. O
próprio autor, porém, havia começado a ter, nos últimos tempos, sérias dúvidas
sobre sua própria capacidade de sintetizar em folhas manuscritas aquilo que
estava no centro de seu desânimo: para que a obra fosse o non plus ultra sobre a
matéria que a inspirava, “era necessário que dela constasse o golpe de mestre, a
estocada perfeita, impossível de defender, a mais depurada criação iluminada
pelo talento humano, modelo de inspiração e eficácia...”. Desde o primeiro dia em
que cruzou o florete com um adversário, Dom Jaime se dedicara infrutiferamente
a isso. Não obstante, “o velho mestre de armas sentia o vigor começar a escapar
de seus ainda temperados braços, e o talento que inspirava seus movimentos
profissionais ir se desvanecendo sob o peso dos anos...”. Dia a dia, o mestre de
esgrima “tentava inutilmente arrancar dos meandros de sua mente aquela chave
que ele sabia, por inexplicável intuição, escondida em algum lugar, empenhando-
se em não ser revelada...”. Assim passava muitas noites acordado até o amanhecer,
e outras – arrancado do sono por alguma súbita inspiração, – o encontravam
empunhando um dos seus floretes com desesperada violência em frente aos
espelhos que cobriam as paredes de sua pequena galeria, tentando concretizar
o que minutos antes havia sido somente uma fugaz centelha de lucidez em sua
mente adormecida. Então, enroscava-se em sua agônica e inútil perseguição,
“medindo seus movimentos e inteligência em silencioso duelo com sua própria
imagem, cujo reflexo parecia sorrir-lhe com sarcasmo nas sombras...”.

Não nos estenderemos hoje naquilo que tem a ver propriamente com
a trama desse romance sobre o qual, além de tudo – e dado que recomendamos
enfaticamente sua leitura –, também não anteciparemos o final. Só diremos que
essa estocada, a estocada perfeita, não foi justamente em uma dessas noites de vigília
que pôr fim a pôde encontrar, ao contrário. Ela só surgiu, para sua sorte, no exato
instante em que o que estava em jogo era sua própria sobrevivência. Extrairemos
dali, porém, algo que é de extremo interesse para nós: as epígrafes que acompanham
as legendas de cada capítulo em que se sucede a narração, supostos fragmentos do
até então inconcluso Tratado que Dom Jaime se propunha a escrever:

157
UNIDADE 2 — A FORMAÇÃO DO ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO

Ataque falso duplo


“Os ataques falsos duplos são usados para enganar o adversário.
Começam com um ataque simples.”

Tempo incerto sobre falso ataque


“No tempo incerto, como em qualquer outro movimento arriscado,
quem sabe puxar deve prever as intenções do adversário,
estudando cuidadosamente seus movimentos
e conhecendo os resultados que possam ter.”

Estocada curta
“A estocada curta em extensão
Normalmente expõe aquele que executa sem tino nem prudência.
Por outro lado, a extensão nunca deve ser feita
Em terreno embaraçado, desigual ou escorregadio.”

Ataque de glissade
“O glissade é um dos ataques mais certos da esgrima,
Fato pelo qual obriga necessariamente a se pôr em guarda.”

Desengajamento forçado
“Desengajamento forçado é aquele com cujo auxílio
o adversário obteve a vantagem.”

Dar chamada
“Dar uma chamada, em esgrima, é fazer que o adversário
Saia de sua posição de guarda.”

A pergunta que podemos nos fazer com base na enunciação de todos


esses movimentos próprios da esgrima, é se algo similar poderia ser elaborado
a respeito da função e das intervenções do acompanhante terapêutico; se seria
pertinente elaborar um manual assim para definir de antemão os postulados
gerais necessários para implementar, em cada situação, nossa estocada perfeita.
Essa pergunta, podemos antecipar, terá uma implicação muito forte em termos
de posição ética de onde se possa ensaiar sua resposta, dado que implica a
necessidade de um pronunciamento a respeito de certa questão que lhe é essencial,
relativa ao modo de se posicionar em relação ao Saber.

FONTE: PULICE, G. O. A função do acompanhante terapêutico e sua inclusão na estratégia de


tratamento. In: PULICE, G. O. Fundamentos clínicos do acompanhamento terapêutico. São
Paulo: Zagodoni, 2012. p. 57-59.

158
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os objetivos e funções do acompanhamento terapêutico foram construídos


historicamente, desde as comunidades terapêuticas criadas nos anos 1960/1970,
que apontaram a necessidade de um profissional capaz de criar um vínculo
diferente com o paciente, para além do vínculo possível com médicos e
enfermeiras.

• Hoje, o principal objetivo do acompanhamento terapêutico é o estar com o


seu acompanhado. Este “estar com” pode se dar em qualquer espaço que é
frequentado pelo paciente, desde a sua casa até o contexto social, como escolas,
comunidade, CAPS, hospitais, shopping, cinema, shows, entre outros.

• É essencial considerar a relação com a família no acompanhamento terapêutico,


já que muitas vezes as intervenções poderão envolver todos que convivem com
o acompanhado. Dessa forma, a família muitas vezes pode sentir-se ameaçada
pelo AT, à medida que modifica a dinâmica familiar estabelecida antes de sua
chegada.

• O acompanhamento terapêutico, nas diversas fases da vida, poderá contar


com funções diferentes, no entanto, podemos observar que os objetivos
permanecem sempre semelhantes, atuando na socialização/ressocialização
do acompanhado, no acolhimento da sua singularidade, propiciando sua
autonomia e sua circulação nos mais diversos espaços.

• O AT poderá atuar em diversos campos de atuação, sendo em muitos momentos


um profissional potente e necessário para pessoas em sofrimento intenso devido
à condição que se encontram. É muito importante que sua intervenção aconteça
dentro de uma rede interdisciplinar com outros profissionais, ampliando as
estratégias e possibilidades do acompanhado no seu desenvolvimento.

CHAMADA

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159
AUTOATIVIDADE

1 Atualmente, a atuação do acompanhante terapêutico não é privativa de


nenhuma profissão. Dessa forma, muito se questiona a respeito do campo
de conhecimento teórico e técnico necessário para a sua formação. Sobre as
funções do acompanhamento terapêutico, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Kuras e Resnizky são consideradas referências e foram as primeiras a


teorizarem sobre este assunto. Seus textos são considerados diretamente
relacionados com as funções do AT, tais como são entendidas hoje, e
compreendem o contexto como fator importante.
b) ( ) A função do acompanhante terapêutico sempre inicia em momentos
de crise, tendo função pedagógica e não depende de o acompanhado
estar de acordo com o serviço.
c) ( ) A criação de um manual do acompanhamento terapêutico será eficaz
para as intervenções do AT, visto que atuará sobre o diagnóstico, e não
sobre a pessoa e a singularidade do caso.
d) ( ) A função do acompanhante terapêutico não pode ser estabelecida a
priori, ou com base no diagnóstico que cada paciente recebe; ela irá se
delineando conforme o desenrolar, no próprio cenário do tratamento,
da problemática essencialmente singular de cada sujeito.

2 Assim como em outros países, no Brasil também é no contexto do


movimento antipsiquiátrico e na busca de um reconhecimento clínico
que é requerida a alteração dos termos assistente e auxiliar psiquiátrico
para acompanhante terapêutico. Com base nas diferenças do auxiliar
psiquiátrico e do acompanhante terapêutico apontadas por Chaui-Berlinck
(2011), analise as sentenças a seguir:

I- O auxiliar psiquiátrico era considerado como um clínico e o acompanhante


terapêutico como um leigo.  
II- O Acompanhante terapêutico trabalha na rua e na casa do paciente com
intervenção clínica junto ao paciente e junto a família deste, enquanto o
auxiliar psiquiátrico trabalha dentro do estabelecimento psiquiátrico ou
fora com as mesmas funções.
III- O auxiliar psiquiátrico possui um amadurecimento da prática do auxiliar.
Já o acompanhante terapêutico tem como foco os cuidados físicos,
farmacoterápicos, relação afetiva.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

160
3 A família é nosso primeiro local de socialização e afeto com outras pessoas.
É a partir deste campo de relações que passaremos a tecer nossas relações
futuras e a nossa forma de funcionar nos espaços em que circulamos. De
acordo com a atuação do acompanhante terapêutico e sua relação com a
família, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O AT deve levar em consideração todo tipo de configuração familiar, sem


preconceitos que contaminariam o seu olhar, pois seu papel neste ambiente
não é de julgar, mas de intervir nas relações familiares a serviço do paciente. 
( ) As relações familiares não interferem na atuação do acompanhante
terapêutico, não havendo nenhuma necessidade deste contato para
compreensão e auxílio do paciente.
( ) Quando o vínculo entre o AT e o paciente se fortalecem é possível
observar que os familiares sentem isso como algo ameaçador, como se
a relação entre acompanhante terapêutico e acompanhado resultasse no
impedimento de outras relações.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) (   ) V – F – V.
c) (   ) F – V – F.
d) (   ) F – F – V.

4 Na fase inicial de vida, o AT pode ser recomendado em situações, por


exemplo, de transtornos ou síndromes, utilizaremos como exemplo a
síndrome de down, de acordo com o estudo apresentado por Netto (2013).
Disserte sobre como o AT pode auxiliar no processo de desenvolvimento
na primeira infância.

5 O trabalho do AT no envelhecimento surgiu a partir da demanda de médicos


sobre a necessidade de existir alguém que não se pautasse no trabalho de
análise, mas que também não se limitasse aos aspectos técnicos do cuidado,
tais como cuidados de higiene, auxílio com medicamentos, seguimento no
tratamento. Observou-se a necessidade de alguém para além destes dois
extremos, que pudesse acolher a pessoa idosa em suas singularidades, para
além de suas limitações (PEIXEIRO; BARBIERI; REBELLO, 2013). Neste
contexto, disserte sobre as funções do AT no envelhecimento.

161
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167
168
UNIDADE 3 —

FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA


DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender os fundamentos éticos da prática em saúde mental;

• analisar os modelos de raciocínio ético;

• entender os modelos de raciocínio na resolução de conflitos éticos;

• identificar um modelo do processo de tomada de decisão ética.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade,
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

TÓPICO 2 – MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE


CONFLITOS ÉTICOS

TÓPICO 3 – UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO


ÉTICA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

169
170
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, seja bem-vindo à terceira unidade do livro!

Para introduzir o conteúdo sobre os modelos de raciocínio ético, vamos nos


ater a um exemplo imaginando um cenário entre psicólogo e paciente, que pode
ser visualizado também com um profissional de Acompanhamento Terapêutico
na área da saúde mental. Considere a seguinte situação: Um psicólogo decide
que o melhor método de ajudar sua cliente superar seu medo de intimidade é se
envolver em um relacionamento sexual com ela. Ela confia nele implicitamente, e
ele sente com convicção que a experiência será positiva para ela.

Será eticamente apropriado para um psicólogo (ou no caso, um


acompanhante terapêutico) prosseguir nesse tipo de relacionamento íntimo?
Esperar-se-ia que estudantes e profissionais da saúde mental respondessem
universalmente com um lúcido “não!”. No entanto, a fim de estabelecer regras
de conduta para profissionais de saúde mental que todos os profissionais são
obrigados a obedecer, o comitê que cria o código ético de uma profissão deve ser
capaz de ir além de simplesmente indicar quais comportamentos são exigidos
e proibidos, desenvolvendo uma justificativa racional para os princípios éticos
profissionais e padrões de conduta que eles propõem. Em outras palavras,
uma explicação racionalmente convincente do motivo de um determinado
comportamento ser aceitável ou inaceitável deve ser possível. Essas explicações,
embora não geralmente mencionadas no código ético, constituem o fundamento
filosófico da perspectiva ética da profissão.

Por que seria errado para o psicólogo envolver-se em um relacionamento


sexual com seu cliente, se ele acredita que tal relacionamento será benéfico para ela?
O fato de existirem regras que proíbem tal comportamento não é uma explicação
adequada do motivo pelo qual tal comportamento seja inadequado. A validade
da regra deve ser demonstrada racionalmente para afirmar que o psicólogo em
questão é obrigado (isto é, tem um dever ético) de obedecer a essa regra.

Este tópico examinará a capacidade das principais teorias éticas da


filosofia ocidental para fornecer o fundamento filosófico para os padrões
éticos de uma profissão de saúde mental como a psicologia. Os méritos de
cada teoria serão avaliados criticamente e sua relevância para as profissões de
saúde mental será enfatizada.

171
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

Quanto ao código de ética do profissional de AT, ainda não existe um


órgão regulamentador no Brasil. O profissional de AT baseará sua conduta ética
de acordo com a sua formação anterior, por exemplo: profissionais de AT que
possuem formação em psicologia, se baseará no código de ética do psicólogo.
O acompanhante terapêutico que possuir formação em fisioterapia, no código
de ética do fisioterapeuta e assim por diante. Nos casos de o acompanhante
terapêutico não possuir uma formação anterior regulamentada e ser, por
exemplo, um técnico em acompanhamento terapêutico, deverá se submeter ao
código de ética do profissional imediato responsável pelo plano de tratamento ou
das diretrizes e dos códigos de ética dos profissionais da equipe multiprofissional
responsável pelo caso.

Hoje, no Brasil, o maior número de profissionais acompanhantes terapêu-


ticos possui formação anterior em saúde, especificamente a psicologia. Portanto,
nessa terceira unidade nos basearemos nas práticas clínicas dos psicólogos.

2 O RELATIVISMO ÉTICO
O relativismo ético, o ponto de vista de que não existem princípios éticos
universalmente válidos, tornou-se um termo bastante impreciso porque tem sido
usado de várias maneiras por pessoas diferentes. Muitas vezes, é apresentado
como uma visão de que uma determinada ação (por exemplo, não pagar pelos
alimentos fornecidos por outra pessoa) pode ser eticamente apropriada em
uma circunstância (por exemplo, quando um convidado na casa de alguém) e
inadequada em outra (por exemplo, ao comer em um restaurante). Seguindo esta
definição, todos se qualificariam como um relativista, mas este não é o verdadeiro
significado técnico do termo (BRANDT, 1982).

O genuíno relativismo ético envolve a suposição de que os valores éticos de


indivíduos diferentes às vezes conflitam de maneira fundamental. Em um conflito
fundamental, as duas partes não discordam simplesmente sobre questões de fato,
como seria o caso se duas pessoas discordassem sobre os critérios apropriados
para um diagnóstico válido de Esquizofrenia, Tipo Paranoide. Pelo contrário, as
duas partes concordam sobre as questões de fato (por exemplo, ambos reconhecem
o mesmo conjunto de critérios diagnósticos para a esquizofrenia paranoide), mas
discordam quanto à moralidade de fazer tal diagnóstico.

Uma segunda suposição que é característica da maioria das formas de


relativismo ético é que essas discordâncias fundamentais não podem, pelo menos
em alguns casos, ser resolvidas racionalmente. Em outras palavras, nem sempre há
uma avaliação moral "correta" de um ato que seja demonstrável, de modo que dois
pontos de vista morais conflitantes podem ser discutidos como sendo igualmente
corretos. Quando essa suposição é adicionada, a posição é referida como relativismo
metaético. O relativista metaético afirmaria que não existe nenhum método efetivo
para resolver tais dilemas morais, tal posição é referida como relativismo metaético
metodológico, ou se existe um método para resolver conflitos éticos, é efetivo em
apenas um número limitado de casos, posição referida como relativismo metaético
172
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

não-metodológico (BRANDT, 1982). Com relação à vinheta no início deste tópico, um


relativista metaético pode argumentar que é impossível estabelecer se as ações do
psicólogo são ou não são éticas comparando racionalmente a validade de valores
que apoiam tal prática e aqueles que a condenam.

Duas formas de relativismo ético que se tornaram bastante populares,


particularmente nas ciências sociais, são o relativismo cultural e o relativismo
pessoal. O relativismo cultural é o ponto de vista de que as discordâncias
fundamentais sobre questões éticas ocorrem frequentemente entre membros de
diferentes grupos culturais. O relativismo cultural baseia-se nas suposições de
que as pessoas adquirem a maioria dos seus valores pessoais de sua cultura e
que os valores e as expectativas comportamentais normativas variam de uma
cultura para outra. Algumas formulações do relativismo cultural acrescentam
o componente de que os membros de uma determinada cultura são eticamente
obrigados a respeitar os padrões morais de sua cultura, caso em que o ponto de vista
é uma forma de relativismo cultural normativo. Os relativistas culturais normativos
diferem quanto à questão de saber se as pessoas devem sempre obedecer aos
valores de sua própria cultura ou se devem conformar seu comportamento com
os valores da cultura em que se encontram atualmente.

A perspectiva do relativismo pessoal envolve uma posição como a seguinte:


Se alguém realmente acredita que é correto (ou errado) fazer A na circunstância
C, então é correto (ou errado) fazer A em C. Por exemplo, relativistas pessoais
considerariam as ações do psicólogo na vinheta no início do tópico apropriada
porque ele realmente acredita que iniciar uma relação sexual com seu cliente
irá beneficiá-la. De acordo com o relativismo pessoal, se uma pessoa acredita
que sua ação é apropriada, sua ação não pode ser criticada em bases éticas por
outros. Essa ideia é consistente com o ponto de vista de que a sinceridade afetiva
de uma pessoa, em vez de qualquer questão do que seria "certo" ou "errado"
objetivamente, é o que torna seu comportamento ético.

2.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO RELATIVISMO ÉTICO


O relativismo ético, em suas diversas formas, afirma que a razão não
fornece um meio adequado de avaliar o status ético de uma ação em alguns, na
maioria ou talvez mesmo em todos os casos. No entanto, o ponto de vista de que
as posições éticas conflitam de maneira fundamental e irresolúvel não implica que
qualquer posição seja correta ou que seja incorreta. De fato, se você seguir com as
implicações do relativismo ético, você desembocará no ceticismo ético, o ponto de
vista de que nenhuma crença ética pode ser comprovada como universalmente
válida. Portanto, tudo o que restaria são atitudes ou opiniões éticas.

O relativismo cultural envolve o problema adicional de determinar a que


cultura se deve referir ao determinar a adequação das ações de uma pessoa (por
exemplo, a sociedade brasileira, sua subcultura étnica, sua comunidade local?).
No caso de prisioneiros encarcerados, seu comportamento deve ser avaliado
por referência às expectativas normativas dentro da prisão? É claro que não, se
173
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

o objetivo é reabilitar os prisioneiros para que eles possam se tornar membros


produtivos da sociedade maior. Outro problema com o relativismo cultural, que
é óbvio para a maioria das pessoas, é que o status ético de uma ação não depende
de sua aceitabilidade social. Assim, o relativismo cultural, ao igualar a moral com
os costumes (ou seja, os hábitos ou costumes de uma cultura ou grupo particular),
é realmente uma rejeição da possibilidade de qualquer padrão ético objetivo para
julgar as ações.

Finalmente, as formulações do relativismo pessoal geralmente não


afirmam quaisquer condições sob as quais uma ação é moralmente inapropriada.
O ponto de vista de que uma pessoa sempre age moralmente se agir de acordo
com seus verdadeiros sentimentos não implica necessariamente que ela age de
forma imoral se ela não agir com base em seus sentimentos. Qualquer perspectiva
ética significativa deve, no mínimo, especificar as condições nas quais as ações
devem ser consideradas eticamente apropriadas e inapropriadas.

2.2 RELEVÂNCIA DO RELATIVISMO ÉTICO PARA AS


PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL
Como afirmou Richard F. Kitchener (1991), o relativismo ético é uma
posição insustentável para qualquer profissional de saúde mental. Para que haja
padrões de comportamento profissional, os profissionais de saúde mental devem
ser capazes de fornecer uma justificativa racional para a eticidade e antieticidade
de ações particulares. A falha em fazê-lo leva ao niilismo ético (ou seja, a posição de
que, como as distinções éticas não possuem significado ou validade, argumentar
sobre questões éticas é absolutamente inútil). Se uma justificação racional dos
requisitos éticos de uma profissão não puder ser produzida, então os profissionais
não podem razoavelmente ser compelidos a obedecer a tais exigências. Portanto,
embora a justificação racional de proposições éticas não seja uma tarefa fácil,
especialmente quando há considerações morais conflitantes em uma situação,
uma profissão de saúde mental não pode abandonar a tarefa de desenvolver tal
base sem abandonar toda a esperança de estabelecer e fazer cumprir padrões de
comportamento profissional aceitável.

As opiniões éticas intuitivas, baseadas na intuição e na experiência em vez


de um plano ou método, fornecidas pelo relativismo pessoal não são adequadas
como justificação ética em uma profissão de saúde mental (ou qualquer outra
profissão, AT por exemplo). Se o agir de uma maneira que sinceramente acredita-
se ser apropriada constitui prática ética, então qualquer tipo de comportamento
não profissional (como aquele do psicólogo na vinheta) poderia ser argumentado
como permissível. Os profissionais não podem ser autorizados a "apenas intuir"
na decisão de métodos eticamente apropriados de tratamento, de ensino e de
realização de pesquisa sem diminuir significativamente a confiança do público
no padrão de comportamento dentro da profissão.

174
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

A outra grande variante do relativismo ético, o relativismo cultural, é


claramente oposta aos princípios fundamentais subjacentes aos códigos éticos
das profissões de saúde mental. Por exemplo, se uma profissão de saúde mental
adotasse o relativismo cultural, não haveria justificativa para apoiar a autonomia
de uma pessoa se a autonomia pessoal não fosse valorizada pela cultura, ou
simplesmente se a autonomia pessoal pudesse ser argumentada em reduzir a
probabilidade de que um indivíduo adotaria os valores da cultura dominante. Na
prática clínica, há muitas vezes um grau de conflito entre os interesses da cultura e
do indivíduo. Se um cliente está experimentando ambivalência sobre seus impulsos
homossexuais em um contexto cultural que é fortemente heterossexual, há uma
pergunta sobre se o papel do terapeuta é fazer o indivíduo "melhor ajustar-se" na
cultura, incentivando-o a se comportar em uma maneira consistente com os valores
da cultura dominante ou explorar seus sentimentos e determinar seu próprio
curso na vida de forma autônoma. O relativismo cultural normativo encorajaria os
terapeutas, professores e pesquisadores a impor seus valores (isto é, os valores da
cultura dominante) aos clientes, estudantes e participantes da pesquisa.

Finalmente, a inaceitabilidade do relativismo cultural é ilustrada ainda


mais quando se consideram as dificuldades adicionais introduzidas pela presença
de subculturas dentro de um contexto cultural dominante. Se terapeutas,
pesquisadores e professores fossem eticamente obrigados a adotar os valores
da cultura dominante, como resolveriam conflitos com os valores de sua cultura
ou subcultura nativa? Além disso, como eles deveriam lidar com os problemas
multiculturais colocados pelos clientes, participantes da pesquisa e estudantes
que se identificam com outras culturas ou subculturas?

Claramente, o relativismo ético tem pouco a oferecer como fonte


de justificação ética para as profissões de saúde mental além de ilustrar as
consequências negativas do fracasso dos profissionais em fornecer uma
justificativa racional adequada para seus julgamentos éticos. A busca por fontes
de apoio aos princípios éticos dos profissionais de saúde mental deve continuar.

DICAS

Um cliente em uma clínica de tratamento de abuso de substância informa um


AT sobre as atividades (por exemplo, tráfico de drogas, agressão) em que ele estava envolvido
antes de entrar em um tratamento ordenado pelo tribunal de justiça. Quando o AT pergunta
como ele se sente por ter cometido esses crimes, ele responde: "Isso não foi crime. Todo
mundo estava fazendo essas coisas. Você simplesmente não entende como funciona na rua."

175
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

3 O HEDONISMO ÉTICO
O hedonismo ético é uma teoria do valor. Hedonismo vem da palavra
grega hedone, que significa “prazer”. O filósofo grego Epicuro (342-270 AEC), um
adepto precoce da perspectiva hedonista, afirmou que o maior bem é o que é
intrinsecamente desejável (isto é, desejado para si, não como um meio para algum
outro fim) e que a única coisa que é verdadeiramente intrinsecamente desejável
na vida é o prazer (EPICURO, 1973; EPICURO, 2002). Por prazer, Epicuro
significava o que é agradável. Assim, o objetivo do hedonismo é sempre desfrutar
de si mesmo. "O prazer é o começo e o fim da vida abençoada" (RUSSELL, 1957,
p. 284). A dor é a única coisa intrinsecamente indesejável.

Em sua formulação original da posição hedonista, Epicuro não propôs


uma busca desenfreada de prazeres sensuais (isto é, "dinâmicos"). Em vez disso,
ele defendeu uma vida simples de reflexão filosófica (isto é, prazer "estático")
como a vida mais agradável ou boa (RUSSELL, 1957). Porque Epicuro (2002)
considerava o prazer como a ausência de desconforto, ele preferia uma vida sem
incandescentes paixões corporais. Embora tais paixões sejam talvez agradásseis ​​
por um breve período, elas tendem a ser seguidas de desconforto quando o prazer
intenso termina. Por exemplo, o psicólogo ou um acompanhante terapêutico e
seu cliente podem experimentar prazer considerável de sua paixão sexual, mas a
atividade sexual pode resultar em grande desconforto mais tarde, se seus desejos
sexuais não são satisfeitos completamente ou se uma ou ambas as pessoas sentem
pesar sobre o relacionamento. Epicuro acreditava que a atividade mental que
permitia a uma pessoa alcançar uma compreensão mais clara de si mesmo e seu
mundo era altamente prazerosa e que evitava o desconforto que tendia a seguir
o prazer físico intenso.

Uma longa linhagem de pensadores distintos (por exemplo, Thomas


Hobbes, Jeremy Bentham, James Mill, John Stuart Mill, Henry Sidgwick e Sigmund
Freud) avançaram e refinaram a teoria hedonista do valor desde Epicuro, embora
as definições de prazer apresentadas por esses pensadores variavam. Hoje em
dia, o ponto de vista hedonista geral é que uma pessoa está experimentando
prazer genuíno se, e somente se, quando ela está envolvida em uma atividade,
a experiência ou atividade é desfrutada por si mesma. Ou seja, a pessoa não
gostaria de mudar a atividade e preferiria que ela não fosse alterada por qualquer
outra pessoa. Embora o hedonismo tenha sido usado como fundamento da teoria
da ética normativa conhecida como utilitarismo, o hedonismo ético não é uma
proposta sobre o que é moralmente correto. É simplesmente uma declaração do
que é intrinsecamente desejável. Muitas coisas, como o dinheiro, são desejáveis ​​
instrumentalmente (isto é, para as consequências desejáveis ​​que produzem), mas
apenas o prazer é desejado como um fim em si mesmo.

176
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

3.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO HEDONISMO ÉTICO


O primeiro problema com a posição hedonista é que os hedonistas
tentam argumentar dos fatos ao valor. Mesmo que seja verdade que o prazer é
intrinsecamente desejável, isso não torna o prazer "bom" em um sentido ético.
Na verdade, o argumento de que o prazer é a única coisa que é intrinsecamente
desejável pode ser contestado. Poder-se-ia argumentar que para obter prazer, uma
pessoa deve querer algo diferente do prazer por sua própria causa. Por exemplo,
para que a obtenção do conhecimento seja agradável, a pessoa deve ter tido um
desejo intrínseco de alcançar o conhecimento. Joseph Butler (1726) argumentou
que o hedonista ético não reconhece que deve haver "paixões particulares" que
permitem às pessoas obter prazer.

O hedonismo ético também não explica o fato óbvio de que as pessoas são
motivadas por fatores que não dependem da crença de que o evento futuro será
agradável para eles pessoalmente. As pessoas até correrão o risco de perda pessoal
em vez de violarem seus princípios morais. É claro que o hedonista argumentará
que, em tais circunstâncias, agir de acordo com seus valores deve ser agradável. No
entanto, o que é intrinsecamente desejável neste caso é comportar-se de uma maneira
consistente com sua moralidade pessoal. O comportamento não é simplesmente
um meio para alguma outra finalidade (isto é, a realização do prazer).

3.2 A RELEVÂNCIA DO HEDONISMO ÉTICO PARA AS


PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL
Como teoria do valor, o hedonismo ético não pretende informar os
profissionais de saúde mental sobre seus deveres éticos. No entanto, o hedonismo
torna-se uma teoria da normativa quando é combinada com o utilitarismo. No
entanto, a perspectiva hedonista tem sido utilizada por um número de teóricos da
psicologia, por exemplo, Sigmund Freud (1996) e Edward Thorndike (1911, 1940)
tentando compreender os princípios fundamentais que explicam a motivação
humana. Essas teorias motivacionais são referidas como hedonismo psicológico.
Em tal modelo, o objetivo da vida é a busca do prazer. Portanto, a motivação
subjacente a preferência de uma pessoa para um estado de coisas sobre outra é
que o preferido é esperado proporcionar mais prazer. Por exemplo, Thorndike
apresentou a "lei do efeito" em sua teoria comportamental, que postula que
se um comportamento for seguido por um "estado de coisas satisfatório", a
associação do comportamento com a situação será fortalecida, enquanto que se
um comportamento é seguido por um "estado de coisas frustrantes", a associação
será enfraquecida (THORNDIKE, 1911, p. 245). Da mesma forma, Freud (1996)
considerava o comportamento humano como dominado pelo "princípio do
prazer". Os seres humanos procuram satisfazer os seus impulsos instintivos, que
são experimentados como prazerosos, evitando ao mesmo tempo um acúmulo de
tensão instintiva, o que é doloroso.

177
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

O hedonismo psicológico, como uma teoria da motivação, levanta


uma questão interessante sobre o papel que o interesse próprio desempenha
no comportamento humano (FEINBERG, 2013). Se a motivação subjacente a
todo comportamento é a busca do prazer, segue-se que as pessoas sempre se
comportam egoisticamente? Embora todos os hedonistas não necessariamente
adotem esse ponto de vista, que é referido como egoísmo psicológico, um hedonista
certamente argumentaria que os seres humanos sempre agem de acordo com seu
interesse próprio. Mesmo se as pessoas se comportem de maneira altruísta (isto é,
se envolvem num comportamento que envolve algum grau de autossacrifício por
preocupação com outro), comportar-se de tal maneira deve ser consistente com
seu interesse próprio para ser agradável. Por exemplo, elas podem achar muito
agradável ser consideradas como caridosas.

Esse comportamento é egoísta? Claramente não. Dois sentidos obviamente


diferentes de interesse próprio devem ser distinguidos no hedonismo ético. O
que poderia razoavelmente ser chamado de comportamento egoísta envolve um
desprezo pelos interesses dos outros. As pessoas egoístas só pensam em si mesmas
ao determinar seu curso de ação. Por outro lado, quando as pessoas assumem
comportamentos de higiene pessoal, por exemplo, o comportamento mostra uma
clara consideração pelos próprios interesses, mas não implica necessariamente
uma desconsideração pelos interesses dos outros. Embora um hedonista ético
possa justificadamente argumentar que as pessoas nunca agem contra seus
interesses próprios, mesmo no comportamento altruísta, não se segue que todo
comportamento seja egoísta, como o egoísmo psicológico manteria (BUTLER, 1726).

DICAS

Um conselheiro tenta encorajar um cliente deprimido a aproveitar as


oportunidades de se envolver com as pessoas, apontando que sua solidão a deixou infeliz.
Ele diz a ela que, embora não haja nenhuma garantia de que as pessoas irão responder
positivamente a ela, pelo menos assumir o risco de chegar a outros tem o potencial de
trazer a sua felicidade. "E afinal," ele diz, "não é isso que todos nós estamos procurando
na vida: felicidade?".

4 O UTILITARISMO
O utilitarismo é uma das duas principais teorias ética normativas no
pensamento ocidental moderno. Para o utilitarista, a moralidade ou imoralidade
de uma ação depende da bondade ou da maldade de suas consequências. Por
causa de seu foco nos fins alcançados por uma ação, o utilitarismo é caracterizado
como uma teoria teleológica normativa (da palavra grega telos, que significa "fim
último"). A noção de "o bem" na maioria das concepções utilitaristas é emprestada
do hedonismo ético: prazer ou felicidade é o bem. No entanto, algumas

178
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

formulações do utilitarismo, como a de G. E. Moore (1999), afirmam que certas


experiências mentais (por exemplo, a aquisição de conhecimento) possuem valor
intrínseco independente do prazer que pode estar associado a elas. Esse ponto de
vista tem sido referido como utilitarismo ideal (SMART; WILLIAMS, 1973, p.13).

Jeremy Bentham (1748-1832) foi uma figura importante no desenvolvi-


mento do utilitarismo. Sua formulação do princípio da utilidade, que subjaz a to-
das as ideias utilitaristas, afirma que uma ação é ética se ela traz o maior equilíbrio
positivo do prazer sobre a dor porque o prazer é bom e as pessoas são obrigadas a
trazer o bem à existência (BENTHAM, 2010). Se todas as opções disponíveis pro-
duzirão algum grau de sofrimento, a alternativa eticamente apropriada envolve
o menor equilíbrio negativo da dor. O utilitarismo resume-se a esse princípio,
que serve de padrão para julgar a moral de qualquer ação proposta. É certamente
atraente acreditar que uma consideração razoavelmente quantificável pode resol-
ver todas as questões e dilemas morais.

Houve várias formulações diferentes da perspectiva utilitarista. Como


descrito na primeira Unidade deste livro, uma distinção feita pelos utilitaristas é
se o princípio da utilidade deve ser aplicado a atos específicos ou a classes gerais
de atos (isto é, regras). No utilitarismo de ato, o critério do prazer é aplicado a cada
ação particular. Portanto, uma pessoa julga o status ético de cada ação por suas
consequências. Por outro lado, no utilitarismo de regras, o status ético das regras
gerais de conduta é avaliado por julgar as prováveis ​​consequências se todos fossem
obrigados a se comportar de maneira similar (SMART; WILLIAMS, 1973). Uma
regra será adotada como um dever ético (por exemplo, as pessoas devem cumprir
suas promessas) se as consequências gerais do comportamento de acordo com
esta regra produzem maior prazer do que aquelas obtidas pela adoção de uma
regra alternativa. O utilitarismo de ato é geralmente considerado como sendo mais
flexível do que o utilitarismo de regras porque o utilitarista é sensível a possíveis
mudanças no status ético de um ato realizado em diferentes circunstâncias.

Outra questão para os utilitaristas é o prazer de quem deve ser levado


em conta quando se aplica o princípio da utilidade – do indivíduo ou o da
comunidade? Para o proponente do utilitarismo egoísta, a bondade de uma ação
depende de suas consequências para a pessoa particular envolvida na ação. Por
outro lado, um defensor do utilitarismo universalista afirmaria que o status ético de
uma ação é uma função de suas consequências para todos (geralmente dentro de
uma determinada comunidade) afetados pela ação. Todos devem agir de modo
a apoiar a felicidade geral da comunidade ao mais alto grau, com cada pessoa
considerando sua felicidade pessoal como sendo de igual importância para a
felicidade de qualquer outro membro da comunidade (SMART; WILLIAMS, 1973).
Bentham afirmou que o interesse da comunidade não deve entrar em conflito com
o interesse dos indivíduos. “O que é, então, o interesse da comunidade? A soma
dos interesses dos muitos membros que a compõem” (BENTHAM, 2010, p. 397).

179
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

Um exemplo da aplicação de princípios utilitaristas universalistas


é o Plano de Saúde de Oregon, uma iniciativa de reforma de cuidados de saúde
implementada pelo estado de Oregon, dos EUA, em 1994. Em resposta à escalada
de custos de cuidados de saúde, a legislatura do estado de Oregon criou uma
Comissão de Serviços de Saúde para desenvolver um plano para racionar os cuidados
de saúde para aqueles que recebem seguro de saúde do estado (por exemplo, os
beneficiários do seguro de saúde chamado de Medicaid). O plano expandiu as
inscrições do Medicaid em 50%, incluindo trabalhadores com rendimentos abaixo
da linha de pobreza, enquanto controlava o custo da cobertura médica (CUTLER;
MCFARLAND; WINTHROP, 1998; ANDRADE; LISBOA, 2000). A comissão
desenvolveu uma lista priorizada de problemas de saúde física e mental depois
de considerar os benefícios do tratamento para o indivíduo e a sociedade versus o
custo para a sociedade de fornecer ou reter tratamento, a cronicidade da condição,
o risco de morte associado à condição e a probabilidade de que o tratamento
estendesse a vida e a eficácia do tratamento em restaurar "o indivíduo a um nível
de função ao nível pré-mórbido ou perto dele" (POLLACK et al., 1994, p. 526).
O legislador estatal determinou que existiam fundos suficientes para cobrir as
616 principais categorias de diagnóstico, que incluíam a maioria das condições
de saúde mental. Entre as condições de saúde mental excluídas da cobertura no
Plano de Saúde de Oregon estavam o Transtorno de Conversão (em adultos),
a Hipocondria e vários transtornos de personalidade, incluindo Antissocial,
Paranoide, Dependente, Esquiva, Esquizoide, Obsessivo Compulsivo, Histriônica
e Narcisística (POLLACK et al., 1994).

Aqueles que priorizaram os transtornos reconheceram que as condições


excluídas da cobertura são graves e dolorosas para aqueles que sofrem com elas.
Entretanto, a preocupação da comissão era usar os recursos financeiros limitados
do cuidado médico disponíveis ao estado para fornecer a cobertura da saúde para
tantas pessoas quanto possível e para beneficiar a maioria das pessoas na extensão
maior possível. Essas considerações superam o sofrimento das pessoas cujos
diagnósticos não foram cobertos. Tais considerações utilitaristas são convincentes
para muitas pessoas, particularmente os contribuintes, que estão cientes de
que há um limite para os recursos financeiros que um estado pode investir em
cuidados de saúde. Na prática, a lista priorizada não tem sido amplamente
utilizada para negar às pessoas os serviços de saúde mental necessários. Em vez
disso, a contenção de custos foi conseguida ao forçar os beneficiários do Medicaid
em programas de cuidados gerenciados que podem oferecer tratamento menos
extensivo (BODENHEIMER, 1997; ANDRADE; LISBOA, 2000). No entanto, se os
custos médicos aumentarem, a lista priorizada continua a ser um meio legalmente
aceitável de racionar os cuidados de saúde em Oregon.

180
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

4.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO UTILITARISMO


Como a teoria do valor subjacente ao utilitarismo é o hedonismo, os
utilitaristas têm sido confrontados com muitas das mesmas críticas que os
defensores do hedonismo. Por exemplo, a questão de argumentar dos fatos aos
valores é ainda mais premente para o utilitarista. Mesmo se uma pessoa aceitasse
o argumento de que o prazer é o que é mais desejado na vida, ele ainda não pode
estabelecer que o prazer é bom, em um sentido ético. Os utilitaristas devem ser
capazes de fazê-lo, a fim de argumentar que as pessoas são eticamente obrigadas
a agir apenas de forma a maximizar o prazer.

Um problema ainda maior para utilitaristas universalistas, como Jeremy


Bentham (2010) e John Stuart Mill (2000), é demonstrar que resultaria da bondade
do próprio prazer do indivíduo, ao qual ele é obrigado a promover, a "felicidade
geral" de sua comunidade. Por que uma pessoa não poderia dizer: "Sim, a
felicidade geral é boa, mas estou interessado apenas em minha própria felicidade?"
Na verdade, parece que a maioria das pessoas está muito mais investida em seus
interesses pessoais do que em interesses de outras pessoas e não exibem a atitude
geral de "benevolência" que os utilitaristas assumem que caracteriza os seres
humanos (SMART; WILLIAMS, 1973). A tendência dos interesses individuais
das pessoas para o conflito é justamente a razão pela qual as questões relativas ao
comportamento ético chamam tanta atenção em primeiro lugar (RUSSELL, 1957).

Outra questão que os utilitaristas universalistas não abordaram


suficientemente é a questão de como o bem (ou seja, o prazer) deve ser distribuído
pela comunidade. Por exemplo, e se uma determinada ação produziria um grande
prazer para um pequeno grupo de pessoas, enquanto outra ação beneficiaria
mais pessoas, mas produziria uma menor quantidade total de prazer? Um
exemplo extremo da questão importante da distribuição do bem é que uma
regra utilitarista poderia apresentar um argumento defendendo a moralidade da
escravidão com base em que é economicamente vantajosa para a sociedade como
um todo (ou seja, que produz maior felicidade total). No entanto, uma teoria ética
que é compatível com a escravidão é absurda por causa de sua incompatibilidade
total com as teorias da justiça.

NOTA

Vale observar que há os utilitaristas que acreditam que minimizar o sofrimento


é uma preocupação mais premente do que a maximizar a felicidade, estes são referidos
como "utilitaristas negativos" (MULGAN, 2012) e não estariam sujeitos a essa crítica. No
entanto, este ponto de vista nunca foi muito popular entre os utilitaristas.

181
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

O foco do utilitarismo nas consequências dos atos levanta outras


questões. Por exemplo, Williams assinalou que, uma vez que é a existência
de estados de coisas agradáveis ​​e dolorosos no mundo que interessa a um
utilitarista, independentemente de como esses estados de coisas venham a ser,
o indivíduo parece assumir a mesma responsabilidade pelos estados de coisas
que ela produz por meio de seus próprios atos e estados de coisas que ela não
impede de existir (SMART; WILLIAMS, 1973). Parece que sua responsabilidade
por seus próprios atos não é diferente da sua responsabilidade pelos atos de
outras pessoas que produzem estados de coisas desejáveis ​​ou indesejáveis.
Williams referiu-se a essa questão como a "responsabilidade negativa" da
perspectiva utilitarista (SMART; WILLIAMS, 1973, p. 93).

É claro que os críticos do utilitarismo poderiam questionar o significado


de sempre ter um indivíduo diretamente responsável pelos estados de coisas
no mundo, particularmente as consequências remotas dos próprios atos de
um indivíduo. Por exemplo, suponha que um AT dispensa uma paciente
prematuramente de um programa de tratamento por causa de questões
contratransferenciais. Ao tentar conseguir uma carona para casa, a cliente
encontra um homem com quem ela estabelece um relacionamento extremamente
positivo e passa a viver feliz para sempre. Pode-se dizer que o AT agiu de
maneira eticamente apropriada porque o efeito a longo prazo de sua ação foi
um aumento na felicidade do cliente e de seu companheiro? Lembre-se que,
para o utilitarista, a intenção do indivíduo em executar o ato não deve importar,
pois são estados de coisas (isto é, consequências) que são avaliadas em última
instância. As consequências diretas e indiretas do ato de um indivíduo são os
únicos determinantes da responsabilidade ética.

Williams também apontou que a ênfase exclusiva dada às consequências na


perspectiva utilitarista faz com que os próprios sentimentos morais do indivíduo
não sejam importantes. "O utilitarismo aliena o indivíduo dos seus sentimentos
morais; [...] mais basicamente, aliena o indivíduo de suas ações também"
(SMART; WILLIAMS, 1973, p. 104). As concepções confusas e impessoais da
responsabilidade do utilitarista ignoram as seguintes noções éticas de bom senso:
a) os limites da responsabilidade pessoal; b) a diferença entre as consequências
intencionais e as não intencionais; e c) a diferença ética essencial entre os atos que
executo e os atos executados por outros.

Um problema final enfrentado pelos utilitaristas é como uma pessoa


pode ser esperada por calcular as consequências potenciais de suas opções de
resposta em situações envolvendo tomada de decisão consciente moral. Quando
uma ação produziria um efeito misto de prazer e dor, como é frequentemente
o caso, como ela deve comparar o prazer acumulado a uma pessoa com a dor
resultante de outra? Além disso, ela deveria considerar apenas as consequências
imediatas do ato ou os potenciais efeitos a longo prazo – o que J. J. C. Smart
chama de "postulado das ondulações no lago" (SMART; WILLIAMS, 1973, p. 33)?
E se os efeitos a curto prazo forem positivos (por exemplo, aumentando o senso
de autonomia pessoal de um cliente hospitalizado concordando em dispensá-

182
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

lo para viver independentemente), mas os efeitos a longo prazo poderiam ser


bastante negativos (por exemplo, seu potencial descumprimento com seu regime
de medicação, possivelmente resultando em tornar-se perigoso para si mesmo ou
para os outros)? Quanta reflexão é necessária antes de agir para assegurar uma
adequada consideração das prováveis ​​consequências a curto e longo prazo? O
que parecia inicialmente ser uma abordagem muito pragmática e quantificável
para fazer julgamentos éticos acaba por ser um modelo que é quase impossível
de aplicar com sucesso.

4.2 RELEVÂNCIA DO UTILITARISMO PARA AS PROFISSÕES


DE SAÚDE MENTAL
A justificativa fornecida nos códigos de ética profissional para o uso de
“engano” na pesquisa é primariamente de natureza utilitarista. Vemos isso na
regulamentação do código de conduta da Associação Americana de Psicologia.
Os pesquisadores têm permissão para “enganar” os participantes, violando
assim o dever de obter o consentimento informado, se "tiverem determinado que
o uso de técnicas de engano é justificado pelo potencial científico, educacional ou
valor aplicado" (APA, 1992, p. 615). Sob certas circunstâncias, então, a obrigação
de um pesquisador para com os participantes individuais pode ser compensada,
pelo menos em certa medida, pelo seu interesse em promover o bem-estar da
sociedade em geral.

A noção utilitarista de que as pessoas devem promover a felicidade de


outras pessoas afetadas por suas ações também é bastante consistente com o
espírito dos códigos éticos das profissões de saúde mental. De fato, esse é o dever
ético da beneficência, que está subjacente à preocupação que os profissionais de
saúde mental mostram para o bem-estar dos clientes, estudantes, participantes
da pesquisa e outros afetados por suas ações (COHEN; COHEN, 1999).

Os profissionais têm um dever ético de se esforçar para trazer


consequências boas e positivas para as pessoas a quem servem. Numa situação
que não pode resultar em consequências prazerosas para as pessoas envolvidas,
os profissionais de saúde mental têm um dever ético de minimizar o dano ou
a dor sofrida pelos envolvidos. Este é o dever ético da não maleficência, que
também tem claramente suas raízes no raciocínio utilitarista. No entanto, embora
as considerações utilitárias possam explicar a preocupação dos profissionais
com as consequências de suas ações, tais considerações não podem explicar por
que os profissionais se preocupam com as consequências para outras pessoas. A
teoria utilitarista não explica o respeito dos profissionais de saúde mental pela
autonomia ou pessoalidade das pessoas a quem servem.

De fato, a principal deficiência do utilitarismo como fundamento filosófico


potencial para a tomada de decisões éticas nas profissões de saúde mental é que
as necessidades de um indivíduo em particular têm pouca importância desde
uma perspectiva utilitarista, especialmente quando essas necessidades são

183
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

inconsistentes com as necessidades da sociedade em geral. Em contrapartida,


os códigos éticos das profissões de saúde mental atribuem grande importância
ao respeito do “direito dos indivíduos à privacidade, à confidencialidade, à
autodeterminação e à autonomia" (COMITÉ COORDINADOR DE PSICÓLOGOS
DEL MERCOSUR Y PAÍSES ASOCIADOS, 1999, p. 11). Assim, há uma tensão
definida nos "Princípios Éticos" (APA, 2002) e no Código de Ética (CONSELHO
FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005) entre a forte consideração declarada pela
autonomia pessoal e as justificativas utilitaristas para limitar a adesão a esses
valores, como quando as pessoas são enganadas como participantes da pesquisa.
O valor atribuído à autonomia e à dignidade do indivíduo pelos profissionais de
saúde mental tem suas raízes éticas em outra grande teoria da ética normativa, a
teoria ética formalista de Kant que será aprofundada a seguir.

NTE
INTERESSA

Uma psicóloga de aconselhamento que trabalha em um centro de saúde


mental da comunidade recebe um telefonema da mãe de um cliente. O cliente, que sofre
de esquizofrenia de tipo indiferenciado parou de tomar a medicação, e sua família está
muito chateada. A psicóloga explica que seu filho deixa de tomar a medicação por causa
dos efeitos colaterais extremamente desagradáveis ​​que ela produz (por exemplo, tremores,
rigidez muscular, constipação). Sua mãe diz que ela entende o desconforto de seu filho
com a medicação, mas que tê-lo sobre a medicação torna a vida muito mais fácil para
todos os outros na família e no bairro. Ela diz à psicóloga que ela tem a obrigação de
convencer seu filho a voltar a tomar sua medicação. O que a psicóloga deve fazer?

5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT


Immanuel Kant (1724-1804), como filósofo racionalista, acreditava que a
verdade ou o conhecimento só poderiam ser descobertos através dos princípios
da lógica e da razão. Consistente com essa visão, Kant afirmou em sua teoria ética
que a verdade moral é determinada pela avaliação de se o princípio orientador
de uma ação é consistente com as leis da razão. Como todas as pessoas são seres
racionais, todas elas são capazes de reconhecer a validade universal de princípios
morais racionais (KANT, 2003). A teoria ética de Kant é um exemplo de formalismo
ético, na medida em que a moral de um ato é determinada formalmente, em
virtude da validade racional da máxima envolvida, e não por qualquer referência
a circunstâncias ou consequências práticas do ato.

184
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

NOTA

A teoria de Kant é também referida como deontológica (derivado do termo


grego “deon”, que significa "o que é obrigatório") porque os deveres éticos são justificados
independentemente de qualquer teoria do valor. Por outro lado, no utilitarismo, os deveres
morais são justificados por referência aos resultados "bons" (isto é, prazerosos) que tais
ações provocam (baseados na teoria do valor chamado hedonismo). O utilitarismo é,
portanto, uma teoria teleológica, ou axiológica (do termo grego “axio”, que significa "valor"),
da obrigação moral.

Os princípios de moralidade revelados pela razão são conhecidos por


serem necessariamente verdadeiros (isto é, não poderiam ser falsos). Além disso,
estes princípios são conhecidos por serem verdadeiros independentemente da
experiência (isto é, a priori). Assim como todo mundo sabe que 2 + 2 = 4 sem ter
que constantemente verificar o fato de colocando duas coisas com mais duas,
todo mundo sabe que é errado roubar. Isso, de acordo com Kant, é por que uma
máxima moral (isto é, a descrição do princípio incorporado em um ato) é sempre
expressa na forma de um comando universal, como "Tu não roubarás" (KANT,
2013). As pessoas não precisam estabelecer a validade desse princípio através
da experiência (isto é, reunindo dados sobre os efeitos do roubo). É óbvio para
qualquer um que o roubo é errado, embora os seres humanos nem sempre agem
de acordo com princípios morais (ou seja, racionais). As pessoas são profanas o
suficiente para serem influenciadas pelo prazer de transgredir a lei moral, embora
reconheçam sua autoridade (KANT, 2013).

Claramente, Kant não faz nenhuma referência às consequências de um ato


na avaliação de seu status ético, embora Kant acreditasse certamente que operar
na base da razão beneficiaria tanto o indivíduo quanto os outros. Seu ponto era
que a racionalidade de uma ação é uma justificação suficiente de seu status moral.
Além disso, Kant não estava argumentando que a motivação de uma pessoa em
se comportar moralmente necessita sempre ser a racionalidade do ato. As pessoas
podem agir de acordo com a lei da razão, mas devem ser motivadas por um senso
de justiça, afeição pessoal ou algo parecido.

Mas como uma pessoa sabe se a máxima expressa em um ato particular


é razoável (isto é, ética)? Kant apresentou seus "testes" da racionalidade de uma
máxima em sua obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes (2007). Estes
testes são referidos coletivamente como o imperativo categórico. O primeiro teste
do imperativo categórico é se a máxima pode ser expressa significativamente
como uma lei universal a priori da razão. Ou seja, a máxima faz sentido lógico
quando expressa como uma lei moral universal?

185
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

Por exemplo, suponha que uma cliente diagnosticada como sofrendo de


esquizofrenia tipo paranoide pede a seu terapeuta para prometer-lhe que ele
nunca vai discutir com ninguém as coisas que ela revela na terapia. O terapeuta
acredita que se ele recusar a prometer e tentar explicar a importância de
documentar o curso de sua psicoterapia nos registros hospitalares e de discutir
aspectos de seu caso com o resto da equipe de tratamento, ela ficará muito
agitada e se recusará participar ativamente na terapia. Portanto, ele promete a
ela não revelar nada a ninguém, sabendo que, embora ele siga todas as diretrizes
éticas sobre confidencialidade, ele não tem a intenção de realmente manter a
promessa literal que ele está fazendo para ela. Ele justifica mentir para ela com
base em que está no melhor interesse da cliente. A natureza de seu ato é expressa
nesta máxima: "É lícito fazer uma promessa que não tenhamos intenção de
manter". Esse tipo de ato, que Kant chamou de "falsa promessa" (KANT, 2007), é
eticamente apropriado? Kant argumentou que não é apropriado, porque se fosse
universalizado, a máxima implicaria que todos façam promessas sem a intenção
de mantê-las. Tal comportamento tornaria a noção de promessa sem sentido. Por
definição, uma promessa implica que a pessoa sinceramente pretende manter o
voto feito para o outro. Portanto, tal máxima é obviamente irracional.

Por outro lado, suponha que uma professora de aconselhamento esteja


atrasada quando ela tenta atravessar o campus para uma reunião importante com
seu reitor sobre o status de seu pedido de posse como professora titular. Enquanto
ela se apressa em direção ao escritório do reitor, um estudante que participou de
sua aula no dia anterior a interrompe para discutir algumas dúvidas sérias que
ele teve sobre a aula. O aluno está obviamente muito atribulado. A professora
quer parar e discutir o assunto porque o aluno está aparentemente em grande
aflição, mas decide não parar porque não quer chegar atrasada para o encontro,
o que é extremamente importante para ela. Ela diz a ele para ir ao seu escritório
na manhã seguinte. Kant afirmaria que a máxima expressa neste ato seria algo
como: "Eu não sou obrigado a ajudar outro que está em aflição". Curiosamente,
quando expressamos essa máxima como uma lei moral universal, ela não envolve
nenhuma contradição lógica ou inconsistência. Pode-se realmente imaginar um
mundo onde ninguém presta assistência a outro em aflição.

Entretanto, o fato de que uma máxima pode ser universalizada sem


contradição não é suficiente para declará-la eticamente apropriada. Kant (2007)
afirmou que, para que uma máxima seja comprovadamente moral, um ser
racional também teria que ser capaz de querer que a máxima seja lei universal.
Este requisito constitui o segundo componente do imperativo categórico. No
exemplo, a professora, como ser racional, não poderia querer que a máxima
"Ninguém é obrigado a ajudar outro que está em aflição" se torne lei moral
universal porque a máxima implicaria que ninguém seria obrigado a ajudá-la
se ela mesma estivesse em aflição. Um ser racional não agiria de maneira que se
opusesse diretamente a seus interesses próprios. Assim, esta máxima falha no
segundo teste do imperativo categórico.

186
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

A moralidade das ações é descoberta dessa maneira negativa para Kant. Os


testes do imperativo categórico permitem que as pessoas descubram aqueles atos
em que não devem se envolver. Atos que não são eliminados por esse processo são
eticamente apropriados. De acordo com Kant, quando as pessoas agem de forma
imoral, elas o fazem apesar de saberem que o ato está errado ou que a lei moral
que estão violando é válida universalmente. Em geral, decidem hipocritamente
que a sua situação constitui uma exceção ao princípio geral em causa. Kant não
permitiu exceções ao dever moral como é revelado aos seres humanos pela razão.

Os testes da razoabilidade das máximas associadas ao imperativo


categórico não representam uma explicação completa da origem dos deveres das
pessoas para com eles mesmos e com os outros. Kant (007) explicou que quando
as pessoas agem de acordo com a razão, elas agem de forma autônoma e livre,
isto é, de maneira consistente com sua natureza de seres racionais. Tais atos são
autocausados ​​porque as únicas leis refletidas neles são as leis da razão, que são o
fundamento do ser humano. Portanto, quando as pessoas agem razoavelmente,
elas também agem de acordo com a natureza de qualquer outro ser humano.
Elas nunca impõem sua vontade a outro ser humano quando agem de uma
maneira razoável e ética, porque o que um ser racional deseja é a mesma coisa
que qualquer outro ser racional faria. Kant descreveu essa mistura harmoniosa de
vontades racionais humanas autônomas como um "reino de fins".

Kant (2007) argumentou que há uma diferença fundamental entre uma


coisa e uma pessoa. A diferença é que somente os seres racionais são considerados
pessoas. A consideração das pessoas por si mesmas baseia-se no reconhecimento
de que elas possuem a razão e, portanto, o conhecimento, que as diferencia dos
objetos ou seres não-racionais (por exemplo, animais não-humanos). As "coisas"
têm "apenas um valor relativo como meio" (KANT, 2007). Em outras palavras,
tudo na natureza existe como um meio para algum fim, com exceção dos seres
humanos. Os seres racionais são chamados de pessoas porque sua natureza já os
marca como fins em si mesmos, isto é, como algo que não deve ser usado apenas
como um meio. Assim, para Kant, todas as pessoas possuem valor intrínseco e
são dignas de respeito como fins em si mesmas. Portanto, segue-se logicamente
que as pessoas devem agir de tal maneira que tratem sempre a humanidade, seja
na própria pessoa ou na pessoa de qualquer outra, nunca simplesmente como um
meio, mas sempre ao mesmo tempo como um fim (KANT, 2007).

Esta doutrina do reino dos fins é simplesmente outra implicação da base


racional para a moralidade fornecida pelo imperativo categórico. Se as pessoas
agirem somente sob máximas que possam ser razoavelmente desejadas como lei
moral universal, elas agirão em direção aos outros somente de uma maneira que
esses outros, como seres racionais, endossariam como eticamente apropriadas.
Ao fazê-lo, as pessoas sempre mostram o respeito pelos outros como fins em
si mesmos (isto é, como seres humanos autônomos), tratando-os apenas como
eles gostariam de serem tratados. Da mesma forma, esta doutrina, que tem um
forte aspecto de "regra de ouro" (isto é, "faça aos outros como você gostaria

187
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

que eles o fizessem a você"), é muito atraente quando as pessoas consideram


suas implicações sobre como elas serão tratadas por outros: Elas podem estar
confiantes de que elas serão tratadas apenas da maneira que elas gostariam de ser
tratadas (ou seja, de forma justa e respeitosa).

A moralidade, para Kant, envolve não apenas os deveres de um indivíduo


para com os outros, mas também para si mesmo. Kant fez uma distinção entre os
deveres "perfeitos" e "imperfeitos" de uma pessoa para si mesmo e para os outros
(KANT, 2013). As máximas que representam deveres perfeitos especificam ações
que são claramente imorais. Por exemplo, a proibição de roubar constitui um
dever perfeito para com os outros. Roubar de um paciente por não apontar o seu
erro em pagar duas vezes para a mesma sessão é antiético porque mostra uma falta
de consideração para a humanidade (ou seja, a pessoalidade) desse indivíduo. Os
deveres perfeitos de um indivíduo para com ele próprio proíbem qualquer ação
que comprometa seu valor como pessoa. Por exemplo, fumar cigarros é contrário
ao dever de uma pessoa de valorizar e preservar sua própria vida.

Os deveres imperfeitos, por outro lado, não identificam ações específicas.


Em vez disso, eles representam fins racionais eticamente apropriados que devem
motivar o comportamento de uma pessoa para si mesmo e para os outros. Os
deveres imperfeitos de uma pessoa para com os outros envolvem promover
o bem-estar e a felicidade dos outros. Por exemplo, um profissional de AT
em saúde mental tem um dever imperfeito de promover o bem-estar de seus
pacientes, família, ou qualquer outra pessoa a quem ele presta serviços. Os
deveres imperfeitos indicam o objetivo ou fim a ser buscado, mas não especificam
os atos que são apropriados para realizar esses fins (ou seja, o dever não inclui
informações específicas sobre como um profissional de AT em saúde mental iria
atingir o fim de promover o bem-estar e a felicidade daqueles que encontra em
suas atividades profissionais). Os deveres imperfeitos de uma pessoa para com
ela mesma envolvem esforçar-se para aperfeiçoar seus talentos humanos através
do cultivo de suas capacidades ou dons naturais (KANT, 2013).

As diferenças entre a teoria ética de Kant e o utilitarismo podem ser


ilustradas reconsiderando o Plano de Saúde de Oregon desde uma perspectiva
kantiana. O plano tinha um fundamento fundamentalmente utilitarista: Os
limitados recursos de financiamento para o plano de saúde fornecido pelos
impostos dos contribuintes devem ser usados para fornecer cobertura de saúde
para o maior número possível de pessoas, cobrindo apenas as condições que
beneficiariam a maioria das pessoas na maior medida possível. Ao discutir as
críticas ao plano quando a proposta estava sendo debatida, Pollack et al. (1994)
relataram que "alguns sugeriram (em tom jocoso) que os legisladores aplicassem
a experiência em si mesmos (ou talvez todos os funcionários do estado) antes de
mudarem o Medicaid" (POLLACK et al., 1994, p. 535). Esta crítica enfatiza o ponto
kantiano de que as pessoas são obrigadas a tratar as outras pessoas apenas de
uma maneira que elas mesmas desejariam ser tratadas. Escolher quais pessoas
serão ajudadas nunca poderia ser desejado por seres racionais como lei moral
universal, porque as pessoas nunca desejariam serem excluídas de receber ajuda
se estivessem sofrendo de um transtorno de baixa prioridade no futuro.
188
TÓPICO 1 — MODELOS DE RACIONCÍNIO ÉTICO

5.1 A AVALIAÇÃO CRÍTICA DA TEORIA ÉTICA FORMALISTA


DE KANT
O imperativo categórico de Kant é inicialmente bastante atraente como um
meio de testar a razoabilidade das máximas. No entanto, o imperativo categórico
tem uma simplicidade enganosa. Considere o efeito de modificar características
particulares de uma máxima na avaliação moral dessa máxima. Por exemplo,
Kant argumentaria que é antiético para uma terapeuta iniciar o tratamento com
um cliente quando ela sabe que não há espaço em sua agenda atual para ver a
pessoa em uma base regular. No entanto, qual seria o status ético da máxima se o
AT iniciasse um acompanhamento com um cliente sabendo que não poderia ver
o cliente novamente no dia seguinte? Não poderia uma pessoa introduzir fatores
situacionais complexos que tornariam a aplicação do imperativo categórico
confusa, se não impossível?

Segundo, quando as máximas são formuladas como regras gerais de


conduta menos complicadas (por exemplo, nunca se deve dizer uma mentira),
o modelo torna-se extremamente rígido e insensível a fatores contextuais que
complicam a situação. Por exemplo, a maioria das pessoas razoáveis ​​concorda que
há situações em que dizer uma mentira para poupar os sentimentos de alguém
(por exemplo, quando perguntado, "Você gostou do meu corte de cabelo?") seria
eticamente apropriado. No entanto, tal comportamento não poderia ser justificado
pelo modelo de Kant.

5.2 RELEVÂNCIA DA TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT


PARA AS PROFISSÕES DE SAÚDE MENTAL
A ênfase de Kant no respeito que deve ser mostrado para a autonomia
das pessoas no reino dos fins está fortemente representada nos códigos éticos
das profissões de saúde mental. Evitar relações de exploração, manter a
confidencialidade, prestar serviços competentes, evitar e corrigir práticas
discriminatórias e respeitar os direitos dos participantes da pesquisa são todos
reflexos da ênfase kantiana no valor intrínseco e na importância do indivíduo.
O respeito de Kant pelas pessoas é muito semelhante à atitude de Rogers
(ROGERS; KINGET, 1977) de consideração positiva incondicional pelos clientes.
Ambos refletem uma completa aceitação e respeito pela liberdade, autonomia e
pessoalidade de cada indivíduo.

No entanto, tanto nos "Princípios Éticos" da APA (2002) como no Código


de Ética Profissional do psicólogo, por exemplo, existe um certo grau de tensão
entre a importância fundamental dos direitos do indivíduo e o desejo de promover
os objetivos científicos da profissão através da pesquisa. Embora o consentimento
informado seja um valor importante na psicologia e no aconselhamento, este

189
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

dever ético pode ser comprometido através do uso do engano na pesquisa. Esta
justificação utilitarista é curiosamente incompatível com a ênfase kantiana em
respeitar o valor, a dignidade, o potencial e a singularidade de cada indivíduo
que podemos encontrar no Código de Ética Profissional do psicólogo (CFP, 2005).

A discussão das teorias éticas neste tópico revelou que, embora


representem diferentes abordagens à justificação ética, nenhuma abordagem é
claramente superior como base para julgamentos éticos profissionais. Além disso,
em cada teoria, há o potencial para os princípios éticos entrarem em conflito
uns com os outros em algumas circunstâncias. A combinação de justificativas
utilitárias e kantianas nos códigos éticos das profissões de saúde mental produz
um potencial adicional significativo de conflito entre princípios. É extremamente
importante que um profissional ético seja capaz de resolver conflitos que surgem
em situações que envolvem considerações éticas concorrentes. No próximo tópico,
será apresentado os pontos de vista de várias teorias éticas sobre tais conflitos.

NTE
INTERESSA

Um psicólogo clínico é o coordenador do tratamento para um internamento


voluntário em uma enfermaria fornecendo avaliação e reabilitação para clientes que sofrem
de uma variedade de transtornos mentais orgânicos. O cliente é um homem de 33 anos,
casado, branco, que sofre de encefalite, afasia produtiva e AIDS. Ele é considerado demente,
mas não se comunica com o pessoal técnico, por isso é difícil determinar isso com certeza.
Ele está claramente alerta e é geralmente agradável e cooperativo. O problema é que ele
tem incontinência urinária e fecal, e às vezes se masturba publicamente na enfermaria.
Funcionários estão preocupados que seus fluidos corporais representem um perigo
potencial para os outros clientes, muitos dos quais são eles próprios dementes e podem
ser susceptíveis de manipular ou ingerir fluidos corporais do paciente ou material fecal. A
equipe decide que ele deve ser trancado em seu quarto para proteger os outros clientes,
embora esta ação vá restringir sua liberdade física e acesso às atividades da enfermaria (por
exemplo, televisão). Esta decisão é eticamente apropriada?

190
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os profissionais de saúde mental devem ser capazes de demonstrar uma base


racional para seus julgamentos éticos.

• O relativismo ético assume a posição de que diferentes indivíduos (relativismo


pessoal) ou diferentes culturas (relativismo cultural) podem ter diferentes
concepções sobre o que é mais valioso na vida e sobre qual ação é eticamente
apropriada em determinado contexto.

• O relativista ético acredita que essas diferenças fundamentais não podem ser
resolvidas em todos os casos, portanto, não existem padrões universalmente
válidos de comportamento ético.

• Foi argumentado que o relativismo ético leva inevitavelmente ao ceticismo ético.

• As teorias do valor tentam estabelecer o que é mais valorizado na vida humana.

• O significado ético de fazer tal determinação é que o que é mais valorizado na


vida humana constitui o maior bem na vida.

• O hedonismo ético é uma teoria do valor que afirma que o prazer é a única coisa
valorizada intrinsecamente (isto é, como um fim em si) pelos seres humanos.

• As teorias da ética normativa descrevem os princípios que revelam como as


pessoas deveriam se comportar (isto é, os princípios que constituem seu dever
ético).

• Há duas teorias principais da ética normativa na filosofia ocidental. A primeira


é o utilitarismo.

• O dever ético de um utilitarista é afirmado no princípio da utilidade: um


ato é eticamente apropriado se ele maximiza o equilíbrio positivo do prazer
sobre a dor.

• Na teoria formalista de Kant, a segunda importante teoria normativa, o dever


ético de uma pessoa é revelado pela razão.

• Usando o imperativo categórico, uma máxima pode ser testada para determinar
se ela constitui uma lei moral universal consistente com as leis da razão.

191
• Em sua discussão sobre o reino dos fins, Kant argumentou que quando as
pessoas agem de acordo com a razão, elas sempre tratam os outros de uma
maneira consistente com a maneira que os outros (como seres racionais)
gostariam de ser tratados.

• Ao agir dessa maneira ética, as pessoas nunca impõem sua vontade aos outros,
porque sua vontade racional é a mesma de todos os outros.

• Toda a humanidade deve ser tratada como um fim em si mesma, nunca como
um meio para o próprio fim irracional e egoísta de uma pessoa.

• A relevância de cada ponto de vista ético para as profissões de saúde mental foi
apresentada, junto às principais críticas de cada teoria. Por exemplo, o utilitarismo
é refletido nos "Princípios Éticos" (APA, 2002) em disposições tais como a
aceitabilidade de usar o engano na pesquisa em determinadas circunstâncias.

• A teoria ética de Kant é a base de muitas das preocupações éticas enfatizadas


nos códigos éticos de psicologia, incluindo o respeito pela autonomia pessoal
e a preocupação com o bem-estar das pessoas afetadas pelas atividades de
um profissional.

192
AUTOATIVIDADE

1 Como afirmou Richard F. Kitchener (1991), o relativismo ético é uma posição


insustentável para qualquer profissional de saúde mental. Para que haja
padrões de comportamento profissional, os profissionais de saúde mental
devem ser capazes de fornecer uma justificativa racional para a eticidade e
antieticidade de ações particulares. Sobre a relevância do relativismo ético
para as profissões de saúde mental, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As opiniões éticas intuitivas, baseadas na intuição e na experiência são


adequadas como justificação ética em uma profissão de saúde mental.
b) ( ) As profissões de saúde mental devem adotar o relativismo cultural,
apoiando as culturas dominantes e reduzindo a probabilidade de que
um indivíduo adote os valores de outras culturas.
c) ( ) O relativismo ético tem pouco a oferecer como fonte de justificação ética
para as profissões de saúde mental além de ilustrar as consequências
negativas do fracasso dos profissionais em fornecer uma justificativa
racional adequada para seus julgamentos éticos.
d) ( ) Os profissionais são autorizados a "apenas intuir" na decisão de
métodos eticamente apropriados de tratamento, de ensino e de
realização de pesquisa, e isso aumenta a confiança do público no
padrão de comportamento dentro da profissão.

2 O utilitarismo é uma das duas principais teorias ética normativas no


pensamento ocidental moderno. Para o utilitarista, a moralidade ou
imoralidade de uma ação depende da bondade ou da maldade de suas
consequências. Com base nos tipos de utilitarismo estudados, analise as
sentenças a seguir:

I- O utilitarismo universalista afirmaria que o status ético de uma ação é


uma função de suas consequências para todos (geralmente dentro de uma
determinada comunidade) afetados pela ação.
II- O utilitarismo de ato é considerado mais rígido do que o utilitarismo
de regras porque não considera as mudanças no status ético de um ato
quando realizado em diferentes circunstâncias.
III- No utilitarismo de regras, o status ético das regras gerais de conduta é
avaliado por julgar as prováveis consequências se todos fossem obrigados
a se comportar de maneira similar.

Assinale a alternativa CORRETA:

( ) As sentenças I e II estão corretas.


( ) Somente a sentença II está correta.
( ) As sentenças I e III estão corretas.
( ) Somente a sentença III está correta.

193
3 A teoria ética de Kant é um exemplo de formalismo ético, na medida
em que a moral de um ato é determinada formalmente, em virtude da
validade racional da máxima envolvida, e não por qualquer referência a
circunstâncias ou consequências práticas do ato. De acordo com a teoria
formalista de Kant, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as
falsas:

( ) A teoria de Kant é também referida como deontológica (derivado do


termo grego “deon”, que significa "o que é obrigatório") porque os deveres
éticos são justificados independentemente de qualquer teoria do valor. 
( ) Kant afirmou em sua teoria ética que a verdade moral nunca é determinada
pela avaliação de se o princípio orientador de uma ação é consistente com
as leis da razão.
( ) De acordo com Kant, quando as pessoas agem de forma imoral, elas o
fazem apesar de saberem que o ato está errado ou que a lei moral que
estão violando é válida universalmente.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 O que é o relativismo ético e quais críticas podemos fazer à esta posição


ética? Esta posição é relevante para as profissões de saúde mental?

5 O que é o hedonismo ético? Esta posição é relevante para as profissões de


saúde mental?

194
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE


CONFLITOS ÉTICOS

1 INTRODUÇÃO

O código ético de cada profissão, falando especificamente da área de


saúde mental, destina-se a familiarizar os profissionais com os princípios ou
valores que devem orientar seu comportamento. No entanto, os princípios que
presumivelmente revelam o dever ético de um profissional em qualquer situação
às vezes podem entrar em conflito. Ou seja, os profissionais de saúde mental
encontram situações em que é difícil determinar um curso de ação que lhes
permita cumprir cada dever ético aparentemente relevante, como normalmente
se esforçam para fazer. Por exemplo, suponha que um cliente expresse ideação
suicida em uma sessão. Ele tem um plano e os meios para realizá-lo. O clínico
considera o cliente como um perigo iminente. No entanto, o cliente se recusa a
procurar ajuda de familiares ou amigos ou a se admitir em um hospital. Nessa
situação, o clínico tem, como sempre, o dever de preservar a confidencialidade
do cliente. No entanto, o clínico também é obrigado a preservar a vida do
cliente, presumivelmente por procurar admitir ela em um hospital onde ela
será impedida de se prejudicar. Neste exemplo, dois deveres éticos prima facie
parecem entrar em conflito.

Um profissional eticamente responsável deve ser capaz de resolver esses


conflitos de forma apropriada. Mas como? Neste tópico, serão analisados ​​os
métodos de resolução de conflitos éticos propostos pelos principais modelos
filosóficos de raciocínio ético descritos no tópico anterior. Também serão
apresentados dois modelos adicionais que são projetados especificamente para
enfrentar tais dilemas éticos. Ambos esses modelos, a ética situacional (Ética
da Situação) de Fletcher (1966) e a formulação do contextualismo ético (Ética
Contextualista) de Wallace (1988) enfatizam a importância de ter em consideração
fatores contextuais (ou seja, situacionais) na tentativa de resolver conflitos
aparentes entre deveres éticos.

2 SITUAÇÕES QUE REQUEREM HABILIDADES DE SOLUÇÃO


DE PROBLEMAS ÉTICOS
Devido ao potencial de deveres éticos de entrar em conflito em algumas
situações, a adesão de um profissional a um modelo particular de raciocínio
ético, mesmo quando combinado com a atenção cuidadosa ao código ético de sua
profissão, não é suficiente para garantir a prática profissional ética, pois, embora

195
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

esses modelos e códigos profissionais ofereçam orientações consideráveis ​​em


relação a questões éticas, a competência ética também exige que um profissional
atenda cuidadosamente a presença potencial de considerações éticas em cada
situação encontrada. Se um profissional não está pensando eticamente, existe uma
possibilidade distinta de que ele possa ignorar considerações éticas sutis, mas
importantes. Além disso, em situações em que as considerações éticas parecem
conflitantes, a competência ética exige que ele seja capaz de resolver tais conflitos
através do uso de sua capacidade de raciocínio prático (ou seja, ética). O raciocínio
prático envolve a adaptação de princípios éticos gerais aos contextos da vida sempre
em mudança de uma maneira racionalmente defensável (WALLACE, 1988).

O raciocínio ético é um tipo de resolução de problemas, e os problemas


éticos mais difíceis são confrontados em situações que envolvem um aparente
conflito entre dois (ou mais) princípios fundamentais. No exemplo da proposta
de reforma do Plano de Saúde de Oregon (POLLACK et al., 1994), o que torna o
plano tão controverso é que a situação envolve não apenas um dever prima facie
de melhorar o sofrimento de cada pessoa, mas também um dever de garantir
que os recursos limitados de cuidados de saúde disponíveis sejam distribuídos
de maneira justa e razoável e um terceiro dever de evitar criar uma onerosa
carga tributária para os habitantes do Estado, controlando as despesas de saúde
(pode-se certamente argumentar que existem deveres adicionais representados
nesta situação. No interesse da clareza e da extensividade, a discussão atual está
limitada aos três deveres declarados). É extremamente difícil, e alguns podem
argumentar impossível, formular um plano de ação que dê uma devida atenção
a cada um desses deveres éticos importantes e conflitantes. Dilemas éticos como
esse representam o teste final da viabilidade de uma teoria ética.

NTE
INTERESSA

Um conselheiro recebe uma ligação de sua vizinha pedindo que ele


forneça aconselhamento para seu filho de 8 anos. O menino retornou recentemente do
acampamento de verão e exibiu algumas mudanças de comportamento perturbadoras.
Sua mãe diz que ele ficou bravo e agressivo, está molhando sua cama e se recusa a falar
sobre suas experiências no acampamento. Seus pais lhe disseram que queriam que ele se
encontrasse com um conselheiro. Sua mãe disse que ela está ligando para o conselheiro
porque seu filho se recusa a conversar com ninguém além dele. O conselheiro sabe que
a situação envolve relacionamentos múltiplos potencialmente problemáticos, mas ele
também sente que é muito importante que o menino converse com um profissional. O
que o conselheiro deve fazer?

Os principais modelos de raciocínio ético apresentados no tópico anterior


podem ser avaliados mais profundamente em termos de sua eficácia para permitir
que profissionais de saúde mental resolvam conflitos éticos aparentes.

196
TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS

3 O RELATIVISMO ÉTICO
O relativismo ético baseia-se nos pressupostos de que os valores éticos de
diferentes indivíduos muitas vezes conflitam de maneiras fundamentais e que não
há nenhum método disponível para resolver todas essas discordâncias (BRANDT,
1982). Para o relativista ético, não há meios racionais efetivos para resolver
conflitos entre princípios éticos. Conforme já visto, os pressupostos subjacentes
ao relativismo ético levam invariavelmente ao ceticismo ético. A incapacidade de
resolver conflitos de forma racional prejudica a validade racional dos próprios
valores éticos. Os relativistas éticos são incapazes de estabelecer a validade (ou
invalidez) de qualquer proposta ética. As teorias utilitaristas e kantianas são muito
menos pessimistas quanto ao potencial para resolver conflitos éticos aparentes.

4 O UTILITARISMO
Tanto os utilitaristas de regras quanto de ato argumentariam que não
existem dilemas éticos genuínos porque, em todas as circunstâncias envolvendo
conflito aparente entre princípios, a única consideração ética verdadeiramente
relevante é a de maximizar a utilidade (ou seja, o equilíbrio do prazer sobre a dor).
Se a aplicação de duas regras diferentes (utilitarista de regras) ou o engajamento
em dois atos diferentes (utilitarista de ato) produzirá quantidades iguais de prazer,
a decisão de qual regra a aplicar ou qual a ação a realizar não tem significado
moral, porque qualquer uma produzirá igualmente "boas" consequências.

4.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PONTO DE VISTA UTILITARISTA


EM RELAÇÃO AO CONFLITO ÉTICO
Apesar dos protestos dos utilitaristas em contrário, a possibilidade de
conflito entre considerações éticas concorrentes existe dentro das perspectivas
utilitárias de regras e de ato. Como os utilitaristas de regras reconhecem a existência
de mais de uma regra de conduta eticamente apropriada, sempre é possível que
surjam conflitos em relação a qual regra prevalece em uma dada situação. Para os
utilitaristas de ato, o conflito ético pode ocorrer porque maximizar a utilidade não
é a única consideração ética relevante. Especificamente, ao tentar discutir a questão
da justiça, os utilitaristas devem abordar como o bem (ou seja, o prazer) deve ser
distribuído, uma crítica apresentada no tópico anterior (MULGAN, 2012).

Embora um utilitarista possa argumentar com sucesso que o objetivo de


maximizar a soma do prazer em uma comunidade é efetivamente realizado em uma
economia capitalista como a brasileira, poucos concordariam que a distribuição de
recursos é justa, com recursos de tratamento de saúde física e mental frequentemente
inacessíveis para os pobres, enquanto outros segmentos da população gozam de
riqueza enorme. Um utilitarista, como o Smart, que está interessado em evitar essa
crítica da injustiça, argumentaria que a atitude dos seres humanos em relação aos
outros é (ou deve ser) uma "benevolência generalizada, isto é, a disposição para

197
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

buscar a felicidade, ou em qualquer medida, em algum sentido ou outro, boas


consequências, para toda a humanidade" (SMART; WILLIAMS, 1973, p. 7). Smart
conclui, então, que tais injustiças são inconsistentes com o modelo utilitarista,
apesar do fato de que eles parecem maximizar a utilidade.

Claramente, essa adição do princípio da benevolência torna o conflito


ético bastante possível para um utilitarista de ato, porque agora existem múltiplas
considerações éticas relevantes (isto é, maximizando a utilidade e atuando de
forma benevolente) que devem ser levadas em consideração em uma determinada
situação e que pode sugerir diferentes cursos de ação (WALLACE, 1988). Assim,
até mesmo os utilitaristas não podem evitar a necessidade de elaborar um método
razoável de resolução de conflitos entre princípios, embora eles não ofereçam
esse método porque continuam a insistir que o conflito é impossível.

5 A TEORIA ÉTICA FORMALISTA DE KANT


O modelo formalista de Kant propõe que haja uma solução racional para
cada questão ética e que a aceitabilidade de qualquer máxima ética possa ser
estabelecida além de qualquer dúvida puramente por dedução racional (KANT,
2003). Assim, a abordagem kantiana também nega a existência de verdadeiros
conflitos éticos (WALLACE, 1988). Para Kant, duas máximas não podem
representar cursos de ação razoáveis ​​e ainda entrar em conflito entre si. Kant (2013)
também afirmou que nenhum conflito pode ocorrer entre deveres "perfeitos" e
"imperfeitos" porque os deveres perfeitos sempre têm precedência. Os conflitos
éticos aparentes são o resultado de análises e raciocínios inadequados. Wallace
(1988) descreve esse tipo de teoria moral como exigindo uma atitude "passiva"
em relação às regras. As pessoas devem simplesmente aceitar os ditames de uma
razão universal a priori (KANT, 2003). Não há situações nas quais seria necessário
argumentar mais sobre a relevância de uma regra para um contexto particular,
em relação a outras regras que também podem ser aplicadas.

5.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PONTO DE VISTA KANTIANO


EM RELAÇÃO AO CONFLITO ÉTICO
A concepção passiva de moral de Kant é ilustrada no exemplo do tópico
1 da "mentira benéfica" que é concebida para poupar os sentimentos de outra
pessoa. Para Kant, dizer uma mentira é errado em qualquer circunstância. A
maioria das pessoas argumentaria que esta regra se aplica em geral, mas com
algumas exceções, pois, na realidade, ocorrem conflitos entre princípios. Por
exemplo, suponha que um possível assassino se aproxime de um acompanhante
terapêutico e pergunte se o colega dele (que era o seu antigo AT e vítima em
potencial) está no escritório hoje. Ele sabe que, se ele revelar o fato de que seu
colega está trabalhando em seu escritório, esse indivíduo entrará e cometerá
assassinato. Seu poder de raciocínio prático não é testado seriamente ao chegar
com a resposta de que ele não deve divulgar a verdade, com base no princípio
de preservar a vida que é mais importante nesta situação do que o princípio da
198
TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS

honestidade. Este exemplo pode parecer simplista ou extremo, mas Kant (1997)
usa um exemplo semelhante em seu ensaio "Sobre um suposto Direito de Mentir
por amor à Humanidade". No entanto, a análise de Kant conclui que seria errado
mentir para o suposto assassino para salvar a vida da vítima em potencial porque
o acompanhante terapêutico estaria violando o princípio ético universal de
honestidade. "A veracidade nas declarações, que não se pode evitar, é o dever
formal do homem em relação seja a quem for, por maior que seja a desvantagem
que daí decorre para ele ou para outrem" (KANT, 1997, p. 4). Para Kant, as
consequências de um ato dentro de um conjunto específico de circunstâncias são
irrelevantes para a determinação do status ético do princípio ético geral expresso
no ato. Mentir é errado, de acordo com Kant, sem exceções.

NOTA

Fletcher (1966) faz o ponto interessante de que, de um ponto de vista jurídico,


atuando de acordo com o princípio ético da honestidade em tal circunstância, como
Kant sugere que alguém deveria, poderia fazer com que alguém se tornasse um cúmplice
perante o fato do assassinato.

No entanto, a análise de Kant não corresponde à forma como as pessoas


resolvem problemas morais reais. As pessoas aplicam as regras de forma ativa,
julgando a relevância de cada consideração concorrente para uma determinada
situação e tentando ativamente trabalhar com conflitos entre princípios. As
pessoas nem ignoram a existência de conflitos éticos, nem “lavam as mãos” e
desistem quando os encontram. Em vez disso, elas tentam deliberar racionalmente
as coisas. Kant, em sua insistência de que a razão sempre revela o dever moral das
pessoas, evidentemente não considerou a possibilidade de que a razão pudesse
informá-las de um conflito entre dois princípios éticos (por exemplo, honestidade
e respeito pela vida). A falta de vontade de Kant em reconhecer a realidade
de deveres éticos conflitantes (ou seja, dilemas morais) apresenta um grande
problema quando as pessoas tentam aplicar os princípios kantianos a questões
morais complexas da vida real.

Utilizando novamente o exemplo das profissões de saúde mental, a posição


kantiana de que nunca existe um verdadeiro conflito entre princípios éticos tem
sido aparentemente apoiada por argumentos de que certas considerações éticas
são sempre mais fundamentais do que outras. Por exemplo, existem profissionais
de saúde mental que afirmaram que o princípio ético da não-maleficência (ou
seja, "não causar dano") é a consideração ética mais fundamental na avaliação
psicológica (FRANCISCONI; GOLDIM, 1998; CFP, 2013) e psicoterapia
(ROSENBAUM, 1985). O endosso de tal esquema reduziria significativamente
os problemas inerentes na tentativa de determinar qual consideração é mais

199
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

importante em uma determinada situação. No entanto, aplicar uma diretriz


como um princípio universal de prática novamente ignora a possibilidade real de
conflito ético. Por exemplo, quando um cliente hospitalizado está se comportando
de maneira violenta com relação a outros clientes e ao quadro de funcionários do
tratamento, a quem o clínico é obrigado a não causar dano? Se o cliente violento
é retido fisicamente, o cliente é sofrera o dano, se não fisicamente, pelo menos no
sentido de ter suas liberdades civis reduzidas. No entanto, a falta de restrição ao
cliente provavelmente resultaria em danos a outro cliente ou a um membro da
equipe. O clínico não pode evitar prejudicar alguém, de modo que, obviamente,
evitar danos não pode ser sua única consideração nesse caso. Considerações
adicionais (por exemplo, o desejo de beneficiar os outros clientes, reduzindo o
nível de estresse em seu ambiente) também são relevantes para sua decisão. Se o
clínico procura, em vez disso, minimizar os danos em relação ao benefício, parece
que ele volta a uma perspectiva utilitarista na qual ele precisaria quantificar o
dano e o benefício de uma maneira que permitisse que os dois fossem comparados
diretamente, uma tarefa impossível.

NTE
INTERESSA

Uma professora declara no programa de sua disciplina de Teorias da


Personalidade que ela não aplica exames de segunda-chamada. A pontuação mínima de
cada aluno nos quatro exames realizados durante o semestre será descartada (ou seja, não
incluída no cálculo da nota da disciplina), então, se um exame não for realizado pelo aluno,
a pontuação para esse exame será descartada. Um estudante em sua classe vai mal no
primeiro exame, mas ganha um 9,5 em cada um dos próximos dois exames. Seu pai morreu
repentinamente no dia anterior ao quarto exame. Ele notifica a professora e pergunta se ele
pode fazer o exame quando ele retornar à faculdade após o funeral. A professora diz que
não precisa se preocupar com o exame. Simplesmente será o exame descartado. O aluno
aponta que ele pretendia que fosse descartada a nota do primeiro exame e estava contando
em ganhar uma nota acima de 9,0 para a disciplina no quarto exame. A professora diz que
entende a situação do aluno, mas não seria justo se ela mudasse as regras da disciplina para
um aluno. A professora está tratando o aluno de forma justa?

6 A ÉTICA SITUACIONAL DE FLETCHER


A ética situacional é uma abordagem contextualista teologicamente
baseada na tomada de decisão ética apresentada por Joseph Fletcher (1966). Em
geral, as perspectivas religiosas sobre a ética constituem modelos formais como
o de Kant. Isto é, são éticas baseadas em regras que governam a conduta moral.
No entanto, ao contrário da teoria de Kant, nenhum apelo é feito à razão como
base do dever das pessoas em obedecer às leis morais ou aos mandamentos de

200
TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS

uma religião. Em vez disso, as regras são consideradas como a vontade revelada
de Deus, que as pessoas são obrigadas a obedecer. As teorias teístas, portanto,
assumem a crença em Deus. Somente aqueles que compartilham as crenças de
uma religião particular se consideram obrigados a obedecer a suas leis morais.

Fletcher reconheceu que os princípios éticos cristãos de fato parecem entrar


em conflito às vezes. No entanto, ele argumentou que os conflitos aparentes entre
princípios são o resultado da crença equivocada das pessoas de que tais princípios
são universalmente válidos (ou seja, válidos em todas as situações em todos os
momentos). Segundo Fletcher, o único princípio moral universalmente válido é o
do amor cristão, ou ágape, que obriga uma pessoa a buscar sempre o que é melhor
para o próximo. "Há apenas uma coisa que é sempre boa e correta, intrinsecamente
boa, independentemente do contexto, e esta coisa é amor" (FLETCHER, 1966, p. 60).
Pela razão de que há apenas uma regra fundamental que orienta o comportamento
ético, Fletcher acreditava que o conflito ético seria impossível.

O modelo de Fletcher é chamado de "ética situacional" porque a aplicação


apropriada do princípio do amor variará de uma situação, ou contexto, para
outra. A ética situacional é muitas vezes mal interpretada como uma forma de
utilitarismo egoísta ou relativismo pessoal, mas também não é nenhuma destas
formas. É pragmática porque aborda as consequências de atos específicos em
situações específicas, assim como o faz o utilitarismo, e é relativista apenas no
sentido limitado de que nenhuma regra moral específica é vista como válida em
todos os contextos em todos os momentos (ou seja, como sendo universalmente
válida). O amor cristão é a única consideração moral universalmente válida.

Fletcher descreve a ética situacional como uma "ética cristológica"


porque o princípio ético fundamental é o do amor cristão modelado no amor
perfeito de Jesus Cristo. Quando uma regra obrigaria uma pessoa a agir de
maneira contrária ao amor, essa regra não é apropriada para a situação. No
exemplo anterior de dizer uma mentira para evitar magoar os sentimentos
de outra pessoa (por exemplo, se um paciente pergunta a seu AT sua opinião
sobre seu novo penteado, o qual ele não deu nenhuma importância particular),
o situacionista argumentaria que mentir por amor pelo outro é eticamente
apropriado. "Não é escusadamente mau, é positivamente bom" (FLETCHER,
1966, p. 65). Todas as "regras" da moral, como "É errado dizer uma mentira",
são contingentes, úteis apenas na medida em que servem para o propósito do
amor em qualquer situação. "O método do amor é julgar por particularidade"
(FLETCHER, 1966, p. 133). "Nós seguimos a lei, se em tudo, por amor; nós não
seguimos o amor por causa da lei" (FLETCHER, 1966, p. 70).

Embora Fletcher não acreditasse que existam regras éticas que representem
a resposta moralmente correta a cada situação em todos os momentos, o
conhecimento de uma pessoa sobre regras e precedentes éticos é importante. "O
situacionista entra em todas as situações de tomada de decisão totalmente armado
com as máximas éticas de sua comunidade e sua herança, e as trata com respeito
como iluminadores de seus problemas" (FLETCHER, 1966, p. 26). No entanto, as

201
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

regras morais não são seguidas de forma rígida ou dogmática. O situacionista


acredita que os princípios deixam de ser úteis e realmente se tornam um obstáculo
ao comportamento ético quando "estão endurecidos em leis" (FLETCHER, 1966,
p. 32). É necessária uma consideração cuidadosa para determinar qual a melhor
forma de servir o princípio do amor cristão em um determinado contexto.
Fletcher apontou que, embora a virtude nunca saia de moda, não é representada
pela continuação das mesmas práticas antigas em moda alternativa porque as
situações mudam.

Fletcher (1966) identificou quatro considerações que são importantes para


o processo de aplicação do princípio do amor em uma determinada situação.
Uma pessoa deve identificar o fim procurado, os meios necessários para obtê-lo, o
motivo por trás do ato e quaisquer outras consequências prováveis ​​do ato além do
fim procurado. A ética da situação tem um vínculo definitivo com o utilitarismo em
sua preocupação com as consequências. No entanto, o objetivo não é maximizar o
prazer, mas escolher uma ação que produza "a maior quantidade de bem-estar do
próximo para o maior número possível de próximos" (FLETCHER, 1966, p. 95).
De acordo com Fletcher, um ato só pode ser avaliado de forma significativa com
base no efeito que produz, e os motivos que o subjazem, nesse conjunto específico
de circunstâncias. "Para nós, se é bom ou mal, certo ou errado, não está na ação,
mas pelas suas circunstâncias" (FLETCHER, 1966, p. 133). Por exemplo, Fletcher
argumentou que, embora existam fortes argumentos religiosos e éticos contra o
aborto disponíveis sob demanda, o aborto pode ser um curso de ação eticamente
apropriado em determinadas circunstâncias. Suponha que uma mulher solteira
que sofra de Transtorno Bipolar, que não tem condições de lidar com uma gravidez
ou com uma criança, é estuprada por outro cliente psiquiátrico e fica grávida.
Um situacionista afirmaria que, neste conjunto particular de circunstâncias, um
aborto justificadamente serviria melhor ao bem-estar da mulher e não deveria ser
rejeitado a priori como uma opção simplesmente porque o aborto é considerado
imoral em outros contextos.

6.1 A AVALIAÇÃO CRÍTICA DA ÉTICA SITUACIONAL


A opinião de Fletcher é que os juízos éticos não são justificáveis ​​por meio
da razão. Em vez disso, a fonte final do dever ético de uma pessoa é o mandamento
de Deus de amar o próximo como ele mesmo. A validade desse mandamento é
assumida, baseada na fé cristã. Portanto, como o amor cristão é modelado a partir
da bondade e do amor de Deus, pareceria redundante afirmar que agir por amor
é fazer o bem. É como dizer: "Vá e faça o que Jesus faria" como uma resposta a
questões morais. Uma pessoa supostamente não poderia cometer algum erro se
ela segue esse conselho efetivamente, mas como ela deveria saber o que Jesus
faria? Fletcher não ajudou substancialmente na tarefa de identificar o que é o
bem (ou seja, o ato amoroso) em circunstâncias éticas complexas porque sua
posição é que uma pessoa teria que estar na circunstância para poder deliberar
um juízo significativo. Também não haveria nenhuma maneira conclusiva, antes
ou depois do fato, de avaliar racionalmente a moralidade do curso de ação

202
TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS

escolhido. Assim, não haveria um método racional de avaliação da adequação


da concepção subjetiva do amor cristão que possa motivar uma pessoa que sofre
de esquizofrenia de tipo indiferenciado matar seus filhos, a fim de poupá-los de
sofrer a dor de viver, embora nenhum eticista razoável toleraria tal ato.

Pela razão de que há apenas uma consideração ética importante para o


situacionista (ou seja, a expressão do amor cristão nas ações de alguém), nenhum
conflito ético genuíno poderia existir. Uma pessoa precisa apenas julgar qual
opção em uma situação representa a maior quantidade de amor para o maior
grupo possível de próximos. No entanto, para quantificar essa questão, o que
envolve claramente a intenção e as consequências, é tão impossível (se não mais)
que o cálculo utilitarista discutido anteriormente.

Além disso, um situacionista não pode determinar de antemão como deve


agir porque a importância dos fatores situacionais é muito grande, exceto dizer
que ele sempre atuará por amor cristão. Essa conceptualização do comportamento
ético é muito exigente. Isso sugere que cada situação é uma demanda difícil,
exigindo uma avaliação cuidadosa de como o melhor amor pode ser servido
nas circunstâncias apresentadas. Na realidade, surgem poucas situações que
não podem ser gerenciadas adequadamente, referindo-se às regras da moral
convencional. Nesses casos difíceis (cada um dos exemplos apresentados por
Fletcher envolve um dilema ético) que requer uma tomada de decisão ética
reflexiva, a aplicação do amor cristão é indiscutivelmente redutível ao sentimento
da pessoa em relação ao que seria o melhor curso de ação. Nenhuma justificativa
adicional é necessária ou é realmente possível. Portanto, a ética situacional
não representa um método para resolver dilemas éticos de forma racional. Os
profissionais de saúde mental são obrigados a citar razões sólidas em apoio
aos juízos éticos que fazem. Agir por benevolência e preocupação é certamente
importante, mas essas considerações são extremamente abstratas e imprecisas.
Assim como os pais e as crianças frequentemente têm percepções muito diferentes
do amor associado ao castigo corporal, a perspectiva subjetiva de uma pessoa seria
de importância crítica para a percepção do papel do amor cristão em qualquer
ato proposto dentro de um determinado conjunto de circunstâncias. Da mesma
forma, a perspectiva foi importante para a formulação precisa de uma máxima a
ser avaliada com o imperativo categórico de Kant.

Finalmente, embora o amor cristão seja um conceito extremamente


amplo, não pode disfarçar o fato de que as pessoas encontram situações que
envolvem múltiplas considerações éticas. Afirmar que todas as considerações
(por exemplo, confidencialidade, preocupação com o bem-estar dos outros,
respeito pela autonomia pessoal, responsabilidade social) são subsumidas sob
este princípio geral, tem o efeito de tornar a resolução de problemas éticos mais
ambígua e complicada do que mais clara e fácil. O princípio único do amor torna-
se tão complexo que se torna praticamente impossível comparar e quantificar
as implicações potenciais para o amor representadas pelas alternativas em um
verdadeiro dilema ético.

203
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

NTE
INTERESSA

Um psicólogo clínico em uma cidade pequena está ciente de um indivíduo


que aterrorizou muitas pessoas da cidade há vários anos. Ele assediou mulheres e cometeu
vários crimes contra pessoas e seus bens, mas nunca houve evidências suficientes para
acusá-lo de um crime. Recentemente, uma menina de 12 anos foi estuprada e assassinada.
Embora a evidência aponte fortemente para o mesmo homem, ele não foi preso. Em uma
tentativa aparente de se proteger no caso de ser preso, o homem foi ao centro de saúde
mental da comunidade, queixando-se de uma longa história de "ouvir vozes". O psicólogo
realiza uma avaliação que indica que o homem está simulando os sintomas, embora ele
de fato se qualifique em um diagnóstico de Transtorno de Personalidade Antissocial. No
entanto, para proteger a comunidade dessa pessoa "malvada", o psicólogo prepara um
relatório documentando que o cliente está mentalmente doente (como ele pretende
estar) e que é extremamente perigoso para os outros. Além disso, o psicólogo contata as
autoridades legais e relata que sua avaliação indica que o homem deveria ser internado
em um hospital para receber tratamento psiquiátrico. Quais são as considerações éticas
envolvidas nesta situação? O psicólogo está se comportando de maneira ética?

7 O CONTEXTUALISMO ÉTICO DE WALLACE


Como contextualista, James Wallace (1988) reconheceu que ocorrem
conflitos entre princípios éticos concorrentes e que nenhum princípio é válido em
todos os contextos concebíveis (ou seja, não há princípios éticos universalmente
válidos). Wallace apontou que a existência de conflitos éticos não é surpreendente.
Em vez disso, é curioso que os especialistas em ética assumissem frequentemente
que um sistema dedutivo de regras éticas (por exemplo, a teoria formalista de
Kant), derivado de forma independente da experiência, poderia efetivamente
abordar o que as pessoas deveriam fazer nos contextos sempre em mudança
da vida humana real. "Como um conjunto de princípios poderia antecipar as
mudanças contínuas e extensas na condição humana?" (WALLACE, 1988, p. 17).
Wallace creditou John Dewey como tendo reconhecido a importância de mudar
os contextos para a tomada de decisões éticas e a compreensão evolutiva das
pessoas sobre questões éticas. Dewey (1922) disse: "Em qualidade, o bem nunca é
duas vezes igual. Nunca se copia. É novo todas as manhãs, fresco todas as noites.
É único em todas as suas apresentações" (DEWEY, 1922, p. 211).

Como as pessoas são capazes de adaptar sua compreensão ética a


circunstâncias novas e em constante mudança? De acordo com Wallace, a
educação moral que as pessoas recebem como crianças envolve mais do que a
aprendizagem de regras. As pessoas gradualmente adquirem uma compreensão
cada vez mais sofisticada de como determinadas regras se aplicam ou não se
aplicam à solução de problemas morais práticos em diferentes tipos de contextos.
Em outras palavras, as pessoas aprendem que considerações de moral e justiça às
vezes exigem que as regras sejam adaptadas para se adequarem a circunstâncias
incomuns. "A maravilhosa plasticidade de resposta de que os seres humanos são

204
TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS

capazes envolve a capacidade de adaptar velhas rotinas a novas circunstâncias.


Inteligência e compreensão são exibidas em tal adaptação" (WALLACE, 1988, p.
58). Este processo de adaptação da aplicação de regras para decidir qual será o
curso de ação ética em um determinado conjunto de circunstâncias encontradas
na vida é o que os eticistas chamam de raciocínio prático (COHEN; COHEN,
1999). O raciocínio prático é uma área de inquérito humano que está evoluindo
continuamente à medida que os princípios éticos são aplicados em novas situações
envolvendo novas combinações de considerações morais.

Como adultos, as pessoas geralmente não estão conscientes da necessidade


de adaptar seu raciocínio moral às variações no contexto. Wallace (1988) explicou
que a educação moral que as pessoas recebem fornecem um estoque considerável
de diretrizes éticas contextualmente sensíveis, que representam a sabedoria prática
acumulada de sua comunidade e cultura. Embora a maioria das pessoas possa não
ser capaz de articular os princípios envolvidos, elas podem, no entanto, empregar
este acúmulo de sabedoria prática com facilidade considerável para emitir
juízos quanto à relevância de regras éticas aparentemente concorrentes ou para
determinar quais considerações éticas prevalecem em uma situação. As pessoas
tornam-se conscientes da necessidade de raciocínio prático apenas nesses casos
difíceis (ou seja, dilemas éticos) em que inicialmente parece que qualquer opção que
elas escolherem envolve ignorar outra consideração ética igualmente importante.
A capacidade de raciocínio prático dos indivíduos é empregada nesses casos para
conceber soluções criativas que melhor atendam cada uma das considerações
relevantes em uma situação. Portanto, ao invés de negar a existência de conflitos
potenciais entre princípios éticos e sentimento ameaçado por tal possibilidade, o
contextualista ético reconhece que a experiência humana sempre envolveu tais
dilemas e que a capacidade de raciocínio prático das pessoas geralmente provou
ser adequada para abordar essas situações razoavelmente e efetivamente.

Como Fletcher (1966), Wallace (1988) acreditava que os princípios


éticos que as pessoas foram ensinadas são extremamente importantes para o
comportamento ético. Kant demonstrou que esses princípios éticos revelam às
pessoas as considerações que devem ser expressas em seus atos. No entanto, as
regras por si só não são suficientes para garantir a conduta ética nas circunstâncias
em mudança da vida em que dois deveres éticos podem entrar em conflito.
Dizer que "as regras são regras" e que as circunstâncias não influenciam o status
ético de um ato é uma visão ingênua que não reflete a maneira como as pessoas
razoáveis ​​realmente fazem juízos éticos. "Ser crítico, em um sentido importante
deste termo, é ser bom em ver como o que já se sabe pode ser alterado para que
possa ser aplicado em situações sem precedentes" (WALLACE, 1988, p. 58).

Wallace argumentou que existem dois tipos fundamentais de problemas


que revelam a insuficiência de regras éticas: questões de relevância e verdadeiros
conflitos éticos. Primeiro, em casos envolvendo um aparente conflito entre
princípios, em vez de aplicar uma ou outra regra de forma passiva e irracional,
as pessoas razoáveis avaliam se cada consideração é verdadeiramente relevante
para o contexto. Por exemplo, suponha que um aluno em uma aula de estatística

205
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

informe a seu professor em uma conversa casual um rumor sobre o comportamento


de outro professor no departamento. Como o aluno não diz nada sobre manter
a conversa confidencial, o professor repete a história para o outro membro do
corpo docente (por preocupação com o bem-estar do colega). O colega percebe
qual aluno deve ter relatado o rumor e confronta o aluno sobre isso. O aluno
então acusa o professor de estatística de ter violado sua confidencialidade.
Embora esta situação possa parecer inicialmente envolvida em considerações
éticas concorrentes, o conhecimento do professor de estatística dos "Princípios
Éticos" permite que ele reconheça que a finalidade do dever ético em relação à
confidencialidade não é relevante para essa circunstância porque nem sua relação
com o aluno nem a natureza das informações comunicadas cumpre as condições
necessárias para estabelecer o dever de manter a confidencialidade.

Em segundo lugar, as regras éticas também são insuficientes quando as


pessoas são confrontadas com uma situação em que dois ou mais princípios éticos
relevantes verdadeiramente conflitam. Um exemplo de um dilema ético seria se
um psicólogo clínico tratasse outra profissional de saúde mental em psicoterapia
e ela revela a ele no contexto da psicoterapia que ela estava tendo uma relação
sexual com um cliente atual. Nesse caso, a confidencialidade do cliente é uma
consideração ética relevante, assim como a obrigação do psicólogo clínico de
proteger o bem-estar de seu cliente e relatar o comportamento não ético por parte
da outra profissional. Ele seria confrontado com um conflito entre deveres éticos
relevantes que, à primeira vista, parece irresolúvel (KITCHENER, 1984).

Resolver situações que parecem envolver múltiplas considerações


éticas (questões de relevância) ou que verdadeiramente representam conflitos
entre princípios éticos (dilemas éticos) requerem entender por que as pessoas
possuem os valores que elas têm. Em outras palavras, por que os princípios éticos
envolvidos na situação são importantes para as pessoas? Wallace (1988) afirmou
que a razão pela qual as pessoas mantêm certos valores é que esses valores
promovem a vida humana e a atividade humana de alguma maneira importante.
A chave para resolver conflitos aparentes entre valores é compreender o ponto
ou função de cada valor e determinar a importância da consideração em relação
à situação em questão. Essas reflexões metaéticas exigem uma compreensão clara
das fontes dos valores éticos, que é a razão pela qual tanta atenção foi dedicada à
análise das teorias éticas no início desta Unidade.

O exemplo a seguir ilustra a aplicação do contextualismo ético de Wallace.


Um departamento de psicologia opera uma clínica-escola com o objetivo de
proporcionar treinamento de prática para estudantes de graduação em psicologia
clínica. A clínica-escola fornece serviços de avaliação e psicoterapia aos estudantes
universitários e à comunidade local. A clínica-escola está aberta apenas durante as
tardes da semana. Devido à disponibilidade limitada de espaço no departamento
de psicologia, vários professores deste departamento, tanto clínicos e não-
clínicos, perguntam se o espaço da clínica-escola poderia ser usado para realizar
pesquisas durante a manhã e nos fins de semana, justificando seu pedido citam
a necessidade dos estudantes de espaço de pesquisa para completar projetos de

206
TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS

teses e o potencial valor científico da pesquisa de estudantes e professores. Alguns


membros do departamento de psicologia clínica argumentam que o pedido deve
ser rejeitado porque a confidencialidade dos clientes pode ser comprometida,
observando que os registros dos clientes são mantidos na clínica-escola e que
os clientes deixam as mensagens telefônicas em um atendedor de chamadas na
clínica-escola durante as horas de não atendimento.

Claramente, há várias considerações éticas, aparentemente conflitantes


citadas pelas duas partes neste caso. Ao tentar resolver potenciais conflitos éticos
de forma racional, o raciocínio prático, segundo Wallace, primeiro envolve uma
avaliação da relevância de cada uma das considerações para a situação. Como
Aristóteles (1984) apontou, a sabedoria prática envolve dar a cada consideração
concorrente o peso que merece. Obviamente, uma consideração irrelevante não
merece o mesmo peso que um relevante. A obrigação de fornecer espaço e recursos
suficientes para que os alunos completem o trabalho de pesquisa de suas teses
é certamente relevante para um propósito fundamental de um departamento
acadêmico. O potencial valor científico dos projetos de pesquisa do corpo docente
do departamento é difícil de determinar, mas a realização de pesquisas faz parte
da descrição do trabalho de um psicólogo no mundo acadêmico e o departamento
é certamente obrigado a facilitar a capacidade dos membros do corpo docente de
fazer seu trabalho.

A questão de garantir a confidencialidade do cliente é obviamente


importante para qualquer clínica que ofereça serviços psicológicos. No entanto,
não está claro como o uso da clínica-escola, quando estiver fechada para
atendimentos, por funcionários que não são clínicos ou até mesmo aqueles que
o são, prejudicaria a confidencialidade dos clientes. Se os registros do cliente
não estivessem trancados nos arquivadores ou fossem facilmente acessíveis sem
senhas em um computador, uma preocupação ética certamente seria justificada.
No entanto, em tal caso, a confidencialidade dos clientes já estaria em risco
porque os funcionários da guarda ou da limpeza ou qualquer outra pessoa com
uma chave para a porta da clínica-escola teria acesso ao material. Por outro lado,
se alunos dos estágios práticos e seus supervisores forem diligentes em suas
tarefas de guardar as anotações, arquivos físicos e digitais e outros materiais
confidenciais em armários trancados no final das horas da clínica, certificando-se
de que os registros de computador não possam ser acessados ​​sem senhas bem
protegidas, e manter o atendedor de chamadas em uma área segura e privada,
uma violação da confidencialidade não deve ser um risco potencial.

Assim, pode-se argumentar que a consideração ética de proteger a


confidencialidade dos clientes clínicos está sendo aplicada de maneira inadequada
à questão de como o espaço da clínica-escola pode ser usado quando a clínica está
fechada. A sensibilidade dos professores clínicos à questão da confidencialidade
é admirável, mas a questão não é demonstrativa de grande relevância para
o contexto em consideração. Se os docentes clínicos respondessem que a
confidencialidade é sempre a principal consideração ética em qualquer contexto
envolvendo a clínica-escola, sua posição seria revelada em estar fundamentada

207
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

nos pressupostos de que existem regras éticas invioláveis ​​e que a sensibilidade
a fatores contextuais não é uma parte importante do raciocínio prático. Essas
posições foram consideradas insustentáveis ​​na consideração da teoria formalista
de Kant no início deste tópico. Assim, não há uma objeção ética razoável neste
caso para usar o espaço da clínica-escola para fins de pesquisa durante as horas de
não atendimento, desde que haja medidas de proteção adequadas para garantir a
confidencialidade dos clientes.

Um verdadeiro dilema ético, por outro lado, envolve considerações éticas


múltiplas e concorrentes, que são cada vez mais relevantes para o contexto. O
exemplo a seguir é um dilema ético baseado na questão de oferecer aos clientes
acesso aos seus registros de saúde mental. Uma cliente de 23 anos que havia sido
hospitalizada por um episódio de depressão solicita permissão para rever seu
registro de tratamento antes de ser dispensada. Seu terapeuta está preocupado
porque a seção do registro sobre a história dos problemas da cliente afirma que
seu primeiro episódio de depressão ocorreu quando tinha 16 anos, pouco depois
de seus pais morrerem. Sua tia havia dito ao psiquiatra no momento de sua
admissão que o pai da cliente matara sua mãe e depois se matara. A tia forneceu
uma cópia de um relato do jornal dos eventos, que foi incluído no registro da
cliente. O terapeuta está ciente de que sua cliente fora informada de que seus
pais morreram em um acidente automobilístico. Ela aparentemente não conhece
a história verdadeira das mortes de seus pais.

O respeito pela autonomia de sua cliente sugere que ela tem o direito de
saber o que o registro de seu tratamento contém, incluindo a verdade sobre sua
família e seu próprio passado. Por outro lado, a preocupação do terapeuta pelo
bem-estar de sua cliente é que ela poderia ficar traumatizada por essa informação.
Ambas as considerações éticas concorrentes são claramente relevantes para
a situação. Wallace (1988) argumentou que para resolver tal dilema de forma
razoável, o terapeuta deve tentar interpretar o significado e o propósito dos
princípios envolvidos "de maneiras que são fiéis às próprias regras e às atividades
que as regras são projetadas para facilitar" (WALLACE, 1988, p. 10).

O respeito pela autonomia da cliente para tomar decisões sobre sua


própria vida é fundamentado no respeito das pessoas por outras pessoas. As
pessoas não acreditam que seja apropriado que outra pessoa tome decisões
importantes sobre suas vidas sem o seu conhecimento e consentimento. As pessoas
também acreditam que não é apropriado mentir para outra pessoa porque esse
comportamento mostra uma falta de respeito pela pessoalidade do indivíduo.
Além disso, o respeito pela autonomia reflete a crença das pessoas no potencial
dos seres humanos para o crescimento e autocompreensão. Não se pode então
ser verdadeiramente autônomo sem conhecimento de aspectos relevantes do
passado, conhecimento que foi negado a esta jovem mulher através do engano
perpetrado por parentes paternalistas. Na época, ela era uma menor de idade,
mas, aparentemente, ninguém a tinha informado da verdade quando se torno
adulta. Negar o acesso às informações contidas em seu registro sobre sua família
é concordar com esse padrão contínuo de desrespeito por sua autonomia.

208
TÓPICO 2 — MODELOS DE RACIOCÍNIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ÉTICOS

A preocupação com seu bem-estar era, sem dúvida, uma grande


consideração na decisão em curso de sua família de não contar a ela as verdadeiras
circunstâncias da morte de seus pais, pois suas dificuldades com a depressão
persistiram episodicamente até a idade adulta. O princípio da preocupação com
o bem-estar dos outros baseia-se no respeito e consideração dos profissionais de
saúde mental, assim como o princípio concorrente do respeito pela autonomia de
uma pessoa. Não só os profissionais clínicos têm a obrigação de nunca prejudicar
intencionalmente outra pessoa, mas também têm o dever de tentar proteger os
outros contra danos sempre que possível.

A questão fundamental aqui é se o terapeuta se justifica em proteger sua


cliente de danos, agindo de forma paternalista e negando seu acesso a informações
potencialmente perturbadoras. Negar seu acesso à informação pode servir a fim
de protegê-la de danos, mas apenas à custa de ignorar a obrigação de respeitar
sua autonomia como indivíduo. O terapeuta percebe que se poderia argumentar
que um cliente, de fato, "sofre danos" sempre que outros interferem com seu
funcionamento autônomo. É bastante difícil justificar causar danos a um indivíduo
(negando sua autonomia) para protegê-lo de outros danos. Infantilizar alguém,
como foi feito no caso desta mulher, comunica um profundo desrespeito por sua
pessoalidade. Alternativamente, proporcionando-lhe acesso supervisionado ao
registro para que ela possa aprender a verdade sobre seu passado e trabalhar com
as implicações dessas revelações com seu terapeuta demonstraria respeito pela
sua autonomia pessoal e abordar sua preocupação com seu bem-estar psicológico.
Esta estratégia também eliminaria a possibilidade de que ela pudesse aprender a
verdade sobre seus pais, em algum momento após a alta, quando ela não poderia
ter qualquer apoio disponível para ajudá-la a lidar com a descoberta dolorosa.

Essa resolução pode ter ocorrido espontaneamente em muitos leitores, na


medida em que eles pensaram sobre o caso. No entanto, outras pessoas podem
ter tido diferentes respostas para este caso. O ponto importante é que o processo
de raciocínio prático descrito anteriormente resultou em uma solução que é
apoiada por boas razões e é consistente com os propósitos das considerações
éticas relevantes para a situação, em vez de um curso de ação arbitrariamente
determinado que poderia ser visto como refletindo os preconceitos éticos pessoais
do profissional envolvido.

Para o contextualista ético, o comportamento moral inteligente baseia-


se sempre na compreensão de como os princípios éticos foram aplicados no
passado e os fins que foram atendidos por essas aplicações (WALLACE, 1988).
O contextualista ético demonstra uma compreensão dos "modos de vida" que
representam a sabedoria prática acumulada de uma sociedade (ou, neste caso, das
profissões de saúde mental). O contextualista reconhece que o raciocínio prático
exige que as pessoas adaptem essas formas a situações novas. A resolução de
problemas éticos é, portanto, um empreendimento criativo. Resolver um dilema
ético raramente envolve simplesmente escolher um princípio sobre outro. Em vez
disso, ele precisa elaborar uma solução consistente com o propósito de todos os

209
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

princípios envolvidos (WALLACE, 1988). O contextualista ético se esforça para


tomar decisões que refletem as considerações que as pessoas valorizam mais (ou
seja, que provaram ser mais importantes e úteis para seus modos de vida), ao
modificar ou excluir o que as pessoas valorizam menos.

7.1 AVALIAÇÃO CRÍTICA DO CONTEXTUALISMO ÉTICO


Wallace (1988) afirmou que a experiência cotidiana das pessoas fornece
evidências consideráveis ​​em apoio à visão de que a capacidade prática de raciocínio
dos seres humanos é eficaz para enfrentar os desafios éticos apresentados pelos
contextos sempre em mudança da vida moderna. Embora a teoria contextualista
parece fornecer um meio muito promissor para resolver o conflito ético através
do uso da razão prática, a aplicação bem-sucedida do método de Wallace parece
exigir uma sofisticação metaética considerável por parte de um profissional de
saúde mental. É necessário que os profissionais se familiarizem não apenas com
os valores e princípios éticos que devem orientar a sua conduta, mas também
com as justificativas metaéticas desses princípios. Caso contrário, eles não estarão
em condições de entender a função das considerações éticas envolvidas em
uma situação, o que é necessário para reconhecer os pontos de conexão entre as
considerações e priorizar os princípios de forma razoável.

O fato de que o comportar-se eticamente é um desafio difícil não é uma


acusação formal ao contextualismo ético. É simplesmente uma realidade com a
qual o profissional ético deve esforçar-se para lidar. Exercitar o raciocínio prático
para se comportar de forma ética não é uma tarefa fácil. No entanto, como Wallace
(1988) apontou, também não é impossível. A atenção dedicada às teorias éticas
normativas no primeiro tópico desta Unidade e os modelos de raciocínio ético e
fontes de justificação metaética no presente tópico representa o passo inicial no
desenvolvimento da competência no raciocínio prático. Este processo continua
no próximo tópico. Será apresentado um modelo de tomada de decisão ética com
base no contextualismo ético de Wallace. Este modelo foi criado para fornecer
orientação e estrutura para as deliberações éticas de profissionais de saúde
mental que lhes permitirão resolver situações eticamente complexas de forma
racionalmente defensável.

210
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os códigos de ética das profissões de saúde mental nem sempre fornecem


informações suficientes sobre como os profissionais podem resolver conflitos
éticos.

• O relativismo ético afirma que os dilemas éticos não podem ser resolvidos de
forma racional.

• Tanto o utilitarismo como a teoria formalista de Kant negam a existência de


dilemas éticos, embora uma análise mais aprofundada das teorias demonstre
que o conflito ético é realmente possível dentro dos quadros dessas teorias,
mas é irresolúvel.

• Em sua ética situacional, Fletcher argumenta que os dilemas não são possíveis
quando se age de acordo com o amor cristão, que é o único verdadeiro princípio
moral universal.

• Mesmo que a teoria de Fletcher tenha o mérito de ser sensível a contextos em


mudança, a análise desta teoria não elimina a possibilidade de conflitos éticos
e o fato de que não nos proporciona um meio racional e efetivo para resolver
esses conflitos.

• A teoria do contextualismo ético de Wallace também enfatiza a importância de


adaptar diretrizes éticas a fatores situacionais.

• No entanto, Wallace argumentou que o conflito ético pode ser resolvido e que
uma justificativa racional pode ser providenciada para a tomada de decisões
éticas.

• Ele afirmou que as pessoas são capazes de resolver conflitos éticos, aproveitando
uma sabedoria prática comunicada a eles por sua cultura e comunidade.

• Quando confrontados com um verdadeiro dilema ético, as pessoas podem


praticar um raciocínio prático efetivo, envolvendo discussões metaéticas sobre
as funções das considerações éticas relevantes.

211
• Essas deliberações envolvem a reflexão sobre como cada consideração contribui
para os modos de vida das pessoas (ou seja, de que forma o valor ético é valioso
na vida humana), a fim de elaborar uma solução consistente com o propósito
de cada princípio ético envolvido na situação.

• Uma lacuna da teoria do raciocínio prático de Wallace é que ele subestima a


dificuldade de atingir o nível de sofisticação metaética que um profissional
precisaria para lidar efetivamente com considerações éticas concorrentes.

• O desafio do raciocínio e o comportamento ético é difícil, mas não impossível.


Um modelo para ajudar os profissionais na tomada de decisões éticas será
apresentado no próximo tópico.

212
AUTOATIVIDADE

1 A ética situacional é uma abordagem contextualista teologicamente baseada


na tomada de decisão ética apresentada por Joseph Fletcher (1966). Em
geral, as perspectivas religiosas sobre a ética constituem modelos formais
como o de Kant. Isto é, são éticas baseadas em regras que governam a
conduta moral. Sobre a ética situacional de Fletcher, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) É semelhante a teoria de Kant, e possui um apelo à razão como base do


dever das pessoas em obedecer às leis morais ou aos mandamentos de
uma religião.
b) ( ) Para Fletcher, os princípios éticos cristãos nunca entram em conflitos,
pois são princípios universalmente válidos.
c) ( ) Segundo Fletcher, o único princípio moral universalmente válido é o
do amor cristão, ou ágape, que obriga uma pessoa a buscar sempre o
que é melhor para o próximo.
d) ( ) Fletcher acreditava que existem regras éticas que representam a
resposta moralmente correta a cada situação em todos os momentos,
mas que o conhecimento de uma pessoa sobre regras e precedentes
éticos não é importante.

2 Como contextualista, James Wallace (1988) reconheceu que ocorrem


conflitos entre princípios éticos concorrentes e que nenhum princípio é
válido em todos os contextos concebíveis (ou seja, não há princípios éticos
universalmente válidos). Com base no contextualismo ético de Wallace,
analise as sentenças a seguir:

I- As pessoas gradualmente adquirem uma compreensão cada vez mais


sofisticada de como determinadas regras se aplicam ou não se aplicam à
solução de problemas morais práticos em diferentes tipos de contextos.  
II- Ao contrário de Fletcher (1966), Wallace (1988) não acreditava que os
princípios éticos que as pessoas foram ensinadas fossem extremamente
importantes para o comportamento ético.
III- Wallace (1988) afirmou que a razão pela qual as pessoas mantêm certos
valores é que esses valores promovem a vida humana e a atividade humana
de alguma maneira importante. A chave para resolver conflitos aparentes
entre valores é compreender o ponto ou função de cada valor e determinar
a importância da consideração em relação à situação em questão.

Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.
213
3 Embora a teoria contextualista parece fornecer um meio muito promissor
para resolver o conflito ético através do uso da razão prática, a aplicação
bem-sucedida do método de Wallace parece exigir uma sofisticação
metaética considerável por parte de um profissional de saúde mental. De
acordo com a avaliação crítica do contextualismo ético, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Wallace (1988) afirmou que a experiência cotidiana das pessoas fornece


evidências consideráveis em apoio à visão de que a capacidade prática
de raciocínio dos seres humanos é eficaz para enfrentar os desafios éticos
apresentados pelos contextos sempre em mudança da vida moderna. 
( ) Os profissionais precisam se familiarizar apenas com os valores e
princípios éticos que devem orientar a sua conduta, pois dessa forma
já possuirão condições de entender a função das considerações éticas
envolvidas em uma situação.
( ) O fato de que o comportar-se eticamente é um desafio difícil não é uma
acusação formal ao contextualismo ético. É simplesmente uma realidade
com a qual o profissional ético deve esforçar-se para lidar. Exercitar o
raciocínio prático para se comportar de forma ética não é uma tarefa fácil.
No entanto, como Wallace (1988) apontou, também não é impossível.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Como podemos caracterizar a avaliação crítica do ponto de vista utilitarista


em relação ao conflito ético?

5 Como podemos caracterizar a avaliação crítica do ponto de vista formalista


kantiano em relação ao conflito ético?

214
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

UM MODELO DO PROCESSO DE
TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

1 INTRODUÇÃO

Os códigos éticos profissionais têm duas deficiências principais. Primeiro,


os códigos profissionais são necessariamente vagos. Eles oferecem princípios
gerais para orientar a conduta profissional, com alguns padrões e proibições
específicas, mas os códigos éticos não podem fornecer orientação sobre todas as
diferentes circunstâncias que surgem na prática de uma profissão de saúde mental.
Em segundo lugar, os profissionais de saúde mental ocasionalmente encontram
situações em que dois ou mais princípios éticos parecem entrar em conflito (por
exemplo, os princípios de confidencialidade e preocupação com o bem-estar dos
outros). Os códigos de ética das profissões de saúde mental não fornecem um
método para resolver tais dilemas éticos. Como resultado, os profissionais têm
pouca orientação além dos seus valores éticos pessoais para se referir ao decidir o
que fazer. Muitas vezes, eles ficam desconfortáveis ​​com o curso de ação que eles
selecionam porque é inconsistente com um dos princípios éticos envolvidos na
situação (SMITH et al., 1991). Os profissionais precisam de um método racional
para determinar um curso de ação eticamente aceitável em circunstâncias tão
complexas.

O Tópico 2 examinou as formas como os principais modelos de raciocínio


ético abordaram a questão da resolução de dilemas éticos. Este tópico introduzirá
um novo modelo que os profissionais podem usar para fundamentar de forma
mais eficaz quando confrontados com problemas éticos complexos e fornecer
uma justificativa racional para seus julgamentos éticos.

2 O PROPÓSITO DO MODELO
O modelo a ser apresentado fornece um método que os profissionais po-
dem usar para organizar seu pensamento sobre considerações éticas que garan-
tam a abrangência de suas deliberações na tentativa de identificar e resolver dile-
mas éticos. Além disso, empregar o modelo servirá para aumentar sua consciência
da complexidade ética associada a sua atividade profissional. Estar consciente
do potencial de complicações éticas em uma situação permitirá aos profissionais
evitar o desenvolvimento de conflitos em muitos casos. Os dilemas éticos muitas
vezes têm uma maneira de "se esgueirar" para as pessoas quando não reconhe-
cem ou apreciam as implicações complexas de decisões e compromissos aparen-
temente menores (MACKAY; O'NEILL, 1992). Por exemplo, suponha que um
cliente de psicoterapia peça ao seu terapeuta sobre suas crenças religiosas. Qual

215
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

consideração ética deve ser levada em consideração na escolha de uma resposta a


essa consulta? Por outro lado, estar continuamente obcecado com a possibilidade
de que haja considerações éticas importantes que podem não ter sido detectadas
(por exemplo, na decisão de oferecer ou não a um estudante ou participante da
pesquisa uma xícara de café) seria quase tão contraproducente para a eficiência
de um profissional, como uma insensibilidade grosseira às questões éticas.

O objetivo do modelo é (a) permitir aos profissionais diferenciar


contextos envolvendo considerações éticas múltiplas ou concorrentes daqueles
que são menos complexos eticamente e (b) fornecer um modelo de etapas que
os profissionais de saúde mental podem tomar para resolver questões éticas
complexas de uma maneira racional. O modelo não fornece respostas a problemas
éticos, apenas um quadro que permita aos profissionais chegarem a suas próprias
decisões racionalmente bem-informadas sobre o que fazer em um determinado
conjunto de circunstâncias. O modelo é projetado para se aplicar a questões éticas
que possam surgir em qualquer área da prática de uma profissão de saúde mental
(por exemplo, ensino, pesquisa, trabalho clínico).

3 O MODELO
Vários outros interessados ​​no treinamento de ética nas profissões de saúde
mental reconheceram o valor de fornecer aos alunos e profissionais um modelo
que descreva as etapas apropriadas para abordar questões éticas complexas e na
resolução de conflitos éticos, por exemplo, K. S. Kitchener (1984), Koocher e Keith-
Spiegel (2008), Francis (2004). O modelo apresentado aqui empresta extensivamente
dos estudos destes pesquisadores, mas acrescenta os insights importantes sobre a
teoria da ética contextualista de Wallace, apresentada no Tópico 2.

O princípio fundamental subjacente a este modelo é que a complexidade


ética de uma situação deve ser avaliada inicialmente, depois reavaliada
continuamente à luz das novas informações obtidas e do progresso do raciocínio
prático do profissional. Considerações éticas adicionais são muitas vezes
identificadas no decurso dessas deliberações. Sempre que o profissional está
convencido de que ele abordou a complexidade ética da situação de forma
adequada e uma opção viável para a ação eticamente apropriada (ou não-ação)
está disponível, ele pode tomar uma decisão e concluir suas deliberações. Um
esquema do modelo é apresentado no Quadro 1.

216
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

QUADRO 1 – UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA


1. Avaliação Inicial das Considerações Éticas Implicadas

a. Se não houver conflito Tome uma Decisão

b. Se aparentemente existe um conflito

2. Reúna Informações (fatos específicos do caso, diretrizes éticas e legais pertinentes,


consulta com colegas e especialistas)

3. Avaliação Secundária das Considerações Éticas Implicadas

a. Se o conflito foi resolvido Tome uma Decisão

b. Se um conflito aparentemente ainda existe

4. Deliberações Metaéticas Sobre a Relevância das Considerações Éticas

a. Se as deliberações de relevância resolverem o conflito Tome uma Decisão

b. Se existe um dilema ético

5. Deliberações Metaéticas Sobre a Resolução do Dilema Ético

6. Avaliação Terciária das Considerações Éticas Geração de Opções

7. Estime as Consequências de Cada Opção

8. Tome uma decisão

9. Documente a Justificação e o Processo de Tomada de Decisão (deve ser feito ao longo


do processo)

FONTE: O autor

217
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

Em situações que envolvem considerações éticas aparentemente


conflitantes, um profissional ético deve tentar resolver o conflito aparente de
forma racional. Para isso, ele precisará aplicar sua compreensão das fontes de
deveres morais, porque não são os princípios éticos da profissão, mas os deveres
morais subjacentes a esses princípios, que são a fonte fundamental de suas
obrigações éticas. A lealdade a um princípio ético profissional (por exemplo,
confidencialidade) deve ser substituída apenas por outra consideração ética
de que um profissional determina ser uma obrigação ética mais poderosa e
fundamental em uma circunstância particular. "Quando superamos um princípio
moral, isso só deve ser feito por boas razões morais" (KITCHENER, 1984, p. 53).

O fracasso de um profissional em se esforçar para resolver conflitos éticos


de forma razoável representa uma atitude pouco profissional de indiferença em
relação a sua profissão e às pessoas a quem ele atende (por exemplo, estudantes,
clientes, participantes da pesquisa). Podemos dizer que o Código de Ética
Profissional do Psicólogo (CFP, 2005) afirma em sua apresentação que a eficácia
dos padrões éticos exige um compromisso pessoal com um esforço vital para agir
de forma ética. O desenvolvimento de habilidades de raciocínio prático é um
aspecto essencial desse compromisso porque um profissional deve ser capaz de
fornecer uma justificativa moral racional para suas decisões em casos envolvendo
um aparente conflito ético.

3.1 PASSO 1: AVALIAÇÃO INICIAL DAS CONSIDERAÇÕES


ÉTICAS IMPLICADAS
Este passo inicial de avaliação da presença de possíveis considerações éti-
cas aplica-se a todo tipo de situação ocupacional encontrada por um profissional
AT de saúde mental (por exemplo, pesquisa, ensino, psicoterapia). Um profissio-
nal ético deve ser particularmente cuidadoso para considerar se, com base nas
informações disponíveis, parece haver considerações éticas potencialmente con-
flitantes (ou seja, se cumprindo um dever ético na situação levará à violação de
outro dever igualmente importante).

Tenha em mente que a tarefa de avaliar a presença potencial de


considerações éticas não é concluída quando o profissional identificou um
princípio que parece ser importante para a situação. Ao concentrar sua atenção
de forma restrita em um princípio, um profissional frequentemente ignorará, e
talvez violará, outros princípios relevantes. Além disso, é importante lembrar
que, embora a situação possa envolver uma relação profissional com uma figura
principal (por exemplo, um cliente de psicoterapia, aluno), frequentemente há
mais de uma pessoa que se afeta pela situação (por exemplo, a família do cliente,
os outros alunos da turma). O profissional deve considerar se a situação envolve
uma responsabilidade profissional para outros sujeitos, além do sujeito principal
(KOOCHER; KEITH-SPIEGEL, 2008).

218
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

A identificação efetiva da complexidade ética nesta fase inicial exige


que o profissional seja apropriadamente sensível à presença de considerações
éticas. No exemplo apresentado anteriormente de um cliente de psicoterapia
perguntando ao seu terapeuta sobre suas crenças religiosas, seria importante
para ele ser sensível à possibilidade de que seu cliente possa vê-lo como uma
autoridade sobre isso, bem como sobre outros assuntos. O potencial para o cliente
ser indevidamente influenciado por seus valores pessoais, apresentado em um
ambiente profissional, é uma importante consideração ética.

NOTA

Obviamente, as implicações éticas deste ou de qualquer outro cenário


variam em diferentes contextos. Se a pergunta for feita durante uma entrevista inicial de
psicoterapia, o cliente pode ser visto como solicitando informações relevantes para sua
decisão sobre se deve ou não proceder com a psicoterapia com o terapeuta.

Se não houver considerações aparentemente concorrentes, o profissional


deve encerrar suas deliberações e agir de acordo com o princípio ético e/ou
legalidades envolvidas. É importante que um profissional considere válido o
código ético de sua profissão. Isto é, o código ético é um guia válido para a conduta
profissional, a menos que algum princípio concorrente ou circunstância especial
seja ainda mais forte em sua obrigação (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002).

Por outro lado, se a situação envolver considerações éticas aparentemente


concorrentes, as deliberações devem continuar.

3.2 PASSO 2: REUNIR INFORMAÇÕES


Quando há considerações éticas aparentemente conflitantes, a primeira
tarefa é reunir o máximo de informações possível. Os fatos específicos de uma
situação são extremamente importantes para as distinções precisas que podem
afetar os juízos éticos de um profissional (KITCHENER, 1984), como se viu no
Tópico 2. A tomada de decisão ética de um profissional geralmente é tão boa
quanto sua informação.

A segunda tarefa no processo de coleta de informações é rever o código


ético de sua profissão, dando especial atenção aos princípios e padrões relevantes
para as considerações éticas concorrentes que ele enfrenta. Além disso, algumas
profissões, como a psicologia, geraram um ou mais conjuntos de diretrizes que
regulamentam as especialidades. Estas orientações suplementares devem ser
consultadas se forem relevantes para o contexto em que surgiu o conflito (por
exemplo, pesquisa com participantes humanos). As informações relativas a
219
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

quaisquer diretrizes legais aplicáveis ​​também são extremamente importantes na


medida em que um estatuto jurídico pode indicar que uma das considerações
envolvidas constitui um dever legal na situação. Contudo, a existência de um
estatuto jurídico que aborda a situação pode ou não eliminar o conflito ético. Em
alguns casos, uma lei pode ser incompatível com o dever ético de um profissional.

Os valores pessoais do profissional certamente podem prejudicar sua


percepção de uma situação e fazer com que ele favoreça um determinado curso
de ação ou dê um peso indevido a uma das considerações éticas concorrentes. Um
profissional AT de saúde mental precisa tornar-se consciente de seus preconceitos
de valor, suas tendenciosidades, para que possa evitar ser indevidamente
influenciado por eles durante o processo de tomada de decisão ética.

Outra fonte potencialmente importante de informação para essas


deliberações é a opinião de colegas experientes e respeitados que lidaram
com situações similares ou com a Comissão de Ética do Conselho Regional
ou Federal de Psicologia. A consulta com colegas mais experientes poderia
fornecer informações sobre soluções criativas que foram desenvolvidas em
resposta a conflitos éticos similares. Tais discussões podem também informar
um profissional dos benefícios e desvantagens que os outros experimentaram
como uma consequência de dar maior prioridade a uma das considerações
éticas envolvidas. Como observou Wallace (1988), a sabedoria prática de uma
comunidade (ou uma profissão) baseia-se nos valores de seus membros e na sua
experiência cumulativa na aplicação desses valores com sucesso aos contextos
sempre em mudança da vida comunitária (ou profissional). O raciocínio prático
efetivo é sempre fundamentado em uma compreensão das maneiras pelas quais
os dilemas semelhantes foram resolvidos no passado. O desafio é adaptar essas
formas ao contexto novo presente (WALLACE, 1988).

3.3 PASSO 3: AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA DAS


CONSIDERAÇÕES ÉTICAS IMPLICADAS
Se as informações obtidas de qualquer uma das fontes indicam claramente
ao profissional que um dos deveres aparentemente conflitantes tem prioridade em
uma situação como a que ele enfrenta, o conflito ético foi resolvido e ele está pronto
para tomar uma decisão. Por exemplo, um cliente pede para ver seu registro de
tratamento. Embora sua terapeuta acredite que deva respeitar sua autonomia, ela
também está preocupada em que, em sua condição atual, ele possa ser prejudicado
emocionalmente se confrontado com seu diagnóstico. Ao perguntar ao cliente
sobre seus motivos para solicitar a exibição de seus registros, ela descobriu que
ele realmente viu seu diagnóstico há uma semana, enquanto uma enfermeira
estava atualizando seu registro e agora simplesmente deseja entender melhor sua
situação. A terapeuta pode simplesmente prosseguir permitindo que o cliente
veja seu arquivo porque os deveres de respeitar a autonomia do cliente e proteger
seu bem-estar não estão em desacordo com essa situação. Se, por outro lado, a
informação adicional não resolveu o conflito ou aumentou a complexidade ética

220
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

da situação (por exemplo, introduziu considerações conflitantes adicionais), em


seguida, com base em toda a informação obtida, ela deverá definir as considerações
éticas fundamentais que aparentam ser relevantes prima facie para a situação. Se
qualquer aspecto da situação ou as considerações não estiverem claras, ela deve,
em todos os casos, voltar ao Passo 2 e reunir mais informações. Lembre-se sempre
que os melhores juízos éticos são os baseados na melhor informação porque os
fatores situacionais são de grande importância.

3.4 PASSO 4: DELIBERAÇÕES METAÉTICAS RELATIVAS À


RELEVÂNCIA DAS CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
Em situações que envolvem um aparente conflito entre deveres éticos, um
profissional deve, em seguida, ter um método de determinar, de forma racional,
se cada consideração é genuinamente relevante para a situação. Embora todos os
princípios éticos sejam importantes, eles não se aplicam a todas as situações. Por
exemplo, a confidencialidade é um princípio ético de grande importância, mas não
é relevante para uma situação em que um profissional de saúde mental observe seu
vizinho abusando de seu cônjuge. Conforme discutido no tópico 2, as deliberações
relativas à relevância envolvem compreender o ponto de cada consideração. Isto é,
o profissional deve refletir sobre um nível metaético para determinar os motivos
pelos quais cada princípio ou valor é levado a sério como uma consideração
ética – como o princípio contribui para a vida humana (WALLACE, 1988). Para
deliberar efetivamente, os profissionais devem ser capazes de rastrear a origem
metaética de qualquer regra de conduta profissional. O contexto das teorias éticas
previstas nos tópicos anteriores ajudará os profissionais nesta tarefa.

Se o aparente conflito ético tiver sido abordado com base nas deliberações
sobre relevância, não deixando mais conflito, o profissional está em condições de
resolver a situação de maneira apropriada eticamente. Se for conflitante, ainda
existem considerações éticas relevantes, serão necessárias mais deliberações para
resolver racionalmente a situação, que agora é entendida como constituindo um
verdadeiro dilema ético.

3.5 PASSO 5: DELIBERAÇÕES METAÉTICAS RELATIVAS À


RESOLUÇÃO DO DILEMA ÉTICO
Todo o aporte obtido até agora deve ser aplicado à tarefa de analisar mais
detalhadamente as considerações éticas concorrentes para entender claramente
o ponto de cada consideração e o peso que cada um deve ser dado no contexto
ético específico a ser tratado. Por que tem sido atribuído um tal prestígio a esse
valor no passado? Como contribui para os modos de vida de uma comunidade
ou de uma profissão? Essas deliberações metaéticas geralmente esclarecerão e
simplificarão um problema ético complexo porque a multiplicidade de princípios
éticos estabelecidos em um código profissional se funde em um conjunto muito
menor de fontes metaéticas de valor. Diferentes princípios éticos (por exemplo,

221
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

confidencialidade e respeito pela autonomia) que parecem entrar em conflito


em uma situação dada são muitas vezes encontrados refletindo o mesmo valor
fundamental (ou seja, o respeito pelas pessoas é a base tanto para a crença de
que as pessoas têm direito a sua privacidade e que elas deveriam ter permissão
para escolher como elas desejam realizar suas vidas). Nesse caso, resolver o
problema ético é então uma questão de elaborar uma solução que sirva melhor
o valor fundamental que agora é reconhecido como a fonte do dever ético do
profissional na situação.

3.6 PASSO 6: AVALIAÇÃO TERCIÁRIA DAS CONSIDERAÇÕES


ÉTICAS – GERAR OPÇÕES
Depois de aplicar suas habilidades práticas de raciocínio para resolver o
dilema ético, um profissional deve novamente reavaliar a situação para avaliar o
progresso de suas deliberações. Se ele percebe alguma ambiguidade na situação
que é devido à inadequação de sua informação, ele sempre pode procurar
informações adicionais. Uma vez que ele reuniu as novas informações e determinou
a importância relativa de cada uma das considerações éticas concorrentes, ele
deve começar o processo de geração de opções comportamentais.

Ao gerar opções, o profissional retorna ao nível pragmático de aplicar o


código ético à situação concreta. A melhor opção será aquela que seja consistente
com a finalidade do valor ético mais fundamental relevante para a situação, mas
que não prejudica quaisquer outras considerações relevantes. Embora as opções
que reflitam cada uma das considerações conflitantes devam ser consideradas,
é extremamente importante lembrar que a solução que melhor serve o ponto de
cada uma das considerações concorrentes será, geralmente, uma solução criativa
que representa um afastamento das opções com base em considerações únicas
que geralmente orientam o pensamento das pessoas. O raciocínio prático deve
ser visto como uma atividade de resolução de problemas altamente criativa.

No entanto, às vezes ocorrem situações nas quais nenhuma das opções


parece ideal. Nessas circunstâncias, o princípio da não-maleficência torna-
se particularmente importante. Por exemplo, se não houver nenhuma opção
disponível que permita que um profissional ajude todos os envolvidos na
situação, existe pelo menos uma opção que o capacitará a ajudar a pessoa que
mais precisa de ajuda e ainda evitar causar danos a alguém? Ao gerar opções,
ele também deve sempre considerar a possibilidade de que o curso eticamente
mais apropriado seja não tomar nenhuma ação. Em algumas circunstâncias (por
exemplo, uma ameaça vaga contra alguém relatado como tendo sido feita por um
participante da pesquisa), esta opção pode ser mais consistente com o princípio
da falta da não-maleficência.

222
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

3.7 PASSO 7: ESTIMAR AS CONSEQUÊNCIAS DE CADA


OPÇÃO
Uma vez que um profissional gerou um menu de potenciais opções de
ação, ele deve estimar as consequências prováveis ​​de cada opção para cada
pessoa envolvida, utilizando qualquer evidência disponível para sustentar essas
estimativas. Embora tal estimativa seja extremamente difícil e nunca pode ser
feita com precisão absoluta (como foi discutido anteriormente em relação ao
utilitarismo), a probabilidade de resultados particulares é, no entanto, uma
consideração importante. Além disso, dadas as deliberações muito cuidadosas
envolvidas até este ponto no processo, ele provavelmente terá um senso bastante
claro das consequências prováveis ​​de uma determinada opção. Se não o fizer,
talvez seja necessária a coleta de mais informações. No mínimo, o exercício de
estimar as consequências das soluções que ele gerou diminuirá a probabilidade
de agir de forma impulsiva, sem ter levado devidamente em conta as implicações
potenciais de sua decisão para cada pessoa afetada. Ou seja, embora este processo
não revele qual opção é absolutamente correta, será muito improvável que ele vá
buscar uma opção eticamente inapropriada ou insensível.

3.8 PASSO 8: TOMAR UMA DECISÃO


Mesmo na situação mais complexa, considerações éticas conflitantes
exigem algum tipo de resolução. Se o tempo e as circunstâncias o permitirem,
um profissional pode cercar sua decisão um pouco mais, propondo sua solução
para um supervisor ou colega experiente antes de implementá-la. De fato, diante
de uma questão ética difícil, é sempre desejável aproveitar o máximo de tempo
possível para deliberar. Os maus juízos são muito mais prováveis ​​de ocorrer
quando um profissional está sob intensa pressão de tempo. Ainda assim, no
final, ele precisará agir. Embora ele geralmente não tenha certeza de que ele está
tomando o curso correto, seu grau de conforto na atuação será significativamente
maior se ele atendeu atentamente suas deliberações éticas e desenvolveu uma
justificativa sólida, bem-informada e racional para a ação que ele está tomando.

3.9 PASSO 9: DOCUMENTAR A JUSTIFICAÇÃO E O


PROCESSO DE TOMADA DE DECISÕES
Sempre que um profissional toma uma ação que reflete uma ou mais
considerações éticas, mesmo que não haja conflito ético, as ações tomadas e a
justificativa da decisão devem ser registradas. Documentar a decisão e o processo
de deliberações éticas será feito através de qualquer forma de manutenção de
registros apropriada ao contexto profissional (por exemplo, arquivo do cliente,
registro de pesquisa).

223
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

Em situações que envolvem um aparente conflito entre considerações


éticas (ou seja, questões de relevância) e em situações que representam dilemas
éticos genuínos, um profissional deve manter registros cuidadosos ao longo do
processo de suas deliberações, tanto para organizar seus pensamentos sobre o
assunto quanto para fornecer uma explicação permanente dos passos tomados
em suas tentativas para resolver o problema. É essencial que ele registre
cuidadosamente o raciocínio de sua ação. Ao lidar com um dilema particularmente
difícil, é provável que algumas pessoas não concordem com a decisão a que ele
chegou. É importante que ele seja capaz de documentar os cuidados que ele
tomou ao chegar a sua decisão e o fato de que ele estava ciente das considerações
relevantes, reuniu informações, consultou colegas etc., para que qualquer revisor
de sua decisão reconheça que ela agiu de boa fé, isto é, com base em deliberações
cuidadas e racionais.

O papel das Comissões de Ética de fiscalização profissional vinculadas aos


Conselhos Regionais e Federal de Psicologia, não esperam que os profissionais
tenham julgamento perfeito em questões éticas difíceis, mas elas esperam
que os profissionais demonstrem cuidados e preocupações adequados para
lidar com situações eticamente problemáticas. Geralmente, reconhece-se que
diferentes indivíduos, que possuem vários graus de experiência, podem diferir
em suas opiniões éticas (HAAS; MALOUF; MAYERSON, 1986). A negligência
não é atribuída a profissionais baseados simplesmente em uma diferença de
opinião em relação a uma questão ética. A negligência envolve um julgamento
de que o profissional agiu de modo impulsivo ou imprevisível, com aparente
desrespeito por importantes considerações éticas. Deliberações éticas cuidadosas,
refletidas com precisão na manutenção de registros oficiais, demonstrarão um
comportamento profissional apropriado.

224
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

TRADUÇÃO DO CÓDIGO DE ÉTICA DOS ACOMPANHANTES


TERAPÊUTICOS DESENVOLVIDO PELA ASSOCIAÇÃO DE
ACOMPANHANTES TERAPÊUTICOS DA REPÚBLICA ARGENTINA
(AATRA)
Associação de Acompanhantes Terapêuticos da República da Argentina
(AATRA)
Código de Ética

Ananda Kenney da Cunha Nascimento

Introdução

O código de ética da Associação dos Acompanhantes Terapêuticos da


República Argentina (AATRA) tem como propósito prover tanto princípios
gerais como padrões éticos orientados a situações com que podem se encontrar os
Acompanhantes Terapêuticos no exercício da sua profissão, estabelecendo assim
as regras de conduta profissional que hão de conduzir a sua prática.

Ele consiste em uma introdução, um preambulo, uma Declaração de
Princípios e uma seção de Regras de Ética Profissional.

A introdução expressa a intenção e o alcance da aplicação do Código de Ética.

O preâmbulo e a Declaração de Princípios constituem os objetivos desejáveis
que orientam os acompanhantes para os mais altos ideais do Acompanhamento
Terapêutico; expressam, assim, o espírito deste Código e, embora não sejam
regras obrigatórias, devem ser considerados prioritariamente já que constituem o
mesmo fundamento do ato ético dos acompanhantes terapêuticos.

As regras da Ética Profissional estabelecem regras de conduta profissional,


que expressam deverem que afetam todos os acompanhantes terapêuticos,
considerando que negligenciar estes deveres atenta contra os direitos dos
receptores destes serviços profissionais.

No processo de tomara de decisões relativas a sua conduta profissional,
os acompanhantes terapêuticos devem considerar este Código de Ética e o da
Organização na qual eles se encontram associados, além de leis existentes.

Se o Código de Ética estabelece um princípio superior ao exigido pela
lei ou as que poderiam emanar das Instituições em que presta seus serviços, o
acompanhante deve cumprir com o princípio ético mais elevado.

225
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

Em caso de contradição, ainda que parcial, entre dois bens protegidos,


os acompanhantes terapêuticos procederão sempre pelo critério ético de optar
pelo que ocupar o lugar mais alto na escala de classificação. Se uma pergunta não
pode ser resolvida pelo presente Código, nem pelo Código de Ética do Colégio ou
Associação a que pertencem, os acompanhantes terapêuticos deverão considerar
outras instancias de consulta, especificamente adequadas e representativas.

Embora este Código não substitua os Códigos de Ética de outras


Organizações que puderem estar ligados os associados à AATRA, entende-se que
é conveniente que no caso de que um acompanhante terapêutico seja sancionado
por faltas éticas na Organização a que pertence, a sanção é comunicada, para
que elas tomem conhecimento e atuem segundo os princípios decorrentes do
presente código.

Preâmbulo

Os acompanhantes terapêuticos nucleados na Associação de


Acompanhantes Terapêuticos da República Argentina (AATRA) se comprometem
em exercer sua profissão guiada pelos princípios e regras de ação contidas neste
Código de Ética.

Propiciam para o ser humano e para a sociedade em que estão imersos, a
plena vigência dos direitos humanos, a defesa do sistema democrático, a busca
constante pela liberdade, a justiça social e a dignidade, como valores fundamentais
que se traduzam em um homem e uma sociedade protagonista, crítica e solidária.

Entendem bem-estar psíquico como um dos Direitos Humanos


fundamentais e trabalham de acordo com o ideal social de promover todos
igualmente, no maior nível de qualidade possível e com o único limite que a ética
e a ciência estabelecem.

Entendem que é responsabilidade individual de cada acompanhante
aspirar e alcançar ele mesmo e promover em seus colegas uma atitude responsável,
lúcida e comprometida frente ao ser humano concreto e suas condições.

Não consentem nem participam deliberadamente de práticas


discriminatórias.

Propiciam a harmonia entre os colegas, mas concordam que o sentimento


de solidariedade profissional não pode endossar ou ocultar erros, faltas éticas,
crimes ou infrações penais praticadas por outros na prestação dos serviços
profissionais.Declaração de Princípios

226
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

O Código de Ética da Associação de Acompanhantes Terapêuticos


da República da Argentina (AATRA) aprovou os seguintes princípios gerais,
aprovado pelos países membros e associação do Mercosul, na cidade de Santiago
de Chile, 7 de novembro de 1997:

A. Respeito pelos Direitos e a Dignidade das Pessoas. Os acompanhantes


terapêuticos se comprometem a assegurar os princípios estabelecidos
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, guardarão
o devido respeito pelos direitos fundamentais, a dignidade e o valor
de todas as pessoas, e não participarão em práticas discriminatórias.
Respeitarão o direito dos indivíduos à privacidade, confidencialidade,
autodeterminação e autonomia.
B. Competição. Os acompanhantes terapêuticos se comprometem a assumir
níveis elevados de experiencia em seu trabalho. Também reconhecem
os limites de suas competências individuais e as limitações do seu
conhecimento. Proverão apenas aqueles serviços e técnicas para as quais
estão autorizadas pela sua formação academia, capacitação ou experiência.
Levarão em conta que as competências que são necessárias para a
assistência, o ensino, e/ou os estudos de grupos humanos, variam de
acordo com a diversidade de tais grupos.
Os acompanhantes terapêuticos se manterão atualizados no conhecimento
científico e profissional, relacionado com a sua prática, reconhecendo
a necessidade de uma educação contínua. Além disso, farão um uso
adequado dos recursos científicos profissionais técnicos e administrativos.
C. Compromisso Profissional e Científico. Os acompanhantes terapêuticos
se comprometem a promover o acompanhamento terapêutico enquanto
saber científico. Em seu trabalho, assumirão suas responsabilidades
profissionais, através do constante desenvolvimento pessoal, científico,
técnico e ético.
D. Integridade. Os acompanhantes terapêuticos se comprometem a
promover a integridade do esforço científico, acadêmico e da prática
do acompanhamento terapêutico. Ao informar sobre seus antecedentes
profissionais e curriculares, seus serviços, taxas, investigações ou docência
não farão declarações falsas ou enganosas. Esforçar-se-ão para ser
extremamente cautelosos frente às noções que degeneram em rotulações
de desvalorização ou discriminatórias. Também se esforçarão em ser
conscientes de seus sistemas de crenças, valores, necessidades e limitações
e do efeito que estes têm no seu trabalho.
Em suas ações científicas profissional esclarecerão às partes sobre suas
os papéis que estão desempenhando e funcionarão segundo esses
mesmos papéis.
E. A Responsabilidade social. Os acompanhantes terapêuticos se
comprometem a assumir sua responsabilidade profissional e científica para

227
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>

a comunidade e a sociedade em que trabalham e vivem. Este compromisso


é coerente com o exercício das suas potencialidades analíticas, criativas,
educativas, críticas e transformadoras. Os acompanhantes terapêuticos
exercem seu compromisso social através do estudo da realidade e promovem
e/ou facilitam o desenvolvimento de leis e políticas sociais que apontem,
desde sua especificidade profissional a criar condições que contribuam para
o bem-estar e desenvolvimento do individuo e da comunidade.

Regras Éticas

A maioria das regras foi formulada em termos gerais, de modo que


possam se adequar a diferentes situações regionais e ser aplicadas a todos os
acompanhantes terapêuticos, independentemente do domínio profissional em que
desempenham o seu trabalho, podendo a aplicação de uma regra variar de acordo
com o contexto. As regras estabelecidas neste Código devem ser consideradas
como diretrizes gerais, embora não exaustivas, não implicam a negação de outras
especificadas, que podem resultar do exercício profissional consciente e digno.
A ausência de disposições expressas não deve ser interpretada como admissão
de práticas e atos incompatíveis com a vigência dos princípios enunciados, pelo
contrário, confrontados com esta situação, os acompanhantes terapêuticos devem
se conduzir de maneira coerente com o espírito deste Código.

Art. 1 – As disposições do presente Código de Ética serão de aplicação


a todo associado à Associação de Acompanhantes Terapêuticos da República
Argentina (AATRA); seja para exercer a sua profissão de forma independente ou
em relação de dependência, no âmbito público ou privado, que deverão respeitar
este código com suas normas substantivas e procedimentos, quando está em vigor.
a) O conhecimento deste código é obrigatório e sob nenhuma circunstância se
poderá alegar seu desconhecimento.
b) Toda a legislação profissional é de ordem pública e, portanto, de cumprimento
obrigatório. Em consequência, a conduta profissional do acompanhante
terapêutico está submetida às disposições do presente código.

Deveres Fundamentais do Acompanhante Terapêutico

Art. 2 – O acompanhante terapêutico se guiará em sua prática profissional


pelos princípios de responsabilidade, competência, independentemente de
qualquer tipo de discriminação.
Art. 3 – O acompanhante terapêutico deve se abster de participar ativa
ou passivamente em qualquer ação ou forma de tortura, tratamento cruel,
desumanos ou degradantes, e de todo tipo de pressão ilegal que prejudique os
direitos humanos reconhecidos mundialmente, encorajando-os encobri-los ou
tentar cometê-los.
Art. 4 – O acompanhante terapêutico deverá abster-se de estabelecer
relações terapêuticas com pessoas que tenham com ele vínculos de autoridade,

228
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

familiaridade, ou de estreita intimidade, devendo em todos os casos restringir


sua relação à área estritamente profissional, a menos que a técnica a empregar
não afete nem seja afetada por esses tipos de vínculos.
Art. 5 – Em caso de tratar menores de idade, o acompanhante terapêutico
deverá obter consentimento de seus pais, tutores ou representantes legais. Só
atuará sem ele quando razões de urgência assim o exigirem, caso em que se
recomenda a opinião a atuar conjuntamente com um profissional.
Art. 6 – Nenhum acompanhante terapêutico emprestará seu nome a
pessoas não autorizadas pela autoridade competente para exercer a profissão, nem
colaborar com acompanhante terapêuticos desqualificados ou não habilitados.
Art. 7 – O acompanhante terapêutico não poderá delegar funções
específicas da profissão a pessoas legalmente não habilitadas.
Art. 8 – Todo ato que seja feito de maneira pressionada e deficiente com
o objetivo de cumprir com a obrigação administrativa ou por motivos pessoais,
constitui um desacordo com a conduta ética.

Deveres Inerentes ao Exercício Profissional

Art. 9 – O acompanhante terapêutico assistirá os pacientes, a pedido


de um profissional ou um membro da família, em que neste último caso estará
obrigado a consultar a quem trate o paciente, para orientar o trabalho de
acompanhamento e a supervisionar o trabalho com um diretor de tratamento
ou coordenador da equipe de saúde. Deverá abster-se de intervir naqueles
casos em que não houver terapeuta, coordenador ou profissionais responsáveis
pelo tratamento. Isto porque, o entendimento do exercício profissional do
acompanhamento terapêutico constitui um trabalho auxiliar e complementar aos
dispositivos assistenciais.

Art. 10 – O acompanhante terapêutico deve procurar assegurar que


os pacientes apreciem do princípio da liberdade de escolha do acompanhante
terapêutico.
Art. 11 – Em seu exercício profissional de acompanhante terapêutico,
deve estabelecer e comunicar os objetivos, métodos e procedimentos que utiliza,
assim como seus custos e honorários de trabalho.
Art. 12 – O acompanhante terapêutico, deixando seu trabalho profissional,
tem a responsabilidade de concluir a tarefa que realiza ou, se na sua falta, delegar de
forma competente, de modo que a mesma possa ser continuada satisfatoriamente
por outro colega.
Art. 13 – É dever do acompanhante terapêutico respeitar a vontade do
cliente quando este se recusa a prosseguir sob seus cuidados. Neste caso, o
acompanhante pode fazer um documento, informando os riscos de descontinuar
o acompanhamento que deve ser assinado pelo paciente e família.
Art.14 – É responsabilidade inerente ao exercício profissional relacionado
ao acompanhante terapêutico:

229
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO

a) A atualização periódica e permanente dos seus conhecimentos como garantia


de responsabilidade e experiencia que contribua para o prestígio da prática.
b) A supervisão do trabalho realizado periodicamente.
c) Sugere-se que o acompanhante passe pela experiencia da psicoterapia pessoal
como garantia do serviço prestado.

Art. 15 – É inconveniente realizar publicações com referências técnicas


ou procedimentos pessoais em meios de difusão não especializados, sem que,
previamente, não tenham sido submetidas à consideração em seu âmbito específico.
Art. 16 – As declarações ou opiniões do acompanhante terapêutico
devem fazer relação a sua prática, com o intuito de informar ao público e
deverão surgir sempre com rigor científico, sem prejuízo de se adequar ao nível
adequado de comunicação.

Sigilo Profissional

Art. 17 – Entende-se por sigilo profissional aquilo que não é ético ou lícito
revelar sem causa justa, com base nas relações clínicas ou de consulta sobre os
pacientes, suas famílias ou instituições.
Art. 18 – No caso de um trabalho profissional em equipe, sobretudo aos
membros desta, pesa a obrigação de sigilo profissional.
Art. 19 – O dever de sigilo profissional mantém-se mesmo após o fim da
relação com o cliente.
Art. 20 – Os acompanhantes terapêuticos não devem usar a seu favor
as confidencias recebidas no exercício da sua profissão, a menos que tenham o
consentimento expresso dos interessados.
Art. 21 – Os acompanhantes terapêuticos têm a obrigação fundamental de
respeitar os direitos de privacidade das pessoas com quem trabalham ou consultam.
Art. 22 – Os acompanhantes terapêuticos devem minimizar intrusões na
privacidade, especialmente quando se trabalha na casa dos pacientes.
Art. 23 – Limites do sigilo profissional:
a) A informação abrangida pelo sigilo profissional só poderá ser transmitida
para evitar um risco grave que possa expor a pessoa atendida ou terceiros.
Em todo caso, só se poderá entregar às pessoas qualificadas a informação
que, a julgamento do associado atuante, pareça estritamente necessária para
cumprir o referido objetivo.
b) Os relatórios escritos ou verbais sobre pessoas, instituições ou grupos
deverão excluir os registros amparados pelo sigilo profissional, e serão
fornecidos apenas em casos necessários, quando, de acordo com rigorosos
critérios do profissional interveniente, constituam elementos inevitáveis
para elaborar o relatório.
c) A informação dada aos pais e/ou outros, por exemplo, para instituições que
tenham requerido, deve ser feita de modo que não condicione o futuro do

230
TÓPICO 3 — UM MODELO DO PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

paciente ou possa ser utilizada contra ele.


d) Tudo relativo ao sigilo profissional deve se cumprir igualmente em todos os
âmbitos e em todo tipo de benefícios.
O Comitê de Ética, direta e sumariamente, determinará em seu caso se existe
ou não violação de sigilo profissional.

Deveres Relativos aos seus Colegas e a AATRA

Art. 24 – As relações entre os acompanhantes terapêuticos devem


estar inspiradas no respeito mútuo, a competição saudável, a solidariedade
profissional e a cooperação.
Art. 25 – O acompanhante terapêutico deve ser solidário com seus colegas
com independência das várias escolas, correntes ou métodos utilizados, tendo em
conta que todos tem como objetivo comum o cuidado da saúde da população e
compartilham a responsabilidade do constante progresso da ciência.
Art. 26 – Não é ético difamar, caluniar ou prejudicar um colega por
qualquer meio. Assim como deve ser respeitoso para com o trabalho e a ideologia
da equipe responsável pelo paciente.
Art. 27 – Quando um acompanhante terapêutico recebe a responsabilida-
de de um trabalho que foi anteriormente atendido por um colega, este deverá for-
necer todas as informações que lhe seja solicitada, sem prejudicar o cumprimento
dos deveres estabelecidos referentes ao sigilo profissional.
Art. 28 – As relações entre o acompanhante terapêutico e sua associação
devem se basear nos princípios de respeito, responsabilidade, respeito e
lealdade mútua.
Art. 29 – O acompanhante terapêutico deve contribuir para o prestígio e
progresso da profissão colaborando com a Associação no desenvolvimento de
sua missão. Deve comparecer às reuniões da associação e votar quando for o caso.
Art. 30 – As taxas serão estabelecidas convencionalmente sem que possam
ser inferiores aos deverem profissionais mínimos sugeridos pela AATRA.
Art. 31 – O acompanhante terapêutico deve cumprir pontual e
espontaneamente com o pagamento de taxas e contribuições sociais que sejam
requeridas pela AATRA.
Art. 32 – Os associados deverão expressar críticas que considerem
relevantes e promover a autocrítica como prática de superação dos problemas
internos que são implementados, não devendo, portanto, formular publicamente
opiniões que minem seu prestígio.
Art. 33 – Nas publicações que sejam produto de um trabalho
compartilhado, deverão incluir os nomes de todos os participantes e determinar
o seu grau de responsabilidade e colaboração.
Art. 34 – Não é ético expor ou publicar como se fossem suas, ideias que
não sejam de própria autoria ou dados em que não tenha intervindo na coleta,
sem citar claramente a fonte ou o autor.
Direitos do Acompanhante Terapêutico

231
UNIDADE 3 — FUNDAMENTOS ÉTICOS DA PRÁTICA DE ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTIC>


Art. 35 – O acompanhante terapêutico não devera acatar instruções
emanadas de seus empregadores quando os obriguem a violar os princípios
ou regras da ética profissional. Em caso de conflito entre os procedimentos
institucionais e interesses das pessoas visadas pelo serviço, o acompanhante
terapêutico deve escolher por defender estes últimos.
Art. 36 – A menos que haja uma restrição legal, regulamentária ou
contratual, o acompanhante terapêutico poderá utilizar para trabalhos científicos
os dados recolhidos ou elaborados dentro da instituição em que trabalha,
protegendo a privacidade da informação.

Sanções Disciplinares

Art. 37 – A violação dos deveres e obrigações contidos nesse Código de


Ética, será sancionada disciplinarmente, pelo Comitê de Ética da Associação de
Acompanhantes Terapêuticos da República Argentina.
Art. 38 – O acompanhante terapêutico está obrigado a colaborar nas
investigações que o Comitê de Ética disponha e a ser verdadeiro em suas
intervenções. Deve proporcionar ao Comitê de Ética, quando necessário ou
apropriado, o relatório explicativo sobre sua pessoa ou atividade profissional.
Art. 39 – As sanções disciplinares serão graduais, desde as consideradas
leves às mais grave; correspondente ao Comitê de Ética estabelecer, em cada caso,
a sanção disciplinar a ser aplicada.
Art. 40 – Considera-se a máxima sanção disciplinar a expulsão da Associação.

FONTE: Adaptado de NASCIMENTO, A. K. da C. Implicações da ação clínica dos acompanhan-


tes terapêuticos nas redes sociais da cidade do Recife – PE. 2012. 127 f. Dissertação (Mestrado
em Psicologia Clínica) – Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2012. Disponível em:
http://tede2.unicap.br:8080/handle/tede/173. Acesso em: 30 jul. 2021.

232
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Duas principais deficiências dos códigos éticos profissionais são: (a) que
os códigos não podem fornecer orientação específica sobre o curso de ação
eticamente apropriado em cada circunstância que um profissional possa
enfrentar e (b) que os códigos não fornecem um método para resolver situações
nas quais dois ou mais princípios éticos codificados parecem entrar em conflito.

• O modelo de tomada de decisão ética apresentado neste tópico fornece aos


profissionais de saúde mental uma estrutura de raciocínio mais eficaz ao tentar
resolver problemas éticos complexos.

• Empregar este modelo aumentará a sensibilidade dos profissionais à presença


de múltiplas considerações éticas em situações que surjam no decorrer de sua
atividade profissional.

• O modelo não só ajudará os profissionais a resolver conflitos éticos, mas


também os permitirá prever e evitar potenciais conflitos que, de outra forma,
poderiam atrapalhá-los.

• A premissa fundamental subjacente a este modelo é que a complexidade ética de


uma situação deve ser avaliada inicialmente, então continuamente reavaliada à
luz das novas informações obtidas e do progresso das deliberações de decisão.

• Cada vez que as considerações éticas envolvidas na situação são avaliadas, o


profissional deve determinar se existe um conflito.

• Se não houver conflito, ele deve tomar uma decisão sobre um curso de ação. Se
existe um conflito, ele deve passar por etapas adicionais envolvendo a coleta de
informações e a realização de deliberações metaéticas.

• Este processo permitirá que ele gere opções viáveis, estimar as consequências
prováveis ​​de cada opção e chegar a uma decisão, que ele terá documentado
como sendo a alternativa mais racional disponível no caso.

233
CHAMADA

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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

234
AUTOATIVIDADE

1 Vários outros interessados ​​no treinamento de ética nas profissões de saúde


mental reconheceram o valor de fornecer aos alunos e profissionais um
modelo que descreva as etapas apropriadas para abordar questões éticas
complexas e na resolução de conflitos éticos, por exemplo, K. S. Kitchener
(1984), Koocher e Keith-Spiegel (2008), Francis (2004). Sobre o modelo
apresentado, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O modelo a ser apresentado não fornece um método que os profissionais


podem usar para organizar seu pensamento sobre considerações éticas
e não auxilia a identificar e resolver dilemas éticos.
b) ( ) O modelo apresenta respostas aos problemas éticos, permitindo a
padronização do que os profissionais devem fazer em um determinado
conjunto de circunstâncias, sem necessidade de tomar uma decisão.
c) ( ) A lealdade a um princípio ético profissional (por exemplo,
confidencialidade) deve ser substituída apenas por outra consideração
ética de que um profissional determina ser uma obrigação ética mais
poderosa e fundamental em uma circunstância particular.
d) ( ) Em situações que envolvem considerações éticas aparentemente
conflitantes, um profissional ético deve tentar resolver o conflito
aparente de forma intuitiva.

2 Podemos dizer que o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP,


2005) afirma em sua apresentação que a eficácia dos padrões éticos exige
um compromisso pessoal com um esforço vital para agir de forma ética. O
desenvolvimento de habilidades de raciocínio prático é um aspecto essencial
desse compromisso porque um profissional deve ser capaz de fornecer
uma justificativa moral racional para suas decisões em casos envolvendo
um aparente conflito ético. Com base nos 9 passos apresentados, analise as
sentenças a seguir:

I- Tenha em mente que a tarefa de avaliar a presença potencial de


considerações éticas não é concluída quando o profissional identificou
um princípio que parece ser importante para a situação. Ao concentrar
sua atenção de forma restrita em um princípio, um profissional
frequentemente ignorará, e talvez violará, outros princípios relevantes.  
II- Os valores pessoais do profissional não são capazes de prejudicar sua
percepção de uma situação e fazer com que ele favoreça um determinado
curso de ação ou dê um peso indevido a uma das considerações éticas
concorrentes.
III- Sempre que um profissional toma uma ação que reflete uma ou mais
considerações éticas, mesmo que não haja conflito ético, as ações tomadas
e a justificativa da decisão devem ser registradas.

235
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.


b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

3 Os códigos de ética das profissões de saúde mental não fornecem um


método para resolver tais dilemas éticos. Como resultado, os profissionais
têm pouca orientação além dos seus valores éticos pessoais para se referir
ao decidir o que fazer. De acordo com as principais deficiências dos códigos
de ética, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Eles oferecem princípios gerais para orientar a conduta profissional, com


alguns padrões e proibições específicas, mas os códigos éticos não podem
fornecer orientação sobre todas as diferentes circunstâncias que surgem
na prática de uma profissão de saúde mental. 
( ) Geralmente os profissionais sentem-se confortáveis ​​com o curso de ação
que eles selecionam porque sempre é possível agir de acordo com todos
os princípios éticos envolvidos na situação.
( ) Os códigos de ética das profissões de saúde mental não fornecem um
método para resolver tais dilemas éticos. Como resultado, os profissionais
têm pouca orientação além dos seus valores éticos pessoais para se referir
ao decidir o que fazer.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.

4 Descreva, na ordem correta, os passos do processo de tomada de decisão


ética proposto no modelo deste tópico.

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