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Uma metamorfose na Arte: do figurativo ao

contemporâneo

Heitor Andrade Amorim1


Margarete Sacht Góes2

Resumo
O presente estudo busca abordar o desenvolvimento da arte, do período figurativo ao
contemporâneo, a partir do recorte histórico de trabalhos de artistas como Frans Post, Tarsila
do Amaral, Kazimir Malevich, Liubov Popova, Lygia Pape e Lygia Clark. Fundamenta
teoricamente sua discussão em Barbosa (2003), Canton (2009), Archer (2001) e Iavelberg
(2018). Finaliza discutindo a perspectiva da Arte Contemporânea no contexto da Educação
Infantil, destacando a sensorialidade e a estesia como pontos fulcrais a serem experienciados
com crianças pequenas.

Palavras chaves: Arte Contemporânea. Ensino da Arte. Sensorialidade. Crianças.

Abstract:
The present study seeks to approach the development of art from the figurative to the
contemporary period from the historical cutting from artists`Works such as Frans Post, Tarsila
do Amaral, Kazimir Malevich, Liubov Popova, Lygia Pape and Lygia Clark. He bases his
discussion theoretically on Barbosa (2003), Canton (2009), Archer (2001) and Iavelberg
(2018). It concludes by discussing the perspective of Contemporary Art in the context of
Early Childhood Education highlighting sensoriality and esthetics as key points to be
experienced with young children.

Keywords: Contemporary Art. Teaching of Art. Sensoriality. Children.

1
Estudante do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. E-mail:
<[email protected]>
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. E-mail:<[email protected]>
10

Introdução
O plano de atividades intitulado Uma metamorfose na arte: do figurativo ao
contemporâneo, ocorreu em quatro aulas de aproximadamente trinta minutos cada. Teve
como motivação o tema animais, que estava sendo abordado pelo grupo 5 de um Centro de
Educação Infantil, da cidade de Vitória, no Espírito Santo.
Pelo fato de as crianças estarem estudando a metamorfose dos animais, optamos por
abordar o desenvolvimento da arte, do período figurativo ao contemporâneo, tendo como
recorte algumas obras do século XVII de Frans Post, passando pelo modernismo, pela arte
abstrata, até chegar ao contemporâneo. Para isso utilizamos os trabalhos dos artistas: Tarsila
do Amaral, Kazimir Malevich, Liubov Popova, Lygia Pape e Lygia Clark. Tendo esta última,
o recorte voltado para a sensorialidade no que tange à Arte Contemporânea.
Levar abordagens e discussões em Arte foi um ponto relevante na concepção do projeto,
visto que também possuímos como finalidade a nutrição artística das crianças e dos
profissionais envolvidos no grupo cujos integrantes eram formados em Pedagogia.
Nesse sentido, organizamos o nosso texto em três partes. Após esta introdução, faremos
uma revisão de literatura, abordando aspectos importantes da Arte Moderna e da Arte
Contemporânea no contexto do ensino da Arte no Brasil. Entretanto, voltaremos nossas
discussões para o contexto das crianças pequenas. Em seguida, discorreremos sobre a nossa
experiência na disciplina de Estágio Curricular na Educação Infantil, no qual desenvolvemos
nosso projeto e vivenciamos experiências únicas com as crianças da Educação Infantil. Por
fim, traremos nossas considerações finais.

Metamorfoseando: do figurativo ao contemporâneo

Metamorfose vem do grego metábole, que significa mudança, transformação. É nesse


contexto de mudança, que a Arte Contemporânea vai se inserindo nos espaços escolares e
extraescolares. De acordo com Canton (2009), a Arte mistura “[...] cada vez mais questões
artísticas, estéticas e conceituais aos meandros do cotidiano, em todas as instâncias: o corpo, a
política, a ecologia, a ética, as imagens geradas na mídia etc.” (CANTON, 2009, p. 9) e se
aproxima cada vez mais de todas as pessoas. A autora nos ajuda a pensar nos sentidos da Arte,
provocando-nos a perceber a obviedade dos objetos por outra ótica e levando-nos a criar
diferentes possibilidades de sensibilização e libertação das ideias preconcebidas.
Pró-Discente: Caderno de Produção Acadêmico-Científica (ISSN: 1676-840X). Programa de Pós-Graduação em
Educação, Vitória-ES, v. Esp., n. 1, p. 9-24, Edição Especial, 2019.
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Entretanto, para compreendermos os sentidos da Arte a partir de uma concepção mais


contemporânea, é preciso pensarmos nos processos de transformação pelos quais ela passou.
Façamos, então, uma breve digressão na história para podermos entender o presente.
Voltamos à segunda metade do século XIX, momento em que a Arte Moderna adotava o
termo avant-garde, “[...] estar “à frente”, isto é, fazer algo novo, e a noção de “guarda”, que
se liga à luta, à ruptura” (CANTON, 2009. p. 18), para demarcar suas ações, pois aliada às
transformações do seu tempo buscava uma aproximação do artista com os processos
histórico-culturais, produzindo então, obras originais que rompessem com o status quo. Era
preciso que a “[...] Arte se tornasse tão inovadora e radical quanto a vida” (CANTON, 2009,
p. 19).
Surge no meio artístico diferentes experiências envolvendo a luz natural, as impressões
pessoais, a construção das formas, o movimento, a abstração, entre outros elementos,
experiências que buscavam nos desenhos infantis a inspiração para criar e transformar o olhar,
que se voltava também para a criança e a arte infantil.
Nesse período, as ideias modernistas aliadas às ideias da Escola Renovada
desconstruíram a noção do papel passivo da criança. Coadunando com esses ideais, o
arte/educador Viktor Lowenfeld (1903-1960) advoga pela “[...] livre expressão artística e o
desenvolvimento do potencial criador das crianças, aspectos por ele considerados forças
naturais que devem ter espaços na sociedade para desabrochar como direito, sem
impedimentos ou julgamentos estéticos dos adultos” (IAVELBERG, 2018, p. 76).
No contexto brasileiro, os artistas se uniram e renovaram a linguagem artística, pois

[...] O que os unia era a vontade de criar um modo de pintar e esculpir que se
libertasse da maneira realista e clássica ensinada na Escola de Belas-Artes e
explorasse ingredientes brasileiros, com cores, luminosidade, paisagens e
personagens do país. Cada uma fazia isso à sua maneira (CANTON, 2009, p.
33).

Essa busca dos artistas modernistas pela liberdade de expressão reverberou na relação
dos arte/educadores com as crianças, porque se compreendia a arte infantil como
autoexpressão que possuía um fim em si mesma e que encerrava as crianças em fases ou
etapas de desenvolvimento.
Compreendemos a grande contribuição dos arte/educadores modernistas, que
conseguiram dar visibilidade à produção artística das crianças, entretanto, fundamentados em
uma perspectiva histórico-cultural, aproximamo-nos do pensamento da Arte Contemporânea

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para pensar as crianças e a Arte por meio de um trabalho que busca vivências e experiências
estésicas.
Como todo processo de transformação, essas concepções foram desconstruídas a partir
de autores que adotam a perspectiva Histórico-cultural no campo da Psicologia. Neste
trabalho, fundamentamo-nos em Vigotski (2010), pois ele nos ajuda a pensar as relações que
as crianças estabelecem com as diferentes formas de linguagem, bem como a complexidade
existente no processo de apropriação de conhecimentos histórico-culturais. Nos aproximamos
então, da Arte concreta brasileira.

O concretismo na arte é a promessa de construção do novo, pois prega uma


arte democrática, acessível a todos, em sua simplicidade e objetividade.
Prega uma linguagem universal, livre de contextos específicos e do excesso
de subjetividade e emotividade. Os artistas concretos buscam uma arte que
substitui a expressão emocional pela noção de pensamento, de construção
mental (CANTON, 2009, p. 43).

Buscamos assim uma arte que dialogue com a vida das crianças, com suas vivências e
experiências concretas, trazendo o “[...] corpo como algo vivo, integrado às experiências dos
sentidos” (CANTON, 2009, p. 44), levando-as a se apropriarem diretamente da produção
artística contemporânea por meio das diferentes linguagens.
Destarte, poderíamos inferir que na Educação Infantil isso já acontece, haja vista que os
próprios documentos orientadores compreendem a importância de se trabalhar todas as
linguagens de forma imbricada. Porém, o que vemos, é um misto de ideias e de concepções
teóricas que se fundamentam em práticas que se alternam, pois ora são modernistas, voltadas
para a livre expressão, e ora são tradicionais, com a utilização de desenhos fotocopiados e
atividades sem propósitos de aprendizagem e significação artística.
Compreendemos que é preciso discutir com os Arte/Educadores que trabalham
especificamente com essa faixa etária o que significa fazer Arte na Educação Infantil a partir
de uma perspectiva contemporânea, na qual as crianças são sujeitos de direito, que têm muito
a nos dizer e a nos ensinar. Segundo Archer (2001, p. IX),

[...] Hoje existem poucas técnicas e métodos de trabalho, se é que existem,


que podem garantir ao objeto acabado a sua aceitação como arte.
Inversamente, parece, com frequência, que pouco se pode fazer para impedir
que mesmo o resultado das atividades mais mundanas seja erroneamente
compreendido como arte (ARCHER, 2001, p. IX).

Concordamos com Archer (2001), por entendermos que, pelo fato da arte
contemporânea ter se tornado muito experimental, houve um certo distanciamento entre essa

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produção artística e o público em geral, e nesse sentido, inserimos os Arte/Educadores que,


diante da realidade de ser um professor no nosso país, muita das vezes repetem “técnicas e
métodos de trabalho”, misturando teorias e tornando o ensino da arte inacessível ou distante
da realidade das crianças.
Para o teórico Fernando Cocchiarale “[...] a arte contemporânea pode estar em vários
lugares simultaneamente desempenhando funções diferentes. Mas, o principal de tudo isso são
os novos tipos de relação que ela nos faz estabelecer” (COCCHIARALE, 2006, p. 66)
Foram essas relações que buscamos ao trabalhar com as crianças os artistas Frans Post,
Tarsila do Amaral, Kazimir Malevich, Liubov Popova, Lygia Pape e Lygia Clark, a partir da
proposta triangular, de Ana Mae Barbosa (2003), pois nessa perspectiva, aproximamos o
cotidiano das crianças ao ensino da arte, criando possibilidades para a criação, fruição e
contextualização das obras de Arte, com propostas educativas contemporâneas e sensíveis à
vida das crianças pequenas.

O projeto
O projeto teve como base a leitura de imagens, presente em todas as atividades por meio
das rodas de conversa. Iniciamos as atividades com o intuito de aumentar o repertório
imagético das crianças e propiciar um momento de sensibilização do olhar e expressão através
da fala. Entretanto, nos propusemos ainda a apresentar, de forma sucinta, um recorte da
historicidade da arte, experienciando momentos de pintura, composição e cor, lançando mão
de recursos como a colagem e abstração, além de explorar sensorialidade e a estesia, aspectos
fundamentais para trabalharmos o ensino da Arte com crianças pequenas.
Assim, as atividades foram divididas da seguinte forma: a primeira aula abordou a
leitura de imagens apresentando o recorte histórico proposto; a segunda, a produção de
pintura em telas individuais, fazendo a leitura de imagens dos trabalhos de Frans Post e
Tarsila do Amaral; a terceira aula foi marcada pela discussão da abstração, através da leitura
de imagens de Kazimir Malevich, Liubov Popova e Lygia Pape, seguida de fazer artístico
abstrato com colagens de formas geométricas; e por fim, para a arte contemporânea, houve a
exploração da sensorialidade, utilizando máscaras baseadas nas Máscaras sensoriais de Lygia
Clark. A finalização do plano foi marcada por uma avaliação realizada através de uma roda de
conversa, em que as crianças e a professora regente puderam expressar suas opiniões sobre a
experiência proporcionada pelo plano proposto.
Nessa perspectiva, realizamos a primeira intervenção no dia 10 de maio de 2018, e a
atividade proposta foi fazer leitura de imagens, tendo como tema a história da arte. Por meio
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de uma roda de conversa (Figuras 1 e 2), foi apresentado às crianças um recorte sucinto da
passagem do figurativo para o contemporâneo na historicidade da arte. Exercitando a leitura
de imagens e a verbalização.

Figuras 1 e 2: Roda de conversa

Fonte: Do autor

Na roda de leitura de imagens utilizamos, a fim de representar a arte figurativa, as


seguintes obras do o holandês Frans Post: O rio São Francisco - óleo s/ tela, 60 x 95 cm,
1635 (Figura 3), duas aquarelas, uma retratando uma Capivara - aquarela ou guache s/ papel
(Figuras 4) e a outra um Jaguar - aquarela ou guache s/ papel (Figuras 5). A escolha do artista
e das obras teve o intuito de dialogar com o tema que estava sendo abordado nas aulas
naquele período, animais.

Figura 3: O Rio São Francisco Figura 4: Capivara Figura 5: Jaguar

Fonte: www.google.com

Nessa mesma perspectiva seguiu-se a próxima seleção, passando pelo período


modernista brasileiro, com Tarsila do Amaral e as obras Sol poente - 1929, óleo s/ tela, 64 x
62 cm (Figura 6) e O touro, 1928, óleo s/ tela (Figura 7). A paisagem de Sol poente estabelece
uma conexão com o tema ao trazer elementos presentes em O rio São Francisco, e a liberdade
no uso da cor e da forma tocante ao período, permite ainda fazer a passagem para o abstrato
geométrico.

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Figura 6: O Sol poente Figura 7: O Touro

Fonte: www.google.com Fonte: www.google.com

Para essa transição utilizamos as árvores (cilindros verticais) de O touro, presentes nas
pinturas abstratas de Lygia Pape, Pintura em laranja e azul,1955 - 1956, esmalte e têmpera s/
madeira, 40 x 40 x 3 cm, e a obra Sem título, de 1954 - 1956 (Figuras 8 e 9).

Figura 8: Pintura em laranja e azul Figura 9: Sem título

Fonte: www.google.com Fonte: www.google.com

Para o elo entre Lygia Pape e Lygia Clark, reproduzimos o fragmento Luz do Livro da
criação - 1959 (Figura 10), em cartolina amarela e papel paraná. Abordando a
tridimensionalidade e a interação com o expectador, chegamos assim, às máscaras sensoriais
de Lygia Clark (Figura 11). Esta foi exemplificada através de uma “reprodução” do trabalho,
podendo ser vestida e experienciada pelas crianças.

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Figura 10: Luz do Livro da criação Figura 11: Máscaras sensoriais

Fonte: www.google.com Fonte: Lygia Clark: uma retrospectiva do Itaú Cultural

Nesse contexto, a primeira atividade foi realizada no início da rotina escolar, a


intervenção ocorreu de forma tranquila e, como o planejado, as crianças fizeram a leitura de
imagens e, na sequência, a discussão que as envolviam. A professora regente nos deu muita
autonomia para a realização da atividade, ao comunicar às crianças que ministraríamos as
aulas de Arte, e também, nos momentos de interação com os objetos (reprodução da Luz e da
máscara).
As crianças demonstraram empolgação na interação com os objetos (Figuras 12, 13 e
14), perguntaram bastante sobre a máscara, quando avisadas que teriam um dia só para
experimentação, deram sugestões de como poderiam ser as máscaras e se mostraram ansiosas
para tal momento.

Figuras 12, 14 e 14: Experimentando a máscara sensorial

Fonte: Do Autor

Na segunda intervenção, para abordarmos o figurativo, trouxemos como proposta a


pintura em tela, sendo esta individual, nas dimensões 20 x 30 cm e a tinta guache. A
atividade, realizada no dia 17 de maio de 2018, teve seu início com uma breve recordação da

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atividade anterior, com a exibição das obras de Frans Post e Tarsila do Amaral, seguida da
orientação da atividade prática, que era pintar um bicho/animal na tela (Figura 15).

Figura 15: Processo de pintura da tela

Fonte: Do Autor

No que se refere a logística da atividade, o tempo estipulado para ações prévias não
ocorreu como o imaginado. A divisão das tintas nos potinhos e a inscrição dos nomes das
telas poderiam ter sido feitas antes, diminuindo o tempo de espera entre o fazer artístico e a
roda de conversa, entretanto, consideramos que esse momento do estágio é formativo, nos
dando possibilidades de adequar as nossas práticas no decorrer do processo. Quanto à
produção das crianças, destacamos três aspectos marcantes: a experimentação da tinta (Figura
15); a influência do ambiente escolar (Figura 16); e os interesses individuais (Figura 17).

Figura 15: a experimentação dos materiais Figura 16: a influência do ambiente escolar

Fonte: Do Autor Fonte: Do Autor

Marcada pela mistura das tintas, que resultava numa sequência de criação de cores, e
pelos gestos proporcionados pelo pincel, a experimentação dos materiais esteve presente no
trabalho de quatro crianças. O segundo aspecto resultou nos bichos representados nas telas,
como as borboletas, muito presentes no corredor da escola, seja por imagens ou pelo
borboletário ali instalado para acompanhar o processo de metamorfose delas. Outra influência
do ambiente foi a onça, discutida na leitura de imagens da obra de Frans Post.
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Já o interesse individual da produção, não desconsiderando esse aspecto das produções


citadas anteriormente, mas destacando as crianças que trouxeram um repertório mais pessoal,
como animais preferidos, e uma criança que representou o Mario Bros, personagem muito
presente na fala dela, pois se interessava por jogos eletrônicos.
Houve uma conversa individual, à medida em que as crianças foram terminando as
pinturas, tendo como base a fala sobre a experiência e a impressão do resultado final. Esse
momento foi marcado por dois pontos, o primeiro por um pouco de frustração gerado pela
diferença entre a produção pictórica e o desenho. Mais habituados ao desenho, em suas falas
havia algo como uma justificativa pela produção não ter ficado como elas esperavam. Já o
segundo ponto, foi a satisfação pelo trabalho, pelo processo experienciado. Trazemos então o
exemplo de uma criança que fez a experimentação das tintas. Sua fala é marcada pela
sensibilidade e reconhecimento sobre sua própria produção (Figura 18). Ela diz que pintou
como adulto e que gostou principalmente da pequena luz que deixou no cantinho. A luz citada
refere-se a uma pincelada em vermelho que ficou sobreposta por camadas de tinta azul.

Figura 17: pintura de Mario Bros Figura 18: o processo de experimentação

Fonte: Do Autor Fonte: Do Autor

Realizada no dia 24 de maio de 2018, após a roda de conversa, propusemos a terceira


atividade, que teve como conteúdo a abstração geométrica, fazendo a ligação entre o
figurativo e o contemporâneo. Iniciamos com uma roda de conversa relembrando as
atividades anteriores e as pinturas abstratas de Lygia Pape e, posteriormente, apresentamos,
por meio de uma nova leitura de imagens, as obras de Kazimir Malevich (Figuras 19 e 20) e
Liubov Popova (Figura 21). Em seguida, as crianças sentaram-se à mesa em grupos de quatro
e o fazer artístico foi realizado por colagens com formas geométricas (quadrado, retângulo e
triângulo) sobre papel “filipinho” preto na dimensão A4. Ainda, foram disponibilizadas
tesouras para que as crianças pudessem alterar e criar as formas já disponíveis, estas nas
cores: amarelo, preto, azul, verde, marrom e laranja.
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Figura 19: Sem título Figura 20: Triângulo azul e retângulo preto Figura 21: Liubov
Popola

Fonte: www.google.com Fonte: www.google.com Fonte: www.google.com

As formas geométricas recortadas no papel filipinho foram levadas em saquinhos


separados para cada mesa e em quantidades iguais de formas e cores. A cola foi
disponibilizada em quantidade que atendesse a cada grupo, sendo possibilitado o uso de
pincel às crianças que não gostavam do contato direto com a cola.
A atividade ocorreu de forma tranquila e como o planejado, foi realizada uma conversa
individual com cada criança a respeito de sua produção, de acordo com a disponibilidade das
crianças durante o processo ou quando iam finalizando.
Marcada pela empolgação de falarem o que viam nas reproduções das obras, a leitura de
imagens foi satisfatória, sendo necessária uma maior mediação entre as imagens e as crianças.
A impressão que tivemos é a de que o abstrato é um bom dispositivo para o imaginar, visto
que após a leitura dos elementos visuais, seguiam-se falas com a interpretação do que era
“visto” pelas crianças, demarcando o repertório imagético individual e coletivo, como a
“escada quebrada” visualizada por muitos na obra Sem título, de Malevich.
Tivemos como resultado final uma rica produção, que refletiu a atenção das crianças
durante a discussão na leitura das imagens e o repertório individual. Podemos destacar a
sobreposição das formas geométricas (Figura 22); a utilização de formas pretas sobre o fundo
preto (Figura 23); a elevada carga figurativa na construção das imagens (Figura 24); o
interesse individual, aqui exemplificado pelo Pac-Man (Figura 25), por uma criança que
sempre utiliza elementos de jogos eletrônicos.

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Figura 22: sobreposição Figura 23: forma preta sobre fundo preto

Fonte: Do Autor Fonte: Do Autor

Figura 24: o figurativo Figura 25: Pac-Man

Fonte: Do Autor Fonte: Do Autor


Tivemos ainda a interpretação e a atribuição de sentido a uma forma já construída,
como a “calça alongada” (Figura 26), que é composta por um corte incompleto entre dois
retângulos esguios. Destacamos nesse processo, uma criança que alcançou o objetivo
específico da atividade e construiu uma imagem abstrata intencionalmente. Na conversa, após
finalizar a colagem, ela foi relatando a construção da composição e deixou claro que não
havia nenhuma figura específica, seu trabalho é composto de poucos elementos sobrepostos
com uma alta carga compositiva (Figura 27).
Ao dialogar com as profissionais que acompanhavam o grupo, elas relataram que essa
criança costumava se concentrar na produção e que muitas vezes não resultava em uma figura,
mas numa imagem com uma rica composição.
Por fim, apresentamos a expografia de todas as produções das crianças (Figura 28).

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Figura 26: Calça alongada e foguete Figura 27: Composição abstrata

Fonte: Do Autor

Fonte: Do Autor

Figura 28: Expografia de todas as produções do grupo

Fonte: Do Autor

Nessas conversas com as professoras-pedagogas que acompanhavam o grupo, pude


perceber a diferença no olhar e concepções teóricas a respeito da produção das crianças. Elas
relatavam que ao analisarem os trabalhos das crianças, compreendiam a produção figurativa
como sendo “melhor”, construída como um desenvolvimento maior em relação àquelas que
experimentavam mais e se permitiam usar mais da imaginação e de repertório individual. Em
nossas conversas elas realçavam a diferença entre essas perspectivas. Nesse sentido,
acreditamos que houve uma troca construtiva em nossas práticas, pois aprendemos muito com
o olhar delas também.
Na sequência, trazemos a quarta atividade, que foi realizada após o momento de
atividades no pátio, no dia 07 de junho de 2018. Encerrando o plano proposto com a
experimentação de máscaras baseadas nas Máscaras sensoriais de Lygia Clark, que

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contempla a arte participativa, marcando assim o período da Arte Contemporânea. Iniciamos


com uma roda de conversa relembrando as atividades anteriores, visando assim, fazer a
ligação entre todos esses momentos, prosseguindo com a divisão de quatro grupos, permitindo
às crianças a escolha das máscaras que vestiriam.
No total foram cinco máscaras nas cores azul, vermelho, preto, amarelo e verde (Figura
29). As máscaras foram construídas com o intuito de explorarmos todos os sentidos das
crianças: o olfato com os aromas de erva doce, canela, sabonete e alecrim; para o auditivo foi
adotado guizos e sacola plástica, essa última, utilizada para o tato também, junto à textura do
TNT, que foi o material utilizado na confecção; e para contemplar o sentido visual foi
colocado visores na cor magenta, amarelo e furta-cor, alterando o ambiente ao vestir a
máscara.
Nesse dia, as crianças estavam eufóricas, pois haviam ensaiado para uma apresentação
de dança, o que ocasionou uma rápida experimentação e, em seguida, uma outra
experimentação somada ao brincar. Fizemos novamente uma roda, após a vivência, na qual
confirmamos, através das falas das crianças, que o objetivo de exploração sensorial foi
atingido, visto que elas reconheceram os elementos que compunham as máscaras como o
cheiro de canela e sabonete, o som dos guizos e as cores modificadas do ambiente (Figuras 30
a 33).

Figura 29: Máscaras sensoriais Figura 30: Máscaras sensoriais

Fonte: Do Autor Fonte: Do Autor

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Figura 31: Máscaras sensoriais Figura 32: Máscaras sensoriais Figura 33: Máscaras sensoriais

Fonte: Do Autor Fonte: Do Autor Fonte: Do Autor

Houve uma busca por experimentar mais de uma máscara pela maioria das crianças,
entretanto, algumas crianças optaram por experimentar somente uma. Tendo essa troca
motivada principalmente pela cor da máscara e pelo visor que alterava o ambiente. Este
último elemento envolveu o sentido da visão, foi muito explorado e apresentou algumas
falhas na hora do manuseio e do vestir, os visores de duas máscaras se soltaram, todavia, foi o
que causou maior interesse das crianças.
Após esse momento, fizemos uma roda de conversa para que as crianças pudessem
esboçar suas opiniões sobre tudo que vivenciamos durante as atividades de Arte. Elas
expressaram satisfação e, quando questionadas sobre qual dia elas gostaram mais, grande
parte afirmou ter preferido o de máscaras, apenas uma delas gostou mais da atividade de
pintura.
Pudemos ainda perceber as experiências vivenciadas pelas crianças durante as
atividades por meio da observação de algumas falas delas no cotidiano, como o perguntar se
em determinado dia teria atividade de Arte, e ao nos apresentar como professores de Arte para
seus pais e responsáveis, demonstrando um reconhecimento do nosso papel naquele
momento. Em relação aos profissionais que acompanhavam o grupo, destacamos a diferença
de perspectivas em relação à produção das crianças, pois percebemos que houve uma troca
enriquecedora em ambas as partes.

Finalizando
Quando planejamos abordar o desenvolvimento da arte do período figurativo ao
contemporâneo, a partir do recorte histórico de trabalhos de artistas como Frans Post, Tarsila
do Amaral, Kazimir Malevich, Liubov Popova, Lygia Pape e Lygia Clark, não imaginávamos
a grande repercussão que essa temática teria entre as crianças. Um grande número de crianças
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disse que brincar com as máscaras foi a atividade de que mais gostaram. Acreditamos que tal
sentimento tenha sido ocasionado pela participação mais direta com o objeto e,
principalmente, pela liberdade de ressignificá-lo, atribuindo uma relação direta com o ato de
experimentar, vivenciar, brincar, a que elas estão acostumadas.
Isso nos leva a defender o ensino da arte contemporânea a partir da estesia como
objetivo fundamental para o ensino da Arte na Educação Infantil, pois as crianças se
mostraram curiosas e dispostas a aprender, a descobrir, a experimentar e a compreender o
mundo ao redor a partir do que lhes era apresentado.
Finalizamos refletindo sobre essa rica experiência no contexto da Educação Infantil e
destacamos que a sensorialidade e a estesia são pontos fulcrais a serem experienciados com
crianças pequenas a partir da perspectiva de um ensino da Arte contemporâneo.
Somos gratos às crianças, que nos acolheram de forma calorosa e que tornaram as
manhãs de quinta-feira inesperadas e cheias de aprendizados. Inferimos que, nesse processo
de transformação, que é a infância, elas encontrarão na Arte a inspiração para se constituírem
como sujeitos histórico-culturais. E quanto a nós? Cremos que assim como a Arte, que passa
por constantes rupturas, nós também passamos pelo processo de metamorfose, pois essa
experiência transformou nosso olhar em relação ao ensino da Arte na Educação Infantil.

Referências

ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. Tradução de Alexandre


Krug e Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

BARBOSA, Ana Mae (Org.). Inquietações e mudanças no ensino da arte. São Paulo:
Cortez, 2003.

CANTON, Katia. Do Moderno ao Contemporâneo. São Paulo: Editora WMF Martins


Fontes, 2009.

COCCHIARALE, Fernando. Quem tem medo da arte contemporânea? Recife: Fundação


Joaquim Nabuco/Editora Massangana, 2006.

IAVELBERG, Rosa. O pensamento artístico modernista, a arte infantil e a educação


artística. Convenit Internacional, mai-ago 2018. Cemoroc-Feusp / IJI - Universidade do
Porto.

Pró-Discente: Caderno de Produção Acadêmico-Científica (ISSN: 1676-840X). Programa de Pós-Graduação em


Educação, Vitória-ES, v. Esp., n. 1, p. 9-24, Edição Especial, 2019.

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