Desenvolvimento Sustentavel e Economia Verdepdf
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DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL À
ECONOMIA VERDE OPERAM-SE AVANÇOS OU
RETROCESSOS?
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1.Considerações iniciais
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Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP, Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais e
do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, ambos da Universidade
Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: [email protected]
2
Para efeito de simplificação usaremos também a abreviatura DS para designar a noção de Desenvolvimento
Sustentável, central neste artigo.
2
construir respostas, ainda que parciais, aos desafios socioambientais contemporâneos, mas
novamente, e segundo diversas avaliações e razões, resultou em expectativas frustradas
(GUIMARÃES; FONTOURA, 2012; VIOLA; FRANCHINI, 2012). A falta de compromissos
e metas formais de combate à pobreza, de redução das emissões de carbono, de transferência
de tecnologia para os países pobres e de investimento em energias renováveis; o adiamento do
fortalecimento institucional do PNUMA; os obstáculos na formação de fundos mundiais para
financiar projetos de promoção da sustentabilidade; os conflitos na distribuição das
responsabilidades sobre os problemas ambientais e sobre as mudanças climáticas; as
diferenças de perspectivas entre países do norte e do sul e a crença no crescimento econômico
ilimitado, entre outros fatores, figuram no balanço de críticas à citada Conferência. Esses
resultados, por sua vez, evidenciam que a questão ambiental ainda não é uma prioridade
efetiva na agenda política global e que a economia continua sendo o eixo organizador da vida
social e política.
Presencia-se, portanto, uma situação paradoxal, onde se expande a informação e a
consciência pública sobre os problemas ambientais e, no entanto, os problemas seguem se
ampliando e complexificando. Por outro lado, ainda que a questão ambiental tenha se
deslocado nas últimas décadas da periferia para o centro da agenda política global não
consegue acumular forças e posição de prioridade no interior desta agenda.
Para cumprir seus objetivos, o artigo se estrutura em três seções além da introdução. A
primeira revisita o debate do Desenvolvimento Sustentável, procurando mapear suas
principais interpretações, inovações e limites. A segunda discute a recente proposta de
Economia Verde seus significados e contradições, procurando compreender em que medida
ela representa um avanço ou um retrocesso em relação aos debates pré-existentes. Na terceira
seção dedicada às considerações finais, delineiam-se os resultados da análise em diálogo com
as indagações formuladas pelo texto e verificam-se as alternativas capazes de superar a inércia
e o autismo econômico3 que tem prevalecido nos dias atuais em relação aos problemas
socioambientais.
3
A expressão autismo econômico foi usada inicialmente em 2000, por estudantes de economia na França em
sua luta por mudanças curriculares no curso de economia. Combatiam o dogmatismo da economia
neoclássica e sua incapacidade de dialogar com outras abordagens teórico-metodológicas, com outras
ciências e conseqüentemente com os novos problemas e realidades do mundo contemporâneo. Esse protesto
inicial se converteu em um movimento internacional por uma Economia Pós-Autista que congrega
economistas, cientistas sociais e estudantes ao redor do mundo. Veja por exemplo www.paecon.net
4
4
O Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD) é um desses exemplos
agregadores de empresas em torno do desenvolvimento sustentável.
6
que a substituição entre os fatores de produção pode ocorrer até certo ponto, mas no longo
prazo, irá encontrar limites que a inovação tecnológica não será capaz de transpor. Segundo
essa posição, a natureza e os ecossistemas fornecem à humanidade e ao seu metabolismo –
inclusive econômico - um conjunto de bens e serviços indispensáveis como alimento, água,
matérias-primas diversas, fontes de energia e serviços de estabilidade climática, fotossíntese,
assimilação e regeneração de resíduos, decomposição da matéria orgânica, fertilidade dos
solos, a polinização das plantas e a renovação do ar e da água, entre outros. Alguns desses
bens e serviços podem, eventualmente, ser substituídos ou multiplicados com auxílio de
capitais, tecnologias, engenho e trabalho humano, como é o caso da troca de fontes de energia
não-renováveis por outras renováveis, o replantio de florestas, a criação de peixes, a
dessalinização da água do mar, a intensificação da produção de alimentos ou outros bens, mas
essa substituição é limitada, sobretudo, com relação aos serviços ambientais que dão
sustentação à reprodução dos demais bens citados. Para Romeiro (2012), a noção de
sustentabilidade forte sustentada pela Economia ecológica se diferencia da economia
dominante quando introduz as idéias de limites e de irreversibilidade através dos conceitos de
capacidade de carga e, sobretudo, de entropia, veiculados pelas contribuições pioneiras de
Boulding (1993) e Georgescu-Roegen (1971). O conceito de capacidade de carga, tomado de
empréstimo das ciências naturais – e limitado quando aplicado a cenários sociais -, indica a
população máxima que pode ser suportada indefinidamente por um sistema ou ecossistema,
ou seja, estabelece limites de uso dos recursos naturais. Já o conceito de entropia, originado
na física e na termodinâmica, indica a tendência em todos os processos vivos e humanos à
transformação de energia útil em energia dissipada e não mais disponível, uma transformação
qualitativa que, no longo prazo, se orienta para a crescente desordem. A contribuição original
de Roegen à economia da sustentabilidade sob o capitalismo está em contrariar as pretensões
de crescimento econômico ilimitado que ignora dependência da economia em relação à
natureza, a velocidade e a escala de uso dos recursos naturais que caracterizam os atuais
modelos de produção e consumo (MARTINEZ-ALIER, 2007; ROMEIRO, 2012).
A segunda tendência neste debate é a que denominamos de reformista ou do caminho
do meio. Esse conjunto de interpretações sobre os problemas ambientais e o DS reconhece a
necessidade de mudanças no modelo atual de desenvolvimento, através de reformas nas
políticas e instituições governamentais, no papel das empresas, na pesquisa e inovação
tecnológica e no papel da sociedade civil no processo de transição para a sustentabilidade.
Contrastam com a posição anterior porque diferentemente dela reconhecem a existência de
problemas de alta gravidade e de riscos na ultrapassagem de certas fronteiras ecossistêmicas,
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mas acreditam que reformas setoriais podem ser realizadas no interior do sistema capitalista
para evitar a catástrofe. Como visto acima, os grupos e tendências analisados não são
homogêneos e alinhados em todas as polêmicas referentes ao desenvolvimento sustentável,
mas guardam semelhanças na sua compreensão do problema e nas possíveis soluções políticas
dos mesmos. Isto se traduz na confiança de que é possível, mesmo no contexto sócio-
econômico capitalista, construir e implementar respostas que compatibilizem crescentemente
crescimento econômico, conservação ambiental e equidade social e na crença de que a
proposta de desenvolvimento, apesar de suas contradições, pode ser levada a bom termo por
uma vontade política pactuada que corrija seus desvios históricos. O reformismo está presente
em setores governamentais, em partidos políticos de centro-esquerda, em organizações não-
governamentais com orientação socioambientalista e em amplos setores da comunidade
científica. A obra do economista Ignacy Sachs, de relevante contribuição ao debate ambiental,
se identifica com esse “caminho do meio”, entre o otimismo dos que defendem a
possibilidade de crescimento ilimitado e o pessimismo catastrofista dos que entendem que não
há saída ecológica possível no contexto da economia capitalista (SACHS, 2002). Os
partidários do desenvolvimentismo e do neodesenvolvimentismo, em que pesem as diferenças
político-ideológicas de suas orientações, também podem ser associados ao perfil reformista
referido.
Um dos aspectos que diferencia a posição reformista da conservadora é o papel que
cabe ao Estado na construção do desenvolvimento sustentável. Na posição conservadora o
protagonismo cabe ao Mercado, restando ao Estado uma função mínima de garantia da
reprodução sistêmica. No caso do reformismo, a defesa do intervencionismo estatal não é
unânime, mas é uma idéia de relevo neste campo que, recentemente, divide espaços com as
propostas de governança público-privada e de gestão compartilhada do desenvolvimento com
outros agentes do mercado e da sociedade, estimulados por cenários de crise e de atrofia do
Estado.
A terceira posição no debate do DS reúne autores e atores, de diversa inspiração
teórico-ideológica, que rejeitam o discurso de DS por não reconhecerem sua capacidade de
realizar as complexas mudanças necessárias para superar as crises experimentadas. Para estes,
o DS é um discurso vazio, atravessado por ambiguidades e contradições e impossível de ser
viabilizado no interior de uma sociedade capitalista intrinsecamente desigual, excludente e
predatória. Segundo essa concepção o DS, entendido como proposta de realização simultânea
da preservação ambiental, justiça social, viabilidade econômica, participação política e
diversidade cultural é um projeto transformador, incapaz de ser alcançado por reformas
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setoriais na ordem capitalista instituída. Nesse sentido, a própria radicalidade desta reflexão e
seus traços utópicos tendem a limitar seu alcance ao mundo acadêmico e a grupos de atores
sociais associados a movimentos sociais, organizações não-governamentais e governos
inclinados à transformação social, à inovação e prospecção de cenários futuros.
Esses analistas combinam perspectivas analíticas provindas do marxismo, do
paradigma da termodinâmica, do pós-estruturalismo, do pós-desenvolvimento, dos estudos
pós-coloniais, da Economia ecológica ou das teses sobre o Decrescimento para criticar o
desenvolvimento econômico convencional e o desenvolvimento sustentável, visto como uma
extensão do modelo anterior que, no entanto, não é capaz de superar as críticas que sobre ele
recaem.
A argumentação marxista aponta o caráter inerentemente desigual do capitalismo, sua
incapacidade de distribuir os benefícios do crescimento econômico, a distribuição desigual do
acesso aos recursos naturais e dos riscos decorrentes da produção, a exploração simultânea do
trabalho humano e dos recursos naturais, a lógica expansiva e ilimitada de sua reprodução, os
limites da contradição entre produção crescente e demanda decrescente que produz crises
periódicas, a mercantilização da natureza e da vida humana, a impossibilidade de
universalizar um padrão de produção e consumo semelhante ao dos países do centro e a
conseqüente relação desigual de importação e exportação de poluição e de recursos naturais
entre os países do centro e da periferia, entre outros obstáculos (O’CONNOR, 1988;
ALTVATER, 1995; RIST, 2006; MARTINEZ-ALIER, 2007; LATOUCHE, 2009). Para esses
analistas o desenvolvimento econômico e suas derivações – local, humano, endógeno,
sustentável, como liberdade – criou uma história de fracassos que degradou o ambiente
natural e a qualidade das relações sociais. Rist (2006, p. 7), por exemplo, vai afirmar que “o
desenvolvimento como ocorre hoje é nada mais que a mercantilização generalizada da
natureza e das relações sociais”. Sendo assim, para esses autores o debate sobre a
possibilidade de um DS no atual contexto político-econômico capitalista é marcado pelo
ceticismo e, embora desejem essas mudanças, só as consideram viáveis através de
transformações profundas que implicariam a transição para um outro sistema.
Segundo o paradigma da termodinâmica, adotado por amplos setores da Economia
ecológica, a lei da entropia, no longo prazo, impõe limites ao crescimento da economia
porque tende a transformar qualitativa e irreversivelmente energia útil em energia inútil em
todos os processos físicos ou econômicos que envolvem transformação de energia. Não é,
portanto, possível, imaginar um processo de crescimento indefinido a partir de uma base finita
de recursos naturais, como não é possível pensar o sistema econômico como um sistema
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a posição dominante no interior do debate, nele também transparece, em um plano sutil, uma
ambigüidade que admite a possibilidade de processos endógenos e autônomos de
desenvolvimento, ou seja, de reconfigurá-lo em novos sentidos transformadores e alternativos
(MIGNOLO, 2000; QUIJANO, 2000; ESCOBAR, 2005; RADOMSKY, 2011).
Diante desta cartografia do debate do DS é possível indagar pelas possíveis
implicações de cada uma destas tendências na governança e construção de uma
sustentabilidade democrática e complexa, capaz de integrar justiça social, preservação
ambiental, participação política, viabilidade econômica e diversidade cultural. Tantos
qualificativos se fazem necessários para corrigir a insuficiência e as ambiguidades da
definição oficial de desenvolvimento sustentável e para dar ênfase ao caráter
multidimensional que marca sua constituição discursiva. Nestes termos, parece evidente que,
dada a magnitude e crescimento dos problemas socioambientais e os limites das respostas do
mercado a tais problemas, a tendência conservadora representa a via menos efetiva na
transição para a sustentabilidade ainda que represente a posição hegemônica. Ou seja, a
inerente desigualdade socioeconômica do capitalismo; sua propensão a crescer degradando a
base biofísica que lhe dá sustentação; o caráter assimétrico das relações de poder que ele
constitui e a erosão da diversidade cultural de seu entorno depõem contra a sustentabilidade
do capitalismo enquanto arranjo civilizatório.
A alternativa reformista, embora admita reformas pontuais nos rumos do
desenvolvimento, tende a se deparar com obstáculos estruturais do sistema capitalista que
impedem o avanço de políticas de distribuição de riqueza; que colocam os objetivos
econômicos sobre o ambientais, dificultando conter a degradação ambiental e a emissão de
carbono em níveis sustentáveis e que não permitem promover a participação dos cidadãos
além dos limites consentidos usualmente. Uma análise rigorosa dessa alternativa reformista
provavelmente nos dirá que, mesmo sob condições sociais e políticas favoráveis o projeto de
uma sustentabilidade democrática nos termos aqui definidos, encontrará limites
intransponíveis. Observando, contudo, por uma perspectiva pragmática a via reformista tem,
em tempos recentes representado a resposta possível para evitar o caminho ainda mais
insustentável do neoliberalismo.
A vertente transformadora, por sua vez, em sua melhor expressão é aquela que mais se
aproxima de um projeto complexo de sustentabilidade democrática, mas só poderá alcançá-lo,
verdadeiramente, transbordando as fronteiras do sistema capitalista como o conhecemos, ou
seja, transformando-o. Nesse sentido, coloca-se como instrumento de luta, de expansão de
direitos e de horizontes utópicos, que aperfeiçoa o presente e aponta para avanços futuros.
11
5
Refere-se aqui à degradação das condições de trabalho que produz doenças comprometendo os custos e a oferta
de trabalho e a degradação das cidades e sua infraestrutura gerando custos adicionais de mobilidade e segurança
por exemplo.
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A proposta de transição para uma Economia Verde foi lançada em 2008 pelo PNUMA
– Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, no contexto e em resposta à crise
financeira e econômica deflagrada neste ano. Em 2011, às vésperas da RIO + 20, ela voltou a
ganhar evidência através do relatório “Rumo a uma Economia Verde: caminhos para o
Desenvolvimento Sustentável e a erradicação da pobreza” que sistematiza a proposta e lança a
noção como carro-chefe da conferência, ainda que a idéia de erradicação da pobreza também
apareça em um plano secundário ou complementar (PNUMA, 2011). O PNUMA define a
Economia verde “como aquela que resulta na melhoria do bem-estar da humanidade e da
igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e
escassez ecológica” (PNUMA, 2011, p. 2).
Resumidamente a proposta se estrutura em três estratégias principais que envolvem
redução de carbono, maior eficiência energética e conservação da biodiversidade e dos
serviços ecossistêmicos e busca se viabilizar através de investimentos públicos e privados, por
reformas políticas e mudanças regulatórias. Estima-se um investimento de 2% do PIB global
em setores diversos como agricultura, edificações, energia, pesca, silvicultura, indústria,
turismo, transporte, água e gestão de resíduos como soma suficiente para promover a
transição de uma economia marrom para outra verde.
A proposta é ambiciosa e as crises climática e ambiental sem dúvida exigem respostas.
Por isso mesmo, sua análise suscita indagações sobre sua motivação e viabilidade, sobre
como ela será implementada, por iniciativa e liderança de que protagonistas e em benefício de
que setores e grupos sociais. São essas indagações que animam a presente reflexão que será
desenvolvida com auxílio de parte da bibliografia existente sobre o tema e sob as perspectivas
teóricas anunciadas anteriormente.
Em primeiro lugar, chama atenção o fato de que a Iniciativa Economia Verde6
expressa uma ênfase econômica em uma civilização já saturada de economia, que
experimenta danos sociais e ambientais decorrentes da expansão do capitalismo e carente de
debates e decisões substantivas sobre limites, desigualdades, déficit ético-cultural,
6
Denominação usada pela proposta do PNUMA
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Considere-se como fator adicional, mas não menos importante, o fato de que, em
geral, os países desenvolvidos têm conseguido limpar sua economia e padrões tecnológicos ao
custo da terceirização, para os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, das atividades
mais poluentes ou demandantes de recursos naturais e energia como agricultura, pecuária,
mineração, extração de petróleo e madeira e produção de papel, entre outras.
Ademais, a assimetria na produção de tecnologias entre países do norte e do sul e a
indispensabilidade da inovação na transição para a Economia verde coloca o problema de
como realizar o compartilhamento de tecnologias entre ambos os blocos.
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Lembre-se também que a aposta nas saídas tecnológicas, ainda que reconhecidamente
importante, é argumento frequente no debate de soluções aos problemas ambientais, porque é
funcional à conservação do “status quo”, dos modelos de produção e consumo e do próprio
capitalismo. As saídas tecnológicas permitem criar soluções setoriais, que passam ao largo da
política e da ética, evitando o enfrentamento dos conflitos distributivos, valorativos e de
assimetria de poder no interior do regime estabelecido. Ou seja, tecnologia e economia são
meios para o desenvolvimento não são fins em si, elas mudam os meios sem colocar em
discussão os fins do desenvolvimento. Os fins são questões éticas que envolvem a
preservação da vida humana e não-humana, o sentido e realização da vida, os valores e
princípios que devem reger a vida individual e social em suas múltiplas expressões.
A proposta da Economia Verde também não estabelece limites para o crescimento
econômico, trabalhando com a hipótese de que os problemas decorrentes do crescimento,
como as dívidas social e ambiental, podem ser sanados com mais crescimento. Isso configura
a Teoria do derrame, segundo a qual o mero crescimento da riqueza tende automaticamente a
transbordar em seu entorno, beneficiando as populações carentes que ali vivem. Esse
argumento tem sido contestado pela experiência histórica, pelo acompanhamento feito pela
ONU através de seus Informes de Desenvolvimento Humano e por diversos analistas do
problema. Ou seja, a experiência tem demonstrado que o crescimento econômico no
capitalismo tende a promover concentração de renda, desigualdade e exclusão social e
degradação crescente do ambiente onde se realiza (SACHS, 2001, 2002; KLIKSBERG, 2003;
SAAVEDRA; ARMELLA, 2009; PEREIRA, 2016).
Para Rockstrom et. Al. (2009) os impactos ambientais da expansão econômica vêm
ameaçando e, em alguns casos, ultrapassando os limites seguros do desenvolvimento humano
no sistema terrestre. Os autores identificam nove fronteiras planetárias, ou limites biofísicos,
das quais sete são passíveis de quantificação: mudança climática, acidificação dos oceanos;
ozônio; ciclo biogeoquímico do nitrogênio e fósforo; uso de água doce; mudanças no uso da
terra; biodiversidade; poluição química e concentração de aerossóis na atmosfera. Segundo os
pesquisadores, desses nove limites, três já teriam sido ultrapassados que são o ciclo do
nitrogênio, o referente a mudanças climáticas e à perdas em biodiversidade. Ou seja, a
humanidade já entrou em uma zona de risco que ameaça a estabilidade dos ecossistemas
indispensável à sobrevivência e desenvolvimento humano (ROCKSTROM, 2009;
ABRAMOVAY, 2012; VIOLA; FRANCHINI, 2012). Por essa razão, Crutzen (2002)
considera que o Planeta Terra, desde a Revolução Industrial, transitou gradualmente do
Holoceno para a “Era do Antropoceno” dada a magnitude e velocidade dos efeitos da ação
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verde sejam suficientes para mudar a trajetória e os vícios dos agentes públicos e privados no
Brasil em relação à sustentabilidade ambiental. É sabido que a questão ambiental nunca foi
prioridade no Brasil por quaisquer critérios que se queira analisar. É inegável, como ponderou
Drysek (1997), que num cenário de transnacionalização do capitalismo, submetido aos
imperativos do livre mercado e de governos comprometidos com políticas de privatização, o
discurso do desenvolvimento sustentável só poderá obter sucesso se conseguir demonstrar que
a conservação ambiental promoverá o crescimento dos negócios e da economia. Contudo,
legitimar o discurso do Desenvolvimento sustentável pela via do mercado é um objetivo bem
diferente de garantir uma sustentabilidade democrática e multidimensional.
Quanto ao segundo objetivo de erradicação da pobreza, persistem igualmente sérias
dúvidas. Em primeiro lugar, é perceptível que, apesar do tom vago e mal definido do conceito,
as sinalizações do PNUMA (2011) quanto a Economia verde sugerem que economia e
tecnologia são os eixos centrais da proposta. Também, ainda que faça referências ao problema
da pobreza, a proposta não aborda a questão das desigualdades sociais e de consumo de
recursos naturais, aspectos centrais do desenvolvimento sustentável em contexto de crise
climática. Isto é, se é reconhecidamente relevante planejar o desenvolvimento internalizando a
idéia de limites do crescimento, da produção e do consumo e se a sustentabilidade supõe,
inquestionavelmente, a internalização da justiça social, não há meios de elevar o padrão de
vida dos países e populações mais pobres – sem precipitar catástrofes climáticas – sem reduzir
o espaço carbono e o consumo dos mais ricos. Essa expectativa, contudo, parece cada dia
mais remota, seja porque não se dispõe de mecanismos realistas de distribuição de riquezas na
economia política capitalista, seja porque o consumo assumiu uma centralidade imperativa na
vida cultural contemporânea (ABRAMOVAY, 2012; HARVEY, 2012).
Abramovay (2012) aborda o problema da desigualdade pelo prisma do consumo de
recursos naturais, energéticos, de emissão de carbono e geração de resíduos. Apoia-se em
fundamentos da Economia ecológica que, a partir do reconhecimento da crise climática e de
limites ecossistêmicos, procura avaliar a relação entre a sociedade e natureza – o metabolismo
social - a partir do volume de matéria e energia utilizada, da eficiência de sua transformação
pela economia e da distribuição dos benefícios desse processo no interior da sociedade.
Ilustra, portanto, o dilema da desigualdade comparando o consumo de recursos naturais e de
emissão de carbono entre um cidadão norte-americano e outro indiano. Considera, assim, que
da totalidade de 60 milhões de toneladas que o sistema econômico extrai da superfície
terrestre por ano - de biomassa, combustíveis fósseis, minérios industriais e materiais de
construção - resulta uma média mundial de 9 toneladas por pessoa por ano, sendo que, desse
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Ou seja, o sistema ainda funciona, ainda não entrou em colapso devido à persistente e
histórica desigualdade que separa países e cidadãos do centro e da periferia com a ressalva de
que as elites dos países periféricos concentram riqueza e consumo equivalentes às elites dos
países centrais.
No relatório do PNUMA (2011) a erradição da pobreza parece depender da criação de
novos empregos verdes, de políticas de transferência de renda, de iniciativas e investimentos
dirigidos à preservação de recursos naturais, oferta de energia e saneamento básico que
podem, indiretamente, se refletir sobre qualidade de vida dos mais pobres. Esse pacote de
medidas não parece ser muito convincente. É possível, por exemplo, supor que os empregos
verdes sejam decorrentes de atividades intensivas em tecnologia que tendem a poupar postos
de trabalho. A transição da economia marrom para a verde também deverá eliminar uma
quantidade expressiva de empregos já existentes. Por outro lado, os novos serviços
decorrentes de investimentos privados, como energia, saneamento e abastecimento de água,
podem elevar os custos dos mesmos em lugar de diminuí-los, já que os mercados não tem
compromisso com a pobreza, mas sim com o consumo e comercialização de mercadorias
(SAWYER, 2011). Acresce ainda o fato, de que programas de transferência de renda e
estímulos estatais a investimentos com efeito inclusivo vão depender de governos que não
abandonem a capacidade de coordenação e de regulação da governança nem o compromisso
com a justiça social como advoga o ideário neoliberal (BURSZTYN, 2001). Cabe lembrar que
o contexto político brasileiro, desde o governo Collor de Melo - com um intervalo nos
governos do PT que assumiram uma postura mais intervencionista com reforço de políticas
sociais - tem sido marcado pela retração dos Estados nacionais, pela subordinação dos
governos aos interesses do capitalismo agrário, industrial e financeiro e por uma franca
instabilidade político-insitucional, como demonstra a história política recente. Nesses
19
sua câmara de diretores gerais em resposta à crise econômica e financeira de 2008” (PNUMA,
2011, p. 16). Nesse sentido, é mais reducionista que a proposta de Desenvolvimento
sustentável porque atribui ênfase econômica ao desenvolvimento e reforça os mecanismos de
mercado como condutores privilegiados dessa transição, ainda que a ela se assemelhe em
diversos outros aspectos.
Discutiu-se acima o tom vago e mal definido da proposta que, para alguns analistas,
tem a intencionalidade de não explicitar objetivos e metas e seguir praticando o modelo usual
acrescido de medidas cosméticas (SAWYER, 2011).
Além disso a proposta não incorpora a questão dos limites planetários suscitados pela
crise climática; deposita confiança excessiva nos processos de inovação tecnológica; não
responde ao problema das desigualdades sociais e de consumo de recursos naturais, apelando
para uma promessa de erradicação da pobreza pouco transparente e de efetividade duvidosa;
não define os canais de participação da sociedade civil no interior da transição planejada; não
indica os meios de controle dos agentes econômicos nesse processo e não aponta caminhos
realistas para o compartilhamento de tecnologias entre os países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
Por essas razões, a Economia verde parece representar mais retrocessos que avanços,
tanto em relação ao Desenvolvimento sustentável quanto em relação aos desafios
socioambientais vivenciados. É certo que o Desenvolvimento sustentável também é uma
narrativa limitada, ambígua e sem viabilidade no contexto de uma sociedade capitalista, em
especial, em momentos de hegemonia neoliberal, onde os Estados nacionais se acham
fragilizados e a sociedade organizada não acumula forças suficientes para se contrapor a esse
ideário.
No caso Brasileiro, é inegável que seria proveitoso transitar de um modelo econômico
exportador de recursos naturais e intensivo na produção de bens poluentes para um outro
modelo econômico “verde”. A questão é saber como essa transição se dará e a que custos
sociais. No caso estudado, trata-se de uma transição mediada pelo mercado e seus
instrumentos - ainda que com incentivos públicos - que tende a aprofundar os processos de
mercantilização da natureza com efeitos regressivos sobre a sociedade e o ambiente, em
especial, sobre aqueles mais vulneráveis.
Raciocínio análogo pode ser feito à promoção de novas tecnologias ambientais. É
evidentemente desejável e necessário o estímulo ao desenvolvimento de tecnologias limpas e
mais eficientes, contudo, é preciso também criar meios de compartilhar tecnologias, de
estimular o desenvolvimento de tecnologias simples, baratas e adequadas à solução de
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