Livro - Marcos Costa - Folheto de Biu Doido e Joaquim Doido

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MARCOS ROBERTO NUNES COSTA Diagramação:

BIU DOIDO E JOAQUIM DOIDO


Dois “cabras” arretados

Ficha Catalográfica

COSTA, Marcos Roberto Nunes. Biu Doido e Joaquim Doido:


dois ‘cabras’ arretados/Marcos Roberto Nunes Costa.
Recife: 2021.

... p.: il.

1. Literatura popular – Causos e Contos. I Título.

________________________________________________________

e-mail do autor: [email protected]


Recife
2021
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SUMÁRIO

1 BIOGRAFIA DE BIU DOIDO .................................................. 1.1.33 Comendo pão na rua ..............................................................


1.1 Causos de Biu Doido............................................................... 1.1.34 Experiência de chuva .............................................................
1. 1.1 Pegando “ianha”...................................................................... 1.1.35 Chupando manga no poste.....................................................
1.1.2 Duas roupas............................................................................ 1.1.36 O baldo do açude ...................................................................
1.1.3 Disputa entre doidos ............................................................... 1.1.37 O carro da coca-cola ..............................................................
1.1.4 A dívida do café de 15 dias ..................................................... 1.1.38 Duas gravatas ........................................................................
1.1.5 Relógio quebrado .................................................................... 1.1.39 Ameaça de morte ...................................................................
1.1.6 Pescaria na praça ................................................................... 1.1.40 Eleitor fanático ........................................................................
1.1.7 Escuta no pé do poste............................................................. 1.1.41 O piado do pinto .....................................................................
1.1.8 O pulo da ponte....................................................................... 1.1.42 Cagando no mato ...................................................................
1.1.9 Bolachas velhas ...................................................................... 1.1.43 Doação de carne ....................................................................
1.1.10 Doação de sementes .............................................................. 1.1.44 Mistura (in)ofensiva ................................................................
1.1.11 Livra-se dos enfeites ............................................................... 1.1.45 A mesma coisa .......................................................................
1.1.12 Hora da partida ....................................................................... 1.1.46 Jornal de cabeça para baixo ...................................................
1.1.13 Casamento.............................................................................. 2 BIOGRAFIA DE JOAQUIM DOIDO” ....................
1.1.14 Batendo no tonel ..................................................................... 2.1 A poesia irreverente de Joaquim Doido ................ .................
1.1.15 Plantando melancia ................................................................. 2.2 Causos de Joaquim Doido .................................... .................
1.1.16 Remédio para coceira ............................................................. 2.2.1 Autoconsciência de doidos ................................... .................
1.1.17 Banda de Caruaru ................................................................... 2.2.2 Defunto endemoniado .......................................... .................
1.1.18 Grande é Deus ........................................................................ 2.2.3 Enterro da madrinha ............................................. .................
1.1.19 Café com perfume................................................................... 2.2.4 Incidente na igreja ................................................ .................
1.1.20 Trabalho de meia .................................................................... 2.2.5 Encerrando as preces........................................... .................
1.1.21 Missões de Frei Damião.......................................................... 2.2.6 Padre dando leite ................................................. .................
1.1.22 Reencontro no céu .................................................................. 2.2.7 Jesus também bebia............................................. .................
1.1.23 Lista de doidos ........................................................................ 2.2.8 “Jesus não quer isso não”..................................... .................
1.1.24 Começou a andar.................................................................... 2.2.9 Casamento matuto ............................................... .................
1.1.25 Embalagem de doido .............................................................. 2.2.10 Xingando a mãe de alguém .................................. .................
1.1.26 Não é para matar .................................................................... 2.2.11 Deus te abençoe .................................................. .................
1.1.27 Leite com xerém...................................................................... 2.2.12 “Bicha boa”
1.2.28 Paixão ..................................................................................... 2.2.13 Tentando pegar carona ........................................ .................
1.1.29 Aposta..................................................................................... 2.2.14 Origem do nome “Joaquim Doido” ........................ .................
1.1.30 Cabelos da cabeça ................................................................. 2.2.15 Cachorra dando cria exposta ao sol
1.1.31 Reunindo os amigos ............................................................... 2.2.16 Vaca parida .......................................................... .................
1.1.32 Jornal velho ............................................................................. REFERÊNCIAS .....................................................................
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1 BIOGRAFIA DE BIU DOIDO Ainda muito jovem ganhou o mundo, vagando de cidade em
cidade, principalmente, onde moravam os parentes. Assim, ora
estava no Sítio Prazeres, Município de Itapetim - PE, onde
residia o irmão Januário Cassiano Pereira, hoje, domiciliado, na
cidade de Brasília-DF, ora no Sítio Retiro, Município de São
José do Egito – PE, com outro irmão seu, Joaquim Cassiano
Pereira ou na casa de sua irmã, Joventina Cassiano Pereira
(Dona jovem), ainda, hoje, moradora do Sítio Grossos, Município
de São José do Egito – PE, ou, finalmente, em Livramento - PB,
onde tinha um irmão de criação, chamado Leonardo. Quando
não estava nas supracitadas casas de seus irmãos, Biu
circulava pelas cidades da redondeza, principalmente, nos dias
de feira e festas. De forma que, na realidade, Biu Doido não
morava em lugar nenhum, era um “cidadão do mundo”. Biu
Doido faleceu, na Cidade de São José do Egito – PE, em 2001,
com noventa anos de idade. Seu enterro reuniu uma grande
quantidade de amigos, políticos, poetas, cantores de viola e
crianças, que o admiravam.
Fonte: Arquivo de sua irmã Joventina Cassiano Pereira (Dona Jovem) Mais recentemente, um grupo de jovens artistas de São
José do Egito – PE, reconstituíram e filmaram os principais
Severino Cassiano Pereira (Biu Cassiano ou Biu momentos da vida de Biu, que será lançada, brevemente, em
Doido), nasceu no Sítio Riacho do Carneiro, na época Município DVD com o título “Biu Doido, O Filme”.
de Taperoá – PB, hoje Município de Livramento – PB, em 1911.
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Tendo passando temporadas, em nossa terra, Biu Doido Suas respostas não tinham
Nenhuma rima, mas vinham
é, sem dúvida, uma das personagens folclóricas importantes da
Poetizadas de um jeito
História de Itapetim – PE. Graças à sua extraordinária Que pareciam pensadas
Porque eram recheadas
inteligência intuitiva, capaz de responder ou reagir, “na bucha ou
De improviso perfeito.
na batata”, às mais variadas situações, fazia, dele, uma espécie
de “filósofo vagante” ou “Poeta diferente”, conforme o classifica Segundo sua irmã Joventina (Dona Jovem), quando
o poeta popular Arlindo Lopes, em folheto de Literatura de criancinha, Biu teve “doença de menino” e, por conta disso, logo
Cordel intitulado “Biu Doido e suas respostas geniais”1: cedo demonstrou os primeiros sinais de “loucura”, mas foi a
partir da adolescência, ou melhor, como diz ela “foi quando
Tinha na ponta da língua
começou a procurar mulheres que ele virou a bola de vez - como
Uma resposta ligeira
Quando alguém o procurava todo homem”, passando se enfeitar e sair de casa (a “andar”,
Tirando uma brincadeira
como chamavam os parentes), passando temporadas, longas ou
Arrependia-se de vez
Notando depois que fez curtas, em estado de “desequilíbrio”, tendo como principal
A sua maior besteira.
característica ou mania, enrolar as pernas com papéis, retalhos
Igualmente, o poeta itapetinense José Adalberto Ferreira, de pano e/ou plásticos, amarrados com cordões, barbantes e/ou
que é filho de uma sobrinha de Biu Cassiano, no seu livro “No arames. Bem como, quando estava “louco”, costumava viver
Caroço do Juá”, em um poema intitulado “Memória a Biu mais na cidade do que no sítio. Nos meses em que estava “são”,
Cassiano”, refere-se, desse modo, ao seu tio-avô: Biu vivia, normalmente, trabalhando na agricultura, junto com
seus irmãos, bem como, segundo sua referida irmã, era
trabalhador, honesto e bom pagador das dívidas.

1 LOPES, Arlindo. Biu Doido e suas respostas geniais. São José do Egito:
[s.n.], [s.d.]. p. 01.
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1.1 Causos de “Biu Doido” 1.1.2 Duas roupas

Durante os tempos em que andava “doido”, Biu Biu costumava andar, com duas roupas, ao mesmo
perambulava pelas cidades, sendo instigado a responder às tempo. Certo dia, alguém lhe perguntou o porquê de tal fato e
mais variadas questões, ficando, muitas delas, imortalizadas, na ele respondeu:
memória do povo, tais como: “É que quando uma se sujar eu já estou com a
outra”.
1.1.1 Pegando “ianha”

1.1.3 Disputa entre doidos


O principal “causo” de Biu Doido, que lhe rendeu o título
imortal de “O Filósofo da Ianha”, aconteceu quando, certo dia o
Certo dia, em São José do Egito, apareceu um
mesmo encontrava-se, numa praça publica, fazendo gestos e/ou
determinado doido, vindo das bandas de Teixeira -PB e
movimentos, com as mãos para o alto, como se estivesse
começou a fazer sucesso. Biu, que até então reinava absoluto,
pegando algo. Um senhor passou e perguntou:
na Região, ficou enciumado e, ao encontrar o tal doido disse, em
“Biu, que estais pegando?”
tom de ameaça:
Este respondeu:
“Meu amigo, tenha cuidado na sua vidinha, pois o
“Ianha”. cabra para ser doido aqui em São José do Egito
precisa ter muito juízo”.
O senhor voltou a perguntar:

“Mas o que é isso?”

Ao que respondeu:

“Não sei, pois ainda não peguei nenhuma”.


1.1.4 A dívida do café de 15 dias
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Biu retrucou:
Certo dia, Biu chegou, num boteco na Rua da Baixa, em “Mas também não atrasa”.
São José do Egito e pediu um café pequeno. Enquanto o dono
do estabelecimento se ausentou por um instante, Biu tomou,
1.1.6 Pescaria na praça
rapidamente, o café e saiu, sem pagar. Quinze dias depois, Biu
passava, em frente ao boteco, e o dono lhe disse:
Certo dia, Biu encontrava-se, na praça, com uma vara de
“Biu, tem um café seu aqui há 15 dias” pesca, fazendo gestos de que estava pescando, em uma
Ao que respondeu: pequena poça d’água. Um senhor passou e disse:

“Pode jogar fora que não presta mais” “Biu, o anzol está sem isca!”

Biu respondeu:
1.1.5 Relógio quebrado “Aqui também não tem peixe”.

Um dia Biu andava, vaidoso, pela rua com um relógio 1.1.7 Escuta no pé do poste
quebrado, no pulso, que Val Patriota havia lhe dado. Uma
senhora passou e perguntou: Também na mesma linha, certo dia, Biu estava, há horas
“Biu, que horas são?” no pé de um poste, com o ouvido encostado nele - no poste.

Ele, assim, respondeu: Um senhor, vendo aquilo, foi, até lá, e perguntou que ele estava
escutando. Em vez de responder, Biu mandou que ele
“Este relógio é como eu, não trabalha, pois está
quebrado” encostasse o ouvido e escutasse ele mesmo. Não escutando
nada, o senhor retrucou:
A senhora, então, disse:
“Não estou escutando nada!”
“Assim não adianta”
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Biu, então, respondeu: lhe um pouco mais das mesmas bolachas, ao que recusou,

“Ora, faz um tempão que estou ai e não consegui dizendo:


ouvi nada, quanto mais o senhor que chegou
agora”. “Não quero, pois gasta muita saliva”.

1.1.8 O pulo da ponte


1.1.10 Doação de sementes

Certa vez, Biu pulou de uma das pontes do Rio Pajeú, no


Após um ano de seca, nas primeiras chuvas do inverno, o
Sítio Grossos, Município de São José do Egito – PE (não
Deputado Walfredo Siqueira promoveu a doação de sementes
sabemos, exatamente, o motivo: ora ele dizia que fora por causa
para plantio. Depois de uma longa fila de agricultores, chegando
de uma mulher, ora por causa de cachaça). Acontece que o rio
a vez de Biu, Walfredo perguntou:
estava seco e este quebrou uma perna, fato que o levou a andar
“É para plantar em terra nova?”
mancando, pelo resto da vida.
Diante de tal fato, perguntaram-lhe: Biu respondeu:

“Biu, como foi o pulo?” “É da mesma idade das outras”

Este, com um semblante sério, respondeu:

“A saída foi boa, mas a chegada! ...”

Foto de Biu Doido com as Pernas Enroladas de Papel


1.1.9 Bolachas velhas

Passando por uma panificadora, na Rua da Baixa, em


São José do Egito – PE, Biu ganhou umas bolachas velhas
(duras). No dia seguinte, voltando ao mesmo local, ofereceram-
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Uma das manias de Biu era enrolar as pernas com
papéis, retalhos de pano, plástico etc, amarrados com cordões,
barbantes e arames. Diante disto, perguntaram como ele fazia
para retirar tudo aquilo e este respondeu:

“Toco fogo e saio de perto”

1.1.12 Hora da partida

Na nossa Região, é costume as pessoas ao se


despedirem, após uma visita, como forma de gentileza, dizerem:
“Vá agora não!, tá cedo!” Assim, estando em uma casa de
amigos, ao anunciar que estaria de saída para o sítio, o dono da
casa, gentilmente, disse:

“Tá cedo!”

Ao que Biu disse:


Fonte: Arquivo pessoal de seu sobrinho Zeca Barbeiro
“É por isso que estou indo”

OBS: Na foto, observa-se que Biu está com dois


tampões de algodão nos ouvidos, dizia ele que era para não
ouvir besteira.
1.1.11 Livra-se dos enfeites 1.1.13 Casamento
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Certa vez, perguntaram a Biu: No Sertão é comum os agricultores, ao encontrarem uns

“Biu, por que você não se casa?” aos outros, se perguntarem: “E aí plantou muito feijão (ou outra
cultura qualquer) este ano?”.
Ao que respondeu:
Nessa perspectiva, certa vez, o Sr. Arlindo Lopes
“Às vezes eu penso, mas quando imagino...”
encontrou Biu e perguntou:

“E aí Biu, plantou muita melancia este ano?”


1.1.14 Batendo no tonel
Ao que respondeu:

Encontrando-se, no posto de gasolina de propriedade do “Não senhor, plantei só a semente porque a


melancia se plantar apodrece!”.
Sr. Pedro Salviano, em São José do Egito – PE, Biu põe-se a
bater em um dos tonéis vazios, amontoados num recanto de 1.1.16 Remédio para coceira
parede. Seu Né, sentindo-se incomodado, com o barulho, foi até
lá e deu um “trocado” para que ele parasse de bater no tambor. Certo senhor perguntou a Biu qual seria um remédio bom
Pouco tempo depois, Biu pegou outro tonel e voltou a fazer o para coceira e esse respondeu:
mesmo barulho. Seu Né, retornou ao local e disse: “Deixe as unhas crescer”
“Biu, eu num lhe paguei para que você não batesse
nesse tonel?”
1.1.17 Banda de Caruaru
Ao que respondeu Biu:

“Você pagou para que eu não batesse naquele, mas Biu costumava ir às Festas de Reis, em São José do
neste daqui não!”
Egito – PE, mas, certa vez não pode ir. No outro dia, um amigo o
1.1.15 Plantando melancia encontrou no Sítio Retiro e, comentando acerca da festa, disse
que havia sido muito boa, inclusive que trouxeram uma banda
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(de forró) de Caruaru -PE para São José do Egito. Biu então E este respondeu:
disse: “Para depois peidar cheiroso”.
“E coube?”

1.1.18 Grande é Deus 1.1.20 Trabalho de meia

O poeta itapetinense, José Adalberto conta que, quando O irmão de Biu, Joaquim Cassiano, estava com o roçado
criança, seus pais foram visitar seu avô, Januário Cassiano (que repleto de algodão. Daí, não tendo tempo de colhê-lo, propôs a
era irmão de Biu) e chegando lá encontraram Biu. Ao se Biu que “apanhasse o algodão de meia”. Biu foi ao roçado e
aproximar de Biu, sua mãe o apresentou, dizendo: colheu fileira ou carreira sim e outra não. No outro dia, seu

“Biu, veja como ele está grande”. irmão, vendo o fato, chegou até Biu e exclamou:

Ao que retrucou: “Biu, eu te pedi para que apanhasse o algodão de


meia e tu apanhaste apenas uma carreira sim e
“Grande é Deus, ele está comprido”. outra não!”

Biu respondeu:

1.1.19 Café com perfume “Eu apanhei a minha parte, agora você vá lá e
apanhe a sua”.

Estando na Casa Paroquial de Itapetim – PE, o Pe. João


Leite ofereceu uma xícara de café a Biu, que, antes de tomar o
café, tirou um frasco de perfume do bolso e colocou uma gota no 1.1.21 Missões de Frei Damião
café. O Pe. João Leite não entendendo o ocorrido perguntou:

“Biu, para que estais colocando perfume no café?”


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Conta-se que, durante uma procissão, numa das missões Conta-se que certa vez alguém perguntou a Biu quais
de Frei Damião, em São José do Egito – PE, enquanto a seriam os doidos de São José do Egito – PE e este passou a
multidão caminhava, o Santo Frade gritava, repetidamente, enumerar: “Fulano, beltrano, sicrano ... e eu”. Esta pessoa voltou
palavras de ordem, tais como: “Viva Nossa Senhora!”, “Viva a perguntar:
Nosso Senhor Jesus Cristo!” etc, ao que o povo, a cada uma “E tu és doido?”
delas, respondia, imediatamente: “Viva!”. Biu Doido, que se
E ele respondeu:
encontrava em meio à multidão, aproveitou um curto intervalo
“O povo diz, nê”.
entre as palavras de Frei Damião e a resposta do povo e gritou:
“Viva as prostitutas!”, ao que o povo, condicionado a responder
as palavras de ordem, gritou: “Viva!”. 1.1.24 Começou a andar

1.1.22 Reencontro no céu Como anunciamos, anteriormente, Biu passava


temporadas em estado de “loucura” e outras, como uma pessoa
Quando Joaquim Cassiano (irmão de Biu) estava para “normal”. Quando ele iniciava os período de “loucura”, os
morrer, mandou chamar Biu para se despedir e abraçando-o, em parentes costumavam dizer que ele “começou a andar”, visto
lágrimas, disse: sair de casa e vagar pelas cidades. Nessa perspectiva, certo dia,

“Biu, até nosso encontro na eternidade”.


um dos parentes o encontrou, na cidade, e perguntou:

Ao que respondeu: “Biu, começasse a andar quando?”

“Se der certo nê!” Ao que respondeu:

“Desde um ano de idade”.

1.1.23 Lista de doidos


1.1.25 Embalagem de doido
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Biu chegou em uma certa casa e deram-lhe um copo de
Além de “começar a andar”, outro sinal de que Biu estava leite e ele, depois de tomar, começou a dar cambalhotas pelo
doido eram os papéis, panos e plásticos que ele enrolava nas terreiro. O pessoal da casa ficou preocupado, pensando que o
pernas e braços. Certo dia, um dos parentes o encontrou, na leite havia feito mal. Daí indagaram-lhe, acerca do que estava
cidade, e perguntou: acontecendo e ele disse:

“Biu, já estais doido? “É para misturar o leite ao xerém que eu acabei de


comer ali atrás, noutra casa”.
E ele respondeu:

“Num tá vendo pela embalagem?”

1.1.28 Paixão
1.1.26 Não é para matar
Biu estava apaixonado por uma certa mulher e passou a
Também, certa vez, Biu resolveu retirar todos os papéis segui-la, por toda parte. Esta, sentindo-se incomodada, chegou
que havia colocado, por dentro das roupas, ficando com uma para ele e disse:
aparência de que estava mais magro. No outro dia, ao chegar à
“Eu não gosto de homem andando atrás de mim”
cidade, alguém comentou:
Biu respondeu:
“Biu, estais mais magro!”
“Então a partir de agora sou eu que vou na frente”
Ao que respondeu:

“Não é pra matar”.

2.27 Leite com xerém 1.1.29 Aposta


12
Certa vez Biu fez uma aposta com um senhor de São
José do Egito – PE de que beberia uma garrafa inteira de 1.1.32 Jornal velho
cachaça e não cairia. Fechada a aposta, o senhor comprou uma
garrafa de pinga, Biu deitou-se no chão e bebeu toda cachaça e, Conta-se, também, que certa vez, Biu estava olhando um
assim, ganhou a aposta. jornal velho e alguém passou e disse:

“Biu, o jornal é velho”.


1.1.30 Cabelos da cabeça
Ao que respondeu:

“Pra mim é novo, pois estou vendo pela primeira


Certa vez, alguém vendo Biu colocando as mãos sobre a
vez”.
cabeça, como se estivesse sentido alguma dor, perguntou:

“Biu, o que tu sentes na cabeça?”


1.1.33 Comendo pão na rua
E ele respondeu:

“Os cabelos”. Certa vez, em Itapetim-PE, alguém deu um pão a Biu e


ele começou a comer o pão, sentado numa calçada. Como,
1.1.31 Reunindo os amigos culturalmente, na Região o pessoal considera um ato feio comer
pão na rua, o poeta Do Santo passou e indagou em tom de
Certo dia, Biu tocou fogo numa cerca que separava a crítica:
propriedade de um de seus irmãos e um vizinho. Depois que “Biu, comendo um pão na rua?”
toda vizinhança se reuniu, desesperadamente, para apagar o
Biu olhou pra ele e disse:
figo, seu irmão indagou a Biu por que havia feito aquilo e ele
“Tu acha que eu vou alugar uma casa só para comer
justificou: um pão?”
“Para reunir os amigos”.
13
“Biu, para que estais querendo subir neste poste?”
1.1.34 Experiência de chuva
Ao que respondeu:

“Para chupar manga”


No Sertão, durante os longos períodos de estiagem, o
sertanejo, esperançoso, começa buscar sinais (ao que chama O senhor então disse:
de experiências) de que o inverno está chegando ou que o
“Mas aí não tem manga”
próximo ano vai ser bom. Assim, cada um, principalmente os
mais velhos, contam aos outros suas “experiências”, apontando Ao que retrucou Biu:
sinais, tais como, “relâmpagos no nascente”, “círculo de nuvens “Mas eu estou levando as mangas aqui no bisaco”
ao redor da lua” (ao que chamam de bulandeira), “cânticos de
determinados pássaros”, “formigueiros transferindo-se morada”,
1.1.36 O baldo do açude
“dores nas juntas” etc.
Assim sendo, determinado dia alguém perguntou a Biu:
Certo dia, Biu chegou, ao hotel (lanchonete) de seu irmão
“Biu, tu tens alguma experiência de que vai chover?” Leonardo, em Livramento – PB, e presenciou uma conversa
E este respondeu: entre alguns agricultores em que um deles dizia estar

“Tenho sim, pois meu vizinho ontem estava preocupado com a intensidade de chuvas que provocavam
retelhando sua casa”. grandes enchentes no riacho e com isso ameaçava transbordar
seu açude por cima do baldo2 e, conseqüentemente, arrombá-lo.

1.1.35 Chupando manga no poste 2 Segundo COSTA, Francisco A. Pereira da. Vocabulário pernambucano.
Certo dia, um senhor vendo Biu tentando subir num poste 2. ed. Recife: Secretaria de Cultura de Pernambuco, 1976. vol. II, p. 73, a
palavra “baldo”, significa paredão de barro que serve para represar a água
perguntou: de um açude, contrariamente a “balde”, que é um pequeno recipiente de
transportar água e outros gêneros. Já NAVARRO, Fred. Dicionário do
14
Diante de tal fato o agricultor dizia não saber o que fazer. Foi aí Certo dia, Biu apareceu em São José do Egito-PE
que um deles disse: usando duas gravatas, uma na frente outra atrás. O filho de Zé

“A única solução é levantar o baldo do açude o mais Clementino, sorrindo, perguntou:


rápido possível”.
“Biu está usando duas gravatas para ficar mais
bonito?”
Biu saltou de lá e disse:

“Assim é pior, pois a água passa por baixo”. Ao que respondeu:

“Não, é pra ninguém saber se eu estou chegando ou


1.1.37 O carro da coca-cola saindo”.

Um certo comerciante de São José do Egito-PE esperava 1.1.39 Ameaça de morte


o carro da Coca-Cola que deveria passar naquele dia para fazer
entrega, mas já era meio dia e o tal carro não aparecia. De Sua irmã Joventina Cassiano (Dona Jovem) nos contou
repente, Biu passou pela calçada e o comerciante perguntou: que, certa vez, Biu chegou, em sua casa, totalmente “virado da
bola”, como diz ela e, armado com uma foice, começou a
“Biu, tu viu um carro de coca-cola por aí?”
ameaçá-la de morte. Essa, com medo, para distraí-lo ou tirar tal
E este respondeu:
idéia de sua cabeça – dele - , começou a oferece-lhe comida,
“Eu já vi carro de madeira, de ferro, de ... mas de roupa, cigarro, cafezinho etc. Foi aí que Biu disse:
coca-cola eu nunca vi”.
“Tu hoje estás tão agradável”.

1.1.38 Duas gravatas


1.1.40 Eleitor fanático

Nordeste: 5.000 palavras e expressões. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. p. 53, coloca a palavra “balde”, também como sinônimo de “baldo”.
15
1.1.42 Cagando no mato
Conta-se que certa vez estando um político fazendo um
discurso de inauguração de uma obra, em São José do Egito- Certo dia Biu, andando pelos sítios, parou na frente da
PE, um matuto fanático veio se espremendo, em meio à casa de um senhor (no terreiro), baixou as calças e começou a
multidão e ficou bem juntinho ao político. Biu se encontrava, na cagar. O senhor vendo aquela presepada, gritou de dentro de
ocasião, e vendo o matuto “boca aberto”, ali, juntinho ao casa:
político, foi até lá, bateu, nas costa do matuto e disse: “Num tá vendo que aqui tem uma casa?”

“Olha, sai daí, pois se ele soltar um peito vão dizer Ao que respondeu Biu:
que foi tu”
“Mas eu gosto mesmo é de cagar no mato”.

1.1.43 Doação de carne


1.1.41 O piado do pinto

Durante muito tempo, um certo açougueiro forneceu


Certo dia Biu andava pelas ruas da cidade quando, de
carne a Biu. Mas com o passado tempo a carne foi ficando muito
repente, uma galinha com uma ninhada de pintos atravessou em
cara e o mesmo começou a diminuir a quantidade até que,
sua frente. Os pintos, assustados, começaram correr e piar. Biu
finalmente resolveu dá um basta na situação. Assim, quando Biu
pegou um dos pintos e, enquanto o pinto piava, Biu torcia-lhe o
chegou para pegar a doação o açougueiro disse:
pescoço dizendo:

“Não é piu é “Biu” “Biu!, nós vamos parar por aqui, que eu num agüento
mais essa pisada não!”
Ao que disse Biu:

“Pra tu vê, pois eu ia longe nessa pisada”.


16
1.1.44 Mistura (in)ofensiva se para Biu, que estava no meio da multidão escutando todas
as discussões, e perguntou:
Certa feita, passando na casa de uns conhecidos por “Biu, o que é a mesma coisa?”
ocasião do jantar, estes lhe ofereceram jantar, ao que de pronto
Biu, franziu a testa e, pensativo, disse:
aceitou.
“Sabe o que á mesma coisa? – Enfie dois dedos no
Ao sentar à mesa, a dona da casa lhe perguntou:
cu, depois retire; cheire um, depois cheire o outro
que é a mesma coisa”.
“Biu, tu quer xerém com carne ou com leite?”

Biu, desejoso de comer as duas “misturas”, interrogou:

“Se comer com os dois ofende é?”


1.1.46 Jornal de cabeça para baixo

1.1.45 A mesma coisa


Outro “causo” de Biu, um tanto licencioso, aconteceu
quando, numa determinada ocasião, este se encontrava
Uma das características de Biu Doido é que,
sentado, num meio fio de calçamento, fazendo que estava lendo
diferentemente, de muitos outros “doidos” da Região, não era
um jornal, quando, na realidade, ele não sabia ler. Uma senhora
pornográfico. Tanto é assim que um dos poucos “causos”
passou e disse:
licenciosos de Biu que temos notícias é o seguinte:
Certo dia, o fusquinha do finado João da Cruz quebrou, “Biu! tá de cabeça para baixo!”

em frente à antiga Panificadora de Heli Piancó, no centro de E ele completou:


Itapetim - PE. Nessa hora, começou a juntar gente e cada um
“E mole”
dava uma opinião: um disse: “Eu acho que é isso...”, outro: “Não
é isso...” etc. Lá pelas tantas, alguém deu determinada opinião e
João da Cruz disse: “Isso é a mesma coisa”. Heli Piancó virou-
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2 BIOGRAFIA DE JOAQUIM DOIDO morar numa pequena casa em sua propriedade rural na
entrada da cidade, logo após o cemitério, onde Joaquim Doido
viveu por 40 anos, até falecer em 1998.
Joaquim Nunes de Farias (Joaquim Doido ou Joaquim
Leite), nasceu no Município de Livramento - PB, em 15 de Joaquim Doido com sua cachorra baleia

agosto de 1914 e faleceu em 11 de setembro de 1998, na


Cidade de Itapetim – PE.
Segundo Tereza Piancó, esposa de Tonheiro Piancó, que
cuidou do poeta humorista por cerca de 40 anos, quando recém-
nascido, Joaquim Doido foi abandonado por sua mãe Jacinta
Maria Nunes, que era mãe solteira. Vendo a criança
abandonada, o seu avô paterno, cujo nome não sabemos,
passou a criá-lo no Sítio Retiro, Município de São José do Egito
– PE. Mas, certo dia, com cerca de 12 anos de idade, e por
razões desconhecidas, Joaquim Doido passou a morar com a
família Leite, no Sítio Boqueirão, Município de Brejinho – PE. Foi
a partir daí que incorporou ao seu nome o sobrenome Leite,
passando a se autodenominar Joaquim Leite. Finalmente, já
rapaz feito, apareceu no Sítio Maniçoba Itapetim – PE, e foi
acolhido, para sempre, pelo casal Isabel Piancó e Joaquim
Piancó, os quais ele tinha como padrinhos.
Tempo depois, Tonheiro Piancó veio morar na Cidade
Fonte: Arquivo pessoal de Lourdinha de Jacinto de Vital
de Itapetim e trouxe consigo Joaquim Doido, colocando-o para
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Na foto anterior, temos um retrato perfeito do perfil de pouca gente sabe versos seus decorados, como, por exemplo,
Joaquim Doido, o qual foi descrito de forma sintética numa esta outra estrofe isolada:
estrofe do poeta itapetinense Zé Adalbeto, que em seu cordel
Eu saí pro meu roçado
intitulado “Seu Joaquim, o doido mais poeta de Itapetim: Com um bisaco na mão
Pra apanhar algodão
Sempre usou uma bengala A fim de ter resultado
Chapéu de couro e bisaco Depois que eu tinha apanhado
Um chinelo “salga bunda” Coloquei dentro de um saco
Uma camisa de saco Olhei e vi um casaco
Calças pegando marreca Tocando samba e dançando
Três pulseiras na munheca E vi um peba chorando
E anéis de quilate fraco. Pra não sair do buraco

Mas o forte mesmo de Joaquim Doido era o verso


2.1 A poesia irreverente de Joaquim Doido pornográfico, como, por exemplo, quando, estando chateado
com Pedro de Joaquim de Fonte, disse em versos:
Não raro Joaquim Doido era convidado a participar de
Olhe, Pedro, o maior bem
cantorias com os amigos, na maioria das vezes fazendo dupla Que eu desejo pra tu
com Paulo de Camilo, com Joaquim Amarelo, com Antônio É só um câncer na língua
E um cabrunco no cu
Alexandre, etc., os quais, motivados por situações peculiares ou Que não possa mais cagar
a partir de motes extravagantes, faziam versos de improviso, Nem mesmo comendo angu

engraçados ou atrapalhados, quase sempre dosados de certo


E mais esta outra estrofe que não sabemos com quem:
humor e/ou pornografia.
Por ser um poeta irreverente e sem prestígio, infelizmente
das muitas cantorias que fez quase nada ficou registrado e
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Agora eu ia passando 2.2 Causos de Joaquim Doido
Me chamaram de matuto
Pensando que eu não escuto
Já fui logo espraguejando 2.2.1 Autoconsciência de doidos
Saltei e já fui chamando
Cachorro, “fela da puta”
Vamos se acabar na luta Fazendo uma ponte com o tópico anterior da poesia,
“Fi de jega parideira”
certa feita, numa cantoria entre Joaquim Doido e Antônio
Meti a mão na peixeira
Porém ganhei na disputa. Alexandre, deram o mote: “Doido, crente e cantador/Só anda de
paletó”. Os dois ficaram a pensar, tocando um baião nas violas,
Em um desafio malcriado, com o também doido Antônio como é costume de toda dupla de cantadores, quando, depois
Alexandre, este fez a seguinte estrofe: de um certo tempo, de repente, Joaquim Doido parou de tocar e,
se dirigindo a Antônio Alexandre, disse:
Hoje eu vou fazer contigo
O que eu fiz com Zé Timbú “Se tu quiser cantar canta, mas que é cum nós é”.
Bati e rasguei-lhe a roupa
Deixei foi o cabra nu
Morreu inchado num canto 2.2.2 Defunto endemoniado
Quem o comeu foi o urubu

Ao que respondeu Joaquim Doido: Joaquim Doido era um homem de Igreja. Não perdia uma
missa e/ou qualquer outra cerimônia religiosa. Com uma
Se hoje eu pegar “Lixandre”
particularidade, ficava sempre pertinho do padre e repetia
Como eu fiz no Mulungu
Deixei o bicho pelado baixinho tudo que o padre dizia, de forma que, com o passar dos
Ou assim por dizer, nu
tempos decorou toda liturgia católica. Assim sendo, quando Pe.
Mas outras coisas que fiz
Não posso dizer a tu João Leite ficou velho e doente, autorizou que, quando da sua
ausência, Joaquim Doido estava autorizado a fazer a
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“Encomendação de defuntos”3. E aí, certo dia, trouxeram um casa/Igreja Matriz/cemitério, durante o cortejo os homens iam
defunto para ser enterrado já no finalzinho da tarde. E como o se revezando na condução do caixão. Assim, a cada certo
Pe. João não estava, foram chamar “Seu Joaquim”, que já veio a tempo alguém cedia uma das alças do caixão para outro, e
contra-gosto. Chegando a Igreja Matriz, este começou a assim sucessivamente. O problema é que cada vez que “Seu
cerimônia e, contrariado, errou por mais de uma vez e, como era Joaquim” ia pegando na alça do caixão, alguém tomava a frente
decorado, a cada vez que errava recomeçava do zero. Depois e pegava primeiro. Depois de algumas tentativas frustrada, “Seu
de algumas repetições, um dos “donos do defunto” (um parente) Joaquim” “pegou ar” e, irritado, disse:
resmungou: “Deixa eu pegar que esta gota serena é minha
madrinha”.
“Desse jeito vai dá meia noite e a gente num enterra
o defunto”

“Seu Joaquim”, que tinha um costume de repetir as 2.2.4 Incidente na igreja


primeiras palavras de uma expressão, disse:

“É porque... é porque... é porque tem defunto que Noutra ocasião, novamente pelo fato do Pe. João Leite
parece que tem o cão no couro”. está doente no Recife, o Pe. Afonso, de Serra Talhada, veio
substituí-lo por alguns dias. Neste ínterim, numa missa solene,
2.2.3 Enterro da madrinha enquanto o povo se mantinha ajoelhado ao longo da nave da
igreja, o Pe. Afonso, munido de um turíbulo, incensava a Bíblia
Por falar em defunto, quando Dona Isabel Piancó faleceu, Sagrada. “Seu Joaquim”, ao invés de estar ajoelhado junto com
que como dissemos na biografia de “Seu Joaquim”, foi para ele os demais fies, acompanhava o padre p’ra e p’ra cá, “marcando
uma espécie de madrinha, na hora do enterro, no trajeto no pé”, como se costuma dizer. Nisto, ao balançar o turíbulo,
saltou de dentro uma brasinha se alojou exatamente entre os
3 Oração litúrgica (bênção) do defunto antes de enterrá-lo, entregando-o a dedos de um dos pés de “Seu Joaquim”. Com a dor, este gritou
Deus.
dentro da Igreja:
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“Arra gota serena!” E o padre aproveitou para continuar a missa antes que

O Pe. Afonso voltou-se para ele e, colocando o dedo alguém fizesse mais uma prece.

polegar direito sobre a boca, exclamou: “Psiu!”


“Seu Joaquim” respondeu: 2.2.6 Padre dando leite

“Psiu porque num foi em seu dedo”.


Outro causo envolvendo a Igreja aconteceu quando, nos
anos 60, o Pe. João Leite passou a receber grande quantidade
2.2.5 Encerrando as preces
de donativos da Caritas, para distribuir entre os pobres4. O caso
é que, tendo corrido a notícia na cidade que havia chagado uma
Noutra ocasião, numa missa comum, na hora preces,
“carga” de leite em pó, “Seu Joaquim” pegou uma mochila de
aquele momento em que as pessoas fazem seus pedidos
pano e dirigiu-se para Casa Paroquial. Chegando lá
encerrando com a frase: “oremos ao Senhor” e o público
surpreendido por uma resposta negativa do Pe. João Leite, que
responde “Senhor escutai nossas preces”, uma senhora de
tentava convencê-lo que dada a pequena quantia vinda, teria de
nome “Pureza” se alongava exageradamente em uma prece,
dá prioridade aos casos de extrema pobreza, que não era o
causando certo desconforto entre os demais fieis e no padre que
caso dele que já tinha a proteção de Dona Isabel Pianco.
esperava a mulher concluir para dar continuidade a missa.
Joaquim Doido não se deu por convencido e saiu contrariado da
Depois de certo tempo, a mulher parou por um pouco para
Casa Paroquial. Abufelado, como si diz no matutêz. Ao chegar
respirar, ao que soltou “Seu Joaquim” de lá e, fazendo gestos
(cruzando e abrindo os braços), disse:

“E oremos ao Senhor”. 4A Caritas, era uma Instituição religiosa, de caridade, que nos anos 60/70
recebia ajuda, principalmente, dos Estados Unidos que, interessado em
E o povo respondeu: combater a ideologia comunista, aliou-se à Igreja, lançando a campanha
“Aliança para o Progresso”, frase esta que vinha impressa nas embalagens
dos produtos a serem doados, tais como arrozina, leite em pó, fubá, óleo,
“Senhor escutai nossas preces” manteiga etc.
22
na calçada encontrou uma mulher que lhe fez a seguinte 2.2.8 “Jesus não quer isso não”
pergunta:
“Seu Joaquim, é verdade que o Pe. João está dando Certo tempo nosso amigo Paulo Ferreiro resolveu
leite?”
investir na conversão de “Seu Joaquim” ao protestantismo.
“Seu Joaquim”, “arretado da vida”, respondeu: Depois de muita insistência este chegou a frequentar alguns
“Eu num sabia nem que o Pe. João tinha parido, cultos, o que deu grandes esperanças ao amigo Paulo de que
quanto mais que tá dando leite”.
ele estaria se convertendo. Mas, poucos dias depois, Paulo
avistou “Seu Joaquim” adentrando no Bar de Inácio de Zé
2.2.7 Jesus também bebia Augusto. Imediatamente se dirigiu para lá, quando, ao chegar na
porta o viu com um copo de cacha na mão, bem cheinho,
“Seu Joaquim” tomava muita cachaça, daí certo dia um “passado a paêta”, como diz o matuto. Foi aí que Paulo disse
protestante de Itapetim travou um diálogo com ele na esperança em alto e bom tom aquela máxima famosa do protestantismo:
de persuadi-lo a deixar aquela prática pecaminosa.
“Seu Joaquim, Jesus não quer isso não!”.
Lá pelas tantas, como não abria mão de sua
Ao que retrucou, com raciocínio rápido, o Doido genial:
cachacinha, disse “Seu Joaquim”:
“Mas eu num tô oferecendo a Ele não!”
“Que eu saiba... que eu saiba... que eu saiba, Jesus
também bebia. E não bebia mas chegou a fabricar” Mas, uma das dificuldades que temos em narrar os
O “crente” de pronta advertiu: causos e contos de “Seu Joaquim” é que este, a exemplo de

“Mas foi vinho, Seu Joaquim!”


muitos outros doidos, era um sujeito que, além de muito
estourado, era muito pornográfico ou desbocado, para usar uma
Ao que retrucou “Seu Joaquim”:
palavra mais suave. Para este não havia diferença de lugar e/ou
“Aí é que a ressaca é grande”.
pessoa, podia ser em qualquer local ou na presença de qualquer
pessoa. Uma vez provocado ela dava uma resposta, muitas
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delas “politicamente imprópria” para o ambiente ou pessoas que “Bença mãe” 5 era o bordão
Que mais irritava ele
estavam presentes.
Palavrão de todo tipo
De qualquer forma, entendemos que vale a pena registrá- Se manifestava nele
Principalmente se houvesse
las aqui, pelos menos até onde nos é possível, pois entendemos
Mulher por perto, parece
que, mesmo que para tal ele usasse de uma linguagem Que não era muito a dele.
licenciosa, a genialidade, criatividade ou estado de espírito com
Dito isto, em 1982, no primeiro ano do segundo mandado
que respondia as provocações superam este limitação, fazendo
a Prefeito de Geraldo Mariano, Igreja e Prefeitura se uniram para
dele uma personagem folclórica, e porque não dizer um
promover a Festa de São Pedro. E dentre as atividades juninas,
verdadeiro artista.
organizamos uma quadrilha a se apresentar na Praça Púbica, na
Dentre os casos licenciosos que conhecemos que
qual incluía um casamento matuto. Convidamos o anão
envolvem a pessoa de “Seu Joaquim” e que julgamos mais
Nouzinho, que era um engraxate, para ser o noivo, e alta Maria
amenos, temos os seguintes:
Magra, zeladora da igreja, para ser a noiva. E chamamos
Joaquim Doido para ser o padre, uma vez que ele sabia
2.2.9 Casamento matuto
decorada a cerimônia do casamento. No dia de São João, na
praça Rogaciano Leite, diante uma multidão de pessoas, “Seu
Para entendermos o causo do casamento matuto,
Joaquim”, com um microfone na mão, conduzia a cerimônia. E lá
primeiro temos de enfatizar que “Seu Joaquim” tinha um apelido,
como todo doido, que ele não suportava ouvir, a saber: “Bença
mãe”. Ouvindo estas palavras ele se manifestava, não
respeitado local e/ou pessoas, conforme narra Zé Adalberto em 5 Ainda segundo o mesmo Zé Adalberto, o apelido “Bença mãe” se deu
porque quando ele era adolescente, morando no sítio Maniçoba, nos dias
seu cordel “Seu Joaquim, o doido mais poeta de Itapetim”: de feira, enquanto os pais iram à cidade, deixavam “Joaquim Doido”
tomando canta da meninada da região, tornando-se uma espécie de mãe.
Mas além desse apelido que o irritava, dois outros bordões estavam
intimamente ligados a seu nome “ôssipa!” (equivalente a ôi!”) e
“justamente”.
24
pelas tantas, entrou naquela parte em que o padre pergunta aos Este olhou para trás e respondeu:
noivos: “A sua mãe... a sua mãe..., a sua mãe eu encontrei
agora a pouco ali engatada num cachorro”.
“Nouzinho, você aceita Maria Magra como sua
legítima esposa ...”
“Maria Magra, você aceita Nouzinho como seu
legítimo esposo ...”
2.2.11 Deus te abençoe

Nisso um gaiato (que não diremos aqui o nome) gritou do


Outra vez, testando se “Seu Joaquim” era capaz de dar
meio do povo:
uma resposta malcriada (ou pornográfica) mesmo na frente de
“Bença mãe!”
algumas senhores, quando ele passava próximo a Bodega de
E “Seu Joaquim”, com o microfone na mão, em alto e bom Inácio de Zé Augusto, estando próximo algumas senhoras, um
som, disse: gaiato (que não vamos dizer o nome aqui), disse a uma certa
“Já começaram a viçar” distância:

E aí a gargalhada tomou conta da praça, e muitos, que “Bença mãe!”

estavam distantes, não entenderam quem tinha “começado a Este virou-se para o sujeito, baixo as calças, pegou “nos
viçar”, se os noivos ou ... cachos”, balançou a “peia”, e disse:

“Deus te abençoe!”
2.2.10 Xingando a mãe de alguém

2.2.12 “Bicha boa”


Na mesma linha do “bença mãe”, certo dia “Seu Joaquim”
passava em determinada rua quando um gaiato (que não
Mas pior foi noutra ocasião, quando, nas mesmas
diremos o nome aqui), gritou a uma certa distância:
circunstância, uma senhora o provocou e ele, depois de fazer os
“Bença mãe!”
25
mesmos gestos do caso anterior, “pegando em sua peia mole”, 2.2.14 Origem do nome “Joaquim Doido”
disse:

“Vamos... se levanta” se acorda que a bicha é Certo dia, “Seu Joaquim” ia para casa quando, ao passar
boa!”, em frente ao Cemitério, encontrou um Senhor que disse sem
nenhuma maldade:

2.2.13 Tentando uma carona “Bom dia Seu Joaquim Doido!”

Seu Joaquim “pegou ar” na hora, de forma que nem


“Seu Joaquim” precisava ir ao Sítio Maniçoba (na respondeu.
Serrinha), mas estava com preguiça de ir a pé. Passando pela Mas quando o homem, desapontado, ia se retirando, “Seu
oficina de Geraldo de Hilda viu que o carro de Pedrinho Borges Joaquim” voltou-se para ele e o interrogou:
estava no conserto. Este se aproximou do dono e perguntou: “Onde foi que o Senhor viu este nome: Joaquim
Doido. Foi num dicionário?”
“Depois que terminar o serviço o Senhor vai para o
Ambó?” O Senhor disse: “não!”
Nisto, o mecânico Demóstenes, filho de Geraldo, “Foi no meu registro de nascimento?”
que estava deitado em baixo do carro fazendo serviço,
O Senhor disse: “não!”
resmungou:
“Ah! Então já sei onde foi que você viu. Mas não vou
“Mas ele num leva cachorra não”. lhe dizer não. É porque... é porque... é porque eu
tenho o maior respeito para com a rapariga de sua
mãe”.
“Seu Joaquim” voltou-se para ele e disse:

“Não se preocupe não... não se preocupe... não se


preocupe que ele num vai lhe levar não”.

2.2.15 Cachorra dando cria exposta ao sol


26
Pra todo lugar que ia
Ele tinha que levar
Uma das marcas ou características registradas de “Seu
Duas ou três como um dever
Joaquim” eram suas cachorras, de quem sempre andava Deixava até de comer
Pra cachorrada luxar.
acompanhado, e a quem demonstrada grande carinho. Certo
dia, ao retornar para casa, chegando lá, encontrou uma de suas
cachorras dando cria no terreiro, exposta ao sol do pingo do
2.2.16 Vaca parida
meio dia. Este pegou a cachorra e levou para dentro de cassa
colocando-a sobre sua cama para que ali terminasse o parto.
Certa feita “Seu Joaquim” conduziu uma das vacas (com
Nisto, Tonheiro Piancó, proprietário das terras onde ele morava,
um bezerro novo) de Tonheiro até o rio Pajeú para beber água.
chegou e vendo a cena deu-lhe uma grande bronca, onde,
No caminho, que era muito estreito, encontraram uma mulher
dentre muitas coisas, disse:
que vinha para rua. Vendo a mulher, a vaca ficou agitada, e a
“Você sabe que é errado colocar cachorra para dá mulher, por sua vez, ficou com medo de passar. “Seu Joaquim”
cria em cima da cama, num sabe?”
tentava acalmar a vaca e nada.
“Seu Joaquim, irritado, respondeu: Lá pelas tantas, a mulher amedrontada perguntou:
“Errado... errado... errado se fosse na sua”. “Seu Joaquim, esta vaca dá?”
Sobre o seu amor pelas cachorras, diz em versos o poeta Ao que, irritado como estava, respondeu:
itapetinense Zé Adalberto, num cordel intitulado “Seu Joaquim, o
“Tá na cara, senão num tinha bezerro”.
doido mais poeta de Itapetim”:

REFERÊNCIAS

Trinta cachorras ou mais


Ele chegou a criar
27
ADALBERTO, Zé. Seu Joaquim, o doido mais poeta de Itapetim.
Itapetim: [s.n.], [2014]. (Folheto de Cordel)
COSTA, Marcos Roberto Nunes ; PASSOS, Saulo da Silva. Itapetim
“ventre imortal da poesia”: antologia de poetas, repentistas,
cantores e compositores itapetinenses. 2. ed. ampliada. Recife:
CEHM/FIDEM/CONDEPE/CEPE, 2013. 536 p. (Coleção Tempo
Municipal, n, 27).
COSTA, Francisco A. Pereira da. Vocabulário pernambucano. 2.
ed. Recife: Secretaria de Cultura de Pernambuco, 1976. vol. II.
LOPES, Arlindo. Biu Doido e suas respostas geniais. São José do
Egito: [s.n.], [s.d.]. (Folheto de Cordel)
NAVARRO, Fred. Dicionário do Nordeste: 5.000 palavras e
expressões. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
NUNES, Joselito. Cariri & Pajeú: outras histórias de lá. Recife: Líber
Gráfica, 2003.

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