Educação Matemática e Diversidades
Educação Matemática e Diversidades
Educação Matemática e Diversidades
Diretores da Série:
Prof. Dr. Adriano Vargas Freitas Prof. Dr. João Ricardo Viola dos Santos
Universidade Federal Fluminense (UFF) Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Prof. Dr. Alejandro Pimienta Betancur Prof. Dr. José Eustáquio Romão
Universidad de Antioquia (Colômbia) Universidade Nove de Julho e Instituto Paulo Freire (Uninove e IPF)
Prof. Dr. Alexandre Pacheco Prof. Dr. José Messildo Viana Nunes
Universidade Federal de Rondônia(UNIR) Universidade Federal do Pará (UFPA)
Organizador:
Harryson Júnio Lessa Gonçalves
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
Educação Matemática e Diversidade(s) [recurso eletrônico] / Harryson Júnio Lessa Gonçalves (Org.) -- Porto Alegre, RS:
Editora Fi, 2020.
297 p.
ISBN - 978-65-87340-30-2
DOI - 10.22350/9786587340302
CDD: 510
Índices para catálogo sistemático:
1. Matemáticas 510
Sumário
Prefácio......................................................................................................................11
Diversidade em Educação Matemática: da Complexidade à Estética
Ricardo Scucuglia Rodrigues da Silva
1 ................................................................................................................................ 15
História oral: diversidade, pluralidade e narratividade em educação matemática
Antonio Vicente Marafioti Garnica
Maria Laura Magalhães Gomes
2 ................................................................................................................................ 41
Decolonialidade, africanidade e matemática
Vanisio Luiz da Silva
Valdirene Rosa de Souza
3 ............................................................................................................................... 62
Aspectos culturais, sociais e etnomatemáticos no empoderamento de uma
comunidade quilombola
Romaro Antonio Silva
José Roberto Linhares de Mattos
Pedro Manuel Baptista Palhares
Fabrício de Souza dos Santos
4................................................................................................................................ 79
Rastros decoloniais em educação matemática: saberes tradicionais e saberes
escolares na prática docente indígena
José Sávio Bicho
José Roberto Linhares de Mattos
Sandra Maria Nascimento de Mattos
5 ............................................................................................................................... 98
A etnomatemática do sistema de numeração no cotidiano do povo indígena Parkatêjê
Iran Medrada da Silva
Ana Clédina Rodrigues Gomes
José Sávio Bicho
6...............................................................................................................................116
Terra de passagem: escola rural como espaço formativo de professores que ensinam
matemática
Maria Ednéia Martins-Salandim
Claudinéa Soto da Silva
7 .............................................................................................................................. 134
Nobreza e gueto fora das exatas: percepções de raça, gênero e orientação sexual
Fernanda Dartora Musha
Yasmin Cartaxo Lima
Elenilton Vieira Godoy
8 ..............................................................................................................................161
Pisando sobre brasas: contribuições de gênero e sexualidade para a educação
matemática
Harryson Júnio Lessa Gonçalves
Igor Micheletto Martins
Kedma Elisandra Zanetti
9.............................................................................................................................. 183
Género y raza y sexo y educación matemática: políticas de visibilidad de cuerpos
disidentes
Jeimy Marcela Cortés Suárez
Paola Amaris-Ruidiaz
Roger Miarka
10 ............................................................................................................................ 195
A (in)equidade de gênero em educação matemática: pesquisando as pesquisas
Vanessa Franco Neto
Paola Valero
11 ............................................................................................................................. 214
Governo dos corpos: aprendendo a ser menina e a ser menino em livros didáticos de
matemática
Marcio Antonio da Silva
Vanessa Franco Neto
Deise Maria Xavier de Barros Souza
12 ........................................................................................................................... 234
Diretrizes teóricas e metodológicas para o desenvolvimento de materiais didáticos
de matemática no contexto da economia solidária
Renata Cristina Geromel Meneghetti
Edinei de Oliveira Filho
13 ............................................................................................................................ 253
Perspectiva inclusiva a partir do olhar de uma professora de escola regular na qual
convivem as diferenças
Sofia Seixas Takinaga
Ana Lúcia Manrique
14 ............................................................................................................................ 272
Os desdobramentos da diversidade entre estudantes com cegueira e com baixa visão
para o ensino da matemática
Maria Inêz Vasconcelos da Silva
Ana Lúcia Braz Dias
Prefácio
1
Ver https://apcz.umk.pl/czasopisma/index.php/LLP/article/view/LLP.1995.010/2134
12 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Outono de 2020
1
História oral:
diversidade, pluralidade e narratividade
em educação matemática
1
Livre-docente pela Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) –
Câmpus de Bauru e doutor em Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da
UNESP – Câmpus de Rio Claro. Pós-doutorado na Indiana University Purdue University at Indianapolis, Estados
Unidos. Professor Associado do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da UNESP – Câmpus de
Bauru; credenciado no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência (UNESP-Bauru) e no Programa de
Pós-Graduação em Educação Matemática (UNESP-Rio Claro). É coordenador do Grupo de Pesquisa História Oral e
Educação Matemática (GHOEM). Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora titular aposentada do De-
partamento de Matemática e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected].
16 | Educação Matemática e Diversidade(s)
temporalidade podem, por extensão, ser tidos como narrativas (neste caso,
tanto as obras de arte, quanto os documentos escritos, as fotografias esco-
lares antigas e os selfies contemporâneos poderiam servir de exemplo).
Personagens podem ser fictícios ou reais, gente, animal ou coisa, manifes-
tação corporificada, manifestada ou nublada (ao modo dos fantasmas nos
filmes ou dos sentimentos que conduzem as paixões humanas, desumanas
e sobre-humanas); cenários podem ser oníricos ou concretos; a tempora-
lidade pode ser a da história (cronológica, contínua, direcionada) ou a da
memória (volátil, incontrolável, lacunar, plena de inícios e finais, cíclica).
Não estão equivocados os que dizem assim, mas, focados apenas no
que a narrativa é, talvez se esqueçam do que a narrativa pode: uma nar-
rativa pode criar mundos, reais ou fantásticos, verdadeiros ou falsos,
passados ou presentes, com ou sem o sentido que se espera ou se pressu-
põe. Narrativas implicam criação, permitem mesmo que os narradores
criem a si-próprios em suas narrativas.
Narrativas subvertem – e exemplos claros disso estão nos fascismos,
sejam antigos ou recentes, que se apoiam fortemente na criação de narra-
tivas com a intenção de substituir – à revelia de fontes, registros, relatos,
evidências – uma narrativa “antiga” (tida como falsa) por uma “nova” (tida
como correta e redentora) ao gosto das ideologias de plantão. Como disse
Pablo Neruda, em tempos escuros se escreve com tinta invisível...
Alessandro Portelli3 não cansa de nos dar exemplos de como, na Itália
contemporânea, tenta-se insistentemente reduzir a escombros a
3
Os trabalhos de Alessandro Portelli sobre o Massacre das Fossas Ardeatinas, realizados a partir de entrevistas com
antigos combatentes da resistência italiana, os partigianos, são muito significativos. Esse Massacre diz respeito ao
fuzilamento de 335 civis, ocorrido em 24 de março de 1944, em represália ao atentado que, no dia anterior, resultou
na morte de 33 oficiais nazistas (dez civis para cada oficial foi o slogan nazista). Quatro dias depois do fuzilamento
sumário, sem julgamento, as fossas, como ficaram conhecidas as antigas cavas da cidade de Roma, foram derrubadas
para que os escombros escondessem os corpos sem que fosse necessário enterrá-los. As narrativas atuais do Estado
Italiano ora negam esse massacre, ora relativizam sua violência. Há inúmeros exemplos de mesma natureza, como
o do genocídio dos armênios, ainda hoje não reconhecido pelo governo turco, ou a defesa das “verdades alternativas”
do governo Trump. No Brasil, têm-se tentado reverter e desqualificar a todo custo as determinações e os trabalhos
da Comissão da Verdade, criada para esclarecer, por exemplo, desaparecimentos e assassinatos ocorridos na época
da Ditadura Militar (1964-1985). A criação de narrativas ideologicamente vetorizadas e sem fundamento histórico –
bem ao contrário: são novas narrativas criadas à revelia de evidências e a partir da negação da História – é, portanto,
característica mais do que comprovada dos regimes fascistas.
20 | Educação Matemática e Diversidade(s)
4
Escrevemos este texto no Brasil, cujo governo atual é de extrema direita. As atuais lideranças políticas – sem se
preocupar minimamente com a coerência ou a consistência de suas afirmações – afirmam que o Nazismo foi um
movimento político de esquerda, bem como afirmam serem invenções a Ditadura Brasileira e o Holocausto. Interes-
sante notar que essas afirmações sobre o Nazismo e o Holocausto foram revitalizadas e tomaram corpo, no Brasil,
logo após a visita do atual Presidente brasileiro ao Museu do Holocausto, em Israel, o que mostra o descaso com as
evidências históricas. Infelizmente, defendem esses pontos de vista não só o atual presidente brasileiro, mas também
seus ministros, dentre os quais o das Relações Exteriores, um diplomata. Seguem a diretriz do momento: transformar
o ódio às oposições, o revanchismo, a violência e os ressentimentos em políticas de Estado, o que fazem com vulga-
ridade e destemperança.
Antonio Vicente Marafioti Garnica; Maria Laura Magalhães Gomes | 21
discernindo quem pode falar e sobre o que se pode falar, ao mesmo tempo
que estabelecem sobre o que se deve silenciar.
Assim, conhecer, registrar e divulgar narrativas de atores que viven-
ciaram determinada situação, em determinados espaços e tempos, é uma
das funções da História Oral. Em Educação Matemática há, certamente,
uma variedade quase inesgotável de campos nunca explorados por pesqui-
sadores. Vale dar alguns exemplos: embora sejamos profícuos na
elaboração de pesquisas sobre práticas de professores em sala de aula, com
observações muitas vezes meticulosas, é um pouco difícil encontrar regis-
tros de falas de professores sobre como planejam suas aulas, sobre como
acham que se saíram em suas aulas, sobre como preparam suas avaliações,
sobre como assumiram determinadas posições concordando ou subver-
tendo legislações vigentes… Uma das razões para que o número de
pesquisas que apresenta esse tipo de registro seja diminuto remete a uma
das discussões teóricas mais antigas e persistentes no percurso da História
Oral: – E se o entrevistado mentir? Outra razão que pode ser apontada
para a quase inexistência de registros dessa natureza é a negligência que
tanto pesquisadores quanto professores têm mostrado em relação a essas
práticas cotidianas, comuns, usuais, ordinárias, que apenas muito recen-
temente têm sido consideradas objeto de pesquisa legítimo, cujo estudo é
tão importante quanto necessário. A História Oral surge, então, como uma
das possibilidades de preencher essas lacunas. É preciso diversificar as
versões, considerando vários pontos de vista5. É preciso compreender que
o passado comportava mais futuros do que aquele que efetivamente se
mostra no presente.
5
Uma referência que temos usado para sensibilizar nossos alunos sobre a importância de considerar pontos de vista
variados e alternativos é a breve conferência de Chimamanda Addichie, escritora nigeriana, proferida no ciclo de
conferências TED (Technology, Entertainment, Design) – Ideas Worth Spreading, ocorrida em Julho de 2009. A au-
tora narra situações a partir das quais conclui que a redução de várias versões a uma única versão aniquila a vida.
Em seu caso particular, ela afirma que essa forma homogênea de contar histórias limitou seu modo de olhar seu
próprio país e seu próprio povo. Ela complementa contando que, quando se mudou para os Estados Unidos, sua
colega de quarto só conseguia vê-la a partir dos estereótipos criados socialmente a respeito de algo chamado “África”,
e mostra que ela própria, em vários momentos, cedeu à tentação dessas versões hegemônicas, concebendo a si pró-
pria a partir de estereótipos.
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6
Ou Alexievitch, devido à transliteração do Cirílico.
7
É um exemplo disso o filme brasileiro Narradores de Javé, de Eliane Caffé, que conta a história de um grupo de
moradores da cidade de Javé, a ser extinta devido à construção de uma hidrelétrica. Dada a extinção iminente, é
preciso escrever a história de Javé, e esse é o projeto que une os habitantes e fica a cargo do único habitante alfabe-
tizado – um ex-funcionário dos Correios. Não se trata de um documentário, mas de um filme de ficção que, no
entanto, representa inúmeros projetos de mesma natureza desenvolvidos por populares em suas cidades e bairros.
Antonio Vicente Marafioti Garnica; Maria Laura Magalhães Gomes | 23
8
Esse movimento de alteração do oral para o escrito ocorre em momentos chamados transcrição e textualização,
que serão discutidos na sequência deste texto.
26 | Educação Matemática e Diversidade(s)
9
Caberia, aqui, questionar a autoria de uma narrativa que é o registro de uma história contada por um narrador a
um pesquisador que, por sua vez, faz efetivamente o registro e disponibiliza a narrativa. Isso implica perguntar qual
a parcela de autoria do pesquisador na produção dessa narrativa, já que os procedimentos de registro e disponibili-
zação funcionam como uma editoração que, de algum modo, altera indelevelmente a narrativa. Afirmaremos que as
narrativas tornadas texto escrito são uma colaboração entre narrador e pesquisador, sendo, assim, fontes produzidas
em coautoria.
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de pontos de vista quando vai buscar seus depoentes, mas deve cuidar,
também, de pautar-se pela pluralidade de fontes que coloca em diálogo
com os depoimentos coletados, visando a atribuir significados plausíveis
ao seu conjunto de narrativas. Desse modo, fica reforçada a concepção de
que a história não trata de uma verdade singular10, mas de verdades plu-
rais, de plausibilidades. A diversidade das fontes é ponto essencial para
essa plausibilidade. Ainda assim, várias histórias plausíveis podem ser ela-
boradas a partir de um mesmo conjunto de narrativas... É exatamente esse
o sentido da afirmação de que a história é uma narrativa possível em uma
procissão de narrativas possíveis que, por sua vez, redimensiona – ou re-
futa – a afirmação de Jorge Luis Borges de que a História é o conjunto das
diferentes entonações de algumas poucas metáforas...
Sendo ou não mobilizada para disparar uma operação historiográ-
fica, a História Oral produz fontes historiográficas e, por isso, os
pesquisadores que se valem da História Oral devem defender claramente
uma concepção de História. Naturalmente a própria opção por ter a His-
tória Oral como metodologia implica descartar concepções como aquelas
que defendem a existência de uma verdade histórica única e indiscutível,
ou a que defende a priorização das chamadas fontes primárias e adjetiva
outras fontes como secundárias (e não poucas vezes assume as fontes orais
como fantasiosas, equivocadas ou tendenciosas). A concepção de História
que temos defendido está radicada na abordagem de Marc Bloch: a Histó-
ria é o estudo dos homens, vivendo em comunidade, no tempo. Assumindo
as consequências por alterar sentença tão conhecida e assumida, de um
modo ou outro, por todos os que se definem como herdeiros da historio-
grafia dos Annales e abraçam o que se tem chamado de História Cultural,
arriscaremos dizer que a História é o estudo dos homens, vivendo em co-
munidade, em determinado tempo e espaço. É importante acentuar,
10
O filme Rashomon, de 1950, dirigido por Akira Kurosawa, tem sido usado por nós como uma possibilidade de sensibi-
lizar pesquisadores iniciantes quanto a questões relativas à relatividade da verdade e ao limite de diferentes versões. O
filme traz as narrativas totalmente divergentes, contadas por quatro testemunhas, sobre um estupro seguido de assassi-
nato. Dentre as quatro testemunhas estão o assassino e a própria vítima (que fala através de um médium). Cada uma das
histórias contradiz as demais, problematizando a impossibilidade de uma única verdade. Assim, afirmamos que, mais do
que buscar uma versão verdadeira, é função da Historiografia buscar a verdade das versões.
Antonio Vicente Marafioti Garnica; Maria Laura Magalhães Gomes | 29
Sobre procedimentos
11
Essa afirmação abre novas questões, como, por exemplo, sobre a abordagem memorialista da História e a necessi-
dade de considerarmos, numa concepção mais contemporânea de História, distintas temporalidades: além da
temporalidade Chronos considera-se, por exemplo, a temporalidade Kairos, própria da memória e do modo como o
mundo nos afeta e que, desprezando a sequência cronológica clássica, se traduz, na linguagem, em uma sequenciação
narrativa não convencional. Nesse sentido é interessantíssimo o texto In search of sacred time: Jacopus de Voragine
and the Gold Legend, uma das últimas produções de Le Goff, na qual o tema central é a temporalidade na liturgia
cristã, analisada a partir da obra medieval do arcebispo de Gênova, publicada no século XIII. Os trabalhos de François
Hartog são também fundamentais para compreender o movimento do que ele chama Regimes de Historicidade, ou
seja, os modos como se dá a experiência do Tempo ou, de outro modo, como presente, passado e futuro se articulam
na escrita da História. Ainda que esse tema seja importante para nossa fundamentação, ele não será tratado mais
detalhadamente neste texto.
12
Exemplos disso são as cartas, muito comuns em acervos pessoais, e algumas biografias (mais especificamente,
algumas autobiografias). Têm sido mais frequentes, recentemente, no Brasil, estudos em Educação Matemática de-
senvolvidos a partir de autobiografias.
30 | Educação Matemática e Diversidade(s)
13
Os direitos dos colaboradores/depoentes terminam quando estiver decidido quais fontes e como essas fontes po-
dem ser divulgadas. Tendo as fontes em mãos, o pesquisador inicia a análise formal, que é de sua responsabilidade,
pois é uma atribuição de significados dele, pesquisador, coautor das narrativas escritas ou de qualquer outro pesqui-
sador que deseje questionar ou re-significar as fontes disponibilizadas.
Antonio Vicente Marafioti Garnica; Maria Laura Magalhães Gomes | 31
(a) toda pesquisa tem como ponto de partida uma problematização que se manifesta
na forma de uma pergunta, a questão diretriz da investigação. Essa problematiza-
ção já indica os critérios para selecionar um grupo inicial de depoentes cuja
memória é julgada importante para compreender o tema em questão. Ao serem
convidados para participar da pesquisa, os depoentes usualmente indicam outros
depoentes – é o que se chama critério de rede – que formarão o conjunto de cola-
boradores do trabalho;
(b) roteiros de entrevistas são elaborados e devem estar à disposição dos depoentes
caso eles os solicitem previamente para organizar suas narrativas. Roteiros são
mais bem elaborados quando o pesquisador faz estudos preliminares para aproxi-
mar-se do tema a ser discutido e se esforça por ter à mão outras fontes14 sobre o
assunto que vai ser tratado na entrevista;
(c) as entrevistas podem estar direcionadas a compreender um tema específico, que
é parte das experiências vivenciais do depoente (nesse caso, seguimos uma pers-
pectiva conhecida como História Oral temática) ou, sem fixar-se num tema
específico, o pesquisador pode estar interessado em perspectivas vivenciais am-
plas, num conjunto de experiências de vida relatadas por determinados atores
sociais (nesse caso, a perspectiva é a que temos chamado de História Oral de vida);
(d) as entrevistas15 – realizadas em tantas sessões quantas forem necessárias, se-
guindo as disposições do pesquisador e do colaborador – são gravadas e/ou
filmadas para, posteriormente, serem transformadas em textos escritos, numa se-
quência de momentos aos quais chamamos transcrição (ou degravação) e
14
Essas fontes podem ser fotografias, músicas, documentos de arquivo, livros, informações de outras entrevistas etc
15
É importante ressaltar que a entrevista é o modo usual de captar a oralidade para iniciar uma pesquisa em História
Oral. Isso não significa que as entrevistas sigam um único protocolo (o protocolo usual é o entrevistador perguntar
e o depoente responder). Vários modos de conduzir uma entrevista são possíveis, como, por exemplo, o uso de fichas
temáticas previamente elaboradas pelo pesquisador e com as quais o depoente vai tomando contato de modo a or-
ganizar suas lembranças sobre o tema central da entrevista/pesquisa. Pode ocorrer que uma única entrevista seja
insuficiente, e nesse caso o pesquisador pode fazer quantas entrevistas julgar adequado, desde que o depoente aceite
participar de outras sessões. Obviamente o estado de saúde, a lucidez e a disposição dos depoentes são essenciais
para ser colaborador em um trabalho em que se usa a História Oral. No caso das pesquisas historiográficas que têm
como tema algo situado em um passado não muito recente, os entrevistados tendem a ser pessoas idosas. Nesse caso,
o contato prévio com algum familiar é adequado. Há ainda a possibilidade de realizar entrevistas coletivas, com duas
ou mais pessoas, desde que haja recursos técnicos para captar com nitidez diversas vozes de pessoas que podem estar
a uma certa distância uma das outras e/ou podem falar ao mesmo tempo. São comuns essas entrevistas que ocorrem
com mais de um entrevistado ao mesmo tempo. Não raro, o entrevistado convida (ou sugere que seja convidado)
algum outro interlocutor com quem conviveu, pedindo que este esteja junto a ele no momento da entrevista. Há
casos em que o próprio entrevistador opta por realizar entrevistas coletivas, ou mesmo entrevistas individuais que
posteriormente são refeitas com um conjunto dos entrevistados. Essas decisões cabem aos pesquisadores, mas em
comum acordo, sempre, com os entrevistados, e estão vinculadas ao modo como os interlocutores se relacionam
entre si e se relacionam com o objetivo e o tema de cada pesquisa.
Antonio Vicente Marafioti Garnica; Maria Laura Magalhães Gomes | 33
16
Há níveis de textualização: o pesquisador pode optar apenas por excluir do texto da transcrição alguns registros pró-
prios da oralidade (usualmente chamados como “apoios”, “muletas” ou “vícios de linguagem”) e preencher algumas
poucas lacunas – no próprio corpo do texto ou em notas de rodapé – que tornarão a leitura mais fluente e mais esclare-
cedora. Frequentemente o próprio colaborador da pesquisa exige uma “limpeza” textual, pois não se reconhece na
transcrição, porque a oralidade e a escrita são modos muito diferentes de expressão. Mais além dessa textualização inicial,
o pesquisador pode optar por reordenar o fluxo discursivo do entrevistado, e essa reordenação pode ser feita temática ou
cronologicamente. Alguns pesquisadores optam não por reordenar, mas inserem subtítulos, realçando os subtemas na
ordem em que surgem. Há pesquisadores que mantêm as perguntas e as respostas, outros incluem as perguntas nas
respostas e constituem um texto único, sem que fiquem marcadas as intervenções do entrevistador.
17
A textualização é sempre conferida pelo colaborador, que pode acrescentar ou retirar informações. Dado o direito
irrestrito que o depoente tem em relação à sua memória, o entrevistador não pode se negar a atender essas solicita-
ções, embora possa negociá-las com o colaborador caso ele pretenda, por exemplo, retirar do registro uma
informação que o pesquisador julga importante para a pesquisa. De todo modo, a palavra final sobre o que fazer é
dada pelo depoente, de modo que ele possa reconhecer-se no texto e autorizar seu uso e sua divulgação.
18
É suficiente, por exemplo, que o colaborador, durante a entrevista, permita oralmente o uso da entrevista, estabe-
lecendo o que pode ou não ser divulgado. Alguns depoentes, porém, exigem um documento meticulosamente
34 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Como conclusão
elaborado, alguns deles chegando a exigir uma redação mais formal, com jargões do Direito. Não há regras pré-
estipuladas a serem seguidas, a não ser aquelas que são decididas em comum acordo entre pesquisador e colaborador.
Nossa experiência com a metodologia da História Oral mostra que os mais velhos (principalmente aqueles que têm,
com a pesquisa, a primeira experiência como entrevistados, narrando suas experiências) demoram-se mais nos mo-
mentos de checagem. Alguns pesquisadores defendem que isso ocorre porque os entrevistados querem manter-se,
tanto quanto possível, na posição de personagens. Deve-se, por fim, considerar a necessidade de formas alternativas
de cartas de cessão: o trabalho com comunidades indígenas, por exemplo, ou com pessoas não alfabetizadas, ou com
deficientes auditivos ou visuais, com narradores-imigrantes etc, exigem formas alternativas, como as “cartas orais”,
as cartas em Braille, as gravadas em vídeo ou cartas elaboradas na língua materna do entrevistado.
Antonio Vicente Marafioti Garnica; Maria Laura Magalhães Gomes | 35
19
A Educação pública brasileira – pensada como um sistema orgânico, de alguma forma controlada pelo Estado e
voltada a um público mais amplo que não apenas a elite – só começa a existir, de forma mais nítida, a partir dos anos
de 1950. O ensino primário, cujas leis orgânicas são implementadas nacionalmente ao final do século XIX, atendia,
nessa época, majoritariamente à população urbana, sabendo-se que até os anos de 1920, 95% das pessoas viviam em
zonas rurais. O ensino secundário só foi sistematizado, ampliado consideravelmente e aberto às camadas médias da
população nos anos de 1950. A primeira universidade brasileira foi criada no Estado de São Paulo, sudeste brasileiro,
no ano de 1934, enquanto o primeiro curso superior para formação de professores de Matemática no estado do
Maranhão (região nordeste do país), por exemplo, surgiu apenas na década de 1980.
Antonio Vicente Marafioti Garnica; Maria Laura Magalhães Gomes | 37
Referências20
20
Foi uma opção dos autores não fazer citações textuais. Assim, esta listagem bibliográfica apresenta tanto as obras
incidentalmente referenciadas quanto obras que podem servir ao leitor que esteja interessado em aprofundar alguns
dos temas discutidos ou conhecer textos clássicos relacionados à história da História Oral.
38 | Educação Matemática e Diversidade(s)
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2
1Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor substituto na licenciatura em Matemática da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)-CUA e professor aposentado da Rede Municipal de Ensino de São
Paulo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnomatemática (GEPEm) da Faculdade de Educação da USP
(FE/USP) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnomatemáticas Negras e Indígenas (GEPENI/UFMT).
E-mail: [email protected].
2 Doutoranda em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Pro-
fessora da Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnomatemática
(GEPEm) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/ USP). E-mail: [email protected].
42 | Educação Matemática e Diversidade(s)
o horizonte é mais limitado para o escravo dos campos do que das minas ou
da cidade. Contudo, seja onde for, trata-se da única estratégia possível, pois o
negro para poder subir na hierarquia social e em seguida garantir sua liber-
dade, o escravo doméstico, mais do que qualquer outro devia praticar a
obediência, a submissão e a lealdade, virtudes essenciais do “bom escravo” da
maneira como o senhor o formou (MATTOSO, 2001, p.111).
46 | Educação Matemática e Diversidade(s)
possível imaginar que o cativo fizesse amizade mesmo que timidamente com
os companheiros de infortúnio[…], de cativeiro ou de travessia. Ligações du-
radouras poderiam se estabelecer. Essa amizade representava para o escravo
Vanisio Luiz da Silva; Valdirene Rosa de Souza | 47
o primeiro passo para uma forma de isenção social, mesmo que fosse fraca.
Aquele que era encontrado nas primeiras horas de cativeiro dava-se o nome
de amigo malambo. A amizade assim criava verdadeiros laços de solidarie-
dade, acarretando intensas obrigações de ajuda (MATTOSO, 2001, p. 100).
um indivíduo sem raízes é como uma árvore sem raízes ou uma casa sem ali-
cerces. Cai no primeiro vento! Indivíduos sem raízes sólidas estão fragilizados,
não resistem a assédios. O indivíduo necessita um referencial, que se situa não
nas raízes dos outros, mas, sim, nas suas próprias raízes. Se não tiver raízes,
ao cair, se agarra a outro e entra num processo de dependência, campo fértil
para a manifestação perversa de poder de um indivíduo sobre outro.
Vanisio Luiz da Silva; Valdirene Rosa de Souza | 49
• Na segunda parte das vivências, foi pedido para que apontassem “um astronauta”
e “um cientista” entre várias imagens de pessoas. Neste caso as respostas repro-
duziram um pensamento e um comportamento social arraigado em preconceito
de gênero e raça, destacando os astronautas e cientistas, pois todos os escolhidos
56 | Educação Matemática e Diversidade(s)
4 Considerações
Referências
_______________ Educação para uma sociedade em transição. São Paulo: Papirus 1999.
FANON, Frantz. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: Editora EDUFBA, 2008.
MUNANGA, K. Origem e Histórico de Quilombo na África. São Paulo: Revista USP, 95/96.
1996.
_____________ O que é Africanidade. In: Biblioteca entre livros, especial nº 6. São Paulo:
Duetto, 2007.
SARR, F. Afrotopia. Tradução: NASCIMENTO, S. São Paulo. N-1 Edições -1ª Ed. 2019.
SILVA, V.L. A cultura negra na escola pública: uma perspectiva etnomatemática. Disser-
tação de Mestrado. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008.
Introdução
1
Mestre em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e doutorando em Educação Mate-
mática no Instituto de Educação da Universidade do Minho (UMinho). Professor do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Amapá (IFAP). Macapá, Amapá, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Pós-doutor pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e doutor em Ciências pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (PPGEA/UFRRJ). Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
3
Doutor em Estudos da Criança pelo Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho (UMinho). Professor
Associado da Universidade do Minho (UMinho). Braga, Portugal. E-mail: [email protected].
4
Especialista em Gestão e Docência no ensino superior pela Faculdade de Teologia e Ciências Humanas (FATECH) e
licenciado em matemática pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA-CE). Professor de Matemática em escola
quilombola da Secretaria Estadual de Educação do Amapá. Macapá, Amapá, Brasil. E-mail: fabricio.de.san-
[email protected].
Romaro A. Silva; José Roberto L. de Mattos; Pedro M. B. Palhares; Fabrício de S. dos Santos | 63
5
http://www.palmares.gov.br/
Romaro A. Silva; José Roberto L. de Mattos; Pedro M. B. Palhares; Fabrício de S. dos Santos | 65
Figura 04: Peças de cerâmica utilizadas como oferenda para “A mãe de barro”.
Fonte: História antiga do Amapá
Romaro A. Silva; José Roberto L. de Mattos; Pedro M. B. Palhares; Fabrício de S. dos Santos | 71
Todos os povos têm capacidade de abstração, partindo do que lhes é útil para
sua vida cotidiana, essa abstração de conhecer em toda sua plenitude, (…), com
capacidade intelectual que constrói visões de mundo próprias de cada povo,
com conhecimentos matemáticos empíricos típicos de cada povo, geralmente
não considerados abstratos aos nossos condicionados olhares ocidentalizados.
(MATTOS; POLEGATTI, 2012, p. 05).
O estudo da trajetória social das coisas revela que o sentido dos objetos não
está restrito ao âmbito da produção, mas é também determinado pela circula-
ção e pelo consumo. A análise da trajetória social da cerâmica do Maruanum
mostra que, primeiramente, a louça possui valor de uso, associada a uma fi-
nalidade prática e a um valor simbólico; em um segundo momento, a
vinculação à identidade regional e o apelo ao pitoresco agregam a ela valor de
troca no mercado; e finalmente, ela adquire valor de signo ao ser inserida no
sistema simbólico do consumidor. (SILVANI, 2012, p. 64).
Considerações finais
Referências
D’AMBROSIO, U. Educação Matemática: Da Teoria à Prática. 10. ed. Campinas, SP: Papi-
rus, 2003.
78 | Educação Matemática e Diversidade(s)
MAFRA, J.R.S. Artesãs e Louceiras: a forma de vida sob a ótica da Etnomatemática. 2003.
Dissertação (Mestrado em Ensino das Ciências e da Matemática) - Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Norte, Natal, 2003.
MATTOS, J.R.L; POLEGATTI G.A. Educação Escolar Indígena Através de um Currículo Et-
nomatemático. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ETNOMATEMÁTICA, 4., 2012,
Belém. Anais [...]. Belém: UFPA, 2012. p. 1-12.
MUNANGA, K.; GOMES, N. L. O Negro no Brasil de Hoje. São Paulo: Editora Global, 2006.
SARNEY, J.; COSTA, P. Amapá: Terra onde o Brasil começa. Brasília: Biblioteca do Senado
Federal, 1999.
1. Introdução
1
Doutor em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Rede Amazônica
de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
(UNIFESSPA). Marabá, Pará, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Pós-doutor pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e doutor em Ciências pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (PPGEA/UFRRJ). Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
3
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) / Universidade Católica Portu-
guesa. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (PPGEA/UFRRJ). Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
80 | Educação Matemática e Diversidade(s)
PI-1: Por exemplo, metro, né? Eles usavam muito. Por exemplo, têm pessoas
que ela tem o conhecimento, ela não usa... Ela usava muito, por exemplo, coi-
sas... Não sei, que antigamente o pessoal usava muito o negócio de palmo, de
braças, no caso só o metro, mas eles tinham o conhecimento matemático. Nesse
sentido que você está falando assim? Medida mais, né? Por exemplo, usa e usa-
mos no quilo por exemplo, a saca, a farinha, os temperos, naquele tempo não,
eles usavam empalhação, eles sabiam a quantidade que eles tinham pra empa-
lhar uma farinha, eles usavam uma medida de paneiro, que eu não lembro, mas
a minha mãe falou que eles usavam muito isso, então era só isso, eles já tinham
José Sávio Bicho; José Roberto Linhares de Mattos; Sandra Maria Nascimento de Mattos | 89
aquela noção de... não tinha um peso adequado como hoje, né, usavam paneiro,
usavam cuias, muitas coisas, né?
PI-2: A gente teve um exemplo que a gente fez de matemática aqui, por exem-
plo, medir a roça, matemática. Hoje ele já consegue medir através do metro,
que é um metro, um metro e meio, antes não, antes era altura e mais um braço
pra cima, então a gente fez essa comparação pros alunos.
PI-2: Por exemplo, pra fazer a farinha, eu quero fazer, digamos, cinco sacas de
farinha, aí eu vou ter que colocar cinco, só um exemplo, vou ter que colocar
cinco paneiros de mandioca na água e arrancar 10 pra terra, vai dar cinco sacas
de farinha, “ah eu quero fazer só um”, põe um paneiro na água e duas pra terra,
dá uma saca de farinha. Então tudo isso tá relacionada e isso é usado ainda
hoje, tanto por quem tipo aprendeu daquela maneira e por alguns que frequen-
tam a roça junto com os pais, eles vão aprendendo dessa maneira aí. Tipo
canoa, a canoa ela é medida na polegada, então eles praticam ainda hoje.
PI-2: Na roça ela é medida com braça como eu falei, né, pra demarcar, pra
roçar, ela é medida com a altura da pessoa... Depende, tem uns que coloca só
mão, tem uns que coloca mais terçado, aí isso aí, essa medida daqui até lá é
chamada de braça, é como se fosse um abraço, aí “ah não, fiz 40 por 50”, então
aí o cara já sabe tipo vai dar tantos feixes de maniva4.
PI-3: Questão de tecelagem, fazer paneiro, fazer esses materiais que a gente
utiliza na roça, tipiti, essas coisas. É muito. Utiliza-se muito, né? que quando
a pessoa vai fazer tem a quantidade certa de utilizar pra fazer, se colocar menos
4
Feixes de maniva, referido pelo professor indígena, trata-se de um conjunto de três a cinco galhos de mandioca
(Manihot esculenta Crantz), como forma de cultivar o plantio.
92 | Educação Matemática e Diversidade(s)
vai ficar ruim, pode até começar bem, por exemplo, o paneiro, lá na frente vai
faltar, o espaço vai ficar muito grande, vai ficar... pode ficar pequeno. Então,
tem que prestar muita atenção nisso, porque aqueles que sabem fazer, eles fa-
zem... tem uma certa quantidade que eles colocam. Não só isso, tem canoa, tem
roça. São inúmeras coisas que é utilizada a Matemática, mas muitos não per-
cebem.
PI-3: É na questão de, posso dizer, preservar, né, a cultura, pra os conhecimen-
tos que as pessoas têm. Porque é difícil, hoje tem algumas coisas que as pessoas
tentam inventar, mas chega uma pessoa mais... como posso dizer? Mais vivida
assim, fala, “não, a questão não é assim. Tem a questão da quantidade, tem
que fazer isso...”. Tem muitas coisas que a gente pode usar a Matemática, que
eu creio que a gente pode... a gente pode não, a gente deve preservar, né, a
questão dos conhecimentos mais antigos. Hoje não, a gente tenta meio que fa-
cilitar as coisas, modificar.
5
Tipiti é um artefato utilizado para extrair o tucupi, que é um sumo extraído da mandioca usado como molho na
culinária amazônica.
José Sávio Bicho; José Roberto Linhares de Mattos; Sandra Maria Nascimento de Mattos | 93
5. Considerações finais
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 68. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
GIRALDO, Victor; FERNANDES, Filipe Santos. Caravelas à vista: giros decoloniais e cami-
nhos de resistência na formação de professoras e professores que ensinam
matemática. Perspectivas da Educação Matemática, v. 12, n. 30., 2019. Disponível
em: <https://periodicos.ufms.br/index.php/pedmat/article/view/9620>. Acesso
em: 22, jan., 2020.
96 | Educação Matemática e Diversidade(s)
MATTOS, Sandra Maria Nascimento de; MATTOS, José Roberto Linhares de. Etnomatemática
e prática docente indígena: a cultura como eixo integrador. In: SEMINÁRIO
INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 7., 2018, Foz do Igu-
açu, PR. Anais [...]. Foz do Iguaçu, PR: SBEM-PR, 2018. ISBN: 978-85-98092-49-2
NDLOVU, Morgan. Por que saberes indígenas no século XXI? uma guinada decolonial.
Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, v. 1 n. 1, p. 127-144, 2017. Disponível em:
<https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/782/651>. Acesso
em: 12, out., 2018.
NERY, Vitor Sousa Cunha; NERY, Cristiane do Socorro dos Santos; FREITAS, Larissa Al-
meida de. Decolonialidade e educação indígena: saberes e práticas Wajãpi em
educação matemática. Humanidades & Inovação, Palmas, TO, v. 4, n. 4, abr. 2017,
p. 57-72. Disponível em: <https://revista.unitins.br/index.php/humanidade
seinovacao/article/view/342>. Acesso em: 22, jan., 2020.
OLIVEIRA, Maria Aparecida Mendes de; MENDES, Jackeline Rodrigues. Formação de pro-
fessores Guarani e Kaiowá: interculturalidade e decolonialidade no ensino de
matemática. Zetetiké, Campinas, SP, v. 26, n. 1, jan./abr. 2018, p. 167-184. Disponí-
vel em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/article/
view/8650893>. Acesso em: 22, jan., 2020.
José Sávio Bicho; José Roberto Linhares de Mattos; Sandra Maria Nascimento de Mattos | 97
VELHO, Otávio. Ciência, modernidade e identidade: diálogo entre saberes. Revista Con-
texto, Mossoró-RN, vol. 4, n. 1-2, p. 11-18, 2013. Disponível em:
<http://periodicos.uern.br/index.php/contexto/index>. Acesso em: 18, out., 2017.
1 Introdução
1
Mestrando em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).
Professor da rede pública do Estado do Pará (SEDUC). Marabá, Pará, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-doutorado na
Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Câmpus de Ilha
Solteira. Professora Adjunta da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Marabá, Pará, Brasil. E-
mail: [email protected].
3
Doutor em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Rede Amazô-
nica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul e Sudeste
do Pará (Unifesspa). Marabá, Pará, Brasil. E-mail: [email protected].
Iran Medrada da Silva; Ana Clédina Rodrigues Gomes; José Sávio Bicho | 99
indígena não possuísse cultura própria, sua língua, seus costumes, seus
saberes.
Foi com o avanço da sociedade capitalista, trazida pelos exploradores
europeus, que se tornou imprescindível para os indígenas compreender o
mundo na forma como ele é operado pelos não indígenas. Com o passar
dos séculos a imposição dessa cultura externa sobre a dos indígenas pro-
vocou necessidades que não existiam para esses povos, como a realização
de atividades administrativas, de proteção ambiental e territorial, de aten-
ção à saúde, por exemplo (BRASIL, 1998), passando a exigir desses sujeitos
o apropriação de saberes como os relacionados à Matemática escolar/aca-
dêmica.
A observação sobre tal contexto motivou a realização de uma investi-
gação sobre a matemática praticada por um determinado povo e como as
relações com a sociedade externa passaram a demandar saberes ociden-
tais, e no caso desta pesquisa foi escolhido o Povo Parkatêjê, e assim
estabelecer relações entre a matemática utilizada por indígenas e a mate-
mática escolar. Assim, o objetivo da pesquisa foi identificar, através de
uma abordagem etnomatemática, o sistema de numeração presente no co-
tidiano do povo indígena Parkatêjê. A pesquisa de campo, com técnicas e
instrumentos de cunho etnográfico, foi desenvolvida a partir de conversas
com lideranças indígenas e anciãos da aldeia Parkatêjê, além da análise das
anotações realizadas nos diários de campo e relatórios de pesquisa.
4
A demarcação da TIMM foi homologada pelo Decreto Presidencial n. 93.148, de 20 de agosto de 1986. Se constitui
em uma área de 62.488 hectares, na floresta de terra firme, na margem direita do rio Tocantins, entre os Igarapés
Flecheiras e Jacundá. Seu território possui limites com os municípios de Bom Jesus do Tocantins, Nova Ipixuna do
Pará, Marabá e São João do Araguaia, todos no Estado do Pará. O território é atravessado pela Rodovia BR-222, pela
linha de transmissão de energia da Eletronorte e pela estrada de ferro Carajás, de domínio da Mineradora Vale S.A.
100 | Educação Matemática e Diversidade(s)
quais vivem três povos indígenas, das etnias Akrãtikatêjê, Kỳikatêjê e Par-
katêjê, classificados pelo etnólogo Curt Nimuendajú como povo Gavião,
como ficaram também conhecidos na região pelos não indígenas. A TIMM
abriga ainda indígenas de outras etnias, como: Guarani, Karajá, Krahô,
Tembé, Kayapó, dentre outras, além de abrigar também não indígenas que
trabalham nas aldeias ou têm relações de parentesco com os Gavião. A
língua original dos Parkatêjê é um dialeto da língua Timbira, da família
linguística Jê, do tronco macro-jê (MIRANDA, 2015). Com a intensificação
das relações com a sociedade externa, o uso da Língua Portuguesa também
passou ser frequente no cotidiano deste povo.
De acordo com Ferraz (1984), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
na época chamada de Serviço de Proteção ao Índio (SPI), construiu na área
da TIMM um posto para dar suporte aos indígenas. Estes deveriam desen-
volver atividades agrícolas, caça e pesca para o seu sustento de
sobrevivência e também coletar a castanha-do-Pará, que seria comerciali-
zada pelo SPI.
Assim, os Parkatêjê logo passaram a ser usados como mão de obra
para a coleta da castanha-do-Pará, e aos poucos tiveram que se apropriar
de conhecimentos matemáticos externos a sua cultura, e dessa maneira
foram se subordinando ao sistema econômico capitalista. Segundo Ferraz
(1984), os Parkatêjê passaram a ter a necessidade de manusear os elemen-
tos matemáticos financeiros presentes nesse modelo econômico,
principalmente após perceberem que estavam sendo enganados pelos fun-
cionários do SPI e então começaram a se articular para ter liberdade para
a coleta e comercialização da castanha extraída em seu próprio território,
já que os funcionários do SPI lhes davam em troca pela castanha apenas
mantimentos como café, açúcar e alguns outros.
O depoimento abaixo, citado por um dos indígenas, sujeitos da pes-
quisa, descreve a situação e o sentimento diante de representantes de um
órgão do Estado que deveria zelar pela proteção e integridades dos indíge-
nas.
Iran Medrada da Silva; Ana Clédina Rodrigues Gomes; José Sávio Bicho | 101
É... rapá! eles enganavam a gente! Nós entregava pra eles muitas castanhas e
eles dizia que ia vender pra nós, mas entregava pouco pra comunidade. Não
davam dinheiro, só rancho: café, açúcar, óleo, arroz e feijão. Ah! Dava facão e
foice, e dizia que era pra gente ir fazer roça, porque só tinha aquilo mesmo.
(Conversa realizada em 15/02/2019)
dia a dia dos indígenas. O dinheiro começou a fazer parte das relações de
troca dentro das aldeias.
Os Parkatêjê tinham o costume de coletar frutos na floresta e/ou cul-
tivar alimentos em seus roçados, além das práticas da caça e pesca, as
quais eram realizadas frequentemente nessa comunidade. Porém esses
costumes e seus hábitos alimentares foram se modificando a partir do con-
tato com o kupẽ e com o dinheiro ganho inicialmente com o trabalho
escravo imposto aos Parkatêjê pelos funcionários do SPI na coleta da cas-
tanha-do-Pará. Tais práticas proporcionaram ainda a realização de
compras nos supermercados da cidade de Marabá, o que exemplifica que
as situações vivenciadas pelos Parkatêjê passaram a exigir o conhecimento
sobre valor monetário e suas relações.
Os antigos contavam, todos contavam assim: me disseram que nós não tínha-
mos ainda nascido, nosso avô, nossa avó, aí aconteceu. Sol e lua, era todos
dois, começaram a fazer serviço (como sócio). Eles moravam os dois numa
casa só, aí começaram a aumentar gente. Me disseram que era só eles dois
quem aumentava gente, me disseram que o rio era pequeno, não era grota era
só pocinho. Eles moravam nesse igarapezinho. Aí diz que jabuti grande estava
no poço, ficava tomando conta. Sol matou capivara, matou dois: sol ficou mais
gordo, deu o magro para a lua. Ai sol chama mandando: jê, faz fogo! Aí fizeram
fogo, e começaram a trabalhar. Lua não queria provar o magro: jê, me dá um
pedacinho mais gordo! Então sol falou assim: espera aí. Sol disse: fica com
esse mesmo que eu já dei! Cala a boca, fica com esse mesmo. Aí ele falou de
novo; fala mais uma vez e tu vais ver, eu vou te queimar! Lua pediu de novo,
então sol pegou e jogou na barriga dele. Jogou gordura quente nele. Lua gritou,
gritou por causa do quente, correu em rumo do rio, aí caiu na água (ARAÚJO,
1997, p. 14).
Jabuti grande estava no igarapé, tomando conta, pra não deixar a água crescer.
A lua viu o jabuti grande e pediu de novo para o sol: jê aumenta mais fogo pra
nós dois cozinhamos o jabuti e provar. Aí o sol falou :jê, deixar ficar lá, pra que
tu queres isso? Ele está lá pra água não crescer, o que tu queres com ele? Lua
teimou, viraram jabuti, aí o rio começa a correr, derrubando pau, quebrando
pau, aumentando. Então sol gritou pra lua: jê, toma! Assim que tu teimas de-
mais! É isso aí que eu falo, tu não me obedeces! Lua gritava pro sol ajudar ele,
mas o sol nem ligava. Jê, vem buscar, pra me atravessar! Sol não quis nem
ligar, foi deixando: era pra não mexer. Pinica-pau estava picando pau ligeiro e
mostrou pra lua pegar e segura, pra ele atravessar, mas não deu jeito não. Aí
o jacaré-açu apareceu nadando e concordou de atravessar lua. A lua estava
com medo: tu estás me enganando para me comer. Ai o jacaré falou: Soprinho,
eu não vou te comer não, eu vou te atravessar. Lua diz pro jacaré: Eu vou,
mas tu vais me enganar pra me comer. Kaxêre estava com medo, mas subiu
na costa do jacaré. Jacaré perguntou pra lua: Sobrinho, a minha nuca é bonita?
Lua mentindo pra ele: Vovó, teu pescoço é bem feito! Aí foi mentindo e subindo
e encostou (chegou na beira). Aí disse: jacaré, tu me atravessaste, mas tua ca-
beça é cheio de espinho! Aí danou. Sol subiu, foi atrás da lua e encontrou
jacaré, que falou: Onde está aquele meu sobrinho? Não está aqui, correu pra
lá mesmo, fugiu, não apareceu. Aí jacaré continuou procurando. Sol mentiu
pra ele: Jacaré, tua cabeça é bonita! Aí lua voltou pra encontrar o sol (ARAÚJO,
1997, p. 14).
A Kaxêre (Lua) era que sempre cometia as tolices e os erros, era vista
como uma mulher que levava o Pyt (Sol) a errar, era ela que induzia, co-
metia e ou produzia várias catástrofes no meio ambiente, e que
terminavam impactando na comunidade Parkatêjê. Sendo a Kaxêre, a cul-
pada por tudo que era ou vinha a ser de errado. Na narrativa anterior o
Kaxêre conseguiu retirar o jabuti grande dos rios, sendo que ele era quem
controlava o rio e evitava as enchentes, mas quando a lua o fez sair do rio,
iniciou a partir dali as inundações de partes das florestas.
O sistema de numeração Parkatêjê, conforme as narrativas dos Par-
katêjê, presentes e relatadas no quotidiano dessa comunidade, onde
consideram o Sol (Pyt) uma personagem responsável e de confiança. En-
tretanto a Lua, Kaxêre, é a origem de tudo que é ruim. Surgindo a partir
daí, o Pyt, o primeiro, e em seguida a primeira nomenclatura para o
108 | Educação Matemática e Diversidade(s)
numeral 1. O pyxitere, que indica um só, algo que é só uma unidade, po-
dendo ser simbolizado por um dedo, ou risco no chão, ou animal, ou uma
pessoa ou outra coisa desde que esteja só.
Devido a ordenação Pyt, que é o único, surge a nomenclatura para os
numerais diversos, presentes na vida e nas relações sociais, em seu manejo
de roçados, nas caçadas, nas pescarias, na construção de aldeia/casas, na
cultura. De um modo geral, podemos concluir que a matemática está li-
gada intrinsecamente à vida da comunidade indígena Parkatêjê.
Verifica-se que eles têm uma matemática própria e específica e que é
usada em suas relações diárias, e que eles possuem elementos da matemá-
tica envolvido em suas práticas diárias e que estão presentes nas
construções das casas e aldeias, marcação do roçado, contagem das pes-
soas, em suas festas e rituais (corrida de torras, cantorias, danças, dentre
outros).
Segundo D’Ambrosio (1986), a etnomatemática praticada pelo
branco serve para outras coisas que são igualmente muito importantes,
não podendo ser ignoradas, assim a pretensão de que uma seja mais efici-
ente, mais rigorosa ou melhor que a outra, se removida do contexto, torna-
se uma questão falsa ou falsificadora. Assim, o domínio das duas etnoma-
temáticas pode oferecer maiores entendimentos/explicações de situações
novas e de resolução de problemas.
Paipyxit – Paipyxit
Paikut – Paikut
Pajitô – Pajitô
Pahõtô – Pahõtô
Paikrê – Paikrê
Paikê – Paikê
Pajike – Pajike
Paitewô – Paitewô
(Letra de uma das músicas cantadas pelos Parkatêjê)
Mẽ areteti ...
Fonte: produzida pelos autores
O Pyxitere
de ter contato com a sociedade não indígena pyxitere passou a ser usado
como: só, uma, um, e ficou definido como o número 1 (um).
Então em sua relação matemática pyxitere é referência de uma uni-
dade. O numeral 1 (um), surge para definir algo que está só, sem
companheiro, como o Jê que está lá no céu sozinho, sem parceiro. Desse
modo surge a nomenclatura para o numeral 1 (um), o pyxitere.
O Aikrut
O Hitô
1 – PYXIT – UM
2 – AIKRUT – DOIS
3 – HITÔ – TRÊS
4 – HÕTÔ – QUATRO
5 – AIKRÊ – CINCO
6 – AIKÊ – SEIS
7 – HIKÊ – SETE
8 – TEWÔ – OITO
9 – HUATI – NOVE
10 – ATUI – DEZ
5 Considerações finais
Referências
ARAÚJO, Leopoldina Maria Sousa. Conhecendo nosso povo: Comunidade Indígena Par-
katêjê. – Brasília: Ministério da Educação e Desportos; Belém: Secretaria de Estado
de Educação, 1997. Disponível em: <https://acervo.socioambiental.org/sites/de-
fault/files/documents/GPL00002.pdf>. Acesso: 05 jun. 2018.
MIRANDA, Adenilson Barcelos de. Os “Gaviões da Mata”: uma história de resistência Tim-
bira ao Estado. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás,
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em História, 2015.
Terra de passagem:
escola rural como espaço formativo de
professores que ensinam matemática
Introdução
1
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (UNESP), Câmpus de Rio Claro. Professora do Departamento de Matemática e no Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da UNESP – Câmpus de Bauru. É membro do grupo
de Pesquisa História Oral e Educação Matemática (GHOEM). Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: maria.ed-
[email protected].
2
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da UNESP – Câmpus
de Bauru. Professora da rede municipal de Agudos (SP) e Borebi (SP). Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: claudinea-
[email protected].
Maria Ednéia Martins-Salandim; Claudinéa Soto da Silva | 117
escolas, uma vez que localizações rurais nem sempre são indicadas em
mapas institucionais disponíveis e, em muitos casos, esses prédios escola-
res não existem mais. Para a criação desse mapa nos baseamos tanto nas
informações contidas nas entrevistas e em mapas do transporte escolar
disponíveis nas escolas de educaçaço básica no ano de 2017. Assim, esse
exercício cartográfico tanto nos ajuda a situar essas escolas quanto eviden-
ciar aspectos de marginalidade na relação campo-cidade3.
Figura 2: Mapa Ilustrativo com localização de Fazendas na região de Borebi-SP
1- Fazenda Turvinho II
2- Fazenda Santo Antônio do Caçador
3- Fazenda Luna (** Divisa Borebi/ Iaras)
4- Fazenda Capim (** Divisa Borebi/ Iaras)
5- Fazenda Santo Henrique
6- Fazenda São José (* Não identificada a localização correta no município).
7- Fazenda Santa Izabel
8- Fazenda Geada
9- Fazenda Água do segredo
10- Fazenda Santa Rita de Cássia
11- Fazenda Espadilha
12- Fazenda Santo Antônio (* Não identificada a localização correta no município).
13- Fazenda Jiboia (* Não identificada a localização correta no município).
14- Fazenda Globo ou Sobar
15- Fazenda Aripa (* Não identificada a localização correta no município).
3
Outras discussões e aprofundamentos sobre outros aspectos de marginalização podem ser vistos em Martins (2003)
e em Martins-Salandim (2007 e 2016).
122 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Com e a partir das narrativas desses seis professores sobre suas ex-
periências em escolas rurais pudemos melhor compreender a estrutura e
funcionamento dessas instituições entre aos anos 1980 e 2000, seu pú-
blico, dificuldades e enfrentamentos cotidianos desses professores e
modos como se constituíam e se formavam professores nesses espaços
singulares. É com essas narrativas que pudemos conhecer e compreender
o movimento dessas escolas e das atuações e formações de professores
dessas escolas rurais.
Conhecemos e compreendemos como o projeto de municipalização
do ensino no Estado de São Paulo, cujas ações foram intensificadas na dé-
cada de 1980, impactaram sobre essas escolas rurais, culminando com o
fechamento de todas elas no município de Borebi até o ano de 2005. A
professora Maria Célia destacou que antes dela ingressar como professora
havia 22 escolas rurais na região de Borebi, quando começou a lecionar,
em 1992, havia 19, e, posteriormente, havia cerca de 8 apenas. A escola da
Fazenda Turvinho II, na qual muitos deles atuaram, foi a última a ser fe-
chada na região, devido à demanda discente ter diminuído
consideravelmente. Os alunos que eram atendidos nessa unidade escolar
passaram a ser transportados diariamente para a escola urbana, mas os
alunos de escolas rurais que foram fechadas antes de 2004, como narrou
o professor Antônio, iam a pé até escolas urbanas, uma vez que o trans-
porte escolar só passou a ser oferecido a partir daquele ano.
A educação no meio rural em Borebi, como apontaram as narrativas
de nossos entrevistados, sempre foi marcada por escolas isoladas, salas
multisseriadas com um professor regente, com infraestrutura inapropri-
ada para um ambiente escolar, rotatividade de professores que acabavam
realizando diversas funções: zelador, diretor, secretário e merendeiro4. A
educação ofertada às populações rurais teve seus métodos e conteúdos
predominantemente urbanos, desconsiderando a cultura, as formas de
4
Condições e estruturas similares são apontadas por Martins (2003) sobre escolas rurais do interior paulista dos
anos 1960.
Maria Ednéia Martins-Salandim; Claudinéa Soto da Silva | 123
Contudo, caberá ressaltar neste ponto que não estamos propondo considerar
não haver a possibilidade de uma formação institucional e intencional, que
diga de modos de agir, de posturas, de métodos e técnicas de ensino, ou, tam-
pouco, negar a possibilidade de existir um processo de profissionalização dos
sujeitos que se tornam (ou já são) professores. Salientamos que o que propo-
mos é compreender como esses outros espaços de formação, essas outras
vivências e experiências podem atravessar e ser atravessadas por esses movi-
mentos de formação institucional, esses processos que efetivam uma
124 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Conclusão
Referências
MARTINS-SALANDIM, M.E. Escola rural paulista da metade do século XX: sobre subver-
sões necessárias. Anais do Anais do 3º Encontro Nacional de Pesquisa em História
da Educação Matemática, 2016, p. 58-67. [Mesa redonda: nvestigações acerca de três
escolas brasileiras: inovadoras, diferenciadas ou subversivas?].
SILVA, C. S da. Escolas rurais como espaços formativos: vozes de professores que atua-
ram na região de Borebi/SP. Dissertação (Mestrado em Educação para a Ciência)–
Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Bauru, 2018.
7
1. Introdução
1
Licenciada em Matemática pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) da UFPR. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]
2
Licenciada em Biologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) da UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: [email protected]
3
Doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). Docente do departa-
mento de Matemática, do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e em Matemática (PPGECM) e do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, Paraná,
Brasil. E-mail: [email protected]
Fernanda Dartora Musha; Yasmin Cartaxo Lima; Elenilton Vieira Godoy | 135
2. Excerto teórico
ensino por meio da prostituição. Além disso, 50% das pessoas pesquisadas
disseram que em algum momento de suas vidas já abandonaram os estu-
dos, sendo a principal razão para isso a transfobia.
A noção de raça, do ponto de vista de Joaze Bernardino Costa, Nelson
Maldonado Torres e Ramón Grosfoguel (2018, n. p.), assume o protago-
nismo ao ser tratada como “dimensão estruturante do sistema-mundo
moderno/colonial”. Segundo Hall (2006), essa noção é uma construção
sociopolítica, que discursivamente atua na organização de “um sistema de
poder socioeconômico, de exploração e exclusão” (p. 66) denominada ra-
cismo. O racismo é uma prática discursiva de logicidade per se, que
procura fundamentar as diferenças socioculturais que perpetuam “exclu-
são racial em termos de distinções genéticas e biológicas, isto é, na
natureza” (IDEM, p. 66).
De acordo com Grosfoguel (2018, n. p.) o racismo “é um princípio
constitutivo que organiza, a partir de dentro, todas as relações de domina-
ção da modernidade, desde a divisão internacional do trabalho até as
hierarquias epistêmicas, sexuais, de gênero, religiosas”. Esse princípio
constitutivo é tão potente que acaba por estabelecer uma linha que separa
as pessoas que têm o direito de viver e as que não têm.
Raça e racismo, de acordo com Quijano (1993 apud GROSFOGUEL,
2013) tornam-se princípios organizadores estruturantes do conjunto das
múltiplas hierarquias presentes no sistema-mundo.
Para Dijk (2018), o uso do vocábulo racismo foi tratado como desa-
propriado pelas pessoas que desejavam “escondê-lo sob o fenômeno da
pobreza ou outras formas de desigualdade social” (IBIDEM, n. p.).
3. Percurso metodológico
4
A presente pesquisa fez parte do projeto Meninas nas Exatas – Procuram-se Arletes, do Conselho Nacional de De-
senvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, coordenado pela professora doutora Elizabeth Wegner Karas, do
departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Fernanda Dartora Musha; Yasmin Cartaxo Lima; Elenilton Vieira Godoy | 145
4. Considerações finais
Referências
AIRES, J.; et al. Barreiras que Impedem a Opção das Meninas pelas Ciências Exatas e Com-
putação: Percepção de Alunas do Ensino Médio. In: WOMEN IN INFORMATION
TECHNOLOGY (WIT), 12., 2018, Natal. Anais do XII Women in Information Tech-
nology. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, julho 2018.
Fernanda Dartora Musha; Yasmin Cartaxo Lima; Elenilton Vieira Godoy | 151
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tas de ensino de Ciências Naturais. In: Encontro Nacional de Pesquisa em
Educação em Ciências. VII. Florianópolis, 2009.
______. Para uma visão decolonial da crise civilizatória e dos paradigmas da esquerda oci-
dentalizada. In: COSTA, J. B.; TORRES, N. M.; GROSFOGUEL, R. (Org.)
Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2018. (Coleção Cultura Negra e Identidades).
hooks, b. Olhares negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo:
Elefante Editora, 2019.
______. Teoria feminista: da margem ao centro. 1ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2019a.
MAINARDES, J.; MARCONDES, M. I. Entrevista com Stephen J. Ball: um diálogo sobre jus-
tiça social, pesquisa e política educacional. Educação & Sociedade, v. 30, n. 106, p.
303-318, 2009.
Anexo 1
A1 - Escolha a opção que melhor descreve o motivo pelo qual você escolheu
seu curso.
A2 - Indique o(s) fator(es) que te fizeram não escolher um curso das áreas
de Ciências Exatas, Engenharias e Computação.
1. Amo Matemática.
2. Gosto de Matemática.
3. Sou indiferente.
4. Não gosto de Matemática.
5. Tenho pavor de Matemática.
1. Amo Física.
2. Gosto de Física.
3. Sou indiferente.
Fernanda Dartora Musha; Yasmin Cartaxo Lima; Elenilton Vieira Godoy | 155
B3 - Como você classifica sua relação com Química? (Marcar apenas uma
opção).
1. Amo Química.
2. Gosto de Química.
3. Sou indiferente.
4. Não gosto de Química.
5. Tenho pavor de Química.
C3 - Assinale as opções que você considera que, durante seu ensino básico,
desempenharam papel de acolhimento em relação à sua identidade de gê-
nero, orientação sexual e cor de pele nas disciplinas de Matemática, Física
e Química.
Identidade
de gênero
Orientação
sexual
Cor de pele
C4 - Assinale as opções que você considera que, durante seu ensino básico,
desempenharam papel de coerção em relação à sua identidade de gênero,
orientação sexual e cor de pele nas disciplinas de Matemática, Física e Quí-
mica.
1. Concordo plenamente.
2. Concordo.
3. Não concordo nem discordo.
4. Discordo.
5. Discordo plenamente.
Fernanda Dartora Musha; Yasmin Cartaxo Lima; Elenilton Vieira Godoy | 157
1. Nunca.
2. Raramente.
3. Às vezes.
4. Com frequência.
5. Sempre.
1. Concordo plenamente.
2. Concordo.
3. Não concordo nem discordo.
4. Discordo.
5. Discordo plenamente.
1. Nunca.
2. Raramente.
3. Às vezes.
4. Com frequência.
5. Sempre.
1. Concordo plenamente.
2. Concordo.
158 | Educação Matemática e Diversidade(s)
1. Nunca.
2. Raramente.
3. Às vezes.
4. Com frequência.
5. Sempre.
1. Artes Visuais
2. Biologia
3. Ciências Sociais
Fernanda Dartora Musha; Yasmin Cartaxo Lima; Elenilton Vieira Godoy | 159
4. Educação Física
5. Filosofia
6. Geografia
7. História
8. Letras
9. Música
1. Preta
2. Parda
3. Amarela
4. Indígena
5. Branca
6. Prefiro não declarar
1. Mulher Cis
2. Mulher Trans
3. Homem Cis
4. Homem Trans
5. Não-binário
1. Homossexual
2. Heterossexual
3. Bissexual
4. Pansexual
5.Outro:____________
E6 - Somando a sua renda com a renda das pessoas que moram com você,
quanto é, aproximadamente, a renda familiar mensal?
3. De 3 a 6 salários mínimos
4. De 6 a 9 salários mínimos
5. De 9 a 12 salários mínimos
6. De 12 a 15 salários mínimos
7. Mais de 15 salários mínimos
Estabelecendo diálogo(s)...
1
Livre-docente em Didática e Currículo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e
doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Associado
da Faculdade de Engenharia da UNESP – Câmpus de Ilha Solteira (FEIS/UNESP); credenciado no Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência (Faculdade de Ciências da UNESP – Câmpus de Bauru) e no Programa de
Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos (FEIS/UNESP). É coordenador do Grupo de Pesquisa em Currí-
culo: Estudos, Práticas e Avaliação (GEPAC). Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Mestre em Ensino e Processos Formativos pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP).
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da UNESP –
Câmpus de Bauru (FC/UNESP). É membro do Grupo de Pesquisa em Currículo: Estudos, Práticas e Avaliação
(GEPAC). Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].
3
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica pela Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto (FAMERP) e pedagoga pela UNESP. Professora de educação básica da Prefeitura Municipal
de São José do Rio Preto. É membro do Grupo de Pesquisa em Currículo: Estudos, Práticas e Avaliação (GEPAC). São
José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].
162 | Educação Matemática e Diversidade(s)
4
O acesso à BNCC está disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>.
Harryson Júnio Lessa Gonçalves; Igor Micheletto Martins; Kedma Elisandra Zanetti | 165
[...] muitos alunos experimentam boa parte da vida afetiva na escola [...] a
escola é um terreno de experimentação dos modos de ser homem e de ser
mulher, e cada vez mais é um terreno de expressão da diversidade de orienta-
ção sexual (SEFFNER, 2013, p. 154).
5
Hall (2015) apoia-se em Laclau (1990) para desenvolver o conceito de deslocamento. Para o Hall (2015), “[...] uma
estrutura deslocada é aquela cujo centro é deslocado, não sendo substituído por outro, mas por uma pluralidade de
centros de poder” (HALL, 2015, p. 13).
Harryson Júnio Lessa Gonçalves; Igor Micheletto Martins; Kedma Elisandra Zanetti | 167
6
Silva (2014) afirma que representar significa basicamente dizer “essa é a identidade”.
Harryson Júnio Lessa Gonçalves; Igor Micheletto Martins; Kedma Elisandra Zanetti | 169
Elas [as identidades] têm a ver, entretanto, com a questão da utilização dos
recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo
que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos. Têm a ver não tanto com
as questões “quem nós somos” ou “de onde nós viemos”, mas muito mais com
as questões “quem nós podemos nos tornar”, “como nós temos sido represen-
tados” e “como essa representação afeta a forma como nós podemos
representar a nós próprios” (HALL, 2014, p. 109).
7
Em certo sentido, “pedagogia” significa precisamente “diferença”: “educar” seria, portanto, introduzir a cunha da
diferença em um mundo que sem ela se limitaria a reproduzir o mesmo e o idêntico, um mundo parado, um mundo
morto (SILVA, 2014, p. 101).
Harryson Júnio Lessa Gonçalves; Igor Micheletto Martins; Kedma Elisandra Zanetti | 171
anúncio do sexo do feto são uma espécie de batismo para que o corpo entre
na categoria humanidade, gerando expectativas sobre esse corpo ao esco-
lher o brinquedo, os modelos de roupas e as cores para o filho que nem
nasceu ainda. Essas atitudes e essas expectativas produzem masculinida-
des e feminilidades, além de estruturarem os pilares das normativas de
gênero.
A escola é uma instância importante e influenciadora nesses proces-
sos, assim como a família, as igrejas, as instituições legais e médicas. Louro
(2018) aponta que a escola exerce pedagogias da sexualidade e pedagogias
do gênero, as quais são compostas por práticas e por linguagens, desenca-
deadas em proposições, em imposições e em proibições, que constituem
sujeitos femininos e masculinos e produzem marcas que tem efeitos de
verdade. As pedagogias do gênero e da sexualidade utilizam a lógica da
diferença, marginalizando os corpos que destoam da referência e classifi-
cando-os como desviantes.
Para Bento (2011), a escola não tem capacidade para compreender a
diferença e a pluralidade. Por conta disso, a escola constitui-se como a
principal instituição que afirma e que reitera as normas de gênero e de
sexualidade. A autora avança, indicando que a instituição pode ser consi-
derada como produtora da heterossexualidade compulsória, ou como ela
mesmo coloca, ocorre um heteroterrorismo.
Para além da forte relação que o gênero e que a sexualidade têm com
a diferença, compreendemos também haver um regime que reitera a todo
momento as normas/os parâmetros do gênero e da sexualidade. Esse re-
gime é denominado, por alguns autores, como heteronormatividade.
Seffner (2013) aponta que a heteronormatividade estabelece como natural
a coerência entre sexo biológico, gênero e orientação sexual. Na concepção
do regime heteronormativo, sexo biológico quer dizer macho/fêmea e/ou
pênis/vagina, excluindo as pessoas intersexuais deste hall de inteligibili-
dade. O gênero define-se como o papel social de homem e mulher,
excluindo, assim, pessoas que se entendem em outros papéis. Enquanto
para a orientação sexual só existe a heterossexualidade, visto a estratégia
Harryson Júnio Lessa Gonçalves; Igor Micheletto Martins; Kedma Elisandra Zanetti | 173
para que seja possível realizar essa difícil tarefa de trabalhar com a temá-
tica da sexualidade na escola, Figueiró (2001) afirma ser necessário,
inicialmente, que o/a educador/a tenha consciência de que educação se-
xual é uma das funções da escola. Nesse sentido, a educação sexual deve
materializar-se nas políticas públicas de formação (inicial e continuada) de
professores, visto que tratar dessas temáticas é um direito de aprendiza-
gem do/a educando/a nos desafios impostos na contemporaneidade.
A autora aponta ainda que é imprescindível que o/a educador/a olhe
para dentro de si, conheça sua história, seus limites e, assim, compreenda
melhor o processo de construção sócio-histórico-cultural das relações de
gênero, contribuindo com um processo de (re)educação a si mesmo pri-
meiro. Assim, o/a professor/a deve estudar, por meio da formação
continuada, sobre as desigualdades de gêneros na escola e na sociedade,
sobre as múltiplas formas de masculinidades e de feminilidades, sobre a
desconstrução da polarização entre o feminino e o masculino, entre outros
temas relevantes. Se mesmo estudando, o/a professor/a não atingir o nível
de conscientização necessário, o aprendizado não se reverterá em benefí-
cio para o/a aluno/a.
Para Figueiró (2001), o desenvolvimento da temática durante as au-
las não pode estar reduzido apenas a aulas expositivas, devendo, então,
haver a abertura para diálogo, permitindo que os/as alunos/as se expres-
sem e participem da discussão. Também é de extrema importância que as
aulas sempre tenham foco no respeito às diversidades e que o trabalho
ajude-nos a repensar nossas atitudes em relação aos grupos minoritários.
“Se o professor não sentir a tarefa como sendo sua, de nada adianta co-
nhecer estratégias de ensino, ou mesmo tentar colocá-las em prática”
(FIGUEIRÓ, 2009, p. 167).
Conforme nos alerta Louro (1997), é importante também que nos
questionemos sobre a ‘naturalidade’ de algumas coisas que acontecem no
ambiente escolar, como a separação de meninos e de meninas nas filas ou
as escolhas de brinquedos/jogos tendo o gênero como ponto de partida.
Não menos importante é “[...] questionar não apenas o que ensinamos,
Harryson Júnio Lessa Gonçalves; Igor Micheletto Martins; Kedma Elisandra Zanetti | 177
Referências
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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade. Porto
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182 | Educação Matemática e Diversidade(s)
VIANNA, Cláudia Pereira; UNBEHAUM, Sandra. O gênero nas políticas públicas de educa-
ção no Brasil: 1988-2002. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, v. 34, n. 121, p. 77-104,
2004.
♫ No te preocupes cuando
Te parece verme mal
Nada más estoy pensando ♫4
Jeimy Cortés
1
Estudiante de Maestría en Educación Matemática en la Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). Profesora de Matemática, egresada de la Universidad Distrital Francisco José de Caldas (UFJC) Bogotá
Colombia, interesada en profundizarse en estudios culturales, militante de una justicia social, cuestiones de género
y de luchas colectivas. Rio Claro, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Pós-doctoranda en el Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática (PPGEDUMAT) en la Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) – Becaria CAPES. Doctora en Educación Matemática por la Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Educadora Matemática. Campo Grande, Mato Grosso do Sul,
Brasil. E-mail: [email protected].
3
Livre-Docente y doutor en Educación Matemática por la Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP). Professor Associado en la UNESP. Rio Claro, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].
4
Perota Chingo, Seres extraños. In: Perota Chigo. Buenos Aires: álbum Independiente, 2014. Disponible en:
<https://www.youtube.com/watch?v=dVGVvEBu1P4>.
184 | Educação Matemática e Diversidade(s)
La Propuesta
(PEROTÁ, 2014)
Narrativa #1
Encontros, corpos visíveis operando en seus espaços
10 de setembro de 2018
A InfoPreta se compõe de uma casa com dois andares, com as janelas pintadas
por elas mesmas de roxo e de amarelo. Pagam um aluguel da casa, que é antiga. O
primeiro andar tem uma sala, uma cozinha e um banheiro. No segundo andar há dois
quartos, que são onde as participantes da InfoPreta passam seus dias arrumando note-
books, recebem pessoas e usuarixs. Há vários móveis com muitos computadores, cabos,
peças de notebook e ferramentas para desmontar os equipamentos.
Eram 11 da manhã. Elas abrem a essa hora de segunda a sábado. Nesse dia, encon-
trei três mulheres, Buh D’Angelo, Daniele Esli e Monica. Buh D´angelo, que
posteriormente realizou uma transição de gênero e passou a se chamar Akin Bakari5, com
25 anos de idade, é da cidade de Guarulhos e é formada em eletrônica, automação indus-
trial, manutenção, tecnologia da informação (TI) e robótica, certificados de cursos técnicos
que lhe ajudaram a preparar-se para sua profissão. Mesmo com tantos diplomas e prepa-
ração, não era aceita em lugar algum para estagiar. Cansada de respostas negativas,
começou, em seu quarto de faculdade, a arrumar os notebooks de amigos e de algumas
5
Los dos nombres aparecen en nuestras narraciones, con el criterio de mantener el nombre utilizado a la época en
que fueron escritas o el tiempo a que se refieren.
Jeimy Marcela Cortés Suárez; Paola Amaris-Ruidiaz; Roger Miarka | 187
pessoas que sabiam que ela entendia muito de TI. Logo se juntou a uma menina, que pas-
sou a ser sua sócia, e formou a empresa com a proposta de acolher pessoas de diferentes
partes do Brasil para propiciar-lhes uma formação na área e a possibilidade de emprego.
A empresa sempre está em constante mudança, com idas e vindas de diferentes
pessoas, que por ali transitam e aprendem. Com exceção de Daniele, Akin e Monica, as
demais funcionárias não têm um horário fixo a ser cumprido. A quantidade de máqui-
nas que podem ser consertadas depende desse número de pessoas.
6
O G20 é um grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do
mundo mais a União Europeia.
188 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Narrativa #2
Práticas de empoderamento: o acolhimento em um lugar para pertencer e aprender.
Daniela Lemes é uma integrante agora sócia do projeto. Ela tem formação em
Sociologia e, portanto, não tinha conhecimento em reparação de computadores. Foi lá
que aprendeu sobre manutenção e arrumou um emprego na Infopreta, após ficar um
tempo formada sem receber respostas aos currículo enviados para emprego. Com isso,
não conseguia estagiar e ganhar experiência. Conheceu Buh (posteriormente Akin), que
confiou em seu potencial e integrou-a à Infopreta, ajudando na parte de apoio social da
empresa. Junto com Akin, é uma mente emocional, afetiva e de trabalho colaborativo. É
precursor de vários projetos que acontecem no interior da empresa. Um deles se chama
Notebook Solidário, que consiste em dar a algumas pessoas um notebook para que con-
tinuem seus estudos após passarem por um filtro de necessidade e participarem de um
curso gratuito. O projeto não termina com a doação: o aproveitamento dos estudos das
pessoas beneficiadas são acompanhados pela InfoPreta.
Narrativa #3
Conhecimento como prática de oportunidades
Daniela conserta computadores também, mas o faz desde sua vocação, tentando
trazer uma iniciativa social para a empresa, ao oferecer oportunidades e treinamentos.
Um exemplo disso foi o modo como o grupo ajudou Thais, que fez parte de outro projeto
que a InfoPreta chamou de Mulheres Ex-Presidiárias. Thais Martins, 27 anos, funcio-
nária da unidade de Pinheiros é ex-presidiária e moradora de rua. Teve seu currículo
Jeimy Marcela Cortés Suárez; Paola Amaris-Ruidiaz; Roger Miarka | 189
enviado à InfoPreta por uma assistente social que a conhecia do viaduto onde morava.
“Cheguei aqui atrasada, dizendo que morava no Brás, contando um monte de mentira.
Tinha medo de falar a verdade”, disse Thais quando tive a oportunidade de conhecê-la.
“Também achei que ia trabalhar como faxineira, que era a única coisa com a qual já
tinha trabalhado. Não sabia nem ligar um computador”.
“Eu sou Akin. Antes de me reconhecer e me aceitar, era Buh, uma mulher lés-
bica, preta, moradora de Osasco em São Paulo. Em 2018, passou muita coisa
pela cabeça de Buh D´Ângelo. Foi quando assumi minha identidade sexual
trans. Ainda tenho muita coisa. Sou maravilhosa, mas depende do dia. Nasci
190 | Educação Matemática e Diversidade(s)
em Guarulhos, São Paulo. Nasci entre livros. Acredito que por isso gosto de
ler.”7
“Sou eu, inicialmente uma mulher, que justamente por estar inserida em um
dos mercados com maior taxa de desigualdade racial de gênero do mundo,
senti a necessidade de criar o que hoje se conhece como InfoPreta, que nasceu
em 2012 como um laboratório experimental de aprendizagem por meio de tro-
cas de conhecimentos na diversidade, onde sentimos que cada dia nos
aceitamos e nos ressignificamos como uma agência digital que incentiva, treina
e contrata integrantes de outras minorias, com preferência para mulheres ne-
gras, mas também de nordestin@s, LGTBs e pessoas com problemas
psicológicos, como dislexia e problemas de atenção, já que a sociedade insiste
em deixar essas pessoas fora do mercado. A maioria são mulheres, mas
7
Fragmento de entrevista de participante de InfoPreta concedida a la primera autora de este artículo. En algunos
de los fragmentos utilizados en este artículo, no se destacará la identificación del hablante por entender que lo im-
portante no es el sujeto que habla sino que lo que se puede producir con el fragmento.
Jeimy Marcela Cortés Suárez; Paola Amaris-Ruidiaz; Roger Miarka | 191
Eu faço parte do grupo, mas somos um todo porque aqui trabalhamos tod@s.
Dá-se um treinamento e um salário digno, consertamos computadores de ma-
neira presencial. Também criamos plataformas e aplicativos e oferecemos
palestras sobre gênero, diversidade e sobre a mulher, manutenção, assim como
cursos em TI.
Eu não fui para universidade pública porque o ingresso é difícil, ainda mais
para pessoas como nós, mas eu me formei em vários cursos técnicos. Sou da
área de hardware da indústria e fui para a área de software. É uma área es-
cassa de emprego, principalmente para a pessoa negra, pior ainda se for
mulher, e eu não sou nada padrão. Sou uma pessoa bem diferentinha. E aí
nunca me contrataram.
Operantes
BUTLER, Judith. Cuerpos Aliados y Lucha política. Hacia una teoría performativa de
la asamblea. Barcelona: Editorial Paidós, 2017.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto
Machado, Rio de Janeiro: Graal, 1988.
10
Introdução
1
Doutora em Educação Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Professora Adjunta
da Faculdade de Educação da UFMS. Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação Matemática. Professor at Department of Mathematics and Science Education in Stockholm
University. Estocolmo, Suécia. E-mail: [email protected].
3
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
196 | Educação Matemática e Diversidade(s)
fazer dos problemas sociais uma questão educativa que têm que ser abor-
dados e solucionados por meio da educação da população. Em segundo
lugar porque é robusta a ideia de que o espaço escolar é um ambiente pro-
pício para suscitar essa discussão, afinal “todo sistema de educação é uma
maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos,
com os saberes e os poderes que eles trazem consigo” (FOUCAULT, 2004,
p. 44). A escola é um espaço onde se formam as subjetividades por meio
da articulação entre o conhecimento que se considera relevante para a so-
ciedade e as moralidades que se constituem como base para o
comportamento social desejável, tal como discutido no trabalho seminal
nesta área de Walkerdine (1988) e, mais recentemente, em Neto e Valero
(2018). Desse modo, o currículo escolar (incluindo-se o de matemáticas)
amalgama o conhecimento com moralidades particulares do que significa
tratar gênero como um problema. Isto implica que a escola é o espaço onde
cotidianamente se atualizam as tensões da in(equidade) de gênero na so-
ciedade, em relação ao conhecimento, e, em nosso caso, com o
conhecimento matemático escolar. Importante destacar que o uso da ex-
pressão “in(equidade)” se dá para explorar a dicotomia proporcionada por
ações como a chamada a equidade, dicotomia essa expressa num processo
que produz duplamente inclusões e exclusões.
Tratar o assunto da equidade de acesso e possibilidades para homens
e mulheres na educação é parte do debate acerca das maneiras como, na
sociedade, se produzem classificações e ordenamentos para distribuir o
acesso de recursos e posições de vantagem e poder na sociedade (PAIS;
VALERO, 2011). A questão é a relação entre os sistemas legais dos quais os
organismos têm acesso a quais bens e o conhecimento que é avaliado como
aquele que permite gerenciar e ter acesso a esses bens. Isso ocorre porque
as sociedades modernas são baseadas em sistemas de poder/conhecimento.
Portanto, as diferenciações de gênero existentes na sociedade são instancia-
das e promulgadas no campo do conhecimento escolar matemático.
Para ilustrar como essa temática vem sendo abordada na educação
matemática, buscamos Leder (2019), em que é possível encontrar um
Vanessa Franco Neto; Paola Valero | 197
assumidos pelo corpo sexuado (...)” (BUTLER, 2003, p. 24) é produção nas
e pelas relações sociais. O sujeito é uma matéria atravessada e composta
por práticas sociais, moldado dicotomicamente por meio do masculino e
do feminino como tecnologias de diferenciação que devem ser facilmente
reconhecidas e que acabam por organizar as relações humanas como um
todo. Importante destacar que, denota-se que práticas de subjetivação
atravessam toda a vida humana: sem que haja coerção, o “(...) sujeito se
liga à sua própria identidade pela consciência ou pelo conhecimento de si”
(FOUCAULT, 2014, p. 123), ou seja, essas práticas são fixadas por táticas
de condução de condutas, por um exercício de simetria, em que o indiví-
duo necessita se enxergar e se reconhecer para se posicionar no mundo,
um mundo que só é possível habitar com determinados corpos (BUTLER,
2010). Portanto, as noções de gênero são uma das categorias constituintes
do sujeito (BUTLER, 2010), em que os corpos são posicionados para “per-
formarem” de acordo com um suposto sexo biológico, replicando práticas
estilizadas de gestos, atos e atuações.
Faz-se pertinente perquirir as pesquisas no campo da educação ma-
temática a partir das narrativas que produzem sobre a problemática de
gênero, a fim de entender o tratamento que o campo dá a essa temática.
Para isso será usada a estratégia de “pesquisa de pesquisas” (PAIS;
VALERO, 2012) como uma abordagem qualitativa buscando as regularida-
des que emergirem das enunciações catalogadas ao longo da leitura dos
textos selecionados. O objetivo é descrever e analisar os modos pelos quais
as pesquisas da referida área constroem a temática de gênero como objeto
dos quais falam. Compreende-se que as pesquisas realizadas em determi-
nada época por determinado campo de investigações nos contam muito
sobre as problemáticas, as demandas e as contingências de um determi-
nado período.
Nesse sentido, perquirir o trabalho do campo em relação a temática
de gênero, permite admitir que “a pesquisa produz linguagens e ferramen-
tas que moldam o que vemos e dizemos sobre o mesmo mundo da
educação matemática” (PAIS; VALERO, 2012, p. 11). Entendemos que as
Vanessa Franco Neto; Paola Valero | 201
“[...] uma fantasia de masculinidade na qual esta tem que ser constantemente
provada, assim como a exclusão das mulheres dela. A prova da superioridade
204 | Educação Matemática e Diversidade(s)
As mulheres também passaram a ser vistas, e a se verem, cada vez mais como
sujeitos neoliberais – sujeitos egoístas de interesse fazendo escolhas livres ba-
seadas no cálculo econômico racional [...]. As mulheres não apenas querem
um lar feliz, elas também querem dinheiro, poder e sucesso. Elas são sujeito
de interesse atomizados e autônomos, competindo pelas oportunidades eco-
nômicas disponíveis. (OKSALA, 2019, p. 127)
Referencias
BROWN, W. Undoing the demos: Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Zone Bo-
oks, 2015.
FEDERICI, S. Mulheres e a caça as bruxas: da Idade Média aos dias atuais. 1 ed. São Paulo:
Boitempo, 2019.
212 | Educação Matemática e Diversidade(s)
FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis; SOUZA, Maria Celeste Reis Fernandes de.
Relações de gênero, Educação Matemática e discurso: enunciados sobre mulhe-
res, homens e matemática. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. 11ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
FOUCAULT, M. The birth of biopolitics: lectures at the Collège de France, 1978-1979. Ba-
singstoke, UK: Palgrave MacMillan, 2008.
NETO, V. F.; VALERO, P. The mathematics textbook for rural population in Brazil: learning
to be a modernized farmer. In: BERGQVIST, E.; ÖSTERHOLM, M.; GRANBERG, C.;
SUMPTER, L. (Eds.). Proceedings of the 42nd Conference of the International
Group for the Psychology of Mathematics Education (Vol. 1). Umeå, Sweden:
PME, 2018.
PAIS, A.; VALERO, P. Beyond disavowing the politics of equity and quality in mathematics
education. In B. Atweh, M. Graven, W. Secada, & P. Valero (Eds.), Mapping equity
and quality in mathematics education (pp. 35-48). New York: Springe, 2011.
PAIS, A.; VALERO, P. Researching research: mathematics education in the Political. Edu-
cational Studies in Mathematics, 80(1), 9-24, 2012.
UNESCO. Eliminating gender bias in textbooks: Pushing for policy reforms that pro-
mote gender equity in education. Education for All Global Monitoring Report. Paris,
2015.
YOLCU, A. Research on equitable mathematics teaching practices: Insights into its diver-
gences and convergences. Review of Education. Vol. 7, No. 3, pp. 701–730, 2019.
11
1
Doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Associado
do Instituto de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Campo Grande, Mato Grosso do
Sul, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Professora Adjunta
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Campo Grande, Mato Grosso do
Sul, Brasil. E-mail: [email protected].
Marcio Antonio da Silva; Vanessa Franco Neto; Deise Maria Xavier de Barros Souza | 215
O currículo-brinquedo
3
Projeto aprovado na Chamada Universal MCTI/CNPQ Nº 14/2014.
216 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Bichos de pelúcia 35 0 0
Bolas 35 155 1
Boliche 14 11 0
Bolhas de sabão 2 0 0
Carrinhos 3 117 0
Bolinha de gude 8 34 1
Pião 0 4 0
Super-heróis 0 16 1
Videogame 2 4 0
Fonte: adaptado de (VALERO; SILVA; SOUZA, 2019)
O sujeito-mãe
Considerações finais
Foi evidenciado por meio dos excertos destacados que estes se ligam
a um conjunto de práticas que se fixam como construção de noções acerca
do que é ser “menino” e “menina”, seja por intermédio da sedução dos
brinquedos, seja pela constituição do sujeito-mãe que molda e configura
os corpos. Portanto, afirma-se que a educação é uma forma de governo e
de fabricação de tipos específicos de pessoas, que se vinculam inexoravel-
mente à lógica neoliberal vigente, visto que “(...) os princípios do mercado
enquadram todas as esperas e atividades, desde a maternidade até o aca-
salamento (...)” (BROWN, 2015, p. 67).
Nesse sentido, lançar luz sobre as tecnologias de diferenciação ope-
radas por meio desses livros didáticos sobre o masculino e o feminino
permite destacar práticas discursivas de estilização que acabam por obje-
tivar esses corpos e nelas inscrevê-los a partir de táticas de poder que
normalizam condutas.
Tais condutas atribuem a corpos todo um grande propósito e um
ininterrupto investimento em modos de ser e agir como homens e mulhe-
res, que o compõe como sujeitos de visibilidade e enunciação, em que o
indivíduo constitui-se a partir de um conjunto de regras, de gramáticas
específicas. Assim, aprende-se a governar seus corpos, seus gestos, suas
Marcio Antonio da Silva; Vanessa Franco Neto; Deise Maria Xavier de Barros Souza | 231
Operantes:
FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis; SOUZA, Maria Celeste Reis Fernandes de.
Relações de gênero, Educação Matemática e discurso: enunciados sobre homens,
mulheres e matemática. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.
FOUCAULT, M. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. São Paulo: Paz e terra,
2014.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Org. Roberto Machado. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2015.
NANI, A. P. S. (org.). Aprender juntos: alfabetização matemática. São Paulo: Edições SM,
v. 2, 2º ano, 2014.
WALSHAW, M. et al, Beyond the box: rethinking gender in mathematics education. (A.
Chronaki, Org.). In: Proceedings of the ninth international mathematics education
and society conference – MES9. Anais... Volos, Greece: University of Thessaly Pess,
2017.
VALERO, P.; SILVA, M. A.; SOUZA, D. M. X. de B. The curricular-toy, mathematics and the
production of gendered subjectivities. In: Proceedings of the Tenth International
Mathematics Education and Society Conference (MES10), 10. Hyderabad, India.
Anais... Hyderabad, India, 2019
Introdução
1
Uma versão preliminar e parcial deste trabalho foi apresentada no II Congresso de Pesquisadores de Economia
Solidária (CONPES) apresentado em setembro de 2018. Disponível em: <http://www.conpes.ufscar.br/anais-ii-con-
pes/>.
2
Livre-docente pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e Doutora em Educação Mate-
mática pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Professora associada do Instituto de
Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), credenciada no Programa de
Pós-Graduação em Educação para a Ciência (Faculdade de Ciências da UNESP – Câmpus de Bauru). E-mail:
[email protected].
3
Licenciado em Matemática pelo Instituto de Ciências Matemática e de Computação (ICMC) da Universidade de São
Paulo (USP) e mestrando no Programa de Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade Esta-
dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Câmpus de Bauru. Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail:
[email protected].
Renata Cristina Geromel Meneghetti; Edinei de Oliveira Filho | 235
Diretrizes teóricas
Economia Solidária
vender o mesmo tipo de produto acabam tendo prejuízos e por vezes fe-
chando. Essa competição demasiada pode causar efeitos sociais negativos.
Uma vez que ela enaltece sempre os vencedores em detrimento dos per-
dedores. Esses que acabam perdendo são incentivados a continuar
competindo, e numa próxima vez podem tentar melhorar ou conseguir
outra oportunidade de emprego, tentar outro vestibular, entre outras.
Surge então uma dificuldade, uma vez que os vencedores estarão
sempre acumulando vantagens e os perdedores desvantagens. Um empre-
sário que declarou falência não terá mais o capital para abrir uma nova
empresa, terá menos crédito no banco. Pessoas que estão desempregadas
há muito tempo, ou que tem a idade avançada têm extrema dificuldade em
conseguir um novo emprego. Os reprovados em vestibulares têm que se
preparar melhor, mas muitas vezes, sem perspectiva, buscam um em-
prego, têm menos tempo para os estudos, às vezes gastaram todo o
dinheiro em um ano de cursinho. Todos esses, então, acumulam desvan-
tagens para a próxima tentativa (SINGER, 2002).
É nesse sentido que o capitalismo vem gerando desigualdade na so-
ciedade em que vivemos. Essas vantagens e desvantagens vão sendo
passadas de pais para filhos durante as gerações, os descendentes dos ven-
cedores acumulam vantagens e os descendentes dos perdedores
acumulam desvantagens. Em síntese, a liberdade individual preconizada
pelo capitalismo pode torna-se na verdade um mecanismo de produção e
reprodução de desigualdades que vão sendo estabelecidas pelo funciona-
mento baseado em competições.
Dentro do sistema capitalista, mas na direção de amenizar esse pro-
blema é necessária uma economia que seja solidária, pautada na
cooperação entre os participantes ao invés da competição. A Economia So-
lidária (ES) luta para que a classe excluída pelo capitalismo possa ter
condições dignas, buscando a igualdade entre os participantes, a proprie-
dade coletiva do capital, tendo como resultado a solidariedade e a
igualdade (SINGER, 2002). Trata-se, portanto de uma economia
238 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Resolução de Problemas
O BC (aqui não identificado por seu nome real), no qual algumas in-
tervenções pedagógicas foram focalizadas em Meneghetti e Barrofaldi
(2015), era, em tal ocasião, constituído por três mulheres residentes em
um bairro carente da cidade de São Carlos, estado de São Paulo, Brasil.
Tais integrantes saíram da escola há muito tempo e possuíam graus de
Renata Cristina Geromel Meneghetti; Edinei de Oliveira Filho | 245
cálculos acima citados. Com intuito de sanar essas dificuldades, foram ofe-
recidas a esse EES oficinas pedagógicas com o propósito de trabalhar os
conceitos matemáticos que compunham as planilhas de análise e controle
de crédito produtivo, favorecendo também o processo de tomada de deci-
sões.
Posteriormente, as autoras constataram também que, para a análise
de empréstimo, as integrantes do banco também precisavam analisar todo
o ciclo produtivo do empreendimento que desejava realizá-lo e uma das
dificuldades nesse contexto foi o processo de precificação dos produtos dos
empreendimentos. Então, algumas práticas educativas de matemática fo-
caram também essas necessidades.
Atualmente, o BC tem apoiado a feira de bairro, da qual participam
diversos EES de moradores locais, e o grupo EduMatEcoSol começou a
atuar junto a essa iniciativa. O material didático, em forma de apostila,
confeccionado para este EES foi pensado com base nos conteúdos mate-
máticos relacionados às dificuldades de análise de crédito para
empréstimos, ao processo de precificação de determinado produto e ao
processo produtivo dos EES que constituem a feira, a saber,4: Sistema de
Numeração Decimal; Adição e Uso da Calculadora; Subtração; Multiplica-
ção; Divisão; Razão e Proporção; Precificação; Porcentagem; Matemática
Financeira.
Em tal material, esses conteúdos foram apresentados utilizando a
metodologia de ensino e aprendizagem através da RP, no qual primeiro se
apresentou um problema do cotidiano do BC e a partir da resolução deste
foram abordados os conceitos matemáticos envolvidos. Abaixo, apresen-
tamos um exemplo dessa abordagem, recorte do material elaborado:
O problema abaixo exemplifica como foi tratado na apostila o conte-
údo de multiplicação. Tal conteúdo se refere ao contexto de uma
4
A produção deste material tem em sua autoria além dos autores deste trabalho, a aluna Rita de Cássia Zacheo Bar-
rofaldi (que atuou junto a este banco em projeto de iniciação científica, durante o período de Março de 2013 a Julho
de 2014) e também contamos com o auxílio de outra integrante do grupo, a aluna Bruna Gargarella, que na época
era membro do grupo, mas atuava junto a outro EES.
Renata Cristina Geromel Meneghetti; Edinei de Oliveira Filho | 247
Inicialmente, vejamos quanto é 18 % do valor do aluguel antes do aumento, ou seja, 18% de 300 reais, o que é
equivalente a:
18
× 300
100
Fazendo os cálculos da multiplicação e da divisão, temos: 0,18 × 300 = 54.
Daí, concluímos que, o aumento no aluguel foi de R$ 54,00.
Assim, o novo valor destinado ao pagamento do aluguel do EES é 300+54=
354. Portanto, o valor do aluguel passou a ser R$ 354,00.
Fonte: Oliveira Filho; Barrofaldi; Gargarella; Meneghetti, 2018.
5
Site do Laboratório de Ensino de Matemática do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação:
<http://lem.icmc.usp.br/Producoes/Index>.
Renata Cristina Geromel Meneghetti; Edinei de Oliveira Filho | 249
Considerações Finais
Referências
PONTE, J. P. Investigar, ensinar e aprender. In: PROFMAT, 2003, Lisboa. Actas... Lisboa:
APM, 2003. p. 1-23. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~dpdias/2012/
MAT1500-3-Ponte(Profmat).pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020.
Introdução
1
Mestra em Educação Matemática e doutoranda do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação Matemática
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua como professora da Educação Básica em escola
particular. São Paulo, São Paulo, Brasil. [email protected]
2
Doutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora no Pro-
grama de Estudos Pós-graduados em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP). São Paulo, São Paulo, Brasil. [email protected].
254 | Educação Matemática e Diversidade(s)
[...] envolve a preparação da criança para que ela possa se adaptar acadêmica
e socialmente a um ambiente com crianças normais, mas sem pressupor que
deva haver qualquer mudança na organização ou no currículo da escola. Para
ser integrado com sucesso, espera-se que o aluno se adapte à escola, em vez
de a escola se adaptar a ele. (MITTLER; MITTLER, 2001, p. 60).
A entrevista
Questão 1
Professora: [...] O conteúdo que nós trabalhamos com esse aluno, nós supomos que
seja o mesmo que estivermos trabalhando com outros alunos. A partir do que eu
conheço dele, da trajetória dele na matemática [...].
3
Curso superior de graduação com a finalidade de formar professores aptos a lecionar na Educação Infantil e nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Em 2006 o Ministério da Educação (MEC) extinguiu esta modalidade de for-
mação substituindo-a pela formação em Licenciatura em Pedagogia. A Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de
2006, institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura.
4
Dedica-se às questões da escola inclusiva, assumindo a coordenação do Núcleo de Práticas Inclusivas de uma escola
privada de São Paulo, atuando, ao mesmo tempo, como formadora de educadores nesta área em São Paulo e diversas
cidades e estados do Brasil.
Sofia Seixas Takinaga; Ana Lúcia Manrique | 259
Questão 2
Professora: O mesmo material que as outras crianças, não têm nenhum material
específico, são atividades que preparamos, nunca a partir do tipo de deficiência ou
questão que esse aluno apresenta, mas sempre a partir do que ele já sabe, assim como
todas as crianças [...].
260 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Questão 3
Professora: Aqui é uma escola socioconstrutivista e é isso que tentamos para todos.
Para nós todo sujeito é dono de uma ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal), é
dono de um processo de porte de conhecimento singular e alguns deles mostram um
caminho muito singular. É um caminho que assim como os outros temos que perse-
guir, partilhar de algumas certezas que ele tem para desafiá-lo para entrar em
situação de desequilíbrio, é isso que fazemos com ele, assim como fazemos com todos.
Questão 4
Pesquisadora: Existe alguma exigência que deverá ser seguida para a elaboração de
uma atividade para alunos com autismo?
Professora: Especificamente com autismo não, o aluno com autismo é o aluno que
nós precisamos, bom, todos né, conhecer as portas de entrada que ele oferece para
nós e provocá-lo e elaborar as atividades a partir daí. Acredito que não tenha nada
que se diferencie muito, estamos trabalhando aqui no campo da educação, não no
campo do tratamento.
Questão 5
contato, aí eu tenho assunto para conversar com ela. Ela vai me falar se o sujeito que
está com ela fala ou não fala, brinca ou não brinca, se sabe escrever, conhece as letras,
ele se alimenta sozinho, tem autonomia para ir ao banheiro. Então terei sobre quem
falar, [...]. Não dá para eu falar sobre um laudo, sobre a família, não. Aí tem início o
processo de formação do professor. [...], um processo de ação, reflexão, ação, mas
tem que começar na ação. Não tem material de trabalho se não começar por aí.
Questão 6
Professora: Papel de professor, acho que temos que ter certa sensibilidade, é impor-
tante conhecermos o aluno em situação de aprendizagem. Se eu tenho um aluno novo
eu vou demorar mais para acessar as zonas de potência dele, para saber como eu
provoco ele, como ele vai responder melhor. Eu tenho que ter uma didática na mão,
tenho que ter, não uma didática terapêutica, [...], pode ser um monte de coisas, mas
eu tenho que me preparar didaticamente, que é a minha missão para ensinar esse
aluno. [...] é um trabalho que você deve saber fazer, a maioria dos professores tem
que saber fazer. Essa é a questão. O professor fala “eu não sei trabalhar com au-
tismo”, “mas você estudou matemática?”, tudo bem, se a pessoa tiver ali uma crise
pode acontecer uma vez ou outra, o outro também tem crise, todo mundo tem crise.
Nós ajudamos, mas o professor tem que entrar em sala de aula seguro do que ele vai
ensinar e de que forma ele irá ensinar. E não qual patologia ou quantos cromossomos
tem, qual tratamento faz que tipo de autismo, é superdotado, para mim essas coisas
não interessam, não interessa, interessa a muita gente, mas a mim não interessa por-
que quero conhecer cada um.
Questão 7
Professora: Eu acredito que o fato de nós exigirmos que faça, nós temos uma coisa
que espera por ele, nós esperamos dele que ele aprenda matemática e ele sabe. O fazer,
a ação de fazer a atividade, o obriga a trazer a atividade, a sentar no lugar, a abrir a
mochila, a se comportar, nessa coisa de aprendizagem de determinada forma e não
de outra, a compor um grupo que às vezes esse grupo é pequeno. A função da escola
está muito clara para ele, para ele e para todos. Ele não é diferente, ele não vem à
escola para fazer amigos, nem para socializar, ele vem para aprender e é isso que
coloca ele no mesmo patamar dos outros, é compatível sendo um mesmo objetivo.
Não vai aprender a mesma coisa, ao mesmo tempo ou do mesmo jeito, mas nós temos
aqui que disparar os processos de condução de conhecimento dele. Ele sabe disso e
isso requer procedimentos específicos, atitudes específicas, conhecimentos prévios,
ele sabe que o “sete é sete”, que o “um é um”, que o “sete vem antes do oito”, nos
esforçamos para ele usar isso do melhor jeito possível. Costumo dizer que a primeira
coisa que uma criança autista tem que fazer quando vem para a escola é pendurar
uma lancheira no ombro dele, colocar a blusa da escola, “sou aluno, vou entrar”, isso
acaba sendo muito obscuro para eles, mas são marcas que contribuem para a cons-
trução de um sujeito estudante, vamos dizer. A hora que o outro vê o outro colega,
acaba vendo-o como um aluno. É igual a mim, tem a escola [...] na camiseta, tem a
266 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Questão 8:
Professora: Para uns será uma coisa que ele irá precisar o resto da vida, vai usar
muita matemática, vai ser arquiteto, para mim, por exemplo, basta que eu saiba tirar
meu saldo ali e está ótimo. A importância da matemática para todo mundo está ali
no desenvolvimento da capacidade de resolver problemas e para eles isso é muito
importante, resolver problemas, usar os problemas que sabe resolver para resolver
outros mais difíceis, você caminhar em busca de um conhecimento que é um
5 “[...] the time has come for a focus on pedagogy and on how the school community can be a supportive environment
for all. It is a key concern for all schools that seek to be responsive to learning needs.”
Sofia Seixas Takinaga; Ana Lúcia Manrique | 267
Considerações finais
6 “It takes a reflective and committed teacher to try out new methods and to ask the children to assess their value.”
268 | Educação Matemática e Diversidade(s)
Referências
ADIRON, F. Receita de inclusão? Instituto Rodrigo Mendes: Diversa, 2016. Disponível em:
<https://diversa.org.br/artigos/receita-de-inclusao/>. Acesso em: 21 fev. 2020.
MANRIQUE, A.L.; MOREIRA, G.E. Access and Permanence Conditions for Students with
Special Educational Needs in Brazilian Higher Education. In: HOFFMAN, J.;
BELSSINGER, P.; MAKHANYA, M. Contexts for Diversity and Gender Identities
in Higher Education: International Perspectives on Equity and Inclusion. p. 13-27,
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Acesso em 28 fev. 2020.
Sofia Seixas Takinaga; Ana Lúcia Manrique | 271
MITTLER, P.; MITTLER, P. Rumo à inclusão. Pro-Posições, v. 12, n. 2-3 (35-36), p. 60-74,
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Introdução
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Especialista em Educação Especial pelas Faculdades Integradas de Paranaíba
(FIPAR) e em Neuropedagogia pelo Centro Universitário de Jales (UNIJALES). Pedagoga pela Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS) com habilitação em Educação Especial com ênfase na deficiência visual pela Faculdade
de Filosofia e Ciências da UNESP – Câmpus de Marília. Professora de educação básica da Prefeitura Municipal de Ilha
Solteira. Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação Matemática pela Indiana University (EUA). Professora titular (full professor) da Central
Michigan University (CMU). Mount Pleasant, Michigan, Estados Unidos da América. E-mail: [email protected].
Maria Inêz Vasconcelos da Silva; Ana Lúcia Braz Dias | 273
evitar uma eventual cegueira. Onde moro atualmente, em uma cidade pe-
quena dos Estados Unidos, não há um bom especialista em glaucoma, o que
significa viagens frequentes a outra cidade para a bateria de exames rotineira
e para acompanhamento.
Enquanto a pressão ocular dos meus irmãos e pai era facilmente con-
trolada com remédios, a minha era teimosamente sempre alta. Isso me levou
a ter que usar certas medicações que os médicos geralmente evitam passar
por terem muitos efeitos colaterais. Durante o ensino médio, eu usava um
medicamento que como efeito colateral provocava a contração da pupila (mi-
ose) e turvava minha visão. Nem óculos adiantavam. Então, como a Maria
Inêz, não tomava notas (a diferença é que não conversava). Nem levava ca-
dernos para a escola. Felizmente eu aprendo muito ouvindo e tinha memória
muito boa (ênfase no pretérito), então não tinha dificuldades nas disciplinas.
Mas por algum motivo que até hoje desconheço, uma professora de biologia
tomou ofensa com isso e durante uma reunião de professores se referiu a
mim como “a falsa ceguinha”. Fiquei sabendo disso porque o professor de
física achou por certo me contar.
Eu não sei o que a fez se incomodar comigo. E que fique registrado
que eu nunca pleiteei a condição de cega, para justificar o adjetivo “falsa”.
Será que se ofendeu por eu não copiar o que ela escrevia no quadro? Nunca
vou entender.
Em suma, passei por um pouquinho de injustiça e bullying (“quatro
olhos!”), mas relativamente mínimos. Tenho minha visão, mas não a
“tomo por garantida”. Sou grata por isso, e me lembro todos os dias, de 12
em 12 horas, de que se eu não pingar meu colírio posso vir a ficar sem ela.
Essa foi a revolução dos estudos sobre deficiência surgidos no Reino Unido e
nos Estados Unidos nos anos 1970. De um campo estritamente biomédico con-
finado aos saberes médicos, psicológicos e de reabilitação, a deficiência passou
a ser também um campo das humanidades. Nessa guinada acadêmica, defici-
ência não é mais uma simples expressão de uma lesão que impõe restrições à
participação social de uma pessoa. Deficiência é um conceito complexo que
reconhece o corpo com lesão, mas que também denuncia a estrutura social
que oprime a pessoa deficiente. Assim como outras formas de opressão pelo
corpo, como o sexismo ou o racismo, os estudos sobre deficiência descortina-
ram uma das ideologias mais opressoras de nossa vida social: a que humilha
e segrega o corpo deficiente (DINIZ, 2007, p. 6)
[o]s critérios utilizados pelo Censo 2000 para recuperar a magnitude da po-
pulação com impedimentos corporais no país foram marcadamente
biomédicos, tais como a gradação de dificuldades para enxergar, ouvir ou se
locomover. Isso se deve não apenas ao modelo biomédico vigente na elabora-
ção e gestão das políticas públicas para essa população no Brasil, mas
principalmente à dificuldade de mensuração de o que vem a ser restrição de
participação pela interação do corpo com o ambiente social. (DINIZ et al.,
2009, p. 66)
a) Não consegue de modo algum (para a pessoa que declarou ser permanente-
mente incapaz de enxergar);
b) Grande dificuldade (para a pessoa que declarou ter grande dificuldade perma-
nente de enxergar, ainda que usando óculos ou lentes de contato);
c) Alguma dificuldade (para a pessoa que declarou ter alguma dificuldade perma-
nente de enxergar, ainda que usando óculos ou lentes de contato);
d) Nenhuma dificuldade (para a pessoa que declarou não ter qualquer dificuldade
permanente de enxergar, ainda que precisando usar óculos ou lentes de con-
tato).
3
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na soci-
edade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2006, art. 1º)
282 | Educação Matemática e Diversidade(s)
O estudo dos casos julgados pelo STJ descortina sutilezas sobre como o dis-
curso sobre deficiência, saúde e justiça social, no campo jurisdicional, é repleto
de vieses ancorados no padrão da normalidade: pelo que se extraiu dos argu-
mentos dos julgadores, a presença de impedimento corporal seria o bastante
para identificar o fenômeno da deficiência. (...)
O caso da visão monocular mostra que a Justiça brasileira, representada pelo
STJ e pelo STF, não enfrentou a controvérsia de que a visão monocular é um
caso-limite para a deficiência; (...) Mas a judicialização do debate sobre visão
monocular teve vantagens: a de dar um tratamento de justiça à questão; a de
revelar que essa é uma disputa da elite de pessoas deficientes; a de provocar o
questionamento sobre quem é o sujeito deficiente que a sociedade almeja pro-
teger; e a de desnudar como o fenômeno da deficiência foi analisado pela
Justiça, algo tão importante para a reavaliação de políticas públicas sociais.
(QUEIROZ, 2011, p. 86-87)
Com a decisão do STJ, uma pessoa com visão monocular, que tem um
dos olhos com visão perfeita e pode até tirar carteira de motorista, pode
concorrer a uma vaga de emprego reservada a pessoas cegas ou com baixa
visão.
Este caso nos fez querer compartilhar uma experiência pessoal da
Maria Inêz, primeira autora, o que fazemos a seguir.
Um aluno com deficiência física nos membros inferiores e que faz uso de ca-
deira de rodas, utilizará o computador com o mesmo objetivo que seus colegas:
pesquisar na web, construir textos, tabular informações, organizar suas apre-
sentações etc. O computador é para este aluno, como para seus colegas, uma
ferramenta tecnológica aplicada no contexto educacional e, neste caso, não se
trata de Tecnologia Assistiva. São exemplos de TA no contexto educacional os
mouses diferenciados, teclados virtuais com varreduras e acionadores, softwa-
res de comunicação alternativa, leitores de texto, textos ampliados, textos em
Braille, textos com símbolos, mobiliário acessível, recursos de mobilidade pes-
soal etc. (...) [E]u ouso chamar a ferramenta utilizada pelo aluno de Tecnologia
Assistiva, mesmo quando ela também se refere à tecnologia educacional co-
mum. Podemos afirmar então que a tecnologia educacional comum nem
sempre será assistiva, mas também poderá exercer a função assistiva quando
favorecer de forma significativa a participação do aluno com deficiência no
desempenho de uma tarefa escolar proposta a ele (BERSCH, 2017, p. 12)
Maria Inêz Vasconcelos da Silva; Ana Lúcia Braz Dias | 289
Considerações finais
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