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Original
RESUMO
Partindo da constatação de que estudos partidários, em geral, não têm como foco a análise sobre o grau de democracia
na tomada de decisões no interior dos partidos políticos, e, considerando que, a ausência de questionamento sobre
esses processos decisório exclui da equação democrática um de seus elementos fundamentais. Este artigo objetiva
contribuir com o debate sobre os limites e possibilidades da democracia intrapartidária, ao revisitar os marcos
fundadores dos estudos sobre partidos. Assim, analisa o clássico, mas por vezes ignorado, trabalho de Ostrogorski, e o
fundamental, porém estigmatizado e, não raramente, abordado superficialmente, “Sociologia dos Partidos Políticos” de
Michels.
ABSTRACT
Based on the observation that partisan studies generally do not analysis the degree of democracy in the processes of
decision-making inside the parties, and, considering that a lack of questioning about this process excludes from the
democratic equation one of your fundamental element. This article has as objective contribute to the debate about the
limits and possibilities of intraparty democracy, by revisiting the milestones studies about parties. Thus, this work
analyzes the classic, but many times ignored, work of Ostrogorski and the fundamental, but sometimes stigmatized,
"Sociology of Political Parties" by Michels.
Em Tese, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 60-78, jan/jun., 2020. Universidade Federal de Santa Catarina.
ISSN 1806-5023. DOI: https://doi.org/10.5007/1806-5023.2020v17n1p60
1 INTRODUÇÃO
Em seu ensaio “Sociologia dos Partidos Políticos”, Robert Michels (1982) assinalou
que a decisão de participar da disputa parlamentar e a necessidade de incorporação das
massas, que recentemente haviam adentrado a arena eleitoral, demandou dos partidos
uma organização interna de suas atividades e funções, cujo êxito só seria possível por
meio da formação de burocracias profissionais especializadas. Para este, a formação
destas burocracias teve sucesso em sua função organizativa, mas deu origem a uma elite
que, ao se afastar da base de filiados, levou à oligarquização do Partido Social-
Democrata da Alemanha (SPD)1.
A tese defendida por Michels colocou uma questão central para a política moderna:
seria factível a democracia intrapartidária? E mais, sem esta, seria possível um sistema
político democrático? Argumenta-se que tais perguntas ainda estão postas, e que, apesar
de se tratar de elemento importante para a análise da qualidade da democracia, a
organização interna dos partidos políticos segue sendo uma área sub-representada na
Ciência Política.
Os partidos, na maioria dos países, dentre esses o Brasil, possuem o monopólio
sobre a apresentação de candidaturas, e em toda parte há algum tipo de mediação entre
as alternativas disponibilizadas aos eleitores e as decisões internas a essas
organizações. Nos diferentes sistemas políticos cabe aos partidos realizar o recrutamento
eleitoral, e mesmo nos países que permitem o lançamento de candidaturas sem filiações
a essas organizações, estas seguem tendo influência marginal.
A eleição dos representantes é, portanto, um segundo ato sempre precedido de
algum método de seleção de candidaturas interno aos partidos e definição de prioridades
nas disputas eleitorais. Ou seja, ainda que nas democracias representativas os titulares
do Executivo e membros do Legislativo sejam selecionados de acordo com a decisão dos
1Seu livro não se limita ao SPD, analisa outros partidos de esquerda europeus, bem como os anarquistas,
cooperativas e sindicatos, no entanto o SPD termina por ser seu estudo de caso mais aprofundado.
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eleitores, antes deste momento, e mesmo antes do início da campanha eleitoral, parte do
jogo que definirá os eleitos é jogado longe dos holofotes, no interior dos partidos políticos.
Estudos partidários, em geral, não têm como foco a análise sobre o grau de
democracia na tomada de decisões no interior dos partidos políticos, lacuna que, segundo
argumenta este artigo, pode representar a exclusão da equação democrática de um de
seus elementos fundamentais.
Assim, o presente texto objetiva contribuir com o debate sobre os limites e
possibilidades da democracia intrapartidária, ao revisitar os marcos fundadores dos
estudos sobre partidos analisando o clássico, mas por vezes ignorado, trabalho de
Ostrogorski e o fundamental, porém estigmatizado e, não raramente, abordado
superficialmente, “Sociologia dos Partidos Políticos” de Michels. A metodologia a ser
utilizada será a revisão bibliográfica de textos selecionados dos autores supracitados,
bem como contribuições de autores que dialogam e buscam interpretar seus trabalhos.
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como se deu esse processo, que tem suas particularidades em cada nação, mas alcança
a maior parte do ocidente até meados do século XX.
O autor se dedica a analisar o desenvolvimento desse formato de partido que
agora passava a atuar para além dos muros do parlamento. Descreve como foi criada a
“Associação”, organização eleita que estruturava os debates e decisões do Partido
Liberal, e tantas outras formas de organização que se espalharam pela Inglaterra
realizando reuniões, comícios, festas, e uma série de atividades que anos antes não
seriam pensadas enquanto atribuições de partidos políticos.
Seu trabalho é permeado por muitas críticas a este novo estado de coisas, dentre
as quais as mais recorrentes são a de que o sufrágio universal impediu a relação face a
face; a disciplina do Caucus2 se assemelhava ao militarismo: “sectarian in their doctrines,
they are autoritarian in their organization; their inflexible discipline” (OSTROGORSKI,
1902a, p. 569); sua ortodoxia era temerária; a inteligência de seus integrantes reduzida 3;
seu funcionamento mais sentimental do que racional; sua aparente democracia se
distanciava de sua realidade autocrática; e, principalmente no caso americano, a
corrupção e a patronagem eram a regra.
Alguns dos seus primeiros questionamentos ao caráter democrático do Caucus é
quanto à extensão da participação. Afirma que na Inglaterra, mesmo nos lugares em que
este obteve sucesso, jamais atingiu 10% do eleitorado, e nos Estados Unidos define a
opinião pública como parte ansiosa e parte indiferente à ação dos partidos, o que, na sua
avaliação, contribuiu para que a máquina partidária se tornasse despótica, e apenas os
elementos nocivos se mantivessem em suas fileiras4.
Ao olhar em perspectiva, porém, é possível perceber que os partidos de massas,
mesmo em seus tempos áureos, jamais contaram com a maioria do eleitorado entre seus
filiados. Para além disso, a transição de um modelo em que a atuação partidária se
limitava ao parlamento e não havia sequer a possibilidade de participação política das
intellectual standard is not a very high one. For the most part worthy people, earning their livelihood honestly
and laboriously as shopkeepers or in trades, they are generally, devoid of enlightenment (…)”
(OSTROGORSKI, 1902, p. 348).
4 “(…) The official party divested itself of everything that resembled principles, ideas, or ideals, and left the
Organization only the mercenary element” (OSTROGORSKI, 1902, p. 136).
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massas, do ponto de vista democrático, dificilmente poderia ser analisada como
retrocesso em virtude de uma participação considerada pequena, dado que antes esta era
praticamente nula.
No que tange aos mecanismos de tomada de decisões internas, as críticas de
Ostrogorski em muito se aproximam das que viriam a ser tecidas por outros expoentes da
análise sobre os partidos políticos. Afirma que as eleições dos delegados eram
dominadas pelas principais lideranças dos partidos por meio do estabelecimento de listas
a priori, impedindo que os integrantes ordinários do Caucus definissem por quem
gostariam de ser representados. Relata ainda a existência de um constrangimento moral
para que os integrantes do Caucus votassem tal e qual lhe havia sido designado:
5 “The working of the new Organization revealed almost at once the unhealthy politico-social conditions amid
which it was introduced. In the East as well as in the West it was monopolized by the politicians; (…) the
mode in which they were got up and their decisions were marked by fraud and flagrant abuses”
(OSTROGORSKI, 1902a, p. 67).
6 “In the very great majority of cases they are due to anything but disinterested considerations; they are a
pure speculation, an investment of money which later on should yield a good return in favors that the men
elected with the money of the donors have at their disposal” (OSTROGORSKI, 1902b, p. 653).
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Organization, but in order to get; at the new voter more easily they have framed their
machinery with the special object of ‘reaching the masses’” (OSTROGORSKI, 1902a, p.
369).
Sobre a participação da classe trabalhadora, relata que, mesmo com o Caucus,
esta mantinha sua indiferença para com os partidos tradicionais, nos quais localizava uma
ação política que visava apenas o benefício próprio das elites. Assim, em sua grande
maioria, só travavam contato com o Caucus no período eleitoral. E, em que pese a maior
parte dos poucos trabalhadores que compunham o Caucus regularmente não recebessem
nada por sua contribuição, predomina em nos escritos de Ostrogorski a percepção de que
a participação dos trabalhadores nestas organizações tinha como objetivo possibilitar o
acesso a benesses das classes altas, ou até mesmo vencimentos propriamente ditos.
Dando segmento ao tom elitista presente em todo o seu trabalho, afirma que o
Caucus levou ao surgimento de uma espécie de político profissional que, mesmo que não
se limitasse a objetivos meramente auto interessados ou mercenários, seguiria tendo
efeito desmoralizante para a vida pública, reafirmando a lógica presente em várias
passagens de seu livro de que, apenas os oriundos das classes proprietárias poderiam
exercer a política como causa. Considera ainda que, caso viesse a ser aprovada, a
remuneração do trabalho parlamentar contribuiria para atrair para a política apenas
homens que buscassem verter benefícios próprios.
Neste aspecto, Weber (2006) inverterá a lógica de Ostrogorski sobre a
profissionalização da política, considerando que o central não é se o político necessita
receber algum vencimento para atuar, afinal com o advento da democracia de massas, a
política deixa de ser um espaço exclusivo da elite, mas sim se é vocacionado, se acredita
e guia suas ações de forma responsável em prol de uma causa e não da busca por altos
rendimentos ou o privilégio do poder.
Para além do já citado caráter duvidoso do formato das eleições internas dos
partidos, Ostrogorski (1902a) ressalta que nem todos os representantes eram eleitos,
sendo alguns desses membros cooptados, indicados pelos delegados. Aqui surge a
contradição, se antes critica a falta de participação e de democracia, nesta passagem
defende a cooptação ao afirmar que se tratava de um mecanismo de retificação da
escolha dos eleitores que assegurava a presença de lideranças importantes para o
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partido, bem como financiadores, deixando nítido que a democracia não tinha para ele um
valor intrínseco como por vezes parecia indicar em suas análises7.
Weber concordará com Ostrogorski ao afirmar que mesmo em partidos de massas
com constituições democráticas, seus eleitores e a maioria dos filiados não participam da
tomada de decisões com relação ao programa e a seleção dos candidatos, e se o fazem,
é apenas de maneira formal. Discordará, contudo, de sua visão sobre a cooptação.
Segundo Weber (2004), a essência da política é a luta, que prepara e seleciona
líderes capazes e treinados, indispensáveis para a sobrevivência dos partidos. Não se
trata de um treinamento técnico, muito menos de um método de seleção calcado na
obediência, tal como ocorre com a burocracia, mas de um processo que se dá por meio
dos desafios constantes na vida daqueles que se dedicam à política. Em termos objetivos,
para o autor alemão, a cooptação ao invés de retificar a escolha dos eleitores contribui
para a ascensão de quadros despreparados para os desafios externos.
De volta a Ostrogorski, este afirma que o Caucus não alcançou sua intenção de
transformar os históricos partidos ingleses em organizações realmente democráticas,
criando o formato para tal, mas não o conteúdo. Foca sua crítica no Caucus, mas na
verdade exprime um inconformismo profundo com a irreversível democracia de massas.
Ao proclamar que o Caucus elimina o elemento pessoal da relação entre candidato
e eleitor, mira no inimigo errado, pois tais relações deixam de ser possíveis não pelo
surgimento do Caucus, mas pela expansão do sufrágio. Afirma de maneira categórica que
mesmo o despotismo promove mais o espírito público do que a democracia: “On the other
hand, a regime of enlightened despotism, supported by a trained and honest bureaucracy,
or a parliamentary aristocracy like that which ruled England for so long, is far more
favorably situated for displaying public spirit” (OSTROGORSKI, 1902a, p. 625).
Apesar de ao longo de todo o trabalho destacar o poder dos líderes partidários, ao
término relata que estes também passaram a ter que submeter sua ação legislativa à
pressão popular, o que Ostrogorski (1902a) considera uma limitação à liberdade destes
no parlamento8, elemento que, segundo Manin (1997), é parte do diferencial da
7
“The Council of the Association has often been able to rectify the choice of the wards by means of the co-
optation rule. Men who did not commend themselves to the ward politicians but who could render services to
the party were admitted as co-opted members (…)” (OSTROGORSKI, 1902a, p. 335).
8 8 “(…) obliged to pay a price for the support given them by the popular Organization, they inevitably
have to submit to its pressure themselves in their legislative functions, so that the freedom of movement of
the parliamentary leaders is not complete either” (OSTROGORSKI, 1902a, p. 612).
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democracia de partido que tem lugar ao longo de quase todo o século XX e não o sinal de
crise da democracia representativa visto por Ostrogorski e outros de seus
contemporâneos.
Após tecer conclusões bastante nefastas sobre o funcionamento e as tendências
das organizações por ele analisadas: “the system of permanent parties, and the exercise
of power by parties, are an evil and a mortal danger for democracy” (OSTROGORSKI,
1902b, p. 738), e afirmar que os partidos deixaram de ser necessários para a realização
dos objetivos de um governo livre, propõe uma saída exótica para os problemas por ele
listados. Defende a extinção dos partidos enquanto organizações regulares e
permanentes, e sua substituição por ligas que defenderiam causas pontuais, e
desapareceriam junto com a vitória ou derrota destas. Tal tese jamais ganhou adesões
relevantes, mas seu trabalho de maneira mais ampla, seguiu influenciando o campo de
estudos que ajudou a inaugurar.
Informado por Ostrogorski, Michels analisa em seu ensaio: “Sociologia dos Partidos
Políticos” (1982; s/d), a dinâmica interna dos partidos de massas europeus. De partida
ressalta que não é possível conceber a democracia sem organização, em especial no
caso da classe trabalhadora, prejudicada na correlação de forças em relação às classes
historicamente dominantes e gestoras do Estado. Mas que tal ação necessária é também
a fonte das correntes conservadoras da democracia, potencializadas pela especialização
das burocracias profissionais, e a divisão entre uma minoria dirigente e uma maioria
dirigida. Afirma que o processo de crescimento e complexificação também leva ao
estabelecimento do sistema representativo no interior dos partidos ao qual Michels tece
duras críticas.
Relata que a necessidade de uma atuação efetiva fez com que as organizações
investissem em formação e meios para possibilitar que os dirigentes tivessem tempo para
se dedicar a atuação militante. A consequência, porém, foi o aprofundamento do fosso
entre as massas e os dirigentes, em suas palavras: “especialidade significa autoridade”
(MICHELS, 1982, p. 53). O pagamento de vencimentos para os militantes convertidos em
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funcionários da máquina partidária contribuiria ainda para que estes se tornassem
dependentes da mesma e passassem a atuar no sentido único da sua preservação, que
em último caso é a luta pela preservação do próprio indivíduo9. . Estes passariam por um
processo de aburguesamento e imprimiriam sua nova mentalidade ao partido. Desta
maneira, considera que o interesse do corpo de funcionários do partido será sempre
conservador, e é taxativo ao dizer que o crescimento do partido traz consigo a timidez e a
prudência.
Reputa que a estrutura psicológica dos chefes é afetada pela passagem da
oposição ao governo, e que a expectativa de acesso às suas benesses atrai políticos
oportunistas que não adentrariam o partido em períodos de perseguição e dificuldades.
Estabelece assim relação direta entre o êxito eleitoral e a descaracterização do partido:
“Na democracia, e como sempre em tudo o mais, o êxito representa a morte do idealismo”
(MICHELS, 1982, p. 156).
Compreendendo os limites e desafios de partidos que precisam ao mesmo tempo
crescer, e ter capacidade de ação imediata, aponta que: “uma organização forte exige,
por razões tanto de técnica administrativa quanto de tática, uma direção igualmente forte.
Na medida em que é morosa e vaga a organização é impotente para produzir uma
direção profissional” (MICHELS, 1982, p. 228).
Tal centralização das decisões e especialização dos dirigentes, quase inevitável,
leva à oligarquia, que por vezes é apresentada como um sistema de tomada de decisões
antidemocrático, e em outras passagens como um grupo de líderes que ditam os rumos
do partido a despeito das preferências das bases. Recorrente ao longo do texto é a
percepção de que esta constitui uma casta inamovível, que exerce um poder ilegítimo por
não ser fruto da expressão da vontade popular, o que configura o divórcio entre as
preferências de lideranças e liderados.
Michels afirma a oligarquia enquanto fenômeno orgânico ao qual todas as
organizações: partidos, cooperativas, sindicatos, e até as anarquistas, sucumbem. Ao
reportar seu desenvolvimento a características gerais intrínsecas aos seres humanos, tal
como aponta Hirschman (1992), configura sua lei de ferro como exemplar da tese da
9“(...) A dependência financeira e relação ao partido, ou seja, em relação aos chefes que representam a
minoria, como que envolve a organização num círculo de ferro. Os mais tenazes mantenedores do partido
são, com efeito, os que mais dependem dele” (MICHELS, 1982, p. 69).
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futilidade, que sustenta que quaisquer tentativas de transformação social serão
infrutíferas, como sintetizado na passagem que segue:
A história parece-nos ensinar que não existe movimento popular, por mais
enérgico e vigoroso, capaz de provocar transformações profundas e permanentes
no organismo social do mundo civilizado. É que os elementos preponderantes do
movimento, a saber, os homens que o dirigem e alimentam, acabam por se afastar
lentamente das massas e por ser atraídos para a órbita da “classe política”
dominante (MICHELS, 1982, p. 244).
Ribeiro (2012) ressalta que durante sua fase marxista, Michels era mais próximo
aos ortodoxos, crítico do reformismo e da priorização à ação institucional. O pano de
fundo presente na social-democracia alemã na época em que Michels escrevia a
Sociologia dos Partidos Políticos é relevante para compreensão de algumas de suas
assertivas. Neste período, Bernstein e Kaustky estavam em plena contenda, sobre a qual
Michels tinha opinião e lado. Este autor, que nutria respeito por Bernstein 10 e pouco se
refere a Kautsky, se aproximava do segundo, e mais ainda das correntes revolucionárias
e anarquistas, sendo duas de suas referências Rosa Luxemburgo e Sorel. Portanto, muito
das críticas feitas aos partidos socialistas e social-democratas estão diretamente
relacionadas à sua desilusão com o que considerava uma degeneração parlamentar em
curso nestas organizações.
10“(...) porque na Alemanha, uma personalidade como a de Eduard Bernstein ficou na obscuridade, apesar
do valor de sua doutrina e de sua grande influência intelectual” (MICHELS, 1982, p. 42).
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Ao discutir a representação política, se remete a Proudhon, afirmando que a ação
dos representantes mina desde o primeiro momento o controle popular. Posteriormente
ressalta que os anarquistas foram os primeiros a explicitar as consequências hierárquicas
e oligárquicas das organizações partidárias, e afirma que a nitidez de sua visão em
relação aos desvios da organização, os levou ao ponto de renunciar à construção de um
partido propriamente dito. De outro lado, diz que Marx e Engels reconheciam os perigos
da representação sem, no entanto, rechaçarem o parlamentarismo, ou admitirem que
estes perigos também estavam presentes nos partidos socialistas e social-democratas.
Em que pese afirme várias vezes não buscar tecer juízos de valor, ao dizer que a
revolução social correria o risco de, ao substituir a classe dominante visível instaurar uma
oligarquia mascarada, se coaduna a Mosca e Pareto que não só diagnosticam a
inevitabilidade da existência de elites dirigentes, como a consideram virtuosa. Se afasta
de Pareto apenas ao contestar sua teoria de circulação das elites, propondo que o que se
verifica quando novos atores assumem postos de direção, é uma amálgama de elites na
qual os desafiantes não destronam os antigos, e sim são cooptados por estes.
Nitidamente influenciado por Gustave Le Bon, responsável pela primeira publicação
de a “Sociologia dos Partidos Políticos” na França, Michels mobiliza acepções
relacionadas à psicologia das massas, afirmando que estas, cujas preferências são
facilmente manipuladas e possuem uma propensão de culto aos chefes, perdem a
capacidade crítica individual no momento em que se tornam multidão 11, sucumbindo às
lideranças mais habilidosas.
Explicita seu elitismo ao afirmar, após páginas de caracterizações detratoras do
operariado, que considera que o movimento socialista é melhor conduzido por homens
saídos de outras classes sociais. Chegando a afirmar que sem a independência material a
atividade política é impossível, aproximando seu discurso ao de Ostrogorski:
Disso decorre que só o socialista de origem burguesa dispõe daquilo que ainda
falta totalmente ao proletariado: o tempo e os meios de realizar sua educação
política, a liberdade física de se deslocar de um lugar para o outro e
independência material sem a qual o exercício de uma atividade política, no
verdadeiro sentido da palavra, é inconcebível (MICHELS, 1982, p. 198).
11“A multidão anula o indivíduo e, com ele, sua personalidade e seu sentimento de responsabilidade”
(MICHELS, 1982, p. 10).
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Michels se remete a Marx e à teoria das elites produzindo uma síntese que as
coaduna. Afirma que a história consiste em uma contínua luta de classes, mas conclui
não pela futura superação das mesmas e do Estado, e sim pela lógica em que a classe ao
se tornar dominante, criará novas oligarquias que se fundirão às antigas. Afirmando que:
“a vitória dos socialistas não seria a do socialismo” (1982, p. 235).
Outra importante influência de Michels foi Weber, com o qual durante quase uma
década estabeleceu uma relação próxima, na qual aquele lia e comentava seus trabalhos
publicados e manuscritos. A influência de Weber sobre Michels é evidente, e é provável
que a ausência de citações mais explícitas se deva às divergências políticas e teóricas
que levaram ao afastamento entre os dois antes da publicação da primeira edição de sua
mais famosa obra.
As marcas em seu trabalho, no entanto, são inquestionáveis. Sua definição de
liderança em muito se aproxima da carismática de Weber, e a burocracia é peça chave do
processo de oligarquização que descreve. O burocratismo, apontado por este como capaz
de rebaixar o caráter e engendrar a indigência moral, levaria o partido a se tornar
centralizador e a justificar suas práticas com base em questões de técnica e eficiência.
Por fim, seria difícil compreender o trabalho de Michels de forma acurada sem
remeter a uma de suas grandes influências: Rousseau. Assim como o filósofo francês,
Michels concebe o tamanho da organização como fundamental para a determinação das
possibilidades democráticas. Enquanto para o primeiro a democracia no sentido clássico
só poderia existir em pequenos Estados, para Michels ela só seria possível em pequenas
agremiações. Ao afirmar que na origem dos partidos os dirigentes eram meros
funcionários, que ao longo do desenvolvimento da organização convertem-se em líderes
inamovíveis, estabelece raciocínio que coincide com a relação entre soberano e chefes
explicitada por Rousseau:
Desta forma, têm muita razão aqueles que pretendem não ser um contrato, em
absoluto, o ato pelo qual um povo se submete a chefes. Isto não passa, de modo
algum, de uma comissão, de um emprego, no qual, como simples funcionários do
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soberano, exercem em seu nome o poder de que ele os fez depositários, e que ele
pode limitar, modificar e retomar quando lhe aprouver. Sendo incompatível com a
natureza do corpo social, a alienação de um tal direito é contrária ao objetivo da
associação (ROUSSEAU, 1978, p. 74).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo debruçou-se sobre a análise dos partidos políticos a partir das
perspectivas de Ostrogorski e Michels. A seleção desses autores levou em consideração
a combinação entre a relevância de suas contribuições e o reduzido, o deturpado debate
no campo de estudos partidários em relação aos mesmos. Ostrogorski, que junto com
Michels, pode ser considerado o autor de um dos primeiros trabalhos sistemáticos sobre
as organizações partidárias, é pouquíssimo referenciado e sequer conta com a tradução
de seu principal livro para o português. Michels, em virtude de sua alcunha de elitista,
aliás, atribuída a ele bastante tempo depois da elaboração de sua principal obra, não raro,
recebe interpretações enviesadas sobre sua crítica a funcionamento interno dos partidos
políticos.
A retomada desses clássicos levou em consideração também a constatação de
que atualmente é comum que características dos partidos políticos descritas há um
século, ou mais, sejam tratadas pela literatura como novidades e sinais de crise destas
organizações, gerando imprecisões que levam a falsas conclusões. Esse autores, que
não reconhecem na ciência a possibilidade de salvação de um mundo “desencantado”,
para trabalhar nos termos de Weber, nem na política e nos partidos em desenvolvimento
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o progresso que animava alguns, ou mesmo a esperança da construção de uma
sociedade igualitária, ainda que distante, presente em Marx, tecem análises críticas aos
partidos, ainda que em alguns casos por demais ácidas, que possibilitam a observação de
maneira acurada dos limites dessas organizações, no que tange a democracia interna,
presentes desde a sua origem.
Compreender essas limitações, mas também suas possiblidades é fundamental,
dado que diferente do que afirmava Ostrogorski (1902), o Caucus, protótipo do que viriam
a se tornar os partidos políticos modernos de massas, não necessariamente se tornou
promotor da desordem, mas um canal por meio do qual a população passou a poder se
expressar. O mundo em que a pressão extra constitucional ao parlamento era por ele
concebido, como escândalo e insulto, deixou de existir, e o que para o autor era visto
como incitação à instabilidade, converteu-se na forma encontrada pelo governo
representativo de tornar-se legítimo perante as massas.
Ainda que criticados e em profundas e contínuas transformações, é preciso admitir
que o advento dos partidos políticos de massas mudou a natureza da representação.
Estes foram fundamentais no processo de ampliação do sufrágio, tanto na luta por ele,
quanto na incorporação das massas ao sistema político, e imprimiram nova dinâmica à
democracia.
Se nos tempos de Michels e Ostrogorski o debate sobre a democracia
intrapartidária era importante, em um de momento de crescente crise de confiança nas
instituições e da alienação eleitoral a cada pleito, torna-se ainda mais central que os
partidos exerçam a democracia internamente como forma de estabelecer uma conexão
com seus militantes e possibilitar que cidadãos comuns tenham a chance de participar da
vida política institucional. Partidos impermeáveis, ainda que sejam máquinas eleitorais
potentes, reduzem gradativamente sua capacidade representativa e de mediação junto à
população, desta maneira contribuem para o comprometimento da qualidade da
democracia.
REFERÊNCIAS
MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: Ed. UnB, 1982.
MICHELS, Robert. A sociologia dos partidos políticos. São Paulo: Senzala, [s.d.].
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2006.
NOTAS
TÍTULO DA OBRA
Revisitando os Marcos Fundadores dos Estudos sobre Partidos Políticos
Tássia Rabelo de PINHO
Dra. em Ciência Política
Universidade Federal da Paraíba
Departamento de Ciências Sociais,
João Pessoa, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-1451-2237
Em Tese, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 60-78, jan/jun., 2020. Universidade Federal de Santa Catarina. 77
ISSN 1806-5023. DOI: https://doi.org/10.5007/1806-5023.2020v17n1p60
Endereço de correspondência do principal autor
Rua Helena Meira Lima, 759, apto 102 - Tambaú, João Pessoa - PB, 58039-230
Caso necessário veja outros papéis em: https://casrai.org/credit/
FINANCIAMENTO
Não se aplica.
CONFLITO DE INTERESSES
Não há.
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PUBLISHER
Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Publicado no Portal de
Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando,
necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
HISTÓRICO
Recebido em: 26 de novembro de 2018
Aprovado em: 11 de junho de 2019
Em Tese, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 60-78, jan/jun., 2020. Universidade Federal de Santa Catarina. 78
ISSN 1806-5023. DOI: https://doi.org/10.5007/1806-5023.2020v17n1p60