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Artigo

Original

AS ANÁLISES DE OSTROGORSKI E MICHELS SOBRE


OS PARTIDOS POLÍTICOS
Ostrogorski and Michels analysis about the Political Parties

Tássia Rabelo de PINHO


Departamento de Ciências Sociais
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-1451-2237

Mais informações da obra no final do artigo

RESUMO
Partindo da constatação de que estudos partidários, em geral, não têm como foco a análise sobre o grau de democracia
na tomada de decisões no interior dos partidos políticos, e, considerando que, a ausência de questionamento sobre
esses processos decisório exclui da equação democrática um de seus elementos fundamentais. Este artigo objetiva
contribuir com o debate sobre os limites e possibilidades da democracia intrapartidária, ao revisitar os marcos
fundadores dos estudos sobre partidos. Assim, analisa o clássico, mas por vezes ignorado, trabalho de Ostrogorski, e o
fundamental, porém estigmatizado e, não raramente, abordado superficialmente, “Sociologia dos Partidos Políticos” de
Michels.

PALAVRAS-CHAVE: Partidos Políticos. Democracia intrapartidária. Oligarquização. Burocratização. Elites.

ABSTRACT
Based on the observation that partisan studies generally do not analysis the degree of democracy in the processes of
decision-making inside the parties, and, considering that a lack of questioning about this process excludes from the
democratic equation one of your fundamental element. This article has as objective contribute to the debate about the
limits and possibilities of intraparty democracy, by revisiting the milestones studies about parties. Thus, this work
analyzes the classic, but many times ignored, work of Ostrogorski and the fundamental, but sometimes stigmatized,
"Sociology of Political Parties" by Michels.

KEYWORDS: Political parties. Intraparty democracy. Oligarquization. Bureaucratization. Elites.

Em Tese, Florianópolis, v. 17, n. 1, p. 60-78, jan/jun., 2020. Universidade Federal de Santa Catarina.
ISSN 1806-5023. DOI: https://doi.org/10.5007/1806-5023.2020v17n1p60
1 INTRODUÇÃO

Toda organização de partido representa uma potência oligárquica


repousada sobre uma base democrática. Encontramos em toda parte
eleitores e eleitos. Mas também encontramos em toda parte um poder
quase ilimitado dos eleitos sobre as massas que os elegem. A estrutura
oligárquica do edifício abafa o princípio democrático fundamental. O que é
oprimido, o que deveria ser (MICHELS, 1982, p. 238).

Em seu ensaio “Sociologia dos Partidos Políticos”, Robert Michels (1982) assinalou
que a decisão de participar da disputa parlamentar e a necessidade de incorporação das
massas, que recentemente haviam adentrado a arena eleitoral, demandou dos partidos
uma organização interna de suas atividades e funções, cujo êxito só seria possível por
meio da formação de burocracias profissionais especializadas. Para este, a formação
destas burocracias teve sucesso em sua função organizativa, mas deu origem a uma elite
que, ao se afastar da base de filiados, levou à oligarquização do Partido Social-
Democrata da Alemanha (SPD)1.
A tese defendida por Michels colocou uma questão central para a política moderna:
seria factível a democracia intrapartidária? E mais, sem esta, seria possível um sistema
político democrático? Argumenta-se que tais perguntas ainda estão postas, e que, apesar
de se tratar de elemento importante para a análise da qualidade da democracia, a
organização interna dos partidos políticos segue sendo uma área sub-representada na
Ciência Política.
Os partidos, na maioria dos países, dentre esses o Brasil, possuem o monopólio
sobre a apresentação de candidaturas, e em toda parte há algum tipo de mediação entre
as alternativas disponibilizadas aos eleitores e as decisões internas a essas
organizações. Nos diferentes sistemas políticos cabe aos partidos realizar o recrutamento
eleitoral, e mesmo nos países que permitem o lançamento de candidaturas sem filiações
a essas organizações, estas seguem tendo influência marginal.
A eleição dos representantes é, portanto, um segundo ato sempre precedido de
algum método de seleção de candidaturas interno aos partidos e definição de prioridades
nas disputas eleitorais. Ou seja, ainda que nas democracias representativas os titulares
do Executivo e membros do Legislativo sejam selecionados de acordo com a decisão dos
1Seu livro não se limita ao SPD, analisa outros partidos de esquerda europeus, bem como os anarquistas,
cooperativas e sindicatos, no entanto o SPD termina por ser seu estudo de caso mais aprofundado.
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eleitores, antes deste momento, e mesmo antes do início da campanha eleitoral, parte do
jogo que definirá os eleitos é jogado longe dos holofotes, no interior dos partidos políticos.
Estudos partidários, em geral, não têm como foco a análise sobre o grau de
democracia na tomada de decisões no interior dos partidos políticos, lacuna que, segundo
argumenta este artigo, pode representar a exclusão da equação democrática de um de
seus elementos fundamentais.
Assim, o presente texto objetiva contribuir com o debate sobre os limites e
possibilidades da democracia intrapartidária, ao revisitar os marcos fundadores dos
estudos sobre partidos analisando o clássico, mas por vezes ignorado, trabalho de
Ostrogorski e o fundamental, porém estigmatizado e, não raramente, abordado
superficialmente, “Sociologia dos Partidos Políticos” de Michels. A metodologia a ser
utilizada será a revisão bibliográfica de textos selecionados dos autores supracitados,
bem como contribuições de autores que dialogam e buscam interpretar seus trabalhos.

2 O SURGIMENTO DOS PARTIDOS DE MASSA: A ANÁLISE DE


OSTROGORSKI
Os partidos políticos não são uma invenção recente. Whigs e Tories já se
enfrentavam na Inglaterra do século XVII; Girondinos e Jacobinos na França do século
XVIII; Republicanos e Democratas foram à guerra uns contra os outros e se revezam no
domínio da política estadunidense desde meados do século XIX. Na América do Sul,
durante o século XIX, Saquaremas e Luzias disputavam ideias conservadoras e liberais
no Brasil, e Colorados e Brancos conformaram um bipartidarismo no Uruguai que se
estendeu até o final do século XX. A grande novidade do último século e meio não são os
partidos em si, mas o surgimento dos partidos de massas, sobretudo os fundados em
bases populares.
Na Inglaterra anterior à expansão do sufrágio, a política era dominada por uma
aristocracia que exercia funções públicas honoríficas, e para as quais não recebia salário.
A redução das barreiras à participação política mudou a natureza do funcionamento da
própria política e, por conseguinte dos partidos. Ao analisar o caso inglês na primeira
unidade de “Democracia e a Organização dos Partidos Políticos”, Ostrogorski,
reconhecido como fundador da linhagem organizacional dos estudos partidários, discute

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como se deu esse processo, que tem suas particularidades em cada nação, mas alcança
a maior parte do ocidente até meados do século XX.
O autor se dedica a analisar o desenvolvimento desse formato de partido que
agora passava a atuar para além dos muros do parlamento. Descreve como foi criada a
“Associação”, organização eleita que estruturava os debates e decisões do Partido
Liberal, e tantas outras formas de organização que se espalharam pela Inglaterra
realizando reuniões, comícios, festas, e uma série de atividades que anos antes não
seriam pensadas enquanto atribuições de partidos políticos.
Seu trabalho é permeado por muitas críticas a este novo estado de coisas, dentre
as quais as mais recorrentes são a de que o sufrágio universal impediu a relação face a
face; a disciplina do Caucus2 se assemelhava ao militarismo: “sectarian in their doctrines,
they are autoritarian in their organization; their inflexible discipline” (OSTROGORSKI,
1902a, p. 569); sua ortodoxia era temerária; a inteligência de seus integrantes reduzida 3;
seu funcionamento mais sentimental do que racional; sua aparente democracia se
distanciava de sua realidade autocrática; e, principalmente no caso americano, a
corrupção e a patronagem eram a regra.
Alguns dos seus primeiros questionamentos ao caráter democrático do Caucus é
quanto à extensão da participação. Afirma que na Inglaterra, mesmo nos lugares em que
este obteve sucesso, jamais atingiu 10% do eleitorado, e nos Estados Unidos define a
opinião pública como parte ansiosa e parte indiferente à ação dos partidos, o que, na sua
avaliação, contribuiu para que a máquina partidária se tornasse despótica, e apenas os
elementos nocivos se mantivessem em suas fileiras4.
Ao olhar em perspectiva, porém, é possível perceber que os partidos de massas,
mesmo em seus tempos áureos, jamais contaram com a maioria do eleitorado entre seus
filiados. Para além disso, a transição de um modelo em que a atuação partidária se
limitava ao parlamento e não havia sequer a possibilidade de participação política das

2 A origem do termo remete ao nome dado às organizações partidárias extraparlamentares estadunidenses


reconhecidas pela falta de escrúpulos dos seus integrantes e associadas à corrupção. Posteriormente a
terminologia passou a ser usada de forma geral na Inglaterra para designar as novas organizações do
Parido Liberal de natureza representativa e extraparlamentar (OSTROGORSKI, 1902).
3 “The station of life from which the great majority of the Caucus-men are taken is enough to show that their

intellectual standard is not a very high one. For the most part worthy people, earning their livelihood honestly
and laboriously as shopkeepers or in trades, they are generally, devoid of enlightenment (…)”
(OSTROGORSKI, 1902, p. 348).
4 “(…) The official party divested itself of everything that resembled principles, ideas, or ideals, and left the
Organization only the mercenary element” (OSTROGORSKI, 1902, p. 136).
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massas, do ponto de vista democrático, dificilmente poderia ser analisada como
retrocesso em virtude de uma participação considerada pequena, dado que antes esta era
praticamente nula.
No que tange aos mecanismos de tomada de decisões internas, as críticas de
Ostrogorski em muito se aproximam das que viriam a ser tecidas por outros expoentes da
análise sobre os partidos políticos. Afirma que as eleições dos delegados eram
dominadas pelas principais lideranças dos partidos por meio do estabelecimento de listas
a priori, impedindo que os integrantes ordinários do Caucus definissem por quem
gostariam de ser representados. Relata ainda a existência de um constrangimento moral
para que os integrantes do Caucus votassem tal e qual lhe havia sido designado:

(...) the election of delegates is simply a farce. Generally, a list prepared


beforehand is submitted to the meeting and voted in a lump. Often, to curtail the
proceedings, even the semblance of; a vote is dispensed with the old list is
adopted again. The inevitable result is that all the work falls to a handful of men,
who are willing to attend to it (OSTROGORSKI, 1902a, p. 333).

No volume II de seu livro, dedicado à análise do funcionamento dos partidos


americanos, Ostrogorski descreve um cenário ainda mais questionável, com a presença
de fraudes e abusos no âmbito do processo eleitoral5. Critica duramente o formato das
primárias, das convenções, e das eleições, de maneira geral, traçando um cenário no qual
o sistema político americano era completamente dominado pela plutocracia, em função do
financiamento e dos altos custos de campanha6. Conclui que naquele país os partidos se
tornaram máquinas artificiais indiferenciadas, sem unidade, e legitimidade, que
promoveram uma disciplina militar e cega devoção de seus partidários, que por sua vez
buscavam receber em troca prosperidade e vantagens pessoais.
Na Inglaterra, afirma que os liberais introduziram métodos eletivos não em função
de uma concepção ideológica de valorização da democracia, e sim tática: “For it is not
only out of pure love for the elective principle that the Liberals have introduced it into their

5 “The working of the new Organization revealed almost at once the unhealthy politico-social conditions amid
which it was introduced. In the East as well as in the West it was monopolized by the politicians; (…) the
mode in which they were got up and their decisions were marked by fraud and flagrant abuses”
(OSTROGORSKI, 1902a, p. 67).
6 “In the very great majority of cases they are due to anything but disinterested considerations; they are a

pure speculation, an investment of money which later on should yield a good return in favors that the men
elected with the money of the donors have at their disposal” (OSTROGORSKI, 1902b, p. 653).

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Organization, but in order to get; at the new voter more easily they have framed their
machinery with the special object of ‘reaching the masses’” (OSTROGORSKI, 1902a, p.
369).
Sobre a participação da classe trabalhadora, relata que, mesmo com o Caucus,
esta mantinha sua indiferença para com os partidos tradicionais, nos quais localizava uma
ação política que visava apenas o benefício próprio das elites. Assim, em sua grande
maioria, só travavam contato com o Caucus no período eleitoral. E, em que pese a maior
parte dos poucos trabalhadores que compunham o Caucus regularmente não recebessem
nada por sua contribuição, predomina em nos escritos de Ostrogorski a percepção de que
a participação dos trabalhadores nestas organizações tinha como objetivo possibilitar o
acesso a benesses das classes altas, ou até mesmo vencimentos propriamente ditos.
Dando segmento ao tom elitista presente em todo o seu trabalho, afirma que o
Caucus levou ao surgimento de uma espécie de político profissional que, mesmo que não
se limitasse a objetivos meramente auto interessados ou mercenários, seguiria tendo
efeito desmoralizante para a vida pública, reafirmando a lógica presente em várias
passagens de seu livro de que, apenas os oriundos das classes proprietárias poderiam
exercer a política como causa. Considera ainda que, caso viesse a ser aprovada, a
remuneração do trabalho parlamentar contribuiria para atrair para a política apenas
homens que buscassem verter benefícios próprios.
Neste aspecto, Weber (2006) inverterá a lógica de Ostrogorski sobre a
profissionalização da política, considerando que o central não é se o político necessita
receber algum vencimento para atuar, afinal com o advento da democracia de massas, a
política deixa de ser um espaço exclusivo da elite, mas sim se é vocacionado, se acredita
e guia suas ações de forma responsável em prol de uma causa e não da busca por altos
rendimentos ou o privilégio do poder.
Para além do já citado caráter duvidoso do formato das eleições internas dos
partidos, Ostrogorski (1902a) ressalta que nem todos os representantes eram eleitos,
sendo alguns desses membros cooptados, indicados pelos delegados. Aqui surge a
contradição, se antes critica a falta de participação e de democracia, nesta passagem
defende a cooptação ao afirmar que se tratava de um mecanismo de retificação da
escolha dos eleitores que assegurava a presença de lideranças importantes para o

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partido, bem como financiadores, deixando nítido que a democracia não tinha para ele um
valor intrínseco como por vezes parecia indicar em suas análises7.
Weber concordará com Ostrogorski ao afirmar que mesmo em partidos de massas
com constituições democráticas, seus eleitores e a maioria dos filiados não participam da
tomada de decisões com relação ao programa e a seleção dos candidatos, e se o fazem,
é apenas de maneira formal. Discordará, contudo, de sua visão sobre a cooptação.
Segundo Weber (2004), a essência da política é a luta, que prepara e seleciona
líderes capazes e treinados, indispensáveis para a sobrevivência dos partidos. Não se
trata de um treinamento técnico, muito menos de um método de seleção calcado na
obediência, tal como ocorre com a burocracia, mas de um processo que se dá por meio
dos desafios constantes na vida daqueles que se dedicam à política. Em termos objetivos,
para o autor alemão, a cooptação ao invés de retificar a escolha dos eleitores contribui
para a ascensão de quadros despreparados para os desafios externos.
De volta a Ostrogorski, este afirma que o Caucus não alcançou sua intenção de
transformar os históricos partidos ingleses em organizações realmente democráticas,
criando o formato para tal, mas não o conteúdo. Foca sua crítica no Caucus, mas na
verdade exprime um inconformismo profundo com a irreversível democracia de massas.
Ao proclamar que o Caucus elimina o elemento pessoal da relação entre candidato
e eleitor, mira no inimigo errado, pois tais relações deixam de ser possíveis não pelo
surgimento do Caucus, mas pela expansão do sufrágio. Afirma de maneira categórica que
mesmo o despotismo promove mais o espírito público do que a democracia: “On the other
hand, a regime of enlightened despotism, supported by a trained and honest bureaucracy,
or a parliamentary aristocracy like that which ruled England for so long, is far more
favorably situated for displaying public spirit” (OSTROGORSKI, 1902a, p. 625).
Apesar de ao longo de todo o trabalho destacar o poder dos líderes partidários, ao
término relata que estes também passaram a ter que submeter sua ação legislativa à
pressão popular, o que Ostrogorski (1902a) considera uma limitação à liberdade destes
no parlamento8, elemento que, segundo Manin (1997), é parte do diferencial da

7
“The Council of the Association has often been able to rectify the choice of the wards by means of the co-
optation rule. Men who did not commend themselves to the ward politicians but who could render services to
the party were admitted as co-opted members (…)” (OSTROGORSKI, 1902a, p. 335).
8 8 “(…) obliged to pay a price for the support given them by the popular Organization, they inevitably
have to submit to its pressure themselves in their legislative functions, so that the freedom of movement of
the parliamentary leaders is not complete either” (OSTROGORSKI, 1902a, p. 612).
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democracia de partido que tem lugar ao longo de quase todo o século XX e não o sinal de
crise da democracia representativa visto por Ostrogorski e outros de seus
contemporâneos.
Após tecer conclusões bastante nefastas sobre o funcionamento e as tendências
das organizações por ele analisadas: “the system of permanent parties, and the exercise
of power by parties, are an evil and a mortal danger for democracy” (OSTROGORSKI,
1902b, p. 738), e afirmar que os partidos deixaram de ser necessários para a realização
dos objetivos de um governo livre, propõe uma saída exótica para os problemas por ele
listados. Defende a extinção dos partidos enquanto organizações regulares e
permanentes, e sua substituição por ligas que defenderiam causas pontuais, e
desapareceriam junto com a vitória ou derrota destas. Tal tese jamais ganhou adesões
relevantes, mas seu trabalho de maneira mais ampla, seguiu influenciando o campo de
estudos que ajudou a inaugurar.

3 MICHELS E A OLIGARQUIZAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES DA


CLASSE TRABALHADORA

Informado por Ostrogorski, Michels analisa em seu ensaio: “Sociologia dos Partidos
Políticos” (1982; s/d), a dinâmica interna dos partidos de massas europeus. De partida
ressalta que não é possível conceber a democracia sem organização, em especial no
caso da classe trabalhadora, prejudicada na correlação de forças em relação às classes
historicamente dominantes e gestoras do Estado. Mas que tal ação necessária é também
a fonte das correntes conservadoras da democracia, potencializadas pela especialização
das burocracias profissionais, e a divisão entre uma minoria dirigente e uma maioria
dirigida. Afirma que o processo de crescimento e complexificação também leva ao
estabelecimento do sistema representativo no interior dos partidos ao qual Michels tece
duras críticas.
Relata que a necessidade de uma atuação efetiva fez com que as organizações
investissem em formação e meios para possibilitar que os dirigentes tivessem tempo para
se dedicar a atuação militante. A consequência, porém, foi o aprofundamento do fosso
entre as massas e os dirigentes, em suas palavras: “especialidade significa autoridade”
(MICHELS, 1982, p. 53). O pagamento de vencimentos para os militantes convertidos em
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funcionários da máquina partidária contribuiria ainda para que estes se tornassem
dependentes da mesma e passassem a atuar no sentido único da sua preservação, que
em último caso é a luta pela preservação do próprio indivíduo9. . Estes passariam por um
processo de aburguesamento e imprimiriam sua nova mentalidade ao partido. Desta
maneira, considera que o interesse do corpo de funcionários do partido será sempre
conservador, e é taxativo ao dizer que o crescimento do partido traz consigo a timidez e a
prudência.
Reputa que a estrutura psicológica dos chefes é afetada pela passagem da
oposição ao governo, e que a expectativa de acesso às suas benesses atrai políticos
oportunistas que não adentrariam o partido em períodos de perseguição e dificuldades.
Estabelece assim relação direta entre o êxito eleitoral e a descaracterização do partido:
“Na democracia, e como sempre em tudo o mais, o êxito representa a morte do idealismo”
(MICHELS, 1982, p. 156).
Compreendendo os limites e desafios de partidos que precisam ao mesmo tempo
crescer, e ter capacidade de ação imediata, aponta que: “uma organização forte exige,
por razões tanto de técnica administrativa quanto de tática, uma direção igualmente forte.
Na medida em que é morosa e vaga a organização é impotente para produzir uma
direção profissional” (MICHELS, 1982, p. 228).
Tal centralização das decisões e especialização dos dirigentes, quase inevitável,
leva à oligarquia, que por vezes é apresentada como um sistema de tomada de decisões
antidemocrático, e em outras passagens como um grupo de líderes que ditam os rumos
do partido a despeito das preferências das bases. Recorrente ao longo do texto é a
percepção de que esta constitui uma casta inamovível, que exerce um poder ilegítimo por
não ser fruto da expressão da vontade popular, o que configura o divórcio entre as
preferências de lideranças e liderados.
Michels afirma a oligarquia enquanto fenômeno orgânico ao qual todas as
organizações: partidos, cooperativas, sindicatos, e até as anarquistas, sucumbem. Ao
reportar seu desenvolvimento a características gerais intrínsecas aos seres humanos, tal
como aponta Hirschman (1992), configura sua lei de ferro como exemplar da tese da

9“(...) A dependência financeira e relação ao partido, ou seja, em relação aos chefes que representam a
minoria, como que envolve a organização num círculo de ferro. Os mais tenazes mantenedores do partido
são, com efeito, os que mais dependem dele” (MICHELS, 1982, p. 69).
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futilidade, que sustenta que quaisquer tentativas de transformação social serão
infrutíferas, como sintetizado na passagem que segue:

A história parece-nos ensinar que não existe movimento popular, por mais
enérgico e vigoroso, capaz de provocar transformações profundas e permanentes
no organismo social do mundo civilizado. É que os elementos preponderantes do
movimento, a saber, os homens que o dirigem e alimentam, acabam por se afastar
lentamente das massas e por ser atraídos para a órbita da “classe política”
dominante (MICHELS, 1982, p. 244).

Para além das questões de natureza organizacional, Michels apresenta tendências


psicológicas que diferenciariam militantes de base das lideranças. Segundo afirma, os
dirigentes assumem postos de comando, entre outros motivos, porque possuem
qualidades que os distinguem da massa e são reconhecidas por esta. A abnegação que
converte alguns dirigentes em líderes é, segundo Michels, forjadora de gratidão no seio
das massas que lhes retribui os esforços com reconhecimento, e/ou permissividade
quanto à perpetuação nos espaços de direção. Esses fatores combinados à apatia e
indiferença dos liderados em relação à política, faz com que os dirigentes passem a ser
vistos como indispensáveis, o que por sua vez potencializa sua margem de ação diante
da ameaça de renúncia.
Finaliza seu texto matizando o pessimismo que afirma ser realista, dizendo que é
preciso seguir buscando enfraquecer as tendências oligárquicas, mas assinalando que os
meios para tal mostraram-se ineficazes ao longo da história. Rejeita os mecanismos
tradicionais da democracia liberal como saída para o problema da representação e da
democracia interna. E afirma que os arranjos formalmente democráticos, tal como as
eleições, são insuficientes para gerar uma democracia de fato, ou mesmo produzir
rotatividade efetiva no poder.
Aventa a possibilidade de que uma organização democrática, ainda que seja
dirigida por um grupo de oligarcas, possa agir no Estado de forma democrática. A mera
presença dessa nova elite, antes alijada destes espaços, faz com que o Estado precise
ceder a demandas da classe trabalhadora, porém, recoloca em seguida seu ceticismo ao
dizer que tal evolução invariavelmente será paralisada e que: “a organização política
conduz ao poder. Mas o poder é sempre conservador” (MICHELS, 1982, p. 219).
Idas e vindas são comuns em sua argumentação. Afirma o mandato imperativo
como importante quando debate a representação política, mas o critica quando este é
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usado nos congressos partidários, dizendo que impedem o debate e o posicionamento
sincero do delegado; critica os partidos socialistas por forjarem uma democracia
inexistente, mas diz que os defeitos mais graves da democracia são a falta de
estabilidade e a dificuldade de mobilização; afirma que há divórcio entre os interesses de
líderes e liderados, para depois dizer que: “a comunhão de ideias entre líderes e soldados
ainda não foi perturbada” (MICHELS, 1982, p. 65).
Não considera a existência de eleições como antídoto para o processo de
oligarquização, contudo critica manobras que limitem a liberdade do voto quando narra
que no SPD as listas de votação nos congressos já eram impressas com os nomes a
serem reconduzidos aos cargos de direção, e ao debater o bonapartismo, questiona o
formato das eleições, e as influências coercitivas nelas presentes, indicando que a
existência de processos eleitorais com o maior grau de liberdade possível é mais
desejável que outra forma de seleção dos chefes.
Destaca ainda que partidos autodenominados democráticos e revolucionários,
permitem que o sistema eleitoral indireto, que combatem externamente, seja exercido no
âmbito intrapartidário. Um indicador que apresenta desta forma de atuação, é a prática
costumeira de remeter questões centrais inicialmente pautadas nos congressos, para
comissões que não deliberam em público.
Gramsci (1968) rebaterá esta crítica afirmando que a ação externa é distinta da
interna, e que a segunda exige do partido que muitas vezes centralize a tomada de
decisões. Tal percepção já estava presente em teóricos socialistas como Lassalle e Van
Kol, aos quais Michels cita e apresenta divergência, afirmando não ser possível crer que a
forma de construir a democracia real se dê por meio da prática oligárquica, explicitando a
contradição que subjaz tal lógica.
Hoje é possível dizer que a resposta de Gramsci a Michels não ecoaria da mesma
forma, pois para os partidos socialistas e social-democratas, em especial os latino-
americanos forjados a partir da luta contra a ditadura, a democracia tem um valor
intrínseco maior do que outrora, quando ainda era vista com desconfiança por atores e
atrizes que no início da primeira década do século XX ainda debatiam o caráter de sua
participação nas disputas parlamentares e se negavam a compor governos.
Escrito em tempos nos quais as exigências do rigor metodológico eram distintas,
neste que viria a se tornar um marco dos estudos sobre organização partidária, Michels
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trabalhou com inferências questionáveis, mas que sem dúvida conseguiram colocar em
cena reflexões que se mantêm atuais.

4 A QUÁDRUPLA INFLUÊNCIA AO PENSAMENTO MICHELIANO

Alvo de críticas e defesas de naturezas distintas, as reflexões de Michels foram por


vezes reduzidas à conclusão quanto à inexorabilidade da oligarquização, empobrecendo
e enviesando sua contribuição. Assim, visando compreender a visão de Michels sobre os
partidos, esta seção buscará precisar suas principais influências teóricas e situá-lo
enquanto um autor cuja trajetória política conturbada também influenciou seu trabalho,
tanto no processo de elaboração quanto na futura recepção de seus textos. Para tanto, se
valerá da síntese de Couto que apresenta o conjunto de influências mais bem delimitáveis
no trabalho de Michels, e que serão tratadas mais adiante:

(...) quádrupla influência teórica: uma compreensão materialista das motivações


humanas (derivada de sua própria formação, no contexto social-democrata,
fundamentalmente marcado pela orientação marxista do debate), a perspectiva
elitista, de autores como Mosca e Pareto (à qual Michels aporta sua própria
abordagem), um entendimento da burocracia na chave analítica de Max Weber
(de quem Michels foi durante muito tempo um interlocutor e colaborador) e a
descrença rousseauista na possibilidade da representação política (COUTO, 2012,
p. 48).

Ribeiro (2012) ressalta que durante sua fase marxista, Michels era mais próximo
aos ortodoxos, crítico do reformismo e da priorização à ação institucional. O pano de
fundo presente na social-democracia alemã na época em que Michels escrevia a
Sociologia dos Partidos Políticos é relevante para compreensão de algumas de suas
assertivas. Neste período, Bernstein e Kaustky estavam em plena contenda, sobre a qual
Michels tinha opinião e lado. Este autor, que nutria respeito por Bernstein 10 e pouco se
refere a Kautsky, se aproximava do segundo, e mais ainda das correntes revolucionárias
e anarquistas, sendo duas de suas referências Rosa Luxemburgo e Sorel. Portanto, muito
das críticas feitas aos partidos socialistas e social-democratas estão diretamente
relacionadas à sua desilusão com o que considerava uma degeneração parlamentar em
curso nestas organizações.

10“(...) porque na Alemanha, uma personalidade como a de Eduard Bernstein ficou na obscuridade, apesar
do valor de sua doutrina e de sua grande influência intelectual” (MICHELS, 1982, p. 42).
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Ao discutir a representação política, se remete a Proudhon, afirmando que a ação
dos representantes mina desde o primeiro momento o controle popular. Posteriormente
ressalta que os anarquistas foram os primeiros a explicitar as consequências hierárquicas
e oligárquicas das organizações partidárias, e afirma que a nitidez de sua visão em
relação aos desvios da organização, os levou ao ponto de renunciar à construção de um
partido propriamente dito. De outro lado, diz que Marx e Engels reconheciam os perigos
da representação sem, no entanto, rechaçarem o parlamentarismo, ou admitirem que
estes perigos também estavam presentes nos partidos socialistas e social-democratas.
Em que pese afirme várias vezes não buscar tecer juízos de valor, ao dizer que a
revolução social correria o risco de, ao substituir a classe dominante visível instaurar uma
oligarquia mascarada, se coaduna a Mosca e Pareto que não só diagnosticam a
inevitabilidade da existência de elites dirigentes, como a consideram virtuosa. Se afasta
de Pareto apenas ao contestar sua teoria de circulação das elites, propondo que o que se
verifica quando novos atores assumem postos de direção, é uma amálgama de elites na
qual os desafiantes não destronam os antigos, e sim são cooptados por estes.
Nitidamente influenciado por Gustave Le Bon, responsável pela primeira publicação
de a “Sociologia dos Partidos Políticos” na França, Michels mobiliza acepções
relacionadas à psicologia das massas, afirmando que estas, cujas preferências são
facilmente manipuladas e possuem uma propensão de culto aos chefes, perdem a
capacidade crítica individual no momento em que se tornam multidão 11, sucumbindo às
lideranças mais habilidosas.
Explicita seu elitismo ao afirmar, após páginas de caracterizações detratoras do
operariado, que considera que o movimento socialista é melhor conduzido por homens
saídos de outras classes sociais. Chegando a afirmar que sem a independência material a
atividade política é impossível, aproximando seu discurso ao de Ostrogorski:

Disso decorre que só o socialista de origem burguesa dispõe daquilo que ainda
falta totalmente ao proletariado: o tempo e os meios de realizar sua educação
política, a liberdade física de se deslocar de um lugar para o outro e
independência material sem a qual o exercício de uma atividade política, no
verdadeiro sentido da palavra, é inconcebível (MICHELS, 1982, p. 198).

11“A multidão anula o indivíduo e, com ele, sua personalidade e seu sentimento de responsabilidade”
(MICHELS, 1982, p. 10).
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Michels se remete a Marx e à teoria das elites produzindo uma síntese que as
coaduna. Afirma que a história consiste em uma contínua luta de classes, mas conclui
não pela futura superação das mesmas e do Estado, e sim pela lógica em que a classe ao
se tornar dominante, criará novas oligarquias que se fundirão às antigas. Afirmando que:
“a vitória dos socialistas não seria a do socialismo” (1982, p. 235).
Outra importante influência de Michels foi Weber, com o qual durante quase uma
década estabeleceu uma relação próxima, na qual aquele lia e comentava seus trabalhos
publicados e manuscritos. A influência de Weber sobre Michels é evidente, e é provável
que a ausência de citações mais explícitas se deva às divergências políticas e teóricas
que levaram ao afastamento entre os dois antes da publicação da primeira edição de sua
mais famosa obra.
As marcas em seu trabalho, no entanto, são inquestionáveis. Sua definição de
liderança em muito se aproxima da carismática de Weber, e a burocracia é peça chave do
processo de oligarquização que descreve. O burocratismo, apontado por este como capaz
de rebaixar o caráter e engendrar a indigência moral, levaria o partido a se tornar
centralizador e a justificar suas práticas com base em questões de técnica e eficiência.
Por fim, seria difícil compreender o trabalho de Michels de forma acurada sem
remeter a uma de suas grandes influências: Rousseau. Assim como o filósofo francês,
Michels concebe o tamanho da organização como fundamental para a determinação das
possibilidades democráticas. Enquanto para o primeiro a democracia no sentido clássico
só poderia existir em pequenos Estados, para Michels ela só seria possível em pequenas
agremiações. Ao afirmar que na origem dos partidos os dirigentes eram meros
funcionários, que ao longo do desenvolvimento da organização convertem-se em líderes
inamovíveis, estabelece raciocínio que coincide com a relação entre soberano e chefes
explicitada por Rousseau:

A princípio o chefe nada mais é que o servidor da massa. A organização é


fundada sobre a igualdade absoluta de todos os que dela fazem parte (…) Os
funcionários, enquanto órgãos executivos da vontade geral, desempenham um
papel subordinado, dependendo permanentemente da coletividade, e são
demissíveis e removíveis a qualquer momento. Com relação a seus dirigentes, a
massa dos partidos desfruta de poder ilimitado (MICHELS, s/d., p. 11).

Desta forma, têm muita razão aqueles que pretendem não ser um contrato, em
absoluto, o ato pelo qual um povo se submete a chefes. Isto não passa, de modo
algum, de uma comissão, de um emprego, no qual, como simples funcionários do
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soberano, exercem em seu nome o poder de que ele os fez depositários, e que ele
pode limitar, modificar e retomar quando lhe aprouver. Sendo incompatível com a
natureza do corpo social, a alienação de um tal direito é contrária ao objetivo da
associação (ROUSSEAU, 1978, p. 74).

Tal como Rousseau, Michels é bastante crítico ao sistema representativo, e alguns


trechos evidenciam sua percepção de que a democracia direta é a melhor forma de
governo. Contudo, reconhece sua inexequibilidade em organismos complexos, e aceita
como democrático um sistema em que os representantes expressariam as preferências
dos representados, e seriam removidos de suas funções quando não o fizessem. Segue
considerando que a vontade não é representável, mas afirma ser possível que ao menos
as decisões mais importantes dos representantes reflitam a vontade do soberano.
Relata, porém, que os métodos igualitaristas presentes quando da instauração de
sistemas representativos no seio das organizações de esquerda, dos quais o sorteio é o
melhor exemplo, aos poucos foram sendo substituídos pelos de seleção aristocráticos, no
qual aqueles que possuíssem melhores aptidões passariam a ser dirigentes. Mesmo com
tal mudança, esses dirigentes inicialmente se tratavam de executores da vontade das
massas, o que paulatinamente também se transformou, pois, os mesmos se
autonomizaram daquelas e passaram a tomar decisões e inciativas por conta própria.
Na prática, Michels não se insere no debate reformismo versus revolução de seu
tempo, e sim retoma as discussões da segunda metade do século XIX, negando a
participação no Estado e a atuação parlamentar que considera a motivação para a
corrosão do socialismo: “O último elo da longa cadeia de fenômenos que conferem um
caráter profundamente conservador à essência íntima do partido político, mesmo quando
ele se apodera do título de revolucionário, consiste nas suas relações com o Estado”
(MICHELS, 1982, p. 235).
Ainda neste ponto, ao discutir as relações entre os chefes e as massas, Michels
aponta o papel do parlamentar, cada vez mais proeminente nessas organizações. Afirma
que estes possuem relativa independência em função do fato de terem mandato de
duração relevante e do qual o partido não pode afastá-lo. Diz ainda que já na disputa
eleitoral a dependência com relação ao partido é pequena, pois para serem eleitos
precisam dos votos de uma massa não organizada.
Sua biografia também é relevante para a análise de seus textos. Michels transitou
entre o socialismo, tendo sido filiado ao SPD até 1907, e o fascismo, que apoiou
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abertamente. Sua trajetória inicial de esquerda balizou parte importante de suas reflexões,
não por acaso o SPD é o partido que se torna o centro de seu livro. Sua adesão posterior
ao fascismo também não pode ser negligenciada, pois influenciou diretamente a forma
como sua principal obra foi recepcionada, bem como sua categorização enquanto teórico
elitista, juntamente com Mosca e Pareto.
Crítico à corrente reformista do SPD, após citar autores que afirmavam que o poder
transforma todos em tiranos (Bakunin), e que classificam a política como horrível
(Daudet), afirma que com o tempo os socialistas renunciam ao idealismo e tornam-se
oportunistas, chegando ao ponto que mais relação tem com sua trajetória, a desilusão
com o socialismo: “As novas circunstâncias, diz ele, exigem nova teoria e impõem nova
tática. É da necessidade psicológica de encontrar uma explicação e uma desculpa para a
metamorfose dos chefes que nasceu, em grande parte a teoria reformista e revisionista do
socialismo internacional” (MICHELS, 1982, p. 119).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo debruçou-se sobre a análise dos partidos políticos a partir das
perspectivas de Ostrogorski e Michels. A seleção desses autores levou em consideração
a combinação entre a relevância de suas contribuições e o reduzido, o deturpado debate
no campo de estudos partidários em relação aos mesmos. Ostrogorski, que junto com
Michels, pode ser considerado o autor de um dos primeiros trabalhos sistemáticos sobre
as organizações partidárias, é pouquíssimo referenciado e sequer conta com a tradução
de seu principal livro para o português. Michels, em virtude de sua alcunha de elitista,
aliás, atribuída a ele bastante tempo depois da elaboração de sua principal obra, não raro,
recebe interpretações enviesadas sobre sua crítica a funcionamento interno dos partidos
políticos.
A retomada desses clássicos levou em consideração também a constatação de
que atualmente é comum que características dos partidos políticos descritas há um
século, ou mais, sejam tratadas pela literatura como novidades e sinais de crise destas
organizações, gerando imprecisões que levam a falsas conclusões. Esse autores, que
não reconhecem na ciência a possibilidade de salvação de um mundo “desencantado”,
para trabalhar nos termos de Weber, nem na política e nos partidos em desenvolvimento
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o progresso que animava alguns, ou mesmo a esperança da construção de uma
sociedade igualitária, ainda que distante, presente em Marx, tecem análises críticas aos
partidos, ainda que em alguns casos por demais ácidas, que possibilitam a observação de
maneira acurada dos limites dessas organizações, no que tange a democracia interna,
presentes desde a sua origem.
Compreender essas limitações, mas também suas possiblidades é fundamental,
dado que diferente do que afirmava Ostrogorski (1902), o Caucus, protótipo do que viriam
a se tornar os partidos políticos modernos de massas, não necessariamente se tornou
promotor da desordem, mas um canal por meio do qual a população passou a poder se
expressar. O mundo em que a pressão extra constitucional ao parlamento era por ele
concebido, como escândalo e insulto, deixou de existir, e o que para o autor era visto
como incitação à instabilidade, converteu-se na forma encontrada pelo governo
representativo de tornar-se legítimo perante as massas.
Ainda que criticados e em profundas e contínuas transformações, é preciso admitir
que o advento dos partidos políticos de massas mudou a natureza da representação.
Estes foram fundamentais no processo de ampliação do sufrágio, tanto na luta por ele,
quanto na incorporação das massas ao sistema político, e imprimiram nova dinâmica à
democracia.
Se nos tempos de Michels e Ostrogorski o debate sobre a democracia
intrapartidária era importante, em um de momento de crescente crise de confiança nas
instituições e da alienação eleitoral a cada pleito, torna-se ainda mais central que os
partidos exerçam a democracia internamente como forma de estabelecer uma conexão
com seus militantes e possibilitar que cidadãos comuns tenham a chance de participar da
vida política institucional. Partidos impermeáveis, ainda que sejam máquinas eleitorais
potentes, reduzem gradativamente sua capacidade representativa e de mediação junto à
população, desta maneira contribuem para o comprometimento da qualidade da
democracia.

REFERÊNCIAS

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WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol. II.


São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 2004.

NOTAS

TÍTULO DA OBRA
Revisitando os Marcos Fundadores dos Estudos sobre Partidos Políticos
Tássia Rabelo de PINHO
Dra. em Ciência Política
Universidade Federal da Paraíba
Departamento de Ciências Sociais,
João Pessoa, Brasil
[email protected]
https://orcid.org/0000-0003-1451-2237

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Endereço de correspondência do principal autor
Rua Helena Meira Lima, 759, apto 102 - Tambaú, João Pessoa - PB, 58039-230
Caso necessário veja outros papéis em: https://casrai.org/credit/

FINANCIAMENTO
Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES

Não há.

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publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico.

PUBLISHER
Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política. Publicado no Portal de
Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando,
necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

HISTÓRICO
Recebido em: 26 de novembro de 2018
Aprovado em: 11 de junho de 2019

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