AMARAL, O. O Que Sabemos Sobre A Organização Dos Partidos Políticos
AMARAL, O. O Que Sabemos Sobre A Organização Dos Partidos Políticos
AMARAL, O. O Que Sabemos Sobre A Organização Dos Partidos Políticos
Palavras-chave
Abstract
Political parties have been acknowledged as essential organizations for the functioning of
democratic regimes. Because of that, Political Science has developed a long tradition in analysing
and explaining how these organizations work and evolved over time. Since the work of Robert
Michels, published in 1911, scholars have been asking themselves the following questions: How
does the decision making process work inside the parties? How and why political parties change?
The main aim of this paper is to review and discuss the main contributions of Political Science,
both abroad and in Brazil, to the study of party organization. In order to do that, we focus on the
works that analysed the internal functioning of political parties and the relationship between
parties, their members and other civil society organizations.
Keywords
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Introduo1
H mais de cem anos, os estudiosos da poltica reconhecem a importncia
e a necessidade dos partidos polticos para o funcionamento dos regimes
democrticos. por meio deles que as democracias se estruturam e a competio
poltica se organiza. Embora exista muita divergncia sobre como as agremiaes
polticas funcionam e se comportam, h praticamente um consenso em torno de
sua importncia para a viabilidade das democracias representativas. Nesse sentido,
ainda no final do sculo XIX, James Bryce concluiu o seguinte: Os partidos so
inevitveis. Nenhum pas livre no conta com eles. Ningum at agora
demonstrou como os governos representativos podem funcionar sem eles. Eles
ordenam o caos para a multido de eleitores (BRYCE apud WHITE, 2006, p. 7).
A estreita ligao apontada pela Cincia Poltica entre os partidos polticos
e o funcionamento da democracia representativa deriva das funes que as
agremiaes desempenham. possvel, de forma simplificada, indicarmos ao
menos trs funes essenciais: a) Estruturar a competio eleitoral; b) Agregar
interesses; c) Governar e conduzir os trabalhos legislativos.
Diante da inegvel relevncia dos partidos polticos para o funcionamento
dos regimes democrticos contemporneos, fundamental compreender como
essas organizaes se estruturam e como se desenvolveram ao longo do tempo.
Como as decises so tomadas no interior dos partidos? Como agem as lideranas
partidrias? Quais so as relaes entre os partidos e seus membros? Quais so os
elementos que provocam transformaes no desenho organizacional dos partidos
polticos? Indagaes como essas vm sendo objeto de preocupao por parte de
pesquisadores desde o incio do sculo passado e uma longa tradio na Cincia
Poltica foi construda desde a clssica obra de Robert Michels [1911]. Apesar da
quantidade de trabalhos e abordagens, os estudos sobre a organizao dos partidos
no seguiram uma trajetria uniforme e ainda h muitas lacunas a preencher. No
caso brasileiro, o cenrio no diferente. Apesar de muitas monografias de boa
qualidade sobre diversas agremiaes e alguns trabalhos com abordagem
comparativa, muitos aspectos da organizao dos partidos polticos ainda no
receberam o devido tratamento cientfico.
O objetivo deste artigo descrever, sistematizar e discutir as principais
contribuies da Cincia Poltica, tanto em mbito internacional quanto nacional,
para o estudo da organizao dos partidos polticos. Para isso, nos concentramos
nas abordagens que tratam, preferencialmente, da estrutura, do funcionamento
interno e da relao dos partidos com seus filiados e com organizaes da
sociedade civil. O texto est organizado da seguinte forma: na primeira seo,
apresentamos os trabalhos clssicos da rea, as questes que levantaram e as
1
Parte da pesquisa em que se baseia este artigo foi feita para a tese de doutoramento As
mudanas na organizao interna do Partido dos Trabalhadores entre 1995 e 2009, em especial
para os captulos 1 e 4. A tese foi elaborada no Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da
Unicamp e concluda em dezembro de 2010.
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O modelo burocrtico de massa definido por Panebianco em pouco difere das especificaes
feitas por Duverger (1980).
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Os novos caminhos
Mais recentemente, alguns autores reavaliaram, de forma crtica, a
literatura a respeito dos tipos partidrios, bem como os fatores responsveis por
provocar mudanas organizativas nas agremiaes. Para Wolinetz (2002), o
estudo comparado dos partidos polticos, apesar de conter uma rica tradio e
literatura, no foi capaz de gerar avanos tericos relevantes nos ltimos anos por
se basear em tipos ideais incapazes de lidar com a multiplicidade de
caractersticas que os partidos adquiriram aps a Terceira Onda de
Democratizao e por no se preocupar em construir critrios de anlise que
unificassem as abordagens existentes.
Partindo dessa dupla crtica literatura existente, o autor buscou elaborar
uma nova tipologia, capaz de romper com as barreiras entre as tradies
sociolgica, funcionalista e organizativa no estudo dos partidos, possibilitando a
comparao e a avaliao das agremiaes tanto historicamente quanto em
diferentes regies, rompendo com a centralidade dos modelos construdos
exclusivamente a partir da experincia democrtica europia. Sua principal
varivel de anlise est vinculada ao comportamento dos partidos, e a distino
que estabelece d-se entre partidos de tipo policy-seeking, vote-seeking e officeseeking. Derivando sua tipologia dos trabalhos de Strom (1990), Harmel e Janda
(1994) e Strom e Muller (1999), o autor elenca as seguintes vantagens na adoo
desse modelo de anlise, conforme apontamos em outro trabalho:
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a) mais flexvel e no aponta um sentido nico na evoluo das
agremiaes. Os partidos podem caminhar em sentido a um tipo ideal
ou a outro ao longo do tempo e sob diferentes circunstncias; b)
permite a compreenso dos partidos como organizaes que podem
possuir caractersticas de mais de um tipo ideal em vrios graus; c)
possibilita o estudo da disputa interna de poder. possvel usar a
mesma classificao para analisar os grupos internos e como eles
influenciam o partido; d) com o refinamento da operacionalizao,
permite a anlise tanto do comportamento quanto da organizao das
agremiaes; e) com definies claras e boas medidas operacionais,
possvel comparar partidos em diferentes lugares e contextos.
O tipo de partido policy-seeking aquele que possui programas bem
definidos, ideologias articuladas e que busca remodelar a agenda
poltica com o objetivo de realizar mudanas substantivas em uma
srie de reas. Geralmente, o partido d mais prioridade s suas ideias
e a seu programa do que s eleies. No aspecto organizacional, conta
com intensa participao de filiados/ativistas na vida partidria e com
uma infraestrutura de apoio para o desenvolvimento de polticas. O
tipo vote-seeking, por sua vez, aquele cujo principal objetivo
vencer eleies. Seu programa mais malevel e pode ser mais
facilmente alterado para maximizar as possibilidades de vitria
eleitoral. O nvel de envolvimento dos filiados na vida partidria
baixo, a estrutura partidria no grande e as campanhas eleitorais so
altamente profissionalizadas. J o partido office-seeking aquele que
prioriza participar do governo, pois dessa participao muitas vezes
depende a sua prpria sobrevivncia. Evita comprometimentos
programticos que dificultem alianas polticas e busca conseguir
votos suficientes para participar de coalizes governamentais. Seus
membros ocupam ou buscam ocupar cargos pblicos e disputam
acesso aos recursos provenientes do Estado (AMARAL, 2010, p. 112113).
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mbito nacional quanto estadual concretizar acordos com outras legendas sem
terem que se submeter a constrangimentos de outras instncias partidrias. Essa
caracterstica, segundo o autor, foi fundamental para o sucesso eleitoral da
agremiao nos anos 1990 (ROMA, 2002). Em estudo no qual compara como
distintos processos de formao e institucionalizao partidrias podem
contrabalanar os efeitos descentralizadores do federalismo, Ferreira mostra que o
processo de formao do PMDB e de sua estruturao no perodo de transio
para a democracia resultaram em um arranjo interno muito mais descentralizado
do que o verificado no PFL/DEM, que desde a sua fundao contou com uma elite
mais coesa e comprometida com a tarefa de fortalecer o partido no plano nacional
(FERREIRA, 2002). As concluses de Ferreira seguem as indicaes de Kinzo
(1988), que no final dos anos 1980 j apontara o exagerado facciosismo
peemedebista. Em uma anlise mais abrangente sobre o sistema partidrio
brasileiro, Mainwaring (2001) argumenta que PMDB, PFL/DEM e PSDB esto
mais prximos do modelo catch all de partido e que suas estruturas so mais
suscetveis aos incentivos centrfugos do federalismo brasileiro do que as de
partidos de esquerda, como o PT.
Consideraes Finais
Neste texto, buscamos sistematizar a produo acadmica e o
conhecimento cientfico produzido no mbito da Cincia Poltica, tanto nacional
quanto internacional, sobre a organizao dos partidos polticos. Discutimos a
evoluo dos modelos organizativos desde o pioneiro trabalho de Duverger (1980)
at as mais recentes contribuies de Katz e Mair (1995; 2009) e Wolinetz (2002).
Apresentamos tambm a produo mais contempornea sobre processos
decisrios internos e o relacionamento dos partidos com filiados e organizaes da
sociedade civil, bem como sobre a organizao dos partidos polticos brasileiros.
No que diz respeito aos modelos de partidos, possvel perceber uma
tenso entre os autores que acreditam em uma tendncia evolutiva nas formas de
organizao partidria e aqueles que defendem ser difcil discernir uma direo
inequvoca nas transformaes organizativas verificadas ao longo do tempo. Essa
tenso transparece, por exemplo, na discusso em torno do modelo de partido
cartel, que vem dominando a literatura nos ltimos 15 anos. De um lado, Katz e
Mair reafirmam seus argumentos. De acordo com eles,
[...] nesses pouco mais de dez anos desde a publicao de nosso paper
original, as tendncias para as quais chamamos a ateno se tornaram
ainda mais visveis e fortaleceram nosso argumento. Isso
especialmente verdadeiro quando olhamos para os partidos
tradicionais, que a cada dia esto mais prximos dos padres que
descrevemos tanto em termos organizativos quanto em termos
competitivos (KATZ e MAIR, 2009, p. 759-760).
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Referncias
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_______. Ainda conectado: o PT e seus vnculos com a sociedade. Opinio
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