ORTEGA Y GASSET, J. Reflexões Modernas Sobre o Amor
ORTEGA Y GASSET, J. Reflexões Modernas Sobre o Amor
ORTEGA Y GASSET, J. Reflexões Modernas Sobre o Amor
Durante os dois ltimos sculos, falou-se muito de amores e muito pouco de amor. Todos os
perodos da histria a comear pelo clssico grego possuram uma ou outra grande teoria emocional. Somente os dois sculos passados deixaram de t-la. As velhas teorias emocionais no so j suficientes. A ideia do amor, segundo Thomaz de Aquino, decalcada dos gregos, obviamente falsa. Para ele, o amor e o dio so duas formas do desejo, do apetite. O amor o desejo de alguma coisa boa por ser e enquanto boa. O dio uma resistncia, uma atitude de repulsa para o que mal assim suposto. Esta confuso entre o desejo e o apetite, por um lado, e a emoo, pelo outro, embaraam toda a psicologia do passado, at o sculo dezoito. O desejo de um objeto , afinal, o desejo de possu-lo, e a posse significa, de uma maneira ou outra, que o objeto entra no circulo de nossa vida e se torna assim parte de ns mesmos. D'a, morrer o desejo por si prprio, uma vez satisfeito. Ele desaparece com a prpria satisfao. O amor, por outro lado, uma insatisfao eterna. O desejo possui um carter passivo, e neste sentido, quando eu desejo uma coisa, quero que ela venha a mim. Torno-me um centro de gravidade e espero que as coisas caiam na minha direo. O amor, por outro lado ainda, essencialmente atividade. Aquele que ama sai de si mesmo para o objeto amado e vive nele. O amor , talvez, a mais sublime tentativa que a natureza faz para se elevar acima do individual e de si mesma para atingir a outrem.
Quando tenho um desejo, experimento atrair o objeto a mim. Quando amo sou atrado por ele. Tentemos definir para ns mesmos o ato de amar, examinando-o como o entomologista examina o inseto, que segura na ponta de um alfinete. No seu primeiro estgio, o amor assemelha-se ao desejo, porque provocado por determinada pessoa ou coisa externa a ns mesmos. A alma perturba-se e sente-se docemente ferida por um dardo que vem do prprio objeto. Tal estmulo tem uma direo centrpeta: vem do objeto at ns. Mas o ato de amar no principia seno depois que essa experincia, ou esse estmulo comeam a operar. Da ferida aberta pelo dardo provocante do objeto flui o amor, que se torna ativo em relao ao objeto. A direo que ele segue esta em oposio direta quela em que se move o estmulo ou o desejo. Vai do amante para o amado, de mim para outrem, em direo centrfuga. Esta caracterstica da gente sentir-se em espiritual movimento em relao ao objeto amado, este incessante impulso interior de cada um para com os outros fundamental no amor e no dio. Como eu distingo entre setas duas emoes, v-lo-emos j, mas o ponto essencial no que sejamos materialmente movidos para o objeto amado, que procuremos a sua proximidade corprea ou a sua presena fsica, que procuremos, enfim, achar-nos perto e junto dele fisicamente. Todos estes atos exteriores provm inteiramente do amor e do que provoca o amor, mas nada tem que ver com a essncia do amor e devem considerar-se completamente alheios ao estudo que estamos tentando fazer. Tudo quanto digo se relaciona com o ato de amar, enquanto experincia interna, como qualquer coisa que sucede na alma. O homem no pode atingir a Deus a quem ama, de uma maneira fsica, entretanto chamamos amor o ir para ele. Quando se ama, perde-se toda a paz interior toda a segurana, virtualmente desertamos de ns mesmos para entrar no objeto amado. Este processo incessante de movimento para outrem chama-se amor. O amor suporta o tempo. No se ama numa sucesso de momentos, que no tm extenso, numa sucesso de pontos, que flamejam e se apagam como as centelhas de uma bobina de induo. Ama-se o objeto amado constantemente. E aqui descobrimos
uma nova caracterstica do amor. Ele uma torrente, um fluxo de matria espiritual, um rio que nasce incessantemente dentro de ns. Se fosse possvel encontrar uma metfora que tornasse perfeitamente claro meu pensamento, diria que o amor no uma exploso, mas um fluxo permanente, uma emanao espiritual, que sai do amante para o ser amado.