Sonoridade Na Guitarra Elétrica
Sonoridade Na Guitarra Elétrica
Sonoridade Na Guitarra Elétrica
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
SONORIDADES NA GUITARRA ELÉTRICA
NA MÚSICA NOVA
Florianópolis, 2021
LEANDRO DA ROSA MENESES
Florianópolis, 2021
LEANDRO DA ROSA MENESES
Banca Examinadora:
Orientador:
Prof. Dr. Luigi Antonio Monteiro Lobato Irlandini
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Membro:
Prof. Dr. Guilherme Sauerbronn de Barros
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
Membro:
Prof. Dr. James Corrêa Soares
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)
This dissertation focuses on the production of sounds on the electric guitar in the context
of New Music. In the text, the concepts of extended techniques, prepared instrument and
live electronics were discussed. Discussions about the various possibilities of sound
emission of the electric guitar, in addition to its traditional use, also arise from a
bibliographic review. I also talk about some guitar components like pickups, bridges and
amplifiers. From this discussion it is possible to verify that the guitar can be in several
musical practices due to its diversity and structural and sound characteristics. The
dissertation has a portfolio of original pieces composed during the master's period.
1- Introdução................................................................................................................ 12
2 - Aspectos, Expansão do Instrumento e Formas de Produzir Sonoridades na Guitarra
Elétrica. ........................................................................................................................... 19
2.1 - Aspectos e Expansão do Instrumento ................................................................. 19
2.2 - Técnicas Estendidas ............................................................................................ 34
2.2.1 - Esponja de Louça ......................................................................................... 38
2.2.2 - Cartão Telefônico/Magnético ...................................................................... 42
2.2.3 – Arco de Violino, Viola ou Violoncelo ........................................................ 45
2.2.4 - Arco Eletrônico ............................................................................................ 48
2.2.5 - Máquina Aparadora de Barba/Cabelo .......................................................... 50
2.2.6 - Cabo P10 ...................................................................................................... 53
2.2.7 - Touch Technique .......................................................................................... 54
2.3 - Instrumento Preparado........................................................................................ 56
2.3.1 - Correntes Pequenas ...................................................................................... 61
2.3.2 - Fechos de Correntes ..................................................................................... 63
2.3.3 - Palheta .......................................................................................................... 65
2.3.4 - Scordatura.................................................................................................... 66
2.4 - Live Electronics .................................................................................................. 73
2.4.1 - Distorção, Overdrive e pedal de volume/expressão ..................................... 80
2.4.2 - Delay ............................................................................................................ 82
2.4.3 - Reverb .......................................................................................................... 85
2.4.4 - Pitch Shifting/Harmony ............................................................................... 85
2.4.5 - Wah-wah ...................................................................................................... 86
3- Composições .............................................................................................................. 88
3.1 - Máquinas ............................................................................................................ 90
3.2 - EU SOU VOCÊ ................................................................................................... 94
3.3 - Mutação .............................................................................................................. 97
3.4 - Mutação II .......................................................................................................... 98
3.5 - Móbil................................................................................................................. 100
4- Considerações finais ................................................................................................. 103
Referências ................................................................................................................... 106
APÊNDICE...................................................................................................................109
A- EU SOU VOCÊ........................................................................................................109
B- MUTAÇÃO..............................................................................................................113
C- MUTAÇÃO II..........................................................................................................115
D- MÓBIL....................................................................................................................118
12
1- Introdução
1
[....] “musicologist Imke Misch remarked […], ‘Gruppen für drei Orchester’ belongs among the first works
of the New Music after 1950” [....] (BANKS, 2013, p. 47).
14
serial com a totalidade dos parâmetros sonoros” (MENEZES, 2009, p. 261). Nesse
sentido, o desenvolvimento da obra Studie I (1953) pode ser compreendido como um
processo experimental, onde ocorre uma adaptação do pensamento serial de organização
de notas, expandido para dentro do processo criativo de música eletrônica. Para
desenvolvimento da música experimental, “deve-se ter em mente que o experimentalismo
reside, por força, na própria escuta da contemporaneidade” (MENEZES, 2009, p. 435).
No contexto de renovação artística, a música eletroacústica surgiu a partir da
música concreta, na França, e da música eletrônica, na Alemanha (MENEZES, 2009),
ganhando espaço e, consequentemente, gerando a fundação de instituições para estudar
os sons eletrônicos, contexto no qual, em 1977, é fundado o IRCAM. Quando
questionado, em uma entrevista publicada na Revista Música no ano de 1996 e realizada
no auditório do Departamento de Música da ECA-USP, sobre a expansão da música
eletroacústica e se houve outro paralelo na história da música ocidental, o compositor
Pierre Boulez (1925-2016) responde que, em relação à música eletroacústica, concebeu o
IRCAM com a proposta de estudar a tecnologia da atualidade, “seja a partir dos
instrumentos, sem os mesmos ou até com a conjunção entre os instrumentos e os meios
tecnológicos de nossos dias” (BOULEZ, 1996, p. 200).
Concluindo a resposta sobre a primeira parte da pergunta, Boulez considera que a
utilização da tecnologia e a evolução dos instrumentos são relevantes, se levarmos em
consideração a expansão dos materiais musicais. Ao responder à segunda parte da
pergunta que é referente à existência de outro paralelo na história da música ocidental,
como a expansão da música eletroacústica, Boulez cita que sempre existiram “revoluções
que nos parecem atualmente normais, não entendidas doravante com o rótulo de
revolução, mas, na verdade, foram revoluções em suas épocas” (BOULEZ, 1996, p. 200).
Nesse sentido, o compositor menciona a construção de instrumentos produzidos
artesanalmente no século XVIII e que passaram a ser produzidos principalmente em
escala industrial no século XIX. Nessa nova forma de construção, Boulez cita o piano
moderno, cuja fabricação possibilitou a utilização de cordas maiores e com tábuas
harmônicas mais resistentes, que suportaram maiores tensões.
O resultado disso foi “que a sonoridade se ampliou; aliás, as salas se tornaram
maiores, tendo sido, pois, a tecnologia industrial a responsável pela evolução de
instrumentos como o piano” (BOULEZ, 1996, p. 200). Contudo, Boulez salienta que, nos
últimos vinte ou trinta anos do século XX, as mudanças tecnológicas foram mais
profundas, possibilitando a precisão de alturas, microintervalos que “permitiram novas
15
travamento das cordas possibilitou a criação de técnicas de guitarra que podem ser
consideradas estendidas em qualquer contexto do referido período. Referente aos
amplificadores a busca é relacioná-los, mesmo sendo uma “extensão” do instrumento,
como algo necessário para produção de sons, observando o quanto o modelo e a potência
podem interferir na qualidade sonora. Em relação à expansão do instrumento apresenta
opções desenvolvidas por luthiers, como uma alternativa diferente das guitarras
comercializadas industrialmente.
Na seção 2.2), “Técnicas estendidas”, ocorrem discussões a respeito de técnicas
estendidas, a partir de Daldegan e Dottori (2011), que discorrem sobre a contribuição
delas para a ampliação do conhecimento estético dos músicos, por meio da “exposição ao
repertório contemporâneo e, especialmente, a execução de peças que explorem este
material (DALDEGAN; DOTTORI, 2011, p.114). Os autores Ferraz e Padovani (2011)
trazem em suas reflexões iniciais uma breve contextualização histórica direcionada para
o conceito de técnica estendida. Conforme os autores, a expressão técnica estendida
tornou-se comum na segunda metade do século XX e está historicamente relacionada à
performance musical. Outro autor utilizado é Toffolo (2010), que discute a técnica
estendida como uma abordagem não convencional perante o instrumento, no sentido de
uma forma de buscar novas sonoridades e novas maneiras de tocar o instrumento.
Em 2.3), “Instrumento preparado”, utilizo Chanto (2007), que comenta sobre o
amplo conhecimento desse conceito a partir das obras experimentais de John Cage. O
autor salienta que “as ideias percussoras para o piano preparado vêm do compositor norte
americano Henry Cowell, músico de suma importância para o desenvolvimento da música
do século XX2” (CHANTO, 2007, p.199). O capítulo desenvolve uma exposição que
parte do conceito de instrumento preparado no piano, para compreensão da preparação da
guitarra elétrica, por meio da utilização de objetos, conforme Nunzio (2014), e scodatura,
de acordo com Sethares (2010).
A seção 2.4 é sobre live electronics, nela utilizo autores como Menezes (2009),
para compreender historicamente o desenvolvimento da música eletroacústica, a partir da
música concreta e da música eletrônica como um processo de experimentação. Outro
autor usado é Holmes (2002), que discute as origens da música eletrônica. Em relação a
Martins (2015), por meio de sua pesquisa é possível compreender a abordagem de live
electronics, quando comenta sobre as possibilidades sonoras inéditas, transformando a
2
Las ideas precursoras para el piano preparado vienen del compositor estadounidense Henry Cowell,
músico de suma importancia para el desarrollo de la música del siglo XX (CHANTO, 2007, p. 199).
17
guitarra em um objeto gerador de sons imprevistos que não fazem parte das tradicionais
sonoridades desse instrumento. Por fim, o autor Laganella (2003) também está presente
por discorrer a respeito dos pedais de efeito para guitarra elétrica. Vale salientar que nesta
dissertação não é abordada a interação do computador com a guitarra, porém, o conceito
de live electronics, frequentemente aplicado através de computadores, é abordado por
meio dos pedais de efeito desenvolvidos especificamente para guitarra elétrica.
No decorrer do capítulo, são apresentadas reflexões sobre a utilização de técnicas
estendidas, instrumento preparado e live electronics, com exemplos da abordagem desses
conceitos nas obras Trash TV Trance (2002), de Fausto Romitelli (1963-2004), e
Loo(p)cy3 (2018), de Luigi Manfrin (n.1961). Não se trata de análises formais, pois são
utilizados trechos como exemplo para acrescentar às discussões, em determinados
momentos. A obra de Fausto Romitelli possibilita uma reflexão em relação às técnicas
estendidas, através da utilização de objetos, assim como live electronics, por meio de
pedais de efeitos. Nessa obra, o compositor utiliza ebow, aparelho de barbear, esponja de
louças e outros objetos na busca de sonoridades que, segundo o autor, possuem raízes no
Blues e na psicodelia do Pink Floyd. Já na obra de Luigi Manfrin, é possível identificar a
utilização do conceito de instrumento preparado, por meio de scordature, e live
electronics, com a manipulação do efeito de distorção com pedal de volume/expressão.
Quanto ao terceiro capítulo, primeiramente, desenvolve uma exposição sobre
questões relacionadas à elaboração das partituras, discutindo notação musical, por meio
da autora Pergamo (1973), abordando questões de notação contemporânea. Consta,
também nessa parte, o portfólio de composições4, o qual apresenta o desenvolvimento de
um conjunto de peças originais elaboradas durante meu período de mestrado. Todas as
peças são elaboradas e desenvolvidas a partir da guitarra, sem a utilização de nenhum
outro instrumento no conjunto.
O portifólio é constituído por cinco peças:
Máquinas (2019), a qual tem referência na música concreta para desenvolvimento
dos materiais, e na série de Fibonacci, que define as durações, tanto nos parâmetros macro
quanto nos parâmetros micro, relativos às subdivisões destas.
3
Partitura cedida pelo compositor.
4
Os áudios referentes ao portifólio das composições elaboradas durante o período de mestrado estão
disponíveis na plataforma Youtube no link https://youtu.be/6bXA6DF6Gy4.
18
A guitarra elétrica é constituída por itens padrões que fazem dela o instrumento
tal como o conhecemos. Corpo, braço, mão, tarraxas, knobs, ponte, captadores, cordas,
potenciômetros e toda a parte elétrica fazem a guitarra ser reconhecida como tal. Outra
questão relevante para o instrumento é que, por ser elétrica, não produz som de forma
audível “sozinha”, tornando-se necessário um amplificador para processar o sinal e emitir
o mesmo para os auto-falantes. O amplificador é abordado como um aspecto modular ao
instrumento, pois é possível obter sonoridades diferentes em diversas marcas e modelos.
Conforme o verbete de Hugh Davies (2001), publicado no dicionário Grove Music
Online, no decorrer da história da música ocidental, os instrumentos sofreram diferentes
mudanças, a partir da necessidade de maior emissão sonora e controle de recursos
dinâmicos. A tecnologia de épocas diferentes possibilitou algumas mudanças
significativas, como mencionado na introdução da presente dissertação, a respeito do
piano, a partir de Pierre Boulez. Davies (2001) comenta que essas expansões foram vistas
em dimensões maiores no século XX, através de novas abordagens desenvolvidas por
interpretes e compositores.
A partir da segunda metade do século XX, a guitarra é objeto de transformações
e expansões5. Algumas dessas expansões incluem componentes, como captadores
encontrados em modelos simples (single coil) ou modelos duplos (humbucker), assim
5
Utilizo o termo expansão para a guitarra, em relação à escolha dos componentes do instrumento, por
exemplo: optar por uma ponte móvel possibilita a produção de sons que não são possíveis de serem
produzidos em um instrumento com ponte fixa. Compreendendo essa opção como uma forma de expandir
a produção de sons.
20
como a ponte, que pode ser fixa ou móvel, e também se apresenta em outros modelos
derivados desses dois, podendo ser, por exemplo, stack, parallel coils, blade pickups.
Essas expansões tornaram-se itens de escolha na hora de adquirir um instrumento,
mas também é possível encontrar outras formas de expansões que oferecem outras visões
sobre a guitarra. As expansões não se resumem somente aos itens, mas também à estrutura
do instrumento, sendo alternativas disponíveis por meio de luthiers, como será visto em
alguns modelos mais adiante.
No comércio, é possível encontrar diversas marcas de guitarra e diversos modelos
de uma mesma marca, alguns modelos são direcionados para o Rock, outros para Blues,
entre outros gêneros e estilos, mas a funcionalidade é a mesma. No entanto, três
componentes são essenciais na hora de escolher a guitarra e pensar na música a ser tocada
ou composta. Dois desses componentes fazem parte do corpo do instrumento: captadores
(simples ou duplos) e ponte (fixa ou móvel). O terceiro componente é o amplificador, que
pode ser encontrado separadamente (cabeçote) ou em versão compacta, com caixa e auto-
falante(s) (combo). A diversidade nesses componentes é igual ou maior do que a
diversidade de guitarras e modelos. Não é uma proposta discutir questões envolvendo as
diferenças técnicas resultantes da diversidade, mas sim expor sobre a relevância que esses
três componentes adquirem no sentido de tornarem-se interessantes na hora do
compositor compor uma música para guitarra elétrica ou do guitarrista construir seu
timbre.
A guitarra surgiu numa época de desenvolvimento tecnológico, e o instrumento
padrão, vendido comercialmente no mundo inteiro, não é a única opção disponível. Outras
opções do instrumento são alternativas oferecidas por luthiers que buscam, à sua maneira,
encontrar novas formas de expandir e proporcionar outras visões perante o modelo
padrão. Por se tratar de guitarras construídas artesanalmente, não é comum encontrar
músicos que tenham essas guitarras. Nesse caso, o compositor deve ter consciência de
que uma música composta para uma dessas guitarras terá poucas interpretações por parte
de outros músicos, ou de que será uma peça composta para determinado performer. Porém
é interessante compreender as possibilidades oferecidas por esses instrumentos, para que,
dessa forma, o compositor tenha entendimento acerca da escolha da guitarra, algo que
deve ser feito em paralelo à escolha de sonoridade ou música a ser composta.
A relevância da escolha da guitarra pode ser observada nas notas de programa
escritas pelo guitarrista belga Tom Pauwels (n. 1974) para a performance de Trash TV
Trance (2002), de Fausto Romitelli. A indicação ideal para execução da música seria uma
21
guitarra Stratocaster, modelo fabricado pela marca Fender. A indicação dessa guitarra
em específico é feita por tratar-se de uma música com “raízes” no Blues e no Rock
psicodélico da banda Pink Floyd, conforme indicação do compositor e do intérprete que
prepararam e ensaiaram a peça em colaboração. Além de ser o modelo e a marca de
guitarra utilizada pelo guitarrista David Gilmour (n. 1946) da banda Pink Floyd6, outra
questão interessante nas notas de programa é que a Stratocaster possui o jack de entrada
do cabo P10 na frente do corpo, o que facilita a conexão e a desconexão deste durante a
performance, pois o conector P10 é utilizado, em determinados momentos, para
desenvolvimento rítmico, com o som produzido pelo contato de seu polo positivo com
superfícies metálicas da guitarra. Em Trash TV Trance (2002), o efeito é produzido pela
fricção do conector P10 na ponte do instrumento.
Em relação aos captadores, Martins (2015) comenta que o seu surgimento deu-se:
6
O fato de o guitarrista David Gilmour utilizar uma guitarra stratocaster reforça a ligação com as “raízes”
do Blues e da banda Pink Floyd que o guitarrista belga Tom Pauwels descreve nas notas de programa.
22
7
“[…] pickup creates a magnetic field, which is disturbed by the vibration of the ferromagnetic guitar string
located above it, causing the flux through the bobbin to be altered” (MARTÍNEZ. 2003, p. 1).
23
Figura 2 - Estrutura do Captador Single Coil: (a) visão de cima, (b) visão de lado. Fonte: Finite element modeling of
the magnetic field of guitar pickups (MARTINEZ, 2003, P. 1).
Na figura 2, o autor apresenta a visão de cima (a) e a visão de lado (b) em relação
ao captador, nesse caso, de um modelo single coil. Na visão de cima (a), é possível
observar os pólos magnéticos do captador, que ficam ligeiramente abaixo das cordas,
onde cada corda possui um pólo que atravessa a bobina. Os pólos são itens que, junto a
outros itens como bobina, fio de cobre e ímã, constituem o captador e fazem com que seja
utilizado “para transformar as oscilações de uma corda de guitarra em um fluxo magnético
variável8” (MARTÍNEZ, 2003, p. 1). Na visão de lado (b), observam-se os demais itens
que constituem o captador, o ímã, na parte inferior, e a bobina isolada, constituída por fio
de cobre, o qual é enrolado de uma extremidade à outra. O campo magnético gerado pelo
ímã e os pólos é circundado pela bobina e, assim, é possível compreender que a vibração
das cordas altera o campo magnético, o que faz produzir uma carga elétrica na bobina de
fio, produzindo, dessa forma, o som amplificado da guitarra elétrica.
Em relação aos captadores duplos, ou seja, os humbuckers, Martínez (2003)
comenta um problema próprio das bobinas, elas serem sensíveis a qualquer interferência
eletromagnética produzida por qualquer outro equipamento e, até mesmo, fiação elétrica.
Conforme o autor, para evitar a produção de muito ruído, a empresa Gibson desenvolveu
os captadores humbuckers, consistindo “em duas bobinas de fio, que são ligadas em série,
mas fora de fase entre si, e dois conjuntos de peças polares magnéticas com polaridades
opostas. No entanto, as correntes geradas pelas cordas vibrando são, na verdade,
duplicadas em vez de canceladas9” (MARTÍNEZ, 2003, p. 4).
8
“[…] to turn the oscillations of a guitar string into a changing magnetic flux” (MARTÍNEZ. 2003, p. 1).
9
“[…] consists of two coils of wire, which are wired in series but out of phase with each other, and two
sets of magnet pole pieces with opposite polarities. However, the currents generated by the vibrating strings
are actually duplicated instead of cancelled” (MARTÍNEZ, 2003, p. 4).
24
Figura 3 - Pontes: (a) fixa com tremolo, (b) móvel com sistema Floyd Rose. Fonte: o autor.
cordas é realizada na pestana lock nut10. O parafuso de fixação de (b) possui a mesma
função de delimitação do local de instalação da ponte presente em (a), porém, em (b) o
parafuso não fixa a ponte, por isso o nome ponte móvel. A ponte possui uma área em
formato de lâmina, que é inserida na parte cava do parafuso fixado no corpo. A tensão
entre as cordas e as molas no interior do instrumento fazem a ponte “flutuar”. Esse sistema
permite tanto movimentar a ponte pra “trás”, aumentando a tensão, quanto para “frente”,
diminuindo a tensão.
O desenvolvimento de novas linguagens, possível após a invenção da ponte
móvel, como comentado por Martins (2015), também pode ser observado em Banks
(2013). A autora comenta que no final dos anos 1960 o estilo Heavy Metal surgiu, e nesse
contexto, deu-se o surgimento da banda Van Halen, que contava com o guitarrista Eddie
Van Halen (1957-2020). Conforme Banks (2013), a redefinição das possibilidades
técnicas na guitarra elétrica surgiu com o lançamento do álbum autointitulado Van Halen
(1978), onde
10
Lock nut é a pestana do sistema Floyd Rose.
11
The most notable guitar playing on the recording can be found on the track titled, Eruption which is one
of the most influential, 1’42” of improvised, unaccompanied rock guitar ever recorded. This short
improvisation contains a multitude of extended techniques which were ground breaking at the time; these
techniques include two handed fret tapping, pinch harmonics, extreme whammy bar dives (made possible
with the newly invented Floyd Rose Locking Tremolo System), tremolo picking, [...] (BANKS, 2013, 27-
28).
12
Whammy bar é o sistema de alavanca da ponte móvel.
27
possível devido ao sistema de travamento, pois se tornou viável utilizar esse recurso,
quantas vezes necessário, mantendo a afinação das cordas estabelecida pelo músico.
Outra técnica também viável pelo sistema Floyd Rose é a tremolo bar, que consiste em
tocar com a mão de forma rápida e sutil na alavanca, produzindo o efeito de tremolo na(s)
nota(s) desejada(s), técnica também comentada por Banks (2013).
As técnicas two handed fret tapping13, pinch harmonics14 e tremolo picking15
comentadas por Banks (2013) podem ser realizadas em praticamente qualquer tipo de
guitarra, não necessitando de ponte móvel, porém a autora traz como reflexão a definição
de todas as técnicas abordadas como técnicas estendidas. Se considerarmos que naquele
contexto musical não havia sonoridades similares na guitarra elétrica, é possível refletir
que todas as técnicas citadas por Banks (2013) sejam consideradas como técnicas
estendidas, porém, nos dias atuais essas técnicas já estão incorporadas na idiomática da
guitarra elétrica. Sobre esse assunto será mais desenvolvido na próxima seção deste
capítulo.
Os amplificadores são equipamento que podem ser considerados uma extensão
necessária e indispensável para a emissão sonora desse instrumento, sendo assim, a
função desses equipamentos se configura como algo essencial, mas há maneiras de,
através da amplificação, manipular o timbre da guitarra. Com a guitarra desligada, em
estudos de algumas técnicas, percebe-se a baixa emissão sonora produzida pelas cordas.
Isso ocorre, da mesma forma, quando o instrumento é apoiado em um móvel, como uma
mesa ou um guarda-roupas, na busca de estender a reverberação do instrumento16. A
utilização da guitarra desligada, por exemplo, em uma performance, pode ser uma
possibilidade, embora, até o momento, não ocorra menção sobre esse tipo de
performance. Trata-se de um recurso expressivo à disposição do compositor, para ser
utilizado no discurso musical. Nessa concepção, o “silêncio” da guitarra possivelmente
poderia impactar de modo relevante no discurso, pois tradicionalmente a guitarra está
associada a dinâmicas estridentes.
13
Two handed fret tapping se trata de técnica de “digitar” as notas no braço da guitarra com as duas mãos.
14
Pinch harmonics é uma técnica que consiste em tocar ou ’martelar’ de modo sutil em cima do traste onde
a outra mão deve selecionar a nota com a distância de doze casas. O ato de martelar com essa distância
permite a execução do harmônico de oitava.
15
Tremolo picking consiste em repetir várias vezes uma ou mais notas com a palheta
16
Reverberação é a persistência de um som. Nesse caso, a guitarra é encostada em uma mesa e, ao tocar as
cordas, a vibração é absorvida pela madeira do instrumento que, da mesma forma, é adsorvida pela mesa.
A utilização de um guarda-roupas ou uma caixa fechada tem pouca diferença em relação a uma mesa,
funcionando como uma amplificação sutil na dinâmica, onde há a percepção em relação ao som grave
produzido. Contudo, esse recurso é abafado por uma simples conversa.
28
do seu som, pois trabalha de forma mais genérica, tocando em diversos lugares. Não se
trata de regra. A vantagem da tecnologia dos dias atuais é que muitas empresas fabricam
simuladores de amplificadores em versões de pedais compactos, o que, de certa forma,
facilita o acesso a determinados timbres de amplificadores relativamente muito caros.
Na figura 4, podemos observar três exemplos de amplificadores, dos quais (a) e
(b) são heads valvulados e (c) um combo transistorizado, porém, vale ressaltar que tanto
valvulados encontram-se na versão combo, quando transistorizados na versão head. O
mesmo serve para os híbridos.
Figura 4 - Amplificadores: (a) head Blackstar ht club 50, (b) haed Mesa Boogie Triple Rectifier, (c) combo Marshall
MG 250 DFX. Fonte: o autor.
a válvula faz uma compressão do sinal sonoro, através de uma leve saturação
elétrica. Isso se dá pela presença de um transformador de voltagem analógico
que, juntamente com o segundo estágio de potência, perdem na verdade
linearidade de dinâmica e, por esta razão, acrescentam uma coloração ao sinal
elétrico, determinando a tipologia do timbre resultante de cada amplificador
(MARTINS, 2015, p. 51).
Essa “coloração” é o que torna reconhecível, na grande maioria das vezes, para
alguns músicos, as sonoridades de cada amplificador. Muitas vezes, é essa coloração que
alguns músicos procuram para completar a sua sonoridade, mesmo que isso não dependa
somente da guitarra e do amplificador, pois devemos levar em consideração os pedais e
sua cadeia de ordem, porém, na maioria das vezes, a construção da sonoridade de um
guitarrista começa pela escolha da guitarra e do amplificador.
30
17
Potência RMS (Root Mean Square) é o valor medido em qualquer equipamento de som, pela qual a
produção sonora é segura, sem danificar o aparelho.
31
18
MIDI, Musical Instrument Digital Interface: Interface Digital de Instrumentos Musicais. Trata-se de um
protocolo padrão de comunicação desenvolvido no decênio de 1980. MIDI transmite informações como:
on/off (teclas pressionadas/soltas), alturas (frequência), duração e volume, por exemplo. O protocolo MIDI
não transmite sinal de áudio, somente informações.
19
Extraído <https://deimelguitarworks.com/the-experimental-guitar/?v=b86f99753a08>. Acesso em 05
de novembro 2020.
33
inaudíveis, que soam quando o ar entra no tubo da flauta, sem produzir uma
nota fundamental perceptível; ao tentar mudar de registros produzem-se
harmônicos; ataques no registro grave soam como wind-tones, que é o som do
ar passando pelo tubo da flauta, sem que a coluna de ar vibre; ao aquecer a
flauta, produz-se um jet whistle, que é um som de assovio característico. De
modo semelhante, iniciantes em instrumentos da família das cordas, produzem
involuntariamente movimentos de arco não adotados pela técnica tradicional
destes instrumentos, como tocar sobre o cavalete, sul ponticello, arco flautato,
etc. Estes “equívocos” são, de modo geral, prontamente corrigidos pelos
professores de instrumento. Entretanto, estes sons novos de produção não-
tradicional, encontram uso freqüente na música de hoje e são parte daqueles
conhecidos como sons produzidos por técnicas estendidas. Alunos adiantados
têm maior dificuldade em começar a produzir sons “estendidos” do que os
iniciantes, que geralmente conseguem fazê-lo brincando, literalmente.
Portanto o incentivo e o trabalho com estas técnicas desde o início, inclusive
com crianças, pode ser de grande valia para o seu desenvolvimento
(DALDEGAN; DOTTORI, 2011, p.117-118).
Figura 6 - Movimentos: (a) circular, (b) paralelo e (c) perpendicular. Fonte: o autor.
A figura 6 apresenta três movimentos com a esponja, onde “a” representa uma
movimentação circular, “b” o movimento paralelo e “c”, perpendicular às cordas. Com o
resultado sonoro obtido pela aplicação desses movimentos, é possível constatar que ao
utilizar o movimento circular, este proporciona a produção contínua do som. Pode ser
comparado com o serrote de marceneiro quando corta madeira, porém, não tão próximo,
por conferir mais ruído ao som em relação ao produzido pelo serrote. É possível alternar
a dinâmica através de movimentos rápidos, com maior ou menor pressão, e com
movimentos mais lentos, com maior ou menor pressão sobre as cordas. Assim, o
movimento circular permite a produção ininterrupta com alternâncias de dinâmica. É
possível observar na figura 7 o emprego do movimento circular e o desenvolvimento
dinâmico. Em relação aos critérios notacionais, há reflexões, posteriormente, no início do
próximo capítulo.
20
Espectro sonoro que abrange todas as frequências com mesma dinâmica para todas. Um exemplo é a
televisão fora de sintonia.
40
por ter formato retangular e laterais retas, facilita o contato com um número maior de
cordas ao mesmo tempo, podendo cobrir todas as cordas do instrumento. As cordas
agudas possuem superfície lisa e, dessa forma, o efeito resultante é o mesmo de um
glissando com slide. Porém, nos bordões o revestimento dessas cordas proporciona
resistência ao passar o objeto, pois ocasiona o efeito similar ao som de serrote cortando
madeira, quando movimentado para traz e para frente. A figura 11 mostra algumas formas
de utilização.
A figura 11 expõe duas formas de dispor o cartão sobre as cordas. A figura 11a
mostra o cartão disposto próximo a ponte. A seta indica o movimento a partir desse ponto.
Na figura 11a, a sonoridade produzida é similar ao som de porta rangendo, o que varia
em grau de intensidade em relação à velocidade com a qual o cartão é utilizado. Da mesma
forma, o ângulo, pois, se o cartão é disposto em ângulo contrário ao movimento, o atrito
será maior e, em ângulo a favor, o atrito será menor. O efeito é mais eficiente com as
cordas abafadas pela mão livre e pode ser utilizado ao longo de toda a extensão do braço
da guitarra, incluindo o movimento no sentido contrário. A figura 11b mostra o cartão
disposto de forma a favorecer a utilização somente em uma corda. A partir disso, é
possível produzir dois efeitos por meio de dois movimentos. A seta (1), rente às cordas,
mostra o movimento nos dois sentidos. Esse movimento, se tocado rapidamente e
próximo à ponte com a corda solta, produz uma sonoridade similar ao de uma serra para
metais. O fato de tocar próximo à ponte permite a vibração das cordas, o que deixa livre
para tocar melodias ou harmonias. A outra indicação referente à seta (2) mostra o
movimento que permite “martelar” suavemente as cordas. O som obtido é de harmônicos,
que resultam em staccatos, porém, se após “martelar” a corda, deixarmos o cartão
repousar brevemente sobre as cordas, o som é prolongado, o que permite a produção de
44
durações mais longas. É relevante ponderar que a duração não é muito longa e que a
utilização de outros materiais, como vidro ou metal, para percutir aumenta a sustentação
do som. Outro ponto relevante em relação a essa última abordagem é que, com essa
utilização do cartão, é possível identificar duas técnicas estendidas. A primeira é em
relação ao emprego do objeto e a segunda consiste no ato de “martelar”, compreendido
como uma forma de percutir a corda, pois a forma tradicional de tocar a guitarra é
pinçando-a.
Na figura 12, pode ser observado o contraste entre os quatro primeiros compassos
e os dois últimos, através da utilização do cartão magnético. O gráfico representa uma
serra, abaixo dos compassos um ao quatro, e delimita a utilização do cartão na corda
próximo à ponte. A figura de nota musical indica o tempo que a frequência deve soar
junto com a fricção da corda. Quando surgirem pausas, a corda deve ser abafada com a
mão livre, permanecendo só o efeito de fricção. Os compassos cinco e seis apresentam a
produção de harmônicos por meio de toques sutis com o cartão nas cordas, sem que elas
sejam pressionadas no braço do instrumento. O efeito é obtido através do “martelar” das
cordas. É possível a produção de figuras rítmicas mais longas. Nesse caso, o cartão deve
ser repousado sobre as cordas no momento do toque. A utilização desse objeto oferece
contrastes sonoros de acordo com a aplicação. Os primeiros quatro compassos apresentam
uma sonoridade com ruídos gerados pela fricção do cartão em contraste com os
compassos cinco e seis, que, ao percutir o cartão nas cordas, gera sons harmônicos sem
interferência de ruídos ou outros sons.
45
Na figura 13, pode ser observado o ângulo da disposição das cordas, relativamente
pequeno e que difere de acordo com alguns modelos de guitarra.
Na obra de Loo(p)cy (2018), do compositor Luigi Manfrin, o arco crina é utilizado
para produzir um tremolo em todas as cordas e deve ser friccionado por toda a extensão
do braço do instrumento, nos compassos cinco (5) a treze (13) da obra.
46
21
As cordas mais graves produzem frequências mais baixas que as cordas mais agudas. A referência aqui é
em relação as cordas individualmente, a emissão de frequências próximo ao captador resulta em frequências
mais agudas comparado com as frequências próximas à mão da guitarra. É interessante visualizar o braço
de forma horizontal. O arco fricciona todas as cordas ao mesmo tempo, logo horizontalmente para um lado
resulta em frequências agudas e para o outro frequências graves.
47
sua utilização. É possível substituí-lo mesmo por uma baqueta, como feito pelo guitarrista
Tom Pauwels, colaborador de Fausto Romitelli na elaboração em conjunto dessa obra22.
O arco eletrônico está para a guitarra como o arco tradicional está para o violino,
a viola ou o violoncelo, pois cria a possibilidade de uma frequência ser tocada por um
longo período. No caso do violino, isso é possível por meio da movimentação ininterrupta
do arco, na qual as mudanças devem ser o mais imperceptível possível. Já o arco
eletrônico é um aparelho desenvolvido especificamente para a guitarra elétrica,
permitindo a utilização em uma corda de cada vez, e, quando ligado, produz um campo
eletromagnético. Sua base, diretamente em contato com as cordas, possui sulcos nas
extremidades laterais com a função de evitar que cordas vizinhas sejam afetadas pelo
campo magnético do objeto. Isso faz desse objeto um equipamento que permite somente
desenvolvimento melódico. Atualmente no mercado existem dois modelos: Ebow23 e
Aeom24.
22
A utilização da baqueta em substituição ao arco de violoncelo pelo guitarrista Tom Pauwels pode ser
observada no vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=5NLvaJ-UXrA>. Acesso em 09 de out. de
2020.
23
Conforme: <https://ebow.com>. Acesso: 13 de nov. de 2019.
24
Conforme:
<https://www.tcelectronic.com/Categories/Tcelectronic/Guitar/Stompboxes/AEON/p/P0DAS#googtrans(
en|en)>. Acesso: 13 de nov. de 2019.
49
um possui suas particularidades no momento em que estão produzindo som. O ponto que
torna o arco eletrônico um atrativo para a guitarra é justamente fazer o que nenhum outro
objeto faz, ou seja, a produção prolongada de sustain pelo tempo desejado. Na figura 17
pode ser observado um exemplo da utilização dessa tecnologia.
A figura 17 não seria possível sem a utilização do arco eletrônico, pois a natureza
do instrumento é pinçar a corda, não sendo viável produzir uma frequência que vai
aumentando lentamente a dinâmica. O trecho tem duração de mais ou menos trinta
segundos, no qual o desenvolvimento da dinâmica pode ser realizado pelo pedal de
volume ou somente pela manipulação do arco eletrônico, nesse caso, aproximando-o ou
distanciando-o das cordas e do captador. Para melhor performance, em relação à ligadura
de expressão, os glissandos, que não ultrapassam a distância de uma segunda maior,
podem ser realizados por meio de bends, a fim de evitar que a sonoridade contínua seja
prejudicada pela cesura de troca de frequências, pois o braço da guitarra é dividido por
trastes.
Na partitura de Trash TV Trance (2002), o arco eletrônico é utilizado em dois
momentos: nos compassos 184-198, para executar notas com duração longa inviáveis de
serem produzidas sem o objeto, e nos compassos 20-22, conforme a figura 18.
25
Considerando que a guitarra, assim como o violão, é escrita uma oitava acima do som real.
51
A figura 19 apresenta a nota Fá# com duração total de uma mínima, na qual o pico
máximo de dinâmica ocorre após a duração de uma colcheia. O giro do motor interno
gera o campo magnético que reproduz a frequência de Fá#, podendo variar de acordo com
modelos diferentes. O sforzando é realizado pela aproximação do aparelho ao captador e,
consequentemente, seu distanciamento em relação ao próximo. Se mantido próximo ao
captador, produzirá um Fá# constante.
Na partitura Trash TV Trance, a utilização da máquina é encontrada nos
compassos 171-181. A figura 20 mostra o sforzato nessa obra por meio da máquina e a
linha rítmica da pauta inferior, reproduzida nesse trecho pela utilização do pedal loop.
semínima pontuada pode ser visto como uma variação do gesto produzido no terceiro
compasso da obra, resultante da inversão do loop.
Para a performance da figura 22, são necessários dois cabos P10 ligados no mesmo
ou em diferentes amplificadores, não sendo necessário a guitarra estar ligada, pois não
será tocado nenhum sinal captado pelo instrumento. A figura 22 apresenta um track de
áudio, tocado do início ao fim do trecho, que pode ser considerado como uma terceira
voz. As duas linhas rítmicas são tocadas com a ponta do cabo P10 diretamente na ponte,
conforme indicação, e, da mesma forma, as figuras de notas com gráficos ao lado, que
representam sinal de interferência. Nesse caso, a ponta do cabo deve ser friccionada em
uma superfície irregular, na ponte junto aos orifícios de fixação das cordas.
54
Figura 23 - Trechos da partitura Trash TV Trance (2002). compassos: (a) 4 a 6, (b) 9-10.
Na figura 23, a pauta inferior dos exemplos (a) e (b) é referente ao loop, e a pauta
superior é relativa ao uso do cabo P10. Podem-se observar três formas de utilizar o
conector do cabo, duas no exemplo (a) e uma em (b). No caso (a), a primeira forma de
aplicação é encostando o cabo em qualquer corda para gerar o ritmo de duas
semicolcheias com pausa entre elas, conforme o compasso 4. Também é utilizado
permanecendo encostado para gerar o som de nota longa constituído por figuras de
semínima ligada a uma mínima pontuada, que é, por sua vez, ligada à outra, não
visualizada na figura. No exemplo (b), o cabo é utilizado entre duas cordas da guitarra,
conforme notas de performance, para gerar o ritmo de duas colcheias + duas
semicolcheias + colcheias. O efeito de ruído indicado entre as duas primeiras colcheias e
na última colcheia é realizado pela movimentação e pelo contato rápido entre as duas
cordas.
não convencional de tocar a guitarra elétrica, isto é, uma técnica estendida. A touch
technique foi desenvolvida em razão da prática do compositor, pois a sua formação
musical inicial foi ao piano. O princípio da técnica é o tapping26, utilizado por ambas as
mãos do guitarrista27 e, assim, possibilitando o cruzamento entre mãos. Essa forma de
tocar possibilita pensar a guitarra em um universo de oito dedos, e não quatro como na
forma tradicional, uma vez que os polegares são utilizados para apoio no braço do
instrumento: o polegar da mão do braço se apoia na parte de trás do braço e o polegar da
mão da ponte se apoia na parte superior do braço. Ocorre que, da forma tradicional, é
necessário utilizar as duas mãos para soar uma altura no instrumento, pois é necessária
uma mão para “selecionar” as notas e a outra para “acionar” a seleção de notas.
Contrária ao modo tradicional de tocar a guitarra, a técnica de Jordan consiste em
fazer com que cada nota musical seja tocada com a utilização de somente uma das mãos,
pela utilização do tapping. Esta técnica possibilita a utilização simultânea de harmonias
e melodias, também a utilização de contrapontos, pensando que, para utilizar a técnica
em um contexto diatônico, é relevante um estudo mais aprofundado de independência das
mãos, para evitar paralelismos, a não ser que sejam desejados. Em relação à aplicação da
técnica ao instrumento, é pertinente uma reflexão sobre a utilização de encordoamentos
mais espessos e regulagem da ponte28, para as cordas ficarem o mais próximo possível
dos trastes, pois isso facilita a execução da técnica, com um toque mais suave e menor
esforço muscular, contribuindo para a performance. Dessa forma, Jordan utiliza afinação
em quartas justas para todas as cordas da guitarra, deixando o instrumento afinado em
Mi, La, Ré, Sol, Dó, Fá. Essa forma de scordatura proporciona a simetria no braço da
guitarra. A utilização da técnica Touch, do compositor Stanley Jordan, é uma forma “não
usual” de tocar guitarra e pode ser melhor compreendida na figura 24.
26
Técnica que consiste em “martelar” ou “digitar” com os dedos as notas no braço do instrumento. Técnica
popularizada na guitarra por Eddie Van Halen nos anos do decênio de 1980.
27
Utilizo as expressões: “mão do braço” e “mão da ponte” para não haver confusão entre mão direita e
esquerda. Fato esse comum para guitarristas canhotos quando vão aprender determinadas técnicas. As
expressões são simples alusões que fazem referência aos captadores (braço e ponte).
28
Parte da guitarra onde repousam as cordas. São fixas ou móveis e ficam localizadas no corpo do
instrumento.
56
Ainda conforme Chanto, a partir desse trabalho, John Cage “começou seu estudo
na inserção de clipes de papel, parafusos, borrachas e outros objetos, obtendo todos os
tipos de sons, e levando a transformar o piano em um conjunto de percussão31”
(CHANTO, 2007, p. 200).
A falta de espaço associado à proposta temática da encomenda contribuiu para o
pensamento composicional de John Cage, pois de acordo com Chanto, a partir daí, Cage
se envolveu cada vez mais com o instrumento, contando em seu catálogo com 28 obras
para piano preparado32(CHANTO, 2007, p. 200). O autor define piano preparado como
“um instrumento de sons silenciados. O volume e a grandiloquência que caracterizaram
o piano ao longo de seu desenvolvimento são diminuídos pela série de objetos
introduzidos como surdinas ao longo de seu registro. Desta forma, o piano se torna um
instrumento mais íntimo e sutil33” (CHANTO, 2007, p. 200). No Grove Dictionary of
29
Las ideas precursoras para el piano preparado vienen del compositor estadounidense Henry Cowell,
músico de suma importancia para el desarrollo de la música del siglo XX [...] (CHANTO, 2007, p.199).
30
[...] era muy pequeño para trabajar con un ensamble de percusión, y lo único que había en el escenario
era un piano de cola. Pero Syvilla Fort pedía por un ambiente más “africano”, y fue ahí cuando Cage
introdujo una mano en las cuerdas del piano, presionándolas, y con la otra tocó varias notas, produciendo
un sonido apagado y percusivo. (CHANTO, 2007, p. 200).
31
[...] inició su estudio de introducir clips para papel, tornillos, borradores de goma, y otros objetos,
obteniendo toda clase de sonidos, y llevando a convertir el piano en un ensamble de percusión. (CHANTO,
2007, p. 200)
32
A partir de ahí, Cage se adentra e involucra cada vez más con el instrumento, contando en su catálogo
con 28 obras para piano preparado, [..] (CHANTO, 2007, p. 200).
33
“[...] un instrumento de sonidos apagados. El volumen y la grandilocuencia que han caracterizado al
piano a través de su desarrollo, se ven aminorados por la serie de objetos introducidos a modo de sordinas
58
Music, a definição para piano preparado descreve outras duas alterações não são citadas
por Chanto (2007): a alteração do timbre e a diminuição “individual” de resposta
dinâmica de cada nota. Na definição do Grove, é possível compreender os “efeitos” que
ocorrem por meio de alterações individuais de cada registro do piano, pois apresenta uma
observação mais “localizada” quanto a efeitos e objetos. Determinados objetos alteram o
timbre, outros abafam.
A preparação de um instrumento requer atenção quanto aos materiais utilizados.
No caso de John Cage, ele utilizou objetos como papéis, plásticos, correntes, borrachas,
parafusos, porcas, arruelas. Com isso, qualquer compositor, ao estruturar seu pensamento
composicional, deve, além de refletir sobre o som que tem como objetivo, também
analisar os objetos que serão utilizados em determinados instrumentos. No caso do piano,
as possibilidades parecem ser em maior número, pois sua estrutura favorece, de forma
que muitas dessas possibilidades não são possíveis em outro instrumento. As cordas do
piano de cauda estão dispostas na horizontal, uma ao lado da outra, o que facilita a
disposição de objetos, tornando viável colocar arruelas soltas sobre ou presas entre as
cordas triplas, assim como borrachas, parafusos e papéis também entre elas. A estrutura
desse instrumento permite uma analogia com uma mesa, dessa forma, os objetos são
dispostos sobre essa “mesa”.
Em relação à guitarra elétrica, por ser um instrumento de fácil manuseio, pode ser
disposta em qualquer posição: na horizontal, da mesma forma que uma guitarra havaiana,
uma mesa ou um piano, ou da forma tradicional, como o instrumento é tocado usualmente.
A guitarra é um instrumento que dificulta a utilização de objetos sobre as cordas, pois se
trata de um instrumento movimentado, se utilizado suspenso no corpo do músico, durante
a performance, e mesmo que seja fixado em algum suporte ou posicionado como uma
guitarra havaiana, o número de cordas é menor em relação ao número de cordas do piano.
Oferece uma “superfície” muito pequena para dispor objetos sobre as cordas. No entanto,
isso deve ser repensando quando utilizada uma guitarra com mais cordas que os modelos
tradicionais.
O autor Nunzio (2014) discute a preparação da guitarra elétrica por meio da
utilização de diversos objetos, tecendo comentários relacionados tanto à produção de
sonoridades quanto aos aspetos coreográficos/gestuais. Segundo Nunzio:
en todo su registro. De esta forma, el piano se convierte en un instrumento más íntimo y de mayor sutileza.”
(CHANTO, 2007, p. 200).
59
Figura 25 - Acumulação de detritos sobre uma das guitarras, em “Azuis” (2010). Fonte: Objetos e Preparações na
Música Brasileira de Concerto para Guitarra Elétrica Desde 2010 (NUNZIO, 2014, p.4).
Na figura 25, observa-se a imagem de uma das três guitarras da obra Azuis (2010),
do compositor Mário Del Nunzio (n.1983). Nessa obra, para três guitarras, duas fixas em
uma mesa e uma manuseada pelo intérprete, são utilizados objetos como panos, papel
alumínio, parafusos, palhetas, clipes de papel, lápis, arco eletrônico, ventiladores e
vibradores. Segundo Nunzio (2014), o acumulo de “detritos” ou objetos ocorre durante a
performance da peça e vão, gradualmente, transformando o instrumento, em relação às
respostas sonoras e à improvisação perante ele. Segundo o autor, “a improvisação é feita
sobre um instrumento com respostas radicalmente distintas dos habituais e, portanto,
torna-se instável e obrigatoriamente desautomatizada (à medida que a experiência prévia
no instrumento não oferece soluções à situação em questão)” (NUNZIO, 2014, p. 4). A
61
preparação, em relação a essa guitarra elétrica é referente à sua disposição fixa em uma
mesa e aos objetos de “modo móveis” que devem estar próximos ao instrumento. Já os
objetos do “modo fixo” são gradualmente inseridos e fixados na guitarra. Na mesma obra,
o compositor utiliza a expressão “toque automatizado” para descrever objetos que
acionam a guitarra sem a necessária intervenção do músico. Esses objetos são
ventiladores, arco eletrônico e vibradores.
Para esta dissertação consideramos qualquer forma de preparação prévia como um
item relativo ao conceito de Instrumento Preparado. A diversidade de objetos e a interação
entre eles é um processo experimental com infinitas possibilidades. As formas de
preparação apresentadas neste trabalho são relativas aos processos de experimentação do
autor desta pesquisa. Não se trata de objetos que nunca foram utilizados anteriormente,
mas sim de uma busca por determinadas sonoridades que resultaram em alguns pequenos
estudos. Os objetos selecionados são correntes pequenas, fechos de correntes e palheta.
Utilizar objetos para alterar a afinação de um instrumento é um recurso para obter
determinadas sonoridades que não são possíveis de atingir por meio da afinação padrão
de qualquer instrumento. Essa alteração pode ser realizada previamente ou durante a
execução da peça. A alteração de afinação sem a utilização de objetos, somente na
regulagem da tensão das cordas, é a Scordatura, e a consideramos como um item relativo
à preparação do instrumento, pois requer realização prévia. Algumas guitarras necessitam
de regulagens mais complexas, como os instrumentos com ponte móvel.
Figura 26 - Exemplo disposição da corrente, (a) total e (b) parcial. Fonte: o autor.
Na figura 26, podem ser observados dois exemplos, (a) e (b). É possível observar
que o fecho da corrente está preso a uma corda, evitando que deslize e venha a cair com
a vibração, durante uma performance. No exemplo (a), a corrente está presa à corda mais
aguda da guitarra e é trançada nas cordas seguintes, até retornar novamente à corda mais
aguda. Já no exemplo (b), a corrente é presa à corda da nota Sol, em afinação tradicional,
trançada a partir dessa corda até a corda mais grave e disposta para trás do braço da
guitarra. A sonoridade obtida pela utilização de correntes nas cordas é similar ao som de
esteira de caixa de percussão, fazendo com que a técnica tenha um resultado sonoro
semelhante a um tambor34, quando utilizada no violão, consistindo em “cruzar” os
bordões. A vantagem da utilização de correntes é permitir trabalhar de forma a reduzir ou
não a frequência de uma nota. Quanto mais firme, esticada e com mais contato na
superfície das cordas, mais abafado será o som. Da mesma forma, se a corrente estiver
mais frouxa, o efeito de esteira junto com a frequência são equilibrados. Pouco contato,
como no exemplo (b), produz um efeito com mais ênfase nas frequências.
Outra vantagem de sua utilização é referente à região em que a corrente é
colocada, tornando possível delimitar uma área do braço da guitarra para determinados
efeitos. Se a corrente for disposta conforme a figura 26ª, na quinta casa, todas as
frequências relativas, da primeira até a quinta casa, irão produzir o som característico
descrito anteriormente, e, consequentemente, a sonoridade posterior a essa disposição é
relativa ao som original do instrumento. Na figura 26b, porém, o efeito de esteira ocorre
somente nas quatro cordas mais graves, pois as duas cordas mais agudas estão livres da
34
“Américo Jacomino (Canhoto, 1889–1928) – Marcha Triunfal Brasileira. Nesta obra devem ser cruzadas
as duas cordas mais graves e tocar com o indicador e médio da mão direita, resultando um timbre alusivo
a caixa-clara, [...] produzindo um som repicado, característico das marchas militares.” (ROMÃO, 2012, p.
1300)
63
Aqui são utilizados somente os fechos de correntes. Esses objetos avulsos não
devem ser muito pequenos, pois inviabilizam a utilização por dois motivos. O primeiro é
em relação ao sistema de abertura, pelo qual, se for muito pequeno, a espessura da corda
não irá passar pela entrada do objeto. O segundo motivo se deve à instabilidade, o
pequeno objeto acaba percorrendo livremente a extensão da corda. O objeto de tamanho
grande gera problemas na utilização em cordas vizinhas, na mesma casa, pois entram em
64
contato uns com os outros e, com a vibração da corda, podem ser deslocados para a casa
seguinte. O mais indicado é utilizar tamanho médio, pois não entram em contato e não
deslizam com tanta facilidade. É relevante considerar uma regulagem na qual as cordas
fiquem rentes ao braço. A figura 28 mostra a disposição dos fechos no braço da guitarra,
na 13ª e na 14ª casas, sendo, na afinação tradicional, as notas Fá, Dó# e Sol#.
2.3.3 - Palheta
35
Extraído de: <https://www.instagram.com/p/CD3mMELgDFs/>. Acesso em: 01 de outubro de 2020.
66
Na figura 30, é possível observar a disposição da palheta entre as três cordas mais
graves do instrumento. Uma palheta convencional pode alcançar até quatro cordas, porém
ocorre maior estabilidade na produção do “efeito”, se fixada em três cordas somente, pois
a vibração resultante da articulação das cordas desloca a palheta, fazendo-a perder o
contato com alguma das cordas que ficam nas extremidades do objeto. Para a utilização
da palheta, devem ser levados em consideração a espessura, o ângulo do braço do
instrumento e o ângulo da disposição do objeto. Se colocada levemente inclinada, a
palheta proporciona um ângulo mais aberto, diferente do ângulo mostrado na figura 30.
Para a utilização desse recurso, deve-se levar em consideração que a palheta pode ser
colocada em quaisquer cordas, mas sempre em grupos de no mínimo três cordas vizinhas.
O efeito resultante é uma mistura de sons percussivos com alturas definidas, que
varia de acordo com a região do braço do instrumento onde ela é colocada. Se utilizada
em regiões como a terceira, quinta, sétima e décima segunda casas, por exemplo, as
frequências/alturas ficam mais evidentes que os sons percussivos, e o oposto ocorre em
regiões que não produzem harmônicos. Outro efeito observado no vídeo de Steven
Mackey (n.1956), é um glissando, obtido movimentando a palheta da quinta para a
terceira casa e vice versa.
2.3.4 - Scordatura
67
36
New tunings inspire new musical thoughts. Alternate tunings let you play voicings and slide between
chord forms that would normally be impossible. They give access to nonstandard open strings. Playing
familiar fingerings on na unfamiliar fretboard is exciting - you never know exactly what to expect. And
working out familiar riffs on an unfamiliar fretboard often suggests new sound patterns and variations.
(SETHARES, 2010, p. 01).
68
37
“[...] makes it easy to play unusual chordal combinations and interesting tonal clusters by utilizing
"drone" and "sustained" strings”. (SETHARES, 2010, p.2)
38
The strength of the tuning lies in its natural keys, E and A, and in the trance like effect of the two E
strings tuned to the same note. Unless you restring the guitar, the second string is very loose, which gives
the tuning a "sitar" like quality. (SETHARES, 2010, p.36).
70
Figura 31 - Exemplos de afinação baseada no charango: Alternate Tuning Guide (SETHARES, 2010, p. 38).
39
“Perhaps the most striking aspect of the tuning is that the strings do not ascend uniformly from low to
high” (SETHARES, 2010, p.38).
71
Figura 32 - Exemplos de afinação regular: (a) em quintas, (b) quartas aumentadas, (c) terças maiores e (d) terças
menores. Fonte: Alternate Tuning Guide (SETHARES, 2010, p. 54, 56, 60 e 62).
Figura 33 - Exemplo de afinação microtonal, extraído das notas de programa. Fonte: Loo(p)cy (2018).
Outra forma de scordatura é a que tem como base a série harmônica, tendo como
referência os parciais harmônicos para estruturação da afinação.
De acordo com Menezes (2009), a audição dos sons por autofalantes promoveria
uma escuta mais atenta, pois, sem visualizar a origem da produção sonora apoiada no
gesto musical, o ouvinte estaria mais atento “à percepção da própria constituição dos sons
(tipologia sonora) e do comportamento do som no tempo (morfologia dos aspectos)”
(MENEZES, 2009, p. 347). Conforme o autor, essa “condição” de escuta foi chamada por
Pierre Schaeffer (1919-1995) de acusmática, referindo-se à expressão utilizada pelo
filósofo grego Pitágoras (570-495 a.C.) “para designar o estado de concentração de seus
discípulos que, ouvindo o mestre através de uma cortina ou pilar, não dispersavam sua
75
atenção pela intervenção do olhar. Buscando a essência da escuta e das texturas sonoras”
(MENEZES, 2009 p. 347-348). Assim, Pierre Schaffer “faz igualmente menção a um
estado de escuta essencialmente fenomenológico e denomina a postura acusmática como
propícia a uma escuta reduzida, focada totalmente no objeto sonoro” (MENEZES, 2009,
p. 348). Esse contexto é referente à primeira vertente da Música Eletroacústica, ou seja,
a Música Concreta desenvolvida por Pierre Schaeffer.
Em relação à Música Eletrônica, segunda vertente da Música Eletroacústica,
Menezes comenta:
Em 1948, experimentos na Alemanha liderados por Herbert Eimert e pelo
foneticista e teórico da comunicação Werner Meyer-Eppler deram início à
música eletrônica. Em oposição à concreta, a música eletrônica centrava
questão exclusivamente na geração de sons a partir dos próprios aparelhos
eletrônicos, sem fazer uso de sons “concretos” captados via microfone. Em
1951, Eimert fundava junto à rádio NWDR de Colônia o primeiro Estúdio de
Música Eletrônica, o qual contou, a partir de 1953, com a participação de Henri
Pousseur, Karel Goeyvaerts, Gottfried Michael Koening e sobretudo de
Karlheinz Stockhausen [...]. Stockhausen trouxe consigo para dentro do
estúdio eletrônico o conceito de música serial, realizando a primeira peça da
música eletroacústica que que faz uso exclusivo do átomo de todos os sons
existentes, possível de ser gerado apenas em laboratório: o som senoidal.
Sobrepondo sons senoidais, dava-se início ao que chamamos de síntese sonora
(mais precisamente, na forma da síntese aditiva) (MENEZES, 2009, p. 348).
vivo, pois a presença humana se dava somente para apertar o botão do aparelho para a
fita magnética. Conforme o autor:
Em meados dos anos 50, reconhecendo que a novidade de tocar uma fita para
uma platéia ao vivo tinha um apelo limitado, compositores empreendedores
como Varèse, Luening e Ussachevsky consideraram maneiras de trazer o
elemento humano à performance da música eletrônica. Sua primeira solução
foi escrever música instrumental com acompanhamento de fita. A "ópera
concreta" Voile d'Orphée (1953), de Schaeffer e Henry, e Deserts (1954) de
Varèse, ambos são obras-primas desse idioma. No entanto, mesmo essas peças
notáveis eram exceções à regra; artistas ao vivo e acompanhamento pré-
gravado geralmente resultam em uma performance restrita, se não totalmente
previsível40 (HOLMES, 2002, p. 118).
40
By the mid-’50s, recognizing that the novelty of playing a tape to a live audience had limited appeal,
enterprising composers including Varèse, Luening, and Ussachevsky considered ways of bringing the
human element into a performance of electronic music. Their first solution was to write instrumental music
with tape accompaniment. The “concrète opera” Voile d’Orphée (1953) by Schaeffer and Henry, and
Varèse’s Deserts (1954) both rank as masterworks of this idiom. Yet even these remarkable pieces were
exceptions to the rule; live performers plus prerecorded accompaniment usually resulted in a restrained, if
not utterly predictable, performance. (HOLMES, 2002, p. 118).
41
This “led directly to works such as Cartridge Music (1960), in which phono cartridges were plugged with
different styli and scraped against objects to magnify their sounds.” (HOLMES, 2002, p.119)
77
Com exceção das máquinas de fita, mantidas ligadas de forma contínua, todos os
demais objetos e meios para produzir sons podem ser considerados como live eletronics,
pois necessitam de manipulação performática em tempo real para criar ou manipular o
som. A performance, a manipulação ao vivo, é a principal característica dos live
electronics, difundida após o advento do computador, abordado como referência no
contexto da transformação em tempo real de sons.
Todos os processos paralelos, como o desenvolvimento tecnológico, que permitiu
o surgimento da música concreta e eletrônica e, consequentemente, a “fusão” destas em
música eletroacústica, assim como a música experimental de John Cage contribuíram para
o surgimento do conceito de live electronics. Foi necessária uma tecnologia que
viabilizasse a gravação de sons concretos, realizados por Pierre Schaffer, para que fosse
possível pensar na possibilidade de “criação” de sons em estúdio. O feito de Karlheinz
Stockhausen e a performance experimental elaborada por John Cage possibilitaram a
criação, a transformação e a performance, esses pontos tão caros ao conceito de live
electronics.
Por meio de Martins (2015), é possível compreender a abordagem de live
electronics quando comenta sobre as possibilidades sonoras inéditas, que transformam a
guitarra em um objeto gerador de sons imprevistos, que não fazem parte das tradicionais
sonoridades do instrumento. Conforme a ideia de Martins (2105), pode-se compreender
42
Some of the sounds were triggered by movements of the dancers on stage; others were controlled and
mixed by the musicians. Audio sources included continuously operating tape machines (at least six) playing
sounds composed by Cage, Tudor, and Mumma; shortwave receivers (at least six); audio oscillators;
electronically generated sounds triggered by proximity-sensing antennae (similar in principal to the
Theremin); light beams aimed at photocells that could be interrupted to generate sounds; contact
microphones attached to objects on stage (e.g., chairs and a table) that could be used by the dancers; and
other homebrewed electronic sound generators that were manually adjusted as needed. (HOLMES, 2002,
p.120).
78
que os caminhos obtidos por essas possibilidades sonoras ou “jogos”, como define o
autor, transformam a guitarra em um tipo de máquina de sons. O autor parte de
opção interessante para quem busca desenvolver sons sintetizados. O sintetizador modelo
GR-5543, da empresa Roland, que necessita de um captador MIDI, próprio da empresa,
faz a captação da vibração das cordas e transmite as informações para o GR-55,
possibilitando utilizar sons de quaisquer outros instrumentos e, inclusive, mesclando sons
em uma mesma corda ou definindo sonoridades diferentes para cada corda da guitarra.
Por se tratar de um sintetizador, a possibilidade de tipos de sonoridades é infinita. Outro
recurso interessante é que por meio de regulagens do sintetizador é viável “alterar” a
afinação independente das cordas, através da alteração dos valores MIDI de cada “polo”
do captador. Assim como os efeitos de pedais compactos e pedaleiras, esse sintetizador
transforma o sinal básico e monofônico da guitarra elétrica, comentado por Martins
(2015).
Os efeitos discutidos nesta dissertação são facilmente encontrados em pedais e
pedaleiras. Discutir sobre a “qualidade” de um efeito é uma questão relativa, pois o que
não funciona para um compositor ou guitarrista pode muito bem funcionar para outros.
Não serão discutidos, nem indicados marcas e/ou modelos, pois resultaria provavelmente
em algo desnecessário pelo fato da existência de diversos modelos de pedais de mesmo
efeito, muitas vezes dentro da mesma marca, além de tratar-se de um mercado em
constante surgimento de novos modelos. O interesse é expor a funcionalidade básica de
cada efeito, a fim de trazer esclarecimento, servindo de suporte para compositores,
intérpretes e, principalmente, para o compositor que não é guitarrista. Assim, elucida-se
que a utilização desse tipo de efeito é uma forma de live eletronics, produzida em objetos
destinados especificamente para os guitarristas, ou seja: pedais, pedaleiras e
sintetizadores.
Conforme o artigo Electric Guitar Effects44, a divisão dos tipos de efeito é feita
em duas categorias: 1) Remodelagem de sinal, referente a efeitos como distorções,
overdrive, compressor, ring modulation e pitch shifting e 2) aumento de sinal, relativo
aos efeitos flanger, phase, chorus, delay, echo e reverb. Outro autor que comenta sobre a
utilização dos pedais é Laganella (2003), ele apresenta os pedais de efeitos que considera
os mais usados por guitarristas. Sua lista de pedais de efeito apresenta uma quantidade
43
Sintetizador GR-55 Roland <https://www.roland.com/br/products/gr-55/ >. Acesso em 07 de outubro de
2020.
44
Electric Guitar Effects. Disponível em:
<http://hyperphysics.phy-astr.gsu.edu/hbase/Music/eguiteff.html#c1>. Acesso em 08 de novembro de
2020.
80
menor de efeitos, porém contém o efeito wah-wha, não incluso na lista de Electric Guitar
Effects. Laganella (2003) inclui o pedal de volume como efeito. Nesta dissertação, o pedal
de volume/expressão não é considerado de efeito, mas sim uma forma de alterar o som,
pois dependendo do local onde é disposto na ordenação, o resultado sonoro pode ser
diferente. Não será discutido o pedal de efeito compressor, pois este tem como principais
características a compressão do sinal e possibilita um prolongamento na sustentação das
notas articuladas. Os pedais de efeito escolhidos para discussão nesta pesquisa são:
distorção, overdrive, pedal de volume/expressão, delay, phaser, flanger, chorus, reverb,
pitch shifting/harmony e wah-wah. Foram escolhidos esses efeitos por serem os mais
utilizados por guitarristas.
45
“The amount ofthe distortion in the guitar’s output will remain the same despite the volume of the
amplifier. In other words, it is possible to recreate the distorted sound of a loud tube amplifier at a low
volume” (LAGANELLA, 2003, p. 37).
81
enquanto toca-se o instrumento, daí a função expressão. A função volume não controla
somente o volume.
2.4.2 - Delay
Laganella (2003) o delay “é um efeito que reproduz o sinal da guitarra depois que soa,
como um eco”46 (LAGANELLA, 2003, p. 39). Ainda segundo Laganella (2003), existem
controles padrões nesses pedais, indiferente da marca e do modelo, permitindo regular
parâmetros como: a quantidade de tempo do eco que varia em média entre 10 e 2000
milissegundos; a porção de repetição; a dinâmica do atraso após início; e a mixagem entre
efeito e sinal original do instrumento. Alguns pedais de delay apresentam várias opções,
e alguns podem ter o mesmo efeito, porém altera o nome comercial.
Segundo Laganella, o delay deve ser indicado na partitura, com todas as
informações necessárias, incluindo o momento de acionar e desativar o efeito. A
utilização do efeito de delay sugere uma situação mais abstrata, pois é perceptível
somente durante a apreciação de qualquer performance ou áudio de uma obra e deve-se
levar em consideração o andamento da música para evitar sobreposições da “cauda” do
efeito com novas notas articuladas, da mesma forma, se o interesse for justamente
sobrepor determinadas notas.
Os dois delays mais conhecidos são os digitais e os analógicos, diferindo na
“qualidade” da cauda do efeito. Os digitais mantêm as características da nota e, conforme
o efeito, vão silenciando, as repetições permanecem idênticas. Nos analógicos, é possível
reproduzir as mesmas durações e repetições que no digital, mas o que difere é que ocorre
um processo de deterioração em cada repetição. Outros dois tipos de delay conhecidos
são o reverse, onde o efeito consiste em repetir a inversão do envelope do áudio, e ping
pong, para utilizar em sistema estéreo, pois as repetições alternam-se entre os canais.
46
“[…] is an effect that replays the guitar signal after it has sounded, like an echo” (LAGANELLA, 2003,
p. 39).
84
frases e até seções. No exemplo da figura 37, o primeiro delay é o digital, o segundo é o
analógico e, após, o reverse e o ping pong. A proposta do exemplo é criar um
desenvolvimento com base nas características de cada tipo de delay. Logo, qualquer
situação musical inicia no delay digital, que reproduz as características originais; após,
ocorre a troca para o delay analógico, onde ocorre certa “deterioração” nas repetições. O
próximo delay inverte o envelope sonoro, e o delay ping pong faz a “divisão” espacial do
efeito. Um processo no qual as repetições, originalmente idênticas, são deterioradas ao
ponto de serem invertidas e, finalmente, “divididas”. Uma forma de transformação do
sinal mono da guitarra e do efeito em um sinal estéreo, diretamente guiado à
espacialização sonora. Os dois últimos delays poderiam ser invertidos na sequência,
crindo um processo diferente, onde, primeiramente, ocorreria a divisão e, posteriormente,
a transformação em algo novo, nesse caso o efeito reverso.
Outros efeitos gerados a partir do mesmo procedimento do delay são os phaser,
flanger e chorus. Segundo Iazzetta, o atraso referente às frequências sonoras é a fundação
desses efeitos, e a diferença entre eles é relativa ao tempo de delay. Os filtros atenuam e
reforçam determinadas frequências, como no caso dos efeitos phaser e flanger, diferentes,
pois neste último os reforços e atenuações são regulares e no anterior varia de acordo com
a ordenação dos filtros, junto a atrasos, modulados de forma regular ou randômica. Esses
dois efeitos são comumente confundidos, e alguns pedais chegam a sonoridades muito
próximas, de um efeito em relação ao outro. Geralmente, o phaser é associado a
sonoridades mais graves em oposição ao flanger, também descrito como uma sonoridade
“circular” ou “rodopiante”. Nesta dissertação, optamos pela expressão “pulsante”, pois se
o efeito de flager for aplicado em somente uma frequência, emitida somente por um alto-
falante, o sinal continua sendo mono, não gerando a sensação de espacialidade ou o uso
de um motivo musical que dê a sensação de temporalidade circular. Logo, um efeito
mono, uníssono e localizado em um ponto fixo, que gera a sensação de um pulso que
dilata e contrai. Já no efeito de chorus, Iazzetta [s.d] comenta que ocorre a atuação de
pequenas variações de afinação, produzindo um efeito de dobra, produzindo um caráter
artificial ao som. O resultado do efeito é como se fosse um “coral de guitarras” em
uníssono.
85
2.4.3 - Reverb
47
Fernando Iazzetta. Tutoriais de Áudio e Acústica. Disponível em:
<http://www2.eca.usp.br/prof/iazzetta/tutor/index.html>. Acesso em 09/11/2020.
48
Faixa título do álbum lançado no dia dois de novembro de 2019 na Associação Sagres em
Florianópolis/SC
49
Flauta de bambu japonesa da tradição Zen budista.
86
intervalos mais comuns nos pedais de efeito pitch shifting/harmony costumam ser de
oitava, quinta, quarta e terças maiores e menores, seja por transposição ascendente ou
descendente. Dependendo do modelo de pedal, é possível somar mais de uma frequência
à original, combinando duas oitavas, duas quintas ou uma quinta e uma terça. Outros
pedais possibilitam a transposição tonal e devem ser ajustados conforme a tonalidade a
ser tocada. Trata-se de uma forma de agregar frequências ao som original, que irão soar
como blocos de notas sempre em movimento paralelo.
2.4.5 - Wah-wah
Segundo Laganella (2003), o efeito de wah-wah contém um filtro que faz oscilar
o timbre da guitarra entre agudo e grave, conforme a movimentação realizada por um dos
pés no pedal, essa oscilação pode ser rápida o lenta. O sistema mecânico é igual ao pedal
de volume e expressão. Na obra do compositor Fausto Romitelli, Trash TV Trance (2002),
é possível observar a utilização desse efeito e podem-se destacar duas abordagens.
Figura 38 - Trecho Trash TV Trance (2002). (a) compasso 55, (b) comp. 42 e 43.
3- Composições
50
“[...] los signos musicales (convenciones gráficas para representar el sonido) trataron de simbolizar la
música mediante pentagramas, claves, notas, figuras, silencios, compases indicaciones metronómicas,
dinâmicas y agógicas” (PERGAMO, 1973, p 13).
51
“[...] nivelando las funciones de los doces grados de la escala temperada cromática” 51” (PERGAMO,
1973, p.16).
52
“A partir de se momento los artistas tratarán de inspirarse em fábricas, arsenales, puentes, usinas, garajes,
bracos, trenes, aeroplanos y automíviles. Querían el caos para volver a crear luego, de la nada, um mundo
nuevo y mejor. Esta estética com suma rapidez a todos los países (PERGAMO, 1973, p. 31).
90
As inspirações dos artistas podem ser compreendidas como uma reação natural ao
desenvolvimento tecnológico de início do século XX. Uma reação que provavelmente é
reflexo de uma escuta atenta ou nova onde os novos sons e ruídos produzidos nas fábricas
ou automóveis passaram a fazer parte da realidade da sociedade. Da mesma forma, busco
trazer uma reflexão sobre as diversas potencialidades da guitarra em relação a sua
produção sonora. Uma comparação distante no aspecto temporal, mas contemporânea no
sentido de que os meios atuais podem oferecer mais do que tradicionalmente se espera de
uma guitarra nos dias atuais.
A utilização de notação não convencional com desenhos gráficos, reforçados com
textos descritivos, para explicar o efeito que deve ser realizado, junto à mensuração por
minutos e segundos, foi a forma definida para registro das peças desta dissertação.
Conforme Pergamo (1973), a notação musical possui características que buscam
comunicar a intenção expressiva do compositor. Neste conjunto de peças, a notação
tradicional não supre minhas necessidades de elaboração do registro gráfico das peças,
pois em trechos como, por exemplo, o início da peça Mutação II (2020), a produção de
ruído com a esponja de louças não é possível de ser expressa por meio de símbolos
tradicionais, fazendo-se necessária a utilização de desenhos gráficos com o auxílio de
texto para expressar o efeito desejado, ou o mais próximo possível.
3.1 - Máquinas
53
DAW é a abreviação de Digital Audio Workstation. São programas para computador que podem ser
entendidos como uma estação ou ambiente para trabalhar com áudio digital. Existem diversos programas
como: Ableton Live, Audacity, Logic Pro, Pro Tools, Steinberg Cubase, Steinberg Nuendo entre outros. O
DAW utilizado nessa composição e nas demais, com interação de áudio, foi o programa Reaper.
92
observados em nenhum outro trecho que não continha a utilização da máquina aparadora.
Já o tratamento e o desenvolvimento da peça em programa DAW consistiram na
manipulação das gravações por meio de recortes, colagens, transposições, inversões e
aplicação de efeitos delay e reverb para gerar novos materiais que constituíram a peça por
completo.
A referência na peça Máquinas (2019), em relação à música concreta, é feita por
meio da forma de manipulação dos materiais e do processo de gravação. No processo de
gravação, não foi utilizado um aparelho de gravador de fita, como era realizado no
advento da música concreta, mas através de programa DAW. Segundo Menezes (2009),
a música concreta, inventada por Pierre Schaeffer (1910-1995), foi a primeira forma de
música eletroacústica e, conforme Brindle (1987), foi chamada de concreta “para indicar
que a música era composta de sons realmente existentes e não de tons eletrônicos. O
material sonoro vem da vida real (na verdade, geralmente é cuidadosamente gravado em
estúdio) e não é artificial ou sinteticamente criado por meios eletrônicos”54 (BRINDLE,
1987, p. 99-100).
Logo, compreendo que a composição Máquinas (2019) é uma música
eletroacústica acusmática, criada por meio de gravações e procedimentos relativos à
música concreta, mesmo que a gravação e os demais procedimentos tenham sido feitos
através de programa DAW, um recurso dos dias atuais. Os materiais produzidos na
guitarra elétrica pertencem à “vida real” e foram gravados em estúdio e mesmo que
tenham “sofrido” manipulações eletrônicas com a aplicação de efeitos de delay e reverb,
no processo da composição foram realizados os procedimentos descritos por Brindle
(1987) como característicos da música concreta: mudança de andamento, inversão, corte
e edição, loops, sobreposição de sons, gravação de várias faixas e reverberação, que
contempla os efeitos de reverb e delay (eco). Todos os procedimentos realizados em
Máquinas (2019) são realizados aleatoriamente, não representando nenhum padrão para
transposições de alturas ou sobreposições, por exemplo.
54
“[...] to indicate that the music was made up of really existing sounds and not of electronic tones. The
sound material comes from real life (it is, in fact, usually carefully studio- recorded) and is not artificially
or synthetically created by electronic means” (BRINDLE, 1987, p. 99-100).
93
Figura 39 - Gráfico das divisões e subdivisões da série de Fibonacci na peça Máquinas (2019). Fonte: O autor.
55
The length of each phrase cycle in the other movements is ruled by the golden ratio phi, , as expressed
by Fibonacci numbers. The Fibonacci sequence, which is fixed in the numbers 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55,
etc, (IRLANDINI, 2018. p. 63).
94
A peça Eu Sou Você foi composta a partir da ideia de considerar a sétima casa do
braço da guitarra como uma espécie de eixo ou divisão para a formação dos acordes, ou
seja, trata-se de um princípio de simetria intervalar e da tessitura do instrumento.
Considerei a sétima casa como eixo pelo motivo desta, quando pressionada a corda,
resultar em uma oitava acima em relação à corda superior a esta, por exemplo: pressionar
a sétima casa na quinta corda, se obterá uma oitava acima da frequência na sexta corda
solta. A mesma distância de oitava também pode ser encontrada na segunda casa da quarta
corda, em relação à sexta corda. Como a proposta é “dividir” o braço em duas partes, a
relação de oitava obtida na sétima casa é uma divisão equilibrada, na questão de números
95
da casa para “cada lado” do eixo ou sétima casa, se considerada somente uma oitava ou
12 casas.
Na figura 40, é exposto o manuscrito da estrutura inicial da elaboração da referida
peça. A duração total de sete minutos é subdividida em sete partes de um minuto, os quais
são subdivididos em parte menores. Os primeiros três minutos são subdivididos em seis
partes de trinta segundos. Nos primeiros trinta segundos contém somente as frequências
Sol na quinta corda solta, sua oitava na sétima casa na quarta corda junto com Sol# e Fá#,
também na quarta corda. Essas duas últimas notas estão localizadas em lados opostos ao
“eixo” em Sol, pois Sol# está na oitava casa e Fá# na sexta casa, ambos na quarta corda.
Logo, tocar o Sol na quinta corda solta e o Fá# na quarta corda, sexta casa, é o “espelho”
de Sol e Sol# nas mesmas cordas e casas, respectivamente. No decorrer dessas
subdivisões, outras frequências são acrescentadas, formando novos espelhamentos.
Figura 41 - Exemplo do espelhamento de acordes na peça Eu Sou Você (2020). Fonte: O autor.
Na figura 41, é possível observar quatro acordes, dos quais dois são a mesma
coleção de notas, onde o espelhamento resultou somente na mudança de oitava da nota
Fá#. Os acordes indicados como 3° e 4° foram elaborados dando ênfase em intervalos de
segunda menor e, a partir deles, foram obtidos os “espelhos”, que são os acordes 1° e 2°,
respectivamente. Os dois acordes elaborados nas seis primeiras casas são espelhados nas
casas posteriores à sétima. As frequências “fixas” que não alteram em nenhum dos
acordes são relativas à quinta e à primeira corda, ambas soltas, que são as notas Sol e Mib
97
do 3° acorde, nesse último deve-se considerar a enarmonia Ré# nos demais acordes. A
tablatura dos acordes 3° e 1° indicam a posição dos dedos no braço da guitarra, e o sentido
de espelho pode ser observado se considerada a sétima casa como eixo, a casa 6 torna-se
8, a casa 3 torna-se 11 e a casa 4 passa para a casa 10. A mesma relação é realizada entre
os acordes 2° e 4°.
A preparação do instrumento na peça é a utilização da scordatura, um tom abaixo
da afinação padrão e todas as cordas são afinadas em quartas justas, o que resulta, das
mais graves para as mais agudas, em: Ré, Sol, Dó, Fá, Sib e Mib. As técnicas estendidas
são realizadas por meio da utilização do arco eletrônico ao término da peça e a percussão
com palheta nas cordas. Já o conceito de live electronics é aplicado por meio da utilização
do efeito delay no modo reverso, que produz a repetição inversa, uma forma de reflexo
que desfragmenta conforme a repetição do efeito.
3.3 - Mutação
3.4 - Mutação II
electronics são: uma esponja de louças e dois pedais de efeito delay. Também é necessário
um pedal de volume, porém ele é utilizado somente para controle de dinâmica. É uma
peça com duração total de cinco minutos, de um único movimento, e a série de Fibonacci
é utilizada para mensurar, em segundos, os eventos, sejam ruídos, alturas ou ritmos. O
ponto de partida para elaboração dessa peça é a nota Mi, única a atingir os registros agudo,
médio e grave, que junto com as notas Mib e Fá formam um cluster. Estas últimas
atingem somente os registros agudo e médio.
Na figura 43, é exposto o projeto inicial da peça Mutação II. A duração total é
subdividida em cinco partes iguais de um minuto, e cada uma delas é, por sua vez,
subdividida em 20 e 40 segundos, conforme a proporção da série de Fibonacci, ou seja,
se considerarmos a série 0, 1, 1, 2, 3, ..., os dois primeiros e o último, restam somente os
números 1 e 2. Logo 2 é o dobro de 1, da mesma forma que 40 segundos é o dobro de 20.
Esses segundos são subdivididos e, na proporção de Fibonacci, resultam nas durações de
8, 5, 3, 2, 1, 1 segundos para o total de 20; e 16, 10, 6, 4, 2, 2 segundos para o total de 40.
No decorrer da peça, essas durações são utilizadas em ordem decrescente dos valores ou
através de permutações, para obter maior variedade rítmica, mantendo os valores da série.
Já em outras situações ocorre a soma entre alguns valores, mas de forma a manter a
duração total, seja 20 ou 40 segundos, exceto em uma única situação que ocorre no
segundo minuto da peça. Nesse minuto, a subdivisão para a guitarra 1 é de 20” + 40” e
100
3.5 - Móbil
101
A peça Móbil (2020) foi composta para uma guitarra elétrica e áudio pré-gravado.
A concepção inicial foi a de criar um processo gradativo no qual um acorde qualquer
fosse sendo formado a partir de uma nota e, próximo ao término, o acorde é formado por
completo, após o acréscimo paulatino das notas que o constituem. Concluído o processo
de formação do acorde, um novo processo “deveria” ser formado, por isso considero a
peça Móbil (2020) inacabada, pois, na versão apresentada nesta dissertação, contém
somente a formação gradativa de um acorde. Trata-se de uma peça à qual pretendo dar
continuidade, na formação de outros acordes, a partir do acorde final desta versão. O que
também explica sua característica inconclusiva é ser, também, a última peça apresentada
tanto na dissertação quanto na sequência das composições no vídeo disponível na
plataforma digital youtube.
Nesta versão, o processo de formação do acorde é realizado no áudio em tempo
diferido, consistindo na formação do acorde Lá menor/maior que contém as terças menor
e maior, relativas a Lá, ou seja, Dó natural e sustenido, respectivamente.
Figura 44 - Processo de formação do acorde no áudio pré-gravado da peça Móbil (2020). Fonte: O autor.
Na figura 45, a pauta inferior do manuscrito é relativa aos dois minutos do áudio
pré-gravado, contendo, na pauta superior, os materiais que devem ser tocados com a
guitarra elétrica. As subdivisões são feitas em grupos de vinte e quarenta segundos, esses
últimos subdivididos em durações de 16, 10, 6, 4, 2 e 2 segundos, conforme proporção da
série de Fibonacci. Em outras situações, os três últimos números da série são somados,
ou seja, 4 + 2 + 2 = 8, resultando em durações de 16, 10, 6 e 8 segundos.
Todos os sons produzidos na guitarra elétrica são gerados com a utilização do arco
eletrônico. Na figura 45, pode-se observar a alternância entre dois materiais: 1) a nota Lá,
nas durações de 16, 6 e 2 segundos, na qual, junto com a vibração produzida através do
arco eletrônico, o performer deve percuti-lo suavemente nas cordas, sem que a vibração
seja cancelada, da mesma forma como é percutida a corda do berimbau com uma pedra.
Nessa peça o arco eletrônico é utilizado tanto para gerar a vibração, quanto para percutir
a corda. 2) o glissando, nas durações de 10, 4 e 2 segundos, deve ser produzido com o
auxílio de algum slide, seja de metal ou vidro, enquanto o arco eletrônico vibra a corda.
O glissando oscila entre um quarto de tom abaixo e acima da nota Lá, uma oitava
ascendente em relação ao Lá percutido. Nesse trecho da peça, o processo de intensificação
ocorre através das durações dos materiais, gradativamente reduzidos, no parâmetro das
durações, resultando em um processo de aceleração, sucedido por glissandos, com
intervalo médio de terça maior e durações de quatro segundos, aproximadamente, em um
total de vinte segundos. O processo é sucedido por uma espécie de “saturação”, pois, ao
passo que o glissando é produzido ao redor das terças menor e maior, ele deve ser
percutido. Posteriormente, a percussão é omitida, e o glissando deve ser produzido
rapidamente, direcionando a um glissando lento, oitava abaixo. Então, o acorde é formado
por completo.
103
4- Considerações finais
Referências
BANKS, Zane Mackie. The Electric Guitar in Contemporary Art Music. 2013. 418
f. Tese (Doutorado) - Curso de Sydney Conservatorium Of Music, Sydney University,
Sydney, 2013.
BOULEZ, Pierre. Encontro com Pierre Boulez [ 23 out. 1996]. Entrevistador: Décio
Pignatari; Haroldo de Campos; Luís Antônio Giron; Marcos Branda Lacerda. Usp-ECA,
1996.
BRINDLE, Reginald Smith. The New Music: the avant-garde since 1945. 2. ed. New
York: Oxford University Press, 1987.
CHANTO, Fernando Zuñiga. John Cage: Sonatas e Interlúdios para piano. Káñina
Revista Artes y Letras, Costa Rica, v. 1, n. XXXI, p. 199-214, 2007.
HOLMES, Thom. Eletronic and Experimental music. 2. ed. New York: Taylor &
Francis E-Library, 2002.
LAGANELLA, David. The composer's guide to the eletric guitar. Estados Unidos:
Mel Bay Publications, 2003.
MACKEY, Steven. Steven Mackey. 2020. Instagram: Steven Mackey. Disponível em:
https://www.instagram.com/p/CD3mMELgDFs. Acesso em: 01 out. 2020.
ROMITELLI, Fausto. Trash TV Trance. 2002. Copyright © 2012 by Casa Ricordi Srl.
All Rights Reserved. International Copyright Secured. Reproduced by kind permission
of Hal Leonard Europe Srl obo Casa Ricordi Srl.
Afinação: 1ª = Eb
2ª = Bb
3ª = F p mf f
4ª = C T
5ª = G A
6ª = D B
Predominância de
harmonia de díades *
1:30
= 40 aprox.
15" 15"
mf p
Configuração delay:
Time: 4h 2:00
Mix: 12h Ligar Delay Reverse: al fine
Repeat: 10 h
= 60 aprox.
15" 15"
f mf
2
3:00
Tremolo picking:
Ordinário
Sempre e somente
nas quatro notas mais = 80
agudas desta caixa aprox.
30" 30"
f ff fff
3:20
( fff ) mf fff mf
Arpejar as notas do acorde aleatoriamente
Andamento lento
3:40
15" 5"
fff mf fff mf
4:00
4:40
Agressivo
Tocar melodias repetitivas sempre começando a partir da primeira nota. A sequência indicada deve ter maior
predominância. Começar com melodias curtas e as demais notas são adicionadas gradualmente. No final
= 120 do trecho a melodia indicada dever ser tocada na íntegra.
aprox. 15" 5"
Deve soar somente
a "calda" do efeito delay
ff
5:00
Affettuoso
3" 3" 4" 1" 1" 1" 7"
p f
Loop 5:20
Gravar 02 repetições no loop
A gravação deve ser repetida
= 130 até o tempo determinado
aprox.
Não é necessário ficar tocando
20"
4
5:40
Adicionar e sobrepor no loop
02 repetições 20"
(f)
6:00
x x x
xx x x
x
p
Equipamento necessário: pedal de distorção, pedal volume, pedal delay com função reverse
[para a elaboração da peça foi utilizado time core (NUX)]
Configuração delay:
time = 13h 3:30
Mix = 11h
Repeat = 13h
o
ff
4:00
5:00
- aleatório e indeterminado
sfz
(f)
5:30 7:00 8:00
3'
acrescentar a nota Mi sexta e
quinta corda e Fá quinta corda
Ritmo e duração aleatório
1'30" 1' 30"
acrescentar "micro-slides"
com a parte lateral da palheta
próximo dos captadores
o ff
10:30
Obstinado
Diminuir o fluxo Rítmico * 15ª
Caráter
suspenso * 8ª
15" 15" 30"
EL ED EL ED ...
caixas com figuras rítmicas e alturas definidas = sempre clean (sem efeito)
caixas com figuras rítmicas e altura indefinida = sempre com efeito delay
x x
o mf f
= 100
20" 1'16"
2:00
p mf p f
24"
f
2
3:00
f mf f p f
mf
3:20
mf * ordinário *
8" 5" 3" 2" 1" 1"
mf
4:00
ordinário
Tremolo Picking
*
6" 10" 2" 16" 2" 4"
f ff f mf
ordinário
34" 4" 2"
f mf
3
4:20
ff
8" 5" 3" 4"
ff
f o
40"
o f
Trilha de áudio disponível em: https://drive.google.com/drive/folders/1LhZGg8JHb8nP6gZmRD98KyrTHWk1Jk85?usp=sharing
1:00
Play mf
Áudio mf o mf o
2:00
Da capo al fine.
f o
f o f o
3:00
40"
20"
x x x x
x x x
x
mf 3:36
Ritmo aleatório durante o tempo determinado.
Percutir suavemente com a base do e-bow.
A vibração da corda não deve ser interrompida.
x x x x
x x x
Glissandos com duração aproximada de 2".
Repetir os glissandos durante o tempo determinado.
x
4:00
x x
x x x
x x
x x
x
(mf)
2
5:00
x x x x x
Glissandos com duração x x
aproximada de 4". f x x 6:00
Glissando
Glissando mais
rápido possível. Glissando lento