STF - Repercussão Geral No Recurso Extraordinário Com Agravo

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Decisão sobre Repercussão Geral

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 30

16/04/2015 PLENÁRIO

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO


859.251 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES


RECTE.(S) : FLAVIO DINO DE CASTRO E COSTA
RECTE.(S) : DEANE MARIA FONSECA DE CASTRO E COSTA
ADV.(A/S) : CLEBER LOPES DE OLIVEIRA E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) : IZAURA COSTA RODRIGUES EMIDIO
RECDO.(A/S) : LUZIA CRISTINA DOS SANTOS ROCHA
ADV.(A/S) : FREDERICO DONATI BARBOSA E OUTRO(A/S)

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral.


Constitucional. Penal e processual penal. 2. Habeas corpus. Intervenção de
terceiros. Os querelantes têm legitimidade e interesse para intervir em
ação de habeas corpus buscando o trancamento da ação penal privada e
recorrer da decisão que concede a ordem. 3. A promoção do
arquivamento do inquérito, posterior à propositura da ação penal
privada, não afeta o andamento desta. 4. Os fatos, tal como admitidos na
instância recorrida, são suficientes para análise da questão constitucional.
Provimento do agravo de instrumento, para análise do recurso
extraordinário. 5. Direito a mover ação penal privada subsidiária da
pública. Art. 5º, LIX, da Constituição Federal. Direito da vítima e sua
família à aplicação da lei penal, inclusive tomando as rédeas da ação
criminal, se o Ministério Público não agir em tempo. Relevância jurídica.
Repercussão geral reconhecida. 6. Inquérito policial relatado remetido ao
Ministério Público. Ausência de movimentação externa ao Parquet por
prazo superior ao legal (art. 46 do Código de Processo Penal). Surgimento
do direito potestativo a propor ação penal privada. 7. Questão
constitucional resolvida no sentido de que: (i) o ajuizamento da ação
penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo legal, sem que seja
oferecida denúncia, ou promovido o arquivamento, ou requisitadas
diligências externas ao Ministério Público. Diligências internas à
instituição são irrelevantes; (ii) a conduta do Ministério Público posterior
ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura. Assim,

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o oferecimento de denúncia, a promoção do arquivamento ou a


requisição de diligências externas ao Ministério Público, posterior ao
decurso do prazo legal para a propositura da ação penal, não afastam o
direito de queixa. Nem mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a
tais diligências afasta esse direito, por não representar concordância com
a falta de iniciativa da ação penal pública. 8. Reafirmação da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 9. Recurso extraordinário
provido, por maioria, para reformar o acórdão recorrido e denegar a
ordem de habeas corpus, a fim de que a ação penal privada prossiga, em
seus ulteriores termos.

Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão,


vencidos os Ministros Rosa Weber e Celso de Mello. Não se manifestou a
Ministra Cármen Lúcia. Impedidos os Ministros Teori Zavascki, Marco
Aurélio e Roberto Barroso. O Tribunal, por maioria, reconheceu a
existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada,
vencidos os Ministros Rosa Weber e Celso de Mello. Não se manifestou a
Ministra Cármen Lúcia. Impedidos os Ministros Teori Zavascki, Marco
Aurélio e Roberto Barroso. No mérito, por maioria, reafirmou a
jurisprudência dominante sobre a matéria, e deu provimento ao recurso
extraordinário, vencidos os Ministros Rosa Weber e Celso de Mello. Não
se manifestou a Ministra Cármen Lúcia. Impedidos os Ministros Teori
Zavascki, Marco Aurélio e Roberto Barroso.

Ministro GILMAR MENDES


Relator

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859.251 DISTRITO FEDERAL

M A N I F E S T A Ç Ã O

O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator): Trata-se de


agravo interposto por FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA e
DEANE MARIA FONSECA DE CASTRO E COSTA (eDOC 13, fls.
72 e ss.), contra decisão que não admitiu o recurso
extraordinário, sob o fundamento de que a pretensão
nele deduzida demanda reexame de fatos e provas, além
de contrariar a jurisprudência desta Corte.
Os recorrentes propuseram, em 31.8.2012, ação penal
privada subsidiária da pública (Processo
2012.01.1.136420-3) contra IZAURA COSTA RODRIGUES
EMIDIO e LUZIA CRISTINA DOS SANTOS ROCHA, imputando-
lhes a prática do crime de homicídio culposo,
resultante de inobservância de regra técnica de
profissão art. 121, §§3º e 4º, do CP tendo como
vítima seu filho Marcelo Dino Fonseca de Castro e
Costa, falecido em 14.2.2012, nas dependências do
Hospital Santa Lúcia (eDOC 1, fls. 32 e ss.).
Recebida a queixa em 24.10.2012 (eDOC 10, fl. 64), foi
impetrado o Habeas Corpus 2012 00 2 05508-3, 1ª Turma,
relator desembargador Mario Machado. O Tribunal de
Justiça do Distrito Federal deferiu a ordem para
trancar ação penal privada subsidiária proposta pelos
recorrentes, sob o fundamento de que não restou
configurada inércia do Ministério Público.
Os agravantes sustentam que não há necessidade de
incursão no conjunto fático-probatório, mas apenas a
sua revaloração. Destacam, ainda, que, ao contrário do
que assentou a decisão ora agravada, o acórdão do
tribunal de origem não está em perfeita sintonia com a
jurisprudência do STF. Por sua vez, nas razões do

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recurso extraordinário, alegam que o aresto prolatado


pelo TJDFT, que determinou o trancamento da ação penal
privada subsidiária da pública, viola o disposto no
art. 5º, LIX, da CF, pois os autos do inquérito
relatado permaneceram com a promotoria por mais de 15
(quinze) dias, sem que fosse tomada qualquer
providência.
Em resposta ao agravo de instrumento (eDOC 16, fls. 18
e ss.), as recorridas afirmaram que o recurso perdeu o
objeto, visto que o Ministério Público promoveu o
arquivamento do inquérito. Acrescentaram que os
recorrentes teriam admitido que buscam usurpar a
competência do Ministério Público para propor a ação
penal pública, visto que previam a promoção de
arquivamento da investigação. Afirmaram que os
recorrentes não têm legitimidade recursal, porque não
foram parte na ação de habeas corpus. Defenderam que
eventual ofensa à Constituição Federal seria meramente
reflexa. Pugnaram pelo não conhecimento ou pela
negativa de provimento ao recurso.
O Ministério Público opinou pelo provimento do agravo
de instrumento, reconhecimento da repercussão geral e
provimento do recurso extraordinário (eDOC 22).
É o relatório.

As recorridas sustentaram que os recorrentes não têm


legitimidade recursal, uma vez que não foram parte na
ação de habeas corpus.
A ordem de habeas corpus que deu causa ao recurso
extraordinário tinha por objeto o trancamento da ação
penal movida pelos recorrentes. Assim, eles têm
legítimo interesse processual na causa, na forma do
art. 6º do CPC. Não se aplica a casos como o presente
a Súmula 208 do STF, segundo a qual O assistente do

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Ministério Público não pode recorrer,


extraordinariamente, de decisão concessiva de habeas-
corpus, na medida em que os recorrentes são os autores
da ação penal privada, e não assistentes do autor.
Registro que a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal admite a intervenção querelante na ação de
habeas corpus:

"Habeas-Corpus: julgamento no S.T.F.: intervenção do


querelante: garantias constitucionais do devido
processo legal, do contraditório e da ampla defesa dos
litigantes. EM HABEAS-CORPUS IMPETRADO EM FAVOR DO
QUERELADO CONTRA DECISÃO QUE RECEBEU A QUEIXA, E
IRRECUSAVEL A INTERVENÇÃO DO QUERELANTE, QUE COMPARECE
AO FEITO PARA OFERECER RAZOES ESCRITAS E SUSTENTA-LAS
ORALMENTE. DIFERENTEMENTE DO ASSISTENTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO, QUE NÃO E PARTE NO PROCESSO DA AÇÃO PENAL
PÚBLICA, O QUERELANTE - AINDA QUE NÃO SEJA O SUJEITO
DA PRETENSAO PUNITIVA DEDUZIDA, SEMPRE ESTATAL -, E
TITULAR DO DIREITO DE AÇÃO PENAL PRIVADA E PARTE NA
CONSEQUENTE RELAÇÃO PROCESSUAL. AINDA QUE,
FORMALMENTE, O QUERELANTE NÃO SEJA PARTE NA RELAÇÃO
PROCESSUAL DO HABEAS-CORPUS, NÃO SE LHE PODE NEGAR A
QUALIDADE DE LITIGANTE, SE, DADO O OBJETO DA
IMPETRAÇÃO, NO JULGAMENTO SE PODERA DECIDIR DA
OCORRENCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL PRIVADA,
DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO DO QUAL O QUERELANTE SE
AFIRMA TITULAR; SIMILITUDE DO PROBLEMA COM A QUESTÃO
DO LITISCONSORCIO PASSIVO, EM MANDADO DE SEGURANÇA,
ENTRE A AUTORIDADE COATORA E O BENEFICIARIO DO ATO
IMPUGNADO. A SUBSTITUIÇÃO PELO HABEAS-CORPUS DO
RECURSO CABIVEL CONTRA DECISÃO TOMADA NO PROCESSO
PENAL CONDENATÓRIO E FACULDADE QUE NÃO SE TEM RECUSADO
A DEFESA; MAS, A UTILIZAÇÃO DO HABEAS-CORPUS AO INVÉS

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DO RECURSO NÃO AFETA A IDENTIDADE SUBSTANCIAL DO


LITIGIO SUBJACENTE, E NÃO PODE EXPLICAR O ALIJAMENTO,
DA DISCUSSÃO JUDICIAL DELE, DO TITULAR DA ACUSAÇÃO
CONTRA O PACIENTE, SE UTILIZADA A VIA DO RECURSO
CABIVEL NO PROCESSO CONDENATÓRIO, NO PROCEDIMENTO
TERIA, A POSIÇÃO DE RECORRIDO, COM TODAS AS FACULDADES
PROCESSUAIS A ELA INERENTES. DADA A SUPREMACIA DAS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO "DUE PROCESS" E SEUS
COROLARIOS (V.G., CF, ART. 5., LIII A LVII E ART. 93,
IX) OUTORGADAS A QUEM QUER QUE SEJA O SUJEITO DO
LITIGIO SUBSTANCIAL POSTO EM JUÍZO -, CUMPRE AMOLDAR A
EFETIVIDADE DELAS A INTERPRETAÇÃO DA VETUSTA
DISCIPLINA LEGAL DO HABEAS-CORPUS: AS LEIS E QUE SE
DEVEM INTERPRETAR CONFORME A CONSTITUIÇÃO E NÃO, O
CONTRARIO. Pet 423 AgR, Relator Min. CELSO DE MELLO,
Relator p/ Acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal
Pleno, julgado em 26.4.1991.
Assim, os querelantes têm legitimidade para manejar o
recurso extraordinário e o agravo de instrumento em
análise.

As recorridas sustentaram que o recurso perdeu o


objeto, visto que o Ministério Público promoveu o
arquivamento do inquérito e que o objetivo da ação
penal privada seria usurpar a competência do
Ministério Público, porque previam a promoção de
arquivamento da investigação.
Em princípio, a promoção do arquivamento posterior à
propositura da ação penal privada não afeta o
andamento desta. Esse é, inclusive, um dos pontos
relevantes quanto ao mérito da causa, a ser
oportunamente apreciado.
O suposto propósito de usurpar a competência do
Ministério Público não se verifica no caso. A

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propositura da ação penal privada se legitima pelo


decurso legal para a acusação. O propósito dos
querelantes não é relevante.

Os fatos, tal qual admitidos pela instância recorrida,


são os seguintes:
(i) Em 17.5.2012, o Inquérito Policial 71/12,
instaurado para apurar a morte do filho dos
recorrentes, Marcelo Dino, ocorrida em 14.2.2012, nas
dependências do Hospital Santa Lúcia, relatado, com
indiciamento das recorridas, foi recebido na
secretaria do Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios (eDOC 7, fl. 63);
(ii) Na mesma data, os autos foram internamente
encaminhados a perito médico que atua perante a
promotoria;
(iii) Em 24.5.2012, 13.6.2012 e 14.6.2012, o pai da
vítima peticionou (eDOC 7, fl. 63, eDOC 8, fl. 12 e
eDOC 8, fl. 29), juntando cópia de representação
protocolada junto à Anvisa, cópia de laudo médico de
seu assistente técnico e de auto de infração lavrado
pela Anvisa, bem como manifestação pedindo o
oferecimento de denúncia;
(v) Em 13.7.2012, o Promotor de Justiça encaminhou os
autos ao Juízo (eDOC 8, fl. 29), sustentando estar
descartada a tipificação das condutas como crime
doloso contra a vida e postulando a redistribuição do
feito da Vara do Júri para Vara Criminal;
(vi) Em 20.7.2012, acolhendo parecer do perito médico
que atua perante a promotoria, o Promotor de Justiça
encaminhou os autos ao IML para realização de Exame
Histopatológico;
(v) Em 30.8.2012, os autos foram devolvidos ao
Ministério Público, realizada a diligência;

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(vi) Em 31.8.2012, foi protocolada a queixa-crime.

Esses os fatos relevantes. Há duas questões a serem


solucionadas. A primeira, e principal, é se a ausência
de movimentação externa ao Ministério Público por
prazo superior a 15 (quinze) dias autoriza a
propositura da ação penal privada. A segunda, a ser
eventualmente analisada, é se as diligências do
Ministério Público posteriores à queixa têm o condão
de torná-la prejudicada.
Para análise desses pontos, não é necessário revolver
fatos e provas. Os fatos podem ser aceitos tal como
fixados na instância de origem.
Os precedentes do Supremo Tribunal Federal que afirmam
necessária a inércia do Ministério Público (HC 74.276,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3.9.1996,
Primeira Turma; RE 274.115-AgR, Rel. Min. Ellen
Gracie, julgamento em 12.8.2003, Segunda Turma; HC
68.540, Rel. Min.Octavio Gallotti, julgamento em
21.5.1991, Primeira Turma; HC 67.502, Rel. Min. Paulo
Brossard, julgamento em 5.12.1989, Segunda Turma)
referem-se a casos em que o Parquet não propôs a ação
penal, mas adotou outra medida externa pediu
arquivamento ou promoveu a baixa dos autos para
diligências policiais. Ou seja, tais precedentes não
resolvem a questão constitucional relevante para esta
causa.
Dessa forma, os fundamentos para a negativa de
seguimento ao recurso extraordinário não subsistem.
Assim, o agravo merece provimento, para que o recurso
extraordinário seja analisado.
No mérito, os recorrentes alegam a violação ao art.
5º, LIX, da Constituição Federal:

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LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação


pública, se esta não for intentada no prazo legal;

O texto constitucional faz surgir o direito


potestativo a propor ação penal privada no momento em
que decorrido o prazo legal para o Ministério Público
(art. 129, I, da CF) intentar a ação penal. A
necessidade de consideração de ulteriores
circunstâncias é, aparentemente, desnecessária.
No caso concreto, o prazo legal foi corretamente
identificado pelo Tribunal de Justiça e pelo Superior
Tribunal de Justiça art. 46 do Código de Processo
Penal:

Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia,


estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data
em que o órgão do Ministério Público receber os autos
do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver
solto ou afiançado. No último caso, se houver
devolução do inquérito à autoridade policial (art.
16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do
Ministério Público receber novamente os autos.

Ou seja, por se tratar de investigação com réu solto,


o prazo era de 15 (quinze) dias, contados do
recebimento do inquérito relatado pelo Ministério
Público.
Foi estabelecido como fato provado que o Ministério
Público recebeu o inquérito relatado, com o
indiciamento de duas pessoas, e que, por mais de 15
(quinze) dias, os autos foram retidos na instituição,
sem que fosse promovida qualquer diligência.
Por outro lado, também foi estabelecido como fato
provado que o Ministério Público estava analisando a

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investigação, por seu assistente técnico no período


inicial de inação, e que, posteriormente, promoveu
diligências, das quais os pais da vítima tiveram
conhecimento.
Essas circunstâncias foram tidas por juridicamente
relevantes pela instância anterior. Com base nelas,
foi dito que o Ministério Público não esteve inerte, e
rejeitada a ação penal privada.
Disso se extrai que a instância recorrida invocou
situações que não estavam na hipótese de incidência da
norma constitucional fato de o Ministério Público
estar analisando o inquérito por seu assistente
técnico no período da inércia e posterior produção de
diligências com conhecimento dos pais da vítima para
afastar a sua sanção.
Assim, invocou-se uma exceção para deixar de aplicar a
regra constitucional. Essa exceção à regra não tem
base expressa na Constituição ou na lei.
Eventualmente, pode ser deduzida do sistema. Isso, no
entanto, é a matéria de fundo da questão
constitucional.
É relevante a tese de que a invocação de
circunstâncias não presentes na regra constitucional
para afastar sua consequência viola de forma direta a
Constituição.
Assim, a questão é constitucional.
No que se refere à repercussão geral, as ações penais
privadas subsidiárias não são numerosas em nosso
direito. No entanto, está em jogo o direito da vítima
e sua família à aplicação da lei penal, inclusive
tomando as rédeas da ação criminal, se o Ministério
Público não agir em tempo. Esse direito foi elevado à
qualidade de direito fundamental pela Constituição
art. 5º, LIX. Interessa não apenas às partes, mas ao

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sistema jurídico como um todo, marcar os limites do


instituto da ação penal privada subsidiária da pública
em casos como o presente. Assim, a questão tem a
necessária relevância jurídica para passar pelo
controle da repercussão geral.

Como já afirmado, há duas questões a serem


solucionadas neste caso. A primeira, e principal, é se
o fato de o processo ter restado sem movimentação
externa ao Ministério Público por prazo superior a 15
(quinze) dias autoriza a propositura da ação penal
privada. A segunda, a ser eventualmente analisada, se
as diligências posteriores a tal prazo e/ou as
petições protocoladas pelos pais da vítima prejudicam
a queixa.

Acerca da primeira controvérsia constitucional se o


fato de o processo ter restado sem movimentação
externa ao Ministério Público por prazo superior a 15
(quinze) dias autoriza a propositura da ação penal
privada , a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
registra vários precedentes afastando a legitimidade
para propositura da ação penal privada subsidiária se
o Ministério Público, ao receber o inquérito relatado
ou representação, promover o arquivamento da
investigação (HC 74.276, Relator Min. CELSO DE MELLO,
Primeira Turma, julgado em 3.9.1996), ou requer
diligências externas (HC 84.659, Relator Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em
29.6.2005; Inq 1939, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Tribunal Pleno, julgado em 3.3.2004).
No entanto, em sentido contrário, se o Ministério
Público não toma nenhuma atitude, cabe a propositura
da ação privada. Nesse sentido, o RHC 68.430, Relator

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Min. PAULO BROSSARD, Segunda Turma, julgado em


24.3.1992:

"HABEAS-CORPUS. Crime de imprensa. Ação penal pública


condicionada a representação do ofendido,
Desembargador do Tribunal de Justiça do Espirito
Santo. Ação penal privada subsidiária em face da
inércia do Ministério Público, que não pede o
arquivamento da representação nem oferece denúncia
contra o ofensor, Promotor Público do mesmo Estado, no
prazo legal. A lei dá ao Ministério Público, na sua
condição de dominus litis, as primícias; se ele deixar
de atuar no prazo de lei, desveste-se do privilégio
legal e enseja que, em seu lugar, passe a atuar o
ofendido. [...]. RHC 68.430, Relator Min. PAULO
BROSSARD, Segunda Turma, julgado em 24.3.1992.

Com efeito, o art. 5º, LIX, da CF/1988 confere o


direito potestativo de propor ação penal privada no
momento em que decorrido o prazo legal para o
Ministério Público (art. 129, I, da CF) intentar a
ação penal.
Se não promovida a ação penal pública no prazo legal,
é admitida a ação penal privada, independentemente de
ulteriores circunstâncias. Em outras palavras, o texto
constitucional não exige a desídia ou culpa por parte
do órgão acusador, mas o simples decurso de prazo,
independentemente de sua justificativa ou razão, para
conferir o direito de propor a ação penal subsidiária.
Logo, diligências internas ao Ministério Público, ou
outras considerações puramente afetas à instituição,
são irrelevantes para efeito do art. 5º, LIX, da
CF/1988. Consoante a jurisprudência desta Corte, se
decorrido o prazo legal sem oferecimento da denúncia,

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promoção pelo arquivamento ou sequer pedido de


diligência dirigido a outro órgão do sistema de
justiça, surge o direito à ação penal subsidiária
prevista no mencionado comando legal.

Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal afirma que a conduta do Ministério Público
posterior ao surgimento do direito de queixa não
prejudica sua propositura:

"HABEAS-CORPUS. Crime de imprensa. Ação penal pública


condicionada a representação do ofendido,
Desembargador do Tribunal de Justiça do Espirito
Santo. [...]. A lei dá ao Ministério Público, na sua
condição de dominus litis, as primícias; se ele deixar
de atuar no prazo de lei, desveste-se do privilégio
legal e enseja que, em seu lugar, passe a atuar o
ofendido. Se, após, o Ministério Público acordar da
letargia e pedir o arquivamento da representação, o
tempo não retroage em seu favor, para que ele possa
fazer o que deixou de fazer tempestivamente, e não
desloca o ofendido diligente que substituiu o
Ministério Público indolente. Recurso de habeas
corpus, pretendendo o trancamento da ação penal
privada subsidiaria por já ter o Ministério Público
pedido o arquivamento da representação, a que se nega
provimento. RHC 68.430, Relator Min. PAULO BROSSARD,
Segunda Turma, julgado em 24.3.1992.

Seguindo esse entendimento, tenho que apenas a


propositura da ação penal pública ou a promoção do
arquivamento do inquérito, anteriores ao oferecimento

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da ação penal privada, prejudicariam seu andamento.


Fora dessas hipóteses, não há razão para afastar o
direito devidamente exercido.
Assim, a baixa em diligências, posterior ao decurso do
prazo legal para a propositura da ação penal pelo
Ministério Público não obsta o direito de queixa,
ainda que a vítima ou sua família tenham ciência de
tais providências.
A ciência não representa concordância com a falta de
ação da acusação pública.

Assim, proponho que a questão constitucional seja


resolvida no sentido de que (i) o ajuizamento da ação
penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo
legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o
arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao
Ministério Público. Diligências internas à instituição
são irrelevantes.
Além disso, (ii) a conduta do Ministério Público
posterior ao surgimento do direito de queixa não
prejudica sua propositura. Assim, o oferecimento de
denúncia, a promoção do arquivamento ou a requisição
de diligências externas ao Ministério Público,
posterior ao decurso do prazo legal para a propositura
da ação penal, não afastam o direito de queixa. Nem
mesmo a ciência da vítima ou da família quanto a tais
diligências afasta esse direito, por não representar
concordância com a falta de ação penal pública.

No caso concreto, foi estabelecido como comprovado que


o Ministério Público reteve os autos do inquérito
policial relatado em período superior ao prazo para
formulação da acusação. De 17.5.2012 a 12.7.2012, os
autos estiveram no Ministério Público, sem

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Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 30

ARE 859251 RG / DF

movimentação externa.
A circunstância de estarem os autos em análise por
órgão técnico da promotoria, auxiliar do Promotor na
análise das questões médicas envolvidas, é
irrelevante.
Não há nisso uma suspensão do prazo para formulação da
acusação.
A Constituição, como já afirmado, contenta-se com o
simples decurso de prazo legal, que é contado do
recebimento do inquérito pelo Ministério Público. Esse
prazo só seria interrompido pela promoção do
arquivamento ou pela baixa em diligências externas ao
Parquet.
É certo também que, após o decurso do prazo legal, o
Ministério Público promoveu diligências, das quais a
família da vítima tomou ciência, na medida em que se
manifestou nos autos da investigação.
Essas diligências não representam emenda da mora. A
ciência da família da vítima, da mesma forma, não
representa anuência com a falta de propositura da ação
penal pública.
Nada disso, portanto, prejudica o direito de queixa.
Assim, cabível a propositura da ação penal privada.
Ante o exposto, voto pelo provimento do agravo de
instrumento e do recurso extraordinário, reafirmando a
jurisprudência desta Corte, para reformar o acórdão
recorrido e denegar a ordem de habeas corpus, a fim de
que a ação penal privada prossiga, em seus ulteriores
termos.

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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO


859.251 DISTRITO FEDERAL

PRONUNCIAMENTO

REPERCUSSÃO GERAL – PLENÁRIO


VIRTUAL – IMPEDIMENTO.

1. O Gabinete prestou as seguintes informações:

Eis a síntese do que discutido no Recurso Extraordinário


com Agravo nº 859.251/DF, da relatoria do ministro Gilmar
Mendes, inserido no sistema eletrônico da repercussão geral em
27 de março de 2015.
A Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e dos Territórios deferiu a ordem em habeas
corpus, para trancar a ação penal privada subsidiária da pública,
sem prejuízo de renovação, caso sobrevenha situação fática a
autorizá-la. Assentou ser cabível a queixa-crime subsidiária
apenas se evidenciada a inércia do Ministério Público, não
configurada no caso, porquanto foram requeridas diligências
consideradas indispensáveis. Consignou que a extrapolação
matemática do prazo previsto no artigo 46 do Código de
Processo Penal justificou-se pela complexidade dos fatos.
Embargos de declaração interpostos foram desprovidos.
Atuou em ambos os julgamentos a desembargadora
Sandra De Santis.
No extraordinário, protocolado com alegada base na
alínea “a” do inciso II do artigo 102 da Carta da República, os
recorrentes arguem desrespeito ao artigo 5º, inciso LIX, do
mesmo diploma. Sustentam que a única condição constitucional
para o exercício da ação penal privada subsidiária da pública é
a ultrapassagem do prazo legal estabelecido para o Ministério
Público, mostrando-se desnecessária a comprovação de desídia
ou má-fé por parte do Órgão. Ressaltam haver sido recebida a
queixa-crime por meio de decisão fundamentada e não
impugnada. Aduzem não existir violação a prerrogativa do

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Ministério Público, que poderá aditar a queixa-crime ou


oferecer denúncia substitutiva, tendo ampla intervenção em
todas as instâncias judiciais.
Sob o ângulo da repercussão geral, afirmam que a matéria
versada no recurso ultrapassa os limites subjetivos da lide,
sendo relevante do ponto de vista político, social e jurídico.
Salientam estar em discussão, no processo, as condições para o
exercício de uma garantia fundamental, devendo-se prestigiar o
amplo acesso à jurisdição.
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em
contrarrazões, aponta, inicialmente, a falta de
prequestionamento do dispositivo constitucional tido por
violado e a impossibilidade de exame de matéria
infraconstitucional. No mérito, destaca que a tese da defesa não
encontra respaldo na doutrina nem na jurisprudência do
Supremo, a inviabilizar a sequência do recurso em face do
disposto no Verbete nº 286 da Súmula.
O extraordinário não foi admitido na origem. Seguiu-se a
interposição de agravo, no qual se argumenta que a questão
fática relativa à ausência de formalização da denúncia dentro
do prazo legal está devidamente comprovada no acórdão
recorrido, revelando-se dispensável o reexame de provas para
verificar a relevância, ou não, da providência adotada no
âmbito do Ministério Público. Refuta-se a alegação de o
pronunciamento estar em consonância com a jurisprudência
deste Tribunal.
Na contraminuta, argui-se a ilegitimidade recursal ativa
dos ora agravantes para impugnar acórdão em que deferida
ordem de habeas corpus e aponta-se ofensa aos Verbetes nº 286 e
279 da Súmula do Supremo. Apresentam-se dois fatos novos: 1)
promoção do arquivamento do inquérito policial pelo
Ministério Público, sendo que o Juízo, apesar de concordar com
a manifestação, remeteu os autos à Procuradoria-Geral de
Justiça visando a aplicação extensiva do disposto no artigo 28
do Código de Processo Penal, tendo ocorrido a impetração de
novo habeas, no qual deferida a ordem para determinar o

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trancamento do inquérito; 2) comprovação de que o objetivo


dos querelantes é usurpar a atribuição do Ministério Público,
por ser contrária aos respectivos interesses, diante da
formalização de nota à imprensa, na qual mencionam que já
esperavam pelo arquivamento do inquérito, tendo, por isso,
proposto anteriormente ação penal privada contra a médica.
A Procuradoria Geral da República, em parecer, opina
pelo provimento dos recursos. Assinala encontrar-se
devidamente caracterizada a inércia do Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios, a autorizar a propositura da ação
penal subsidiária da pública.
Eis o pronunciamento do ministro Gilmar Mendes, no
sentido do provimento do agravo e do recurso extraordinário,
reafirmando a jurisprudência do Supremo:
O Senhor Ministro Gilmar Mendes (Relator): Trata-se
de agravo interposto por FLÁVIO DINO DE CASTRO E
COSTA e DEANE MARIA FONSECA DE CASTRO E
COSTA (eDOC 13, fls. 72 e ss.), contra decisão que não
admitiu o recurso extraordinário, sob o fundamento de
que a pretensão nele deduzida demanda reexame de fatos
e provas, além de contrariar a jurisprudência desta Corte.
Os recorrentes propuseram, em 31.8.2012, ação penal
privada subsidiária da pública (Processo 2012.01.1.136420-
3) contra IZAURA COSTA RODRIGUES EMIDIO e LUZIA
CRISTINA DOS SANTOS ROCHA, imputando-lhes a
prática do crime de homicídio culposo, resultante de
inobservância de regra técnica de profissão art. 121, §§3º
e 4º, do CP tendo como vítima seu filho Marcelo Dino
Fonseca de Castro e Costa, falecido em 14.2.2012, nas
dependências do Hospital Santa Lúcia (eDOC 1, fls. 32 e
ss.).
Recebida a queixa em 24.10.2012 (eDOC 10, fl. 64), foi
impetrado o Habeas Corpus 2012 00 2 05508-3, 1ª Turma,
relator desembargador Mario Machado. O Tribunal de
Justiça do Distrito Federal deferiu a ordem para trancar
ação penal privada subsidiária proposta pelos recorrentes,

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sob o fundamento de que não restou configurada inércia


do Ministério Público.
Os agravantes sustentam que não há necessidade de
incursão no conjunto fático-probatório, mas apenas a sua
revaloração. Destacam, ainda, que, ao contrário do que
assentou a decisão ora agravada, o acórdão do tribunal de
origem não está em perfeita sintonia com a jurisprudência
do STF. Por sua vez, nas razões do recurso extraordinário,
alegam que o aresto prolatado pelo TJDFT, que
determinou o trancamento da ação penal privada
subsidiária da pública, viola o disposto no art. 5º, LIX, da
CF, pois os autos do inquérito relatado permaneceram
com a promotoria por mais de 15 (quinze) dias, sem que
fosse tomada qualquer providência.
Em resposta ao agravo de instrumento (eDOC 16, fls.
18 e ss.), as recorridas afirmaram que o recurso perdeu o
objeto, visto que o Ministério Público promoveu o
arquivamento do inquérito. Acrescentaram que os
recorrentes teriam admitido que buscam usurpar a
competência do Ministério Público para propor a ação
penal pública, visto que previam a promoção de
arquivamento da investigação. Afirmaram que os
recorrentes não têm legitimidade recursal, porque não
foram parte na ação de habeas corpus. Defenderam que
eventual ofensa à Constituição Federal seria meramente
reflexa. Pugnaram pelo não conhecimento ou pela
negativa de provimento ao recurso.
O Ministério Público opinou pelo provimento do
agravo de instrumento, reconhecimento da repercussão
geral e provimento do recurso extraordinário (eDOC 22).
É o relatório.
As recorridas sustentaram que os recorrentes não
têm legitimidade recursal, uma vez que não foram parte
na ação de habeas corpus.
A ordem de habeas corpus que deu causa ao recurso
extraordinário tinha por objeto o trancamento da ação

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penal movida pelos recorrentes. Assim, eles têm legítimo


interesse processual na causa, na forma do art. 6º do CPC.
Não se aplica a casos como o presente a Súmula 208 do
STF, segundo a qual O assistente do Ministério Público
não pode recorrer, extraordinariamente, de decisão
concessiva de habeas-corpus, na medida em que os
recorrentes são os autores da ação penal privada, e não
assistentes do autor. Registro que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal admite a intervenção
querelante na ação de habeas corpus:
"Habeas-Corpus: julgamento no S.T.F.:
intervenção do querelante: garantias constitucionais
do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa dos litigantes. EM HABEAS-CORPUS
IMPETRADO EM FAVOR DO QUERELADO
CONTRA DECISÃO QUE RECEBEU A QUEIXA, E
IRRECUSAVEL A INTERVENÇÃO DO
QUERELANTE, QUE COMPARECE AO FEITO
PARA OFERECER RAZOES ESCRITAS E
SUSTENTA-LAS ORALMENTE.
DIFERENTEMENTE DO ASSISTENTE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO, QUE NÃO E PARTE NO
PROCESSO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA, O
QUERELANTE - AINDA QUE NÃO SEJA O
SUJEITO DA PRETENSAO PUNITIVA DEDUZIDA,
SEMPRE ESTATAL -, E TITULAR DO DIREITO DE
AÇÃO PENAL PRIVADA E PARTE NA
CONSEQUENTE RELAÇÃO PROCESSUAL.
AINDA QUE, FORMALMENTE, O QUERELANTE
NÃO SEJA PARTE NA RELAÇÃO PROCESSUAL
DO HABEAS-CORPUS, NÃO SE LHE PODE
NEGAR A QUALIDADE DE LITIGANTE, SE,
DADO O OBJETO DA IMPETRAÇÃO, NO
JULGAMENTO SE PODERA DECIDIR DA
OCORRENCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO
PENAL PRIVADA, DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO

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DO QUAL O QUERELANTE SE AFIRMA TITULAR;


SIMILITUDE DO PROBLEMA COM A QUESTÃO
DO LITISCONSORCIO PASSIVO, EM MANDADO
DE SEGURANÇA, ENTRE A AUTORIDADE
COATORA E O BENEFICIARIO DO ATO
IMPUGNADO. A SUBSTITUIÇÃO PELO HABEAS-
CORPUS DO RECURSO CABIVEL CONTRA
DECISÃO TOMADA NO PROCESSO PENAL
CONDENATÓRIO E FACULDADE QUE NÃO SE
TEM RECUSADO A DEFESA; MAS, A
UTILIZAÇÃO DO HABEAS-CORPUS AO INVÉS
DO RECURSO NÃO AFETA A IDENTIDADE
SUBSTANCIAL DO LITIGIO SUBJACENTE, E NÃO
PODE EXPLICAR O ALIJAMENTO, DA
DISCUSSÃO JUDICIAL DELE, DO TITULAR DA
ACUSAÇÃO CONTRA O PACIENTE, SE
UTILIZADA A VIA DO RECURSO CABIVEL NO
PROCESSO CONDENATÓRIO, NO
PROCEDIMENTO TERIA, A POSIÇÃO DE
RECORRIDO, COM TODAS AS FACULDADES
PROCESSUAIS A ELA INERENTES. DADA A
SUPREMACIA DAS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS DO "DUE PROCESS" E SEUS
COROLARIOS (V.G., CF, ART. 5., LIII A LVII E ART.
93, IX) OUTORGADAS A QUEM QUER QUE SEJA O
SUJEITO DO LITIGIO SUBSTANCIAL POSTO EM
JUÍZO -, CUMPRE AMOLDAR A EFETIVIDADE
DELAS A INTERPRETAÇÃO DA VETUSTA
DISCIPLINA LEGAL DO HABEAS-CORPUS: AS
LEIS E QUE SE DEVEM INTERPRETAR
CONFORME A CONSTITUIÇÃO E NÃO, O
CONTRARIO. Pet 423 AgR, Relator Min. CELSO DE
MELLO, Relator p/ Acórdão Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 26.4.1991.
Assim, os querelantes têm legitimidade para manejar
o recurso extraordinário e o agravo de instrumento em

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análise.
As recorridas sustentaram que o recurso perdeu o
objeto, visto que o Ministério Público promoveu o
arquivamento do inquérito e que o objetivo da ação penal
privada seria usurpar a competência do Ministério
Público, porque previam a promoção de arquivamento da
investigação.
Em princípio, a promoção do arquivamento posterior
à propositura da ação penal privada não afeta o
andamento desta. Esse é, inclusive, um dos pontos
relevantes quanto ao mérito da causa, a ser
oportunamente apreciado.
O suposto propósito de usurpar a competência do
Ministério Público não se verifica no caso. A propositura
da ação penal privada se legitima pelo decurso legal para
a acusação. O propósito dos querelantes não é relevante.
Os fatos, tal qual admitidos pela instância recorrida,
são os seguintes:
(i) Em 17.5.2012, o Inquérito Policial 71/12,
instaurado para apurar a morte do filho dos recorrentes,
Marcelo Dino, ocorrida em 14.2.2012, nas dependências do
Hospital Santa Lúcia, relatado, com indiciamento das
recorridas, foi recebido na secretaria do Ministério Público
do Distrito Federal e Territórios (eDOC 7, fl. 63);
(ii) Na mesma data, os autos foram internamente
encaminhados a perito médico que atua perante a
promotoria;
(iii) Em 24.5.2012, 13.6.2012 e 14.6.2012, o pai da
vítima peticionou (eDOC 7, fl. 63, eDOC 8, fl. 12 e eDOC 8,
fl. 29), juntando cópia de representação protocolada junto
à Anvisa, cópia de laudo médico de seu assistente técnico
e de auto de infração lavrado pela Anvisa, bem como
manifestação pedindo o oferecimento de denúncia;
(v) Em 13.7.2012, o Promotor de Justiça encaminhou
os autos ao Juízo (eDOC 8, fl. 29), sustentando estar
descartada a tipificação das condutas como crime doloso

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contra a vida e postulando a redistribuição do feito da


Vara do Júri para Vara Criminal;
(vi) Em 20.7.2012, acolhendo parecer do perito
médico que atua perante a promotoria, o Promotor de
Justiça encaminhou os autos ao IML para realização de
Exame Histopatológico;
(v) Em 30.8.2012, os autos foram devolvidos ao
Ministério Público, realizada a diligência;
(vi) Em 31.8.2012, foi protocolada a queixa-crime.
Esses os fatos relevantes. Há duas questões a serem
solucionadas. A primeira, e principal, é se a ausência de
movimentação externa ao Ministério Público por prazo
superior a 15 (quinze) dias autoriza a propositura da ação
penal privada. A segunda, a ser eventualmente analisada,
é se as diligências do Ministério Público posteriores à
queixa têm o condão de torná-la prejudicada.
Para análise desses pontos, não é necessário revolver
fatos e provas. Os fatos podem ser aceitos tal como fixados
na instância de origem.
Os precedentes do Supremo Tribunal Federal que
afirmam necessária a inércia do Ministério Público (HC
74.276, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3.9.1996,
Primeira Turma; RE 274.115-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie,
julgamento em 12.8.2003, Segunda Turma; HC 68.540, Rel.
Min.Octavio Gallotti, julgamento em 21.5.1991, Primeira
Turma; HC 67.502, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento
em 5.12.1989, Segunda Turma) referem-se a casos em que
o Parquet não propôs a ação penal, mas adotou outra
medida externa pediu arquivamento ou promoveu a baixa
dos autos para diligências policiais. Ou seja, tais
precedentes não resolvem a questão constitucional
relevante para esta causa.
Dessa forma, os fundamentos para a negativa de
seguimento ao recurso extraordinário não subsistem.
Assim, o agravo merece provimento, para que o
recurso extraordinário seja analisado.

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No mérito, os recorrentes alegam a violação ao art.


5º, LIX, da Constituição Federal:
LIX - será admitida ação privada nos crimes de
ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;
O texto constitucional faz surgir o direito potestativo
a propor ação penal privada no momento em que
decorrido o prazo legal para o Ministério Público (art. 129,
I, da CF) intentar a ação penal. A necessidade de
consideração de ulteriores circunstâncias é,
aparentemente, desnecessária.
No caso concreto, o prazo legal foi corretamente
identificado pelo Tribunal de Justiça e pelo Superior
Tribunal de Justiça art. 46 do Código de Processo Penal:
Art. 46. O prazo para oferecimento da
denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias,
contado da data em que o órgão do Ministério
Público receber os autos do inquérito policial, e de 15
dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último
caso, se houver devolução do inquérito à autoridade
policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que
o órgão do Ministério Público receber novamente os
autos.
Ou seja, por se tratar de investigação com réu solto, o
prazo era de 15 (quinze) dias, contados do recebimento do
inquérito relatado pelo Ministério Público.
Foi estabelecido como fato provado que o Ministério
Público recebeu o inquérito relatado, com o indiciamento
de duas pessoas, e que, por mais de 15 (quinze) dias, os
autos foram retidos na instituição, sem que fosse
promovida qualquer diligência.
Por outro lado, também foi estabelecido como fato
provado que o Ministério Público estava analisando a
investigação, por seu assistente técnico no período inicial
de inação, e que, posteriormente, promoveu diligências,
das quais os pais da vítima tiveram conhecimento.
Essas circunstâncias foram tidas por juridicamente

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relevantes pela instância anterior. Com base nelas, foi dito


que o Ministério Público não esteve inerte, e rejeitada a
ação penal privada.
Disso se extrai que a instância recorrida invocou
situações que não estavam na hipótese de incidência da
norma constitucional fato de o Ministério Público estar
analisando o inquérito por seu assistente técnico no
período da inércia e posterior produção de diligências
com conhecimento dos pais da vítima para afastar a sua
sanção.
Assim, invocou-se uma exceção para deixar de
aplicar a regra constitucional. Essa exceção à regra não
tem base expressa na Constituição ou na lei.
Eventualmente, pode ser deduzida do sistema. Isso, no
entanto, é a matéria de fundo da questão constitucional.
É relevante a tese de que a invocação de
circunstâncias não presentes na regra constitucional para
afastar sua consequência viola de forma direta a
Constituição.
Assim, a questão é constitucional.
No que se refere à repercussão geral, as ações penais
privadas subsidiárias não são numerosas em nosso direito.
No entanto, está em jogo o direito da vítima e sua família
à aplicação da lei penal, inclusive tomando as rédeas da
ação criminal, se o Ministério Público não agir em tempo.
Esse direito foi elevado à qualidade de direito
fundamental pela Constituição art. 5º, LIX. Interessa não
apenas às partes, mas ao sistema jurídico como um todo,
marcar os limites do instituto da ação penal privada
subsidiária da pública em casos como o presente. Assim, a
questão tem a necessária relevância jurídica para passar
pelo controle da repercussão geral.
Como já afirmado, há duas questões a serem
solucionadas neste caso. A primeira, e principal, é se o fato
de o processo ter restado sem movimentação externa ao
Ministério Público por prazo superior a 15 (quinze) dias

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autoriza a propositura da ação penal privada. A segunda,


a ser eventualmente analisada, se as diligências
posteriores a tal prazo e/ou as petições protocoladas pelos
pais da vítima prejudicam a queixa.
Acerca da primeira controvérsia constitucional se o
fato de o processo ter restado sem movimentação externa
ao Ministério Público por prazo superior a 15 (quinze)
dias autoriza a propositura da ação penal privada , a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal registra
vários precedentes afastando a legitimidade para
propositura da ação penal privada subsidiária se o
Ministério Público, ao receber o inquérito relatado ou
representação, promover o arquivamento da investigação
(HC 74.276, Relator Min. CELSO DE MELLO, Primeira
Turma, julgado em 3.9.1996), ou requer diligências
externas (HC 84.659, Relator Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 29.6.2005; Inq
1939, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal
Pleno, julgado em 3.3.2004).
No entanto, em sentido contrário, se o Ministério
Público não toma nenhuma atitude, cabe a propositura da
ação privada. Nesse sentido, o RHC 68.430, Relator Min.
PAULO BROSSARD, Segunda Turma, julgado em
24.3.1992:
"HABEAS-CORPUS. Crime de imprensa. Ação
penal pública condicionada a representação do
ofendido, Desembargador do Tribunal de Justiça do
Espirito Santo. Ação penal privada subsidiária em
face da inércia do Ministério Público, que não pede o
arquivamento da representação nem oferece
denúncia contra o ofensor, Promotor Público do
mesmo Estado, no prazo legal. A lei dá ao Ministério
Público, na sua condição de dominus litis, as
primícias; se ele deixar de atuar no prazo de lei,
desveste-se do privilégio legal e enseja que, em seu
lugar, passe a atuar o ofendido. [...]. RHC 68.430,

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Relator Min. PAULO BROSSARD, Segunda Turma,


julgado em 24.3.1992.
Com efeito, o art. 5º, LIX, da CF/1988 confere o
direito potestativo de propor ação penal privada no
momento em que decorrido o prazo legal para o
Ministério Público (art. 129, I, da CF) intentar a ação penal.
Se não promovida a ação penal pública no prazo
legal, é admitida a ação penal privada,
independentemente de ulteriores circunstâncias. Em
outras palavras, o texto constitucional não exige a desídia
ou culpa por parte do órgão acusador, mas o simples
decurso de prazo, independentemente de sua justificativa
ou razão, para conferir o direito de propor a ação penal
subsidiária.
Logo, diligências internas ao Ministério Público, ou
outras considerações puramente afetas à instituição, são
irrelevantes para efeito do art. 5º, LIX, da CF/1988.
Consoante a jurisprudência desta Corte, se decorrido o
prazo legal sem oferecimento da denúncia, promoção pelo
arquivamento ou sequer pedido de diligência dirigido a
outro órgão do sistema de justiça, surge o direito à ação
penal subsidiária prevista no mencionado comando legal.
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal afirma que a conduta do Ministério
Público posterior ao surgimento do direito de queixa não
prejudica sua propositura:
"HABEAS-CORPUS. Crime de imprensa. Ação
penal pública condicionada a representação do
ofendido, Desembargador do Tribunal de Justiça do
Espirito Santo. [...]. A lei dá ao Ministério Público, na
sua condição de dominus litis, as primícias; se ele
deixar de atuar no prazo de lei, desveste-se do
privilégio legal e enseja que, em seu lugar, passe a
atuar o ofendido. Se, após, o Ministério Público
acordar da letargia e pedir o arquivamento da
representação, o tempo não retroage em seu favor,

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para que ele possa fazer o que deixou de fazer


tempestivamente, e não desloca o ofendido diligente
que substituiu o Ministério Público indolente.
Recurso de habeas corpus, pretendendo o
trancamento da ação penal privada subsidiaria por já
ter o Ministério Público pedido o arquivamento da
representação, a que se nega provimento. RHC
68.430, Relator Min. PAULO BROSSARD, Segunda
Turma, julgado em 24.3.1992.
Seguindo esse entendimento, tenho que apenas a
propositura da ação penal pública ou a promoção do
arquivamento do inquérito, anteriores ao oferecimento da
ação penal privada, prejudicariam seu andamento.
Fora dessas hipóteses, não há razão para afastar o
direito devidamente exercido.
Assim, a baixa em diligências, posterior ao decurso
do prazo legal para a propositura da ação penal pelo
Ministério Público não obsta o direito de queixa, ainda
que a vítima ou sua família tenham ciência de tais
providências.
A ciência não representa concordância com a falta de
ação da acusação pública.
Assim, proponho que a questão constitucional seja
resolvida no sentido de que (i) o ajuizamento da ação
penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo legal,
sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o
arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao
Ministério Público. Diligências internas à instituição são
irrelevantes.
Além disso, (ii) a conduta do Ministério Público
posterior ao surgimento do direito de queixa não
prejudica sua propositura. Assim, o oferecimento de
denúncia, a promoção do arquivamento ou a requisição de
diligências externas ao Ministério Público, posterior ao
decurso do prazo legal para a propositura da ação penal,
não afastam o direito de queixa. Nem mesmo a ciência da

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vítima ou da família quanto a tais diligências afasta esse


direito, por não representar concordância com a falta de
ação penal pública.
No caso concreto, foi estabelecido como comprovado
que o Ministério Público reteve os autos do inquérito
policial relatado em período superior ao prazo para
formulação da acusação. De 17.5.2012 a 12.7.2012, os autos
estiveram no Ministério Público, sem movimentação
externa.
A circunstância de estarem os autos em análise por
órgão técnico da promotoria, auxiliar do Promotor na
análise das questões médicas envolvidas, é irrelevante.
Não há nisso uma suspensão do prazo para
formulação da acusação.
A Constituição, como já afirmado, contenta-se com o
simples decurso de prazo legal, que é contado do
recebimento do inquérito pelo Ministério Público. Esse
prazo só seria interrompido pela promoção do
arquivamento ou pela baixa em diligências externas ao
Parquet.
É certo também que, após o decurso do prazo legal, o
Ministério Público promoveu diligências, das quais a
família da vítima tomou ciência, na medida em que se
manifestou nos autos da investigação.
Essas diligências não representam emenda da mora.
A ciência da família da vítima, da mesma forma, não
representa anuência com a falta de propositura da ação
penal pública.
Nada disso, portanto, prejudica o direito de queixa.
Assim, cabível a propositura da ação penal privada.
Ante o exposto, voto pelo provimento do agravo de
instrumento e do recurso extraordinário, reafirmando a
jurisprudência desta Corte, para reformar o acórdão
recorrido e denegar a ordem de habeas corpus, a fim de
que a ação penal privada prossiga, em seus ulteriores
termos.

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2. Atuou no Órgão de origem, como julgadora, a desembargadora


Sandra De Santis, com quem mantenho vínculo conjugal.

3. Declaro-me impedido, razão pela qual deixo de me pronunciar


sobre o instituto da repercussão geral.

4. Publiquem.

Brasília, 10 de abril de 2015.

Ministro MARCO AURÉLIO


Relator

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