Metodologia de Leitura Urbana À Luz Da Fenomenologia E Da Teoria de Lugar de Christian Norberg-Schulz

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XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.

METODOLOGIA DE LEITURA URBANA À LUZ DA


FENOMENOLOGIA E DA TEORIA DE LUGAR DE CHRISTIAN
NORBERG-SCHULZ
Michele dos Anjos de Santana1, Joelmir Marques da Silva2

Introdução
Christian Norberg-Schulz é um arquiteto norueguês, representante da terceira geração da arquitetura modernista, que
grupo que teceu duras críticas ao produto da segunda geração da Arquitetura Moderna, também chamada de
Racionalista. Em boa parte de suas obras, Norberg-Schulz declarou que tais arquitetos falharam na interpretação da
ideologia do Movimento Moderno, vulgarizando a Arquitetura e produzindo um espaço que levava a uma „crise
ambiental‟ nas cidades europeias, ao passo que promovia a construção de ambientes desprovidos de significados, que
produzissem a identificação do homem. Para ele, o resultado de tal prática era a „alienação humana‟ (Norberg-Schulz,
1971; 1980).
A exemplo do panorama pelas cidades europeias, no fim do século XIX e início do século XX, as cidades brasileiras
têm vivenciado, neste fim de século XX e início de século XXI, um processo acelerado de mudança de suas estruturas
urbanas, ocasionando, muitas vezes, a perda de referências espaciais vitais para a manutenção da identidade dos lugares.
A adoção de políticas públicas orientada pelo empresarialismo urbano – um modelo de gestão que busca na cidade a
criação de oportunidades de investimentos produtivos (Leal, 2002 apud Santana, 2012b) – tem colaborado para a
constituição de novos espaços urbanos desassociados das paisagens locais e, por consequência, espaço que têm perdido
suas referências culturais urbanas, responsáveis por imprimir identidade aos lugares (Santana, 2012a).
Para Norberg-Schulz (1980), a saída para esta crise ambiental era o desenvolvimento de uma fenomenologia do
lugar, a fim de que a Arquitetura continuasse a oferecer respostas formais a partir de uma base concreta, ajudando o
homem a habitar de maneira verdadeira e significativa. O catedrático da Escola de Arquitetura de Oslo ficou conhecido
especialmente pelos trabalhos teóricos que desenvolveu, a partir da Fenomenologia de Martin Heidegger e dos estudos
do arquiteto e teórico Kevin Lynch. Segundo Floistad (2007), Norberg-Schulz foi quem mais se destacou como
principal proponente de uma fenomenologia para a arquitetura, com destaque para a sua Teoria do Lugar (Norberg-
Schulz, 1980), desenvolvida a partir da dimensão existencial.
Compreendendo que a Teoria de Lugar e a Fenomenologia, juntas, podem oferecer a base para a aplicação de uma
metodologia de leitura urbana que produza um diagnóstico comprometido com as especificidades do lugar, este trabalho
objetiva apresentar desenvolver uma metodologia experimental de leitura do espaço urbano, que foi capaz de oferecer
diretrizes para intervenção urbanística de forma culturalmente orientada.
Material e métodos

A. Base Teórica para formulação da metodologia experimental.


A formulação da metodologia de leitura urbana considerou os dispositivos da Teoria de Lugar, elencados nas obras
de Norberg-Schulz, com ênfase para Genius Loci (1980), e, complementarmente em Existente, Space and Architecture
(1970) e Los Princípios de la Arquitectura Moderna (2008). Pelo fato desta teoria ser de natureza existencial, os
preceitos a Fenomenologia orientaram a atitude de pesquisa que deveria ser empregada durante a vivência do espaço, a
partir da literatura de Merleau-Ponty (1971) e Sokolowski (2004).

B. Recorte físico e temporal da Aplicação da Metodologia.


Esta metodologia foi empregada no trecho de maior densidade histórica do Bairro de Santa Tereza, em Olinda,
Pernambuco, pertencente ao Polígono de Preservação do Sítio Histórico de Olinda, como Zona de Entorno (Olinda,
1985), durante o ano de 2011. Este recorte do bairro assumiu a feição de lugar por coerência teórico-metodológica. A
observação do lugar foi feita ao longo das estações do ano, em horários distintos, em situações meteorológicas distintas
e em percurso de horas também diferenciados. Este percurso temporal está de acordo com o modus faciendi
fenomenológico, e procura esclarecer de que maneira os elementos do lugar influenciam na vida cotidiana do habitante
de Santa Tereza.

1
Mestre em Desenvolvimento Urbano. Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da FAVIP/Devry. Av. Adjar da Silva Casé, 800 -
Indianópolis Caruaru / PE CEP: 55.024-740. Email: [email protected]
2
Doutorando em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco. Av. Prof. Moraes Rego, 1235 - Cidade Universitária,
Recife - PE - CEP: 50670-901. E-mail: [email protected]
XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.

Resultados e Discussão
Sabendo-se que o conceito de lugar em Norberg-Schulz está fundamentado no espaço existencial, cuja construção
filosófica está pautada nas crenças de fenomenologia, a premissa para descrever o lugar como experimentação
existencial se expressa através da manutenção de uma atitude fenomenológica, enquanto vivencia-se o espaço. A
primeira atitude fenomenológica que se destaca é a necessidade de se eximir das especulações e observar as
experiências vividas, e assim estudar o objeto “livre de pré-concepções, das questões de origem causais e de sua
natureza” (Moreira, 2005). É permitir-se adentrar no lugar e deixar que nossa consciência produza um conhecimento “a
partir da vivência, do olhar, da contemplação” das coisas como elas são (Pallasma 1986 in Nesbitt, 2006, p.485). Esta
atitude se desdobra em uma maneira diferente de estudar as coisas do mundo, pois, na fenomenologia, “trata-se de
descrever, e não de explicar nem de analisar” o fenômeno, de maneira que se faça uma “descrição direta de nossa
experiência, tal como ela é”, a partir da observação da „coisa‟ no mundo (Merlau-Ponty, 1971, pp.6; 5).
A segunda atitude é compreender que a fenomenologia é relacional, e por isso compreende o mundo pelo que está ao
seu redor, nas diferentes escalas em que a vida acontece (Norberg-Schulz, 1980). É por causa do que está ao redor que
as coisas são do jeito que são (Heidegger, 1974 in Norberg-Schulz, 1980). Isto estabelece a necessidade de um intenso
contato com o objeto de estudo, conhecendo-o a partir da “vida-cotidiana”. Para a Fenomenologia um fato pode ser
compreendido por um indivíduo e lido como senso comum porque uma coisa se manifesta como ela é, em sua essência,
e não como cada um percebe em sua mente (Sokolowski, 2004). Desta forma, a descrição do lugar pode ser feito através
da vivência do pesquisador, na experimentação do espaço.
Considerando o disposto acima, a atitude fenomenológica orientou os procedimentos metodológicos, primeiramente
na captação. Seguido a ele, partiu-se para a categorização dos dados, foi feita a partir da análise interpretativa da
estrutura do lugar (Norberg-Schulz,1980). A compilação de dados, terceiro procedimento metodológico, organizou os
dados obtidos através dos instrumentos metodológico escolhidos, e, por fim, a revelação do espírito do lugar, último
procedimento metodológico, usou como base as exposições teórias e descrições feitas pelo autor, na mesma obra citada.
1. Captação
Este procedimento consistiu em ir a campo para observar diretamente o lugar. Tem por finalidade captar através da
experimentação do espaço, os dados fornecidos pelos elementos concretos/fatos ocorridos no lugar. Estas informações
foram ser recolhidas e documentadas através de instrumentos metodológicos compatíveis com a máxima da
fenomenologia de “ir às coisas”. Diante disto, foram utilizados uma ficha de visita, entrevistas livres, fotografias e
desenhos de observação.
A Ficha de Visita é um modelo de fichamento de visita de campo bastante simples. Deve ser numerada e conter
campos para preenchimento de data da visita, área de estudo, espaço para escrever as considerações a partir da vivência
do lugar e alocar os desenhos de observação. Ela foi utilizada como instrumento para: (i) Registrar os fatos da vida
cotidiana, ocorridos durante o tempo de observação; (ii) registrar desenhos que representavam as dinâmicas ou
percepções da pesquisadora sobre a área de estudo durante a observação; (iii) registrar as falas dos moradores, durante
as entrevistas livres; (iv) registrar as características dos elementos concretos que compunham o lugar.
As entrevistas livres consistiam em conversas travadas naturalmente com os moradores que se aproximaram da
pesquisadora durante a observação da área. Estas entrevistas – ou conversas – seguiam a orientação dada pelos próprios
habitantes, ao levantarem assuntos relativos às características do lugar, dos moradores, sobre o casario histórico, sobre o
perfil das pessoas que moravam no lugar, sobre os aspectos da segurança. Assuntos que eles mesmos julgavam
pertinentes de serem tratados após a apresentação da pesquisadora. A abordagem dos moradores foi feita mediante o
aguçamento da curiosidade a respeito do que fazia a pesquisadora naquele lugar. A estratégia foi cumprimentar os
moradores após sentar-se próximo ao banco da praça ou ao parar em frente à residência dos mesmos, enquanto se fazia
observações escritas na ficha de visita. Naturalmente o interesse do morador motivava-o a pedir explicações sobre a
atividade da pesquisadora que, em seguida, esclarecia-o dizendo se tratar de uma pesquisa acadêmica sobre projeto
urbano, e que, por isso, estaria visitando a área pelos próximos dias, observando, tirando fotos, para obter os dados
necessários.
As fotografias assumem na pesquisa um papel que vai além do caráter ilustrativo. Elas foram utilizadas como um
instrumento de comunicação, devido às particularidades que esta linguagem tem em transmitir um conjunto mais
complexo de ideias em um único instante. Assim, durante o procedimento de captação, a pesquisadora fotografou o
objeto de estudo para retratar os fenômenos da vida cotidiana e as particularidades do lugar a fim de oferecer ao leitor
quadros visuais, o mais completo possível, sobre o fenômeno existente em Santa Tereza.
A adoção da fotografia, como principal instrumento para transmissão de ideias globais, segue a proposta de Norberg-
Schulz no livro Genius Loci (1980), pois se considera que o autor foi bem sucedido em apresentar, através da fotografia,
as cidades na medida em que as estudava. Fotos estas que não possuem legendas, mas são inseridas no percurso do texto
como meio de ilustração/explicação sintética dos assuntos abordados, pois a imagem falava por si mesma.
XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.

2. Captação
Uma vez obtidos os dados em campo, o segundo procedimento metodológico consistiu em separar e alocar os
elementos concretos do lugar, de acordo com as categorias ambientais da teoria de lugar – imagem, espaço e caráter.
Este procedimento surgiu especificamente da análise interpretativa da obra Genius Loci (1980) em que o autor descreve
quatro lugares distintos, apresentando seus elementos concretos, segundo estas categorias. É importante reiterar que o
autor utilizou uma técnica de apresentação das qualidades ambientais do lugar, dividindo-as nestas “categorias/etapas”,
mas que esta divisão do espaço existencial tem em Norberg-Schulz um caráter meramente didático para melhor elucidar
ao leitor os aspectos essenciais do lugar, sendo considerado pelo autor como uma abstração do fenômeno (Norberg-
Schulz, 1980). Com isso, ressalta-se aqui que o autor não compreende que se possam separar estas dimensões na
“factividade” da vida, pois o lugar se constitui em totalidades complexas que não se apartam umas das outras (Norberg-
Schulz, 1980).
Assim, a adoção de categorias de análise intencionou criar um recurso metodológico para manter a fidelidade do
modo de apresentação das qualidades ambientais feita por Norberg-Schulz em Genius Loci. Foi por esta razão que,
entre a captação e compilação dos dados, realizou-se a categorização dos dados para fins de uma construção textual
mais comprometida com a natureza de cada dimensão do lugar.
3. Compilação de Dados
O terceiro procedimento metodológico consiste em organizar os dados de cada categoria ambiental e redigir o
documento responsável por apresentar ao leitor as qualidades ambientais de Santa Tereza. É, também, nesta etapa que as
categorizações feitas no procedimento anterior se justificam, pois, a reunião destes elementos comuns a uma mesma
categoria oferece uma leitura urbana ordenada por meio de textos, imagens e figuras que vão oferecer informações sobre
a identidade do lugar, ao leitor. A compilação de dados, para a descrição de Santa Tereza, fideliza-se à proposta de
Norberg-Schulz, respeitando o universo dos elementos que são responsáveis por determinar a natureza de cada um
destes aspectos. Conforme Norberg-Schulz, os elementos naturais e artificiais de um lugar são os “objetos-matéria de
uma fenomenologia” (1980: p.170, tradução nossa). Segundo o autor, as descrições deverão ser capazes de informar os
aspectos existenciais dos elementos peculiares do lugar, a partir de “diferenças qualitativas” (Norberg-Schulz, 1980:
p.10, tradução nossa). Assim, parâmetros como acima, abaixo, horizontal vertical, fora-dentro devem ser revelados
(Norberg-Schulz, 1980). Descrições geométricas e estéticas poderão ser acrescentadas, mas elas passam a ter um peso
menor em relação à dimensão topológica e neuro-psicológica que o lugar é capaz de ofertar (Norberg-Schulz, 1971).
4. Espírito do Lugar
Em Norberg-Schulz as três dimensões de análise do espaço existencial, que foram apresentadas no procedimento
anterior, culminam com uma última apresentação, e não menor que as outras, mas a motivação de conhecer, vivenciar e
descrever lugares: fazer conhecido o seu genius loci, o espírito do lugar. Esta etapa dos procedimentos metodológicos
tem por objetivo realizar um esforço de discorrer a respeito da totalidade que o lugar presenta; é uma espécie de
“conclusão” a que se chega, partindo das descrições anteriores.

Agradecimentos
Agradecemos a Fundação de Amparo da Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco - FACEPE, pelo apoio
financeiro concedido ao primeiro autor.

Referências
Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da percepção. 1ª Edição, Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1971, 465p; p.5-18
Norberg-Schulz, C. Existence, space and architecture. New York: Praeger, 1971. 120p.
______________. Genius Loci. Towards a Phenomenology of Architecture. New York: Rizzoli, 1980, 212 p.
______________. Los principios de la arquitectura moderna. Barcelona: Reverté, 2008, 238 p.
Santana, M. A. essência do lugar em Santa Tereza de Olinda. Um estudo sobre identidade de lugares urbanos à luz de
Norberg-Schulz. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2012a. 126p. Dissertação de Mestrado.
__________. A participação popular como instrumentação para um modelo de gestão. E-metropolis: Revista eletrônica
de Estudos Urbanos e Regionais, v. 10, p. 17--25, 2012b.
Sokolowski, R. Introdução à fenomenologia. São Paulo: Loyola, 2004, 274p; p.31-49/157-166.
Olinda. Reratificação do Polígono de Tombamento do Município de Olinda e seu Entorno, Lei n. 1155/79. IPHAN/Pró-
Memória e FCPSHO. Olinda: 1985

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