Cobertura de Exame Citológico de Colo de Útero

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DOI: 10.

1590/1414-462X201500030059

Artigo Original

Cobertura do exame citopatológico do colo


do útero no Estado de Minas Gerais, Brasil,
no período entre 2000-2010: um estudo a
partir dos dados do Sistema de Informação do
Câncer do Colo do Útero (SISCOLO)
Cervical cancer screening coverage in the state of
Minas Gerais, Brazil between 2000-2010: a study using data from the
Cervical Cancer Information System (SISCOLO)
Gabriel Winston de Carvalho Nascimento1, Claudia Cristina de Aguiar Pereira2,
David Israel de Carvalho Nascimento1, Galileu Chagas Lourenço1,
Carla Jorge Machado3
Resumo
O estudo analisou o rastreamento do câncer do colo do útero em Minas Gerais, Brasil, quanto ao número de exames realizados
anualmente e à cobertura do exame citopatológico. A fonte de dados foi o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero
(SISCOLO). Utilizou-se um estudo de série temporal referente à realização do exame, no período entre 2000-2010, em mulheres
de 25 a 59 anos, residentes nesse Estado e usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Realizaram-se comparações em relação
às metas pactuadas para o Programa Viva Mulher para as macrorregiões. Observou-se cobertura inferior à meta pactuada pelo
Programa Viva Mulher (63,8%) e à estimada pelos critérios populacionais (66,4%). Em 2000, as macrorregiões que apresentaram
maior cobertura em relação às duas metas foram: Triângulo do Norte, Triângulo do Sul e Centro. No ano de 2010, observaram-se
mudanças em relação à posição ocupada pelas macrorregiões e melhorias na cobertura. Quanto à meta SUS, as macrorregiões
Nordeste, Jequitinhonha e Sul apresentaram as maiores coberturas. As diferenças entre as duas metas avaliadas neste estudo
sobre a cobertura da realização do exame de Papanicolau destacam a importância da escolha do critério para estabelecimento
de metas.
Palavras-chave: rastreamento; câncer do colo do útero; prevenção; cobertura.

Abstract
This study aimed to analyze the cervical cancer screening in Minas Gerais, Brazil, regarding the number of tests performed annually
and its coverage. We used data from the Cervical Cancer Information System (SISCOLO). Screenings performed between 2000
and 2010 were analyzed regards time sequence for women who lived in the state, aged 25-59 and users of the Unified Health
System (SUS). We performed comparisons against target goals agreed for the Viva Mulher Program in the macroregions. The overall

1
Acadêmico de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brasil.
2
Pesquisadora em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
3
Professor Associado II do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte
(MG), Brasil.
Trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) – Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
Endereço para correspondência: Claudia Cristina de Aguiar Pereira – Rua Leopoldo Bulhões, 1480, 7º andar – CEP: 21041-210 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil –
E-mail: [email protected]; [email protected]
Fonte de financiamento: nenhuma.
Conflito de interesses: nada a declarar.

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Gabriel Winston de Carvalho Nascimento, Claudia Cristina de Aguiar Pereira, David Israel de Carvalho Nascimento, Galileu Chagas Lourenço, Carla Jorge Machado

coverage was lower than the one set by Viva Mulher Program (63.8%) and also lower than the estimated by the population criteria
(66.4%). In 2000, macroregions that showed the highest coverage for the two goals were: Northern Triangle, South and Central
Triangle. In 2010, there were changes regarding the position occupied by the macroregions and coverage improvements. As for
SUS targets, the Northern, Jequitinhonha and South macro-regions had the highest coverage. The differences between the two
targets evaluated in this study highlight the importance of the criteria chosen for setting goals.
Keywords: screening; cervical cancer; prevention; coverage.

▄▄INTRODUÇÃO ações do Programa, promovendo a análise dos dados coletados


O câncer do colo do útero (CCU) é o terceiro tipo de câncer nos postos de saúde e nos laboratórios integrados ao Sistema
mais comum entre as mulheres, com aproximadamente 530 mil Único de Saúde (SUS). A partir de então, as estratégias de
novos casos por ano no mundo, e o responsável pelo óbito de prevenção e de controle do CCU passaram por períodos de
270 mil mulheres por ano1. No Brasil, em 2014, foram estimados reavaliação e de reafirmação – o mais recente foi no ano de
15.590 novos casos2. Trata-se de uma doença rara em mulheres 2011, com o lançamento do Programa de Fortalecimento da
com até 30 anos e sua incidência aumenta progressivamente até Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer do
ter seu pico na faixa de 40 a 50 anos. A mortalidade aumenta, de Colo do Útero e de Mama6. Metas quanto ao número de exames
modo progressivo, a partir da quarta e quinta década de vida, a serem realizados foram pactuadas11. Diante da magnitude do
com expressivas diferenças regionais no país. A incidência de CCU e da importância de sua prevenção por rastreamento12,
CCU é aproximadamente o dobro em países em desenvolvimento, é relevante quantificar as informações sobre a sua prevenção
comparativamente aos países desenvolvidos, e trata-se de para a elaboração de políticas públicas. Para tanto, o número
uma doença relacionada ao baixo nível socioeconômico da de exames preventivos deve ser observado à luz das metas
população1,3,4. pactuadas e preconizadas pelo SUS. Essas mesmas metas
Por ser uma neoplasia causada pelo Papilomavírus humano devem ser observadas e consideradas a partir de informações
(HPV), a realização do exame de Papanicolau, também populacionais para que o dimensionamento seja o mais adequado
conhecido como exame citopatológico do colo do útero, exame possível, segundo as mudanças demográficas na população-alvo.
colpocitopatológico ou oncocitológico, tem sido reconhecida Assim, os objetivos deste estudo foram descrever a série
mundialmente como uma estratégia segura e eficiente para a temporal de informações sobre os exames de Papanicolau
detecção precoce do CCU na população feminina. A efetividade realizados pelo SUS em Minas Gerais, localizado na região
da detecção precoce de lesões precursoras por meio do exame de Sudeste do Brasil, entre 2000 e 201013. Apesar da queda da
Papanicolau, associada ao tratamento em seus estádios iniciais, mortalidade por CCU nesse Estado, a cobertura do rastreamento
tem resultado em redução de até 90,0% nas taxas de incidência
foi ressaltada como insatisfatória13. Minas Gerais, além de ter
de câncer cervical invasor, quando o rastreamento apresenta
o maior número de municípios do país, possui ainda grande
boa cobertura e é realizado dentro dos padrões de qualidade5.
heterogeneidade socioeconômica entre suas macrorregiões.
O Ministério da Saúde recomenda o rastreamento do CCU
Essas constatações tornam propícia a observação de uma série
a partir dos 25 anos de idade para as mulheres sexualmente
temporal no período após a implementação do SISCOLO em
ativas. O intervalo deve ser de três anos entre os exames,
Minas Gerais, o que torna possível analisar quando houve
quando ocorrem dois exames negativos com intervalo anual.
intensificação das iniciativas voltadas para o CCU, principalmente
A recomendação atual preconiza a continuidade dos exames até
no que tange à sua prevenção.
os 64 anos de idade, devendo ser interrompidos quando há pelo
menos dois exames negativos nos últimos cinco anos6. A idade ▄▄MATERIAIS E MÉTODOS
mínima para interrupção do rastreamento em recomendações
anteriores (antes de 2011) era de 59 anos7. Trata-se de estudo ecológico de série temporal que avaliou
Em 1995, como parte de um compromisso assumido pelo Brasil informações epidemiológicas sobre a realização do exame de
na Conferência Mundial sobre a Saúde da Mulher, o Ministério Papanicolau em Minas Gerais no período 2000 a 2010. Os dados
da Saúde elaborou um projeto-piloto de rastreamento do CCU de população utilizados provieram do sistema informatizado
no país denominado “Viva Mulher: Programa Nacional de SISCOLO10, especificamente desenvolvido pelo Departamento
Controle do Câncer do Colo do Útero”8-10. Em 1997, o Programa de Informática do Sistema Único de Saúde, em parceria com
foi implementado em seis localidades e, no ano seguinte, foi o Instituto Nacional do Câncer (INCA), e voltado para a
ampliado para todo o território nacional. Também, em 1998, foi estruturação do Programa Viva Mulher11, que coleta e processa
criado o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero informações sobre identificação de pacientes e laudos de exames
(SISCOLO), com o objetivo de monitorar e de gerenciar as cito e histopatológicos, fornecendo dados para o monitoramento

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Cobertura do exame citopatológico do colo do útero no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2010

externo da qualidade dos exames. Os dados foram extraídos de exames necessários pela meta SUS vezes 100 resultou na
diretamente do sítio do DATASUS. cobertura em relação à meta SUS. Da mesma forma, a cobertura
Foram utilizadas informações sobre as mulheres residentes no em relação à meta populacional foi obtida pela divisão do
Estado de Minas Gerais, com idade de 25 a 59 anos14, e estimativas número de exames efetivamente realizados pelo número de
do número de usuárias do SUS. Para tal, foi necessário subtrair exames necessários pela meta populacional vezes 100.
das informações de cada município o número de mulheres A Figura  1 apresenta as macrorregiões de Minas Gerias
beneficiárias de planos privados de saúde (saúde suplementar)15. definidas pelo Plano de Regionalização do SUS (PDR/SUS)
O cálculo realizado foi referente ao mês de junho de cada ano (Figura 1). Os gráficos (Figura 2) indicam a tendência temporal
estudado, fazendo a subtração a partir do total de mulheres de anual entre o período de 2000 e 2010 do número de exames
cada município. Obteve-se, assim, a estimativa do número de realizados, tanto da meta populacional quanto da meta SUS,
mulheres atendidas pelo SUS em cada ano. A premissa básica para cada uma das macrorregiões.
foi que o exame citopatológico deveria ser realizado uma vez ao O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
ano, em mulheres de 25 a 59 anos de idade7,16, ou que já tivessem da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
tido atividade sexual mesmo antes dessa faixa etária, e depois Gerais (UFMG), com parecer n. 510.095, de 14 de janeiro
de dois exames anuais consecutivos negativos, a cada três anos, de 2014, e CAAE n. 17983113.6.0000.5149. O Termo de
conforme preconizado pelo Ministério da Saúde17. Assim, para Consentimento Livre e Esclarecido não foi necessário por
este trabalho, definiu-se que o número de mulheres atendidas serem dados secundários.
deveria ser no mínimo igual a um terço da população de usuárias
▄▄RESULTADOS
do SUS (não beneficiária de saúde suplementar) – definido
como o parâmetro mínimo do quantitativo de exames. Além No ano 2000, o Estado de Minas Gerais teve 1.193.472 exames
disso, para comparação, obtivemos as metas pactuadas para o de Papanicolau programados para a meta SUS e 1.241.572 para a
Programa Viva Mulher de cada município, por meio de dados meta populacional. Contudo, o número de exames efetivamente
disponíveis no SISCOLO, as quais foram definidas de acordo realizados foi de 792.331, indicando cobertura inferior tanto
com a população-alvo para o rastreamento (25 a 59 anos), com em relação à meta SUS (63,8%) quanto à meta populacional
base na população anual de mulheres estimada pelo Instituto (66,4%) (Tabela 1).
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para 2009, a meta As macrorregiões que apresentaram maior cobertura em
SUS (para todo o Estado) equivaleu a 20,0% da população‑alvo; 2000 em relação à meta SUS foram: Triângulo do Norte,
para 2010, o indicador equivaleu a 21,0%; para os demais Triângulo do Sul e Centro. No entanto, quando o critério de
anos, sabe-se que não superou 30,0%, conforme preconizado comparação foi a meta populacional, a macrorregião Centro
pelo Ministério da Saúde18, mas não se tem o conhecimento apresentou maior cobertura que a Triângulo do Sul. As piores
exatamente do fator utilizado na multiplicação. coberturas foram observadas em Jequitinhonha, Nordeste e
Leste do Norte (meta SUS) e Jequitinhonha, Noroeste e Leste
Análise estatística do Norte (meta populacional).
Os dados quantitativos foram recebidos em planilhas do
Microsoft Excel 2010. As frequências absolutas e os valores
calculados quanto às coberturas foram representados por tabelas
e gráficos. Após conversão dos dados em formato compatível
com pacote estatístico STATA, versão 13.119, analisaram-se os
dados com este último programa.
Foram obtidos, de cada um dos 11 anos estudados – 2000 a 2010 –,
os números de exames realizados para as 13 macrorregiões de
Minas Gerais e para o total do Estado. Obtiveram-se duas metas
para o número de exames ano a ano para cada macrorregião:
meta proposta pelo SUS para cada macrorregião (número
de exames anuais programados pelo SUS, chamado aqui de
meta SUS); meta estimada neste trabalho, considerando-se
a população feminina de 25 a 59 anos, residente em cada
macrorregião (denominada de meta populacional). De posse
Figura 1. Macrorregiões de saúde de Minas Gerais – Plano de
dessas informações, estimaram-se as coberturas dessas duas Regionalização do Sistema Único de Saúde (PDR-SUS). Fonte: Secretaria
metas. A divisão do número de exames realizados pelo número de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG)/SMACSS/DEA18

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Gabriel Winston de Carvalho Nascimento, Claudia Cristina de Aguiar Pereira, David Israel de Carvalho Nascimento, Galileu Chagas Lourenço, Carla Jorge Machado

Em 2010, as metas SUS e populacional foram iguais a da cobertura quando comparada à de 2000. No ano de 2010, a
1.495.182 e 1.398.922, respectivamente, com 1.334.940 exames posição ocupada pelas macrorregiões mudou comparativamente
realizados e coberturas iguais a 89,3% pela meta SUS e a 95,4% ao ano de 2000. Quanto à meta SUS, as macrorregiões Nordeste,
pela meta populacional (Tabela 2). Observou-se, assim, melhoria Jequitinhonha e Sul apresentaram as maiores coberturas.

Figura 2. Série temporal do número de exames citopatológicos realizados (efetivo), meta populacional e meta SUS, por macrorregião de Minas
Gerais e Estado total (2000-2010)

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Cobertura do exame citopatológico do colo do útero no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2010

Contudo, na meta populacional, Jequitinhonha teve a pior Chama atenção, na macrorregião Centro, o fato de que a meta
menor cobertura. mínima populacional esteve sempre abaixo da meta SUS, bem
Em relação às tendências temporais, nota-se que todas as como do número de exames realizados, com exceção do ano de
macrorregiões apresentaram aumento do número efetivo de 2002. A macrorregião Triângulo do Norte apresentou número de
exames realizados, observando-se um pico em 2002 (Figura 2). exames realizados acima do estimado pela meta populacional na

Tabela 1. Demonstrativo do número de exames realizados em mulheres de Minas Gerais no Sistema Único de Saúde em 2000, meta populacional
estimada, meta SUS e cobertura em relação às metas
Meta proposta Cobertura em
Número mínimo de Cobertura em
Número de exames (número de exames relação à meta
exames necessários relação à meta SUS
Macrorregiões realizados (Efetivo) programados - meta populacional
(meta populacional) (Coluna1)×(100)/
Coluna 1 SUS) (Coluna1)×(100)/
Coluna 2 (Coluna 3)
Coluna 3 (Coluna 2)
Sul 91.580 173.336 157.812 52,8 58,0
Centro-Sul 22.707 47.363 45.936 47,9 49,4
Centro 299.299 353.002 372.216 84,8** 80,4**
Jequitinhonha 5.429 25.549 18.276 21,2 29,7
Oeste 42.143 78.720 69.408 53,5 60,7
Leste do Norte 38.511 97.392 90.348 39,5 42,6
Sudeste 71.893 98.772 96.936 72,8* 74,2*
Norte de Minas 49.358 100.103 96.456 49,3 51,2
Noroeste 15.953 44.292 37.320 36,0 42,7
Leste do Sul 20.670 46.154 41.640 44,8 49,6
Nordeste 23.566 57.604 58.320 40,9 40,4
Triângulo do Sul 35.250 46.144 39.000 76,4* 90,4***
Triângulo do
65.972 73.141 69.804 90,2*** 94,5***
Norte
TOTAL 792.331 1.241.572 1.193.472 63,8 66,4
Fonte: Ministério da Saúde/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) ; Instituto Nacional do Câncer (INCA)/Sistema de Informação
20

do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO)14; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10. *Cobertura acima de 70,0%. **Cobertura acima de 80,0%.
***Cobertura acima de 90,0%

Tabela 2. Demonstrativo do número de exames realizados em mulheres de Minas Gerais no Sistema Único de Saúde em 2010, meta populacional
estimada, meta SUS e cobertura em relação às metas
Meta proposta Cobertura em
Número mínimo de Cobertura em
Número de exames (número de exames relação à meta
exames necessários relação à meta SUS
Macrorregiões realizados (Efetivo) programados - meta populacional
(meta populacional) (Coluna1)×(100)/
Coluna 1 SUS) (Coluna1)×(100)/
Coluna 2 (Coluna 3)
Coluna 3 (Coluna 2)
Sul 202.971 187.552 201.660 108,2*** 100,7***
Centro-Sul 48.083 55.011 58.812 87,4** 81,8**
Centro 355.513 383.651 450.648 92,7*** 78,9*
Jequitinhonha 21.303 30.316 19.764 70,3* 107,8***
Oeste 86.271 85.941 93.468 100,4*** 92,3***
Leste do Norte 102.976 112.386 114.372 91,6*** 90,0***
Sudeste 104.241 113.171 119.388 92,1*** 87,3**
Norte de Minas 109.823 128.061 117.960 85,8** 93,1***
Noroeste 42.625 52.162 46.848 81,7** 91,0***
Leste do Sul 45.327 54.206 48.294 83,6** 93,9***
Nordeste 70.825 63.215 64.032 112,0*** 110,6***
Triângulo do Sul 51.689 50.985 60.180 101,4*** 85,9**
Triângulo do
93.293 82.265 99.756 113,4*** 93,5***
Norte
TOTAL 1.334.940 1.398.922 1.495.182 95,4*** 89,3**
Fonte: Ministério da Saúde/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) ; Instituto Nacional do Câncer (INCA)/Sistema de Informação
20

do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO)14; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10. *Cobertura acima de 70,0%. **Cobertura acima de 80,0%.
***Cobertura acima de 90,0%

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Gabriel Winston de Carvalho Nascimento, Claudia Cristina de Aguiar Pereira, David Israel de Carvalho Nascimento, Galileu Chagas Lourenço, Carla Jorge Machado

maior parte do período estudado. Contudo, essa macrorregião, de forma sustentada. Entretanto, os dados evidenciam que uma
a Triângulo do Sul e a Sudeste registraram grandes oscilações das macrorregiões mais pobres do Estado, o Jequitinhonha,
no número de exames realizados, principalmente até o ano apresentou grande disparidade entre a meta populacional e a
de 2008. A macrorregião Nordeste teve meta populacional meta SUS. Comparativamente à meta populacional, os números
bastante semelhante à meta SUS até 2006, período em que o de exames estiveram muito abaixo do esperado ao longo do
número de exames realizados permaneceu bem abaixo em período de estudo.
ambas. Após 2006, o número efetivo de exames realizados Ao analisar os fatores que levaram ao não alcance das metas
passou a aumentar e se aproximou das metas, até que, no final em relação à cobertura do exame citopatológico, percebe-se
do período, ultrapassou ambas. A macrorregião Norte também que o problema é complexo e multifacetado. Um estudo que
apresentou avanços no número de exames realizados a partir abordou o vínculo entre a população em três municípios do Vale
de 2006, quando se aproximou mais das metas. No caso da do Jequitinhonha21 mostrou que os profissionais entrevistados
macrorregião Jequitinhonha, a máxima cobertura obtida foi
enfatizaram o problema da rotatividade nas Equipes de Saúde da
em relação à meta SUS em 2010; somente após 2008 que o
Família, o que interfere negativamente na dinâmica do trabalho
número de exames realizados passou a ser mais elevado que
e no vínculo construído com as famílias. Esse vínculo é uma
a meta SUS. Seis macrorregiões – Centro-Sul, Leste do Norte,
ferramenta que possibilita a realização de atos terapêuticos22.
Leste do Sul, Noroeste, Oeste e Sul – apresentaram padrões
Dessa forma, pode-se inferir que a rotatividade atuaria como
nítidos, com estimativas pelas metas populacionais mais elevadas
um empecilho no alcance de um maior número de usuárias
que as metas SUS. Estas últimas, por sua vez, permaneceram
com exame citopatológico realizado. Outro problema seria a
mais elevadas que o quantitativo realizado na maior parte do
barreira da própria mulher em relação ao exame de Papanicolau.
período analisado.
Para o Estado como um todo, o número efetivo de exames Infelizmente, muitas mulheres, devido ao baixo grau de
ficou sempre aquém das metas, independentemente do critério, escolaridade e por residirem em regiões de extrema pobreza,
com exceção de 2002, quando o número realizado se aproximou não têm informações adequadas a respeito do câncer cervical
da meta SUS, mas ficou abaixo da meta populacional. nem acerca da sua prevenção e detecção precoce23. Ademais,
por ser um exame pélvico, muitas mulheres sentem vergonha
▄▄DISCUSSÃO de realizá-lo, fazem associação com a dor ou são coibidas por
De maneira geral, os resultados indicam que a meta seus parceiros23. No entanto, nas sociedades contemporâneas,
populacional, comparativamente à meta proposta pelo SUS, é considerável o papel das mulheres como pilares de sustento
por meio da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais de suas famílias, o que pode levar à negligência nos cuidados
(SES-MG), é diferente em cada macrorregião. Também indicam com a própria saúde, fazendo com que essas mulheres não
que houve avanços inequívocos no sentido do aumento da procurem os centros de saúde para a realização do exame24.
população atendida. A intensificação da política de rastreamento, A dificuldade do acesso das usuárias ao SUS para a coleta do
por intermédio do fortalecimento e da qualificação da rede de exame citopatológico25 também pode ser um dos motivos para
atenção básica, e a ampliação dos centros de referência em 20022 o não cumprimento das metas de cobertura. Muitas mulheres
foram ações que podem ser inferidas com base no aumento da têm dificuldade em agendar uma consulta com um profissional
cobertura e no número de exames realizados. Naquele período, de saúde25. Além disso, a longa distância da unidade básica de
priorizaram-se as mulheres entre 35 e 49 anos e que jamais saúde, os horários não flexíveis e a falta de estrutura do centro
haviam sido submetidas ao exame ou que estavam há mais de saúde são alguns dos fatores que dificultam a cobertura do
de três anos sem realizá-lo, alcançando mais de 3,8 milhões exame do Papanicolau em diferentes regiões26. A busca ativa,
de mulheres. por meio de sensibilização das mulheres nas comunidades para
A identificação da cobertura ideal não é tarefa fácil. realização do exame, e a demanda espontânea contribuem para
O  cadastro do Sistema de Informações de Atenção Básica o alcance das metas17. Outro aspecto que vai além da realização
(SIAB) é discordante da população anual estimada pelo IBGE dos exames preventivos, mas que é de fundamental importância,
e obtida no sítio do DATASUS17. Neste trabalho optou-se por diz respeito ao treinamento dos profissionais da atenção básica
efetuar uma estimativa populacional do número mínimo de para diagnóstico precoce das lesões precursoras do CCU, o que
exames, excluindo-se a população coberta por planos de saúde pode favorecer muito o tratamento e aumentar a possibilidade
suplementar (meta populacional). Em seguida, comparou-se de sucesso no combate a esse tipo de câncer.
a meta populacional à meta anual de realização do exame O estudo da cobertura do exame do Papanicolau em Minas
preconizada pelo Ministério da Saúde (meta SUS). O resultado Gerais é essencial para a elaboração de estratégias de prevenção,
foi que, em qualquer uma das metas, a cobertura tem aumentado bem como para a avaliação da efetividade das medidas já

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Cobertura do exame citopatológico do colo do útero no Estado de Minas Gerais, Brasil, 2000-2010

implementadas por meio do Programa Viva Mulher27,28. da cobertura. Sugere-se que novos estudos e políticas de saúde
Esse conhecimento é fundamental para ajustes nas políticas de considerem critérios populacionais para avaliação das metas.
saúde, principalmente nas estratégias sub-regionais. As diferenças Acredita-se que os resultados apresentados poderão auxiliar
entre as metas avaliadas neste estudo sobre a cobertura de na identificação e correção de possíveis falhas do programa de
realização do exame de Papanicolau destacam a importância da prevenção do CCU, além de contribuir para a elaboração de
escolha do critério para estabelecimento de metas para avaliação novas estratégias e melhorias das ações preventivas e diagnósticas.

▄▄REFERÊNCIAS
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