Cena 3

Luiza est6 desembalando algumas coisas das caixas. Jiilll

entra sem bater.

JULLl Cuidado com essa porta aberta...

LUIZA Ah, e, eu costumo ficar com a porta aberta, talvez

seja uma defeito...

JULLl Sonhei com voce...

LUIZA i mesmo?

JULLI E mesmo, urn sonho lindo, a gente mum parque

de diversao, riamos muito, comiamos algodao doce, era muita ale-

gria... Ai eu percebi, n6s somos tao parecidas!

LUIZA Sem ddvida.

[Sil6noio aioompanhado de oerto inc6modo]

JULLI Isso e urn momento sarcasmo, ou, por urn acaso,

eu estou ficando burra? Se 6 tal momento, acredite, e uma dadiva
entre vizinhas, o encontro de duas distintas mulheres com esses dia-
1ogos mordazes e citricos! Mais feminino impossivel! Gosto muito!
Voce comprou ou 6 alugado?

LUIZA 0 sarcasmo?

O ape.

Alugado.
JULLl E. Esta bern dificil comprar qualquer coisa hoje
em dia...

LUIZA Talvez.

[Sifenoio]

JULLI Tudo aumentou absurdamente!

LUIZA i.
JULLI 0 meu, gra€as a Deus, 6 meu mesmo.

LUIZA QLuebom.

JULLl Muito! Meu pai comprou esse e eu, enfim, moro

aqui desde a faculdade...

LUIZA O que voce faz?

JULLI Vendo o impossivel!

LU IZA Impossivel?

JULLI Sou publicitdria, solteira tamb6m, quer dizer, nao

totalmente, meu coragao anda bastante apaixonado!

LUIZA Sei.

JULLI Enfim, tenho me divertido...

LulzA Bacana.

JULLI Segunda vez que voce fala a palavra ``bacana'',

isso significa que tudo anda em perfeita ordem com voce?

LUIZA Gostaria.
JULLl Nao anda?

LUIZA Nao. Nao anda.

[Sif enoio oonstrangedor]

JULLl Entao, ja estou acostumada com o bairro...

LUIZA Bairro?

JULLl Sabe como €...

LUIZA Nao sei!

JULLl Resolvicomprar...

LUIZA Comprar o que?

JULLl 0 apartamento!

LUIZA Ah, o apartamento, certo.

[Julli fica sem saber o qiie fazer. Luiza nao tern reapao]

JULLI Voce esta bern?

LUIZA Por que?

JULLl Nada. Achei que...

LulzA Estou bern.

JULLl E que voce acabou de falar que nao estava em

perfeitaordem...

565
LUIZA Sou maniaca depressiva! Tenho s6rios problemas
emocionais, acabei de sair de urn lugar onde loucura nao e nada de
outro mundo e o inferno talvcz seja menos quente que la, quero di-
zer, eu nao sou alguem interessante nos dias atuais, hoje entao, sou
umperigo,umagrandeamea9a,umriscoterrivelparaqualquerindi-
viduo, bicho, sociedade, TPM perto do meu estado nesse momento,
acredite, e urn doce feito pela melhor av6 do mundo, entendeu? Ou
voce ainda acha que existe possibilidade de dialogo?

i. Esta bern complicado. Mas tudo isso e s6rio?

Serissimo.

[Sil6noio longo. As duas fioam se olhando por un longo tempo.

Julli n5o sabe o que fazer. AJgo de muito ino6modo fioa no ar e
ningu6m se manifesta. Julli sai, entra no seu apartamento, fioa
pensativa no meio da sala, tentando oompreender a situaQ5o
vivenoiada h6 pouoos instantes. Luiza Continua tranquilalnente
arl'unando as oaixas pelo oh5o, serve mais umai dose de
uisque em seu oopo, aumenta o som da vitrola. Julli sai
rapidamente do seu apartamento e vai para o apapartamento
de Luiza. Entra abruptamente]

JULLl Escuta!

LJ"1^ [Virando para ela com urn ar de surpresa, no entan-

to,controladoefrio].Escuto.Podefala.I.

JULLI Tern urn urso polar dentro do meu apartamento!

LUIZA Como 6 que e?

JULu Urn urso, gigante, polar, eu entrei e ele rosnou

para mim, meu Deus, e agora? Me diz, e agora? Sera que eu

chamo o Ibama?
LUIZA Urn urso no seu apartamento?

JULLl Gigante, rosnando!

LUIZA Voce 6 doida?

JULLl Nao, trabalho noutra atmosfera!

LUIZA Olha, voce veio aqui no primeiro dia, depois de-

morou uma semana, agora vein todo dia e nao se contentando com
isso, entra e sai do meu apartamento sem ser convidada; pior, como
se nada abalasse sua investida maluca, nao quero ser indelicada, mas
esse apartamento 6 meu...

JULLI Nao, 6 meu!

LUIZA Como?

JULLI Esse apartamento 6 meu, quero dizer, os dois

desse andar, 6, estf vendo? 0 jogo vira, nao estava querendo explorar
meu poder de proprietiria, nao mesmo, mas preciso de fato fazer
isso, estou tentando algo com voce, uma aproximagao, mas vejo que...

LUIZA Certo. Se voce e a dona, eu aluguei, portanto, a dona

nesse momento sou eu, mais que isso, aqui e entra quem eu permito...

JULl_I Por acaso voce € alguma pessoa notivel, uma es-

trela de cinema, o dltimo ralador de coco do mundo?

LUIZA Seria mais facil, viver seria bern mais ficil!

JULLl O que?

LUIZA Ser urn ralador de coco! S6 isso?

JULL' Nao, ten mais coisas e serao ditas.

I_UIZA QLue legal. Vamos la. QLuer saber da minha tra-

jet6ria ate aqui? Nao sei se voce percebeu, mas tenho muita coisa
para arrumar, normal, mas como voce me parece muito ansiosa por
notfcias novas e da sua nova vizinha, e inquilina do seu apartamento,
vamos ao interrogat6rio... Pode come¢ar!

JULLI Voce ten razao, desculpe mesmo, acho que nao

estou sendo engraeada, perdao, apenas quis ajudar, esquece que sou a

proprietaria do seu lar, acho que a gente tern que ficar onde gostam
da gente... Boa noite...

LUIZA Me perdoe... Estou num momento complicado...

[Lehasentasobreamesa.SilGncio.JullificaPardisadaii,omeiodasalasem
saberoquefder]ullivaisaindo]M:edesedpemesnd.

Boa noite...

Nao, fique, por favor...

[Sil§ncio]

QLuem morava aqui no seu ape era urn senhor.

0 zelador me falou.

Esse zelador 6 urn boca aberta. Cuidado com ele.

i bipolar.

Eu tamb6m. Pode deixar!

Nao, nao 6... Voce e ``bacana"! Voce e muito inte-

1igente,ja percebi, nao creio que seja verdade essa onda de maniaca e
muitomenosbipolar,quem6bipolartamb€mpodeseralgu6mincri-
vel, incrivel, bern, incrivel 6 urn pouco de exagero, mas 6 complicada
uma relagao estivel com o tipo bipolar, polar ja 6 frio, lembra a cor
branca, bi jf nao sabe que corpo 6 mais apropriado na cama; agora
as duas coisas juntas, aposte, 6 para enlouquecer, mas enfim, cada urn
com sua loucurinha, eu tamb6m sou esquisita, deliciosa, sofisticada
e cheia de categoria, simples como a palavra simples /£z#.z¢ ccc7c zf 7#

Pouco ef ica sorrindo discretamente] Ah, o senhor cpe rri:ora:wa alrywii, de

nao tinha familia, eu o via sempre sozinho ou acompanhados de ami-

gos, garotos mais novos, acho que ele era sozinho...

LUIZA Era gay?

JULLI Mas era uma boa pessoa...

LulzA Por que nao seria?

JULLI Nao, nao 6 isso...

LUIZA Eu nao falei nada.

JULLI Sin,voc€naofalou,pensoueeuseiquefaleimerda...

LUIZA Pode ser...

JULLl Pode ser, como assim? Nao pode ser, enfim, deixa

para la...

LUIZA Ja deixei.

JULLI Claro. E que eu sempre vinha aqui, ajudava ele

com algumas coisas, falo do senhor, ficava falando sobre tudo, ele
trabalhava com teatro, fui assistir algumas pegas que ele escrevia. Ele
dirigia tambem, ele era muito gente fina... Nao sei se voce gosta de
teatro, eu amo teatro, vou sempre que posso, ele que me levou para
assistir a das amigas do cha... Sofreu urn infarto e faleceu, falo do
senhor que morava aqui, nao tinha ningu6m...

Jb¥
LUIZA Acontece!

JULLI E. Acontece. Fico pensando nessas pessoas so-

zinhas no mundo... Foi muito triste, mas lembrarei dele com muita
alegria, ele era bern feliz, cheio de ideias, tinha dia que eu vinha aqui
e ficava horas papeando com ele... /Sz./g7"z.a/ Fala comigo, criatura, se

quebra, vai, eu sou "bacana'', acredite, e estou tentando urn contato

saudavel com voce, 6 dificil?! Voce parece preocupada, meio sem saco,
s6 porque € mulher? Nao, nao, nao! Mulher tern urn saco maior que
muito homem... Fica tranquila... Eu sou engra€ada! Voce vai gostar
de mim. Aposte! Ah, esse seu apartamento € ben grande, voce ja
deve saber, 6bvio...

LUIZA Sei sim.

JULLl 0 aluguel 6 caro, mas tudo se arruma.

LUIZA Sem ddvida. Com dinheiro tudo se arruma.

[Luiza comeqa tirar ooisas das c}aixas]

JULLI Eu sou uma pessoa que nao reclamo de nada, o

momento 6 para ser feliz, nao sei se voce acredita em felicidade, mas
eu acredito, que seja por urn segundo, mas felicidade obrigatoria-
mente e uma coisa que me rodeia, caso ela desaparega, nao tenho
divida, invento felicidade. Sou assim, eu costumo contar piadas para
mim mesma, s6 para voce ter uma ideia, ten que ser leve. Nao fun-
ciono na infelicidade, acho que 6 coisa do meu signo... Ainda nao
vieram os m6veis?

LUIZA Ainda nao.

JULLI Criatura, nao fique ansiosa, mudan€a e uma coisa

azucrinante,maslogovocearrumatudo,daiesselugarvalficarlindo...
LUIZA Vai.

JULLI QLuando precisar de alguma coisa, ja sabe, pode

tocar minha campainha, por favor, nao se preocupe com hora. Ah,
nao sei se voce conhece o bairro, mas aqui e muito calmo, tern dia que
mais parece uma cidade do interior... i... i isso... Espero que aqui
seja urn lugar para voce viver lindamente... Desculpe ser entrona, mas
eu sou assim.

LUIZA Tranquilo.

JULLl Ate mais...

LUIZA Ate.

JULLl Sera urn prazer ser sua vizinha...

LUIZA Fico feliz em saber. Obrigada!

JULLl De nada! Eu sou bern legal! Espero que ainda

lembre meu nome.

LUIZA Claro que lembro.

Jul_Ll Muito bem! Como e o meu nome?

[Sil6noio]

LUIZA 0 meu 6 Luiza.

JULl_I Voce e esperta!

LUIZA Voce 6 realmente engragada!

JULu Tern que ser, criatura, sem graga ja basta nossa

conta bancaria, a fatura do cartao de cr6dito, sentir c61ica todo mes!
Mas esta tudo certo, nao posso reclamar! Meu none 6 Julli, com dois
L,souestl8;r[hac.omessaccfrsadeITome...[Ficamemsil6ncio.]ullifica
c.#coffloc7¢c7czJ Ate mais... Ji vi que vou ter que rebolar para arrancar
humor de voce, normal, 6 assim, uma hora voce se derrete por mim,
sou fantastica! Voce tamb6m, acredite!

prai saindo]

LUIZA Eu nao tenho cha, aceita urn c7rc.7z4?

JULLI clue simpatica! Fiquei besta agora! Senti que

voc€ quer se aproximar de mim, sou sensitiva, nao me engano, ate

porque eu sou uma p6rola no mundo de hoje, sou o maximo, voce

quer fazer parte da minha turma, se bern que minha turma sou eu
e o falecido desse Ap, ou seja, no momento sou s6, ai, sera que sou
uma pessoa dificil de lidar?! Sera? Ficou com d6? Nao fique, eu amo
sonho de doce de leite, ou seja, vivo ben acompanhada, fora meu
homem que € urn diamante, pelo memos na Gama, voce nao imagina,
acho que 6 o pinto mais bonito que conhego nesses meus trinta e

poucos anos, e olha que eu conhe€o bern essa arte pintiniana... Cria-
tura, sorria, meu corapao necessita de risos espontaneos, mostra esses
dentes! Enfim, obrigada pelo J7.¢.#4. Estou sem beber. Meu tinico
VI'cio 6 sonho de doce de leite, 16gico, depois de sexo, naturalmente!
Sonho de doce de leite me apavora! Fico dias sem subir na balan€a
depois que como! Urn terror! Olha, a gente tendo urn papo ben de
mulher, amiguinha, o mundo 6 engragado e eu nao paro de procurar

piadas, sei nao! Beber, nao, fiz promessa de ano novo. Se bern que
a gente ja esta em novembro... 01ha, quer saber, posso fazer outra

promessanofimdoano,osantovaientender,enfim,naocustatomar
urn c7r£.72A com minha nova vizinha... Onde tern copo? Nao, nao se

preocupe, me fala que eu procuro, voce dove esta cansada, esta com
uma aparencia p6ssima, vamos cantar para renovar, voce e de peixes?
LUIZA Escorpiao!

JULLI Bern se percebe! Sou virgem! O signo,16gico,

porque a outra coisa eu ja perdi antes de Jesus ser crucificado! Bern,

ja percebeu que gosto de sexo, n6? Sexo de homem! Nao fique as-
sustada, ja ate me agarrei com uma mulher, mas nao deu caldo o
tempero das aranhas, meu neg6cio e minhoca, adoro pescar, e pesco
bern, opa, se pesco, poe uma vara na minha mao e eu fago urn estra-
go no mar que eu tiver pescando, fico besta comigo, homem e urn
negocio born, n6? Os gays e que sao espertos, enfim... 0 copo esta
em alguma caixa?

LU'ZA Naquela ali...

[Aponta para oaixa]

JULLI Eba! Se voce quiser posso vir aqui ajudar organi-

zar, gosto de decoragao, tudo no lugar... /#4rc cz c¢c.#¢ c /¢.rtz zfow coPo.
Luiza se aproxima dela. Coloca rna dose Para Julli] V.Ivtll.

Iulz^ ± isso ai.Va:rrros vivel... [Sil2ncio longo. Luiza sen-

ta sobre a mala novamente. Toma urn gole e fez cara feia] N~tro tenho
cadeira para oferecer... Desculpe...

JULLI Imagina... Eu sento em qualquer lugar, sentar €

comigo mesmo. Forte essa bebida... /Sc7z/# fo4rc z£77¢¢ c¢¢.#4. E/4 jJcr-
cebe algo quebrando, ndo tern tempo de levantar e amassa a caixa e o que
fc7# c7c72f7~oJ 0 meu Deus, acho que fiz merda... Perdao! Eu pago,

pode ficar tranquila... Nao posso beber, quebrei a promessa, 6 castigo,

como sou desastrada... Me desculpe, pelo amor de Deus...

LUIZA Nao foi nada, acho que sao brinquedos velhos do

meu filho...

Jul_Ll Voce tern filhos?

LUIZA Tenho urn... QLuer dizer, agora dois! Urn esta
chegando...

JULLl Voce esta gravida?

LUIZA Sim!

JULLI Eu tamb6m! Ja vi que controle da natalidade nao

faz parte da nossa agenda, estou besta, minha barriguinha ainda nao
aparece... Filho 6 uma dadiva!

LUIZA Nem tanto!

JULI_I i sin, criatura! Animo, afinal, voce me conheceu,

seus dias serao mais encantados, aceite essa realidade linda... Escuta, seu
marido deve esta chegando e eu aqui procurando assunto, realmente...

LUIZA Sou separada.

JULU Desculpa, olha eu dando bola fora...

LUIZA Imagina...

JULLl Parabens... QLuero dizer, pelo filho que vein

por ai.

LUIZA Obrigada!

[Sil6ncio]

JULLl i por isso que nunca casei, quero casar separada,

compreende? Estou grivida, amo meu namorado, mas cada urn no
seu canto, sou p6s-moderna, como diria o antigo morador desse AP,
eu sou p6s-dramatica, eu sou praticamente a mulher do p6s-futuro!
LUIZA Ah, viver separada € ser moderna?

JULLI Eu acredito que sim.

LUIZA Entao eu sou tudo isso tambem?!

JULLl Nao, voce 6 separada, e urn outro conceito, voce

casou, danga noutra rotagao, eu nao, voce morou junto, eu nao, alias,
morar junto e urn passo para o fim de qualquer coisa, a gente busca
urn territ6rio neutro, e assim meu estilo de guerra, porque casar e
uma guerra, minha estrategia 6 mais /¢.g4/ e sofisticada, entendeu?!

LUIZA Entendi...

JIJl_Ll Entao, 6 isso! 0 que sao essas fotos, 6 ele?

LUIZA Tamb6m!

JULLl Posso vcr?

LulzA Melhor nao!

JULLl Voce ainda gosta dele? Falo do seu marido.

LUIZA Acho que sim.

JULLl Eu percebi! Enfim, e seu filho, cade?

LulzA QLualdeles?

JULLl 0 que ja nasceu, naturalmente, nem fique assus-

tada, eu sou bern desorientada!

LUIZA T6 vendo. Brincadeira...

5TS
JULLl Nao brinque, 6 pura verdade... Como e o
nome dele?

LUIZA Do meu ex-marido?

JULLl Nao, ex-marido e sempre caso de poh'cia, sei nao,

deixa para la! Estou falando do seu filho. Q!;uantos anos ele tern? Eu
adoro crianga! Como se chama?

LUIZA

JULLl Johnny!

LUIZA

JULLl EJohnny...

LUIZA

JULLl E nao € Johnny?

LulzA Nao.

JULLl Bern, 6 o none do meu pail Born sinal!

LUIZA 0 none do seu pai 6 Johnny?

JULLl

LUIZA Entendi.

JULU Nao, mas esta tudo certo. QLuantos anos Joao tern?

LUIZA Cinco anos...

JULLI Estf dormindo?

LUIZA Ainda nao, mas uma hora ele vein dormir aqui...

JULLI Nao entendi.

LUIZA Perdi a guarda dele...

JULLI Como assim?

LUIZA Uma longa e sonolenta hist6ria... Depois te conto...

JULLI Ah, sin, claro, vou dormir uma semana me pre-

parando para ouvir essa hist6ria, ja vi que o neg6cio vat ser barra...
/S£./€#c¢.a/ E o da barriguinha 6 o que? Ja sabe?

LUIZA Ainda nao.

JULLI Sei...

LUIZA Mais urn Jr¢.#4?

JULLI Nao, nao, nao, essa dose ja me deixou vendo

pernilongos falantes, sou fraca com bebida... Ah, ja que quebrei os

brinquedos, entrei sem ser chamada, enfim, vou me meter mais urn
tantinho... Voce nao deveria beber nesse perfodo, nem sei se voce
bebe tanto, 6 que no inicio da gravidez 6 born maneirar nessas coisas,

pelo memos 6 o que escuto do medico.„

lJut^ i.. ENI s€i... [Sil2ncio. Luiza parece f icar emocionada.

Coloca mais una dose. Pega urn cigano] Auc;cia `im ctgarrof

JULLI Nao, eu nao fumo, ainda bern... Cigarro tamb6m

nao 6 uma boa, gente, voce faz tudo que nao deve, nao cheira
cocaina, cheira?

577
LUIZA Nao!

JULLI Ai que born. Pelo menos uma vit6ria! Eu estou

parecendoumaenfermeiraalemasemnogao,desculpe...Estousendo
inconveniente... /Sz./c^7"¢.a/ Voce esta chorando ou 6 o efeito do uisque

que eu acabei de tomar?

LUIZA i o efeito do que nao tern none...

JULLI E o que nao ten nome, tern none?

LUIZA Nao tern nome!

JULLI Nao?

LUIZA Pelo memos nao deveria. Espero que nunca mais

tenha nome, identificaf ao, nada.

JULLI Posso ajudar?

LulzA Pouco provivel.

JULLI QLuer falar sobre?

LUIZA Nao.

JULLI Entendo.

LUIZA Isso e born.

JULLI i. /Sg./cA7zc¢.oJ Escute, se voce quiser, te em-

presto uma poltrona. Ah, tambem tern cadeiras sobrando la em

casa, enquanto nao vein seus m6veis, pode parccer estranho, 6

que tenho sobrando mesmo, nao custa nada, e chorar sentada

numa poltrona 6 mais confortavel, voce nao acha? f£%G.z¢/£.c¢
fo„£.#do/ Esta vendo, sorria, eu estou aqui para isso, sou uma

palha€a de/£.qw);, mais sofisticada impossivel, nao e? Entao,

quer a poltrona?

LUIZA Obrigada. Vou pensar.

JULLI Nao pense muito.Ten coisas que nao vale muito

a pena pensar. Viva. i melhor. A gente nao deve se comportar como
urn piolho em busca de cabelo para se esconder... 0 melhor rem6dio

para se esconder da vida, 6 viver...

LUIZA Pode ser...

JULLl Conte comigo!

LUIZA Pode deixar.

JULLl Pique bern.

LUIZA Vou ficar.

JULLl Ate...

LUIZA Ate... Obrigada pela visita.

JULLl Nao me agrade¢a, eu sou terrivel com os meus

vizinhos, com minhas visitas, aposte, sou barra pesada! Ate mais.

I_UIZA Ate...

[Julli sai. E]ntra no apartailnento 134 e acende as luzes. Colooa

uma mdsioa. Delta no sofa. Luiza senta no chao ao lado do
abajul'. Apaga a luz do abajur]

J|9
 Cena 4
Alguns dias depois. ± fim de tarde. 0 apautalliento de
Luizai Continua com as oaixas no oh5o. Julli e Luiza entrain
oarregando a poltrona. Colooam no meio da sala. Saem e
pegamalgumasoadeirasnaoasadeJullielevamp=raoasa
de Luiza. Julli senta numa oadeira e Luiza na poltrona.

JULLI Jesus! Preciso fazer uma academia, estou s6 o

caco,assimmeunamoradovaimelargartambem...Nao,naofoiisso

que eu quis falar...

LUIZA Sem problema.

JULl_l Menos mal! Eu sou a ralnha em falar merda!

Nunca vi isso!

LUIZA QLuer urn uisque?

JULLl Nao,dejeitonenhum!Percebiqueandachegan-
do tarde, fiquei preocupada...

Nao 6 nada!

Bebida?

Minha terapia.

Voce nao acha que...

Nao gostaria de falar sobre.

JULLl Desculpe.
LUIZA Obrigada.

JULLI Posso te fazer uma pergunta?

LUIZA Claro.

JULLI Esta trabalhando?

LUIZA Procurando.

prhi at6 a c}aixa, pega urn oopo e oolooa uma grainde dose de
ulsque. Tloma urn gole. Pareoe perturbada. Anda lentalliente de
urn lado para o outl`o em sil6noio]

JULLl Tudo bern? 0 que esta pensando?

LJurl^ [Com certa amargura ela vai para jariela] Ah,Ji"i,

eu nem sei por onde come¢ar... Se come€o cortando os dedos, ou, sem

pensar na divida, eu jogo pesado e ja comeco degolando o meu pr6-

prio pescogo. Es fa dificil carregar essa cabega e essas lembrangas sobre
meu corpo, acredite, nao sei se voce me entende, mas ando tao sem
jeito com a vida que qualquer dia irei abrir os olhos e descobrir que
nunca existi, eu, eu, eu mesma, definitivanente, eu nunca existi... /E/a
sai da janela e a:nda Pela sala da casa. Algunas veze§ senta] Sah:he o cpe
acontece? i como se nao houvesse mais caminho a seguir, o proximo
passo 6 sempre a sensacao de cair sobre urn grande penhasco, sei la, urn
pogo sem fim, o que me resta? Me diz, o que me resta? Urn carro para-
do no farol e que nunca mais vat sair do lugar? i isso? i isso o que me
resta? Urn ser virando vulto no meio de alguma rua qualquer? 0 que
para mim 6 ser mac sem ter o filho dormindo no meu colo? Me diz,
voce consegue imaginar? Uma mulher sozinha noites e noites, obser-
vando uma atmosfera de coisas inacabadas, lendo poemas que nunca
foram escritos, nem eu sei mais o que e ser algu6m diante do mundo,
sabe como? Virei uma pintura distante e incompreensivel, 6 uma falta,
sempre falta, malor que tudo, nunca acaba, mais e mais a cada dia, falta

S81
de ar, falta de alegria, falta de amor pr6prio, falta de desejo, falta, falta,
falta, falta a porra de esta mem6ria sumir, 6 isso, falta voce mem6ria,
falta s6 voce me esquecer e sumir, me abandonar, seja generosa comigo,
fapa essa gentileza e suma de vez, sumir para sempre, me deixar em

paz,eugostariadeapagaragoraenaoacordarnuncamais,nuncamais!
/S£./c^7zcz.oJJuui, minha amiga, eu fico construindo movimentos cotidia-
nos que nao me dizem nada, chega o fim da tarde e sinto vontade de
me esconder embaixo da cama, nem sei se 6 infelicidade, talvez, nao
sei, talvez aquela falta de amor mesmo, amor por mim, deve ser isso,
nao sei, o amor pelo outro 6 impossivel, dove ser impossivel, nem sei
se existe mesmo tal sentimento no meu universo, me sinto sozinha no
meio do mundo, pior, esse meio do mundo resolveu que nao fala mi-
nha h'ngua, ou seja, me resta ligar essa vitrola e fechar os olhos, deixar
o calor da minha febre solitiria esbanjar toda elegancia que recebeu de

presente no dia que saiu de casa, transformar meus dias em uma po-
6tica danga, mum movimento separado e incomunicivel, a frustrapao
de urn casamento, aliado ao terror de urn div6rcio, aposte, 6 algo que
gruda na pele e vai destruindo tudo que existe dentro da gente, 6 cruel,
sujo,6desesperado,compreende?Andocommedodaminhaexemplar
sociedade humana, parece que o mundo comegou seu processo final de
decomposigao e ningutm percebeu, nao o mundo, planeta, mas o ho-
mem perdeu o freio e agora 6 apenas esperar esse rio secar, e nao vai ser
muito demorado, nao vai, meu Deus, o que ando dizendo, pensando?
QLue horror, minha famflia, o tempo que foi jogado aos le6es e depois
todos os le6es foram deixados de lado, sozinhos, famintos, me restou
aquela triste felicidade prometida, sabe o que 6 isso,Julli? Nem eu sei,
minha aniga, minha infancia ficou para tras e com ela uma alegria nos
meus olhos, me deixaram com urn papal Noel sem barba, saco, sem
renas, me deixaram urn born velhinho deprimido e sem sentido para
o mundo, segurando uma meia rasgada e sem nenhuma possibilidade
da grande noite feliz! Estou sem presente, entende?! Perdi meu filho
na floresta que eu mesmo devastei, queimei, eu nao fui ecologicamente
correta, me ajude... Preciso arrumar essa casa, jogar o que nao serve
fora, ate meus pensamentos, minhas saudades, me livrar de tudo que
nao serve, sabe? Eu deveria inventar uma maquina do esquecimento,
e insuportivel sentir essa revolugao que acontece dentro de mim, en-
tende? Nao tenho fonga para nada. E a cada dia fica pior. Parece que o
mundo resolveu brincar comigo. Pensei ate em mudar de cidade, mas
nao posso, sair daqui 6 esquecer de vez o meu filho e isso me deixa
atordoada, ando procurando nao alimentar meu desespero, mas esta
dificif... Me vejo sozinha, com uma solidao interminavel, sinto muita
falta dele, falo do meu marido, do meu filho tambem, tenho a sensapao

que estou dormindo, que nada disso 6 real, urn pesadelo sem fim, sabe
essa coisas, sabe? Viver assim nesse momento nao tern me ajudado...
Silencio, 6 isso que escuto diariamente, e 6 aterrorizador, minha cabega
nao relaxa, fico feita urn zumbi, o que fapo, pelo amor de Deus, me
ajuda... Vai chegando essa epoca do ano, pronto, estf batendo urn de-
sespero, nunca imaginei que iria passar urn Natal longe do meu filho,
do meu marido, agora esse mau sonho se aprorima e vein devastando
oqueaindamerestadear,vida...Nemseioquefazer...Esticomphca-
do arrumar trabalho, esta complicado encontrar finalidade para tudo...
/S¢./c^#cg.oJ i tao louco tudo isso, parece que te conhego desde crianga...
Desculpa ficar enchendo sua cabeca com minhas pequenas e sonolen-
tas hist6rias...

JULLI Imagina... Voce nunca me falou o que voce faz,

nunca perguntei, se bern que nao faz tanto tempo que...

LU IZA Olha, nesse momento eu faso qualquer coisa.

JULLI Mas o que voce fazia?

LUIZA Dava aula para crian€a.

JULLI Dava?

LUIZA i. Sou uma professora desempregada. O fin do

ano 6 a cereja do bolo para quem esta mais que no fin...

S83
JULLI Criatura, que fim? Esque€a essa palavra, o fim 6
a dltima coisa que algu6m dove pensar, acho que nem pensar se de-
veria, fim e algo invisivel e triste, ele chega e faz sua morada, apostc
nisso, nao d6i, nem voce vai saber, nem eu vou saber, deixa ele andar

por al, na dele, esquece essa propaganda gratuita do fim, ele nao pre-
cisa,ja 6 muito popular nas cabe¢as menos ingenuas... Voce nao esta
no fin. Se eu puder te ajudar...

LUIZA Estou pensando em aborto, voce conhece algu6m

que possa me indicar?

JULLI Nao! Isso nao! O que voce esta fuando? /£cq;¢7zfzz

c I;4c. 4/g' c/4J Voce nao quer fazer isso, tenho certeza, olha para mim,
voce nao precisa se machucar assim, 6 piegas? Pode ser, parece papo
de novela? Talvez! Mas essa batalha voce nao pode errar de inimigo,
e tenho certeza, escuta, olha para mim, olha para mim Luiza, o ini-
migo aqui nao € voce... Luiza, separapao acontece, nao 6 urn sorvete
no fim da tarde de algum verao, sim, nao 6, sabemos disso, mas o
melhor 6 comprar o mesmo e deixa-lo derreter, agarre o pacote que
sobrou e assuma essa divida, fazer mais vitimas nessa suposta guerra,
escute, nao vai adiantar, espero que me entenda... Luiza, olha para
mim, voce entende o que estou falando?

LUIZA /Coon ccrfo c7cfapcro/ Eu nao sei. Nao sei de mais

nada! Nao 6 culpa dele, minha, eu s6 preciso resolver essa situagao!

Como 6 que vou cuidar dessa crianga?

JULLl Espere,naoeassim,seuex-maridoprecisateajudar.„

LUIZA 0 filho nao 6 dele!

JULLl Como 6 que €?

LUIZA Depois que eu me separei tudo desabou na minha
cabega, ficaram sabendo na escola o motivo, al ja viu, comentdrios, e
para completar o pacote de alegria, meu marido resolveu melhorar a
situapao e entrou com o processo de guarda do Joao, e como ele era
muito amigo da dona da escola, pediu que ela testemunhasse a favor
dele e al, adivinha? Tudo ficou cinza, isso mesmo, cinza... Nao sobrou
muita coisa para falar, ela me mandou embora alegando que nao tenho
uma boa conduta para ensinar, ou educar criangas! Eu sem emprego,
gravida de outro cara...

JULLI Espere, esse filho que voce esta...

LulzA Nao 6 do meu ex-marido, 6 uma hist6ria que mais

parece filme, mas nfro 6 filme, 6 realidade, dolorosa, minha amiga...
Eu descobri que meu marido estava tendo urn caso com outra, fiquei
enlouquecida, sai, bebi muito, acabei encontrando urn ex-namorado,
aqueles de adolescencia que resolvem aparecer nos momentos que
nunca deveriam, enfim, fui dormir com ele, cheguei em casa e contei,
ate para amenizar minha raiva. Ele ficou puto, pediu a separagao,
fez aquele escandalo de homem traido, uma merda! Na verdade ele
estava querendo isso ja fazia urn tempo, urn mes depois descobri que
estava gravida, nao teve jeito, nao tinlia como esconder algo assim,
contei para ele, ate pensei em aborto, mas nao tive coragem, nunca
iria me perdoar, contei, contei, ia fazer o que? Daf foi a conta certa
para ele me tirar tudo, tudo! Ate meu filho... Mas € a vida... Pelo
memos 6 assim que 6 a minha... /roov4 /oc7o z#'jgc# c7o coPo/Tudo anda
tao duvidoso, 6 uma longa e tortuosa indigestao de sentimentos...
Tern dias que nao quero abrir os olhos, sem prazer, viver tern se tor-
nado sem sentido, parece que s6 piora, piora e piora, quando isso vai
acabar, meu Deus, quando isso vai acabar? 0 dinheiro esta acaban-
do, e incrivel como nao tern mais luz para nada, nao sinto vontade
de levantar da cama, s6 choro, e horrivel, me entende? Tudo esta
acabando, tudo, espero sinceramente que essa onda de dor tamb6m
suma, acabe, desaparega... Ainda ben que paguei urn ano de aluguel
adiantado, fiquei com medo de gastar, nao sou muito boa adminis-
tradora, na verdade eu sou urn desastre... Eu preciso sair disso antes

Srs
qu c:n... [Coloca mais utsque no coPo. Toma un gole. Outro e outro gole.
F!.„ cow Jg./c^7z".oJ QLuer ouvir uma mdsica? Tenho 6timos discos. Voce

gosta de mtisica? Meu marido adora, adora beber, adora viver, ele e...
Sinto muita falta, muita! Acordar de manha 6 muito triste, olho para
o lado, nada! Sonho com ele todos os dias, isso tern feito muito mal
para mim, muito. Muito mal!

JULLI Luiza, me passa esse copo...

LUIZA Nao. Por favor! Isso nao! Se ten uma coisa que
anda me salvando, isso se chama uisque! Pelo memos ele me faz so-
nhar com dias melhores, pelo menos eu acredito na menina roman-
tica que sonhava viver feliz com o marido e o filho ate os ultimos
dias... AIgum prazer 6 necessario nesse momento!

[Colooa mais ulsque no oopo. Tloma urn gole. Sil6noio]

JULLI Escute, que tal a gente pegar urn cinema hoje,

voce 6 minha convidada.

LUIZA E o seu namorado?

JULLI U6, qual o problema? QLuero que voce o conhega.

LUIZA Hoje nao serei uma boa companhia.

JULLI Tern certeza?

LUIZA Tenho.

JULLI Entao, eu vou para minha banheira, ficarei uma

seda, hoje eu quero dar gostoso, ai, pensar, chega me queimar as cos-
tas, nao existe coisa melhor que sexo, nao existe. Criatura, depois que
fiqueigrivida,minhaNossaSenhoradoscabelosdcSansao,eufiquei
com mais vontade, Deus foi generoso na criapao do homem!

LUIZA Nem me fade.

JULLI Fapo e falo! Ai, paixao e urn neg6cio que faz a gents

perder a nogao dos dias... E eu estou sem nogao nenhuna, minha filha!

LUIZA Sorte sua!

JULLI Muita sorte!

LUIZA Pode ir, vou ficar bern, acredite!

JULLI Entao, depois dessa maneira tao gentil que voce

teve em me mandar embora, o que me resta? Ate! Se voltar cedo passo
al... Espero que nao, espero que eu fique acordada a noite toda... Reze

por mim, preciso bater meu recorde! E nao fique al bebendo, isso nao 6
uma boa solugao...

LulzA Eu sei. Dificif 6 encontrar a boa solngao, mas eu sei...

JULLI Se sabe, coloque em pratica essa sabedoria...

LUIZA Colocarei!

JULLl Boa garota! Beijo!

prai saindo]

]ulli... Obrigado... voce caiu do c6u!

De algun lugar eu tinha que cair! Ainda ben que

foi do c6u!

Nem sei o que seria de mim sem voce...

Depoiseumandoaconta.Naoprecisademelodrama!
AI,querdormirfaemcasa?

LUIZA Obrigada. Vou ficar bern aqui.

S87
JULLl Eu espero sinceramente que sim. Se cuide.

LUIZA Voce acha que devo ligar para ele?

JULLl Voce quer ligar?

LUIZA Talvez.

JULLl Olha, minha t6cnica psicol6gica 6 assim: existe

o sin, o nao e o talvez, se sua resposta for sim, perfeito, se for nao
ou talvez, desista. Ddvida nao enche barriga de ninguem.

LUIZA Ate enche!

[Aponta papa barriga. Julli meio sol'rindo]

JULLl i verdade! Boa noite e cuidado com o talvez!

[Sai. Luiza fioa sentada bebendo. Pega o telefone e disoa.

Fioa pop urn instante em sil6ncio e desliga. Tira urn cigarro.
Aoende, logo em seguida apaga. Joga o maQo I ora. ComeQa a
ohorar. Julli entra em oasa, coloca uma mtisica, tira a blusa e
sai para o banlieiro]

Cena 5
Noite de Natal. 0 apartamento de Julli est6 apagado.
Luiza est6 no meio da sala ouvindo mtisioa e olhando
papa fora da janela. Alguns fogos s5o esoutados. 0
Apartamento est6 mais arrumado. Vozes de pessoas
dando feliz natal. Ela pega o telefone e liga. Fioa urn
instante em sil6ncio.
LUIZA Oi. Sou eu. Feliz Natal. Nao, nao desligue, me
deixa falar com o Joao. Por favor... Sin, sim, serei rapida... Obri-
gada! Eu sinto sua falta... /S¢./c^7"z.a/ Filho! Feliz Natal! i. Mamae.
Estou. Estou sim. Eu tambem te amo. Logo, logo eu vou te vcr...
i... Estou ainda viajando... i. Eu te amo muito, viu? i, muito,
muito... Eu tamb6m meu amor, eu tamb€m estou com saudade...
Ta... Vai sim... 0 seu presente? Ah, eu comprei, esta aqui comigo...
Umbeijo...Tchau...

prmcoioneda ela desHga. Seata na polfrona. Jiilli entra no

apartalnenlo dela caITegando flares e urn presente. Parece tl'iste.
Senla no sofa. Iuliiza sai e vat at6 o apaTtamento de Jlilli. Tbca a
crmpainha]

JULLI Esta aberta!

[Luiza entra. Fic}a parada]

LUIZA 0 que foi?

JULLI Nao foi.

LUIZA 0 que nao foi?

JULLI Ele...

LUIZA Seu namorado?

JULLI Porra, deixei de viajar para visitar meus pals,

ele me prometeu, era nosso primeiro Natal juntos, eu, ele e nosso
filho... Af eu fico aqui, sozinha, feito uma idiota, nes§e vazio, tris-
te... Ele nao podia ter feito isso... Ai me manda entregar flores e
esse presente de merda...

[Joga as flores e o presente no chao]

LUIZA Calma, deve ter acontecido algo...

589
JULLI Aconteceu, aconteceu mesmo, ele me deixou
sozinha na noite de Natal... Sozinha... E sabe o por que? Eu
nao sei, voce sabe? Isso nao 6 justo, me fala, 6 justo, isso poderia
acontecer? Nao pode! Nao pode mesmo. Eu deixei de aceitar
uma proposta de trabalho fora do pals por causa dele, acredita?
Homem e mulher, realmente, 6 dois seres diferentes, 6 por isso
que casamento nao acaba bern, eu abri mao de muita coisa e nao
estou mais afim disso, nao mesmo!

[haiza apanha as flores e o presente]

LUIZA Nao vai abrir?

JULLI Nem quero! QLue babaca que eu sou...

LUIZA Abre. Vai que voce gosta.

JULLI Nao quero.

LUIZA Posso abrir?

JULLl Pode. Pode ate ficar para voce se quiser. Eu quero

morrer com isso...

[Luiza abre o presente. ± urn DVD]

Nossa, o Claudio adorava esse filme.

Q± em?

Claudio, meu marido, quer dizer, ex-marido...

[Sil6ncio. Julli fica terisa. 0lba Para Luiza com certo inc6modo] EstA
mais calma?

E... Acho que sim... Claudio e o nome do seu ex?

i. por que,
 Nada!

Troureparavoce...

[Entrega iiln presente para ela]

JULLl Ah, Luiza, voce esti sem grana...

LUIZA Amiga, voce 6 a coisa mais fantastica que acon-

teceu comigo nesses ultimos tempos, isso e apenas uma lembran9a,
algo que nem de longe paga todo carinho que voce me deu... Obri-
gada, por tudo! Mesmo!

JULLI Ai gente, assim eu fico emocionada... Isso que cai

dos meus olhos agora 6 choro mesmo, de raiva, a gente deveria ter
saido,comemoradooNataljuntas.../J44reoprcfc72/c.SGoq;4z'r£.ojfo#4oj
c7c c7occ c7c /c¢./g/ Ah, nao creio, assim 6 para chorar mesmo, de alegria
e de tristeza, sonho de doce de leite, gente, isso 6 covardia...

LUIZA Besta! Feliz Natal... Come tudo, depois malha!

JULLI Malho s6 se for no sofi! Espere ai que vou buscar

o seu, achou que esqueci? Nao, criatura, eu sou perfeita... Pique ai'
cpe.f avoho... [Sai. Urn Pouco depois volta com urn presente e parece mais
teri.sa. Entrega para Luiza] Espe;Io cpe goste.

[Luiza abre o pl'esente. Tira urn oheque]

LUIZA Ah, nao, isso nao!

JULLI Isso sim, deixa de ser besta! Voce merece!

LUIZA Mas 6 muita grana!

JULLI Nao vai me fazer falta, eu sou rica!

LUIZA T6 vendo!

591
JULLl Nao sou rica, mas vou ficar muito feliz que 6

para voce.

LUIZA Eu nao mere€o!

JULLl Mas eu merego! Se nao 6 por voce, aposte, 6

por mim...

LUIZA Eu vou te pagar em breve.

JULLl Nao se atreva!

LUIZA Juui...

JULL' [Imitando Luiza] Lwirza. „

LUIZA Voce 6 a pessoa mais linda que conhego!

JULLl Nao me diga!

LUIZA Voce €!

JULLl Eu sei.

LUIZA Eu te amo!

JULLl 01ha, eu continuo gostando de homem!

LulzA Retardada!

JULLl Isso nao 6 novidade.

LUIZA [Abrafando]ulli]Fc*;*]z"atalll.

[Danqam. I,uiza oanta uma mtisioa de Natal]

JULLI Feliz Natal, minha deliciosa amiga, n6s somos
sozinhas na Noite de Natal, sozinhas, espero que nenhum Papai
Noel atravesse essa rua, sou capaz de jogar o peru congelado nele...

[SilGacio. Julli f ica pensativa] Q]}cr tome:I drg}]::[n:a c;I;rsa.i

LulzA Tern?

JULLl Tern. Hoje tern tudo. Ate eu vou tomar.

LUIZA Nao abuse. 0lhe seu estado.

JULLl Estado de raiva!

LUIZA Eu falei com ele...

JULLl QL, em?

[Pega a gaITala de ulsque e sel've pare Luiza]

LUIZA Com o Claudio.

JULL' [Fica sem Saber a que f azer] Ah... Sou ulscTne...

LUIZA Obrigada. Mas nao vou tomar nao...

JULLl Eu tomo. E com seu filho? Falou?

LUIZA Falei...Taohndo...Meucorapaoqueriaexplodir...

JULLl Eu imagino.

LulzA Ele me preguntou quando eu voltaria de viagem.

JULLl Ah, ele acha que voce esta viajando?

593
LUIZA Acha. O pior que eu descobri, uma amiga que
conhece o Claudio me falou que ele andou falando para amigos que
esta apaixonado, que vai casar...

JULLI Nossa,ja?

LUIZA Pois 6, foi isso que pensei...

JULL' Ele sabe o seu endere€o?

LUIZA Nao. Acho que nao.

JULLI 0 que ele faz?

LUIZA i medico.

[Jullifioamaisatordoada.Deixaoairooopo]

JULU Ai, acho que nao estou bern...

LUIZA ao mesmo!

JULLI Urn pouco enjoada.

LUIZA 01ha que pode ser a gravidez... Voce nao bebe...

Deixa que eu pego esse copo...

[Pega o copo no ohao]

JULU Escute... Vamos dormir... Amanha a gente almo-

ga aqui em casa, o que acha?

Pode ser na minha?

Pode.

Possotomarumadosedesseuisquemaravilhoso?
JULLl Deve. Tome tudo! QLue merda!

[0 telefone de Julli tooa]

LUIZA Olha, esta vendo, a paixao dando sinal de vida,

voce ainda reclama...

JULLl [Completamerite desorientada] N~tro, .rmagine...

Nao 6...

Atenda!

Nao!

Nao seja tola, ele esta te ligando... QLuer que eu

fale com ele?

Nao! De jeito nenhum! Ficou louca?

Deixa, voce vai vcr, sou urn 6timo cupido! Vai,

me passa o celular...

JULLl Esque9a! Nao, sai, Luiza, deixa, eu nao quero fa-

1ar com ele... Pode ser?

LUIZA Eu acho bobagem...

JULLI Amanha eu falo.

LUIZA Chama ele para almogar com a gente...

JULLI i... [0 telef one Para de tocar] Pror[to.De;stsi".

LUIZA Perdeu sua noite... Vai que ele quer vir aqui„.

JULLl Aqui? Imagine, nunca veio, nao 6 por falta de

convite, hoje mesmo seria uma noite especial, mas ai, o quc me resta

595
 €3T9 uno. noped
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t3}nd `t!plzofu3 no}sE .tzpTZU oqu3} 0?u nH .t3Pt3N

€!oj 3nb o ...I;SU3} 9.3Jtzd €ur9} 990A 3nb 0

•..BuOpung OEu tz59qu9 t!t|u[ur

tt;]Otl t!ss9 eiun8]9d zt3j o?u `T3s oi3u `?I t9s `t|v ||lnr

€9nb Jod Vzlnl

•..ours3ur uroA o?u 3T9 3nb ? tzlosB `!nbB I?A `o?u ossiu mg noA

oEu `o}I3dso ur3q 3p lt!tpe oput253uro. no}sE ...ept2pp t3p s!?}oq sou
opITu}suo3 Toj o}u9ult!uopETOJ no|^[ i?Iqu t3ounu 9lH ...?I tzJTzd tzx!3P `?
 Cena 7
Wer5o. rim de Janeiro. Inloio de noite. Domingo. 0
apartamento 134 est& oompletEimente bagimQado, penumbra
total, ooisas fora de lugar, ar de desarmonia e abandono.
0135 est6 bern arrumado, tudo no lugar, urn ar de muita
harmonia. Julli sai do quarto segurando lima mala na mao
e uma fotografia na outra. Pareoe muito triste. Frustrada.
Fica parada no meio da sala, olha para o apal'tamento, urn
sentimento de despedida preenc}he a atmosfera do espaQo.
Ela, muito emooionada, se aproxima de uma c;adeil'a, senta.
Pega o oelular e disoa, em seguida desliga. Luiza tooa a
campainha. Julli rapidamente vat at6 uma gaveta e esoonde
a toto. Senta numa oadeira. Fioa sentada sem manifestar
qualquer interesse no toque da oampainha. Luiza entra.

LUIZA ]ulli... Voce esta ai? Tulli... Sou eu... Luiza... /S¢.-

16ncio. Luiza entra vagarosamente e Percebe Julli seritada] J\"i...

JULLl Oi.

LUIZA 0 que aconteceu?

JULLl Nada.

LUIZA Voce sumiu esses dias...

Nao consegui...

0 que voce nao conseguiu?

JULLl Sumir. Era essa minha proposta.

 [Sil6noio]

LUIZA Posso acender uma luz?

JULLl Pode...

ttuiza aoende uma luz]

LulzA 0 que € essa mala?

JULLl Nao faca muito esfor9o para adivinhar!

LulzA Voce ia viajar sem falar comigo?

JULL' Comigo...

LUIZA Julli, me fala, o que esta acontecendo? Olhe

como esta sua casa, voce nunca foi assim... Julli, olhe para mim...

[Vai at6 Julli, se ajoelba em frente a cadeira onde Julli estd sentada.
/zj//¢. a/b¢ p¢7i¢ c/CZJ Voce nao vai a minha casa ha dias, nao me
liga.„ Voce nao esta bem!

JULLl Nao estou.

[Sil6noio]

LulzA Posso ajudar?

JULLl Nao.

[Sil6noio. Luiza fioa sem saber o que fazel', fica parada,

observando Julli, tristeza e piedade se misturam]

LulzA Arrumei emprego, come€o agora em Fevereiro,

nao 6 legal?

6':'T
 [Sil§noio]

LUZIA Voce esta chorando?

JULLI Estou mudando de cidade hoje... Choro 6 o de

menos nesse momento, acho que ate alivia...

LUIZA Como assim?

JULLI Fui chamada para trabalhar fora pals novamente!

LUIZA Nao, estou perguntando desse choro que alivia...

JULLI Isso 6 impossivel encontrar uma maneira certa de

falar nesse momento.„

LUIZA Voce esta fugindo de algo? Onde foi parar sua fe-
1icidade, todo aquele pacto que tudo se arruma? QLue voce conta piadas
e tudo se esclarece? QLue felicidade 6 algo presente na sua vida?

JULLI Fugir... Tern coisas que nao sao feitas para gente,
sei la, acho que meu discurso mudou para falar de felicidade...

LUIZA E sua gravidez?

JULLI Continua aqui, grudada em mim!

LulzA Por que voce esta falando assim?

JULLI Deve ser o tempo. Geralmente ele faz isso com

meu cora9ao, ou quem sabe, esse geralmente apareceu no tempo er-
rado e come€ou mudar tudo...
 Cads seu namorado?

Espero que bern longe...

LUIZA Olha, falar com esses c6digos, essas palavras sol-

tas, isso nao vai te ajudar, nem me ajudar. Fico muito triste de te vcr
assim, muito mesmo, voce esta brava comigo, 6 isso?

JULLI Brava? /Rz. Jc77¢ ov2#./zz g7xp4!7 Ah, minha amiga,

acho que nem eu sei mais com quem ando brava, se 6 comigo ou se
com o mundo, esses ultimos dias t€m sido cru6is, muita coisa acon-
teceu e eu percebi que precisava tomar uma decisao, e tomei... Estou
comegando acreditar que o homem 6 como o fantasma do pai do
Hamlet, ele aparece e depois some, mas antes deixa o recado, simples,
e o recado se encarrega de causar uma guerra de incertezas, dor, de-
sespero e muita furia, voce conhece algu6m que vive com fantasmas,
acredita neles? Eu agora acredito, eu vivo com eles...

LUIZA Do que voce esta falando?

JULLI Eu estou falando que existe muita alegria na ami-

zade, que voce 6 uma mulher incrivel, que sou mais... Luiza, depois
da sua chegada aqui... Pronto, esquece tudo, voltei, sou feliz, pronto,
estou feliz, feliz...

[Sil6noio]

LUIZA Me custa entender na felicidade vendo voce assim...

JULLI Vamos pensar que felicidade, talvez, nao seja

apenas sorrisos, brilho nos olhos, por vezes algumas 1£grimas, acre-
dite, apimentam esse estado tao desejado por todos, felicidade foi
cantar noutro terreiro, em algum lugar mais apropriado... Eu nao
fiquei trancada aqui esses dias todos, eu fui para a casa dos meus pais,
e hoje eu fui encontrar o.„ 0 pai do meu filho... Terminamos...

6rl9
LUIZA Mas...

JULLI Eu terminei, tern coisa que nao se conecta da for-

ma que tern que ser...

LUIZA QLue coisa?

JULLI Eu nao gostaria de falar mais sobre, apenas que

voce me entenda e que nao me pergunte mais nada, pode ser? S6
isso, eu nao tenho como falar mais nada, entende? Voce 6 uma pessoa
incrivel, a melhor amiga que eu tenho e sei que nunca terei uma tao
linda e fiel, nesse momento quero apenas seu colo e seu carinho...
Meu voo 6 daqui a pouco e em breve quero que va me visitar, isso 6
o que conta mais... Eu ate gostaria de falar os verdadeiros motivos de
tudo isso, mas se nao fez bern para mim, aposte, nao fara para voce,
tenho certeza.

LUIZA Espere ai, deixe que das minhas certezas eu cui-

do, ja estou com pratica! 0 que acontece? i trabalho mesmo? Para
onde voce vai?

JULLI Nova lorque... QLuem sabe se eu nao encontro o

Wood Allen e ele assume o meu filho?

LulzA i s6rio, Julli!

JULLI Tudo 6 sempre muito s6rio, sempre, muito o s6-

rio, passei minha vida inteira brincando de nao ser seria e hoje me
vejo sozinha, bern sozinha, muito sozinha, mesmo sabendo... Deixe

para 1£! Me fade, conhece ou nao?

LUIZA QLuem? A cidade de Nova Iorque? Nao! Wood

AJlen conhego ben, eu tamb6m levaria para casa sem muito sofri-
mento, mas Nova Torque, quem me dera, urn dia quem sabe...
JULLI a mundo inacreditivel... 0lho para voce e nao
acredito que o universo fez isso comigo...

[Chora]

lulz^ Ve;[rL twquwi... [Wdo ati o §o!f a. Lulza senta e Julli deita
7zo co/a dc/a/ Eu vou sentir muita saudade...

JULLI Na minha fase feliz eu diria: saudade quando nao

mata engorda, mas estou sem jeito para ser feliz nesse momento.

LUIZA Voce sera muito feliz por la, estarei aqui,1onge ou

perto, mas feliz e isso me faz bern, vai te fazer ben.„ Seu trabalho 6
muito importante...

JULLI Pois 6... Isso me salva, talvez...

LUIZA Voc€ acha que urn dia eu ganho a guarda do Joao?

JULLI Sin. Vai sim.

LUIZA Eu tentei descobrir quem era a amante dele...

JULLI Sou eu...

LUIZA Ate triste voce consegue fazer piadas, isso 6 bom!

Fiquei pensando naquilo que voce falou da possibilidade de gravidez
dela, isso me ajudaria muito... Com certeza eu teria meu filho de
volta. Mas quem € essa pessoa, quem?!

Jut:LJ [Levanta do so!f a. Fica muito nervosa, anda de urn

/czdop¢r¢ a oz£Z7ioJ Eu nao aguento mais isso! Chega! Luiza, me per-
doe, hi dias ando me matando, isso tudo tern feito muito mal para
mim e para o meu filho.„ Escute, seu marido nao se chama Claudio?

6H
LUIZA Sim.

Nao 6 medico?

i.

E ele ten outra?

Tern.

JULLI Claudio 6 o pal do meu filho! E medico, s6 nao

sei se eu sou a outra. i engra¢ado, quer dizer, eu sou a outra! C|uan-
do voce me falou que seu marido adorava o filme que ganhei de
Natal, que ele era medico, que se chamava Claudio, minha cabega
foi para o espago e nunca mais voltou para Terra, acabou. Nao sei
mais o que fazer, eu nao tive culpa, nao tive, nao sabia de nada, eu

pensei... Pensei, quase nao durmo messes tiltimos dias. Decidi, fui
1£, terminei com ele, falei para nao me procurar, nao falei o motivo

porquenaoqueroprejudicarsuacoisalinajustigadaguardadoseu
filho, nao falei nada, apenas pedi que me esquecesse. Me desculpe,
eu nao sabia de nada, juro por Deus, nunca soube, achei que ele era
solteiro, eu o amo muito, voce nao ten ideia, ele ficou sem saber o

que estava acontecendo, ficou no bar, sozinho, bebendo, afogando

o mal que ele fez para mim e para voce, eu nao posso deixar voce
longe do seu filho, nao tenho esse direito, voce entende? Entende

que eu nao tive culpa? E eu, eu acho que isso nao 6 de verdade...
Acho que 6 isso...

ttuiza fioa perplexa. Paralisada. Sil§noio longo]

LUIZA T`~a!o 6 passtNeH`. []ulli §ai do apartamento] J`mi,

aonde voce vai?!

JULLl Na sua casa... Onde estao as fotos?

 [Sai e entra no apartamento de Luiza. Prooura as fotos pelo
apartamento. Ijviza Continua paralisada na sala de Julli. 0
telefone oelular de Julli tooa, Luiza olha papa o telefone e
percebe o nome de Claudio. Ela atende]

LUIZA A16! QLuer dizer que voce tern uma amante gra-
vida, seu filho de uma puta? E essa amante 6 minha amiga e voce
tirou o meu filho, 6 isso? Fala, Claudio, sou eu, eu ji vi seu nome
aqui, eu sei que e voce... A16... AI6... AI6... Claudio? /E/¢¢crcc4c

g"c a zc/c/o#c/o¢. dej/g.g¢c7o/ Filho de uma... Nao 6 possivel, nao 6!

[Novamente toca o celular de ]ulli. Nesse instante ]ulli acba fetos, olba
e Percebe que ndo tern fetos de Claudio, joga em cima da mesa. Fica
cofflp/cf#7»c#/c c7cfco72/ro/¢c7¢.J A16„. Sou eu Claudio! Me fala, eu

quero ouvir, e verdade que a Julli... Como? Sim. i o telefone da

Julli... QLuem? 0 pai do Claudio... Espere urn pouco, o Claudio
nao tern pai... Nao, eu me chamo... Nao, nao 6 aJulli, 6 uma amiga
dela? Saiu, mas volta logo... Como? 0 seu filho sofreu urn aciden-
te... Meu Deus, o que esta acontecendo? QLue merda... Desculpe,
nao, me fale com calma... Senhor, calma, por favor, me desculpe,
6 que eu achei que conhecia a pessoa, desculpe... Isso... Agora me
fale, como 6 o sobrenome do Claudio? /S¢./c^#c¢.oJ Meu Deus.„ Me

perdoe, achei que fosse meu marido, nao, nao, eu imagino, Como?
0 seu filho morreu? /Sz./c^#cG.07 Sim, estou aqui... Perdao... i... A

Julli viajou para Nova Iorque, nao, quer dizer, ela vai para Nova
Iorque, sim, eu falei que ela tinha saido, sim, mas me enganei, nao,
ela volta... /S¢./c^7z#.oJ Meus sentimentos, senhor, que coisa mais
triste, meu Deus... Aviso, sim ela namorava ele... i, acabou... 0
seu neto? Ah, o senhor sabe que ela esta... Th, eu falo, eu falo sim...
A;+i... [Julli entra. Luiza desliga o celular. As dual estdo emocionadas,
inas Lulza fica Jem saber o que fazer. SilGncio longo] Q]}€r cque ou te
leve no aeroporto?

JULLI Nao, 6, nao e possivel, me perdoe, por favor, eu

ia te avisar, voce entende? Diz que sim, eu fiz tudo por voce, pela

6i:i
sua amizade, como eu ia saber que a pessoa que eu estava apai-
xonada era o seu Claudio? Cads as fotos dele? voce sabe,1embra

que voce me mostrou uma vez, fiquei com medo de vcr, fiquei
assustada de ser ele, onde voce colocou? Procurei na sua casa e
nao encontrei...

LUIZA Julli... Escuta... Calma... Eu joguei fora, esquece

essas fotos, escuta, voce precisa ficar calma, 6... Esta tudo ben, eu

preciso te falar uma coisa...

JULLI a minha amiga, que vergonha... Espere, tern

rna fato aiqwi cpe e;;i escondi... [Julli vai at6 uma gaveta, abre, tira
una feto do namorado e mostra. Luiza percebe que ndo se trata do ex-
-marido dela. Fica em sil6ncio for urn longo tempo] CJ;Hue aqwi, oHhe de

araywii...Lehe,rfso€)±che}[Luizandosabeoquefezereafirmaquesim
coon 4 c¢4cf4. S¢./c^#c¢.oJ Meu Deus, o que eu fiz...

ttuiza abl'aQa Julli. As duas fic;am abraQadas iim longo tempo.

Luiza fioa desnorteada, sem saber se oonta a verdade papa
Julli, se desvencillia da aimiga e senta no sof6]

LUIZA Voce nao fez nada, esquega isso, por mim, por
voce, sei la. Mas esquega, deixe eu falar...

JULLI De que maneira? Esquecer de que maneira?

LUIZA Me deixando falar... Nao, e, eu vou te levar ao ae-

roporto... Voce sai daqui, vai embora, o tempo se encarrega do resto,
vamos sair daqui, eu nao estou me sentindo bern...

[Julli oomeQa a proourar o oelular. Luiza esc}onde do lado

do sof 6]

JULLl Claro, vamos sim... Voce viu meu celular?

"11^ NIto.N~alo vi±. [Fica olbando |>ara a amiga] Fin vou
te levar ate o aeroporto!

JULLI O que foi?

LUIZA Nada. i que voce pode perder o aviao...

JULLI Hi alguns meses voc€ entrava nesse prfdio...

[Pegaamala.0lbaParaLulza.TiraunenvelopeeeritregaParaLuiza]
Isso aqui vai te ajudar com a guarda do Joao. Eu aqui comprovo que
o Claudio 6 o pal do meu filho. Me desculpe...

[Luiza abl'aQa Julli e as duas ohoram. Luiza c}omeQa a

cantar e danQar]

LUIZA Eu nao sei mais o que eu estou fazendo, mas nao

sei o que fazer...

JULLl Espero que nosso pr6ximo encontro seja com

mais alegria.„

LulzA Sera... Tenho certeza que sera, nao esquega, vivo

de certezas...

JULLl Voce me falou isso urn dia...

LUIZA i,masnaquelemomentoeunaotinhatantacerteza.

JULLl Nossa amizade...

[Julli vai saindo segurando a mala]

L:urz^ Juri... [SilGncio longo. Jullif ica parada olbando I Jara

fz£¢.z4J i... 0 Claudio nao...

Gis
JULLl Deixe esse cara para la...

LUIZA Nao e isso...

JULLI Nao? E o que €?

[Sil6ncio]

LUIZA Posso ser a madrinha do seu filho?

JULLl Nao duvide disso... Como diria uma personagem

de urn filme que assisti: hoje eu inicio urn processo de "esperan9as
arruinadas e boas inteng6es".

LUIZA E eu de incertezas... Mas quem sabe ate o aero-

porto eu nao resolva mexer nessas incertezas?

Do que voce esta falando?

Incertezas nao se dove falar...

Me perdoe...

Voce tamb€m...

[Silencio. Julli pega na mao de Luiza e vai saindo. 0 celular

de Julli tooa novamente. As duas fioam paradas. Julli volta e
enoontl'a o oelular ao lado do sofa. Sil6noio. Julli
pega o c;elular]

i ele...

Atenda...

[Sil6ncio longo]