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Sindrome RTU-P

Este artigo revisa a síndrome de ressecção transuretral da próstata (SRTUP), que ocorre quando fluidos absorvidos durante o procedimento causam distúrbios. A SRTUP pode causar náuseas, vômitos, hipertensão, bradicardia e outros sintomas. Se não tratada, pode progredir para hiponatremia, encefalopatia e outros problemas graves. O artigo discute técnicas anestésicas, fluidos de irrigação e abordagens para prevenção e tratamento.
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Sindrome RTU-P

Este artigo revisa a síndrome de ressecção transuretral da próstata (SRTUP), que ocorre quando fluidos absorvidos durante o procedimento causam distúrbios. A SRTUP pode causar náuseas, vômitos, hipertensão, bradicardia e outros sintomas. Se não tratada, pode progredir para hiponatremia, encefalopatia e outros problemas graves. O artigo discute técnicas anestésicas, fluidos de irrigação e abordagens para prevenção e tratamento.
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ARTIGO DE REVISÃO

Síndrome de ressecção transuretral da


próstata
Transurethral resection of prostate syndrome

Aline Viana Carvalho Amorim1, Izabela Magalhães Campos1, Verônica Lívia Dias2, Flávia Aparecida Resende2,
Daiane Aparecida Vilela de Rezende Romaneli2, Camila Ferreira Garcia3

DOI: 10.5935/2238-3182.20170047

RESUMO
1
Médica anestesiologista. Título superior em aneste-
siologia - TSA, SBA. Corresponsável CET - Hospital A ressecção transuretral da próstata (RTUP) é a escolha mais eficaz para pacientes que
Felício Rocho. Belo Horizonte, MG-Brasil.
sofrem de hiperplasia próstática benigna e que não respondem ao tratamento farma-
2-
Médica anestesiologista. Hospital Felício Rocho.
Belo Horizonte, MG-Brasil.
cológico. A absorção de fluidos hipotônicos utilizados durante a RTUP pode causar
3-
Médica residente de anestesiologia do CET/SBA do distúrbios hemodinâmicos e do sistema nervoso central, o que geralmente é atribuído à
Hospital Felício Rocho. Belo Horizonte, MG-Brasil. hiponatremia dilucional ocorrida durante ou imediatamente após o procedimento. Di-
versas combinações dos sinais e sintomas resultantes destas alterações são conhecidos
como “síndrome de ressecção transuretral da próstata” (SRTUP). O quadro clínico é in-
consistente e a síndrome é facilmente confundida com outros distúrbios agudos. As for-
mas suaves são comuns e muitas vezes não são diagnosticadas, enquanto formas graves
são raras e potencialmente fatais. Apresentamos uma revisão desta entidade patológica,
destacando sua fisiopatologia, diagnóstico, prevenção e abordagens terapêuticas.
Palavras chave: Síndrome de ressecção transuretral da próstata, hiponatremia, intoxica-
ção hídrica, glicina, fluido de irrigação.

ABSTRACT

Transurethral resection of the prostate (TURP), is the most effective choice for patients
suffering from benign prostatic hyperplasia who do not respond properly to pharmacolo-
gical treatment. Absorption of hypotonic fluids used during TURP may cause hemodyna-
mic and central nervous system disturbances, which is generally attributed to dilutional
hyponatraemia occurring during or immediately after operation. Several combinations
of the signs and symptoms resulting from these changes are known as “transurethral
resection of prostate syndrome”. The clinical picture is inconsistent and the syndrome is
easily confused with other acute disorders. Mild forms are common and often go undiag-
Instituição: nosed, while severe forms of the TUR syndrome are rare and potentially life-threatening.
Hospital Felício Rocho
Belo Horizonte, MG – Brasil We present a review of this pathological entity, compiling pathophysiology, diagnostic,
prevention and therapeutical approaches.
Autor correspondente:
Camila Ferreira Garcia Key words: Transurethral resection of prostate syndrome, hyponatremia, water intoxica-
[email protected] tion, glycine, irrigation fluid.

64 Rev Med Minas Gerais 2017;27 (Supl 4): S64-S70


Síndrome de ressecção transuretral da próstata

INTRODUÇÃO significativa.5 O paciente pode apresentar dispnéia


e cianose. Pode ocorrer isquemia cardíaca e renal,
A incidência de hiperplasia prostática benigna culminando em dor torácica e redução da diurese
aumenta com a idade, ocorrendo em média em 50% espontânea.5 (Tabela 1)
dos homens com idade de 60 anos podendo chegar
a 90% aos 85 anos, sendo que a ressecção transure-
tral da próstata (RTUP) é o tratamento padrão no
manejo dessas obstruções benignas.1,2 RTUP é o se-
gundo procedimento cirúrgico mais comum em ho-
mens após 65 anos.3 A síndrome de ressecção transu-
retral da próstata (SRTUP) é causada pela absorção
de fluidos usados para a irrigação vesical durante o
procedimento.4 Fluidos de irrigação não condutores
são necessários durante o procedimento com o uso
de ressectoscópio elétrico para promover remoção
do sangue, tecidos e debris do campo cirúrgico, per-
mitindo melhor visão.2 Por serem hipotônicas e não
conterem eletrólitos sua absorção excessiva pode
causar sobrecarga de fluidos e hiponatremia dilucio-
nal entre outras complicações que compõem a sín-
drome.1,2 Apesar dos avanços no manejo anestésico TÉCNICA ANESTÉSICA
e cirúrgico, de 2,5 a 20% dos pacientes submetidos a
este procedimento apresentam uma ou mais mani- A anestesia espinhal é geralmente recomendada
festações da SRTUP, e, de 0,5 a 5% evoluem a óbito por permitir detecção precoce de sinais de deteriori-
no peroperatório; de onde se justifica o contínuo es- zação neurológica, embora existam poucos estudos
tudo e atenção do anestesiologista para diagnóstico evidenciando melhores desfechos com o uso dessa
e tratamento precoce desta síndrome.4 O presente técnica.1,6 Outra vantagem potencial vem do fato te-
artigo faz uma revisão sobre sinais e sintomas, téc- órico de que, se o bloqueio não se estender além do
nica anestésica, fluidos de irrigação, fisiopatologia, nível de T10, deixará intacto o “sinal da cápsula” que
tratamento e prevenção da SRTUP. é o início súbito de dor se a mesma for lesada.6 Con-
tudo, a detecção desses sinais e sintomas pode ficar
SINAIS E SINTOMAS comprometida no paciente profundamente sedado.6
Além disso, a vasodilatação periférica que se segue
A SRTUP pode ocorrer durante qualquer período ao bloqueio simpático minimiza a sobrecarga circu-
no peroperatório. Manifestações podem ser observa- latória e a perda sanguínea também é menor.3 Como
das desde poucos minutos após inicio do procedi- desvantagens da técnica podem citar-se: falha do
mento ou podem ocorrer tardiamente, horas após bloqueio, flutuações hemodinâmicas, possibilidade
termino da cirurgia.4 Nos momentos iniciais da SR- de cefaléia pós punção dural, dor lombar e lesões
TUP um paciente consciente começa a se queixar de neurológicas.6
náusea, possivelmente acompanhado de vômitos.5
Apreensão, agitação ou letargia também podem ser FLUIDOS DE IRRIGAÇÃO
sinais iniciais da síndrome. Pode ocorrer hipertensão
e bradicardia.5 Outros sintomas precoces incluem: Existem vários tipos de fluidos disponíveis para
desorientação, distúrbios visuais, cefaléia e em al- irrigação durante a RTUP, e a escolha do mesmo é
guns casos distensão e dor abdominal a medida que baseada na preferência do cirurgião, custo, seguran-
os fluidos são absorvidos através de pequenas per- ça do paciente e a condutividade elétrica de calor.5
furações na cápsula prostática.5 Se não devidamen-
te diagnosticada os sintomas progridem a medida 1. Salina: Conduz a corrente elétrica, e isso pode
que o procedimento continua.4,5 Intoxicação hídrica lesar o paciente a não ser que não ocorra corte ou
causando queda aguda nos níveis séricos de sódio coagulação. Dessa forma não é um tipo de fluido uti-
para menos de 120mmol/L está associada com náu- lizado para RTUP.5,7
seas, fraqueza muscular, encefalopatia, convulsões e
coma.5 Esses sintomas se relacionam grosseiramen- 2. Água: Apesar da água estéril ter muitas qualidades
te com o grau de hiponatremia como resultado de de um fluido de irrigação ideal, sua maior desvanta-
edema cerebral.4,5 A pressão arterial pode cair como gem está no fato de ser extremamente hipotônica.3
resultado da hiponatremia aguda ou hemorragia

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Síndrome de ressecção transuretral da próstata

Pode ser utilizada para RTUP de curta duração, mas como hipotensão podem ocorrer durante a SRTU.4 A
não é comumente empregada com essa finalidade primeira é explicada pela rápida expansão volêmica
por eventualmente resultar em hemólise.5 Quando decorrente da absorção da solução irrigante levando
isso ocorre, hemoglobina e potássio são liberados na ao aumento da pressão arterial com bradicardia re-
corrente sanguínea, podendo causar nefrotoxicidade flexa.4 Tal sobrecarga volêmica aguda em pacientes
com IRA e hipercalemia com arritmias cardíacas e com falência ventricular esquerda pode causar ede-
fraqueza muscular. 3,7 ma pulmonar.4 Estudos recentes tem revelado que as
variações na osmolaridade plasmática não são tão
3. Glicose: glicose 5,4% foi uma solução muito utili- significativas, mostrando que a alteração do volume
zada no passado porém sem empregabilidade atual plasmático independente da osmolaridade tem um
pelo fato de deixar o campo cirúrgico e os instrumen- papel mais importante na morbimortalidade associa-
tais pegajosos, dificultando o procedimento.7 Além da com a síndrome.3,4
disso, se quantidades significativas forem absorvidas Diversos fatores influenciam na quantidade de
os níveis plasmáticos de glicose podem se elevar. 7 volume absorvido, dentre os quais estão a pressão
intravesical (influenciada diretamente pela altura da
4. Uréia: Uréia 1,8% também foi muito utilizada no bolsa de irrigação em relação à próstata) e a quanti-
passado. Pelo fato de ser muito permeável nos espa- dade de seios prostáticos abertos.4
ços intra e extra celular, resultava em níveis plasmáti- Já a hipotensão perioperatória geralmente é pre-
cos muito elevados deste composto mesmo quando cedida por hipertensão.3,4 Hiponatremia associada à
pequenas quantidades eram absorvidas.7 Como con- hipertensão levam ao fluxo de líquido para fora do
sequência ocorriam náuseas, vômitos, cefaléia, taqui- espaço intravascular seguindo os gradientes osmóti-
cardia, aumento de pressão arterial, visão reduzida, co e hidrostático, culminando em edema pulmonar
convulsões, coma e desidratação (efeito diurético e choque hipovolêmico.4 O bloqueio simpático in-
osmótico).3,7 duzido pela anestesia regional também pode estar
relacionado com a hipotensão, bem como o reflexo
5. Sorbitol: Sorbitol 3,3% é o fluido mais comumente vasovagal decorrente do enchimento vesical.1,4
utilizado. Ele é metabolizado em dióxido de carbo-
no, glicose e água que são excretados pelo rim. Into- Intoxicação por água
xicação hídrica permanece uma preocupação quan-
do grandes quantidades de sorbitol são absorvidas.7 Alguns pacientes apresentam sintomas de intoxi-
cação hídrica, uma desordem neurológica causada
6. Manitol: Apesar de mesmo em concentrações de pelo aumento do conteúdo de água no cérebro. Os
3% o manitol ter efeito de diurético osmótico, ele tem sintomas aparecem quando os níveis séricos de Na+
sido utilizado como fluido de irrigação. Desidratação caem 15-20 mEq/l abaixo do valor normal.3 Inicial-
e hiperosmolaridade podem ocorrer resultando em mente o paciente fica sonolento, confuso e inquieto.
distúrbios neurológicos e acidose sistêmica.7 Convulsões podem ocorrer levando ao coma em po-
sição de descerebração, clonus e Babinski positivo.
7. Glicina a 1,5%: Assim como os outros, também tem O EEG evidenciará baixa voltagem bilateralmente.3
algumas desvantagens: quando grandes quantidades
são absorvidas, hiperamonemia e intoxicação hídri- Hiponatremia
ca podem levar a edema cerebral e convulsões.7
O sódio é um íon essencial para as células excitá-
FISIOPATOLOGIA veis, principalmente no cérebro e coração. Conside-
rando a RTUP, vários são os mecanismos que podem
Sobrecarga circulatória, hipertensão e hipotensão levar à hiponatremia: diluição devido à absorção
Os fluidos utilizados para irrigação entram direta- excessiva de fluido de irrigação; perda de Na+ para
mente no intravascular através do plexo venoso pros- volumes de fluidos acumulados no espaço peripros-
tático ou são mais lentamente absorvidos pelos espa- tático e retroperitoneal; e grandes quantidades de
ços retroperitoneais ou perivesicais.3,4 As quantidades glicina induzem liberação de peptídeo natriurético
absorvidas são variáveis mas estimadas, em média, atrial que promove natriurese.3 Os sintomas clássicos
de 10-30ml/min. Os riscos de sintomas associados au- incluem inquietação, confusão, incoerência, coma
mentam significativamente quando há absorção de e convulsões. Geralmente a gravidade dos sintomas
mais de 1 litro de fluidos por hora. Tanto hipertensão acompanha os níveis séricos desse íon.3 (Tabela 2)

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Síndrome de ressecção transuretral da próstata

da glicina. Hiperamonemia é consequência da não


metabolização total da glicina pelo sistema de cliva-
gem no ciclo do ácido cítrico ou da deficiência de
arginina, cofator no metabolismo hepático da glicina
em uréia.3 Níveis plasmáticos elevados suprimem a
liberação de norepinefrina e dopamina a nível cere-
bral, levando a encefalopatia. É uma complicação
rara, que tipicamente se apresenta como náuseas
e vômitos, evoluindo desde lapsos de memória ao
coma em até 1 hora após o procedimento.3 A hipera-
monemia pode durar por até 10h no pós operatório
pelo fato da glicina continuar sendo absorvida do
espaço periprostático.3

Distúrbios visuais
Uma das complicações mais temidas da RTU de
próstata é a cegueira transitória, causada por disfun-
ção da retina decorrente da toxicidade direta pela
glicina.3 Visão borrada ou a presença de halos ao re-
dor dos objetos também podem ocorrer. As pupilas
Toxidade por glicina
podem permanecer midriáticas e não responsivas.
Podem ser utilizadas soluções de glicina à 1,2%, Esses sintomas podem ser isolados ou associados a
1,5% ou 2,2%. Trata-se de um aminoácido endógeno outros da síndrome.3
que foi inicialmente sugerido como fluido de irriga-
ção considerando muitas de suas vantagens, incluin- Bacteremia, Septicemia e Toxemia
do o baixo custo.3 É isotônica em relação ao plasma
Cerca de 30% dos pacientes submetidos à RTUP
quando na concentração de 2,2% porém nessa apre-
apresentam infecção do trato urinário. Quando os
sentação os efeitos adversos são mais comuns e mais
seios prostáticos são abertos durante o procedimen-
intensos.3 A osmolaridade da glicina a 1,5% é de 230
to e altas pressões de irrigação são utilizadas, as
mosm/l e, mesmo assim, eventos cardiovasculares e
bactérias entram na circulação.3 Em 6% dos casos a
renais também podem ocorrer. Quando é utilizada
bacteremia se complica com septicemia, podendo
na temperatura ambiente e em procedimentos com
se manifestar como febre, calafrios, redução da re-
duração maior que 1 hora, pode induzir depressão
sistência vascular periférica e hipotensão.3 Endoto-
miocárdica.3,7 Em até 20% dos casos é possível detec-
xemia intraoperatória pode ocorrer em até 45% dos
tar isquemia miocárdica transitória (achatamento
pacientes com cultura pré-operatória negativa ape-
ou inversão de onda T no ECG 24H após o procedi-
sar do uso rotineiro de antibioticoprofilaxia.6
mento) e até 0,5% dos pacientes sofrem IAM duran-
te o procedimento, sendo este risco maior quando
volumes superiores a 500ml são absorvidos.2,3 Ainda,
Perfurações
a hipocalcemia dilucional que se segue à absorção As perfurações podem ocorrer durante a instru-
de volumes maiores de glicina é outro fator associa- mentação cirúrgica, principalmente em ressecções
do aos distúrbios cardiovasculares agudos. Quando difíceis ou nas quais ocorre sobredistensão e mais
a arginina é associada à glicina, seus efeitos tóxicos raramente explosão vesical.3 Perfuração instrumen-
sobre o coração são minimizados.3 tal da cápsula prostática tem sido relata em 1% dos
A glicina também é um importante neurotrans- pacientes submetidos à RTUP. Um sinal precoce é a
missor inibitório na medula espinal e tecido cere- redução da drenagem do fluido de irrigação.3 Quan-
bral, atuando nos canais de cloro como o GABA.3 do a lesão é intraperitoneal os sintomas se desenvol-
Quanto maior sua concentração plasmática, mais vem rapidamente como forma de dor referida nos
intensos são os efeitos no SNC. Os sinais e sintomas ombros devido a irritação diafragmática e soluços.3
incluem náuseas, vômitos, bradipnéia, convulsões, Palidez, diaforese, rigidez abdominal, náuseas, vômi-
apnéia e cianose, hipotensão, oligúria, anúria e até tos e hipotensão também podem ocorrer. Já nas le-
óbito. Porém é uma complicação incomum.3 sões extraperitoneais ocorrem movimentos reflexos
dos membros inferiores.3
Toxidade por amônia
Coagulopatias
A amônia é o produto principal do metabolismo

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Síndrome de ressecção transuretral da próstata

Coagulopatia por fibrinólise ocorre secundária deve ser tratada precocemente para evitar um cho-
à liberação de ativador de plasminogênio pela prós- que irreversível assim como falência renal.3,7 O me-
tata, que converte o plasminogênio em plasmina na lhor tratamento da hipotensão se baseia em corrigir
circulação.3 Coagulação intravascular disseminada a hiponatremia e a hiposmolaridade. É razoável esta-
pode ser desencadeada pela absorção de tecidos belecer uma PAS de 100 mmHg ao invés de buscar os
prostáticos ressecados, que são ricos em tromboplas- valores basais de cada paciente.7 Dor torácica, quan-
tina.3 Também pode ocorrer trombocitopenia dilu- do presente, geralmente apresenta boa resposta com
cional, que agrava a condição.3 oxigenioterapia e analgesia com morfina. Edema pul-
monar é um sintoma secundário que deve ser tratado
com medidas de suporte.7
Hipotermia

Hipotermia é uma complicação frequente nos pa- 2) Hiponatremia e hiposmolaridade


cientes submetidos à RTUP. Queda na temperatura
altera as condições hemodinâmicas do paciente, re- Na hiponatremia com osmolaridade plasmática
sultando em tremores com consequente aumento do normal ou próxima à normalidade, não se recomen-
consumo de oxigênio e possibilidade de sangramen- da nenhuma medida para correção do sódio em
to no sítio cirúrgico.3 Fonte importante de perda de pacientes assintomáticos.7 A presença de sintomato-
calor é a irrigação com fluidos em temperatura am- logia é o fator mais importante que determina a mor-
biente imputando em queda de até 1-2 oC na tempe- bimortalidade. Assim, o tratamento da hiponatremia
ratura corporal.3 Paciente idosos são particularmente e hiposmolaridade está plenamente indicado quan-
sensíveis à hipotermia.3 do produzem sintomatologia clinicamente evidente
no paciente.7
Existem vários enfoques terapêuticos para o trata-
TRATAMENTO mento dessas condições.
- Hiponatremia leve a moderada (Na+ >
Prevenir toda e qualquer manifestação da síndro- 120mmol/l): Restrição volêmica e diuréticos de alça
me nem sempre e possível, contudo se diagnosticada (furosemida 10mg podendo-se elevar as doses). Limi-
nos estágios iniciais pode-se interromper a evolução tam-se aos casos de hipervolemia pós RTUP podendo
para complicações cada vez mais graves.8 Por apre- piorar a hiponatremia em outras circunstâncias.7 A
sentar sintomas iniciais inespecíficos é comum o re- utilização de diuréticos osmóticos (manitol) induz
tardo no diagnóstico e tratamento.7 O indicador mais perda de Na+ nas primeiras 12h pós procedimento,
amplamente utilizado de sobrecarga volêmica é a sendo incapaz de reduzir seus níveis nas primeiras
hiponatremia dilucional (nos raros casos em que se 3-5h podendo até piorar a hipervolemia.7
usa etanol como solução de irrigação pode-se moni- - Hiponatremia grave (Na+ < 120mmol/l): Alguns
torizar o nível exalado de álcool).4 Outros métodos autores sugerem que a salina hipertônica não deve
incluem: acompanhar o balanço de fluidos, a ten- ser utilizada pelo risco de sobrecarga vascular e ede-
dência da pressão venosa central (PVC), as concen- ma pulmonar. Idealmente deveria-se aguardar a diu-
trações plasmáticas dos outros íons (principalmente rese espontânea ou força-lá com diuréticos.7 Outros
Ca2+ e Mg2+), as alterações na impedância transto- orientam infusão de 200-500 ml de salina a 3% em 4
rácica e o ganho de peso do paciente.4 A terapêutica horas para restaurar os níveis séricos de sódio (infu-
deve ser individualizada baseada no tipo e gravidade são máxima 100ml/h).7 A correção deve ser suspensa
dos sintomas.7 quando sódio sérico atingir 120 mEq/l. Esta elevação
não deve ser superior a 12 mEq/l em 24 horas.7 Da-
1) Alterações cardiovasculares dos recentes sugerem que essa conduta não se as-
socia com elevação da PVC ou danos neurológicos,
Pacientes que apresentam manifestações cardio- reduzindo a mortalidade e revertendo rapidamente
vasculares devem ser monitorizados em unidade de alguns dos sintomas.7 Muitos autores defendem cor-
terapia intensiva.7 Intubação orotraqueal deve ser reção agressiva da hiponatremia/hiposmolaridade
considerada naqueles que apresentam dispnéia e até a melhora dos sintomas ao invés de se basear nos
hipoxemia, avaliando hiperventilação temporária níveis isolados de Na+ plasmáticos.7 A complicação
naqueles que apresentam edema cerebral com al- mais temida da correção desse distúrbio iônico é a
terações neurológicas. Tratamentos empíricos com mielinólise pontina, associada à correções rápidas (>
diuréticos devem ser evitados.7 A hipertensão geral- 1,5mmol de Na+/L/h). Porém deve-se levar em consi-
mente é transitória mas pode ser importante a pon- deração que uma correção demasiadamente lenta se
to de necessitar de vasodilatadores. Já a hipotensão associa com maior mortalidade.7

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Síndrome de ressecção transuretral da próstata

Tabela 3: principais considerações terapêuticas na retorno da visão completa sem outras medidas tera-
srtup7 pêuticas específicas.7

6)Coagulopatia

Se houver suspeita de fibrinólise, bolus intrave-


noso seguido de infusão contínua de acido aminoca-
próico pode ser antídoto efetivo.3
3) Anúria

A diurese deve ser estimulada quando as medi- PREVENÇÃO


das de suporte forem iniciadas considerando uma
pressão arterial sistólica mínima de 90-100 mmHg A absorção massiva de fluidos é mais comum
para garantir uma adequada perfusão renal.7 Nes- quando a pressão intravesicular aumenta mais que
sas circunstâncias o manitol pode ser mais efetivo 30 mmHg. Quando mantida abaixo de 15mmHg ela
do que os diuréticos de alça por induzir uma menor virtualmente cessa.4 Limitar a altura da bolsa de irri-
excreção renal de sódio.7 Podem ser administrados gação à 40 cm acima da próstata ou realizar drena-
após a infusão de salina hipertônica nos casos de fa- gem contínua com trocater suprapúbico minimizam
lha de doses anteriores. Quando todas as medidas a absorção.4 Porém nenhum desses métodos pode
terapêuticas fracassam deve-se optar por diálise peri- garantir que a síndrome não aconteça.2,4 Também
toneal ou hemodiálise.7 são fatores de risco para a síndrome: tempo de res-
secção prolongado (maior do que 90 minutos) bem
como peso prostático maior que 45g, uso de fluidos
4) Hiperamonemia hipotônicos e a liberação cirúrgica dos seios pros-
táticos.2,4 Recentemente, o advento de eletrodos bi-
O tratamento dessa condição inclui uma série de polares de coagulação permitiu o uso de fluidos de
medidas para tentar limitar o aumento das concen- irrigação com eletrólitos.1,9 Apesar desse fato reduzir
trações plasmáticas de amônia nos casos que utili- o risco da SRTUP, estudos tem mostrado tempos ci-
zam a glicina como fluido de irrigação.7 Dentre elas rúrgicos maiores devido as áreas finas e pequenas de
a administração de L-arginina que auxilia no meta- ressecção e uma alta incidência de estenose uretral
bolismo hepático da amônia em uréia, uma vez que no pós operatório.1,9
os estoques endógenos de arginina duram em mé-
dia 12h. 7 As doses recomendadas são 4g (20 mmol)
infundidos em 3 minutos ou 38g (180 mmol) admi-
nistrados em 120 minutos sem relatos de toxicidade CONCLUSÃO
com essas doses.7
Durante a RTUP as alterações neurológicas, do
volume intravascular e nas concentrações de solutos
5) Hiperglicinemia podem ocorrer simultaneamente. Isso torna difícil
seu diagnóstico e tratamento. As medidas de suporte
A glicina é considerada responsável, pelo menos permanecem como a principal terapêutica das com-
em grande parte, pela encefalopatia e convulsões plicações pulmonares, cardiovasculares e renais. É
associadas a SRTUP.7 Estas são resistentes aos benzo- de grande importância uma adequada avaliação pré
diazepínicos e anticonvulsivantes habituais (ex. feni- operatória desses pacientes bem como as medidas
toína e barbitúricos). Teoricamente um antagonista preventivas necessárias para minimizar a absorção
do receptor NMDA ou da glicina seriam as melhores de líquidos. Embora a incidência da síndrome tenha
opções terapêuticas.7 Merece destaque o tratamento diminuído nos últimos 50 anos refletindo o melhor
com magnésio para os casos de convulsões de difícil entendimento de sua fisiopatologia e progresso no-
controle e que utilizam a glicina como fluido de irri- tável em sua prevenção e tratamento, o risco de um
gação, uma vez que esse íon exerce um controle ne- paciente submetido a RTUP desenvolver essa com-
gativo sobre o receptor NMDA e seus níveis podem plicação ainda é significativo.
estar diminuídos devido à hemodiluição.7 Os distúr-
bios visuais retornam a normalidade em 24h a medi-
da que os níveis de glicina se aproximam da norma- REFERÊNCIAS
lidade. Considerando que a meia vida da mesma é
de 85 minutos, a melhor medida pode ser aguardar o 1. Nakahira J, Sawai T, Fujiwara A, Minami T.

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Síndrome de ressecção transuretral da próstata

Transurethral resection syndrome in elderly


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