Mulheres Auto Estima Feminismo

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Mulheres, auto-estima e feminismo

Isaura Isabel Conte*

Este artigo tem a pretensão de trabalhar alguns elementos envolvendo Mulheres e a Auto-estima,
vinculado à luta Feminista, ou seja: como elas estão conquistando espaços na perspectiva de serem
reconhecidas. Considero o objetivo de trabalhar tais elementos uma necessidade, em vista de
colocar questões de fundo, devido a tantas formas paliativas de tratar o tema. Compreendo que o
debate da auto-estima das mulheres vinculado á luta de classes, e a situação em que acontecem as
relações de gênero na sociedade classista, não deve permitir distorções acerca do título deste artigo.

O tema Mulheres ligado a auto-estima está na “moda” nos últimos tempos, basta analisar o caráter
dos encontros promovidos, especialmente, em vista da data do oito de março a cada ano. Tratar do
tema Feminismo entre mulheres e homens não é aceito com naturalidade, ainda.

Gebara (2001), afirma que a identidade da mulher é subalterna. Então temos que perguntar POR
QUÊ? Como se chegou a isto? Sempre foi assim? É porque as mulheres gostam de ser vítimas? Por
que tantas palestras e seminários enfocando auto-estima das mulheres? E, afinal, por que as
feministas são taxadas de radicais e loucas?

Se por um lado, o pressuposto da condição de inferioridade do sexo feminino, são aprofundadas


pelo patriarcalismo[1] e pelas relações de poder estabelecidas pelo sistema patriarcal, há, também,
possibilidade de desconstrução daquilo que se tem, até então, como parâmetro.

Segundo Gebara (2001), a sociedade patriarcal constituída há mais de 10.000 anos, criou e firmou
uma hierarquia de culpa, a qual é classista, racista e sexista. Com isto se quer dizer que sendo pobre,
mulher e negra, maior a culpabilidade pelos pecados e desgraças que acontecem no mundo. E,
decorrente disso é imposto e aceito, por parte das mulheres, a diminuição em todos os sentidos: de
sofrer e naturalizar as formas de violência a ponto de não percebê-las; legitimar espaços de poder,
trabalhos e tarefas diferenciadas para homens e mulheres; serem negadas de direitos fundamentais
do ser humano.

Se as mulheres foram postas em lugares considerados secundários, de menos valor, onde pouco ou
quase nada podem, junto a uma cultura de obediência e submissão, como poderão ter auto-estima?
Como poderão concordar que a tão falada igualdade existe?

A auto-estima não vem do nada. Ela é construída e precisa de condições objetivas, não é um faz de
conta. Arrumar o cabelo, pintar as unhas, passar batom faz parte da vida de muitas mulheres, mas
não é isto que define que uma mulher é ou está feliz. A auto-estima tem a ver com as relações e
papéis estabelecidos entre as pessoas e destas com o meio onde vivem ou são submetidas a viver.

Na sociedade capitalista hierarquizada em que se vive, há um faz de conta: o de que todos são
iguais perante a lei. É justamente o “todos” que ressalta o masculino e que faz subentender as
mulheres. Elas estão longe, efetivamente, de estarem em condições de igualdade, pois o fato de
existir a lei não as coloca, repentinamente, em igualdade. Com relação ao “todos”, ás vezes devem
pensar que a referência é feita a elas, e, às vezes não, dependendo do que se trata. É em nome da
neutralidade que elas desaparecem e são diluídas, tratadas como se tivessem pênis.

Foi a organização feminista, como reação à invisibilidade imposta, que começou a fazer com que as
mulheres reivindicassem o que lhes é de direito. O debate do sexismo e da linguagem sexista
apareceu graças ao debate feminista que foi pautado através da luta das mulheres, após milênios de
m
massacre.

Voltando a falar de feminismo, segundo Gebara (2001), ele surge a partir de movimentos de
mulheres urbanas, de classe média na Europa após a Segunda Guerra Mundial e nos Estados
Unidos, a partir da década de 1960. Num primeiro momento aparece como reivindicação e,
também, pergunta: por que eu não tenho direito? O direito a que se referia era direito a voto, a
cidadania, a ser considerada pessoa. Vale ressaltar, entretanto, que no século XIV e XV, na Itália,
segundo Frei Betto (2001), pelo menos três feministas[2] fizeram elaborações denunciando a
ccondição de clausura das mulheres.

Através do movimento feminista, o qual se estabelece com mais força a partir dos anos de 1970 na
América Latina e no Brasil, que se começa a querer de volta tudo o que foi negado, inclusive, poder.
E, em se tratando de poder, obviamente que deveria assustar a maioria dos homens, e, que a igreja
celibatária o consideraria coisa do demônio. Não há estranhamento em verificar que por parte do
pensamento da igreja hegemônica, há excomungação do feminismo até os dias atuais[3], porque ele
vem para revirar a paz falsa implantada a custa de violência contra as mulheres, e, normalizada pela
ssociedade com um todo.

O feminismo nasceu do clamor das vozes sufocadas e proibidas das mulheres durante séculos.
Como mulheres cerceadas haveriam de ter auto-estima? Como tinham força para viver se eram
culpadas pelas tentações dos homens, se seus corpos eram considerados morada do demônio e das
i
impurezas?

O movimento feminista no Brasil bem como nos demais países, surge como algo fora da lei e, desde
logo começa a ser combatido, por isso é subversivo, entretanto, vai ganhando mais e mais adeptas.
A ONU[4] foi pressionada e declarou em 1975, o Ano Internacional da Mulher e, que,
posteriormente, declarou de 1975 a 1985, a década da Mulher em todo o mundo (Frei Betto, 2001).
Todas aquelas que, até então, não tinha voz e vez, têm um instrumento que começa a lhe dar força e
a fazer uma enorme pressão coletiva, para a transformação das relações desiguais de gênero.

O movimento das esquerdas brasileiras, mesmo durante ou após a ditadura militar não foi capaz de
incluir em sua agenda, de forma efetiva, as questões das mulheres, entendendo que tais questões se
resolveriam automaticamente com as transformações de cunho econômico, e, foi um grande
equívoco. Um grande número de mulheres passou a ser militante de partidos políticos e sindicatos,
porém, nada mudava dentro dessas estruturas, pensadas por homens. Para ilustrar, eis a citação
a
abaixo:

Agora me pergunto se a incapacidade do socialismo de abrir espaço para a agenda feminista –


para realmente adotar esta agenda à medida que emerge naturalmente em cada história e cada
cultura – seria uma das razões pelas quais o socialismo não poderia sobreviver como sistema
((MÉSZARÓS, 2002: 290).

É oportuna a colocação do autor acima citado, entretanto, não há de se concordar que o movimento
feminista é algo que surge naturalmente na história. Se fosse pela naturalidade e pela naturalização
das coisas, justamente o feminismo jamais existiria. As mulheres feministas eram acusadas, pelos
chamados esquerdistas, de dividirem a luta, de serem contra o socialismo, e de serem, portanto,
a
anti-revolucionárias.

Segundo Pañuelos en Rebeldía (2007), foi com a volta de muitas mulheres do exílio de países
europeus, especialmente, que o feminismo recebeu força na América Latina. Durante o período de
exílio, elas conseguiram encontrar companheiras feministas e, então, entender, a importância de ter
espaços e organizações específicos de debates sobre os temas que dizem respeito às mulheres, seus
ccorpos e a condução de suas vidas.

Para Cestari (2008), os primeiros grupos feministas surgem no Brasil a partir de 1972 no Rio de
Janeiro e São Paulo, sendo estes, grupos pequenos, de no máximo 20 pessoas. Reuniam mulheres
em geral da classe média que se conheciam anteriormente e tinham afinidades intelectuais e
políticas. Além disso, o encontro entre os grupos feministas e os movimentos populares de mulheres
que não reivindicavam-se feministas ainda, e, muitas vezes até repulsavam o feminismo, no
decorrer dos anos 1970 e 1980 aproximaram-se do feminismo e contribuíram para que este se
eestabelecesse como movimento de massas. E, pode-se dizer que, no país

... o feminismo contemporâneo assumiu desde o início uma dimensão claramente reivindicatória
e transformadora: mudar a situação da mulher implicando mudar a pouco democrática e
extremamente desigual sociedade brasileira. O programa das feministas, neste sentido, incluía
reivindicações “específicas” (creche, mudanças na legislação da família, etc.) e “gerais” (o fim da
dditadura, uma sociedade socializada, etc.) (MORAES, 1997 p.30).

Não há dúvida que o dar-se conta da opressão e da exploração sofridas no cotidiano, e encontrando
formas de reação, através da subversão, principalmente coletiva, que se possibilita às mulheres,
libertação e auto-estima. Freire (1989), diria que são as oprimidas as que precisam,
necessariamente, se levantar contra a opressão. É desta forma que se visualiza possibilidade de
recuperar e construir a auto-estima individual e coletiva das mulheres, pois já é hora de saírem da
i
invisibilidade.

Contudo, atualmente, se pode afirmar que com o clamor do olhar para a diversidade neste século
XXI, o feminismo vem criando força e se alastrando tanto no Brasil, quanto em outros países,
inclusive com ações e críticas fortes ao capitalismo, pois quem mais sofre as conseqüências deste,
ssão as mulheres.

O capitalismo tem um jeito sutil de explorar e subjugar as mulheres: seja concentrando poder, seja
impondo estereótipos de corpo, pensamento e consumo, que faz delas, escravas ou culpadas por não
poderem ostentar o padrão instituído. Atualmente, a idéia de auto-estima vinculada ao consumismo
alimenta um sistema perverso que desrespeita o ser humano e a natureza e, que geralmente, é para
agradar o outro ou viver de aparências. Que auto-estima é essa onde as mulheres passam a ser
enfeites e objetos, e, ainda, concorrentes entre si? Porque precisam entrar nesse jogo? Não seria por
ccausa do sentimento de inferioridade?

Segundo Faria e Nobre (2003), o feminismo atual tem a obrigação de se caracterizar como anti-
racista, anti-capitalista e pela defesa do planeta, pois é preciso construir uma outra sociedade, com
outros valores. De fato, não é possível a perspectiva da equiparidade, até que as mulheres e o
trabalho que desenvolvem sejam considerados de segunda importância. Fica bastante difícil,
enquanto mulheres, manterem auto-estima, até que as relações sejam balizadas por qualquer tipo de
preconceito, discriminação, desconsideração e violência. O feminismo deve servir para questionar
ttodo o poder desigual, todas as injustiças cometidas ao longo da historia.

Referências:
CESTARI, Mariana Jafet. O Movimento Feminista e o Movimento de Mulheres na América latina
na década de 1970: Brasil e Argentina. Juiz de Fora, MG: UFJF; ENFF, 2008. (Trabalho de
Conclusão do Curso de Pós Graduação em Estudos Latinoamericanos).

FARIA, Nalu e NOBRE, Miriam (Org). A Produção do Viver. São Paulo: SOF – Sempreviva
Organização Feminista, 2003.

FREI BETTO. A Marca do Batom, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

GEBARA, Ivone. Cultura e Relações de Gênero. São Paulo:Cepis, 2001.

MÉSZÁROS, István. Para Além do Capital. Sao Paulo: Boitempo, 2002.

MORAES, Maria Lygia Quartim de. O Feminismo e a vitória do neoliberalismo.In: Mônica Raisa
Schpun (org.). Gênero sem fronteiras, oito olhares sobre mulheres e relações de gênero.
Florianópolis, SC: Editora Mulheres, 1997.

MURARO, Rose Marie. Memórias de Uma Mulher Impossível. 5ª ed. Rosa dos Ventos. Rio de
Janeiro, 2004.

PAÑUELOS EM REBELDÍA. Hacia Una Pedagogía Feminista. Gêneros y Educación Popular.


Buenos Aires: America Libre, 2007.

SAFFIOTI, Heleieth (2001) apud RICHARTZ, Teresinha (2004) Conceituando Gênero e


Patriarcado. SP: PUC.

* Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.

[1] O patriarcalismo trás implícita a noção de relações hierarquizadas entre os seres com poderes
desiguais. É ele que trás as ferramentas explicativas para as desigualdades transformadas em
subordinação das mulheres. (SAFFIOTI, 2001 apud RICHARTZ, 2004). .

[2] Trata-se de Lucrecia Marinelli (escreveu “A nobreza e a excelência da Mulher”); Moderata


Fonte (escreveu “Valor da Mulher”) e Arcângela Tarabotti (escreveu “Anti-Sátira”)

[3] Conforme Muraro (2004) que ressalta os empecilhos colocados por parte da igreja com relação
aos debates feministas e ao próprio feminismo. Rose faz a afirmação baseada em sua história de
vida, quando assumiu a direção da editora Vozes no Rio de Janeiro em meados de 1950. Junto a
isto, fez parte dos primeiros de bates feministas, no Brasil, com a vinda de Betty Fridmann, a qual
ela acompanhou pessoalmente.

[4] Organização das Nações Unidas.

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